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INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO - FUNDAMENTOS DE UMA DOGMÁTICA CONSTITUCIONAL TRANSFORMADORA LUÍS ROBERTO BARROSO Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Master of Laws pela Yale Law School. Procurador do Estado e Advogado no Rio de Janeiro. 3ª edição 1999 Editora Saraiva ÍNDICE GERAL Abreviaturas IX Um prefácio afinal desnecessário XI Registros XXI INTRODUÇÃO 1. A interpretação. Generalidades 2. Apresentação do tema 3. Plano de trabalho 6 PARTE 1 A DETERMINAÇÃO DA NORMA APLICÁVEL Introdução CONFLITOS DE NORMAS NO ESPAÇO E NO TEMPO Capítulo 1 A CONSTITUIÇÃO E O CONFLITO DE NORMAS NO ESPAÇO. DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL 1. O tratado internacional e a Constituição 2. A norma estrangeira e a Constituição a) A norma estrangeira e a Constituição de origem b) A norma estrangeira e a Constituição brasileira Capítulo II A CONSTITUIÇÃO E O CONFLITO DE NORMAS NO TEMPO. DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL 1. A Constituição nova e a ordem constitucional anterior 2. Emenda constitucional e Constituição em vigor 3. Constituição nova e direito infraconstitucional anterior 4. Algumas questões de direito intertemporal suscitadas pelo advento de uma nova Constituição a) Inexistência de inconstitucionalidade formal superveniente b) Aplicação imediata, mas não retroativa, da Constituição nova c) Declaração de inconstitucionalidade e efeito repristinatório d) Situações processuais específicas e) Normas infraconstitucionais não recepcionadas pela Constituição de 1988 PARTE II A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL Capítulo I OS MÉTODOS E CONCEITOS CLÁSSICOS APLICADOS À INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 1. Introdução 2. Peculiaridades das normas constitucionais 3. Conceitos, classificações e métodos clássicos de interpretação a) Subjetivismo e objetivismo. O originalismo nos Estados Unidos b) Interpretação constitucional legislativa, administrativa, judicial, doutrinária e autêntica c) Interpretação declarativa, restritiva e extensiva d) Os métodos ou elementos clássicos de interpretação I - A interpretação gramatical II - A interpretação histórica III - A interpretação sistemática IV - A interpretação teleológica e) Integração da vontade constitucional. Analogia e costume consti- tucional 4. A interpretação constitucional evolutiva

Luis Roberto Barroso - Interpretação e Aplicação da Constituição

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INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO - FUNDAMENTOS DE UMA DOGMÁTICA CONSTITUCIONAL TRANSFORMADORALUÍS ROBERTO BARROSOProfessor Titular de Direito Constitucional da Universidade doEstado do Rio de Janeiro. Master of Laws pela Yale Law School.Procurador do Estado e Advogado no Rio de Janeiro.3ª edição 1999 Editora Saraiva

ÍNDICE GERALAbreviaturas IXUm prefácio afinal desnecessário XIRegistros XXIINTRODUÇÃO1. A interpretação. Generalidades2. Apresentação do tema3. Plano de trabalho 6PARTE 1A DETERMINAÇÃO DA NORMA APLICÁVELIntroduçãoCONFLITOS DE NORMAS NO ESPAÇO E NO TEMPOCapítulo 1A CONSTITUIÇÃO E O CONFLITO DE NORMAS NO ESPAÇO.DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL1. O tratado internacional e a Constituição2. A norma estrangeira e a Constituiçãoa) A norma estrangeira e a Constituição de origemb) A norma estrangeira e a Constituição brasileiraCapítulo IIA CONSTITUIÇÃO E O CONFLITO DE NORMAS NO TEMPO.DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL1. A Constituição nova e a ordem constitucional anterior2. Emenda constitucional e Constituição em vigor3. Constituição nova e direito infraconstitucional anterior4. Algumas questões de direito intertemporal suscitadas pelo adventode uma nova Constituiçãoa) Inexistência de inconstitucionalidade formal supervenienteb) Aplicação imediata, mas não retroativa, da Constituição novac) Declaração de inconstitucionalidade e efeito repristinatóriod) Situações processuais específicase) Normas infraconstitucionais não recepcionadas pela Constituiçãode 1988PARTE IIA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONALCapítulo IOS MÉTODOS E CONCEITOS CLÁSSICOS APLICADOSÀ INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL1. Introdução2. Peculiaridades das normas constitucionais3. Conceitos, classificações e métodos clássicos de interpretaçãoa) Subjetivismo e objetivismo. O originalismo nos Estados Unidosb) Interpretação constitucional legislativa, administrativa, judicial,doutrinária e autênticac) Interpretação declarativa, restritiva e extensivad) Os métodos ou elementos clássicos de interpretaçãoI - A interpretação gramaticalII - A interpretação históricaIII - A interpretação sistemáticaIV - A interpretação teleológicae) Integração da vontade constitucional. Analogia e costume consti-tucional4. A interpretação constitucional evolutiva

Capítulo IiPRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO ESPECIFICAMENTECONSTITUCIONAL1. Os princípios constitucionais como condicionantes da interpretaçãoconstitucional2. Princípio da supremacia da Constituição3. Princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos doPoder Público4. Princípio da interpretação conforme a Constituição5. Princípio da unidade da Constituição6. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade7. Princípio da efetividadePARTE FINALA OBJETIVIDADE DESEJADA EA NEUTRALIDADE IMPOSSÍVEL:O PAPEL DO INTÉRPRETE NA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONALCapítulo ISABER JURÍDICO CONVENCIONAL, TEORIA CRÍTICA DO DIREITOE DIREITO ALTERNATIVO. A SÍNTESE NECESSÁRIA1. Introdução2. A teoria crítica3. O direito alternativo4. Objetividade e neutralidade. Os limites do possívelCapítulo IiCONCLUSÕESÍndice onomásticoÍndice alfabético-remissivoBibliografia

ABREVIATURASADCT - Ato das Disposições Constitucionais TransitóriasADIn - Ação Direta de InconstitucionalidadeAgI - Agravo de InstrumentoAgRg - Agravo RegimentalAJCL - American Journal of Comparative LawAJIL - American Journal of International LawBVerfGE - Entscheidungen des BundesverfassungsgerichtDJU - Diário de Justiça da UniãoEmbgs - EmbargosILM - International Legal MateriaisMI - Mandado de InjunçãoML - Medida LiminarMS - Mandado de SegurançaQO - Questão de OrdemRDA - Revista de Direito AdministrativoRE - Recurso ExtraordinárioRep - Representação de InconstitucionalidadeREsp - Recurso EspecialRILSF - Revista de Informação Legislativa do Senado FederalRF - Revista ForenseRMS - Recurso em Mandado de SegurançaRT - CDC e CP - Revista dos Tribunais - Cadernosde Direito Constitucional e Ciência PolíticaRTDP - Revista Trimestral de Direito PúblicoRTJ - Revista Trimestral de JurisprudênciaSTF - Supremo Tribunal FederalSTJ - Superior Tribunal de JustiçaTFR - Tribunal Federal de Recursos

UM PREFÁCIO AFINAL DESNECESSÁRIO Estas palavras não pretendem ser um prefácio que mereça o nome. Não é que alimentasse a presunção de oferecer um desses prefácios

densos e eruditos, que, às vezes, dissimulam a ambição de competircom a obra que apresentam. Honrado, porém, pelo convite do autor para prefaciar a publicaçãoda tese - que lhe deu as merecidas galas de Professor Titular da Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro - e verdadeiramente impressio-nado com a excelência do trabalho, cheguei a cogitar, à guisa de prefá-cio, de dar um testemunho: aos sete anos de cotidiana interpretação cons-titucional por dever de ofício, pensei aproveitar o tema e dar conta dométodo e dos motivos de votar de um juiz do Supremo Tribunal Federal.Ao menos, dos motivos conscientes e racionais. Que os outros - supe-rado, embora, o mito ingênuo ou mistificador da interpretação neutra (enão apenas imparcial) - são, de regra, indevassáveis: não que os queiraocultar o intérprete, mas porque, na grande maioria das vezes, é elepróprio o primeiro a ignorá-los. Na Parte Final deste livro, disse-o o autor, de modo irretocável: "Idealmente, o intérprete, o aplicador do direito, o juiz,deve ser neutro. E é mesmo possível conceber que ele sejaracionalmente educado para a compreensão, para a tolerân-cia, para a capacidade de entender o diferente, seja o homos-sexual, o criminoso, o miserável ou o mentalmente deficien-te. Pode-se mesmo, um tanto utopicamente, cogitar de libertá-lo de seus preconceitos, de suas opções políticas pessoais eoferecer-lhe como referência um conceito idealizado easséptico de justiça. Mas não será possível libertá-lo do pró-prio inconsciente, de seus registros mais primitivos. Não hácomo idealizar um intérprete sem memória e sem desejos.Em sentido pleno, não há neutralidade possível". Frustrou-se o intento do depoimento pessoal, atropelado pelas tur-bulências da presidência do Tribunal e das dimensões inéditas da crisedo Judiciário, que venho tentando discutir sem preconceitos. E aindapela certeza de que nenhuma contribuição justificaria retardar ainda maisa publicação de estudo tão significativo. Este livro, cuja apresentação a amizade de Luís Roberto Barrosome entregou, consolida a inscrição do conjunto da sua obra, fruto dajuventude ainda vigente, no rol das melhores produções da teoria cons-titucional brasileira. O trabalho premiado do estudante O problema da federação(Forense, 1982) - que o grande Seabra Fagundes, no prefácio, não he-sitou em saudar como "dos melhores já escritos sobre o regime federalno Brasil" prenunciava os marcos característicos do jurista consagradode hoje: o domínio seguro dos princípios, da história e da dogmáticaconstitucional, sem asfixia do compromisso com o seu País e o seu povo. Vem dessa época a nossa aproximação pessoal, na militância daOAB, ao tempo em que, "sobre o crepúsculo do autoritarismo, incidemas primeiras frestas de claridade" (O problema da federação, cit.,p. XII). 1. Prêmio Cândido de Oliveira Neto, 1980, da OAB-RJ. Já em 1989 - entremeando-se na série de trabalhos menores, noentanto, de valor indiscutível (assim, p. ex., Igualdade perante a lei, de1985, Revista de Direito Público, 78:65, e A crise econômica e o direitoconstitucional, de 1993, Revista Forense, 323:83) - completa o autor aversão original de sua tese de livre-docência -A força normativa da Cons-tituição. Elementos para a efetividade das normas constitucionais - aqual, ampliada e atualizada, foi divulgada em duas edições, como títulodefinitivo - O direito constitucional e a efetividade de suas normas -e o subtítulo que trai o engajamento do teórico - Limites e possibilida-des da Constituição brasileira (Renovar, 1991 e 1993). Na primeira das edições, a veemente divergência com a minha pos-tura restritiva nos leading cases acerca da natureza e das potencialidadesdogmáticas do mandado de injunção - tal como instituído e disciplina-do (e muito mal) pela Constituição - valeu-me, na transcrição de uma

ementa, o epíteto de ser uma "pena ilustre - outrora progressista" (Odireito constitucional e a efetividade de suas normas, cit., p. 179), ex-pressões abrandadas, com sutileza, na edição seguinte (O direito consti-tucional e a efetividade de suas normas, cit., p. 183). A impiedade da crítica do amigo - que assim aparentemente mecompelia à retirada do círculo dos "progressistas", onde há anos o rece-bera - nem afetou a amizade, nem alterou o juízo extremamente posi-tivo sobre o trabalho. 2. Juízo positivo, aliás, que já nem poderia dissimular: da leitura dos originais da tese, delaextraíra citação, precedida de referência elogiosa, que erigira em um dos pilares da fundamentaçãodo voto em que tomara posição na polêmica - MI 107 (QO), Moreira Alves, RTJ, 133:11, 50. De qualquer sorte, até por vaidade intelectual, não ousaria retratar-me dos justos encômios ao estudo: a verdade é que - após o clássico deJosé Afonso da Silva sobre a eficácia jurídica das normas constitucio-nais - a monografia de Barroso, em torno dos caminhos possíveis paraa efetividade (ou eficácia social) da Constituição, deu novas dimensões,no Brasil, ao esforço para vencer a paralisia das inovações constitucio-nais contra a resistência à sua realização de parte dos interesses criados. 3. José Afonso da Silva,Aplicabilidade das normas constitucionais, Revista dos Tribunais, 1968. Esta segunda tese, que hoje me orgulha apresentar, responde àsmesmas inspirações do jurista comprometido com a descoberta e a ex-ploração das potencialidades transformadoras da Constituição. Sua tônica é a mesma da obra anterior, uma obsessão fértil com aefetividade da norma constitucional, expressa nesta passagem feliz, quetraduz a declarada influência de Konrad Hesse: "O malogro do constitucionalismo, no Brasil e alhu-res, vem associado à falta de efetividade da Constituição,de sua incapacidade de moldar e submeter a realidade so-cial. Naturalmente, a Constituição jurídica de um Estado écondicionada historicamente pelas circunstâncias concre-tas de cada época. Mas não se reduz ela à mera expressãodas situações de fato existentes. A Constituição tem umaexistência própria, autônoma, embora relativa, que advémde sua força normativa, pela qual ordena e conforma o contex-to social e político. Existe, assim, entre a norma e a rea-lidade, uma tensão permanente. É neste espaço que sedefinem as possibilidades e os limites do direito consti-tucional". Ou nesse parágrafo, irretocável, que trai a segura apreensão do me-lhor da lógica de Kelsen: "No nível lógico, nenhuma lei, qualquer que seja suahierarquia, é editada para não ser cumprida. Sem embargo,ao menos potencialmente, existe sempre um antagonismoentre o dever-ser tipificado na norma e o ser da realidadesocial. Se assim não fosse, seria desnecessária a regra, poisnão haveria sentido algum em impor-se, por via legal, algoque ordinária e invariavelmente já ocorre. É precisamenteaqui que reside o impasse científico que invalida a suposi-ção, difundida e equivocada, de que o direito deve limitar-se a expressar a realidade de fato. Isso seria sua negação.De outra parte, é certo que o direito se forma com elemen-tos colhidos na realidade, e seria condenada ao insucesso alegislação que não tivesse ressonância no sentimento so-cial. O equilíbrio entre esses dois extremos é que conduz aum ordenamento jurídico socialmente eficaz". 4. A Hans Kelsen, contudo, a obra reserva, depois (Parte Final, cap. 1, n. 1), um tratamento

injusto e incide na assimilação, também difundida mas equivocada, entre o normativismo da TeorhiaPura - que tem um dos seus pontos fortes na revelação do caráter também criador das etapassucessivas de aplicação do direito, até a sentença, inclusive (cf., p. ex., Teoría general del derechoy del Estado, trad., México, 1949, p. 137 e s.) - e o formalismo dos exegetas, este, sim, que parteda premissa de "que a atividade do intérprete se desenvolve por via de um processo dedutivo, demera subsunção do fato à norma", de sentido supostamente inequívoco: permita-me o autor a críti-ca ligeira, que, por força do contraste, realçará os muitos elogios. O tema agora eleito - Interpretação e aplicação da Constituiçãode trato freqüentemente negligenciado, quando não enfadonhamenterepetitivo, seguramente não é uma promessa, necessariamente mistificadora.de ensinar caminhos sem desvios nem alternativas para a soluçãopretensamente unívoca de todo e qualquer problema constitucional. Ao contrário, o subtítulo da tese - Fundamentos de uma dogmáticaconstitucional transformadora - desvela o engajamento progressistado autor, que o parágrafo final do estudo corajosamente renova: "O constituinte é invariavelmente mais progressista queo legislador ordinário. Tal fato dá relevo às potencialidades dodireito constitucional, e suas possibilidades interpretativas. Semabrir mão de uma perspectiva questionadora e crítica, é possí-vel, com base nos princípios maiores da Constituição e nosvalores do processo civilizatório, dar um passo à frente nadogmática constitucional. Cuida-se de produzir um conheci-mento e uma prática asseguradores das grandes conquistashistóricas, mas igualmente comprometidos com a transfor-mação das estruturas vigentes. O esboço de uma dogmáticaautocrítica e progressista, que ajude a ordenar um país capazde gerar riquezas e distribuí-las adequadamente". Essa audaciosa declaração de compromisso do autor com a"transformação das estruturas vigentes" não seria de celebrar se setratasse apenas de mais uma dessas tentativas, tão comuns na área dodireito público, de vender crenças ideológicas dessa ou daquela co-loração como soluções de dogmática constitucional, de simuladaneutralidade científica. Certo, Luís Roberto Barroso denuncia com razão que "a idéia deneutralidade do Estado, das leis e de seus intérpretes, divulgada peladoutrina liberal-normativista, toma por base o status quo” e, por isso, sóreputa neutra “a decisão ou a atitude que não afeta nem subverte asdistribuições de poder e riqueza existentes na sociedade". É verdade também que não receou enfrentar preconceitos e resga-tar, da superficialidade da réplica que sói opor-lhe a crítica reacionária,os aspectos positivos da "teoria crítica do direito" e do movimento do"direito alternativo". Não obstante, a obra repele decididamente a pregação dos que, apartir da "impossibilidade da objetividade plena" - dado o inextirpávelcoeficiente de subjetividade que toda interpretação contém -, renun-ciam na sua prática à busca da "objetividade possível". Daí, o traço antológico da linha de equilíbrio que propõe: "A impossibilidade de chegar-se à objetividade plenanão minimiza a necessidade de se buscar a objetividadepossível. A interpretação, não apenas no direito como emoutros domínios, jamais será uma atividade inteiramentediscricionária ou puramente mecânica. Ela será sempre oproduto de uma interação entre o intérprete e o texto, e seuproduto final conterá elementos objetivos e subjetivos. E ébom que seja assim. A objetividade traçará os parâmetros

de atuação do intérprete e permitirá aferir o acerto de suadecisão à luz das possibilidades exegéticas do texto, dasregras de interpretação (que o confinam a um espaço que,normalmente, não vai além da literalidade, da história, dosistema e da finalidade da norma) e do conteúdo dosprincípios e conceitos de que não se pode afastar. A subje-tividade traduzir-se-á na sensibilidade do intérprete, quehumanizará a norma para afeiçoá-la à realidade, e permiti-rá que ele busque a solução justa, dentre as alternativas queo ordenamento lhe abriu. A objetividade máxima que sepode perseguir na interpretação jurídica e constitucional éa de estabelecer os balizamentos dentro dos quais o apli-cador da lei exercitará sua criatividade, seu senso do razoa-vel e sua capacidade de fazer a justiça do caso concreto". A essa orientação o autor consegue manter-se invariavelmente fiel,à custa da rejeição coerente à tentação dos desvios de todas as bandas. Assim, de um lado, na trilha do seu mestre, o notável José CarlosBarbosa Moreira volta a denunciar a lógica predileta dos reacionários,"uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional brasileira,que é a interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar otexto novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tãoparecido quanto possível com o antigo". Repele, no entanto, com igual vigor, o "charlatanismo constitucio-nal", mercê do qual, com freqüência, intérpretes politicamente compro-metidos - incluídos alguns dos nossos - forcejam por ignorar princí-pios elementares e limites intransponíveis da dogmática do ordenamentopositivo, à busca de uma falsa legitimação jurídica para suas posições. Essa fidelidade à dignidade científica da interpretação constitucio-nal, sem prejuízo da criatividade e do compromisso com a transforma-ção, na medida em que dogmaticamente viáveis, responde pelo nível dealtiplano, sem depressões, que o livro mantém, do começo ao fim. É impossível, contudo, não assinalar alguns pontos da obra, cujaparticular cintilação a singulariza, no panorama de hoje da nossa doutri-na constitucional. Entre eles, toda a Parte I - A determinação da norma aplicável -,que, salvo engano, pela sistemática do trato dos conflitos das normasconstitucionais no tempo e no espaço, não encontra paralelo em nossaliteratura. Nela, ganha realce a precisa análise da questão, quase inexplorada,da legitimidade e dos limites do controle, no foro brasileiro, da validadeda norma estrangeira a aplicar, quer perante a Constituição de origem,quer perante a própria Constituição do Brasil, cujas normas, em passa-gem de grande felicidade, o autor insere na "ordem pública internacio-nal". São páginas ímpares. De relevar também é todo o capítulo destinado a enfatizar o decisi-vo papel dogmático dos princípios constitucionais - "normas eleitaspelo constituinte como fundamentos e qualificações essenciais da or-dem jurídica que instituem" -, os quais - assinala o autor, reafirman-do sua postura fundamental -, por sua generalidade, abstração e capa-cidade de expansão, permitem muitas vezes ao intérprete "superar olegalismo estrito e buscar no próprio sistema a solução mais justa", mas,a um só tempo, "funcionam como limites interpretativos máximos, neu-tralizando o subjetivismo voluntarista dos sentimentos pessoais e dasconveniências políticas, reduzindo a discricionariedade do legislador eimpondo-lhe o dever de motivar seu convencimento". Exemplar igualmente, dentro da mesma diretiva metodológica,nos tópicos que se ocupam dos princípios específicos da interpretaçãoconstitucional, é a exploração das potencialidades do "princípio darazoabilidade" e a definição dos marcos do seu espaço legítimo deincidência. Só duas palavras a mais.

Vai a primeira para o cuidado da tese com a pesquisa e a análise dajurisprudência constitucional brasileira, que a obra de nossos especia-listas, a exemplo do que sucede nos demais ramos do direito, tende sim-plesmente a ignorar. O escamoteamento da jurisprudência pela doutrina, entretanto, éde todo indesculpável. Não é que se pretenda impor ao teórico a submis-são ao entendimento dos tribunais - acentuei, ao prefaciar outra obrarecente: o que não é leal, sobretudo para o leitor jovem, é não dar contadele e transmitir, como verdades apodíticas, opiniões diametralmenteopostas a quanto se tem decidido - certo ou errado, não importa - navivência cotidiana, na Justiça, da lei e da Constituição. 5. José Tarcisio de Almeida Melo, Direito constitucional brasileiro, Del Rey, 1996, prefáciu. É auspicioso verificar que essa tendência tradicional está sendo su-perada por alguns dos melhores nomes da nova geração de publicistasbrasileiros. 6. Cf., a partir de José Celso de Melo Filho (Constituição Federal anotada, Saraiva, 1986) e deGilmar F. Mendes (Controle de constitucionalidade, Saraiva, 1990, e Jurisdição constitucional -controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha, Saraiva, 1996), v. g., Clémerson M. Clêve. Afiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, Revista dosTribunais, 1995; NagihSlaibi Filho, Ação declaratória de constitucionalidade, Forense, 1994; Elival S. Ramos. Àinconstitucionalidade das leis, Saraiva, 1994; Oscar Vilhena Vieira, Supremo Tribunal Federal -jurisprudência política, Revista dos Tribunais, 1994; Joaquim Barbosa Gomes, La Cour Suprëim’dans le système politique brésilien, além de valiosos comentários e críticas de decisões determinadas,e. g., Flávio Bauer Novelli, sobre o julgamento da ADIn 939, declaratória da inconstitucionalidade doart. 2º, § 2º, da EC 3/93, RT - Cadernos de Direito Constitucional, 13:18. Entre eles, com esta tese, Luís Roberto Barroso se inseriu definiti-vamente com minuciosa atenção à jurisprudência constitucional do País,particularmente a do Supremo Tribunal, que analisa com precisão e cri-tica com agudeza, quando entende ser o caso. A transcrição de alguns trechos já dispensaria, a rigor, a últimanota destas palavras, reservada para louvar a clareza e a limpidez doestilo, de elegância ática, infenso a ouropéis e berloques, sem conces-sões à frase arrevesada, às metáforas substitutivas de conceitos técnicose a tantos outros abomináveis vícios de provinciano pedantismo, dosquais muitos de nossos juristas estão longe de libertar-se. Por tudo quanto foi dito, o melhor é encerrar.Afinal, se o livro é tão bom e tão bem escrito, já é mais que hora dedeixar que o leitor desavisado, que haja gasto seu tempo com esta apresen-tação desnecessária, entregue-se afinal ao prazer intelectual da sua leitura.Brasilia, maio de 1996.J. P. Sepúlveda Pertence

REGISTROS Inúmeras pessoas participaram deste projeto, com maior ou menorintensidade, em contribuições intelectuais e afetivas. Por evidente, ne-nhuma delas tem culpa no resultado. Ana Paula de Barcellos tem sidoum adorável anjo da guarda destes últimos anos, com sua dedicação etalento. Luís Eduardo Barbosa Moreira prestou-me valiosa ajuda na pes-quisa dos materiais em italiano e reviu em minúcia o texto final. LúciaMaria Lefebvre Fisher, de novo e sempre, foi a bibliotecária que tomouminha vida mais fácil e melhor. Devo, igualmente, ao Professor Osiris

Cuadrat de Souza inúmeras correções da primeira versão. Nelson Nascimento Diz, Mauro Fichtner Pereira e Joel AlvesAndrade, advogados e pessoas notáveis, foram interlocutores freqüen-tes e gratificantes de minhas angústias e perplexidades. Os ProfessoresJosé Carlos Barbosa Moreira, Milton Flaks, Joaquim Arruda Falcão eHélio Assunção honraram-me com a leitura dos originais e com suascríticas lúcidas e proveitosas. O Professor Gustavo Tepedino tem sidocompanheiro e amigo constante de muitos caminhos, que vêm desde omovimento estudantil e chegarão a um mundo melhor. Os Professores Doutores Caio Tácito, Raul Machado Horta, JoséAlfredo de Oliveira Baracho, Carlos Alberto Direito e Jacob Dolingerintegraram a banca de concurso que me conferiu o grau de titular emDireito Constitucional, com nota máxima. A leitura atenta que fizeramde meu trabalho e as argüições eruditas e instigantes valorizaram imen-samente a conquista. Partilho o título, em profunda comunhão afetiva,com a Professora Carmen Tiburcio, pelo estímulo, carinho e transcen-dente amizade de todos estes anos. Este trabalho é dedicado à Tê, que o acompanhou a cada passo, e àLuna, que nasceu junto com ele. Nas madrugadas e fins de semana emque o escrevi, e por isto não pude estar com elas, reconheci-me no versoencantado de Jorge Luis Borges, uma linda declaração de amor: "Estarcom você ou não estar com você é a medida do meu tempo".Dezembro de 1995LRB

INTRODUÇÃO "Um texto, depois de ter sido separado do seu emissore das circunstâncias concretas da sua emissão, flutua novácuo de um espaço infinito de interpretações possíveis.Por conseqüência, nenhum texto pode ser interpretado deacordo com a utopia de um sentido autorizado definido,original e final. A linguagem diz sempre algo mais do queo seu inacessível sentido literal, que já se perdeu desde oinício da emissão textual."Umberto Eco 1. Umberto Eco, Les limites de l´interprétation, 1992, p. 8.

1. A interpretação. Generalidades A Terra é plana, e todos os dias o sol nasce, percorre o céu de pontaa ponta e se põe do lado oposto. Por muito tempo isto foi tido como umaobviedade, e toda a compreensão do mundo era tributária dessas pre-missas, Que, todavia, eram falsas. Desde logo, uma primeira constatação:as verdades, em ciência, não são absolutas nem perenes. Toda interpre-tação é produto de uma época, de uma conjuntura que abrange os fatos,as circunstâncias do intérprete e, evidentemente, o imaginário de cadaum. Ao longo dos séculos, o homem tem recorrido à mitologia, ao so-brenatural, ao panteísmo, à fé monoteísta de diversos credos e à obses-são do racionalismo. Não necessariamente nessa ordem. Em instigante trabalho no qual procurou traçar um paralelo entre aFísica e o direito constitucional, Laurence Tribe dissertou sobre os trêsgrandes estágios da Física moderna, e como cada um deles influencioua percepção do universo em geral. Newton trabalhou sobre a idéia deque os objetos eram isolados e interagiam a distância e utilizou-se deconceitos metafísicos como espaço e tempo absolutos. A Física pós-newtoniana, marcada pela teoria da relatividade de Einstein, superou afase do absoluto, divulgou a idéia da curvatura do espaço e de que todosos corpos interagem entre si. Por fim, com a Física quântica percebeu-se que a própria atividade de observação e investigação interfere com osfatos pesquisados. Vale dizer: nem mesmo a mera observação é neutra. 2. Laurence Tribe, The curvature of constitutional space: what lawyers can learn from modern

physics, Harvard Law Review, 103:1, 1989. Ao longo do tempo, varia a percepção que o homem tem, não ape-nas do mundo à sua volta, como também de si mesmo. Em passagenclássica, Sigmund Freud identificou três momentos em que, pela mãoda ciência, o homem se viu abalado em suas convicções e mesmo ensua auto-estima. O primeiro golpe deveu-se a Copérnico, com a revela-ção de que a Terra não era o centro do universo, mas apenas um minús-culo fragmento de um sistema cósmico cuja vastidão é inimaginável. Osegundo golpe veio com Darwin, que através da pesquisa biológica des-truiu o suposto lugar privilegiado que o homem ocuparia no âmbito dacriação e provou sua incontestável natureza animal. O terceiro abalo,possivelmente o mais contundente, veio com o próprio Freud, criadorda Psicanálise: a descoberta de que o homem não é senhor absoluosequer da própria vontade, de seus desejos, de seus instintos. Seupsiquis-mo não é dominado pela razão, mas pelo inconsciente. 3. Sigmund Freud, O pensamento vivo de Freud, 1985, p. 59. É certamente possível incluir neste elenco um outro golpe maisre-cente: o fiasco dos países que se organizaram sob inspiração do marxis-mo e puseram em prática o chamado socialismo real. A ideologia, quechegou a envolver quase metade da humanidade e cativou corações ementes por todo o mundo, representava um exercício supremo doracionalismo e um esforço de criação de um novo homem. Um homemque não seria predestinado pela fatalidade, pela providência ou por seuspróprios instintos, mas pela história. Uma história que poderia ser to-mada nas mãos para promover uma sociedade igualitária, solidária epretensamente universal, sem Estados, nacionalismos ou fronteiras.Não faltam os que possam alegar que, desde a primeira hora, denuncia-ram a inviabilidade ou os desvios do modelo, não deixa de ser desoladorpara o espírito humano que tudo tenha acabado em secessão, desordeme fratricídio. O trabalho que a seguir se desenvolve parte da premissa consolida-da de que a interpretação não é um fenômeno absoluto ou atemporal.Ela espelha o nível de conhecimento e a realidade de cada época, bemcomo as crenças e valores do intérprete, sejam os do contexto social emque esteja inserido, sejam os de sua própria individualidade.

2. Apresentação do tema A interpretação constitucional no Brasil era um tema à espera deum autor. Possivelmente continuará a ser. Este estudo, todavia, tem aambição de identificar e sistematizar os elementos essenciais da teoriada interpretação aplicáveis ao direito constitucional. No seu desenvolvi-mento, sem embargo da ênfase dada à realidade brasileira, procurou-seimportar, seletivamente, com moderação e sentido crítico, o que de me-lhor havia no direito comparado sobre a matéria. 4. Posteriormente à publicação da 1ª edição deste livro, em 1996, foram lançados outrostrabalhos monográficos acerca da interpretação constitucional, dentre os quais se destacam: InocêncioMártires Coelho, Interpretação constitucional, 1997; Uadi Lammêgo Bulos, Manual de interpre-tação constitucional, 1997; Celso Ribeiro Bastos, Hermenêutica e interpretação constitucional,1997; Lenio Luiz Streck, Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica daconstrução do direito, 1999. Neste esforço, deu-se especial atenção à bicentenária produçãojurisprudencial da Suprema Corte norte-americana, bem como à fecun-da atuação do Tribunal Constitucional Federal alemão em pouco maisde um quarto de século. Contudo, e naturalmente, reservou-se maior

destaque para as decisões do Supremo Tribunal Federal brasileiro, refe-ridas e reproduzidas com freqüência ao longo do texto, contrariando umvelho hábito da doutrina de tratar a jurisprudência, sobretudo a nacio-nal, com certo desdém. Não se correu o risco, aqui, de ficar de frentepara o mar, de costas para o Brasil. O trabalho que se segue não tem por objeto a filosofia da interpreta-ção constitucional, nem tampouco pretende ser uma teoria geral sobre otema. Ele se volta, predominantemente, para a atividade de realização davontade constitucional, e procura fundamentar, desenvolver e sistemati-zar o conhecimento necessário a tal desiderato. Concentra-se, assim, noitinerário intelectivo a ser percorrido no processo de interpretação da Cons-tituição, desde a determinação da norma aplicável até o ato final de suaincidência sobre o caso concreto, sem descurar do questionamento acercado papel desempenhado pela subjetividade do próprio intérprete. A interpretação constitucional, como a interpretação em geral, nãoé um fenômeno monolítico, singular. Ela é essencialmente plural e com-porta ênfase em aspectos diferentes. Em uma análise científica, assim, épossível voltar a atenção, em primeiro lugar, para o sistema, isto é, parao conjunto de normas, princípios e conceitos inerentes ao processointerpretativo. Pode-se, de outra parte, dar um papel destacado ao obje-to, vale dizer, aos casos concretos, às situações da vida, aos problemasque devem ser solucionados pela interpretação da norma. Por fim, épossível cogitar, ainda, de investigar o papel do sujeito da interpretação,voltando os olhos para os valores e a ideologia do intérprete e sua reper-cussão no produto de seu trabalho. Metodologicamente, portanto, é possível encarar a interpretaçãoconstitucional a partir do sistema, do primado da norma e da dogmáticajurídica tradicional, à qual se adicionam particularidades exigidas pelocaráter singular da Constituição. A interpretação constitucional, por viade conseqüência, é uma espécie de interpretação jurídica, enriquecidapor princípios e regras próprias. Este método, que se pode identificarcomo método hermenêutico clássico, trata a Constituição como lei, eprocura desenvolver sua força normativa, sem embargo de dificuldadesque a peculiar estrutura das normas constitucionais muitas vezes suscita. 5. Ernst-Wolfgang Böckenförde (Escritos sobre derechos fundamentales, 1993) faz refe-rência ao método hermenêutico clássico, que associa a Forsthoff (Rechtsstaat im Wandel, 1976),e dele distingue variações de menor ou maior sutileza, como o método hermenêutico-concretizador,de Konrad Hesse (Grundzüge des VerfassungsR der Bundesrepublik Deutschland. 1976) e F.Müller (Enzvklopãdie der geisteswissenschaftíichen Arbeitsmethoden, 1972), e o que denominainterpretação constitucional orientada às ciências da realidade, de Smend (StaatsrechtlicheAbhandlungen, 1968). É possível, igualmente, optar por uma metodologia que valorizeantes o objeto que motiva a interpretação, isto é, o caso concreto ou oproblema a ser resolvido. Nos países onde vigora a tradição do commonlaw, como nos Estados Unidos, a ênfase da argumentação jurídica recai,precisamente, na discussão dos aspectos de fato da causa e na busca doprecedente mais adequado, sem que exista, normalmente, a rigidez deuma norma taxativa emanada do sistema. Paralelamente ao case systemnorte-americano, desenvolveu-se entre os alemães a tópica, o chamadométodo tópico aplicado aos problemas, pelo qual se sustenta o primadodo problema sobre a norma jurídica e sobre o sistema, onde a interpreta-ção se apresenta como um método aberto de argumentação, indutivo enão dedutivo. Nele, a ordem jurídica é apenas uma referência, um dosargumentos, um dos topoi a serem levados em conta na solução dassituações concretas.

6. Veja-se, por todos, em meio a vastíssima bibliografia, o texto clássico de Karl Llewellyn,The case law system in America, Columbia Law Review, 88:989, 1988. 7. A obra fundamental sobre a tópica é de Theodor Viehweg, Topik und Jurisprudenz, 1953.Vejam-se, também, H. Ehmke, Prinzipien der Verfassungsinterpretation, 1963; Ernst-WolfgangBöckenförde, Escritos sobre derechos fundamentales, cit., p. 19 e s.; José Antonio Estévez Araujo, LaConstitución como proceso y la desobediencia civil, 1994; Eduardo García de Enterría, Reflexionessobre la ley y los principios generales del derecho, 1984. Em língua portuguesa, v. Paulo Bonavides,Curso de direito constitucional, 1993, p. 404 e s. Por fim, é possível, na interpretação constitucional, voltar os olhos parao papel do intérprete, as possibilidades de sua atuação e os limites de suadiscricionariedade. Aqui é de grande relevo o aporte trazido pela teoria crí-tica do direito e seus desdobramentos, notadamente no seu questionamentoda onipotência da dogmática jurídica convencional e da função ideológicado direito e do intérprete. Abre-se, assim, um espaço para a discussão daobjetividade da norma e da neutralidade de seu aplicador, e do papel dodireito como instrumento de conservação e de transformação. 8. V Michel Miaille, Introdução crítica ao direito, 1989; Carlos Maria Cárcova e outros,Materiales para una teoría crítica del derecho, s. d.; Luis Alberto Warat e Eduardo A. Russo,Interpretación de la ley, 1988, v. 1. O presente estudo procurou, na medida do possível, produzir a sín-tese necessária dessas perspectivas distintas. Sem deixar de reconhecer,contudo, que tanto a tópica quanto a crítica - bem como outras varia-ções, que vão do sociologismo ao economicismo - são questionamentosdo sistema legal, do saber jurídico tradicional, e não propostas que pos-sam erradicá-lo ou desdenhá-lo. Rejeitou-se, assim, o ceticismo teóricode que o direito, tanto na sua dimensão científica quanto na normativa,não seja mais do que um instrumento assegurador do status quo eperpetuador de certas relações de poder. Sem embargo da crítica históri-ca severa que se lhe possa fazer, é inegável a existência de um amploespaço onde o direito pode ser não mero reflexo da realidade, mas umaforça capaz de conformá-la e transformá-la. Investiu-se, também, grande esforço na divulgação do conhecimen-to tradicional, na exibição dos métodos clássicos de interpretação e naexploração dos princípios específicos de interpretação constitucional. Épreciso conhecer o direito posto. Tal preocupação poderia decorrer daadvertência de Umberto Eco de que, para violar regras ou opor-se a elas,importa, antes de tudo, conhecê-las e, eventualmente, saber mostrar suainconsistência ou função meramente repressiva. Mas a verdade é que aignorância do que existe conduz antes ao preconceito do que à atuaçãotransformadora. 9. Umberto Eco, Como se faz uma tese, 1993, p. 48. O exame do caso brasileiro revela existirem amplas e generosaspossibilidades exegéticas no texto constitucional em vigor. O texto quese segue procura fornecer elementos, dentro do sistema jurídico, quepermitam ao intérprete neutralizar certas perversões ideológicas - suasou do ordenamento -, realizando a justiça do caso concreto. É um es-forço em busca de uma dogmática jurídica autocrítica e progressista.Mas, de qualquer modo, de uma dogmática jurídica.

3. Plano de trabalho O estudo que aqui se empreende foi concebido em três grandes par-tes, cada uma delas dividida em dois capítulos. A Parte I cuida da deter-

minação da norma aplicável. Trata-se de investigação em tema normal-mente negligenciado pelos constitucionalistas. O primeiro momento dequalquer atividade interpretativa há de ser a determinação da norma ju-rídica a ser aplicada à hipótese. Na interpretação constitucional, essadeterminação poderá ficar sujeita à prévia solução de conflitos entrenormas provindas de fontes ou ordenamentos jurídicos distintos. Seránecessário, por vezes, dirimir colisões entre um tratado internacional ea Constituição nacional. Em outras situações, sendo hipótese de aplica-ção de direito estrangeiro por um juiz brasileiro, precisará ele confron-tar tal norma com o direito constitucional vigente, para aferir-lhe a vali-dade. Diversas possibilidades se abrem nesta matéria, com caráter emi-nentemente prático e não apenas teórico, como demonstra a farta juris-prudência levantada sobre o assunto. O capítulo I, portanto, é dedicadoao direito constitucional internacional. A determinação da norma aplicável a uma dada hipótese concretadependerá também, muitas vezes, da solução de conflitos de naturezatemporal. Quando da entrada em vigor de uma Constituição nova, frutoda atuação do poder constituinte originário, ou de uma emenda consti-tucional, criada pelo constituinte derivado, é indispensável definir asrelações que se estabelecem entre esses novos textos e as normasconstitucionais e infraconstitucionais anteriormente existentes. O capí-tulo II volta-se para o direito constitucional intertemporal, cuidando davigência de normas à luz de novas disposições constitucionais, abran-gendo aspectos relacionados com a aplicação imediata e eventualmenteretroativa da Constituição, com a inconstitucionalidade material e for-mal supervenientes, com existência ou não de efeito repristinatório quan-do da declaração de inconstitucionalidade da norma revogadora, dentreoutros temas complexos. A Parte II do estudo tem por objeto a interpretação constitucionalpropriamente dita. No capítulo I faz-se a apreciação dos conceitos emétodos clássicos de interpretação jurídica aplicados à interpretaçãoconstitucional. Analisam-se, assim, as singularidades das normas cons-titucionais que as distinguem das normas infraconstitucionais, bem comoaspectos relativos à determinação da vontade do constituinte e da au-tonomia assumida pelo texto constitucional uma vez posto em vigor.Percorrem-se, em seguida, as categorias em que se classifica a interpre-tação, inclusive constitucional, quanto à origem (legislativa, adminis-trativa ou judicial), à extensão (declarativa, extensiva ou restritiva) equanto aos elementos tradicionais (gramatical, histórica, sistemática eteleológica). Em desfecho, estudam-se o costume e a analogia comométodos integrativos das lacunas constitucionais, abrindo-se, ainda, umtópico especial para a interpretação evolutiva. O capítulo II constitui o núcleo básico do trabalho e consiste na siste-matização e estudo dos princípios de interpretação especificamente consti-tucional. Nele, enfatiza-se, em primeiro lugar, a relevância dos princípiosconstitucionais materiais como vetores de toda a atividade interpretativa daConstituição. Passa-se, logo após, ao exame detalhado e individual de cadaum dos princípios arrolados: supremacia da Constituição, presunção deconstitucionalidade das leis e atos do Poder Público, interpretação confor-me à Constituição, unidade da Constituição, razoabilidade-proporcio-nalidade, concluindo com o princípio da efetividade. A Parte Final do trabalho cuida da objetividade desejada e a neu-tralidade impossível: o papel do intérprete na interpretação constitucio-nal. Analisa-se, ali, no capítulo I, a teoria jurídica clássica ou tradicionale algumas formulações que a questionaram, como a teoria crítica dodireito e o movimento impropriamente designado de direito alternativo.Faz-se, nessa parte, ampla especulação sobre a norma como parâmetropara a objetividade do direito e da atividade interpretativa, bem comosobre questões afetas à neutralidade do intérprete. Encerrando o capítu-lo, procura-se enfatizar a importância de uma boa dogmática constitucio-

nal, que liberte o estudo do direito constitucional da retórica vazia e dodiscurso puramente político, sem densidade jurídica. A concretizaçãoda Constituição, sua valorização como documento jurídico, aproxima-aantes do processo do que da ciência política. Por derradeiro, no capítuloII procura-se apresentar, esquematicamente, uma síntese das idéias de-senvolvidas ao longo do estudo. Ao longo de todo o texto, nenhuma preocupação foi mais constantedo que a que inspirou a bela passagem de Manuel Bandeira, em Itinerá-rio de Pasárgada, lembrada por Plauto Faraco de Azevedo, em sua Crí-tica à dogmática e hermenêutica jurídica: "Aproveito a ocasião para jurar que jamais fiz um poe-ma ou verso ininteligível para me fingir de profundo sob aespeciosa capa de hermetismo. Só não fui claro quandonão pude".

PARTE I - A DETERMINAÇÃO DA NORMA APLICÁVEL

Introdução - CONFLITOS DE NORMAS NO ESPAÇO E NO TEMPO A ordem jurídica de cada Estàdo constitui um sistema lógico, com-posto de elementos que se articulam harmoniosamente. Não se amoldaà idéia de sistema a possibilidade de uma mesma situação jurídica estarsujeita à incidência de normas distintas, contrastantes entre si. Justa-mente ao revés, no ordenamento jurídico não podem coexistir normasincompatíveis. O direito não tolera antinomias. 1. Sobre antinomias e critérios para solucioná-las, v. Norberto Bobbio, Teoria do ordenamentojurídico, 1990, p. 81 e s. Um dos critérios comumente utilizados para evitar as antinomias,solucionando o conflito entre normas, é o critério hierárquico: a normasuperior prevalece sobre a inferior. Assim, pois, se a Constituição e umalei ordinária divergirem, é a Constituição que prevalece. Se um decretoregulamentar desvirtuar o sentido da lei, será inválido nesta parte. Se aresolução deixar de observar o teor do regulamento, não poderá prevale-cer. E assim por diante. Um segundo critério de que se vale o sistema normativo para selecio-nar a regra aplicável, em meio a preceitos incompatíveis, é o da especia-lização. Havendo, em relação a dada matéria, uma regra geral e umaespecial (ou excepcional), prevalece a segunda: lex specialis derogatgeneralis. 2. V. Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, cit., p. 81 e s. Existem, no entanto, duas espécies de conflitos de normas cuja solu-ção, ao menos em princípio, não se socorre dos critérios hierárquico ou deespecialização, mas, sim, de outro instrumental teórico. São os conflitosde leis no espaço e no tempo, cujo equacionamento percorre caminhos com-plexos e acidentados, que passam por diversos ramos do direito. As normas jurídicas positivas existentes no mundo não são univer-sais nem perpétuas. Ao contrário, cada Estado tem suas próprias leis,que emanam de sua soberania; e cada época tem os seus próprios valo-res, que se consubstanciam em regras vigentes. Porque assim é, as nor-mas variam infinitamente, no tempo e no espaço, e são suscetíveis degerar conflitos diversos. 3. Haroldo Valladão, Direito internacional privado, 1974. v. 1, p. 4. Ordinariamente, determinada relação jurídica constituir-se-á, pro-duzirá seus efeitos e extinguir-se-á sob a vigência da mesma lei. E, nes-se caso, inexistirá qualquer conflito de natureza temporal. Por igual,será mais comum que uma relação jurídica tenha o seu nascimento etodo o seu ciclo de existência no âmbito do mesmo Estado, sendo regida,pois, por um único sistema de normas. Inexistirá, em tal hipótese, qual-quer conflito de natureza espacial. Todavia, ocasiões existem em que essa relação sofre a incidência delei nova ou entra em contato com o ordenamento jurídico de outro Esta-

do. Tais hipóteses, aliás, tornam-se mais corriqueiras por força da mu-dança acelerada da técnica e dos costumes - provocando a modifica-ção das leis - aliada à internacionalização das atividades humanas,gerando obrigações em que alguns de seus elementos (sujeitos, objeto,fato jurídico) estão em conexão com Estàdos diferentes. Pois bem: os conflitos de leis no tempo, que geralmente se observamno âmbito de um mesmo sistema jurídico, são equacionados e resolvidosdentro de um domínio científico denominado direito intertemporal. Osconflitos de leis no espaço, isto é, os que exigem a definição de qualordenamento jurídico regerá a espécie, constituem objêto do direito inter-nacional privado. Cada um deles tem princípios e regras peculiares, que,singularmente, não se aglutinam em um texto normativo único, mas seespalham difusamente pelos diferentes documentos legais. 4. Nada obstante, existe uma especial concentração dessas normas na Lei de Introdução aoCódigo Civil. São de direito intertemporal os arts. 1º, 2º e 6º. São de direito internacional privadomaior parte das normas remanescentes, notadamente do art. 7º em diante. O direito intertemporal e o direito internacional privado, cujas re-gras integram o chamado "sobredireito", desempenham papel de des-taque na missão do direito de assegurar a continuidade e a estabilidadedas relações jurídicas. Com efeito, funda-se o primeiro no princípio danão-retroatividade da lei e no respeito às situações jurídicas preexistentes.De forma análoga, o direito internacional privado repousa sobre o prin-cípio da territorialidade, bem como no reconhecimento das situaçõesjurídicas constituídas no âmbito de eficácia de uma lei estrangeira. 5. V.. Pontes de Miranda, Direito supra-estatal, direito interestatal, direito intra-estatal esobredireito, in Estudos jurídicos em homenagem ao Professor Oscar Tenório, 1977, p. 458. V.também Jacob Dolinger, Direito internacional privado; parte geral, 1994, p. 25: "Acima das nor-mas jurídicas materiais destinadas à solução dos conflitos de interesses, sobrepõem-se as regrassobre o campo da aplicação destas normas. São as regras que compõem o chamado sobredireito,que determinam qual a norma competente na hipótese de serem potencialmente aplicáveis duasnormas diferentes à mesma situação jurídica". 6. João Baptista Machado, Lições de direito internacional privado, 1982, p. 9-10. Sem embargo do que foi dito acima, hipóteses há de aplicação re-troativa e de aplicação extraterritorial do direito. A seguir se estudam osprincípios, as regras e as exceções que regem a aplicação das normasconstitucionais no tempo e no espaço.

Capítulo I - A CONSTITUIÇÃO E O CONFLITO DE NORMAS NO ESPAÇO. DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL Como ficou assentado, o direito internacional privado visa a solucio-nar o conflito de leis no espaço, vale dizer, o entrechoque de normas queemanam de soberanias diferentes. Ele regula os fatos em conexão comleis autônomas e divergentes. A despeito da denominação imprecisa,sua atuação não se restringe ao campo do direito privado, estendendo-sea diferentes domínios do direito público, haja vista existirem conflitospotenciais entre normas constitucionais, penais, fiscais e financeiras dosdiferentes Estados. 1. Sobre o tema, na literatura nacional mais recente, vejam-se, além do livro de Haroldo Valladão,já citado, Jacob Dolinger, Direito internacional privado, cit.; Oscar Tenório, Direito internacional

privado, 1976; Amilcar de Castro, Direito internacional privado, 1987; Irineu Strenger, Curso dedireito internacional privado, 1978; Wilson de Souza Campos Batalha, Tratado de direito internacio-nal privado, 1977; e Agustinho Fernandes Dias da Silva, Introdução ao direito internacional privado,1975. Na literatura internacional, são fontes de referência clássicas as obras seguintes: Savigny, Traitéde droit romain, 1855-1860; Story, Comentários sobre el conflicto de las leyes, 1834; Pillet, Principesde droit international privé, 1903; Nyboyet, Traité de droit international privé français, 1944; FerrerCorreia, Lições de direito internacional privado, 1963; Battifol e Lagarde, Droit international privé,1981-1983. 2. Haroldo Valladão, Direito internacional privado, cit., p. 4, e Oscar Tenório, Direito inter-nacional privado, cit., p. 13. Existe vasta controvérsia acerca do objeto do direito internacionalprivado, não sendo esta a sede própria para reeditá-la. Conforme o país ou o autor, tem sido incluídono domínio do direito internacional privado o estudo da nacionalidade, da condição jurídica doestrangeiro, da teoria dos direitos adquiridos, do conflito de jurisdição e do reconhecimento desentenças estrangeiras. Há consenso, todavia, em que a solução do conflito de leis é sua principalrazão de existir. V. amplo levantamento sobre o tema em Jacob Dolinger, Direito internacionalprivado, cit., p. 1 e s. 3. A denominação direito internacional privado foi utilizada pela primeira vez por JosephStory (Comentários sobre el conflicto de las leyes, cit., p. 12) e adotada na França por M.Foelix (Traité du droit International privé ou du conflit des lois de diférentes nations, en matièrede droit privé, 1843). Embora se mantenha fiel à denominação tradicional, a doutrina é unânime emcondenar o termo internacional o direito internacional privado é predominantemente interno enão disciplina relações entre nações - e o termo privado, já que abrange conflitos regidos pelodireito público, sendo o seu próprio papel de solução de conflitos de leis de natureza eminentemen-te pública. O direito internacional privado abrange os conflitos de leis, sem qual-quer cogitação a respeito da natureza das normas da divisão clássica. Seupapel não é o de formular a regra que vai reger o caso concreto, mas, sim,indicar, dentre as normas que dispõem diferentemente sobre uma mesmamatéria, qual deverá prevalecer em uma dada situação. Por tal razão, diz-seque as normas de direito internacional privado são indiretas. 4. Oscar Tenório, Direito internacional privado, cit., p. 13. 5. V. Jacob Dolinger, Direito internacional privado, cit., p. 48: "Estas normas do DireitoInternacional Privado apenas indicam qual, dentre os sistemas jurídicos de alguma forma ligados àhipótese, deve ser aplicado". O autor refere, também, alguns casos em que, excepcionalmente, aregra de direito internaçional privado terá caráter direto, substancial. As regras de direito internacional privado são, normalmente, dispo-sições de direito interno, de vez que cada ordenamento jurídico estabe-

lece suas próprias regras de solução de conflitos. Tais preceitos, que sedenominam regras de conexão, indicam qual dos ordenamentos jurídi-cos em contato com uma dada relação deverá prevalecer e discipliná-la. Paralelamente a isso, e ingressando em faixa de intensa conexãocom o direito internacional público, existem normas que não são cria-das pelo órgão legislativo interno, mas, sim, resultam de acordos entreEstados: são os tratados e convenções internacionais. Surge, aí, novapossibilidade de conflito: o que venha a contrapor a norma internacio-nal e os princípios e regras de direito interno. É o chamado conflitoentre fontes. Para os fins do estudo aqui desenvolvido, interessa especial-mente a incompatibilidade entre o tratado e a Constituição. Há, ainda, outro ponto relevante na determinação de qual lei vaireger a hipótese. É que, ao solucionar um conflito de leis, a regra dedireito internacional privado pode indicar como aplicável uma lei deseu próprio ordenamento - a lex fori - ou pode apontar para a aplica-ção de norma de outro ordenamento jurídico. Disso resulta que aos juízese tribunais de um Estado caberá, por vezes, aplicar direito estrangeiro.Ao fazê-lo, terão de apreciar alguns aspectos importantes dessa inte-ração de duas ordens legais. Dentre eles se inclui a verificação da com-patibilidade entre a norma estrangeira e a Constituição, seja a do Esta-do de origem, seja a do foro. A expressão "direito constitucional internacional", que abre estetópico, é aqui empregada em associação com a idéia de direito interna-cional privado acima exposta. Por tal designação se identifica o conjun-to de princípios e de regras que envolvem a solução dos conflitos exis-tentes entre as normas internacionais e estrangeiras, de um lado, e asnormas constitucionais, de outro. Na acepção adotada, o conceito de direito constitucional internacio-nal não se confunde com o estudo dos preceitos constitucionais que,genérica e difusamente, tenham algum reflexo internacional, como osque versam a nacionalidade, a condição jurídica do estrangeiro ou asrelações externas do País. O objeto de que aqui se cuida é mais restri-to: trata-se tão-somente de encontrar a solução para os conflitos dotipo acima descritos. 6. É nesta acepção mais ampla que a expressão foi empregada por Celso Albuquerque Mello,em seu Direito constitucional internacional, 1994.

1. O tratado internacional e a Constituição O tema do conflito entre as normas internacionais e a ordem internaevoca duas grandes correntes doutrinárias que disputam o melhorequacionamento da questão: o dualismo, pregado no âmbito internacio-nal por Triepel e Anzilotti e seguido no Brasil por Amilcar de Castro, eo monismo, concepção desenvolvida por Hans Kelsen e seguida no Bra-sil pela maior parte da doutrina, inclusive Valladão, Tenório, CelsoAlbuquerque Mello e Marotta Rangel. 7. Vejam-se Heinrich Triepel, Völkerrecht und Landesrecht, 1899, p. 169 e s., e DionisioAnzilotti, Cours de droit international, 1929, p. 49 e s. Vejam-se, também, Triepel, Recueil desCours (Cursos proferidos na Academia de DIP da Haia), 1:79 e s., apud Haroldo Valladão, Direitointernacional pri vado, cit., p. 51, e Anzilotti, Curso de derecho internacional, p. 48, apud Amilcarde Castro, Direito internacional privado, cit., p. 123. 8. Direito internacional privado, cit., p. 53 e 94. 9. Direito internacional privado, cit., p. 93 e s. 10. Direito constitucional internacional, cit., p. 344. 11. V. Os conflitos entre o direito interno e os tratados internacionais, Boletim da SociedadeBrasileira de Direito Internacional, 44/45, p. 29.

Para os dualistas, inexiste conflito possível entre a ordem internacio-nal e a ordem interna simplesmente porque não há qualquer interseçãoentre ambas. São esferas distintas, que não se tocam. Assim, as normasde direito internacional disciplinam as relações entre Estados, e entreestes e os demais protagonistas da sociedade internacional. De sua par-te, o direito interno rege as relações intra-estatais, sem qualquer cone-xão com elementos externos. Nesta ordem de idéias, um ato internacio-nal qualquer, como um tratado normativo, somente operará efeitos emâmbito interno de um Estado se uma lei vier incorporá-lo aoordenamento jurídico positivo. Os autores se referem a esta lei com"ordem de execução". 12. Amílcar de Castro, Direito internacional privado, cit., p. 123, citando Morelli, Nozioni didiritto internazionale, p. 91 e s. O monismo jurídico afirma, com melhor razão, que o direito cons-titui uma unidade, um sistema, e que tanto o direito internacional quan-to o direito interno integram esse sistema. Por assim ser, torna-se impe-rativa a existência de normas que coordenem esses dois domínios e queestabeleçam qual deles deve prevalecer em caso de conflito. Kelsen ad-mite, em tese, o monismo com prevalência da ordem interna e o monismocom prevalência da ordem internacional, embora seja partidário desseúltimo. A superioridade do direito internacional sobre o direito internode cada Estado foi afirmada, desde 1930, pela Corte Permanente de Jus-tiça Internacional. 13. Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 1979, p. 437 e s., especialmente p. 442-7. 14. Em parecer consultivo proferido em 31-7-1930, assim pronunciou-se a Corte: "É princí-pio geral reconhecido, do direito internacional, que, nas relações entre potências contratantes de umtratado, as disposições de uma lei não podem prevalecer sobre as do tratado" (apud HildebrandoAccioly, Manual de direito internacional público, 1978, p. 6). A Constituição da maior parte dos países europeus contém regrassobre as relações entre o direito interno e o direito internacional, nor-malmente no sentido de considerar este último como parte integrante doprimeiro. Não, assim, a Constituição da França, de 1958, que é expres-sa no sentido da superioridade do direito internacional, bem como a daHolanda, de 1983. A verdade, no entanto, é que a jurisprudênciarestritiva dos tribunais tende a neutralizar essa supremacia formal, sal-vo quanto ao direito comunitário europeu, que tem desfrutado de prima-zia sobre o direito interno. 15. V. Constituição da Áustria, de 1929, art. 9º Constituição da Alemanha, de 1949, art. 25;Constituição da Itália, de 1947, art. 10. 16. Constituição da França, art. 55: "Os tratados ou acordos regularmente ratificados ou apro-vados têm, a partir de sua publicação, uma autoridade superior à das leis, desde que respeitadas pelaoutra parte signatária". Constituição da Holanda, art. 94: "As disposições legais em vigor no Reinodeixarão de se aplicar quando colidirem com disposições de tratados obrigatórios para todas aspessoas ou com decisões de organizações internacionais". No mesmo sentido é o art. 15, n. 4, danova Constituição russa, aprovada por referendo popular em 12 de dezembro de 1993 (v. GennadyM. Danilenko, The new Russian Constitution and international law, American Journal of InternationalLaw, 88:451, 1994, p. 464 e s.). 17. Jacob Dolinger, Direito internacional pri vado, cit., p. 83.

18. Jacob Dolinger, Direito internacional privado, cit., p. 83. V. também Celso AlbuquerqueMello, Direito constitucional internacional, cit., p. 325: "Quanto ao D. Comunitário ele tem sidovisto como um ramo do DIP com características próprias, por exemplo, a supranacionalidade, acessão de competências soberanas à comunidade. Ele é considerado uma categoria especial dentroda ordem jurídica dos Estados-membros. Esta é a posição da Corte de Justiça das ComunidadesEuropéias". Sobre o tema, v., infra, acórdão do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, nota46. J. J. Gomes Canotilho (Direito constitucional, 1991, p. 915-6) assinala que os tratados institutivosdas comunidades européias e as disposições comunitárias dotadas de aplicabilidade direta impõem-se sobre a legislação interna, quer com base no princípio da especialidade ou no da competênciaprevalente. Note-se que, nesta segunda hipótese, a prevalência não implica ab-rogação das normasinternas precedentes ou a invalidade das subseqüentes (Anwendungsvorrang). Nos Estados Unidos, a jurisprudência, de longa data, considerouos tratados e convenções internacionais incorporados ao direito inter-no, na interpretação dada ao art. 6º, 2ª seção, da Constituição. Aos atosinternacionais adequadamente aprovados pelo Congresso reconhece-se o mesmo nível das leis federais, de forma tal que o posterior preva-lece sobre o anterior. Paradoxalmente, na prática, o direito internacio-nal é freqüentemente privilegiado, por força de uma atitude de defe-rência dos tribunais americanos, que somente consideram derrogadosos atos internacionais quando seja evidente a intenção do Legislativonesse sentido. 19. V. Cherokee Tobacco, 78 U. S. (11 Wall)616(1871); The Paquete Habana, 175 U. S.677(1900); Cook vs. United States, 288 U. S. 102 (1933); Diggs vs. Schultz, 470 F. 2d 461 (D. C.Circuit) (1972), cert. den., 411 U. S. 931. 20. V. Reestatement (Third) of Foreign Relations Law of the United States, 1988, § 14. No Brasil não existe disposição constitucional a respeito do tema, oque tem suscitado críticas diversas. Não obstante, no que diz respeitoao conflito entre tratado internacional e norma interna infraconstitu-cional, a doutrina, como assinalamos pouco atrás, é amplamente majo-ritária no sentido do monismo jurídico, com primazia para o direito in-ternacional. Por tal postulado, o tratado prevalece sobre o direito inter-no, de forma a alterar a lei anterior, mas não pode ser alterado por leisuperveniente. Esse entendimento é positivado no art. 98 do Código Tri-butário Nacional. 21. Celso Albuquerque Mello, Direito constitucional internacional, cit., p. 343, e Luís RobertoBarroso, A brief guide to Brazil l´s new Constitution and some international issues arising under it,mimeografado, 1989, p. 22. 22. CTN, art. 98: "Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legis-lação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha". Curiosamente, os autores, à unanimidade, vislumbravam essa mes-ma orientação na jurisprudência constante e reiterada do Supremo Tri-bunal Federal. Por tal razão, causou imensa reação a decisão proferidapela Corte no Recurso Extraordinário n. 80.004, que teria quebrado lon-ga tradição ao decidir: "Embora a Convenção de Genebra que previu uma lei

uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenhaaplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõeela às leis do País, disso decorrendo a constitucionalidade econseqüente validade do Decreto-lei n. 427/69 que instituiuo registro obrigatório da Nota Promissória em RepartiçãoFazendária, sob pena de nulidade do título". 23. RTJ, 83:809, 1978. A decisão foi criticada por José Carlos de Magalhães, que lavrou: "Oque fica dessa decisão, contudo, é a impressão de recuo do Supremo à aceitação da prevalência dodireito internacional. (...) Afastando-se da orientação anterior, não atentaram aqueles Ministrospara a problemática da responsabilidade do Estado na ordem internacional" (O Supremo TribunalFederal e as relações entre direito interno e direito internacional, Boletim Brasileiro de DireitoInternacional, 61-69:53, 1975-79, p. 56). Celso Albuquerque Mello também condenou o julgado:"Entretanto, houve no Brasil um grande retrocesso no RE n. 80.004, decidido em 1978, em que oSTF decidiu que uma lei revoga tratado anterior. Esta decisão viola também a Convenção de Vienasobre direito dos tratados (1969) que não admite o término do tratado por mudança de direitosuperveniente" (Direito constitucional internacional, cit., p. 344). Decisões posteriores da Suprema Corte mantiveram a mesma linhade entendimento, consoante fundamentação do Ministro e internaciona-lista José Francisco Rezek: "O STF deve garantir prevalência à última palavra doCongresso Nacional, expressa no texto doméstico, nãoobstante isto importasse o reconhecimento da afronta pelopaís de um compromisso internacional. Tal seria um fatoresultante da culpa dos poderes políticos, a que o Judiciá-rio não teria como dar remédio". 24. RTJ, 115:969, 1986, p. 973, e 119:22, 1987, p. 30. Também a legislação ordinária desprezoua preferência dos doutrinadores pelo primado das normas internacionais. Assim é que a Lei n. 7.357,de 9-2-1985, passou a reger os cheques sem atenção à Lei Uniforme de Genebra, fruto de convençãoque fora firmada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto n. 57.595, de 7-1-1966. A verdade é que, em exame detido da jurisprudência, Jacob Dolingerconstatou que a leitura que a maioria dos autores fazia das decisões doSupremo Tribunal Federal era antes reflexo de sua própria crença no pri-mado do direito internacional do que expressão da realidade dos julgados.Ao contrário do sugerido, a orientação da mais alta Corte é a do monismomoderado, em que o tratado se incorpora ao direito interno no mesmonível hierárquico da lei ordinária, sujeitando-se ao princípio consolidado:em caso de conflito, não se colocando a questão em termos de regra gerale regra particular, prevalece a norma posterior sobre a anterior. Existem, porém, algumas exceções a essa equiparação entre tratadoe lei ordinária para efeito de resolução de conflitos. A primeira dá-se emmatéria relativa à tributação, onde o art. 98 do Código Tributário Nacio-nal (Lei n. 5.172, de 25-10-1966), como visto, é expresso quanto à preva-lência da norma internacional. A segunda exceção refere-se aos casosde extradição, onde se considera que a lei interna (Lei n. 6.815, de19-8-1980), que é geral, cede vez ao tratado, que é regra especial. Con-fira-se o afirmado em palavras do próprio Dolinger, Professor Titular daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro: "Nossa conclusão é que, excetuadas as hipóteses detratado-contrato, nada havia na jurisprudência brasileira

quanto à prevalência de tratados sobre lei promulgada pos-teriormente, e, portanto, equivocados todos os ilustres au-tores acima citados que lamentaram a alegada mudança naposição da Suprema Corte. Aposição do STF através dostempos é de coerência e resume-se em dar o mesmo trata-mento a lei e a tratado, sempre prevalecendo o diplomaposterior, excepcionados os tratados fiscais e de extradi-ção, que, por sua natureza contratual, exigem denúncia for-mal para deixarem de ser cumpridos. 25. E assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal: No sistema brasileiro, ratificado e pro-mulgado, o tratado bilateral de extradição se incorpora, com força de lei especial, ao ordenamentojurídico interno, de tal modo que a cláusula que limita a prisão do extraditando ou determina a sualibertação, ao termo de certo prazo (quarenta e cinco dias contados do pedido de prisão preventiva),cria direito individual em seu favor, contra o qual não é oponível disposição mais rigorosa da leigeral (noventa dias, contados da data em que efetivada a prisão - art. 82, §§ 2º e 3º da Lei 6.815/80) (RTJ, 162:822, 1997, Extr. 194-República Argentina, rel. Min. Sepúlveda Pertence). 26. Sobre a distinção entre tratado-contrato e tratado normativo, v. infra. 27. Direito internacional privado, cit., p. 102. Já com a redação dada ao art. 178 da Constituição pela EmendaConstitucional n. 7, de 15 de agosto de 1995, instituiu-se nova regraespecífica nas relações entre o tratado e os atos internacionais. De fato,passou o preceptivo constitucional a ter a seguinte dicção: "Art. 178. Alei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre,devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar osacordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade". Posta a questão das relações entre o direito internacional e as dispo-sições internas infraconstitucionais, cumpre agora investigar o tópicomais relevante para os fins aqui propostos: como se situa o direito emface do conflito entre o direito internacional e a Constituição. O tema éenvolto em controvérsias. Seria possível cogitar, em um primeiro lance de vista, da invalidadede norma constitucional que se encontrasse em confronto com determi-nadas normas internacionais fundamentais, emanadas dos princípiosgerais do direito e dos costumes dos povos civilizados. Tal seria o casode preceitos que estabelecessem a submissão jurídica de um país vizi-nho, prescrevessem sua anexação ou por qualquer outra via ofendessem asoberania de um outro Estado. Igual juízo recairia sobre uma disposiçãoque pregasse o genocídio. Os exemplos poderiam multiplicar-se, embo-ra sempre tangenciando o absurdo. Nas hipóteses aventadas, afirmar-se-ia asupremacia do direito internacional sobre o direito constitucional. 28. O Estatuto da Corte Internacional de Justiça prevê como fontes do direito internacionalpúblico - isto é, normas internacionais - os tratados (convenções internacionais), o costumeinternacional e os princípios gerais do direito. Faz referência, ainda, à jurisprudência e à doutrinacomo fontes auxiliares, e faculta o emprego da eqüidade (art. 38). 29. Agustinho Fernandes Dias da Silva (Introdução ao direito internacional privado, cit., p.33) sugere alguns outros exemplos, como o de norma constitucional que estabelecesse o domíniouniversal como objetivo nacional, que afirmasse a hegemonia nacional sobre um continente ou

elegesse a guerra como meio de solução de conflitos. E averbou: "As normas internacionais básicassão indenunciáveis e irrevogáveis, por isso prevalecerão sempre". De fato, a idéia da soberania ilimitada do poder constituinte nãomerece abrigo. Não é possível emprestar à Constituição todo e qualquerconteúdo, sem atender a quaisquer princípios, valores e condições. Aquestão acima delineada - confronto da ordem constitucional com cer-tos valores universais -, embora suscite a interessantíssima discussãoacerca dos limites materiais do poder constituinte originário, é mais teó-rica do que real, pelo que se situa fora do objeto de um estudo maispreocupado com a aplicação concreta do direito constitucional. 30. V. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, 1983, t. 2, p. 86. A análise a seguir desenvolvida concentra-se no confronto entre oordenamento interno superior e o direito internacional convencional. Emuito embora haja quem sustente que todo direito verdadeiramente in-ternacional repousa sobre o consentimento, interessa-nos aqui, parti-cularmente, o específico ato de vontade, convencional por excelência,que é o tratado internacional, e como ele se coloca diante da Constitui-ção do Estado que o celebrou. 31. José Francisco Rezek, Direito internacional público, 1989, p. 3. 32. Os tratados são atualmente a fonte mais importante do direito internacional (v. Celso O.de Albuquerque Mello, Direito internacional público, 1992, v. 1, p. 157). A Convenção sobreDireito dos Tratados (Viena, 1969) fornece a seguinte definição (art. 1º a): "Tratado significa umacordo internacional celebrado entre Estados em forma escrita e regido pelo direito internacional,que conste, ou de um instrumento único ou de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer queseja sua denominação específica". Assim como no direito interno uma norma sujeita-se ao contrasteconstitucional tanto do ponto de vista formal quanto do material, tam-bém os tratados internacionais submetem-se a essa dupla apreciação.Por via de conseqüência, é possível avaliá-los sob dois aspectos: o desua constitucionalidade extrínseca e o de sua constitucionalidade in-trínseca. A inconstitucionalidade, na primeira hipótese, também denominadaratificação imperfeita, ocorre quando o tratado aprovado viola as regrasconstitucionais de competência e de procedimento para sua celebração, apro-vação parlamentar, ratificação e entrada em vigor. A doutrina oscilou en-tre admitir-lhe a validade, a despeito do vício formal, ou proclamar-lhe anulidade. A Convenção sobre Direito dos Tratados (Viena, 1969) tomoupartido na controvérsia, afirmando a validade do tratado em tal hipótese,salvo manifesta violação de norma fundamental sobre competência. 33. Na Constituição brasileira, a celebração de tratados, convenções e atos internacionais écompetência privativa do Presidente da República, sujeita a referendo do Congresso Nacional (art.84, VIII), ao qual incumbe resolver definitivamente sobre quaisquer acordos e atos internacionaisque acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (art. 49, I). Sobre otema, embora referente ao regime constitucional anterior, v. José Francisco Rezek, Direito dostratados, 1984, p. 185 e s. Já sob a Constituição atual, v. Celso O. de Albuquerque Mello, Direitointernacional público, cit., p. 156 e s. 34. V. Celso D. de Albuquerque Mello, Direito constitucional internacional, cit., p. 321.

35. Convenção, art. 46: "Um Estado não poderá invocar o fato de que seu consentimento emobrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobrecompetência para concluir tratados, a não ser que essa violação seja manifesta e diga respeito a umaregra de seu direito interno de importância fundamental". A doutrina monista do primado do direito internacional só admiteessa hipótese de inconstitucionalidade do tratado, rejeitando qualquerpossibilidade de seu exame intrínseco para verificação da compatibili-dade com a Lei Maior. Diversos são os autores de reputação que susten-tam a primazia do tratado sobre a própria Constituição. Hildebrando Accioly é taxativo ao afirmar que a lei constitucionalnao pode isentar o Estado de responsabilidade por violação de seus de-veres internacionais. Invoca, em favor de seu ponto de vista, decisão daCorte Permanente de Arbitragem, de Haia, onde se deliberou que "asdisposições constitucionais de um Estado não poderiam ser opostas aosdireitos internacionais de estrangeiros". E cita, também, julgado daCorte Permanente de Justiça Internacional, de 4 de fevereiro de 1932,onde se declarou: "Um Estado não pode invocar contra outro Estado suaprópria Constituição para se esquivar a obrigações que lheincumbem em virtude do direito internacional ou de trata-dos vigentes". 36. Hildebrando Accioly, Manual de direito internacional público, cit., p. 56. 37. Manual de direito internacional público, cit., p. 56. Haroldo Valladão, nessa mesma linha de entendimento, sustenta quea disposição interna, mesmo de natureza constitucional, não poderá serobservada se contrariar preceito em vigor de direito internacional bá-sico, geral ou de direito internacional convencional, isto é, de tratadoválido e vigente. Acompanha-o, nesse passo, Agustinho Fernandesda Silva, para quem o tratado deve ser observado até extinguir-se ouser denunciado. Enfatiza que a forma própria de revogação de um tra-tado por vontade de uma das partes é a denúncia, e não a previsãoconstitucional em contrário. 38. Haroldo Valladão, Direito internacional pri vado, cit., p. 94. 39. Agustinho Fernandes Dias da Silva, Introdução ao direito internacional privado, cit., p. 33. Os dois autores, todavia, fazem uma distinção clara e relevante, denatureza temporal: as proposições enunciadas acima somente se aplicamquando o tratado já seencontre em vigor no momento de promulgação daConstituição. Na hipótese inversa, em que o tratado é celebrado na vigên-cia de uma dada Carta, sendo com ela incompatível, aí não prevalecerá,por não se haver constituído legitimamente. Em palavras de Valladão: "Assim, prevalecem as regras dos tratados anterioresao texto constitucional; só não prevalece a norma interna-cional que vier a ser aprovada e ratificada após vigência dotexto constitucional que a ela se opõe, pois nesse caso de-correria dum ato internacional inválido, não vigorante, poisnão podia ter sido aprovado nem ratificado. É distinção ne-çessária para os atos convencionais internacionais". 40. Haroldo Valladão, Direito internacional pri vado, cit., p. 94. Em sentido diverso, e com melhor razão, parte substancial da dou-trina brasileira. Aurelino Leal, já em 1925, averbava: "A mim me parece que se os assuntos regulados nostratados forem compatíveis com as alterações introduzidasno regime constitucional, nada há que se oponha a que asmesmas continuem em vigor. Se, porém, as modificaçõesfeitas na lei suprema colidirem com a matéria regulada nosacordos internacionais, não se me afigura que os mesmos

prevaleçam contra a nova orientação constitucionaL a me-nos que o poder constituinte consigne na reforma uma dis-posição garantindo a sua vigência". 41. Aurelino Leal, Teoria e prática da Constituição Federal brasileira, 1925, p. 628. Na mesma linha é o magistério de Carlos Maximiliano: "A Constituição é a lei suprema do país; contra a sualetra, ou espírito, não prevalecem resoluções dos poderesfederais, constituições, decretos ou sentenças federais, nemtratados, ou quaisquer outros atos diplomáticos". 42. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, 1981, p. 314. Também internacionalistas da melhor linhagem endossam a idéiade prevalência da Constituição, quando não por opção doutrinária, aomenos por constatação da realidade e do princípio da supremacia cons-titucional. Veja-se, em seqüência, a opinião de Oscar Tenório e JoséFrancisco Rezek, respectivamente: "A decretação da inconstitucionalidade dos tratadospelo Supremo Tribunal Federal não se limita aos elemen-tos de validade, como a ratificação e a promulgação, masse estende ao confronto entre a letra do tratado e a letra daConstituição. Uma nova Constituição cria uma nova or-dem jurídica. Subsistem apenas as normas pretéritas nãoincompatíveis com ela. Assim, os tratados anteriores a elaperdem sua eficácia desde que contrários à Constituição". 43. Oscar Tenório, Direito internacional privado, cit., p. 94. "A constituição nacional, vértice do ordenamento jurí-dico,é a sede de determinação da estatura da norma jurídi-ca convencional. Dificilmente uma dessas leis fundamen-tais desprezaria, neste momento histórico, o ideal de segu-rança e estabilidade da ordem jurídica a ponto de subpor-se, a si mesmo, ao produto normativo dos compromissosexteriores do Estado. Assim, posto o primado da Constitui-ção em confronto com a norma pacta sunt servanda, é cor-rente que se preserve a autoridade da lei fundamental doEstado, ainda que isto signifique a prática de um ilícitopelo que noplano externo, deve aquele responder". 44. José Francisco Rezek, Direito internacional público, cit., p. 103-4. No direito comparado europeu, à exceção de Portugal, que adotaum regime híbrido, e da Holanda, onde a aprovação do tratado por trêsquartos dos Estados Gerais modifica a Constituição, a regra é que trata-dos que conflitem com a Lei Fundamental não possam ser aprovadossem prévia revisão constitucional. É o que dispõem, expressamente, v.g., as Constituições da França (art. 54), da Espanha (art. 95, I) e daAlemanha (art. 79, I). 45. Dispõe o art. 277, 2, da Constituição portuguesa: "A inconstitucionalidade orgânica ouformal de tratados internacionais regularmente ratificados não impede a aplicação das suas normas naordem jurídica portuguesa, desde que tais normas sejam aplicadas na ordem jurídica da outra parte,salvo se tal inconstitucionalidade resultar de violação de uma disposição fundamental". 46. Com relação especificamente ao direito comunitário, v. nota 18. A esse propósito, aliás, o Tribunal Constitucional Federal da Ale-manha (Bundesverfassungsgericht) apreciou, recentemente, recursoconstitucional contra a participação da Alemanha na União Européia,apresentado por um grupo de políticos e professores, incluindo um ex-dirigente da Comunidade Econômica Européia, e por membros do PartidoVerde alemão que integram o Parlamento Europeu.

47. Neue Juristische Wochenschrift, v. 47, 1993, p. 3047 e s. A íntegra do acórdão,vertido para o inglês, está publicada no International Legal Materials, v. XXXIII, 1994, p.388 e s. Os requerentes alegaram, dentre outras coisas, que o Ato de Adesãoao Tratado e o Ato que emendara a Constituição violavam seus direitospolíticos de representação, seus direitos individuais (pela transferênciade atribuições para sua proteção à União Européia), bem como ofen-diam o princípio democrático, a soberania nacional e o direito de serempagos em Deutsche Mark (e não em uma futura moeda comum), alémde deverem ser submetidos a referendo popular. Em decisão longamente fundamentada, datada de 12 de outubro de1993, a Corte rejeitou a impugnação e permitiu a entrada em vigor doTratado da União Européia (também conhecido como Tratado deMaastricht), em novembro de 1993. Não obstante isso, o Tribunal Cons-titucional Federal cuidou de qualificar diversas questões e assentou re-levantes premissas a propósito de sua interpretação das relações entre odireito constitucionàl e o direito comunitário. Os diferentes aspectos dadecisão podem ser sintetizados nas proposições seguintes: 1) O direito alemão proíbe a diminuição do poder do Estado atravésda transferência de deveres e responsabilidades do Parlamento Federal,na extensão em que isso importar em violação do princípio democrático. 2) O princípio democrático não impede que a República Federal daAlemanha se torne membro de uma comunidade intergovernamentalorganizada em base supranacional. 3) Se uma comunidade de Estados assume poderes e responsabili-dades de soberania, os povos dos Estados-membros precisam legitimaresse processo através dos seus parlamentos nacionais. 4) O princípio democrático impõe limites à extensão de funções epoderes a serem transferidos para a comunidade européia. O Parlamen-to Federal deverá reter funções e poderes de importância substancial. 5) O programa de integração e os direitos transferidos à comunida-de européia supranacional devem ser especificados com precisão. Cabeao Tribunal Constitucional Federal determinar se os direitos de sobera-nia exercidos pelas instituições e entidades dirigentes européias estãodentro dos limites ou se extrapolam os que lhes foram conferidos. 6) A interpretação das regras de competência do Tratado deMaastricht não deverá importar em extensão do Tratado. Se tal ocorrer,a Alemanha não ficará vinculada. 7) O Tribunal Constitucional Federal e a Corte Européia de Justiçaexercem jurisdição em uma "relação cooperativa". 8) O Tratado de Maastricht estabelece uma comunidade intergo-vernamental para criação de uma unidade mais estreita entre os povosda Europa. Cada um desses povos é organizado em um Estado próprio,inexistindo, pois, um Estado da Europa, com seu próprio povo. 9) a) O Tratado de Maastricht não confere à União Européia auto-determinação na obtenção de recursos, financeiros ou de qualquer outranatureza, destinados a atender seus objetivos. É necessário o consenti-mento dos Estados. b) A ratificação do Tratado não sujeita a República Federativa da Ale-manha a um processo incontrolável e imprevisível que conduzainexoravelmente à unificação monetária. O Tratado de Maastricht simples-mente prepara o caminho para a integração gradual da Comunidade Euro-péia em uma comunidade de leis. Qualquer passo adiante depende do con-sentimento do Governo Federal, sujeito à deliberação do Parlamento. 48. International Legal Materiais, cit., p. 393-7. Resumo e tradução para o português deresponsabilidade do autor. Nos Estados Unidos, muito embora seja indiscutível a superiorida-de da Constituição sobre os atos internacionais, a Suprema Corte ja-

mais declarou um tratado inconstitucional. Tal fato pode ser creditado,em parte, a uma associação exagerada, quando não equivocada, que ostribunais fazem entre questões internacionais e "questões políticas", oque excluiria aquelas do controle judicial. 49. V. Restatement (Third) of Foreign Relations Law of the United States, 1988, § 111 (p. 43):"In their character as law of the United States, rules of international law and provisions of internationalagreements of the United States are subject to the Bill of Rights and other prohibitions, restrictions,and requirements of the Constitution, and cannot be given effect in violation of them. However,failure of the United States to carry out an obligation on the ground of its unconstitutionality will notrelieve the United States of responsability under international law". 50. Sobre o tema, V. Louis Henkin, Foreign affairs and the Constitution, 1975. Para um painelamplo e atualizado das relações entre direito interno e direito internacional na perspectiva norte-americana, v. JohnH. Jackson, Status of treaties in domestic legal systems: a policy analysis, AmericanJournal of International Law, v. 86, 1992, p. 310 e s. 51. E assim se passa a despeito da advertência do Justice Brennan, ao relatar e julgar Bakervs. Carr (369 U. S. 186) (1962), um dos principais precedentes que delineou a "political questiondoctrine": "It is error to suppose that every case ar controversy which touches foreign relations liesbeyond judicial cognizance" (É equívoco supor que qualquer litígio que tangencie as relações inter-nacionais situa-se fora do conhecimento judicial). Desse modo, a despeito do imenso prestígio e independência doPoder Judiciário nos Estados Unidos, há uma persistente tradição de osjuízes e tribunais cederem o passo à avaliação dos Poderes Políticos,notadamente ao Presidente da República, sempre que a matéria envolvarelações internacionais de qualquer natureza. Há toda uma linha de ca-sos ratificando essa atitude de deferência ao Executivo. Essa orienta-ção, aliás, chegou ao extremo de chancelar, em mais de um caso, asdecisões do Poder Executivo de seqüestrar, em Estado estrangeiro, pes-soas contra as quais se houvesse instaurado processo criminal nos Esta-dos Unidos, para sujeitá-las a julgamento naquele país. A questão, porsua gravidade e relevância, merece breve digressão. 52. Vejam-se, por exemplo, United States vs. Curtiss - Wright Corp (299 U. S. 304) (1936),Banco Nacional de Cuba vs. Sabbatino (376 U. S. 398) (1964), First National Citibank vs. BancoNacional de Cuba (406 U. S.759) (1972), Alfred Dunhill of London, inc. vs. Republic of Cuba(425 U. S.682) (1976), Goldwater vs. Carter (444 U. S.996) (1979), Dames & Moore vs. Reagan(453 U. S. 654) (1981). Veja-se, também, o interessantíssimo caso United States vs. PalestineLiberation Organization (U. S. District Court, Southern District of New York, 1988). O caso maisrecente julgado pela Suprema Corte foi Barquero vs. United States (International Legal Materials,33:904,1994), onde se afirmou a constitucionalidade do tratado celebrado entre Estados UnidOs eMéxico sobre troca de informações tributárias. O tratado permite que, mediante requerimento do

outro país, a autoridade governamental requisite a qualquer banco comercial informações sobredeterminado correntista. Em United States vs. Verdugo Urquidez, a Suprema Corte, refor-mando decisão do Tribunal Federal do 9º Circuito, decidiu que a Cons-tituição americana, ou ao menos a 4ª emenda (que assegura ainviolabilidade das pessoas, suas casas, documentos e bens contra bus-cas e apreensões ilegais), não se aplicava fora dos Estados Unidos. Comoconseqüência, não poderia ser invocada por cidadão mexicano levado àforça para julgamento nos Estados Unidos (com a concordância do Go-verno mexicano), cuja casa, no México, havia sido objeto de busca ile-gal por agentes norte-americanos. 53. 110 S. Ct. 1056 (1990). Sobre este caso especificamente, v. Andreas F. Lowenfeld, U. S. lawenforcement abroad: the Constitution and international law, continued, AJIL, 84/444, 1990, especial-mente p. 491-3. Pouco mais adiante, em decisão que estarreceu a comunidade jurí-dica internacional, a Suprema Corte, por maioria, e reformando decisãode duas instâncias inferiores, admitiu ser possível submeter a julgamen-to nos Estados Unidos cidadão mexicano que fora seqüestrado no Méxi-co, sem anuência do Governo daquele país, que formulou protesto di-plomático veemente. Servindo-se de um argumento primário - o deque o tratado de extradição entre Estados Unidos e México não proibiaexpressamente o seqüestro -, a Suprema Corte afastou a incidência dotratado (que teria força de lei) como já vimos e aplicou uma antiqüíssimajurisprudência pela qual admitia que, uma vez apresentado à Justiça, umacusado pudesse ser submetido a julgamento, independentemente dehaver sido conduzido por meio lícito ou ilícito. Em desfecho, a Corteadmitiu que o seqüestro violava princípios de direito internacional, masentendeu que a decisão sobre a restituição ou não do acusado ao seupaís, de onde fora retirado à força, era uma questão da competênciadiscricionária do Executivo. Já que ele estava nos Estados Unidos, cabiaà Justiça norte-americana julgá-lo. 54. United States vs. Alvarez Machain, 31 I. L. M. 900(1992). Na conclusão de seu veementevoto dissidente, consignou Justice Stevens: "Eu suspeito que a maior parte dos tribunais do mundocivilizado ficará perplexa pela decisão "monstruosa" que esta Corte anuncia hoje. Toda nação quetem interesse em preservar o estado de direito (the Rule of the Law) é afetada, direta ou indireta-mente, por uma decisão deste caráter". Para uma crítica igualmente contundente de tal acórdão, V.Michael J. Glennon, State sponsored abduction: a comment on United States vs. Alvarez-Machain,AJIL, 86:756, 1992. Precedente mais edificante foi, estabelecido, recentemente, pela Supre-ma Corte do Canadá. Em R. vs. Cook, julgado em outubro de 1998, decidiua Corte que o interrogatório de um cidadão canadense, por agentes policiaiscanadenses, ainda que realizado nos Estados Unidos, sujeitava-se aos pro-cedimentos e garantias da Carta de Direitos e Liberdades do Canadá. Nocaso específico, o acusado de um homicídio não fora informado do seudireito de ser assistido por um advogado durante o interrogatório. 55. International Legal Materials, v. XXXVIII, 1999, p. 271 e s. Retomando a linha de raciocínio, e passando ao caso brasileiro, vai-se constatar que, entre nós, desde a primeira Constituição republicanase admite a verificação da constitucionalidade intrínseca de um tratado.Em acórdão de 15 de setembro de 1977, o Supremo Tribunal Federaldeclarou a inconstitucionalidade, em parte, de alguns artigos da Con-venção da OIT n. 110, referentes às condições de trabalhadores em fa-

zenda. A Constituição de 1967-69 ensejava tal tipo de pronunciamen-to, em regra que foi reproduzida na Carta atual. De fato, no art. 102, III,a, da Constituição de 1988, prevê-se o cabimento de recurso extraordi-nário quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tra-tado ou lei federal. 56. Constituição Federal de 24-2-1891, art. 59, § 1º, a. 57. RTJ, 84:724, 1978, Rep. n. 803-DF, rel. Min. Djaci Falcão. Veja-se, também, Celso D. deAlbuquerque Mello, Direito constitucional internacional, cit., p. 324. 58. "Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal... III - julgar, mediante recurso extra-ordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:... b) decla-rar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal." É bem de ver que a dicção pura e simples da cláusula constitucio-nal, tal como vem sendo reproduzida nos diferentes Diplomas, nãoinfirma, prima facie, a tese defendida por Haroldo Valladão e acimaexposta. É que, em verdade, ao prever declaração de inconstitucionalidadede tratado, o texto constitucional só pode estar-se referindo àquele queseja posterior à Constituição. Isso porque, consoante regra consolidadado direito constitucional intertemporal brasileiro, não se declara ainconstitucionalidade de preceito anterior à Constituição (v., infra, capí-tulo II). Portanto, a letra expressa da Lei Maior não dirime a dúvidasobre a possibilidade de o tratado anterior prevalecer, mesmo que con-traste com a nova norma constitucional. Todavia, o Supremo Tribunal Federal, no apagar das luzes do regi-me constitucional anterior, afastou, de forma taxativa, quaisquer incer-tezas que pudessem existir. A questão se impôs relativamente à cobran-ça do imposto sobre circulação de mercadorias (ICM) na importação debens de capital de países membros do GATT. À vista do entendimentoconsolidado, a Corte editou o verbete n. 575 da Súmula, com o seguinteteor: "À mercadoria importada de país signatário do GATT ou membroda ALALC, estende-se a isenção do Imposto de Circulação de Merca-dorias concedida a similar nacional". Sobreveio, todavia, a Emenda Constitucional n. 23, de 1º de dezem-bro de 1983, que acrescentou um § 11 ao art. 23 do Texto, determinandoa incidência do tributo sobre as mercadorias importadas, sem qualquerdistinção quanto ao país de origem. O Tribunal de Justiça de São Pauloproferiu decisão mantendo a isenção, nos casos de importação de bemde capital de países signatários do GATT. A Fazenda do Estado de SãoPaulo interpôs recurso extraordinário, sob o fundamento de que oTribu-nal a quo prestigiara o acordo internacional em detrimento do texto cons-titucional emendado. 59. Ficou assim a redação do texto constitucional: "Art. 23. Compete aos Estados e ao DistritoFederal instituir impostos sobre:... § 11. O imposto a que se refere o item II (ICM) incidirá, tam-bém, sobre a entrada, em estabelecimento comercial, industrial ou produtor, de mercadoria impor-tada do exterior por seu titular, inclusive quando se tratar de bens destinados a consumo ou ativofixo do estabelecimento". Ao apreciar o caso, o Supremo Tribunal Federal firmou posiçãoestreme de dúvida ao decidir: "Inadmissível a prevalência de tratados e convençõesinternacionais contra o texto expresso da Lei Magna (...) Os acordos internacionais, como é o caso do GATT(General Agreement on Tariffs and Trade), protegem osprodutos originários dos países contratantes. Todavia, nãohá como admitir, como deixou entender a decisão recorri-da, que na nova tributação autorizada pela Emenda Consti-

tucional n. 23, deva ser atendido o que prescreve um trata-do internacional (...) Hierarquicamente, tratado e lei situam-se abaixo daConstituição Federal. Consagrar-se que um tratado deve serrespeitado, mesmo que colida com o texto constitucional, éimprimir-lhe situação superior à própria Carta Política". 60. RTJ, 121:270, 1987, RE 109.173-SP, rel. Min. Carlos Madeira. Em decisões posteriores, o Supremo Tribunal Federal atenuou o re-sultado prático de tal decisão, passando a entender inexistir incompati-bilidade entre o acordo do GATT e o texto constitucional resultante daEmenda Constitucional n. 23/83. Assentou-se, no Recurso Extraordi-nário n. 1114.784, que "a Emenda Constitucional não visou a retirar fun-damento a essa avença internacional". Mas o princípio da supremaciada Constituição sobre os atos internacionais convencionais restouintangido. 61. RTJ, 124:358, 1987. 62. RTJ, 126:804, 1987, p. 806. Não se está, no particular, de acordo com a leitura que fazdeste acórdão o Professor Jacob Dolinger, ao extrair dele o sentido de que os tratados contratuais,como o do GATT, em contraposição aos tratados normativos, não são afetados por normas dedireito interno, inclusive constitucionais (Direito internacional privado, cit., p. 101). Mais recentemente, foi o Plenário do Supremo Tribunal Federal ins-tado a pronunciar-se acerca da controvertida questão envolvendo a sub-sistência ou não da prisão civil na hipótese de alienação fiduciária emgarantia (onde se equipara o devedor-fiduciante ao depositário), tendoem vista o que dispõem o art. 7º, n. 7, da Convenção Americana sobreDireitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica - e a cláusulagenérica inserta no art. 5º, LXVII, da Constituição de 1988. Como oreferido artigo da Convenção somente excepciona a hipótese deinadimplemento da obrigação alimentícia, questionou-se a subsistênciaou não da prisão civil por infidelidade do depositário, haja vista a incorpo-ração ao ordenamento jurídico brasileiro da referida Convenção (Decreton. 678, de 6-11-1992), nos termos do art. 5º, § 2º, da Constituição Federalde 1988. E o Supremo, invocando a supremacia da Constituição em rela-ção à convenção, declarou a possibilidade da prisão civil em qualquer doscasos onde o depositário venha a ser considerado infiel, inclusive na alie-nação fiduciária em garantia, em acórdão no qual se lavrou: "1. A Constituição proíbe a prisão civil por dívida, masnão a do depositário que se furta à entrega de bem sobre oqual tem a posse imediata, seja o depósito voluntário oulegal (art. 5º, LXVII). 2. Os arts. 1º (art. 66 da Lei n. 4.728/65) e 4º do Decre-to-lei n. 911/69, definem o devedor alienante fiduciáriocomo depositário, porque o domínio e a posse direta dobem continuam em poder do proprietário fiduciário ou cre-dor, em face da natureza do contrato. 3. A prisão de quem foi declarado, por decisão judicial,como depositário infiel é constitucional, seja quanto aodepósito regulamentado no Código Civil como no caso dealienação protegida pela cláusula fiduciária. 4. Os compromissos assumidos pela República Fede-rativa do Brasil em tratado internacional de que seja parte(CF, art. 5º, § 2º) não minimizam o conceito de soberaniado Estado-povo na elaboração da sua Constituição; por estarazão, o art. 7º, n. 7, do Pacto de San José da Costa Rica("ninguém deve ser detido por dívida": "este princípio nãolimita os mandados de autoridade judiciária competenteexpedidos em virtude de inadimplemento de obrigação ali-

mentar"), deve ser interpretado com as limitações impostaspelo art. 5º, LXVII, da Constituição". 63. RTJ, 164:213, 1998, HC 73.044-SP, rel. Min. Maurício Corrêa. A posição do SuperiorTribunal de Justiça é de aberta divergência em relação à do Supremo Tribunal Federal: cf. DJU, 11mar. 1996, RHC 4.849-PR, p. 6664, rel. Min. Adhemar Maciel; e DJU, 19 mar. 1997, RHC 5507-PR,rel. Min. Anselmo Santiago. Sobre o tema, v. infra, cap. II, n. 4, e. Em síntese apertada de tudo que se vem de expor, é possível assentarque, no conflito de fontes interna e internacional, o estágio atual do direitobrasileiro, consoante a jurisprudência constitucional e a melhor doutrina, éno sentido de que: A) Os tratados internacionais são incorporados ao direito internoem nível de igualdade com a legislação ordinária. Inexistindo entre otratado e a lei relação de hierarquia, sujeitam-se eles à regra geral de quea norma posterior prevalece sobre a anterior. A derrogação do tratadopela lei não exclui eventual responsabilidade internacional do Estado,se este não se valer do meio institucional próprio de extinção de umtratado, que é a denúncia. B) O tratado celebrado na vigência de uma Constituição e que sejacom ela incompatível, do ponto de vista formal (extrínseco) ou material(intrínseco), é inválido e sujeita-se à declaração de inconstitucionalidadeincidenter tantum , por qualquer órgão judicial competente, sendo taldecisão passível de revisão pelo Supremo Tribunal Federal, em sede derecurso extraordinário. O tratado que se encontrar em vigor quando doadvento de um novo texto constitucional, seja este fruto do poder cons-tituinte originário ou derivado, será tido como ineficaz, se for com eleincompatível. 64. Embora não haja precedente, é possível cogitar-se do cabimento de ação direta deinconstitucionalidade contra o decreto que o promulga, haja vista seu status equiparado ao de atonormativo federal. 65. Não parece própria a referência a revogação, porque, a rigor técnico, o tratado não deixade viger até o momento da denúncia.

2. A norma estrangeira e a Constituição Como já assinalado anteriormente, o direito internacional privadotem por objeto principal a indicação da lei aplicável sempre que umadada relação jurídica esteja em contato com mais de um ordenamento.Por vezes, a norma indicada será a do próprio Estado do juiz ou tribunalque esteja apreciando a questão. Nesse caso, diz-se que a lei aplicável éa lei do foro, a lex fori. 66. Atente-se, aqui, para a distinção óbvia que existe entre lei aplicável e tribunal competentepara aplicá-la. Não obstante, o mais comum é que a regra de direito internacional privado indique alex fori. Outras vezes, todavia, a regra de conexão do direito internacionalprivado apontará para a aplicação de uma lei estrangeira. Vale dizer:conforme seja a questão submetida a juízo, os sistemas jurídicos civili-zados admitem a aplicação, no território do Estado, de lei estrangeirapara a solução de uma controvérsia. Por evidente, inexiste qualquerviolação da soberania do Estado em tal hipótese, de vez que a aplicaçãodo direito estrangeiro é consentida, voluntariamente, pela norma interna. 67. Dois exemplos corriqueiros de aplicação da lei estrangeira por Tribunal brasileiro: a) deacordo com o art. 9º da LICC, as obrigações se regem pela lei do país em que se constituírem.

Portanto, se duas empresas litigarem no Brasil acerca de um contrato firmado em Londres, aplica-se àquestão a lei inglesa (aliás, em matéria contratual, onde vigora a autonomia da vontade, as partespodem simplesmente eleger a lei a ser aplicada, independentemente do local de celebração do ajuste);b) um indivíduo domiciliado na Itália morre deixando bens no Brasil. Aberto o inventário perante oforo brasileiro, o juiz aplicará a lei italiana para disciplinar a ordem de vocação hereditária, porque oart. 10 da LICC estabelece que a sucessão por morte se rege pela lei do domicílio. A aplicação do direito estrangeiro pelos tribunais é capítulo obriga-tório de todos os livros de direito internacional privado. Não cabe,aqui, aprofundar essa questão em nível teórico. Faz-se, todavia, a se-guir, uma breve síntese do conhecimento convencional e cristalizadosobre o tema, cujas implicações práticas são mais relevantes do queaparentam a um primeiro lance de vista. 68. A propósito, vejam-se, por todos: Haroldo Valladão, Direito internacional privado, cit., p.450 e s., Oscar Tenório, Direito internacional privado, cit., p. 145 e s., e Jacob Dolinger, Direitointernacional privado, cit., p. 223 e s. A primeira indagação de relevo que surgiu acerca da aplicação dodireito estrangeiro foi a de saber se ele deveria ser encarado como um fatoou como direito. Os efeitos de tal distinção são evidentes: fatos dependemde alegação pela parte e de prova; o direito, ao contrário, presume-se deconhecimento do juiz (jura novit curia) e pode ser aplicado de oficio,independentemente de alegação ou prova. Diversos Estados tratam o di-reito estrangeiro como fato. Não assim, porém, o ordenamento brasilei-ro, onde o direito estrangeiro tem status de lei, embora o juiz possa trans-ferir para a parte o ônus de provar-lhe o teor e a vigência. 69. Tal é o caso da França e do Reino Unido. Na Itália há decisões em ambos os sentidos. V.Jacob Dolinger, Direito internacional privado, cit., p. 224-6. 70. V. CPC, art. 337: "A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consue-tudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz". A segunda questão que mobilizou os estudiosos foi a da interpreta-ção e aplicação do direito estrangeiro. É que, diante da lei de outro país,ao juiz se impõe determinar: a) se deve equipará-la a qualquer outranorma interna, integrando-a ao sistema jurídico do foro; b) ou se devetratá-la com o sentido que lhe é dado pelo sistema jurídico estrangeiro. Normalmente, a segunda proposição é a que prevalece. Por vezes,no entanto, o direito estrangeiro há de curvar-se aos princípios e valoresdo foro. Logo à frente se voltará ao ponto.

a) A norma estrangeira e a Constituição de origem A maior parte da doutrina e mesmo alguns precedentes internacio-nais convergem no sentido de que, ao aplicar o direito estrangeiro, o ma-gistrado deverá fazê-lo em sua integralidade, acolhendo-lhe os preceitos eas remissões. Nessa ordem de idéias, caber-lhe-á levar em conta a legisla-ção estrangeira em seus diferentes níveis, o que inclui a Constituição. É nesse sentido a jurisprudência da Corte Permanente de Justiça. Emdecisões proferidas em 1929, a propósito de casos conhecidos comoSerbian Loans e Brazilian Loans, a Corte firmou os princípios que a orien-tam. Estabeleceu, assim que uma vez determinada a aplicação da lei deum dado Estado, deve ela ser aplicada como o seria naquele Estado. Apli-car uma norma diferentemente de como procederiam os tribunais do paíscuja lei foi indicada entraria em colisão com toda a teoria de adequadaaplicação da lei estrangeira. A Corte, portanto, deve empenhar-se em fa-

zer uma justa apreciação da jurisprudência dos tribunais locais. 71. P. C. I. J., Ser. A, n. 20/21, 1929, p. 5,40-7,93 e 120-5, apud Henkin, Pugh, Schachter eSmit, International law, 1987, p. 139: "Once the Court has arrived at the conclusion that it isnecessary to apply the municipal law of a particular country, there seems to be no doubt that it mustseek to apply it as it would be applied in that country. (...) Of course, the Court will endeavour tomake ajust appreciation of the jurisprudence of municipal courts". No mesmo sentido dispõe o art. 2º da Convenção aprovada pela con-ferência Internacional Especializada sobre direito Internacional Privado(Montevidéu, 1979), que determina que o direito extrangeiro será aplica-do da mesma forma que o seria pelos juízes do país do qual emana a regraaplicada. Bem assim, igualmente, o art. 409 do Código de Bustamante,que é norma positiva no Brasil, e que determina que na aplicação dodireito estrangeiro deve-se atentar para o sentido que se lhe dá no paísde sua origem. Ou seja: deve-se respeitar a interpretação doutrinária ejurisprudencial que lá se produz. 72. V. a íntegra da Convenção em Jacob Dolinger e Carmen Tiburcio, Vade-mécum de direitointernacional privado, 1994, p. 627-30. O art. 2º dispõe: "Os juízes e as autoridades dos EstadosPartes ficarão obrigados a aplicar o direito estrangeiro tal como o fariam os juízes do Estado cujodireito seja aplicável, sem prejuízo de que as partes possam alegar e provar a existência e o conteú-do da lei estrangeira invocada". 73. Jacob Dolinger e Carmen Tiburcio, Vade-mécum de direito internacional privado, cit.,p. 568. Embora em diferente cenário, a questão se põe com grande signifi-cação nos Estados Unidos. É que lá a parte mais expressiva do direitosubstantivo é estadual, pelo que as regras de direito de família, suces-sões, contratos, comerciais, penais etc. variam de Estado para Estado.Como conseqüência, a disciplina dos conflicts of laws, que correspondeao direito internacional privado dos países de tradição romano-germânica,concentra-se na indicação da lei aplicável às relações que mantêm cone-xões com os ordenamentos jurídicos de mais de um Estado da Federação. Além disso, de acordo com as regras próprias sobre jurisdição ecompetência lá vigentes, cabe muitas vezes à Justiça Federal solucio-nar litígios que envolvem a aplicação de direito estadual. Pois bem: aSupremaCorte firmou, de longa data, orientação no sentido de que, aoaplicar lei estadual, deve o juiz ou tribunal federal dar-lhe o sentido quelhe confere o mais alto tribunal do Estado cuja lei está sendo aplicada. 74. Nos termos do art. 3º da Constituição, as duas grandes categorias de casos que recaem nacompetência das cortes federais são: a) os que envolvem a aplicação da Constituição, das leisfederais e dos tratados internacionais (federal question jurisdiction) e b) os que têm como partescidadãos de Estados diferentes da federação (diversity jurisdiction). Nesta segunda hipótese, ascortes federais se vêem rotineiramente na contingência de aplicar direito estadual. V. Charles AlanWright, Law of Federal Courts, 1983, caps. 3 e 4, e Louisell, Hazard Jr. e Tait, Pleading andprocedure, 1983, p. 16-7. 75. V. Eric R. Co. vs. Tompkins, 304 U. S.64(1938). Ficou assinalado, linhas atrás, que ao aplicar o direito estrangeiro ointérprete deve fazê-lo integralmente, observando, inclusive, as regras

próprias de hierarquia das leis e de direito intertemporal vigentes nopaís de origem. Dentro dessa lógica, deverá prestigiar, em primeiro lu-gar, as normas constitucionais, cuja supremacia é princípiogeneralizadamente aceito. E, se constatar que uma dada norma inferioré incompatível com a Constituição, deverá cogitar de pronunciar-lhe ainconstitucionalidade, nos limites e com os efeitos que o juiz estrangei-ro poderia fazê-lo. Se no direito estrangeiro, por exemplo, se considerar que a normaanterior à Constituição é com ela incompatível, fica revogada, igual tra-tamento à questão deverá dar-lhe o juiz brasileiro que eventualmente de-vesse aplicá-la a um caso concreto. Mas, se a lei editada já na vigência deuma dada Constituição for com ela incompatível, é de indagar-se: pode ojuiz ou tribunal do foro declarar-lhe a inconstitucionalidade perante aConstituição estrangeira e,por via de conseqüênÇia deixar de aplicá-la? Haroldo Valladão responde afirmativamente, sem opor qualquer res-trição. A questão, todavia, exige uma certa qualificação. É que, comojá ficou assentado, o juiz que aplica direito estrangeiro há de interpretá-lo de acordo com as práticas do país de origem, atentando para a legis-lação, doutrina e jurisprudência. Ora bem: nem todos os Estados admi-tem o controle de constitucionalidade das leis pelo Judiciário. Na Fran-ça e na Suíça, para citar dois exemplos, essa possibilidade não existe.Ao contrário, nos Estados Unidos e na Alemanha tal exame é corriqueiro. 76. Direito internacional privado, cit.,p.460-1. 77. Note-se, todavia, que na França o Comitê Consultivo para a revisão constitucional, cons-tituído pelo Presidente da República por Decreto de 2-12-1992 e presidido pelo Professor GeorgesVedel, propôs a instituição do controle repressivo de constitucionalidade em tema de direitos funda-mentais. Pela proposta, a alínea 12 do art. 62 passaria a ter a seguinte redação: "Une dispositiondéclarée inconstitutionelle sur le fondement de l’article 61-1 est abrogée. Elle ne peut être appliquéeaux procédures en cours". Veja-se Propositions pour une révision de la Constitution, 1993. NaSuíça, inexiste o controle de constitucionalidade das leis federais, mas faz-se o controle das normascantonais. Sobre o tema, vejam-se Philippe Maystadt, Le contrôle de constitutionnalité en Suisse,in Actualité du contrôle juridicitionnel des lois, 1973, p. 161 e s., e Pedro Cruz Villalón, La formacióndel sistema europeo de control de constitucionalidad, 1987, p. 53 e s. Assim, então, o controle da constitucionalidade de lei estrangeiraem face de ser exercido, pelo órgãojurisdicional do foro, nos mesmos moldes e limites em que o faria o juizou tribunal do ordenamento de origem. Quando se tratar da aplicação delei estrangeira de país onde não seja legítimo ao Poder Judiciário pro-nunciar, in concreto ou in abstracto, a inconstitucionalidade de uma lei,não poderá o juiz ou tribunal do foro fazê-lo. 78. No mesmo sentido, v. João Baptista Machado, Lições de direito internacional privado,cit., p. 244. Em sentido diverso, v. Luiz Antonio Severo da Costa, Da aplicação do direito estran-geiro pelo juiz nacional, 1968, p. 40: "Se tem dúvidas sobre a constitucionalidade do diploma legal,mas se aquela Corte (N. A.: refere-se ele à Suprema Corte do país estrangeiro) ainda não se mani-festou a respeito, deve considerar válida tal lei, pois não pode chamar a si atribuição específicadaquele órgão". Desnecessário remarcar a evidência de que o órgão judicial brasi-

leiro, ao pronunciar a inconstituçionalidade de uma lei, fá-lo-á sempreem caráter incidental, para o fim exclusivo de negar-lhe aplicação aocaso concreto. Jamais se cuidará de uma decisão em tese, mesmo queisso seja possível à luz do ordenamento de origem, porque não se podereconhecer tal competência a qualquer tribunal que não seja do país doqual promana a lei. No Brasil, tudo que se pode pretender é negar eficá-cia à norma estrangeira, sem que isso afete sua validade e sua vigência. A questão do reconhecimento da inconstitucionalidade de normaestrangeira perante o ordenamento de origem já foi apreciada pelo Su-premo Tribunal Federal. Na vigência da Carta de 1988, pelo menos doisacórdãos abordaram o tema, embora sem maior aprofundamento. O primeiro deles diz respeito ao controvertido caso de extradiçãorequerida pela República Argentina do ex-líder dos Montoneros, MarioEduardo Firmenich. O Governo requerente imputava ao extraditandoum longo elenco de práticas delituosas, em relação às quais havia decre-tos de custódia cautelar expedidos pela Justiça argentina, e que incluíam:associação ilícita, diversos homicídios, atentado com lesões corporais,posse de explosivos e armas e uso de documento público falsificado. 79. RTJ, 111:16, 1984, Extradição n. 417, rel. Min. Oscar Dias Corrêa. Toda a discussão gravitou em torno de duas questões básicas: a) ainterpretação, vigência e validade da Lei de Anistia editada pelo Con-gresso argentino, e posteriormente revogada pelo próprio Legislativo,com efeitos retroativos, sob o fundamento de que era inconstitucional;b) a natureza dos delitos imputados ao extraditando - comum ou políti-ca -, tendo em vista o disposto no inciso LII do art. 5º da Constituiçãobrasileira, que veda a extradição por crime político ou de opinião. 80. Era importante ter em linha de conta, na apreciação do tema, que, por força do tratado deextradição entre Brasil e Argentina, não seria concedida a extradição quando, pelo mesmo fato, odelinquente tivesse sido anistiado no Estado requerente ou requerido (art. III). Em meio a outros argumentos, a defesa do extraditando, além deprocurar remarcar o caráter político das infrações, fundou-se: a) na inconstitucionalidade da lei que revogou retroativamente aanistia; b) na inconstitucionalidade do art. 2º da própria Lei da Anistia, que,discriminatoriamente, excluía do beneficio pessoas na situação do extra-ditando. As duas inconstitucionalidades argüidas eram em face da Consti-tuição argentina. O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, em votação dividi-da, concedeu a extradição, com ressalvas, concluindo que: a) a Lei deAnistia do país requerente era inaplicável à hipótese, não atingindo oextraditando, consoante previsão expressa no seu próprio texto; b) haviaprevalência dos crimes comuns sobre os políticos; c) era improcedentea alegação de que o extraditando seria julgado em seu país por tribunalde exceção. 81. Foram excluídas as imputações de caráter político puramente (liderança de movimento políti-co, porte de armas e explosivos e uso de documentos falsos), bem como ressalvou-se que não poderiamser impostas ao extraditando penas superiores a trinta anos de prisão em relação a cada crime. Os três votos vencidos, contrários à extradição, foram da lavra dopróprio Relator, Ministro Alfredo Buzaid, e dos Ministros José Francis-co Rezek e Aldir Passarinho. Os dois primeiros enfrentaram diretamen-te a questão da inconstitucionalidade da lei que cassara a anistia. Em seu voto, o Ministro Buzaid rechaçou o argumento do Estadorequerente de que a Corte não teria competência para apreciar a valida-de da lei argentina, e concluiu: "A declaração de inconstitucionalidade é atribuição pri-

vativa do Poder Judiciário no Brasil ou das Cortes Consti-tucionais nos países que as adotaram (...). Não a pode exer-cer o Legislativo, porque a sua função consiste em elaborarou revogar leis, não em apreciar a sua validade. (...) A conclusão a que se chega é que o legislador nãotem competência constitucional para declarar ainconstitucionalidade de uma lei". 82. RTJ, 111:16, 1985, p. 28. Acompanhou-o, no particular, o Ministro Rezek, pronunciando igual-mente a invalidade da lei argentina, nos termos seguintes: "Os tribunais derrubam, ex tunc, leis que padecem dovício de inconstitucionalidade. O parlamento, em toda par-te, tem o poder de revogar normas com efeito ex nunc; ja-mais o de declará-las nulas, com efeito retroativo, sob oargumento de inconstitucionalidade". 83. RTJ, 111:16, p. 30-1. O Ministro Aldir Passarinho negou a extradição por considerar oscrimes de natureza política. É bem de ver que ele e todos os demaisMinistros - Oscar Corrêa, Néri da Silveira, Rafael Mayer, DecioMiranda, Soares Mufioz, Moreira Alves e Djaci Falcão - deixaram dediscutir, especificamente, a questão da validade ou não da lei que anula-ra a anistia. Curiosamente, todos, sem exceção, fundamentaram seusvotos no art. 2º da sobredita Lei de Anistia, que excluía o extraditandode seus beneficios. Veja-se que nenhum dos Ministros deixou de aplicara lei por reputá-la revogada ou anulada pela lei superveniente. Justa-mente ao contrário, interpretaram-na para concluir que não aproveitavaao extraditando. Disso resulta que, embora não de forma expressa -mas com implícita evidência -, negaram validade e eficácia à lei pos-terior que cassava retroativamente a anistia. Por lapso do Relator originário, que a ele não fez menção, nenhumdos Ministros apreciou um outro fundamento da defesa: o dainconstitucionalidade do próprio art. 2º da Lei de Anistia, que, ao preve-la parcial e excludente, violava preceito expresso da Carta argentina. Talomissão ensejou a interposição, pelo extraditando, de embargos de de-claração, apreciados, igualmente, pelo Tribunal Pleno. 84. RTJ, 113:1, 1985. Sem atentar para a imensa contradição em que incorriam, diversosMinistros, ao julgar os embargos, negaram a possibilidade de aprecia-ção da constitucionalidade ou não de lei argentina perante sua própriaConstituição. Confiram-se tais pronunciamentos. "Ministro Oscar Corrêa: "Não lhe cabia (ao STF), substituindo-se aojuízo do País requerente, examinar a inconstitucionalidade da Leirevocatória, que, aliás, não interferiu no julgamento, saliente-se. Seriaindébita e inadmissível invasão de esfera de competência". 85. RTJ, 113:1,p.4. Ministro Néri da Silveira: "Penso que não cabe ao STF enfrentar aalegação de inconstitucionalidade da lei argentina. Certo está que o Po-der Judiciário argentino não declarou inconstitucional o art. 2º da discu-tida Lei de Anistia". 86. RTJ. 113:1, p. 5-6. Ministro Rafael Mayer: "Entendo... que é impossível ao SupremoTribunal exercer um controle de constitucionalidade sobre uma lei ar-gentina, pois é o exercício de jurisdição que não temos, mas tão-somen-te aquele País, pelo seu Supremo Tribunal, com relação às suas leis". 87. RTJ, 113:1,p.6. Ministro Djaci Falcão: "O texto de lei estrangeira não é passível deexame interpretativo no plano constitucional, para que seja declarada asua inconstitucionalidade. Entendimento em sentido contrário poderiaconduzir-nos a uma divergência interpretativa com a própria Corte Su-prema do País requerente da extradição". 88. RTJ, 113:1, p. 7-8.

Ministro Cordeiro Guerra: "Não há que considerar a interpretaçãodo Direito Constitucional Argentino porque não temos jurisdição na Ar-gentina, nem somos um Tribunal supranacional, para dizer como os ou-tros devem julgar. (...) O que poderíamos examinar, em matéria consti-tucional, é se a Lei de Anistia, tal como foi concebida e vige na Argen-tina, violaria a ordem jurídica ou constitucional brasileira". 89. RTJ, 113:1, p.8. Ministro Moreira Alves: "A meu ver, em proçesso de extradição,não cabe ao Supremo Tribunal Federal examinar a compatibilidade, ounão, da legislação do país requerente com a Constituição ali vigente". 90. RTJ, 113:1, p. 7. É de interesse observar que o voto do Ministro Moreira Alves sugereque, a contrario sensu, fora do processo de extradição, é possível examinara constitucionalidade da lei estrangeira perante o ordenamento de origem. Melhor intuindo a evidência, o Ministro Soares Muñoz, reformulando seu voto anterior, que concedia a extradição, assim decidiu: "No que diz respeito à lei posterior, que havia revoga-do a anistia, entendi que era ela ineficaz, visto que, umavez concedida a anistia, não era mais possível revogá-la.Ora, se assim entendi com relação à lei revocatória, nãovejo razão para me omitir no que diz respeito à argüidainconstitucionalidade da lei, enquanto restringe aquilo quea Constituição Federal estabelece de maneira imperativa,que deve ser geral. A Constituição Argentina determina quea anistia deve ser geral, isto é, não pode ser concedida anis-tia restrita. Se a lei desrespeitou a Lei Maior, é ineficaz.Não estou declarando a inconstitucionalidade da lei. Estouapenas afastando-a do caso concreto. Não preciso fazer ne-nhuma comunicação à Corte Argentina, como não faz ojuiz singular, quando afasta uma lei inconstitucional. A leicontinua em vigor; ela é apenas arredada no caso concreto.Eu a afasto. Afasto-a, como já afastei a lei revocatória". 91. RTJ, 113:1, p. 7. Em idêntico sentido foi o voto do Min. José Francisco Rezek, p. 5. Do estudo de caso que se vem de empreender, chega-se a uma con-clusão paradoxal. De fato, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu, comopremissa, que não lhe cabia apreciar a constitucionalidade de norma es-trangeira em face do ordenamento de origem. Em seguida, e, contradito-riamente, fugindo ao silogismo natural, julgou a questão deixando de apli-car, por inconstitucional, lei que revogara a Lei de Anistia argentina. Na verdade, a premissa é que era equivocada. O Supremo TribunalFederal, bem como qualquer juiz ou tribunal, pode pronunciar, in con-creto, a inconstitucionalidade de lei estrangeira em face da Constituiçãosob a qual foi editada, desde que o possam fazer as autoridades judiciá-rias do Estado de origem da lei perante sua própria Constituição. Alguns anos depois, já na vigência da Constituição de 1988, oSupremo Tribunal Federal examinou um pedido de extradição de umbrasileiro naturalizado, fundado no permissivo constitucional do art.5º, LI, que admite tal medida em caso de "comprovado envolvimentoem tráfico ilícito de entorpecentes, na forma da lei". O requerimentofoi formulado pelo Governo da Itália, Estado com o qual o Brasil nãomantém tratado de extradição. Para legitimar o pedido, o Estado re-querente apresentou promessa de reciprocidade. 92. RDA, 190:94, 1992, Extradição n. 541, rel. Min. Sepúlveda Pertence. 93. Lei n. 6.815/80, art. 76: a extradição exige tratado ou promessa de reciprocidade. Curiosamente, o relator para acórdão nesse caso foi o Ministro JoséPaulo Sepúlveda Pertence, que havia sido, exatamente, o advogado dedefesa de Mario Firmenich na Extradição n. 417, acima apreciada. ORelator observou que o art. 26 da Constituição da Itália impedia que oEstado requerente oferecesse reciprocidade naquela hipótese, por isso

que só admite a extradição de nacionais se houver previsão expressa emconvenção internacional. O acórdão, quanto à parte aqui relevante, veioassim ementado: "Extradição de brasileiro e promessa de reciprocidadedo Estado requerente: invalidade desta, à luz da Constitui-ção italiana, que o STF pode declarar. A validade e a conseqüente eficácia da promessa dereciprocidade ao Estado requerido, em que fundado o pe-dido de extradição, pressupõem que, invertidos os papéis,o ordenamento do Estado requerente lhe permita honrá-la:não é o caso da Itália, quando se cuida de extraditando bra-sileiro, pois o art. 26 da Constituição italiana só admite aextradição do nacional italiano quando expressamente pre-vista pelas convenções internacionais, o que não ocorre naespécie. (...) Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Fe-deral, juiz da extradição passiva, no Brasil, julgar dainvalidade, perante a ordem jurídica do Estado requerente,da promessa de reciprocidade em que baseado o pedido, afim de negar-lhe a eficácia extradicional pretendida". 94. Constituição italiana, art. 26. L’estradizione del cittadino puô essere consentita soltantoove sia espressamente prevista dalle conveniioni internazionali. Non puõ in alcun caso essereammessa per reati politici" (A extradição do cidadão somente pode ser consentida quando sejaexpressamente prevista pelas convenções internacionais. Em hipótese alguma pode ser admitidapor crimes políticos). 95. RDA, 190:94, Extradição n. 541, rel. Min. Sepúlveda Pertence. É interessante observar que a questão da inconstitucionalidade dapromessa de reciprocidade, que constou de breve passagem do voto doRelator e mereceu especial destaque na ementa do acórdão, não foi ob-jeto de maior discussão ou aprofundamento. Aliás, o Ministro CarlosMário Velloso, ao proferir seu voto, assinalou que, precisamente quantoà questão da reciprocidade, guardava "dúvidas a respeito". De todo modo, a posição mais recente do Supremo Tribunal Fede-ral é no sentido de que pode a Corte apreciar a constitucionalidade dosatos estrangeiros à luz do ordenamento de origem, negando-lhes aplica-ção quando seja o caso. Tal entendimento tem nossa adesão. 96. V., sobre o tema, José Carlos Barbosa Moreira. Le juge brésilien et le droit étranger, inTemas de direito processual, 4ª série. 1989, p. 299 e s., especialmente p. 309.

b) A norma estrangeira e a Constituição brasileira A norma que soluciona um conflito de leis no espaço indica aregra que vai reger uma relação que se encontrava sob a incidênciapotencial de mais de um ordenamento. Ao fazê-lo, apontará comoaplicável (a) ora a lei do foro, (b) ora a lei estrangeira. Quando aindicação recai sobre a lei do foro, não se apresentam maiores difi-culdades, haja vista que ela integra o sistema e com ele se harmoni-za. Quando a lei indicada é estrangeira, a regra é que o juiz acate aindicação e a aplique. Não é difícil intuir, no entanto, que podem surgir dificuldades naaplicação, no foro, de lei emanada de outro sistema jurídico. Para neu-tralizar certos contrastes mais contundentes, praticamente todos os Es-tados estabelecem uma grande categoria de "limit" à aplicação dodireito estrangeiro. Essa restrição se consubstancia em um instituto am-plo, fluido e de difícil apreensão conceitual que é a ordem pública. 97. Sobre o tema, v. a tese clássica de Jacob Dolinger, A evolução da ordem pública no

direito internacional privado, 1979, bem como seu Direito internacional privado, cit., p. 323 e s.Vejam-se, também: Clóvis Beviláqua, Direito internacional privado, p. 77 e s.; Haroldo Valladão,Direito internacional privado, cit., p. 472 e s.; Oscar Tenório, Direito internacional privado, cit., p.315 e s.; Amilcar de Castro, Direito internacional pri vado, cit., p. 273 e s.; Irineu Strenger, Cursode direito internacional privado, cit., p. 510 e s.; Agostinho Fernandes Dias da Silva, Introdução aodireito internacional privado, cit., p. 131 e s.; João Batista Machado, Lições de direito internacio-nal privado, cit., p. 253 e s. O princípio recebe abrigo expresso no art. 17 da Lei de Introduçãoao Código Civil em vigor, com a dicção seguinte: "Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bemcomo quaisquer declarações de vontade, não terão eficáciano Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a or-dem pública e os bons costumes". Sem embargo da tríplice referência do dispositivo, é certo que asoberania nacional e os bons costumes expressam variações da ordempública. O conceito é antigo e de trânsito universal. Trata-se de umacláusula geral, de conteúdo elástico e variável, que tem levado os auto-res a se referirem a ela como um conceito indeterminado a priori, emesmo indefinível. Não obstante, é possível identificar a ordem pú-blica como um princípio geral de preservação de valores jurídicos, mo-rais e econômicos de determinada sociedade política. 98. Embora diversos autores atribuam a primazia do tratamento do tema a Savigny, que sobreele escreveu em 1849 (ano da 1ª edição de sua obra), é certo que dele cuidou anteriormente JosephStory (Comentarios sobre el conflito de las Leyes, 1834, v. 1, p. 32-3, apud Jacob Dolinger, Direitointernacional privado, cit., p. 325): "Nación alguna puede ser justamente requerida a ceder susconveniencias políticas e instituciones fundamentales en favor de las de otra nación. Mucho menospuede nación alguna ser requerida a sacrificar sus intereses a favor de otra, ó a practicar doctrinasque, en un concepto moral ó político sean incompatibles con su seguridad ó felicidad, ó con suconciencia de la justicia y del deber". 99. O princípio é adotado nos diferentes sistemas jurídicos, quer de formação romano-germânica,quer de base costumeira (common law). O Restatement on Conflict of laws Second, na regra 90,dispõe: "Nenhuma ação será aceita com base em lei estrangeira cuja execução seja contrária à strongpublic policy do foro". A Corte de Cassação francesa, por sua vez, deixou assentado que "a definiçãode ordem pública nacional depende, em larga medida, da opinião que prevaleça em cada momento naFrança" (apud Jacob Dolinger, Direito internacional privado, cit., p. 327). 100. João Batista Machado, Lições de direito internacional privado, cit., p. 259. Fundados em distinção formulada por Brocher, os autores costu-mam fazer referência à ordem pública interna e à ordem pública inter-nacional. No fundo, a ordem pública constitui princípio único, que irra-dia seus efeitos em planos diversos. Internamente, ele opera no sentidode limitar a autonomia de vontade das partes em domínios nos quaisdevem prevalecer, cogentemente, os comandos estatais.

101. Charles Brocher, Cours de droit international privé, 1882, t. 1, n. 44. apud HaroldoValladão, Direito internacional privado, cit., p. 323. 102. V. Victor Nunes Leal, Classificação das normas jurídicas, in Problemas de direito públi-co, 1960, p. 39 e s. V., também, Luís Roberto Barroso, O direito constitucional e a efetividade deSUAS normas, 1993, p. 71. No plano internacional, que é o que interessa aqui, o princípio semanifesta de forma dúplice: (a) ora envolve a aplicação direta da leiestrangeira indicada pela regra de conexão; (b) ora envolve a aplicaçãoindireta da lei estrangeira, pelo reconhecimento de direitos adquiridos ede situações constituídas no exterior. Nas duas hipóteses, a ordem pú-blica opera no sentido de impedir a eficácia dos atos jurídicoscontrastantes com os valores do foro embora sua aplicação seja maisrígida no primeiro caso. Não é difícil ilustrar o afirmado. A ordem pública brasileira ja-mais admitiria que um indivíduo domiciliado na Arábia Saudita, ondea poligamia é legítima, pudesse contrair no Brasil um segundo ou ter-ceiro casamento simultâneo. Essa é uma situação. Por outro lado, di-ante de um fato já consumado no exterior, será possível, sem afronta àordem pública, reconhecer efeitos ao segundo ou terceiro casamentospara os fins, por exemplo, do recebimento de pensão alimentícia ou deatribuição da condição de herdeiros à prole do casal. Como se vê, Oconceito atua com intensidade diferente quando se trate de Constitui-ção de situação jurídica nova (aplicação direta da norma estrangeira)ou reconhecimento de situação já constituída (aplicação indireta da leiestrangeira). Veja-se que diante da impossibilidade de se reconhecer eficácia àlei estrangeira, por afronta à ordem pública, há consenso doutrinário deque se deva aplicar, à espécie, a lex fori. A exclusão da lei estrangeiradeverá ser tão estrita quanto possível, aproveitando-se a parte remanes-cente que possa ser aceita no foro. 103. V. Jacob Dolinger, A evolução da ordem pública, cit., p. 258: "Apurado pelo Tribunal quea lei, a sentença ou o contrato estrangeiros contém disposição inaceitável no foro, deverá comporuma solução em que se aproveite o que for admissível da convenção, da norma ou decisão estran-geiras, substituindo a parte rejeitada por norma da lex fori". Cabe, agora, fazer as aproximações cabíveis entre ordem pública eConstituição. O efeito da ordem pública, no plano internacional, é o deimpedir a aplicação de direito estrangeiro, seja direta ou indiretamente.Trata-se de um princípio de amplo espectro, difuso e cambiante, que éexterno à norma positiva, à letra expressa do texto legal. Como é co-mum dizer-se, é um princípio "exógeno às leis". Conseqüência natu-ral de tal premissa é que se encontrem aspectos inerentes à ordem públi-ca fora do texto constitucional. Será possível, assim, negar aplicação ànorma estrangeira por afronta à ordem pública brasileira, mesmo queela não se confronte, direta ou imediatamente, com a Constituição. 104. Jacob Dolinger,A evolução da ordem pública, cit., p. 255. Tem-se como assente, então, que nem tudo que viola a ordem públi-ca viola a Constituição. A recíproca, todavia, segundo ampla linha deentendimento, não é verdadeira. De fato, tem predominado o entendi-mento de que sempre que a norma estrangeira estiver em contraste coma Constituição estará, ipso jure, violando a ordem pública. O tema éinteressante e complexo. 105. V. ampla discussão da matéria em Rui Manuel Gens de Moura Ramos, Direito interna-cional privado e Constituição, 1980, p. 210 e s. A submissão de lei estrangeira ao controle de

constitucionalidade perante a Lei Fundamental do foro foi afirmada pelo Tribunal ConstitucionalFederal alemão, em decisão datada de 4-5-1971 (B VerfGE, 31,58). V. Jan Kropholler, InternationalesPrivatrecht, 1990, p. 31-2. Entre os internacionalistas - que, por formação, tentam minimizar asrestrições à aplicação do direito estrangeiro - desenvolveu-se a crença queprocurava negar a identidade necessária entre o conteúdo da ordem públicainternacional e os princípios constitucionais. Sustentou-se, assim, que ha-veria normas da Constituição que teriam relevância e outras que seriamindiferentes à caracterização da exceção de ordem pública. Reproduzindoposição corrente na doutrina italiana, escreveu Rui Moura Ramos: "É assim que alguns não vão além de recomendar aatuação da ordem pública apenas quando a contradição aber-ta com a Constituição se traduz na negação da essência deum direito fundamental, afirmando ao mesmo tempo deforma clara que, longe de se referir a todas as normas cons-titucionais, a ordem pública apenas contende com aquelespoucos princípios fundamentais que possam fazer-se deri-var imediatamente da Constituição, que vivem directamentena consciência jurídica da comunidade do foro e que porisso devem ser respeitados por todos os sistemas jurídicosque pretendem aplicar nesse Estado". 106. Direito internacional privado e Constituição, cit., p. 218, invocando a lição deBarile, Ordine publico internazionale e Costituzione, Rivista di Diritto Internazionale, v. 56,1973, p. 729. No Brasil todavia jamais se cogitou de exceção dessa ordem aoprincípio da supremacia constitucional. Ademais, o Código deBustamante tem disposição expressa a respeito, retirando a matéria daturbulência doutrinária e dando-lhe solução de direito positivo. Confira-se, a propósito, o teor do art. 4º do referido Código de Direito Internacio-nal Privado, resultante de convenção internacional ratificada pelo Brasile promulgada pelo Decreto n. 18.871, de 13 de agosto de 1929: "Art. 4º. Os preceitos constitucionais são de ordem pú-blica internacional". À luz de tal previsão, todas as disposições formalmente integradasà Constituição brasileira são tidas como de ordem pública internacionale impedem a aplicação de direito estrangeiro com elas contrastante. Emseu resultado prático, a exceção da ordem pública consubstanciada nanorma constitucional ora terá efeito negativo - por vedar algo que oordenamento externo permite -, ora terá efeito positivo, por permitiralgo que a lex causae vedava. Há, ainda, uma previsão expressa na Constituição brasileira, cunha-da em norma unilateral, que derroga expressamente o direito estran-geiro em princípio aplicável. É a que consta do inciso XXXI do art. 5º:"a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pelalei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempreque não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus". 107. Unilateral é a norma de solução de conflito de leis que prevê somente a aplicação daprópria lei, da lei nacional - "aplica-se a lei brasileira" - em contraposição às normas bilaterais,que se servem de critério geral e universal - "aplica-se a lei do domicílio da pessoa", "aplica-se alei do local do contrato". Ainda neste domínio, das relações entre a Constituição e o direito inter-nacional e estrangeiro, haveria espaço para ampla discussão acerca da apli-cação extraterritorial das normas constitucionais. A delimitação de nosso

objeto de estudo, todavia, remete esse tema para outra oportunidade. 108. Nesta área encontram-se questões como a proteção dos nacionais no exterior; a de devero Estado, em sua atuação no exterior, respeitar suas próprias normas constitucionais etc. A questãoda aplicação extraterritorial das normas constitucionais tem gerado inúmeras ações judiciais nosEstados Unidos, nos mais diversos temas, envolvendo a tortura e morte de um cidadão nicaragüen-se por agentes da CIA atuando na América Central (Sanchez-Espinosa vs. Reagan, 770 F. 2d 202-D. C. Cire. 1985); a invasão do domicílio de um cidadão mexicano, sem mandado, por agentes doDrug Enforcement Agency (U. S. vs. Verdugo-Urquidez, já referido) etc. Sobre o tema, na doutrinaamericana, v. Jules Lobel, The Constitution abroad, e Andreas Lowenfeld, U. S. law enforcementabroad: The Constitution and international law, ambos publicados no American Journal ofInternational Law, v. 83, n. 4, 1989, p. 871 e 880, respectivamente. Compendiando tudo que se vem de afirmar neste tópico, é possí-vel afirmar, com base na melhor doutrina e na jurisprudência dos tri-bunais, que: A) Quando da aplicação de lei estrangeira, cabe ao juiz ou tribunalbrasileiro aplicá-la como o fariam os órgãos judiciários do país do qualpromana a norma. Se em tal jurisdição se admitir a pronúncia deinconstitucionalidade de uma lei, poderá o juiz ou tribunal proceder damesma forma deixandodç aplicar, ao caso concreto, preceito estran-geiro incompatível com o ordenamento de origem. b) Com muito mais razão, deverão os juízes e tribunais brasileirosnegar aplicação à norma estrangeira que esteja em confronto com a Cons-tituição brasileira. Com efeito, as normas constitucionais são tidas comode ordem pública internacional, impedindo a eficácia de leis, decisõesjudiciais e atos jurídicos estrangeiros com elas incompatíveis.

Capítulo II - A CONSTITUIÇÃO E O CONFLITO DE NORMAS NO TEMPO.

DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL O conflito de leis no tempo resulta não da coexistência de leis, comono direito internacional privado, mas de sua sucessão. Trata-se dacontraposição entre lei nova e lei velha. Cabe ao direito intertemporalsolucionar esse conflito, fixando o alcance de normas que se sucedem.Seu objeto é a determinação dos limites do domínio de cada uma dentreduas disposições jurídicas consecutivas sobre o mesmo assunto. 1. Paul Roubier, Le droit transitoire (conflits des lois dans le temps), 1960, p. 3-4. 2. Carlos Maximiliano, Direito intertemporal, 1946, p. 7. O postulado básico na matéria, que comporta exceções mas tem"aceitação universal, é o de que a lei nova não atinge os fatos anterioresao início de sua vigência, nem as conseqüências dos mesmos, ainda quese produzam sob o império do direito atual. Esse princípio, conhecidocomo prinçípio da não retroatividade das leis tem por fundamento filo-sófico a necessidade da segurança jurídica, da estabilidade do direito. 3. Carlos Maximiliano, Direito intertemporal, cit., p. 10. 4. Paul Roubier, Le droit transitoire, cit., p. 223. Sobre o tema, no direito brasileiro, v. R.Limongi França, A irretroatividade das leis e o direito adquirido, 1982. Nos Estados Unidos, a Constituição de 1787 veda a edição de leisretroativas de uma maneira geral (art. 1º, seção 9, 1: "ex post facto law")e proibe aos Estados que elaborem leis que prejudiquem a obrigatoriedadedos contratos (art. 1º, seção 10, 1: "law impairing the obligation of

contracts"). Na América Latina, à exceção do México, e na Europa, aregra da não-retroatividade é de nível infraconstitucional, podendo, mes-mo, ser derrogada por legislação superveniente. No Brasil, o tema constou de todas as Constituições, desde a Impe-rial, de 1824, à exceção da Carta do Estado Novo, de 1937. No textopresentemente em vigor, dispõe o inciso XXXVI do art. 5º: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídi-co perfeito e a coisa julgada". Foge ao escopo deste estudo o aprofundamento dos conceitos dedireito adquirido e ato jurídico perfeito, que são verdadeiros tormentospara os intérpretes. Sobre o tema escreveram autores clássicos, comoSavigny e Gabba, e, entre nós, Carlos Maximiliano e Pontes de Miranda,sem, contudo, desvendarem todas as complexidades e perplexidades desua aplicação aos casos concretos. Léon Duguit chegou mesmo a afir-mar que há mais de meio século ensinava direito e, até então, ainda nãosabia o que era direito adquirido. Recentemente, o tema mereceu a den-sa reflexão de Raul Machado Horta. 5. Léon Duguit, Leçons de droit public général, 1926, p. 308. 6. Raul Machado Horta, Constituição e direito adquirido, Revista de Informação Legislativado Senado Federal, 112:69, 1991. Vejam-se, também, R. Limongi França, A irretroatividade dasleis e o direito adquirido, cit., e Wilson de Souza Campos Batalha, Direito intertemporal, 1980. É ainda a antiga opinião de Gabba que baliza o tema, ao apontar,como característica do direito adquirido: 1) ter sido conseqüência de umfato idôneo para a sua produção; 2) ter-se incorporado definitivamente aopatrimônio do titular. Longe das hipóteses extremas, não é difícil traçar operfil doutrinário da não-retroatividade e do direito adquirido. As leis, deregra são feitas para virarpara o futuro, sem colher fatos passados,ocorridos sob a égide de outra lei. Uma lei nova não pode pretenderdesconstituir um direito subjetivo cujo ciclo aquisitivo já se consumou ecujo desfrute se integra ao patrimônio do indivíduo ou da pessoa jurídica. 7. V. Gabba, Teoria della retroatività delle leggi, 1868, p. 191: "É adquirido todo direito que: a) é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato serealizou, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma leinova a respeito do mesmo, e que b) nos termos da lei sob o império da qual se verificou o fato deonde se origina, passou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu". V., tam-bém, Carlyle Popp, A retroatividade das normas constitucionais e os efeitos da Constituição sobreos direitos adquiridos, Paraná Judiciário, 36:13. Apreciando um dos aspectos dessa complexa temática, no camporeferente aos contratos e o direito superveniente, assim pronunciou-se oSupremo Tribunal Federal: "Os contratos submetem-se, quanto ao seu estatuto deregência, ao ordenamento normativo vigente à época de suacelebração. Mesmo os efeitos futuros oriundos de contratosanteriormente celebrados não se expõem ao domínio normativode leis supervenientes. As conseqüências jurídicas que emer-gem de um ajuste negocial válido são regidas pela legislaçãoem vigor no momento de sua pactuação. Os contratos - quese qualificam como atos jurídicos perfeitos - acham-se pro-tegidos, em sua integralidade, inclusive quanto aos efeitos fu-turos, pela norma de salvaguarda constante do art. 5º, XXXVI,da Constituição da República. A incidência imediata da leinova sobre os efeitos futuros de um contrato pré-existente, pre-

cisamente por afetar a própria causa geradora do ajustenegocial, reveste-se de caráter retroativo (retroatividade in-justa de grau mínimo), achando-se desautorizada pela cláu-sula constitucional que tutela a intangibilidade das situaçõesjurídicas definitivamente consolidadas". 8. RTJ, 164:1145, 1998, RE 209.519-SC, rel. Min. Celso de Mello. Calha observar que, embora a não-retroatividade seja a regra, trata-se de princípio que somente condiciona a atividade jurídica do Estadonas hipóteses expressamente previstas na Constituição. São elas: a) aproteção da segurança jurídica no domínio das relações sociais, veicula-da no art. 5º, XXXVI, já citado; b) a proteção da liberdade do indivíduocomo a aplicação retroativa da lei penal, contida no art. 5º, XL ("a leipenal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu"); c) a proteção do contri-buinte contra a voracidade retroativa do Fisco, constante do art. 150, III, a(é vedada a cobrança de tributos "em relação a fatos geradores ocorridosantes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumenta-do"). Fora dessas hipóteses, a retroatividade da norma é tolerável. 9. A este propósito, decidiu o Supremo Tribunal Federal, recentemente, refutando equívocolongamente divulgado, que "o disposto no art. 5º, XXXVI, da CF, se aplica a toda e qualquer leiinfraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ouentre lei de ordem pública e lei dispositiva" (RT, 690:176, 1993, ADIn 493-0 (ML)-DF, rel. Min.Moreira Alves). Ou ainda: "Razões de Estado - que muitas vezes configuram fundamentos políti-cos destinados a justificar, pragmaticamente, ex parte principis, a inaceitável adoção de medidas decaráter normativo - não podem ser invocadas para viabilizar o descumprimento da própria Cons-tituição. As normas de ordem pública - que também se sujeitam à cláusula inscrita no art. 5º,XXXVI, da Carta Política - não podem frustrar a plena eficácia da norma constitucional, compro-metendo-a em sua integridade e desrespeitando-a em sua autoridade" (STF, RTJ, 164:1145, 1998,RE 209.519-SC, rel. Min. Celso de Mello). A doutrina, tanto civilista quanto publicista, chancela essa linha deentendimento. Nesse sentido é a lição de Silvio Rodrigues: "Assim o atual sistema brasileiro, pois, quer a Consti-tuição, quer a lei ordinária, não falam em proibição de leisretroativas. Apenas excluem da incidência da lei nova o atojurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (...) Entre nós a lei é retroativa, e a supressão do pre-ceito constitucional que, de maneira ampla, proibia leis re-troativas, constituiu um progresso técnico. A lei retroage,apenas não se permite que ela recaia sobre o ato jurídicoperfeito, sobre o direito adquirido e sobre a coisa julgada". 10. Silvio Rodrigues, Direito civil, 4. ed., v. 1, p. 51 e 53. Por igual, escreveu o emérito mestre de Recife, Pinto Ferreira: "O Estado pode determinar leis retroativas, pois as cir-cunstâncias sociais e históricas se modificam. Os entes es-tatais podem editar normas com eficácia retroativa ou comefeito retrooperante, mas desde que não firam o direito ad-quirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito protegidosconstitucionalmente pela lex legum". 11. Pinto Ferreira, Comentários à Constituição brasileira, 1989, v. 1, p. 143. Essa é a doutrina abrigada na jurisprudência do Supremo TribunalFederal. O Projeto de Lei de Aplicação das Normas Jurídicas, recente-

mente elaborado por comissão ministerial, foge do entendimento crista-lizado, dispondo de forma taxativa, em criticável proposta de inovação,"que a lei não terá efeito retroativo". 12. V. RTJ, 145:463, 1993, ADIn 605-DF, Medida Cautelar, rel. Min. Celso de Mello: "Oprincípio da irretroatividade somente condiciona a atividade jurídica do Estado nas hipóteses ex-pressamente previstas pela Constituição, em ordem a inibir a ação do Poder Público eventualmenteconfiguradora de restrição gravosa (a) ao status libertatis da pessoa (CF, art. 5º, XL), (b) ao statussubjectionis do contribuinte em matéria tributária (CF, art. 150,III, a) e (c) à segurança jurídica nodomínio das relações sociais (CF, art. 5º, XXXVI)". 13. V. Projeto de Lei n. 4.905, de 1995, resultante da Mensagem n. 1.293/94. Sem embargo dacrítica que ora se faz quanto a este aspecto específico, o Projeto, em suas linhas gerais, e especial-mente no capítulo dedicado ao direito internacional privado, dá um salto de qualidade no direitobrasileiro em relação à matéria. É bem de ver que a regra do art. 5º, XXXVI, dirige-se, primaria-mente, ao legislador e, reflexamente, aos órgãos judiciários e admi-nistrativos. Seu alcance atinge, também, o constituinte derivado, hajavista que a não-retroação, nas hipóteses constitucionais, configura di-reito individual, que, como tal, é protegido pelas limitações materiaisdo art. 60, § 4º, IV. Disso resulta que as emendas à Constituição,tanto quanto as leis infraconstitucionais, não podem malferir o direitoadquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. 14. CF, art. 60, § 4º, IV: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente aabolir:... IV - os direitos e garantias individuais". No regime constitucional anterior, decisão doSupremo Tribunal Federal afirmou que "não há direito adquirido contra texto constitucional, resulteele do Poder Constituinte originário, ou do Poder Constituinte derivado" (RTJ, 114:237, 1985, RE94.414-SP, rel. Min. Moreira Alves). O acórdão foi proferido em 13-2-1985, quando ainda em vigora Carta de 1969, que não incluía dentre as cláusulas pétreas os direitos e garantias individuais, mastão-somente a Federação e a República (art. 47, § 1º). O princípio da não-retroatividade, todavia, não condiciona o exercí-cio do poder constituinte originário. A Constituição é o ato inaugural doEstado, primeira expressão do direito na ordem cronológica, pelo quenão deve reverência à ordem jurídica anterior, que não lhe pode imporregras ou limites. Doutrina e jUrisprudência convergem no sentido deque "não há direito contra a Constituição". 15. M. Seabra Fagundes, O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário,1979, p. 3. 16. Na doutrina, vejam-se, por todos, Caio Mário da Silva Pereira, Direito constitucionalintertemporal, RF, 304:29, 1988, e Wilson de Souza Campos Batalha, Direito intertemporal, cit.,p. 438. Na jurisprudência, v. RTJ, 67:327, Rep. n. 895, rel. Min. Djaci Falcão, RTJ, 71 :461, RE75.418, rel. Min. Thompson Flores, e RTJ, 40:1008, AI 134.271, rel. Min. Moreira Alves, RDA,196:107, 1994, ADIn 248-1-RJ, rel. Min. Celso de Mello, onde se lavrou: "A supremacia jurídica

das normas inscritas na Carta Federal não permite, ressalvadas as eventuais exceções proclamadas. Ano próprio texto constituçional, que contra elas seja invocado o direito adquirido". Também noSuperior Tribunal de Justiça se decidiu: "A nova Carta Política proibiu, no art. 7º, IV, a vinculaçãode valores ao salário mínimo, "para qualquer efeito". Dada a vedação, insubsiste qualquer direitoadquirido à percepção de vencimentos ou proventos expressos em número desses salários" (RT,692:162, 1993, RMS 762-0-GO, rel. Min. Demócrito Reinaldo). Não obstante isso mesmo na interpretação da vontade constitucio-nal originária, a irretroatividade há de ser a regra, e a retroatividade aexceção. Sempre que for possível, incumbe ao exegeta aplicar o direitopositivo de qualquer nível, sem afetar situações jurídicas já definitiva-mente constituídas. E mais: não há retroatividade tácita. Um preceitoconstitucional pode retroagir, mas deverá haver texto expresso nesse sen-tido. Na Constituição brasileira de 1988 há exemplos de retroatividadeexpressa, como o art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transi-tórias. Com base nele, aliás, chegou-se a entender não ser oponível se-quer a preexistência de coisa julgada, impondo-se a redução dos venci-mentos do servidor aos limites constitucionais. Tal linha de entendimen-to, todavia, foi desautorizada pelo Supremo Tribunal Federal. 17. Carlos Maximiliano, Direito intertemporal, cit., p. 52. 18. Igual orientação é seguida por Wilson Batalha, Direito intertemporal, cit., p. 438. V.,também, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição brasileira, 1990, v. 1, p. 9:"Só se deve por isso aceitar como retroativa uma norma constitucional se isto resultar inapelavelmentedo texto". 19. Art. 17: "Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como osproventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serãoimediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação dedireito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título". 20. RT, 685:73, Ap. 158.745-1/1, TJESP, 2ª Câm., rel. Des. Cézar Peluso. 21. "A cláusula temporária e extravagante do art. 17 do Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias da Carta de 1988 não alcança situações jurídicas cobertas pela preclusão maior, ouseja, pelo manto da coisa julgada" (STF, RTJ, 167:656, 1999, RE 146.331-SP, rel. Min. MarcoAurélio). E, nos termos do voto do relator, ficou didaticamente consignado: "A norma diz da impos-sibilidade de evocar-se o direito adquirido, silenciando quanto à coisajulgada, isto é, aquelas situa-ções jurídicas submetidas ao crivo do Estado-juiz e já cobertas pelo manto da preclusão maior, noque voltada à segurança da vida em sociedade. É certo que, ao término do preceito, há referência àpercepção de excesso a qualquer título. Todavia, a menção há de ter alcance perquirido consideradaa referência a direito adquirido e ao silêncio, já consignado, quanto à coisa julgada. É induvidosoque o instituto da coisa julgada, agasalhado sistematicamente pelas Cartas brasileiras, revela-sepossuidor de contornos inerentes às cláusulas pétreas...". O direito constitucional intertemporal cuida da disciplina dos con-

flitos que decorrem do advento de uma nova ordem constitucional.Essa modificação do direito constitucional positivo pode, eventual-mente, ser obra do constituinte derivado, limitando-se a alterações tó-picas no texto em vigor. De outras vezes, no entanto, tratar-se-á deuma reformulação integral da ordem constitucional, fruto da elabora-ção soberana do poder constituinte originário. O tema suscita questõesde certa complexidade e comporta inúmeras variações. Confira-se.

1. A Constituição nova e a ordem constitucional anterior A Constituição, como é corrente, é a lei suprema do Estado. Naformulação teórica de Kelsen, até aqui amplamente aceita, a Constitui-ção é o fundamento de validade de toda a ordem jurídica. É ela queconfere unidade ao sistema, é o ponto comum ao qual se reconduzemtodas as normas vigentes no âmbito do Estado. De tal supremacia de-corre o fato de que nenhuma norma pode subsistir validamente no âmbi-to de um Estado se não for compatível com a Constituição. Classica-mente, como se verá adiante, a ordem constitucional tende a tolerar, pordiferentes fundamentos, as normas anteriores à sua vigência que sejamcom ela compatíveis. 22. Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 1979, p. 310: "A ordem jurídica não é um sistema denormas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma constru-ção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto daconexão de dependência que resulta do facto de a validade de uma norma, que foi produzida deacordo com outra norma, cuja produção, por seu turno, é determinada por outra; e assim por diante,até abicar finalmente na norma fundamental - pressuposta. A norma fundamental - hipotética,nestes termos - é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade destainterconexão criadora. Se começarmos por tomar em conta apenas a ordem jurídica estadual(estatal), a Constituição representa o escalão de Direito positivo mais elevado". Sobre o mesmotema, na mesma linha, em versão mais didática, v. Norberto Bobbio, Teoria do ordenamentojurídico, 1990, p. 48 e s. 23. Veja-se o tema em palavras de J. J. Gomes Canotilho (Direito constitucional, 1991, p.142): "A superioridade normativa do direito constitucional implica, como se disse, o princípio daconformidade de todos os actos do poder político com as normas e princípios constitucionais (...).Em termos aproximados e tendenciais, o referido princípio pode formular-se da seguinte maneira:nenhuma norma de hierarquia inferior pode estar em contradição com outra de dignidade superior(princípio da hierarquia), e nenhuma norma infraconstitucional pode estar em desconformidadecom as normas e princípios constitucionais, sob pena de inexistência, nulidade, anulabilidade ouineficácia (princípio da constitucionalidade)". Merecem tratamento específico, no entanto, as relações que se esta-belecem entre a Constituição nova e as normas que integravam oordenamento constitucional que está sendo substituído. Naturalmente,no que sejam incompatíveis, inexiste qualquer dúvida de que a normaanterior fica revogada, pela singela aplicação da regra geral de que asnormas posteriores revogam as anteriores quando incompatíveis. A ques-

tão se adensa em complexidade, todavia, quando se investiga a situaçãodas normas do regime constitucional anterior que não se contraponhamà nova ordem. A Constituição escrita ordena sistematicamente os princípios fun-damentais da organização política do Estado e das relações entre esseEstado e o povo que o compõe. É documento único e supremo. Não sepode cogitar, salvo casos de patologia institucional grave, da existênciasimultânea de mais de uma Constituição no âmbito territorial de umEstado. Posta em vigor uma nova Constituição, nenhum ato jurídicoanterior pode ter a pretensão de subsistir com caráter de norma supre-ma. Merece registro, no particular, a lição de Jorge Miranda: "Antes de mais, uma Constituição nova revoga a Cons-tituição anterior. Por definição, não pode haver senão umaConstituição - em sentido material e em sentido formal. (...) Esta revogação é uma revogação global ou de sis-tema, e não uma revogação stricto sensu ou uma recepçãoindividualizada, norma a norma. Não cabe indagar da com-patibilidade ou não de qualquer norma constitucional ante-rior com a correspondente norma constitucional nova oucom a nova Constituição no seu conjunto; basta a sua in-serção na anterior Constituição para que automaticamente- expressa ou tacitamente - fique ou se entenda revogadapela Constituição posterior". 24. No Brasil, desde o início do regime militar, em abril de 1964, até a Emenda Constitucionaln. 11, de 13-10-1978, vigoraram os chamados "atos institucionais". Tais atos prevaleciam sobrea Constituição formal, e, embora travestidos de figura de direito, eram mera expressão da supre-macia do poder de fato que controlava o País e se punha acima das instituições jurídicas. Regis-tre-se que, nos Estados Federais, a existência de Constituições estaduais não colide com o que sevem de afirmar, de vez que tais diplomas são elaborados no exercício de competência derivadada própria Constituição Federal, a cujos princípios estão subordinados. 25. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, cit., t. 2, p. 239. A regra geral de que a nova Constituição revoga inteiramente aordem constitucional anterior não é incompatível com certas situa-ções peculiares de subsistência de regras constitucionais precedentes.É possível cogitar-se, por exemplo, de que a nova Carta expressamen-te mantenha em vigor, e com o mesmo caráter constitucional, precei-tos do ordenamento que está sendo substituído. Por evidente, o poderconstituinte que tem força para revogar tem também para conservar.Apenas nesse caso, que se denomina recepção material, o título jurí-dico da superioridade da norma mantida não é a ordem constitucionalanterior, mas a atual. 26. V. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, cit., t. 2, p. 240. Além da recepção material, a doutrina admite ainda uma outra pos-sibilidade de aproveitamento legítimo das normas constitucionais doregime anterior, desde que compatíveis com o novo sistema. Trata-se dofenômeno da desconstitucionalização das normas constitucionais, peloqual os preceitos do regramento constitucional precedente, embora per-dendo o caráter hierarquicamente superior, continuam a vigorar comoleis ordinárias. A tese encontra lastro em Carl Schmitt e foi exploradapor Esmein. De fato, constatou o autor francês, na linha teórica do pró-prio Schmitt, que as Constituições escritas contêm, freqüentemente, dis-posições que não são constitucionais, senão pela forma, tendo conteú-do, todavia, de normas administrativas, penais etc. Fundado em tal pre-missa, desenvolveu o raciocínio da sobrevida das normas apenas for-

malmente constitucionais, quando compatíveis com a nova ordem. Emsuas próprias palavras: "Pois bem: admite-se que disposições dessa nature-za, que só pertenciam à Constituição revogada por umliame fático, sobrevivam a ela e absolutamente não caiamcom ela. Dá-se-lhes tratamento de leis ordinárias - nofundo é o que são - mas, ao mesmo tempo, sãoreconduzidas à qualidade destas. Desgarram-se da Cons-tituição, em que estavam encaixadas, e é por isso que per-manecem em vigor; mas, ao mesmo tempo, perdem a efi-cácia de normas constitucionais, e, daí por diante, podem,como outra lei qualquer, ser modificadas pelo legisladorordinário". 27. Carl Schmitt, Teoría de la Constitución, s. d., p. 32-3. 28. A. Esmein, Éléments de droit constitutionnel français et comparé, 1914, p. 582. Entre nós, Pontes de Miranda, José Afonso da Silva e ManoelGonçalves Ferreira Filho admitem a tese. Em sede de direito positivo,a antiga Constituição do Estado de São Paulo, de 13 de maio de 1967,abrigava expressamente o princípio da desconstitucionalização, assimcomo o faz a Constituição portuguesa em vigor, in verbis: "Art. 290º (Direito anterior) 1. As leis constitucionaisposteriores a 25 de abril de 1974 não ressalvadas neste ca-pítulo são consideradas leis ordinárias, sem prejuízo do dis-posto no número seguinte. 2. O direito ordinário anterior àentrada em vigor da Constituição mantém-se, desde quenão seja contrário à Constituição ou aos princípios nelaconsignados". 29. Pontes de Miranda, Comentários à Constituição da República dos Estados Unidos doBrasil de 1934, t. 2, p. 560-1: "As leis que continuam em vigor são todas as que existiam e não sãoincompatíveis com a Constituição nova. Inclusive as regras contidas na Constituição anterior;posto que como simples leis". No mesmo sentido escreveu em seus Comentários à Constituição de1967, com a Emenda n. I de 1969, 1970, t. 1, p. 249-50. 30. José Afonso da Silva,Aplicabilidade das normas constitucionais, 1982, p. 207: "Parece-nos perfeitamente aceitável essa doutrina, pois que ela satisfaz o princípio da compatibilidade entreas normas da ordem jurídica, desde que, no caso, não se verifica conflito. Mas a regra constitucio-nal anterior compatível não continua constitucional, porque isso contraria o conceito de constitui-ção formal, que há de ser aquele documento solene e escrito criado pelo poder constituinte. Fica,então, a regra valendo e vigendo, de acordo com o princípio da continuidade das normas compati-veis, mas como norma de caráter ordinário. É o que se chama princípio da desconstitucionalizaçãodas normas jurídicas". 31. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Direito constitucional comparado; o poder constituin-te, 1974,v. 1,p. 113. 32. Assim dispunha aquele diploma: "Art. 147. Consideram-se vigentes, com o caráter de leiordinária, os artigos da Constituição promulgada em 9 de julho de 1947 que não contrariem estaConstituição". Sem embargo, salvo os casos em que haja previsão constitucional

nesse sentido, não merece acolhida a tese de permanência da normaconstitucional anterior com caráter ordinário. E que, como visto, umanova Constituição, ao entrar em vigor, revoga ipso jure todo oordenamento constitucional anterior. Trata-se de uma revogação de sis-tema, que, em princípio, não resguarda nenhuma norma constitucionalprecedente. Tenha-se em conta que, classicamente, entre normas de igualhierarquia, considera-se que a posterior revoga a anterior quando (a)expressamente o declare, (b) seja com ela incompatível (c) ou reguleinteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. 33. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, cit., t. 2, p. 241: "A desconstitu-cionalização... tem de ser prevista por uma norma. Não pode estribar-se em mera concepção teóricaou doutrinal. (...) Mas não tem de ser norma expressa ou norma constitucional formal: poderátratar-se de norma de origem consuetudinária". 34. Esta é a doutrina acolhida no art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, que temefeito de uma lei geral de aplicação das normas jurídicas. Pois bem: na hipótese aqui cogitada, incide o fundamento da letra c,supra: uma nova Constituição regula inteiramente a matéria de que tra-tava a Constituição precedente. A não-reprodução, na nova Carta, deuma regra constante do ordenamento constitucional anterior, sem a res-salva de sua continuidade, é um ato de vontade do constituinte, quemanifestamente desejou abster-se do tratamento da matéria. Ao legisla-dor infraconstitucional, se assim desejar, caberá reeditar o preceito. Essemodo de encarar o problema tem a adesão de Wilson de Souza CamposBatalha, que averbou, com propriedade: "A Constituição suprimida e substituída deixou de sernorma vigente e não pode continuar a viger em plano infe-rior e sub conditione. Sua vida cessou, substituída por ou-tra Constituição. Se as leis anteriores à nova Constituiçãosobrevivem, quando nesta podem encontrar renovado fun-damento de validade, o mesmo não ocorre com os velhospreceitos constitucionais. Pura e simplesmente deixam deter validade no plano do ordenamento jurídico; sua invoca-ção poderia ocorrer, não como norma vigente, mas comoprincípio tradicional do direito do País". 35. Wilson de Souza Campos Batalha, Direito intertemporal, cit., p. 436. De modo que, no sistema brasileiro, uma vez promulgada uma novaConstituição, fica inteiramente revogada a anterior, sendo indiferente ofato de suas normas guardarem ou não compatibilidade entre si. Atéporque, diante da fartura de Constituições que tem marcado a históriabrasileira, correr-se-ia o risco de se ter em vigor, ainda hoje, com forçade lei ordinária, normas das Constituições de 1824, 1891, 1934, 1937,1946, 1967 e 1969. Ninguém precisa disso.

2. Emenda constitucional e Constituição em vigor A Constituição é um documento que aspira à permanência, mas não àperenidade. Por tal razão, todas as Constituições modernas, desde a norte-americana, de 1787, prevêem a possibilidade de sua própria reforma eestabelecem as regras que vão reger a matéria. A reforma da Constituição,como se sabe, é obra do poder constituinte derivado, e, como tal, repre-senta o exercício de um poder que é juridicamente limitado. É o próprioconstituinte originário quem regula o processo de criação de novas nor-mas constitucionais, bem como determina o conteúdo que possam ter. 36. Veja-se sobre o tema, genericamente, a tese de Paulo Braga Galvão, Limitações ao poderde emendar a Constituição, mimeografado, 1988. A produção jurídica nesta matéria foi potencializada

pela previsão do art. 3º do ADCT, promulgado juntamente com a atual Constituição, que previu arealização de uma revisão constitucional após cinco anos de vigência da Carta de 1988. Realizadaem meio a acirrada polêmica sobre seus limites materiais, a revisão não produziu senão alteraçõesde menor expressão. Vejam-se, dentre muitos trabalhos elaborados a este propósito, Raul MachadoHorta, Permanência e mudança na Constituição, separata da Revista Brasileira de Estudos Políti-cos, n. 74/75, 1992; GeraldoAtaliba, Limites à revisão constitucional de 1993, separata da RevistaTrimestral de Direito Público, n. 3, 1993; Carmen Lúcia Antunes Rocha, Revisão constitucional eplebiscito, mimeografado, 1993; Diogo de Figueiredo Moreira Neto,A revisão constitucional bra-sileira, 1993; Jair Eduardo Santana, Revisão constitucional, 1993; Maurício Antonio Ribeiro Lopes,Poder constituinte reformador, 1993. Veja-se, mais recentemente, José Alfredo de Oliveira Baracho,Teoria geral da revisão constitucional, Revista da Faculdade de Direito da UFMG, 34:47, 1994. Quando a sucessão da ordem constitucional se dá com observânciadas regras vigentes, afirma-se que, apesar da alteração normativa, hou-ve continuidade formal do direito constitucional, porque as novas nor-mas se reconduzem, jurídica e politicamente, à ordem precedente. Aorevés fala-se em descontinuidade formal quando uma nova ordem cons-titucional implica ruptura, revolucionária ou não, com a ordem consti-tucional anterior. Já o conceito de descontinuidade material identifi-ca-se com a situação em que, além da ocorrência de uma ruptura formal(ou eventualmente sem ela), verifica-se também uma "destruição" doantigo poder constituinte por um novo poder constituinte, "alicerçadonum título de legitimidade substancialmente diferente do anterior". 37. V. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 147-8. Em livro interessantíssimo(Discovering the Constitution, 1992), Bruce Ackerman, professor da Universidade de Yale, identi-fica três momentos de descontinuidade formal na experiência constitucional americana, pelainobservância do processo adequado de reforma constitucional: a elaboração, em si, da Constitui-ção, em 1787, em desconformidade com os Artigos da Confederação então vigentes, havendo osdelegados das colônias extrapolado os mandatos que lhes haviam sido conferidos; a aprovaçãoda 14ª emenda, pouco após a guerra civil; e a drástica mudança da jurisprudência da SupremaCorte relativamente às políticas públicas do New Deal, na década de 30. 38. A referência à "destrucción de la Constitución" se colhe em Carl Schmitt (Teoría delaConstitución, cit., p. 115), entendida como a "supresión de la Constitución existente (y no sólode una o varias leyes constitucionales), acompañada de la supresión del Poder constituyente enque se basaba". 39. J. J. Gomes Canotiiho, Direito constitucional, cit., p. 149. No Brasil houve, sem dúvida, descontinuidade formal e material nasubstituição da Carta Imperial de 1824 pela Constituição de 1891, frutodo golpe que proclamou a República; na edição da Constituição de 1934,que institucionalizou, tardiamente, o movimento revolucionário de 30,que rompera com o regime constitucional da República Velha; quando

da outorga da Carta de 1937, que instaurou o Estado Novo sobre asruínas do regime de 1934. Por outro lado, a elaboração da Constituiçãode 1946 foi precedida de convocação de Assembléia Constituinte, den-trodos quadros da legalidade anterior. Aí, talvez, não se possa falar emdescontinuidade formal, embora certamente tenha havidodescontinuidade material, pela mudança do título de exercício do poderconstituinte: transferiu-se do poder ditatorial e unipessoal de Vargas paraa soberania popular. Hipótese inversa ocorreu com o golpe de 1964: nãohouve descontinuidade formal, porque mantida a Constituição de 1946,mas houve mudança do título de exercício do poder, que passou a serinvestido no movimento militar vitorioso. 40. É o que deflui, sem margem a dúvida, do Preâmbulo do Ato Institucional n. 1, de 9-4-1964, onde se lia: "A Revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. (...) Eladestitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a forçanormativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas, sem que nisto seja limitadapela normatividade anterior à sua vitória. (...) Para demonstrar que não pretendemos radicalizar oprocesso revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la,apenas, na parte relativa aos poderes do Presidente da República (...). Fica, assim, bem claro que arevolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional,resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação". A Carta de 1967 não importou, quer em descontinuidade formal,quer em material, por isso que convocada pelo poder que se instalara em1964, que tutelou o processo onde apenas nominalmente agiu o Con-gresso Nacional. Soberania popular nem pensar... A Carta de 1969 -formalmente emenda constitucional à Carta de 1967 - curiosamente,importou em descontinuidade formal, por inobservância do processo dereforma previsto no texto de 1967, sem que tivesse havido, contudo,descontinuidade material, por isso que foi obra do poder militar, que,ainda quando ilegitimamente,já exercia o poder constituinte desde 1964. Porfim, a Constituição de 1988, sem qualquer dúvida, terá impor-tado em descontinuidade material, haja vista que coroou um movimen-to popular reivindicatório pelo qual a soberania popular retomou para sio poder constituinte que lhe fora usurpado desde 1964. Poder-se-á cogi-tar da inexistência de descontinuidade formal, pelo fato de a Assem-bléia Constituinte que a elaborou haver sido convocada por emenda cons-titucional à Carta então vigente. Em nenhuma hipótese, contudo, serácorreto o argumento de que o Texto em vigor não terá sido fruto de umpoder constituinte originário, porque convocado pelos órgãos do poderconstituído anterior. Mais do que em qualquer outro momento na his-tória brasileira, a Constituição de 1988 é produto legítimo do exercícioda soberania popular, com as virtudes e vícios que daí advêm, sobretudoquanto às imperfeições do sistema representativo. 41. A Emenda Constitucional n. 26, de 27-11-1985, previu: "Art. 1º. Os membros da Câmarados Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembléia Nacional Cons-tituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional. Art. 2º. OPresidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembléia Nacional Constituinte e dirigirá asessão de eleição do seu Presidente. Art. 3º. A Constituição será promulgada depois da aprovação

de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos Membros da Assem-bléia Nacional Constituinte". 42. Este ponto de vista foi manifestado diversas vezes, quando das discussões da Assem-bléia Constituinte, pelo então Consultor-Geral da República, Saulo Ramos. Também se pronun-ciou no mesmo sentido Ives Gandra da Silva Martins, em palestra sobre os limites da revisãoconstitucional proferida na Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do Rio de Janeiro. Feita a digressão doutrinária, é bem de ver que a generalidade dasConstituições dita regras específicas acerca do procedimento a ser se-guido para modificação de seu texto em via institucional. No Brasil, aCarta em vigor aponta as pessoas e órgãos que têm legitimidade parapropor emenda constitucional, prevendo, ainda, na tradição nacional derigidez constitucional, as seguintes regras: a) discussão e votação emcada Casa do Congresso, em dois turnos; b) aprovação mediante voto detrês quintos dos membros de cada Casa (art 60, I, II, III e § 2º). Além dos requisitos formais acima identificados, o poder de emendasofre limitações que foram impostas pelo constituinte originário.Com efeito, no direito constitucional positivo brasileiro, há condicionantesde caráter circunstancial à reforma da Lei Fundamental, lançadas no § 1º,do art. 60: "A Constituição não poderá ser emendada na vigência de inter-venção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio". 43. Além das limitações circunstanciais e materiais, vistas a seguir, a doutrina reconhecetambém a existência de limitações ditas temporais, que consistem na estipulação de um prazomínimo após o início de vigência da Constituição para que ela possa ser objeto de reforma. Normadesse teor vinha prevista na Constituição do Império, mas não existe na Carta atual. Existem, também, as chamadas limitações materiais ao poder dereforma constitucional, conhecidas como cláusulas pétreas, que vêmprevistas no § 4º do art. 60, onde se veda a apreciação de emenda ten-dente a abolir: "I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto,secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - osdireitos e garantias individuais". 44. Além das limitações materiais expressas, alguns doutrinadores fazem referência, tam-bém, a limitações materiais implícitas (v. Nelson de Souza Sampaio, O poder de reforma constitu-cional, 1954, p. 93 e s.; Paulo Bonavides, Direito constitucional, 1980, p. 175 e s.; Manoel Gonçal-ves Ferreira Filho, Direito constitucional comparado, cit., v. 1, p. 155-6). A ampliação das limita-ções materiais expressas feita pela Constituição de 1988 reduziu a valia da teoria das limitaçõesimplícitas. Mas há uma que ainda subsiste como limitação implícita: o poder cOnstituinte derivadonão pode alterar as regras relativas ao processo de edição da própria emenda. Ora bem: sobrevindo uma emenda constitucional, os dispositivosanteriores da Lei Fundamental que sejam com ela incompatÍveis ficamrevogados. É bem de ver, no entanto, que as emendas constitucionaisdevem reverência absoluta aos preceitos do Texto Constitucional acimanoticiados. Se os violar, sujeitam-se ao controle de constitucionalidadee podem ter pronunciada sua invalidade. Há precedentes sobre o temana prática constitucional brasileira. Recentemente, o Supremo TribunalFederal considerou inválido dispositivo da Emenda Constitucional n. 3,de 17 de março de 1993, que excluía do princípio da anterioridade tribu-

tária (art. 150, III, b) o IPMF (Imposto sobre Movimentação ou Trans-missão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira), evedou sua cobrança no mesmo exercício em que instituído. Relembre-se que as emendas constitucionais deverão sempre respeitar os direitosadquiridos, os atos jurídicos perfeitos e a coisa julgada, que são direitosindividuais igualmente preservados da ação do constituinte reformador. 45. Vejam-se sobre o tema, em meio a outros: Otto Bachoff, Normas constitucionais incons-titucionais?, 1994, p. 52-4; Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, 1988, t. 2, p. 287-94; Maria Helena Diniz, Norma constitucional e seus efeitos, 1989, p. 97; J. J. Gomes Canotilho,Direito constitucional, cit., p. 756-8, e José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional posi-tivo, 1989, p. 58-60. E, de forma nítida, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: "UmaEmenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação à Cons-tituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja fun-ção precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I, a, da CF)" (RDA, 198:123, 1994, ADIn 939-7-DF, rel. Min. Sydney Sanches). 46. A Emenda Constitucional n. 3/93 que, em seu art. 2º, autorizou a União a instituir o IPMF,incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no § 2º desse dispositivo, que, quanto a taltributo, não se aplica "o art. 150, 111, b e VI da Constituição", porque, desse modo, violou osseguintes princípios e normas imutáveis: 1º) o princípio da anterioridade, que é garantia individualdo contribuinte (arts. 5º, § 2º, 60, § 4º, IV, e 150, III, b, da CF); 2º) o princípio da imunidadetributária recíproca, que é garantia da Federação (arts. 60, § 4º, I, e 150, VI, a, da CF); 3º) a normaque, estabelecendo outras imunidades, impede a criação de impostos nas hipóteses que especifica(art. 150, III, da CF) (RDA, 198:123,1994, ADin 939-7-DF, rel. Min. Sydney Sanches). Para umavisão crítica desta decisão, v. o denso artigo do eminente Professor Flavio Bauer Novelli, Normaconstitucional inconstitucional?, RDA, 199:21, 1995. Veja-se, também, a referência feita no julgamen-to da ADIn 981-8-PR: "Após 5 de outubro de 1993, cabia ao Congresso Nacional deliberar no sentidoda oportunidade ou necessidade de proceder à aludida revisão constitucional, a ser feita uma só vez".As mudanças na Constituição, decorrentes da "revisão" do art. 3º do ADCT, estão sujeitas ao controlejudicial, diante das "cláusulas pétreas" consignadas no art. 60, § 4º e seus incisos, da Lei Magna de1988" (RDA, 198:231,1994, rel. Min. Néri da Silveira). Ainda nessa temática, o Supremo Tribunal Federal, assim no regimeconstitucional anterior como no atual, tem entendido cabível mandado desegurança contra o simples processamento de emenda constitucional queviole alguma das cláusulas pétreas do art. 60, § 4º. De fato, em mais deum precedente, a Corte reconheceu, em sede de controle incidental, apossibilidade de fiscalização jurisdicional da constitucionalidade de pro-postas de emenda à Constituição que veicularem matéria vedada ao poderreformador do Congresso Nacional.

47. V. RTJ, 99:1031, 1982. MS 20.257, rel. Min. Moreira Alves; RDA 193:266, 1993, MS21.747, rel. Min. Celso de Melo, e RDA, 191:200, 1993, MS 21.642, rel. Min. Celso de Melo.Mais recentemente, no MS 21 .648-DF, de que foi relator o Min. Ilmar Galvão, decidiu o SupremoTribunal Federal: É legítima a pretensão de Deputado Federal, pela via do mandado de segurança,a que lhe seja reconhecido o direito de não ter de manifestar-se sobre Projeto de Emenda Constitu-cional, que considera violador do princípio da anterioridade tributária. No entanto, perde o Deputa-do tal legitimidade em virtude da modificação da situação jurídica no curso do processo, decorrenteda superveniente aprovação do projeto, que já se acha em vigor. Na hipótese, o mandado de segu-rança, que tinha caráter preventivo, não se pode voltar contra a emenda já promulgada, o queequivaleria a emprestar-lhe efeito, de todo descabido, de ação direta de inconstitucionalidade, paraa qual, ademais, não está o impetrante legitimado (RTJ. 165:540, 1998). De todo modo, sendo a emenda constitucional formal e material-mente válida, tem vigência imediata e revoga as normas constitucionaisprecedentes que sejam com ela incompatíveis. Aqui, ao contrário doque normalmente se passa com o advento de uma nova Constituição,não há descontinuidade de qualquer natureza, seja formal ou material.Tampouco há que se falar em revogação de sistema. A revogação aquioperada é limitada ao dispositivo substituído e às eventuais implicaçõessistêmicas que disso resultem.

3. Constituição nova e direito infraconstitucional anterior A interpretação constitucional, como se desenvolverá mais adiante,conduz-se sob a inspiração de determinados princípios cardeais, que asingularizam, dando-lhe um toque de especificidade. Dentre esses prin-cípios destacam-se, para os fins do tópico aqui versado, o da supremaciada Constituição e o da continuidade da ordem jurídica. O princípio da supremacia da Constituição, que tem como premis-sa a rigidez constitucional, é a idéia central subjacente a todos os siste-mas jurídicos modernos. Sua compreensão é singela. Na celebrada ima-gem de Kelsen, para ilustrar a hierarquia das normas jurídicas, a Cons-tituição situa-se no vértice de todo o sistema legal, servindo como fun-damento de validade das demais disposições normativas. Toda Consti-tuição escrita e rígida, como é o caso da brasileira, goza de superiorida-de jurídica em relação às outras leis, que não poderão ter existêncialegítima se com ela contrastarem. Merece relevo, por igual, o princípio da continuidade da ordemjurídica. Ao entrar em vigor, a nova Constituição depara-se com todoum sistema legal preexistente. Dificilmente a ordem constitucional re-cém-estabelecida importará em um rompimento integral e absoluto como passado. Por isso, toda a legislação ordinária federal, estadual e mu-nicipal que não seja incompatível com a nova Constituição conserva suaeficácia. Se assim não fosse, haveria um enorme vácuo legal até que olegislador infraconstitucional pudesse recompor inteiramente todo odomínio coberto pelas normas jurídicas anteriores. 48. Sobre o tema, v. Caio Mário da Silva Pereira, Direito constitucional intertemporal, RF,304:29, p. 30 e s.; Wilson de Souza Campos Batalha, Direito intertemporal, cit., p. 434 e 5.; JorgeMiranda, Manual de direito constitucional, cit., t. 2, p. 242 e 5.; J. J. Gomes Canotilho, Manual dedireito constitucional, cit., p. 1114 e s.

As relações entre uma nova Constituição e uma lei a ela anteriorsituam-se na confluência desses dois princípios. O primeiro condena àinvalidade e à ineficácia toda e qualquer norma incompatível com a CartaConstitucional. O segundo, de superlativo valor pragmático, procurapreservar a vigência e eficácia da legislação que vigorava anteriormenteao advento da nova Constituição. As Constituições de 1891 e 1934positivaram a regra da continuidade da ordem jurídica, embora o princí-pio pudesse prescindir de texto expresso. As demais Cartas brasileirasnão o reproduziram, mas jamais se questionou a sua permanência emnosso sistema. 49. Constituição Federal de 1891, art. 83: "Continuam em vigor, enquanto não revogadas, asleis do antigo regímen no que explícita ou implicitamente não for contrário ao sistema de governofirmado pela Constituição e aos princípios nela consagrados"; Constituição Federal de 1934: "Con-tinuam em vigor, enquanto não revogadas, as leis que, explícita ou implicitamente não contrariaremas disposições desta Constituição". 50. Escreveu Rui Barbosa (Comentários à Constituição Federal brasileira, 1934, v. 6, p. 406):"Não se havia mister de que a Constituição formalmente o declarasse, para se ver ou saber que nãorepudiava as leis e instituições anteriores, com ela compatíveis, ou dela complementares. Em todasas constituições, está subentendida essa disposição". A continuidade da ordem jurídica se dá através de um processo aoqual a doutrina costuma referir-se como recepção, sob inspiração, aindaaqui, da lição de Hans Kelsen, a seguir reproduzida: "Uma grande parte das leis promulgadas sob a antigaConstituição permanece, como costuma dizer-se, em vi-gor. No entanto, esta expressão não é acertada. Se estas leisdevem ser consideradas como estando em vigor sob a novaConstituição, isto somente é possível porque foram postasem vigor sob a nova Constituição, expressa ou implicita-mente (...). O que existe, não é uma criação de Direito in-teiramente nova, mas recepção de normas de uma ordemjurídica por uma outra". 51. Hans Kelsen, Teoria pura do direito, p. 290-1. E conclui o mestre de Viena, retomando sua idéia básica da Consti-tuição como fundamento de validade da ordem jurídica: "Mas também essa recepção é produção de Direito.Com efeito, o imediato fundamento de validade das nor-mas jurídicas recebidas sob a nova Constituição,revolucionariamente estabelecida, já não pode ser a antigaConstituição, que foi anulada, mas apenas o pode ser a nova.O conteúdo destas normas permanece na verdade o mes-mo, mas o seu fundamento de validade, e não apenas estemas também o fundamento de validade de toda a ordemjurídica, mudou. Com o tomar-se eficaz da nova Constitui-ção, modificou-se a norma fundamental, quer dizer, o pres-suposto sob o qual o facto constituinte e os factos postosem harmonia com a Constituição podem ser pensados comofactos de produção e de aplicação de normas jurídicas". 52. Teoria pura do direito, cit., p. 290-1. É preciso atentar, aqui, que, embora o texto da norma recepcionadapermaneça o mesmo, poderá ela merecer leitura e interpretação diver-sas, quando o novo ordenamento esteja pautado por princípios e finsdistintos do anterior. Retomando a lição de Kelsen, também NorbertoBobbio doutrinou a respeito: "O fato de o novo ordenamento ser constituído em parte

por normas do velho não ofende em nada o seu caráter denovidade: as normas comuns ao velho e ao novo ordena-mento pertencem apenas materialmente ao primeiro; for-malmente, são todas normas do novo, no sentido de queelas são válidas não mais com base na norma fundamentaldo velho ordenamento, mas com base na norma fundamentaldo novo. Nesse sentido falamos de recepção, e não pura esimplesmente de permanência do velho no novo. A recep-ção é um ato jurídico com o qual o ordenamento acolhe etorna suas as normas de outro ordenamento,onde tais nor-mas permanecem materialmente iguais, mas não são maisas mesmas com respeito à forma". 53. Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, cit., p. 177. Justamente por não se tratar de mero recebimento das normas anterio-res, mas de verdadeira recriação de seu sentido, é feliz o emprego dapalavra "novação", em lugar de "recepção", como faz Jorge Miranda,que sintetizou com maestria as conseqüências jurídicas do fenômenoem três corolários: "a) Os princípios gerais de todos os ramos de Direitopassam a ser os que constem da Constituição ou os quedela se infiram directa ou indirectamente, enquanto revela-ções dos valores fundamentais da ordem jurídica acolhi-dos pela Constituição; b) As normas legais e regulamentares vigentes à datada entrada em vigor da nova Constituição têm de serreinterpretadas em face desta e apenas subsistem se con-formes com as suas normas e os seus princípios; c) As normas anteriores contrárias à Constituição, mes-mo que contrárias a normas programáticas, não podem sub-sistir - seja qual for o modo de interpretar o fenómeno dacontradição". 54. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, cit., t. 2, p. 243-4. Atente-se para a lição mais relevante: as normas legais têm de serreinterpretadas em face da nova Constituição, não se lhes aplicando,automática e acriticamente, a jurisprudência forjada no regime ante-rior. Deve-se rejeitar uma das patologias crônicas da hermenêuticaconstitucional brasileira, que é a interpretação retrospectiva, pela qualse procura interpretar o texto novo de maneira a que ele não inove nada,mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo. Comargúcia e espírito, José Carlos Barbosa Moreira estigmatiza aequivocidade dessa postura: "Põe-se ênfase nas semelhanças, corre-se um véu so-bre as diferenças e conclui-se que, à luz daquelas, e a des-peito destas, a disciplina da matéria, afinal de contas, mu-dou pouco, se é que na verdade mudou. É um tipo de inter-pretação... em que o olhar do intérprete dirige-se antes aopassado que ao presente, e a imagem que ele capta é menosa representação da realidade que uma sombra fantas-magórica". 55. Para um valioso estudo de caso, veja-se Humberto Ribeiro Soares, Convênio tributário ea Constituição de 1988, 1992. 56. José Carlos Barbosa Moreira, O Poder Judiciário e a efetividade da nova Constituição,RF,304:151, 1988,p. 152. No fenômeno da recepção, o que é verdadeiramente imperativoé a compatibilidade entre o velho e o novo, como enfatizado pelapena ilustre dos principais comentadores nacionais. João Barbalhoadvertiu: "O que unicamente existe em vigor da anterior legisla-

ção é o que nela não se acha em antinomia com o novo regi-me e com seus princípios fundamentais. E é de notar quenão se torna necessário, para haver-se por derrogada essalegislação, que ela enfrente algum artigo ou expressa dispo-sição constitucional, basta que tenha ficado em oposição aosistema fundado pela Constituição e aos princípios nela con-sagrados (art. 83). Sábia disposição, zeladora da pureza eexação do sistema e da sua genuína e sincera execução". 57. João Barbalho, Constituição Federal brasileira - comentários, 1924, p. 487-8. Carlos Maximiliano, após enfatizar a revogação automática dos tex-tos incompatíveis com o estatuto supremo, acrescentou: "Basta a antinomia implícita para desaparecer o textoordinário e prevalecer o fundamental". 58. Carlos Maximiliano, Comentários à Constituição brasileira (de 1891), 1918, p. 786. Para que não se torne enfadonha a repetição, veja-se, por fim, Pon-tes de Miranda, remarcando igualmente a evidência: "As leis que continuam em vigor são todas as que exis-tiam e não são incompatíveis com a Constituição nova". 59. Pontes de Miranda, Comentários à Constituição da República dos Estados Unidos doBrasil, cit., v. II, p. 560. As manifestações transcritas acima, embora cuidassem de destacara necessária compatibilidade entre a velha ordem e a nova Constituição,passam ao largo de uma discussão que seduz os teóricos, mas que tem,igualmente, significativas conseqüências práticas. E que a doutrina temassumido posições que se contrapÕem com certo radicalismo no quetoca às relações entre a Constituição e a lei anterior. De um lado, há os que sustentam que a nova Constituição, ao entrarem vigor, simplesmente revoga toda a legislação precedente com ela in-compatível. Portanto cuidar-se-ia de um conflito de natureza temporal, aser resolvido no plano da vigência da norma. De outro lado, há os quesustentam a inadequação de se tratar tal questão à luz do direitointertemporal, sob o argumento de que a regra lex posterior derogat priorisomente se aplica a normas de igual hierarquia. Por via de conseqüência,consideram que o conflito entre a Constituição e a lei anterior é de nature-za hierárquica, a ser resolvido no plano da validade da norma. Logo, se aConstituição e a norma anterior são incompatíveis, é caso de pronunciar-se a inconstitucionalidade da norma, e não sua revogação. A questão, portanto, põe-se em termos de saber se a lei anteriorincompatível com a Constituição deve ser tida como revogada ou se énecessário declarar-lhe a inconstitucionalidade. A tese da revogação,aparentemente, tem a preferência da doutrina nacional. Confira-se a li-ção de Victor Nunes Leal: "Parece-nos mais acertada a corrente que vê na incom-patibilidade entre a lei anterior e a Constituição nova umsimples caso de revogação e não de inconstitucionalidade.Em primeiro lugar porque o conflito que aí se abre é tipica-mente um conflito de normas no tempo: a norma anteriorconsidera-se revogada pela promulgação da norma poste-rior com ela incompatível". 60. Victor Nunes Leal, Leis complementares da Constituição, RDA, VII:379, p. 390. Assim, também, Francisco Campos: "Todas as leis anteriores incompatíveis com a Consti-tuição encontram-se tacitamente revogadas". 61. Francisco Campos, Direito constitucional, 1956, t. 2, p. 103. Na mesma linha foi a manifestação do eminente Ministro CarlosMário da Silva Velloso, que, em trabalho doutrinário, averbou: "A superveniência de norma constitucional revoga le-

gislação ordinária com ela incompatível, ou a questão se-ria de ser resolvida no controle de constitucionalidade? A doutrina e a jurisprudência brasileira concebem aquestão no âmbito do Direito Intertemporal: a legislaçãoanterior à Constituição e com esta incompatível considera-se revogada". 62. Carlos Mário da Silva Velloso, Controle da constitucionalidade na Constituição brasileirade 1988, in Temas de direito público, 1994, p. 138. Veja-se igual orientação em Celso RibeiroBastos, Curso de direito constitucional, 1990, p. 116; em Marcelo Neves, Teoria dainconstitucionalidade das leis, 1988, p. 96, e em Ronaldo Poletti, Controle de constitucionalidadedas leis, 1985, p. 165. Não têm faltado, por outro lado, doutrinadores da melhor linhagemsustentando a tese oposta. Castro Nunes, já em 1943, defendia: "Tem-se dito e é essa a opinião generalizada, querna exposição do nosso Direito Constitucional, quer na ju-risprudência que as leis preexistentes e havidas comoincompatíveis com a Constituição são leis revogadas, queescapam ao tratamento da declaração da inconstitucio-nalidade. Tenho divergido desse entendimento assentadode longa data pelo Supremo Tribunal. (...) A teoria da ab-rogação das leis supÕe normas damesma autoridade. Quando se diz que a lei posterior revo-ga, ainda que tacitamente, a anterior, supõem-se no cotejoleis do mesmo nível. Mas se a questão está em saber seuma norma pode continuar a viger em face das regras ouprincípios de uma Constituição, a solução negativa só érevogação por efeito daquela anterioridade; mas tem umadesignação peculiar a esse desnível das normas, chama-sedeclaração de inconstitucionalidade". 63. Castro Nunes, Teoria e pratica do Poder Judiciário, 1943, p. 600-1. Aparentemente nomesmo sentido, Themístocles Brandão Cavalcanti, Do controle de constitucionalidade. 1966. p.171, embora em texto ambíguo e pouco claro. Em igual sentido é a compreensão de Wilson de Souza CamposBatalha, que escreveu: "Se, ao contrário, essas normas jurídicas elaboradas navigência da Constituição anterior vierem a atritar-se com osnovos textos constitucionais, cessarão de vigorar, a partir dadata do início da vigência da Constituição recente, porquenão poderão encontrar nesta fundamento para sua validade:serão normas inconstitucionais. A rigor, não se poderá dizerque a Constituição revogou as normas anteriores que lhe eramcontrárias. A revogação opera-se apenas entre normas de igualhierarquia: a lei revoga-se por outra lei. (...) A Constituição não revogou as leis anteriores quelhe eram contrárias; apenas estas deixaram de existir noplano do ordenamento jurídico estatal, por haverem perdi-do seu fundamento de validade". 64. Direito intertemporal. cit., p. 434. A polêmica se põe, também, no plano do direito comparado. NaItália, depois de alguma controvérsia doutrinária, prevaleceu a tese deque a hipótese se resolve em termos de ilegitimidade constitucional, enão de revogação. Foi nesse sentido a sentença n. 1, de 1956, que bemdistinguiu as diferentes figuras envolvidas, assentando que "os dois ins-titutos jurídicos da ab-rogação e da ilegitimidade constitucional das leisnão são idênticos entre si, movem-se em planos diversos, com efeitos

diversos e competências diversas". Tal decisão foi respaldada pelosprincipais publicistas italianos. 65. Os comentários que se seguem beneficiam-se do valioso levantamento feito pelo Min. SepúlvedaPertence, em voto vencido publicado na RDA 187:152, 1992, a que adiante far-se-á menção. 66. V. Biscaretti di Ruffia, Derecho constitucional, 1984, p. 268: "... todo contraste entre uma leianterior e a Constituição produz, antes de uma ab-rogação, uma ilegitimidade constitucional". 67. Giurisprudenza della Corte Costituzionale italiana, 1985, p. 3: "I due istituti giuridicidell’abrogazione e della illegitimità costituzionale delle leggi non sono identici fra loro, si muovonosu piani diversi, con effetti diversi e con competenze diverse". V. voto do Min. Sepúlveda Pertencereferido acima. 68. Vejam-se, entre outros, Calamandrei (Corte Constitucional y autoridad judicial, in Estudiossobre el proceso civil, trad. Bs. As., 1973, v. III, p. 149 e s.), C. Mortati (Abrogazione legislativa einstaurazione di un nuovo ordinamento costituzionale, 1958, Raccolta di Scritti, 2:43, p. 68), MauroCappelletti (La pregiudizialità costituzionale nel processo civile, 1972, p. 88) e Balladore-Palieri(Diritto costituzionale, 1955, p. 281, apud Sepülveda Pertence, RDA, 187:152, 1992, p. 156). Na Alemanha o tratamento é distinto, quer se trate de controle inconcreto ou in abstracto. De fato, o Tribunal Constitucional Federalentendeu não ser de sua competência, mas, sim, do juiz da causa, a solu-ção da argüição incidente de incompatibilidade de lei anterior com aConstituição. Vale dizer: não considerou ser o caso de se suscitar ques-tão constitucional a ser encaminhada para o Tribunal. Todavia, no con-trole abstrato, entendeu "caber-lhe a aferição da compatibilidade entreo direito pré-constitucional e a Lei fundamental". De modo que o di-reito alemão trata a questão ora como de nível infraconstitucional - i.e., como revogação -, ora como de nível constitucional. 69. BVerfGE, 2, 124, apud Gilmar Ferreira Mendes, Controle de constitucionalidade, 1990,p. 75. 70. Odim Brandão Ferreira, apud Sepúlveda Pertence, RDA, 187:152, p. 156. 71. Dispõe a propósito a Constituição alemã: "Art. 126. (Divergências sobre a continuidade davigência de direito antigo) As divergências sobre a continuidade da vigência de qualquer disposiçãojurídica, sob a forma de direito federal, serão decididas pelo Tribunal Federal Constitucional". Na Espanha, a letra expressa da Constituição sugere uma adesão àteoria ab-rogatória e não à da inconstitucionalidade. De fato, na partefinal de seu texto, contém a Carta espanhola uma "disposición dero-gatoria", cujo item 3 prescreve que "quedan derogadas cuantas dispo-siciones se opongam al estabelecido en esta Constitución". Sem embar-go, o Tribunal Constitucional temperou a leitura mais óbvia do disposi-tivo com a adoção de uma tese híbrida. Se o juiz se convencer, à luz docaso concreto, da existência de incompatibilidade entre a Constituição ea lei a ela anterior, poderá prosseguir e decidir a lide, sem precisar sus-pender o processo e levantar a questão constitucional. Se, porém, estiverem dúvida, poderá levantar, perante o Tribunal Constitucional, a ques-tão de inconstitucionalidade superveniente. 72. V. Francisco Fernandez Segado, El sistema constitucional

español, 1992, p. 75-9, e EduardüGarcía de Enterría, La Constitución como norma jurídica y el Tribunal Constitucional, 1981, p. 85.A sentença n. 4, de 2-2-1981, estabeleceu: "Así como frente a las Leyes postconstitucionales elTribunal ostenta un monopolio para enjuiciar su conformidad con la Constitución, en relación a laspreconstitucionales los Jueces y Tribunales deben inaplicarlas si entienden que han quedado derogadaspor la Constitución, al oponerse a la misma; o pueden, en caso de duda, someter este tema alTribunal Constitucional por la via de la cuestión de inconstitucionalidad" (apud Francisco Segado,El sistema constitucional español, cit., p. 78). Em Portugal existe, atualmente, norma constitucional expressa en-dossando a orientação da inconstitucionalidade superveniente, tese quedesde antes já contava com a adesão dos principais doutrinadores. Veja-se, por todos, a posição de Gomes Canotilho: "Os juízes podem e devem conhecer da incons-titucionalidade do direito pré-constitucional e o TC podejulgar inconstitucionais normas cuja entrada em vigorretrotrai a um momento anterior ao da entrada em vigor daConstituição. (...) A inconstitucionalidade (plano de validade) con-duz, num caso concreto, à revogação (plano de vigência).Daí que, na inconstitucionalidade superveniente, haja umconcurso de revogação (leis que se sucedem no tempo) enulidade (leis de hierarquia diferente em relação de con-trariedade). (...) O fato de as leis ordinárias anteriores incons-titucionais terem deixado de vigorar com a entrada em vi-gor da Constituição não significa a inutilidade de uma de-claração expressa de inconstitucionalidade a efectuar peloórgão com competência para esse efeito". 73. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 1115. No mesmo sentido, JorgeMiranda, Manual de direito constitucional, cit., t. 2, p. 248 e s. Algumas peculiaridades da realidade brasileira e do sistema de con-trole de constitucionalidade aqui adotado realçam a polêmica doutriná-ria existente. De fato, a sucessão de cartas constitucionais e de emendasao longo de nossa acidentada história institucional faz com que se colo-que rotineiramente perante os tribunais a questão da vigência ou valida-de de normas anteriores à mudança constitucional. Quando a decisão épronunciada no caso concreto, não há qualquer implicação prática naopção pela tese da revogação ou da inconstitucionalidade superveniente.É que, em qualquer caso, ter-se-ia como ineficaz a norma a partir domomento da promulgação da Constituição. De fato, tanto a revogaçãoretirada de vigência da lei - como a declaração incidental deinconstitucionalidade - i. e., reconhecimento de sua invalidade - pro-duziriam o mesmo resultado: não-aplicação, pelo juiz, da norma im-pugnada, que terá deixado de existir ou de valer na mesma data. No plano processual, todavia, surge uma importante conseqüênciaprática da qualificação doutrinária da matéria. É que, no Brasil, além docontrole de constitucionalidade incidental e difuso, existe o controlepor via principal, em tese ou por ação direta, previsto expressamente noart. 102, I, a, da Constituição Federal. Veja-se, então: se a questão se põeem termos de inconstitucionalidade superveniente, caberá ação diretade inconstitucionalidade contra a norma anterior à Constituição e queseja com ela incompatível. De outra parte, se se encara a matéria emtermos de revogação, a ação direta será descabida, porque não se podecogitar de declarar inconstitucional o que já não existe no mundo jurídico.

O tema esteve pacificado por muitos anos em sede jurisprudencial,havendo sido reagitado em amplo debate perante o Supremo TribunalFederal quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidaden. 2, em 6 de fevereiro de 1992. Em longo e erudito voto, reproduzidono julgamento de diversas outras ações, o Ministro Sepúlveda Pertencesustentou a tese da inconstitucionalidade superveniente, emcontraposição à idéia até então dominante de que todas as leis anterioresà Constituição e com ela incompatíveis ficavam revogadas. Foi acom-panhado pelos Ministros Néri da Silveira e Marco Aurélio. Na vigorosasustentação de seu voto, escreveu: "Não nego a paridade de efeitos substanciais entre aconcepção da inconstitucionalidade superveniente e a daab-rogação pela Constituição nova do direito pré-constitu-cional ordinário, com ela incompatível. (...) Prefiro-a (a tese da inconstitucionalidade super-veniente) àquela da simples revogação, porque entendo quea conseqüência básica da sua adoção - o cabimento daação direta -, é a que serve melhor às inspirações do sis-tema brasileiro de controle de constitucionalidade. Reduzir o problema às dimensões da simples revogaçãoda norma infraconstitucional pela norma constitucional pos-terior - se é alvitre que tem por si a sedução da aparentesimplicidade -, redunda em fechar-lhe a via da ação direta. É deixar, em conseqüência, que o deslinde das controvérsiassuscitadas flutue, durante anos, ao sabor dos dissídios entrejuízes e tribunais de todo o país, até chegar, se chegar, à de-cisão da Alta Corte, ao fim de longa caminhada pelas viasfreqüentemente tortuosas do sistema de recursos". 74. ADIn 438, julgada em 7-2-1992, onde se transcreve na íntegra o voto da ADIn 2, julgadana véspera. Ressalvando sua opinião pessoal, curvou-se o Min. Pertence à deliberação da maioria,que não conhecia do pedido por impossibilidade jurídica, averbando: "Guardando, embora, meuinabalável convencimento derrotado, rendo-me à força numérica e à vontade da maioria e acompa-nho o eminente Relator" (RDA, 187:152, 1992). Prevaleceu, todavia, a posição do Ministro Paulo Brossard, na linhada tradicional jurisprudência da Suprema Corte. Com a adesão de oitoministros, o acórdão proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidaden. 2 inscreveu em sua ementa a síntese da posição vitoriosa: "O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei ehá de ser apurado em face da Constituição vigente ao tem-po de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitu-cional em relação à Constituição superveniente; nem o le-gislador poderia infringir Constituição futura. A Constitui-ção sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriorescom ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, aConstituição não deixa de produzir efeitos revogatórios.Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, nãorevogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maiorvaleria menos que a lei ordinária. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais quecinqüentenária. Ação direta que não se conhece por impossibilidadejurídica do pedido". 75. V. Paulo Brossard, A Constituição e as leis a ela anteriores, Separata da Revista Arquivosdo Ministério da Justiça, v. 45, n. 180, p. II. O trabalho apresenta um amplo levantamento da

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. Vejam-se, exemplificativamente: RTJ,131:1070, 1988 e 130:1002, 1989;RDA, 188:288, 1992;RTJ, 145:347, 1993. Há um vasto elenco de bons argumentos em favor de uma e outraposições. Existem, mesmo, autores que procuram conciliar as correntesopostas, cunhando uma solução híbrida para o problema. É o que fazLúcio Bittencourt, em passagem constantemente lembrada: "A revogação se verifica quando a lei, tachada de in-compatível com a Constituição, já se achava em vigor porocasião do advento desta. Não se trata, porém, de revoga-ção pura e simples, como a que decorre em virtude do con-flito intertemporal entre duas leis da mesma hierarquia. Não,uma lei incompatível com a Constituição é, sempre, umalei inconstitucional, pouco importando que tenha precedi-do o Estatuto Político ou lhe seja posterior. A revogação éconseqüência da inconstitucionalidade". 76. Lúcio Bittencourt, O controle da constitucionalidade das leis, 1968, p. 131. Esse ponto de vista intermediário ou conciliador tem a adesão deJosé Afonso da Silva, que, concordando com Lúcio Bittencourt, afirmaque na hipótese "se dá uma revogação por inconstitucionalidade, numapor assim dizer revogação por invalidação... ". É o que tambémtransparece da lição de J. J. Gomes Canotilho, já referida, que entendehaver "um concurso de revogação (leis que se sucedem no tempo) enulidade (leis de hierarquia diferente em relação de contrariedade)".Ainda quando essa postura híbrida possa ser sedutora ao espírito - inmedio virtus -, o fato é que ela não soluciona o problema prático. Con-vém aprofundar a análise do tema e emitir nossa opinião. 77. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, cit., p. 202. 78. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 1115. Uma norma incompatível com a Constituição poderá sempre ensejarum juízo de inconstitucionalidade. A rigor doutrinário, tal juízo não so-fre condicionamento de natureza temporal, podendo recair sobre lei an-terior ou sobre lei posterior. Isso porque o que induz à inconstitucio-nalidade é a incompatibilidade, independentemente do momento em quese verifica. Esta poderá ser contemporânea ao nascimento da lei ousuperveniente, na hipótese de alteração do preceito constitucional. De outra parte, uma lei posterior, sendo incompatível com a anterior,deve revogá-la, desde que seja de hierarquia igual ou superior. Não seduz,com todas as vênias, a tese de que lei posterior de hierarquia mais elevadanão possa suceder a norma inferior, com eficácia ab-rogatória. Parecepouco lógico que a norma superveniente, sendo de igual hierarquia, possaretirar de vigência a anterior, mas sendo superior não possa. A conclusão a que se chega, de cada um dos parágrafos antecedentes,é que uma e outra correntes têm bom substrato doutrinário. Tanto é razo-ável a idéia de revogação quanto a da inconstitucionalidade superveniente.Está-se diante de duas proposições lógicas e bem fundadas. Em sendoassim, a opção por uma ou outra envolve matéria de política legislativa,cabendo, em princípio, ao próprio constituinte fazer a escolha, formulan-do seu juízo de conveniência e oportunidade. Não o fazendo, a decisãotransfere-se para a Corte Constitucional ou para o Supremo Tribunal. No caso brasileiro, como se assinalou, a opção por uma ou por outrasolução tem importante conseqüência prática: posta a matéria em ter-mos de revogação, não caberá ação direta, pois não se pronuncia ainconstitucionalidade de lei que já não esteja em vigor. Se, ao revés, seconceber o tema no campo da inconstitucionalidade superveniente, ca-berá, naturalmente, a ação direta. A ratio que conduz à posição defendida por José Paulo SepúlvedaPertence é por ele explicitada: ensejar o estabelecimento de certeza jurí-dica erga omnes sobre a eficácia ou não de uma lei, ainda que anterior à

Constituição, sem deixar que o "deslinde das controvérsias suscitadasflutue, durante anos, ao sabor dos dissídios entre juízes e tribunais detodo o país". Para isso, nada mais adequado que a ação direta deinconstitucionalidade. 79. ADIn438, RDA, 187:152, 1992,p. 154. Inversamente, uma das principais motivações da corrente majoritá-ria da Suprema Corte, e que inspira, aliás, outras de suas linhas juris-prudenciais, é a necessidade de limitar o número de feitos que chegamàquele tribunal. Confrontado com a impossibilidade material de apre-ciar milhares de processos que lhe tocam por competência originária oupor via recursal, o Supremo Tribunal Federal tende a prestigiar os en-tendimentos doutrinários que restrinjam, e não que ampliem, o acessode novas ações. 80. Como, v. g., a que estabelece critérios rígidos na verificação da legitimação para a açãodireta prevista no inciso IX do art. 103 da Constituição. V. RTJ, 144:434, 1993, 144:702, 1993,144:747, 1993, 145:669, 1993, 146:421, 1993; RDA, 188:144, 1992, e 188:150, 1992. Paradoxalmente, o voto do Ministro Pertence, cuja tese importa emaumento dos casos a serem submetidos à Corte, abre-se com a seguintee reveladora passagem: "Assinalo, de início, para deixar documentado o con-gestionamento temporal com que se debatem os trabalhosdo plenário da Corte, que este voto vista aguarda chamadadesde começos de 1990. Desde então não me cabe respon-sabilidade pelo retardamento que agora impõe a renovaçãointegral do julgado". 81. ADIn 438, RDA, 187:152,p. 153. A posição minoritária, à qual se filiaram, também, os Ministros Néri daSilveira e Marco Aurélio, tem a simpatia das concepções que ensejam ojuízo de mérito e a solução possível para o problema, em lugar de postergá-la ou descartá-la por embaraços processuais. Mas enfrenta duas restriçõesde cunho doutrinário. A primeira é a de que o exercício do poderjurisdicionalem tese, in abstracto, caracteriza exceção e deve ser evitado quando nãoresulte da letra clara da lei ou de necessidade que se possa reputar impe-riosa. O argumento tem consistência, mas não é decisivo. 82. Na lição sempre precisa do saudoso M. Seabra Fagundes (O controle dos atos adminis-trativos pelo Poder Judiciário, cit., p. 4-5 e 11), legislar é editar o direito positivo; administrar éaplicar a lei de ofício; e julgar é aplicar a lei contenciosamente. Em suas palavras: "O seu exercício(da função jurisdicional) pressupõe, assim, um conflito, uma controvérsia, ou um obstáculo emtorno da realização do Direito e visa a removê-lo pela definitiva e obrigatória interpretação da lei.Para uma discussão sobre a natureza do papel desempenhado porjuízes e tribunais na jurisdiçãoconstitucional em Hans Kelsen, Carl Schmitt e Rudolf Smend, v. José Antonio Estévez Araujo.La Constitución como proceso y la desobediencia civil, 1994, p. 51 e s. O outro argumento deita raízes em regra de interpretação constitu-cional que será apreciada mais adiante. Veja-se que a jurisprudência quetrata a lei anterior incompatível com a Constituição sob o prisma darevogação, e, conseqüentemente, do descabimento da ação direta deinconstitucionalidade, é vetusta, bem anterior à Constituição de 1988.Não colide ela com qualquer princípio ou com o sistema da Carta emvigor. Ora bem: se o constituinte desejasse que a matéria fosse tratadade forma diversa da que se cristalizou na jurisprudência, deveria ter cui-

dado de assim prever expressamente. A omissão, no caso, deve ser inter-pretada como concordância com a prática jurisprudencial anterior. 83. A tese da revogação tem a chancela de jurisprudência antiga, que se formou ainda na Cons-tituição de 1946, antes mesmo da introdução da ação genérica de controle de constitucionalidade (v.RE 19.656, rel. Min. Luiz Gallotti,julgado em 1952, RT, 231:665). Foi confirmada no regime consti-tucional subseqüente em julgados sucessivos. V. RTJ, 71 :291, 1974,76:538, 1975, 82:44, 1977,95:980,1979,99:544, 1981,116:652, 1981,109:1220, 1983,e 124:415,1987. Assim, no direito constitucional positivo brasileiro, tal como inter-pretado pelo Supremo Tribunal Federal, a incompatibilidade entre normainfraconstitucional e Constituição superveniente deverá ser pronunciadaincidentalmente, na apreciação do caso concreto, e não em tese, mediantecontrole abstrato. Da decisão proferida caberá recurso extraordinário. 84. REsp 68.410, RDA, 202:224, 1995, rel. Min. Humberto Gomes de Barros.

4. Algumas questões de direito intertemporal suscitadas peloadvento de uma nova Constituição

a) Inexistência de inconstitucionalidade formal superveniente A Constituição, como já se assinalou, dita o modo de produção denormas dentro do ordenamento jurídico, prevendo um processo próprioonde se deverão observar regras de competência, procedimento e dequorum para sua aprovação e ingresso válido no mundo jurídico. Alémdisso, o texto constitucional condiciona, igualmente, o objeto das nor-mas jurídicas que serão produzidas, vedando ou ordenando determina-dos conteúdos. Quando a norma elaborada pelo órgão legislativo - sejaemenda ou lei infraconstitucional - está em desconformidade com oprocesso estabelecido na Constiluição, diz-se haver ocorrido inconstitu-cionalidade formal. Quando, de outra parte, a norma editada contravémo conteúdo de um preceito constitucional, está-se diante de umainconstitucionalidade material. Ordinariamente, inexiste, do ponto de vista prático, diferença maissignificativa entre as duas espécies de inconstitucionalidade acimaidentificadas. Quando o órgão jurisdicional pronuncia a inconstitucio-nalidade de uma norma, seja por nela vislumbrar um vício de iniciativa(inconstitucionalidade formal) ou uma afronta ao princípio da isonomia(inconstitucionalidade material), a conseqüência é rigorosamente a mes-ma, e os efeitos de tal declaração produzir-se-ão indistintamente. Diferentemente se passa quando a incompatibilidade se dá entre aConstituição vigente e norma a ela anterior. Aí, sendo a incompatibili-dade de natureza material, não poderá a norma subsistir. Conforme jáestudamos, de acordo com a corrente doutrinária que se escolha, a nor-ma será tida como revogada ou como inconstitucional, mas em qualquercaso não deverá ser aplicada. Não assim, porém, quando a incompatibi-lidade superveniente tenha natureza formal. Nessa última hipótese, tem-se admitido, sem maior controvérsia, a subsistência válida da normaque haja sido produzida em adequação com o processo vigente no mo-mento de sua elaboração. Incidirá, assim, a regra tempus regit actum. Se a questão da inconstitucionalidade material superveniente é imersaem controvérsias e disputas doutrinárias, o mesmo não se passa quandose cuida de seu aspecto formal. O consenso doutrinário é amplo. NaItália, por exemplo, averbou Pierandrei: "A ilegitimidade formal somente pode ser "originária",porque um ato, devendo ser elaborado e formado atravésdo procedimento previsto pelas regras vigentes no momentode sua criação, não pode ser julgado, quanto à sua valida-de, senão com referência a estas mesmas regras".

85. Franco Pierandrei, Corte Costituzionale, in Enciclopedia dei diritto, 1962, v. 10, p. 874-1036: "L’illegittimità formale può essere che "originaria", perchê un atto, dovendo essere elaboratoe formato attraverso il procedimento previsto dalle regole vigenti al momento della sua creazione,non può essere giudicato, quanto alla sua validità, se non, con riferimento alle stesse regole". Na Espanha, e em igual sentido, averbou Eduardo García de Enterríaque "esa inconstitucionalidad sobrevenida ha de referirse precisamentea la contradicción con los principios materiales de la Constitución, no alas reglas formales de elaboración de las leyes que ésta establece hoy". 86. Eduardo García de Enterría, La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional,cit., p. 257. Em Portugal colhe-se, na matéria, a lição cristalina de J. J. GomesCanotilho: "A inconstitucionalidade superveniente refere-se, emprincípio, à contradição dos actos normativos com as nor-mas e princípios materiais da Constituição e não à sua con-tradição com as regras formais ou processuais do tempo dasua elaboração. O princípio tempus regit actum leva a dis-tinguir dois efeitos no tempo: a aprovação da norma rege-se pela lei constitucional vigente nesse momento; a aplica-ção da mesma norma tem de respeitar os princípios e nor-mas constitucionais vigentes no momento em que seefectiva essa mesma aplicação". 87. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 1115. A doutrina brasileira não deu maior atenção ao tema, embora se leiaem Manoel Gonçalves Ferreira Filho que a "compatibilidade é de con-teúdo, não de forma. A forma é regida pela regra tempus regit actum, demodo que é irrelevante para a recepção". Há registros na jurisprudên-cia recente do Supremo Tribunal Federal endossando a tese. Um prece-dente cuida, precisamente, da competência para edição de normas pro-cessuais pela própria Corte, quando da elaboração ou emenda de seuRegimento, o que era admitido no regime de 1967-69 e não foi contem-plado no texto atual. Ficou decidido: "Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal -Normas processuais. As normas processuais contidas noRegimento Interno do Supremo Tribunal Federal foramrecepcionadas pela atual Carta, no que com ela se revelamcompatíveis. O fato de não se ter mais a outorga constitucio-nal para edição das citadas normas mediante ato regimen-tal apenas obstaculiza novas inserções no Regimento, fi-cando aquém da derrogação quanto às existentes à épocada promulgação da Carta". 88. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição brasileira de 1988, cit., v.1, p. 8. 89. RTJ, 133:33, 1990, Ação Originária n. 32 (AgRg)-DF, rel. Min. Marco Aurélio. V., tam-bém, em igual sentido, RTJ, 133:955, 1990, Embgs. na ADIn 29-RS, rel. Min. Marco Aurélio. Veja-se que é necessário distinguir aqui duas possibilidades diver-sas: a) argüição de inconstitucionalidade formal em face da Constitui-ção em vigor; b) argüição de inconstitucionalidade formal em face daConstituição que presidiu a formação do ato. No primeiro caso, jamaispoderá ser pronunciada a inconstitucionalidade, simplesmente porque aquestão não pode ser colocada em face do novo ordenamento. Na se-gunda hipótese, decerto não caberá a apreciação da matéria em açãodireta, por descaber esta via de controle quando se trate de argüição em

face de Constituição já revogada. Essa tem sido a firme posição da juris-prudência do Supremo Tribunal Federal. Nada impede, contudo, quequalquer órgão jurisdicional pronuncie, em concreto, incidentalmente,a invalidade formal de ato que, havendo inobservado os requisitos parasua formação, é inválido ab initio. 90. RTJ, 142:363, 1992, ADIn 3-DF, rel. Min. Moreira Alves: "Há, porém, no caso, impossibi-lidade jurídica do pedido, porquanto esta Corte já firmou jurisprudência no sentido de que a ação diretade inconstitucionalidade não é cabível quando a argüição se faz em face de Constituição já revogada,nem quando o ato normativo impugnado foi revogado antes da propositura dela". Há, por fim, um aspecto de cunho mais especulativo do que prático,mas que pode surgir no âmbito de um Estado Federal e, pois, merece umcomentário. É o que diz respeito à superveniência de norma constitucio-nal alterando a regra de competência para produção legislativa. Valedizer: transferindo para os Estados ou Municípios o que antes era fede-ral, ou vice-versa. A questão a definir é se se está diante de uma incom-patibilidade formal ou material. Pontes de Miranda foi dos únicos acogitar da matéria, averbando: "Sempre que a Constituição dá à União a competênciasobre certa matéria e havia legislação anterior, federal elocal, em contradição, a Constituição ab-rogou ou derrogoua legislação federal ou local, em choque com a regra jurídi-ca de competência. (...) Se a legislação, que existia, era sóestadual, ou municipal, e a Constituição tornou de compe-tência legislativa federal a matéria, a superveniência daConstituição faz contrário à Constituição qualquer ato deaplicação dessa legislação, no que ela, com a nova regrajurídica, seria sem sentido. (...) Se havia legislação federal e estadual e a compe-tência passou a ser, tão-só, do Estado-membro, ou do Mu-nicípio, a legislação federal persiste, estadualizada, oumunicipalizada, respectivamente, até que o Estado-mem-bro ou o Município a ab-rogue, ou derrogue". 91. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 1975, v. 6, p. 66-7. Esta posição é seguida por Gilmar Ferreira Mendes, em seu exce-lente Controle de constitucionalidade, onde escreveu: "Evidentemente, não há cogitar de uma federalizaçãode normas estaduais ou municipais, por força de alteraçãona regra de competência. Nesse caso, há de se reconhecereficácia derrogatória à norma constitucional que tornou decompetência legislativa federal matéria anteriormente afe-ta ao âmbito estadual ou municipal. Todavia, se havia le-gislação federal, e a matéria passou à esfera de competên-cia estadual ou municipal, o complexo normativo promul-gado pela União subsiste estadualizado ou municipalizado,até que se proceda à derrogação por lei estadual ou munici-pal. É o que parece autorizar o próprio princípio da conti-nuidade do ordenamento jurídico". 92. Gilmar Ferreira Mendes, Controle de constitucionalidade, cit., p. 88. Um ponto parece ter escapado às duas apreciações acima. É que,mesmo se transferindo para a União a competência legislativa em dadamatéria, até que esta seja exercida, subsistirá a norma estadual ou muni-cipal, no âmbito territorial do Estado ou do Município onde já vigia.Vale dizer: embora não se vá cogitar de federalização da norma esta-dual ou local, de modo a estender sua aplicação a outros Estados e Municí-pios, o fato é que, no espaço territorial em que ela já valia, continuarávalendo, até ser ab-rogada pela norma federal superveniente.

b) Aplicação imediata, mas não retroativa, da Constituição nova Já se deixou assentado, anteriormente, inexistir direito adquiridoem face da nova Constituição. Todas as situações jurídicas incompatÍ-veis com o novo texto devem curvar-se à sua supremacia. Não obstante,ficou igualmente assinalado que, embora a nova Constituição possa,validamente, operar efeitos retroativos, terá de fazê-lo expressamente.O que é fora de dúvida é que a Constituição, uma vez promulgada, deveter efeitos imediatos. 93. Sobre o tema, escreveu o Min. Moreira Alves que "a Constituição se aplica de imediato,alcançando, sem limitações, os efeitos futuros de fatos passados" (RE 117.870-1-RS, Di, 5 maio1989). Todavia, só haverá retroação por mandamento expresso, como decidiu o Supremo TribunalFederal no RE 168.618-PR, também relatado pelo Min. Moreira Alves (RTJ, 159:1017,1997): "AConstituição tem eficácia imediata, alcançando os efeitos futuros de fatos passados (retroatividademínima). Para alcançar, porém, hipótese em que, no passado, não havia foro especial, que só foioutorgado quando o réu não era mais Prefeito - hipótese que configura retroatividade média, porestar tramitando o processo penal -, seria mister que a Constituição o determinasse expressamen-te, o que não ocorre no caso". Algumas situações de maior complexidade podem advir de tal re-gra, quando, então, impõe-se distinguir a produção de efeitos imediatosda produção de efeitos retroativos. A esse propósito, já decidiu o Supre-mo Tribunal Federal: "Impossível é confundir-se a aplicação imediata com aretroativa, a ponto de comprometer a almejada segurança ju-rídica, o que aconteceria caso viesse a ser admitido verdadei- ro "ressuscitamento" de demanda fulminada pela prescrição". 94. RTJ, 143:1009, 1993 (AI 140.751 [AgRg]-RJ, rel. Min. Marco Aurélio). Veja-se, também,RTJ, 138:371 (ADIn 189-RJ, rel. Min. Celso de Mello), em cuja ementa se lê: "A inoponibilidade desituações jurídicas consolidadas a quanto prescrevem normas constitucionais supervenientes deriva dasupremacia, formal e material, de que se revestem os preceitos de uma Constituição". A matéria dizia respeito à introdução, no Texto Constitucional, deregra específica dilargando o prazo de prescrição das ações trabalhistaspara cinco anos (art. 5º, XXIX), em contraposição à regra ordinária atéentão vigente (CLT, art. 11), que previa o prazo de dois anos. O efeito datal modificação sobre os processos já ajuizados foi amplamente debati-do perante a mais alta Corte, que produziu farta jurisprudência, a seguircompendiada: "Se a questão da prescrição há de ser decidida segundoo direito vigente ao tempo da propositura da ação, quandodela só cuidava a legislação ordinária, a sua naturezainfraconstitucional não se altera com o fato de a Constitui-ção posterior haver constitucionalizado a norma legal pre-cedente, salvo se a essa promoção da matéria na hierarquiada ordem jurídica se emprestasse efeito retroativo". 95. RTJ, 141:311, 1992, AI 135.521 (AgRg-EDcl)-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence. "Prescrição trabalhista. Mesmo estando em curso oprocesso quando da promulgação da Constituição de 1988,não se sujeita a seu art. 7º, XXIX, o prazo anteriormente

consumado". 96. RTJ, 141:314, 1992, AI 136.489 (AgRg)-DF, rel. Min. Octávio Gallotti. "A norma do art. 7º, XXIX, a, da CF/88 teve o efeitode alargar, para 5 anos, o prazo prescricional das ações dotrabalhador urbano, decorrentes do contrato de trabalho,propostas no curso do contrato, não se aplicando, obvia-mente, a ações já em curso quando de seu advento". 97. RTJ, 140:1013, 1992, AI 139.155 (AgRg)-RJ, rel. Min. Ilmar Galvão. Outra questão interessante, afeta ao tema da aplicação imediata denormas da nova Constituição, foi apreciada pela Suprema Corte. Previua Carta de 1988, no art. 102, I, n, ser da competência originária do Su-premo Tribunal Federal "a ação em que todos os membros da magistra-tura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que maisda metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ousejam direta ou indiretamente interessados". Em ação proposta perante a Justiça Estadual de São Paulo, em quehavia interesse de toda a magistratura estadual, inclusive dos membrosdo Tribunal, a decisão de primeiro grau foi favorável aos autores. Inter-posto recurso de apelação pelo Estado, que era réu, sobreveio a Consti-tuição de 1988, que continha a prescrição do art. 102, I, n, acima trans-crita. Diante disso, a 1ª Câmara cível do Tribunal de Justiça, por maio-ria, não conheceu do recurso, à vista de a Constituição Federal ter trans-ferido a competência na matéria para o Supremo Tribunal Federal. Tal decisão, evidentemente, suprimia o segundo grau de jurisdição,de vez que não poderia ser apreciada a apelação tempestivamente apre-sentada. O voto vencido entendeu no sentido de que a regra constitucio-nal só valia para as ações a serem propostas, mas não para situaçõescomo aquela, por isso que haveria para o apelante o direito processualadquirido de ver conhecido o recurso de acordo com a lei do momentode sua interposição. Em decisão singular, o Supremo entendeu ser ele o órgão compe-tente para conhecer e julgar o recurso de apelação, em voto da lavra doMinistro Sepúlveda Pertence, assim fundamentado: "Não tenho dúvida de seguir a consideração lateral doMinistro Moreira Alves (na AOE 8 [QO], MG): válida asentença - independentemente de cogitar-se de interessede seu prolator - porque exarada antes da Constituição,ao STF incumbirá julgar a apelação. (...) Uma vez, porém, que se entenda que, agora, a apela-ção deva ser conhecida pelo STF, não terá havido supres-são retroativa de recurso interposto, mas aplicação ime-diata da regra de alteração da competência funcional parajulgá-lo. (...) Assim, declaro competente o Supremo para o julga-mento da apelação: é o meu voto". 98. RTJ, 130:471, 1989, Ação Originária n. 12 (QO)-SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence. Louvável a decisão da Corte, que, mesmo subvertendo a ortodoxiaprocessual, cuidou de evitar que a aplicação imediata da nova Cartaafetasse negativamente a situação processual da parte apelante. Tal de-cisão é coerente com a idéia, que se afigura legítima, de que na aplica-ção imediata das normas constitucionais deve o intérprete cuidar que aincidência do preceito não comprometa situações jurídicas já aperfeiçoa-das sob o domínio do ordenamento anterior.

c) Declaração de inconstitucionalidade e efeito repristinatório As leis, desde o momento em que se tornam obrigatórias, põem-seem conflito com as que, anteriormente, regulavam a matéria de que elasse ocupam, regulando-a por outro modo. Instaura-se, assim, o conflitode leis no tempo, já estudado, e que se resolve pelo princípio geral da

irretroatividade e pelas regras do direito intertemporal. Uma dessasregras é a de que lex posterior derogat priori. Essa revogação poderádar-se, nos termos do § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao CódigoCivil, por declaração expressa, por incompatibilidade ou por regular alei nova, inteiramente, a matéria de que tratava a anterior. Operada arevogação, a lei anterior deixa de existir no mundo jurídico, e o máximode reverência que se lhe presta é o eventual respeito a determinadasconseqüências que haja produzido durante seu ciclo de vigência. 99. Clóvis Beviláqua, Teoria geral do direito civil, 1976, p. 25. Comentando o tema, observou Oscar Tenório que o advento de umalei resulta às vezes na morte de outra. Mas essa lei revogada não ressusci-ta, mesmo quando a lei que a eliminou do mundo jurídico também vem ase extinguir. Somente por disposição expressa do legislador a lei mortaressuscita, volta a ocupar lugar no sistema jurídico do país. A lei queeventualmente determine a restauração da lei que se encontrava revogadarecebe a denominação de lei repristinatória, ou lei de efeito repris-tinatório. Essa é a doutrina generalizadamente aceita, que tem a chan-cela dos principais autores. No Brasil, há regra positiva a respeito, ins-crita no § 3º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, in verbis: "§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada nãose restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência". 100. Oscar Tenório, Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, 1955, p. 92. 101. Vejam-se, por todos, Hans Kelsen, Teoria geral das normas, 1986, p. 135; FrancescoFerrara, Interpretação e aplicação das leis, 1987, p. 195, e José de Oliveira Ascensão, O direito,Introdução e teoria geral, 1993, p. 290. O tema, até aqui pacífico, enfrenta, todavia, alguns embaraçosdoutrinários e práticos que precisam ser equacionados. A lei posterior, jáse remarcou, revoga a anterior, nas hipóteses previstas. O que acontece,no entanto, quando a lei que operou a revogação da lei anterior vem a serdeclarada inconstitucional? Esclareça-se, desde logo, que só é relevante,aqui, a declaração de inconstitucionalidade que produza efeitos ergaomnes, pois a que opera efeitos meramente inter partes jamais terá qual-quer repercussão sobre a subsistência ou eficácia da lei. Recoloca-se aquestão: declarada a inconstitucionalidade da lei revogadora, a lei revogadapermanece assim ou ressurge, por força da repristinação? 102. Produz efeitos erga omnes a pronúncia de inconstitucionalidade em ação direta deinconstitucionalidade (CF, arts. 102, I, a, e 125, § 2º) e em via incidental, quando observados osrequisitos constitucionais (CF, arts. 52, X, e 97). Em outro estudo no qual se fez breve incursão na teoria dos atosjurídicos e da inconstitucionalidade, deixamos averbado que as normasjurídicas devem ser analisadas nos planos distintos da existência, vali-dade e eficácia. Já não mais se disputa, na melhor doutrina, que oexame da constitucionalidade de uma lei situa-se no plano de validade,embora a decisão, naturalmente, traga repercussões à existência e eficá-cia da norma. De regra, todos os efeitos produzidos por uma normainconstitucional devem ser fulminados. Nota típica do sistema brasilei-ro de controle de constitucionalidade é a cominação de nulidade - enão de mera anulabilidade - ao ato normativo incompatível com aConstituição, dando-se à decisão que pronuncia a inconstitucionalidadecaráter declaratório e efeitos ex tunc, isto é, retroativos à data de iníciode vigência da lei. 103. V. Luís Roberto Barroso, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, cit., p. 74 e s. 104. No sistema português, esta também é a regra (art. 282, 1), mas contempla-se

uma exceção (art. 282, 4), assim consignada: "Quando a segurança jurídica, razões deeqüidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, oexigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ouda ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos ns. 1 e 2". No Brasil,tanto a doutrina como a jurisprudência têm relutado em admitir, formalmente, a introdu-ção de exceção à regra geral da eficácia retroativa, embora haja projeto de lei no Con-gresso nesse sentido. Deve-se consignar, todavia, que o Supremo Tribunal Federal tempelo menos uma linha jurisprudencial de atenuação do caráter absoluto da eficácia extunc das decisões de inconstitucionalidade, referente à não-restituição de remuneraçãorecebida de boa-fé com base em norma posteriormente invalidada. Confira-se,ilustrativamente, a decisão proferida no RE 122.202-6-MG, rel. Min. Francisco Rezek:"A retribuição declarada inconstitucional não é de ser devolvida no período de validadeinquestionada da lei de origem, mas tampouco paga após a declaração deinconstitucionalidade" (RDA, 202:161, 1995). A atitude do intérprete, portanto, deve ser a de ignorar ou desfazer osefeitos dos atos inconstitucionais, repondo a ordem jurídica e fática no statusquo ante. Assim também ensina, em Portugal, Marcelo Rebelo de Souza: "Uma conseqüência primária da inconstitucionalidadeé, em geral, a desvalorização da conduta inconstitucional,sem a qual a garantia da Constituição não existiria. Paraque o princípio da Constitucionalidade, expressão supre-ma e qualitativamente mais exigente do princípio da Lega-lidade em sentido amplo, vigore é essencial que, em regra,uma conduta contrária à Constituição não possa produzircabalmente os exactos efeitos jurídicos que, em termosnormais, lhe corresponderiam". 105. Marcelo Rebelo de Souza, O valor jurídico do acto inconstitucional, 1988. A premissa da não-admissão de efeitos válidos decorrentes do atoinconstitucional conduz, inevitavelmente, à tese da repristinação da normarevogada. É que, a rigor lógico, sequer se verificou a revogação no planojurídico. De fato, admitir-se que a norma anterior continue a ser tida porrevogada importará na admissão de que a lei inconstitucional inovou naordem jurídica, submetendo o direito objetivo a uma vontade que era vicia-da desde a origem. Não há teoria que possa resistir a essa contradição. 106. Não obstante o afirmado, há autores que se opõem ao efeito repristinatório, invocandorazões de conveniência, como a dificuldade de adequação da norma repristinada ao sistema, emesmo a possível inconstitucionalidade, superveniente ou não, da norma primitiva. Jorge Miranda(Manual de direito constitucional, cit., t. 2, p. 254) faz um levantamento dos autores que sustentamesse ponto de vista, a saber: E. Redenti (Legittimità delle leggi e Corte Costituzionale, Milano,1957, p. 77-8), Temistocle Martines (Contributo ad una teoria giuridica delle forze politiche, Milano,1957, p.295 e s.), Pietro Virga (Diritto costituzionale, 1967, p. 685, nota), Franco Modugno (Problemi

e pseudo-problemi relativi alle C. d. revivescenza di dispositivi abrogate da legge dichiarataincostituzionale, in Studi in memoria di Carlo Esposito, Padova, 1972, p. 647 e s.). A mais expressiva doutrina portuguesa, interpretando norma cons-titucional que, expressamente, contempla a repristinação na hipóteseaqui versada, é pacífica a respeito. Gomes Canotilho e Vital Moreiraescreveram a propósito: "Se o juízo de inconstitucionalidade afecta a validadeda norma desde a sua origem, de tal modo que a declaraçãode inconstitucionalidade possui efeitos ex tunc (desde a ori-gem da norma), então há-de ficar sem efeito o próprio actode revogação efectuado pela norma afinal inconstitucional,pelo que o juízo de inconstitucionalidade implica arepristinação (ou reposição em vigor) das normas que ti-nham sido revogadas". 107. Dispõe o art. 282, 2: "A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com forçaobrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ouilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado". 108. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, 1991, p. 276. Na mesma linha, Jorge Miranda, notável mestre da Universidade deLisboa, distinguindo as hipóteses de inconstitucionalidade originária ede inconstitucionalidade superveniente (v. supra): "Existirá, porém, repristinação em caso de incons-titucionalidade originária? Cremos que sim, a menos que oórgão de fiscalização, tendo o poder de determinar os efei-tos da inconstitucionalidade, disponha diferentemente. Jánão no caso de inconstitucionalidade superveniente, vistoque a revogação coincide com a emanação do actolegislativo que fora válido". 109. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, cit., t. 2, p. 254-5, onde invoca aslições de Mauro Cappelletti (Effetti preclusivi nel processo civile delle pronuncie costituzionali, inStudi in onore di Emilio Crosa, Milano, 1960, v. 1, p. 363), C. Mortati (Istituzioni di diritto pubblico,p. 996-7) e outros. Mesmo à falta de disposição constitucional expressa, este é o enten-dimento que melhor se harmoniza com o sistema brasileiro. O pró-prio Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao estabelecer os efeitos dasuspensão liminar da eficácia de uma lei cuja inconstitucionalidade foiargüida, já decidiu: "A suspensão liminar da eficácia da lei torna aplicávela legislação anterior acaso existente, e não impede que seedite nova lei, na conformidade das regras constitucionaisinerentes ao processo legislativo". 110. Sobre o tema, assim opinou Lúcio Bittencourt (O controle da constitucionalidade dasleis, cit., p. 147): "Em nosso regime, se a lei deve ser considerada como ineficaz para todos osefeitos, é claro que também há de ser inoperante quanto à revogação dos textos legais cujo lugar, sefosse válida, teria passado a preencher. O assunto, porém, há de ser convenientemente examinado encada caso concreto, podendo-se, excepcionalmente, chegar a solução diversa". 111. RTJ, 120:64, 1987, Rep. n. 1 .356-AL, rel. Min. Francisco Rezek. E, mais recentemente:

"A suspensão cautelar da eficácia do ato normativo impugnado em ação direta - não obstanterestaure, provisoriamente, a aplicabilidade da legislação anterior por ele revogada - não inibe oPoder Público de editar novo ato estatal, observados os parâmetros instituídos pelo sistema dedireito positivo" (RTJ, 146:461, 1993, ADIn 652-MA, rel. Min. Celso de Mello). E, especificamente sobre a questão do juízo de mérito na fiscaliza-ção abstrata, o Supremo Tribunal Federal já deixou consignado: "A declaração de inconstitucionalidade em tese encer-ra um juízo de exclusão, que, fundado numa competênciade rejeição deferida ao Supremo Tribunal Federal, consisteem remover do ordenamento positivo a manifestação esta-tal inválida e desconforme ao modelo plasmado na CartaPolítica, com todas as conseqüências daí decorrentes, in-clusive a plena restauração de eficácia das leis e das nor-mas afetadas pelo ato declarado inconstitucional. Esse po-der excepcional - que extrai a sua autoridade da própriaCarta Política - converte o Supremo Tribunal Federal emverdadeiro legislador negativo". 112. RTJ, 146:461, 1993, ADIn 652-MA, rel. Min. Celso de Mello.

d) Situações processuais específicas

(1) Efeitos do advento da nova Constituição sobre as ações diretasde inconstitucionalidade anteriores O controle de constitucionalidade em tese, por via de ação direta,não se destina à tutela de situações jurídicas individuais. Sua finalidadeprincipal é a de assegurar a supremacia da Constituição e a conseqüenteconformação de toda a ordem jurídica. Disso resulta que só deve caber ocontrole de constitucionalidade, em via principal, perante Constituiçãoem vigor. Fugiria ao desiderato de guarda da Constituição a possibilida-de de se pronunciar, em tese, a inconstitucionalidade de uma norma emface de Constituição anterior, já revogada. Disso resulta que, promulgada uma nova Constituição, não é possí-vel prosseguir-se no exame de inconstitucionalidade, in abstracto, delei ou ato normativo em confronto com o texto constitucional já revoga-do. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacificamente cris-talizada nos termos da ementa a seguir transcrita: "Representação por inconstitucionalidade de lei. O ob-jetivo da representação é resguardar a ordem jurídicainserida na Constituição em vigor ao tempo do seuajuizamento. Se a Constituição deixou de vigorar no cursoda ação, esta fica prejudicada. É o que se deu, no caso, emface do advento da Constituição de 1988. 113. RTJ, 128:606, 1989, Rep. n. 1.533-PA, rel. Min. Djaci Falcão. Vejam-se, no mesmo senti-do, em meio a diversas outras decisões: RTJ, 130:1002, 1989, 130:1010, 1989, e 142:787, 1992. É indiferente, aqui, a circunstância de a ação já se encontrar ajuiza-da quando do advento da nova Carta. De fato, quando entrou em vigor aConstituição de 1988, todas as ações diretas de inconstitucionalidadependentes de julgamento ficaram prejudicadas. Essa linha de entendi-mento já se firmara desde o advento da Constituição de 1967, quando,na Representação n. 765, do Ceará, decidiu-se: "A particularidade concernente ao tempo da revoga-ção da Constituição Federal, se antes ou depois do ajui-zamento de ação declaratória de inconstitucionalidade, nãoaltera a doutrina que informa o precedente deste Plenário:apenas recomenda o não-conhecimento da representação,se ao tempo de sua propositura já não vigorava a Consti-

tuição que teria sido ofendida; enquanto que, na outra hi-pótese, em que a Constituição cuja integridade se pretenderesguardar, foi revogada no curso da ação direta, a boa téc-nica aconselha que o pedido seja julgado prejudicado". 114. Representações por inconstitucionalidade, t. III, p. 59. O trecho transcrito, extraído dovoto do Relator, Min. Soares Muñoz, encontra-se reproduzido na RTJ, 128:606, 1989, p. 607. Mesmo em se tratando de representação ou ação direta em que jáhouvesse sido concedida liminar, a sobrevinda do novo texto constitucio-nal implicará a cassação da medida, ficando prejudicado o pedido princi-pal. O Supremo ressalva, apenas, a possibilidade de se utilizarem outrosmeios processuais para impedir a eficácia da norma. Não se cogitou doaproveitamento da ação já proposta, por economia processual, na hipóte-se de a norma impugnada ser também inconstitucional em face da novaConstituição. Tal possibilidade, aliás, enfrentaria o obstáculo da jurispru-dência consolidada de que, sendo a norma anterior à Constituição, não sepresta a controle por ação direta, por se encontrar revogada (v. supra). 115. RTJ, 129:61, 1989, Rep. n. 1.528-RJ, rel. Min. Aldir Passarinho. O Superior Tribunal deJustiça, em ação civil pública ajuizada para a defesa de interesses individuais homogêneos dosmunícipes em relação à cobrança de taxa de iluminação pública que se reputava ilegítima, admitiua medida, consignando: "O incabimento de ação direta de declaração de inconstitucionalidade, eisque as leis municipais ns. 25/77 e 272/85 são anteriores à Constituição do Estado, justifica, tam-bém, o uso da ação civil pública, para evitar as inumeráveis demandas judiciais (economia proces-sual) e evitar decisões incongruentes sobre idênticas questões jurídicas. Recurso conhecido e provi-do para afastar a inadequação, no caso, da ação civil pública, para evitar as inumeráveis demandasjudiciais (economia processual) e evitar decisões incongruentes sobre idênticas questões jurídicas"(REsp. 49.272-6-RS, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU, 17 out. 1994, p. 27868).

(2) Revogada a lei cuja inconstitucionalidade se argüia, a ação di-reta perde o objeto Como já se assinalou, a finalidade precípua do controle em tese deconstitucionalidade é o resguardo da ordem constitucional como um todo, enão a tutela de situações jurídicas individuais. Para tal fim existem as dife-rentes ações judiciais a que se legitimam os titulares de pretensões de direi-to material. Dentro de tal concepção, parece intuitivo que só se possa proporou continuar processando uma ação direta de inconstitucionalidade se eenquanto se encontrar em vigor a norma contrastante com a Constituição. Curiosamente, prevaleceu na jurisprudência do Supremo TribunalFederal, por longo período, ponto de vista diverso. Entendia-se que, mes-mo revogada a lei objeto de argüição de inconstitucionalidade, subsistiao interesse em prosseguir com a ação, sempre que houvesse a possibili-dade de a lei ter produzido efeitos e afetado situações jurídicas indivi-duais. Reiteradas vezes pronuncIou-se a Corte no sentido de que "a re-vogação superveniente da lei acoimada de inconstitucional não tem ocondão, só por si, de fazer extinguir o processo de controle concentradode constitucionalidade". 116. V. RTJ, 54:710, 1970,55:562, 1971,87:758, 1979,89:367, 1979, 100:467, 1982; RDA,140:141,1980, 145:131, 1970,e152:166, 1983. Todavia, em decisão relativamente recente, proferida na Ação Dire-ta de Inconstitucionalidade n. 709-2-PR, da qual foi Relator o Ministro

Paulo Brossard, a Corte reverteu essa orientação, passando a entenderficar prejudicada a ação se ocorresse a revogação da lei argüida deinconstitucionalidade. Esse acórdão vem sendo reiterado. De fato, de-cidiu o Plenário da Corte, por maioria, em julgamento subseqüente: "Revogada a lei argüida de inconstitucional, é de se reconhecer, sempre, a perda de objeto da ação direta, re-velando-se indiferente, para esse efeito, a constatação, ain-da casuística, de efeitos residuais concretos gerados peloato normativo impugnado". 117. DJU, 20maio 1994,p. 12247. 118. V. ADIn 93-4-DF, rel. Min. Francisco Rezek, DJU, 28 abr. 1993, p. 7378-9. Em igualsentido, v.RDA, 195:79, 1994, ADIn 221, rel. Min. Moreira Alves, e RTJ, 152:731, 1995, ADIn539-DF, rel. Min. Moreira Alves. De modo que, presentemente, à luz da jurisprudência da mais altaCorte, sendo revogada a lei contra a qual se ajuizou ação direta deinconstitucionalidade, perde o objeto a ação proposta, ou, mais tecnica-mente, verifica-se a perda superveniente do interesse processual, hajavista que a medida deixa de ser útil e necessária.

e) Normas infraconstitucionais não recepcionadas pela Constituiçãode 1988 Já se examinou acima, exaustivamente, a cristalização da jurisprudên-cia do Supremo Tribunal Federal no sentido de não ser cabível ação diretade inconstitucionalidade na hipótese de lei anterior à Constituição em vigor.Mas, em casos concretos, os tribunais, e, inclusive, a Suprema Corte, têm-se pronunciado sobre a recepção ou não de normas legais relevantes, edita-das antes de 5 de outubro de 1988. Confiram-se algumas delas. Conforme estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal, não maissubsistem as leis editadas sob regimes constitucionais anteriores quedeferiam a titularidade do poder de agir, mediante ação penal pública, amagistrados, a autoridades policiais ou a outros agentes administrati-vos, como sucedia com relação aos crimes militares no âmbito do Exér-cito e das Polícias Militares. A Constituição deferiu ao Ministério Pú-blico o monopólio da ação penal pública (art. 129, I). Essa cláusula dereserva sofre apenas uma exceção, constitucionalmente autorizada, nahipótese singular de inércia do Parquet (art. 5º, LIX). 119. V. RTJ, 134:369, 1990, RHC 68.314, rel. Min. Celso de Mello; RTJ, 135:1032, 1991,RHC 68.265, rel. Min. Sydney Sanches; RTJ, 136:226, 1991, HC 68.578, rel. Min. Carlos Velloso. É digno de nota, igualmente, que a jurisprudência, na vigência daCarta de 1988, firmou-se no sentido de não estarem recepcionadas, emprincípio, as limitações baseadas em idade para inscrição em concursopúblico. Com isso, insubsistem as normas legais e regulamentares quefixavam o limite máximo de trinta e cinco anos, salvo nas hipóteses emque a imposição se possa legitimar pela natureza do cargo. 120. RDA, 184:130,1991,189:222, 1992,e191:143, 1993. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu não haver sido recepcionadaa norma do § 6º do art. 26 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional(Lei Complementar n. 35/79), prevendo julgamento em sessão secretado Tribunal ou de seu Órgão Especial. Entendeu o Tribunal não ser com-patível com o art. 93, IX, da Carta Federal, que exige que todos os julga-mentos sejam públicos, a proibição da presença do magistrado e seuadvogado no recinto da sessão, no momento da votação de que resultoua pena de indisponibilidade. 121. RT, 697:183, 1993, RMS 1.932, rel. Min. Costa Lima. O mesmo Superior Tribunal de Justiça tem-se pronunciado no sen-tido de não se encontrarem mais em vigor os parágrafos do art. 15 daLei das Desapropriações (Decreto-Lei n. 3.365/41). Nessa conformida-

de, não mais se admite a imissão na posse do bem pelo Poder Públicomediante depósito de valor meramente simbólico do montante da inde-nização, por ser isso incompatível com o princípio da prévia e justaindenização. No entanto, o Supremo Tribunal Federal, em repetidasdecisões, vem afirmando a recepção dos referidos dispositivos, vistoque o princípio constitucional da prévia e justa indenização (CF, art. 5º,XXIV) é de ser observado com o pagamento do valor definitivo da ex-propriação, ou seja, quando ocorre a transferência do domínio. Não,desde logo, na oportunidade do depósito prévio para fins de imissãoprovisória na posse do imóvel. A posição do Supremo Tribunal Fede-ral, com toda a vênia devida, transige com a irresponsabilidade degovernantes que desapropriam sem os recursos necessários e dá ao Po-der Público o bônus decorrente da morosidade da justiça. 122. "Apenas o caput do art. 15 do Decreto-Lei n. 3.365/41 foi recepcionado pela nova Carta.São incompatíveis como princípio constitucional da prévia ejusta indenização os demais parágra-fos do art. 15 referido, bem assim os arts. 3º e 4º do Decreto-Lei n. 1.075/70" (STJ, DJU, 16 nov.1992, p. 21127, REsp 22604-SP, rel. Min. Peçanha Martins). No mesmo sentido o Tribunal deJustiça de São Paulo (RT, 669:99, 1991,671:104, 1991, e 696:93, 1993). 123. RTJ, 159:1054,1997,164:387,1998; RT, 752:125, 1998. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu que o art.36, II, da Lei n. 6.515/77, que previa como óbice à conversão da separa-ção em divórcio o não-pagamento de pensão alimentícia devida, não foirecepcionado. Isso porque o art. 226, § 6º, da Constituição não exigeoutra coisa para o divórcio que não a separação judicial por mais de umano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato pormais de dois anos. 124. RT, 697:69, 1993. Há divergência na jurisprudência sobre a subsistência ou não, apósa Constituição de 1988, da norma que permite a prisão civil do alienantefiduciário, uma vez que equiparado ao depositário infiel (Decreto-Lein. 911/69, art. 1º). O Superior Tribunal de Justiça já considerou não tersido a norma recepcionada, pois o art. 5º, LXVII, da Constituição emvigor, ao omitir a cláusula final "na forma da lei", constante do art. 153,§ 17, das Cartas de 1967-69, impediu que se desse ao alienante fiduciárioo tratamento de depositário. Veja-se elucidativo acórdão: "Constitucional. Prisão civil. Habeas corpus. Aliena-ção fiduciária em garantia. Interpretação do art. 66 da Lein. 4.728/65, alterado pelo Decreto-lei n. 911/69, em facedo art. 5º, LXVII, da Constituição em vigor. Crítica à juris-prudência firmada ao tempo da ordem constitucional ca-duca (art. 153, § 17). O instituto da alienação fiduciária em garantia se tra-duz em uma verdadeira aberratio legis. O credor fiduciárionão é proprietário; o devedor fiduciário não é depositário;o desaparecimento involuntário do bem fiduciado não se-gue a milenar regra da res perit domino suo. Talvez pudes-se configurar em penhor sine traditione rei, nunca em "de-pósito". O legislador ordinário tem sempre compromissocom a ordem jurídica estabelecida. Na verdade, o que a lei(Decreto-lei n. 911/69, ao alterar o art. 66 da Lei de Merca-do de Capitais) fez foi reforçar a garantia contratual medianteprisão civil, o que contraria toda nossa tradição jurídica,que tem raízes profundas no sistema jurídico ocidental. A"prisão civil por dívida do depositário infiel", do art. 5º,LXVII, da Constituição, só pode ser aquela tradicional (CC, art. 1265)". 125. RHC 4.849-PR, DJU, 11 mar. 1996, p. 6664, rel. Min. Adhemar Maciel. No mesmo

sentido, RT, 743:203, 1997, 751:207, 1998. No âmbito do Supremo Tribunal Federal, entretanto, o tema já sepacificou no sentido da recepção das normas do Decreto-Lei n. 911/69, eda conseqüente constitucionalidade da prisão civil na alienação fiduciáriaem garantia: "A prisão de quem foi declarado, por decisão judicial,como depositário infiel é constitucional, seja quanto aodepósito regulamentado no Código Civil como no caso dealienação protegida pela cláusula fiduciária". 126. RTJ, 164:213, 1998, HC 73.044-SP, rel. Min. Maurício Corrêa. Merece destaque, noparticular, o voto vencido do Min. Marco Aurélio, no qual averbou: "Cabe frisar que foi suprimidada Carta cláusula, para alguns, viabilizadora da extensão ocorrida. A de 1988, ao contrário das de1967 e 1969, não reproduziu a referência "na forma da lei". Precisa, visando a evitar dúvidas, veioà balha com preceito categórico proibitivo da espécie de prisão - por dívida civil - exceto quantoaos dois casos suficientemente definidos. Assim, o mecanismo de proteção a alguns credores, comoé o caso do fiduciário, por sinal conhecido do Direito Romano, ainda que revestido, formal e legal-mente, da roupagem própria ao depósito, não subsiste, porquanto incompatível com os novos aresdemocráticos e liberais decorrentes da Carta de 1988". Relativamente ao art. 5º, LXIII, da Constituição de 1988, que assegu-ra ao "preso" o direito de permanecer em silêncio, o Supremo TribunalFederal considerou não recepcionado pela Constituição a parte final doart. 186 do Código de Processo Penal onde se afirma que o silêncio do réupoderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa. Em verdadeirainterpretação construtiva do preceito constitucional, dele extraindo o prin-cípio do privilégio contra a auto-incriminação (nemo tenetur se detegere),o Supremo estendeu-o também a "qualquer indivíduo que figure comoobjeto de procedimentos investigatórios policiais ou que ostente, em juízopenal, a condição jurídica de imputado", apesar de o texto do incisoLXIII se referir somente ao "preso". E, com base no referido princípio,entendeu não poder ser o indiciado compelido a fornecer padrões gráficosdo próprio punho para fins de perícia criminal (CPP, art. 174, IV), caben-do apenas ser intimado para fazê-lo a seu alvedrio.Este o registro, exemplificativo e casuístico, de algumas leis de maioralcance que têm sido pronunciadas como revogadas, por incompatibili-dade com a nova ordem constitucional. 127. RT, 753:538,1998. 128. RTJ, 141:512, 1992, HC 68.929-SP, rel. Min. Celso de Mello.129. RT, 760:542,1999, HC 77. 135-8-SP, rel. Min. Ilmar Galvão.

PARTE II - A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Capítulo 1

MÉTODOS E CONCEITOS CLÁSSICOS APLICADOS AINTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

1. Introdução A hermenêutica jurídica é um domínio teórico, especulativo, cujoobjeto é a formulação, o estudo e a sistematização dos princípios e regrasde interpretação do direito. A interpretação é atividade prática de revelaro conteúdo, o significado e o alcance de uma norma, tendo por finalidadefazê-la incidir em um caso concreto. A aplicação de uma norma jurídicaé o momento final do processo interpretativo, sua concretização, pela efe-

tiva incidência do preceito sobre a realidade de fato. Esses três conceitossão marcos do itinerário intelectivo que leva à realização do direito. Cui-dam eles de apurar o conteúdo da norma, fazer a subsunção dos fatos eproduzir a regra final, concreta, que regerá a espécie. 1. Vejam-se, por todos, Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, 1987, p. 127 es.; Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, 1981, p. 1-10; Oswaldo Aranha Ban-deira de Mello, Princípios gerais de direito administrativo, 1969, p. 342; Luís Fernando Coelho,Lógica jurídica e interpretação das leis, 1979, p. 53 e s. V., também, José Alfredo de OliveiraBaracho, Hermenêutica constitucional, RDP, 59-60:46, 1981, p. 49 e s., onde se faz amplo levanta-mento da doutrina estrangeira sobre o tema. 2. Na pertinente anotação de Recaséns Siches, o processo de produção do direito continua naobra do intérprete, a quem cabe, não a valoração abstrata, mas a valoração concreta (Nueva filosofíade la interpretación del derecho, 1980, p. 288-9). A interpretação constitucional exige, ainda, a especificação de umoutro conceito relevante, que é o de construção. Por sua natureza, umaConstituição contém predominantemente normas de princípio ou es-quema, com grande caráter de abstração. Destina-se a Lei Maior a al-cançar situações que não foram expressamente contempladas ou deta-lhadas no texto. Enquanto a interpretação, ensina Cooley, é a arte deencontrar o verdadeiro sentido de qualquer expressão, a construção sig-nifica tirar conclusões a respeito de matérias que estão fora e além dasexpressões contidas no texto e dos fatores nele considerados. São con-clusões que se colhem no espírito, embora não na letra da norma. Ainterpretação é limitada à exploração do texto, ao passo que a constru-ção vai além e pode recorrer a considerações extrínsecas. 3. V. Thomas Cooley, A treatise on the constitutional limitations, 1890, p. 70. J. H. MeirellesTeixeira, citando a lição de Black, constante de seu Handbook on the construction and interpretationof the laws, transcreveu que construção é "a arte ou processo de descobrir e expor o sentido e aintenção dos autores da lei tendo em vista sua aplicação a um caso dado, onde essa intenção seapresente duvidosa, quer por motivo de aparente conflito entre dispositivos ou diretivas, quer emrazão de que o caso concreto não se ache explicitamente previsto na lei" (Curso de direito constitu-cional, 1991, p. 269). V., também, Anna Candida da Cunha Ferraz, Processos informais de mudan-ça da Constituição, 1986, p. 134 e s. 4. Construction, in Black’s law dictionarv, 1979. V., também, José Alfredo de Oliveira Baracho,Hermenêutica constitucional, RDP, 59-60:46, p. 47. A interpretação constitucional serve-se de alguns princípios própriose apresenta especificidades e complexidades que lhe são inerentes. Masisso não a retira do âmbito da interpretação geral do direito, de cujanatureza e características partilha. Nem poderia ser diferente, à vista doprincípio da unidade da ordem jurídica e do conseqüente caráter únicode sua interpretação. Ademais, existe uma conexão inafastável entre ainterpretação constitucional e a interpretação das leis, de vez que a ju-risdição constitucional se realiza, em grande parte, pela verificação dacompatibilidade entre a lei ordinária e as normas da Constituição. 5. Neste sentido, vejam-se K. Larenz, Metodología de la ciencia del derecho, 1980; Alberto

Ramón Real, Los métodos de interpretación constitucional, RDP, 53-54:50, 1980, p. 51; JorgeMiranda, Manual de direito constitucional, 1983, t. 2, p. 227; José Alfredo de Oliveira Baracho,Hermenêutica constitucional, RDP, 59-60:46, p. 49. Vejam-se, para uma ampla discussão sobre otema, com levantamento do grupo minoritário de autores que defende opinião contrária, Pietro MerolaChierchia, L’interpretazione sistematica della Costituzione, 1978, p. 87 e s., e Raúl Canosa Usera,Interpretación constitucional y fórmula política, 1988, p. 1-6. 6. V. Carmelo Carbone, L´interpretazione delle norme costituzionali, 1951, p. 11: "La teoriadell’interpretazione non può che essere unica, poichè le norme dell’interpretazione, che pongono lebasi del procedimento interpretativo, riguardano l’intero ordinamento giuridico". Vejam-se, também,Alberto Ramón Real, Los métodos de interpretación constitucional, RDP, 53-54:50, p. 51, e RicardoLobo Torres, Normas de interpretação e integração do direito tributário, 1988, p. 119. 7. V. Ricardo Lobo Torres, Normas de interpretação e integração do direito tributário, cit.,p. 119-20, e Jerzy Wróblewski, Constitución y teoría general de la interpretación jurídica, 1988,p. 94. As Constituições não costumam trazer regras sobre a sua própriainterpretação ou para a do direito dela derivado. No sistema brasileiro,são escassas as regras de interpretação positivadas em texto legal. Asexistentes concentram-se na Lei de Introdução ao Código Civil, que, aolado de normas sobre vigência das leis, direito intertemporal e direitointernacional privado, consagrou apenas duas proposições afetas ao tema:uma sobre integração ("Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá ocaso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais dodireito") e outra de cunho teleológico ("Art. 5º Na aplicação da lei, ojuiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bemcomum"). A doutrina converge no sentido de que as normas sobre inter-pretação, ainda quando constantes do Código Civil ou de um texto quese lhe anteponha, revestem-se de cunho materialmente constitucional. 8. Antonio Pensovecchio Li Bassi, L’interpretazione delle norme costituzionali, 1972,p. 34. Ricardo Lobo Torres (Normas de interpretação e integração do direito tributário, cit.,p. 10) lembra uma exceção, representada pela Constituição do México, que, no § 4º do art. 14,estabelece que "la sentencia definitiva deverá ser conforme a la letra o a la interpretaciónjurídica de la ley". 9. V., também, CPC, art. 126, onde se faz, igualmente, referência à analogia, aos costumes eaos princípios gerais de direito. Os Códigos Civis espanhol e português contêm detalhadas, porvezes prolixas, normas sobre interpretação jurídica. Ricardo Lobo Torres, Normas de interpretaçãoe integração do direito tributário, cit., p. 6 e s., faz um amplo levantamento sobre normas deinterpretação constantes dos Códigos Civis de países europeus, como França, Alemanha, Áustria,Itália e Suíça. 10. Nesse sentido, Raul Canosa Usera, Interpretación constitucional y fórmula política, cit.,

p. 88-9, Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, cit., t. 2, p. 230-1, e Fran Figueiredo,Introdução à interpretação constitucional, RILSF, 87:175, 1985, p. 194-5. Toda norma jurídica, e, ipso facto, toda norma constitucional, pre-cisa ser interpretada. Interpretam-se todas as leis, sejam claras ou obscu-ras, pois não se deve confundir a interpretação com a dificuldade deinterpretação. Não se partilha, aqui, da posição de Konrad Hesse, quenega o caráter de interpretação à atividade de revelar o conteúdo danorma constitucional quando "não se suscitam dúvidas". Embora hajarecuperado algum prestígio após décadas de rejeição, a máxima in clariscessat interpretatio há de ter, tão-somente, o sentido de reconhecimentode que a zona de clareza existente na lei enfraquece a atividade do intér-prete, mas não o condena a uma acrítica interpretação literal. 11. Carmelo Carbone, L’interpretazione delle norme costituzionali, cit., p. 13; Paulo Bonavides,Curso de direito constitucional, 1993, p. 356-7; Jorge Miranda, Manual de direito constitucional,cit., t. 2, p. 224. 12. Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, cit., p. 129. 13. Konrad Hesse, La interpretación constitucional, in Escritos de derecho constitucional,1983, p. 35 e s. Na verdade, o ilustre autor alemão distingue entre mera atuação/realização daConstituição, como ato singelo ou mesmo inconsciente de cumprimento de suas normas; compre-ensão, que é a atividade desenvolvida quando o texto legal é claro e preciso; e interpretação propria-mente dita, que é a tarefa mais complexa de revelar o sentido da norma, quando a Constituição nãooferece uma resposta concludente. 14. Vejam-se Alípio da Silveira, Hermenêutica no direito brasileiro, 1968, v. 2, p. 30, e RicardoLobo Torres, Normas de interpretação e integração do direito tributário, cit., p. 45. O objeto da interpretação constitucional é a determinação dos signifi-cados das normas que integram a Constituição formal e material do Esta-do. Essa interpretação pode assumir duas modalidades: a) a da aplicaçãodireta da norma constitucional, para reger uma situação jurídica - porexemplo: a aposentadoria de um funcionário, o reconhecimento de umaimunidade tributária, a realização de um plebiscito sobre a fusão de doisestados etc.; b) ou a de uma operação de controle de constitucionalidade,em que se verifica a compatibilidade de uma norma infraconstitucionalcom a Constituição. No primeiro caso, a norma constitucional incide comoqualquer outra, e, se for instituidora de um direito subjetivo, ensejará atutela judicial, caso não seja cumprida espontaneamente. No segundo, anorma não vai reger qualquer situação individual, não vai ser aplicada aqualquer caso concreto, funcionando como mero paradigma em face doqual se vai aferir a validade formal ou material de uma lei inferior. 15. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, 1991, p. 214: "Interpretar as normas cons-titucionais significa (como toda interpretação de normas jurídicas) compreender, investigar emediatizar o conteúdo semântico dos enunciados lingüísticos que formam o texto constitucional. Ainterpretação constitucional reconduz-se, pois, à atribuição de um significado a um ou vários sím-bolos linguísticos escritos na constituição". 16. Captando essa dualidade, já assinalada pela doutrina italiana, anotou Frederico Marques:"Quando o tribunal exerce suas atribuições judicantes para compor litígio de natureza

constitucional, mas diverso do que existe no controle de constitucionalidade das leis, tambémse configura exercício de jurisdição constitucional. Há, no caso, questione di costituzionalità,e não, questione di legittimità costituzionale, como observa Franco Pierandrei. O julgamentoconstitucional, in casu, não é incidental, e sim, principaliter, mas sem os traços do judicialcontrol of legislation. Em tais casos, o exercício da jurisdição constitucional não implica con-trole da constitucionalidade de lei ou ato normativo, e sim, em aplicação pura e simples danorma constitucional, para solucionar a lide" (A reforma do Poder Judiciário, 1979, p. 38-9).V., também, Anna Candida da Cunha Ferraz, Processos informais de mudança da Constitui-ção, cit., p. 104-5.

2. Peculiaridades das normas constitucionais Embora seja uma lei, e como tal deva ser interpretada, a Constitui-ção merece uma apreciação destacada dentro do sistema, à vista do con-junto de peculiaridades que singularizam suas normas. Quatro delas me-recem referência expressa: a) a superioridade hierárquica; b) a naturezada linguagem; c) o conteúdo específico; d) o caráter político. 17. Diversos autores procuram assinalar os fatores que conferem especificidade às normasconstitucionais e à sua interpretação. A catalogação acima não coincide com a de nenhum deles,embora haja, evidentemente, certas superposiçÕes. Vejam-se, por todos, J. J. Gomes Canotilho,Direito constitucional, cit., p. 215 e s.; Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, cit., t. 2, p.225 e s.; Celso Ribeiro Bastos, Curso de direito constitucional, 1990, p. 103 e s.; Raúl CanosaUsera, Interpretación constitucional y fórmula política, cit., p. 59 e s. A superioridade jurídica, a superlegalidade, a supremacia daConstituição é a nota mais essencial do processo de interpretaçãoconstitucional. É ela que confere à Lei Maior o caráter paradigmáticoe subordinante de todo o ordenamento, de forma tal que nenhum atojurídico possa subsistir validamente no âmbito do Estado se contravierseu sentido. Essa supremacia se afirma mediante os diferentes meca-nismos de controle de constitucionalidade. O tema é objeto de análi-se mais aprofundada logo adiante (v. infra). A natureza da linguagem constitucional, própria à veiculação de nor-mas principiológicas e esquemáticas, faz com que estas apresentem maiorabertura, maior grau de abstração e, conseqüentemente, menor densida-de jurídica. Conceitos como os de igualdade, moralidade, função socialda propriedade, justiça social, bem comum, dignidade da pessoa huma-na, dentre outros, conferem ao intérprete um significativo espaço dediscricionariedade". O problema dessa liberdade de conformação nainterpretação judicial é mais agudo nos países de Constituição sintética,onde a plasticidade de certas cláusulas genéricas admite variações entreextremos. Porém, mesmo em Estados que adotam uma Carta analítica- ou casuística, como no caso brasileiro -, a questão se coloca comfreqüência. 18. Embora seja um tema mais estudado no campo do direito administrativo, também osjuízes exercem competências discricionárias. Haverá discrição judicial sempre que se possa conce-ber que a norma admita mais de uma interpretação razoável. Isso ocorrerá nos chamados hard

cases, casos difíceis, em que se abrem para o aplicador da lei possibilidades diversas, todas razoá-veis e dentro do delineamento legal. Sobre o tema, veja-se o instigante trabalho de Ahron Barak,Ministro da Suprema Corte de Israel, publicado nos Estados Unidos sob o título de Judicial discretion,1991. A rigor técnico, há proximidade, mas não superposição, entre conceitos juridicamenteindeterminados e poder discricionário. Não se aprofundará aqui a questão, que poderá ser estudadaem José Carlos Barbosa Moreira, Regras de experiência e conceitos juridicamente indeterminados,in Temas de direito processual, 4ª série, 1988, p. 65-6. A distinção também é feita por PieroCalamandrei, Opere giuridiche, 1965, v. 1, p. 40, que, após analisar as duas figuras, concluiu: "Sediscrezionalità, fenomeno attinente alla volontà e non all´intelligenza, può vedersi quale il giudiceè in un certo senso arbitro della decisione da darsi al caso concreto, di discrezionalità non si puòcerto parlare quando l’attività del giudice mira esclusivamente, anzichè a decidere, a integrare edichiarare la norma giuridica, sotto la guida di regole che non sono scritte nel diritto positivo, mache sono vive nella coscienza del consociati". 19. V. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 216, onde se lê: "Situadas novértice" da "pirâmide normativa", as normas constitucionais apresentam, em geral, uma maiorabertura (e, conseqüentemente, uma menor densidade) que torna indispensável uma operação deconcretização na qual se reconhece às entidades aplicadoras um "espaço de conformação" ("liber-dade de conformação", "discricionariedade") mais ou menos amplo". 20. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Observações ao Projeto de Constituição da Comis-são de Sistematização da Assembléia Nacional Constituinte, mimeografado, 1987. De parte isto, é bem de ver que o conteúdo de grande parte das dispo-sições materialmente constitucionais refoge à estrutura típica das normasdos demais ramos do direito. A vida jurídica, como se sabe, concretiza-seem um conjunto de ordens e de proibições. O direito, como técnica dedisciplina da vida coletiva, destina-se, fundamentalmente, a reger com-portamentos, em função de valores cuja preservação foi tida por convenien-te. As normas que realizam essa finalidade denominam-se normas de con-duta, que representam a maior porção do direito positivo. Essas regraspossuem uma composição dúplice, assim fotogrável: prevêem um fato e aele atribuem uma determinada conseqüência jurídica. 21. Hermes Lima, Introdução à ciência do direito, 1944, p. 111. Existe, por certo, na Constituição certa quantidade de normas dessanatureza, prescrevendo comportamentos e gerando direitos e obrigações.Todavia, o Texto Constitucional também é sede de outra categoria denormas, que são as normas de organização. Não se destinam elas a dis-ciplinar condutas de indivíduos ou grupos; têm um caráter instrumentale precedem, logicamente, a incidência das demais. É que, além deestruturarem organicamente o Estado, as regras dessa natureza discipli-nam a própria criação e aplicação das normas de conduta. As normasde organização não contêm a previsão abstrata de um fato, cuja ocorrên-cia efetiva deflagra efeitos jurídicos. Vale dizer: não se apresentam comojuízos hipotéticos. Elas possuem üm efeito constitutivo imediato dassituações que enunciam. Não sendo, em princípio, geradoras de direi-tos subjetivos, essas normas não são interpretadas e aplicadas em igual-

dade de condições com as normas de conduta. 22. Celso Ribeiro Bastos, Curso de direito constitucional, cit., p. 105, após averbar ser umadas singularidades da Constituição a predominância das chamadas "normas de estrutura", tendopor destinatário habitual o próprio legislador ordinário, acrescentou: "Ainda que nos defrontemoscom uma Constituição de condutas, não há dúvida que o núcleo das Constituições é formado porum conjunto de normas com caráter eminentemente organizatório, isto é: normas que conferem ououtorgam competências. Não fora assim, a Constituição não cumprida o seu papel fundamental deestruturar o Estado". Vejam-se, também, Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres de Britto, Interpretaçãoe aplicabilidade das normas constitucionais, 1982. 23. V. Miguel Reale, Lições preliminares de direito, 1973, p. 115. Também singulariza o documento constitucional a presença de nor-mas que se dizem programáticas. Contêm elas disposições indicadorasde valores a serem preservados e de fins sociais a serem alcançados. Seuobjeto é o de estabelecer determinados princípios e fixar programas deação. Característica dessas regras é que elas não especificam qualquerconduta a ser seguida pelo Poder Público, apenas apontando linhas dire-toras. Por explicitarem fins, sem indicarem os meios, investem osjurisdicionados em uma posição jurídica menos consistente do que asnormas de conduta típicas, de vez que não conferem direito subjetivoem sua versão positiva de exigibilidade de determinada prestação. To-davia, fazem nascer um direito subjetivo negativo de exigir do PoderPúblico que se abstenha de praticar atos que contravenham os seus dita-mes. Por via de conseqüência, as potencialidades que oferecem sãodistintas e o intérprete e aplicador da norma tem de ser atento a isso. 24. Sobre este tema, v. nosso O direito constitucional e a efetividade de suas normas, 1993,p. 109 e s. Vejam-se, também: Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967, com aEmenda Constitucional n. 1, de 1969, p. 126-7; Celso Antônio Bandeira de Mello, Eficácia dasnormas constitucionais sobre a justiça social, tese apresentada à IX Conferência Nacional da Or-dem dos Advogados do Brasil, Florianópolis, 1982, p. 18 e 29; Rosah Russomano, Das normasconstitucionais programáticas, in As tendências atuais do direito público, 1976, p. 281, e JoséAfonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, 1982, p. 19. Por fim, as normas constitucionais são políticas quanto à sua origem,quanto ao seu objeto e quanto aos resultados de sua aplicação. De fato, aConstituição resulta do poder constituinte originário, tido como poderpolítico fundamental. Seabra Fagundes abre sua obra clássica com aafirmação de que o poder constituinte, manifestação mais alta da vontadecoletiva, cria ou reconstrói o Estado, através da Constituição. A percep-ção teórica da existência desse poder mais elevado, superior à ordem jurí-dica instituída, remonta à antevéspera da revolução francesa, emboratenha sido posto em prática pela primeira vez na consumação do processode emancipação dos Estados Unidos da América. Ou, a rigor técnico,com a revolução inglesa e a afirmação do Parlamento em face do monar-ca, em 1689, verdadeiro marco do constitucionalismo moderno. 25. José Alfredo de Oliveira Baracho, Processo constitucional, 1984, p. 355. 26. M. Seabra Fagundes, O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário,1979, p. 3.

27. Emmanuel Joseph Sieyès, Qu´est-ce que le Tiers État?, editado em 1789. Há uma versãoportuguesa sob o título de A Constituinte burguesa, 1986. 28. Obra clássica sobre esse período é a de Gordon S. Wood, The creation of the AmericanRepublic, 1776-1787, 1972. De fina ironia é a constatação de Hannah Arendt, em seu On revolution.1987: A triste verdade na matéria é que a Revolução Francesa, que acabou em desastre, ingressouna história mundial, enquanto a Revolução Americana, de sucesso tão retumbante, permaneceucomo um evento menor". 29. Vejam-se, sobre o tema, Maurice Duverger, Instituciones políticas e derecho constitu-cional, 1984, p. 44 e s.; Marcelo Caetano, Direito constitucional, 1987, v. 1, p. 67 e s.; Luis SánchezAgesta, Curso de derecho constitucional comparado, 1988, p. 107 e s. De toda sorte, o poder constituinte é revolucionário nas suas raízeshistóricas e político na sua essência. Ele representa um momento pré-jurídico e, quando exercido em contexto democrático, expressa um mo-mento de especial aglutinação e civismo do povo de um Estado. No casoda Constituição brasileira de 1988, o poder constituinte somente veio aser exercido, fundado na soberania popular, após longo e penoso períodode transição, que sucedeu a fase mais aguda da ditadura militar. Apesar domodelo transacional que ensejou sua convocação, não se deve desmerecero fato de que a Assembléia Constituinte foi o ponto culminante de umtormentoso processo de resistência democrática, que desaguou em umcaudaloso movimento de participação popular na década de 80. A despeito de seu caráter político, a Constituição materializa a ten-tativa de conversão do poder político em poder jurídico. Seu objeto éum esforço de juridicização do fenômeno político. Mas não se podepretender objetividade plena ou total distanciamento das paixões emum domínio onde se cuida da partilha do poder em nível horizontal evertical e onde se distribuem competências de governo, administrativas,tributárias, além da complexa delimitação dos direitos dos cidadãos esuas relações entre si e com o Poder Público. Porque assim é, a jurisdi-ção constitucional, por mais técnica e apegada ao direito que possa edeva ser, jamais se libertará de uma dimensão política, como assinalamos autores mais ilustres. Em palavras de Mauro Cappelletti: "O controle judicial de constitucionalidade das leissempre é destinado, por sua própria natureza, a ter tambémuma coloração "política" mais ou menos evidente, mais oumenos acentuada, vale dizer, a comportar uma ativa e cria-tiva intervenção das Cortes investidas daquela função decontrole, na dialética das forças políticas do Estado". 30. Leve-se em consideração, mas cum grano salis, a advertência de Ferdinand Lassalle, pre-cursor do constitucionalismo sociológico, emA essência da Constituição, 1985, p. 49, onde se repro-duz texto de conferência proferida em 1863: Os problemas constitucionais não são problemas dedireito, mas do poder; a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais eefetivos do poder que naquele país vigem, e as Constituições escritas não têm valor nem são duráveis,a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social". 31. Mauro Cappelletti, O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito compa-rado, 1984, p. 114. No mesmo sentido, vejam-se Castro Nunes, Teoria e prática do

Poder Judiciário, 1943, p. 597, e M. Seabra Fagundes, A função política do Supremo TribunalFederal, RDP, 49-50:7, 1979, p. 8. Em voto proferido no Supremo Tribunal Federal, e não semcerto exagero, pronunciou-se Themístocles Brandão Cavalcanti: "Na interpretação da Constituiçãonão se deve levar em conta somente a intenção do legislador, o sentido e a significação das palavras,o raciocínio lógico no processo de interpretação, mas principalmente o sentido político da interpre-tação, considerando-se a Constituição como um diploma político" (Supremo Tribunal Federal,Representações por inconstitucionalidade. dispositivos de Constituições estaduais, 1976, v. 1, p.153). Se é certo que se deve levar em conta o sentido político na interpretação constitucional, o usodo advérbio principalmente parece ser uma demasia. Como se viu até aqui, não é possível neutralizar inteiramente a in-terferência de fatores políticos na interpretação constitucional. Aracionalidade total, como bem percebeu Hesse, não é atingível no direi-to constitucional. Isso não significa que se deva renunciar a ela, mas simbuscar a "racionalidade possível". A interpretação da Constituição, adespeito do caráter político do objeto e dos agentes que a levam a efeito,é uma tarefa jurídica, e não política. Sujeita-se, assim, aos cânones deracionalidade, objetividade e motivação exigíveis das decisões proferi-das pelo Poder Judiciário. Uma Corte Constitucional não deve ser cegaou indiferente às conseqüências políticas de suas decisões, inclusive paraimpedir resultados injustos ou danosos ao bem comum. Mas somentepode agir dentro dos limites e das possibilidades abertas peloordenamento. Contra o direito o juiz não deve decidir jamais. Em casode conflito entre o direito e a política, o juiz está vinculado ao direito. 32. Konrad Hesse, Escritos de derecho constitucional, 1983, p. XVIII-XIX. A referênciaconsta da Introdução escrita por Pedro Cruz Villalón. 33. Raúl Canosa Usera, Ínterpretación constitucional y fórmula política, cit., p. 121, trans-creve o ponto de vista divergente de Loewenstein e Leibholz na matéria, com o qual não se estáde acordo. 34. Otto Bachoff, Der Verfassungsrichter zwischen Recht und Politik, p. 302-3, adaptado dacitação feita por García de Enterría, La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional,1991,p. 183-4.

3. Conceitos, classificações e métodos clássicos de interpretação

a) Subjetivismo e objetivismo. O originalismo nos Estados Unidos Uma das mais vetustas discussões envolvendo a interpretação jurí-dica é a que contrapõe os subjetivistas, que buscam identificar a menslegislatoris, e os objetivistas, que se fiam na revelação da mens legis.Cuida-se de saber se deve prevalecer na interpretação a vontade do le-gislador histórico ou a vontade objetiva e autônoma da lei. O debate,de certa forma, encontra-se superado pela convergência da quase-totali-dade da doutrina para a linha objetiva. Para esse entendimento tam-bém se orientou o Tribunal Constitucional Federal alemão, que em de-cisão reiterada em inúmeros julgados assentou: "Fundamental para interpretar un precepto legal es lavoluntad objetiva del legislador manifestada a través dedicho precepto y tal como se deduce del texto y del contex-to de la disposición legal. No es, por el contrario, funda-

mental la idea subjetiva de los órganos que participan en elproceso legislativo, o determinados de sus miembros, acercadel significado de la disposición". 35. Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, 1993, p. 381. V. também Karl Larenz,Metodología de la ciencia del derecho, 1980, p. 250 e s. 36. Pietro Merola Chierchia, L’interpretazione sistematica della Costituzione, 1978, p. 208,após reproduzir a lição de Coviello, De Ruggiero, Crisafulli, Pierandrei e Grasso, concluiu: "Suquesta linea converge la quasi totalità della dottrina degli ultimi decenni". 37. BVerfGE, 1,299(312). V. Konrad Hesse, Escritos de derecho constitucional, cit., p. 38. De fato, uma vez posta em vigor, a lei se desprende do complexo depensamentos e tendências que animaram seus autores. Isso é tanto maisverdade quanto mais se distancie no tempo o início de vigência da lei. Ointérprete, ensinou Ferrara, deve buscar não aquilo que o legislador quis,mas aquilo que na lei aparece objetivamente querido: a mens legis e nãoa mens legislatoris. Não é, propriamente, que a vontade subjetiva dolegislador de ocasião seja inteiramente indiferente. O que remarcamos objetivistas é que ela não é determinante e deve concorrer com outrostodos fatores relevantes. Com agudeza, e não sem certa ironia, Raúl CanosaUsera observa que a preponderância entre a vontade do legislador ou dalei dependerá, sempre, de uma terceira vontade: a do intérprete atual. 38. Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, cit., p. 135. Na feliz síntese dePeter Schneider, "a lei é mais sábia que o legislador" (Prinzipien der Verfassungsinterpretation,1963, apud Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, cit., p. 371). Vejam-se, ainda, sobre otema Tércio Sampaio Ferraz Jr., A ciência do direito, 1980, p. 70-1, e Manuel A. Domingues deAndrade, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, 1978, p. 15. 39. Winfried Brugger, Legal interpretation, schools of jurisprudence, and anthropology: someremarks from a German point of view, American Journal of Comparative Law, 42:395, 1994, p. 401. 40. Raúl Canosa Usera, Interpretación constitucional y fórmula política, cit., p. 17. Curiosamente, essa discussão foi reavivada ao longo das últimasdécadas, nos Estados Unidos, contrapondo originalistas e não-originalistas. Após dois períodos sucessivos em que a Suprema Corteapresentou um perfil nitidamente progressista, afirmativo de novos di-reitos e de proteção das minorias, articulou-se um amplo movimento dereação conservadora. Cognominado de "originalismo", funda-se ele natese de que o papel do intérprete da Constituição é buscar a intençãooriginal (the original intent) dos elaboradores da Carta, abstendo-se deimpor suas próprias crenças ou preferências. 41. Sob a presidência de Earl Warren (1953-1969) e de Warren Burger (1969-1986). As últi-mas duas décadas, todavia, têm assistido ao esforço para desfazer o legado anterior, sobretudo daCorte Warren. Buscou-se, assim, uma metodologia que substituísse a discrição judicial por umcritério mais objetivo ou neutro. Para tanto, não bastava voltar à tradição conservadora de colocarênfase nos precedentes - as stare decisis -, porque eram precisamente os precedentes que osconservadores pretendiam reformar. Nessa busca de uma metodologia que permitisse a revisão dos

avanços da Corte, sobretudo em casos como Roe vs. Wade (v. infra), é que se chegou a um revivaldo originalismo e do textualismo (v. Morton J. Horwitz, Foreword: the Constitution of change: legalfundamentality without fundamentalism, Harvard Law Review, 107:30,1993, p. 34-5). 42. Sobre o tema, v. The great debate: interpreting our written Constitution, coletânea publicadapor The Federalist Society, s. d., com textos de Edwin Meese, William Brennan Jr., John PaulStevens, Robert Bork e Ronald Reagan. O tema, como se disse, foi reavivado na última década, masé antigo. No julgamento de Home Building and Loan Association vs. Blaisdell, 290 U. S. 398, p.451 e 453 (1934), já afirmara o Justice Sutherland: "A única finalidade da interpretação, quando serefere a disposições constitucionais, consiste em descobrir seu significado, em identificar e darefeito à intenção de seus redatores e do povo que as adotou". Veja-se, também, Berger, Governmentby Judiciary. The transformation of the fourteenth Amendment, 1977. Para os originalistas, o ativismo judicial, as construções jurídicasdesenvolvidas pelo Judiciário para acudir a situações não contempladasna letra expressa da Constitüição, são antidemocráticas. Consoante oraciocínio que desenvolvem, em um governo representativo, onde deveprevalecer a vontade da maioria, expressa através da eleição dos agentespúblicos do Legislativo e do Executivo, o controle exercido pelo Judi-ciário sobre os atos dos outros dois Poderes apresenta uma dificuldadecontramajoritária (a countermajoritarian difficulty) (v. infra). E somentepode legitimar-se nos limites expressos e estreitos do texto constitucional. 43. V. Robert Bork, The great debate, cit., p. 43. V. também William Rehnquist, The notion ofa living Constitution, Texas Law Review, 54:693, 1976. Veja-se, mais recentemente, do próprioBork, The tempting of America, 1990. A crença originalista de que não é possível atingir um mínimo deobjetividade na interpretação constitucional - que ficaria, pois, sujeitaa meras preferências subjetivas pessoais - tem sido questionada comveemência, tanto no debate acadêmico como na prática política. A ten-tativa de alçar à Suprema Corte Robert Bork, um dos principais ideólogosdo originalismo, fracassou após amplo movimento de rejeição à nomea-ção feita pelo Presidente Reagan. É certo, todavia, que a Suprema Cor-te, após a nomeação de diversos Ministros conservadores, e sob a presi-dência de William Rehnquist, um originalista, tornou-se um tribunalsem a importância política e sem o brilho de outras épocas. 44. Vejam-se por todos, em meio a inúmeros escritos, H. Jefferson Powell, Rules for originalists,Virginia Law Review, 73:659, 1987, e Morton J. Horwitz, Foreword: the Constitution of change...,Harvard Law Review, 107:30, p. 41 e s. 45. Sobre o tema, v. Morton J. Horwitz, The bork nomination and American constitutionalhistory, Syracuse Law Review, 39:1029, 1988. 46. Para um debate em língua portuguesa sobre o tema, vejam-se dois pequenos textos publi-cados na Revista de Direito Público, 93:5: Robert Bork, O que pretendiam os fundadores, p. 6 e s.,e Laurence Tribe, Os limites da originalidade, p. 9 e s. V., também, Enrique Alonso García, Lainterpretación de la Constitución, 1984, p. 138 e s.

b) Interpretação constitucional legislativa, administrativa, judicial, dou-trinária e autêntica Deixou-se remarcado, anteriormente, que a interpretação constitu-cional, sem embargo de suas especificidades, situa-se no âmbito da in-terpretação jurídica em geral. Sujeita-se, assim, às categorias em quetradicionalmente se classifica a interpretação. Não se pretende, aqui,explorar em maior profundidade esse tópico, que tem merecido valiososestudos, tanto na doutrina nacional quanto na estrangeira. A referênciaque adiante se faz a cada uma das variações da interpretação tradicionaldestina-se apenas a dar uma visão de conjunto da matéria e a apontaralgumas peculiaridades quando se trate de interpretar a Constituição.No capítulo seguinte é que se cuidará, em percurso detalhado, dos prin-cípios de interpretação especificamente constitucional. 47. Vejam-se, por todos, Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, 1981;Alípio Silveira, Hermenêutica no direito brasileiro, 1968; Luiz Fernando Coelho, Lógica jurídicae interpretação das leis, 1979; Paulo Batista, Compêndio de hermenêutica jurídica, 1984; MárioFranzen de Lima, Da interpretação jurídica, 1955; Rubens Limongi França, Elementos dehermenêutica e aplicação do direito, 1984; François Gény, Méthode d´interpretation et sources endroit privé positif, 1932; Emilio Betti, Teoria generale della interpretazione, 1955; Max Ascoli, Lainterpretación de las leyes, 1947; Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, 1987;Genaro Carrió, Notas sobre derecho y lenguage, 1979; Rudolph von Ihering, A finalidade do direi-to, 1979; Luis Recaséns Siches, Nueva filosofía de la interpretación del derecho, 1980; Manuel A.Domingues de Andrade, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, 1987. A interpretação em geral, e, ipso facto, a interpretação constitucio-nal, poderá ser, quanto à sua origem, legislativa, administrativa e judi-cial. Alguns autores acrescentam a interpretação doutrinária, merecendoainda referência a possibilidade de uma interpretação constitucional au-têntica. Quanto aos resultados ou à extensão, ela poderá ser declaratória,extensiva ou restritiva. E quanto aos métodos, ou, mais propriamente,quanto aos elementos de interpretação, ela será gramatical, histórica,sistemática e teleológica. 48. V. Hector Fix Zamudio, Algunos aspectos de la interpretación constitucional en elordenamiento mexicano, Comparative Judicial Review, 2:69-71, 1974, p. 75-83, apud José Alfredode Oliveira Baracho, Hermenêutica constitucional, RDP, 59-60:46, p. 54. 49. Para um maior desenvolvimento do tema da interpretação legislativa, administrativa ejudicial, veja-se o valioso trabalho de Anna Candida da Cunha Ferraz, Processos informais demudança da Constituição, cit., p. 64 e s., bem como o denso artigo de José Alfredo de OliveiraBaracho, Hermenêutica constitucional, RDP, 59-60:46, p. 54 e s. A interpretação da Constituição é exercida por órgãos dos três Pode-res estatais. Assim se passa, em primeiro lugar, para delimitação de suaprópria esfera de competências. Ademais, cada um deles precisa determi-nar o conteúdo de normas constitucionais no desempenho de suas ativida-des. A interpretação constitucional legislativa impõe-se em diversas situa-ções, dentre as quais é possível destacar a que se realiza (a) para a própriaestruturação do Poder Legislativo, de seus órgãos e comissões; (b) naobservância do processo legislativo, aí incluídos a adequação de cada es-

pécie normativa e os procedimentos para sua edição; (c) na apreciação devetos do chefe do Executivo fundados em motivo de inconstitucionalidade.A interpretação constitucional pelas Casas do Congresso, por AssembléiasLegislativas e Câmaras Municipais é indispensável para que exercitemsua atividade legislativa nos limites da Lei Maior, e, talvez mais impor-tante, para que legislem de forma a realizar os fins constitucionais. 50. Há um precedente historicamente relevante de interpretação legislativa, ocorrido no Im-pério, sob a vigência da Carta de 1824. Cuida-se da célebre Lei de Interpretação (Lei n. 105, de 12-5-1840), que reduziu o conteúdo e o alcance das inovações introduzidas pelo Ato Adicional de 1834(Lei n. 16, de 12-8-1834), que, dentre outras coisas, concedera certo grau de autonomia às provín-cias, e veio a ser interpretado de forma conservadora e centralista. Sobre o tema, v. Luís RobertoBarroso, Direito constitucional brasileiro: o problema da Federação, 1982, p. 30-1. A interpretação constitucional administrativa é levada a efeito peloPoder Executivo, notadamente para pautar a própria conduta. Deveráele reverenciar os princípios constitucionais da Administração Pública(CF, art. 37 e s.) e conter-se dentro dos limites genéricos que lhe sãoimpostos (respeitando, e. g., as hipóteses de reserva legal - CF, art. 5º,II). É igualmente indispensável a interpretação para que os órgãos doExecutivo possam dar cumprimento aos atos normativos e aos atos deindividualização de situações jurídicas na conformidade da Constitui-ção, além de sua importância na elaboração das políticas governamen-tais, que devem, necessariamente, apontar para os fins constitucionais.Aliás, o Executivo, em certos casos, pode interpretar a Constituição atémesmo para divergir de interpretação que haja sido dada pelo Legislativo.É que a doutrina e a jurisprudência a ele têm reconhecido o poder dedeixar de aplicar os atos legislativos que considere inconstitucionais. 51. V. Luís Roberto Barroso, Poder Executivo - lei inconstitucional - descumprimento,parecer publicado em RDA, 181-182:387, 1990, com levantamento da doutrina e da jurisprudênciasobre a matéria. E, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: "Os Poderes Executivo eLegislativo, por sua Chefia - e isso mesmo tem sido questionado com o alargamento da legitimaçãoativa na ação direta de inconstitucionalidade -, podem tão-só determinar aos seus órgãos subordi-nados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considereminconstitucionais" (RTJ, 151:331, 1995,ADIn-MC 221-DF, rel. Min. Moreira Alves). E no Supe-rior Tribunal de Justiça: "Lei inconstitucional. Poder Executivo. Negativa de eficácia. O PoderExecutivo deve negar execução a ato normativo que lhe pareça inconstitucional" (DJu, 8 nov.1993, p. 23521, REsp 23.121, rel. Min. Humberto Gomes de Barros). A interpretação constitucional judicial, no Brasil e nos países queadmitem a judicial review, se dá (a) pela aplicação direta de um preceptivoconstitucional (questão constitucional) ou (b) pela verificação da com-patibilidade de uma norma em face da Constituição (controle deconstitucionalidade). A interpretação pelo Judiciário é final e vinculantepara os outros Poderes. Não é incomum que a interpretação judicialvenha sobrepor-se à interpretação feita pelo Legislativo - como se pas-sa quando declara uma lei inconstitucional - ou pelo Executivo. 52. Vejam-se dois exemplos em que a interpretação judicial desautorizou a que havia sido

dada pelo Executivo: (1) o Parecer CF n. 1/89, da Consultoria-Geral da República, aprovado peloPresidente da República, sustentou que a exigência de concurso público (CF, art. 37, II) não seimpunha na contratação de empregados para sociedades de economia mista exploradoras de ativi-dades econômicas (RDA, 178:99). O Supremo Tribunal Federal, todavia, estabeleceu entendimentodiverso: "Sociedade de economia mista destinada a explorar atividade econômica está igualmentesujeita a esse princípio (do art. 37, II), que não colide com o expresso no art. 173, § 1º" (DJu, 23abr. 1993); (2) o Poder Executivo, pelo Decreto n. 99.300/89, entendeu que os servidores postos emdisponibilidade deveriam receber proventos proporcionais ao tempo de serviço, tese que foidesautorizada pelo Supremo Tribunal Federal (RDA, 179-80:233). Hoje, contudo, em face da novaredação dada aos §§ 2º e 3º do art. 41 pela Emenda Constitucional n. 19/98, o servidor será coloca-do em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço. A interpretação doutrinária não se dirige, diretamente, à aplicação dasnormas constitucionais, mas, sim, a fornecer subsídios para os órgãos en-carregados de realizá-la. Trata-se do produto do trabalho intelectual dejurisconsultos, professores e escritores em geral. Também os advogados,elaborando teses jurídicas e ousando criativamente na defesa dos interessesque patrocinam, prestam importante contribuição de cunho doutrinário. 53. Sobre interpretação doutrinária, vejam-se, em meio a outros, Carlos Maximiliano,Hermenêutica e aplicação do direito, cit., p. 94; Anna Candida da Cunha Ferraz, Processos infor-mais de mudança da Constituição, cit., p. 171 e s.; e José Alfredo de Oliveira Baracho, Hermenêuticaconstitucional, RDP, 59-60:46, cit., p. 70. É controvertida a possibilidade de interpretação autêntica da Cons-tituição. Aliás, é controvertida a própria existência da categoria inter-pretação autêntica, como tal entendida a que emana do próprio órgãoque elaborou o ato cujo sentido e alcance ela declara. Pela interpretaçãoautêntica se edita uma norma interpretativa de outra preexistente. A maiorparte da doutrina, tanto brasileira como portuguesa, admite a interpretaçãoconstitucional autêntica, desde que se faça pelo órgão competente para areforma constitucional, com observância do mesmo procedimento desta. 54. Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, cit., p. 134: "Disto resulta que a chamada interpre-tação autêntica não é verdadeira interpretação, mas funda a sua eficácia de modo autônomo na declara-ção de vontade do legislador: é uma lei com efeito retroativo". Savigny entendia que a lei interpretativaresultante da interpretação autêntica constitui uma nova lei, de todo distinta daquela preexistente (JuristischeMethodenlehre, 1951, p. 18, apud Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, cit., p. 357). 55. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, cit., p. 87. Sobre o tema,pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIn 605-DF, rel. Min. Celso deMello: "É plausível, em face do ordenamento constitucional brasileiro, o reconhecimento daadmissibilidade das leis interpretativas, que configuram instrumento juridicamente idôneo de

veiculação da denominada interpretação autêntica. Tais leis não traduzem usurpação das atribui-ções institucionais do Judiciário e, em conseqüência, não ofendem o postulado fundamental dadivisão funcional do poder" (RTJ, 145:463, 1993). 56. V. Celso Ribeiro Bastos, Curso de direito constitucional, 1990, p. 101; J. J. Gomes Canotilho,Direito constitucional, cit., p. 239; Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, cit., t. 2, p. 231;Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, cit., p. 88 e 315. A rigor, a interpretação constitucional, para ser verdadeiramenteautêntica, na conformidade da definição, teria de emanar da mesmafonte instituidora: o poder constituinte originário. Isso, normalmente,não será possível, pois, uma vez concluída a sua obra, o poder consti-tuinte originário se exaure, ou, melhor dizendo, volta ao seu estadolatente e difuso. De modo que não se pode falar em interpretação cons-titucional verdadeiramente autêntica. A discussão, todavia, tem pou-ca relevância no Brasil. É que um dos traços que distinguem a inter-pretação autêntica é o seu caráter retroativo, remontando à data devigência da lei que está sendo interpretada. Ora bem: entre nós issonão é possível. Por força do art. 5º, XXXVI, da Constituição da Repú-blica, combinado com o art. 60, § 4º, nem mesmo as emendas cons-titucionais podem afetar as situações já definitivamente constituídas eincorporadas ao patrimônio de seu titular. Ou seja: em qualquer casoos efeitos se produzirão ex nunc. 57. No mesmo sentido, José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais,1982,p. 216, e Anna Candida da Cunha Ferraz, Processos informais de mudança da Constituição,cit., p. 167-8. 58. Em sentido contrário, aparentemente sem levar em conta o fato de que a irretroatividadeno Brasil, ao contrário de outros países, é princípio constitucional, v. Paulo Bonavides, Curso dedireito constitucional, cit., p. 358. Até aqui deu-se atenção à interpretação constitucional realizada pelosPoderes estatais e pela doutrina, com ênfase no papel da interpretaçãojudicial. É bem de ver, no entanto, que, a rigor, a interpretação constitu-cional é levada a efeito pela generalidade das pessoas no âmbito doEstado, que dela se servem para determinar a própria conduta e conhe-cer os seus direitos. Inúmeras questões envolvendo a Constituição nãochegam aos tribunais e, menos ainda, ao Supremo Tribunal Federal, cujopapel precípuo é a sua guarda. São resolvidas no plano da informalidade,pelo consenso ou pela renúncia. De fato, muitas são as situações deconflito potencial em que os interessados chegam a um acordo, demar-cando os direitos de cada um; em outras, mesmo existindo violação danorma, o titular da pretensão daí resultante não a leva ao Judiciário; ou,ainda, hipóteses há de impossibilidade processual de acesso à Corte paraa discussão constitucional. Daí a constatação de Peter Häberle de que o"processo constitucional formal não é a única forma de acesso ao pro-cesso de interpretação constitucional". 59. Peter Häberle, Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constitui-ção: contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental"da Constituição, 1997. p. 42. No desenvolvimento de suas idéias, assentou Häberle que a inter-pretação constitucional é um processo aberto, no qual estão envolvidosos Poderes estatais, os órgãos públicos, mas também os cidadãos e osgrupos sociais. Não há, assim, um elenco cerrado, numerus clausus, deinterpretação da Constituição. Não sendo um evento puramente estatal,todos podem, potencialmente, interpretar a Constituição, ao menos até

o pronunciamento final do Judiciário, se e quando ele ocorrer. Nas pala-vras textuais do autor alemão: "Todo aquele que vive no contexto regulado por umanorma e que vive com este contexto é, indireta ou, até mes-mo, diretamente, um intérprete dessa norma. O destinatá-rio da norma é participante ativo, muito mais ativo do quese pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico.Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constitui-ção que vivem a norma, não detêm eles o monopólio dainterpretação da Constituição". 60. Peter Häberle. Hermenêutica constitucional.. cit., p. 15.

c) Interpretação declarativa, restritiva e extensiva Em seus clássicos Comentários, escreveu Joseph Story que as pala-vras de uma Constituição devem ser tomadas em sua acepção natural eóbvia, evitando-se o indevido alargamento ou restrição de seu signifi-cado. Porém, nenhuma norma oferece fronteiras tão nítidas que elimi-nem a dificuldade de determinar se, na espécie, deve-se passar além ouficar aquém do que as palavras parecem indicar. Quando existacongruência plena entre as palavras da norma e o sentido que lhes éatribuído pela razão, quando coincidem o elemento gramatical e o ele-mento lógico, a interpretação será declarativa (cum in verbis nullaambiguitas est, non debet admitti voluntatis quaestio). 61. Joseph Story, Commentaries on the Constitution of the United States, 1905, v. 1, p. 319. 62. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, cit., p. 200. 63. Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, cit., p. 147, e Paulo Bonavides,Curso de direito constitucional, cit., p. 362. Todavia, havendo incongruência entre a interpretação lógica e a gra-matical, caberá ao intérprete operar uma retificação do sentido verbalna conformidade e na medida do sentido lógico. A imperfeição lingüís-tica, expõe Ferrara, pode manifestar-se de duas formas: ou o legisladordisse mais do que queria dizer, ou disse menos, quando queria dizermais. No primeiro caso, impõe-se uma interpretação restritiva (ou es-trita), onde a expressão literal da norma precisa ser limitada para expri-mir seu verdadeiro sentido (lex plus scripsit, minus voluit). No segundocaso, será necessária uma interpretação extensiva, com o alargamentodo sentido da lei, pois este ultrapassa a expressão literal da norma (lexminus scripsit quam voluit). 64. Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, cit., p. 149. 65. V. Christiano José deAndrade, O problema dos métodos da interpretação jurídica, 1992,p. 116-23, e José de Oliveira Ascensão, O direito. Introdução e teoria geral, 1993, p. 407-9. A doutrina, de forma um tanto casuística, procura catalogar as hi-póteses de interpretação restritiva e extensiva. Há certo consenso de quese interpretam restritivamente as normas que instituem as regras ge-rais, as que estabelecem benefícios, as punitivas em geral e as denatureza fiscal. Comportam interpretação extensiva as normas que as-seguram direitos, estabelecem garantias e fixam prazos. 66. Vejam-se Alípio Silveira, Hermenêutica no direito brasileiro, cit., p. 222; CarlosMaximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, cit., p. 197-205; Linares Quintana, Reglas parala interpretación constitucional, 1987, p. 134-6; e Christiano José de Andrade, O problema dosmétodos da interpretação jurídica, cit., p. 117. 67. Linares Quintana, Reglas para la interpretación constitucional, cit., p. 117.

68. V. Ivan Lira de Carvalho, A interpretação da norma jurídica (constitucional einfraconstitucional), RT, 693:55, 1993, p. 55-6, e Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicaçãodo direito, cit., p. 205. 69. V. Ivan Lira de Carvalho, A interpretação da norma jurídica (constitucional einfraconstitucional), RT, 693:55, p. 55-6, e Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do di-reito, cit., p. 205. A jurisprudência é oscilante e assistemática na matéria. Há casosem que a norma constitucional atributiva de um benefício é interpretadarestritivamente. Foi o que se passou no tocante à anistia política conce-dida pelo art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias daCarta de 1988, que aproveitava aos punidos durante o regime militar,aos quais assegurou as promoções a que teriam direito durante o perío-do em que estiveram afastados por atos de exceção. A norma não escla-recia se se incluíam tanto as promoções por antigüidade como as pormerecimento. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal oscilou,até se firmar na exclusão da promoção por merecimento, interpretandorestritivamente o comando constitucional. 70. RTJ, 145:942, 1993, RE 140.616-DF, rel. Min. Paulo Brossard, em cuja ementa se lia: "Oart. 8º do ADCT assegura, aos que foram atingidos por atos de exceção, em decorrência de motiva-ção exclusivamente política, as promoções "a que teriam direito se estivessem em serviço ativo".Não assegura as promoções possíveis, como as por merecimento". Em belo trecho, criticando amudança de orientação do Supremo Tribunal Federal, afirmou o Min. Marco Aurélio, citando pas-sagem do livro O inverso da nossa desesperança: "Quando uma luz se apaga, é muito mais escurodo que se ela jamais houvesse brilhado". Igualmente restritiva foi a interpretação dada pelo Tribunal de Jus-tiça do Estado do Rio de Janeiro ao examinar benefício conferido peloart. 230, § 2º, da Constituição Federal, consistente na concessão degratuidade nos transportes coletivos urbanos para idosos, onde fez dis-tinção entre área urbana e metropolitana. Em outras hipóteses, a inter-pretação tem sido extensiva, como em relação à anistia constitucionalconcedida pelo art. 47 do Ato das Disposições Constitucionais Transitó-rias. Aliás, a propósito das disposições constitucionais transitórias emgeral, deixou entender o Supremo Tribunal Federal, embora de formaimplícita, terem elas cunho de regras excepcionais, merecendo interpreta-ção estrita, não servindo como argumento para interpretar a parte perma-nente da Constituição. 71. RT, 665:147, 1991, Ap. 5.465/89, rel. Des. Thiago Ribas Filho: "Transporte coletivo depassageiros - Gratuidade aos maiores de 65 anos - Direito concedido pela CF apenas em relaçãoà área urbana, não à metropolitana - Impossibilidade de interpretação extensiva da norma cons-titucional - (...) O benefício é medida excepcional, à qual não se pode e deve dar interpretaçãoextensiva". 72. O ITACSP decidiu, em diversos casos, que o benefício aproveitava mesmo aos devedoresque houvessem obtido financiamentos cuja soma fosse superior a 5.000 OTNs (que era o limiteimposto pela norma concessiva do benefício), desde que o valor obtido em cada instituição finan-

ceira não excedesse aquele limite. E que o benefício aproveitava, também, ao garantidor da obriga-ção. Confira-se, por todas, a decisão no AI 419.784-8, rel. Juiz Rodrigues de Carvalho, RT, 650:118,1989: "Art. 47 do ADCT - Débitos inferiores a 5.000 OTN contraídos em instituições financeirasdiferentes cuja soma ultrapassa o limite proposto - Irrelevância - Favor que há de sempre serinterpretado de forma benigna, ampla, a favorecer quem o pleiteia - Restrições que somentepodem ser impostas pelo próprio texto constitucional - Benefício extensível ao avalista". Essalinha de entendimento foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal: "Os contratos de financia-mento, para observância do teto inscrito no inciso IV, do § 3º, do art. 47, do ADCT à CF/88, devemser observados de per si, autonomamente (STF, RTJ, 148:275, 1994, RE 134.038-PR, rel. Min.Carlos Velloso). 73. RTJ, 132:1065, 1990, ADIn 281 -MT, rel. Min. Sydney Sanches. A Suprema Corte recorre, com freqüência, a linhas argumentativasque se utilizam da interpretação extensiva ou restritiva. Ao confrontar,por exemplo, a regra geral do art. 129, IX, da Constituição - que proíbeque os membros do Ministério Público atuem como representantes ju-diciais de entidades públicas - com o disposto no art. 29, § 5º, do ADCT,que permitiu aos membros do Ministério Público estadual representar aUnião em causas de natureza fiscal, decidiu o Supremo: "A exceção prevista no § 5º do art. 29 do ADCT aodisposto no inc. IX do art. 129 da parte permanente da CFdiz respeito apenas ao exercício da advocacia nos casos aliespecificados, e, por ser norma de direito excepcional, sóadmite interpretação estrita, não sendo aplicável por ana-logia, e, portanto, não indo além dos casos nela expressos,nem se estendendo para abarcar as conseqüências lógicasdesses mesmos casos, máxime, nesta última hipótese, quan-do a conseqüência lógica da exceção é objeto de outra nor-ma geral que a proíbe". 74. RT, 678:220, 1990, ADIn 41-1 -DF, rel. Min. Moreira Alves. Ao interpretar o art. 86, § 4º, da Constituição, que estabelece que oPresidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser res-ponsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções, deu-lhe,igualmente, significação restritiva. De fato, ao apreciar ação ajuizadacontra o ex-Presidente Collor de Mello, em meio a outras considera-ções, assim pronunciou-se a mais Alta Corte: "A norma consubstanciada no art. 86, § 4º, da Consti-tuição, reclama e impõe, em função de seu caráter excepcio-nal, exegese estrita, do que deriva a sua inaplicabilidade asituações jurídicas de ordem extrapenal". 75. RTJ, 143:710, 1993, Ação Penal n. 305 (QO) - DF, rel. Min. Celso de Mello. No julga-mento da medida liminar na ADIn 978, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, porunanimidade, reconheceu que a imunidade a atos estranhos ao exercício das funções,prevista em relação ao Presidente da República, não podia, em princípio, ser estendidaaos Governadores de Estado (RTJ, 156:782, 1996, ADIn 1 .025-TO, rel. Min. ILmarGalvão). Em outro caso, envolvendo o tema da inelegibilidade, adotou o Supremo umsentido estrito para a cláusula constitucional do art. 14, § 7º, que veda a eleição de

parentes, ao decidir que a norma não alcança a irmã da concubina do Prefeito (RT,700:244, 1994, RE 157.868-8-PB, rel. Min. Marco Aurélio).

d) Os métodos ou elementos clássicos de interpretação A interpretação constitucional é um fenômeno múltiplo sobre o qualexercem influência (a) o contexto cultural, social e institucional, (b) aposição do intérprete, (c) a metodologia jurídica. Em outra parte desteestudo se dá atenção aos dois primeiros fatores. Cabe agora cuidar doschamados métodos de interpretação, que, mais do que os outros doisaspectos versados, comportam apreciação de ênfase predominantemen-te técnico-jurídica. Os métodos clássicos de interpretação remontam ao magistério deSavigny, fundador da Escola Histórica do Direito, e que, em seu Siste-ma, de 1840, distinguiu, em terminologia moderna, os métodos grama-tical, sistemático e histórico. Posteriormente, uma quarta perspectivafoi acrescentada, que foi a interpretação teleológica. Com pequena varia-ção, este é o catálogo dos métodos ou elementos clássicos da interpreta-ção jurídica: gramatical, histórica, sistemática e teleológica. 76. Friedrich Carl von Savigny, Sistema del diritto romano attuale, 1886, v. 1, cap. 4, p. 225e s. (no original, Das System des heutigen Römischen Rechts, 1840, v. 1, § 33, p. 213-4). 77. Winfried Brugger, Legal interpretation, schools of jurisprudence, and anthropology...,American Journal of Comparative Law, 42:395, p. 395. V. também Francesco Ferrara, Interpretaçãoe aplicação das leis, cit., p. 138 e s., e Konrad Hesse, La interpretación constitucional, in Escritos dederecho constitucional, cit., p. 38. Há consenso entre a generalidade dos autores de que a interpretação,a despeito da pluralidade de elementos que devem ser tomados em consi-deração, é una. Nenhum método deve ser absolutizado: os diferentesmeios empregados ajudam-se uns aos outros, combinando-se e contro-lando-se reciprocamente. A interpretação se faz a partir do texto da nor-ma (interpretação gramatical), de sua conexão (interpretação sistemáti-ca), de sua finalidade (interpretação teleológica) e de seu processo de cri-ação (interpretação histórica). Em palavras de Raúl Canosa Usera, atranscendental missão do intérprete consiste em ordenar a pluralidade deelementos que se acham à sua disposição. 78. Klaus Stern, Derecho del Estado de la República Federal Alemana, 1987, p. 284. 79. Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, cit., p. 131. 80. BVerJGE, 11, 126 (130), e BVerfGE, 35, 263 (278 e s.). V. Konrad Hesse, Escritos dederecho constitucional, cit., p. 39. V., também, Pablo Lucas Verdú, Curso de derecho político,1977, v. 2, p. 553, onde se lê: "Aunque la interpretación constitucional es una, no obstante existendiversos métodos para esclarecer el significado de las normas constitucionales. No hay unainterpretación histórica de las normas constitucionales, otra gramatical y otra lógico-sistemática, yteleológica, sino una sola interpretación constitucional que analiza los precedentes históricos, exa-mina los debates parlamentarios, fija el significado exacto de las palabras y realiza las operacionesnecesarias para establecer el sentido de la norma constitucional como parte componente de unordenamiento que apunta a una finalidad concreta".

81. Raúl Canosa Usera, Interpretación constitucional y fórmula política, cit., p. 135. Da aplicação dos diferentes métodos a uma dada espécie concretapodem ocorrer duas possibilidades: (a) ou todos eles conduzem a ummesmo resultado; (b) ou apontam eles para resultados divergentes. Naprimeira hipótese, o caso será facilmente resolvido, pela incidência dasolução única resultante da convergência dos diferentes métodos. Tra-tar-se-á de um caso fácil. Na segunda, estar-se-á diante de um caso difí-cil. Para sua solução exige-se do intérprete maior indagação. Não exis-te, a rigor, nenhuma hierarquia predeterminada entre os variados méto-dos interpretativos, nem um critério rígido de desempate. A tradiçãoromano-germânica, todavia, desenvolveu algumas diretrizes que podemser úteis. Duas delas são destacadas a seguir. 82. V. Winfried Brugger, Legal interpretation, schools of jurisprudence, and anthropology...,American Journal of Comparative Law, 42:395, cit., p. 400. Em primeiro lugar, a atuação do intérprete deve conter-se sempredentro dos limites e possibilidades do texto legal. A interpretação gra-matical não pode ser inteiramente desprezada. Assim, por exemplo,entre interpretações possíveis, deve-se optar pela que conduza àcompatibilização de uma norma com a Constituição. É a chamada in-terpretação conforme a Constituição (v. infra). Todavia, não é possí-vel distorcer ou ignorar o sentido das palavras, para chegar a um resul-tado que delas esteja inteiramente dissociado. Em segundo lugar, osmétodos objetivos, como o sistemático e o teleológico, têm preferên-cia sobre o método tido como subjetivo, que é o histórico. A análisehistórica desempenha um papel secundário, suplementar na revelaçãodo sentido da norma. 83. Winfried Brugger, Legal interpretation, schools of jurisprudence, and anthropology...,American Journal of Comparative Law, 42:395, p. 400-1. Analisam-se, a seguir, cada um dos principais elementos da inter-pretação jurídica, com ênfase nas especificidades da interpretação cons-titucional.

I - A interpretação gramatical Toda interpretação jurídica deve partir do texto da norma, da revela-ção do conteúdo semântico das palavras. Pela interpretação gramatical- também dita textual, literal, filológica, verbal; semântica - se cuidade atribuir significados aos enunciados lingüísticos do texto constitucio-nal. Na feliz formulação de Karl Larenz, ela consiste na compreensãodo sentido possível das palavras, servindo esse sentido como limite daprópria interpretação. 84. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 222-3: "independentemente do sen-tido que se der ao elemento literal (...), o processo concretizador da norma da constituição começa coma atribuição de um significado aos enunciados lingüísticos do texto constitucional". 85. Karl Larenz, Metodología de la ciencia del derecho, 1966, p. 256 (no original alemão,Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 1983, p. 329, apud Ricardo Lobo Torres, Normas de inter-pretação e integração do direito tributário, cit., p. 126). Na Rep. n. 846-RJ, seu Relator, Min.Antônio Neder, deixou assinalado: "Sabe-se que a interpretação gramatical não basta para demons-trar o sentido que se contém na norma, mas ela é necessária para, demonstrando o sentido daspalavras com que foi escrita a norma, auxiliar a revelação do direito por meio da interpretação

lógica, que a ela sucede, para, com esta, se processar a interpretação sistemática" (Representaçõespor inconstitucionalidade: dispositivos de Constituições estaduais, 1976, t. 2, p. 93 e 107). A interpretação gramatical é o momento inicial do processo inter-pretativo. O texto da lei forma o substrato de que deve partir e em quedeve repousar o intérprete. Na interpretação constitucional, por vezes,não é necessário ir além da letra e do sentido evidente do texto, como sepassa, por exemplo, em relação aos dispositivos acerca da composição efuncionamento de órgãos estatais. De regra, todavia, correrá risco ointérprete que estancar sua linha de raciocínio na interpretação literal.Embora o espírito da norma deva ser pesquisado a partir de sua letra,cumpre evitar o excesso de apego ao texto, que pode conduzir à injusti-ça , a fraude e até ao ridículo. 86. Esse entendimento é corrente, sendo reproduzido pela maior parte dos autores. Veja-se,por todos, Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, cit., p. 139. 87. V. Raúl Canosa Usera, Interpretación constitucional y fórmula política, cit., p. 94. 88. Com relativa freqüência, o Supremo Tribunal Federal estigmatiza o uso da interpretaçãoliteral, por geradora de "iniqüidades". Vejam-se, exemplificativamente, RTJ, 142:404, 1992, 409,Rep. n. 1.108-MG, rel. Min. Francisco Rezek, e RTJ, 129:77, 1989, 87, MS 20.608-DE, rel. Min.Sydney Sanches. 89. Os atos praticados in fraudem legis são precisamente aqueles que observam o sentido literal danorma, mas violam-lhe o espírito. Sobre o tema, v. Regis Fichtner Pereira, Fraude à lei, 1994. 90. Em passagem deliciosamente espirituosa, o ex-Ministro Luiz Gallotti, do Supremo Tribu-nal Federal, ao julgar um recurso extraordinário naquela eg. Corte, assinalou: "De todas, a interpre-tação literal é a pior. Foi por ela que Clélia, na Chartreuse de Parme, de Stendhal, havendo feito umvoto a Nossa Senhora de que não mais veria seu amante Fabrício, passou a recebê-lo na maisabsoluta escuridão, supondo que assim estaria cumprindo o compromisso" (citado de memória,sem acesso ao texto do acórdão, que, aparentemente, não foi publicado). É corrente, na prática jurisprudencial americana, que as palavrasem uma Constituição são empregadas em seu sentido comum. No fun-do, é o desejável, pois, tratando-se de um documento simbolicamenteemanado do povo e destinado a traçar as regras fundamentais de convi-vência, seus termos devem ser entendidos em sentido habitual. Essaafirmativa não é universalmente válida, todavia, sobretudo à vista doconstitucionalismo mais analítico que sucedeu à Carta americana de1787. O problema da linguagem constitucional se agravou com a demo-cratização do processo constituinte. De fato, as Constituições mais re-centes, e, especialmente a Constituição brasileira de 1988, são geradasem meio a amplo processo dialético de discussão, participação e com-posição política. Como conseqüência, dificilmente apresentam uma lin-guagem jurídica uniforme e tecnicamente rigorosa. Parece, assim, pru-dente a utilização, no particular, da regra mais flexível lavrada por LinaresQuintana, nos termos seguintes: "As palavras empregadas na Constituição devem serentendidas em seu sentido geral e comum, a menos queresulte claramente de seu texto que o constituinte quis re-ferir-se ao seu sentido técnico-jurídico".

91. Esse entendimento é divulgado pelo menos desde McCullough vs. Maryland, 4 Wheat316, julgado em 1819. 92. José Antonio Estévez Araujo, La Constitución como proceso y la desobediencia civil,1994, p. 75. 93. V. Fran Figueiredo, Introdução à interpretação constitucional, RILSF, 87:175, p. 189. 94. Segundo V. Linares Quintana, Reglas para la interpretación constitucional, cit., p. 65. Em linha algo contrastante com as premissas lançadas acima, a de-monstrar claramente essa ambigüidade do texto constitucional - de serum documento popular e um documento jurídico a um só tempoveja-se ilustrativa passagem de voto proferido pelo Ministro MarcoAurélio, no Supremo Tribunal Federal: "Sempre tenho presente a premissa de que o Direito éciência e, como tal, possui institutos, expressões e vocábu-los com sentido próprio, havendo de se presumir que o le-gislador, especialmente o constituinte, haja atuado com téc-nica, atentando para o fato de que o esmero da linguagem éessencial à revelação do sentido correto da disposiçãonormativa". 95. RDA, 193:228, 1993, p. 232, RMS 21.514, rel. Min. Marco Aurélio. Já se deixou consignado, anteriormente, que uma das singularida-des das normas constitucionais é o seu caráter sintético, esquemático,de maior abertura. Disso resulta que a linguagem do Texto Constitu-cional é mais vaga, com emprego de termos polissêmicos (tributos,servidores, isonomia) e conceitos indeterminados (assuntos de inte-resse local, dignidade da pessoa humana). É justamente dessa aber-tura de linguagem que resultam construções como: (a) legitimados osfins, também estarão os meios necessários para atingi-los; (b) se aletra da norma assegura o direito a mais, está implícito o direito amenos; (c) o devido processo legal abriga a idéia de procedimentoadequado e de razoabilidade substantiva (v. infra). Desnecessárioenfatizar que tal característica amplia a discricionariedade do intér-prete, que há de adicionar um componente subjetivo resultante de suaprópria valoração para integrar o sentido dos comandos constitucio-nais. Como já se reconheceu anteriormente, na interpretação jurídica,em geral, e na interpretação constitucional, em particular, jamais serápossível obter racionalidade e objetividade plenas. 96. V. H. L. A. Hart, The concept of law, 1988, p. 121 e s., para um amplo desenvolvimento daidéia de open texture of the law. 97. V. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 224-5, que identifica como difi-culdades de investigação do conteúdo semântico das normas constitucionais: a) a polissemia, b) osenunciados vagos, c) os conceitos de valor e d) os conceitos de prognose. 98. Essa idéia é desenvolvida na doutrina americana sob a denominação de doutrina dospoderes implícitos, que teve como marco histórico o julgamento do caso McCullough vs. Maryland,já citado. 99. Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, cit., p. 153. Todavia, a mesma linguagem que confere abertura ao intérprete háde figurar como limite máximo de sua atividade criadora. As palavrastêm sentidos mínimos que devem ser respeitados, sob risco de se per-verter o seu papel de transmissoras de idéias e significados. É a interpre-tação gramatical ou literal que delimita o espaço dentro do qual o intér-prete vai operar, embora isso possa significar zonas hermenêuticas mui-to extensas. A esse propósito, já decidiu o Tribunal Constitucional

Federal alemão: "Através da interpretação não se pode dar a uma lei ine-quívoca em seu texto e em seu sentido, um sentido oposto;não se pode determinar de novo, no fundamental, o conteúdonormativo da norma que há de ser interpretada; não se podefaltar ao objetivo do legislador em um ponto essencial". 100. Raúl Canosa Usera, Interpretación constitucional y fórmula política, cit., p. 95. 101. BVerfGE, 11, 126 (130). V. Klaus Stern, Derecho del Estado de la República FederalAlemana, cit., p. 283. O intérprete da Constituição deve partir da premissa de que todas aspalavras do Texto Constitucional têm uma função e um sentido próprios.Não há palavras supérfluas na Constituição, nem se deve partir do pres-suposto de que o constituinte incorreu em contradição ou obrou com mátécnica. Idealmente, ademais, deve o constituinte, na medida do possível,empregar as palavras com o mesmo sentido sempre que tenha de repeti-las em mais de uma passagem. De toda sorte, a eventual equivocidadedo Texto deve ser remediada com a busca do espírito da norma e o recursoaos outros métodos de interpretação. Veja-se, no particular, a posição se-vera - talvez exageradamente severa - do Ministro Sydney Sanches,em sua crítica à linguagem da Carta de 1988: "Porém, muito embora a teoria do Direito Constitucio-nal aponte para a presunção de correção dos termos pousa-dos nas constituições, ante o alto grau de elaboração e aná-lise a que foi submetido o texto, não se haverá olvidar queo nosso processo constituinte foi feito de maneira bastanteinsatisfatória e atravancada, apesar do longo períodoelaborativo, legando à Norma Suprema o infeliz apelido de"colcha de retalhos". Deve ser visto com a devida cautela ocritério interpretativo de conceder muita importância ao usodos termos, haja vista a freqüência com que usou-se umtermo por outro na Constituição Federal". 102. Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, cit., p. 140. 103. Nem sempre isso é possível, como lembra Linares Quintana, Reglas para la interpretaciónconstitucional, cit., p. 80, citando lição de John Marshall. 104. RTJ, 143:27, 1993, ADIn 378-DF (Medida Liminar), rel. Min. Sydney Sanches. Por fim, deve o intérprete fiar-se no pressuposto de que, quando anova Constituição mantém em algum dispositivo a mesma linguagem daantiga, presume-se que não desejou modificar a interpretação que se davaao preceito no regime anterior. Essa é uma regra generalizadamente acei-ta, que deve, contudo, ser aplicada cum grano salis. É preciso confirmarse permanecem, ainda, o mesmo espírito, os mesmos princípios e sobre-tudo os mesmos valores do Texto anterior. Aplicar uma nova Constituiçãosem atenção a isso gera uma das patologias do constitucionalismo nacio-nal, que é a interpretação retrospectiva (v. supra). 105. V. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, cit., p. 311. A propósito,veja-se a pertinente observação de Linares Quintana, Reglas para la interpretación constitucional,cit., p. 72: "En las reformas parciales de una Constitución, los constituyentes deben cuidar demantener la uniformidad del estilo entre los preceptos anteriores y nuevos. De lo contrario, lasenmiendas aparecerán a simple vista como verdaderos remiendos, cuya inconveniencia surge no

sólo desde el punto de vista de la estilística constitucional, sino también como defecto de fondosusceptible de oscurecer la interpretación del Texto Supremo".

II - A interpretação histórica A interpretação histórica consiste na busca do sentido da lei atravésdos precedentes legislativos, dos trabalhos preparatórios e da occasiolegis. Esse esforço retrospectivo para revelar a vontade histórica dolegislador pode incluir não só a revelação de suas intenções quando daedição da norma como também a especulação sobre qual seria a suavontade se ele estivesse ciente dos fatos e idéias contemporâneos. So-bre ela escreveu Carlos Maximiliano: "Relativamente ao elemento histórico propriamentedito, há dois extremos perigosos: o excessivo apreço e ocompleto repúdio. (...) Além do elemento histórico propriamente dito,constituído pelo direito anterior, do qual o vigente é apenasum desdobramento, existe, sob a mesma denominação ge-ral, outro fator de exegese, que os autores designam com asexpressões - Materiais Legislativos ou Trabalhos Prepa-ratórios. (...) Os materiais legislativos têm alguma utilidade paraa Hermenêutica; embora não devam ser colocados na pri-meira linha". 106. V. José de Oliveira Ascensão, O direito. Introdução e teoria geral, cit., p. 394-5. Para adistinção entre occasio legis e ratio legis, v. infra. 107. V. Winfried Brugger, Legal interpretation, schools of jurisprudence, and anthropology...,American Journal of Comparative Law, 42:395, p. 403. 108. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, cit., p. 140-3. Apesar de desfrutar de certa reputação nos países que adotam ocommon law, o elemento histórico tem sido o menos prestigiado na mo-derna interpretação levada a efeito nos sistemas jurídicos da tradiçãoromano-germânica. A maior parte da doutrina minimiza o papel dosprojetos de lei, das discussões nas comissões, relatórios, debates emplenário. Alguns autores condenam de forma radical a sua utilização,e a jurisprudência também a tem em baixa conta, como revela, e. g., aseguinte passagem constante de voto do Ministro Celso de Mello, doSupremo Tribunal Federal: "Não me parece, por isso mesmo, Sr. Presidente, devaconferir-se um valor subordinante, no processo de inter-pretação da Lei Fundamental, quer aos trabalhos parlamen-tares, quer a vontade e à intenção originárias do legisladorconstituinte. (...) O originalismo contudo - enquanto de-signação doutrinária desse método de interpretação - pos-sui um peso específico, porém relativo, (...) na exata medi-da em que os seus postulados não condicionam e nem vin-culam o intérprete na definição e na fixação do alcance dosentido normativo das regras constitucionais. (...) Os con-dicionamentos hermenêuticos impostos pela exacerbaçãoda vontade do legislador constituinte, e da intenção que oanimava em determinado momento histórico, reduziriam,de modo extremamente inconveniente, a interpretação cons-titucional, a uma "dimensão voluntarista" (J. J. GomesCanotilho), que se revela de todo incompatível com o ver-dadeiro significado da Constituição...". 109. V. Geraldo Ataliba, Limites à revisão constitucional, Separata da Revista Trimestral de

Direito Público, 1:6, 1993: "... o jurista sabe que a eventual intenção do legislador nada vale (ounão vale nada) para a interpretação jurídica. A Constituição não é o que os constituintes quiseramfazer; é muito mais que isso: é o que eles fizeram. O jurista trabalha como direito positivo (posto).A lei é mais sábia que o legislador. (...) Os juristas não perdem mais tempo em expor os argumentostendentes a expressar o postulado hermenêutico elementar segundo o qual o desejo do legislador,sua vontade e seus processos subjetivos motivacionais não têm valor para a exegese jurídica". 110. RTJ, 134:963, 1990, p. 998-9, Embgs. na ADIn 27-DF, rel. Min. Aldir Passarinho. Sem embargo dessa visão crítica, o elemento histórico desempenhana interpretação constitucional um papel mais destacado do que na in-terpretação das leis. Isso se torna especialmente verdadeiro em relaçãoa Constituições ainda recentes". Fórmulas e institutos aparentementeincompreensíveis encontram explicitação na identificação de sua causahistórica. Aliás, o Preâmbulo das Constituições é freqüentemente umesforço de prolongar no tempo o espírito do momento constituinte. Emveemente defesa da interpretação histórica em matéria constitucional,Pietro Merola Chierchia sustenta que o que se interpreta na norma não éapenas o seu conteúdo aparente, mas todo o substrato de valores históri-cos, políticos e ideológicos que estão na origem da Constituição. Não setrata da vontade individual ou somada dos constituintes, mas, sim, davontade social de que aqueles foram portadores, entendida como sínte-se de valores, sentimentos e aspirações comuns, traduzidos, no planonormativo, nos princípios constitucionais. 111. Anna Candida da Cunha Ferraz, Processos informais de mudança da Constituição, cit.,p. 42. 112. Veja-se, por exemplo, o habeas data, criado pelo art. 5º, LXXII, que só se justifica comouma reação ao abuso à manipulação de informações durante o regime militar. 113. P. M. Chierchia, L’interpretazione sistematica della Costituzione, cit., p. 218 e s. Claro que há limites a serem impostos à interpretação histórica. Nemmesmo o constituinte originário pode ter a pretensão de aprisionar ofuturo. A patologia da interpretação histórica é o originalismo, ao qualjá se fez referência anteriormente. John Hart Ely, professor america-no autor de um livro clássico, sustenta, com propriedade, que tal movi-mento - de certa forma abrangido no conceito mais amplo deinterpretativismo - não é compatível com os princípios democráticos.A defesa da idéia de subordinação de todas as gerações futuras à vonta-de que aprovou a Constituição contrasta com a idéia de Jefferson,generalizadamente aceita, de que a Constituição deve ser reafirmada acada geração, sendo, conseqüentemente, um patrimônio dos vivos. 114. Sobre o tema, além da bibliografia já mencionada, v. também José Antonio EstévezAraujo, La Constitución como proceso y la desobediencia civil, cit., p. 72 e s. 115. John Hart Ely, Democracy and distrust, 1980, p. 12-4. Um exemplo caricato de interpretação histórica não evolutiva, peloapego ao originalismo, foi dado pela Suprema Corte americana no jul-gamento de Olmstead vs. United States, onde o Chief Justice Taft consi-derou que a interceptação telefônica não violava a 4ª Emenda (que vedaprovas ilegais e buscas e apreensões sem ordem judicial) porque, quan-do seu texto foi redigido, em 1791, não existia telefone". 116. 277 U. S.438(1928).

III - A interpretação sistemática

Uma norma constitucional, vista isoladamente, pode fazer poucosentido ou mesmo estar em contradição com outra. Não é possível com-preender integralmente alguma coisa - seja um texto legal, uma histó-ria ou uma composição - sem entender suas partes, assim como não épossível entender as partes de alguma coisa sem a compreensão dotodo". A visão estrutural, a perspectiva de todo o sistema, é vital. 117. Murphy. Fleming e Harris, II, American constitutional interpretation, 1986, p. 292. O método sistemático disputa com o teleológico a primazia no pro-cesso interpretativo. O direito objetivo não é um aglomerado aleatóriode disposições legais, mas um organismo jurídico, um sistema de pre-ceitos coordenados ou subordinados, que convivem harmonicamente. Ainterpretação sistemática é fruto da idéia de unidade do ordenamentojurídico. Através dela, o intérprete situa o dispositivo a ser interpretadodentro do contexto normativo geral e particular, estabelecendo as cone-xões internas que enlaçam as instituições e as normas jurídicas". Embela passagem, registrou Capograssi que a interpretação não é senão aafirmação do todo, da unidade diante da particularidade e da fragmen-taridade dos comandos singulares. 118. Sobre o tema, vejam-se Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, cit., p.143; Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico, cit., p. 76; José de Oliveira Ascensão. Odireito. Introdução e teoria geral, cit., p. 391-2; Maria da Conceição Ferreira Magalhães, Ahermenêutica jurídica, 1989, p. 37. Raül Canosa Usera, em observação interessante, opina que aidéia de sistematicidad se refere, também, ao resto dos elementos. Segundo ele, os resultadosparciais obtidos pelo uso de cada um dos métodos de interpretação devem ser postos em relação unscom os outros através do elemento sistemático (Interpretación constitucional y formula política,cit., p. 97). 119. G. Capograssi, II problema della scienza del diritto, 1962, p. 113: "E questo ê in fondotutto il magistero dell’interpretazione: scoprire nella singola posizione il tutto, cogliere la singolaposizione come determinazione del tutto. L’interpretazione non ê che l’affermazione del tutto, dellaunità di fronte alla particolarità e alla frammentarietà dei singoli comandi" (apud P. M. Chierchia,L´interpretazione sistematica della Costituzione, cit., p. 244-5). No centro do sistema, irradiando-se por todo o ordenamento, en-contra-se a Constituição, principal elemento de sua unidade, porque aela se reconduzem todas as normas no âmbito do Estado. A Constitui-ção, em si, em sua dimensão interna, constitui um sistema. Essa idéia deunidade interna da Lei Fundamental cunha um princípio específico, de-rivado da interpretação sistemática, que é o princípio da unidade daConstituição, para o qual se abre um capítulo específico mais adiante. AConstituição interpreta-se como um todo harmônico, onde nenhum dispo-sitivo deve ser considerado isoladamente. Mesmo as regras que regemsituações específicas, particulares, devem ser interpretadas de forma quenão se choquem com o plano geral da Carta. Além dessa unidade inter-na, a Constituição é responsável pela unidade externa do sistema. 120. Sobre estes aspectos, vejam-se Linares Quintana, Reglas para la interpretación consti-tucional, cit., p. 84-7, e Anna Candida da Cunha Ferraz, Processos informais de mudança da Cons-tituição, cit., p. 42-3, onde assinalou: "... se a interpretação sistemática é necessária e até indispen-

sável para aclarar o sentido de qualquer norma jurídica, mais necessária ainda se apresenta nainterpretação da Constituição, que é, em si mesma, concebida pelo legislador constituinte como umsistema". Uma Constituição, ao menos nos países que experimentaram ainstabilidade institucional e viveram processos de reconstitu-cionalização - ou seja, quase todos os países do mundo -, convive,normalmente, com uma ordem jurídica infraconstitucional que prece-de a sua promulgação. Essa convivência, inclusive, é um capítulo es-pecífico do direito constitucional intertemporal (v. supra) e gera umimportante princípio, que é o da continuidade da ordem jurídica. Orabem: a ordem jurídica infraconstitucional é elaborada ao longo do tem-po, no curso de muitas décadas, e espelha períodos históricos diversos,regimes políticos ideologicamente contrastantes e exigências particula-res e contingentes de cada época. Pode parecer implausível a tarefa deencontrar coerência e sistematicidade em normas jurídicas sujeitas ainfluências tão aleatórias e variadas. Essa tarefa, de fato, não seviabilizaria se todas as normas, mesmo as anteriores à Constituição emvigor, não recebessem dela um novo fundamento de validade, subordi-nando-se aos valores e princípios nela consagrados. Só essa sofisticadaoperação de racionalidade pode conferir a um conjunto de remendosalinhavados ao longo do tempo um caráter unitário e sistemático. O mais amplo estudo sobre a interpretação sistemática do direitoconstitucional se deve a Pietro Merola Chierchia. Destaca ele aessencialidade da investigação sistemática na interpretação constitucio-nal, em razão da lógica particular segundo a qual a Constituição éestruturada como complexo orgânico de disposições que se apresentam,em seu conjunto, como uma unidade. Segundo o autor italiano, deve-sereconhecer à interpretação sistemática uma posição de "prioridade lógi-ca com respeito aos outros critérios interpretativos". No Brasil, a in-terpretação sistemática em matéria constitucional é freqüentementeinvocada pelo Supremo Tribunal Federal e desfruta, de fato, de grandeprestígio na jurisprudência em geral. Sobre ela, escreveu o ex-Minis-tro Antônio Neder: "É o que em seguida será demonstrado pela interpreta-ção sistemática, a mais racional e científica, e a que maisse harmoniza como método do Direito Constitucional, exa-tamente a que aproxima da realidade o intérprete". 121. P. M. Chierchia, L’interpretazione sistematica della Costituzione, cit., p. 243 e s. 122. V. RTJ, 133:6, 1990, p. 7, 140:306, 1992, 143:391, 1992, p. 408, 143:27, 1993, p. 32, e144:175, 1990, p. 183. 123. Rep. n. 846-RJ, rel. Min. Antônio Neder, Representações por inconstitucionalidade:dispositivos de Constituições estaduais, 93, 1976,1. 2, p. 107.

IV - A interpretação teleológica As normas devem ser aplicadas atendendo, fundamentalmente, aoseu espírito e à sua finalidade. Chama-se teleológico o métodointerpretativo que procura revelar o fim da norma, o valor ou bem jurídi-co visado pelo ordenamento com a edição de dado preceito. A formula-ção teórica da interpretação teleológica é tributária dos estudos deHeck, Geny e, sobretudo, Ihering. Nada obstante, a jurisprudên-cia norte-americana, menos fecunda em formulações abstratas, mas degrande visão pragmática, já captara a relevância superior da finalidadeda norma, sobretudo na interpretação constitucional. De fato, em 1819,no julgamento do caso McCullough vs. Maryland, a Suprema Corte, aodefinir a esfera de competência legislativa do Congresso, estabeleceu: "Desde que os fins sejam legítimos; desde que se si-

tuem no âmbito e nos objetivos da Constituição, todos osmeios que sejam apropriados e se ajustem plenamente atais fins, que não sejam proibidos e sejam coerentes com aletra e o espírito da Constituição, são constitucionais". 124. É o que dispõe o art. 3.1 do Título Preliminar do Código Civil espanhol. 125. V., em português, Philipp Heck, Interpretação da lei e jurisprudência dos interesses, 1947. 126. V. François Geny, Méthode d’interprétation en droit privé positif, 1954. 127. V., em português, Rudolf von Ihering,A finalidade do direito, 1979. 128. 4 Wheat 316 (1819). A interpretação histórica cuida, como se assinalou, da occasio legis,isto é, da circunstância histórica que gerou o nascimento da lei e que cons-titui sua finalidade imediata. É certo, todavia, que a modificação de taiscircunstâncias ou mesmo a sua cessação não exercem qualquer influênciasobre o valor jurídico da norma. Daí a necessidade de se trabalhar um outroconceito - o de ratio legis -, que constitui o fundamento racional danorma e redefine ao longo do tempo a finalidade nela contida. A ratio legisé uma "força vivente móvel" que anima a disposição e a acompanha emtoda a sua vida e desenvolvimento. A finalidade de uma norma, portanto,não é perene, e pode evoluir sem modificação de seu texto. 129. Sobre o tema, v. Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, cit., p. 142. Carlos Maximiliano não hesita em proclamar o método teleológicocomo o que merece preponderância na interpretação constitucional.Também Story sustenta que provavelmente a mais segura regra de inter-pretação é a que se volta para a natureza e objetivos dos direitos, deverese competências específicas, "dando às palavras que os exprimem umaforça e função compatíveis com seu legítimo significado, de modo quese possa justamente assegurar e lograr os fins propostos". Em passa-gem freqüentemente lembrada, averbou o Ministro Espínola, quando noSupremo Tribunal Federal: "O uso do método teleológico - busca do fim - podeensejar transformação do sentido e conteúdo que parece emer-gem da fórmula do texto, e também pode acarretar a inevitá-vel conseqüência de, convencendo que tal fórmula traiu, real-mente, a finalidade da lei, impor uma modificação do texto,que se terá de admitir com o máximo de circunspecção e demoderação, para dar estrita satisfação à imperiosa necessi-dade de atender ao fim social próprio da lei". 130. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, cit., p. 314. 131. Joseph Story, Commentaries on the Constitution of the United States, 1905, v. 1, p. 307-8. 132. V. Anna Cândida da Cunha Ferraz, Processos informais de mudança da Constituição,cit., p. 43. 133. Para uma ampla análise desse dispositivo, v. Alipio Silveira, Hermenêutica no direitobrasileiro, cit., v. 1, p. 44 e s. A Constituição e as leis, portanto, visam a acudir certas necessida-des e devem ser interpretadas no sentido que melhor atenda à finalidadepara a qual foi criada. O legislador brasileiro, em uma das raras exce-ções em que editou uma lei de cunho interpretativo, agiu, precisamente,para consagrar o método teleológico, ao dispor, no art. 5º da Lei deIntrodução ao Código Civil, que na aplicação da lei o juiz atenderá aosfins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Nemsempre é fácil, todavia, desentranhar com clareza a finalidade da nor-ma. À falta de melhor orientação, deverá o intérprete voltar-se para asfinalidades mais elevadas do Estado, que são, na boa passagem de Mar-

celo Caetano, a segurança, a justiça e o bem-estar social. 134. Marcelo Caetano, Direito constitucional, 1987, p. 181-6. A Constituição brasileira de 1988, em seu Título I, dedicado aosprincípios fundamentais, abriu um artigo específico para as finalidadesdo Estado brasileiro, cuja consecução deve figurar como vetor inter-pretativo de toda a atuação dos órgãos públicos. É o que decorre do art. 3ºe seus incisos, in verbis: "Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da Repú-blica Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduziras desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos deorigem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas dediscriminação".

e) Integração da vontade constitucional. Analogia e costume constitu-cional Divulga o conhecimento convencional que não existem lacunas nodireito, mas apenas na lei. A omissão, lacuna ou silêncio da lei consistena falta de regra jurídica positiva para regular determinado caso. Aordem jurídica, todavia, tem uma pretensão de completude, e não seconcebe a existência de nenhuma situação juridicamente relevante quenão encontre uma solução dentro do sistema. O processo de preenchi-mento de eventuais vazios normativos recebe o nome de integração.Nela não se cuida, como na interpretação, de revelar o sentido de umanorma existente e aplicável a dada espécie, mas de pesquisar noordenamento uma norma capaz de reger adequadamente uma hipóteseque não foi expressamente cogitada pelo legislador. A Constituição de1934 impunha ao intérprete e aplicador do direito o dever de integrar aordem jurídica, ao dispor no art. 113, inciso 37: "Nenhum juiz deixaráde sentenciar por motivo de omissão na lei". As Constituições subse-qüentes não reeditaram a regra, que, todavia, ganhou assento na Lei deIntrodução ao Código Civil e no Código de Processo Civil. 135. Oscar Tenório, Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, 1955, p. 106. 136. Art. 4º: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá ocaso de acordo com a analogia, oscostumes e os princípios gerais de direito". 137. Art. 126: "O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscurida-de da lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá àanalogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito". 138. Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, cit., p. 157. As lacunas na legislação podem ser de várias espécies, inclusiveintencionais - frutos da omissão deliberada do legislador - einvoluntárias, quando ocorrem por deficiência do legislador ou pelasuperveniência de situações inexistentes à época da edição da normaHá alguma controvérsia acerca da existência de lacunas constitucionais.De fato, há plausibilidade na suposição de que, onde o constituinte foiomisso ou silente, é porque não quis cuidar da matéria, relegando-a àlegislação infraconstitucional. Sem dúvida alguma, a lacuna pode ex-pressar uma opção política. Mas nem sempre é assim. Captando a evi-dência, Karl Loewenstein distingue, com propriedade, entre lacuna cons-titucional descoberta e oculta. 139. V. Anna Candida da Cunha Ferraz, Processos informais de mudança da Constituição,cit., p. 192.

140. Karl Loewenstein, Teoría de la Constitución, 1986, p. 170-2. Admitida a possibilidade da existência de lacuna constitucional, tor-na-se necessário recorrer aos dois principais meios de integração da or-dem jurídica: a analogia e o costume. A analogia consiste na aplicaçãode uma regra jurídica concebida para uma dada situação de fato a umaoutra situação semelhante, mas que não fora prevista pelo legislador.Diz-se tratar-se de analogia legis quando é possível recorrer a uma regraespecífica apta a incidir sobre a hipótese, e de analogia iuris quando asolução precisa ser buscada no sistema como um todo, por não havernenhuma regra diretamente pertinente. Naturalmente, não será possí-vel, em matéria constitucional, buscar a integração analógica na legisla-ção infraconstitucional. Ou o constituinte atribuiu o tratamento da ma-téria à lei ordinária - e não se estará diante de uma lacuna -, ou asolução do vazio normativo terá de ser buscada nos princípios da pró-pria Constituição. A rigor, o caráter vago e abrangente da norma consti-tucional torna mais corriqueiro o uso de construções constitucionais doque o emprego da analogia. A analogia constitucional, como intuitivo, não cria direito nem co-loca o intérprete na posição de legislador constituinte. Através dela sevai buscar no sistema constitucional um direito que já existe, em estadolatente. Há domínios em que o recurso à analogia não é legítimo, comono direito penal e tributário, onde, por força de princípios constitucio-nais, exige-se legalidade estrita. De outra parte, a despeito da similitude,não se confundem a analogia e a interpretação extensiva, haja vista quenesta segunda hipótese não há lacuna, mas apenas uma situação em queo legislador disse menos do que queria. Não se confundem, por igual,as lacunas - que são situações constitucionalmente relevantes não pre-vistas - e as omissões legislativas - que são situações previstas notexto constitucional, mas dependentes da intermediação do legisladorordinário para produção da plenitude de seus efeitos. Por fim, é precisodistinguir, como faz com proveito a doutrina alemã, entre lacuna e si-lêncio eloqüente. Em palavras do Ministro Moreira Alves: "Sucede, porém, que só se aplica a analogia quando,na lei, haja lacuna, e não o que os alemães denominam de"silêncio eloqüente" (beredtes Schweigen), que é o silêncioque traduz que a hipótese contemplada é a única a que seaplica o preceito legal, não se admitindo, portanto, aí oemprego da analogia". 141. V. Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, cit., p. 361, e Raul Canosa Usera,Interpretación constitucional y fórmula política, cit., p. 105. 142. V. Miguel Reale, Lições preliminares de direito, 1990, p. 294; Raúl Canosa Usera,Interpretación constitucional y fórmula política, cit., p. 105. 143. V. Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis, cit., p. 162: "De facto, uma (aanalogia) se aplica quando um caso não é contemplado por uma disposição de lei, enquanto a outrapressupõe que o caso já está compreendido na regulamentação jurídica, entrando no sentido dumadisposição, se bem que fuja à sua letra". 144. RTJ, 739:965, 1992, p. 967, RE 130.555-SP, rel. Min. Moreira Alves. Outras tantasdecisões do STF fazem menção à analogia, como se vê, ilustrativamente, em RTJ, 128:956, 1989,e 140:457, 1992. Cabe, em seguida, tratar do costume constitucional, cuja mençãoevoca, desde logo, o constitucionalismo consuetudinário mais famoso,que é o britânico. O direito constitucional inglês se consubstancia emalguns documentos históricos - como a Magna Charta, de 1215, aPetition of Right, de 1628, e o Bill of Rights, de 1689 -, em algumas

leis escritas - como o Parliament Act, de 1911 e de 1949, o Statute ofWestminster, de 1931, e o Administration of Justice Act, de 1968 - e,sobretudo, no costume constitucional, representado por certas práticastradicionais e pelo reconhecimento de faculdades e de poderes a órgãose cidadãos. Merece registro a pertinente observação de Afonso Arinosde Mello Franco de que a Constituição inglesa, embora costumeira eteoricamente flexível, varia menos na aplicação do que grande númerode Constituições escritas e supostamente rígidas. 145. Para um proveitoso resumo da experiência constitucional britânica, v. Marcelo Caetano,Direito constitucional, cit., v. 1, p. 67 e s. 146. Afonso Arinos de Mello Franco, Curso de direito constitucional brasileiro, 1968, p. 52. O costume, ensina a doutrina clássica, é a primeira fonte subsidiáriado direito. O costume jurídico ou direito consuetudinário é a observaçãoconstante de uma norma jurídica não baseada em lei escrita. Nele se des-tacam dois elementos: o externo ou objetivo, que é o uso, a repetiçãohabitual de um dado comportamento, e o interno ou subjetivo, que é aopinio necessitatis, que se traduz na convicção de que aquele comporta-mento é necessário e obrigatório. 147. V., por todos, Clóvis Beviláqua, Teoria geral do direito civil, 1976, p. 30; Alípio Silveira,Hermenêutica no direito brasileiro, cit., p. 317-21; José de Oliveira Ascensão, O direito. Introdu-ção e teoria geral, cit., p. 241-2. Nos sistemas constitucionais escritos e rígidos, como o brasileiro, ocostume não é fonte originária de qualquer norma constitucional. AsConstituições, em geral, a ele não fazem menção, e há quem sustente,com certo radicalismo, que somente os órgãos de representação popularpodem legitimamente produzir normas jurídicas obrigatórias". A ver-dade, todavia, é que o costume constitucional tem duplo e relevantepapel, quer para a integração da ordem constitucional em caso de lacu-na, quer como fonte auxiliar da interpretação constitucional. O costu-me, a prática constitucional, é um importante ponto de referencia napassagem do campo normativo para o terreno da realidade. Versando otema, Carlos Maximiliano, inspirado em lição de Story, advertiu: "A prática constitucional longa e uniformemente acei-ta pelo Poder Legislativo, ou pelo Executivo, tem mais va-lor para o intérprete do que as especulações engenhosasdos espíritos concentrados. São estes, quase sempre, aman-tes de teorias e idéias gerais, não habituados a encontrardificuldades e resolvê-las a cada passo, na vida real, comosucede aos homens de Estado, coagidos continuamente aadaptar a letra da lei aos fatos inevitáveis". 148. V. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 947, e Anna Candida da CunhaFerraz, Processos informais de mudança da Constituição, cit., p. 183, que apenas registram aexistência do ponto de vista, sem endossá-lo. Em sentido diverso, v. Alberto Ramón Real, Losmétodos de interpretación constitucional, RDP, 53-54:50, p. 57: "las costumbres, prácticas, usos,convenciones y normas de corrección constitucional en que se expresa la vida política real integranla Constitución material y su conocimiento es necesario para determinar el régimen político exis-tente, el grado de eficacia y el contenido verdadero de la Constitución formal". 149. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, cit., p. 313. Embora se deva distinguir o costume, que é um conceito jurídico,da mera prática, que é uma situação de fato, é pertinente observar que

muitas vezes a Constituição formal desempenha um papel puramentesimbólico, quando não escamoteador. Assim se passou com a Constitui-ção brasileira de 1937 e, em significativa medida, com as de 1967-69.Há casos em que o Texto Constitucional é uma pura hipótese, sendo arealidade da Constituição muito mais representada pelas praxes e costu-mes que cercam a sua aplicação. A Constituição material, efetiva, deum Estado pode mais facilmente ser identificada nos costumes e praxesconstitucionais do que no texto propriamente dito. 150. V. Afonso Arinos de Mello Franco, Curso de direito constitucional brasileiro, cit., p. 52. A doutrina aceita, sem maiores reservas, o costume secundumconstitutionem e praeter constitutionem, mas rejeita, por inadmissível,o costume constitucional contra constitutionem. E é natural que sejaassim. A realidade, contudo, oferece situações renitentes ou rotineirasem que a norma constitucional é inobservada, sem que se mobilizem osmecanismos de sanção. São exemplos desse fato a persistência de omis-sões legislativas, o desrespeito reiterado das normas orçamentárias, inclu-sive as que estabelecem limites de despesas com pessoal e tetosremuneratórios, e a discutível legitimidade da figura do voto de lideranças".Exemplo de costume praeter constitutionem é o descumprimento, pelo PoderExecutivo, de leis que repute inconstitucionais, comportamento que não tembase constitucional expressa, mas é consagrado pelo uso (v. infra). 151. Sobre o tema, tendo tal prática por inconstitucional, já no regime anterior, v. José PauloSepúlveda Pertence, Voto de liderança, parecer publicado em RDP, 76:57,1985.

4. A interpretação constitucional evolutiva Já se expôs, um pouco mais atrás, a prevalência, na moderna doutri-na, da concepção objetiva da interpretação, pela qual se deve buscar,não a vontade do legislador histórico (a mens legislatoris), mas a vonta-de autônoma que emana da lei. O que é mais relevante não é a occasiolegis, a conjuntura em que editada a norma, mas a ratio legis, o funda-mento racional que a acompanha ao longo de toda a sua vigência. Este éo fundamento da chamada interpretação evolutiva. As normas, ensinaMiguel Reale, valem em razão da realidade de que participam, adqui-rindo novos sentidos ou significados, mesmo quando mantidas inalteradasas suas estruturas formais. 152. Miguel Reale, Filosofia do direito, 1982, p. 594. Sem que se opere algum tipo de ruptura na ordem constituída -como um movimento revolucionário ou a convocação do poder cons-tituinte originário -, duas são as possibilidades legítimas de muta-ção ou transição constitucional: (a) através de uma reforma do tex-to, pelo exercício do poder constituinte derivado, ou (b) através dorecurso aos meios interpretativos. A interpretação evolutiva é umprocesso informal de reforma do texto da Constituição. Consiste elana atribuição de novos conteúdos à norma constitucional, sem modi-ficação do seu teor literal, em razão de mudanças históricas ou defatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente dosconstituintes. 153. V. Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, cit., p. 376; Raul Machado Horta,Permanência e mudança na Constituição, Separata da Revista Brasileira de Estudos Políticos, n.74, 1992, p. 243 e s.; J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 235-6; e Manuel Garcia-Pelayo, Derecho constitucional comparado, 1984, p. 137. 154. Anna Candida da Cunha Ferraz, Processos informais de mudança da Constituição, cit.,p. 45. V., também, Alberto Ramón Real, Los métodos de interpretación constitucional, cit., p. 57: "La

interpretación evolutiva facilita la dinâmica vital de la Constitución, al renovar y enriquecer, connuevos contenidos, reclamados por la historia, los antiguos textos, evitando su fosilización". WoodrowWilson, em seu clássico Constitutional government in the United States, 1908, remarcando aevolutividade dos governos constitucionais, afirmou: "O Governo não é uma máquina, mas umacoisa viva... Ele deve contas a Darwin, e não a Newton". Essa interpretação evolutiva se concretiza, muitas vezes, através denormas constitucionais que se utilizam de conceitos elásticos ouindeterminados, como os de autonomia, função social da propriedade,redução das desigualdades etc., que podem assumir significados variadosao longo do tempo. Por vezes, uma emenda constitucional, introduzindomodificação em algum subsistema constitucional, pode alterar a com-preensão de conceitos e institutos já existentes. 155. V. P. M. Chierchia, L´interpretazione sistematica della Costituzione, cit., p. 65. Tenha-secomo exemplo a Reforma Administrativa introduzida pela Emenda Constitucional n. 19/98, quesubstancialmente alterou a compreensão de institutos como o limite máximo de remuneração e aestabilidade dos servidores públicos (na redação dada aos arts. 37, XI, e 41, respectivamente). Na prática do direito constitucional norte-americano, a interpretaçãoevolutiva desempenha papel da maior significação, tanto no campo dodevido processo legal (v. infra) como no da criação de novos direitos nãoprevistos expressamente (e. g., o direito à privacidade) e no da igualdadeperante a lei, notadamente a de cunho racial. A esse propósito, é ilustrativoassinalar que a versão original da Carta de 1787 permitia, na seção 2 doart. 1º, o regime da escravidão. Em 1857, ao julgar o caso Dred Scott vs.Sandford, a Suprema Corte chegou a negar a condição de cidadão a um tilescravo. Após 76 anos e uma guerra civil, a 13ª emenda, de 1865, aboliua escravatura. Investidos de cidadania, ainda assim os negros eram larga-mente discriminados, com a chancela dos poderes estatais. 156. 60U. S. (19 How.) 393 (1857). Em 1896, ao decidir o caso Plessy vs. Ferguson, a Suprema Corteendossou a doutrina do equal but separate - iguais, mas separados -,forma dissimulada de discriminação praticada em diversos Estados. So-mente em 1954, ao julgar Brown vs. Board of Education, a Corte conside-rou inconstitucional a segregação de estudantes negros nas escolas públi-cas, em decisão que se tornou um marco na política de integração racial.Constata-se, assim, que, na vigência de uma mesma Constituição, o trata-mento dado aos negros evoluiu da discriminação total para a discrimina-ção atenuada, e, depois, para a não-discriminação. 157. Para um amplo e interessante painel da interpretação evolutiva na experiência constitucionalnorte-americana, v. Morton J. Horwitz, Foreword: the Constitution of change..., Harvard law Review,107:27, 1993. Para Horwitz, os dois momentos culminantes do constitucionalismo americano foram,precisamente, duas mudanças de orientação jurisprudencial decididas pela Suprema Corte: o primeirodeles foi a superação da doutrina Lochner. Conforme se verá em maior detalhe adiante, desde a decisãoem Lochner vs. New York, de 1905, a Suprema Corte passou a considerar inconstitucional toda e qual-quer legislação social e intervencionista. Essa orientação só veio a ser superada na década de 30, após oNew Deal, sob o impacto de um confronto direto entre a Corte e o Presidente Roosevelt (v. infra); o

segundo foi a superação do precedente firmado em Plessy vs. Ferguson, em 1896, que coonestara ahipocrisia discriminatória do iguais, mas separados, pela corajosa decisão integracionista de Brown, em1954 (Foreword: the Constitution of change...,Harvard Law Review, 107:27, cit., p. 71). Na América Latina, como lembra Anna Candida da Cunha Ferraz, einclusive no Brasil, uma longa tradição autoritária mantém a interpreta-ção constitucional evolutiva, através do Poder Judiciário, em limites ex-tremamente contidos. De fato, a história do continente é estigmatizadapela hipertrofia do Executivo, pela quebra das garantias da magistratu-ra, por reformas constitucionais casuísticas e pela instabilidade consti-tucional constante. Aliás, em lugar de evolução, freqüentemente o quese verifica é uma deformação, onde a interpretação constitucional judi-cial convalida os abusos autoritários. 158. Anna Candida da Cunha Ferraz, Processos informais de mudança da Constituição, cit.,p. 133-4. Não obstante isto, existem alguns precedentes interessantes de apli-cação evolutiva da Lei Fundamental, pela intervenção criativa dos tribu-nais, isto é, através de construções constitucionais. Dentre elas se destacasempre a chamada doutrina brasileira do "habeas corpus", consubstan-ciada na extensão do instituto a outras situações de ilegalidade e abuso depoder que não aquelas relativas à liberdade de locomoção. Foi igual-mente por construção pretoriana que se criaram regras de proteção à mu-lher, notadamente a que vivia, maritalmente com um homem, sem ser ca-sada. A Constituição de 1988 bem espelhou esta longa evolução, con-signando em seu texto, no art. 226, § 3º: "Para efeito da proteção do Esta-do, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entida-de familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento". 159. Sobre o tema, v. M. Seabra Fagundes, Meios institucionais de proteção dos direitosindividuais, Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 10:115, 1977, p. 120-2. 160. Veja-se a evolução da matéria no Supremo Tribunal Federal, nos termos em que materiali-zada na Súmula da jurisprudência predominante: 35: "Em caso de acidente do trabalho ou de transpor-te, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedi-mento para o matrimônio"; 380: "Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos,é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum"; e447: "É válida a disposição testamentária em favor de filho adulterino do testador com sua concubina". Naturalmente, a interpretação evolutiva, sem reforma da Constitui-ção, há de encontrar limites. O primeiro deles é representado pelo pró-prio texto, pois a abertura da linguagem constitucional e a polissemia deseus termos não são absolutas, devendo estancar diante de significadosmínimos. Além disso, também os princípios fundamentais do sistemasão intangíveis, assim como as alterações informais introduzidas pelainterpretação não poderão contravir os programas constitucionais.

Capítulo II - PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO ESPECIFICAMENTE CONSTITUCIONAL

1. Os princípios constitucionais como condicionantes da interpretação constitucional O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípiosconstitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologiada Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma su-

mária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo consti-tuinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídicaque institui. A atividade de interpretação da Constituição deve começarpela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado,descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulaçãoda regra concreta que vai reger a espécie. É importante assinalar, logo de início, que já se encontra superada adistinção que outrora se fazia entre norma e princípio. A dogmática mo-derna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e asnormas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duascategorias diversas: as normas-princípio e as normas-disposição. Asnormas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restritaàs situações específicas às quais se dirigem. Já as normas-princípio, ousimplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração euma finalidade mais destacada dentro do sistema. 1. Vejam-se Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, 1983, t. 2, p. 198; J. J. GomesCanotilho, Direito constitucional, 1986, p. 172: "As regras e princípios são duas espécies de nor-mas"; e Eros Roberto Grau, A ordem económica na Constituição - interpretação e crítica, 1990,p. 122 e s. Não há, é certo, entre umas e outras, hierarquia em sentido normativo,por isso que, pelo princípio da unidade da Constituição (v. infra), todasas normas constitucionais encontram-se no mesmo plano. Isso não im-pede, todavia, que normas de mesma hierarquia tenham funções distin-tas dentro do ordenamento. De fato, aos princípios cabe, além de umaação imediata, quando diretamente aplicáveis a determinada relação ju-rídica, uma outra, de natureza mediata, que é a de funcionar como crité-rio de interpretação e integração do Texto Constitucional. Veja-se, aseguir, a elaboração doutrinária dos princípios constitucionais, com ên-fase na sua sistematização no ordenamento positivo brasileiro. 2. Sem embargo, é possível admitir a existência de uma hierarquia axiológica, como bemobserva Diogo de Figueiredo Moreira Neto (A ordem econômica na Constituição de 1988, Revistade Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, 42:57, 1990, p. 59). 3. V. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, cit., t. 2, p. 199. Ao prefaciar seu admirável Tratado de direito privado, averbou Pon-tes de Miranda que "os sistemas jurídicos são sistemas lógicos, compos-tos de proposições que se referem a situações da vida, criadas pelos inte-resses mais diversos". A função social do direito é dar valores a essassituações, interesses e bens, e regular-lhes a distribuição entre os homens. 4. Pontes de Miranda, Tratado de direito pri vado, 1954, t. 1, p. IX. Na fecunda formulação de sua teoria tridimensional do direito, de-monstrou Miguel Reale que a norma jurídica é a síntese resultante defatos ordenados segundo distintos valores. Com efeito, leciona ele, ondequer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, umfato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem téc-nica etc.); um valor, que confere determinada significação a esse fato; e,finalmente, uma norma, que representa a relação ou medida que integraum daqueles elementos ao outro, o fato ao valor. 5. Miguel Reale, Teoria tridimensional do direito, 1968, e Lições preliminares de direito,1973, especialmente p. 85 e s. Pois os princípios constitucionais são, precisamente, a síntese dosvalores mais relevantes da ordem jurídica. A Constituição, como já vi-mos, é um sistema de normas jurídicas. Ela não é um simples agrupa-mento de regras que se justapõem ou que se superpõem. A idéia de sis-

tema funda-se na de harmonia, de partes que convivem sem atritos. Emtoda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamen-tais que "costuram" suas diferentes partes. Os princípios constitucio-nais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica,irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e oscaminhos a serem percorridos. 6. Atente-se para a referência limitativa ordem jurídica, diante da evidência de que nem todosos valores podem ou devem ser realizados através do direito, como os de natureza puramente éticaou religiosa, dentre outros. V. Recaséns Siches, Nueva filosofía de la interpretación del derecho,1980, p. 284. Em passagem que já se tornou clássica, escreveu Celso AntônioBandeira de Mello: "Princípio é, por definição, mandamento nuclear de umsistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamentalque se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes oespírito e servindo de critério para sua exata compreensãoe inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionali-dade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica elhe dá sentido harmônico...". "Violar um princípio é muito mais grave do que trans-gredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofen-sa não apenas a um específico mandamento obrigatório,mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave formade ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o es-calão do princípio atingido, porque representa insurgênciacontra todo o sistema, subversão de seus valores funda-mentais". 7. Celso Antônio Bandeira de Mello, Elementos de direito administrativo, 1986, p. 230. Os grandes princípios de um sistema jurídico são normalmente enun-ciados em algum texto de direito positivo. Não obstante, e sem pretenderenveredar por discussão filosófica acerca de positivismo e jusnaturalismo,tem-se, aqui, como fora de dúvida que esses bens sociais supremos exis-tem fora e acima da letra expressa das normas legais, e nelas não se esgo-tam, até porque não têm caráter absoluto e se encontram em permanentemutação. No comentário de Jorge Miranda, "o Direito nunca poderia es-gotar-se nos diplomas e preceitos constantemente publicados e revogadospelos órgãos do poder". Deixando-se de lado os chamados princípiosgerais do direito, que constituem uma discussão à parte, é bem de verque os próprios princípios de interpretação constitucional tratados nestecapítulo, que integram, sem sombra de dúvida, o sistema constitucionalpositivo, não são, na sua generalidade, objetos de disposição expressa. 8. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, cit., t. 2, p. 197. V. também Eros Grau, Aordem econômica na Constituição, cit., p. 92. Aparentemente em sentido diverso é o comentário deJ. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 119: "... Quer as normas, quer os princípiostêm recepção positivo-constitucional (não há princípios transcendentes)". Essa afirmação é atenua-da por sua admissão de que o princípio não precisa estar consagrado expressamente em qualquerpreceito particular, podendo ser deduzido do sistema. 9. V. Eduardo García de Enterría, Reflexiones sobre la ley y los principios generales delderecho, 1986. É possível enquadrar os princípios constitucionais, quanto ao seuconteúdo, na tipologia que adotamos para as normas constitucionais em

geral. Com efeito, existem princípios constitucionais de organização,como os que definem a forma de Estado, a forma, o regime e o sistemade governo. Existem, também, princípios constitucionais cuja finalida-de precípua é estabelecer direitos, isto é, resguardar situações jurídicasindividuais, como os que asseguram o acesso à Justiça, o devido proces-so legal, a irretroatividade das leis etc. Por igual, existem princípios decaráter programático, que estabelecem certos valores a serem observa-dos - livre iniciativa, função social da propriedade ou fins a seremperseguidos, como a justiça social. 10. V. Luís Roberto Barroso, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, 1993, p.87 e s. É de maior proveito, contudo, para os fins aqui visados, sistemati-zar os princípios constitucionais de acordo com o seu grau de desta-que no âmbito do sistema e sua conseqüente abrangência. Aos princí-pios calha a peculiaridade de se irradiarem pelo sistema normativo,repercutindo sobre outras normas constitucionais e daí se difundindopara os escalões normativos infraconstitucionais. Nem todos os prin-cípios, no entanto, possuem o mesmo raio de atuação. Eles variam naamplitude de sua aplicação e mesmo na sua influência. Dividem-se,assim, em princípios fundamentais, princípios gerais e princípiossetoriais ou especiais. Princípios fundamentais são aqueles que contêm as decisões políti-cas estruturais do Estado, no sentido que a elas empresta Carl Schmitt.Constituem, como afirmam Canotilho e Vital Moreira, "síntese ou ma-triz de todas as restantes normas constitucionais, que àquelas podem serdireta ou indiretamente reconduzidas". São tipicamente os fundamen-tos da organização política do Estado, correspondendo ao que referimosanteriormente como princípios constitucionais de organização. Neles sesubstancia a opção política entre Estado unitário e federação, repúblicaou monarquia, presidencialismo ou parlamentarismo, regime democrá-tico etc. 11. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada,1991,v. 1,p.66. Esses princípios constitucionais fundamentais, exprimindo, comojá se disse, a ideologia política que permeia o ordenamento jurídico,constituem, também, o núcleo imodificável do sistema, servindo comolimite às mutações constitucionais. Sua superação exige um novo mo-mento constituinte originário. Nada obstante, esses princípios são dota-dos de natural força de expansão, comportando desdobramentos em ou-tros princípios e em ampla integração infraconstitucional. 12. V. P. M. Chierchia, L’interpretazione sistematica della Costituzione, 1978, p. 145 e s.;Raul Canosa Usera, Interpretación constitucional y fórmula política, 1988, p. 168. Os princípios constitucionais gerais, embora não integrem o núcleoda decisão política formadora do Estado, são, normalmente, importan-tes especificações dos princípios fundamentais. Têm eles menor grau deabstração e ensejam, em muitos casos, a tutela imediata das situaçõesjurídicas que contemplam. São princípios que se irradiam por toda aordem jurídica, como desdobramentos dos princípios fundamentais, ese aproximam daqueles que identificamos como princípios definidoresde direitos. São exemplos o princípio da legalidade, da isonomia, dojuiz natural. Canotilho se refere a eles como princípios-garantia.E, por fim, os princípios setoriais ou especiais, que são aqueles quepresidem um específico conjunto de normas afetas a determinado tema,capítulo ou título da Constituição. Eles se irradiam limitadamente, masno seu âmbito de atuação são supremos. Por vezes são mero detalhamentodos princípios gerais, como os princípios da legalidade tributária ou dalegalidade penal. Outras vezes são autônomos, como o princípio da an-

terioridade em matéria tributária ou o do concurso público em matériade administração pública. 13. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 122. Feita essa sistematização preliminar, é preciso destacar o papel prá-tico dos princípios dentro do ordenamento jurídico constitucional,enfatizando sua finalidade ou destinação. Cabe-lhes, em primeiro lugar,embasar as decisões políticas fundamentais tomadas pelo constituinte eexpressar os valores superiores que inspiraram a criação ou reorganiza-ção de um dado Estado. Eles fincam os alicerces e traçam as linhasmestras das instituições, dando-lhes o impulso vital inicial. Em segundo lugar, aos princípios se reserva a função de ser o fiocondutor dos diferentes segmentos do Texto Constitucional, dando uni-dade ao sistema normativo. Um documento marcantemente político comoa Constituição, fundado em compromissos entre correntes opostas deopinião, abriga normas à primeira vista contraditórias. Compete aos prin-cípios compatibilizá-las, integrando-as à harmonia do sistema. E, por fim, na sua principal dimensão operativa, dirigem-se os princí-pios ao Executivo, Legislativo e Judiciário, condicionando a atuação dospoderes públicos e pautando a interpretação e aplicação de todas as nor-mas jurídicas vigentes. Exemplo dessa utilidade prática do uso dos princí-pios vem de ser dado por Sergio Ferraz, em pioneiro estudo que dedicou atemas só recentemente aportados ao mundo jurídico, como doação deórgãos, inseminação artificial, "bebê de proveta" e "útero de aluguel". Di-ante de aspectos que difusamente se distribuíam por diferentes domíniosjurídicos - como os do direito civil, penal, administrativo -, declarou-se ele na contingência de fazer uma opção metodológica por enfocar asperplexidades que a matéria provocava: "A vista do exclusivo farol capaz de solvê-las univoca-mente, para todos os ramos da árvore jurídica: o contrasteentre as indagações e os princípios constitucionais da or-dem jurídica brasileira. Com isso, a questão por certo nãoganha em facilidade e simplificação, quem sabe até maisintrincada se torne. Mas ganha em certeza e segurança, poissomente princípios constitucionais podem ostentar a mar-ca da irredutibilidade a outros, num pensamento jurídicocoerentemente concatenado". 14. Sérgio Ferraz, Manipulações biológicas e princípios constitucionais: uma introdução,1991, p. 16. Sobre esse tema, veja-se, também, Heloísa Helena Barboza, "A filiação em face dainseminação artificial e da fertilização in vitro", 1993. À luz dos conceitos gerais expostos acima, e com o objetivo deauxiliar o intérprete colocando à sua disposição um catálogo tópico,procura-se, a seguir, esboçar um quadro geral dos princípios constitucio-nais brasileiros, tendo como moldura o Texto Constitucional em vigor.A enunciação está longe de ser exaustiva, mas pretende haver captadoos mais destacados princípios enquadrados na tipologia aqui delíneada:fundamentais, gerais e setoriais. À vista do direito posto, são princípios fundamentais do Estado bra-sileiro os seguintes: - princípio republicano (art. 1º, caput); - princípio federativo (art. 1º, caput); - princípio do Estado democrático de direito (art. 1º, caput); - princípio da separação de Poderes (art. 2º); - princípio presidencialista (art. 76); - princípio da livre iniciativa (art. 1º, IV). São essas as decisões políticas fundamentais do constituinte. Já nocaput do art. 1º, ele explicitou que preferia a forma de governo republi-cana em lugar da monárquica, a forma federativa de Estado e não aunitária, e que o regime de governo seria o democrático, com todo o poderemanando do povo. Remarcou a idéia de separação de Poderes - tradicio-

nal decorrência do princípio democrático no constitucionalismo ociden-tal -, optou pelo presidencialismo sobre o parlamentarismo e deixouexpressa sua profissão de fé capitalista ao consagrar a livre iniciativa. Se o constituinte de 1988 não tivesse dito mais nada; se a Carta secifrasse a um único artigo que abrigasse os princípios acima, ainda as-sim ter-se-iam os contornos essenciais do Estado que se pretendeu criar.Se se deixasse tudo o mais para o legislador ordinário, não poderia eledesfigurar o modelo básico que a ele se impôs. De outra parte, figuram dentre os princípios gerais os que se seguem: - princípio da legalidade (art. 5º, II); - princípio da liberdade (art. 5º, II, e diversos incisos do art. 5ºcomo IV, VI, IX, XIII, XIV, XV, XVI, XVII etc.); - princípio da isonomia (art. 5º, caput e inciso I); - princípio da autonomia estadual e municipal (art. 18); - princípio do acesso ao Judiciário (art. 5º, XXXV); - princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI); - princípio do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII); - princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV). O elenco acima comportaria significativa ampliação, de acordo como gosto de cada um. Há características peculiares a esses princípios, emcontraste com os que se dizem fundamentais. Em primeiro lugar, elesnão têm caráter organizatório do Estado, mas sim limitativo de seu po-der, resguardando desde logo situações individuais. Seu conteúdo temmenos de decisão política e mais de valoração ética, embora, de certaforma, não deixem de ser meros desdobramentos daquelas opções polí-ticas fundamentais. Os princípios gerais, embora se possam encontrarem diferentes passagens da Constituição, concentram-se no capítulodedicado aos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º). Os princípios setoriais ou especiais distribuem-se por diferentes tí-tulos da Constituição e irradiam-se sobre um número limitado de nor-mas. Sem ser exaustivo, é possível destacar os que vão adiante mencio-nados, dentro das respectivas áreas de atuação: I - Administração Pública: - princípio da legalidade administrativa (art. 37, caput); - princípio da impessoalidade (art. 37, caput); - princípio da moralidade (art. 37, caput); - princípio da publicidade (art. 37, caput); - princípio do concurso público (art. 37, II); - princípio da prestação de contas (arts. 70, parágrafo único, 34,VII, d, e 35, II). II - Organização dos Poderes: - princípio majoritário (arts. 46 e 77, § 2º); - princípio proporcional (arts. 45 e 58, § 1º); - princípio da publicidade e da motivação das decisões judiciais eadministrativas (art. 93, IX e X); - princípio da independência e da imparcialidade dos juízes (arts.95 e 96); - princípio da subordinação das Forças Armadas ao poder civil(art. 142). III - Tributação e Orçamento: - princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º); - princípio da legalidade tributária (art. 150, I); - princípio da isonomia tributária (art. 150, II); - princípio da anterioridade da lei tributária (art. 150, III); - princípio da imunidade recíproca das pessoas jurídicas de direitopúblico (art. 150, VI, a); - princípio da anualidade orçamentária (art. 165, III); - princípio da universalidade do orçamento (art. 165, § 5º); - princípio da exclusividade da matéria orçamentária (art. 165,§ 8º). IV - Ordem Economica:

- princípio da garantia da propriedade privada (art. 170, II); - princípio da função social da propriedade (art. 170, III); - princípio da livre concorrência (art. 170, IV); - princípio da defesa do consumidor (art. 170, V); - princípio da defesa do meio ambiente (art. 170, VI). V - Ordem Social: - princípio da gratuidade do ensino público (art. 206, IV); - princípio da autonomia universitária (art. 207); - princípio da autonomia desportiva (art. 217, I). É bem de ver que muitas vezes a Constituição se refere a "princí-pio", quando na verdade está significando uma verdadeira finalidade,como ocorre com a "redução das desigualdades regionais e sociais" oua "busca de pleno emprego", indicadas como "princípios" da ordem eco-nômica no art. 170. Outras vezes, embora empregue o termo princípios, aConstituição quer referir-se às regras constitucionais em geral, como sepassa nos arts. 25, caput, e 29, caput, que, ao tratarem do poder de auto-organização de Estados-membros e Municípios, impõem o respeito aosprincípios da Constituição. Entre esses "princípios" inclui-se todo o lon-go elenco de direitos e deveres dos servidores públicos, típicas normas depreceitos, sem qualquer traço de especial abstração ou generalidade. Sem embargo dos particularismos inevitáveis, procurou-se deli-near acima um painel abrangente dos princípios constitucionais doEstado brasileiro colhidos no direito posto. Ao intérprete constitucio-nal caberá visualizá-los em cada caso e seguir-lhes as prescrições. Ageneralidade, abstração e capacidade de expansão dos princípios per-mite ao intérprete, muitas vezes, superar o legalismo estrito e buscarno próprio sistema a solução mais justa, superadora do summum jus,summa injuria. Mas são esses mesmos princípios que funcionam comolimites interpretativos máximos, neutralizando o subjetivismo volun-tarista dos sentimentos pessoais e das conveniências políticas, redu-zindo a discricionariedade do aplicador da norma e impondo-lhe odever de motivar seu convencimento.

2. Princípio da supremacia da Constituição Toda interpretação constitucional se assenta no pressuposto da supe-rioridade jurídica da Constituição sobre os demais atos normativos noâmbito do Estado. Por força da supremacia constitucional, nenhum atojurídico, nenhuma manifestação de vontade pode subsistir validamente sefor incompatível com a Lei Fundamental. Na prática brasileira, já de-monstramos em outra parte, no momento da entrada em vigor de umanova Carta, todas as normas anteriores com ela contrastantes ficamrevogadas. E as normas editadas posteriormente à sua vigência, secontravierem os seus termos, devem ser declaradas nulas. A supremaciada Constituição manifesta-se, igualmente, em relação aos atos internacio-nais que devam produzir efeitos em território nacional (v. supra). O constitucionalismo moderno, como é sabido, surgiu no século XVIII,contemporâneo ao advento do Estado liberal. Foi ele um dos principaistrunfos da burguesia no acerto de contas com a monarquia absoluta. Defato, naquela fase do desenvolvimento capitalista, o velho regime se tornaraum empecilho ao casamento final - e, até aqui, indissolúvel - entre opoder econômico e o poder político, vale dizer, à conquista do Estadopela burguesia. Ora bem: a idéia de supremacia constitucional tem seufundamento associado a dois relevantes conceitos elaborados naquelesprimórdios da ciência constitucional: a distinção entre poder constituin-te e poder constituído, e entre Constituições rígidas e flexíveis. 15. Carlos Roberto de Siqueira Castro, Por um ensino crítico do direito constitucional, inCrítica do direito e do Estado, 1984, p. 138. 16. V. Segundo V. Linares Quintana, Derecho constitucional y instituciones políticas, 1981,

v. 1, p. 481: "... el principio de la supremacía de la Constitución, que descansa en el presupuesto dela distinción entre el poder constituyente y el poder constituido, inherente al sistema de lasconstituciones rígidas". 17. V. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 1992, p. 47: "Da rigidezemana, como primordial conseqüência, o princípio da supremacia da constituição. (...) Significaque a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e quetodos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por eladistribuídos". Coube ao padre Emmanuel Joseph Sieyès, autor do célebre opúsculoQu’est-ce que le Tiers État?, formula pela primeira vez a distinçãoentre poder constituinte e poder constituído, bem como afirmar a superi-oridade da Constituição. Remonta a essa obra a idéia da ausência delimitação jurídica ao poder constituinte, que não sofre restrição algumado direito positivo anterior. "Acima dele só existe o direito natural". Aafirmação não encontra, modernamente, resistência de maior peso, sendoendossada pela doutrina mais autorizada. A percepção de Sieyès quan-to à dualidade poder constituinte e poder constituído, embora hoje seafigure óbvia, representou um enfoque inteiramente novo do direito cons-titucional. Ao constatar que uma Constituição supõe um poder constituin-te, revelou-se que ela não é um dado mas uma criação. 18. Essa obra tem tradução para o português, publicada sob o título A Constituinte burguesa.O que é o Terceiro Estado, Rio de Janeiro, Liber Juris, 1986. Manoel Gonçalves Ferreira Filhosugere que "esse livro foi o manifesto da Revolução Francesa; está como manifesto para ela assimcomo está o de Marx para a Revolução Russa" (Direito constitucional comparado - o poderconstituinte, 1974, p. 12). 19. Sieyès, A Constituinte burguesa, cit., p. 117. 20. Vejam-se, por todos: Georges Burdeau, Traité de science politique, 1969, v. IV, p. 206;Jorge Reinaldo Vanossi, Uma visão atualizada do poder constituinte, Revista de Direito Constituci-onal e Ciência Política, 1:10, 1983, p. II; e José Alfredo de Oliveira Baracho, Teoria geral do poderconstituinte, Revista Brasileira de Estudos Políticos, 52:7, 1981. Não conflita com essa idéiaatesede Otto Bachoff, veiculada em seu Normas constitucionais inconstitucionais?, 1994, que adiantese examinará em minúcia (v. infra). 21. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 98. A dicotomia entre Constituição rígida e Constituição flexível, porsua vez, não se confunde, mas se superpõe, em larga medida, com adistinção entre Constituição escrita e não escrita. Diz-se flexível a Cons-tituição cujo processo de reforma coincide com o modo de produçãoda legislação ordinária, inexistindo diferença formal entre norma cons-titucional e norma infraconstitucional. A identificação dessa categoriatem hoje valor praticamente "arqueológico", haja vista que a quase-totalidade dos regimes constitucionais adota o modelo de Carta escri-ta e rígida. 22. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 151. Já a rigidez constitucional traduz a necessidade de um processoespecial para reforma da Constituição, distinto e mais complexo do queo necessário para a edição das leis infraconstitucionais, e que no caso

brasileiro incluem quorum eprocedimento diversos, além de limitaçõesmateriais e circunstanciais (v. supra). Note-se que a distinção aqui feitaentre Constituição rígida e flexível funda-se no aspecto jurídico formal.Sociologicamente, culturalmente, a Constituição inglesa, que tenderia aser flexível, dado o seu caráter não escrito, é, na prática, muito maisrígida do que têm sido as Constituições brasileiras. Confirmando atese, veja-se que a Carta de 1988 já havia sofrido, em meados de 1999,mais de vinte emendas, além de uma revisão constitucional que lheintroduziu seis modificações. 23. Sobre o tema, vejam-se: o clássico de James Bryce, Flexible and rigid Constitutions, inStudies in history and jurisprudence, 1901; J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p.151-2; Konrad Hesse, Concepto e cualidad de la Constitución, in Escritos de derecho constitucio-nal, 1983, p. 24-6. Entre nós, v. a celebrada obra de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Teoria dasConstituições rígidas, 1980. 24. A este propósito, v. Afonso Arinos de Mello Franco, Curso de direito constitucionalbrasileiro, 1968, v. 1, p. 52. Sistematizando, então, as idéias pertinentes, vai-se ver que a suprema-cia da Constituição é tributária da idéia de superioridade do poder consti-tuinte sobre as instituições jurídicas vigentes. Isso faz com que o produtodo seu exercício, a Constituição, esteja situado no topo do ordenamentojurídico, servindo de fundamento de validade de todas as demais normas,conforme a teoria clássica já exposta (v. supra). Essa supremacia somentese verifica onde exista Constituição rígida. Aliás, a rigidez interage. emuma relação recíproca de causa e efeito, com outro fenômeno que contri-bui para a primazia da ordem constitucional: a vocação maior de perma-nência e estabilidade que acompanha a Lei Fundamental, em contrastecom a mutabilidade da legislação ordinária. 25. V. Eduardo García de Enterría, La Constitución como norma y el Tribunal Constitu-cional, 1991, p. 50: "... en la medida en que la Constitución es la expresión de una intenciónfundacional, configuradora de un sistema entero que en ella se basa, tiene una pretensión depermanencia... o duración..., lo que parece asegurarle una superioridad sobre las normasordinarias carentes de una intención total tan relevante y limitada a objetivos mucho másconcretos..". Saindo do plano da teoria geral e das considerações metajurídicas, asupremacia constitucional, em nível dogmático e positivo, traduz-se emuma superlegalidade formal e material. A superlegalidade formal iden-tifica a Constituição como a fonte primária da produção normativa, di-tando competências e procedimentos para a elaboração dos atosnormativos inferiores. E a superlegalidade material subordina o conteú-do de toda a atividade normativa estatal à conformidade com os princí-pios e regras da Constituição. A inobservância dessas prescrições for-mais e materiais deflagra um mecanismo de proteção da Constituição,conhecido na sua matriz norte-americana como judicial review, e bati-zado entre nós de "controle de constitucionalidade". 26. V. Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 1979, p. 310, e J. J. Gomes Canotilho, Direitoconstitucional, cit., p. 141-2 e 972-3. Tanto a afirmação da supremacia constitucional quanto a possibili-dade de controle de constitucionalidade dos atos estatais encontram-sehistoricamente ligadas ao direito constitucional norte-americano. Emverdade, na afirmação de García de Enterría, a idéia de supremacia da

Constituição foi a mais importante criação do constitucionalismo nor-te-americano, ao lado do sistema federativo, e foi sua grande inovaçãoem face da tradição inglesa. Com ela se afastou a doutrina da "sobera-nia do Parlamento", exposta com autoridade por Blackstone poucoantes da revolução americana, e que de certa forma perdura até hojeno Reino Unido. 27. Mauro Cappelletti (O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito compa-rado, 1984, p. 46e s.), reconhecendo, embora, o caráter pioneiro e original da judicial review comocontribuição do direito norte-americano, aponta a existência de precedentes de "supremacia consti-tucional" em outros e mais antigos sistemas jurídicos, como o ateniense e o medieval. Con-clui, assim, o mestre de Florença que a meritória decisão do Chief Justice John Marshall, queiniciou, na América e no mundo, algo de novo e de importante, foi um "ato amadurecido através deséculos de história: história não apenas americana, mas universal". No mesmo sentido, LinaresQuintana, Derecho constitucional y instituciones políticas, cit., v. 1, p. 489 e s. 28. Eduardo García de Enterría, La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional,cit., p. 50-3. Veja-se que o controle judicial de constitucionalidade, que é a téc-nica de atuação da supremacia da Constituição, não se encontrava explí-cito na Constituição de 1787. De fato, o art. 6º, 2, do Texto, conhecidocomo supremacy clause, dispunha tão-somente: "Esta Constituição e as leis dos Estados Unidos elabo-radas de acordo com ela, bem como os tratados celebradosou por celebrar sob a autoridade dos Estados Unidos, cons-tituirão a suprema lei do País; os juízes de todos os Estadosficam sujeitos a ela, não devendo prevalecer qualquer dis-posição em contrário na Constituição de qualquer dos Es-tados ou nas suas leis". 29. Stone, Seidman, Sunstein, Tushnet, Constitutional law, 1986, p. 28: "It is clear, however,that the supremacy clause itself cannot be the clear textual basis for a claim by the judiciary that thisprerogative to determine the repugnancy (of an act to the Constitution) belongs to it" (É claro, noentanto, que a cláusula de supremacia por si só não pode ser a clara base textual para a reivindica-ção pelo Judiciário de que a ele compete a prerrogativa de determinar a incompatibilidade de umato com a Constituição). 30. Art. VI, (2): "This Constitution, and the Laws of the United States which shall bemade in Pursuance thereof; and all Treaties made, or which shall be made, under the authorityof the United States, shall be the supreme Law of the Land; and the Judges in every State shallbe bound thereby, any Thing in the Constitution or Laws of any State to the Conlrarynotwithstanding". Mas Alexander Hamilton, no Federalista n. 78, havia antecipado aidéia de controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário, em textoque se tornou clássico: "Alguma perplexidade quanto ao poder dos tribunaisde pronunciar a nulidade de atos legislativos contrários à

constituição tem surgido, fundada na suposição de que taldoutrina implicaria na superioridade do Judiciário sobre oLegislativo. Afirma-se que a autoridade que pode declaraos atos da outra nulos deve ser necessariamente superioràquela cujos atos podem ser declarados nulos. (...) Nenhum ato legislativo contrário à Constituição podeser válido. (...) A presunção natural, à falta de norma expressa, nãopode ser a de que o próprio órgão legislativo seja o juiz deseus poderes e que sua interpretação sobre eles vincula osoutros Poderes. (...) É muito mais racional supor que ostribunais é que têm a missão de figura como corpo inter-mediário entre o povo e o Legislativo, dentre outras razões,para assegurar que este último se contenha dentro dos po-deres que lhe foram deferidos. A interpretação das leis é ocampo próprio e peculiar dos tribunais. Aos juízes cabedeterminar o sentido da Constituição e das leis emanadasdo órgão legislativo. Esta conclusão não importa, em nenhuma hipótese, emsuperioridade do Judiciário sobre o Legislativo. Significa,tão-somente, que o poder do povo é superior a ambos; eque onde a vontade do Legislativo, declarada nas leis que edi-ta, situa-se em oposição à vontade do povo, declarada naConstituição, os juízes devem curvar-se à última, e não àprimeira". 31. O Federalista (no original, The Federalist) reúne um conjunto de ensaios numerados,escritos por Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, publicados na imprensa de Nova Yorkdurante os debates sobre a ratificação da Constituição aprovada em 1787, pela Convenção de Fila-délfia. Tais textos explicavam o conteúdo da Constituição e defendiam sua ratificação. A adesão doEstado de Nova York era decisiva, e a ela se opunha o Governador do Estado, George Clinton. V.Gerald Gunther, Constitutional law, 1985 (com suplemento de 1988), p. 15. 32. Hamilton, Madison e Jay, The Federalist Papers, selecionados e editados do original porRoy Fairfield, 1981, p. 226 e s. O texto transcrito foi traduzido livremente pelo autor. Sem qualquer menção expressa ao escrito de Hamilton, esta foi alinha de entendimento seguida por John Marshall, Presidente (ChiefJustice) da Suprema Corte, ao relatar e decidir o caso Marbury vs.Madison, em 1803, ao fundamentar aquela que é, provavelmente, a maiscélebre decisão judicial de todos os tempos, fundou-se ele nas razõesque a seguir se sintetizam: "É evidentemente atribuição e dever do Poder Judiciá-rio dizer o direito. E aqueles a quem compete aplicar umaregra a casos concretos devem, necessariamente, interpre-tar esta regra. Se duas leis conflitarem entre si, os tribunaisdevem decidir sobre a incidência de cada uma. Então, se uma lei estiver em oposição à constituição; seambas se aplicarem a um determinado caso, exigindo que otribunal decida ou de acordo com a lei, sem atenção à cons-tituição, ou na conformidade da constituição, sem atenção àlei, cabe ao tribunal determinar qual destas regras conflitantesse aplica ao caso. Esta é a essência da função judicial. Se, então, os tribunais devem observar a constituição ea constituição é superior a qualquer lei ordinária emanadado Legislativo, a constituição, e não a lei ordinária, é quedeve reger o caso ao qual ambas se aplicam. (...)

Assim, a particular fraseologia da constituição dos Es-tados Unidos confirma e fortalece o princípio, que se su-põe essencial a todas as constituições escritas, de que todalei contrastante com a constituição é nula". 33. 5 U. S. (1 Cranch) 137 (1803). A supremacia da Constituição e a missão atribuída ao Judiciário nasua defesa têm um papel de destaque no sistema geral de freios e contra-pesos concebido pelo constitucionalismo moderno como forma de con-ter o poder. É que, através da conjugação desses dois mecanismos, reti-ra-se do jogo político do dia-a-dia e, pois, das eventuais maiorias eleito-rais, valores e direitos que ficam protegidos pela rigidez constitucionale pelas limitações materiais ao poder de reforma da Constituição. Nãoobstante o reconhecimento generalizado da valia de tal concepção, detempos em tempos ela precisa reafirmar suas virtudes. Nos Estados Unidos tem-se travado, nos últimos anos, uma ampladiscussão sobre o controle de constitucionalidade pelo Judiciário e seuslimites. Sustenta-se que os agentes do Executivo e do Legislativo, alémde ungidos pela vontade popular, sujeitam-se a um tipo de controle eresponsabilização política de que os juízes estão isentos. Daí afirma-seque o controle judicial da atuação dos outros Poderes dá lugar ao que sedenominou "countermajoritarian difficulty". Notadamente os segmentosconservadores têm questionado o avanço dos tribunais sobre espaçosque, segundo crêem, deveriam ficar reservados ao processo político. Emlivro clássico, Alexander Bickel abordou o tema, procurando definir oespaço de atuação do Judiciário, em passagem que ficou célebre: "Os tribunais têm certa capacitação para lidar com ques-tões de princípio que o Legislativo e o Executivo não pos-suem. Juízes têm, ou devem ter, a disponibilidade, o trei-namento e o distanciamento para seguir os caminhos dasabedoria e isenção ao buscar os fins públicos. Isto é crucialquando se trata de determinar os valores permanentes deuma sociedade. Este distanciamento e o mistério maravi-lhoso do tempo dão aos tribunais a capacidade de recorreraos melhores sentimentos humanos, captar as melhores as-pirações, que podem ser esquecidos nos momentos de gran-de clamor". 34. Alexander M. Bickel, The least dangerous branch, 1986, p. 25-6. A recepção, na Europa, do sistema de jurisdição constitucional cria-do nos Estados Unidos não se deu senão após o primeiro pós-guerra,já neste século. Obra pessoal de Hans Kelsen, ele foi introduzido naConstituição austríaca de 1920 e aperfeiçoado em sua reforma de 1929.O mecanismo adotado na Austria e, posteriormente, na maior partedos países da Europa continental foi o do controle concentrado, atri-buído a um único órgão (o Tribunal Constitucional), em oposição aométodo difuso norte-americano, em que qualquer juiz pode recusaraplicação de lei inconstitucional. No Brasil, como é notório, adota-seum sistema eclético, onde coexistem o controle incidental pelo siste-ma difuso e o controle direto, pelo sistema concentrado. A competênciapara pronúncia de invalidade é privativa do Judiciário, não sendo legíti-ma a invalidação de uma lei por outra superveniente. Este entendimentoé pacífico, materializando-se na proposição abaixo, extraída de decisãodo Supremo Tribunal Federal: "Em nosso sistema jurídico, não se admite declaração deinconstitucionalidade de lei ou ato normativo com força de leipor lei ou por ato normativo com força de lei posteriores. Ocontrole de constitucionalidade da lei ou dos atos normativosé da competência exclusiva do Poder". 35. Para uma análise concisa, mas proficiente, dos modelos austríaco, alemão, italiano, francêse espanhol, v. Louis Favoreu, Les cours constitutionnelles, 1986. Em língua portuguesa, veja-se José

Alfredo de Oliveira Baracho, Processo constitucional, 1984, p. 191-344, contendo a análise dos mo-delos europeu, norte-americano e latino-americano. O livro clássico de Mauro Cappelletti, Il controllogiudiziario di costituzionalità della leggi nel diritto comparato, 1968, tem uma versão para a línguaportuguesa (O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado, 1984). 36. José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, 1993, v. 5, p.28. Vejam-se, por todos, no direito brasileiro: C. A. Lúcio Bittencourt, O controle jurisdicional daconstitucionalidade das leis, 1968; Alfredo Buzaid, Da ação direta de declaração deinconstitucionalidade no direito brasileiro, 1958; e Ronaldo Poletti, Controle da constitucionalidadedas leis, 1985. Dentre os trabalhos posteriores à promulgação da Constituição de 1988, vejam-se,especialmente, Carlos Mário da Silva Velloso, O controle da constitucionalidade das leis, in Temasde direito público, 1994, e Gilmar Ferreira Mendes, Controle de constitucionalidade, 1990. Maisrecente ainda é a impecável tese de Clèmerson Merlin Clêve, A fiscalização abstrata deconstitucionalidade no direito brasileiro, 1995. 36-A. RTJ, 151:331, 1995, ADIn 221-DF, rel. Min. Moreira Alves. Embora a idéia de supremacia da Constituição esteja ínsita em todosos casos de controle de constitucionalidade, vez por outra a jurisprudênciado Supremo Tribunal Federal reserva-lhe menção expressa. Confira-seacórdão da lavra do Ministro Célio Borja, remarcando os conceitos dou-trinários básicos: "O princípio da supremacia da ordem constitucional -consectário da rigidez normativa que ostentam os preceitosde nossa Constituição - impõe ao Poder Judiciário, qual-quer que seja a sede processual, que se recuse a aplicar leisou atos estatais reputados em conflito com a Carta Federal. A superioridade normativa da Constituição traz, ínsitaem sua noção conceitual, a idéia de um estatuto fundamen-tal, de uma fundamental law, cujo incontrastável valor ju-rídico atua como pressuposto de validade de toda a ordempositiva instituída pelo Estado". 37. RTJ, 140:954, 1992, p. 964, RE 107.869, rel. Min. Célio Borja. Veja-se, também, RTJ,146:461, 1993, ADIn 652-MA, rel. Min. Celso de Mello: "O repúdio ao atoinconstitucional decorre, em essência, do princípio que, fundado na necessidade de pre-sentar a unidade da ordem jurídica nacional, consagra a supremacia da Constituição.Esse postulado fundamental de nosso ordenamento normativo impõe que preceitos re-vestidos de menor grau de positividade jurídica guardem, necessariamente, relação deconformidade vertical com as regras inscritas na Carta Política, sob pena de ineficácia ede conseqüente inaplicabilidade". Mais adiante, o Supremo Tribunal, ao negar a possibilidade dereedição de medida provisória rejeitada pelo Congresso, reafirmou, emacórdão unânime: "Todos os atos estatais que repugnem à Constituiçãoexpõem-se à censura jurídica - dos Tribunais especial-mente - porque são írritos, nulos e desvestidos de qual-

quer validade. A Constituição não pode submeter-se à vontade dos po-deres constituídos e nem ao império dos fatos e das circuns-tâncias. A supremacia de que ela se reveste - enquanto forrespeitada - constituirá a garantia mais efetiva de que osdireitos e as liberdades não serão jamais ofendidos. Ao Su-premo Tribunal Federal incumbe a tarefa, magna e eminen-te, de velar por que essa realidade não seja desfigurada". 38. RT, 700:221, 1994, ADIn 293-7/600, rel. Min. Celso Mello. Ainda no âmbito da supremacia da Lei Maior, o Superior Tribunalde Justiça apreciou a questão envolvendo o art. 37, VII, da ConstituiçãoFederal, que, ao cuidar da administração pública, previu que o direito degreve dos servidores civis seria exercido nos termos e nos limites defini-dos em lei complementar - hoje lei específica, nos termos da redaçãodada pela Emenda Constitucional n. 19/98. Passados quatro anos de vi-gência da Constituição, a norma infraconstitucional não havia ainda sidoeditada. Admitir-se que o direito de greve não poderia ser exercido, antea inércia indefinida do legislador, violaria o princípio da supremacia daConstituição, uma vez que o direito por ela outorgado ficaria paralisadopor omissão de órgão do poder instituído. Daí haver concluído, comacedo, o Tribunal que: "A Constituição da República garante o direito de gre-ve aos funcionários públicos, "nos limites definidos em leicomplementar" (art. 37, VII). Essa legislação não poderárecusar a paralisação da atividade, essência da greve, uni-versalmente reconhecida. Além disso, são passados quatroanos de vigência da Carta Política. O legislador mantém-se inerte. Esses dois dados conferem legalidade ao exercí-cio do direito, observando-se, analogicamente, princípiose leis existentes. Caso contrário, chegar-se-ia a um absur-do: a eficácia da Constituição depende de norma hierarqui-camente inferior". 39. RT, 700:185, 1993, RMS 2.865-3-SC, rel. Min. Vicente Cernicchiaro. Em sentido diversopronunciou-se o Tribunal de Justiça da Paraíba: "O direito de greve dos servidores públicos, insculpidono art. 37, VII, da CF/88, é meramente potencializado, norma programática, de eficácia contida eaplicabilidade invalidante, que, por depender de lei complementar para regulá-la, não pode serexercido por seus destinatários" (RT, 701:142, 1994). Não sem causar certa decepção, o Supremo Tribunal Federalperfilhou linha diversa, no julgamento de mandado de injunção impetradopela Confederação dos Servidores Públicos do Brasil a propósito da omis-são legislativa do Congresso em editar a norma reclamada pelo art. 37,VII. Embora acolhendo o mandado de injunção para o fim de reconhe-cer a mora do Congresso Nacional e determinar a ciência formal doPoder Legislativo para que sanasse a inércia até então verificada, lavrouo acórdão, da relatoria do Ministro Celso de Mello: "Direito de greve do servidor público civil - (...) Prer-rogativa jurídica assegurada pela Constituição (art. 37, VII)- Impossibilidade de seu exercício antes da edição de LeiComplementar". 40. LTr, 58:647, 1994, MI 20-4-DF, rel. Min. Celso de Mello. Na nova redação dada ao art. 37,VII, pela Emenda Constitucional n. 19/98, a previsão passou a ser de edição de "lei específica" enão mais de lei complementar, fato que não interfere com o entendimento do Supremo TribunalFederal de que é necessária a interpositio legislatoris para que o direito possa ser exercido.

Retratou-se, assim, a doutrina e algumas aplicações práticas do prin-cípio da supremacia da Constituição, que, do ponto de vista lógico ecronológico, é o primeiro princípio a ser levado em conta no processointelectivo da interpretação constitucional.

3. Princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dosatos do Poder Público A interpretação constitucional é atividade desenvolvida pelos trêspoderes no âmbito do Estado. Idealmente, todos os órgãos públicos pau-tam sua conduta na conformidade da Constituição e agem na realizaçãodo bem comum. Embora se haja reservado ao Judiciário o papel de in-térprete qualificado das leis, os Poderes se situam em plano de recíprocaigualdade, e os atos de cada um deles nascem com presunção de validade.Mais que isso: nenhum Poder, nem mesmo o Judiciário, pode intervirem esfera reservada ao outro para substituí-lo em juízos de conveniênciae oportunidade. Vejam-se, a seguir, o fundamento, o conteúdo e as impli-cações práticas do princípio da presunção de constitucionalidade das leis. Um dos fundamentos sobre os quais se assenta o Estado constitucionalde direito é a divisão ou separação dos Poderes. Seu antecedente maisremoto, na modernidade, foi o processo revolucionário que conduziu à afir-mação do Parlamento em face do monarca, na Inglaterra, com a edição doBill of Rights, em 1689. Sua sacramentalização, por outro lado, se deucom a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, emmeio ao turbulento processo revolucionário francês. Mas foi a Constitui-ção americana, de 1787, que pela primeira vez formalizou o modeloempiricamente colhido na experiência inglesa e teoricamente elaboradopor autor francês, dando-lhe o temperamento dos checks and balances(freios e contrapesos), pelo qual se estabeleceram áreas de interseção e decontrole recíproco entre Legislativo, Executivo e Judiciário. 41. Sem embargo da terminologia consagrada, a doutrina é unânime em apontar a impropri-edade da referência à separação ou divisão de Poderes. O poder, estatal e soberano, é uno, manifes-tando-se, no entanto, por intermédio de órgãos diversos, que desempenham cada uma das funçõespúblicas. V., por todos, Michel Temer, Elementos de direito constitucional, 1990, p. 116. 42. O princípio da separação de Poderes, já sugerido em Aristóteles, deve sua primeira for-mulação nos tempos modernos a John Locke, em sua obra célebre Two treatises of government1690). Não obstante, seu principal sistematizador foi, sem dúvida, Montesquieu, no capítulo 6º dolivro XI de seu notório tratado De l’esprit des lois (1748) (há uma edição brasileira dessa obra,publicada em 1987). Vejam-se, sobre o tema, por todos, Marcelo Caetano, Direito constitucional,1987, v. 1, p. 232-5, e Nowak, Rotunda e Young, Constitutional law, 1986, p. 121. 43. Assim dispunha o art. 16 da Declaração francesa: "Toute société dans laquelle la garantiedes droits n’est pas assurée, ni la séparation des pouvoirs déterminée, n’a pas de constitution" (Todasociedade em que a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação de Poderes determina-da, não tem constituição). 44. As quatro pedras fundamentais do constitucionalismo americano, escreveu Cass R.Sunstein, são o sistema de checks and balances, o federalismo, os direitos individuais e ocontrole de constitucionalidade (The partial Constitution, 1993, p. V).

Embora viva, nesta virada de século, um momento crucial, entre adecadência e a necessidade de reformulação, o princípio da separaçãode Poderes subsiste como uma valiosa referência para a interpretaçãoconstitucional, definindo papéis e estabelecendo limites. Caracteri-zam-no a especialização funcional e a independência orgânica, que nãose contrapõem, no entanto, à circunstância de que cada Poder não exer-ce, de modo exclusivo, a função que nominalmente lhe corresponde, esim tem nela a sua competência principal e predominante. A funçãolegislativa, escreveu Seabra Fagundes, liga-se ao fenômeno de criaçãodo direito, ao passo que as funções administrativa e judicial se prendemà sua realização. Legislar é editar o direito positivo; administrar é apli-car a lei de oficio; e julgar é aplicar a lei contenciosamente. 45. Para uma visão crítica do princípio, veja-se, na literatura nacional: Victor Nunes Leal, Adivisão dos Poderes no quadro da burguesia, in Cinco estudos, 1955; José Alfredo de OliveiraBaracho, Processo constitucional, 1984, p. 26 e s.; Paulo Bonavides, Do Estado liberal ao Estadosocial, 1961, p. 36; e Carlos Roberto de SiqueiraCastro, O Congresso e as delegações legislativas,1986,p. 193. 46. V. M. Seabra Fagundes, O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, 1979, p.7-8, e Celso Ribeiro Bastos, Curso de teoria do Estado e ciência política, 1986, p. 79. 47. M. Seabra Fagundes, O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, cit.,p. 4-5. Ao Poder Judiciário cabe prestar jurisdição, que é a atividade estataldestinada a fazer atuar o direito objetivo, promovendo a tutela dos interes-ses violados ou ameaçados. A função jurisdicional é, tipicamente, de res-tauração da ordem jurídica quando vulnerada, e destina-se à formulação eà atuação prática da norma concreta que deve disciplinar determinada situa-ção. O seu exercício pressupõe, assim, um conflito, uma controvérsiaem torno da realização do direito, e visa a removê-lo pela definitiva eobrigatória interpretação da lei. 48. V. Paolo Biscaretti di Ruffia, Direito constitucional, 1984, p. 420, e José Alfredo de Oli-veira Baracho, Processo constitucional, cit., p. 139. 49. José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, 1993, p. 3. Por vezes aatividade jurisdicional antecipa-se à violação da regra legal, como ocorre na tutela preventiva e natutela cautelar. A Lei n. 8.951, de 13-12-1994, alterou o art. 273 do Código de Processo Civil,criando o mecanismo que ficou conhecido como tutela antecipada ou antecipatória. 50. M. Seabra Fagundes, O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, cit., p.11. Na esteira do ensinamento de Georges Burdeau (Traité de science politique, 1970, t. 5, p. 379)e Hans Kelsen (Teoría general del Estado, 1965, p. 301), é de se reconhecer não existir diferençaontológica entre a função jurisdicional e a função administrativa, por isso que ambas se voltam paraa realização do direito, ao passo que a função legislativa se liga à sua criação. Distinguem-se, noentanto, as duas primeiras, pela forma com que são acionadas e pelo momento e finalidade de seuexercício. O esquema delineado acima é amplo o suficiente para abrigar a atua-ção desenvolvida pelo Judiciário quando realiza o controle de constitu-

cionalidade em via incidental. Isso porque, nessa forma de controle, quese faz de modo difuso, o juiz atua para solucionar um caso concreto quelhe é submetido, consistindo a apreciação da constitucionalidade ou nãoda norma em mera questão prejudicial, que vai subordinar logicamentea decisão a ser proferida. Mas o objeto da ação não é a pronúncia deinconstitucionalidade da norma, e sim a solução do conflito de interes-ses. A decisão opera efeito somente entre as partes do processo, e aquestão da constitucionalidade não faz coisa julgada. 51. Suponha-se, por exemplo, que um contribuinte embargue uma execução fiscal, sob ofundamento de que a cobrança de dado tributo é inconstitucional. O objeto da ação de embargos, aser decidido pelo juiz, é determinar se o tributo é ou não devido. Só que, para chegar a tal resultado,o juiz precisará, previamente,prejudicialmente, apurar da constitucionalidade ou não da norma queinstituiu o tributo. Sobre o tema da argüição incidental de inconstitucionalidade, v. José CarlosBarbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, 1993, p. 27 e s. 52. Isto porque, como se disse, a manifestação do órgão judicial sobre a constitucionalidadeda norma é "questão prejudicial", e a apreciação de questão dessa natureza, decidida incidentementeno processo, não faz coisa julgada, a teor do art. 469, III, do Código de Processo Civil. Se o controle incidental e difuso pode enquadrar-se na função típicado Judiciário, o fato é que o controle de constitucionalidade em via princi-pal certamente refoge ao exercício típico da jurisdição. Nessa hipótese,referida na Constituição como ação direta (art. 102, I, a), o controle seexerce de modo concentrado e em tese, in abstracto, tendo por objeto aapreciação da compatibilidade da norma com a Constituição. Não secuida, como no normal da atuação do Judiciário, de solucionar um casoconcreto, um conflito de interesses entre partes. Aqui, constatada a in-compatibilidade da norma com a Lei Maior, a conseqüência é a parali-sação de sua eficácia e eventual retirada do mundo jurídico. A doutrinacostuma referir-se a tal papel como o desempenho de uma atividadelegislativa negativa. 53. Para uma ampla discussão da matéria no pensamento de Kelsen, Carl Schmitt e RudolphSmend, v. José Antonio Estévez Araujo, La Constitución como proceso y la desobediencia civil,1994, p. 51 e s. Na jurisprudência brasileira existe acórdão da Suprema Corte, da lavra do Min.Moreira Alves, na Rep. n. 1.417, no qual invocou o magistério de Ritterspach (Legge sul TribunaleCostituzionale della Repubblica Federale di Germania, p. 94): "Ao declarar a inconstitucionalidadede uma lei em tese, o Tribunal - em sua função de Corte Constitucional - atua como um legisla-dor negativo" (DJU, 4 set. 1987, p. 18302-6). A declaração de inconstitucionalidade de uma norma, em qualquercaso, é atividade a ser exercida com autolimitação pelo Judiciário, devi-do à deferência e ao respeito que deve ter em relação aos demais Pode-res. A atribuição institucional de dizer a última palavra sobre a interpre-tação de uma norma não o dispensa de considerar as possibilidades legí-timas de interpretação pelos outros Poderes. No tocante ao controle deconstitucionalidade por ação direta, a atuação do Judiciário deverá serainda mais contida. É que, nesse caso, além da excepcionalidade derever atos de outros Poderes, o Judiciário desempenha função atípica,sem cunho jurisdicional, pelo que deve atuar parcimoniosamente. A presunção de constitucionalidade das leis encerra, naturalmente,

uma presunção iuris tantum, que pode ser infirmada pela declaração emsentido contrário do órgão jurisdicional competente. O princípio de-sempenha uma função pragmática indispensável na manutenção daimperatividade das normas jurídicas e, por via de conseqüência, na har-monia do sistema. O descumprimento ou a não-aplicação da lei, sob ofundamento de inconstitucionalidade, antes que o vício haja sido pro-clamado pelo órgão competente, sujeita a vontade insubmissa às san-ções prescritas pelo ordenamento. Antes da decisão judicial, quem sub-trair-se à lei o fará por sua conta e risco. 54. O princípio é tradicionalmente reconhecido no direito brasileiro. Vejam-se, a propósito:Castro Nunes, Teoria e prática do Poder Judiciário, 1943, p. 589-92; Carlos Maximiliano, Comen-tários à Constituição brasileira, 1948, v. 1, p. 157; Themístocles Brandão Cavalcanti, Do controlede constitucionalidade, 1966, p. 85; Lúcio Bittencourt, O controle jurisdicional daconstitucionalidade das leis, 1968, p. 91-2 e 113-4; e Ronaldo Poletti, Controle de constitucionalidadedas leis, 1985, p. 101 e s. Marcelo Neves (Teoria da inconstitucionalidade das leis, 1988, p. 145)constatou que Mauro Cappelletti se manifesta contrariamente à existência dessa presunção noordenamento italiano (La pregiudizialità costituzionale nel processo civile, 1972, p. 85-6) e, prin-cipalmente, nos sistemas de controle difuso (O controle judicial de constitucionalidade no direitocomparado, 1984, p. 85). Entre nós, Lúcio Bittencourt critica o princípio, afirmando que com ele sequer significar, desnecessariamente, "que as leis não têm eficácia dependente de prévia apreciaçãopelo Poder Judiciário" (O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, cit., p. 114). Acrítica não procede, constatando-se, da leitura do texto, que o ilustre jurista confundiu o princípioda presunção de constitucionalidade com o da auto-executoriedade. 55. V. Marcelo Neves, Teoria da inconstitucionalidade das leis, cit., p. 146-7, e OswaldoAranha Bandeira de Mello, A teoria das Constituições rígidas, cit., p. 140. Em sua dimensão prática, o princípio se traduz em duas regras deobservância necessária pelo intérprete e aplicador do direito: a) não sendo evidente a inconstitucionalidade, havendo dúvida ou apossibilidade de razoavelmente se considerar a norma como válida, deveo órgão competente abster-se da declaração de inconstitucionalidade; b) havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se acompatibilidade da norma com a Constituição, em meio a outras quecarreavam para ela um juízo de invalidade, deve o intérprete optar pelainterpretação legitimadora, mantendo o preceito em vigor. 56. Sobre o tema, escreveu Carlos Maximiliano (Hermenêutica e aplicação do direito, 1981,p. 307): "Todas as presunções militam a favor da validade de um ato, legislativo ou executivo;portanto, se a incompetência, a falta de jurisdição ou a inconstitucionalidade, em geral, não estãoacima de toda dúvida razoável, interpreta-se e resolve-se pela manutenção do deliberado por qual-quer dos três ramos em que se divide o Poder Público. Entre duas exegeses possíveis, prefere-se aque não infirma o ato de autoridade". A primeira regra será aprofundada, com o aporte da doutrina e ju-risprudência comparada e nacional. A segunda, que a doutrina denomi-

na interpretação conforme a Constituição, será desenvolvida autonoma-mente, em tópico subseqüente. Foi visto, anteriormente, que a possibilidade de controle judicial dosatos dos Poderes Legislativo e Executivo deita raízes no constitucionalis-mo norte-americano. De fato, foi em Marbury vs. Madison, uma deci-são de 1803, que, pela primeira vez, um tribunal pronunciou ainconstitucionalidade de uma lei, dando início à primazia que até hojese reconhece ao Judiciário de intérprete qualificado e definitivo da Cons-tituição. É bem de ver, no entanto, que o constitucionalismo americano,que criou o precedente do controle judicial, cuidou igualmente de traçaruma série de limitações rigorosas ao seu exercício. Daí a razão de,após a decisão em Marbury, haverem-se passado mais de 50 anos atéque a Suprema Corte voltasse a declarar a inconstitucionalidade deuma lei editada pelo Congresso. 57. Houve, todavia, um precedente de declaração de inconstitucionalidade de lei estadual, emFletcher vs. Peck, 6 Cranch 87 (1810), embora a doutrina do controle de constitucionalidade dasdecisões estaduais só houvesse sido desenvolvida em Martin vs. Hunter’s Lessee, 1 Wheat 304 (1816). Curiosamente, só voltou a fazê-lo em Dred Scott vs. Sandford, jul-gado em 1857, onde tinha argumentos para deixar de conhecer o caso,mas preferiu pronunciar a mais condenada de todas as decisões doconstitucionalismo americano. Nela, a Suprema Corte considerou se-rem inconstitucionais tanto as leis estaduais quanto as federais que pre-tendessem conferir cidadania aos negros, que eram vistos como seresinferiores e não tinham proteção constitucional. Com isso, a SupremaCorte tomou partido no amplo debate jurídico e econômico que pouco àfrente deflagraria violenta guerra civil, e alinhou-se com a defesa daescravidão. Muitos anos se passaram até que o Tribunal recuperasse suaautoridade moral e política. 58.60 U. S. (19 How.) 393 (1857). A Suprema Corte tinha argumentos para dar-se por incom-petente ou para discutir a questão apenas em termos da aplicação da lei do Estado do Missouri, semprecisar ingressar no mérito do tema constitucional (v. Nowak, Rotunda e Young, Constitutionallaw, cit., p. 559). 59. Nowak, Rotunda e Young, Constitutional law, cit., p. 559. Consoante se averbou acima, a prática constitucional americana im-pôs uma série de limitações ao exercício da judicial review. Algumasdessas restrições têm base direta e imediata no próprio texto da Consti-tuição, ao passo que outras são frutos de elaboração doutrinária ejurisprudencial, algumas delas fundadas em juízos relativamente discri-cionários de conveniência e oportunidade. Dentre as limitações expres-samente contempladas na Constituição está a que exige, para o exercí-cio da jurisdição constitucional, que se trate de situação litigiosa mani-festada em caso concreto (case or controversy), vedado o pronuncia-mento em tese (no advisory opinion). 60. A caracterização do que seja "caso" ou "controvérsia" foi feita em inúmeros casos pelaCorte, encontrando-se esquematicamente delineada, e. g., em Muskrat vs. United States, 219 U. S.346(1911). O dispositivo relevante na matéria é o art. 3º, seção 2, n. 1, da Constituição, onde se lê: "acompetência do Poder Judiciário se estenderá a todos os casos de aplicação da Lei e da Eqüidadeocorridos sob a presente Constituição, as leis dos Estados Unidos e os tratados concluídos ou que seconcluírem sob sua autoridade; a todos os casos que envolvam embaixadores, outros ministros e côn-

sules; a todas as questões de direito e jurisdição marítimos; às controvérsias em que os Estados Unidossejam parte; às controvérsias entre dois ou mais Estados, entre um Estado e cidadãos do outro Estado,entre cidadãos de diferentes Estados, entre cidadãos do mesmo Estado reivindicando terras em virtudede concessões feitas por outros Estados, entre um Estado, ou seus cidadãos, e Estados estrangeiros,seus cidadãos e súditos". Como desdobramento da exigência do "caso" ou "controvérsia" doart. 3º, a jurisprudência da Suprema Corte desenvolveu uma série delimitações quanto a quem pode suscitar a jurisdição constitucional, quandoela deve ser exercida e quais casos podem ser apreciados. No tocante aquem pode demandar invocando uma questão constitucional, a Corte es-tabeleceu rigorosa aferição da legitimação ativa (standing), onde se in-clui a verificação da existência de dano efetivo (injury in fact) e nexocausal (causation). Relativamente à oportunidade, a Suprema Cortedesenvolveu as teses da prejudicialidade (mootness) - o Tribunal nãose pronuncia quando alguma circunstância superveniente, de fato ou dedireito, torna desnecessária sua manifestação sobre a questão constitucio-nal - e da prematuridade (ripeness) - o Tribunal não se pronunciaquando entende que a questão constitucional ainda não se encontra sufi-cientemente amadurecida, por estarem os fatos em andamento ou porhaver a possibilidade de que eventos futuros modifiquem sua configura-ção jurídica. Por fim, quanto às matérias que podem ser objeto de litígiode índole constitucional, a Suprema Corte cuidou de excluir as questõespolíticas66 e as questões emanadas de cortes estaduais onde a decisão,sem embargo de haver-se manifestado sobre questão constitucional,assentou-se, também, em fundamento adequado e autônomo de cará-ter ordinário. 61. V. Jerome A. Barron e C. Thomas Dienes, Constitutional law, 1991, p. 72. 62. V. Warth vs. Seldin, 422 U. S. 490(1975). 63. V.Allen vs. Wright, 468 U. S.737(1984). 64. V. DeFunis vs. Odegaard, 416 U. S.312(1974). 65. V. Abbot Laboratories vs. Gardner, 387 U. S. 136 (1967). Nowak, Rotunda e Young(Constitutional law, cit., p. 66-7), ao comentarem a doutrina do ripeness, nela identificam o funda-mento invocado pela Suprema Corte para um conjunto de decisões que nãu apresentam uma nítidalinha de coerência, nas quais se revela apenas o desejo do Tribunal de abster-se de julgar. Sobre otema, v. também Laurence Tribe, American constitutional law, 1988, p. 77-82. 66. V. Baker vs. Carr, 369 U. S. 186 (1962). Veja-se, mais recentemente, Nixon vs. UnitedStates, 113S. Ct. 732 (1993). 67. V. Herb vs. Pitcarin, 324 U. S. 117 (1945), Michigan vs. Long, 463 U. S. 1032 (1983),Pennzoil Co. vs. Texaco, 107 S. Ct. 1519 (1987). Demais disso, a Suprema Corte também estabeleceu uma série deregras pelas quais se impõe o dever de evitar decisões de cunho consti-tucional, sempre que isso seja possível, mesmo quando presentes osrequisitos para a apreciação da matéria. Assim é que, em Ashwander vs.TVA, em voto célebre do Justice Brandeis, ficou assentado que o Tri-bunal deverá abster-se de exercer a jurisdição constitucional: (1) se nãofor indispensável adentrar a questão constitucional; (2) se houver funda-mentos alternativos para decidir; (3) se for razoavelmente possível inter-pretar uma lei evitando a questão constitucional; (4) em termos mais am-plos do que exigido pelos fatos que estão sendo objeto de julgamento.

68. 297 U. S. 288 (1936). O princípio geral foi assentado no voto condutor nos termos se-guintes: "When the validity of an act of Congress is drawn in question, and even if a serious doubtof constitutionality is raised, it is a cardinal principle that this Court will first ascertain whether aconstruction of the statute is fairly possible by which the question may be avoided" (Quando avalidade de um ato do Congresso é trazida à baila, e mesmo que se suscite uma séria dúvida quantoà sua constitucionalidade, é um princípio cardeal que esta Corte irá primeiramente certificar-se seexiste alguma interpretação razoavelmente possível que possa evitar a questão constitucional). V.também Rescue Army vs. Municipal Court, 331 U. S. 549(1947). 69. Vejam-se Paul Brest e Sanford Levinson, Processes of constitutional decisionmaking, 1983,p. 1025-8; Nowak, Rotunda e Young, constitutional law, cit., p. 86-7; e Gerald Gunther, Constitutionallaw, cit., p. 1597-8. É interessante a observação de que o princípio da presunção deconstitucionalidade é mais referido e homenageado quando não vai serseguido do que quando vai ser observado e aplicado. Na prática juris-prudencial americana há uma hipótese em que ele não prevalece: quando,contrastado com o princípio constitucional da igualdade perante a lei, umato normativo se utilizou de classificações que a jurisprudência considerasuspeitas. São consideradas suspeitas, por exemplo, as que se fundamem critério racial ou de origem nacional. Nesse caso, a norma sujeita-sea uma avaliação severa (strict scrutiny), onde a presunção de validade setransforma em presunção de invalidade, cabendo ao Governo (seja oLegislativo ou o Executivo) o ônus de demonstrar que a classificação énecessária e inevitável para realização de um relevante fim público. 70. Barron e Dienes, Constitutional law, 1991, p. 71. 71. Barron e Dienes, Constitutional law, cit., p. 20-1. A idéia de strict scrutiny é a deuma advertência a legisladores e administradores para que sejam especialmente atentos àsclassificações que afetam direitos fundamentais ou sugiram discriminação racial ou contraoutras minorias. Em apenas um caso a Suprema Corte considerou constitucional uma classifi-ação ostensivamente suspeita: foi a que discriminava contra japoneses, impondo-lhes restri-ções de locomoção, durante a 2ª Guerra Mundial. V. Korematsu vs. United States, 323 U. S.14(1944). V. também, a este propósito, Laurence Tribe, American constitutional law, cit., p.1451-2. Na Alemanha, o princípio da presunção de constitucionalidade tem-se diluído no da interpretação conforme a Constituição. Na França, àluz da Carta em vigor, não há sentido em invocá-lo, tendo em vista queo Conselho Constitucional, quando lhe cabe manifestar-se, atua previa-mente à vigência da lei, inexistindo controle de constitucionalidade aposteriori. Na Espanha, embora a ênfase recaia na versão da interpre-tação conforme a Constituição, há referência expressa ao princípio dapresunção de constitucionalidade, que é irmanado ao princípio da con-servação da norma. De acordo com a doutrina espanhola, o princípioimplica (a) uma manifestação de confiança no legislador e em sua cor-reta interpretação dos princípios constitucionais; (b) a impossibilidadede declarar-se a inconstitucionalidade de uma norma, salvo quando nãoexistir "dúvida razoável" sobre sua contrariedade à Constituição; (c) a

presunção, sempre que seja "razoavelmente possível", de que, dentrevárias interpretações admissíveis, o legislador quis inclinar-se pela quepossibilita a manutenção da norma dentro dos limites constitucionais. 72. Friesenhahn, La giurisdizione costituzionale nella Repubblica Federale tedesca, 1973, p.92: "Na Alemanha se deve presumir que uma lei seja compatível com a Lei Fundamental e oprincípio expresso nessa presunção requer, na dúvida, uma interpretação conforme à Constituição"(apud Rep. n. 1 .417-7-DF, rel. Min. Moreira Alves, RT- CDC e CP, 1:314, 1992). V., infra, amplareferência à doutrina e jurisprudência alemãs na matéria. 73. Sobre a composição e atribuições do Conseil Constitutionnel, v. Constituição france-sa, arts. 56 e s., especialmente o art. 61, que prevê: "Art. 61. As leis orgânicas, antes dapromulgação, e os regimentos das duas Câmaras do Parlamento, antes de começarem a seraplicados, devem ser submetidos ao Conselho Constitucional a fim de este se pronunciar so-bre a sua conformidade com a Constituição. Para o mesmo efeito, as leis podem, antes dapromulgação, ser submetidas ao Conselho Constitucional...". Sobre o tema, no direito francêsmais recente, v. Bernard Chantebout, Droit constitutionnel et science politique, 1991, p. 574 eS., Debbasch, Bourdon, Pontier e Ricci, Droit constitutionnel et institutions politiques, 1990,p. 573 e s. Sobre a atuação concreta do Conselho, v. Louis Favoreu e Loïc Philip, Les grandesdécisions du Conseil Constitutionnel, 1991. Mais adiante far-se-á referência à proposta deintrodução do controle constitucional a posteriori no direito francês, constante de trabalhoelaborado por comissão designada pelo Presidente da República, sob a presidência de GeorgesVedel (v. Propositions pour une révision de la Constitution - 15février 1993, Rapport auprésident de la République). 74. V. Eduardo García de Enterría, La Constitución como norma y el Tribunal Consti-tucional, cit., p. 96, e Francisco Fernandez Segado, El sistema constitucional español, 1992,p.80. No Brasil, e de longa data, o princípio tem sido afirmado, assimpela doutrina como pela jurisprudência, que já assentou que a dúvidamilita em favor da lei, que a violação da Constituição há de ser mani-festa e que a inconstitucionalidade nunca se presume. É igualmentevetusta a convicção de que, entre exegeses possíveis, prefere-se a quenão infirme o ato de autoridade. A propósito, a doutrina e a jurispru-dência brasileiras têm explorado alguns aspectos conexos ao princípioda presunção de validade dos atos emanados do Poder Público. Umaquestão recorrente é a que diz respeito à possibilidade de o Poder Exe-cutivo - a rigor, de qualquer Poder - deixar de aplicar lei que seusórgãos de decisão reputem inconstitucional. Na vigência da Constitui-ção anterior, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se inclinarapela afirmativa, como se vê na decisão proferida na Representação n.980-SP, de que foi relator o Ministro Moreira Alves: "Não tenho dúvida em filiar-me à corrente que sustentaque pode o Chefe do Poder Executivo deixar de cumprir -assumindo os riscos daí decorrentes - lei que se lhe afigure

inconstitucional. A opção entre cumprir a Constituição oudesrespeitá-la para dar cumprimento à lei inconstitucionalé concedida ao particular para a defesa do seu interesseprivado. Não o será ao Chefe de um dos Poderes para adefesa, não do seu interesse particular, mas da supremaciada Constituição que estrutura o próprio Estado?". 75. Rui Barbosa, O direito do Amazonas ao Acre Setentrional, 1910, p. 28. V. também RonaldoPoletti, Controle de constitucionalidade das leis, cit., p. 103. 76. RTJ, 101:924, 1982, Rep. n. 1 .052-MS, rel. Min. Rafael Mayer. 77. RTJ, 66:631, 1973, Rep. n. 881-MG, rel. Min. Djaci Falcão. 78. RTJ, 66:631, Rep. n. 881-MG, rel. Min. Djaci Falcão. 79. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, cit., p. 307. 80. Para um amplo levantamento doutrinário e jurisprudencial, v. Luís Roberto Barroso, Po-der Executivo - lei inconstitucional - descumprimento, RDA, 181-182:387, 1990. 81. RTJ, 96:496, 1981, p. 508, Rep. n. 980-SP, rel. Min. Moreira Alves. Após o advento da Constituição de 1988, houve quem questionassea subsistência de tal faculdade, à vista do fato de que, por força dasinovações introduzidas na titularidade da ação direta de inconstituciona-lidade, o Presidente da República e o Governador do Estado passaram ater legitimação ativa para ajuizá-la (CF, art. 103, I e V). A jurisprudên-cia, todavia, ratificou a linha de entendimento anterior, em julgado doSuperior Tribunal de Justiça: "Lei inconstitucional - Poder Executivo - Negativade eficácia. O Poder Executivo deve negar execução a atonormativo que lhe pareça inconstitucional". 82. Veja-se que os Prefeitos Municipais não foram incluídos no elenco constitucional, demodo que, pelo menos no que diz respeito a eles, não haveria qualquer fundamento para modifica-ção da orientação anterior. 83. REsp 23.121/92-GO, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU, 8 nov. 1993, p. 23521.No Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIn. 221-DF, rel. Min. MoreiraAlves, embora outro o objeto da decisão, reiterou-se incidentalmente o ponto de vista tradici-onal, em passagem assim gravada: "Os Poderes Executivo e Legislativo, por sua Chefia - eisso tem sido questionado com o alargamento da legitimação ativa na ação direta deinconstitucionalidade -, podem tão-só determinar aos seus órgãos subordinados que deixem deaplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais" (RTJ151:331, 1995). O princípio da presunção de constitucionalidade das leis, conquantoimplícito em todo sistema constitucional, ganhou um reforço noordenamento brasileiro atual, por força do disposto no art. 103, § 3º, quedetermina que, sempre que o Supremo Tribunal Federal apreciar ainconstitucionalidade em tese de norma legal ou ato normativo, será cita-do o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.Instituiu-se, assim, um curador especial com o dever jurídico de susten-tar a constitucionalidade das leis impugnadas em ação direta. Note-seque, como o sistema brasileiro admite a declaração de inconstitucionalidadeem sede de jurisdição concentrada, tanto de norma estadual quanto fede-ral, caberá ao Advogado-Geral da União defender a uma ou a outra,desde que ajuizada ação perante o Supremo Tribunal. Foi esta a exegeseque a Corte deu ao § 3º do art. 103:

"Compete ao advogado-geral da União, em ação dire-ta de inconstitucionalidade, a defesa da norma legal ou atonormativo impugnado, independentemente de sua nature-za federal ou estadual. Não existe contradição entre o exercício da função nor-mal do advogado-geral da União, fixada no caput do art.131 da Carta Magna, e o da defesa de norma ou atoinquinado, em tese, como inconstitucional, quando fun-ciona como curador especial, por causa do princípio da pre-sunção de sua constitucionalidade". 84. RT, 670:200, 1991, ADIn 97-7 (QO)-RO, rel. Min. Moreira Alves. Também reverencia o princípio da presunção de constitucionalidadedas leis o art. 97 da Constituição, que prevê que somente pelo voto damaioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgãoespecial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ouato normativo do Poder Público. Em sentido antagônico ao princípio,todavia, é a admissibilidade de concessão de medida cautelar suspensivada eficácia da norma argüida de inconstitucional, consagrada na alíneap do inciso I do art. 103 da Constituição Federal. Embora a medidaseja rotineiramente concedida pelo Plenário da Corte, é do costume doTribunal remarcar-lhe a excepcionalidade. 85. A inovação remonta à Emenda Constitucional n. 7, de 1977, embora houvesse pelomenos um precedente do Supremo Tribunal Federal admitindo a possibilidade jurídica de, elepróprio, conceder medida cautelar visando a garantir a eficácia de ulterior decisão sua, nasrepresentações de inconstitucionalidade (Rep. n. 933-RJ, rel. Min. Thompson Flores, RTJ,76:342). 86. V., e. g., RTJ, 66:631, 1973, Rep. n. 881-MG, rel. Min. Djaci Falcão; 102:480, 1982,Rep. n. 1.094-SP, rel. Min. Soares Muñoz; 101 :499, 1982, Rep. n. 1.077-RJ, rel. Min. MoreiraAlves. Ao julgar o pedido de medida liminar na Ação Direta de Inconstitu-cionalidade n. 96-RO, o Relator, Ministro Celso de Mello, voltou a enfatizarque o princípio da presunção iuris tantum de constitucionalidade dos atosestatais devia ser considerado como um expressivo fator limitativo da con-cessão de medidas cautelares incidentes em ações diretas deinconstitucionalidade. Em seguida, cuidou de elencar os requisitos neces-sários e cumulativos para a concessão do provimento cautelar, a saber: a) plausibilidade jurídica da tese exposta (fumus boni iuris); b) possibilidade de prejuízo decorrente do retardamento da decisãopostulada (periculum in mora); c) irreparabilidade ou insuportabilidade dos danos emergentes dospróprios atos impugnados; e d) necessidade de garantir a ulterior eficácia da decisão. 87. RTJ, 130:5, 1989, ADIn 96-RO, rel. Min. Celso de Mello. Como regra geral, a concessão da medida cautelar suspensiva da leitem eficácia meramente ex nunc, colhendo apenas as situações vin-douras. A decisão final, todavia, como é da tradição brasileira, caso sejapela declaração de inconstitucionalidade, opera efeitos retroativos, extunc, alcançando todas as situações desde o início de vigência da lei. 88. RTJ, 124:80, 1988, Rep. n. 1 .391-CE, rel. Min. Moreira Alves; e 152:788, 1995, ADIn851-RJ, rel. Min. Marco Aurélio: "Os efeitos da concessão da liminar na ação direta deinconstitucionalidade, ao contrário do que acontece no tocante ao provimento final no sentido da

inconstitucionalidade, não têm cunho retroativo". Recentemente, no entanto, tem o Supremo admi-tido, em caráter excepcional, a suspensão com eficácia retroativa (ex tunc): "A medida cautelar, emação direta de inconstitucionalidade, reveste-se, ordinariamente, de eficácia ex nunc, operando,portanto, a partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal a defere. Excepcionalmente, noentanto, a medida cautelar poderá projetar-se com eficácia ex tunc, com repercussão sobre situa-ções pretéritas. A excepcionalidade da eficácia ex tunc impõe que o Supremo Tribunal Federalexpressamente a determine no acórdão concessivo da medida cautelar. A ausência de determinaçãoexpressa importa em outorga de eficácia ex nunc à suspensão cautelar de aplicabilidade da normaestatal impugnada em ação direta. Concedida a medida cautelar (que se reveste de caráter temporá-rio), a eficácia ex nunc (regra geral) tem seu início marcado pela publicação da ata da sessão dejulgamento no Diário de Justiça da União, exceto em casos excepcionais a serem examinados peloPresidente do Tribunal, de maneira a garantir a eficácia da decisão" (RTJ, 164:506, 1998, ADIn-MC 1.434-SP, rel. Min. Celso de Mello). A Emenda Constitucional n. 3, de 1993, introduziu a ação declarató-ria de constitucionalidade. Apesar de o nome não ser especialmentefeliz, sugerindo a quebra da presunção de que toda lei é constitucional,independentemente de pronunciamento judicial, a finalidade da proposi-ção é muito nítida: criar no direito brasileiro o precedente vinculativo.O texto da emenda é incompleto e defeituoso, mas a doutrina, de manei-ra geral, tratou-a com má vontade, enfatizando os aspectos negativos damedida. Negligenciou-se a necessidade de homogeneidadejurisprudencial em determinadas hipóteses, bem como a urgência de seencontrarem mecanismos que possibilitem solução célere para litígiosde grande escala, que paralisam o funcionamento de inúmeros juízos etribunais, sobretudo os federais. 89. É o que decorre, aliás, da letra expressa do § 2º do art. 102 da Constituição Federal, acres-centado pela Emenda n. 3, in verbis: "§ 2º - As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo SupremoTribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, pro-duzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciárioe ao Poder Executivo". No julgamento do pedido de medida cautelar na ação declaratória deconstitucionalidade 4-DF,julgada em 11-2-1998, relator o Min. Sydney Sanches, o Supremo TribunalFederal, contrariando a letra do art. 102, § 2º, da Constituição Federal - que se refere tão-somente adecisões definitivas de mérito- , estendeu a eficácia vinculante na hipótese de provimento de nature-za cautelar, nestes termos: "Em ação dessa natureza, pode a Corte conceder medida cautelar queassegure, temporariamente, tal força e eficácia à futura decisão de mérito. E assim é, mesmo semexpressa previsão constitucional de medida cautelar na ADC, pois o poder de acautelar é imanente aode julgar. (...) Medida cautelar deferida, em parte, por maioria de votos, para se suspender, ex nunc, e

com efeito vinculante, até o julgamento final da ação, a concessão de tutela antecipada contra a Fazen-da Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º da Lein. 9.494, de 10.09.97, sustando-se, igualmente ex nunc, os efeitos futuros das decisões já proferidas,nesse sentido" (Inf. STF, 99:1, 1998, ADC-MC 4, rel. Min. Sydney Sanches). 90. V., sobre o tema, Ação declaratória de constitucionalidade, 1995, coletânea coordenadapor Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. 91. Ao apreciar Questão de Ordem na ADIn 1-1-DF, o Supremo Tribunal Federal, por amplamaioria, vencido o Min. Marco Aurélio, entendeu ser constitucional a nova ação. Sobre algunsaspectos da conveniência de implantação da medida, veja-se o voto do Min. Carlos Mário Velloso,transcrito na obra citada no item precedente, p. 231 e s. O princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do PoderPúblico, notadamente das leis, é uma decorrência do princípio geral daseparação dos Poderes e funciona como fator de autolimitação da ativida-de do Judiciário, que, em reverência à atuação dos demais Poderes, so-mente deve invalidar-lhes os atos diante de casos de inconstitucionalidadeflagrante e incontestável.

4. Princípio da interpretação conforme a Constituição Ficou registrado acima, no estudo da presunção de constitucionalidadedas normas jurídicas e dos atos do Poder Público em geral, que umanorma não deve ser declarada inconstitucional: (a) quando a invalidadenão seja manifesta e inequívoca, militando a dúvida em favor de sua pre-servação; (b) quando, entre interpretações plausíveis e alternativas, existaalguma que permita compatibilizá-la com a Constituição. A segunda hipótese considerada acima abriga a chamada interpreta-ção conforme a Constituição. Se a primeira possibilidade - que encarnaa presunção de constitucionalidade propriamente dita - tem sua matriz eseu desenvolvimento ligados ao direito norte-americano, já o princípio dainterpretação conforme a Constituição tem sua trajetória e especialmenteo seu desenvolvimento recente ligados à jurisprudência do Tribunal Cons-titucional Federal alemão, onde sua importância é crescente. 92. V. Konrad Hesse, La interpretación constitucional, in Escritos de derecho constitucional,1983, p. 53. Para um amplo levantamento da doutrina alemã sobre o tema, com remissão a trabalhosde Weinscheimer, Leibholz, Hãberle, Müller e Henkel, dentre outros, v. Ricardo Lobo Torres, Normasde interpretação e integração do direito tributário, 1988, p. 43, nota 35. A interpretação conforme a Constituição compreende sutilezas que seescondem por trás da designação truística do princípio. Cuida-se, por certo,da escolha de uma linha de interpretação de uma norma legal, em meio aoutras que o Texto comportaria. Mas, se fosse somente isso, ela não sedistinguiria da mera presunção de constitucionalidade dos atos legislativos,que também impõe o aproveitamento da norma sempre que possível. Oconceito sugere mais: a necessidade de buscar uma interpretação que nãoseja a que decorre da leitura mais óbvia do dispositivo. E, ainda, da suanatureza excluir a interpretação ou as interpretações que contravenham aConstituição. À vista das dimensões diversas que sua formulação compor-ta, é possível e conveniente decompor didaticamente o processo de inter-pretação conforme a Constituição nos elementos seguintes: 1) Trata-se da escolha de uma interpretação da norma legal que amantenha em harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outraspossibilidades interpretativas que o preceito admita. 2) Tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a nor-

ma, que não é o que mais evidentemente resulta da leitura de seu texto. 3) Além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se à ex-clusão expressa de outra ou outras interpretações possíveis, que condu-ziriam a resultado contrastante com a Constituição. 4) Por via de conseqüência, a interpretação conforme a Constitui-ção não é mero preceito hermenêutico, mas, também, um mecanismode controle de constitucionalidade pelo qual se declara ilegítima umadeterminada leitura da norma legal. Na interpretação conforme a Constituição, o órgão jurisdicional de-clara qual das possíveis interpretações de uma norma legal se revelacompatível com a Lei Fundamental. Isso ocorrerá, naturalmente, sem-pre que um determinado preceito infraconstitucional comportar diver-sas possibilidades de interpretação, sendo qualquer delas incompatívelcom a Constituição. Note-se que o texto legal permanece íntegro, massua aplicação fica restrita ao sentido declarado pelo tribunal. 93. V. Gilmar Ferreira Mendes, Controle de constitucionalidade, 1990, p. 284 e s., e Controlede constitucionalidade na Alemanha, RDA, 193:13,1993. Veja-se, também, J. J. Gomes Canotilho,Direito constitucional, cit., p. 236: "A interpretação conforme a Constituição só é legítima quandoexiste um espaço de decisão (= espaço de interpretação) em que são admissíveis várias propostasinterpretativas, umas em conformidade com a constituição e que devem ser preferidas, e outras emdesconformidade com ela". Sobre o tema, ainda, além do estudo de Hesse, já citado, vejam-seEduardo García de Enterría, La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional, cit., p. 95 e s.;Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, 1983, t. 2, p. 232 e s.; Klaus Stern, Derecho delEstado de la República Federal alemana, 1987, p. 297 e s.; Francisco Fernandez Segado, El siste-ma constitucional español, 1992, p. 79-81; Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, Comentá-rios à Constituição do Brasil, v. 1, p. 351-2; C. A. Lúcio Bittencourt, O controle jurisdicional daconstitucionalidade das leis, 1968, p. 93-4 e 118-9. Se o sentido mais evidente que resulta do texto interpretado for com-patível com a Constituição, dificilmente haverá necessidade de se recor-rer a um princípio cuja finalidade última é a de salvar uma normaameaçada. O papel da interpretação conforme a Constituição é, precisa-mente, o de ensejar, por via de interpretação extensiva ou restritiva, con-forme o caso, uma alternativa legítima para o conteúdo de uma normaque se apresenta como suspeita. Na síntese perfeita de Jorge Miranda: "A interpretação conforme à Constituição não consistetanto em escolher entre vários sentidos possíveis e normaisde qualquer preceito, o que seja mais conforme com a Cons-tituição, quanto em discernir no limite - na fronteira dainconstitucionalidade - um sentido que, conquanto nãoaparente ou não decorrente de outros elementos de inter-pretação, é o sentido necessário e o que se torna possívelpor virtude da força conformadora da Lei Fundamental". 94. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, cit., p. 233. V. também Celso RibeiroBastos e Ives Gandra Martins, Ação declaratória de constitucionalidade, cit., p. 351. Freqüentemente, o princípio enseja que se afirme a compatibilidadede uma lei com a Constituição, com exclusão expressa de outras possi-bilidades interpretativas, reputadas inconstitucionais. Visto pelo lado po-sitivo, a conseqüência que engendra é, sem dúvida, a preservação da

norma. Mas, pelo lado negativo, tem um caráter invalidatório, sendoacertada sua equiparação a uma declaração de nulidade sem redução detexto, como fazem autores alemães, a despeito da crítica de cunhoteorizante de Bryde. 95. V. Gilmar Ferreira Mendes, Controle de constitucionalidade na Alemanha, cit., p. 13,com referência a Bryde, Verfassungsentwicklung, Stabilität und Dynamik im Verfassungsrecht derBundesrepublick Deutschland, p. 411. Porque assim é, a interpretação conforme a Constituição funcionatambém como um mecanismo de controle de constitucionalidade. Comobem perceberam os publicistas alemães e, especialmente, o TribunalConstitucional Federal, quando o Judiciário condiciona a validade dalei a uma determinada interpretação ou declara que certas aplicaçõesnão são compatíveis com a Constituição está, em verdade, declarando ainconstitucionalidade de outras possibilidades de interpretação(Auslegungsmöglichkeiten) ou de outras possíveis aplicações(Anwendungsfälle). 96. Klaus Schlaich, DassV Bundesverfassungsgericht, 1985, p. 164-5, e Ipsen, Rechtsfolgender Verfassungswidrigkeit von Norm und Einzelakt, 1980, p. 100, apud Gilmar Ferreira Mendes,Controle de constitucionalidade, cit., p. 285-6. Em acórdão unânime e longamente fundamentado, de que foi Relatoro Ministro Moreira Alves, pronunciou-se o Supremo Tribunal Federalsobre a específica questão de ser a interpretação conforme a Constitui-ção não apenas um critério hermenêutico, mas também um mecanismode controle de constitucionalidade: "O mesmo ocorre quando Corte dessa natureza (cons-titucional), aplicando a interpretação conforme à Consti-tuição, declara constitucional uma lei com a interpretaçãoque a compatibiliza com a Carta Magna, pois, nessa hipóte-se, há uma modalidade de inconstitucionalidade parcial (ainconstitucionalidade parcial sem redução do texto -Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung), o que im-plica dizer que o tribunal constitucional elimina - e atua,portanto, como legislador negativo - as interpretações porela admitidas, mas inconciliáveis com a Constituição". 97. RT-CDC e CP, 1:314, 1992, p. 330, Rep. n. 1.417-7, rel. Min. Moreira Alves,j. 9-12-1987. Os autores especulam sobre o fundamento da interpretação confor-me a Constituição. A doutrina alemã sustenta que ela deita suas raízesno princípio da unidade do ordenamento jurídico. Em Portugal, JorgeMiranda justifica-a em nome de um princípio de economia doordenamento ou de máximo aproveitamento dos atos jurídicos - e nãode uma presunção de constitucionalidade. Sem desprezo a tais consi-derações, o princípio se reconduz, mais primitivamente, à independên-cia e harmonia entre os Poderes. 98. Konrad Hesse, La interpretación constitucional, in Escritos de derecho constitucional,cit., p. 54-5. 99. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, cit., p. 233. De fato, embora nasça e flua, inicialmente, ao lado do princípio dapresunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público, um e outroatuam como mecanismos de autolimitação do Poder Judiciário (judicialself-restraint) no processo de revisão dos atos dos outros Poderes. De-veras, foi ao Poder Legislativo, que tem o batismo da representaçãopopular, e não ao Judiciário, que a Constituição conferiu a função decriar o direito positivo e reger as relações sociais. Só por exceção - eem resguardo de inequívoca vontade constitucional - é que deverão

juízes e tribunais superpor sua interpretação às decisões e avaliaçõesdos legisladores. Sem embargo desse fundamento remoto, o princípio guarda suasconexões com a unidade do ordenamento jurídico e, dentro desta, com asupremacia da Constituição. Disso resulta que as leis editadas na vigên-cia da Constituição, assim como as que procedam de momento anterior,devem curvar-se aos comandos da Lei Fundamental e ser interpretadasem conformidade com ela. É bem de ver, todavia, que esse esforço inter-pretativo para preservar a lei em face da Constituição encontra limites. Foi objeto de menção anterior a constatação de Canotilho de que ainterpretação conforme a Constituição só é legítima quando existe umespaço de decisão onde são admissíveis várias possibilidadesinterpretativas. Aí, embora mantida a primazia do legislador, sua mani-festação é limitada, quando não adaptada pela interpretação do tribunal.Mas, naturalmente, não é possível ao intérprete torcer o sentido das pa-lavras nem adulterar a clara intenção do legislador. Para salvar a lei, nãoé admissível fazer uma interpretação contra legem. Tampouco será legí-tima uma linha de entendimento que prive o preceito legal de qualquerfunção útil. Atente-se, por relevante, que o excesso na utilização do prin-cípio pode deturpar sua razão de existir. Isso porque, ao declarar uma leiinconstitucional, o Judiciário devolve ao Legislativo a competência parareger a matéria. Mas, ao interpretar a lei estendendo-a ou restringindo-aalém do razoável, estará mais intensamente interferindo nas competen-cias do Legislativo, desempenhando função legislativa positiva. 100. Vejam-se: J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 236-7; Jorge Miranda,Manual de direito constitucional, cit., p. 233-4; Konrad Hesse, La interpretación constitucional, inEscritos de derecho constitucional, cit., p. 55-6. A matéria não escapou à percepção do Supremo Tribunal brasileiro.De fato, no julgamento da Representação de Inconstitucionalidade n.1.417-7-DF, ficou consignado, já na ementa da decisão: "A aplicação desse princípio sofre, porém, restrições,uma vez que (...) o STF (...) não tem o poder de agir comolegislador positivo, para criar norma jurídica diversa da ins-tituída pelo Poder Legislativo. Por isso, se a única interpre-tação possível para compatibilizar a norma com a Consti-tuição contrariar o sentido inequívoco que o Poder Legis-lativo lhe pretendeu dar, não se pode aplicar o princípio dainterpretação conforme a Constituição, que implicaria, emverdade, criação de norma jurídica, o que é privativo dolegislador positivo. No caso, não se pode aplicar a interpretação conformeà Constituição, por não se coadunar essa com a finalidadeinequivocamente colimada pelo legislador, expressa lite-ralmente no dispositivo em causa, e que dele ressalta peloselementos da interpretação lógica". 101. RT - CDC e CP, 1:314, 1992, Rep. n. 1.417-7, rel. Min. Moreira Alves. No mérito, o Supremo declarou inconstitucional a concessão deuma série de vantagens pecuniárias aos magistrados pela Lei Comple-mentar n. 54/86, em alteração à Lei Orgânica da Magistratura Nacio-nal (Lei Complementar n. 35/79). Também se rejeitou a possibilidadede interpretação conforme a Constituição na argüição incidental deinconstitucionalidade referente à devolução do empréstimo compul-sório em quotas do Fundo Nacional de Desenvolvimento e não emespécie, sob o fundamento de tratar-se de imposto restituível, e não deempréstimo compulsório. O voto condutor foi do Ministro SepúlvedaPertence: "Sendo, portanto, inequívoco que o que o Decreto-lei2.288/86 pretendeu foi instituir um empréstimo compulsó-

rio, que, por sua natureza mesma de empréstimo, implica adevolução em dinheiro ou em título que o represente, não épossível pretender-se, para conformar esse Diploma legalcom a Constituição, dar-lhe sentido que inequivocamenteo altera em ponto essencial: o de que onde se lê "emprésti-mo compulsório" se entenda "imposto restituível em espé-cie diversa da entregue pelo contribuinte" que seria, na ver-dade, um "investimento compulsório"".O princípio, todavia, prestou-se à sua utilidade própria no julga-mento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 581-DF, tendo porobjeto a Lei n. 8.215/91. O Supremo Tribunal Federal admitiu a consti-tucionalidade da lei, desde que se lhe emprestasse interpretação harmo-nica com uma série de premissas que enunciou expressamente. Do votodo Ministro Celso de Mello extrai-se a seguinte e expressiva passagem: "A incidência desse postulado permite, desse modo,que, reconhecendo-se legitimidade constitucional a uma de-terminada proposta interpretativa, excluam-se as demaisconstruções exegéticas propiciadas pelo conteúdonormativo do ato questionado. Em suma: o princípio da interpretação conforme aConstituição, ao reduzir a expressão semiológica do atoimpugnado a um único sentido interpretativo, garante, apartir de sua concreta incidência, a integridade do ato doPoder Público no sistema de direito positivo. Essa funçãoconservadora da norma permite que se realize, sem redu-ção do texto, o controle de sua constitucionalidade". 102. RTJ, 139:624, 1992, p. 636, RE 121.336-CE, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 11-10- 1990. 103. RTJ, 144:146, 1993, p. 154, ADIn 581 -DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. 12-8-1992. Foi a partir dessa decisão que o Supremo, seguindo proposta doMinistro Moreira Alves, e na linha adotada pelo Tribunal Constitucio-nal Federal alemão, passou, nos casos de interpretação conforme a Cons-tituição, a julgar a ação direta procedente em parte, em lugar de julgá-laimprocedente . 104. RTJ, 144:146, p. 154, ADIn 581-DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. 12-8-1992. Há um último ponto digno de registro. Toda atividade legislativaordinária nada mais é, em última análise, do que um instrumento deatuação da Constituição, de desenvolvimento de suas normas e realiza-ção de seus fins. Portanto, e como já assentado, o legislador tambéminterpreta rotineiramente a Constituição. Simétrica à interpretação dalei conforme a Constituição situa-se a interpretação da Constituição con-forme a lei. Quando o Judiciário, desprezando outras possibilidadesinterpretativas, prestigia a que fora escolhida pelo legislador, está, emverdade, endossando a interpretação da Constituição conforme a lei.Mas tal deferência há de cessar onde não seja possível transigir com avontade cristalina emanada do Texto Constitucional. 105. Vejam-se, a respeito, J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 242; KonradHesse, La interpretación constitucional, in Escritos de derecho constitucional, cit., p. 57; e KlausStern, Derecho del Estado de la República Federal alemana, cit., p. 299-300.

5. Princípio da unidade da Constituição A despeito da pluralidade de domínios que abrange, a ordem jurídi-ca constitui uma unidade. De fato, é decorrência natural da soberania doEstado a impossibilidade de coexistência de mais de uma ordem jurídi-ca válida e vinculante no âmbito de seu território. Para que possa sub-sistir como unidade, o ordenamento estatal, considerado na sua

globalidade, constitui um sistema cujos diversos elementos são entre sicoordenados, apoiando-se um ao outro e pressupondo-se reciprocamen-te. O elo de ligação entre esses elementos é a Constituição, origem co-mum de todas as normas. E ela, como norma fundamental, que confereunidade e caráter sistemático ao ordenamento jurídico. 106. V. Hans Kelsen, Teoria geral do direito e do Estado, 1990, p. 116; Santi Romano, Prin-cípios de direito constitucional geral, 1977, p. 126; e Miguel Reale, Teoria do direito e do Estado,1984, p. 202. A idéia de unidade da ordem jurídica se irradia a partir da Constitui-ção e sobre ela também se projeta. Aliás, o princípio da unidade da Cons-tituição assume magnitude precisamente pelas dificuldades geradas pelapeculiaríssima natureza do documento inaugural e instituidor da ordemjurídica. É que a Carta fundamental do Estado, sobretudo quando pro-mulgada em via democrática, é o produto dialético do confronto de cren-ças, interesses e aspirações distintos, quando não colidentes. Emboraexpresse um consenso fundamental quanto a determinados princípios enormas, o fato é que isso não apaga "o pluralismo e antagonismo deidéias subjacentes ao pacto fundador". 107. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 196. É precisamente por existir pluralidade de concepções que se tornaimprescindível a unidade na interpretação. Afinal, a Constituição não éum conjunto de normas justapostas, mas um sistema normativo fundadoem determinadas idéias que configuram um núcleo irredutível,condicionante da inteligência de qualquer de suas partes. O princípio daunidade é uma especificação da interpretação sistemática, e impõe aointérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre nor-mas. Deverá fazê-lo guiado pela grande bússola da interpretação consti-tucional: os princípios fundamentais, gerais e setoriais inscritos ou de-correntes da Lei Maior. O princípio da unidade da Constituição tem amplo curso na doutri-na e na jurisprudência alemãs. Em julgado que Klaus Stern refere comoprimeira grande decisão do Tribunal Constitucional Federal, lavrou aque-la Corte que "uma disposição constitucional não pode ser consideradade forma isolada nem pode ser interpretada exclusivamente a partir de simesma. Ela está em uma conexão de sentido com os demais preceitosda Constituição, a qual representa uma unidade interna". Invocandotal acórdão, Konrad Hesse assinalou que a relação e interdependênciaexistentes entre os distintos elementos da Constituição exigem que setenha sempre em conta o conjunto em que se situa a norma. E acrescen-ta: "Todas as normas constitucionais devem ser interpretadas de tal ma-neira que se evitem contradições com outras normas constitucionais. Aúnica solução do problema coerente com este princípio é a que se en-contre em consonância com as decisões básicas da Constituição e evitesua limitação unilateral a aspectos parciais". 108. BVerfGE, 1, 14(32). V. Klaus Stern, Derecho del Estado de la República Federal alemana,cit., p. 291. 109. Konrad Hesse, La interpretación constitucional, in Escritos de derecho constitucional,cit., p. 48. Em decisão posterior, o Tribunal Constitucional Federal alemão vol-tou a remarcar o princípio, conferindo-lhe, inclusive, distinção especiale primazia: "O princípio mais importante de interpretação é o da unida-de da Constituição enquanto unidade de um conjunto com sentidoteleológico-lógico, já que a essência da Constituição consiste em seruma ordem unitária da vida política e social da comunidade estatal".O fim primário do princípio da unidade é procurar determinar o pontode equilíbrio diante das discrepâncias que possam surgir na aplicaçãodas normas constitucionais, cuidando de administrar eventuais

superposições. A tarefa, todavia, pode revelar-se mais complexa do queparece à primeira vista. 110. BVerfGE, 19, 206 (220). V. Klaus Stern, Derecho del Estado de la República Federalalemana, cit., p. 292. Já se disse, anteriormente, que a ordem jurídica de cada Estado cons-titui um sistema lógico, que não admite a possibilidade de uma mesmasituação jurídica estar sujeita à incidência de normas contrastantes entresi. O direito não tolera antinomias. Para impedir que tal ocorra, a ciên-cia jurídica socorre-se de variados critérios, como o hierárquico e o daespecialização, além de regras específicas que solucionam os conflitosde leis no tempo e no espaço. Contudo, à exceção eventual do critério daespecialização, esse instrumental não é capaz de solucionar conflitosque venham a existir no âmbito de um documento único e superior,como é a Constituição. Mais que isso: do ponto de vista lógico, as nor-mas constitucionais, frutos de uma vontade unitária e geradas simulta-neamente, não podem jamais estar em conflito. Portanto, ao intérpreteda Constituição só resta buscar a conciliação possível entre proposiçõesaparentemente antagônicas, cuidando, todavia, de jamais anular inte-gralmente uma em favor da outra. 111. Veja-se, sobre o tema, a lição de Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 232: "Comoponto de orientação, "guia de discussão" e "factor hermenêutico de decisão", o princípio da unida-de obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar osespaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar". Um lance de olhos sobre a Constituição brasileira de 1988 reveladiversos pontos de tensão normativa, isto é, de proposições que consa-gram valores e bens jurídicos que se contrapõem e que devem ser harmo-nizados pelo intérprete. No campo dos direitos individuais, a Lei básicaconsigna a liberdade de manifestação do pensamento e de expressão emgeral (art. 5º, IV e X). Tais liberdades públicas, todavia, hão de encontrarjustos limites, por exemplo, no direito à honra e à intimidade, que a Cons-tituição também assegura (art. 5º, XI). No domínio econômico, a Carta de1988 elegeu como princípio fundamental a livre iniciativa (arts. 1º, IV, e170, caput), mas prevê restrições ao capital estrangeiro (e. g. arts. 172 e176, § 1º), contempla a possibilidade de exploração da atividade econô-mica pelo Estado (art. 173) e mesmo alguns casos de monopólio estatal(e. g., art. 177). O direito de propriedade (art. 5º, XXII) requer conciliaçãocom o princípio da função social da propriedade, enfaticamente inscritona Constituição (arts. 5º, XXIII, 170, III, 182, § 2º, e 186). É de se assinalar que o princípio da unidade da Constituição, usual-mente, operará através da utilização de outros princípios e regras deinterpretação. Um estudo de caso ilustrará a idéia. Veja-se o que se pas-sava antes da Reforma Administrativa levada a efeito pela Emenda Cons-titucional n. 19/98: o art. 37 da Carta em vigor, que traz o elenco deprincípios e regras que regerão a administração pública direta e indireta(que inclui as sociedades de economia mista e as empresas públicas),previa no inciso XI que o teto de remuneração dos servidores públicosdo Poder Executivo era, em âmbito federal, a remuneração dos Minis-tros de Estado (hoje a dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, nanova redação dada pela Emenda n. 19/98). Já o § 1º do art. 173 dispunha(e ainda dispõe, só que em maior extensão, no inciso II do mesmo para-grafo) que as empresas públicas e as sociedades de economia mista queexplorem atividades econômicas terão o mesmo regime jurídico das em-presas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas. A aparentecontradição era muito nítida: o art. 37 afirmava que as sociedades de eco-nomia mista e as empresas públicas, por integrarem a administração indi-reta, teriam de observar um teto na remuneração de seus servidores, e o §1º do art. 173 previa, e ainda prevê, que elas devem ter o mesmo regime

das empresas privadas, onde inexiste limite máximo de remuneração. Ora bem: como deveria proceder o intérprete, que tem sempre odever de harmonizar os dois preceptivos, sem que tornasse qualquerdeles letra morta? No caso específico, a interpretação teleológica serviucomo linha auxiliar para assegurar a unidade da Constituição. Qual era,e continua sendo, a finalidade da norma do inciso XI do art. 37? Limitara remuneração no serviço público, inclusive na administração indireta.Qual a finalidade da norma do § 1º do art. 173? Impedir a concorrênciadesleal da administração pública com a iniciativa privada. Por este ca-minho, chegava-se à constatação singela de que o limite máximo deremuneração se aplicava às sociedades de economia mista e às empre-sas públicas. Isso porque ele decorria da letra expressa do art. 37, XI, enão encontrava obstáculo no art. 173, § 1º, que visa a impedir que asempresas estatais tenham tratamento mais favorável, e não mais rigoro-so, quando seja o caso. A incompatibilidade entre os dispositivos, comose vê, era meramente aparente. Hoje, no entanto, a questão se encontra superada, pois apesar de anova redação do inciso XI do art. 37 só fazer referência aos ocupantesde cargos, funções e empregos públicos nas administrações direta,autárquica e fundacional, excluindo aparentemente os empregados dassociedades de economia mista e empresas públicas, o art. 37, § 9º, intro-duzido pela Emenda Constitucional n. 19/98, foi expresso: "§ 9º - O disposto no inciso XI aplica-se às empresaspúblicas e às sociedades de economia mista, e suas subsi-diárias, que receberem recursos da União, dos Estados, doDistrito Federal ou dos Municípios para pagamento de des-pesas de pessoal ou de custeio em geral". Nesta, como em outras hipóteses, o intérprete, sob a inspiração doprincípio da unidade da Constituição, há de encontrar o espaço adequa-do de incidência de cada uma das normas que potencialmente podemincidir sobre o caso concreto. 112. Sobre o tema, anteriormente à Reforma Constitucional Administrativa introduzida pelaEmenda Constitucional n. 19/98, v. Luís Roberto Barroso, parecer publicado na RPGERJ, 46:245,1993, assim ementado: "O limite máximo de remuneração previsto no inciso XI do art. 37 daConstituição Federal aplica-se aos empregados das sociedades de economia mista". O papel do princípio da unidade é o de reconhecer as contradições etensões - reais ou imaginárias - que existam entre normas constitucio-nais e delimitar a força vinculante e o alcance de cada uma delas. Cabe-lhe, portanto, o papel de harmonização ou "otimização" das normas, namedida em que se tem de produzir um equilíbrio, sem jamais negar porcompleto a eficácia de qualquer delas. Também aqui, a simplicidadeda teoria não reduz as dificuldades práticas surgidas na busca do equilí-brio desejado e na eleição de critérios que possam promovê-lo. 113. Klaus Stern, Derecho del Estado de la República Federal alemana, cit., p. 294. O termo"otimização" foi colhido em Hesse, La interpretación constitucional, in Escritos de derecho cons-titucional, cit., p. 49. A doutrina mais tradicional divulga como mecanismo adequado àsolução de tensões entre normas a chamada ponderação de bens ou va-lores. Trata-se de uma linha de raciocínio que procura identificar o bemjurídico tutelado por cada uma delas, associá-lo a um determinado va-lor, isto é, ao princípio constitucional ao qual se reconduz, para, então,traçar o âmbito de incidência de cada norma, sempre tendo como refe-rência máxima as decisões fundamentais do constituinte. A doutrina temrejeitado, todavia, a predeterminação rígida da ascendência de determi-nados valores e bens jurídicos, como a que resultaria, por exemplo, daabsolutização da proposição in dubio pro libertate. Se é certo, por exem-

plo, que a liberdade deve, de regra, prevalecer sobre meras conveniên-cias do Estado, poderá ela ter de ceder, em determinadas circunstâncias,diante da necessidade de segurança e de proteção da coletividade. 114. Klaus Stern, Derecho del Estado de la República Federal alemana, cit., p. 295. Um bom exemplo dessa possibilidade, aliás, foi o caso Korematsuvs. United States, já mencionado. Ao julgá-lo, a Suprema Corte ame-ricana, em sacrifício de uma longa tradição de preservação da liberdadee de não-discriminação em função da origem nacional, considerou váli-da a imposição aos americanos descendentes de japoneses, durante a 2ªGuerra, de uma série de limitações à liberdade de ir e vir, com o objetivode prevenir possíveis atos de espionagem e sabotagem. Naquele mo-mento, o valor segurança esteve acima do valor liberdade. Segundo aCorte, "necessidades públicas prementes podem, às vezes, justificar res-trições raciais. 115.323 U. S.214(1944). 116.323 U. S.214 (1944): "Pressing public necessity may sometimes justify racial restrictions". KLaus Stern, defendendo a idéia de que em nenhum lugar o orde-namento pode prescindir da ponderação de bens jurídicos, invoca a au-toridade do Tribunal Constitucional Federal alemão, quando diz: "To-das as disposições constitucionais têm que ser interpretadas de tal ma-neira que sejam compatíveis com as normas fundamentais elementaresda Lei Fundamental e com sua ordem de valor". De forma análoga,em decisão anterior, pronunciara-se a Corte: "... os conflitos somente sepodem resolver na medida em que se chega à conclusão de que disposi-ção constitucional é a que tem maior peso para a questão que se vaidecidir em concreto". 117. BVerfGE, 30, 1(19). 17. K. Stern, Derecho del Estado de la República Federal alemana,cit., p. 294. 118. BVerFGE, 28,243(261). V. K. Stern,Derecho del Estado de la República Federal alemana. Na linha que se vem desenvolvendo, resulta certo que os bens jurí-dicos constitucionalmente protegidos devem ser coordenados de formaa que todos eles possam conservar sua identidade. Por isso, adverte Hesse,é preciso ter cuidado na utilização de fórmulas como a ponderação debens e a ponderação de valores. Cabe ao intérprete, por força do princí-pio da unidade, um esforço de otimização: é necessário estabelecer oslimites de ambos os bens a fim de que cada um deles alcance umaefetividade ótima. Na busca dessa concordância prática, passa-se porum outro princípio, que se apreciará adiante: o da proporcionalidade. 119. Konrad Hesse, La interpretación constitucional, in Escritos de derecho constitucional,cit., p. 48-9. Tudo o que se viu até aqui em nome da unidade constitucional re-força o papel dos princípios constitucionais como condicionantes dainterpretação das normas da Lei Maior. São eles que conferem unidadee coerência ao sistema e é a eles que se recorre na solução das tensõesnormativas. A grande premissa sobre a qual se alicerça o raciocínio de-senvolvido é a de que inexiste hierarquia normativa entre as normasconstitucionais, sem qualquer distinção entre normas materiais ou for-mais ou entre normas-princípio e normas-regra. Isso porque, em direito,hierarquia traduz a idéia de que uma norma colhe o seu fundamento devalidade em outra, que lhe é superior. Não é isso que se passa entrenormas promulgadas originariamente com a Constituição. Não obstante isso, é inegável o destaque de algumas normas, querpor expressa eleição do constituinte, quer pela lógica do sistema. Nodireito constitucional positivo brasileiro, foram expressamente presti-giadas as normas que cuidam das matérias integrantes do núcleo imo-dificável da Constituição, que reúne as chamadas cláusulas pétreas.

Consoante o elenco do § 4º do art. 60, não podem ser afetadas por emendasque tendam a abolir os valores que abrigam as normas que cuidam: a) daforma federativa do Estado; b) do voto direto, secreto, universal e periódi-co; c) da separação dos Poderes; d) dos direitos e garantias individuais. Todos os itens acima, não é difícil constatar, estão ligados a algumdos princípios fundamentais do ordenamento, a saber: o princípio fede-rativo, o princípio democrático e o princípio republicano (periodicidadede voto). Aliás, ao menos idealmente, a Democracia, a República e aFederação constituem, de longa data, o trinômio essencial do Estadobrasileiro. É natural que esses princípios fundamentais, notadamente osque foram objeto de distinção especial no § 4º do art. 60, sejam os gran-des vetores interpretativos do Texto Constitucional. Em seguida, vêm osprincípios gerais e setoriais. Porque assim é, deve-se reconhecer a exis-tência, no Texto Constitucional, de uma hierarquia axiológica, resulta-do da ordenação dos valores constitucionais, a ser utilizada sempre quese constatarem tensões que envolvam duas regras entre si, uma regra eum princípio ou dois princípios. Tratando especificamente dessa questão da hierarquia axiológica,Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em trabalho dedicado ao estudo daordem econômica - campo onde a pluralidade de enfoques políticosincidiu especialmente -, cuidou da hipótese em que uma instituição éinformada por mais de um princípio constitucional. Aventou, assim, asseguintes possibilidades: a) que esses princípios se harmonizem plenamente, inocorrendoqualquer problema, já que um e outro poderão ser aplicados com igualeficácia; b) que esses princípios não se harmonizem integralmente, o quefará com que onde haja colisão se aplique o de maior hierarquia axio-lógica; c) que esses princípios sejam incompatíveis, caso em que prevale-cerá o de maior hierarquia axiológica, salvo onde o constituinte houveroptado pelo de menor hierarquia, excepcionando expressamente a inci-dência do princípio superior. 120. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, A ordem econômica na Constituição de 1988,RPGERJ, 42:57, 1990, p. 59-60. Na mesma linha é o entendimento de Raúl Canosa Usera, que, apósclassificar os princípios em materiais e instrumentais, aponta o princí-pio da unidade da Constituição como o mais importante desta segundacategoria. Doutrina o autor espanhol que uma correta interpretaçãodo Texto Fundamental exige a colocação de certas de suas disposiçõesnum patamar superior. Essas disposições valorizadas serão as normasde princípio. Tais normas, no entanto, não estão em um plano superior,no sentido de tornar ilegítimas as outras normas constitucionais, naqui-lo em que se confrontem. Trata-se, afirma ele, de uma hierarquia estru-tural. Na verdade, usando outra denominação, a idéia subjacente é a dahierarquia axiológica, já exposta. 121. Raúl Canosa Usera, Interpretación constitucional y fórmula política, 1988,p. 163 e175. A classificação em princípios materiais e instrumentais, que o autor não desenvolve comnitidez, parece corresponder à divisão entre a parte orgânica e a parte dogmática da Constituição(p. 63 e s.). O princípio da unidade da Constituição, também referido como prin-cípio da unidade hierárquico-normativa da Constituição, na visão dealguns autores, encontraria importante exceção na admissibilidade daexistência de normas constitucionais inconstitucionais. Seu principalformulador foi o alemão Otto Bachoff, que desenvolveu a tese em aulainaugural proferida em Heidelberg, em 1951, e a materializou em umopúsculo intitulado, no original, Verfassungswidrige Verfassungs-

normen?. Pouco lido e citado por vezes com equivocidade, o trabalhode Bachoff não tem as implicações que a ele se tem atribuído. É oportu-no analisar algumas de suas considerações. 122. Rejeitam tal possibilidade, em meio a outros, Klaus Stern, Derecho del Estado de la Repú-blica Federal alemana, cit., p. 292-3, e Raúl Canosa Usera, Interpretación constitucional y fórmulapolítica,cit.,p. 167-8. 123. Há uma tradução portuguesa dessa obra - Normas constitucionais inconstitucionais? -,que teve uma reimpressão em 1994. Reconhece ele, de plano, que o legislador constituinte, e, especifi-camente, o alemão, ao instituir o controle de constitucionalidade, pen-sou "em primeira linha, se não mesmo com exclusividade", no controlede normas jurídicas sob a Constituição. Sua cogitação recaiu sobre acompatibilidade das leis estaduais e das leis federais com a Constitui-ção. Porém, prossegue, também é cabível conceber-se umainconstitucionalidade de normas constitucionais (um só e mesmo pla-no), e tal eventualidade não deve ser excluída do controle judicial.Passa, em seguida, a enunciar as diferentes possibilidades de normasconstitucionais inconstitucionais (inválidas). 124. Otto Bachoff, Normas constitucionais inconstitucionais, 1994, p. 12. A primeira hipótese figurada por Bachoff é a que denominainconstitucionalidade de normas constitucionais ilegais. De fora partea denominação, que não parece feliz, não traz ela qualquer componenteque seja repugnante à doutrina convencional ou que infirme o princípioda unidade hierárquico-normativa da Constituição. Disserta ele, sob essarubrica, acerca de três variações. A primeira delas consistiria em umaConstituição não obedecer ao rito por ela mesma especificado para suaentrada em vigor, como, por exemplo, sua ratificação por um determi-nado número de Estados federados. A segunda seria tipificada por umadada disposição constitucional depender, para sua vigência, de um re-quisito específico, como, por exemplo, a submissão a um plebiscito(melhor diria, pelo caráter posterior da consulta, referendo). E a terceiradiria respeito à inobservância, pelo processo constituinte, do que hou-vesse sido estabelecido em leis pré-constitucionais, que condicionassema validade da Constituição. Os dois primeiros exemplos - o da ratificação e o do plebiscito/referendo - cuidam do estabelecimento de ato-condição para o iníciode vigência da norma e contemplam possibilidades que têm inúmerosantecedentes históricos, a começar pela Constituição norte-americana,que em seu art. 7º previa a ratificação por nove Estados para que fosseadotada. São casos perfeitamente enquadráveis na teoria constitucio-nal ordinária. O terceiro exemplo poderia trazer alguma perplexidade,por importar em um condicionamento da ordem jurídica precedente aodesempenho do poder constituinte. Mas, em seguida, esclarecendo aidéia, Bachoff reproduz o conhecimento convencional: "Todavia, as leispré-constitucionais podem obrigar apenas o poder constituído, não otitular do poder constituinte, o qual a todo tempo pode contorná-las,através de um acto constituinte originário". Nada de novo, portanto. 125. A Constituição brasileira de 1937, que implantou o Estado Novo, previa, no seu art. 187,a realização de um plebiscito que nunca ocorreu. Por isso mesmo, houve quem afirmasse que,juridicamente, tal Carta não existiu (v. Fernando Whitaker da Cunha, Comentários à Constituição,obra coletiva, 1990, v. 1, p. 32). 126. Bachoff, Normas constitucionais inconstitucionais, cit., p. 51. A segunda hipótese aventada é a da inconstitucionalidade de leis dealteração da Constituição. Suscita-se, aqui, a possibilidade de uma lei

de alteração da Constituição, isto é, de uma emenda constitucional, in-fringir formal ou materialmente disposições da Carta em vigor. Ainconstitucionalidade formal, noticia ele, ocorre quando não são obser-vadas as disposições processuais prescritas para a alteração da Consti-tuição, ao passo que a inconstitucionalidade material se verifica quandoa emenda afeta disposições que o constituinte determinou fossemimodificáveis, isto é, aquilo que se denomina "cláusulas pétreas". Orabem: a possibilidade de uma emenda à Constituição ser tida comoinconstitucional é absolutamente trivial, encontrando, inclusive, prece-dentes na história recente brasileira. Também aqui, nada de novo. 127. V. ADIn 939-7-DF, DJU, 21 jan. 1994, p. 193, onde se declarou inválida a previsão,constante da Emenda Constitucional n. 3/93, de inobservância do princípio da anterioridade nacobrança do IPMF. A terceira hipótese aventada por Otto Bachoff em seu clássico estu-do é a da inconstitucionalidade de normas constitucionais em virtude decontradição com normas constitucionais de grau superior. Nesse tópi-co, especula ele sobre a admissibilidade de se considerar inconstitucionaluma norma criada, não pelo constituinte revisor, mas pelo constituinteoriginário. Menciona ele a posição dos doutrinadores Krüger e Giese aotratar da possibilidade de uma norma constitucional violar a si mesma.Segundo os dois autores, poderia suceder que uma norma constitucionalde significado secundário, nomeadamente uma norma só formalmenteconstitucional, fosse de encontro a um preceito material fundamental daConstituição: no caso de semelhante contradição, a norma constitucio-nal de grau inferior seria inconstitucional e inválida. Pois aqui, contrariando a posição que se divulga como sendo sua,Otto Bachoff, discordando dos autores citados, nega categoricamente apossibilidade de se admitir a inconstitucionalidade de uma norma cons-titucional em face de outra. Enfatizando a autonomia do legislador cons-tituinte e sua liberdade para estabelecer exceções ao direito que ele pró-prio dita, consignou: "A meu ver, nenhuma diferença faz aqui que essas nor-mas constitucionais sejam importantes ou menos impor-tantes, não me parecendo possível considerar incons-titucional uma norma da Constituição de grau inferior, emvirtude da sua pretensa incompatibilidade com o "conteú-do de princípio da Constituição" (Giese)". 128. Bachoff, Normas constitucionais inconstitucionais, cit., p. 57. E arrematando em termos definitivos: "No facto de o legislador constituinte se decidir poruma determinada regulamentação tem de ver-se a declara-ção autêntica, ou de que ele considera essa regulamentaçãocomo estando em concordância com os princípios basilaresda Constituição, ou de que, em desvio a estes princípios, aadmitiu conscientemente como excepção aos mesmos". 129. Bachoff, Normas constitucionais inconstitucionais, cit., p. 57. Para uma leitura de Bachoffque não corresponde à que se explicita acima, veja-se Eduardo García de Enterría (La Constitucióncomo norma y el Tribunal Constitucional, cit., p. 99), onde o notável autor espanhol, aparentemen-te, confunde princípios básicos e fundamentais com direito supralegal positivado, categoria empre-gada por Bachoff. A quarta hipótese suscitada por Bachoff compreende, em pala-vras suas, a inconstitucionalidade por infração de direito supralegalpositivado na lei constitucional. Aqui, sim, encontra-se a grandeespecificidade da construção do eminente autor: a relação entre Consti-tuição e direito supralegal, isto é, um direito pré-estatal, supra-estatal,

suprapositivo, natural, apesar das ambigüidades que este último termosuscita. O conceito de direito supralegal é difuso e de difícil apreensãoobjetiva. Por ele, exige-se que o legislador tome em conta os "princípiosconstitutivos de toda e qualquer ordem jurídica e, nomeadamente, dei-xe-se guiar pela aspiração à justiça e evite regulamentações arbitrárias".Dentro desse contexto, evoca-se a referência de Jellinek ao direito comoum "mínimo ético". 130. Omitem-se, por brevidade, algumas outras hipóteses cogitadas, por mais específicas àordem constitucional alemã e menos relevantes do ponto de vista doutrinário. 131. Bachoff, Normas constitucionais inconstitucionais, cit., p. 42-3. O trabalho de Jellinekinvocado é Die sozialethische Bedeutung von Recht, Unrecht und Strafe, 1908, p. 45. Esse direito supralegal, que existe fora e acima da Constituição, éfreqüentemente positivado através de sua incorporação ao Texto Cons-titucional. Tal incorporação, todavia, tem significado declaratório e nãoconstitutivo, de vez que ela não cria, mas antes reconhece o direito."Partem manifestamente daqui os arts. 1, n. I, e 2 da Lei Fundamental",que consagram, respectivamente, a dignidade da pessoa humana e osdireitos de liberdade. O direito supralegal, repita-se, limita a autono-mia do legislador constituinte, impondo-lhe limites. Daí a conclusão deOtto Bachoff: "O direito constitucional supralegal positivado prece-de, em virtude do seu caráter incondicional, o direito consti-tucional que é apenas direito positivo, razão por que aqui- mas também só aqui - a ponderação da importância denormas constitucionais diferentes, em confronto umas comas outras, preconizada por Krüger e Giese, se mostrajustificada. Falta a autonomia da criação de direito, quepermite ao poder constituinte abrir brechas, através deexcepções à regra, nas normas autonomamente estabelecidas,onde a positivação significa, não a criação de normas jurí-dicas novas, mas apenas um reconhecimento de direito pré-constitucional". 132. Normas constitucionais inconstitucionais, cit., p. 45. 133. Normas constitucionais inconstitucionais, cit., p. 63. Cuidou-se, até agora, do direito supralegal positivado. É susceptívelde dúvida, acrescenta Bachoff, saber se também pode incluir-se na "Cons-tituição" (isto é, na ordem constitucional material não escrita) direitosupralegal que não foi positivado através de sua transformação em direitoconstitucional escrito. Alguns argumentos, segundo ele, apresentam-sea favor da tese, como a circunstância de o direito supralegal ser imanentea toda a ordem jurídica. E ainda: no direito alemão, a própria Lei Funda-mental o reconhece - art. 20, 3: "O Poder Legislativo está vinculado àordem constitucional; os Poderes Executivo e Judiciário obedecem à leie ao direito" - e o considera imodificável por via de alteração constitu-cional (art. 79, 3). De toda sorte, afirma Bachoff, no plano práticoessa questão não tem maior significado para o direito alemão atual, emvirtude da extensa incorporação de direito supralegal à Lei Fundamen-tal. O mesmo raciocínio, aliás, aplicar-se-ia ao caso brasileiro, onde aCarta Constitucional é, mais do que analítica, prolixa e casuística.Veja-se, então, que a única possibilidade admitida por Bachoff deuma norma constitucional ser inconstitucional é a de ela violar umatranscendente Constituição material, que abrigaria os grandes princí-pios de direito natural, estivessem ou não positivados no documentoescrito que consubstancia a Constituição formal. Isso constitui, semdúvida, uma forma de estabelecer uma hierarquia entre normas cons-titucionais, e, pois, é uma exceção ao princípio da unidade hierárqui-co-normativa da Constituição, tal como aqui formulado. Admitida, pois,a existência de um direito supralegal ou suprapositivo, é perfeitamen-

te possível conceber-se, do ponto de vista teórico, a ocorrência de con-tradições entre o direito constitucional positivo e os valores, diretrizesou critérios que servem para a modelação do direito positivo (direitonatural, direito justo etc.). 134. Normas constitucionais inconstitucionais, cit., p. 68. Art. 79, 3: "Não é permitidaqualquer modificação desta Lei Fundamental que afete a divisão da Federação em Estados, ouo princípio da cooperação dos Estados na legislação, ou os princípios consignados nos artigos1 e 20". 135. Normas constitucionais inconstitucionais, cit., p. 67. 136. V. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Observações ao Projeto de Constituição da Comis-são de Sistematização da Assembléia Nacional Constituinte, mimeografado, 1987, p. 1. 137. V. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 240. A esse propósito, o Tribunal Constitucional Federal alemão, consi-derando-se competente para aferir essa constitucionalidade da Consti-tuição, reconheceu a existência de um direito suprapositivo, vinculativopara o próprio constituinte, ao declarar que "também uma norma cons-titucional pode ser nula, se desrespeitar em medida insuportável os pos-tulados fundamentais da justiça". É certo que o Tribunal afirmou, tam-bém, que a ocorrência de normas originariamente inconstitucionais équase impossível em Estados de legalidade democrática. Mas o pro-blema pode ganhar dimensão em momentos de mudança política. 138. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 240. 139. BVerFGE, 1, 18; 3,225. V. Bachoff, Normas constitucionais inconstitucionais, cit.,p.3-4. A tradição brasileira é a da afirmação da unidade hierárquico-normativa da Constituição, sem atenção à possibilidade de reconheci-mento de normas constitucionais transcendentes. Sintetizando a doutri-na corrente, veja-se a posição de Celso Ribeiro Bastos: "Ele (o intérprete) terá de evitar as contradições, anta-gonismos e antinomias. As Constituições compromissóriassobretudo, apresentam princípios que expressam ideologi-as diferentes. Se, portanto, do ponto de vista estritamentelógico, elas podem encerrar verdadeiras contradições, doponto de vista jurídico são sem dúvida passíveis deharmonização desde que se utilizem as técnicas própriasde direito. A simples letra da lei é superada mediante um processode cedência recíproca. Dois princípios aparentemente con-traditórios podem harmonizar-se desde que abdiquem dapretensão de serem interpretados de forma absoluta. Preva-lecerão, afinal, apenas até o ponto em que deverão renunciarà sua pretensão normativa em favor de um princípio quelhe é antagônico ou divergente". 140. Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição brasileira,1988, v. 1, p. 348. Também a jurisprudência tem recorrido ao princípio da unidade e àponderação de valores para solucionar eventuais tensões entre normasconstitucionais. Em caso que contrapôs a Igreja Universal do Reino deDeus e a Prefeitura de Diadema, decidiu a 1ª Câmara do Tribunal deJustiça de São Paulo: "A liberdade de exercício de culto religioso assegura-da pelo art. 5º, VI, da Constituição Federal, não autoriza oabuso na utilização de instrumentos sonoros a desrespeitaro repouso da coletividade e normas municipais. (...) Os vi-

zinhos têm também o direito à intimidade (art. 5º, X, daCF) e, também, à liberdade de consciência e de crença(art. 5º, VI, da CF), prejudicados estes direitos fundamen-tais pelo som da apelante". 141. RT, 676:98, 1992, Ap. 146.692-1/6, rel. Des. Andrade Marques. Ainda no regime constitucional anterior, o Supremo Tribunal Fede-ral teve oportunidade de enfrentar delicada questão envolvendo o prin-cípio da unidade constitucional, relativamente à dualidade de previsõesde empréstimo compulsório constante do Texto. De fato, o art. 18, § 3º,referia-se à instituição de empréstimo compulsório pela União, em "ca-sos excepcionais", e o art. 21, § 2º, II, referia-se à sua instituição em"casos especiais" e sujeitos às "disposições constitucionais relativas aostributos". A péssima técnica constitucional gerou imensa divergênciadoutrinária, sendo que muitos sustentavam que existiriam duas espéciesde empréstimos compulsórios, e que somente à segunda se aplicariamas limitações constitucionais ao poder de tributar. Em grande esforço deinterpretação, que teve de superar a leitura mais óbvia dos dispositivos,a mais alta Corte afirmou existir uma única modalidade de empréstimocompulsório, consignando: "Em síntese, o art. 21, § 2º, n. II, refere-se à mesmahipótese do art. 18, § 3º, da Constituição Federal, senãopela possibilidade real de divisar-se um sentido comum nasexpressões "casos especiais e casos excepcionais", pelomenos em razão da necessária prevalência de outros méto-dos de interpretação, quando em antinomia com o sentidogramatical". 142. RTJ, 129:77, p. 88, MS 20.608-DF, rel. Min. Sydney Sanches. V. também Ricardo LoboTorres, Sistemas constitucionais tributários, 1986, t. 2, p. 425 e s., especialmente p. 440-1. O fundamento subjacente a toda a idéia de unidade hierárquico-normativa da Constituição é o de que as antinomias eventualmente de-tectadas serão sempre aparentes e, ipso facto, solucionáveis pela buscade um equilíbrio entre as normas, ou pela legítima exclusão da incidên-cia de alguma delas sobre dada hipótese, por haver o constituinte dis-posto nesse sentido. Não se reconhece, assim, a existência de antinomiasjurídicas reais, qualificadas por Tércio Sampaio Ferraz como sendo "aoposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcial-mente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbitonormativo, que coloca o sujeito numa posição insustentável pela ausên-cia ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nosquadros de um ordenamento dado". 143. Tércio Sampaio Ferraz, Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 7. Diferente linha de entendimento é seguida por Maria Helena Diniz,que não só admite a possibilidade de existência de antinomias reais comosupõe haver um exemplo disso na atual Carta Constitucional. Vislumbraa ilustre autora que tal se passa em relação ao art. 33 do Ato das Dispo-sições Constitucionais Transitórias e os arts. 5º e 100 do corpo perma-nente da Constituição. O art. 33 referido prevê que os precatórios judici-ais pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituiçãopoderão ser pagos no prazo de até oito anos, com inclusão de juros ecorreção monetária. O art. 100 do corpo permanente é o que contém aregra geral sobre precatórios, determinando o seu pagamento em umasó vez no exercício seguinte, pela inclusão no orçamento da entidadeestatal, desde que apresentados até 12 de julho. E o art. 5º abriga o prin-cípio geral da isonomia. Escreveu a ilustre professora paulista: "Temos entre os arts. 5º e 100 da Carta Magna e o art.33 das Disposições Transitórias uma antinomia real e nãoaparente, pois não se poderá solucioná-la pelos critérios:a) norma superior revoga a inferior, já que as três são da

mesma hierarquia; b) norma posterior revoga a anterior,porque todas entraram em vigor na mesma data; e c) nor-ma especial prevalece sobre a regra geral, porque aquelasnormas estão tratando desigualmente os iguais (credoresda Fazenda Pública) e esse critério requer que se trate desi-gualmente o que é desigual. Assim, por meio de uma inter-pretação conetiva far-se-á com que os arts. 5º e 100 preva-leçam sobre o art. 33, sob pena de ofender todo o sistema,pois, ocorrendo a antinomia real, o aplicador, utilizando-sedos mecanismos supletivos de lacuna, resolvendo o pro-blema no caso concreto, já que não poderá eliminar o con-flito, deverá ater-se ao princípio da isonomia". 144. Maria Helena Diniz, Norma constitucional e seus efeitos, 1989, p. 111 e s. 145. Maria Helena Diniz, Norma constitucional e seus efeitos, cit., p. 115. Com as homenagens devidas e merecidas, a tese não se sustenta. Éque existe clara antinomia real entre as proposições a e c acima. De fato,na primeira se afirma que não há hierarquia entre as três normas e, naoutra, que uma das normas é inconstitucional. Ora, para admitir-se queuma norma possa ser inconstitucional em face de outra, é evidente quese admite que uma delas é superior. E mais: o fato de a Constituiçãodesigualar pessoas e discriminar situações - isto é, de abrir exceções àregra geral da igualdade - não constitui, em si, qualquer anomalia. Hádezenas de disposições que discriminam em função do sexo (arts. 40,III, todas as alíneas), da idade (art. 101), da nacionalidade (art. 12, § 3º),da raça (art. 231) etc. E até em função do momento de apresentação doprecatório, porque quem vier a apresentá-lo após 12 de julho só irá rece-ber pelo menos um ano depois (art. 100, § 1º). Portanto, o único fundamento apto a legitimar, doutrinariamente, oponto de vista ali sustentado é a tese de Otto Bachoff de que existemnormas que abrigam princípios de direito supralegal, que estão acimadas meras normas da Constituição formal, e que condicionam a atuaçãodo constituinte, mesmo que originário. E aí poder-se-ia cogitar de que otratamento desigual entre credores do erário - uns recebendo em umano e outros em oito - viola esse sentido superior de justiça que devepresidir a ordem jurídica e ao qual mesmo o constituinte está subordina-do. É possível concordar ou discordar dessa tese, mas ela se assenta emfundamentos logicamente dedutíveis e sustentáveis. A tese da professora Maria Helena Diniz foi reproduzida acriticamen-te em decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, sem menção à ques-tão do direito supralegal. Fora exceções raras como essas, a doutrina ea jurisprudência dos tribunais superiores consagram o princípio da uni-dade da Constituição, sem referência à possibilidade de existirem nor-mas constitucionais inconstitucionais. 146. AI 475.819-8, 8ª Câm. Civ., j. 17-4-1991, RT, 680:125. É bem de ver que o SupremoTribunal Federal, a propósito dessa específica discussão sobre o art. 33 do ADCT, já se pronunciou nojulgamento do RE 160.486-7-SP, rel. Min. Celso de Mello: "Inexiste qualquer relação de antinomiareal ou insuperável entre a norma inscrita no art. 33 do ADCT e os postulados da isonomia, da justaindenização, do direito adquirido e do pagamento mediante precatórios, consagrados pelas disposiçõespermanentes da Constituição da República, eis que todas essas cláusulas normativas, inclusive aquelasde índole transitória, ostentam grau idêntico de eficácia e de autoridade jurídicas" (RDA, 201:157, 1995). Ainda recentemente, o Supremo Tribunal Federal, de maneira cate-górica, endossou a tese da impossibilidade da verificação do desrespei-

to aos princípios de direito suprapositivo inseridos pelo poder constituinteoriginário no texto da Constituição: "Na atual Carta Magna "compete ao Supremo Tribu-nal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição" (art.102, caput), o que implica dizer que essa jurisdição lhe éatribuída para impedir que se desrespeite a Constituiçãocomo um todo, e não para, com relação a ela, exercer opapel de fiscal do poder constituinte originário, a fim deverificar se este teria, ou não, violado os princípios de di-reito suprapositivo que ele próprio havia incluído no textoda mesma Constituição". 147. RTJ, 163:872, 1998, ADIn 815-DF, rel. Min. Moreira Alves. Nos últimos tempos, o princípio da unidade esteve subjacente aodebate doutrinário e jurisprudencial envolvendo questões afetas àpersecução penal, ao direito de privacidade (art. 5º, X), à inviolabilidadedas comunicações telefônicas (art. 5º, XII) e à inadmissibilidade dasprovas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI). Vejam-se a exposição e areflexão que se seguem. No julgamento do Habeas Corpus 69.912, o Supremo Tribunal Fe-deral afirmou a tese de que, antes da edição da lei prevista no inciso XIIdo art. 5º da Constituição - incumbida de estabelecer as hipóteses e aforma de quebra do sigilo das comunicações telefônicas -, a escutatelefônica, mesmo com autorização judicial, tipificava prova ilícita e,conseqüentemente, inadmissível. O entendimento foi reiterado emjul-gados posteriores, como no HC 73.351-SP, no qual ficou decidido: "O STF, por maioria de votos, assentou entendimentono sentido de que sem a edição de lei definidora das hipó-teses e da forma indicada no art. 5º, inc. XII, da Constitui-ção não pode o juiz autorizar a interceptação de comunica-ção telefônica para fins de investigação criminal. Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação tele-fônica - à falta de lei que, nos termos do referido disposi-tivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la - contamina ou-tros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriun-dos, direta ou indiretamente, das informações obtidas naescuta. Habeas corpus concedido". 148. HC 69.912-RS, STF, DJU, 25 mar. 1994, rel. Min. Sepúlveda Pertence. Excertos daementa: "Prova ilícita: escuta telefônica mediante autorização judicial: afirmação pela maioria daexigência de lei, até agora não editada, para que, "nas hipóteses e na forma" por ela estabelecidas,possa o juiz, nos termos do art. 5º, XII, da Constituição, autorizar a interceptação de comunicaçãotelefônica para fins de investigação criminal. (...) A ilicitude da interceptação telefônica.., contami-nou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas naescuta (fruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente". Em 24 dejunho de 1996 foi promulgada a Lei n. 9.296, que regulamentou o inciso XII, parte final, do art. 5ºda Constituição. 149. HC 73.351 -SP, DJU, 19 mar. 1999, rel. Min. Ilmar Galvão. O Supremo Tribunal Federal, em orientação que tem nossa adesão,não optou pela atenuação do caráter peremptório da norma constitucio-nal restritiva da prova ilícita. Refutou, assim, a proposição de autores degrande reconhecimento que sustentavam a tese da ponderação de valo-res e da proporcionalidade para aferir se a prova, mesmo ilícita, não sedestinava a preservar valores que, in concreto, deveriam ter primaziasobre a restrição constitucional.

150. Neste sentido, o eminente professor José Carlos Barbosa Moreira, A Constituição e asprovas ilicitamente adquiridas, RDA, 205:11. É bem de ver, no entanto, que a jurisprudência da Corte tem tempe-rado a doutrina da contaminação, também referida como fruits of thepoisonous tree, transitando por uma linha tênue. Assim é que passou arejeitar a invalidação de processos ou de atos processuais nos casos emque a prova ilícita não fosse a única prova. De parte o fato de que aprova ilícita, normalmente, gera outras provas, e de que não é possível,em relação a estas, obter atestado de origem ou assepsia, parece difícilcrer que o julgador não se deixe influenciar pela prova ilícita, mesmo quenão possa nela fundar sua convicção. 151. Veja-se, e. g., HC 74.599-SP, DJU, 7 fev. 1997, rel. Min. ILmar Galvão, onde se assen-tou: Não cabe anular-se a decisão condenatória com base na alegação de haver a prisão em fla-grante resultado de informação obtida por meio de censura telefônica deferida judicialmente. E quea interceptação telefônica.., não foi a prova exclusiva que desencadeou o procedimento penal, massomente veio a corroborar as outras licitamente obtidas pela equipe de investigação policial. Habeascorpus indeferido". Relativamente ao que se denomina gravação ambiental, hipóteseem que um dos interlocutores em uma conversa grava-a sem avisar aooutro, o Supremo Tribunal Federal também afirmou a sua admissibili-dade, ao menos nas hipóteses de a gravação ter sido feita por vítima deum comportamento ilícito. Confira-se a posição do Tribunal: "Captação, por meio de fita magnética, de conversaentre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental,autorizada por um dos interlocutores, vítima de concussão,sem o conhecimento dos demais. (A) ilicitude da prova(fica) excluída por caracterizar-se o exercício de legítimadefesa de quem a produziu". 152. RECR 212.081, DJU, 27 mar. 1998, p. 23, rel. Min. Octavio Gallotti. O mesmo entendimento prevaleceu relativamente à gravação deconversa telefônica por uma das partes envolvidas. Veja-se, a propósito,o pronunciamento a seguir: "Habeas corpus. Prova. Licitude. Gravação de telefo-nema por interlocutor. É lícita a gravação de conversa tele-fônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autori-zação, sem ciência do outro, quando há investida crimino-sa deste último. É inconsistente e fere o senso comum fa-lar-se em violação do direito à privacidade quandointerlocutor grava diálogo com seqüestradores, esteliona-tários ou qualquer tipo de chantagista. Ordem indeferida". 153. HC 75.338-RJ, DJU, 25 set. 1998, p. 11, rel. Min. Nelson Jobim. Parece-me oportuno, neste ponto, suscitar uma reflexão. Quando agravação, seja ambiental ou de conversa telefônica, é feita por vítima deum comportamento delituoso, a admissibilidade da prova afigura-se in-discutível. A Constituição protege a privacidade e não o crime. Comonão se trata de violação da comunicação (hipótese que a Constituiçãointerdita, salvo as exceções legais e mediante autorização judicial), aponderação de valores entre a incolumidade do patrimônio jurídico davítima e a privacidade do ofensor deve resolver-se em favor do primeiro. Considerem-se, porém, variações desta hipótese em temas não cri-minais. Será legítimo ao marido gravar conversa íntima com sua mulhere utilizá-la no processo de separação? Será legítimo ao advogado deuma das partes juntar aos autos transcrição de conversa telefônica como advogado da outra parte, na qual este último admitiu algum fato gravosoa seu cliente? Será legítimo ao representante do Ministério Público, sem

a ciência dos demais presentes, gravar a audiência e depois utilizar a fitamagnética como prova, no recurso, procurando infirmar algum dadoconstante da ata? A gravação clandestina é um mal e não deve ser estimulada. A pri-vacidade, a confiabilidade no próximo, a ética das relações sociais sãovalores que merecem preservação. A aceitabilidade da gravação clan-destina, ao menos em primeira reflexão, parece-me deva ficar confinadaàs hipóteses de utilização por vítima de crime.

6. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade O princípio da razoabilidade tem sua origem e desenvolvimento li-gados à garantia do devido processo legal, instituto ancestral do direitoanglo-saxão. De fato, sua matriz remonta à cláusula law of the land,inscrita na Magna Charta, de 1215, documento que é reconhecido comoum dos grandes antecedentes do constitucionalismo. Modernamente,sua consagração em texto positivo se deu através das emendas 5ª e 14ª àConstituição norte-americana. A cláusula do due process of law tor-nou-se uma das principais fontes da expressiva jurisprudência da Supre-ma Corte dos Estados Unidos ao longo dos últimos dois séculos. 154. As dez primeiras emendas, conhecidas como Bill of Rights, foram aprovadas em 15-12-1791. A 5ª emenda estabeleceu que "ninguém será privado da vida, liberdade ou propriedade sem odevido processo legal". O preceito vinculava apenas o Governo Federal. Somente a 14ª emenda,aprovada em 21-7-1868, já após a guerra civil, estendeu a regra aos Estados-membros, ao dispor: "Ne-nhum Estado privará qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal". 155. O tema é versado em todos os tratados e livros de textos de direito constitucional ameri-cano. Vejam-se, por todos, Corwin, The Constitution and what it means today, 1978; Tribe,American constitutional law, cit.; Nowak, Rotunda e Young, Constitutional law, cit.; Gunther,Constitutional law, cit.; Stone, Seidman, Sunstein e Tushnet, Constitutional law, 1986; Brest eLevinson, Processes of constitutional decision making, cit. De autores americanos, em traduçãoportuguesa, vejam-se Thomas Cooley, Princípios gerais de direito constitucional dos Estados Uni-dos da América do Norte, 1982; Bernard Schwartz. Direito constitucional americano, 1966. Entreos autores nacionais, vejam-se: San Tiago Dantas, Igualdade perante a lei e "due process of law"(contribuição ao estudo da limitação constitucional do Poder Legislativo), RF, 116:357,1948; JoséAlfredo de Oliveira Baracho, Processo e Constituição: o devido processo legal, s. d.; Carlos Robertode Siqueira Castro, O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição doBrasil, 1989, e Ada Pellegrini Grinover, As garantias constitucionais do direito de ação, 1973. Antes de procurar delimitar com precisão os contornos do princípioda razoabilidade e suas potencialidades no direito brasileiro, é de pro-veito percorrer brevemente sua trajetória no direito norte-americano. Oprincípio do devido processo legal, nos Estados Unidos, é marcado porduas grandes fases: a primeira, onde se revestiu de caráter estritamenteprocessual (procedural due process), e uma segunda, de cunho substan-tivo (substantive due process), que se tomou fundamento de um criativoexercício de jurisdição constitucional. De fato, ao lado do princípio da

igualdade perante a lei, essa versão substantiva do devido processo legaltornou-se importante instrumento de defesa dos direitos individuais,ensejando o controle do arbítrio do Legislativo e da discricionariedadegovernamental. É por seu intermédio que se procede ao exame derazoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality) das nor-mas jurídicas e dos atos do Poder Público em geral. 156. V. Siqueira Castro, O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constitui-ção do Brasil, cit., p. 3. Embora se tenha feito referência a duas fases, na verdade elas nãose excluem, mas, ao contrário, convivem até hoje. A primeira versão dodue process, como se disse, teve ênfase processual, com expressa rejei-ção de qualquer conotação substantiva que permitisse ao Judiciário exa-minar o caráter injusto ou arbitrário do ato legislativo. Tratava-se,inicialmente, de uma garantia voltada para a regularidade do processopenal, depois estendida ao processo civil e ao processo administrativo.Seu campo de incidência recaía notadamente no direito ao contraditórioe à ampla defesa, incluindo questões como o direito a advogado e aoacesso à justiça para os que não tinham recursos. 157. Representativo dessa fase é o conjunto de casos conhecidos como Slaughterhouse ca-ses, 83 U. S. (16 Wall.) 36(1873), onde a Suprema Corte recusou-se a considerar inconstitucionaluma lei da Louisiana que conferia monopólio de uma atividade a determinada companhia, impe-dindo todas as demais pessoas e empresas de explorarem a atividade. A decisão fundou-se em quea garantia do devido processo legal destinava-se a proteger as pessoas contra as injustiças de cunhoprocessual, o que não era o caso. 158. V. Vitek vs. Jones, 445 U. S.480(1980): "Due process requires written notice, a hearinget which evidence is heard, including a right of presentation, confrontation and cross-examination,an independent decisionmaker, a written statement by the fact-finder, effective and timely notice ofrights, and qualified and independent assistance of legal counsel". V. Barron e Dienes, Constitutionallaw,cit.,p. 175. 159. Vejam-se, e. g., Boddie vs. Connecticut, 401 U. S.371 (1971)e Little vs. Streater, 452U.S. 1(1981). O desenvolvimento e a afirmação do substantive due process mar-cam um impulso de ascensão do Judiciário, provavelmente só compará-vel ao que se verificara quando da introdução do controle judicial daconstitucionalidade das leis, em 1803, com Marbury vs. Madison. É queatravés desse fundamento - o do devido processo legal - abriu-se umamplo espaço de exame de mérito dos atos do Poder Público, com aredefinição da noção de discricionariedade. Embora se traduza na idéiade justiça, de razoabilidade, expressando o sentimento comum de umadada época, não se trata de cláusula de fácil apreensão conceptual, comobem captou o Justice Harlan, da Suprema Corte: ""Devido processo" não foi ainda reduzido a nenhumafórmula: seu conteúdo não pode ser determinado pela refe-rência a qualquer código. O melhor que pode ser dito é queatravés do curso das decisões desta Corte ele representou oequilíbrio que nossa Nação, construída sobre postuladosde respeito pela liberdade do indivíduo, oscilou entre estaliberdade e as demandas da sociedade organizada". 160. Voto proferido em Griswold vs. Connecticut, 381 U. S.479(1965). De toda sorte, a cláusula enseja a verificação da compatibilidade entre

o meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como a aferição dalegitimidade dos fins. Somente presentes essas condições poder-se-á admi-tir a limitação a algum direito individual. Aliás, tais direitos não se limitamaos que se encontram expressamente previstos no Texto, mas também in-cluem outros, fundados nos princípios gerais de justiça e liberdade. O reconhecimento dessa dimensão substantiva do devido processolegal passou por três fases distintas e de certa forma cíclicas, que incluem(a) sua ascensão e consolidação, do final do século XIX até a década de30; (b) seu desprestígio e quase abandono no final da década de 30; (c)seu renascimento triunfal na década de 50, no fluxo da revolução pro-gressista promovida pela Suprema Corte sob a presidência de EarlWarren. Presentemente, a Suprema Corte reassumiu um perfil conser-vador e o ativismo judicial - isto é, a intervenção dos tribunais nomérito de certas valorações legislativas e administrativas -, que semanifestava destacadamente pelo uso substantivo da cláusula do devidoprocesso legal, vive um momento de refluxo. A doutrina do devido processo legal substantivo começou a se deline-ar no final do século passado, como reação ao intervencionismo estatal naordem econômica. A Suprema Corte fez-se intérprete do pensamento li-beral, fundado na idéia do laissez faire, pelo qual o desenvolvimento émelhor fomentado com a menor interferência possível do Poder Públiconos negócios privados. Após alguns ensaios de aplicação do substantivedue process, a Corte finalmente invalidou, por inconstitucional, uma leiestadual que impedia que os residentes de Louisiana contratassem segu-ros de seus bens com empresas de fora do Estado. A decisão que melhorsimbolizou esse período, todavia, foi proferida em Lochner vs. New York,onde, em nome da liberdade de contrato, considerou-se inconstitucionaluma lei de Nova York que limitava a jornada de trabalho dos padeiros.Sob o mesmo fundamento, a Suprema Corte invalidou inúmeras outrasleis, inclusive a que estabelecia salário mínimo para mulheres. Esseperíodo ficou conhecido como a era Lochner. 161. Allgeyer vs. Louisiana, 165 U. S. 578 (1897). 162. 198U.S.45(1905). 163. Adkins vs. Children´s Hospital, 261 U. S. 525 (1923). 164. 295 U. S. 495 (1935). Sua superação se deu pelo advento do New Deal, após a crise de1929. Eleito Presidente em 1932, Franklin Roosevelt deu início à ediçãode ampla legislação social e de intervenção no domínio econômico. Em1935, os casos em que essa legislação era contestada começaram a chegarà Suprema Corte, que, fiel à doutrina Lochner e hostil ao intervencionismoestatal, passou a invalidar diversas leis importantes para o plano de recu-peração econômica. Nesse ano, ao julgar o caso Schechter Poultry Corp.vs. United States, a Corte declarou a inconstitucionalidade da Lei Nacio-nal de Recuperação Industrial, de 1933, reputada essencial para a conti-nuidade da ação governamental, e que continha normas sobre concorrên-cia desleal, preços e salários, jornada de trabalho e negociações coletivas.Estabeleceu-se um confronto entre o Executivo e o Judiciário. Reeleitoem 1936, no início do ano seguinte Franklin Roosevelt envia uma mensa-gem legislativa ao Congresso modificando a composição da SupremaCorte, com vistas a obter maioria naquele colegiado. Conhecida comocourt-packing plan, a lei não foi aprovada pelo Congresso. Mas, pressio-nada, a Suprema Corte mudou sua orientação e abdicou do exame demérito das normas de cunho econômico, encerrando o controle substanti-vo de tais leis. Foi o declínio do devido processo legal substantivo. 165. A lei proposta consistia no seguinte: para cada juiz da Suprema Corte com idade superiora 70 anos e que estivesse exercendo a judicatura há mais de 10, poderia o Presidente nomear umnovo, desde que o número total de ministros não excedesse de 15. Sobre esse tema, v. Gerald

Gunther, Constitutional law, cit., p. 121 e s. V. também William H. Rehnquist, The Supreme Court:how it was, how it is, cit., p. 215 e s. 166. Um dos marcos da superação da era Lochner foi o julgamento de West Coast vs. Parrish,300 U. S. 379(1937), onde a Corte, revertendo decisão anterior em Adkins vs. Children´s Hospital(v. supra), considerou constitucional lei estadual que estabelecia salário mínimo para mulheres. A terceira fase do devido processo legal substantivo teve como ante-cedente importante a distinção entre liberdades econômicas e não econô-micas, cujo marco mais célebre foi a nota de rodapé n. 4, integrante dovoto do Justice Stone ao julgar o caso United States vs. CaroleneProducts. No primeiro domínio, a atitude dos tribunais deveria ser dedeferência aos outros Poderes. Mas no tocante às liberdades pessoais,inclusive e especialmente quanto à proteção das minorias, o interven-cionismo judicial continuava a ser indispensável. Esses direitos e liberda-des não econômicos, que incluem a liberdade de expressão, de religião,bem como direitos de participação política e de privacidade, muitos delesnão decorrentes expressamente do Texto, foram a tônica doconstitucionalismo americano das últimas décadas. Decisões polêmicasna área da igualdade racial, como Brown vs. Board of Education, dosdireitos políticos, como Reynolds vs. Sims e de processo penal, comoMiranda vs. Arizona, fizeram desse período um dos mais "portentosose tumultuados" da história da Corte. 167. 304 U. S. 144 (1938). 168. 347 U. S.873(1954). 169. 377 U. S.533(1964). 170. 384 U. S.436(1966). 171. Stone, Seidman, Sustein e Tushnet, Constitutional law, cit., p. XX. No âmbito da aplicação substantiva do devido processo legal, oscasos que mais destacadamente marcaram época, pela ousadia, foramGriswold vs. Connecticut e Roe vs. Wade, onde a Suprema Cortedeclarou a inconstitucionalidade de leis estaduais e consagrou um novodireito, não expressamente inscrito na Constituição, que foi o direito deprivacidade. Em Griswold, invalidou-se uma lei do Estado de Connecticutque incriminava o uso de pílula anticoncepcional ou qualquer outro artigoou instrumento contraceptivo, punindo tanto quem consumisse como quemprescrevesse. Em Roe, a Corte considerou inconstitucional uma lei doTexas que criminalizava o aborto, e não o admitia nem mesmo antes doterceiro mês de gravidez. Em seu voto, consignou o Juiz Blackmun: "Este direito de privacidade..., decorra ele do conceitode liberdade pessoal da 14ª emenda, como me parece, oudos direitos reservados previstos na 9ª emenda, é abrangenteo suficiente para incluir a decisão de uma mulher sobre pôrfim ou não à sua gravidez. (...) A lei do Texas é excessivamente abrangente. Elanão distingue entre abortos praticados no início da gravideze os que são praticados mais adiante e o limita a uma únicahipótese, que é a de "salvar" a vida da mãe. Conseqüente-mente, a lei não pode sobreviver ao presente ataque...". 172. 381 U. S. 479 (1965). 173. 410 U. S. 113(1973). 174.410 U.S. 113(1973). Todas as nomeações para a Suprema Corte nas últimas décadas degovernos republicanos nos Estados Unidos foram marcadas pelo esfor-ço de escolher ministros que rejeitassem o ativismo judicial deflagradopela Corte Warren e estivessem dispostos a rever a decisão proferida emRoe. Ao longo dos anos, essa decisão foi abertamente questionada, masjamais foi claramente reformada (overruled).

175. Um dos últimos julgamentos sobre o tema ocorreu em Parenthood vs. Casey, 112 S. Ct. 2791(1992), onde o voto majoritário, conquanto externando divergência quanto à decisão em Roe, questionoua própria legitimidade da Corte para reverter tal decisão. V. Morton J. Horwitz, Foreword: the Constitutionof change: legal fundamentality without fundamentalism, Harvard Law Review, 107:30, 1993. Conclui-se, assim, a trajetória histórica da cláusula do devido pro-cesso legal e do princípio da razoabilidade no direito constitucional nor-te-americano. É bem de ver que tais conceitos correram mundo e reper-cutiram sobre os ordenamentos jurídicos atentos à constante busca deequilíbrio entre o exercício do poder e a preservação dos direitos doscidadãos. Convém, por isso mesmo, aprofundar o exame do tema à luzdos métodos de argumentação e exposição sistemática que caracteri-zam o modo de entender e praticar o direito nos países de tradição jurí-dica romano-germânica. De logo é conveniente ressaltar que a doutrinae a jurisprudência, assim na Europa continental como no Brasil, costu-mam fazer referência, igualmente, ao princípio da proporcionalidade,conceito que em linhas gerais mantém uma relação de fungibilidadecom o princípio da razoabilidade. Salvo onde assinalado, um e outroserão aqui empregados indistintamente. 176. Embora não faça essa assemelhação e refira-se sempre ao princípio da proporcionalidade,Willis Santiago Guerra Filho lembra a sinonimia e origem comum, na matemática, dos termos"razão" (lat. ratio) e "proporção" (lat. proportio)" (Sobre o princípio da proporcionalidade,mimeografado, p. 13-4). O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atosdo Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superiorinerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de sersentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de pro-posições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva.É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação eharmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso, o que correspondaao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar.Há autores, mesmo, que recorrem ao direito natural como fundamentopara a aplicação da regra da razoabilidade, embora possa ela radicar-seperfeitamente nos princípios gerais da hermenêutica. Sobre este pontoem particular, veja-se a passagem inspirada de San Tiago Dantas: "Não é apenas a doutrina do Direito Natural que vê noDireito uma ordem normativa superior e independente da Lei.Mesmo os que concebem a realidade jurídica como algomutável e os princípios do Direito como uma síntese das nor-mas dentro de certos limites históricos reconhecem que podehaver leis inconciliáveis com esses princípios, cuja presençano sistema positivo fere a coerência deste, e produz a sensaçãoíntima do arbitrário, traduzida na idéia de "lei injusta"". 177. Rafael Bielsa, Estudios de derecho público: derecho administrativo, 1950, t. 1, p. 485. 178. Nebbia vs. New York, 291 U. S.502(1934). 179. Linares Quintana, Derecho constitucional y instituciones políticas, cit., v. 1, p. 122. 180. Pound, citado por José Alfredo de Oliveira Baracho, Processo e Constituição: o devidoprocesso legal, p. 90. 181. V. Bidart Campos, Interpretación y el control constitucionales en la jurisdición constituci-onal, 1987, p. 92. Aliás, na sua origem norte-americana a cláusula do devido processo legal foi influ-

enciada por concepções jusnaturalistas, sendo interpretada como uma garantia do direito a um proces-so que se inspirasse em princípios universais e superiores de justiça, conforme noticia Ada PellegriniGrinover (As garantias constitucionais do direito de ação, cit., p. 33-4), onde esclarece: "Mas, sob ainfluência de magistrados como Holmes, Cardozo, Frankfurter, percebe-se que os princípios de igual-dade e de justiça processual não são a expressão de uma norma abstrata e superior, absoluta etranscendental com relação à normatividade positiva: trata-se, pelo contrário, da enunciação de valo-res históricos e relativos, que podem impor-se à razão, em determinado contexto histórico". V., tam-bém, Grey, Do we have an unwritten Constitution?, 27Stanford Law Review, p. 703,715-6, 1975. 182. Siqueira Castro, O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constitui-ção do Brasil, cit., p. 53. 183. San Tiago Dantas, Igualdade perante a lei..., RF, 116:357, p. 362. Em seguida, após referência ao sistema americano e ao due processof law, arrematou: "A lei que não pode ser considerada "law of the land" éa lei contrária ao direito. Não a um direito fixado em regrase comandos precisos, que se tornariam, nesse caso, imutá-veis; mas ao direito como síntese, como corpo de princípios,como método de criação normativa". 184. San Tiago Dantas, Igualdade perante a lei..., RF, 116:357, p. 362. Seja como for, é necessário seguir em busca de terreno mais sólidoe de elementos mais objetivos na caracterização da razoabilidade dosatos do Poder Público, especialmente, para os fins aqui considerados, osde cunho normativo. Somente essa delimitação de objeto poderá impe-dir que o princípio se esvazie de sentido, por excessivamente abstrato,ou que se perverta num critério para julgamentos ad hoc. A atuação do Estado na produção de normas jurídicas normalmentefar-se-á diante de certas circunstâncias concretas; será destinada à reali-zação de determinados fins, a serem atingidos pelo emprego de deter-minados meios. Desse modo, são fatores invariavelmente presentes emtoda ação relevante para a criação do direito: os motivos (circunstânciasde fato), os fins e os meios. Além disso, há de se tomar em conta, tam-bém, os valores fundamentais da organização estatal, explícitos ou im-plícitos, como a ordem, a segurança, a paz, a solidariedade; em últimaanálise, a justiça. A razoabilidade é, precisamente, a adequação de sen-tido que deve haver entre esses elementos. 185. Veja-se, a propósito, Humberto Quiroga Lavié, Derecho constitucional, 1984, p. 461. Essa razoabilidade deve ser aferida, em primeiro lugar, dentro dalei. É a chamada razoabilidade interna, que diz com a existência de umarelação racional e proporcional entre seus motivos, meios e fins. Aí estáincluída a razoabilidade técnica da medida. Por exemplo: se, diante deum surto inflacionário (motivo), o Poder Público congela o preço dosmedicamentos vitais para certos doentes crônicos (meio) para assegurarque pessoas de baixa renda tenham acesso a eles (fim), há uma relaçãoracional e razoável entre os elementos em questão, e a norma, em prin-cípio, afigura-se válida. Ao revés, se, diante do crescimento estatísticoda AIDS (motivo), o Poder Público proíbe o consumo de bebidas alcoó-licas durante o carnaval (meio), para impedir a contaminação de cida-dãos nacionais (fim), a medida será irrazoável. Isso porque estará rom-pida a conexão entre os motivos, os meios e os fins, já que inexistequalquer relação direta entre o consumo de álcool e a contaminação.De outra parte, havendo a razoabilidade interna da norma, é preciso

verificar sua razoabilidade externa, isto é: sua adequação aos meios efins admitidos e preconizados pelo Texto Constitucional. Se a leicontravier valores expressos ou implícitos no Texto Constitucional, nãoserá legítima nem razoável à luz da Constituição, ainda que o seja inter-namente. Suponha-se, por exemplo, que, diante da impossibilidade deconter a degradação acelerada da qualidade da vida urbana (motivo), aautoridade municipal impedisse o ingresso nos limites da cidade de qual-quer não-residente que não fosse capaz de provar estar apenas em trân-sito (meio), com o que reduziria significativamente a demanda por habi-tações e equipamentos urbanos (fim). Norma desse teor poderia até serinternamente razoável, mas não passaria no teste de razoabilidade dian-te da Constituição, por contrariar princípios como o federativo, o daigualdade entre brasileiros etc. 186. Essa interessante distinção entre razoabilidade interna e externa encontra-se em QuirogaLavié, Derecho constitucional, cit., p. 462 e s. Essa exigência de conformação ou adequação dos meios aos fins,que já era presente na construção norte-americana do princípio darazoabilidade, é ponto de consenso entre autores distanciados geografi-camente. A esse propósito, averbou Linares Quintana: "(La razonabilidad) consiste en la adecuación de losmedios utilizados por el legislador a la obtención de losfines que determina la medida, a efectos de que tales mediosno aparezcan como infundados o arbitrarmos, es decir, noproporcionados a las circunstancias que los motiva y a losfines que se procura alcanzar con ellos. ... Tratase, pues, deuna correspondencia entre los medios propuestos y los fi-nes que a través de ellos deben alcanzarse". 187. Linares Quintana, Derecho constitucional y instituciones políticas, cit., v. 1, p. 128. Na mesma linha, J. J. Gomes Canotilho: "Entre o fim da autorização constitucional para umaemanação de leis restritivas e o exercício do poder discricio-nário por parte do legislador ao realizar esse fim deve exis-tir uma inequívoca conexão material de meios e fins". 188. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 488. Na Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal, em decisão de1971, pronunciou-se em igual sentido: "O meio empregado pelo legislador deve ser adequadoe exigível, para que seja atingido o fim almejado. O meio éadequado quando, com o seu auxilio, se pode promover oresultado desejado; ele é exigível quando o legislador nãopoderia ter escolhido outro igualmente eficaz, mas que se-ria um meio não-prejudicial ou portador de uma limitaçãomenos perceptível a direito fundamental". 189. BVerfGE, 30,292(316). V. Willis Santiago Guerra Filho, Ensaios de teoria constitucio-nal, 1989, p. 87. Verifica-se na decisão do Tribunal alemão a presença de um outrorequisito qualificador da razoabilidade-proporcionalidade, que é o daexigibilidade ou necessidade (Erforderlichkeit) da medida. Conhecido,também, como "princípio da menor ingerência possível", consiste eleno imperativo de que os meios utilizados para atingimento dos fins visa-dos sejam os menos onerosos para o cidadão. É a chamada proibição doexcesso. Uma lei será inconstitucional, por infringência ao princípio daproporcionalidade, "se se puder constatar, inequivocamente, a existên-cia de outras medidas menos lesivas". 190. BVerfGE, 39,210(230-1). V. GilmarFerreira Mendes, Controle de constitucionalidade,cit., p. 44. Há, ainda, um terceiro requisito, igualmente desenvolvido na dou-

trina alemã, identificado como proporcionalidade em sentido estrito.Cuida-se, aqui, de uma verificação da relação custo-benefício da medi-da, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a se-rem obtidos. Em palavras de Canotilho, trata-se "de uma questão de"medida" ou "desmedida" para se alcançar um fim: pesar as desvanta-gens dos meios em relação às vantagens do fim". 191. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 387-8. A doutrina tanto lusitana quanto brasileira - que se abeberano conhecimento jurídico produzido na Alemanha reproduz e endossaessa tríplice caracterização do princípio da proporcionalidade, como émais comumente referido pelos autores alemães. Assim é que dele seextraem os requisitos (a) da adequação, que exige que as medidasadotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivospretendidos; (b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verifica-ção da inexistência de meio menos gravoso para atingimento dos finsvisados; e (c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a pondera-ção entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se é justi-ficável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos. Na feliz sín-tese de Willis Santiago Guerra Filho: "Resumidamente, pode-se dizer que uma medida éadequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causaro menor prejuízo possível e finalmente, proporcional emsentido estrito, se as vantagens que trará superarem asdesvantagens". 192. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 386-8; Paulo Bonavides, Curso dedireito constitucional, 1993, p. 318-9; Gilmar Ferreira Mendes, Controle de constitucionalidade,cit., p. 38 e 43; e WiIlis Santiago Guerra Filho, Ensaios de teoria constitucional, cit., p. 75. 193. Willis Santiago Guerra Filho, Ensaios de teoria constitucional, cit., p. 75. O princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade sempre teveseu campo de incidência mais tradicional no âmbito da atuação do Po-der Executivo. Estudado precipuamente na área do direito administrati-vo, ele funcionava como medida da legitimidade do exercício do poderde polícia e da interferência dos entes públicos na vida privada. Ver-sando o tema, assinalou o ilustre professor argentino Agustin Gordillo: "A decisão "discricionária" do funcionário será ilegíti-ma, apesar de não transgredir nenhuma norma concreta eexpressa, se é "irrazoável", o que pode ocorrer, principal-mente, quando: a) não dê os fundamentos de fato ou dedireito que a sustentam ou; b) não leve em conta os fatosconstantes do expediente ou públicos e notórios; ou se fun-de em fatos ou provas inexistentes; ou c) não guarde umaproporção adequada entre os meios que emprega e o fimque a lei deseja alcançar, ou seja, que se trate de uma medi-da desproporcionada, excessiva em relação ao que se queralcançar". 194. V. Celso Antônio Bandeira de Mello, Elementos de direito administrativo, 1991, p. 66-7:"Este princípio enuncia a idéia singela, aliás, conquanto freqüentemente desconsiderada, de que ascompetências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporci-onais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a queestão atrelados". V. também Maria Sylvia Zanella di Pietro, Direito administrativo, 1991, p. 93. 195. Agustin Gordillo, Princípios gerais de direito público, 1977, p. 183-4.

Também no domínio do Poder Judiciário o princípio teveaplicabilidade, notadamente no tratamento das medidas cautelares.Sua aplicação como critério aferidor dos atos do Poder Legislativo, to-davia, a despeito de constituir prática relativamente antiga na tradiçãonorte-americana, e de ser admitida com reservas em países como Ale-manha e Itália, e que suscita alguma controvérsia, por confrontar-se com certas noções tradicionais de separação de Poderes. 196. V. Egas Moniz de Aragão, Poder cautelar do juiz. Medidas provisórias, RPGERJ, 42:37,1990, e Marcio Augusto de Vasconcelos Diniz, A concessão de medida liminar em processo cautelare o princípio cautelar da proporcionalidade, Rf 318:101, 1992. 197. O Bundesverfassungsgericht assentou, em decisão de 1951, que sua competência selimitava à apreciação da legitimidade da norma, e não de sua conveniência. Mas acrescentou, signi-ficativamente: "a questão sobre a liberdade discricionária outorgada ao legislador, bem como sobreos limites dessa liberdade, é uma questão jurídica suscetível de aferição judicial" (BVerFGE, 1, 15).V. Gilmar Mendes, Controle de constitucionalidade, cit., p. 41. 198. Na Itália, o art. 28 da Lei n. 87, que organiza a Corte Constitucional, exclui expressa-mente do controle de constitucionalidade valorações de natureza política e verificações sobre o usodo poder discricionário. Todavia, como assinala Pierandrei, será sempre possível examinar a normaà luz dos fins consagrados constitucionalmente (Enciclopedia del diritto, 1962, v. 10, p. 907). De fato, a aferição da razoabilidade importa em um juízo de méritosobre os atos editados pelo Legislativo, o que interfere com o delineamen-to mais comumente aceito da discricionariedade do legislador. Ao exa-minar a compatibilidade entre meio e fim, e as nuances de necessidade-proporcionalidade da medida adotada, a atuação do Judiciário transcendeà do mero controle objetivo da legalidade. E o conhecimento convencio-nal, como se sabe, rejeita que o juiz se substitua ao administrador ou aolegislador para fazer sobrepor a sua própria valoração subjetiva de dadamatéria. A verdade, contudo, é que, ao apreciar uma lei para verificar seela é ou não arbitrária, o juiz ou o tribunal estará, inevitavelmente, de-clinando o seu próprio ponto de vista do que seja racional ou razoável. 199. Traduzindo essa crença, que subsistiu inquestionada por longo tempo, escreveu Canotilho(Direito constitucional, cit., p. 739): "A discricionariedade do legislador ou, como hoje se diz, oâmbito de liberdade de conformação legislativa, não era uma discricionariedade sujeita a pressu-postos vinculados, as opções políticas do legislador não eram susceptíveis de controle e os fins dalei eram soberanamente estabelecidos pela própria lei". 200. V. Siqueira Castro, O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constitui-ção do Brasil, cit., p. 216, fundado em texto de Edward Corwin (Court over Constitution - a studyof judicial review as an instrument of popular government, 1938, p. 108): "What the Court says isthat legislation must not be unreasonable, but what this means inevitably, and all that it means is thatlegislation must not be unreasonable to the Court’s way of thinking". A evolução dos conceitos tem atenuado o rigor das formulaçõesclássicas e permitido a contenção da chamada liberdade de conforma-ção legislativa. O controle finalístico da atuação do legislador se exerce

sobre dois momentos "teleologicamente relevantes" do ato legislativo,que Gomes Canotilho assim identifica e comenta: "(i) Em primeiro lugar, a lei é tendencialmente umafunção de execução, desenvolvimento ou prossecução dosfins estabelecidos na Constituição, pelo que sempre se po-derá dizer que, em última análise, a lei é vinculada ao fimconstitucionalmente fixado; (ii) por outro lado, a lei, em-bora tendencialmente livre no fim, não pode ser contradi-tória, irrazoável, incongruente consigo mesma. Nas duas hipóteses assinaladas, toparíamos com avinculação do fim da lei: no primeiro caso, a vinculação dofim da lei decorre da Constituição; no segundo caso, o fimimanente à legislação imporia os limites materiais da nãocontraditoriedade, razoabilidade e congruência". 201. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, cit., p. 740. Por ser uma competência excepcional, que se exerce em domíniodelicado, deve o Judiciário agir com prudência e parcimônia. É precisoter em linha de conta que, em um Estado democrático, a definição daspolíticas públicas deve recair sobre os órgãos que têm o batismo darepresentação popular, o que não é o caso de juízes e tribunais. Mas,quando se trate de preservar a vontade do povo, isto é, do constituinteoriginário, contra os excessos de maiorias legislativas eventuais, nãodeve o juiz hesitar. O controle de constitucionalidade se exerce, pre-cisamente, para assegurar a preservação dos valores permanentes sobreos ímpetos circunstanciais. Remarque-se, porque relevante, que a últi-ma palavra poderá ser sempre do Legislativo. É que, não concordandocom a inteligência dada pelo Judiciário a um dispositivo constitucional,poderá ele, no exercício do poder constituinte derivado, emendar a nor-ma constitucional e dar-lhe o sentido que desejar. 202. Escrevendo sobre o tema no direito alemão, admitiu Krebs a possibilidade de superposiçãode competências, concluindo, no entanto, que isso não afetava a imprescindibilidade do princípio.É que, afirma ele, eventual "escorregão" (Gratwanderung) entre o direito e a política constitui riscoinafastável da profissão do constitucionalista (v. Freiheitsschutz durch Grundrechte, JURA, 1988,p. 617 (623), apud Gilmar Ferreira Mendes, A doutrina constitucional e o controle de constitu-cionalidade como garantia da cidadania. Declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia denulidade no direito brasileiro, RDA, 191:40, 1993, p. 49). 203. Nos Estados Unidos, por quatro vezes, o Congresso editou emendas à Constituição pordiscordar do entendimento jurisprudencial: a) a 11ª emenda, dando imunidade de jurisdição aosEstados, veio após a decisão em Chisholm vs. Georgia, 2 Dall 419 (1793); b) a criação de umacidadania nacional pela 14ª emenda foi uma reação à decisão em Dred Scott vs. Sandford, 19 How.393(1857); c) a admissão de um imposto federal sobre a renda, advinda com a 16ª emenda, deveu-se ao julgamento de Pollock vs. Farmer’s Loan & Trust Co., 157 U. S. 429 (1895); d) a extensão dodireito de voto em eleições estaduais e nacionais a todos que contassem dezoito anos, introduzidapela 26ª emenda, foi motivada pelo caso Oregon vs. Mitchell, 400 U. S. 112 (1970). V. EdwardConrad Smith, The Constitution of the United States, 1979, p. 16 e s. Como se demonstrou até aqui, a razoabilidade dos atos do Poder Públi-co - inclusive dos atos legislativos -, como parâmetro aferidor de sua

constitucionalidade, tem sido aceita em inúmeros sistemas jurídicos. NosEstados Unidos, como visto, o princípio se assenta na cláusula do devidoprocesso legal, constante das emendas de n. 5 e 14 à Constituição. Na Ar-gentina, como assinala com orgulho a doutrina, o princípio remonta ao tex-to original da Carta, que, no art. 28, estabelecia que os princípios, garantiase direitos reconhecidos na Constituição não poderiam ser alterados por leisque regulamentassem seu exercício. No direito constitucional alemão,atribui-se ao princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeit) quali-dade de norma constitucional não escrita, derivada do Estado de direito.Em Portugal, ele vem materializado em regras expressas da Constituição,notadamente a da proibição do excesso. 204. A este propósito, assim manifestou-se Linares Quintana (Derecho constitucional yinstituciones políticas, cit., v. 1, p. 123): "Este precepto básico es propio de nuestra Constitución, noteniendo equivalente ni en términos siquiera aproximados, en la Ley Suprema de los Estados Unidos". 205. V. Gilmar Ferreira Mendes, Controle de constitucionalidade, cit., p. 43. 206. Dispõe o art. 18, 2, da Constituição portuguesa: "A lei só pode restringir os direitos,liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restriçõeslimitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente prote-gidos". Além dele, o art. 266,2, impõe aos órgãos e agentes administrativos que atuem com justiçae imparcialidade no exercício de suas funções, e o art. 272, 2, que estabelece que as medidas depolícia não devem ser utilizadas para além do estritamente necessario. No Brasil, o apego excessivo a certos dogmas da separação de Po-deres impôs ao princípio da razoabilidade uma trajetória relativamenteacanhada. Há uma renitente resistência ao controle judicial do méritodos atos do Poder Público, aos quais se reserva um amplo espaço deatuação autônoma, discricionária, onde as decisões do órgão ou do agentepúblico são insindicáveis quanto à sua conveniência e oportunidade. Exem-plo da visão clássica do tema foi dado pelo Supremo Tribunal Federal, emdecisão proferida em 13 de novembro de 1970, na qual assentou: "Harmonia dos Poderes. Art. 6º da Emenda Constitu-cional n. 1. A decisão recorrida invadiu área de estrita com-petência da Administração Pública ao mandar reabrir e equi-par uma enfermaria de hospital fechada por conveniênciado serviço público. Inadmissibilidade da apreciação do mé-rito de tal providência pelo Poder Judiciário. Recurso co-nhecido e provido". 207. RTJ, 56:811, 1971, RE 70.278-GB, rel. Min. Adaucto Cardoso. É certo, porém, que, ao longo da vigência da Constituição de 1967-69, ainda que de modo implícito e até mesmo inconsciente, e sem men-ção expressa ao princípio, diversas decisões dos tribunais superiores reve-renciaram a razoabilidade como parâmetro de validade de atos emanadosdo Poder Público. De fato, foi ela o grande vetor de decisões como: a) aque considerou inaceitável que delegado aprovado em concurso pudesseser reprovado na prova de esforço físico (teste de Cooper), haja vista quesão os agentes, e não o delegado, que de regra desempenham as mis-sões; b) a que considerou ensejadora de discriminação a reprovação,em entrevista pessoal, de candidatos à carreira diplomática já aprovadosnas provas intelectuais; c) a que também considerou inconciliável como princípio do concurso público o chamado "julgamento de consciência",em que o candidato à magistratura podia ser excluído do certame combase em julgamento secreto sobre sua vida pública e privada.

208. Siqueira Castro, O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constitui-ção do Brasil, cit., p. 192. 209. Remessa ex officio n. 110.873-DF, TFR, rel. Min. Washington Bolivar, DJU, 26 fev. 1987. 210. MS 101 .898-DF, TFR, rel. Min. Leitão Krieger, DJU, 22 maio 1986. 211. RTJ, 122:1130, 1987, RE 111.411-8-RJ, rel. Min. Carlos Madeira. Todos esses precedentes referem-se a atos administrativos. A possi-bilidade de controle de razoabilidade dos atos do Poder Legislativo tam-bém tem sido discutida no Brasil nas últimas décadas, ainda queincipientemente. A fórmula utilizada para sua aplicação foi a importa-ção de figura tradicional originária do direito administrativo francês,identificada como détournement de pouvoir, isto é, o desvio ou excessode poder. Convencionalmente aplicada no controle dos atos administra-tivos, o conceito teve seu alcance estendido para abrigar certos casosenvolvendo atos legislativos. Há um interessante precedente na matéria,em decisão do Supremo Tribunal Federal, onde o Ministro OrozimboNonato firmou a tese de que: "O poder de taxar não pode chegar à desmedida dopoder de destruir, uma vez que aquele somente pode serexercido dentro dos limites que o tornem compatível coma liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com odireito de propriedade. É um poder, em suma, cujo exercí-cio não deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo apli-cável, ainda aqui, a doutrina fecunda do détournement depouvoir. Não há que estranhar a invocação dessa doutrinaao propósito da inconstitucionalidade, quando os julgadostêm proclamado que o conflito entre a norma comum e opreceito da Lei Maior pode-se acender não somente consi-derando a letra, o texto, como, também, e principalmente,o espírito e o dispositivo invocado". 212. RF, 145:164, 1953, RE 18.331, rel. Min. Orozimbo Nonato. Já no regime da Carta de 1967-69, outra decisão da Suprema Corte,em linguagem ainda mais explícita, aplicou o princípio da razoabilidadecomo critério limitador das restrições de direitos. Na apreciação de ques-tão relativa à liberdade de exercício profissional, deixou-se assentado: "Ainda no tocante a essas condições de capacidade,não as pode estabelecer o legislador ordinário, em seu po-der de polícia das profissões, sem atender ao critério darazoabilidade, cabendo ao Poder Judiciário apreciar se asrestrições são adequadas e justificadas pelo interesse pú-blico, para julgá-las legítimas ou não". 213. Rep. n. 930-DF, rel. Min. Rodrigues Alckmin, DJU, 2 set. 1977. Em decisões posteriores, embora esporádicas, voltou-se a aplicar,ainda que sem maior desenvolvimento teórico, o princípio darazoabilidade. Foi o que se passou quando a Suprema Corte: a) conside-rou inválida a regra do Estatuto da OAB que estabelecia a incompatibi-lidade dos magistrados, membros do Ministério Público e de outras ca-tegorias de servidores para o exercício da advocacia, pelo prazo de doisanos a contar da aposentadoria ou da disponibilidade; b) considerouinconstitucional lei do Estado do Rio de Janeiro que elevava despropo-sitadamente os valores da taxa judiciária. 214. RTJ, 110:937, 1984, Rep. n. 1.054, rel. Min. Moreira Alves. 215. RTJ, 112:34, 1985, Rep. n. 1.077, rel. Min. Moreira Alves. Um dos poucos autores nacionais a dedicar alguma atenção ao temado desvio de poder legislativo, Caio Tácito, menciona decisões do Supre-mo Tribunal Federal que mantiveram a anulação de leis que consubs-tanciavam os chamados testamentos políticos. É que, na pior tradição na-cional, não é incomum a edição de leis estaduais, ao término de governosderrotados nas urnas, criando cargos públicos em número excessivo ouconcedendo benefícios remuneratórios, comprometendo as finanças pú-

blicas e inviabilizando o novo governo. O abuso do poder legislativo, quan-do excepcionalmente caracterizado, pelo exame dos motivos, configuravício especial de inconstitucionalidade. Analisando o caso concreto, afir-mou o ilustre publicista, em passagem lapidar: "A competência legislativa para criar cargos públicosvisa ao interesse coletivo de eficiência e continuidade daadministração. Sendo, em sua essência, uma faculdade dis-cricionária, está, no entanto, vinculada à finalidade, quelhe é própria, não podendo ser exercida contra a conve-niência geral da coletividade, com o propósito manifestode favorecer determinado grupo político, ou tornar ingo-vernável o Estado, cuja administração passa, pelo voto po-pular, às mãos adversárias. Tal abandono ostensivo do fim a que se destina a atri-buição constitucional configura autêntico desvio de poder(détournement de pouvoir), colocando-se a competêncialegislativa a serviço de interesses partidários, em detrimentodo legítimo interesse público". 216. Caio Tácito, O desvio de poder no controle dos atos administrativos, legislativos ejurisdicionais, RDA, 188:1, 1992. Sobre o tema, veja-se, também, Gilmar Ferreira Mendes, Contro-le de constitucionalidade, cit., onde se abre um tópico específico para o excesso de poder legislativo(p.38e s.). Como se constata singelamente, a despeito de não haver merecidoqualquer referência expressa nos Textos Constitucionais de 1946 e 1967-69, o princípio da razoabilidade foi utilizado, de forma explícita ou im-plícita, como fundamento para a declaração de inconstitucionalidade deatos do Poder Público, tanto administrativos quanto legislativos. Duran-te a maior parte dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, deque resultou a Constituição de 1988, o princípio da razoabilidade cons-tou de diferentes projetos, inclusive do texto ao final aprovado pela Co-missão de Sistematização. Ali se lia, no caput do art. 44: "A administração pública, direta ou indireta, de qual-quer dos Poderes obedecerá aos princípios da legalidade,impessoalidade, moralidade e publicidade, exigindo-se,como condição de validade dos atos administrativos, a mo-tivação suficiente e, como requisito de sua legitimidade, arazoabilidade". A redação final da Constituição de 1988, todavia, excluiu a mençãoexpressa ao princípio da razoabilidade. É certo, todavia, que se inscre-veu, expressamente, no inciso LIV do art. 5º, a cláusula do due processof law, com a dicção seguinte: "Ninguém será privado da liberdade ou de seus benssem o devido processo legal". Diante disso, abrem-se duas linhas de construção constitucional, umae outra conducentes ao mesmo resultado: o princípio da razoabilidadeintegra o direito constitucional brasileiro, devendo o teste de razoabilidadeser aplicado pelo intérprete da Constituição em qualquer caso submetidoao seu conhecimento. A primeira linha, mais inspirada na doutrina alemã,vislumbrará o princípio da razoabilidade como inerente ao Estado de di-reito, integrando de modo implícito o sistema, como um princípio consti-tucional não escrito. De outra parte, os que optarem pela influência norte-americana pretenderão extraí-lo da cláusula do devido processo legal, sus-tentando que a razoabilidade das leis se torna exigível por força do carátersubstantivo que se deve dar à cláusula. É bem de ver que o princípio da razoabilidade tem um campo deincidência bem mais vasto nos países de Constituição sintética, ondesua aplicação criativa serve como mecanismo flexível para determinar a

Constituição material de cada época. Nos países de Constituição analí-tica, sua aplicação se reduz, sem, contudo, perder em relevância. Mes-mo em um país como o Brasil, em que a Constituição é prolixa ecasuística, há um amplo espaço de utilização do princípio darazoabilidade como instrumento de contenção do ímpeto arbitrário que,não infreqüentemente, estigmatiza a prática política brasileira. Nos últimos anos foram produzidos importantes trabalhosmonográficos sobre o tema. Da mesma forma, juízes e tribunais, in-clusive e especialmente o Supremo Tribunal Federal, têm encontradono princípio da razoabilidade, direta ou indiretamente, fundamento cons-tante para suas razões de decidir. Confira-se, abaixo, uma seleção dejulgados recentes que confirmam a assertiva. 217. Vejam-se: Suzana de Toledo Barros, O princípio da proporcionalidade e o controle deconstitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, 1996; Raquel Denize Stumm,Princípio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro, 1995; Paulo Armínio TavaresBuechele, O princípio da proporcionalidade e a interpretação da Constituição, 1999. O art. 37, X, da Constituição, que impõe se faça na mesma data "arevisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção deíndices entre servidores públicos civis e militares", é um corolário doprincípio fundamental da isonomia; não é, nem razoavelmente poderiaser, um imperativo de estratificação perpétua da escala relativa dosvencimentos existentes no dia da promulgação da Lei Fundamental: nãoimpede, por isso, a nova avaliação, por lei, a qualquer tempo, dos venci-mentos reais a atribuir a carreiras ou cargos específicos, com a ressalvaexpressa de sua irredutibilidade (CF, art. 37, XV). 218. RTJ, 145:101, 1993,ADIn 526-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence. Segundo uma interpretação harmônica dos arts. 7º, XXX, 37, I, e39, § 2º, da Constituição Federal, pode a lei, desde que o faça de modorazoável, estabelecer limites mínimo e máximo de idade para ingressoem funções, empregos e cargos públicos. 219. RDA, 196:103, 1994, RE 174.548-7-AC, rel. Min. Carlos Velloso. O tema concernente à fixação legal de limite de idade para efeito deinscrição em concurso público e de preenchimento de cargos públicostem sido analisado pela jurisprudência em função e na perspectiva docritério da razoabilidade. 220. RDA, 199:153, 1995, RO em MS 21 .045-5-DF, rel. Min. Celso de Mello. É de se deferir liminar em ação direta de inconstitucionalidade comrelação a lei estadual que determina a pesagem de botijões de gás lique-feito de petróleo entregues ou recebidos para substituição à vista doconsumidor. Além de violação ao princípio de proporcionalidade erazoabilidade das leis restritivas de direitos, há evidente plausibilidadejurídica da argüição que aconselha a suspensão cautelar da lei impugna-da, a fim de evitar danos irreparáveis à economia do setor, no caso de vira ser declarada a inconstitucionalidade. 221. RDA, 194:299, 1993, e RTJ, 152:455, 1995, ADIn 855-2-PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence. O princípio da razoabilidade constitucional é conducente a ter-secomo válida a regência da proibição da importação de pneus usadosvia portaria, não sendo de se exigir lei, em sentido formal e material,especificadora, de forma exaustiva, de bens passíveis, ou não, de im-portação. 222. DJU, 12 set. 1997, p. 43471, RE 204.020-7-PE. A norma legal, que concede a servidor inativo vantagem pecuniáriacuja razão de ser se revela absolutamente destituída de causa (gratifica-ção de férias correspondente a um terço do valor da remuneração men-sal), ofende o princípio da razoabilidade, que atua, enquanto projeção

caracterizadora da cláusula do substantive due process of law, comoinsuperável limitação ao poder normativo do Estado. 223. RDA, 200:242, 1995, ADin 1.158-8-AM, rel. Min. Celso de Mello. A regra contida no § 1º do art. 100 da Constituição há de ter alcanceperquirido em face não só do princípio da razoabilidade e do objetivonela previsto, como também do preceito transitório do art. 33, com oqual se almejou colocar ponto final no esdrúxulo quadro decorrente dajurisprudência pretérita à Carta de 1988, no sentido de que os valoresdevidos pela Fazenda seriam pagos, até o fim do exercício seguinte,considerados os precatórios apresentados até 12 de julho, oportunidadeem que é feita a correção respectiva. 224. RTJ, 152:630, 1995, AI 153.493-SP, rel. Min. Marco Aurélio. A importação e sistematização do princípio da razoabilidade-proporcionalidade no direito brasileiro projetaram novas luzes sobre otratamento doutrinário do princípio da isonomia. Historicamentee mais rotineiramente utilizado na busca de equipara-ções salariais ou remuneratórias, o grande mandamento da igualdadesubaproveitado é tradicionalmente tratado como um tema menor, assim pela doutrinacomo pela jurisprudência. 225. A Emenda Constitucional n. 19, de 4-6-1998 (Reforma AdministratiVa), suprimiu a cláu-sula de isonomia de vencimentos entre cargos de atribuições iguais ou assemelhados, constante do§ 1º do art. 39 do texto original. 226. Exceção que confirma a regra é o precioso trabalho de Celso Antônio Bandeira de Mello,O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 1993 (a 1ª edição desse texto é de 1978). Emboraconcentrado em aspecto específico do tema, v. também Carlos Roberto de Siqueira Castro, O prin-cípio da isonomia e a igualdade da mulher no direito constitucional, 1983. Reproduzindo o conhecimento convencional, costuma-se afirmarque a isonomia traduz-se em igualdade na lei - ordem dirigida ao le-gislador - e perante a lei - ordem dirigida ao aplicador da lei. Emseguida, é de praxe invocar-se a máxima aristotélica de que o princípioconsiste em "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais,na medida em que eles se desigualam". A beleza filosófica de tal assertonão contribui, contudo, para desvendar o cerne da questão: saber quemsão os iguais e os desiguais e definir em que circunstâncias é constitu-cionalmente legítimo o tratamento desigual. O princípio genérico da igualdade vem capitulado, no direito cons-titucional positivo brasileiro, como direito individual - "todos são iguaisperante a lei, sem distinção de qualquer natureza" (art. 5º, caput) - ecomo objetivo fundamental da República - "promover o bem de todos,sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outrasformas de discriminação" (art. 3º, IV). Nada obstante o tom peremptó-rio dos dois preceptivos, de longa data se reconhece que legislar consis-te, inegavelmente, em discriminar situações e classificar pessoas à luzdos mais diversificados critérios. 227. V. Celso Antônio Bandeira de Mello, O conteúdo jurídico do princípio da igualdade,cit., p. 11; Carlos Roberto de Siqueira Castro, O princípio da isonomia e a igualdade da mulher nodireito constitucional brasileiro, cit., p. 44. Aliás, a própria Constituição desequipara as pessoas com base emmúltiplos fatores, que incluem sexo, renda, situação funcional, nacionali-dade, dentre outros. Assim, ao contrário do que se poderia supor à vista daliteralidade da matriz constitucional da isonomia, o princípio, em muitasde suas incidências, não apenas não veda o estabelecimento de desigual-dades jurídicas, como, ao contrário, impõe o tratamento desigual.

Estabelecida a premissa de que é possível distinguir pessoas e situa-ções para o fim de dar a elas tratamento jurídico diferenciado, cabe determi-nar os critérios que permitirão identificar as hipóteses em que asdesequiparações são juridicamente toleráveis. Em trabalho escrito em 1985- antes, portanto, da formal entronização do princípio da proporcionalida-de -, mas prenunciando a natural evolução da matéria, averbamos: "Parece-me, contudo, que a compatibilização entre aregra isonômica (na vertente do tratamento desigual) e ou-tros interesses prestigiados constitucionalmente exige quese recorra à idéia de proporcionalidade. Somente assim sepoderá obter um equilíbrio entre diferentes valores a serempreservados. Vê-se, assim, que é possível discriminar em prol dosdesfavorecidos economicamente, em detrimento dos mais abonados. Mas o tratamento desigual há de encontrar limi-tes de razoabilidade para que seja legítimo. Este limite po-derá vir expresso ou implícito no texto constitucional, e aconciliação que se faz necessária exige a utilização de umconceito flexível, fluido, como o de proporcionalidade". 228. Luís Roberto Barroso, A igualdade perante a lei. Algumas reflexões, in Temas atuais dodireito brasileiro, 1987. Veja-se a demonstração da tese. Além da vedação genérica à discri-minação, a Constituição indicou, pontualmente, alguns fatores de discri-minação que especialmente desaprova, a saber: origem, raça, sexo, cor,idade. Nada obstante, não parece ilegítimo, à luz da Constituição, que: 1. em concurso público para guardas penitenciários de um presídiofeminino, somente se admita a inscrição de mulheres; 2. em evento comemorativo do dia da consciência negra, sejam con-tratados somente artistas dessa raça; 3. o Teatro Municipal, desejando admitir uma bailarina para ence-nar o ballet "Romeu e Julieta", recrute entre pessoas do sexo feminino ejovens; 4. se exija do estrangeiro residente no país visto de permanência edocumentação específica, distinta da dos nacionais. Tais classificações fundam-se em fatores que o constituinte consi-derou suspeitos e cuja utilização traz uma forte possibilidade deinconstitucionalidade. A menos que se possa demonstrar - como pare-ce ser o caso em cada um dos exemplos - que o tratamento desigualteve um fundamento razoável e destinou-se a realizar um fim legítimo.Vale dizer: o tratamento diferenciado, para ser válido, precisa passar noteste da razoabilidade interna e externa. De plano, portanto, não será legítima a desequiparação arbitrária,caprichosa, aleatória. O elemento de discriminação tem de ser relevantee residente nas pessoas por tal modo diferenciadas. Não pode ser exter-no ou alheio a elas. Não se pode estabelecer que os servidores quetêm olhos claros terão prioridade no escalonamento de férias (irrelevância)ou que se dará preferência às mulheres se a seleção feminina de voleibolfor campeã (fator externo e alheio). 229. Celso Antônio Bandeira de Mello, O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, cit.,p. 29-30: "É inadmissível, perante a isonomia, discriminar pessoas ou situações ou coisas (o queresulta, em última instância, na discriminação de pessoas) mediante traço diferencial que não sejanelas mesmas residentes. Por isso, são incabíveis regimes diferentes determinados em vista de fatoralheio a elas, quer-se dizer: que não seja extraído delas mesmas". De parte isto, tem de haver racionalidade na desequiparação, valedizer: adequação entre meio e fim. É legítimo que se adote o critériocompleição física na escolha dos soldados que formarão a tropa de cho-

que, mas não para a seleção dos que servirão como digitadores ou auxi-liares administrativos. A desequiparação, ademais, terá de ser necessária para a realizaçãodo objetivo visado, vedado o excesso, isto é, o tratamento diferenciadoalém do que é imprescindível. Em um concurso público, por exemplo,no âmbito da Secretaria de Segurança Pública, é possível excluir da dis-puta por cargos que exigem destreza física os candidatos portadores dedeficiência motora. Mas se a restrição estender-se a todos os cargosdaquele órgão, inclusive os de natureza burocrática, será nula por ter idoalém do estritamente necessário, sendo colhida pelo subprincípio davedação do excesso. E, por fim, terá de haver proporcionalidade em sentido estrito. Éimperativo que o valor promovido com a desequiparação seja mais rele-vante do que o que está sendo sacrificado. Suponha-se, por ilustração,que o Museu Imperial, desejando assegurar mais silêncio e tranqüilida-de aos seus visitantes adultos, proíba o ingresso de menores de quatorzeanos. O prejuízo que tal medida traz à formação cultural e humanísticados jovens interessados em visitar o museu é, por certo, superior aodesejo dos demais freqüentadores de não conviverem com o burburinhoinfantil ou adolescente. Superado o teste da razoabilidade interna - adequação meio-fim,necessidade/vedação do excesso e proporcionalidade em sentido estri-to -, será preciso verificar se o tratamento desigual resiste ao exame desua razoabilidade externa. Vale dizer: se o meio empregado e o fim visa-do são compatíveis com os valores constitucionais. Suponha-se, por exemplo, que uma Escola Militar de formação deoficiais constate, com base em prova estatística, que os alunos origináriosde determinada região têm, ao longo dos estudos e da carreira, de-sempenho superior aos originários de outras partes do país. Ou, aocontrário, que os alunos originários de uma específica região apresen-tam elevado índice de repetência e desligamento. Pergunta-se: poderia aEscola, em seus critérios de admissão, favorecer o ingresso de uns edificultar os de outros, em função da região de origem, para assegurarsua maior eficiência? A resposta é naturalmente negativa. O ordenamento constitucionalbrasileiro veda que se criem distinções entre brasileiros (art. 19, III).Portanto, mesmo que se demonstrasse inequivocamente que os resulta-dos seriam melhores, eles seriam obtidos com o sacrifício de valoresdos quais não é possível dispor. Em desfecho, e para mero fim de sistematização final, é possívelsintetizar as idéias desenvolvidas neste tópico na forma abaixo. O princípio da razoabilidade é um mecanismo de controle dadiscricionariedade legislativa e administrativa. Ele permite ao Judiciá-rio invalidar atos legislativos ou atos administrativos quando: (a) nãohaja relação de adequação entre o fim visado e o meio empregado; (b) amedida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo parachegar ao mesmo resultado com menor ônus a um direito individual; (c)não haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perdecom a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha. Um certo positivismo arraigado na formação jurídica nacional re-tardou o ingresso do princípio da razoabilidade na jurisprudência brasi-leira, por falta de previsão expressa na Constituição. Inequivocamente,contudo, ele é uma decorrência natural do Estado democrático de direi-to e do princípio do devido processo legal. O princípio, naturalmente,não liberta o juiz dos limites e possibilidades oferecidos peloordenamento. Não é de voluntarismo que se trata. A razoabilidade, noentanto, oferece uma alternativa de atuação construtiva do Judiciáriopara a produção do melhor resultado, ainda quando não seja o únicopossível ou mesmo aquele que mais obviamente resultaria da aplicaçãoacrítica da lei. O princípio da razoabilidade faz uma imperativa parceria com o

princípio da isonomia. À vista da constatação de que legislar, em últimaanálise, consiste em discriminar situações e pessoas por variados crité-rios, a razoabilidade é o parâmetro pelo qual se vai aferir se o funda-mento da diferenciação é aceitável e se o fim por ela visado é legítimo.

7. Princípio da efetividade A idéia de efetividade, conquanto de desenvolvimento relativamen-te recente, traduz a mais notável preocupação do constitucionalismonos últimos tempos. Ligada ao fenômeno da juridicização da Constitui-ção, e ao reconhecimento e incremento de sua força normativa, aefetividade merece capítulo obrigatório na interpretação constitucional.Os grandes autores da atualidade referem-se à necessidade de dar prefe-rência, nos problemas constitucionais, aos pontos de vista que levem asnormas a obter a máxima eficácia ante as circunstâncias de cada caso. 230. V. Konrad Hesse, La interpretación constitucional, in Escritos de derecho constitucio-nal, cit., p. 50-1. Especificamente sobre a força normativa da Constituição, v. Eduardo García deEnterría, La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional, cit., p. 63 e s. Vejam-se, ainda,Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, cit., t. 2, p. 229, e J. J. Gomes Canotilho, Direitoconstitucional, cit., p. 233, onde se lê: "Este princípio, também designado por princípio da eficiên-cia ou princípio da interpretação efetiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma normaconstitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo emrelação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese daactualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitosfundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aosdireitos fundamentais)". É oportuno aqui, para a operatividade do princípio, um apro-fundamento conceitual da efetividade. Os fatos jurídicos resultantesde uma manifestação de vontade denominam-se atos jurídicos. Quan-do emanados do Poder Público, tais atos serão legislativos, adminis-trativos ou judiciais. Classicamente, os atos jurídicos comportam aná-lise científica em três planos distintos e inconfundíveis: o da existên-cia, o da validade e o da eficácia. Não é possível, nesta instância,aprofundar esses conceitos. Faz-se apenas o registro de que a existên-cia do ato jurídico está ligada à presença de seus elementos constitutivos(normalmente, agente, objeto e forma) e a validade decorre do preen-chimento de determinados requisitos, de atributos ditados pela lei. Aausência de algum dos requisitos conduz à invalidade do ato, à qual oordenamento, considerando a maior ou menor gravidade, comina assanções de nulidade ou anulabilidade. 231. Sobre o tema, v. Antônio Junqueira deAzevedo, Negócio jurídico - existência, valida-de e eficácia, 1986, e Luís Roberto Barroso, O direito constitucional e a efrtividade de suas nor-mas, 1993,p.74e s. De maior interesse para os fins aqui visados é a eficácia dos atosjurídicos, o terceiro plano de análise, que se traduz na sua aptidão para aprodução de efeitos, para a irradiação das conseqüências que lhe sãopróprias.Eficaz é o ato idôneo para atingir a finalidade para a qual foigerado. Tratando-se de uma norma, a eficácia jurídica designa a quali-dade de produzir, em maior ou menor grau, os seus efeitos típicos,

"ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos nelaindicados; neste sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibi-lidade ou executoriedade da norma". Atente-se bem: a eficácia refere-se à aptidão, à idoneidade do ato para a produção de seus efeitos. Não seinsere no seu âmbito constatar se tais efeitos realmente se produzem. 232. Flavio Bauer Novelli, A eficácia do ato administrativo, RDA, 60:16, 1960, p. 21. 233. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, 1982, p. 56. É nesse plano da realidade, esse quarto plano, situado fora da teoriaconvencional, que se vai encontrar a efetividade ou eficácia social danorma. Diz ele respeito, como assinala Miguel Reale, ao cumprimentoefetivo do direito por parte de uma sociedade, ao "reconhecimento"(Anerkennung) do direito pela comunidade ou, mais particularizada-mente, aos efeitos que uma regra suscita através do seu cumprimento.Cuida-se, aqui, da concretização do comando normativo, sua forçaimperativa no mundo dos fatos. 234. Miguel Reale, Lições preliminares de direito, 1973, p. 135. A noção de efetividade, ou seja, dessa específica eficácia, cor-responde ao que Kelsen - distinguindo-a do conceito de vigência danorma - retratou como sendo "o fato real de ela ser efetivamente apli-cada e observada, da circunstância de uma conduta humana conforme ànorma se verificar na ordem dos fatos". A efetividade significa, por-tanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos precei-tos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entreo dever-ser normativo e o ser da realidade social. 235. Hans Kelsen, Teoria pura do direito, 1979, p. 29-30. Partindo da premissa da estatalidade do direito, é intuitivo que aefetividade das normas depende, em primeiro lugar, da sua eficácia jurí-dica, isto é, da aptidão formal para incidir e reger as situações da vida,operando os efeitos que lhe são próprios. Não se quer referir, aqui, ape-nas à vigência da regra, mas também, e sobretudo, à "capacidade de orelato de uma norma dar-lhe condições de atuação", isoladamente ouconjugada com outras normas. Se o efeito jurídico pretendido pela nor-ma for irrealizável, não há efetividade possível. Mas essa seria uma si-tuação anômala em que o direito, como criação racional e lógica, usual-mente não incorreria. 236. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Teoria da norma jurídica: um modelo pragmático, in A normajurídica (coletânea), 1980, p. 29. Como regra, um preceito legal é observado voluntariamente. Aefetividade das normas jurídicas resulta, comumente, do seu cumpri-mento espontâneo. Sem embargo, descartados os comportamentos indi-viduais isolados, há casos de insubmissão numericamente expressiva,quando não generalizada, aos preceitos normativos, inclusive os de hie-rarquia constitucional. Assim se passa, por exemplo, quando uma nor-ma se confronta com um sentimento social arraigado, contrariando ten-dências prevalecentes na sociedade. Quando isso ocorre, ou a normacairá em desuso ou sua efetivação dependerá da freqüente utilização doaparelho estatal. De outras vezes, resultará difícil a concretização deuma norma que contrarie interesses particularmente poderosos, influen-tes sobre os próprios organismos estatais, os quais, por acumpliciamentoou impotência, relutarão em acionar os mecanismos para impor sua ob-servância compulsória. 237. Por exemplo: o Estatuto da Terra - Lei n. 4.504, de 30-11-1964 -, o Ato Institucionaln. 9, de 25-4-1969, e o Decreto-Lei n. 554, de 25-4-1969, instrumentalizavam, de certa forma, arealização da reforma agrária, jamais levada a efeito, por contrariar a burguesia rural latifundiária,

importante base de apoio político do regime militar de 1964. O malogro do constitucionalismo, no Brasil e alhures, vem associa-do à falta de efetividade da Constituição, de sua incapacidade de moldare submeter a realidade social. Naturalmente, a Constituição jurídica deum Estado é condicionada historicamente pelas circunstâncias concre-tas de cada época. Mas não se reduz ela à mera expressão das situaçõesde fato existentes. A Constituição tem uma existência própria, autôno-ma, embora relativa, que advém de sua força normativa, pela qual orde-na e conforma o contexto social e político. Existe, assim, entre a normae a realidade, uma tensão permanente. É nesse espaço que se definem aspossibilidades e os limites do direito constitucional. 238. V. Konrad Hesse, La fuerza normativa de la Constitución, in Escritos de derecho consti-tucional, cit., p. 75. Veja-se, também, Flavio Bauer Novelli, A relatividade do conceito de Consti-tuição e a Constituição de 1967, RDA, 88:1,1968, p. 3e6. Embora resulte de um impulso político, que deflagra o poder cons-tituinte originário, a Constituição, uma vez posta em vigência, é umdocumento jurídico. E as normas jurídicas, tenham caráter imediato ouprospectivo, não são opiniões, meras aspirações ou plataforma política.As regras de direito, consigna Recaséns Siches, "son instrumentosprácticos, elaborados y construidos por los hombres, para que, median-te su manejo, produzcan en la realidad social unos ciertos efectos, preci-samente el cumplimiento de los propósitos concebidos". 239. Luís Recaséns Siches, Nueva filosofía de la interpretación del derecho, 1980, p. 277. No Brasil, autores da melhor linhagem elaboraram cortes parciaisque iluminaram aspectos específicos do tema. O estudo sistemático pi-oneiro na matéria deve-se a José Afonso da Silva, em notável monografiaescrita em 1968 e reeditada em 1982, cuja ênfase recaía na eficácia dasnormas constitucionais. Lastreando-se na lição de Rui Barbosa, assen-tou o eminente Professor da Universidade de São Paulo que não há, emuma Constituição, cláusula a que se deva atribuir meramente o valor mo-ral de conselhos, avisos ou lições. Todas têm a força imperativa de regras,ditadas pela soberania nacional ou popular a seus órgãos. Em seguida,elaborou, sob inspiração da doutrina italiana, sua célebre classificaçãotricotômica das normas constitucionais, dividindo-as em: a) normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata; b) normas constitucionais de eficácia contida e aplicabilidade ime-diata, mas passíveis de restrição; c) normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida (que com-preendem as normas definidoras de princípio institutivo e as definidorasde princípio programático), em geral dependentes de integraçãoinfraconstitucional para operarem a plenitude de seus efeitos. 240. Anotem-se, em meio a outros, Celso Antônio Bandeira de Mello, Eficácia das normasconstitucionais sobre a justiça social, tese apresentada à IX Conferência Nacional da OAB,Florianópolis, 1982: Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres de Brito, Interpretação e aplicabilidadedas normas constitucionais, 1982; Pinto Ferreira, Eficácia, in Enciclopédia Saraiva do Direito,1979; Geraldo Ataliba, Eficácia das normas constitucionais e leis complementares, RDP, 13:35,1968; Maria Helena Diniz, Norma constitucional e seus efeitos, cit. 241. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, cit. 242. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, cit., p. 3,68 e 253. V.Rui Barbosa, Comentários à Constituição Federal brasileira, 1933, v. 2, p. 489. De acordo com essa formulação, normas de eficácia plena são as

que receberam do constituinte normatividade suficiente à sua incidên-cia imediata e independem de providência normativa ulterior para suaaplicação. Normas de eficácia contida são as que receberam, igual-mente, normatividade suficiente para reger os interesses de que cogi-tam, mas prevêem meios normativos (leis integradoras, conceitos gené-ricos etc.) que lhes podem reduzir a eficácia e aplicabilidade. Por últi-mo, normas de eficácia limitada são as que não receberam do constitu-inte normatividade suficiente para sua aplicação, o qual deixou ao legis-lador ordinário a tarefa de completar a regulamentação das matériasnelas traçadas em princípio ou esquema. 243. É pertinente a anotação de Michel Temer de que tais normas melhor denominar-se-iam eficácia redutível ou restringível (Elementos de direito constitucional, 1990, p. 27). 244. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, cit., p. 254. Retomando de onde José Afonso da Silva parara, e mudando o focoda eficácia para a efetividade, escrevemos nossa tese de livre-docênciasob o título A força normativa da Constituição. Elementos para aefetividade das normas constitucionais (1989). As idéias veiculadasneste tópico são a síntese daquele estudo, atualizadas pela produção ju-rídica mais recente e pela jurisprudência dos tribunais. 245. Com algumas alterações e acréscimos, esse trabalho foi publicado em versão comercialsob o título O direito constitucional e a efetividade de suas normas, 1991 e 1993. No nível lógico, nenhuma lei, qualquer que seja sua hierarquia, éeditada para não ser cumprida. Sem embargo, ao menos potencialmen-te, existe sempre um antagonismo entre o dever-ser tipificado na normae o ser da realidade social. Se assim não fosse, seria desnecessária aregra, pois não haveria sentido algum em impor-se, por via legal, algoque ordinária e invariavelmente já ocorre. É precisamente aqui que resi-de o impasse científico que invalida a suposição, difundida e equivoca-da, de que o direito deve limitar-se a expressar a realidade de fato. Issoseria sua negação. De outra parte, é certo que o direito se forma comelementos colhidos na realidade, e seria condenada ao insucesso a legis-lação que não tivesse ressonância no sentimento social. O equilíbrioentre esses dois extremos é que conduz a um ordenamento jurídico soci-almente eficaz. 246. Sobre normatividade e efetividade, veja-se Hans Kelsen, Teoría general del Estado (ed.mexicana), 1965, p. 23-4. De regra, como já referido, um preceito legal é observado voluntaria-mente. As normas jurídicas têm, por si mesmas, uma eficácia "racionalou intelectual", por tutelarem, usualmente, valores que têm ascendênciano espírito dos homens. Quando, todavia, deixa de ocorrer a submis-são da vontade individual ao comando normativo, a ordem jurídica acionaum mecanismo de sanção, promovendo, por via coercitiva, a obediênciaa seus postulados. Mas essa é a exceção. Como bem intuiu André Hauriou,se não houvesse, em grande parte, uma obediência espontânea, se fossenecessário um policial atrás de cada indivíduo e, quem sabe, um segun-do policial atrás do primeiro, a vida social seria impossível. 247. André Hauriou, Derecho constitucional y instituciones políticas (ed. espanhola), 1971, p. 30. 248. André Hauriou, Derecho constitucional y instituciones políticas, cit., p. 30. A despeito da sedimentada formulação doutrinária dessas questões,o direito constitucional, por peculiaridades que lhe são próprias, não asassimilou ainda inteiramente. A dificuldade de isolar seu objeto da com-plexa interferência de componentes metajurídicos retarda, quando nãoo seu desenvolvimento científico, ao menos a sua dimensão normativa,

comprometendo-lhe a eficácia, assim no que diz respeito ao cumpri-mento espontâneo de seus princípios e normas como à existência demeios de sanção eficientes. Em nenhuma esfera jurídica, observa LinaresQuintana, é tão grande o abismo entre a validade e a vigência do direito.Foi precisamente ao estudar a sintonia entre as normas constitucio-nais e a realidade do poder - e a efetividade dessa regulação - queKarl Loewenstein elaborou a sua celebrada classificação ontológica dasConstituições, diferenciando-as segundo seu caráter normativo, nomi-nal ou semântico. A Constituição normativa é aquela não apenas juri-dicamente válida, mas que está, além disso, vivamente integrada na so-ciedade. Suas normas dominam o processo político ou, inversamente, oprocesso de poder se amolda às normas da Lei Maior, submetendo-se aelas. "Para usar uma expressão de todos os dias: a Constituição é a rou-pa que assenta bem e que realmente veste." 249. Segundo V. Linares Quintana, Tratado de la ciencia del derecho constitucional argenti-no y comparado, 1953, v. 1, p. 346. O autor utiliza a palavra vigência para significar o que naterminologia por nós utilizada corresponde à efetividade. 250. Karl Loewenstein, Teoría de la Constitución, 1986, p. 217 e s. No outro extremo está a Constituição semântica, subalternaformalização da situação de poder político existente, para o exclusivobenefício dos detentores do poder de fato, que dispõem do aparato coativodo Estado. Se não houvesse nenhuma Constituição formal ou escrita, avida institucional não seria perceptivelmente diferente. "A roupa nãoveste, como no caso da Constituição normativa, mas esconde, dissimulaou disfarça." 251. Raymundo Faoro,Assembléia Constituinte: a legitimidade recuperada, 1981,p. 10,onde se contém uma refletida síntese do pensamento de Loewenstein. Entre a Constituição normativa e a Constituição semântica, situa-se aConstituição nominal. Aqui, a dinâmica do processo político não se adaptaàs suas normas, mas conserva um caráter educativo e prospectivo. Existe,nesse caso, uma desarmonia entre os pressupostos sociais e econômicosexistentes e a aspiração constitucional, a ser sanada com o passar do tempo,pelo amadurecimento esperado. "A roupa fica por certo tempo guardada noarmário e será vestida quando o corpo nacional haja crescido." Conforta-velmente, sem pressa, os detentores do poder esperam pelo futuro, "seja dopaís grande potência, do país rico ou do país educado". 252. Karl Loewenstein, Teoría de la Constitución, cit., p. 218. 253. Raymundo Faoro, Assembléia Constituinte: a legitimidade recuperada, cit., p. 11. Na República, as Constituições de 1891, 1934 e 1946 foram nomi-nais. As Cartas de 1937, 1967 e 1969 foram semânticas. Já percorremosos ciclos do atraso. A Constituição de 1988, em meio a incontáveis vi-cissitudes, tem mobilizado um esforço, tanto de parte da doutrina comode diversos tribunais, de realização de um constitucionalismo normativo.As normas constitucionais, como espécie do gênero normas jurídi-cas, conservam os atributos essenciais destas, dentre os quais a impe-ratividade. De regra, como qualquer outra norma, elas contêm um manda-mento, uma prescrição, uma ordem, com força jurídica e não apenasmoral. Logo, a sua inobservância há de deflagrar um mecanismo própriode coação, de cumprimento forçado, apto a garantir-lhe a imperativida-de, inclusive pelo estabelecimento das conseqüências da insubmissão aoseu comando. As disposições constitucionais são não apenas normas jurídi-cas como têm um caráter hierarquicamente superior, não obstante a parado-xal equivocidade que longamente campeou nessa matéria, ao considerá-lasprescrições desprovidas de sanção, mero ideário não jurídico. A crítica, antiga e autorizada a tal ponto de vista, não impediu queaté hoje a Constituição se visse destituída, em tantos de seus preceitos,de efetivo teor normativo, ficando eles limitados a meras proposições

abstratas, mais próximas de comandos morais que jurídicos. Tal de-formação é anteS tributária de imprecisão técnica e de conveniênciasdissimuladas do que de uma construção científica apta a justificá-la. Opróprio constituinte, entregando-se, muitas vezes, a devaneiosirrealizáveis, contribui para a desvalorização da Constituição como do-cumento jurídico. 254. V. Rui Barbosa, Comentários à Constituição Federal brasileira, cit., v. 2, p. 482 e s. V.,também, Francisco Campos, Direito constitucional, 1956, p. 395, onde se lê: "Uma provisão cons-titucional, exatamente porque se contém no instrumento da Constituição, é uma provisão essencial,indispensável e imperativa, por envolver de fato ou por pressuposto do legislador constituinte -pressuposição irremovível por argumentos em contrário - matéria de interesse público ou relativaa direitos individuais, de ordem substancial, portanto". Ao jurista cabe formular estruturas lógicas e prover mecanismostécnicos aptos a dar efetividade às normas jurídicas. Mas isso é, emverdade, o mínimo e o máximo de sua atuação. Subjacentemente, teráde haver uma determinação política do Poder Público em sobrepor-se àresistência. Num Estado democrático de direito, o poder, com o batismoda legitimidade, impõe-se por via da autoridade, que, geralmente, carreiaà obediência, independentemente da coação; sem dispensá-la, contudo,quando necessária. Essa fórmula, tecnicamente singela, é, na prática,intrincadíssima e exige um grau de amadurecimento que somente seatinge, como inevitável, pelo passar do tempo e pela prática contínua. As idéias até aqui desenvolvidas em nome do princípio da efetividadeapontam para uma evidência: o direito existe para realizar-se. O direitoconstitucional não foge a esse desígnio. Como adverte Biscaretti diRuffia, sendo a Constituição a própria ordenação suprema do Estado,não pode existir uma norma ulterior, de grau superior, que a proteja. Porconseguinte, ela deve encontrar em si mesma a própria tutela e garan-tia. Convém, neste passo, enfatizar, ainda uma vez, a idéia da forçanormativa da Constituição. 255. Na precisa colocação de Dalmo deAbreu Dallari, "será totalmente inútil todo o cuidadopara elaborar uma Constituição se ela não for efetivamente aplicada e respeitada... Por esse motivo,entre outros, a Constituição não deve conter preceitos de aplicação impossível ou que contrariem arealidade social" (Constituição e Constituinte, 1982, p. 53). 256. Paolo Biscaretti di Ruffia, Direito constitucional, 1984, p. 3. O desenvolvimento do princípio da efetividade, notadamente no Bra-sil, é fruto de uma transformação da própria percepção do papel do di-reito constitucional. Na América Latina, de uma maneira geral, um tan-to sob a inspiração do modelo francês, a ênfase sempre recaiu no estudode sua parte orgânica e da discussão sobre as instituições políticas. Con-seqüentemente, negligenciava-se sua parte dogmática, a visualizaçãoda Constituição como carta de direitos e de instrumentação de sua tute-la. No Brasil dos últimos anos, com grande proveito prático, parte dodebate constitucional afastou-se dos domínios da ciência política e apro-ximou-se do direito processual. Nesta nova perspectiva, torna-se relevante a determinação do con-teúdo das normas constitucionais, para delas extrair a posição jurídicaem que investem os jurisdicionados. Por igual, devem-se pesquisar noordenamento os mecanismos de tutela e garantia dos direitos constituci-onais. Esse é o caminho que conduz à sua efetividade. Ao instituir o Estado, a Constituição (a) organiza o exercício dopoder político, (b) define os direitos fundamentais do povo e (c) estabe-lece princípios e traça fins públicos a serem alcançados. Por via de con-

seqüência, as normas constitucionais, materialmente consideradas, po-dem ser agrupadas nas seguintes categorias: a) normas constitucionais de organização; b) normas constitucionais definidoras de direitos; c) normas constitucionais programáticas. As normas constitucionais de organização traçam a estrutura doEstado, cuidando, essencialmente, da repartição do poder político e dadefinição da competência dos órgãos públicos. Na Carta em vigor, sãoexemplos de normas dessa natureza as que instituem as competênciasdo Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como da União, Estados eMunicípios. Embora não seja sua finalidade precípua, tais normas po-dem eventualmente gerar situações jurídicas individuais, sob a forma dedireito subjetivo. 257. Por exemplo, qualquer indivíduo pode opor-se judicialmente a uma restrição de direitoimposta pelo Estado em matéria que a Constituição haja deferido à competência dos Municípios ouda União, ou à cobrança de um tributo por quem não tenha competência impositiva. As normas constitucionais definidoras de direitos são as que tipica-mente geram direitos subjetivos, investindo os jurisdicionados no poderde exigir do Estado - ou de outro eventual destinatário da norma -prestações positivas ou negativas, que proporcionem o desfrute dos bensjurídicos nelas consagrados. Nessa categoria se incluem todas as nor-mas concernentes aos direitos políticos, individuais, coletivos, sociais edifusos previstos na Constituição. As normas constitucionais programáticas veiculam princípios, des-de logo observáveis, ou traçam fins sociais a serem alcançados pela atua-ção futura dos poderes públicos. Por sua natureza, não geram para osjurisdicionados a possibilidade de exigirem comportamentos comissivos,mas investem-nos na faculdade de demandar dos órgãos estatais que seabstenham de quaisquer atos que contravenham as diretrizes traçadas. Valedizer: não geram direitos subjetivos na sua versão positiva, mas geram-nos em sua feição negativa. São dessa categoria as regras que preconizama função social da propriedade (art. 170, III), a redução das desigualdadesregionais e sociais (art. 170, VII), o apoio à cultura (art. 215), o fomentoàs práticas desportivas (art. 217), o incentivo à pesquisa (art. 218) etc. A ênfase que acima se deu à existência ou não de direito subjetivonão é casual. É que essa é a situação jurídica individual mais consisten-te, e que enseja a tutela jurisdicional para sua proteção. Por direito sub-jetivo entende-se o poder de ação, assente no direito objetivo, e destina-do à satisfação de certo interesse. Singularizam o direito subjetivo,distinguindo-o de outras posições, a presença, cumulada, das seguintescaracterísticas: a) a ele corresponde sempre um dever jurídico; b) ele éviolável, ou seja, existe a possibilidade de que a parte contrária deixe decumprir o seu dever; c) a ordem jurídica coloca à disposição de seutitular um meio jurídico - que é a ação judicial - para exigir-lhe ocumprimento, deflagrando os mecanismos coercitivos e sancionatóriosdo Estado. 258. V. M. Seabra Fagundes, O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, cit.,p. 169. Nessa conformidade, das normas constitucionais que geram direi-tos subjetivos resultam para seus beneficiários - os titulares dos direi-tos - situações jurídicas imediatamente desfrutáveis, efetivadas porprestações positivas ou negativas, exigíveis do Estado ou de outro even-tual destinatário da norma. Quando a prestação a que faz jus o titular dodireito não é entregue voluntariamente, nasce para ele uma pretensão, aser veiculada através do exercício do direito de ação, pela qual se requera órgão do Poder Judiciário que faça atuar o direito objetivo e promovaa tutela dos interesses violados ou ameaçados. O direito genérico de ação tem sede constitucional (art. 5º, XXXV),

mas as ações judiciais, em geral, são disciplinadas pela legislaçãoinfraconstitucional. Há, no entanto, um conjunto de ações elevadas àcategoria de ações constitucionais, por se encontrarem previstas na pró-pria Lei Maior. Tradicionalmente, no direito brasileiro, essas ações cons-titucionais eram três: o habeas corpus, o mandado de segurança e a açãopopular. A Constituição de 1988 introduziu novas ações: o mandadode segurança coletivo, a ação civil pública, o habeas data e o manda-do de injunção. As chamadas ações diretas, pelas quais se suscita o exer-cício da jurisdição constitucional concentrada e abstrata, não são objetode referência neste passo por não se destinarem à tutela de situaçõesjurídicas subjetivas. 259. O habeas corpus remonta à Constituição de 1891. O mandado de segurança e a açãopopular foram instituidos como Texto de 1934. 260. A ação civil pública, a rigor, fora criada um pouco antes, em sede infraconstitu-cional, pela Lei n. 7.347, de 24-7-1985. Um dos pontos capitais relativamente ao princípio da efetividade éa necessidade de o Poder Judiciário se libertar de certas noções arraiga-das e assumir, dentro dos limites do que seja legítimo e razoável, umpapel mais ativo em relação à concretização das normas constitucionais.Para tanto, precisa superar uma das patologias crônicas da hermenêuticaconstitucional no Brasil: a interpretação retrospectiva, pela qual se pro-cura interpretar o texto novo de maneira a que ele não inove nada, mas,ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo. Esse aspectojá foi versado anteriormente e não há sentido em voltar a ele (v., supra,Parte 1, cap. II). Resta, por fim, o tratamento da questão da inconstitucionalidadepor omissão. A Constituição, como já se teve oportunidade de assinalar,é um corpo de normas jurídicas, ou seja, compõe-se de preceitos obriga-tórios que organizam o poder político e regram a conduta, tanto dosórgãos estatais quanto dos cidadãos. Vulnera-se a imperatividade de umanorma de direito quer quando se faz aquilo que ela proíbe, quer quandose deixa de fazer o que ela determina. Vale dizer: a Constituição é susce-tível de descumprimento tanto por ação como por omissão. Não é o caso aqui de se aprofundar o exame teórico do fenômeno daomissão, o que já fizemos em outro estudo, com remissão à doutrinanacional estrangeira, bem como a decisões de tribunais europeus, espe-cialmente da Itália e Alemanha. Procede-se, no entanto, a uma análisedas duas figuras introduzidas pela Constituição brasileira para lidar como tema: a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandadode injunção, e sua prática pelos tribunais nos anos de vigência da Car-ta de 1988. 261. V. nosso O direito constitucional e a efetividade de suas normas, cit., p. 156 e s. Reco-menda-se, todavia, na literatura mais recente, Clêmerson Merlin Clêve, A fiscalização abstrata deconstitucionalidade no direito brasileiro, 1995, p. 209 e s. 262. Especificamente sobre o mandado de injunção, v. nosso Mandado de injunção. Perfildoutrinário e evolução jurisprudencial, RDA, 191:1, 1993. O perfil constitucional da ação direta de inconstitucionalidade poromissão vem delineado no art. 103, § 2º: "Declarada a incons-titucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma consti-tucional, será dada ciência ao poder competente para a adoção das pro-vidências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, parafazê-lo em trinta dias". O instituto teve carreira modesta. A inocuidadeda mera "ciência" a ser dada ao órgão omisso não mobilizou os legiti-mados do art. 103 a ingressarem com a ação, salvo exceções. Em umadas ações propostas, o Supremo Tribunal Federal assentou não ser ne-cessária a audiência do Advogado-Geral da União nos casos de ação

direta por omissão. Em outra, ajuizada pelo então Governador de Ala-goas Fernando Collor de Mello, a propósito da remuneração de servido-res estaduais estigmatizados como "marajás", decidiu a Corte que a açãodireta de inconstitucionalidade por omissão "não é de ser proposta paraque seja praticado determinado ato administrativo em caso concreto". 263. ADIn 23-3-SP, rel. Min. Sydney Sanches, DJU, 1º set. 1989. 264. ADIn 19-5-AL, rel. Min. Aldir Passarinho, DJU, 14 abr. 1989. Houve, todavia, uma ação direta de inconstitucionalidade por omis-são onde se suscitaram interessantes e intrincadas questões, envolvendoos conceitos de (a) inconstitucionalidade por ação, isto é, pela edição deato normativo em desconformidade com a Constituição; (b) incons-titucionalidade por omissão absoluta, que se verifica quando o órgãocompetente queda inteiramente inerte diante de um dever de legislar;(c) inconstitucionalidade relativa, que ocorre quando o legislador, em-bora atuando, deixa de fora da incidência da norma alguma categoriaque nela deveria estar incluída. Tais discussões tiveram sede na ação proposta pelo Partido dos Tra-balhadores, tendo por objeto a Medida Provisória n. 296, de 29 de maiode 1991, editada pelo Presidente da República. O ato normativo, ao quese alegava, concedia, embora disfarçadamente, revisão geral de remu-neração aos servidores militares, sem contemplar os civis (em violaçãodo art. 37, X), e concedia reajustes a determinadas categorias de servi-dores civis, com exclusão arbitrária de outras (em violação do art. 39, §1º). O pedido, que incluía requerimento de liminar, era no sentido deque se declarasse a inconstitucionalidade por omissão e se fixasse prazoao Presidente da República para saná-la, editando nova medida provisó-ria ou remetendo ao Congresso Nacional projeto de lei de sua iniciativa,atendendo ao disposto nos arts. 37, X, e 39, § 1º. Em relação à mesmíssima medida provisória, o Partido SocialistaBrasileiro requerera a declaração de inconstitucionalidade positiva, istoé, pura e simplesmente a sua invalidação. Seu pedido liminar foi nosentido da suspensão da vigência da medida do Presidente da Repúbli-ca. A ação do Partido dos Trabalhadores, ao revés, buscava viabilizarum meio, não de invalidar os benefícios concedidos, mas de estendê-losaos que haviam sido excluídos. A singularidade da questão era que a mera declaração deinconstitucionalidade da medida provisória, em lugar de resolver o pro-blema dos que ficaram de fora, simplesmente estenderia a injustiça atodos, já que ninguém receberia aumento algum. A alternativa que secogitou, inspirada por precedentes do Tribunal Constitucional Federalalemão, era a de declarar-se a inconstitucionalidade da norma, por omis-são parcial, com fixação de prazo para que fosse sanada a omissão. Seesta persistisse, o próprio Tribunal estenderia o reajuste a todos. O Su-premo, contudo, em voto do Ministro Sepúlveda Pertence, após questio-nar a adaptabilidade da solução alemã ao sistema de controle vigente noBrasil, rejeitou a possibilidade, averbando: "A essa extensão da lei, contudo, faltam poderes aoTribunal, que, à luz do art. 103, § 2º, CF, declarando a in-constitucionalidade por omissão da lei - seja ela absolutaou relativa -, há de cingir-se a comunicá-la ao órgãolegislativo competente, para que a supra". 265. RTJ, 146:424, 1993, p. 431, ADIn 529-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence. Em sua longaementa, dispôs o acórdão: "1. Ação direta contra a Med. Prov. 296/91 que - diversamente deoutra, proposta contra o mesmo ato normativo (ADIn 525) -, não postula a invalidade dos bene-fícios concedidos aos servidores federais nela contemplados, mas se funda, ao contrário, na alegadaomissão do Presidente da República, na medida em que não os estendeu à totalidade do pessoal

civil da União, como imposta pelas normas constitucionais invocadas (CF, arts. 37, X, e 39, § 1º):plausibilidade jurídica da alegação de mérito. 2. Considerações sobre o dilema - na hipótese deofensa à isonomia pela norma legal que, concedendo vantagens a uns, não as estende a outros, emsituação idêntica -, entre a declaração da inconstitucionalidade positiva da lei discriminatória ouda inconstitucionalidade da omissão relativa. 3. Inadmissibilidade, em princípio, da antecipaçãocautelar provisória da declaração de inconstitucionalidade por omissão (ADIn 361, 5.10.90), agra-vada, na espécie, em que o ato normativo que traduziria a discriminação alegada é uma medidaprovisória, ainda pendente de apreciação pelo Congresso Nacional e, portanto, ela mesma, comvigência provisória e resolúvel". O outro remédio jurídico concebido para neutralizar as omissõesinconstitucionais foi o mandado de injunção, instituído no art. 5º, LXXI,da Constituição Federal, com a dicção seguinte: "Conceder-se-á man-dado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torneinviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prer-rogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania". Não é oportuno reeditar aqui o amplo debate doutrinário acerca doobjeto do mandado de injunção, em cuja discussão já correram rios detinta. Formaram-se, a propósito, como bem se sabe, três correntes, cadauma delas sustentando destinar-se a medida: a) apenas a ensejar fossedada ciência ao órgão responsável pela omissão de que esta se verifica-va; b) a formular a regra faltante, com caráter genérico, erga omnes; c)a formular a regra faltante, com caráter concreto, somente para a solu-ção do caso submetido ao tribunal. Na linha do entendimento majoritário da doutrina, assentamos emoutro estudo: "Em conseqüência, afigura-se fora de dúvida que a me-lhor inteligência do dispositivo constitucional (art. 5º, LXXI)e de seu real alcance está em ver no mandado de injunçãoum instrumento de tutela efetiva de direitos que, por nãoterem sido suficiente ou adequadamente regulamentados,careçam de um tratamento excepcional, qual seja: que o Ju-diciário supra a falta de regulamentação, criando a normapara o caso concreto, com efeitos limitados às partes do pro-cesso. O objeto da decisão não é uma ordem ou uma reco-mendação para edição de uma norma. Ao contrário, o órgãojurisdicional substitui o órgão legislativo ou administrativocompetentes para criar a regra, criando ele próprio, para osfins estritos e específicos do litígio que lhe cabe julgar, anorma necessária. A função do mandado de injunção é fazercom que a disposição constitucional seja aplicada em favordo impetrante, "independentemente de regulamentação, eexatamente porque não foi regulamentada"". 266. V. Luís Roberto Barroso, Mandado de injunção..., RDA, 191:1, p. 4. Sobre o tema, emigual sentido, vejam-se: José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 1992, p.391 e s.; Carlos Mário da Silva Velloso, As novas garantias constitucionais, RT, 644:7, p. 13-4;Celso Agrícola Barbi, Mandado de injunção, in Mandado de segurança e de injunção (estudos emmemória de Ronaldo Cunha Campos), 1990, p. 387 e s.; Hélio Tornaghi, O mandado de injunção,

RF 306:85-6; Célio Borja, O mandado de injunção e o habeas data, RF 306:43; Ivo Dantas, Man-dado de injunção, 1989, p. 97; Adhemar Ferreira Maciel, Mandado de injunção e inconstitu-cionalidade por omissão, in Mandado de segurança e de injunção, cit., p. 377-8; Sérgio Bermudes,O mandado de injunção, RT, 642:24. Coerente com esse ponto de vista, deve-se entender que a legitimi-dade passiva no mandado de injunção há de recair sobre o sujeito passi-vo do direito constitucional, isto é, a pessoa pública ou privada à qualincumbe prestar o dever correspondente ao direito subjetivo do autor.Será, pois, o INSS se a prestação em questão tiver natureza previdenciária;o empregador, se se tratar de indenização por despedida arbitrária; ou obanco, se o pedido versar limitação à taxa de juros. Ademais, pareceadequado notificar, também, os órgãos responsáveis pela omissão paraque prestem informações. É bem de ver, todavia, que a jurisprudência do Supremo TribunalFederal contra os votos dos Ministros Carlos Mário Velloso, MarcoAurélio e Ilmar Galvão -, rejeitando a tese que mereceu o quase con-senso doutrinário, ofereceu clara resistência ao instituto, minimizandoseu alcance como remédio constitucional. Logo no primeiro momento,resistindo ao ônus político de uma competência normativa que não de-sejava, pronunciou-se a Corte, pelo Ministro Celso de Mello: "Com efeito, esse novo writ não se destina a constituirdireito novo, nem a ensejar ao Poder Judiciário o anômalodesempenho de funções normativas que lhe são institucio-nalmente estranhas. O mandado de injunção não é o sucedâneo constituci-onal das funções político-jurídicas atribuidas aos órgãosestatais inadimplentes. Não legitima, por isso mesmo, aveiculação de provimentos normativos que se destinem asubstituir a faltante norma regulamentadora sujeita a com-petência, não exercida, dos órgãos públicos. O STF não sesubstitui ao legislador ou ao administrador que se hajamabstido de exercer a sua competência normatizadora. A pró-pria excepcionalidade desse novo instrumento jurídico im-põe ao Judiciário o dever de estrita observância do princí-pio constitucional da divisão funcional do Poder". 267. MI 191-0-RJ, rel. Min. Celso de Mello, DJU, 12fev. 1990, p. 280. Mas o leading case na matéria foi o Mandado de Injunção n. 107-3-DF, onde a Suprema Corte, esvaziando a significação do novo remédioconstitucional, equiparou-o à ação direta de inconstitucionalidade poromissão, em decisão que lavrou: "É ele (o MI)... ação que se propõe contra o Poder,órgão, entidade ou autoridade omissos quanto à normaregulamentadora necessária à viabilização do exercício dosdireitos, garantias e prerrogativas a que alude o art. 5º,LXXI, da Constituição, e que se destina a obter sentençaque declare a ocorrência da omissão constitucional, com afinalidade de que se dê ciência ao omisso dessa declara-ção, para que adote as providências necessárias, à seme-lhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucio-nalidade por omissão (art. 103, § 2º, da Carta Magna), coma determinação, se for o caso, da suspensão de processosjudiciais ou administrativos, se se tratar de direito consti-tucional oponível ao Estado, mas cujo exercício estáinviabilizado por omissão deste". 268. RDA, 184:226, 1991, MI 107-3-DF, rel. Min. Moreira Alves. Assim, de acordo com a interpretação da mais alta Corte, existemdois remédios constitucionais para que seja dada ciência ao órgão omis-so do poder público, e nenhum para que se componha, em via judicial, a

violação do direito constitucional da parte. Essa linha de entendimentofoi reiterada no julgamento do Mandado de Injunção n. 168-5-RS, darelatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, onde se decidiu: "O mandado de injunção nem autoriza o Judiciário asuprir a omissão legislativa ou regulamentar, editando oato normativo omitido, nem, menos ainda, lhe permite or-denar, de imediato, ato concreto de satisfação do direitoreclamado". 269. DJU, 20 abr. 1990, p. 3047. Em comentário agudo e procedente, José Carlos Barbosa Moreira,em artigo jornalístico, condenou a orientação adotada pelo SupremoTribunal Federal: "Conceber o mandado de injunção como simples meiode apurar a inexistência da "norma reguladora" e comunicá-la ao órgão competente para a edição (o qual, diga-se entreparênteses, presumivelmente conhece mais do que ninguémsuas próprias omissões...) é reduzir a inovação a um sinosem badalo. Afinal, para dar ciência de algo a quem querque seja, servia - e bastava - a boa e velha notificação". 270. S. O. S. para o mandado de injunção, IOrflaldOBrasi/, 11 set. 1990, J~c~derno,p. ii. O fato é que o Supremo Tribunal Federal, após o ímpeto inicial derejeição às potencialidades do novo remédio constitucional, parece ha-ver-se sensibilizado com a crítica dos doutrinadores e com a discordânciados Tribunais inferiores. Deveras, sem acolher plenamente as idéias aquisustentadas, a mais alta Corte evoluiu em relação à sua postura original,que, praticamente - e com grande inocuidade -, equiparava o manda-do de injunção à ação direta de inconstitucionalidade por omissão. A nova visão do Supremo Tribunal Federal começou a se delinearno julgamento de mandado de injunção impetrado com fundamento noart. 8º, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Cartade 1988. Tal dispositivo prevê que cidadãos afetados por atos discricio-nários do Ministério da Aeronáutica, editados logo após o movimentomilitar de 1964, fazem jus a uma "reparação de natureza econômica, naforma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar emvigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição". A lei não foi editada no prazo previsto. Foi impetrado, assim, omandado de Injunção n. 283-5, sob o fundamento de que o exercício deum direito subjetivo constitucional era obstado por tal omissão legislativa.No acórdão, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, decidiu a Su-prema Corte: "Mandado de injunção: mora legislativa na edição dalei necessária ao gozo do direito à reparação econômicacontra a União, outorgado pelo art. 8º, § 3º, ADCT: deferi-mento parcial, com estabelecimento de prazo para a purga-ção da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titulardo direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sen-tença líquida de indenização por perdas e danos". 271. DJU, 14nov. 1991,p. 16355-6. O mesmo acórdão cuidou de deixar remarcado que, além de decla-rar a mora do legislador, o mandado de injunção era deferido para: a) assinar o prazo de sessenta dias para que se ultimasse o processolegislativo, inclusive a sanção presidencial; b) se ultrapassado esse prazo, reconhecer ao impetrante a faculdade deobter, contra a União, pela via processual adequada, a reparação devida; c) declarar que, prolatada a sentença condenatória, a superveniênciade lei não prejudica a coisa julgada, que, entretanto, não impede oimpetrante de obter os benefícios da lei posterior, no que lhe for maisfavorável. Pouco adiante, em mandado de injunção impetrado com base namesma disposição constitucional (art. 8º, § 3º do ADCT), o Supremo

Tribunal Federal, tendo em vista o escoamento do prazo que concederano writ anterior, considerou desnecessária nova comunicação ao Con-gresso Nacional e facultou aos impetrantes ingressarem imediatamenteem juízo para obter a reparação a que faziam jus. A decisão, proferidano Mandado de Injunção n. 284-3, assim lavrou: "Reconhecido o estado de mora inconstitucional doCongresso Nacional - único destinatário do comando parasatisfazer, no caso, a prestação legislativa reclamada - econsiderando que, embora previamente cientificado noMandado de Injunção n. 283, absteve-se de adimplir a obri-gação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-seprescindível nova comunicação à instituição parlamentar,assegurando-se aos impetrantes, desde logo, a possibilida-de de ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito co-mum ou ordinário, a ação de reparação de natureza econô-mica instituída em seu favor pelo preceito transitório". 272. DJU, 26jun. 1992, p. 10103, rel. Min. Marco Aurélio. Como bem observou o eminente Milton Flaks, o Supremo TribunalFederal, ao firmar tal posição: a) admitiu converter uma norma constitu-cional de eficácia limitada (porque dependente de norma infra-constitucional integradora) em norma de eficácia plena; b) considerou omandado de injunção hábil para obter a regulamentação de qualquerdireito previsto na Constituição, e não apenas dos direitos e garantiasfundamentais constantes do seu Título II. 273. Milton Flaks, Instrumentos processuais de defesa coletiva, RDA, 190:61, 1992. Essa mudança na orientação do Supremo Tribunal Federal se con-solidou no julgamento do Mandado de Injunção n. 232-1, onde se discu-tiu o alcance do § 7º do art. 195 da Constituição Federal, que estabeleceserem "isentas de contribuição para a seguridade social as entidadesbeneficentes de assistência social que atendam às exigênciasestabelecidas em lei". Decorridos mais de dois anos da promulgação daCarta, tal lei não havia ainda sido editada, apesar de o art. 59 do Ato dasDisposições Constitucionais Transitórias haver fixado um prazo máxi-mo de seis meses para sua apresentação e outros seis para que fosseapreciada pelo Congresso Nacional. Na parte em que nos interessa, adecisão foi assim ementada: "Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessaparte, deferido para declarar-se o estado de mora em que seencontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo deseis meses, adote ele as providências legislativas que seimpõem para o cumprimento da obrigação de legislar de-corrente do art. 195, § 7º, da Constituição, sob pena de,vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, pas-sar o requerente a gozar da imunidade requerida". 274. MI 232-1-RJ, rel. Min. Moreira Alves, DJU, 27 mar. 1992, p. 3800. Votaram vencidos,por esposarem a tese que aqui se afirma ser a melhor, os Mins. Carlos Mário Velloso, Célio Borja eMarco Aurélio. Note-se, no entanto, que, na hipótese aqui versada, o Tribunal nãoprecisará suprir qualquer lacuna normativa. Limitar-se-á a considerarauto-aplicável norma que conferia um direito, mas condicionava-o aopreenchimento de requisitos que a lei ditaria. Não há, pois, maior difi-culdade, nem se exige do Judiciário uma atuação de integração da or-dem jurídica. Hipótese mais típica foi julgada pelo 4º Grupo de Câmaras Cíveisdo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Cuidava-se, ali,de mandado de injunção requerido por dois policiais que haviam sidoeleitos para cargos de direção da Federação Nacional da Polícia Civil eque pediam afastamento dos seus cargos, invocando o art. 84, parágrafo

único, da Constituição do Estado, que previa: "A lei disporá sobre alicença sindical para os dirigentes de Federações e sindicatos de servi-dores públicos, durante o exercício do mandato, resguardados os direi-tos e vantagens de cada um". A lei referida, que disciplinaria as condi-ções da licença, ainda não fora editada. 275. MI 6/90, rel. Barbosa Moreira,j. 22-2-1991. O acórdão se encontra transcrito na íntegraem nosso O direito constitucional e a efetividade de suas normas, cit., p. 192 e s. O acórdão, da lavra de Barbosa Moreira, enriquecido por substan-ciosa pesquisa, estabeleceu, com acuidade, três premissas: a) a legitimação passiva recai sobre o Secretário de Estado de Polí-cia Civil, a quem compete conceder a licença (a rigor técnico, como sesabe, a autoridade apenas presta informações, sendo o Estado o sujeitopassivo); b) ao órgão ao qual se imputa a omissão é dada ciência da impetração; c) diante da lacuna, cabe ao órgão judicial formular a regra concretae aplicá-la, limitada, subjetivamente, às partes do processo. No mérito, acolheu-se o pedido e reconheceu-se aos impetrantes odireito ao gozo de licença não remunerada durante o exercício dos res-pectivos mandatos. A decisão fundou-se nos critérios adotados pela Con-solidação das Leis do Trabalho, que, embora inaplicável à espécie, ins-pirou a regra concreta formulada pelo órgão julgador. Neste particular - legitimação passiva - a matéria carece, ainda,de melhor elaboração. O Supremo Tribunal Federal, no Mandado deInjunção n. 335, por maioria de votos, firmou o entendimento de queparte passiva é somente a autoridade ou órgão omisso, e não a parteprivada devedora da prestação. Essa posição vem explicitada na decisãodo Mandado de Injunção n. 323-8-DF, assim ementada: "Em face da natureza mandamental do mandado deinjunção (...), ele se dirige às autoridades ou órgãos públicosque se pretendem omissos quanto à regulamentação queviabilize o exercício dos direitos e liberdades constitucio-nais (...), não se configurando, assim, hipótese de cabimentode litisconsórcio passivo entre essas autoridades e órgãospúblicos que deverão, se for o caso, elaborar a regulamenta-ção necessária, e particulares que, em favor do impetrantedo mandado de injunção, vierem a ser obrigados ao cumpri-mento da norma regulamentadora, quando vier esta, em de-corrência de sua elaboração, a entrar em vigor". 276. DJU, 14 fev. 1992, p. 1164, rel. Min. Moreira Alves. Na linha desse entendimento, haviasido decidido, no MI 300-9/400-DF (DJU, 18 abr. 1991, p. 4512), que o mandado de injunçãodestinado à implementação do art. 192, § 3º, da Constituição, referente aos 12% de juros reais,deveria ser impetrado em face do Congresso Nacional e não em face da instituição financeira quepraticava os juros abusivos. Este entendimento, naturalmente, não é compatível com aquele queaqui se está afirmando, no sentido de que o objeto do mandado deinjunção é o suprimento da norma faltante na solução do caso concreto,vinculando tão-somente as partes do processo. Por tal ponto de vista, aparte privada (ou não) devedora da obrigação prevista na norma consti-tucional deverá figurar no pólo passivo e, quanto a ela, a decisão nãoterá caráter mandamental. No fundo - data maxima venia - o erro deconcepção na posição majoritária da Suprema Corte é, precisamente, aatribuição de natureza mandamental ao mandado de injunção. Em linha antagônica com a posição da maioria - e identificando-se com o entendimento que aqui se afirma ser o melhor -, o MinistroMarco Aurélio, relator do Mandado de Injunção n. 305-0-DF, determi-

nou a inclusão, no pólo passivo, tanto do Congresso Nacional quantodos Bancos aos quais se imputava cobrança extorsiva de juros, ainda nahipótese do art. 192 da Constituição. Este, também, o ponto de vistado Ministro Ilmar Galvão, que em voto vencido proferido no Mandadode Injunção n. 369-DF averbou: "A relação jurídico-processual, no presente caso, coma devida vênia, não está completa. A ação se dirige exclusi-vamente contra o Congresso Nacional quando, na verdade,a pretensão do impetrante está mais voltada para a conse-cução de seu direito, in concreto, do que para a elaboraçãode norma geral, reguladora do aviso prévio proporcional.O que objetiva ele é receber a prestação com que a Consti-tuição lhe acena e que não foi satisfeita pelo empregador,por ausência da norma regulamentadora. O mandado deinjunção, a meu ver, destina-se a suprir essa omissão, oque somente pode ser cumprido mediante a elaboração, peloSTF, de norma para o caso concreto que se expõe". 277. MI 305-0-DF, DJU, 30 abr. 1991, p. 5335. 278. RTJ, 144:393, 1993, p. 403, rel. Min. Francisco Rezek. A questão da legitimação ativa, passiva e do objeto do mandado deinjunção voltou a ser discutida no Mandado de Injunção n. 361, onde aCorte admitiu, por aplicação analógica do art. 5º, LXX, da Constituição,o cabimento de mandado de injunção coletivo, e a legitimidade ativa deentidade sindical de pequenas e médias empresas. Em seguida, apreci-ando novamente a questão dos juros de 12% ao ano, a Corte se dividiuem três correntes, bem demonstrando a intensidade da dissensão dosMinistros em relação ao mandado de injunção. Confira-se a votação: Ministros Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Carlos Mário Velloso: jul-gavam procedente o pedido e desde logo fixavam a taxa de juros em12%, nos termos explicitados em seus votos; Ministro Néri da Silveira (Relator): julgava procedente em parte opedido, declarando o estado de mora do Congresso e fixando um prazo decento e vinte dias ao Poder Legislativo para regulamentação da norma; Ministros Sepúlveda Pertence, Moreira Alves, Francisco Rezek eOctávio Gallotti: julgavam procedente em parte e declaravam a morado Congresso Nacional, sem, contudo, fixar prazo para suprimento daomissão. A maioria, acompanhando o voto do Ministro Pertence, relator paraacórdão, entendeu que a fixação de prazo só é adequada quando sejapossível cominar conseqüências à sua superação in albis, como, porexemplo, quando se trate de obrigação imputável à União, sendo ela apessoa jurídica responsável pela mora legislativa. Na parte aqui rele-vante, o acórdão ficou assim ementado: "Juros reais (CF, art. 192, § 3º): passados quase cincoanos da Constituição e dada a inequívoca relevância da de-cisão constituinte paralisada pela falta da lei complemen-tar necessária à sua eficácia - conforme já assentado peloSTF (ADIn 4, DJ, 25.06.93, Sanches) -, declara-se incons-titucional a persistente omissão legislativa a respeito, paraque a supra o Congresso Nacional". "Mandado de injunção: natureza mandamental (MI107-QO, M. Alves, RTJ 133/11): descabimento de fixaçãode prazo para o suprimento da omissão constitucional, quan-do - por não ser o Estado o sujeito passivo do direito cons-titucional de exercício obstado pela ausência da normaregulamentadora (v. g., MI 283, Pertence, RTJ 135/882)-,não seja possível cominar conseqüências à sua continuida-de após o termo final da dilação assinada." 279. RDA, 197:198, 1994, MI 361, rel. Min. Sepúlveda Pertence. A polêmica em relação à matéria do limite constitucional aos jurossomente se verificou porque o Supremo Tribunal Federal, em decisão

dividida, de cunho muito mais político do que técnico, considerou nãoser auto-aplicável a regra inscrita no § 3º do art. 192 da Constituição. Defato, ao apreciar ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Par-tido Democrático Trabalhista, tendo por objeto parecer de cunhonormativo da Consultoria Geral da República, aprovado pelo Presidenteda República, entendeu a Corte, por maioria apertada, que: "Tendo a Constituição Federal, no único artigo em quetrata do Sistema Financeiro Nacional (art. 192) estabeleci-do que este será regulado por lei complementar, com ob-servância do que determinou no caput, nos seus incisos eparágrafos, não é de se admitir a eficácia imediata e isola-da do disposto em seu § 3º, sobre taxa de juros reais (12%ao ano), até porque estes não foram conceituados. Só o tra-tamento global do Sistema Financeiro Nacional, na futuralei complementar, com a observância de todas as normasdo caput, dos incisos e parágrafos do art. 192, é que permi-tirá a incidência da referida norma sobre juros reais e des-de que estes também sejam conceituados em tal diploma". 280. RDA, 195:85, 1994, ADIn 4, rel. Min. Sydney Sanches. Votaram vencidos os Mins.Carlos Mário Velloso, Paulo Brossard, Néri da Silveira e Marco Aurélio. Sepúlveda Pertence nãovotou, porque impedido, mas manifestou posteriormente restrição à corrente vencedora (RDA,197:206). Ainda uma vez, endossa-se a crítica veemente de José Carlos Barbo-sa Moreira, que, após notar que a todo momento, em literatura especia-lizada e leiga, emprega-se o conceito de juros reais, assinalou: "Só na hora de interpretar a Constituição é que não sesabe o que é: não se sabe porque não se quer saber. É claroque a taxa de juros reais é tudo aquilo que se cobra, menosa correção monetária. Se sabemos o que é boa-fé, conceitomuito mais vago; se sabemos o que são bons costumes, oque é vaguíssimo, se sabemos o que é mulher honesta, paraaplicarmos o dispositivo legal que define o crime de estu-pro por que é que não podemos saber o que são taxas dejuros reais? Isso faz parte da tarefa quotidiana do juiz: in-terpretar textos legais e definir conceitos jurídicosindeterminados; e este aqui não é tão indeterminado. Achoaté que é bastante determinado". 281. José Carlos Barbosa Moreira, Ações coletivas na Constituição de 1988, Boletim Jurídicoda Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro, 1991, v. 2, p. 17. Em diversas outras decisões, contudo, onde menos complexo o jogode interesses, a jurisprudência tem promovido a aplicação direta dasnormas constitucionais, em um salto de qualidade em relação ao passa-do que tem contribuído, significativamente, para o aumento da efetividadedas normas constitucionais. O mandado de injunção foi um valioso esforço do constituinte de1988 de remediar a crônica falta de efetividade do constitucionalismobrasileiro. Ao longo dos pouco mais de dez anos de sua criação, enfren-tou a forte resistência do próprio Supremo Tribunal Federal, tendo sidomais discutido do que utilizado. Mas teve a virtude insuperável de di-fundir a consciência da necessidade de uma Constituição efetiva. E jácumpriu o seu papel. 282. Sobre o tema, e para a demonstração mais analítica do argumento, v. Luís RobertoBarroso, Mandado de injunção: o que foi sem nunca ter sido. Uma proposta de reformulação, inEstudos em homenagem ao Professor Caio Tácito. 1997, p. 429, e também em RTDP, 17:34, 1997.

Em lugar do mandado de injunção, sujeito à jurisdição concentradados tribunais superiores, parece-me hoje de muito melhor valia atribuir-se ao juiz natural da causa o poder-dever de integrar a ordem jurídica,produzindo para o caso concreto sujeito à sua jurisdição a regra faltante.Embora tal competência, a meu ver, exista de longa data, penso que elapossa ter assento constitucional, para tornar-se inequívoca. Basta paratanto singela mudança de redação do § 1º do art. 5º do Texto, que passa-ria a viger com a seguinte redação: "§ 1º - As normas definidoras de direitos subjetivos cons-titucionais têm aplicação direta e imediata. Na falta de nor-ma regulamentadora necessária ao seu pleno exercício, for-mulará o juiz competente a regra que regerá o caso concre-to submetido à sua apreciação, com base na analogia, noscostumes e nos princípios gerais de direito". Em realidade, a proposta funda-se na premissa de que a efetividadedas normas constitucionais definidoras de direitos subjetivos pode e deveprescindir do mandado de injunção como instrumento de sua realiza-ção. De fato, surgido como uma idéia importante na busca da efetividade,a verdade é que hoje o mandado de injunção, em qualquer de suas ver-sões, tornou-se, quando não um óbice, ao menos um complicador des-necessário à realização dos direitos. E o fundamento é o seguinte: toda norma constitucional é dotada deeficácia jurídica e deve ser interpretada e aplicada em busca de suamáxima efetividade. Todos os juízes e tribunais devem pautar sua ativi-dade por tais pressupostos. Basta, portanto, a explicitação de que todanorma definidora de direito subjetivo constitucional tem aplicação dire-ta e imediata, cabendo ao juiz competente para a causa integrar a ordemjurídica, quando isto seja indispensável ao exercício do direito. A rigortécnico é o que já vem expresso no art. 4º da Lei de Introdução ao Códi-go Civil: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá ocaso de acordo coma analogia, os costumes e os princípios gerais de direito". Não se justifica, a propósito, o temor, freqüentemente verbalizado,de que a adoção de uma posição como a da presente proposta - oumesmo a versão mais efetiva do mandado de injunção, defendida pelamaior parte da doutrina - importaria no exercício excessivo de compe-tências normativas pelo Poder Judiciário. Não há hipótese de isso acon-tecer. Confirme-se. Somente as regras definidoras de direitos subjetivos constitucio-nais, cuja eficácia e efetividade estejam condicionadas à edição de umanorma infraconstitucional, ensejam a impetração de mandado de injunçãoou a necessidade de decisões integrativas. Essas hipóteses são limita-das, e sua invocação revela que a solução aqui proposta é mais simples,prática e eficiente que a do mandado de injunção. Tome-se como exemplo o inciso XXVI do art. 5º da Constituição,cuja dicção é a que se segue: "XXVI - a pequena propriedade rural, assim defini-da em lei, desde que trabalhada pela família, não será obje-to de penhora para pagamento de débitos decorrentes desua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios definanciar o seu desenvolvimento". Pois bem: supondo-se inexistir essa lei definindo "pequena propri-edade rural", que medida poderia tomar o pequeno proprietário que qui-sesse impedir a penhora de sua propriedade? Pela orientação do Supre-mo Tribunal Federal, poderia requerer um mandado de injunção, peran-te a mais Alta Corte, para que fosse dada ciência ao Congresso da omis-são. Pelo entendimento da maior parte da doutrina, caberia mandado deinjunção também ao Supremo Tribunal Federal, no qual se pediria àCorte que definisse, para o caso concreto, o sentido de "pequena proprie-dade rural". Pela presente proposta, caberia ao juiz da causa essa defini-ção, "com base na analogia, nos costumes e nos princípios gerais dedireito". De tal decisão caberiam os recursos próprios.

O mandado de injunção, na atual quadra, tomou-se uma complexi-dade desnecessária. Mais simples, célere e prática se afigura a atribui-ção, ao juiz natural do caso, da competência para a integração da ordemjurídica, quando necessária para a efetivação de um direito subjetivoconstitucional submetido à sua apreciação. No fundo, do ponto de vistamaterial, não se trata de supressão do instituto, mas de sua ampliação edifusão. Não haveria, assim, qualquer óbice decorrente do art. 60, § 4º,IV, da Constituição, pois não se está abolindo a garantia individual, mas,ao contrário, dando-lhe maior aplicação. Em síntese de tudo que se vem de expor neste tópico, é possíveldeixar consignado que: 1) A Constituição, sem prejuízo de sua vocação prospectiva etransformadora, deve conter-se em limites de razoabilidade no regramen-to das relações de que cuida, para não comprometer o seu caráter deinstrumento normativo da realidade social. 2) As normas constitucionais têm sempre eficácia jurídica, são im-perativas e sua inobservância espontânea enseja aplicação coativa. 3) As normas constitucionais devem estruturar-se e ordenar-se deforma tal que possibilitem a pronta identificação da posição jurídica emque investem os jurisdicionados. 4) Tais posições devem ser resguardadas por instrumentos de tutelaadequados, aptos à sua realização prática, representados pelos meiosprocessuais de proteção dos direitos, ou seja, as diversas ações dedutíveisperante o Poder Judiciário. 5) Para procurar dar efetividade às normas constitucionais em ca-sos de inconstitucionalidade por omissão, o ordenamento brasileiroprevê o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidadepor omissão. 6) No mandado de injunção, a despeito de posição divergente doSupremo Tribunal Federal, a maior parte da doutrina converge para oentendimento de que compete ao Judiciário suprir a omissão normativa,formulando para o caso concreto, e com efeito apenas inter partes, aregra integrativa do comando constitucional. 7) Na ação direta de inconstitucionalidade por omissão o controle éexercido em abstrato, tendo por objeto dar-se ciência formal da omissãonormativa ao Poder competente, para adoção das providências necessárias,ou, em se tratando de órgão administrativo, para que tome tais providên-cias em trinta dias. 8) O mandado de injunção, a despeito das resistências poderosasque enfrentou, já cumpriu o seu papel histórico de difundir a ideologiada efetividade da Constituição. Presentemente, melhor do que um re-médio sujeito à jurisdição concentrada dos tribunais superiores é o reco-nhecimento da competência do juiz natural da causa para integrar aordem jurídica, formulando a regra faltante no âmbito do caso concretoque lhe cabe decidir, fundado na analogia, nos costumes e nos princípiosgerais do direito.

PARTE FINAL - A OBJETIVIDADE DESEJADA E A NEUTRALIDADE IMPOSSÍVEL: OPAPEL DO INTÉRPRETE NA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Capítulo 1 - SABER JURÍDICO CONVENCIONAL, TEORIA CRÍTICA DODIREITO E DIREITO ALTERNATIVO. A SINTESE NECESSÁRIA

1. Introdução O conhecimento jurídico tradicional, que se abebera nas fontes ro-manas e tem como pontos culminantes a produção científica de Savigny,no século passado, e de Hans Kelsen, neste século, exibe como traçosmarcantes o formalismo e o dogmatismo. O elemento básico na idéia deformalismo é a premissa de que a atividade do intérprete se desenvolvepor via de um processo dedutivo, onde se colhe a norma no ordenamentoe faz-se a subsunção dos fatos relevantes. Esse processo lógico-formal

se concretiza através de um raciocínio silogístico, onde a lei é a premis-sa maior, a relação de fato é a premissa menor e a conclusão é a regraconcreta que vai reger o caso. O dogmatismo, ou conceptualismo, tra-duz-se na existência e observância de determinados princípios e concei-tos rígidos, axiomáticos, ou, pelo menos, de longa data inquestionados. 1. V. Friedrich Carl von Savigny, Sistema di diritto romano attuale, 1886, 8 v.; HansKelsen, Teoria pura do direito, 1979; Francesco Ferrara, Interpretação e aplicação das leis,1987; Robert Haymnan Jr. e Nancy Levit, Jurisprudence: contemporary readings, problems,and narratives, 1994, p. 11. O direito é concebido como uma ciência, com objeto específico e acen-tuado grau de auto-suficiência. Rigorosamente separado da política, nãose inclui na sua esfera própria de atuação qualquer questionamento acercada legitimidade e da justiça das leis. É a sua pureza científica. Ademais, oordenamento jurídico é uma emanação estatal e tem a pretensão decompletude, colhendo todas as situações verificáveis na vida social. O Es-tado é o árbitro imparcial dos conflitos que ocorrem na sociedade, e ojuiz, como aplicador do direito, se pauta pela objetividade e neutralidade.Correndo o risco das simplificações, mas com proveito didático, é possí-vel afirmar que, na concepção clássica, amadurecida desde o final do sé-culo passado, incluem-se entre as principais características do direito: a)o caráter científico; b) o emprego da lógica formal; c) a pretensão decompletude; d) a pureza científica; e) a neutralidade da lei e do intérprete.

2. A teoria crítica Diga-se, desde logo, que, embora fustigada ao longo das décadaspelas críticas mais contundentes, a concepção clássica do direito subsis-te e prevalece em todo o mundo ocidental, apesar de algumas nuances etemperamentos. Não se pretende com isso, todavia, endossar a crençade que a durabilidade legitima a perspectiva convencional ou encobre-lhe os defeitos. A constatação inevitável, todavia, é a de que até hoje nãose edificou uma teoria alternativa e substitutiva da dogmática conven-cional. O que significa que ela ainda não concluiu o seu ciclo histórico. Alinham-se, a seguir, as principais idéias do amplo movimento decontestação do saber jurídico tradicional conhecido como teoria críticado direito. Embora difuso e compreendendo diferentes linhas de pensa-mento, esse movimento desprende-se dos discursos típicos do direito, queincluem o normativismo, o jusnaturalismo e mesmo o sociologismo, pro-curando demonstrar sua insatisfatoriedade na compreensão e na práticado fenômeno jurídico. É a crítica da teoria. De parte isto, paralelamenteao processo puramente descritivo do objeto, preconiza a atuação concre-ta, a militância do operador jurídico, à vista do princípio de que o papel doconhecimento não é somente a interpretação do mundo, mas também suatransformação. É dizer: uma teoria crítica. 2. Vejam-se Carlos Maria Cárcova, Prólogo à coletânea Materiales para una teoría crítica delderecho, s. d., p. 7, e Michel Miaille, Reflexão critica sobre o conhecimento jurídico. Possibilidades elimites, in Crítica do direito e do Estado, 1984, p. 38.A idéia de uma atitude conclamando à ação, emcontraposição à postura filosófica predominantemente descritiva, que se colhia em Hegel, tem forteinspiração marxista. Veja-se Leandro Konder, A derrota da dialética, 1988, p. 6: "Até para poderconhecer certos aspectos da realidade histórica dos homens, é preciso mergulhar ativamente no movi-mento que lhe dá vida. A décima primeira das Teses sobre Feuerbach mostra um Marx plenamente

cônscio da originalidade do seu ponto de vista: "os filósofos têm se limitado a interpretar o mundo demaneiras diversas; trata-se de transformá-lo" (Marx-Engels-Werke, vol. 3, p. 7)". As doutrinas jurídicas dominantes normalmente deixam de lado opapel desempenhado pela ideologia, tanto a do legislador quanto a dointérprete da lei. Esse silêncio nada mais é do que um compromissocom o status quo. Pois a teoria crítica do direito, ao revés, denuncia afunção ideológica do direito e o fato de que, em nome de uma pretensarazão científica, encobrem-se relações de poder. O direito é ideológicona medida em que oculta o sentido das relações estruturais estabelecidasentre os sujeitos, com a finalidade de reproduzir os mecanismos dehegemonia social. 3. A propósito desse tópico, escreveu Edmundo Lima de Arruda Jr., Introdução à sociologiajurídica alternativa, 1993, p. 15: "Nosso objetivo não é entrar na crítica a Kelsen. (...) Muitosoutros já se encarregaram de levantar a questão mais importante quando se refere ao autor da TeoriaPura do Direito: o não dito, o silêncio, o vazio, a grande lacuna kelseniana". 4. Luís Alberto Warat, A produção crítica do saber jurídico, in Crítica do direito e do Estado,1984, p. 17-8, e Carlos Maria Cárcova, Acerca de las funciones del derecho, in Materiales para unateoría crítica del derecho, cit., p. 214. Para um amplo estudo sobre o tema em geral, v. L. FernandoCoelho, Teoria crítica do direito, 1991, que tem uma versão resumida publicada em 1993. Conseqüentemente, é falsa a crença de que o direito seja um domí-nio politicamente neutro e cientificamente puro. O normativismo jurídi-co, escreveu Warat, com sua ilusória sistematização, abstração e gene-ralização, situa a lei como expressão política que garante e organiza umjogo igualitário entre os homens, isolando-os do sistema de decisões einteresses. Os juristas conseguem elaborar um discurso de ocultamentodas funções e do funcionamento do direito na sociedade. A produçãode um saber jurídico crítico procura "rever o conceito tradicional daciência do direito, demonstrando como a partir de um discurso organi-zado em nome da verdade e da objetividade desvirtuam-se os confli-tos sócio-políticos, que se apresentam como relações individuais har-monizáveis pelo direito". 5. Luís Alberto Warat, A produção crítica do saber jurídico, in Crítica do direito e do Estado,cit., p. 20. A teoria crítica do direito reveste-se de cunho eminentementeinterdisciplinar. Ela se realiza através de um discurso de interseção,para o qual concorrem múltiplos saberes: os que o pensamento jurídicoacumulou ao longo dos séculos como próprios e os que vêm de outrasprocedências, como a lingüística, a sociologia, a economia política, apsicologia social, a antropologia, a história e a psicanálise. Numa pers-pectiva ainda mais filosófica e aprofundada, exibe a influência de filó-sofos da chamada escola neomarxista de Frankfurt, que inclui MaxHorkheimer, Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Também refletiramsobre o movimento os trabalhos sobre hermenêutica desenvolvidos porJürgen Habermas, Hans-Georg Gadamer e Paul Ricoeur, cuidandodo papel do intérprete e da indeterminação dos textos. 6. Carlos Maria Cárcova, Prólogo, in Materiales para una teoría crítica del derecho, cit.,p. 8. 7. Max Horkheimer, Critical theory, 1972. 8. Herbert Marcuse, One-dimensional man: studies in the ideology of advanced industrial

society, 1964. 9. Theodor Adorno, Negative dialectics, 1973. 10. Jürgen Habermas, Theory and practice, 1973. 11. Hans-Georg Gadamer, Trust and method, 1975. 12. Paul Ricoeur, Hermeneutics and the human sciences, 1981. Além de não ser neutro, o direito não tem a objetividade proclama-da pelo raciocínio lógico-formal de subsunção dos fatos à norma. Aorevés, é a indeterminação dos conteúdos normativos uma marca do di-reito. Mesmo o emprego dos mecanismos do direito posto conduz aresultados conflitantes, diante das possibilidades abertas pelo texto, cir-cunstância que se torna ainda mais ostensiva quando se trate de normasconstitucionais. Em palavras de Joseph William Singer, escrevendo so-bre a versão norte-americana do movimento - os Critical Legal Studies-, a teoria crítica "acredita que o Direito não é apolítico e objetivo:advogados, juízes e juristas, em geral, fazem opções altamente discutí-veis, mas se utilizam do discurso jurídico para fazer com que as institui-ções pareçam naturais e as regras neutras". 13. Joseph William Singer, The player and the cards: nihilism and legal theory, Yale LawJournal, 94:1, 1984, p. 5. A teoria crítica sofre evidente influência do pensamento marxista,embora não se tivesse em Marx uma teoria acabada do direito. Suaênfase economicista, tão didaticamente enunciada no Prefácio à Con-tribuição à crítica da economia política, remarca a tese de que o direi-to é uma superestrutura que corresponde, no mundo das idéias, a umabase material, resultante das relações de produção. É a infra-estruturaeconômica - e tão-somente ela - que condiciona as instituições ju-rídicas. Sem embargo, pensadores marxistas e militantes da teoriacrítica sustentam que os elementos da superestrutura não devem serabandonados a si mesmos, ao seu desenvolvimento espontâneo, a umagerminação casual e esporádica. De fato, Michel Miaille, condenan-do a interpretação simplista que desautorizadamente se atribui ao ma-terialismo histórico, doutrina que não somente o direito não é um meroreflexo da economia como é um elemento constitutivo que participaativamente de sua construção. 14. V., sobre o tema, Michel Miaille, Introdução crítica ao direito, 1989. 15. Karl Marx, Contribuição à crítica da economia política, in Obras escolhidas de Marx eEngels, 1961, p. 301: "Na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relaçõesnecessárias e independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a uma deter-minada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais, O conjunto dessas relaçõesde produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a supe-restrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social, Omodo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual emgeral". 16. Antonio Gramsci, Maquiavel, apolítica e o Estado moderno, 1980, p. 152. 17. Michel Miaille, Reflexão crítica..., in Crítica, cit., p. 44 e 46. Em síntese apertada, é possível deixar registrado que a teoria críticado direito questiona: o caráter científico do direito, por faltar-lhe a pre-tendida objetividade que decorreria de uma irreal aplicação mecânicada norma ao fato, com base em princípios e conceitos generalizadamenteválidos; a alegada neutralidade política, ao denunciar sua função ideo-lógica de reforçador e reprodutor das relações sociais estabelecidas; a

pureza científica, ao preconizar a interdisciplinariedade como instrumen-tal indispensável à formação do saber jurídico. Trata-se, no entanto, deuma teoria crítica, e não de uma dogmática substitutiva ou alternativa.

3. O direito alternativo Na seqüência histórica da teoria crítica, fundado nos mesmos pres-supostos ideológicos, articulou-se em diversos países do mundo, inclu-sive no Brasil, um movimento conhecido como direito alternativo. Adenominação imprópria, o discurso inicial mais radical, que se confron-tava asperamente com o ideário dominante, e até mesmo umacaricaturização feita em órgãos de imprensa, atraíram para o movimen-to a antipatia ostensiva dos segmentos conservadores e dos militantesmenos tolerantes da ideologia jurídica tradicional. A crítica, em grandemedida, tirou proveito do ceticismo generalizado que recaiu sobre opensamento de esquerda em geral. 18. Sobre as perplexidades que colheram os setores do pensamento identificados como deesquerda, veja-se a Nota Prévia ao nosso Princípios constitucionais brasileiros ou de como o papelaceita tudo, Revista Trimestral de Direito Público, 1:169. Vejam-se, também, J. J. Gomes Canotilho,Rever ou romper com a Constituição dirigente, mimeografado, Conferência realizada no InstitutoPimenta Bueno, em 22-9-1993, onde averbou: "A "má utopia do sujeito do progresso histórico"alojou-se em "constituições plano e balanço" onde a propriedade estatal dos meios de produção semisturava em ditadura partidária e coacção moral e psicológica. Alguns - entre os quais me incluo- só vieram a reconhecer isto tarde e lentamente demais"; e Mark Tushnet, Critical legal studies:a political history, Yale Law Journal, 100:1515, 1991: "The intellectual program of critical legalstudies may well have tu be refocused, which may drain it of some vitality. In particular, thedevelopments of 1989 rather strongly suggest that a leftist political movement may find it difficulttu take comfort in the continuing effort tu discredit classical social theory". Por trás do preconceito e das visões estereotipadas, é preciso deli-near o conteúdo das idéias do movimento alternativo e o espaço que elepossa merecer no cenario acadêmico e jurisprudencial. A teoria críticado direito, nascida e divulgada no seio das Universidades, preocupou-se, acima de tudo, em desmistificar o fenômeno jurídico e introduzirnovos elementos valorativos na sua discussão. Trata-se de um movi-mento de desconstrução. A proposta do direito alternativo, embora ser-vindo-se da experiência crítica, procura contribuir para a emergência deum novo direito. 19. V. Clêmerson Merlin Clêve, A teoria constitucional e o direito alternativo, in Direito alter-nativo. Seminário Nacional sobre o Uso Alternativo do Direito, 1993, p. 46. A exemplo da teoria crítica, o movimento do direito alternativo tam-bém condena o fetiche da lei e a mistificação liberal-positivista queestabelece uma identificação entre direito e lei. Mais que isso, rompecom a idéia clássica da estatalidade do direito, passando-se a admitirdireitos "que se vão constituindo pelos conflitos e avanços dos excluí-dos da nossa sociedade". Há, mesmo, direitos alternativos que se for-mam como fruto da deterioração social e da ausência do poder públicotrazendo o direito oficial. É o que se passa, por exemplo, "nos presídios,em porões de algumas delegacias de polícia, em determinadas zonascomandadas por traficantes".

20. V., por todos, Roberto Lyra Filho, Direito e lei, in O direito achado na rua, 1990, p. 32. 21. Roberto Ramos de Aguiar,A crise da advocacia no Brasil, 1991, p. 78. 22. Em passagem inspiradíssima, em que reconhece a possibilidade de existência, não de umúnico direito alternativo, politicamente correto, mas de vários, nem todos conducentes ao avançosocial, escreveu Amilton Bueno de Carvalho, Direito alternativo na jurisprudência, 1993, p. 15: "Oque se quer apontar é que não se pode cair no erro de reconhecer por democrático qualquer direito"alternativo", posto que alguns efetivam a barbárie e são mais cruéis do que certos direitos queemergem de estados ditatoriais". Sem embargo, possivelmente procurando conter os exageros danegativa de legitimidade do direito estatal, e no esforço de preservaruma dimensão jurídica para o movimento, que ameaçou perder talreferência, Amilton Bueno de Carvalho, juiz no Rio Grande do Sul eum dos principais formuladores do pensamento jurídico alternativo noBrasil, escreveu: "Alguns dizem que o Direito Alternativo caracteriza-se pela negativa da lei. E tal não corresponde à realidade. Alei escrita é conquista da humanidade e não se vislumbrapossibilidade de vida em sociedade sem normas (sejam elasescritas ou não). (...) A alternatividade luta para que surjam leis efetivamentejustas, comprometidas com os interesses da maioria da po-pulação, ou seja, realmente democráticas. E busca instru-mental interpretativo que siga a mesma diretiva. O que aalternatividade não reconhece é a identificação do direitotão-só com a lei, nem que apenas o Estado produz direito,o que é diverso da negativa à lei. (...) O que a alternatividade busca é o novo paradigma,com a superação do legalismo estreito, mas tendo comolimites (ou conteúdo racional) os princípios gerais do direito,que são conquistas da humanidade e serão desenvolvidos commais vagar (...). O compromisso do juiz deve ser a busca in-cessante da justiça..., tendo como limites, de um lado, o casoconcreto e, de outro, os princípios universais do direito". E em desfecho, submetendo o eventual direito não estatal às limita-ções impostas pelo senso comum, concluiu: "Então, o "alternativo sentido estrito" (isto é, o direitode origem não estatal) que merece efetivação deve ter tam-bém como limite os princípios gerais do direito, mesmoquando ambiciona criar/destruir novos princípios, desde quetenha como pano de fundo, ou norte, a real democratizaçãoda vida em sociedade". 23. Amilton Bueno de Carvalho, Direito alternativo na jurisprudência, cit., p. 10, 11 e 15.Sobre o movimento do direito alternativo em geral, vejam-se, além dos trabalhos já citados, asobras coletivas Lições de direito alternativo, v. 1 e 2, Jurisprudência de direito alternativo, Magis-tratura e direito alternativo, Ministério Público e direito alternativo, bem como a Revista deDireito Alternativo, n. 1, 1992, e n. 2, 1993.

4. Objetividade e neutralidade. Os limites do possível A busca de um método jurídico de objetividade tão plena quantopossível, e bem assim da neutralidade do intérprete, foi objeto de umdos mais célebres escritos do direito constitucional norte-americano:

Em busca de princípios neutros de direito constitucional, do Professorda Universidade de Columbia Herbert Wechsler, publicado em 1959. 24. Herbert Wechsler, Towards neutral principles of Constitutional law, Harvard Law Review,73:1,1959. O trabalho se inseriu no contexto de uma ampla crítica conservadora àsdecisões proferidas pela Suprema Corte sob a presidência de Earl Warren(1953-1969), dentre as quais se destacou a revolucionária decisão deintegração racial proferida em Brown vs. Board of Education. Em suacondenação do ativismo judicial, o autor procura traçar uma linha dis-tintiva entre a atuação do Judiciário e a dos outros dois Poderes. Emuma das mais inspiradas páginas do credo liberal-conservador, escreveuWechsler: "O que caracteriza as decisões judiciais, em contrastecom os atos dos outros Poderes, é a necessidade de quesejam fundadas em princípios coerentes e constantes, e nãoem atos de mera vontade ou sentimento pessoal. Discordo,assim, com veemência, daqueles que, aberta ou encoberta-mente, sujeitam a interpretação da Constituição e das leis aum "teste de virtude", para verificar se o resultado imediatolimita ou promove seus próprios valores e crenças. Quem julga com os olhos no resultado imediato, e emfunção das próprias simpatias ou preconceitos, regride aogoverno dos homens, não das leis. Se alguém toma deci-sões levando em conta o fato de que a parte envolvida é umsindicalista ou um contribuinte, um negro ou um separatis-ta, uma empresa ou um comunista, terá de admitir que pes-soas de outras crenças ou simpatias possam, diante dosmesmos fatos, julgar diferentemente. Nenhum problema émais profundo em nosso constitucionalismo do que estetipo de avaliação e de julgamento ad hoc". 25. 347 U. S.483(1954). 26. Herbert Wechsler, Towards neutral principles..., Harvard Law Review, 73:1, 1959, p. 10-6.O texto acima, embora fiel ao pensamento do autor, foi significativamente editado e traduzidolivremente. Diminui, por certo, o impacto dessas palavras a informação, relevan-tíssima, de que o método de raciocínio jurídico preconizado pelo autordo texto levou-o à condenação, por ser não neutra, da decisão dessegre-gacionista em Brown. De acordo com o raciocínio do Professor Wechsler,a questão envolvia um conflito entre duas preferências: o desejo dosnegros de freqüentarem a escola com os brancos, e o desejo dos brancosde freqüentarem a escola sem os negros. Segundo ele, a Suprema Cortenão fundamentou sua escolha em qualquer princípio neutro. Não é acei-tável que tivesse pura e simplesmente escolhido a opção dos negros. Atese é arrepiante e emblemática: revela como a neutralidade pode serperversa quando estão em jogo os interesses de partes política, social eeconomicamente desiguais. 27. Cass R. Sunstein, The partial Constitution, 1993, p. 76. O primeiro fundamento da teoria de Wechsler é o de que as deci-sões constitucionais devem ser motivadas. Cabe aos tribunais expor osautênticos fundamentos de seus julgados e desenvolver claramente cadafase do raciocínio que conduziu ao resultado produzido. Essas deci-sões, e sua fundamentação, devem obedecer a princípios, isto é, a cri-térios que podem ser formulados e postos a prova em um exercício dedialética, e que não obedecem somente a um desígnio da vontade. Porfim, esses princípios devem ser neutros, de modo que as decisões te-nham lastro em análises e razões que desde logo transcendam ao re-sultado imediato que se alcança. Pode-se dizer que alguém se utilizade princípios neutros se estiver disposto a segui-los em outras situa-

ções em que eles sejam aplicáveis, desde que com isso não se cheguea um resultado absurdo. 28. V., também, o trabalho subseqüente de Herbert Wechsler, The Courts and the Constitution,Colorado Law Review, 65:1001, 1965, onde a idéia de princípios neutros foi reiterada. As idéias de Wechsler têm razoável apelo ao espírito e é possívelafirmar que elas são desejavelmente aplicáveis em boa parte da ativida-de de interpretação judicial, inclusive constitucional. Elas não deixamde ser um tempero necessário a uma perspectiva diametralmente opos-ta, que é a das decisões fundadas exclusivamente nos resultados. Ne-nhum juiz, lembra Enrique Alonso García, orgulha-se de não ser capazde reconduzir suas decisões a determinados princípios gerais. Emborapossam ocorrer hipóteses em que o juiz primeiro escolhe o resultado esomente após procura fundamentá-lo, a necessidade de decisõeslastreadas em princípios reduz os excessos das decisões puramente resultoriented. 29. Enrique Alonso García, La interpretación de la Constitución, 1984, p. 37: "Pero al menospodemos afirmar que la teoría de los principios neutrales produjo en el ámbito judicial un resultado:ningún juez está orgulloso de afirmar que es el autor de una decisión que no obedece a principios.La jurisprudencia result-oriented ha devenido algo parecido a un insulto". Singularmente, o Min.Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal brasileiro, reproduz com freqüência, em seus votos, oseguinte trecho: "Ao examinar a lide, o magistrado deve idealizar a solução mais justa, consideradaa respectiva formação humanística. Somente após, cabe recorrer à dogmática para, encontrado oindispensável apoio, formalizá-la" (e. g., RDA, 188:288, RE 111.787). O grande problema da pretensão de objetividade e neutralidade ple-nas das decisões judiciais é, precisamente, que ela não passa de umapretensão, incapaz de submeter a totalidade dos casos. Pior: ela fraquejaexatamente nas situações em que, pelo teor político ou pela multiplicidadede alternativas, não há um único resultado possível. Ao menos nos casosdifíceis (v. supra), a idéia de princípios neutros será inócua, pela neces-sidade de se pesarem valores contrapostos e avaliá-los relativamenteaos diferentes fatores presentes no caso concreto. A idéia de princípiosneutros não contém em si qualquer sinalização útil acerca de qual seja oconteúdo que esses princípios devem ter. Trata-se de mera forma, semsubstância. 30. V. Deutsch, Neutrality, legitimacy and the Supreme Court: some intersections betweenlaw and political science, Stanford Law Review, 20:169, 1968. 31. Vejam-se, a propósito, John Hart Ely, Foreword: on discovering fundamental values,Harvard Law Review, 92:5, 1978, p. 32-3, e Richards, Rules, policies and neutral principles: thesearch for legitimacy in common law and constitutional adjudication, Harvard Law Review, 111:1069,1977, p. 1103. Em comentário de penetrante sarcasmo, transcrito por Alonso García (Lainterpretación de la Constitución, cit., p. 59), observou o Professor Moore, da Universidade deVirginia: "O exemplo típico de princípio geral e neutro seria o de decidir os casos lançando umamoeda para o ar. Nenhum outro princípio é mais imparcial, nem mais geral ou neutro e, naturalmente,

transcende ao resultado buscado, desde que se aplique sempre a mesma regra. E, sem embargo, todomundo está de acordo que este princípio, neutro por excelência, não tem sentido algum". Desde que o Iluminismo consagrou o primado da razão, com o aban-dono de dogmas e de preconceitos, o mundo construído pela ciênciaaspira à objetividade. As conclusões divulgadas por um membro da co-munidade científica devem poder ser verificadas e comprovadas pelosdemais. A racionalidade do conhecimento procura despojá-lo das cren-ças e emoções subjetivas, puramente voluntaristas, para torná-lo impes-soal, na medida do possível. A medida do possível variará imensamen-te, e em poucas áreas enfrentará dificuldades como no direito. É que aciência jurídica, ao contrário das ciências exatas, não lida com fenômenosque se ordenem independentemente da atividade do cientista. E assim,tanto no momento de elaboração quanto no de interpretação da norma,hão de se projetar a visão subjetiva, as crenças e os valores do intérprete. 32. V. Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, Filosofando: introduçãoà filosofia, 1986, p. 120. 33. V. Sergio Ferraz, Justiça social e algumas vertentes autocráticas de nosso direito admi-nistrativo, tese apresentada à IX Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil,Florianópolis, 1982, p. 5. A impossibilidade de chegar-se à objetividade plena não minimizaa necessidade de se buscar a objetividade possível. A interpretação, nãoapenas no direito como em outros domínios, jamais será uma atividadeinteiramente discricionária ou puramente mecânica. Ela será sempre oproduto de uma interação entre o intérprete e o texto, e seu produto finalconterá elementos objetivos e subjetivos. E é bom que seja assim. Aobjetividade traçará os parâmetros de atuação do intérprete e permitiráaferir o acerto de sua decisão à luz das possibilidades exegéticas dotexto, das regras de interpretação (que o confinam a um espaço que,normalmente, não vai além da literalidade, da história, do sistema e dafinalidade da norma) e do conteúdo dos princípios e conceitos de quenão se pode afastar. A subjetividade traduzir-se-á na sensibilidade dointérprete, que humanizará a norma para afeiçoá-la à realidade, e permi-tirá que ele busque a solução justa, dentre as alternativas que oordenamento lhe abriu. A objetividade máxima que se pode perseguirna interpretação jurídica e constitucional é a de estabelecer osbalizamentos dentro dos quais o aplicador da lei exercitará sua cna-tividade, seu senso do razoável e sua capacidade de fazer a justiça docaso concreto. 34. Sobre o caráter a um tempo objetivo e subjetivo da interpretação, v. Owen Fiss, Objectivityand interpretation, Stanford Law Review, 34:739, 1982. 35. Ninguém menos do que Hans Kelsen reconheceu, com todas as letras, que o direito obje-tivo não fornece senão que uma moldura dentro da qual há várias possibilidades de aplicação,afirmando mais: "A interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solu-ção como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que - na medida em queapenas sejam aferidas pela lei a aplicar - têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torneDireito positivo no acto do órgão aplicador do Direito" (Teoria pura do direito, 1979, p. 465-6). Neutralidade é um conceito possivelmente mais complexo de se de-linear do que o de objetividade. A objetividade busca uma razão científicade validade geral. A neutralidade se dilui em muitos aspectos diferentes.

Alguns deles não são de difícil implementação, como a imparcialidade- ausência de interesse imediato na questão - e a impessoalidade -atuação pelo bem comum, e não para o favorecimento de alguém. Bastaseriedade e vontade de fazer bem feito para atender a tais imperativos.Mas a neutralidade pressupõe algo impossível: que o intérprete seja in-diferente ao produto do seu trabalho. É claro que há uma infindávelquantidade de casos decididos pelo Judiciário que não mobilizam o juizem nenhum sentido que não o de burocraticamente cumprir seu dever.Outros tantos casos, porém, envolvem a escolha de valores e alternati-vas possíveis. E aí, mesmo quando não atue em nome dos interesses declasse ou estamentais, ainda quando não milite em favor do próprio in-teresse, o intérprete estará sempre promovendo as suas próprias cren-ças, a sua visão de mundo, o seu senso de justiça. A idéia de neutralidade do Estado, das leis e de seus intérpretes,divulgada pela doutrina liberal-normativista, toma por base o status quo.Neutra é a decisão ou a atitude que não afeta nem subverte as distribui-ções de poder e riqueza existentes na sociedade, relativamente à proprie-dade, renda, acesso às informações, à educação, às oportunidades etc.Ora bem: tais distribuições - isto é, o status quo - não são fruto doacaso ou de uma ordem natural. Elas são produto do direito posto. E,freqüentemente, nada têm de justas. A ordem social vigente é fruto defatalidades, disfunções e mesmo perversidades históricas. Usá-la comoreferência do que seja neutro é evidentemente indesejável, porque ins-trumento de perenização da injustiça. 36. Para uma ampla e profícua discussão acerca do status quo como parâmetro da neutralida-de, v. Cass R. Sunstein, The partial Constitution, cit., p. 4-7 e 68 e s. Em países onde a questãosocial tem tinturas menos dramáticas que no Brasil, a questão do status quo também se coloca.Mesmo que não seja na alocação de poder entre ricos e pobres, será entre negros e brancos, mulhe-res e homens, estrangeiros e nacionais, judeus e muçulmanos etc. Veja-se que o problema não está só na neutralidade em si, mas emqual o ponto de referência do que seja neutro. O status quo vigente nassociedades desiguais - e poucas não o são - certamente não é umbom parâmetro. Sunstein averbou que dizer que a neutralidade não podefundar-se no status quo não significa que não haja lugar para ela. E, defato, trata-se de uma aspiração altamente desejável. Idealmente, o intér-prete, o aplicador do direito, o juiz, deve ser neutro. E é mesmo possívelconceber que ele seja racionalmente educado para a compreensão, paraa tolerância, para a capacidade de entender o diferente, seja o homossexual,o criminoso, o miserável ou o mentalmente deficiente. Pode-se mesmo,um tanto utopicamente, cogitar de libertá-lo de seus preconceitos, desuas opções políticas pessoais e oferecer-lhe como referência um con-ceito idealizado e asséptico de justiça. Mas não será possível libertá-lodo próprio inconsciente, de seus registros mais primitivos. Não há comoidealizar um intérprete sem memória e sem desejos. Em sentido pleno,não há neutralidade possível. 37. Cass R. Sunstein, The partial Constitution, cit., p. 10: "To say that neutrality should notbe founded in the status quo is hardly to say that there is no room for neutrality at all. Interpretationmay rest on interpretative principles, but this does not mean that judges should feel free to choosewhatever principles they prefer". 38. Tudo isso sem mencionar o conjunto de fatores aparentemente prosaicos - masfreqüentemente decisivos - que José Carlos Barbosa Moreira elencou em suas Notas sobre

alguns fatores extrajurídicos no julgamento colegiado, RF 327:61, 1994, que incluem desde orecinto em que se realizam as sessões até as relações pessoais entre os julgadores de um órgãocolegiado. É hora de concluir. O direito é certamente uma ciência, ao menos nosentido de ser um conjunto organizado de conhecimentos, regidos porprincípios e conceitos próprios. Como tal, tem um objeto específico, quenão se confunde com o de outras ciências. O mínimo que se pode esperardo operador do direito, antes que possa entregar-se a quaisquer outrasespeculações epistemológicas, políticas ou sociológicas, é que seja capazde dominar o seu ofício, conhecer-lhe o instrumental teórico e prático.Sem isso, tudo o mais é mero discurso. 39. Exemplifica-se. Diante da prisão arbitrária de um líder sindical, é possível publicar umcontundente artigo na imprensa, convocar uma manifestação na porta da delegacia ou impetrar umhabeas corpus. Nada impede que um advogado protagonize as duas primeiras formas de atuação.Mas sua função social enquanto profissional do direito se realiza pela terceira. Para isso, ele preci-sa dominar o instrumental mínimo do direito, tanto teórico como prático. Mas só isso é pouco. Não se entende plenamente o mundo jurídico,expõe Elías Días, se o sistema normativo (ciência do direito) se insula eafasta da realidade em que nasce e à qual se aplica (sociologia do direito)e do sistema de legitimidade que o inspira e que deve sempre possibili-tar e favorecer sua própria crítica racional (filosofia do direito). Não épossível, assim, uma visão cindida do direito, especialmente no momentode sua interpretação e aplicação. Aí será necessário ter em conta suadimensão social e ética. Remarque-se bem a idéia: uma coisa é o conhe-cimento jurídico. Outra é a sua contextualização, o que se faz inclusiveatravés da sociologia e da filosofia. São realmente coisas distintas, que,todavia, devem ser conjugadas para a boa aplicação do direito posto. 40. Elías Días, Sociología y filosofía del derecho, 1976, p. 54 (apud Plauto Faraco de Azeve-do, Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica, 1989, p. 36). Portanto, a interdisciplinariedade, não só com a sociologia e a filoso-fia, mas com outros ramos do conhecimento científico, é parte importantede uma análise globalizadora do direito. Releva reiterar a necessáriaconscientização do intérprete quanto ao caráter ideológico de sua atua-ção e de seu questionável papel de assegurador do status quo. Essaperspectiva crítica - talvez autocrítica - poderá permitir ao juiz que ate-nue alguns dos efeitos de sua posição no setor hegemônico da sociedade,permitindo que ele se aproxime da neutralidade. Não a neutralidade damanutenção da ordem de valores, mas a que tenha como referencial oideal de justiça para todos, fundada em pressupostos de igualdade real. 41. V. Plauto Faraco de Azevedo, Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica, cit., p. 12: "Oprocesso interpretativo pressupõe uma posição previamente assumida em relação ao direito e àvida, que nele vai refletir-se inelutavelmente". O juiz não pode ignorar o ordenamento jurídico. Mas, com base emprincípios constitucionais superiores, poderá paralisar a incidência danorma no caso concreto, ou buscar-lhe novo sentido, sempre que possamotivadamente demonstrar sua incompatibilidade com as exigências derazoabilidade e justiça que estão sempre subjacentes ao ordenamento.Jamais deverá o magistrado se conformar com a aplicação mecânica danorma, eximindo-se de sua responsabilidade em nome da lei - não dodireito! -, supondo estar no estrito e estreito cumprimento do dever.Sem essa percepção mais aguda, estará sujeito à crítica devastadora dePlauto Faraco de Azevedo:

"Preso a uma camisa de força teorética que o impedede descer à singularidade dos casos concretos e de sentir opulsar da vida que neles se exprime, esse juiz, servo dalegalidade e ignorante da vida, o mais que poderá fazer ésemear a perplexidade social e a descrença na funçãoque deveria encarnar e que, por essa forma, nega. Negan-do-a, abre caminho para o desassossego social e a inse-gurança jurídica". 42. Plauto Faraco de Azevedo, Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica, cit., p. 25. Cabe, por fim, destacar uma peculiaridade que envolve a Constitui-ção. O legislador constitucional é invariavelmente mais progressista queo legislador ordinário. Daí que, em uma perspectiva de avanço social,devem-se esgotar todas as potencialidades interpretativas do Texto Cons-titucional, o que inclui a aplicação direta das normas constitucionais nolimite máximo do possível, sem condicioná-las ao legislador infraconsti-tucional. Essa tarefa exige boa dogmática constitucional e capacidade de tra-balhar o direito positivo. Para fugir do discurso vazio, é necessário ir ànorma, interpretá-la, dissecá-la e aplicá-la. Em matéria constitucional,é fundamental que se diga, o apego ao texto positivado não importa emreduzir o direito à norma, mas, ao contrário, em elevá-lo à condição denorma, pois ele tem sido menos que isso (v. supra). O resgate daimperatividade do Texto Constitucional e sua interpretação à luz de boadogmática jurídica, por óbvio que possa parecer, é uma instigante novi-dade neste país acostumado a maltratar suas instituições. 43. Em passagem especialmente feliz, Clèmerson Merlin Clêve, A teoria constitucional e odireito alternativo, cit., p. 46, assinala que não é possível confundir-se dogmática com dogmatismo."O dogmatismo é o apego preconceituoso e irrefletido a dogmas. (...) A dogmática constitui o saberjurídico instrumental e auxiliar da solução de conflitos, individuais ou coletivos, de interesses. (...)Não há direito sem doutrina, e, portanto, sem dogmática." Também é de bom alvitre distinguir acapacidade de conhecer e operar o direito positivo do positivismo, que é uma postura filosófica deconfinamento do direito à norma. Em busca deste desiderato, é importante difundir uma concepção dodireito constitucional dotada de rigor científico, com a apropriada utiliza-ção de princípios, conceitos e elementos interpretativos. Essa é a únicaforma de isolá-lo do que se poderia chamar charlatanismo constitucional,que é o discurso constitucional inteiramente dissociado do direito, desen-volvido em nível puramente teórico, com vulgaridade e insciência. Essediscurso normativista e científico não constitui uma preferência academi-ca ou uma opção estética. Ele resulta de uma necessidade histórica. Semele, o direito constitucional continuará a ser uma miragem, com as honrasde uma falsa supremacia, que não se traduz em nenhum proveito para oscidadãos. Sobretudo os que, já desamparados da fortuna, ficam tambémdesprovidos da proteção das normas jurídicas. A necessidade de produzir um direito constitucional dotado de taisatributos, com ênfase dogmática e normativa, adiou para algum lugar dofuturo um projeto mais sedutor do autor de conduzi-lo por uma viageminterdisciplinar. Não apenas pelos domínios mais evidentes - a políti-ca, a sociologia, a economia - mas outros de interesse mais recente, epor isso mais fascinantes, como a psicanálise, a metafísica, a lingüísti-ca. Tudo tem seu tempo. Nesta hora os compromissos e as necessidadessão outros. E, como no verso inspirado de Drummond, o tempo é minhamatéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.

Capítulo II - CONCLUSÕES O presente trabalho espelha, ao longo de suas diferentes partes, apreocupação de explorar as potencialidades da interpretação constitu-cional para colocá-la à disposição de uma perspectiva jurídica trans-formadora da realidade. Seu pressuposto maior foi o da necessidade dese conhecerem adequadamente as técnicas e o instrumental da dogmáticaconvencional. Supera-se, assim, uma fase em que o pensamento jurídi-co mais engajado desprezava o saber tradicional, enfatizando sua alian-ça com um projeto classista e excludente de sociedade. Este estudo não se preocupou em inventariar as vitórias e derrotasdas diferentes correntes político-jurídicas do último século, nem cuidade distribuir culpas ou exaltações. Há nele, por certo, algumas pré-com-preensões importantes. Não se nega, por exemplo, em momento algum,o caráter ideológico do direito. Tampouco se milita na crença de que omundo jurídico possa apresentar os padrões rígidos de objetividade as-pirados pela razão científica. Mais ainda: trata-se de uma análise desa-pegada de mistificações como a da neutralidade do intérprete. Sem em-bargo, procurou-se demonstrar que o conhecimento jurídico, mesmo otradicional, representa um importante espaço de resistência e ofereceopções variadas de avanço social. Em desfecho desta exposição, que visitou diferentes cenários do uni-verso constitucional, sempre tendo em conta o processo de interpretaçãoe realização da Constituição, é possível compendiar algumas de suas idéi-as em proposições objetivas, relativamente a cada uma de suas partes. 1) A interpretação, em qualquer domínio científico, não é um fenô-meno de caráter absoluto ou atemporal. Ao revés, ela espelha o nível deconhecimento e a realidade de cada época e sofre a influência das cren-ças e valores da sociedade em geral e do intérprete em particular. 2) A interpretação constitucional não foi objeto, ainda, no direitobrasileiro, de um estudo abrangente e sistemático. A despeito da existên-cia de controvérsias, melhor é o entendimento de que ela integra a inter-pretação jurídica geral, apresentando, todavia, especificidades que lhesão próprias, materializadas em conceitos e princípios que atendem àssingularidades das normas constitucionais. 3) A ordem jurídica constitucional de um Estado deve ser um siste-ma harmonioso, e, como tal, não pode tolerar antinomias, o conflitoentre normas incidentes sobre uma mesma hipótese. Quando tal ocorre,deve o intérprete, antes de mais nada, solucionar a colisão de normas,pela indicação de qual deverá prevalecer. Normalmente, tal determina-ção far-se-á à luz dos princípios da hierarquia e da especialização. 4) Há, todavia, duas grandes categorias de conflitos de normas querepercutem na interpretação e aplicação da Constituição, e que exigeminstrumental teórico próprio para seu equacionamento e solução: o con-flito de normas no espaço e o conflito de normas no tempo. Paradiscipliná-los e resolvê-los é preciso recorrer a dois domíniosfreqüentemente negligenciados pelos constitucionalistas: o direito cons-titucional internacional e o direito constitucional intertemporal. 5) Com base nos princípios e regras do direito constitucional inter-nacional, é possível assentar algumas posições que se reputam de me-lhor substrato jurídico. Em nenhuma hipótese um tratado internacionaldeverá prevalecer sobre as normas constitucionais, sendo indiferente ofato de o tratado ser anterior ou posterior à Constituição vigente. 6) Ao aplicar norma jurídica estrangeira, o intérprete brasileiro de-verá agir como agiria o intérprete do país de onde a lei é originária. Setal ordenamento admitir que o juiz se abstenha de aplicar uma leiinconstitucional, o juiz brasileiro deverá fazê-lo, se considerar a lei in-compatível com o ordenamento do país de origem, à luz dos princípiose critérios lá vigorantes. 7) Com muito mais razão, se a norma estrangeira estiver em con-fronto com o ordenamento constitucional brasileiro, juízes e tribunaisdeverão negar-lhe aplicação. As normas constitucionais são tidas como

de ordem pública internacional, impedindo a eficácia de leis, decisõesjudiciais e atos jurídicos estrangeiros com elas incompatíveis. 8) Também em matéria de direito constitucional intertemporal, semembargo de inúmeras controvérsias, é possível alinhavar algumas idéiasaqui tidas como expressão da melhor doutrina. Ao contrário do que seafirma correntialmente, uma lei poderá ser aplicada retroativamente, sal-vo se for para colher direito adquirido, negócio jurídico perfeito ou coi-sa julgada. 9) Uma vez promulgada uma nova Constituição, ficam inteiramen-te revogadas as normas constitucionais anteriores. Não vigora no direitobrasileiro, à falta de norma expressa, a chamada desconstitucionalizaçãodas normas constitucionais, que preservaria, com caráter de lei ordiná-ria, as normas constitucionais anteriores compatíveis com o novoordenamento. 10) Uma vez postas em vigor, as emendas constitucionais têm vi-gência imediata e com o mesmo grau hierárquico das demais normasintegrantes da Constituição originária. Sujeitam-se tais emendas, toda-via, ao controle de constitucionalidade, tanto formal quanto material,podendo ser pronunciada sua inconstitucionalidade. 11) Quando da promulgação de uma nova Constituição, a legisla-ção infraconstitucional anterior que seja com ela compatível continuaem vigor, através dos fenômenos da recepção ou da novação, que reve-renciam o imperativo prático da continuidade da ordem jurídica. As nor-mas anteriores incompatÍveis com a Constituição, por sua vez, ficamrevogadas. Como conseqüência, não se sujeitam ao controle deconstitucionalidade, que somente se exerce sobre legislação em vigor.Essa é a posição cristalizada do Supremo Tribunal Federal, recentemen-te reiterada após amplo debate. 12) Algumas outras regras relevantes de direito constitucionalintertemporal: a) inexiste inconstitucionalidade formal superveniente. Seuma lei foi editada com observância do processo vigente na época de suacriação, o fato de uma nova Constituição alterar tal processo não a invali-da, desde que seu conteúdo seja compatível com a nova Carta; b) umaConstituição tem vigência imediata, mas, em princípio, não retroativa, amenos que o declare expressamente; c) declarada a inconstitucionalidadede uma norma, ficam restabelecidas aquelas que ela revogara. 13) Relativamente à interpretação constitucional propriamente dita, éde se remarcar que as normas constitucionais apresentam peculiaridadesque exigem tratamento diverso, dentre as quais se incluem: a) a superiori-dade hierárquica; b) a natureza da linguagem; c) o conteúdo específico; d)o caráter político. 14) Aplicam-se à interpretação constitucional as categorias tradicio-nais da interpretação em geral, pelo que também é possível classificá-la: a) quanto à sua origem, em legislativa, administrativa e judicial, natrilogia clássica, havendo espaço, também, para discussão acerca da in-terpretação doutrinária e autêntica; b) quanto aos seus resultados ou àsua extensão, em declarativa, extensiva ou restritiva; c) e quanto aosmétodos, ou, mais propriamente, quanto aos elementos, em gramatical,histórica, sistemática e teleológica. 15) O processo de interpretação constitucional deve ser informado,antes e acima de tudo, pelos princípios constitucionais, que contêm asíntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. São os princípiosque contêm as decisões políticas fundamentais e que dão unidade aosistema constitucional, costurando suas diferentes partes e condicionandoa atuação dos Poderes Públicos. Eles se irradiam por todo o sistema,indicando o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos pelointérprete. 16) A interpretação constitucional é conduzida por um conjunto deprincípios que lhe são próprios, dentre os quais se destacam: o da supre-macia da Constituição, o da presunção de constitucionalidade dos atosdo Poder Público, o da interpretação conforme a Constituição, o da uni-

dade da Constituição, os da razoabilidade-proporcionalidade e o daefetividade. 17) O princípio da supremacia da Constituição, fruto da legitimida-de superior do poder constituinte, é nota distintiva de toda a interpreta-ção constitucional e pressuposto do controle de constitucionalidade dosatos normativos. Por força de tal superioridade jurídica, nenhuma lei,nenhum ato jurídico pode subsistir validamente no âmbito do Estado sefor incompatível com a Lei Fundamental. 18) O princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dosatos do Poder Público em geral tem raízes na independência e harmoniaentre os Poderes. Embora seja o Judiciário o intérprete final e definitivoda Constituição, tal competência deve ser exercida com autolimitação edeferência à interpretação dada pelos outros dois Poderes. Em linha deprincípio, uma lei só deve ser declarada inconstitucional quando ainvalidade seja manifesta e inequívoca, militando a dúvida em favor desua preservação. 19) A interpretação conforme a Constituição induz à interpretaçãode uma norma legal em harmonia com a Lei Maior, em meio a outraspossibilidades interpretativas que o preceito admita. Tal interpretaçãobusca encontrar um sentido possível para a norma, que não é o que maisevidentemente resulta da leitura de seu texto. Além da eleição de umalinha de interpretação, procede-se à exclusão expressa de outras inter-pretações possíveis, que conduziriam a resultado contrastante com aConstituição. 20) O princípio da unidade, também referido como princípio da uni-dade hierárquico-normativa da Constituição, é uma especificação, noambito do direito constitucional, do elemento sistemático de interpreta-ção jurídica. As normas constitucionais consagram valores que guardamtensões entre si. O princípio da unidade remarca a ausência de hierarquiaentre normas integrantes de um mesmo documento constitucional e im-põe ao intérprete o dever de atuar ponderando bens e valores em jogo, demodo a harmonizar preceitos aparentemente conflitantes e a evitar confli-tos e contradições entre as normas constitucionais. 21) O princípio da razoabilidade tem sua origem ligada à cláusulado devido processo legal, do direito anglo-saxão, havendo assumido umadimensão substantiva que permite ao Judiciário adentrar o mérito decertos atos legislativos e administrativos para aferir-lhes a justiça, a ade-quação dos meios aos fins. Substancialmente idêntica é a idéia do prin-cípio da proporcionalidade, desenvolvida na doutrina e jurisprudênciaalemãs, e que também se traduz na adequação meio-fim, na avaliaçãoda necessidade da prática do ato e na aferição de seu custo-benefício. 22) O princípio da efetividade, embora de desenvolvimento relati-vamente recente no direito constitucional, traduz a mais notável preocu-pação do constitucionalismo dos últimos anos. Ele está ligado ao fenô-meno da juridicização da Constituição e ao reconhecimento de sua for-ça normativa. As normas constitucionais são dotadas de imperatividadee sua inobservância deve deflagrar os mecanismos próprios de cumpri-mento forçado. A efetividade é a realização concreta, no mundo dosfatos, dos comandos abstratos contidos na norma. 23) O conhecimento jurídico tradicional, que teve seus pontos culmi-nantes na produção científica de Savigny, no século passado, e de Hans Kelsen, neste século, inclui na sua prática ou no seu discurso: a) o carátercientífico; b) o emprego da lógica formal; c) a pretensão de completude;d) a pureza científica; e) a neutralidade da lei e do intérprete. Seus tra-ços marcantes são o formalismo e o dogmatismo. 24) Esse saber jurídico convencional sofreu a contestação contun-dente da teoria crítica do direito, que denunciou a função ideológica dasconcepções clássicas contidas no discurso liberal-positivista e o fato deque, em nome de uma pretensa razão científica, encobrem-se relaçõesde poder. O direito é ideológico na medida em que oculta o sentido das

relações estruturais estabelecidas entre os sujeitos, com a finalidade dereproduzir os mecanismos de hegemonia social. A teoria crítica prega ainterdisciplinariedade e uma perspectiva globalizadora do direito, em-bora seu discurso seja desconstrutivista, sem oferecimento de umadogmática alternativa. 25) Na seqüência histórica da teoria crítica, fundado nos mesmospressupostos ideológicos, articulou-se, no Brasil e em outras partes domundo, um movimento imprôpriamente denominado de direito alterna-tivo. Depurado das incompreensões preconceituosas e de uma perspec-tiva mais radical que se desprendia inteiramente do direito posto, o mo-vimento traz uma importante colaboração interdisciplinar, questiona aperpetuação das estruturas injustas acobertadas no direito positivo eadmite a produção de um direito não estatal. 26) A objetividade é um valor altamente desejável na razão científi-ca. Nas ciências sociais e, especialmente, no direito, ela enfrenta difi-culdades de ordens diversas. Nada obstante, a impossibilidade de chegar-seà objetividade plena não minimiza a necessidade de se buscar a objetivi-dade possível. O texto da lei e as possibilidades exegéticas que ela oferecetraçam os parâmetros dentro dos quais poderá mover-se o intérprete. Alei e o princípio da legalidade são valiosas conquistas da humanidade. 27) A pretensão de neutralidade do intérprete, embora seja passívelde atendimento no que toca à sua imparcialidade e impessoalidade, é ina-tingível na sua plenitude. Interpretar envolve, freqüentemente, a escolhade valores e de alternativas possíveis. Ainda quando não atue movido porinteresses de classe ou estamentais, ainda quando não milite em favor dopróprio interesse, o juiz estará sempre promovendo as suas crenças, a suavisão do mundo, o seu senso de justiça. A doutrina liberal-normativistaprocura identificar como neutras as atitudes que não afetam o status quo,ou seja, que não subvertem as distribuições de poder e riqueza existentesna sociedade. Ainda quando fosse utopicamente possível libertar o juiz desuas injunções ideológicas, não seria possível libertá-lo do seu próprioinconsciente, de sua memória e de seus desejos. 28) Nenhum conhecimento pode prescindir de princípios, conceitose elementos que se articulem em torno de um objeto, ainda que seja parautilizá-los como instrumentos de transformação. Por tal razão, não existedireito sem doutrina, sem institutos próprios, sem um discurso que o sin-gularize dos outros ramos do conhecimento. Não é possível, assim, des-prezar sumariamente a dogmática jurídica nem o conjunto de experiên-cias e conhecimentos acumulados ao longo de séculos de vida social. 29) O constituinte é invariavelmente mais progressista que o legis-lador ordinário. Tal fato dá relevo às potencialidades do direito constitu-cional, e suas possibilidades interpretativas. Sem abrir mão de umaperspectiva questionadora e crítica, é possível, com base nos princípiosmaiores da Constituição e nos valores do processo civilizatório, dar umpasso à frente na dogmática constitucional. Cuida-se de produzir umconhecimento e uma prática asseguradores das grandes conquistas his-tóricas, mas igualmente comprometidos com a transformação das estru-turas vigentes. O esboço de uma dogmática autocrítica e progressista,que ajude a ordenar um país capaz de gerar riquezas e distribuí-las ade-quadamente.

ÍNDICE ONOMÁSTICO Accioly, Hildebrando, 16, 22Ackerman, Bruce, 62Adorno, Theodor, 268Agesta, Luis Sánchez, 110Aguiar, Roberto Ramos de, 271Andrade, Christiano José de, 121Andrade, Manuel A. Domingues de, 113, 116Anzilotti, Dionisio, 15Aragão, Egas Moniz de, 221

Aranha, Maria Lúcia de Arruda, 275Araujo, José Antonio Estévez, 83, 128, 133, 170Arendt, Hannah, 110Arruda Jr., Edmundo Lima de, 267Ascensão, José de Oliveira, 91, 121, 131, 134, 142Ascoli, Max, 116Ataliba, Geraldo, 62, 132, 238Azevedo, Antonio Junqueira de, 235Azevedo, Plauto Faraco de, 278, 279Bachoff, Otto, 66, 112, 157, 196, 197, 198, 199, 200, 201Balladore-Palieri, 75Baracho, José Alfredo de Oliveira, 62, 103, 104, 110, 116, 118, 157, 164, 168,209, 215Barak, Ahron, 108Barbalho, João, 71Barbi, Celso Agrícola, 249Barbosa, Rui, 68, 176, 238, 242Barboza, Heloisa Helena, 153Barile, 48Barron, Jerome A., 173, 174, 175, 210Barros, Suzana de Toledo, 228Barroso, Luís Roberto, 18, 46, 91, 110, 117, 150, 176, 192, 232, 246, 249, 270Bassi, Antonio Pensovecchio Li, 105Bastos, Celso Ribeiro, 3, 73, 107, 109, 119, 168, 182, 202, 238Batalha, Wilson de Souza Campos, 13, 52, 55, 56, 61, 68Batista, Paulo, 116Battifol e Lagarde, 13Berger, 114Bermudes, Sergio, 250Betti, Emilio, 116Beviláqua, Clóvis, 45, 90, 142Bickel, Alexander M., 163Bielsa, Rafael, 215Bittencourt, Lúcio, 79, 94, 164, 170, 182Black, 104Bobbio, Norberto, 9, 57,70, 134Bóckenfórde, Ernst- Wolfgang, 4, 5Bonavides, Paulo, 5,65,105, 113, 118, 119, 121, 140, 144, 168Borja, Célio, 250Bork, Robert, 114, 115Bourdon, 175Brennan Jr., William, 114Brest, Paul, 174, 209Britto, Carlos Ayres de, 109, 238Brocher, Charles, 46Brossard, Paulo, 79Brugger, Winfried, 113, 125, 126, 131Bryce, James, 158Bulos, Uadi Lammêgo, 3Burdeau, Georges, 157, 169Buzaid, Alfredo, 164Caetano, Marcelo, 110, 138, 142, 167Calamandrei, 75, 108Campos, Bidart, 215Campos, Francisco, 73, 242Canotilho, J. J. Gomes, 17, 57, 62, 63, 66, 68, 77, 80, 84, 93, 106, 107, 108,119, 126, 129, 142, 144, 147, 150, 151, 158, 182, 185, 187, 188, 189, 201,218, 219, 221, 222, 235, 270Capograssi, G., 135Cappelletti, Mauro, 75, 94, 111, 159, 164, 170Carbone, Carmelo, 104, 105

Cárcova, Carlos María, 5, 266, 267, 268Carrió, Genaro, 116Carvalho, Amilton Bueno de, 271, 272Carvalho, Ivan Lira de, 122Castro, Amilcar de, 13, 15, 16, 45Castro, Carlos Roberto de Siqueira, 157, 168, 209, 216, 221, 224Cavalcanti, Themístocles Brandão, 74, 112, 170Chantebout, Bernard, 175Chierchia, Pietro Merola, 104, 113, 133, 135, 136, 145, 151Clève, Clèmerson Merlin, 164, 246, 270, 280Coelho, Inocêncio Mártires, 3Coelho, Luís Fernando, 103, 115, 267Cooley, Thomas, 104, 209Correia, Ferrer, 13Corwin, 209, 221Costa, Luiz Antonio Severo da, 38Coviello, 113Crisafulli, 113Cunha, Fernando Whitaker da, 197Dallari, Dalmo de Abreu, 243Danilenko, Gennady M., 17Dantas, Ivo, 250Dantas, San Tiago, 209, 216Deutsch, 275Días, Elías, 278Dienes, C. Thomas, 173, 174, 175, 210Diniz, Marcio Augusto de Vasconcelos, 221Diniz, Maria Helena, 66, 203, 204, 238Dolinger, Jacob, 11, 13, 14, 17, 31, 34, 35, 36, 47Duguit, Léon, 52Duverger, Maurice, 110Eco, Umberto, 1, 6Ehmke, H., 5Ely, John Hart, 134, 275Engels, 267Enterría, Eduardo García de, 5, 76, 84, 112, 150, 159, 160, 176, 182, 198, 235Esmein, A., 59Fagundes, M. Seabra, 55, 82, 110, 112, 146, 168, 244Faoro, Raymundo, 241Favoreu, Louis, 164, 175Ferrara, Francesco, 91, 106, 113, 116, 118, 121, 125, 127, 129, 130, 134, 137,140, 141, 265Ferraz Jr., Tércio Sampaio, 113, 203, 237Ferraz, Anna Candida da Cunha, 104, 107, 116, 118, 119, 135, 138, 140, 142,144, 146Ferraz, Sergio, 153Ferreira Filho, Manoel Gonçalves, 56, 60, 65, 84, 157Ferreira, Odim Brandão, 75Ferreira, Pinto, 54, 238Figueiredo, Fran, 105, 128Fiss, Owen, 276Flaks, Milton, 254Fleming, 134Foelix, M., 14França, Rubens Limongi, 51, 52, 116Franco, Afonso Arinos de Mello, 142, 143, 158Freud, Sigmund, 2Friesenhahn, 175Gabba, 52Gadamer, Hans-Georg, 268Galvão, Paulo Braga, 62

García, Enrique Alonso, 115, 274, 275Garcia-Pelayo, Manuel, 144Gény,François, 116, 137Glennon, Michael J., 29Gordillo, Agustin, 220Gramsci, Antonio, 269Grau, Eros Roberto, 147, 150Grey, 216Grinover, Ada Pellegrini, 209, 215Guerra Filho, WilIis Santiago, 215, 219, 220Gunther, Gerald, 213Häberle, Peter, 120Habermas, Jürgen, 268Hamilton, Alexander, 161, 162Harris, 134Hart, H. L. A., 129Hauriou, André, 240Haymnan Jr., Robert, 265Hazard Jr., 36Heck, Philipp, 137Henkin, Louis, 27, 35Hesse,Konrad,4, 106, 112, 113, 125, 181, 182, 184, 185, 187, 189, 192, 193,235, 238Horkheimer, Max, 268Horta, Raul Machado, 52, 62, 144Horwitz,Morton J., 114,115,145,214Ihering, Rudolph von, 116, 137Ipsen, 183Jackson, John H., 27Jay,John, 161,16Jellinek, 199Kelsen, Hans, 16, 57, 69, 82, 91, 159, 169, 170, 188, 236, 240, 265, 276Konder, Leandro, 267Krebs, 222Kropholler, Jan, 47Larenz, Karl, 104, 113, 127Lassalle, Ferdinand, 111Lavié, Quiroga, 217, 218Leal, Aurelino, 24Leal, Victor Nunes, 46, 73, 162Levinson, Sanford, 174, 209Levit, Nancy, 265Lima, Hermes, 108Lima, Mário Franzen de, 116Llewellyn, Karl, 4Lobel, Jules, 49Locke, John, 167Loewenstein, Karl, 140, 241Lopes, Maurício Antonio Ribeiro, 62Louisell, 36Lowenfeld, Andreas F., 28Lyra Filho, Roberto, 271Machado, João Batista, 11, 38, 45Maciel, Adhemar Ferreira, 250Madison, James, 161, 162Magalhães, Maria da Conceição Ferreira, 134Marcuse, Herbert, 268Marques, Frederico, 106Martines, Temistocle, 93Martins, Ives Gandra da Silva, 182, 183, 202Martins, Maria Helena Pires, 275

Marx, Karl, 267, 269Maximiliano, Carlos, 24, 51, 56, 72, 103, 115, 118, 121, 122, 131, 132, 137,143, 170, 171, 176Maystadt, Philippe, 37Meese, Edwin, 114Mello, Celso Albuquerque, 15, 17, 18Mello, Celso Antônio Bandeira de, 110, 149, 220, 230, 231, 232, 238Mello, Celso D. de Albuquerque, 21, 22, 29Mello, Oswaldo Aranha Bandeira de, 103, 158, 171Mendes, GilmarFerreira, 87, 164, 180, 182, 183, 219, 221, 222, 223, 227Miaille, Michel, 5, 266, 269Miranda, Jorge, 21, 58, 59, 60, 66, 68, 70, 77, 93, 94, 104, 105, 107, 119, 147,148, 150, 183, 184, 185, 235Modugno, Franco, 93Montesquieu, 167Moreira Neto, Diogo de Figueiredo, 62, 108, 148, 195, 200Moreira, José Carlos Barbosa, 44, 71, 108, 164, 169, 207, 255, 259, 278Moreira, Vital, 151Morelli, 16Mortati, C., 75, 94Müller, F., 4Murphy, 134Neves, Marcelo, 73, 170, 171Novelli, Flávio Bauer, 236, 238Nowak, 167, 172, 173, 174, 209Nunes, Castro, 74, 111, 170Nyboyet, 13Pereira, Caio Mário da Silva, 55, 68Pereira, Regis Fichtner, 127Pertence, José Paulo Sepúlveda, 143Phillip, Loïc, 175Pierandrei, Franco, 84, 221Pietro, Maria Sylvia Zanella di, 220Pillet, 13Poletti, Ronaldo, 73, 164, 170, 176Pontes de Miranda, 11, 60, 72, 86, 110, 148Pontier, 175Popp, Carlyle, 52Pound, 215Powell, H. Jefferson, 115Pugh, 35Quintana, Linares, 121, 128, 130, 131, 135, 157, 160, 215, 218, 223, 240Ramos, Rui Manuel Gens de Moura, 47Reagan, Ronald, 114Real, Alberto Ramón, 104, 142, 144Reale, Miguel, 109, 141, 144, 148, 188, 236Redenti, E., 93Rehnquist, William H., 115, 213Rezek, José Francisco, 21, 22, 25Ricci, 175Richards, 275Ricoeur, Paul, 268Ritterspach, 170Rocha, Carmen Lúcia Antunes, 62Rodrigues, Silvio, 54Rotunda, 167, 172, 173, 174, 209Roubier, Paul, 51Ruffia, Biscaretti di, 75, 168, 243Ruggiero, De, 113Russo, Eduardo A., 5Russomano, Rosah, 110

Sampaio, Nelson de Souza, 65Santana, Jair Eduardo, 62Santi Romano, 188Savigny, 13, 118, 125, 265Schachter, 35Schlaich, Klaus, 183Schmitt, Carl, 59, 63, 82, 170Schneider, Peter, 113Schwartz, Bernard, 209Segado, Francisco Fernandez, 76, 176, 182Seidman, 160, 209, 213Siches, Luís Recaséns, 103, 116, 148, 238Sieyès, Emmanuel Joseph, 110, 157Silva, José Afonso da, 60, 66, 80, 110, 119, 157, 236, 238, 239, 249Silva, Agustinho Fernandes Dias da, 13, 20, 23, 45Silveira, Alípio da, 106, 115, 138, 142Singer, Joseph William, 268Smend, 4, 82, 170Smit, 35Smith, Edward Conrad, 223Soares, Humberto Ribeiro, 71Souza, Marcelo Rebelo de, 92Stern, Klaus, 125, 130, 182, 187, 189, 192, 193, 195Stevens, John Paul, 114Stone, 160, 209, 213Story, 13, 45, 121, 138Strenger, Irineu, 13, 45Sunstein, 160, 168, 209, 213, 273, 277Tácito, Caio, 227Tait, 36Teixeira, J. H. Meirelles, 104Temer, Michel, 167, 239Tenório, Oscar, 13, 14, 24, 34, 45, 90, 139Tiburcio, Carmen, 36Tornaghi, Hélio, 249Torres, Ricardo Lobo, 104, 105, 106, 127, 181, 203Tribe, Laurence, 2, 115, 173, 175Triepel, Heinrich, 15Tushnet, 160, 209, 213, 270Usera,Raúl Canosa, 104,105,107,112,114,125,127,130,135,151,195Valladão, Haroldo, 10, 13, 15, 23, 34, 45, 46Vanossi, Jorge Reinaldo, 157Vedel, Georges, 175Velloso, Carlos Mário da Silva, 73, 164, 249Verdú, Pablo Lucas, 125Viehweg, Theodor, 5Villalón, Pedro Cruz, 37Virga, Pietro, 93Warat, Luís Alberto, 5, 267Wechsler, Herbert, 272, 273, 274Werke, 267Wilson, Woodrow, 144Wood, Gordon S., 110Wright, Charles Alan, 36Wróblewski, Jerzy, 105Young, 167, 172, 173, 174, 209Zamudio, Hector Fix, 116

ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO Abuso de poder legislativo, 226Ação declaratória de constitucionalidade, 179

Ação direta de inconstitucionalidadedescabimento em face de Constituição revogada, 83descabimento quando a lei é anterior à Constituição, 73 e s.descabimento quando a lei foi revogada, 97finalidade, 95medida cautelar, 178, 179Analogia constitucional, 139, 140, 141Antinomias jurídicas, 9Conflito de normas, 9 e s.no espaço, 13 e s.no tempo, 51 e s.Conflito entre direito internacional e Constituição, 20 e s.Constituiçãoaplicação imediata e aplicação retroativa, 87, 88, 89, 90classificação ontológica, 240e norma estrangeira, 33 e s.e tratado internacional, 15 e s.normativa, 240nova e ordem constitucional anterior, 57 e s.nova e ordem infraconstitucional anterior, 67 e s.novação, 70princípio da continuidade da ordem jurídica, 68recepção, 68, 69revogação ou invalidação, 72 e s.objeto, 243, 244rigidez constitucional, 158semântica, 241supremacia da, 57, 58, 156Controle de constitucionalidadede lei estrangeira em face da Constituição brasileira, 44 e s.de lei estrangeira em face da Constituição de origem, 35 e s.descumprimento, pelo Executivo, de lei inconstitucional, 176, 177efeito repristinatório da decisão, 90, 91, 92, 93, 94incidental, 169origem, 159, 160, 161, 162, 163, 171, 172principal, 170Costume constitucional, 141, 142, 143constitucionalismo inglês, 141Desconstitucionalização das normas constitucionais, 59, 60, 61, 62Desvio de poder, 225Desvio de poder legislativo, 226, 227Devido processo legal, 209 e s.Direito adquirido, 52Direito alternativo, 270, 271, 272Direito constitucional internacional, 13 e s.Direito constitucional intertemporal, 51 e s.novação, 70recepção, 68, 69recepção material, 58, 59, 60Direito de ação, 245Direito e ideologia, 266Direito estrangeiroaplicação por tribunais nacionais, 34, 35, 38, 39, 40Direito internacional privado, 13, 14, 15Direito subjetivo, 244, 245Dualismo, 15Emenda constitucionallimitações materiais, 65, 66, 67inconstitucionalidade de seu processamento, 65, 66procedimento, 65Inconstitucionalidade

de normas constitucionais, 20, 21, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 203,204, 205de tratado internacional, 21 a 33e efeito repristinatório, 90, 91, 92, 93, 94formal, 83, 84em face da Constituição anterior, 83, 84, 85em face da Constituição em vigor, 83, 84, 85formal superveniente, 83 e s.material, 83por omissão, 246, 247, 248Interpretação, 103 e s.hermenêutica jurídica, 103Lei de Introdução ao Código Civil, 105métodos ou elementos clássicos, 4, 124 e s.originalismo, 112, 113, 114, 115papel do intérprete, 265 e s.subjetivismo e objetivismo, 112, 113, 114, 115Interpretação constitucional, 3, 4, 5, 103 e s.administrativa, 117analogia, 139, 140, 141aplicação direta da norma constitucional, 106aplicação indireta, pelo controle de constitucionalidade, 106autêntica, 118, 119construção, 103, 104costume constitucional, 141, 142, 143declarativa, restritiva e extensiva, 120 e s.doutrinária, 118evolutiva, 143, 144, 145, 146gramatical, literal ou semântica, 126 e s.histórica, 131 e s.judicial, 117, 118autolimitação do Judiciário, 170função jurisdicional, 168, 169legislativa, 116, 117método hermenêutico clássico, 4objeto, 106objetividade e neutralidade, 114, 115, 272 e s.sistemática, 134, 135, 136teleológica, 136, 137, 138, 139Mandado de injunção, 248 e s.objeto, 249, 250, 251legitimação passiva, 250Método hermenêutico clássico, 4Método tópico aplicado ao direito, 4, 5Monismo, 15, 16, 23, 24Normas constitucionaisde eficácia contida, 238, 239de eficácia limitada, 238, 239de eficácia plena, 238, 239definidoras de direitos, 243, 244de organização, 109, 243, 244desconstitucionalização das normas constitucionais, 59, 60, 61, 62peculiaridades, 107 e s.caráter político, 111, 112conteúdo específico, 108, 109, 110natureza da linguagem, 107, 108superioridade hierárquica, 107programáticas, 109, 243, 244Norma estrangeira e Constituição, 33 e s.Norma estrangeira e Constituição brasileira, 44 e s.Norma estrangeira e Constituição de origem, 35 e s.

Ordem públicainterna, 45, 46internacional, 46, 47, 48, 49Poder constituinte, 110, 111derivado, 55originário, 55Princípios, 147 e s.finalidades dos, 152, 153princípio da continuidade da ordem jurídica, 68Princípios constitucionais, 147 a 156fundamentais, 151, 153gerais, 151, 154setoriais ou especiais, 151, 152, 154, 155, 156Princípios de interpretação especificamente constitucional, 147 e s.princípio da efetividade, 235 e s.princípio da interpretação conforme a Constituição, 180 e s.princípio da presunção de constitucionalidade, 167 e s.princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, 209 e s.princípio da supremacia da Constituição, 67, 156 e s.princípio da unidade da Constituição, 188 e s.Retroatividade da lei, 51 a 56Separação dos Poderes, 167, 168, 169Sobredireito, 11Teoria crítica do direito, 5, 266, 267, 268, 269Tópica, 4, 5Tratado internacional e Constituição, 15 e s.dualismo, 15, 16inconstitucionalidade do tratado, 21 a 33monismo, 15,16

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