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2 TEXTO DE ESTUDOS - COSMOVISÃO (Acompanha seção de debates sobre Convivência)

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TEXTO DE ESTUDOS

- COSMOVISÃO –

(Acompanha seção de debates sobre Convivência)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

GRUPO DE PESQUISA “PRÁTICAS SOCIAIS E PROCESSOS EDUCATIVOS”

TEXTO DE ESTUDOS

- COSMOVISÃO –

(Acompanha seção de debates sobre Convivência)

Autoria:

Iraí Maria Campos Teixeira

Djalma Ribeiro Junior

Erivelto Santiago Souza

Maria Waldenez de Oliveira

Reijane Salazar Costa

Rosângela Pereira de Souza

Sara Ferreira de Almeida

Adriana Bogado

Fabiana Rodrigues de Sousa

Ana Paula Fidélix

Tiago Zânqueta de Souza

São Carlos

2014

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SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO ..................................................................................................................................... 2

2. APRESENTAÇÃO DOS AUTORES ESTUDADOS ................................................................................ 7

ALFREDO LÓPEZ AUSTIN .......................................................................................................... 7

ANTONIO PEÑA CABRERA ........................................................................................................ 8

CLIFFORD GEERTZ ...................................................................................................................... 9

DANIEL MUNDURUKU ............................................................................................................... 9

EDUARDO BATALHA VIVEIROS DE CASTRO ...................................................................... 10

ENRIQUE DUSSEL ...................................................................................................................... 10

ERNANI MARIA FIORI ............................................................................................................... 11

FABIANO DE ALMEIDA OLIVEIRA ......................................................................................... 12

JOSEF ESTERMANN ................................................................................................................... 12

MAURO FERNANDO MEISTER ................................................................................................ 13

SIMÓN YAMPARA HUARACHI ................................................................................................. 14

WILHELM DILTHEY ................................................................................................................... 14

3. ESTUDOS SOBRE COSMOVISÃO ...................................................................................................... 17

Ethos, visão de mundo e cosmovisão: um estudo do livro “A interpretação das culturas” de Clifford

Geertz ............................................................................................................................................. 22

Cosmovisão do povo Munduruku: perspectiva indígena amazônica - texto baseado no livro

“Banquete dos Deuses. Conversa sobre a origem e a cultura brasileira” de Daniel Munduruku .. 25

Pensamento ameríndio: relatos antropológicos de cosmovisões amazónicas - texto baseado no

Artigo “O Nativo Relativo” de Viveiros de Castro ........................................................................ 27

O fundamento do mundo e o sentido do ser: um estudo sobre a Introducción a la Filosofia de la

Liberación de Enrique Dussel ........................................................................................................ 30

A construção dos sentidos na cotidianidade e a cosmovisão: um estudo sobre a Filosofia de la

Liberación de Enrique Dussel ........................................................................................................ 38

A práxis e a produção material da existência humana: um estudo do item Educação Libertadora,

contido no capítulo Educação, do livro Educação e Política de Ernani Maria Fiori ..................... 45

Cosmovisão na perspectiva teo-referente: um estudo a partir dos textos Reflexões críticas sobre

weltanschauung: uma análise do processo de formação e compartilhamento de cosmovisão numa

perspectiva teo-referente escrito por Fabiano de Almeida Oliveira e Cosmovisão: do conceito à

prática na escola cristã, escrita por Mauro Meister ........................................................................ 47

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Filosofia Andina e Racionalidade Andina: um estudo a partir de alguns textos de Josef Estermann

........................................................................................................................................................ 52

A cosmoconvivência andina na perspectiva aymará: um estudo do artigo Cosmovivência andina –

vivir y convivir em armonía integral – Suma Qamaña escrito pelo sociólogo e pesquisador aymará,

Simón Yampara Huarachi .............................................................................................................. 56

Cosmovisão: Um estudo a partir do livro “Os tipos de concepção de mundo” de Wilhelm Dilthey

........................................................................................................................................................ 58

4. Diálogos sobre os “Estudos sobre Cosmovisão” e Convivência ............................................................. 72

APÊNDICE 1. Listagem de temas estudados em cada autor

APÊNDICE 2. Contatos das autoras e autores

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1. APRESENTAÇÃO

Os autores e autoras do presente texto com estudos sobre Cosmovisão são integrantes do

Grupo de Pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos1, inserido no Programa de Pós-

Graduação em Educação da UFSCar – PPGE/UFSCar e credenciado no CNPq desde 1998. Os autores

constituíram-se como um grupo de estudos dentro do Grupo de Pesquisa em 20112.

Na trajetória do Grupo de Pesquisa, no que se refere a estudos específicos sobre Cosmovisão,

destacamos o Seminário ocorrido em 10 de junho de 2005: II Seminário de Aprofundamento de

Estudos – 2005 do Grupo de Pesquisa “Práticas Sociais e Processos Educativos”: Ética da

libertação Latino-Americana em Dussel – estudos sobre “A Pedagógica”. Como parte das atividades

do Seminário, o Grupo de Pesquisa elaborou o texto-síntese do debate em torno do conceito visão de

mundo que ficou intitulado Visão de Mundo, Visões de Mundo. As questões geradoras desse debate

foram: “A partir do que eu sei o que é visão de mundo? Do que estamos falando quando dizemos

mundo?”. 3 Questões semelhantes a essas foram as que motivaram os estudos aqui apresentados,

como poderá ser visto no recorrido histórico a seguir.

Em 2011 o grupo de estudos, ao discutir metodologias de pesquisa, colocou-se como desafio

estudar “convivência metodológica” a partir de indagações que se fez ou que lhe foram feitas acerca

das possibilidades da convivência, em processos de pesquisar, entre pessoas da academia e grupos

considerados marginalizados pela sociedade. No segundo semestre de 2011 e durante o ano de 2012

realizamos diversos encontros que frutificaram reflexões em torno de nossos projetos de pesquisa,

bem como sobre nossa concepção de convivência metodológica que é elemento teórico- metodológico

central ao desenvolvimento de nossas pesquisas. Para tais encontros, cada integrante do grupo ficou

responsável por realizar estudos preliminares sobre o conceito de convivência, desde a etimologia da

palavra até questões voltadas à definição teórica da categoria aportada em diferentes autores/as.

Produzimos coletivamente dois ensaios teóricos que objetivaram apresentar o que tínhamos

acumulado reflexivamente acerca de convivência, bem como sobre diferentes significados de

comunidade. Tais ensaios tiveram como objetivo contribuir com as reflexões acerca das metodologias

de nossas pesquisas e dos demais pesquisadores e pesquisadoras do Grupo de Pesquisa Práticas

1 http://www.processoseducativos.ufscar.br/

2 Naquele momento, como parte da orientação coletiva dos orientandos da Profa Maria Waldenez de Oliveira.

3 Esse texto-síntese pode ser encontrado na página do Grupo de Pesquisa, clicando em “Textos e Relatórios”, tendo sido

sistematizado por Valéria Oliveira de Vasconcelos.

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Sociais e Processos Educativos, cuja premissa é o desenvolvimento de pesquisa acadêmica com rigor

científico e compromisso social4.

Em uma das conversas em que o grupo realizou, no ano de 2012, debaixo de uma árvore, já

próximo do final do ano, quando estávamos concluindo os estudos sobre a palavra convivência,

víamos as estreitas relações entre os termos cosmovisão e convivência e foi aí, debaixo da árvore,

conversando, escarafunchando a palavra convivência e sua ligação com a palavra cosmovisão que se

suspirou o termo cosmovivência, um neologismo que o grupo achava ter criado naquele momento.

De início, o primeiro movimento foi tentar encontrar, na internet, o termo cosmovivência e, de

imediato, foi encontrado o texto “Cosmovivência andina – vivir y convivir em armonía integral –

Suma Qamaña5” na Revista de Estudios Bolivianos (http://bsj.pitt.edu/ojs/index.php/bsj/article/view/42).

Tais estudos iniciais sobre Convivência nos apontavam que o “com” que compõe essa palavra

e os entendimentos que dela elaborávamos, incluía um significado de comunidade (no caso de

convivência, o significado de comunidade de vida, vivência e/ou existência) que tinha forte raiz em

cosmovisões acerca de quem são os outros, e quem sou eu, que comungariam nesse “com”. Iniciamos

alguns estudos sobre cosmovisão e encontramos artigos que a ela se referiam, sem, no entanto,

aprofundar o conceito. A fim de ampliarmos nossa compreensão acerca de Cosmovisão realizamos

estudos introdutórios sobre diferentes cosmovisões – andina, africana, aymara, amazônica e outras.

Neste processo, foi de fundamental importância o encontro com Prof. Sérgio Toro no segundo

semestre de 2012, em uma de nossas reuniões quinzenais. Prof Toro é doutor pela Pontifícia

Universidade Católica do Chile (2005) e atualmente é acadêmico da Universidad Austral de Chile na

área de Educação com ênfase em Ensino-Aprendizagem.

Durante os debates acerca desses estudos introdutórios, Prof. Toro nos provocava a

realizarmos uma aproximação crítica ao conceito de cosmovisão e atentarmos para sua etimologia e

processo histórico de construção conceitual, em vista estarem profundamente imbuídos (como o está

outros conceitos) de particulares visões de mundo, especialmente das ocidentais, por vezes

4. Os dois ensaios elaborados foram apresentados no 4º Seminário de Pesquisa em Práticas Sociais e Processos Educativos

(2014): Convivência metodológica: o que aprendemos com Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva , e, Comunidade é tudo.

Podem ser igualmente acessados na página do Grupo de Pesquisa no tópico “Textos e Relatórios”:

5. Paradigma de existencia de bienestar y armonía. Qamaña, en aymara, significa vivir, vida. Suma qamaña hace

referencia a la buena vida en el sentido integral y estratégico de vida correcta y en armonía con la naturaleza. El Suma

Qamaña es un paradigma de vida que toda la humanidad está buscando, porque implica el bienestar y armonía de todos

y no de unos pocos. Es una posible solución a la crisis de la civilización moderna (YAMPARA HUARACHI, 2011, p.

20).

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descaracterizando visões de povos originários, como por exemplo, povos andinos. Sua grande

experiência acerca de temáticas afins às estudadas pelo Grupo de Pesquisa, contribuiu para que

tomássemos contato com alguns dos autores aqui estudados, cuja leitura foi por ele sugerida já nesse

encontro.

Assim, as reflexões empreendidas somadas ao acúmulo reflexivo do Grupo de Pesquisa e às

importantes contribuições do Prof. Sérgio Toro, animou-nos a trilhar um caminho de construir nossos

entendimentos do que é cosmovisão, no intuito que essa construção pudesse nos auxiliar no estudo

da convivência em diferentes culturas, grupos culturais, etc. com os quais pesquisamos. Em 2013 o

grupo de estudos ampliou o número de membros que vêm contribuindo sobremaneira com o

enriquecimento de nossos diálogos e reflexões. Com isso, viemos aprofundando os estudos sobre o

conceito de cosmovisão e tal mergulho possibilitou a elaboração do presente texto.

O processo de escrita

Iniciamos os estudos com Seminários sobre as obras lidas dos autores aqui inseridos. A

escolha do autor se deu, inicialmente, com as conversas acima indicadas, e posteriormente, com

leituras adicionais (por vezes indicadas no texto lido desse autor, por vezes indicada por nossa

experiência ou leituras anteriores). O leitor poderá acompanhar esse processo de escolha de cada

autor estudado na Seção 3 “Estudos sobre cosmovisão”. Inicialmente apresentados por um membro

de nosso grupo, os Seminários, em 2013, passaram a ser feitos em duplas que são os autores dos

tópicos específicos referente a cada autor estudado da Seção 3 “Estudos sobre cosmovisão”. O leitor

encontrará tópico escrito por duplas mas também de única autoria; este último trata-se de incursão

que um dos membros do Grupo considerou necessária, até para compreender melhor o que vinha

estudando na dupla.

Após os Seminários, iniciamos o processo de escrita do que havíamos estudado. Para isto,

fizemos inicialmente uma reunião em que cada dupla apresentou uma síntese do que havia estudado,

e dessas exposições extraíram-se tópicos, alguns em comum aos autores, outros peculiares de um

autor. A seguir, tais tópicos foram organizados numa ordem que nos pareceu mais adequada para

apresentação aos leitores. Examinando essa listagem, o grupo concluiu que os autores estudados

estariam nela contemplado. Tínhamos, assim, construído a linha condutora da escrita dos tópicos

referentes a cada autor que se encontram na Seção 3 “Estudos sobre cosmovisão”. Essa listagem pode

ser vista no Apêndice 1. Uma primeira versão das seções foi elaborada e compartilhada com todo o

grupo para sugestões. Seguiu-se um refinamento, seja agrupando-se tópicos, seja eliminando-se

outros, de modo que a leitura pudesse ocorrer de forma mais fluída.

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Após os estudos e debates acerca de cosmovisão, sentimos necessidade de retomar a discussão

sobre Convivência. Para isso, organizamos conversas entre nós que ocorreram em maio de 2014 e

que foram gravadas e transcritas. O objetivo dessas conversas foi fazer uma síntese dos estudos que

serão apresentados na seção 3, retomando a discussão sobre Convivência na busca por trazer

contribuições para nossas pesquisas, especialmente no que diz respeito aos caminhos metodológicos

por nós trilhados. Esses debates podem ser encontrados na Seção 4.

Para a editoração final do texto, acordamos títulos e subtítulos, escrevemos coletivamente a

Apresentação e organizamos a apresentação dos autores em ordem alfabética, pois qualquer outra

ordem poderia indicar uma ligação ou um encadeamento entre autores, que não nos pareceu adequada,

pois não realizamos essa reflexão nesse momento. Por fim, inserimos uma imagem na capa do texto

que no nosso entendimento expressa uma interessante concepção de cosmovisão que integra seres

humanos entre si e com os demais seres vivos do Planeta, compondo uma comunidade dinâmica em

infinito movimento de devir.

Algumas palavras sobre o objetivo, limites e horizontes para estudos futuros

O objetivo destes Estudos sobre Cosmovisão é apresentar um panorama sobre o conceito, a

partir de diversos autores latinoamericanos e europeus. Alguns desses autores não tratam de maneira

direta o conceito de cosmovisão, mas contribuem com a elaboração de aporte teórico voltado ao

entendimento de uma determinada cosmovisão a partir da cotidianidade das pessoas. Aos

pesquisadores e pesquisadoras do Grupo de Pesquisa que desejem conhecer um pouco mais acerca

de Cosmovisão, esperamos que este panorama possa contribuir como uma aproximação inicial a

alguns autores, e a partir dela possam aprofundar seus estudos nestes ou em outros autores que

sentirem que possam colaborar com suas pesquisas. Não é nossa pretensão apresentar um estudo

exaustivo e nem abarcar todos os autores que reconhecidamente trataram ou colaboraram com a

construção conceitual acerca de Cosmovisão. A razão de ser de cada autor estar presente neste estudo

está explicitada em cada tópico a seguir, como já comentado anteriormente. Atentar que nele também

indicamos o recorte de que obra, ou parte da obra desse autor, nos valemos para os estudos. Este é

um recorte que também precisa ser destacado como um limite importante deste texto.

O texto também objetiva provocar seus leitores/as a refletirem sobre questões metodológicas

que proporcionam relações horizontalizadas entre pesquisador/a e sujeitos de pesquisa, bem como o

reconhecimento de que a produção de conhecimento válido não é privilégio de pessoas que ocupam

bancos acadêmicos ou cargos em instituições científicas e tecnológicas. Destacamos por fim, que os

estudos que frutificaram o presente texto não se encerram aqui. Pelo contrário, esperamos que ele

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possa suscitar novas investigações e reflexões em torno do conceito de cosmovisão, na busca por

delinear uma concepção própria sobre essa categoria, a partir do nosso local de pertencimento e de

partida que é a América Latina.

Boa leitura! Bons estudos!

São Carlos, outono de 2014.

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2. APRESENTAÇÃO DOS AUTORES ESTUDADOS

Autoria:

Iraí Maria Campos Teixeira

Djalma Ribeiro Junior

Erivelto Santiago Souza

Maria Waldenez de Oliveira

Reijane Salazar Costa

Rosângela Pereira de Souza

Sara Ferreira de Almeida

Adriana Bogado

Fabiana Rodrigues de Sousa

ALFREDO LÓPEZ AUSTIN6

Nasceu em 1936 em Juárez, no Estado de Chihuahua (México).

Formou-se em advocacia e exerceu essa profissão por três anos.

Recebeu uma proposta para estudar e trabalhar na área de história do

professor Miguel León Portilla, e trasladou-se ao DF com sua esposa.

Foi discípulo do humanista Ángel María Garibay. Para se aproximar e

compreender a cultura mexica, aprendeu náhuatl (INAH, 2013). Doutorou-se em História. Trabalha

como professor na Licenciatura em História da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidad

Nacional Autónoma de México (UNAM). Garduño (2013) destaca que suas aulas sempre reuniam

uma multidão. É pesquisador emérito do Instituto de Pesquisas Antropológicas da UNAM e

pesquisador do Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH). Segundo Garduño (2013),

algumas das obras que lhe deram reconhecimento acadêmico nacional e internacional pela sua

abordagem da cosmovisão são “Hombre dios” (1973) e “Cuerpo humano e ideologia” (1980). Merece

destaque também o livro “El pasado indígena” (1996), escrito junto a seu filho o arqueólogo e

historiador Leonardo Náuhmitl López Luján. Pelos seus estudos e conhecimentos sobre Cosmovisão

Mesoamericana foi professor convidado em universidades de diferentes países como França, Estados

Unidos e Japão. Uma das principais contribuições de sua obra foi a mudança na percepção do

mesoamericano. Seus estudos visam à compreensão da cultura mesoamericana segundo a visão dos

indígenas. Ele destaca que para entender la relación entre mito e historia, “hay que introducirse en un

6 http://web.calstatela.edu/academic/las/LAS-Eventos/Site%20Folder/Resources/20122.jpeg

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complejo mundo cultural: la cosmovisión de los pueblos. Los hombres en sus relaciones cotidianas

se afirman y buscan sustento en acontecimientos históricos, mundanos, pero también en historias

teñidas con elementos sobrenaturales, en la inserción del mundo de los dioses. Hacen entonces una

construcción doble”. (INAH, 2013). Nos últimos anos, Alfredo López Austin vem recebendo diversas

distinções e reconhecimentos. Foi homenageado pela universidade de Texas, Harvard e, em setembro

de 2013, pelas instituições em que construiu sua trajetória: UNAM e o Instituto Nacional de

Antropologia e História (INAH). “A sus 77 años, López Austin sigue dedicando parte de su tiempo a

la docencia y espera no abandonar los cursos en la Facultad de Filosofía y Letras de la UNAM en

tanto “la vejez no me impida seguir exponiendo ideas sensatas”(INAH, 2013).

ANTONIO PEÑA CABRERA7

Profesor Emérito da Universidade Nacional Mayor de San Marcos.

Ex-Diretor da Escola de Pos-graduação, donde exerce seu trabalho

docente nos seminarios de história da filosofía. Foi Presidente da

Sociedade Peruana de Filosofía. Naceu en Lima (1928) e realizou

seus estudos universitarios na Universidade de San Marcos, na Alemanha e Canadá. Publicou no Perú

e México numerosos artigos e livros sobre filosofia medieval. Realizou estudos sobre os conceitos de

Espaço e Tempo na antiguidade e no mundo moderno, assim como investigações sobre a

racionalidade andina. (Informações extraídas de

http://sisbib.unmsm.edu.pe/bibvirtual/publicaciones/logos/1994_n1/racionalidad.htm#1)

7 http://www.youtube.com/watch?v=S7pXEXOlRLo

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CLIFFORD GEERTZ8

(1926 – 2006), Clifford Geertz (1926-2006), estadunidense, é considerado o

fundador da Antropologia Interpretativa. Sua formação acadêmica ocorreu,

sobretudo, no Departamento de Relações Sociais da Universidade de

Harvard; no Departamento de Antropologia da Universidade de Chicago, no

qual atuou como docente durante uma década; e no Instituto de Estudos

Avançados em Princeton, onde atuou até sua morte. Em suas obras ele propõe

a observação de outras culturas desde uma compreensão dos vários aspectos

pelos quais os membros de uma sociedade constroem um determinado tipo de conduta. Nesse sentido,

as narrativas e o comportamento teatralizado dos indivíduos, segundo papéis constituídos pelas

relações interpessoais e com o meio ambiente, constituem a característica simbólica da atuação

política de cada um. Geertz busca o que pode ser interpretado nos relatos etnográficos. Nossas leituras

e análises se focaram nos capítulos 1, 3, 4 e 5 do livro “A interpretação das culturas”.

DANIEL MUNDURUKU9

Pertence à etnia indígena Munduruku, grupo que habita o sudoeste do estado

do Pará. É graduado em filosofia, história e psicologia e doutor em Educação

na Universidade de São Paulo. É diretor-presidente do Instituto Uk'a - a casa

dos saberes ancestrais e relações públicas do Instituto Indígena Brasileiro para

a Propriedade Intelectual (Inbrapi), que defende os conhecimentos tradicionais

dos povos indígenas. É conselheiro-executivo do Museu do Índio do Rio de Janeiro. Como escritor,

se destaca na área da literatura infantil. Consideremos importante conhecer suas contribuições sobre

as cosmovisões indígenas brasileiras pois Daniel Munduruku milita a favor a educação para a

diversidade, e seus trabalhos objetivam compartilhar as compreensões, percepções e visões de mundo

de sua etnia.

8 http://ccs.research.yale.edu/documents/public/geertz_by_Hagadorn.jpg.jpe

9 http://www.flip.org.br/upimages/fotos_flipinha/139.jpg

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EDUARDO BATALHA VIVEIROS DE CASTRO10

É “etnólogo americanista, com experiência de pesquisa na Amazônia. Doutor

em Antropologia Social pela UFRJ (1984). Pós-doutorado na Université de

Paris X (1989). Docente de etnologia no Museu Nacional/UFRJ desde 1978.

Professor titular de antropologia social na UFRJ desde janeiro de 2012”. Em

sua carreira acadêmica, ele busca analisar e refletir sobre questões presentes

no pensamento ameríndio. Ele já “publicou cerca de 120 artigos ou capítulos

de livros e sete livros, de 1972 ao presente. É o coordenador do Núcleo de Transformações Indígenas,

grupo baseado no Museu Nacional/UFRJ, e co-coordenador da Rede Abaeté de Antropologia

Simétrica”. (Texto extraído de

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4783546H3). Em nosso grupo lemos e

analisamos o artigo “O nativo relativo”, leitura indicada pelo professor Sergio Toro, por apresentar

diferentes cosmovisões latino-americanas.

ENRIQUE DUSSEL11

Nasceu em 24 de dezembro de 1934 em um povoado chamado La Paz

situado na província de Mendoza na Argentina. Exilado político

desde 1975 no México, hoje é cidadão mexicano. É professor no

Departamento de Filosofia da Universidade Autônoma Metropolitana

(UAM, Iztapalapa, cidade de México) e no Colégio de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Letras

da UNAM. É licenciado em filosofia (Universidade Nacional de Cuyo, Mendoza, Argentina), doutor

em filosofia pela Universidade Complutense de Madri, doutor em história na Sorbonne de Paris e

possui licenciatura em teologia em Paris e Münster. É fundador com outras pessoas do movimento

da Filosofia da Libertação e trabalha especialmente no campo da Ética e da Filosofia Política12.

10http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/43/Viveirosdecastro27062007.JPG/220px-

Viveirosdecastro27062007.JPG

11 http://quemanta.org/wp-content/uploads/2012/09/dussel-470x260.jpg.

12Informações retiradas do site: http://www.enriquedussel.com/Home_cas.html (tradução nossa).

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A obra de Dussel compõe o referencial teórico adotado pela Linha de Pesquisa Práticas Sociais

e Processos Educativos do PPGE/UFSCar em que se situa o Grupo de Pesquisa de mesmo nome.

Consequentemente, foi um dos autores adotados pelo nosso grupo de estudos para o aprofundamento

do conceito de cosmovisão. A obra estudada pelo grupo foi a Filosofia de la Liberación que é fruto

da atuação acadêmica e política de Enrique Dussel no mundo inteiro, especialmente na Europa,

Mundo Árabe e América Latina. A obra foi escrita em 1975 quando o autor foi exilado no México

em decorrência da ditadura na Argentina, quando recebeu sérias ameaças de morte, sendo obrigado a

se retirar do seu país de origem.

Fueron años de muchas tensiones, de profundos compromisos, de un viajar incesante por

América Latina (continente que atravesé frecuentemente). Cuando aumentó la represión fui expulsado de la Universidad Nacional de Cuyo, en marzo de 1975, y se me condenó

a muerte por «escuadrones» parami-litares. Dejé Argentina y comencé el exilio en la nueva patria: México. Aquí, durante algunos meses, sin mi biblioteca por encontrase en Argentina - de memoria entonces -, redacté la Filosofía de la Liberación. Una época

había terminado para mí. Comenzaba otra (DUSSEL, s.d., p. 23).

ERNANI MARIA FIORI nasceu em Porto Alegre a 17 de março de 1914. Bacharelou-se

pela Faculdade de Direito de Porto Alegre em 1935, ingressando no magistério. Fez parte do grupo

que criou o Centro Católico de Acadêmicos, entidade que daria origem à Juventude Universitária

Católica (JUC), importante organização estudantil. Tornou-se catedrático de história da filosofia na

Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em 1964 foi expulso da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, exilou-se no Chile e no Peru, onde ministrou cursos de

sua especialidade. No Chile, atuou em institutos de formação política e colaborou com Paulo Freire

na discussão sobre educação popular. No Peru, foi vice-reitor da Universidade de Lima. De regresso

ao Brasil, com a abertura política, ingressou no corpo docente da PUC - RS. Faleceu a 4 de abril de

1985, aos 71 anos de idade. (Informações extraída do Centro de Documentação do Pensamento

Brasileiro – CDPB e do livro “As Fontes do Humanismo Latino - o sentido do humano na cultura

brasileira e latino-americana” de Luiz Carlos Bombassaro e Jayme Paviani).

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FABIANO DE ALMEIDA OLIVEIRA13

Possui graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo - USP, mestrado em

Filosofia pela Universidade de São Paulo - USP e mestrado em Teologia com

Concentração em Filosofia pelo Centro de Pós-graduação Andrew Jumper -

Universidade Mackenzie. Atualmente está concluindo seu doutorado em Filosofia

pela Universidade de São Paulo - USP. Até dezembro de 2013 foi Professor

Assistente Associado 1 da Universidade Mackenzie - Campus São Paulo, e também prestou serviços

como assessor e revisor filosófico do Sistema Mackenzie de Ensino - Mackenzie. Desde fevereiro de

2014 atua como Professor de disciplinas filosóficas para os cursos de Pedagogia e Ciências Contábeis

da Associação de Ensino Superior São Judas Tadeu - SJT, na cidade do Rio de Janeiro. Professor de

graduação e pós-graduação de Filosofia com experiência na área de História da Filosofia

(especialmente Tardo-Antiga, Medieval e Renascentista), Introdução à Filosofia, Filosofia Geral,

Filosofias Aplicadas (Filosofia e História da Arte, Filosofia do Direito, da Medicina, da

Administração, da Religião, da Educação, etc.), Teologia, Ética, Epistemologia, filosofia da ciência e

filosofia da cultura. Com interfaces com a Antropologia Cultural e a Sociologia do Conhecimento.

Trabalhava ministrando aulas e módulos presenciais e à distância, realizava orientação e coorientação

acadêmica, de monografias e dissertações. Produzia artigos e estava envolvido com pesquisa. (Texto

extraído de http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4231623A0).

JOSEF ESTERMANN14

nasceu em 1956 em Sursee, estado de Lucerna, Suíça. Estudou teologia e

filosofia na Suíça e nos Países Baixos (Lucerna, Nimwega, Utrecht e

Ámsterdam). Obteve o doutorado em Filosofia pela Universidade de Utrecht

(Países Bajos), com um trabalho sobre Leibniz, e a Licenciatura em Teologia

pela Universidade de Lucerna (Suíça). De 1990 a 1998, viveu em Cusco (Perú),

onde trabalhou como missionário laico pela Sociedad Misionera de Belén

(SMB), num povoado da cidade, e como docente em várias casas de estudo. Daí que surge seu

interesse pelas culturas e cosmovisões autóctones, principalmente as andinas. De 1998 a 2003, viveu

13 http://servicosweb.cnpq.br/wspessoa/servletrecuperafoto?tipo=1&id=K4231623A0

14 http://www.uni-frankfurt.de/44587110/Estermannneu.jpg

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em Maastricht (Países Baixos) e trabalhou como diretor no Instituto de Miskionología Mission en

Aquisgrán (Aachen; Alemania), junto a Raúl Fornet-Betancourt. Era editor da revista Chakana: Foro

Intercultural de Teología e Filosofía. De 2004 a 2012, viveu em La Paz (Bolívia) e trabalhou como

catedrático e investigador no Instituto Superior Ecuménico Andino de Teología (ISEAT), na

Universidad Mayor de San Andrés, na Universidad Católica Boliviana San Pablo (UCB) e na

Universidad Andina Simón Bolívar (UASB). Dedicou-se à pesquisa da filosofia e teologia andinas,

da filosofia e teologia interculturais, como também à docência no campo da filosofia, ciências da

religião e teologia. A partir de 2013, se torna diretor da Casa Romero (RomeroHaus) em Lucerna,

casa de formação da Misión Belén (MBI), e docente na universidade de Lucerna.

MAURO FERNANDO MEISTER15

Possui graduação em Teologia - Seminário Presbiteriano do Sul (1989), Mestrado

em Teologia - Covenant Theological Seminary (1994) e doutorado em Literatura

Semítica - Stellenbosch University (1996). Atualmente é professor do Centro

Presbiteriano de Pós Graduação Andrew Jumper, co-editor da revista Fides

Reformata (São Paulo) e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, EST. Tem experiência

na área de Teologia, com ênfase em TEOLOGIA EXEGÉTICA, atuando principalmente nos seguintes

temas: Antigo Testamento, Novo Testamento, Teologia Bíblica, Hermenêutica, Teologia Pactual e

Educação Cristã. (Texto extraído de

http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4131188Z9).

15 http://servicosweb.cnpq.br/wspessoa/servletrecuperafoto?tipo=1&id=K4131188Z9

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SIMÓN YAMPARA HUARACHI16

É índio aymara qullana, nascido no Ayllu (comunidade) dentro dos limites

do departamento de La Paz, na fronteira com Oruro, na Bolívia. Fez seus

estudos primários em Oruro, mudando-se depois para La Paz, onde se

formou em sociologia. Nos anos universitários, começou a debater

assuntos como a luta de classes e o Suma Qamaña (Bem-viver), sentindo-

se duplamente influenciado pelo ayllu e pela universidade. É assessor

principal da Fundação Qullana Suma Qamaña, professor do programa de

mestrado da Agroecología Universidad Cochabamba – Agruco, da Universidad Mayor de San Simón

– UMSS, em Cochabamba, e da Universidad Andina Simón Bolívar, em Quito, no Equador. Já

trabalhou no Ministério de Assuntos Agropecuários da Bolívia e na Secretaria de Turismo da

Prefeitura de La Paz. Fue coordinador del Programa de Investigación Estratégica en Bolivia (PIEB)

– www.pieb.org y militante del movimiento katarista. (Informações extraídas de uma entrevista de

Simón Yampara Huarachi concedida para Revista do Instituto Humanitas Unisinos no dia 23 de

outubro de 2010 -

http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3446&secao=3

40 ).

WILHELM DILTHEY17

(1833-1911) Foi um filósofo alemão. Viveu em um momento de grande

efervescência na construção do pensamento contemporâneo nas diversas áreas de

conhecimento. Criticou o Positivismo, defendendo a distinção entre ciências

naturais e ciências humanas. Criou a noção de “ciências do espírito”

(Geisteswissenschaften), hoje denominadas “ciências humanas”, e tentou

delimitar-lhe o domínio em relação às ciências naturais e às ciências exatas.

Dilthey era filho de um teólogo da Igreja Reformada. Segundo Franco (2012):

Fez sua formação básica em Biebrich, sua cidade natal, e depois foi estudar teologia

na Universidade de Heidelberg. Depois de três semestres, mudou-se para Berlim

16 http://www.circuloachocalla.org/wp-content/uploads/2012/04/SYampara.jpg

17 http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/d/df/Dilthey1-4.jpg/190px-Dilthey1-4.jpg

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onde passou a estudar história. Com vistas a atender expectativas paternas, ele fez

os exames finais em teologia e pregou seu primeiro sermão em 1856. Começou a

vida como professor secundário; após dois anos ensinando teve licença por questões

de saúde. Nos anos subsequentes tornou-se pesquisador em Berlim com estudos

históricos e filosóficos. Em 1864, passou a professor universitário com um trabalho

de entrada sobre a ética de Schleiermacher. Ensinou em Basileia e Berlim. Na

Universidade de Berlim ocupou a mesma cadeira de filosofia que Hegel. Casou-se

com Catarina com quem teve um filho e duas filhas. Faleceu em 3 de outubro de

1911 (FRANCO,2012, p. 19-20).

Estudou Teologia; Filosofia, concluindo o doutorado na Universidade de Berlim; Ótica e

Psicofísica para fortalecer a sua fundamentação científica nas ciências da natureza, e voltou-se para

as pesquisas psicológicas e os estudos históricos e literários, com foco especial para a Pedagogia e a

Ética. Seu problema central é a vida e a compreensão da vida.

Dilthey propõe outro fundamento para as ciências humanas: a autorreflexão fundada na

experiência da vida.

Na teoria do conhecimento, Dilthey opõe-se às doutrinas intelectualistas: não

conhecemos com a inteligência, mas sim com a totalidade de nossa alma e

constatamos o mundo exterior por meio de nossa vontade ao esbarrar com uma

resistência. Dilthey elaborou uma minuciosa teoria do conhecimento das ciências do

espírito (hermenêutica), os três princípios básicos da qual são os seguintes: o

conhecimento histórico é reflexão sobre si mesmo; compreender (verstehen) não é

explicar (erklären), não é uma função racional, mas cumpre-se com todas as forças

emotivas da alma; a compreensão é um movimento da vida para a vida, porque a

própria realidade é vida. Só mediante a cooperação de todas as forças da alma e pela

nossa coesão interna é que podemos compreender a coesão total” (CASTRO, 2009).

Sua obra completa ocupa 14 volumes e foi publicada em alemão, a maioria após sua morte. Poucas

obras foram traduzidas para outras línguas. Segundo Franco (2012) é um pensador pouco conhecido

no Brasil. Algumas de suas obras são:

Vida de Schleiermacher (1867)

Introdução às ciências do espírito (1883)

Origem da hermenêutica (1900)

Estudos para o estabelecimento das ciências do espírito (1905)

A essência da filosofia (1907),

A construção do mundo histórico nas ciências do espírito (1910)

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Referências

BIOGRAFIAS Y VIDAS. Wilhelm Dilthey. Disponível em:

<http://www.biografiasyvidas.com/biografia/d/dilthey.htm>. Acesso em: 20 de Nov. 2013.

CASTRO, Murilo Cardoso de. Dilthey. Disponível em:

<http://hyperlexikon.hyperlogos.info/modules/lexico/print.php?entryID=1154>, 2009. Acesso em:

21 de Nov. 2013.

FRANCO, Sérgio de Gouvêa. Dilthey: compreensão e explicação" e possíveis implicações para o

método clínico. Rev. latinoam. psicopatol. fundam., vol.15, no.1, São Paulo, Mar. 2012. Disponível

em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-47142012000100002&script=sci_arttext>. Acesso

em: 21 de Nov. 2013.

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3. ESTUDOS SOBRE COSMOVISÃO

Estudando cosmovisão: Algumas contribuições de Alfredo López Austin no artigo “Tras un

método de estudio comparativo entre cosmovisiones mesoamericana y andina a partir de sus

mitologías” Adriana Marcela Bogado

Fabiana Rodrigues de Sousa

“Soy historiador porque creo que la historia

es una de la mejores vías para comprender la religión,

para comprender la vida indígena.

Esto es lo que me apasiona”

Alfredo López Austin

Como chegamos ao autor?

A partir de buscas realizadas na internet, observamos que grande parte dos autores que

estudam cosmovisão produzem artigos que abordam a cosmovisão mesoamericana18. Na intenção de

conhecer mais sobre cosmovisão mesoamericana, selecionamos a tese intitulada “La imagen bajo la

perspectiva de la cosmovisión: cuatroc osmogramas pré-colombianos mesoamericanos”

(ÁNGELES, 2012). Nessa obra, a autora apresenta um panorama dos estudos sobre cosmovisão e

destaca Alfredo López Austin como um dos principais autores que tem se dedicado a investigar esse

tema. Por esse motivo, optamos por ler algum dos textos por ele produzidos. Selecionamos o artigo

intitulado “Tras un método de estudio comparativo entre cosmovisiones mesoamericana y andina a

partir de sus mitologías”, que foi publicado nos Anales de Antropología, da Universidad Nacional

Autónoma de México (UNAM), em 1995. Nesse texto, o autor propõe as bases de um método

comparativo de investigação entre as cosmovisões mesoamericana e andina19.

18 O filósofo e antropólogo alemão Paul Kirchoff especializou-se em etnologia mexicana e foi pesquisador da UNAM.

Ele realizou importantes investigações sobre as culturas do México e definiu o conceito de Mesoamérica para o estudo e

classificação etnográfica da região mexicana e centro-americana. Mesoamérica é uma região de várias civilizações

complexas que envolve a atual região sul do México e territórios da Guatemala, Nicarágua, Honduras e Costa Rica. Há

traços culturais que definem as culturas da região (sistema de numeração de base 20, escrita pictográfico-hieróglifa, culto

a divindades, etc).

19 América Andina configura-se como porção territorial da América do Sul que é cortada pela Cordilheira dos Andes, a

qual se estende do Norte ao Sul do continente. Os países que a compõem são Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e

Venezuela.

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Adentrando na discussão...

No artigo intitulado “Tras un método de estudio comparativo entre cosmovisiones

mesoamericana y andina a partir de sus mitologías”, Alfredo Austin apresenta o conceito de

cosmovisão retomando discussões feitas em outras de suas obras. Define cosmovisão como

[...] um fato histórico de produção de pensamento social imerso em decursos de larga

duração, fato complexo, integrado como conjunto estruturado e relativamente

congruente por diversos sistemas ideológicos com os que uma entidade social, em

um tempo histórico dado, pretende apreender o universo (AUSTIN, 1995, p.214,

tradução nossa).

Dessa forma, conforme aponta Austin (1995), a cosmovisão se configura como um sistema de

sistemas. A redução de diversos sistemas em um macrosistema – cosmovisão – leva a um alto nível

de abstração. Em todo campo de ação, se ensaia consciente ou inconscientemente, se repetem

inovações que se somam às regras, as quais se incorporam a uma arte. As artes, por sua vez,

conformam sistemas e os sistemas se aglutinam coerentemente até formarem um macrosistema, isto

é, a cosmovisão.

“La cosmovisión mesoamericana” reproduzido em AUSTIN (1995, p.214).

O autor destaca o caráter histórico das cosmovisões, pois pertencem a um todo social que se

transforma permanentemente.

A cosmovisão é um fato histórico sumamente complexo porque vai se integrando a

partir de sistemas ideológicos muito heterogêneos. Compreende-os, os abrangendo

globalmente, estruturando-os e articulando-os em forma congruente. Desta maneira,

a cosmovisão se constitui em um sistema de sistemas. (AUSTIN, 1995, p.215).

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19

A cosmovisão é composta por uma parte medular (núcleo duro) que é fruto da participação

social generalizada. Essa parte medular é resistente a mudanças e é por meio dela que se torna possível

o reconhecimento histórico de uma forma característica de conceber o mundo através de milênios

(AUSTIN, 1995, p.217). O autor alerta que “pertencer a uma tradição ou possuir uma cosmovisão

não implica, de maneira nenhuma, em uniformidade de pensamento, mas sim em capacidade relativa

de intercomunicação e interação em um dado contexto social” (AUSTIN, 1995, p.216, tradução

nossa).

Austin afirma que alguns autores negam o conceito de cosmovisão, pois consideram que se

trata de uma construção teórica coerente e ordenada do pesquisador, que não levaria em conta “as

diferenças de pensamento entre os distintos componentes de uma sociedade, nem corresponde em sua

totalidade à de nenhum deles” (p.215). Assim, para alguns especialistas o conceito apenas teria

aplicação em sociedades tradicionais, com uma tradição de estrutura forte e estreitas relações entre

os distintos âmbitos de ação, “excluindo, portanto, as sociedades modernas, pois nelas há uma

grande independência entre os distintos âmbitos da ação social” (p.218).

Na nossa opinião, o conceito continua sendo válido mesmo na nossa sociedade fragmentada,

múltipla, paralela, virtual, desconexa, às vezes, e com fortes tentativas de conexão por outras, pois

continuamos procurando o sentido da vida. Só que nossa experiência vital, que é a "raiz" da

mundividência (para Dilthey), vai ter as características dessa sociedade e, portanto, nossa visão de

mundo também.

Como as cosmovisões se constroem?

Austin salienta essa dialética entre as dimensões individual-social no processo de construção

das cosmovisões:

Considera-se que o produto é social porque, a pesar da valiosa participação dos

indivíduos na construção da cosmovisão, a ação individual só adquire natureza

cosmológica quando é expressa, difundida, aceita, assimilada e reinterpretada num

amplo rádio coletivo (AUSTIN, 1995, p.215, grifo nosso).

A cosmovisão é fruto da participação social generalizada, “Nasce nos atos constantes,

cotidianos, de quem nem sequer se imaginam criadores de cosmovisão” (p.216). O núcleo duro da

cosmovisão vai se constituindo nos atos constantes, cotidianos de quem nem sequer se imagina

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criador de cosmovisão. Austin (1995) cita o exemplo da gramática que é uma construção de

racionalidade e coerência extremas, obra de todos e do nada, já que não é fruto de um trabalho

consciente de criação, mas sim resultado do exercício do diálogo.

[…] alguns de seus elementos – os que compõem sua parte medular – são sumamente

resistentes à mudança. Estes elementos constituem um complexo que pode receber

o nome de núcleo duro. São os que permitem o reconhecimento histórico de uma

forma característica de conceber o mundo através de milênios (AUSTIN, 1995, p.

217)

Para Austin (1995), a cosmovisão é percebida como pertencente a um todo social que se

transforma permanentemente. Ela produz pensamentos e crenças que condiciona a percepção da

realidade e orienta a ação sobre a realidade. No texto, lembra-nos “Quetzalcóatl prometeu seu

regresso, e por isso os mexicas confundiram os espanhóis com seus enviados” (p.211).

Também destaca que as cosmovisões são comunicáveis, mostram com quem estamos

conectados, ou não, refletindo processos de homogeneização e de “diferenciação” social. Nesse

sentido, aponta que existem múltiplas cosmovisões que refletem as diferenças existentes inclusive

entre sujeitos pertencentes a uma mesma cultura. Essas diferenças decorrem principalmente da

divisão social. Para o historiador as relações conflitivas e desiguais nos diferentes níveis sociais

também “produzem mecanismos de interação que permitem não apenas a comunicação e a

convivência, senão também a criação de tradições que, em diversos graus de coesão, correspondem a

grandes setores do complexo social” (p.216).

Contribuições para os processos de pesquisar

Austin, considerando o caráter histórico das cosmovisões, propõe o método comparativo para

o seu estudo, salientando a importância do contexto social e cosmológico, considera que cada traço

deve ser analisado como parte significante desse contexto e não como elemento isolado (p.213).

No texto lido e discutido no nosso grupo de estudos, “Tras un método de estudio comparativo

entre cosmovisiones mesoamericana y andina a partir de susmitología”, Austin apresenta algumas

semelhanças entre cosmovisões mesoamericanas e andinas, tais como:

- o vigoroso nexo causal entre o âmbito dos vivos e dos mortos;

- as festas aos mortos são de caráter agrícola;

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- crença na perda da alma;

Para evitar linhas teóricas que se dispõem a questionar se tais semelhanças são fruto de

contatos entre Andes e Mesoamerica ou se nascem após a conquista e tem como fonte o pensamento

europeu, Austin propõe um método de análise que ele denomina como simples e que consiste em

identificar os traços de semelhança em seus contextos social e cosmológico para que os mesmos não

sejam tomados como elementos isolados, mas sim como partes significantes em seu contexto. Dessa

forma, o autor propõe uma análise do conteúdo cosmológico do mito, pois considera que as

sociedades tradicionais são sistemas privilegiados que referem diretamente sua cosmovisão na

mitologia e no ritual.

Referências

ÁNGELES, Maria Montserrat Camacho. La imagen bajo la perspectiva de la cosmovisión: cuatro

cosmogramas precolombianos mesoamericanos. Tese (Doutorado) – Departament d’Art i

Musicologia, Universitat Autònoma de Barcelona, Barcelona, 2012.

AUSTIN, Alfredo López. Tras un método de estudio comparativo entre cosmovisiones

mesoamericana y andina a partir de sus mitología. In. Anales de Antropología, Universidad

Nacional Autónoma de México, México, vol. 32, n. 1, 1995, p. 209-240.

GARDUÑO, Ana. Alfredo López Austin, el seductor. La Jornada, Cultura, Jueves 5 de setiembre de

2013. Disponível em: <http://www.jornada.unam.mx/2013/09/05/cultura/a04a1cul>. Acesso em 30

nov. 2013.

INAH. Rendirán homenaje a Alfredo López Austin. Jueves, 29 de Agosto de 2013. Disponível em:

<http://www.inah.gob.mx/boletines/246-gestion-institucional/6748-rendiran-homenaje-a-alfredo-

lopez-austin>. Acesso em 29 de Nov. 2013.

ISRADE, Yanireth. Celebran a López Austin. Reforma, 5 sep. 2013, Cultura, p.21. Disponível em:

<http://issuu.com/oscarlesleefigueroahernandez/docs/periodico_reforma_del_jueves_05_de>.

Acesso em 30 de nov. 2013.

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Ethos, visão de mundo e cosmovisão: um estudo do livro “A interpretação das culturas” de

Clifford Geertz

Iraí Maria de Campos Teixeira

Erivelto Santiago Souza

Clifford Geertz (1926 – 2006), norte-americano, é o fundador da Antropologia Interpretativa.

Em suas obras o autor propõe a observação de outras culturas buscando compreender os diferentes

aspectos do comportamento humano. Suas narrativas apresentam as relações dos indivíduos entre si

e com o meio enfatizando a atuação política de cada um. Para ele, “a ação humana é uma atividade

estruturante, um efeito de superfície”. Geertz busca o que pode ser inferido/interpretado nos relatos

etnográficos.

A obra “A interpretação das culturas” propõe uma analise antropológica na qual o autor, por

meio de várias narrativas, descreve diferentes culturas, de modo a perceber a cultura (política,

religiosa, familiar, dentre outras) como elemento de estruturação das sociedades. Nos primeiros

estudos, o conceito de cultura surge com o significado de um sistema simbólico formado pelas

interações entre os indivíduos e destes com a comunidade.

O autor esclarece que para o desenvolvimento de um estudo etnográfico, não é necessário se

tornar um “nativo”, mas conversar com eles. Geertz (2008) critica a abordagem mecanicista que

ignora as condições históricas da organização social, das relações afetivas e dos papeis sociais.

Segundo o autor, os textos antropológicos são interpretações de qualidade discutível, uma vez que

apenas um “nativo” pode interpretar sua própria cultura. O investigador que se propõe a estudar outras

culturas deve se colocar no lugar do outro, e ter clareza de que sua tarefa é interpretativa, e sua

interpretação não contempla toda a realidade dos indivíduos cuja cultura é investigada: “os

antropólogos não estudam as aldeias, eles estudam nas aldeias” (p. 16, grifo do autor). Ele afirma

ainda que o objetivo da antropologia é o “alargamento do universo do discurso humano. [...]

Compreender a cultura de um povo expõe a sua normalidade sem reduzir a sua particularidade”

(GEERTZ, 2008, p. 10).

No capítulo 3, “"O Crescimento da Cultura e a Evolução da Mente”, o autor expõe seus

principais argumentos contra a interpretação fechada da cultura e da mente humana. O texto é dividido

em quatro partes, que descrevem a maneira como a mente foi tratada pelas ciências ao longo do

tempo. Ao final do capítulo, Geertz tem apresentado argumentos para defender que o

desenvolvimento cultural é necessário para a evolução mental.

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23

As pesquisas recentes da antropologia indicam como incorreta a perspectiva em

vigor de que as disposições mentais do homem são geneticamente anteriores à

cultura e que suas capacidades reais representam a amplificação ou extensão dessas

disposições preexistentes através de meios culturais. O fato aparente de que os

estágios finais da evolução biológica do homem ocorreram após os estágios iniciais

do crescimento da cultura implica que a natureza humana "básica", "pura" ou "não-

condicionada", no sentido da constituição inata do homem, é tão funcionalmente

incompleta a ponto de não poder ser trabalhada. As ferramentas, a caça, a

organização familiar e, mais tarde, a arte, a religião e a "ciência" moldaram o homem

somaticamente. Elas são, portanto, necessárias não apenas à sua sobrevivência, mas

à sua própria realização existencial. A aplicação dessa revisão da perspectiva da

evolução humana conduz à hipótese de que os recursos culturais são ingredientes, e

não acessórios, do pensamento humano (GEERTZ, 2008, p. 60).

O capítulo 4, “A religião como sistema cultural”, trata de estudos antropológicos sobre religião

desenvolvidos antes e depois da II Guerra Mundial. Segundo Geertz (2008, p. 67), a religião seria

uma tentativa de “ajustar as ações humanas a uma ordem cósmica e que projeta estas mesmas imagens

no plano da experiência humana”. Define religião como:

(1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e

duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de

conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal

aura de fatualidade que (5) as disposições e motivações parecem singularmente

realistas (GEERTZ, 2008, p. 67).

Sob o ponto de vista da antropologia a importância da religião baseia-se na capacidade de

servir ao indivíduo e ao grupo, como fonte de concepções gerais do mundo, elaborando funções

culturais de onde fluirão suas funções social e psicológica.

[...]. Discutir o papel do culto dos ancestrais na regulamentação da sucessão política,

dos festins de sacrifício que definem as obrigações do parentesco, da adoração dos

espíritos na programação das práticas agrícolas, da divinização para reforço do

controle social ou dos ritos de iniciação para apressar a maturação da personalidade

não constituem tentativas pouco importantes, e não recomendo que elas sejam

abandonadas em favor da espécie de cabalismo árido no qual pode cair tão facilmente

a análise simbólica de crenças exóticas. Mas fazer esta tentativa tendo apenas uma

idéia, muito geral, de senso comum, sobre o que representam o culto dos ancestrais,

o sacrifício de animais, a adoração do espírito, a divinização ou os ritos de iniciação

como padrões religiosos não me parece muito promissor (GEERTZ, 2008, p. 91).

O autor conclui o capítulo enfatizando a importância de se aprofundar na compreensão do

significado de cada símbolo, de cada ato simbólico, dos rituais religiosos, dos seus valores individuais

para que se possa, a partir daí, julgar o desempenho do papel religioso de forma contundente na vida

do ser humano.

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No capítulo 5, “Ethos, visão de mundo e a análise dos símbolos sagrados”, Geertz (2008, p.

103) defende que “a relação entre ethos e visão de mundo é circular” e apresenta estudos sobre as

implicações dessa relação com os símbolos sagrados. Para Geertz (2008, p. 93), “em toda sociedade

humana, o sagrado é considerado como tendo implicações de grande alcance para a orientação da

conduta humana”.

Sob o ponto de vista antropológico "ethos" expressa os aspectos morais e éticos de

determinadas culturas. O termo “visão de mundo” expressa os aspectos cognitivos e existenciais. Já

os símbolos revelam aspectos tanto do ethos como da visão de mundo:

A espécie de símbolos (ou complexos de símbolos) que os povos vêem como

sagrados varia muito amplamente. Ritos de iniciação complicados, como entre os

australianos; contos filosóficos complexos, como entre os maoris; dramáticas

exibições xamanísticas como entre os esquimós; ritos cruéis de sacrifício humano,

como entre os astecas; cerimoniais obsessivos de cura, como entre os navajos;

grandes festejos comunais, como entre vários grupos polinésios — todos esses

padrões e muitos outros parecem resumir, para um ou outro povo, e de forma muito

poderosa, tudo o que ele conhece sobre o viver. E habitualmente nem existe apenas

tal complexo: os famosos trobriandeses de Malinowski parecem igualmente

preocupados com os rituais da jardinagem e das trocas. Numa civilização complexa

como a dos javaneses — na qual permanecem ainda muito fortes as influências

hindus, islâmicas e pagãs — poder-se-ia escolher um entre vários complexos de

símbolos como revelador de um ou outro aspecto da integração do ethos e da visão

de mundo (GEERTZ, 2008, p. 108)

Pesquisadores buscam perspectivas novas tanto para analisar a religião como para a

compreensão das relações entre religião e valores. Segundo o autor, podemos dizer que religião, arte

e ideologia expressam, mesmo que de maneira disfarçada, tentativas de orientação a quem não pode

viver num mundo que é incapaz de compreender.

Diante disso, esboçamos como questão provocadora, “como faremos para saber em que o

nosso ethos e a nossa visão de mundo, enquanto pesquisadoras e pesquisadores, difere do ethos e

visão de mundo dos colaboradores de nossa pesquisa. Como faremos para convivermos

metodologicamente sem sermos nativos, e a partir desse convívio compreendermos os símbolos, os

fenômenos e as culturas nas quais pesquisamos?”

Referências

GEERTZ, Clifford. A intepretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

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Cosmovisão do povo Munduruku: perspectiva indígena amazônica - texto baseado no livro

“Banquete dos Deuses. Conversa sobre a origem e a cultura brasileira” de Daniel Munduruku

Iraí Maria de Campos Teixeira

Erivelto Santiago Souza

No livro “Banquete dos Deuses. Conversa sobre a origem e a cultura brasileira”, o autor

apresenta algumas contribuições culturais das sociedades indígenas, suas formas de percepção dos

ciclos vitais, entre outras temáticas que auxiliam na compreensão da cosmovisão do povo

Munduruku, do Pará. Segundo o autor, a cosmovisão de um povo define a organização social e as

prioridades. Por exemplo, um povo que parte de uma cosmovisão que prioriza a tecnologia, aceita em

suas condutas morais e éticas a extração de recursos naturais para garantir seus avanços tecnológicos.

Em contrapartida, um povo que parte de uma cosmovisão que prioriza a harmonia, não aceita um

relação de exploração dos recursos naturais. É exemplo das cosmovisão indígenas. MUNDURUKU

(2009, p. 27) inicia o capítulo com a seguinte narrativa:

Dizem os antigos que tudo é uma coisa só tudo está em ligação com tudo, e que nada

escapa à trama da vida. Segundo o conhecimento tradicional, cada coisa existente –

seja ela uma pedra, uma árvore, um rio ou um ser humano – é possuidora de um

espírito que anima e a mantém viva e nada escapa disso. Dizem ainda que é preciso

reverenciar à Terra como grande mãe que nos alimenta e acolhe e que ninguém foge

ao seu destino.

A expressão trama da vida e teia da vida é muito utilizada pelo autor para se referir à

ancestralidade, relações ancestrais, saberes antigos, tradicionais. “As sociedades tradicionais são

filhas da memória e a memória é a base do equilíbrio das tradições. A memória liga os fatos entre si

e proporciona a compreensão do todo. Para compreender a sociedade tradicional indígena é preciso

entender o papel da memória na organização da trama da vida” (p. 28), afirma. Os povos indígenas

tem uma coisa em comum: uma mensagem de amor à Mãe Terra, de apego às raízes ancestrais

transmitidas pelos rituais, um profundo respeito pla natureza, buscando caminhar com ela por meio

de um conhecimento das propriedades que nos oferece e com as quais sustenta cada povo, como uma

mãe amorosa que sempre alimenta seus filhos. Assim os jovens vão aprendendo a conviver no

ambiente que os cerca. “Vão aprendendo que não devem mandar na natureza, mas conviver com ela,

pedindo que lhe ensine toda sua sabedoria e que possam ser alimentados material e espiritualmente

pela Grande Mãe” (p. 29).

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Junto com os rituais de passagem que marcam uma mudança na vida social das pessoas, os

povos indígenas da Amazônia paraense desenvolvem toda uma visão filosófica da natureza,

alicerçada em suas crenças pessoais, que servem de base para a criação de regras sociais, políticas e

religiosas que, por sua vez, dão sentido à existência física e cultural desses povos. “Os povos

indígenas Brasil:iro desenvolveram uma concepção teórica sobre o sentido da vida. Esta cosmovisão

está assentada sobre as narrativas místicas que são recontadas e rememoradas a cada instante pela

sociedade” (p. 48). De acordo com Munduruku (2009), as sociedades indígenas de organizam de

acordo com essa complexidade mitológica. É claro que cada sociedade se organiza de acordo com o

seu modo de compreender e se relacionar com o mundo (p. 49).

Os mitos formam a consciência social, apresentando narrativas e os comportamentos

desejáveis em um individuo. Com base neles se desenvolve toda uma concepção teórica sobre o

sentido da vida, do conviver e do morrer e da existência no mundo. Na cosmogonia20 indígena – salva-

guardando muitas diferenças que variam de grupo para grupo – há uma clara visão sobre o papel que

o individuo ocupa na teia da vida. Ideias como a existência do bem e do mal, da matéria e do espírito,

e da vida e da morte e o que acontecerá com cada pessoa após a morte estão presentes nas narrativas

míticas e no comportamento cotidiano das pessoas (p. 51).

Encontramos na leitura algumas contribuições sobre a saúde e o cuidado em saúde. Nas

cosmovisões indígenas, “o corpo é um sistema em perfeito equilíbrio, que pode ser quebrado por uma

interferência externa ou feitiço. Por isso, a presença do xamã é tão importante para o ajuste do

equilíbrio do doente” (p. 52). A percepção do autor é de que “Sem a presença desse líder espiritual,

toda a comunidade estará sujeita ao sofrimento e à morte e terá de buscar novas formas de lidar com

o sagrado, entregando-se, muitas vezes, as seitas fundamentais a que ela não está acostumada e que

jamais lhe trarão as respostas de que precisa para agradar ao Grande Espírito e compreender a

maravilhosa experiência de estar vivo” (p. 53).

Referências

MUNDURUKU, Daniel.Banquete dos Deuses. Conversa sobre a origem e a cultura brasileira. 2ª Ed.

São Paulo: Editora Global., 2009.

20 Cosmogonia: termo que abrange as diversas teorias sobre as origens do universo, de acordo com religiões, mitologias,

ciências e através da História. Cosmo = “mundo”; gon = “imaginar, produzir, gerar”.

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Pensamento ameríndio: relatos antropológicos de cosmovisões amazónicas - texto baseado no

Artigo “O Nativo Relativo” de Viveiros de Castro

Iraí Maria de Campos Teixeira

Erivelto Santiago Souza

No artigo “O nativo relativo”, Viveiros de Castro (2002) defende a ideia de que há duas formas

completamente antagônicas de realizar estudos antropológicos e, segundo ele, é necessário de partida

escolher entre uma delas. Na primeira, o conhecimento antropológico é desenvolvido a partir da

utilização de compreensões e conceitos do pesquisado porque “sabemos de antemão o que são as

relações sociais, ou a cognição, o parentesco, a religião, a política etc., e vamos ver como tais

entidades se realizam neste ou naquele contexto etnográfico — como elas se realizam, é claro, pelas

costas dos interessados” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 116). Na segunda, a qual ele se filia,

“está uma ideia do conhecimento antropológico como envolvendo a pressuposição fundamental de

que os procedimentos que caracterizam a investigação são conceitualmente da mesma ordem que os

procedimentos investigados” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 116).

Viveiro de Castro debate sobre relação social, registrada no pensamento ameríndio como

aquela que se amplia e difere em relação a nossa, compreendendo humanos e animais como aqueles

que possuem formas diferentes e fundos humanos comuns.

Meu objeto é menos o modo de pensar indígena que os objetos desse pensar, o mundo

possível que seus conceitos projetam. Não se trata, tampouco, de reduzir a

antropologia a uma série de ensaios etnossociológicos sobre visões de mundo.

Primeiro, porque não há mundo pronto para ser visto, um mundo antes da visão, ou

antes, da divisão entre o visível (ou pensável) e o invisível (ou pressuposto) que

institui o horizonte de um pensamento. Segundo, porque tomar as idéias como

conceitos é recusar sua explicação em termos da noção transcendente de contexto

(ecológico, econômico, político etc.), em favor da noção imanente de problema, de

campo problemático onde as idéias estão implicadas. Não se trata, por fim, de propor

uma interpretação do pensamento ameríndio, mas de realizar uma experimentação

com ele, e portanto com o nosso (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 123, grifo

do autor).

Neste texto é possível notar uma crítica à primeira concepção de antropologia mencionado

anteriormente. Primeiramente, Viveiros de Castro (2002) procura mostrar como a antropologia,

muitas vezes, exerce seu trabalho, pesquisando a respeito dos nativos já sabendo previamente de sua

cultura, assim, tratando-os apenas como objetos de pesquisas, sem considerar suas visões de mundo.

A seguir, ele apresenta como etnógrafos e antropólogos devem se relacionar com a “outra cultura”,

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que deve transcorrer de modo a tentar encontrar um conceito nas relações sociais nativas, e não

procurar encaixá-las dentro de um conceito já estabelecido da cultura do pesquisador.

Essa crítica apresentada pelo autor está fundamentada no que ele designa como “imperativo

epistemológico” que visa uma melhora na coleta de dados e na compreensão da cultura nativa e, se

for distinta, do pesquisador. Ele mostra ainda como algumas análises antropológicas são realizadas

de modo equivocado, quando o pesquisador ou a pesquisadora vai a campo estudar outra cultura

visando coletar dados e acaba por julgar os descobertos. O autor propõe que o objeto de pesquisa da

antropologia deve passar a ser a variação das relações sociais em diferentes povos, observando-os

como ‘sujeito outro’ e não ‘outro sujeito’. O pesquisador deve buscar conhecer a cultura nativa sem

um conceito pré-estabelecido a respeito dela, pelo contrário, deve procurar aprender os conceitos da

outra cultura, sem cair no erro de encaixá-los dentro dos de sua cultura. A cultura nativa deve agregar

conhecimento e não deve ser superior nem inferior a cultura do antropólogo, apenas diferente.

Nesse artigo, Viveiros de Castro apresenta alguns relatos, dentre eles um tratando de uma

citação feita por Peter Gow (2000) a respeito de uma cena presenciada na Amazônia peruana, onde

duas mulheres discutiam, uma professora de Santa Clara e uma nativa do povo Piro, a respeito da

importância da água fervida e a diferença de corpos.

Nesse relato, a professora tenta convenser a nativa a preparar a comida de seu filho pequeno

com agua fervida. A mulher piro responde que não pode, porque se beberem agua fervida, irão contrair

diarreia. A professora ri e diz que a diarreia é justamente causada pelo consumo da agua sem ferver.

Sem se abalar, a mulher Piro afirma: “Talvez para o povo de Lima isso seja verdade. Mas para nós,

gente nativa daqui, a agua fervida dá diarreia. Nossos corpos são diferentes dos corpos de

vocês.”Segundo Viveiros de Castro, o debate de Santa Clara nos termos da posição da professora,

traduz seu universalismo natural e seu diferencialismo (mais ou menos tolerante) cultural. Para ela,

há várias visões de mundo, mas há um só mundo — um mundo onde todas as crianças devem beber

água fervida.

A anedota dos corpos diferentes convida a um esforço de determinação do mundo

possível expresso no juízo da mulher piro. Um mundo possível no qual os corpos

humanos sejam diferentes em Lima e em Santa Clara — no qual seja necessário que

os corpos dos brancos e dos índios sejam diferentes. Ora, determinar esse mundo não

é inventar um mundo imaginário, um mundo dotado, digamos, de outra física ou

outra biologia, onde o universo não seria isotrópico e os corpos se comportariam

segundo leis diferentes em lugares distintos. Isso seria (má) ficção científica. O que

se trata é de encontrar o problema real que torna possível o mundo implicado na

réplica da mulher piro. O argumento de que “nossos corpos são diferentes” não

exprime uma teoria biológica alternativa, e, naturalmente, equivocada, ou uma

biologia objetiva imaginariamente não-standard. O que o argumento piro manifesta

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é uma idéia não-biológica de corpo, idéia que faz com que questões como a diarréia

infantil não sejam tratadas enquanto objetos de uma teoria biológica. O argumento

afirma que nossos ‘corpos’ respectivos são diferentes, entenda-se, que os conceitos

piro e ocidental de corpo são divergentes, não que nossas ‘biologias’ são diversas. A

anedota da água piro não reflete uma outra visão de um mesmo corpo, mas um outro

conceito de corpo, cuja dissonância subjacente à sua ‘homonímia’ com o nosso é,

justamente, o problema. Assim, por exemplo, o conceito piro de corpo pode não

estar, tal o nosso, na alma, isto é, na ‘mente’, sob o modo de uma representação de

um corpo fora dela; ele pode estar, ao contrário, inscrito no próprio corpo como

perspectiva (Viveiros de Castro 1996). Não, então, o conceito como representação

de um corpo extraconceitual, mas o corpo como perspectiva interna do conceito: o

corpo como implicado no conceito de perspectiva (VIVEIROS DE CASTRO,

2002, p. 140).

Referências

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O nativo relativo. Mana [online]. 2002, vol.8, n.1, pp. 113-148.

ISSN 0104-9313.

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O fundamento do mundo e o sentido do ser: um estudo sobre a Introducción a la Filosofia de la

Liberación de Enrique Dussel

Djalma Ribeiro Junior

Rosângela Pereira de Souza

O presente texto é uma síntese de estudo do livro “Introducción a la Filosofia de la

Liberación”, edição de 1995, de Enrique Dussel. O estudo foi orientado pelo debate acerca do

conceito de cosmovisão, visão de mundo, weltanschauung, cosmoconvivência andina.

Compreendemos que o trabalho de Dussel, neste livro, sobre o fundamento do mundo, a totalidade

de sentido e o sentido do ser pode colaborar com o debate que estamos fazendo, orientando para uma

busca metodológica que é apresentada ao final deste texto.

Em “Introducción a la Filosofia de la Liberación”, Dussel inicia propondo um método de

pensar que parte da cotidianidade em direção à filosofia e não o contrário. “El "discurso" (entiéndase

"dis-curso" en el sentido del "curso que atraviesa") que les propongo no va a partir de la filosofía para

interpretar la cotidianidad, sino que va a partir de la cotidianidad en dirección a la filosofía, porque

va a ser una introducción al pensar metódico radical (DUSSEL, 1995, p. 85). esta proposta é muito

significativa quando estamos na busca da compreensão do que se constitui o conceito de cosmovisão

ou de visão de mundo e se estes conceitos se relacionam de alguma maneira.

Dussel propõe pensar desde a cotidianidade vigente que significa partir do mundo da vida

cotidiana, do mundo concreto, do aqui e do agora (DUSSEL, 1995, p. 86). Ou seja, partirmos de onde

estamos, do cotidiano que muitas vezes é justificado pela rotina e que raras vezes é problematizado,

questionado. Este ponto de partida implica, como veremos, em um processo de construção do sentido

do ser que poderemos, talvez, associar com a ideia de cosmovisão ou de visão de mundo.Vivemos

em um mundo, em uma cidade, em um bairro, em uma classe social e temos um horizonte de que

delimita este nosso mundo.

Es decir, vivimos en un mundo; el mundo de una ciudad, el mundo de nuestro barrio, o el

mundo de una clase social. Es decir, estamos dentro de un cierto horizonte (…) Horizonte viene del

griego horizo que significa "delimitar" (…) Estamos, entonces, en un mundo. El mundo es la totalidad

dentro de la cual todo lo que nos acontece se nos avanza (DUSSEL, 1995, p. 87).

Por meio de nossa experiência de estar no mundo, compreendemos tudo o que nos circunda.

A compreensão do mundo é a compreensão do mundo que experienciamos. Assim, se algo esta no

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meu horizonte, ele é compreendido, porém quando nos deparamos com algo que esta fora do nosso

horizonte (uma vez que os horizontes se interceptam) nos questionamos para tentar relacionar o

diferente com algo que seja comum ao nosso mundo. Este é um movimento que fazemos

cotidianamente, sem refletir sobre esta dinâmica. “De lo dicho se desprende que la totalidad de nuestra

experiencia está situada dentro de un horizonte, que hace que todo lo que se encuentra en mi mundo

me sea "comprensible" (DUSSEL, 1995, p. 87).

Neste momento, Dussel nos chama a atenção para o conceito de existência que foi sendo

construído pela filosofia contemporânea como “ser-no-mundo” e que esta existência acarreta uma

obviedade de se estar no mundo que gera cruéis interpretações, já que esta existência, por ser óbvia,

passa a não ser crítica e tende a interpretar o diferente dentro de um mesmo horizonte. Dussel (1995,

p. 88) vai nos dizer que “Este modo de existir sin conciencia crítica es lo que se llama existencial.

Existencial es el modo cotidiano de ser en el mundo, de existir obvia y cotidianamente, sin crisis”.

Até aqui, Dussel nos apresentou uma proposta de pensar desde a cotidianidade, desde o mundo

em que estamos vivendo de forma óbvia, sem crise. Veremos que há uma busca por um método que

parte da cotidianidade, do óbvio para compreensões do mundo cada vez mais complexas.

Num primeiro momento é proposta uma compreensão existencial. “Comprensión existencial

es, entonces, el modo cotidiano y no crítico por el que abarco la totalidad de mi experiencia. Esto há

sido llamado, también, la posición natural. "Posición", porque es lo mismo que el existir; es

la"posición" del mí mismo en el mundo; natural, porque es lo contrario a una posición crítica. Todas

estas nociones que estoy usando son de Heidegger, de Husserl, etc. Comprensión existencial, quiere

indicar por ello; la comprensión cotidiana” (DUSSEL, 1995, p. 89). Aqui é importante destacar que

o trabalho filosófico de Dussel, propõe o diálogo crítico com filósofos europeus, interpelando-os com

uma voz latino-americana que denuncia o eurocentrismo (que desqualificou outros horizontes) e

anuncia uma filosofia da libertação que parta da periferia deste mundo totalizado por países do norte.

Esta compreensão existencial, não-crítica, na nossa perspectiva de análise, se assemelha ao

conceito de weltanschauung, que apontamos anteriormente, por indicar uma compreensão primeira

que esta desprovida de qualquer reflexão.

Num segundo momento, Dussel propõe uma compreensão fundamental, aquela que, em

processo, deriva-se da compreensão existencial. “Fundamental, en el sentido que es una comprensión

que se abre a lo que en filosofía llamamos el "fundamento". Fundamento es una palabra castellana

que indica lo que los griegos llamaban eínai (ser) o physis...” (DUSSEL, 1995, p. 89). O fundamento

do mundo esta relacionado com o sentido do ser (DUSSEL, 1995, p. 90). Dussel nos apresenta, como

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exemplo, como o sol era significado em diferentes perspectivas. Para cada fundamento teremos um

sentido do ser. Parece que giramos o sentido do ser e o sentido que damos as coisas conforme o

fundamento do nosso mundo. Esta compreensão fundamental é chamada de totalidade de sentido

(DUSSEL, 1995, p. 90).

“Si tengo como fundamento primero el "estar-en-la-riqueza", todo lo que esté en mi derredor

lo consideraré sólo desde allí” (DUSSEL, 1995, p. 90). Ou seja, o cotidiano faz com que o fundamento

do nosso mundo seja óbvio e vamos buscando o nosso sentido de ser de forma não-crítica e,

cotidianamente, estamos vivendo diversas circunstâncias em busca de estar sendo em um mundo

fundamentado. Esta discussão é importante para compreendermos a ideia de cosmovisão, de visão de

mundo, de weltanschauung, uma vez que nos mostra a relação entre o fundamento do mundo e o

sentido do ser, ou seja, de como o cotidiano que vivemos de forma não-crítica nos lança em um mundo

fundamentado, no qual vamos nos constituindo. O óbvio, por isso, é cruel por justificar, muitas vezes,

atitudes e ações que não enfrentadas de forma crítica. “Adviertan, entonces, que es la comprensión

existencial cotidiana la que permite que todo lo que nos rodea se nos aparezca como importante; lo

más importante es el fundamento y se nos pasa absolutamente desapercibido. En el fondo, somos

llevados como "de la nariz" por el fundamento y nos creemos señores de los entes, entes que nunca

nos descubren del todo lo que tienen detrás...” (DUSSEL, 1995, p. 92).

La comprensión de la totalidad, no es sólo una estática comprensión de lo que me rodea, sino

que el ser o la totalidad de sentido de una época está siempre pendiente de un futuro adviniente. La

palabra adviniente significa que voy (ad- ) hacia lo que viene desde adelante como fruto. Quiero decir

que el fundamento de lo que llamé mundo (el de mi barrio, por ejemplo) no es simplemente lo que se

está dando, sino que es principalmente el proyecto de existencia que soy, que nosotros somos, que un

pueblo es (DUSSEL, 1995, p. 92).

Aqui temos a ideia de projeto de existência que permite um vir-a-ser-no-mundo e não somente

um ser-no-mundo, ou seja, temos aqui uma abertura para possibilidades e uma compreensão dinâmica

de um mundo que também está sendo, pois somente podemos falar em projeto quando vislumbramos

um futuro. Todavia, estar no mundo, significa que estou sendo condicionado por uma história da

própria humanidade. Dussel (1995, p. 94) propõe o seguinte esquema:

Esquema 1. Mundo, temporalidad y posibilidades

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Momento p: passado que me condiciona

Momento f: projeto

a, b, c: possibilidades

Es decir, el pasado condiciona o emplaza un proyecto futuro; desde ese proyecto se abren las

posibilidades (a, b, c, que tienden a f) que empuño en mi presente (DUSSEL, 1995, p. 94). Es por

eso, entonces, que el ser del hombre en su mundo no es solamente un puro presente abstracto, sino

que el ser del hombre es un sido que, como poder-ser, empuña ciertas posibilidades. Por ello lo que

"estoy siendo" es lo de menos, porque lo que estoy siendo se define como me comprendo poder-ser;

desde el proyecto se abren las posibilidades (DUSSEL, 1995, p. 95).

Há, portanto, uma compreensão do mundo condicionada por um passado e motivada por um

futuro que se desdobra em possibilidades. Esta ideia dialoga com o conceito de cosmoconvivência

andina que abordamos em outro texto, porém o mundo humano ainda é central e não apenas

constituinte de uma relação harmoniosa com outros mundos (da natureza, dos espíritos, dos animais,

das energias).

Após abordar a compreensão existencial e a compreensão fundamental, Dussel apresenta a

compreensão dialética do ser.

El hombre que es en el mundo, es en el mundo comprendiéndose existencial y

cotidianamente como poder-ser, es decir desde el futuro, y como es desde el futuro,

ese mundo no es un mundo estático, sino desplegable: a medida que un niño o un

pueblo van creciendo, los horizontes se van sucediendo. Horizonte significa lo

mismo que lógos; lógos es lo que abarca y diá en griego, significa "a través de". De

ahí que dia-léctica quiere decir: "atravesar el horizonte", abrirse a otro horizonte

para a su vez atravesarlo también sucesivamente. La comprensión cotidiana como

futuro es dialéctica, en el sentido que va pasando de un horizonte a otro y va

creciendo” (DUSSEL, 1995, p. 96). “Puedo afirmar que conozco algo desde un

horizonte, pero inmediatamente otro horizonte fluye como futuro o como

espacialmente incomprensible, lo que nos hace ver que esta comprensión está

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continuamente en movimiento (DUSSEL, 1995, p. 97).

Y bien, a ese modo de enfrentarme comprensivamente a un ente en mi mundo le

vamos a llamar comprensión derivada (DUSSEL, 1995, p. 99).

Primero, la comprensión derivada va a ser el momento en que me enfrente a algo,

pero todavía en general. Por ejemplo, cuando tomo una tiza o digo: "Es una tiza", se

trata de un objeto. Antes que "tiza" es un trozo de yeso en forma cilíndrica, que puede

tener muchos sentidos; uno, el de servir "para" escribir sobre el pizarrón, pero

también podría tirarla contra alguien y entonces tendría la "función-de" arma, o

también podría tener la "función-de" sacar una mancha de tinta que hubiera caído

sobre un papel Es decir, "esto" no es únicamente "tiza" sino que antes que como tiza

la comprendo en su consistencia, en su estructura, en su constitución. Ese primer

modo de abordar algo es lo que queremos llamar comprensión derivada (DUSSEL,

1995, p. 100).

Es decir, el primer acceso al ente de manera global lo llamamos comprensión

derivada. Pero acceder al ente como "algo" es la interpretación propiamente dicha.

Lo que interpreto se llama sentido (DUSSEL, 1995, p. 101).

Estamos siempre en la actualidad práctica; ésa es la que nos interesa primeramente.

La teoría, la ciencia, y todas estas actitudes, aun las más especulativas, todas ellas

son posteriores; son actitudes segundas, porque son re-flexión, es decir uno se

flexiona, se vuelve sobre lo cotidiano, y lo cotidiano es siempre práctico. Por esto la

actitud práctica es fundamental, y aquellos que piensan que hay prioridad de la praxis

y posterioridad de la teoría, enuncian un principio obvio, el que inevitablemente

cumplimos siempre. Estamos siempre en praxis. Aun la de la ciencia es una actitud

práctica, porque la ciencia (pensemos en un matemático frente a su computadora)

tiene una actitud teórica, pero su intención y proyecto último es práctico. Está

prácticamente teorizando. Así es como el hombre no puede sino estar siempre en una

vida que es la existencial, y ahora sí, al decir existencial, que es el modo cotidiano

de ser en el mundo, podemos aclarar que es lo mismo que comprensión práctica,

porque es la primera y concreta experiencia. Todo esto suele ser distinguido del modo

de las ciencias del espíritu o humanas, donde se privilegia la actitud teórica sobre la

existencial y, en el fondo, se piensa como Descartes: "Pienso luego existo". En este

caso, se afirma que la actitud fundamental del hombre es el pensar teórico, pero no

es así. El "yo pienso" es una actitud segunda, porque pienso lo ya- dado en mi mundo,

que antes comprendí existencialmente y manipulé todos los días. Cuando me puse a

pensar, por ejemplo, lo que era el martillo, lo hice ya desde mi mundo; puse entre

paréntesis mi mundo práctico y me puse a pensar sobre algo. Ese pensar en una

actitud fundada; no puede ser primera, sino que es segunda (DUSSEL, 1995, p. 106-

107).

No segundo capítulo de “Introducción a la Filosofia de la Liberación” Dussel aponta que a

totalidade do mundo foi tema de uma construção ontológica na filosofia ocidental, a qual foi colocada

em debate para uma possível superação do mundo, buscando-se o que levaria para além do mundo

totalizado. Vai dizer que para Hegel a totalidade do mundo era a razão. “Hegel pensaba, también, que

la totalidad del mundo era el ser; "el ser es 'lo mismo' que la razón". Lo que es razonable o

racionalizable, es "lo mismo" que lo que es; y lo que no es racionalizable no es” (DUSSEL, 1995, p.

110). Feuerbach, criticando Hegel, vai apontar que o sensível permite aceder o real. “Puedo pensar

algo, pero puede que no sea real. La sensibilidad accede al más allá; si no lo sensibiliza, quiere decir

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que era un puro objeto del entendimiento. La sensibilidad llega más allá que el puro entendimiento”

(DUSSEL, 1995, p. 110). Dussel vai dizer, também, que Kant foi que relacionou o real com o sensível.

“Según Kant la diferencia entre un objeto posible y su existencia real se encuentra en que lo real es

sensible” (DUSSEL, 1995, p. 110). Esta observação acerca do que Kant aponta sobre a relação entre

o real e o sensível está em uma das possíveis origens do termo weltanschauung. Assumindo a falta de

consenso em datar precisamente a aparição da palavra weltanschauung na literatura, os autores

cristãos, anteriormente estudados, adotam, como uma possível origem do termo, a obra Crítica do

Juízo, de Immanuel Kant, na qual weltanschauung teria sido empregada para definir “a capacidade

humana de perceber a realidade sensível” (OLIVEIRA, 2008, p. 33). Ainda na busca de uma possível

superação da totalidade ontológica, Dussel afirma que Marx vai propor que não é nem a razão e nem

o sensível que acede o real e sim a intuição que move um processo de produção para que seja

materializado tanto o sensível, quanto o pensado. Aí então a importância do trabalho que materializa

a produção. “Vale decir que lo que realmente accede a la constitución real del más allá del pensar no

es la sensibilidad, sino el trabajo productor. y de ahí, entonces, que el trabajo es lo que constituye lo

que está más allá de la sensibilidad y de la razón: lo real” (DUSSEL, 1995, p. 110). Cabe destacar

aqui também, uma passagem a respeito do pensamento de Schelling que traz a categoria revelação.

El filósofo afirma que, cuando alguien se revela, manifiesta una verdad que está más

allá de las posibilidades de la razón, lo que no significa que esa verdad sea irracional,

sino que es supremamente racional porque indica el origen al cual la propia razón no

podrá llegar. La razón llega hasta el fundamento, pero jamás puede llegar hasta donde

el Otro se revela; hasta su libertad (DUSSEL, 1995, p. 237).

Todas las descripciones ontológicas de Heidegger o de Husserl, todas las descripciones de

Hegel, de Feuerbach y de Marx, en el fondo, tienen como última categoría la totalidad (DUSSEL,

1995, p. 110).

Após demonstrar como a categoria totalidade foi sendo forjada pela filosofia ocidental, Dussel

nos mostra como ela foi sendo colocada em função de uma totalização do mundo europeu e de uma

negação da exterioridade como alteridade. Desta discussão podemos apreender como irrompe o Outro

e como este Outro se torna outro em uma perspectiva totalizante. Desde esta perspectiva, o outro é

coisificado e se torna objeto em função de se atingir o projeto do colonizador europeu. Há, portanto,

uma ontologia constituída pela história da filosofia ocidental que justifica a desqualificação do Outro

e a utilização deste outro como objeto. Dussel vai apontar que a filosofia da libertação reconhece este

outro como Outro que possui também outras perspectivas de mundo e que, colocado em diálogo, é

possível a construção de uma filosofia desde a exterioridade, possibilitando pensar mais além de um

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mundo totalizado cerrado e centrado na perspectiva do homem europeu.

No último capítulo do livro “Introducción a la Filosofia de la Liberación” Dussel vai propor

um método para se pensar desde a América Latina. Esta proposta é muito importante para

compreendermos um processo crítico de reflexão que vai se dando na prática e que pode influenciar,

portanto, posturas epistemológicas e metodológicas. Dussel nos apresenta a etimologia da palavra

método. “Recordando que método, metà-ódos, es subir a través del camino, es saber caminar, es saber

resolver las cuestiones que se van presentando...” (DUSSEL, 1995, p. 221).

Num primeiro momento aponta que é preciso uma crise da cotidianidade, crise no sentido de

separação, de ruptura que permite a quem sofre poder pensar o porque de se estar sofrendo (DUSSEL,

1995, p. 222). Seria, na nossa perspectiva, a superação da compreensão existencial que é, como vimos

anteriormente, não-crítica. Num segundo momento é preciso voltar ao mundo, desde a cotidianidade,

agora em crise, para se buscar o fundamento do mundo que está entranhada na nossa rotina cotidiana

e que se esconde atrás da obviedade. O fundamento do mundo é o que condiciona, como vimos, o

nossa constituição de ser é o que funda a totalidade de sentido do mundo em que estou inserido. Seria,

na nossa perspectiva, a compreensão fundamental, aquela que nos aponta o sentido e que nos move

no cotidiano. Romper com a obviedade do fundamento do mundo é escancarar o projeto de um mundo

totalizado. Desde aí é possível, então, compreender o sentido do ser que não é estático, mas que é

condicionado por um passado e que vislumbra um futuro por meio de um projeto. A dinamicidade da

constituição do sentido do ser permite romper com quaisquer determinismos e buscar a transformação

do mundo. “Al cambiar el sentido del ser cambia todo lo que acontece en el mundo (DUSSEL, 1995,

p. 227).

Subrepticiamente, el horizonte del que hablamos es presentado por Heidegger con la

palabra "mundo". La descripción es del "ser-en-el-mundo"; esto significa: soy único

y mi mundo es único; es la totalidad neutra, inocente. Parecería que de esta manera

hemos llegado al fin, al fundamento. En realidad, esa totalidad es opresora; es la

totalidad europea del siglo XV al siglo XX que colocó a otros hombres como si

fueran cosas en su mundo; los "comprendió" en su cotidianidad y los pensó en su

filosofía ontológico-dialéctica. Este mundo se pensó único, neutro, natural,

incondicionado y exclusivo punto de apoyo de todo pensar posible. El Otro fue

reducido a ser un ente dentro de tal mundo. Esto es lo que hay que cuestionar, porque

América latina es exterior a ese mundo que tiene por centro un "yo" europeo. Cuando

Heidegger dice "el hombre existe", está afirmando la existencia de Europa y la

descripción la hace desde su tradición a la que toma como la tradición de todo

hombre. América latina es exterior, como América latina, pero de hecho está siendo

considerada por Europa como "interior" a ella (DUSSEL, 1995, p. 231).

Dussel tece a crítica aos métodos que foram sendo utilizados pelos filósofos ocidentais para

uma construção de uma totalidade ontológica e, posteriormente, a tentativa de superação de tal

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totalidade.

El método ontológico no nos basta; debemos realizar la superación de la ontología,

superación que Heidegger quiso cumplir pero que nunca pudo concretar. Más allá de

la ontología está la meta-física; desde este punto de vista, la physis significa la

totalidad o el fundamento en el sentido de los griegos y metà - significa lo que está

"más-allá". El método meta-físico, que no es solamente ontológico, opera de otra

manera. Esta otra manera es el descubrir un más allá del mundo que es dado cuando

el Otro pro-voca y -como dije al comienzo- su palabra viene del"más-allá" del

horizonte del mundo. En griego, "más allá" y "más alto" se dicen aná y la "palabra":

lógos; de tal manera que ana-lógos significa (en su sentido etimológico, en el sentido

radical: "ana-lógico") "la palabra que irrumpe en el mundo desde más allá del

mundo"; más allá del fundamento. El método ontológico-dialéctico llega hasta el

fundamento del mundo, aun como futuro, pero se detiene ante el Otro como un rostro

de misterio y libertad, de historia dis-tinta. Adviertan que uso la palabra "dis-tinta"

y no "di-ferente". La identidad se diferencia en los entes de la totalidad; la identidad

y la diferencia son dos modos de la totalidad; en tanto que la distinción es aquello

que es desde siempre "otro", que nunca ha habitado en comunidad y por lo tanto no

puede diferir. Diferir es lo que, habiendo estado unido, ha sido llevado a la dualidad;

porque se ha dado un momento de unidad primigenia es posible el retorno a la unidad

y el retorno es el principio de la totalidad. En cambio, si el Otro ha sido

originariamente distinto, no hay diferencia ni retorno; hay historia, hay crisis; es una

cuestión totalmente diversa. De esta manera, el Otro es originariamente dis-tinto y

su palabra es ana-lógica, en el sentido de que su lógos irrumpe interpelante desde

más allá de mi comprensión; viene a mi encuentro (DUSSEL, 1995, p. 233 – 234).

Após esta crítica, Dussel propõe o método analético que seria o método meta-físico.

Al método meta-físico lo llamaré "ana-léctico" y es distinto del método "dia-

léctico". Este último va de un horizonte a otro hasta llegar al primero donde esclarece

su pensar; dialéctico es un "a-través-de". En cambio, ana-léctico quiere significar

que el lógos "viene de más-allá"; es decir, que hay un primer momento en el que

surge una palabra interpelante, más allá del mundo, que es el punto de apoyo del

método dialéctico porque pasa del orden antiguo al orden nuevo. Ese movimiento de

un orden a otro es dialéctico, pero es el Otro como oprimido el punto de partida.

Piensen ustedes que si estoy en un horizonte y me avanzo hacia otro segundo, y de

allí a un tercero, ese pasaje o crecimiento es dialéctico. En cambio, si es el Otro el

punto de apoyo para el pasaje o crecimiento, voy desplazándome en la medida en

que el Otro me recibe, me interpela. La cuestión es pues distinta. El método ana-

léctico surge desde el Otro y avanza dialécticamente; hay una discontinuidad que

surge de la libertad del Otro. Este método, tiene en cuenta la palabra del Otro como

otro, implementa dialécticamente todas las mediaciones necesarias para responder a

essa palabra, se compromete por la fe en la palabra histórica y da todos esos pasos

esperando el día lejano en que pueda vivir con el Otro y pensar su palabra, es el

método ana-léctico. Método de liberación, pedagógica analéctica de liberación

(DUSSEL, 1995, p. 235 – 236).

Referências

DUSSEL, Enrique. Introducción a la filosofía de la liberación. Bogotá/Colômbia: Editorial

Nueva América, 1995. Versão digital disponível em:

http://www.enriquedussel.com/DVD%20Obras%20Enrique%20Dussel/html/14.html

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A construção dos sentidos na cotidianidade e a cosmovisão: um estudo sobre a Filosofia de la

Liberación de Enrique Dussel

Sara Ferreira de Almeida

Reijane Salazar Costa

Introdução aos conceitos

A Filosofia da Libertação corresponde a uma etapa argentina, cujos argumentos são expostos

em 5 partes. A arquitetônica é introduzida por uma “Histórica” (capítulo 1) para situar o discurso no

Terceiro Mundo. A guerra suja da Argentina colocava no discurso filosófico seu contexto geopolítico.

O primeiro passo (capítulo 2) era a descrição das categorias (ou metacategorias) abstratas:

Proximidade (metacategoria prática ou ética por excelência); Totalidade; Mediações; Exterioridade;

Alienação e Libertação. Todos eles podiam aplicar-se em um segundo momento, em níveis práticos

de maior concretude (capítulo 3): a Política de libertação, a Erótica de libertação, a Pedagógica de

libertação e o âmbito do antifetichismo (DUSSEL, s/a p. 23, tradução nossa).

Em um nível mais concreto e na ordem para descrever as mediações das relações práticas,

aparecem as “relações poiéticas” com a “natureza” (capítulo 4). Em primeiro lugar a natureza se

transformará em física (questão etimológica). A primitiva “semiótica” se desdobra em semiótica e

pragmática (em especial no diálogo com a Escola de Frankfurt atual); a “econômica” se coloca depois

da “poiética” (a que se transformará na tecnológica”) e cobra agora todo seu sentido. A “pragmática”

e a “econômica” são os momentos práticos das mediações poiéticas ou produtivas (semiótica e

tecnológica) e por último as questões de método (capítulo 5), onde o assunto argumentativo central é

a analética (DUSSEL, s/a, p. 23-24, tradução nossa).

Embora Dussel não trate diretamente o conceito de cosmovisão, acreditamos que ele nos

apresenta claros indícios sobre as bases metafísicas para composição de uma determinada visão de

mundo que se movimenta do centro à periferia e dessa para si mesma e de volta ao centro, constituindo

uma dialética cotidiana. Assim, julgamos relevante trazer as reflexões desse autor como uma das

referências centrais ao aprofundamento de nossas compreensões sobre cosmovisões diversas que se

contrapõem, muitas vezes, àquela(s) desenvolvida(s) pelos povos tidos como de centro - europeu e

estadunidense.

La filosofía de la liberación pretende así formular una metafísica - que no es la

ontología exigida por la práxis revolucionaria y la poíesis tecnológica diseñante,

desde la formación social periférica, que se estructura en modos de producción

complejamente entrelazados. Para ello es necesario destituir al ser de su pretendida

fundamentalidad eterna y divina; negar la religión fetichista; mostrar a la ontología

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como la ideología de las ideologías; desenmascarar los funcionalismos, sean

estructuralistas, lógico-cientificistas o matematizantes, que al pretender que la razón

no puede criticar dialécticamente el todo, lo afirma por más analíticamente que

critiquen u operativicen sus partes; describir el sentido de la praxis de liberación que

sólo abstractamente vislumbraron los críticos post- hegelianos de izquierda europeos

y que sólo la praxis de los actuales pueblos oprimidos de la periferia, los trabajadores

asalariados ante el capital, de la mujer violada por el machismo y del hijo

domesticado pueden en realidade revelarnos (DUSSEL, 1977, p. 27).

Para Dussel toda proximidade gera distanciamento que é formado por momentos e ambos

acontecem dentro de um espaço tempo, dentro de uma totalidade onde cada um tem uma função, não

estão jogados aleatoriamente, isoladamente. Essa totalidade é o mundo ou o horizonte cotidiano do

qual fazemos parte, onde vivemos. Sendo assim, o mundo é uma totalidade instrumental, de sentido.

Nele encontram-se todos os entes, as coisas que nos rodeiam caoticamente. Dussel diz que não se

trata do cosmos como totalidade de coisas reais, mas da totalidade de entes com sentido.

Em primeiro lugar vem a proximidade que cede lugar ao distanciamento que dá início às

experiências sensitivas que vão ganhando sentidos diversos. É assim que Dussel constrói a ideia do

surgimento do horizonte, do mundo de uma criança. Sendo assim, o mundo é uma totalidade, limite

onde as coisas ganham sentidos, totalidade de totalidades. Segundo o autor, “Em nossa sociedade, a

totalidade do ser se fundamenta no valor, no capital. Desde o fundamento do capital se desdobra o

mundo como totalidade concreta, histórica” (DUSSEL, 1975, p. 37) e essa explicação é demonstrada

no diagrama seguinte:

Dussel designa a palavra “cosmos” que é de origem grega, como a totalidade das coisas reais

que são conhecidas pelo ser humano, ao passo que “mundo”, cuja etimologia é latina, designa a

totalidade de sentido compreendida pelo horizonte fundamental, ou seja, a totalidade dos entes (reais,

possíveis ou imaginários). Sem o ser humano o mundo não seria mundo, mas cosmos, pois é ele que

confere sentido às coisas tornando o mundo uma realidade cósmica.

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Dussel critica o idealismo que defende o mundo como única realidade. Também critica o

realismo e o materialismo, ambos ingênuos, que tratam o cosmos como única realidade. Ele justifica

sua crítica rebatendo que o cosmos é uma realidade anterior e parcial e que o mundo é mundo porque

o ser humano o confere sentido. Completa que “Em nossa sociedade, a realidade do cosmos foi em

parte subsumida pelo capital, e desde sua própria lógica tende a destruí-lo (o cosmos, grifo meu)

desde um mundo fundado na exigência de alcançar sempre e em todo caso a mais-valia, mais

ganância” (DUSSEL, 1977, p. 39).

Para o autor, o mundo cotidiano é totalidade em um tempo espaço e assim é uma retenção do

passado e um posicionamento do projeto futuro e um viver as possibilidades que dependem do futuro.

Como totalidade espacial o mundo situa os seres humanos no centro e os objetos ao seu redor, uns

mais próximos outros mais distantes, de acordo com o grau de sentido que a cada um é conferido.

Nesse sentido, a filosofia europeia se importa e dá relevância à temporalidade privilegiando o projeto,

o futuro e, de acordo com Dussel, “dar preeminência à temporalidade futura é privilegiar o que já sou

ou somos”, ou seja, há um modelo único a ser seguido como projeto futuro, o padrão europeu.

O fundamento de um sistema ou de um ser é o que explica a totalidade e o ser humano

compreende o mundo como totalidade. Assim, compreender é entender e propor ao mundo o

horizonte vigente da interpretação, na medida em que o ato de compreender é preconceitual, ou seja,

o fundamento da conceitualização. A compreensão é fundamental e cotidiana e a interpretação

constitui o sentido. O descobrimento da realidade de uma coisa como momento do mundo é

compreensão derivada ou interpretação fundante. Primeiro momento do conceito, mas ainda não é

intepretação plena.

Segundo Dussel, a constituição real da coisa não é sua manifestação mundana. A denominada

constituição real conhecida ou fenomênica não é o sentido interpretado. É nesse sentido que o autor

traz a dialética do cotidiano, como movimento de um horizonte a outro que os seres humanos

alcançam objetivando compreender o que está a sua volta. A totalidade do mundo não se fixa, porque

o ser humano vai incorporando entes em seu mundo fazendo o horizonte de seu mundo se desdobrar

para compreender esses entes. Essas são as experiências que vão passando desde a infância até a

senilidade diferentemente do instinto que é o horizonte dos demais seres vivos. Esse movimento da

totalidade é dialético.

O autor explica como os entes e as coisas foram se tornando mediações na medida em que

foram ganhando sentido para os seres humanos, fazendo surgir a coisa-cultural que não é uma mera

coisa, mas é ente no mundo. “Em nossa sociedade, o dinheiro, o produto e a mercadoria são

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fenômenos do capital; é a forma como aparece “no mundo das mercadorias”. O valor como valor (o

ser do capital) é invisível, nunca aparece como tal; somente se manifesta em seus fenômenos”

(DUSSEL, 1975, p. 47).

O sentido é atribuído pelo ser humano enquanto interpreta o fenômeno visto. Tal atribuição

de sentido possui suas intencionalidades, tal como a água que é potável quando se tem sede, ou que

pode servir para apagar o fogo. Essa atribuição de sentido depende e está diretamente relacionada à

realidade. Dessa maneira, Dussel afirma que não há fenômeno sem a constituição de sentido (p. 50)

e o sentido não é apenas teórico conceitual, mas existencial cotidiano porque é como algo se integra

ao “para” de uma ação prática ou poiética. É aí que entra a questão da percepção como a totalidade

fenomênica sensível, constituída por unidades indivisíveis de sensações eidéticas (envolve a memória

vívida de coisas vistas).

O sentido como estrutura essencial do ente, se interpreta conceitualmente no nível existencial

cotidiano ou teórico crítico, respectivamente ao mundo como totalidade do fenômeno. O que está

presente no mundo humano é possibilidade, mediação. O trabalho humano tem sempre uma

intencionalidade, um projeto que faz uma rede de ideias, de caminhos se movimentarem no alcance

do objetivo vislumbrado.

“Em nossa sociedade, o trabalhador é “livre”; mas não livre no sentido de que tenha liberdade-

para, mas livre na falta de terra, meios de produção e subsistência; liberdade como “pobreza absoluta”,

como “despojamento total”, como ele que só tem seu próprio trabalho para vender” (DUSSE, 1977,

p. 55). A exterioridade é, de acordo com Dussel, a principal categoria da filosofia da liberdade porque

se trata da ferramenta interpretativa que possibilita o discurso filosófico desde a periferia, desde o

oprimido. Sendo assim, é um discurso novo porque parte da exterioridade e não do centro.

Não se trata da metáfora espacial da exterioridade como “transcendentalidade interior” em

que o sujeito é visto e tratado como sujeito dentro do sistema. São diferentes. No meio de todas as

coisas e entes que nos rodeiam, surge um rosto que é o rosto do outro, de outro ser humano que nos

provoca que não quer ser parte da totalidade instrumental. Não é algo, é alguém. No entanto, é

igualmente exterioridade, “pleno nada”, o pobre desocupado pelo capital e expulso do “mundo”

(DUSSEL, 1977, p. 57). Dussel explica que se o ser fundamenta todo o sistema que é o mundo

cotidiano, então há outra realidade para além do ser, assim como há cosmos além do mundo. Nesse

sentido, para além dos condicionamentos da totalidade, do mundo, cujo sentido lhe foi atribuído, há

o outro que é o oposto e que pode dizer que é outro, que é ser humano e que tem direitos. Quando

isso acontece é colocada em evidência a exterioridade prática do sistema ou a transcendentalidade

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interna como é o caso da fome que subverte a ordem que mantêm o sistema operando e exige sua

mudança radical.

Dussel passa então a falar sobre a realidade, a essência e a existência, que para ele precisam

ganhar novos sentidos. Sendo assim, a realidade é totalidade constituída, unidade relativa de toda sua

substantividade (existência). O real é o cosmos como totalidade e a existência é a criatura, momento

do cosmos real, atualidade da realidade constituída. A essência constitutiva é individual e é ela que

efetua a realidade da coisa que existe desde si. Somente o ser humano é em realidade uma

substantividade, é realmente coisa que tem história.

O ato de pesquisar

De acordo com Dussel em sua Filosofia da Libertação, o momento analético se situa dentro

do método dialético positivo ou metafísico cujo exercício e desenvolvimento concreto é prático,

poiético ou científico crítico ao nível das ciências humanas. Num primeiro momento a totalidade é

posta em questionamento a partir da interpelação que é provocativa. Para isso é preciso ter consciência

ética para saber ouvir a palavra do outro, para então saber interpretá-la adequadamente. Após, é

preciso se lançar à práxis com e pelo oprimido. O primordial na analética é a práxis que possibilita a

compreensão e o esclarecimento que se dá a partir do acesso à exterioridade. Em síntese, a analética

se trata de ter outros olhos, oferecer ouvidos e criar teorias para tal exterioridade.

O momento analético é a afirmação da exterioridade: não é somente negação da

negação do sistema desde a afirmação da totalidade. É superação da totalidade, mas

não somente como atualidade do que está em potência no sistema. É a superação da

totalidade desde a transcendentalidade interna ou exterioridade, o que nunca esteve

dentro. Afirmar a exterioridade é realizar o impossível para o sistema; é realizar o

novo, o imprevisível para a totalidade, o que surge desde a liberdade incondicionada,

revolucionária, inovadora (DUSSEL 1975, p. 188).

Segundo Dussel, as ciências humanas e sociais não podem lançar mão de métodos utilizados

pelas ciências fáticas, ao contrário, precisam introduzir o momento dialético e analético por tudo que

já foi explicado anteriormente. Para ele, a ciência e a tecnologia são necessárias ao processo de

libertação, porém, a pior marca e peso para a inteligência e desenvolvimento são os cientificismos

que importam ciência pretendidamente incontaminada (ideológica). É por isso que, mesmo a

dialética, quando afirma a totalidade como único horizonte, afirma o projeto do sistema.

Nesse sentido, Dussel propõe uma ciência humana crítica que dê conta da totalidade com uma

consciência maximamente crítica que poderá interpretar os fenômenos do sistema a partir da

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exterioridade podendo descobrir a realidade com a maior lucidez, acuidade e profundidade. “Somente

os métodos críticos que constituem o processo analético são aptos para investigar proveitosamente

em favor das nações periféricas, das classes populares” (DUSSEL,1977, p. 198).

A obra estudada apresenta um marco teórico filosófico formado por categorias e momentos

necessários tendo em conta a realidade mundana e cósmica, como a natureza ou a cultura. Inicia pela

história, sendo que seu método evidencia as ideologias e ideias antiideológicas para justamente não

justificar o poder geopolítico mundial. Parte para o discurso ético – metafísico trazendo seus

fundamentos a partir do esclarecimento de categorias que por vezes são ônticos ou metafísicos, tais

como a: totalidade; exterioridade; proximidade; mediação; alienação; libertação. Assim, o discurso

dá conta do nível da prática que se estrutura nas categorias: política; erótica; pedagógica (mediação

da politica e erótica) e antifetichismo.

Tais categorias sustentam a poiética ou filosofia da produção que é discurso intraprático da

relação ser humano – natureza e parte da explicação da natureza e categoria da substantividade para

abrir o primeiro âmbito da poiética que é a semiótica e a política que é a mediação entre a prática e

poiética (ou tecnologia). O marco teórico se fecha então com a reflexão de um metadiscurso

metodológico: ciências fáticas e formais; método dialético negativo da totalidade; momento analético

ou da exterioridade; métodos práticos ou poiéticos onde se apoiam as ciências humanas; a alienação

metódica como ideologia e os métodos críticos onde se encontra a filosofia da libertação, cujo ponto

de partida é a escolha ético-política em favor do oprimido da periferia e sua lógica deve ser escrita.

Dussel aconselha então aqueles que querem seguir os passos da filosofia da libertação a eleger

um número reduzido de temas para serem refletidos, estudados, compreendidos profundamente. Essa

seleção deve ser feita a partir da escolha dos temas reais, dentre esses, os essenciais. A partir dos

essenciais, escolher os urgentes e dentre esses, os transcendentais, ou seja, aqueles que se referem ao

povo mais sofrido, faminto, desesperado. Os temas ideológicos devem ser tratados com o objetivo de

mostrar porque são ideológicos.

A partir desse esquema, é possível compreender que a filosofia da libertação, além de ser um

método de um pensar teórico, guarda analogia como conhecer prático ou poiético, porque é analético.

Por isso deve se estruturar a partir da voz do oprimido, sendo uma operação pedagógica e uma práxis

política e erótica. Para tanto, a filosofia precisa ter grande potência destrutiva porque não só assume

métodos críticos, como critica os métodos críticos desde um ângulo novo, desde a exterioridade.

Ademais, em sua perspectiva positiva, possui eficaz capacidade teórica construtiva, formulando

temas que urgem no mundo dos oprimidos.

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De todas as maneiras, uma filosofia nunca deveria ter justificado seu presente. Sua

justificativa era sua clarividência, sua clarividência sua operatividade: sua

operatividade seu realismo; seu realismo o fruto da práxis; a práxis de libertação foi

a causa de sua posição inóspito de resistência, fora do sistema. A exterioridade é o

lugar insondável da sabedoria dos povos vernáculos, dominados, pobres... Eles são

os professores dos sábios e a filosofia é a sabedoria (DUSSEL, 1977, p. 209, tradução

nossa).

Por fim, consideramos que o estudo da presente obra foi essencial ao desenvolvimento mais

aprofundado de nossas compreensões em torno da busca pelo reconhecimento das cosmovisões dos

povos oprimidos das nações periféricas no campo acadêmico científico, além de contribuir com o

desenvolvimento de nossas pesquisas, projetos profissionais e de vida, apresentando possibilidade

teórico metodológica que valoriza os conhecimentos, saberes de experiência e as cosmovisões das

classes populares.

Referências

DUSSEL, Enrique. Filosofia de la Liberación. 1. ed. México: EDICOL, 1977. 234 p. Disponível

em: < http://www.enriquedussel.com/libros.html#>. Acesso em: abr. 2012.

DUSSEL, Enrique. Autopercepción intelectual de un proceso histórico. En búsqueda del sentido

(origen y desarrollo de uma filosofia de la liberación). [S.n.t]. Disponível em: <

http://www.ifil.org/dussel/textos/00/02autopercepcion.pdf>. Acesso em: abr. 2012.

DUSSEL, Enrique. Enrique Dussel Filósofo. Disponível em:

<http://enriquedussel.com/Home_cas.html>. Acesso em: out. 2013.

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A práxis e a produção material da existência humana: um estudo do item Educação Libertadora,

contido no capítulo Educação, do livro Educação e Política de Ernani Maria Fiori

Djalma Ribeiro Junior

O presente texto é uma síntese de estudo do item Educação Libertadora, contido no capítulo

Educação, do livro Educação e Política de Ernani Maria Fiori. O estudo foi orientado pelo debate

acerca do conceito de cosmovisão, visão de mundo, weltanschauung, cosmoconvivência andina.

Compreendemos que o trabalho de Fiori, apresentado neste pequeno texto sobre a constituição da

existência humana e da consciência desta existência pode colaborar com o nosso debate.

Fiori também se debruça em debater o processo de libertação humana que, segundo ele, está

na raíz do processo educativo. Para tanto, propõe um método que está alicerçado na práxis (FIORI,

1991, p. 83).

Durante o texto podemos observar o esforço filosófico do autor para compreender a existência

humana e o processo que da conta da consciência desta existência. Este debate é interessante e dialoga

com o que vimos em Dussel acerca dos conceitos de totalidade de sentido, fundamento do mundo e

sentido do ser. Fiori coloca mais peso nos processos históricos e culturais.

O ser humano surge no momento em que objetiva seu mundo e, neste, objetiva-se, para aí

reconhecer-se como subjetividade. O ser humano não é o resultado de um encontro feliz da

subjetividade já dada com a objetividade independente e pronta. Sua origem permanente –

continuamente renovada – radica numa unidade primordial que se desenvolve dialeticamente,

enquanto subjetividade que emerge como movimento de objetividade a se constituir como mundo da

subjetividade. Nesse sentido, o ser humano é seu mundo, sua forma própria é a forma histórica do

seu mundo. A objetivação do ser humano no seu mundo histórico é existência, comportamento, práxis.

É práxis intersubjetiva e intersubjetivante: a subjetividade não poderia constituir-se num mundo

fechado em si mesmo, sem transparência na consciência humana, ou fechada na estreiteza de uma

consciência individual, separada dos demais. O mundo humano se constitui como humano

exatamente enquanto se faz e se re-faz na dimensão universal do espírito objetivo (FIORI, 1991, p.

84).

Deste trecho chamam a atenção dois pontos: a) a constituição do ser humano como “unidade

primordial” em movimento dialético entre subjetividade e objetividade, de modo que este movimento

não é individual, mas intersubjetivo e intersubjetivante e; b) a constituição do mundo humano no vai-

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vém (“continuamente renovado”) à “dimensão universal do espírito objetivo”.

Estes dois pontos permitem vislumbrarmos um processo de existência humana na prática, no

cotidiano, tal qual apontou Dussel quando destacamos a construção acerca da compreensão

existencial e da compreensão fundamental, todavia o centro de todas as compreensões do mundo ou

das objetivações do mundo estão na figura humana e que se limita, talvez, ao buscar garantir

universalidade ao processo de objetivação. Podemos, talvez, falar de mundo humano, como bem

aponta Fiori, mas deixamos de lado outros mundo conforme uma epistemologia andina nos sugere,

por exemplo.

Neste processo de buscar a constituição da existência humana e da consciência desta

existência, Fiori vai nos apresentar que tal constituição é histórica e está firmada na produção material

da existência. “Esse mundo histórico é estruturado, basicamente, pelas forças com que o ser humano

produz materialmente sua existência” (FIORI, 1991, p. 86). Mais adiante, podemos visualizar a

tentativa de uma construção epistemológica quando Fiori nos apresenta que “a verdade habita na

interioridade do processo histórico de produção real da existência humana” (FIORI, 1991, p. 88).

Temos mais uma vez uma ponte com o que vimos anteriormente em Dussel acerca da cotidianidade

que precisa ser superada para que possamos atingir um pensamento crítico.

Quanto mais coincide com o movimento real de sua historicização, tanto mais possibilidade

terá o ser humano de desvelar e conquistar o sentido do seu vir-a-ser-histórico. É o sentido que, em

cada momento do vir-a-ser, define os valores que justificam a existência. Inventá-los é a

responsabilidade de quem aceita os riscos da historicização: não é a elaboração teórica, é práxis

constitutiva do ser humano. (FIORI, 1991, p. 91).

Por essa práxis libertadora, o ser humano irá desmistificando e suprimindo as representações

sociais supra-estruturais para permitir que a vida e o amor, com mais espontaneidade, encontrem suas

causas racionais, através do processo intra-estrutural de produção real do ser humano. (FIORI, 1991,

p. 92).

Referência

FIORI, Ernani Maria. Textos Escolhidos: Educação e Política. V.2, Porto Alegre: Ed: L&PM, 1991

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Cosmovisão na perspectiva teo-referente: um estudo a partir dos textos Reflexões críticas sobre

weltanschauung: uma análise do processo de formação e compartilhamento de cosmovisão numa

perspectiva teo-referente escrito por Fabiano de Almeida Oliveira e Cosmovisão: do conceito à

prática na escola cristã, escrita por Mauro Meister

Djalma Ribeiro Junior

Reijane Salazar Costa

Trazemos para este estudo como o conceito de cosmovisão é trabalhado por autores

presbiterianos, cujo marco epistemológico é anunciado como teo-referente, ou seja, a centralidade de

Deus é o que postula a verdade e o entendimento. Partimos dos estudos de dois artigos: “Reflexões

críticas sobre weltanschauung: uma análise do processo de formação e compartilhamento de

cosmovisão numa perspetiva teo-referente”, escrita por Fabiano de Almeida Oliveira, teólogo,

filósofo e professor do Centro Presbiteriano de Pós-graduação Andrew Jumper e “Cosmovisão: do

conceito à prática na escola cristã”, escrita por Mauro Meister, teólogo e doutor em literatura semítica

e que também atua como professor do Centro Presbiteriano de Pós-graduação Andrew Jumper, ambos

são autores contemporêneos.

Os dois artigos estudados procuram construir uma trajetória filosófica da constituição do

conceito de cosmovisão e orientar este conceito em uma perspectiva teo-referente. A teo-referência é

trazida como um “conceito empregado para indicar que Deus é o ponto de referência último de toda

existência tanto do homem regenerado, pelo poder do Espírito e da Palavra de Deus, quanto do

homem não-regenerado” (OLIVEIRA, 2008, p. 31).

Há, portanto, uma postura assumida de como se abordará o conceito de cosmovisão e qual é

o campo de significado em que este conceito será orientado. “A teo-referência é a condição originária

de todo horizonte de compreensão e interpretação humanas. Isso quer dizer que a vida-no-mundo será

sempre encarada no interior de um campo de significado de amor ou de rebelião contra Deus”

(OLIVEIRA, 2008, p. 31).

Este pressuposto teórico, que aponta para uma inclinação ideológica pautada na centralidade

de Deus como referência epistemológica, corrobora a própria visão do Centro Presbiteriano de Pós-

graduação Andrew Jumper que traz em seu site a seguinte informação: “O Centro Presbiteriano de

Pós-Graduação Andrew Jumper (CPAJ) tem por finalidade principal capacitar professores para

seminários, institutos bíblicos e outras instituições de ensino teológico, bem como preparar outros

docentes e profissionais para atuarem alicerçados numa cosmovisão reformada em suas respectivas

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vocações. Dedica-se igualmente a capacitar obreiros para ministérios especializados e propiciar aos

interessados a oportunidade de continuarem e aprofundarem os seus estudos acadêmicos na área de

teologia, e, por essa razão, seus cursos são oferecidos sob autoridade da Igreja Presbiteriana do Brasil,

não possuindo vínculo ou credenciamento pelo MEC”21.

Os dois autores buscam na filosofia alemã a origem do conceito de cosmovisão, o qual seria

uma tradução da palavra weltanschauung que “é um substantivo feminino composto de duas palavras

alemãs: Welt – mundo, e Anschauung – concepção, percepção, intuição. Weltanschauungen é sua

forma plural. As diversas traduções do conceito são cosmovisão, biocosmovisão, concepção de

mundo, mundividência, visão de mundo e percepção de mundo, dentre outras possíveis em português,

e as já bem conhecidas worldview e life-worldview, em inglês” (OLIVEIRA, 2008, p. 33 e MEISTER,

2008, p. 176).

Esta definição da palavra weltanschauung e sua associação com a tradução para o conceito de

cosmovisão apontam para um panorama polissêmico em relação ao que seria, exatamente, a definição

do conceito de cosmovisão. Esta caráter polissêmico é importante para compreendermos como o

conceito pode flutuar de acordo com as inspirações teóricas e ideológicas do anunciante.

Assumindo a falta de consenso em datar precisamente a aparição da palavra weltanschauung

na literatura, os autores adotam, como uma possível origem do termo, a obra Crítica do Juízo, de

Immanuel Kant, na qual weltanschauung teria sido empregada para definir “a capacidade humana de

perceber a realidade sensível” (OLIVEIRA, 2008, p. 33). Adiante, Oliveira (2008, p. 34) aponta que

“Weltanschauung era muito associado com grandes sistemas metafísicos ou construções teóricas da

cultura (metanarrativas filosóficas, científicas e religiosas) como, por exemplo, se observa na obra de

idealistas e românticos alemães como G. W. F. Hegel (1770-1831), F. W. J. Schelling (1775-1854), J.

G. Herder (1744-1803), J. W. Goethe (1749-1832), etc. Weltanschauung era igualada à filosofia da

cultura ou do espírito absoluto”.

No percurso filosófico, proposto pelos autores em relação à consolidação do conceito de

cosmovisão, podemos observar que vai se construindo uma perspectiva ontológica na qual

weltanschauung definiria a orientação do próprio eu. Esta ontologia será trabalhada mais adiante, mas

não podemos esquecer que os autores estão trabalhando em uma perspectiva teo-referente.

Há um trecho do artigo de Oliveira (2008) que sintetiza a definição de cosmovisão em uma

perspectiva teo-referente e que expressa a visão de mundo dos autores. Citando um parágrafo do livro

21 Extraído do site http://www.mackenzie.br/teologia.html, acessado em 26/02/2013.

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Dando nome ao elefante, de James Sire, conclui que uma cosmovisão é um compromisso, uma

orientação fundamental do coração, que pode ser expresso como uma narrativa ou como um conjunto

de pressuposições (suposições que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou inteiramente

falsas) que nós sustentamos (consciente ou subconscientemente, consistente ou inconsistentemente)

sobre a constituição básica da realidade, e que fornece o fundamento sobre o qual nós vivemos, nos

movemos e existimos (OLIVEIRA, 2008, p. 35).

A partir desta definição de cosmovisão, extraída de James Sire, Oliveira (2008, p. 35 e 36)

conclui que “Weltanschauung é um conceito que indica, primordialmente, a orientação fundamental

do coração, que se manifesta na integralidade da experiência humana através da apreensão pré-

discursiva, tácita e abrangente da realidade, configurando um campo hermenêutico de significado por

meio do qual a vida-no-mundo é interpretada imediata e intuitivamente, podendo ser articulada

discursivamente através de conceitos e sistemas teóricos de pensamento. Weltanschauung é o estofo

de toda manifestação cultural e pode ser expressa esquematicamente como consistindo de camadas

ou matrizes sobrepostas de motivações, pressupostos, crenças, compromissos, certezas e ideias por

meio das quais se experiencia e se interpreta a realidade desde o nível subjetivo-privado ao nível

objetivo-institucional compartilhado pela sociedade”.

Esta definição de cosmovisão aponta para uma “orientação fundamental do coração”, ou seja,

aquilo que orienta o ser, que o move, que o faz viver. Em uma perspectiva teo-referente, Deus é

apontado na bíblia como aquele que toca o coração. “À luz de um campo de significado teo-referente,

o eu, ou coração, precisa ser necessariamente interpretado como instância fundamentalmente religiosa

ou coram Deo. Este tem sido o entendimento de vários autores cristãos destacados na história”

(OLIVEIRA, 2008, p. 37).

Há, portanto, uma ontologia fundada no coração como sendo a subjetividade do ser humano

que vive num mundo centrado em Deus, de onde parte todas as interpretações e sensações e que

orienta uma cosmovisão teo-referente, ou seja, centralizada em Deus. Nesta ontologia, “o coração

humano é essencialmente ser-para-Deus, ele é fundamentalmente religioso ou pactual. É possível

dizer, então, que este é o significado, aquilo que qualifica, a razão de ser do self humano”

(OLIVEIRA, 2008, p. 39).

Esta perspectiva teo-referente, trabalhada pelos autores, se consolida de forma universal.

“Embora nascida das intervenções sobrenaturais de Deus na história e, portanto, pontuada

culturalmente no tempo e no espaço, a Weltanschauung proposta pela Escritura é trans-histórica e

transcultural. Ou seja, os princípios e valores centrais da Palavra de Deus são de caráter universal e,

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por isso, se aplicam a todas as gentes de todas as épocas e culturas” (OLIVEIRA, 2008, p. 51).

Com esta conclusão, fica evidente a postura teórica e ideológica dos autores de construir um substrato

universal para o conceito de cosmovisão centrado e centralizado na figura de Deus. Trata-se de uma

perspectiva que bloqueia, impede e corre o risco de desqualificar outras perspectivas, uma vez que se

impõe como transcultural e trans-histórica. Este risco se potencializa quando Meister (2008, p. 178)

rivaliza a cosmovisão bíblica com a formação pedagógica dos professores, apontando que as escolas

de orientação religiosa cristã se afastaram da cosmovisão bíblica, tornando-se dependentes do

currículo, método e visão de mundo seculares. Assim, o professor cristão brasileiro sofre o impacto

de ter recebido, ao longo de todo o seu processo educacional, uma visão de mundo que não associa a

cosmovisão bíblica à pedagogia.

Mais adiante Meister (2008, p. 182) eleva a rivalidade entre a cosmovisão bíblica com outras

cosmovisões, definidas por ele como seculares, e que englobaria tendências históricas e culturais e,

num tom quase apologético aponta que “a missão da escola cristã, no entanto, não deve omitir o seu

diferencial básico em relação a qualquer outro tipo de educação: o fato de que fundamentamos nossa

motivação e processos em uma visão de mundo que contrasta com as cosmovisões seculares. A missão

da escola cristã que leva a sério o seu chamado para uma educação teísta, teo-referente, tem como

ponto de partida a existência de um Deus vivo, criador e redentor, o qual deve ser ouvido atentamente

em sua revelação nas Escrituras, na criação e na providência. Deixar de ouvir quaisquer destas três

vozes distorce a missão e leva-nos a um conhecimento parcial e distorcido da verdade”.

Podemos concluir que o conceito de cosmovisão apresentado nos artigos “Reflexões críticas

sobre weltanschauung: uma análise do processo de formação e compartilhamento de cosmovisão

numa perspectiva teo-referente”, escrita por Fabiano de Almeida Oliveira e “Cosmovisão: do conceito

à prática na escola cristã”, escrita por Mauro Meister apontam para uma tentativa de centralização da

cosmovisão na figura de Deus. Esta centralização, orientada por uma ontologia, cuja subjetividade

seria o coração, que é apontado na bíblia como sendo o elo de relacionamento entre o Deus e o ser

humano, acabaria por fundar, não apenas uma ontologia teo-referente, mas uma universalização do

conceito de cosmovisão. Ao propor a cosmovisão teo-referente como sendo transcultural e trans-

histórica, os autores impõe a construção de uma verdade única, centrada, mais uma vez, na figura de

Deus. Esta imposição de uma verdade universal, somente acessada dentro de um marco teo-referente,

impede o diálogo com outras perspectivas de mundo, potencializando um ambiente de negatividade,

suscetível à desqualificações e opressões.

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Referências

MEISTER, Mauro. Cosmovisão: do conceito à prática na escola cristã. Fides Reformata, São Paulo,

v. 13, n. 2, p. 175 – 190, 2008. Versão digital disponível em:

http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_XIII__2008__2/Cosmov

isao_-_Do_Conceito_a_Pratica_na_Escola_Crista__Mauro_Meister_.pdf

OLIVEIRA, Fabiano de Almeida. Reflexões críticas sobre weltanschauung: uma análise do processo

de formação e compartilhamento de cosmovisão numa perspectiva teo-referente. Fides Reformata,

São Paulo, v. 13, n. 1, p. 31- 52, 2008. Versão digital disponível em:

http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_XIII__2008__1/Reflexo

es_Criticas_sobre_Weltanschauung_-_Fabiano_de_Almeida_Oliveira.pdf

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Filosofia Andina e Racionalidade Andina: um estudo a partir de alguns textos de Josef

Estermann

Djalma Ribeiro Junior

Adriana Marcela Bogado

O presente texto é uma síntese de estudo dos seguintes trabalhos acadêmicos de Josef

Estermann:

a) “Vivir bien” como utopía política - La concepción andina del “vivir bien” (suma qamaña/allin kawsay)

y su aplicación en el socialismo democrático en Bolivia (2011);

b) Colonialidad, descolonización e interculturalidad - Apuntes desde la Filosofía Intercultural (2009);

c) Filosofia andina - elementos para la reivindicación el pensamiento colonizado. Artigo que faz parte do

Cuaderno de Investigación en Cultura y Tecnología Andina, Nº 12 (1997).

À estes trabalhos de Josef Estermann também se estabelece um breve diálogo com o seguinte

texto:

Racionalidad occidental e racionalidad andina. Artigo que faz parte do Cuaderno de

Investigación en Cultura y Tecnología Andina, Nº 12; escrito por Antonio Peña Cabrera

(1997);

Esta síntese tentará se remeter apenas à busca de identificar contribuições para um

conhecimento plural acerca do conceito de cosmovisão. Não será neste espaço que traremos

princípios que constituem uma perspectiva de mundo baseada em experiências de vida dos povos

andinos. Apenas pretenderemos ampliar o debate acerca de uma construção conceitual do que estamos

buscando definir como cosmovisão, traçando relações com outras expressões que encerram em si

conceitos e, consequentemente, uma postura diante do mundo.Josef Estermann empreende um

trabalho a fim de propor uma filosofia andina, que vai se construindo desde os povos Quechua e

Aimara. Há o reconhecimento do autor que este esforço esbarra em pontos de vistas diferentes e,

muitas vezes antagônicos em relação à tradição filosófica do ocidente. Ademais, a construção

conceitual de uma filosofia andina carece de palavras ocidentais que de conta de uma perspectiva que

parta da experiência de vida dos povos andinos.

Esto se debe en primer lugar al hecho de que las categorías filosóficas occidentales

no quadran con el pensamiento andino, y por lo tanto no lo consideran como un tema

filosóficamente interesante, sino como una masa inerte de mitos, supersticiones,

leyendas y magia (ESTERMANN; PEÑA CABRERA, 1997, p. 7).

O autor faz a crítica ao pensamento europeu do que se compreende como uma atividade

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filosófica e sugere uma perspectiva mais ampla para se compreender uma possível filosofia andina.

Hablar de "filosofía andina" significa entonces despedirse de un concepto académico

muy limitado de la filosofía y racionalidad en general. El vocabulario purista del

pensamiento europeo llamaría a este conglomerado de "ideas": "Weltanschauung"

(cosmovisión), "fe religiosa" o "ideología"; pero sin darse cuenta de que al hablar así

igualmente es ideológico. Poner como absoluto el pensamiento occidental y tomarlo

como norma obligatoria significaría una vez más insertarse a la tradición colonialista

del genocidio cultural (ESTERMANN; PEÑA CABRERA, 1997, p. 7).

Este trecho é muito representativo para o estudo que estamos fazendo acerca da construção

do conceito de cosmovisão. Quando critica a perspectiva europeia ocidental sobre o conceito de

filosofia andina, apresenta que esta filosofia, pelo prisma eurocêntrico não se constituiria em filosofia,

mas em um conglomerado de "ideas" que poderia ser definido como "Weltanschauung"

(cosmovisión), "fe religiosa" o "ideología".

Daí podemos deduzir que, no debate acadêmico acerca da sistematização de ideias, a filosofia

(ocidental) ocuparia um papel central e definidor que não seria alcançado pela cosmovisão, nem pela

fé religiosa e nem pela ideologia. Assim, parece que tanto a cosmovisão, quanto a fé religiosa e a

ideologia seriam formas primitivas de organização das ideias, não alcançando o status de filosofia. A

cosmovisão (Weltanschaung) seria uma categoria inferior ao status de filosofia. Dizendo de uma outra

maneira, dentro do debate acadêmico, a categoria cosmovisão é utilizada para se referir à algo que

não está, todavia, sistematizado segundo uma construção filosófica que respeita uma história das

ideias. Obviamente que esta visão parte de uma construção eurocêntrica e moderna de ciência que

possui a capacidade de determinar a verdade e dogmatizar os modelos científicos.

Peña Cabrera (1997) traz para este debate o conceito de racionalidade que só se constitui na

dinâmica relacional entre o ser humano e o mundo que o completa e vice-versa.

Esto es, la racionalidad es un proceso mental que se va conformando y estructurando

según las necesidades de sobrevivencia en confrontación con el reto que plantea el

medio geográfico, la TRADICION Y LAS CREENCIAS. La predominancia de la

razón occidental ha dificultado hasta hace poco la comprensión y la valoración de

otras formas de comportarse mentalmente con la realidad” (ESTERMANN; PEÑA

CABRERA, 1997, p. 32).

Deste trecho podemos arriscar a dizer que a racionalidade é um elemento central para o

processo de construção e re-construção de uma cosmovisão. Peña Cabrera alerta mais adiante que há

uma diferença entre os conceitos de cosmovisão e de racionalidade, mas que ambos se complementam

mutuamente: “racionalidad y cosmovisión (Weltanschauung) no son lo mismo, aunque se

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condicionan mutuamente. Al paso que la racionalidad es un proceso, la cosmovisión es una intuición

de la totalidad” (ESTERMANN; PEÑA CABRERA, 1997, p. 34).

Aqui a cosmovisão é compreendida como uma intuição da totalidade, mas que não surge do

nada e sim está condicionada, ao mesmo tempo em que condiciona a racionalidade, a qual por sua

vez é processada conforme manifestações das tradições, das crenças e da relação com a natureza.

Podemos, com esta síntese, trazer para o nosso debate o conceito de filosofia e de racionalidade que

dialogam com o conceito de cosmovisão. Sem nos aprofundarmos nas diferenças entre uma filosofia

andina e uma filosofia ocidental, entre uma racionalidade andina e uma racionalidade ocidental,

podemos afirmar que quando se propõe um olhar plural para estes conceitos caminha-se para um

processo de descolonização do saber que denuncia a imposição epistemológica ocidental, a qual

justificou a coisificação de uma grande parte da humanidade e se anuncia uma perspectiva

intercultural que reconhece diversas maneiras de se conhecer.

Acreditamos que os textos estudados contribuem para ampliar um conhecimento plural acerca

do conceito de cosmovisão, auxiliando no debate acerca de uma construção conceitual do que estamos

buscando definir como cosmovisão, trazendo outros conceitos que dialogam na nossa empreitada.

Outro ponto importante que atesta a busca por compreender de forma plural o conceito de cosmovisão

é a própria andança de Josef Estermann que não apenas propõe senão também opta por vivenciar o

diálogo intercultural, saindo da Europa e vindo viver na Bolívia.

Referências

ESTERMANN, Josef. “Vivir bien” como utopía política - La concepción andina del “vivir bien”

(suma qamaña/allin kawsay) y su aplicación en el socialismo democrático en Bolivia. Reunião Anual

de Etnografia (2010), La Paz: MUSEF, 2011. Versão digital disponível em:

http://dcsh.xoc.uam.mx/produccioneconomica/Coloquio_nuevoparadigma/archivosNuevoParadigm

a/Estermann_Vivir%20bien.doc

ESTERMANN, Josef. Colonialidad, descolonización e interculturalidad - Apuntes desde la Filosofía

Intercultural. In MORA, D. (org.) Interculturalidad crítica y descolonización: fundamentos para el

debate. La Paz: III-CAB, 2009. Versão digital disponível em:

http://pt.scribd.com/doc/134806194/David-Mora-ed-Interculturalidad-critica-y-descolonizacion-

Fundamentos-para-el-debate

ESTERMANN, Josef; PEÑA CABRERA, Antonio. Filosofia Andina - Cuaderno de Investigación en

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Cultura y Tecnología Andina, Nº 12, Iquique/Chile y Puno/Peru: IECTA E CIDSA, 1997. Versão

digital disponível em: http://pt.scribd.com/doc/162855788/Filosofia-Andina-J-1997-Josef-

Estermann-Antonio-Pena-Libro-Filosofia

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A cosmoconvivência andina na perspectiva aymará: um estudo do artigo Cosmovivência andina

– vivir y convivir em armonía integral – Suma Qamaña escrito pelo sociólogo e pesquisador

aymará, Simón Yampara Huarachi

Djalma Ribeiro Junior

Rosângela Pereira de Souza

Esta síntese se debruça sobre o artigo “Cosmovivência andina – vivir y convivir em armonía

integral – Suma Qamaña ”, escrito por Simón Yampara Huarachi para a Revista de Estudios

Bolivianos (http://bsj.pitt.edu/ojs/index.php/bsj/article/view/42). Neste artigo, o autor critica a ideia

de cosmovisão, forjada do ocidente e propõe a ideia de cosmoconvivência, partindo de uma proposta

epistemológica fundada na perspectiva andina, sobretudo na visão de mundo dos aymarás.

Resulta que los aymaras vivimos y convivimos con el mundo animal, con el mundo

vegetal, con el mundo de las deidades y con el mundo de la tierra. Pensar en los otros

mundos tiene que ver con la cultura de la convivencia, o sea la convivialidad, la

cosmo–convivencia, que es diferente al concepto occidental de "cosmovisión”

(YAMPARA HUARACHI, 2011, p. 6 – 7).

O autor sugere um processo de viver e conviver em harmonía, ou seja, para que alguém exista

não é necessário que outrem seja eliminado. E não estamos falando apenas de um mundo de gente,

de pessoas, mas de uma perspectiva integral de mundo, onde os diversos seres vivem e convivem

com os seres humanos e não são usados para se construir um mundo melhor apenas para os seres

humanos. Não há possibilidade de viver e conviver em harmonia integral se os diversos seres forem

tidos como objeto.

Creo que por ahí se puede entender esto de la cosmoconvivencia, que quiere decir procesar,

usar y disfrutar interactivamente la energía material y espiritual, y al mismo tiempo ordenar la vida

de manera convivencial con los diversos mundos y espacios, emular esas energías que cada uno tiene

en un proceso de ayni (YAMPARA HUARACHI, 2011, p. 8).

O autor também tece uma crítica à imposição de saberes seculares de bases ocidentais,

sobretudo europeia, que encobrem saberes milenares. Há, aqui, uma denúncia da colonialidade do

saber que impede um diálogo Sul-Norte, uma vez que esta relação foi construída historicamente pela

relação colonizado-colono, ou seja, em um cenário de opressão que gerou assimetrias que precisam

ser enfrentadas para se buscar um ambiente profícuo de verdadeiro diálogo Sul-Norte. Sobre esta

relação entre saberes milenares e saberes centenários, Yampara Huarachi (2011, p. 6) aponta que

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[…] a mí me parece que los centenarios son una manera de encubrir lo milenario,

una manera de encubrir y decir “bueno miren, aquí están los valores, lo centenario

aquí está”. Entonces yo pienso que ahí hay problemas, problemas de tipo cognitivo,

problemas incluso de una especie de doble analfabetismo. Unos somos analfabetos

en centenarismos, otros somos analfabetos en milenarismos.

Insistentemente o autor sempre nos aponta que a cosmoconvivência andina aponta para um

viver e conviver de forma harmoniosa, inclusive esta cosmoconvivência ganha contornos de

resistência para que a cultura andina tenha sobrevivido há mais de cinco séculos de opressão

ocidental. “La cultura Andina ha sobrevivido estos embates de cinco siglos. ¿Cómo ha podido

sobrevivir? La única respuesta es que ha sabido sobrevivir porque sabe convivir con los diversos o

sea, no sólo con la diversidad, sino con los diversos mundos” (YAMPARA HUARACHI, 2011, p. 6).

O caráter dialógico e de respeito ao diverso e à diversidade esta no cerne da cosmoconvivência

andina. É uma cosmoconvivência integral, dialógica, respeitosa, consciente e que equilibra o viver e

o conviver com as diferentes energias em que os mundos se arranjam de forma recíproca. Há nesta

perspectiva, uma epistemologia que concebe o conhecimento como algo que não se centra no ser

humano ou em uma figura divina, mas sim uma epistemologia que transita entre os diversos mundos,

sem a pretensão de uma verdade única, absoluta e universal e sim de criação e manutenção de um

viver e conviver em harmonia integral.

Yampara Huarachi (2011, p. 16) termina o artigo com uma reflexão e uma questão que se

torna um aprendizado e um desafio:

[…] queremos convivir con los diversos mundos, incluido el mundo de la gente que

es diferente a nosotros, incluido el sistema del capital. Pero también queremos que

se respete nuestro propio modelo de organización, de economía, de manera de ser.

En este sentido queremos forjar respeto mutuo entre diversos. Conocimiento

ancestral milenario + conocimiento occidental centenario = conocimiento profundo

y renovado. ¿Por qué no podemos hacer esa ecuación ?

Referência

YAMPARA HUARACHI, S. Cosmovivencia Andina. Vivir y convivir en armonía integral – Suma

Qamaña. Bolivian Studies Journal/Revista de Estudios Bolivianos, North America, v. 18, Fev. 2011.

Versão digital disponível em: http://bsj.pitt.edu/ojs/index.php/bsj/article/view/42/394

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Cosmovisão: Um estudo a partir do livro “Os tipos de concepção de mundo” de Wilhelm Dilthey

Maria Waldenez de Oliveira

Adriana Bogado

Dilthey em nosso grupo de estudos

A escolha de Dilthey se deu após Seminário de Estudos com o Prof Sérgio Toro Arévalo

(Universidade Austral do Chile) que conosco discutiu acerca de Cosmovisão, em 2012. Nele

conversamos, dentre outros temas, acerca de alguns pensadores da cosmovisão, entre eles, Dilthey.

Examinando alguns escritos de Dussel, um dos autores centrais de nosso Grupo de Pesquisa,

encontramos também referência a este filósofo, o que nos animou mais ainda a procurar seus escritos

sobre cosmovisão.

Em nosso grupo de estudos foi lida e discutida a obra “Os tipos de concepção de mundo”

(traduzida de “Die Typen der Weltanschauung und ihre Ausbildung in den metaphysischen

Systemen”).

Vida, experiência de vida, mundividência

Para Dilthey a raiz da cosmovisão é a vida.

O fundo de que parte todo o pensar e agir é a vida: inconcebível, inexplicável,

impérvia ao conceito ou pelo conceito, ela é essencialmente pluralidade de aspectos,

transição para opostos reais, luta de formas, é um processo de diversificação e de

diferenciação que se desdobra em experiências inéditas. É próprio da vida

manifestar-se e obectivar-se em símbolos, suscitar mundos, pois todo o dentro busca

expressão num fora. Eis por que ela surge como raiz última da mundividência

(DILTHEY, 1992, p.11).

Da reflexão sobre a vida nasce a experiência de vida. Acontecimentos singulares convertem-

se em saber objectal e na vida, ao suscitar impulsos e sentimentos em confluência com o mundo

circundante e com o destino. Da repetição-ligação entre as experiências de vida, individuais, surgem

experiências de vida gerais e as disposições vitais que constituem a base da imagem do mundo. A

repetição regular de experiências singulares dá maiores segurança e exatidão.

Para o autor, os traços fundamentais da experiência da vida são a todos comuns, assim como

a natureza humana é sempre a mesma. Discorrendo sobre tais traços, o autor aponta como o primeiro

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deles a caducidade das coisas humanas e nela mesma

[…] a nossa força para saborear as horas; uma tensão, presente nas naturezas fortes

ou também fracas, para superar essa caducidade mediante a construção de uma firme

estrutura da sua existência e, nas naturezas mais brandas ou ponderadas, a

insatisfação e a nostalgia por algo verdadeiramente duradouro num mundo invisível;

o poder incontível da paixões que fabricam, como um sonho, imagens fantasmais até

que nelas se dissipe a ilusão. Assim se configura de modos diversos a experiência da

vida nos indivíduos (p.10).

Fazendo referência a um subsolo comum das experiências, prossegue apontando:

[…] as intuições acerca do poder do acaso, da corruptibilidade de tudo o que

possuímos, amamos ou também odiamos e tememos, e da incessante presença da

morte, que determina poderosamente a cada um de nós o significado e o sentido da

vida. (p.10-11).

Eu, as pessoas, as coisas e as relações regulares entre si, formam a estrutura da experiência

vital e da consciência empírica que nela se constituiu. Nessas relações, as “mesmidades do eu se

entrosam com outras pessoas e com objectos externos (p.11)”, num sólido sistema referencial.

Dilthey afirma com força que a vitalidade interna e o mundo exterior se encontram sempre

juntos numa referência recíproca; jamais se separaram.22

Quer isto dizer que o mundo, como grandeza independente, é simples abstracção,

pois o Si mesmo e o mundo são correlatos, mas não apenas ao nível da representação.

Esta juntura implica-nos como seres vivos, sencientes, imaginativos, intelectuais e

práticos (p.11).

E afirma categoricamente que “Tudo o que em nós impera como costume, convenção e

tradição radica em semelhantes experiências vitais” (p11).

Em nossa opinião, o conceito formulado por Dilthey continua sendo válido mesmo na nossa

sociedade fragmentada, múltipla, paralela, virtual, desconexa, às vezes, e com fortes tentativas de

conexão por outras, pois continuamos procurando o sentido da vida. Só que nossa experiência vital,

que é a "raiz" da mundividência para Dilthey, vai ter os condicionantes sociais, históricos, de nossas

sociedades, culturas, nas quais nos encontramos, portanto, nossa visão de mundo, também. Como o

autor diz: “Toda a mundividência é produto da história, A historicidade revela-se como uma

22 Vida (o “eu , o interior, o psíquico) e mundo (exterior).

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propriedade fundamental da consciência humana” (MOURÃO, 1992, p.2).

Pensamento científico, consciência empírica e cosmovisão.

Para Dilthey a mundividência não segue a mesma construção do pensamento científico.

Segundo ele:

[…] sempre, tanto nas experiências singulares como nas gerais, o gênero da certeza

ou o carácter da formulação é inteiramente diverso da validade universal científica.

O pensamento científico pode indagar o procedimento em que se apoia a sua

segurança e consegue formular e fundamentar com exactidão as suas proposições: a

origem do nosso saber acerca da vida não pode assim ser inquirido e não é possível

delinear firmes fórmulas suas. (p.11)

Assim, há uma consciência denominada pelo autor, de “empírica” (cuja descrição nos lembra

o saber de experiência feito freireano):

O eu, as pessoas e as coisas à nossa volta podem designar-se como os factores da

consciência empírica, e esta encontra a sua consistência nas relações recíprocas deste

factores e, sejam quais forem os procedimentos adoptados pelo pensamento

filosófico em que ele abstrai dos fatores singulares ou das suas relações, estes últimos

continuam a ser os pressupostos determinantes da própria vida, indestrutíveis como

ela e não modificáveis por pensamento algum, pois radicam nas experiência vitais

de inúmeras gerações. (11-12, grifos nossos).

Adentrando no conceito de cosmovisão.

Dilthey utiliza o termo alemão “Weltanschauung” (Welt – mundo, e Anschauung – concepção,

percepção, intuição), que foi traduzido no texto como mundividência e concepção de mundo. Dilthey

diz que é próprio do ser humano procurar o sentido da vida e que por isso constrói mundividências.

A formação das visões de mundo é determinada pela vontade de obter a solidez da imagem do mundo,

da precisão da vida, da acção da vontade, que deriva do rasgo fundamental exposto de sequências das

etapas no desenvolvimento psíquico.” (p.19, grifos nossos)

A mundividência, para o autor, se materializa em disposições vitais (hábitos, costumes etc.),

e nas valorizações que fazemos, nas interpretações do "mundo" e que orientam nossa conduta. E,

como já discutido anteriormente, para Dilthey “Toda a impressão forte revela ao homem a vida a

partir de um lado peculiar: o mundo surge então a uma nova luz: com a repetição e a ligação de tais

experiências, surgem nossas disposições anímicas em face da vida” (p.13).

Para Dilthey, as viagens e as conquistas mostraram a diversidade de culturas “abalando idos

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filosóficos”. E o que foi feito com elas? Para o autor não há dominação dos sistemas. O que haveria?

Acomodação? Ele se refere a uma curiosidade benévola. Para o autor todos são homens no “processo

evolutivo”.

Estruturas da cosmovisão

Neste tópico, em vista a explicação detalhada pelo autor, do que seriam as estruturas da

cosmovisão, decidimos por transcrever o trecho do livro que as apresenta. Para o autor todas as

mundividências

[…] ao empreenderem proporcionar uma solução completa do enigma da vida,

contêm, regra geral, a mesma estrutura. Esta consiste sempre numa conexão em que,

sobre a base de uma imagem cósmica, se decidem as questões acerca do significado

e do sentido da vida e daí se deduzem o ideal, o sumo bom, os princípios supremos

da conduta de vida.

... as reacções, implicadas nos modos de conduta segundo os quais faço juízos acerca dos

objectos, neles me comprazo ou intento realizar algo, determinam a edificação dos diferentes estratos

entre si e constituem, por isso, a estrutura da formação em que se erxpressa todo o nexo operativo da

vida anímica (p.15).

No trecho a seguir, o autor descreve o processo estrutural da cosmovisão:

Toda relação vital se desdobra numa estrutura em que se encontram estruturalmente

ligados os mesmos modos de conduta. E, por isso, também as concepções do mundo

constituem formações regulares em que se expressa esta estrutura da vida anímica.

O seu substrato é sempre uma imagem do mundo: panorama da nossa atitude

apreensora, tal como decorre na sucessão regular das etapas do conhecer.

Observamos processos internos e objectos externos. Explicamos as percepções assim

surgidas, ao elucidarmos nelas, por meio das operações elementares do pensamento,

as relações fundamentais do real; se percepções se desvanecem, são reproduzidas e

ordenadas no nosso mundo representativo que nos eleva acima da casualidade das

percepções; firmeza e liberdade do espírito, que crescem nestes estádios, o seu

domínio sobre a realidade leva-se a cabo, em seguida, na região dos juízos e dos

conceitos em que se apreende com validade universal a conexão e a essência do real

(p.15-16).

Quando uma conexão do mundo chega ao pleno desenvolvimento, tal acontece, regra geral e

em primeiro lugar, nestes estádios de conhecimento da realidade. E sobre eles se edifica outro

comportamento típico, que transcorre numa análoga sucessão gradual legal. No sentimento de nós

mesmos, fruímos o valor da nossa existência; atribuímos aos objectos e às pessoas à nossa volta um

valor operativo, porque elevam e ampliam a nossa existência: determinamos estes valores, segundo

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as possibilidades inerentes aos objectos de nos serem úteis ou prejudiciais; avaliamo-los, e buscamos

para esta valoração um critério incondicionado. Por isso, as situações, as pessoas e as coisas obtêm

significado na sua relação com o todo da realidade, e este todo cobra igualmente um sentido. Ao longo

do percurso dos estádios da conducta afectiva, constitui-se, por assim dizer, uma segunda camada na

estrutura da mundividência; a imagem do mundo transforma-se em fundamento da valoração da vida

e da compreensão do mundo (p.16).

E, segundo a mesma legalidade da vida anímica, demanda da valoração da vida e da

compreensão do mundo uma suprema disposição da consciência,: os ideiais, o sumo bem, e os

princípios supremos em que a concepção do mundo haure a sua energia prática – por assim dizer, a

ponta como que penetra na vida humana, no mundo exterior e nas profundidades da própria alma. A

mundividência torna-se agora plasmadora, configuradora e reformadora! (p.16)

Na segunda camada (camada superior) da cosmovisão, a imagem do mundo se transforma em

fundamento da valoração e da compreensão do mundo. Dando disposição à consciência plasmando,

configurando e reformando. Essa camada se “ desdobra em diferentes etapas” (p.16). São elas: fixação

dos fins, realização de ideias, relações entre meios e fins, escolha da finalidade, seleção dos meios e

fixação dos fins como ordem suprema de nossa conduta prática.

Processos de construção da cosmovisão

Entendemos que, para Dilthey, a construção da cosmovisão é relacional, indo além dos seres

humanos, como se verá nos trechos destacados a seguir. Essas relações podem ampliar ou restringir

a existência, em processos que nos lembram a humanização e opressão discutidas por Paulo Freire.

Não capto nela (na vida) outros homens e coisas apenas como realidade que se

encontram comigo e entre si numa conexão causal: referências vitais partem de mim

para todos os lados, relaciono-me com homens e coisas, tomo posição perante eles,

satisfaço as suas exigências a meu respeito e deles espero algo. Alguns tornam-me

feliz, ampliam a minha existência, acrescentam a minha força; outros exercem sobre

mim uma pressão e restringem-me (p.10).

A objetivação do mundo se dá a partir dessas relações.

E onde quer que a precisão da direcção singular em frente deixe ao homem lugar

para tal, percebe e sente estas relações. O amigo é para ela uma força que potencia a

sua própria existência, cada membro da família ocupa um lugar determinado na sua

vida e tudo o que o rodeia é por ele entendido com vida e espírito que nela se

obectivou O banco diante da porta, a árvore umbrosa, a casa e o jardim encontram-

se nessa objectivação o seu ser e o seu significado. A vida proporciona deste modo a

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si, a partir de cada indivíduo, o seu próprio mundo (p.10, grifos nossos).

Para o autor a mundividência não é produto do pensamento e

[…] não brota da simples vontade de conhecer, já que a apreensão da realidade

promana da estrutura da nossa totalidade psíquica. Como a contextura cósmica ou a

referência ao mundo nunca ingressa objetivamente na consciência e é inexplicável,

a realidade assoma e transparece na imaginação só através de símbolos (p.2).

Igualmente não é produto da apreensão da realidade, mesmo sendo este um momento

importante, é apenas um. Na realidade, há uma interpretação de mundo.

A partir de uma referência vital, toda a vida recebe uma coloração e uma

interpretação das almas afectivas ou meditativas – brotam as universais disposições

de ânimo. Elas mudam, do mesmo modo que a vida mostra ao homem sempre novos

aspectos: mas nos diferentes indivíduos predominam, segundo a sua peculiaridades,

certas disposições vitais (p.13).

Detalhando um pouco mais o que seriam essas disposições anímicas da vida, o autor aponta

como as mais relevantes o otimismo e o pessimismo, atentando que estes “especializam-se em

múltiplos matizes” (p.13).

Neste ponto o autor vai discorrer sobre os estratos para a formação das mundividências.

Essas disposições vitais, os inúmeros matizes da posição perante o mundo

constituem o estrato inferior para a formação das mundividências. Em seguida, sobre

a base das experiências da vida em que são operantes as inumeráveis referências

vitais dos indivíduos ao mundo têm lugar, em tais mundividências, as tentativas de

solução do enigma da vida (p. 14).

Assim, coloca em primeiro lugar as experiências depois, as tentativas de solução do enigma

da vida, de compreensão. Depois, o pensar sobre experiência e compreendê-la, vindo a ciência, a

religião, poesia e metafísica. Segundo o autor, a primeira conhece, as seguintes compreendem.

Mais detalhadamente explica

Semelhante explicação do mundo, que esclarece o seu ser multiforme mediante algo

de mais simples, começa já na linguagem e desenvolve-se na metáfora, como

representação de uma intuição por outra que lhe é afim, que num sentido qualquer a

torna mais ilustrativa, na personificação que, ao humanizar, aproxima e torna

compreensível, ou mediante o raciocínio por analogia que, em virtude da afinidade

de algo conhecido, pode determinar o menos conhecido, e se aproxima assim já do

pensamento científico. Por toda a parte onde a religião, o mito, a poesia ou metafísica

primigênia pretendem tornar as coisas compreensíveis e impressionantes, tal

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acontece graças a este mesmo procedimento (p.14).

Retomando a característica já abordada da repetição e novidade, o autor destaca que “Podem

repetir-se as etapas singulares e as configurações específicas de um tipo, mas as suas raízes na vida

persistem e suscitam continuamente formações sempre novas.” (p.19)

Concluindo este tópico com o autor, a cosmovisão

Promana da conduta vital, da experiência da vida, da estrutura da nossa totalidade

psíquica. A elevação da vida à consciência no conhecimento da realidade, na

valoração da vida e na realização volitiva é o lento e árduo trabalho que a

humanidade prestou no desenvolvimento das concepções de vida (p.19).

Processos de desconstrução da cosmovisão

Tomando o que foi dito anteriormente acerca dos momentos estruturais, para o autor, as

cosmovisões tem esse fundo comum, embora “A vida e a mudança dos seus principais momentos

estruturais fazem que a concepção do mundo sempre e em toda a parte se expresse em oposições”

(MOURÃO, p.2). Que situações teriam potencialidade para levar-nos a desenvolver um processo de

transformação/mudança de cosmovisão ou de alguns aspectos dela?

O próprio passo do tempo, o mundo muda permanentemente, os fatos que aconteçam e possam

exigir novos olhares sobre nossa situação no mundo. Dilthey considera que a partir de novas

combinações de experiência vital, poderiam acontecer mudanças nas mundividências, pois “toda a

fixação é apenas provisória” (p.7). Novas experiências vitais podem gerar novas disposições, e assim

novas formas de valoração e compreensão do mundo.

Para esse processo de consciência novamente o autor coloca a experiência em um lugar

central.

Entre as experiências da vida, as que se baseiam na realidade do mundo exterior e

nas minhas relações com ele são as mais importantes, pois restringem a minha

existência, exercem sobre ela uma pressão que não posso pôr de lado e impedem de

forma inesperada e insuperável as minhas intenções. O complexo das minhas

induções, a soma do meu saber, funda-se nestes pressupostos baseados na

consciência empírica (p.12).

Para o autor “O centro de todas as incompreensões situa-se na geração, no nascimento, no

desenvolvimento e na morte... a crença nos mortos, a veneração dos antepassados e o culto dos

defuntos geram as representações fundamentais da fé religiosa e da metafísica.” (p.12). Além da

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morte o autor se refere aniquilação de uma criatura por outra.

As incompreensões, contradições, os limites e nossa consciência de poder ultrapassá-los

podem gerar novos processos e experiências que darão vez a desconstruções e construções de

cosmovisão. Nesses processos vitais, entendemos que o autor remete a uma consciência da

provisoriedade do conhecimento e da insolubilidade da validade universal.

Emergem contradições raras, que, na experiência da vida, se impõe. Com maior força à

consequência e nunca podem ser resolvidas: a caducidade universal e a vontade em nós de algo firme,

o poder da natureza e a autonomia da nossa vontade, a limitação de cada coisa no tempo e no espaço

e a nossa faculdade de ultrapassar os limites (p.12-13).

Para Dilthey, a consciência histórica é mais destrutiva do que a análise dos sistemas atuais.

A multiplicidade das concepções de mundo.

Mesmo reconhecendo que há outros seres vivos na Terra, para Dilthey a cosmovisão é uma

necessidade humana, construída no mundo humano, por seres humanos,

Como a Terra está coberta de inumeráveis formas de seres vivos, entre os quais se

desenrola uma luta constante pela existência e pelo espaço mais amplo, assim se

desenvolvem no mundo humano as formas da concepção do mundo e lutam entre si

em vista do poder sobre as almas (p.17, grifos nossos).

Diz o autor que os tipos de concepção de mundo “atravessam a singularidade historicamente

condicionada de cada formação individual. Encontram-se condicionadas em toda a parte pela

particuliaridade da região em que surgem” (p.19).

Alguns autores estudados em nosso Grupo reconhecem a existência de uma diversidade de

cosmovisões. Para Dilthey essa multiplicidade se dá tanto pelas condições de mundo, históricas,

clima, raças etc. (a vida que brota). Quanto pelas especificidades das experiências (o próprio homem

que apreende a vida), à diversidade com que a vida, raiz da mundividência se manifesta (p.17).

Para o autor, as imprevisibilidades não são agregados, mas formações, graças à regularidade

lógica e à legalidade da estrutura. Formações que podem ser analisadas ordenando-se em grupos com

um certo grau de parentesco. São os momentos imprevisíveis: “variações da vida, a mudança das

épocas, as modificações na situação científica, o gênio das nações e dos indivíduos” (p.18).

Conclui que “fazem-se sempre valer nas formações mundivenciais, segundo o lugar histórico

que ocupam, combinações novas de experiência vital, disposições de ânimo, ideias”. (p.18)

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Para o autor, talvez numa aproximação ao que Freire chama de processos de objetivação e

subjetivação, a natureza humana comum e a ordem da individuação são referências vitais á realidade

“Uma natureza humana comum e uma ordem da individuação encontram em firmes referências vitais

à realidade e esta é sempre em toda parte a mesma, a vida oferece sempre as mesmas vertentes.”

(p.18)

Nessas formações mundivenciais, novamente a regularidade que imprime uma estrutura

particular de formação. Em cada formação há o nexo teleológico (não há casualidade) entre imagem

de mundo, valoração da vida e objetivos da vontade. É a regularidade que vai dando forma a

mundividência “O mistério mais profundo da sua especificação reside na regularidade que a conexão

teleológica da vida anímica imprime na estrutura particular das formações mundividenciais” (p.18).

Para o autor, para induzir a objetivos vitais e proveitosos, opera uma seleção, na sucessão de gerações.

Reflexões sobre/para os processos de pesquisar

Dilthey afirma que “aqui não explico, não classifico, descrevo somente o fato em si” (p.9).

Aponta a compreensão e a interpretação como métodos mais adequados para a apreensão da vida do

que a observação. O autor insiste em não explicar e não classificar.

Os tipos de concepção de mundo, como já discutido acima, se encontram condicionadas a

várias peculiaridades. Mas, alerta o autor, que

[…] seria um grave erro de método construtivo pretender derivá-las de tal

peculiaridade. Unicamente o procedimento histórico comparado se pode aproximar

da sucessão de tais tipos, das suas variações, desenvolvimentos e entrecruzamentos.

A investigação deve aqui manter em aberto, em face dos seus resultados, todas a

possibilidade de uma progressão permanente. Toda a fixação é apenas provisória. É

e permanece apenas um meio auxiliar para olhar com profundidade o que é histórico

(p.19).

Depreendemos desse alerta, que para análise da cosmovisão devemos tomar a singularidade e

a história, sendo esta a principal. Pois, para o autor mundividência é produto da história. “A vida (raiz

da mundividência) não pode ser aprendida por conceitos, portanto a aproximação envolve “a

totalidade de nossa alma”.

Referências

BIOGRAFIAS Y VIDAS. Wilhelm Dilthey. Disponível em:

<http://www.biografiasyvidas.com/biografia/d/dilthey.htm>. Acesso em: 20 de Nov. 2013.

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CASTRO, Murilo Cardoso de. Dilthey. Disponível em:

<http://hyperlexikon.hyperlogos.info/modules/lexico/print.php?entryID=1154>, 2009. Acesso em:

21 de Nov. 2013.

DILTHEY, Wilhelm. Os tipos de concepção de mundo. Trad. Artur Morão. Lusofia: Press. Portugal.

1992. Versão digital, disponível em:

<www.lusosofia.net/textos/dilthey_tipos_de_concep_ao_do_mundo.pdf>. Acesso em 20 de março de

2013.

FRANCO, Sérgio de Gouvêa. Dilthey: compreensão e explicação" e possíveis implicações para o

método clínico. Rev. latinoam. psicopatol. fundam., vol.15, no.1, São Paulo, Mar. 2012. Disponível

em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-47142012000100002&script=sci_arttext>. Acesso

em: 21 de Nov. 2013.

MOURÃO, Artur. Apresentação. In: DILTHEY, Wilhelm. Os tipos de concepção de mundo. Trad.

Artur Morão. Lusofia: Press. Portugal. 1992. Versão digital, disponível em:

<www.lusosofia.net/textos/dilthey_tipos_de_concep_ao_do_mundo.pdf>. Acesso em 20 de março de

2013, p.1-3.

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4. Diálogos sobre os “Estudos sobre Cosmovisão” e

Convivência

Ana Paula Ferreira Fidelix

Iraí Maria Campos Teixeira

Djalma Ribeiro Junior

Erivelto Santiago Souza

Maria Waldenez de Oliveira

Reijane Salazar Costa

Rosângela Pereira de Souza

Sara Ferreira de Almeida

Tiago Zanquêta de Souza

Nesta parte do nosso “Estudos sobre Cosmovisão” serão apresentados os debates entre os(as)

pesquisadores(as) acima indicados acerca dos textos estudados e apresentados anteriormente. Os

objetivos destes debates, como já salientado na Apresentação destes Estudos, foi fazer uma síntese

dos estudos apresentados na seção 3, retomando a discussão sobre Convivência na busca por trazer

contribuições para nossas pesquisas, especialmente no que diz respeito aos caminhos metodológicos

por nós trilhados.

Para que o(a) leitor(a) possa melhor compreender a forma como estes debates são, a seguir,

apresentados, traremos alguns detalhes acerca do processo de sua construção.

Para organizar os debates, os textos da seção 3 foram estudados pelos(as) participantes. O

tempo para o debate de cada autor foi livre, de modo que, de antemão, não havia um planejamento de

quantos encontros seriam necessários. Quando todos concordaram que a discussão havia sido

satisfatória, pelo menos por aquele momento e com aquele objetivo, passava-se a outro autor. Assim,

realizaram-se três encontros, nos dias 5, 14 e 28 de maio de 2014. Todos os debates foram gravados,

tendo sido equitativa a divisão do tempo de gravação para o trabalho de transcrição. Após a primeira

organização dessas transcrições, cada participante reviu suas falas, buscando retirar repetições e

expressões coloquiais desnecessárias, completar trechos que não puderam ser transcritos por

dificuldade de entendimento do que fora gravado, e refinar alguma afirmação que pudesse não estar

suficientemente clara ao ter sido passada da conversa para a escrita. Após esta revisão, as transcrições

foram novamente organizadas para então, passarem por uma revisão final buscando-se adequar este

texto às normas gramaticais e outras exigidas em trabalhos acadêmicos. Tanto as revisões quanto as

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organizações seguiram algumas padronizações previamente acordadas, encerrando-se este processo

em outubro de 2014.

Por fim, em relação à autoria, apontamos que nem todos(as) participantes dos estudos dos

autores apresentados anteriormente puderam estar conosco nesses debates a seguir apresentados:

Adriana Bogado e Fabiana Rodrigues de Sousa na ocasião dos debates estavam, respectivamente,

envolvida em tutoria de curso e como professora em outra cidade. Neste mesmo sentido, apontamos

a inclusão de Ana Paula Fidélix e Tiago Zanquêta de Sousa, que adentraram no grupo em 2014 e

participaram nos debates e construção destes diálogos a seguir.

Diálogos sobre o texto “O fundamento do mundo e o sentido do ser: um estudo sobre a

Introducción a la Filosofia de la Liberación de Enrique Dussel”

Djalma: Essa leitura de cada um é um processo que pode contribuir quando a gente for pensar em

núcleos de convivência ou até como isso pode contribuir de uma forma metodológica mais ampla

para as pesquisas.

Wal: Esse próprio processo que a gente fez internamente. Isso poderia ser ao final.

Djalma: Pode ser, ou às vezes nas falas, não sei como deslocar isso, às vezes falando do autor, mas

aí tem a experiência da pessoa, o que eu estou preocupado se a gente vai ter que fazer esse estanque

e eu não vou conseguir falar do autor, se não fizer a relação, falar do processo, vai ficar um pouco

incompleto, talvez depois que a gente transcrever consiga deslocar isso, mas na fala fica meio

estranho, talvez isso fosse uma orientação geral.

Wal: Bom, a gente tem aqui pela ordem, primeiro o texto do Djalma e da Rosângela sobre Introdução

à Filosofia da Libertação, de Dussel.

Sara: Eu acho melhor.

Djalma: Se pudesse pendurar ele.

Djalma: Só uma sugestão, se a gente for começar por esse texto que daí o próximo já fosse o que a

Sara escreveu junto com a Reijane.

Wal: Ele está na sequência.

Reijane: Sim, ele está na sequência.

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Wal: Acho que o primeiro ponto que este texto me chamou atenção pensando na convivência, foi

esses diferentes tipos de compreensão que o Dussel coloca, quando a gente está se propondo a

conviver com o grupo. Eu entendo que também acontecem essas compreensões de nossa parte em

relação àquela realidade e aquele grupo também, essa compreensão existencial, a compreensão

fundamental, então precisamos essa atenção para com que compreensão a gente está se aproximando,

sempre fazendo esta auto crítica tentando perceber como que eu compreendo aquele grupo, se eu

estou compreendendo desse modo não crítico, a partir da minha experiência apenas. Tentar sempre

caminhar para esse outro horizonte que ele coloca como compreensão fundamental. Que se deriva da

compreensão existencial. Porque acho que ele não relativiza para certos grupos e certas situações, ele

está fazendo uma filosofia geral, acho que da mesma forma se aplica em relação a outros grupos em

relação a nós. E aí como é que eu posso me dar a compreender, no sentido de compreensão

fundamental para aquele grupo? Que ele tem a experiência dele a partir da existência daquele grupo.

Djalma: Acho que também é importante a proposta de que estas questões que são levantadas tanto

dessas compreensões que a gente vai alcançando e também, ao mesmo tempo que também vai

ampliando essa criticidade, é aquela parte da vida vivida, que ela não surge do nada e quando parte

da vida vivida, eu acho que essa ampliação do horizonte está também numa proposta de que esta vida

que está sendo vivida ela não se feche nela mesma, eu acho que também no Dussel e esse horizonte

se ampliando permite com que a gente vá para que esse horizonte sem amplie sem que se amplie

dominando, mas que se amplie compartilhando, eu acho que essas compreensões e os níveis de

compreensões que ele traz de uma forma filosófica, elas são de uma forma quando ele começa o texto,

falando que é a filosofia da vida, elas são experienciadas na vida e às vezes eu acho que tem maneiras

de a gente demonstrar essas compreensões, estou pensando assim paras pesquisas, que são para além

da escrita do projeto da pesquisa no final, do estar com as pessoas, do se estar, como você se abre

para poder compreender melhor uma outra perspectiva e não impor a sua perspectiva, todo esse papel

que tem entre o pesquisador e pesquisado, que já tive algumas experiências dessa dificuldade de você

se dizer que faz parte de uma universidade, para conseguir entrar num campo, num outro espaço, com

outros grupos, eu acho que também o Dussel ajuda quando ele apresenta de uma forma, digamos

assim filosóficamente esses níveis de compreensão, também ajuda a gente a... já que ele diz que é

uma filosofia que parte da vida, como isso vai refletir na vida vivida, no dia a dia, no estar junto com

as pessoas, se eu me fecho, se a pesquisa, se eu me foco só na pesquisa, mas não participo das festas

que me convidam com aquele grupo, eu acho que isso faz parte também dessa...de você viver a

pesquisa, de ela fazer parte da sua vida e não ser só mais um apêndice, se não a gente aplica essas

coisas e, nem sei se é possível aplicar, mas sempre num sentido mais de objetivar as pessoas sujeitos

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das pesquisas com quem a gente está...então eu acho que também pode talvez não estar no texto, mas

pensar no campo da pesquisa, mas eu tinha pensado, como essas questões refletem ou como elas se

dão no dia a dia, no estar junto com as pessoas e que também faz a gente também poder pensar de

uma forma mais ampla a experiência da pesquisa com as pessoas para além do relatório da pesquisa

só e sim com a convivência, com o estar junto com aquelas pessoas e como esse nível de convivência

e compreensão eu posso, não demonstrar para pessoa, ó, agora estou numa compreensão

fundamental, mas existem gestos e existem...que vão estar na convivência que faz com que eu cada

vez mais eu vá entrando e compreendendo de uma forma por eles compartilhada aquele mundo com

quem as pessoas fazem parte com quem estou pesquisando, é...do que o meu objetivo, como ele vai

dizer lá, nos projetos ...se o objetivo é só a pesquisa em sí eu deixo de...eu instrumentalizo, vamos

dizer assim, esse estar junto, essa convivência para poder fazer a pesquisa. Acho que ele pode nos

dar, o texto também pode contribuir para pensar de uma forma assim, que eu imaginei, no gesto, no

jeito que você fala, enfim, como você está, quando vocês...quando nós, as pessoas que estão

participando da pesquisa se reúnem, o dia, o horário, tudo isso, esses acordos que tem que ser feitos

acho que está, ela tem que ser numa perspectiva de compreensão compartilhada, tanto de quem

participa da pesquisa quanto do pesquisador, e não ser instrumentalizados para atingir um objetivo

que seja no final a pesquisa, só, a pesquisa em sí ou o relatório, a dissertação, a tese, pode mostrar

esses níveis, mas como isso foi convivido com as pessoas, acho que da pistas, mas imagino que estas

compreensões se é para gente ampliar os horizontes das nossas perspectivas que ele fala, ela tem que

ser também na vida, ela tem que se fazer presente , não sei, mais uma coisa que imaginei em termos

de estar junto com as pessoas pesquisando, como que eu passo da compreensão existencial para

fundamental quando estou junto com as pessoas pesquisando? Que nem assim, não é um momento,

são procesos.

Wal: Queria só fazer uma observação, eu sei que eu já falei, mas...que me parece assim, se eu entendi

bem, não está sendo descartada, eu acho que não, a compreensão que eu possa ter daquele grupo a

partir de leitura sobre eles, por exemplo, vou estudar sobre o grupo de dança de rua, de usuário de

drogas, de mulheres, de assentamentos, mas o que você me coloca é que não é suficiente, ou mais

que isso no sentido de que não é que ele dá uma visão parcial, ele não dá a visão, ele te prepara para

você ter a convivência para daí sim, você ter a compreensão na vida. Acho que é importante falar isso

porque senão, parece que é só estando lá que eu vou compreender, mas também estando lá eu posso

fazer uma leitura critica do que eu li nesse ponto, assim como só lendo também não consigo...

Djalma: Eu acho que o ler sobre, faz parte da nossa vida, do horizonte da nossa vida e se a gente

ficar nele, se a gente for pesquisar só lendo sobre, só nele, acho que a gente não compartilha da

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compreensão e acho que a gente parte para uma dominação mesmo, você objetivou, eu acho que a

leitura faz parte da nossa vida e isso o Dussel também não nega, a gente cria sentido quando faz isso,

mas o passo além quando a gente vai estar com o outro e ele fala muito nisso, se eu for armado

daquelas minhas leituras só para comprovar aquilo lá eu vou estar fechado, eu não ampliei meu

horizonte, quer dizer ampliei dominando por que eu trouxe aquele o sentido que eu li, mas se eu não

estou aberto pro dialogo, mais uma veza leitura então ela tem que ser, acho que no estar com o outro

a leitura acho que ela tem que ser debatida, não que a gente vá ler junto, para.. mas aquilo eu estou

trazendo, de uma forma ou de outra eu lí sobre, e aí conversando com as pessoas a gente pode até

falar, muitàs vezes isso acontece, ah já li sobre isso, isso não é assim ou isso é assim, acho que isso

faz parte dessa ampliação de horizonte, acho que esse esquema que tem de onde a gente parte para

que essas possiblidades que ele traz, eu acho que é muito importante assim dos projetos, pensando

no projeto de pesquisa, se eu parto de um ponto e eu sei onde quero chegar não me abro para essas

possibilidades que são essas possibilidades de trocas, de compartilhar...

Iraí: É, o que eu pensei foi que, pensando até de onde parto para onde eu quero chegar, ele ajuda a

justificar o porque a gente se apresenta e a gente reflete sobre a nossa experiência de vida antes de

partir para o campo de pesquisa. Porque você vai conviver, você chega como um sujeito que não esta

partindo só das leituras que faz sobre aquele grupo, mas as leituras que fazemos daquele grupo têm

uma compreensão a partir de quem nós somos, da nossa experiência anterior. Essa leitura de Dussel

ajuda a compreender muito bem porque a gente faz essa reflexão antes de ir a campo. O texto ajudou

a pensar como justificar isso, por que a gente sabe que quando outras pessoas de outras experiências

de vida, de outras metodologias de pesquisa, fazem as leituras dos nossos textos, dos nossos projetos,

muitàs vezes tem dificuldade de compreender o porque de nos apresentarmos e de apresentarmos

reflexões sobre nossas visões de mundo. A gente se apresenta, se localiza, justifica como é que chegou

nesta pesquisa, como chegou neste grupo de pesquisa. Desta forma, acho que Dussel nos ajuda a

refletir que: se a gente vai a campo sem também se conhecer, como é que a gente vai conviver, vai

compreender esta experiência de vida sem saber como nós somos, como é que a gente está, qual o

nosso objetivo ali... só complementando o que o Djalma colocou... para não instrumentalizar...

Wal: Eu acho que é interessante ai tem uma coisa que liga o Dussel com um autor que estudamos,

não consigo lembrar exatamente qual, mas na hora que chegar nele eu digo. Trata-se da compreensão

de mundo, aquele esquema que vocês colocaram, que a compreensão de mundo está condicionada

por um passado, mas está motivada por um futuro. Então não é só aquela realidade que eu apreendo

naquele momento, mas também precisa deste diálogo sobre o projeto. Porque no mesmo esquema ele

mostra um projeto: então: “que projeto que você tem, que projeto eu tenho”, porque, daí, a

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compreensão de mundo fica mais ampla; não é só: “olha, eu entendi direito o que você está fazendo

aqui? Você está tomando água mesmo? Para que? Por que? Qual a razão de ser?” Então, também

compartilhar é isso. Que é o que ele (síntese de Dussel) diz que compreensão de mundo não é só

quem você é, de onde você veio, o que você está fazendo, mas o que você quer... onde você quer ir?

Para onde você quer que todos nós sigamos?... E como isso é importante quando a gente faz pesquisa

na América Latina, que é a crítica que ele (síntese de Dussel) faz aqui nestes texto. Que o mundo

sempre tem que estar sendo. Então, se aceitar o mundo como ele é, o mundo é opressor... Por isso é

que ele propõe, se eu entendi direito, o método analético que passa da ordem do antigo para a ordem

do novo, mas qual é o novo? A gente compartilha deste novo?

Sara: Isso que você falou deste processo de distanciamento... que é como eu entendo: que é você se

afastar do que você faz e refletir sobre a trajetória para se compreender... daí eu fiquei pensando que

do jeito que se fala, parece que a gente faz isso no isolamento, mas não; a gente faz isso junto também

e este distanciamento está entre esta compreensão existencial e fundamental, faz parte do processo

do distanciamento, para ter este estranhamento do que a gente está produzindo. Mas eu queria

ressaltar, também, é que a gente faz junto; pode não ser com o mesmo grupo com o qual nós estamos

pesquisando, mas também é junto, para ir pro encontro com o outro.

Diálogos sobre o texto “A construção dos sentidos na cotidianidade e a cosmovisão: um estudo

sobre a Filosofia de la Liberación de Enrique Dussel”

Wal: No texto seguinte, Sara, no que você fez com a Reijane, você fala que no mundo encontram se

todos os entes, as coisas... Então, eu acho que abrir para esta totalidade, que você fala: instrumental,

de sentido, também; também perceber que o mundo não é só as pessoas... é a totalidade.

Djalma: Também acho que a convivência, como metodologia, o outro é... sem o outro você não tem

a convivência, você não tem... Então, o outro, que o Dussel traz; estar com o outro é o coração da

convivência. E eu acho que junto com o outro pensar nestas possibilidades... Porque eu posso estar

com o outro, mas já ter um projeto determinado, quando eu só estou passando por ele... Então eu acho

que é a crítica que ele faz bastante à opressão do sistema da globalização. Eu tenho um projeto, e eu

preciso do outro para alcança-lo. Eu já tenho um objetivo...

Sara: O outro é mediação...

Djalma: Ele é mediação, ele é instrumentalizado... E a convivência com o outro nos aponta estas

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possibilidades. Claro que eu tenho algumas ideias, algumas perspectivas, assim como o outro

também, mas quando a gente se propõe a conviver, a gente está se propondo a debater, também, estas

perspectivas, estas possibilidades e aí, nestes debates sobre as perspectivas, sobre as possibilidades

com o outro é que a gente acaba, também, vamos dizer assim, se reconhecendo de uma outra maneira,

junto com aquelas outras pessoas também... Não me conhecia, estou me conhecendo, agora eu me

conheço, já pensei... vou lá... Não, lá eu também volto a questionar alguns pressupostos que eu tinha...

a gente precisa estar aberto a este diálogo...

Reijane: Claro que em alguns momentos você vai precisar fazer este distanciamento, você vai

precisar refletir sobre o que você disse com o outro e, aí sim, você volta para este processo de

proximidade que é um pouco do que é trazido na página 21 do nosso texto que ele fala: “Para Dussel

toda proximidade gera distanciamento que é formado por momentos e ambos acontecem dentro de

um espaço tempo, dentro de uma totalidade onde cada um tem uma função, não estão jogados

aleatoriamente, isoladamente”. Então, mesmo que se faça alguns processos separadamente, é preciso,

sim, este distanciamento para que você possa refletir melhor sobre o cotidiano, sobre o que você

conversou com o outro e sobre algumas ações que você vai fazer.

Wal: Aí vocês colocam muito claro no parágrafo seguinte a este: “Em primeiro lugar vem a

proximidade” Quando algumas abordagens dizem que proximidade é ruim...

Erivelto: ... contamina

Wal: ... contamina, vai deturpar sua visão neutra

Reijane: É que primeiro você vai... que é o processo que a gente faz aqui na linha de pesquisa da

parte de inserção. Primeiro você vai, você faz este processo de inserção, você conhece as pessoas,

você conhece o grupo, você vai formando vínculos, depois começa todo este processo já, também,

de pesquisa, com este processo de distanciamento, mas você já teve esta primeira aproximação, você

já tem esta primeira visão do que é o grupo, como ele funciona, e as pessoas já têm também esta

aproximação com você. Então, pensando na pesquisa, eu colocaria nesse processo também a inserção.

Wal: Eu acho que a gente pode entender esta aproximação também, esta proximidade, eu não sei, aí

vocês duas que me corrijam, como isso que a gente estava conversando aqui, que o Djalma falou que

a proximidade não só de estar lá, mas a proximidade também que é de todas estas leituras que eu faço,

esta minha trajetória, tudo isso se aproxima do outro na vida.

Djalma: Também é uma coisa que eu pensei agora que parece que é um ritual de construção teórica:

a gente tem que se aproximar e se afastar para pensar, se aproximar e se afastar para pensar... mas

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acho que isto acontece na vida... Quando a gente está com algum grupo e a gente se afasta, a gente

volta para um outro grupo, a gente começa a pensar... mas, muito provavelmente, aquela pessoa com

que a gente conviveu e que não está com a gente naquele momento, ela também está pensando: o que

ele quis perguntar, então eu acho também que ela está... O fato de não resultar num material de ordem

teórica, num texto ou outra coisa que seja... Está tendo um processo de construção do conhecimento

também de ambos os lados e esta proximidade de estar junto, que parte da minha vida fica junto com

a parte da vida da pessoa que depois a gente não estar junto, mas a gente começa a criar intersecções...

Acontece muito isso... às vezes eu encontro uma pessoa que faz muito tempo que eu não vejo, que é

um amigo, e depois a gente conversa e depois a gente vai embora e pensa: nossa como foi estranho,

na hora a gente achava que estava legal, mas esqueci de falar para ela tal coisa ou contei tal coisa e

parece que não... Então, este distanciamento às vezes fica muito colado com um ritual teórico, sabe,

e eu acho que isso acontece muitàs vezes...

Sara: ... não é técnica,

Djalma: É. Voltando para vida vivida, como Dussel fala, a vida vivida você tem que pensar ela,

raciocinar sobre ela e daí o Dilthey vai dizer que isto é experiência de vida, ela é ingênua, mas esta

proximidade, este afastamento eu acho que a gente faz independente de ser pesquisador acadêmico,

científico... Eu fiquei pensando agora, quando a Reijane chamou a atenção para este... Porque se estar

com o outro e a gente está compartilhando um processo e entende que isso é fundamental esta

proximidade e este distanciamento, será que o outro também compreende desta maneira? Consegue

identificar que momento que está próximo, que momento que está afastado?

Erivelto: Este afastamento mais técnico, mais acadêmico é quase que um afastamento geográfico,

espacial. Nesse caso, você convive com um grupo e depois de realizar a pesquisa essa convivência

não é mais tão frequente. Esse afastamento é recomendado para perceber melhor as relações

construídas ali, mas, a partir disto que a gente está discutindo sobre esta compreensão existencial para

a passagem para a fundamental, é difícil de você controlar isso, porque na verdade você se afasta

geograficamente, mas você continua fazendo parte do grupo, você fez parte do grupo em determinado

momento... e talvez esse afastamento que a academia tanto defende e acha que é importante não

aconteça porque você passa por aquela experiência do grupo, você colocou a sua disposição para

participar, quem você é. Isso inclusive muda o jeito como você pensa as relações porque você teve

uma convivência ali, compartilhou valores, momentos da vida. Quando você se afasta não quer dizer

que você se afastou daquelas experiências, se afastou, assim estou pensando agora, geograficamente

porque agora você vai sentar lá, vai escrever o texto, o relatório, o diário de campo.

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Djalma: É! Eu acho que também este está do lado não significa que você está próximo. No mestrado,

eu tive uma experiência no... quase no final que... o Marcos, o Teté que era um dos coordenadores,

ele estava... indo para casar e ele ia nos encontros, mas as pessoas... as pessoas lá, O Tico, as que mais

conversavam, falou assim: ah! Não tá vindo aqui e... Teve uma reunião e nessa reunião falaram para

o Marcos: oh! A gente quer que quando você venha, você venha, esteja aqui com a gente, não fique

aqui falando que... ah podia tá com... Se você não quiser vir, a gente vai entender, fique um tempo,

não vem, mas quando você vier, fique aqui com a gente. Às vezes, ele não indo, estaria mais próximo

do que estando. Mas não se importando por estar ali naquele espaço. Então, acho que essa... acho que

é isso mesmo! Essa proximidade... às vezes a gente fala: tem que ter esse afastamento, mas ele é

complexo, ele não é... se a gente for pensar geograficamente, pode ser que seja mais simples. Estou

perto, agora estou longe, mas no processo de construção do conhecimento, ele é mais complexo.

Rosângela: Lembrei agora de uma situação no meu campo de pesquisa, quando explicava para um

dos colaboradores sobre a pesquisa, alguns deles têm limites e não conseguem ficar muito tempo

parados, durante nossa conversa, ele já estava impaciente e falou assim: “oh! faz o seguinte, eu

entendi tudo, só que vocês têm que entender” falava sobre nós da academia, “que a teoria ajuda, mas

também atrapalha, eu já entendi, você quer compreender porque nós estamos na margem, porque que

a gente faz parte da margem”. Ele tentou resumir tudo que eu estava tentando falar, do jeito dele,

depois disse novamente “eu entendo que a gente está na margem e que a margem também segrega”.

Ele falou só isso para mim e saiu fora. Achei bem interessante a fala dele e um tempo depois retornei

o assunto com ele, para compreender melhor.

Erivelto: Pensando na leitura que a gente estava falando, provavelmente, essa pessoa que falou isso

para você não leu os textos do Dussel que fala de marginalização, os textos da Sociologia que falar

de segregação e entendeu o processo com muita lucidez.

Djalma: Porque ele vive, .

Rosângela: E ele foi o que ficou mais interessado.

Djalma: Então, eu acho que é essa vivência. Ele vive, faz parte da vida, como também ele pensa a

vida dele. Não da mesma forma que a gente pensa porque é a vida dele e também porque pensa.

Porque a gente também pensa sobre a vida dele, quando a gente faz a leitura...

Sara: Mas como foi importante esse momento da pesquisa para ele fazer esse afastamento e passa

para essa compreensão de que ele está situado na margem e que a margem põe uma situação para ele.

Mas eu acho que com relação isso que o Erivelto e o Djalma falaram, eu também fiquei pensando

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nessa questão da técnica mesmo. A gente está muito condicionado a pensar metodologia e método

como técnica, um conjunto de técnicas, parece que fechadas e tem que seguir com uma linearidade e

a gente colocar a convivência como uma ferramenta metodológica, não é a melhor palavra a

ferramenta, então de cara parece que também faz parte do campo técnico. Mas não é! É uma

compreensão ontológica, ? E aí é um desafio colocar isso porque é desconstruir toda uma ideia oposta

de como fazer pesquisa, quais passos seguir, parece que sempre tem uma receitinha. Até a gente

quando ler o Dussel, a gente não, eu quando li ficava tentando formatar como uma receita. Não dá!

Como um passo a passo.

Wal: Mas tem que sistematizar.

Sara: Tem.

Wal: Senão as outras pessoas não vão compreender e aí...

Erivelto: Vão falar que o que a gente está fazendo não é científico.

Wal: : É! Poético, arte que é válido também. O passo a passo não necessariamente é linear, não

necessariamente é para frente, um passo e depois o outro na frente do que veio antes. Acho que talvez

a gente tenha que pensar um pouco o que significa. Talvez passo a passo não seja a melhor expressão,

mas o que significa dar os passos, caminhar na nossa metodologia, talvez seja uma roda, uma dança,

estou caminhando, estou junto, mas... a gente está falando de processos de construção de

conhecimento. É importante sistematizar. Por que que é importante? Para se fazer entender, mas

também para avaliar o próprio processo, para que as outras pessoas possam compreender e também

fazer a crítica junto com a gente dos processos. Não só eu entendo o que eu estou fazendo e não

consigo me explicar. Aí fica meio delírio. Fica até um pouco contraditório com o que a gente está

dizendo porque daí eu faço a convivência com os outros, mas com minha comunidade de trabalho

acadêmica, eu não consigo fazer. Essa negociação de valores, de compreensão, a crítica. Porque no

fim, a gente está negociando paradigmas. Esse segundo texto também acho que já dá algumas pistas

para a gente, que vocês destacam: a diferença que ele coloca de cosmos e mundo. Dá para a gente

pensar se é cosmovisão, mundivivência ou visão de mundo. Eu me lembro da Fabiana falando que o

Freire usa “visão de mundo”.

Iraí: Eu não sei! Ao meu ver, nesse parágrafo que começa na página 21 e 22, me fez pensar se a gente

não deveria adotar a visão de mundo pela descrição que ele dá de mundo e até pela etimologia ser

latina e a minha compreensão, não sei se estou errada, é que ele é mais amplo, ele inclui, ele realmente

significa o que a gente está... pesquisando, está estudando, o que a gente está se referindo. Mas é

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muito complexo, não sei...

[silêncio]

Wal: Eu estava vendo aqui, quando a gente estudou etimologia, que talvez tenhamos que estudar

mais para decidir. Porque realmente, a palavra cosmos foi usada a primeira vez em Ilíada com o

significado de ordenar: “Não havia nascido ainda um terrestre que competisse com ele (que eu acho

que é Homero) em ordenar cavalos, guerreiros, portadores de escudos”. Então, vem nesse sentido de

colocar em ordem e hierarquizar. Mas e mundo? Cosmos a gente, mais ou menos, já sabe os limites

e a origem. Então, talvez, a gente devesse fazer a mesma coisa com mundo. Como é palavra latina.

Erivelto: Em um dos textos do Dussel tem uma passagem que o autor fala do sentido atribuído.

Wal: Ele vai falar do sentido atribuído pelo ser humano enquanto interpreta o fenômeno visto.

Começa assim (é um parágrafo inteiro que está falando do sentido atribuído): “Tal atribuição de

sentido possui suas intencionalidades, tal como a água que é potável quando se tem sede. Ou pode

servir para apagar o fogo. Atribuição de sentido depende e está diretamente relacionada a realidade”

Wal (continua): Acho interessante isso. Porque tem implicações para a convivência, porque quando

eu atribuo sentido tem uma intencionalidade. Então, quando um parceiro ou colaborador, enfim, da

pesquisa da Rosangela faz essa síntese não é só um sentido que ele está dando, mas também tem uma

intencionalidade. E aí, eu acho que tem essa implicação de perguntar ou se perguntar , não quero dizer

perguntar, fazer uma questão, mas se colocar isso em questão. Quais são as intencionalidades?

Sara: O que ele fala é que sempre tem um projeto implicado. Sempre. Por mais ingênuo que seja,

sempre tem um projeto. E para esse projeto, sempre tem mediações para se alcançar. Tem sempre que

se valer de mediações para alcançar o projeto. E as pessoas não são mediações. É isso.

Wal: E eu chamo atenção de que essa fala, ou essas falas, ou sentidos que se dão para aquele

fenômeno, é aquilo que ele está no gráfico do texto anterior. Tem um projeto de futuro, então não é

uma coisa estática. Não é uma interpretação. Se a gente não pergunta também sobre o projeto futuro,

a compreensão está partida, daquela interpretação.

Djalma: Mas eu acho que, desses exemplos, também uma coisa é que essa intencionalidade ela é, às

vezes, às vezes não, mais contextual. Aquele momento que eu estou vivendo agora. Então eu dou

sentido para aquilo naquele momento agora. O exemplo tomado, se tem fogo eu uso para apagar o

fogo, em outras situações que não existe um centro permanente onde a água vai ser usada para apagar

nem uma sede permanente onde a água vai ser usada para beber, nem um fogo permanente onde ela

vai ser usada para apagar. Essas intencionalidades também dão, aquele ponto que ele põe que é o

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momento presente que vai te orientar de uma maneira para outros, para outras, possibilidades, mas

existe o momento presente que o passado condiciona, o futuro há possibilidade, mas o momento

presente é quando é preciso agir. Eu acho que é o exemplo da água, com sede e fogo, acho que fica

evidente o momento contextual que estou dando sentido, uma intencionalidade para aquele momento,

e que vai me levar para outras perguntas, outras possibilidades. Se existe algum, porque é uma vida,

vida sendo vivida, se existe a vida sendo vivida, por mais que eu queira que a água seja preservada,

mas eu preciso da água para apagar o fogo, porque senão a casa vai ser consumida, ou enfim...

Erivelto: Se não estamos abertos para as possibilidades, podemos perder a oportunidade de conviver

com as pessoas e nos importar com os problemas delas. No exemplo mencionado pela Rosângela, ela

poderia pensar e falar assim: “Nossa, estou aqui na maior boa vontade. Fazendo a formação, com os

outros formadores e eles não querem nem saber de nada”. Se acontecesse isso, ela provavelmente não

teria lembrado da situação relatada.

Djalma: Claro!

Wal: Podia dizer assim: “Quando você tiver mais sãozinho eu volto aqui para conversar, tá.” Então,

tipo assim, vocês se adaptem. Quando você tiver melhorzinho aí eu venho fazer as perguntas.

Dljalma: O que eu acho que é um pouco o que as pesquisas de laboratório com seres humanos fazem.

É tirar esse contexto que vai permitir com que aquilo que foi planejado mude de rumo, ou vá para

outro lado naquele momento que faz parte da pesquisa.

Wal: Conseguem mesmo?

Djalma: Não. Eu acho que isso sempre foi um discurso, manter a neutralidade. O mito da neutralidade

cientifica. E, de se cercar dessas coisas de estar la e ouvir Se você não esta aberto a entender, a

compreender o que as pessoas estão falando naquele momento, mas você está focado na coisa, é, em

um objetivo específico. Eu acho que você perde as possibilidades do curso. Claro que eu acho que é

um mito. A neutralidade é um mito. Acho que isso não se consegue. A pesquisa em seres humanos ela

vai ter uma intencionalidade por trás, mas vai ter as, é um ser humano por trás que vai trazer uma

vida. Mas eu digo para orientação da nossa pesquisa, na convivência, estar junto com a pessoa,

construir junto com a pessoa, ficar atento se a água esta sendo usada para beber ou para apagar o fogo

faz parte de sabe para onde a gente vai junto depois. Caminhar junto e ficar com essas coisas: às vezes

é uma fala uma palavra, é um gesto. Às vezes eu falo dessas compreensões, sabe, no começo da minha

fala, de como a gente, às vezes é um gesto, um silencio, um suspiro, às vezes é uma palavra, às vezes

é uma frase, se isso, por exemplo você está fechado a isso você não percebe a intencionalidade

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naquele momento.

Wal: Eu vejo na pesquisa, na análise experimental do comportamento, não é descartado, eles até tem

uma expressão que não vou me lembrar agora que eles usam, faz tempo que estudei, sobre isso que é

o inalcançável , aquilo que eu não consigo acessar. Do ser humano. Mas isso é uma coisa que não

vem pro experimento. Então tem, quando coloca as variáveis, tem as variáveis A ou B, tem as

variáveis intervenientes. Então, tudo isso faz parte do experimento. Eu vou lidar com aquilo que eu

consigo observar e que eu consigo controlar. Aquilo que eu não consigo controlar eu não vou lidar. E

eu vou fazer experimento em cima disso. Firmando, firmando, firmando, até que eu vejo que isso deu

certo. Se deu certo vai, eu acho que tem alguma coisa a ver com o jeito como, não só o jeito, mas o

que a gente procura. Nesse caso, está se procurando a repetição e a consistência dessa repetição. No

nosso caso, a repetição não é tão importante. Mesmo que depois o Dilthey vá dizer que experiência

se dá pela repetição, mas não é repetição de experimento, mas experiência. É diferente. E aí é

interessante porque cada um é um. O mesmo tempo que o fenômeno acontece, ou uma única pessoa

disse, o que uma única pessoa pensa, é diferente de todo mundo e isso me interessa. Para outros tipos

de alinhamento isso é considerado, é colocado também, mas não interessa para os resultados. E na

história da ciência, muitàs vezes se avança, na ciência experimental mesmo, quando alguém resolve

olhar para aquilo que é inusitado. Que está fora da repetição. É como se avança. Porque que isso se

repete? (risos) E aí vai naquela coisa de que eu procuro aquilo que eu quero encontrar. Se aquilo não

está dentro do que eu quero encontrar eu não olho, mas às vezes o avanço está justamente no efeito

placebo de um remédio, porque as pessoas falam, apesar de dar errado, ou, eu faço um programa da

aprendizagem com crianças com paralisia cerebral ou com idosos em estado de alzheimer e vejo que

vários aprendem assim, mas tem um que aprendeu apesar do meu programa , no grupo que não é o

grupo experimental, mas é o grupo controle. Aí eu vejo o que deu certo, mas o que deu certo lá, talvez

seja o pulão do gato para alcançar outro tipo de programa. Para uma inovação. E talvez se chegarmos

para os colegas da analise experimental e dizer: “Vocês não ligam para o que as pessoas pensam, ou

vocês não se interessam pela subjetividade do ser humano”. Eles podem dizer: “Não. Não é bem

assim. A gente só não está olhando para isso, a gente só está olhando para outras coisas”.

[silêncio]

Wal: Eu gostei muito. A gente falou dos passos e a Sara e a Reijane colocam: “Dussel aconselha

aqueles que querem seguir os passos da filosofia da libertação a primeiro, eleger o número reduzido

de temas para serem refletidos, estudados, compreendidos”. E nós estamos no nosso grupo de estudos

e produções, justamente fazendo a parte da justificativa, agora do referencial teórico, do problema e

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da problemática. Então eu acho que esse parágrafo aqui é especial:

“Essa seleção deve ser feita a partir de escolhas reais. Primeiro reduzir temas. Dentre eles os

essenciais e a partir dos essenciais, os urgentes, e dentre esses os transcendentais, ou seja, aqueles que

se referem ao povo mais sofrido, faminto e desesperado. Os temas ideológicos devem ser tratados

com objetivo de mostrar porque são ideológicos.”

[silêncio]

Iraí: Foi uma hora só nos textos do Dussel.

Diálogos sobre o texto “Cosmovisão: Um estudo a partir do livro ‘Os tipos de concepção de

mundo’ de Wilhelm Dilthey”

Wal: Algumas coisas do Dilthey acho que o Djalma já tinha até adiantado. Acho que tem um trecho

aqui antes do subtítulo: pensamento científico ou ciência empírica e cosmovisão no parágrafo

anterior. Aquilo que a Iraí estava dizendo. Só que a nossa experiência vital que é a raiz de

mundividência para Dilthey vai ter os condicionantes sociais históricos de nossas sociedades,

culturas, nas quais nos encontramos, portanto, nossa visão de mundo também. Então, mais uma

justificativa para a gente fazer essa reflexão dos condicionantes sociais, históricos, culturais da nossa

visão de mundo com a qual a gente vai fazer essa convivência.

Djalma: E acho que continuando o que ele diz aí, que toda visão de mundo é produto da história, a

historicidade revela-se como uma propriedade fundamental da consciência humana. Que eu acho

também que tem aquele esquema do Dussel. Que é aquele condicionado pela história só que essa

condição ela pode ser determinante e aí eu acho que o Dussel fala que se eu estou na vida de forma

ingênua. Aí, às vezes eu assumo meu projeto como um projeto de mundo hegemônico, vamos dizer

assim, que é eu está na riqueza, então, eu o acabo entrando nesse processo que para eu conseguir

sucesso que é uma das buscas desse projeto de mundo riqueza eu tenho que conseguir um bom

emprego, ter capital, enfim, de forma crítica, mas eu acho que isso você acaba sendo determinado.

Mas eu acho que o que ele faz aqui, que é esse condicionamento Dilthy assim como Dussel chama a

atenção que há um condicionamento.

Aí o Dussel vai falar das possibilidades que a gente está compartilhando junto com o outro, a gente

abre as possibilidades de não citar uma determinação. Eu tenho essa carga estou aqui e depois vou

para casa, só consigo enxergar uma possibilidade. E eu acho, o que eu acho interessante é a

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centralidade que ele dá na vida como um conceito mesmo. Essa diferenciação entre de vida e

experiência de vida para se constituir essa mundividência. E, isso, acho interessante quando Dussel

aponta que a filosofia da vida. Ele começa, parte da vida cotidiana, considerando o concreto então,

eles têm essas relações. E, é, a vida como, a vida é muito trabalhada na poesia como esses dois autores

nessa leitura que a gente fez trouxe ela como um conceito importante, no meu ponto de vista de não

ser só um dado existencial, a vida é disso mas como a gente se articula, ? Acho interessante essa

centralidade que o Dilthy dá no conceito de vida e aí eu não sei se a gente fica, eu não fico muito a

vontade de optar sobre visão de visão de mundo, quando por exemplo ele vai falar de dramas da vida.

Será que não tem relação? Enfim. Eu acho que dependendo com quem a gente está trabalhando e

com quem a gente tem um consenso de conhecer vida ou de mundo o que a gente vai criar com quem

a gente vai trabalhar para ter um convívio, aí eu acho que outras coisa que nem apareceram aqui e

dialogado com fulano de tal pode ser que tenha relação com visão de mundo.

Djalma: Acho que assim a gente entra em todos, mas o Dilthy também entra num problema que é um

problema de tradução, não problema, que é a tradução em si nos traz alguns problemas porque muitàs

vezes esta concepção de mundo, mundividência, tem trechos que está como visão de mundo. A

tradução de volta em Chalmers. Ele usa isso, que isso significa no viver na Alemanha na época em

que ele viveu foi traduzido dessa forma, então acho que essa tradução nos traz alguns problemas que

pode ser técnico, mas também nos traz um problema epistemológico de nos dá garantia de outro .

Wal: Ele usa uma expressão aqui que é perturbadora. Ele fala que a gente observa processos internos

e objetos externos. E aí, como é que fica nosso conceito de observação na metodologia? A gente

sempre usa a expressão observação pensando assim, eu vou lá e observo o que está acontecendo lá.

A gente observa externamente relação, que observação tenho eu, ?

Erivelto: Esse interno que ele menciona, é um interno do psíquico?

Wal: É.

Erivelto: Porque se não fosse não teria grandes problemas. Porque interno poderia ser interno ao

grupo.

Wal: Ao grupo, é!

Wal: Explicamos as operações limitadas do pensamento, as relações fundamentais.

Djalma: Eu acho que uma coisa que fica da leitura em relação a tudo isso é que no final de tudo uma

diferenciação que o Dilthy tem com o Dussel é que no Dilthy tem uma centralização muito do eu.

Tem até esse trecho aqui que ele está falando mesmo valor de nossa existência atribuímos aos objetos

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e as pessoas a nossa volta um valor por elevam nossa existência. Determinamos esses valores. Eu

acho que o Dussel não foge, mas eu acho que isso não se torna central, porque os dois vão propor o

método analético ele vai como o outro se construir porque o Dussel também vai dizer porque eu me

atribuo o problema é quando objetivo que eu estou atribuindo para as coisas os objetivos que estou

alcançando as outras pessoas os outros, o outro acaba sendo dentro para poder construir E Dussel

vai dizer que essas possibilidades que no futuro a gente possa sair desse modelo, vamos dizer assim,

opressor, ela faz se abrir com o outro . O modelo análetico propõem partir da palavra do outro. No

Dilthy eu sentir algo mais assim do eu na existência do eu que aí interpreta os outro, aí vou atribuindo

esses sentidos pro meu eu e no momento, tem assim um diálogo com o outro para que no diálogo com

o outro esse sentido da minha existência possa ser abalada, questionada . E também tem uma

influência da época, da escola, influência positivista, acho que tudo isso.

Wal: Mesmo que ele faça a crítica do eu. Ele propõe justamente esse espírito. E tanto, que ele

contrapõe a compreensão e a explicação. No entanto ele contrapõe a compreensão e a explicação.

Wal: É interessante porque ele diz que uns dos fundamentos da construção da cosmovisão é esta

necessidade que a gente tem desta validade universal, mas que isso é insolúvel.

Wal: que mais para frente ele chama de caducidade universal. É uma expressão bem interessante.

Wal: interessante esse foco no individuo porque também alerta a gente para não homogeneizar os

grupos.

Wal: que ele diz que essa diversidade, que essa multiplicidade, são históricas, são do mundo, são de

climas, ele chama de raças, então tem algumas coisas que são comuns naquele grupo de individuo,

no entanto a gente chama de grupo, mas eles diz que também a diversidade da cosmovisão se dá pela

especificidade das experiências do próprio homem que apreende a vida, então mesmo quando a gente

vai num grupo de população de rua, de usuários de crack, chamamos de grupo, nem sei se essa palavra

é boa.

Djalma: É grupo de pessoas e pessoas.

Wal: O que é um pouco assim, até desesperador, porque ele diz que existe tantas visões de mundo,

como existem pessoas. Ele diz assim – “Como a terra está coberta de inúmeras formas de seres vivos,

entre os quais se desenrola uma luta constante pela existência, pelo espaço mais amplo, assim se

desenvolve no mundo humano, as formas de concepção do mundo e lutam entre si em vista do poder

sobre as almas.

Wal: e os tipos de concepções de mundo atravessam a singularidade historicamente condicionada a

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cada formação individual, mas se encontram condicionadas em toda parte pela particularidade da

região que surge ao mesmo tempo que ele fala que tem estes condicionantes mais amplos, tem as

especificidades do individuo, tem algumas coisas que se aproximam.

Wal: mas acho que para o movimento que ele estava fazendo na época, essa radicalidade foi

importante porque era tudo nós, tudo era regularidade e ele fez esse movimento de ir para o indivíduo,

da vida humana e individuo.

Djalma: é que eu acho que daí na verdade não é só o indivíduo, mas ele no grupo como um todo,

porque se a gente for pensar, num pensamento mais liberal, nas teorias econômicas liberais tudo, era

o foco centrado no indivíduo e que isso justifica a competitividade, que eu me afirmando contra ele,

não precisa ter estado, não precisa ter nada, porque na competitividade a gente vai fazendo a sociedade

andar e vai gerando mais lucro, então é um perigo ficar só no individuo, fechado nele, não estou

falando que Dilthey não está reconhecendo o grupo, mas também a gente colocar peso na visão de

mundo do indivíduo.

Djalma: E aí fiquei pensando como fica isso relacionado ao “sou porque nós somos” e na comunidade

Yamará não existe um eu sem relação, não existe um eu puro, absoluto.

Wal: Acho que assim como o Dilthey a gente termina o texto dizendo sobre a compreensão,

interpretação como métodos mais adequados, expressão da vida, observação. Geertz vai ajudar a

gente há discutir um pouco mais à fundo o que é interpretação.

Erivelto: Antes disso Wal, eu lembro na apresentação tua e da Adriana que vocês abordaram a

mundividência e a interpretação do mundo, se não me engano, Dilthey faz a distinção entre

mundividência e pensamento científico. Ele fala que a mundividência se constrói com diferentes

dimensões que são a multiplicidade de concepções de mundo e suas condicionantes. No entanto, o

pensamento científico influenciará as diferentes mundividências. Na apresentação e na síntese que

vocês elaboraram, não ficou muito claro. Por que o pensamento científico também não é interpretação

do mundo? uma forma de interpretar o mundo?

Wal: Nessa concepção hoje.

Erivelto: É hoje.

Djalma: Acho que não sei, arriscando um pouco também ajudar a pensar, acho que na época do

Dilthey acho que o que ele estava talvez, fazendo uma crítica, era do pensamento científico a ele ser

universal, uma perspectiva de mundo universal.

Erivelto: Faz sentido. Depois ele vai falar da poesia, da importância da arte.

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Wal: Ele diz assim, que a mundividência não segue a mesma construção do pensamento científico.

Segundo ele, sempre, tanto nas experiências singulares como nas gerais, o gênero da certeza ou o

caráter da formulação é inteiramente diverso da validade universal científica. O pensamento científico

pode indagar o procedimento que se apoia a sua segurança e consegue formular e fundamentar com

exatidão as suas proposições. A origem do nosso saber acerca da vida não pode assim ser inquerido e

não é possível denominar firmes fórmulas suas. Então eu acho que ele fala é o método aqui.

Sara: Mas também não sei, no meu entendimento parece que ele também atribui um caráter de

verdade ao pensamento científico absoluta quando ele fala aqui “fundamental com a exatidão suas

proposições”.

Erivelto: Eu acho que ele está fazendo uma crítica.

Wal: Mas a questão da exatidão aqui é que não dá para ser tão exato na vida, mas dá para ser exato

sim.

Djalma: Na ciência sim.

Wal: Nesta época sim.

Sara: Agora naquele tópico os processos de desconstrução da cosmovisão fiquei pensando se nossa

pesquisa não seria capaz de desconstruir cosmovisão se seria nossa intenção essa. É mais um pergunta

mesmo, pensando de cosmovisão que advêm dos grupos que advêm de um mundo totalizado.

Djalma: Bem ele tem esse começo aí, a vida, neste tópico, a vida e a mudança dos seus princípios. A

vida é a mudança dos seus principais momentos estruturais fazem com que a concepção do mundo,

sempre e em toda parte, então universalmente, se expresse em oposições e nas concepções indígenas

a oposição ela não existe, ela existe como complementariedade, não é um contra o outro, mas como

se complementam as ideias. Então também acho que tem a leitura do Dilthey, tem que ser feito neste

momento científico ali, assim como dos outros também, mas os outros são contemporâneos, não se

tem esta distancia histórica do que aconteceu.

Djalma: Porque se é oposição, significa que tá alguma coisa rivalizando com a outra, então talvez

tenha que desconstruir uma para se impor a outra ou se tá tendo uma rivalidade ou se é

complementariedade como vai propor o Simon Yampara Huarachi por exemplo. O que eu posso dessa

perspectiva que contribui com a minha, como eu rezo para um Deus católico, mas também mantenho

a minha tradição da minha divindade indígena, enfim.

Wal: Mas nem tudo dá para ser complementado. Tem hora que é oposto.

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Djalma: É antagônica e é quando você tem a vida. Você vê uma determinação da igreja católica que

vai proibir, perseguir os cultos e aí como numa perspecativa de complementaridade como que eu

posso também, lidar com isso, sendo que isso tambem não vai interferir nos cultos que eu já tinha.

Não é nesse texto, mas em outro ele vai dizer que foia na Bolívia e encontrou alguém que trabalhava

com um grupo de mineiros que mantinham rituais de adoração à patcha mama e ele achou

interessante, mas quando ele chegou lá e todo mundo tava com um crucifixo pindurado no peito. Aí

quando ele começou a conviver, as pessoas chamaram: vem aqui no domingo e ele foi num ritual e

viu que as pessoas também faziam a adoração, então, para eu poder continuar vivo, eu boto um

crucifixo no peito e fico tranquilo, mas não por isso siginifca que eu vá estar indo contra a patcha

mama, por exemplo. Eu penso muito no documentário que eu fiz lá em Uberlândia, tinha a conversa

com um senhor que tinha um remédio no bolso e ele dizia: eu me curo muito com chá, com ervas,

mas eu to tomando esse aqui para dor nas costas. Porque o chá vai me resolver, mas esse aqui é bom.

Então, eu tomo o chá e esse. E a mulher que tava curando um tumor que ela tinha tirado do nariz, ela

foi na farmácia, no posto, e receitou um remédio que não tava fazendo efeito, ela fez um chá de

barbatimão e começou a passar. Só que ela sabia que se falasse isso, seria proibido pelo médico que

tinha receitado. Mas ela usou os dois e viu que um ou outro estava fazendo mais efeito. Então ela

largou o remédio, sendo que numa racionalidade mais científica, da medicina, falaria: Para isso e fica

só com o remédio. Porque isso é discurso, vamos dizer assim, dominador, porque não precisa da

oposição para poder falar que esse é o melhor jeito que esse. E a gente aprende isso desde de criança,

eu lembrei de um livirnho que é "os contrários". Daí tem o dia e a noite, tem o seco e o molhado,

como se um não complementasse o outro. Chama opostos e formas, porque depois tem o triângulo, o

quadrado, tem dia, noite, seco, molhado. Eu me lembrei desses dois assim.

Wal: E aí? É a regularidade que vai dando forma à mundividência. É o livro, a escola...

Djalma: E a gente acaba repetindo.

Wal: Tanto até acreditar. Interessante. Bom, são vinte paras 11, vamos dar uma pausa aqui (gravação

para).

Djalma: Talvez senão tivesse o grupo e essa dinâmica que o grupo teve, eu não teria entrado em

contato com um pensador Aymara ou um pensador Munduruku, nas perspectivas de ter uma

concepção mais ampla. Mas que também contribua para nossa metodologia da convivência, que

contribua com nossa ideia do que seja construir uma pesquisa junto com as pessoas seja fundamental

essas outras perspectivas, uma para rebater, criticar e me vem à cabeça a perspectiva teoreferente.

Outras para dialogar, avançar, acho que o munduruku, o simon iamparamaraki eles vieram ao mundo

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depois do Paulo Freire, então, em que medida eles dialogiam, complementam, avançam, se o Paulo

Freire estivesse vivo ele adoraria ver o que ele escreveu sendo complementado, sendo... E a gente

poderia ter feito um grupo onde isso não seria ruim, Seria uma outra perspectiva, onde a gente

continuaria lendo o Paulo Freire, o Dussel, e o Fiori para encontrar a convivência, e isso a gente fez,

e aparecia termos que a gente dizia, isso aparece em outros lugares e a gente foi em busca de outros

autores para dialogar com os autores centrais da linha. Enriqueceu mais essa visão que eu tinha do

Dussel, do Freire e do Fiori porque se complementaram. Acho que mais uma vez, como a gente,

mesmo tentando trrazer várias perspectivas, como a gente trouxe pensadores homens, não pensadores

femininos, feminnas e também a gente faltou um pouco de Índia, Oriente, para poder complementar.

Assim, tinha um tempo e eu acho que a gente de buscar outras locais e outras cabeças pensando em

outros espaços culturais e eu acho que a gente conseguiu. Eu consegui entrar em contato com uima

literatura que eu talvez não tivesse, se a gente tivesse ido em outro caminho. Eu identifiquei que entrei

em contato com uma literatura que me fez pensar nessa questão da oposição ou em complementar.

Não só na cosmovisão mas em outros termos que apareceram, será que outros elementos que

trouxeram, que fazem a gente olhar para um termo, inclusive, ohopors textos do Dusse, do Paulo

Freire, do Fiori já com essa perspectiva de diálogo com essas outras persperctivas, então, eu aprendi

bastante lendo outras perspectivas de cosmovisão, visão de mundo, mundividência, concepção de

mundo. E as leituras, fora elas, porque eu não sei, se essa mudança, eu senti de forma tão radical

porque eu senti na vida. Não na vida abstrata, mas na vida vivida, e são concepções que são conceitos

e as pessoas com quem a gente trabalhou nos trazem outras formas de olhar então para aquela janela,

assim, não é spo ver um prédio, uma árvore, é ver como isso está integrado, acho que se a gente olha

pela janela com o olhar do Simon Yampara, porque a gente tá aqui dentro e não tá embaixo daquela

árvore? Por exemplo. Então eu acho que isso contribuiu para ampliar, não para falar que uma é melhor

que a outra, mas ampliar essas perspectiva de olhar pros nossos projetos, para nossas pesquisas. Foi

um pouco do que eu tenho de avaliação. Me dá vontade mais agora de ir atrás de um autor indiano.

Me deu. De um autor chinês, num sei. Enfim, arábe. Me deu vontade de continuar, não para escolher

uma, mas para ver que vendo uma a gente perde a riqueza de outras perspectivas.

Sara: Isso me lembrou a história de Hannah Arendt.

Rosângela: Acho que é um processo e, olhei para a Reijane e lembrei de umas coisas que

conversávamos bastante em relação a isso, acho que é um processo mesmo de pertencimento ao

grupo, de contribuição até , porque muitas vezes a gente já sentiu um certo mal estar assim de não

estar contribuindo muito porque a gente que nem o Erivelto falou, a gente chegou e já entrou num

processo que já estava, as coisas já tinham sido produzidas e eu ficava, nossa, o tempo todo, mas o

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que eu vou fazer , mas eu acho que o acolhimento do grupo , foi uma coisa fundamental para a gente

se sentir mais confortável. Acho que hoje eu tenho mais uma compreensão , acho que tudo isso que a

gente veio construindo durante o ano todo e até hoje, acho que, cada vez que eu pego as leituras eu

tenho uma compreensão maior e melhor, eu acho meu processo assim de, acho que eu aprendi muito

com o grupo até uma questão que é para a minha vida e enquanto pesquisadora também, acho que

minha contribuição maior era, acho que é o quanto todos esses conhecimentos que eu tive de

cosmovisão interferiu na minha vida. É, eu acho que é uma coisa que eu até dialogo com meu próprio

filho , algumas visões de mundo, que eu vejo aqui que tem muito sentido e que é bem diferente da

nossa visão, tudo, ocidental, e acho que isso vem contribuindo bastante também para meu olhar no

campo de pesquisa, acho que é mais ou menos isso.

Iraí: Ah, é isso aí, compartilho com você.

Reijane: Mas realmente a gente tem aprendido bastante. Por exemplo, essas leituras, elas não são

fáceis não. Às vezes você vai fazendo as leituras e você não está entendendo nada do que ele está

dizendo, daí você vai volta de novo e diz: meu Deus, o que eu estou lendo aqui, então você volta de

novo. As discussões do grupo também serviram para isso, para que a gente pudesse, realmente,

compreender o texto. O que vinha sendo discutido, quais eram as ideias centrais que esse autor

apontava. Hoje mesmo, o Dussel é muito difícil, mas por meio das discussões feitas em nosso grupo

eu venho conseguindo entender melhor algumas coisas.

Rosângela: É, eu que estou desde o começo, desde estudo em específico fico pensando: meu Deus,

que que eu vou contribuir?

Reijane: Mas aí cada vez que você vem, você ouve uma palavra diferente, você ouve um pensamento

diferente, então você fala: “ah, é assim”. Aí você volta na leitura, aí sim você fica com uma melhor

compreensão. Principalmente na parte de metodologia de pesquisa, porque você vai vendo umas

coisas e pensando no projeto. Isso para mim tem sido interessante: pensar na metodologia do meu

projeto. A forma de fazer a pesquisa em si.

Sara: Talvez a gente possa estipular mais um dia. Talvez pudesse ter mais um dia para fechar nosso

estudo!

Iraí: Eu pensei meu Deus! Mas não sei se é viável, mais um dia como a gente fez hoje dividido em

dois autores e depois tentar escrever uma conclusão e aí no terceiro encontro então sentar e discutir o

que que a gente escreveu, nem que cada um escreva um pouco do que entendeu. Não sei se é viável.

Não precisa nem compartilhar, mas traz esse pensamento mais direcionado para conclusão para cá,

para discutir aqui. Eu estava pensando que esse era o exercício que eu poderia ter feito e que ia me

ajudar na discussão de hoje mas eu não fiz, então... fazer o exercício. Pensando em produto, no artigo

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final. Não sei se interrompi as obrigações pensando em encaminhamento, mudei a direção da

conversa.

Sara: Acho que não, a ideia era dar uma paradinha para pensar nessas coisas, no encaminhamento.

Iraí: Acho que em questão de tempo, semana que vem daria para fazer o que eu não pude fazer e

avançar mais um pouco nesse texto. Faltou ainda bastante.

Sara: Tem que tentar dividir o tempo mesmo.

Iraí: Por falar em tempo para orientação, tenho uma pergunta: eu me programei, estou escrevendo o

texto para enviar para vocês até quarta-feira, porque uma semana antes é na quarta-feira da semana

tem que estar pronto para discussão. Eu não sei como vocês se organizaram para ler, para saber se eu

posso enviar na sexta ou se isso atrapalha, por exemplo, se vocês programaram para ler na quinta, aí

eu fico atrapalhando. É que os feriados ao invés de ajudar atrapalham um pouquinho.

Sara: Que dia que é a próxima reunião?

Iraí: Dia 14, próxima quarta-feira. Me sinto mais segura de enviar na sexta, porque terei dois

períodos, tenho médico. É importante que a gente vai se reunir para discutir essas coisas. Alguém tem

alguma dificuldade se eu entregar na sexta? Então tá, vou enviar na sexta.

Wal: Não tenham pressa em terminar este debate, acho que a gente não tem porque, depois de 2 anos

neste processo. Mas acho que só a gente deveria pensar que um dos objetivos deste debate é o produto.

Não acho que a gente deva ficar engessada nisso, pensando que não vai dar. Podemos pensar em

dividir a transcrição. Isso vai dar uma coisa grande mas, está bom, o que se há de fazer, ? Ou então

como disse a Iraí, pensar num processo de fazer uma síntese. E aí teríamos o debate sobre a síntese.

Se cada um vai trazer uma síntese, como vamos chegar numa conclusão? Não sei se a gente vai manter

a transcrição, pois vi que tem gente tomando notas. Ou se a gente compartilha as notas? Minha idéia

é: depois que a gente tiver o produto pronto a gente vê o que faz com ele. Mas é bom já pensar o

processo, por que daí a gente não escreve? Podemos já começar, não vamos esperar. A gente vai ter

cerca de 5 horas de debate para fazer a transcrição, vamos ver as nossas agendas.

Iraí: A gente precisa ter uma agenda de transcrição também.

Wal: Hoje foi uma hora e meia de debates, mais ou menos. Umas 20 páginas, por aí. Pessoalmente,

aquela explanação que eu fiz sobre Análise Experimental do Comportamento não precisaria entrar.

Ou entra.

Djalma: É

Wal: Por que senão chega naquela parte, corta.

Sara: E estou gravando, inclusive agora, essas avaliações estão gravadas.

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Wal: Por que a gente poderia dividir as transcrições, ver as agendas e depois olhar o produto e limpar

um pouco. Por que também não é tudo que está transcrito, como está transcrito, que precisaria ir. Mas

esse pouco é pouco mesmo. Por que a gente vai ter 60 – 70 páginas. O que pode ser importante

também para nossas pesquisas, metodologias, o que a gente está conversando. E pode ser o capítulo

final. Como é um texto em arquivo, não tem limite. Lê que quer, quem precisa. Apenas eu queria ver

se a gente vai manter essa metodologia. Daqui 15 dias a gente inicia uma nova gravação, já com a

transcrição desta parte feita? Senão..., vocês sabem como é que é. Se deixar tudo para depois... Se a

transcrição vai virar um texto, então já vamos começar escrevendo. E ai a gente faria a discussão dos

projetos (de pesquisa dos estudantes) junto com os autores (de cosmovisão) no tempo que precisar?

Talvez mais dois encontros. Por que de quarta-feira estamos das 14 às 17hs e com um projeto. O que

dá menos tempo ainda para discussão dos autores. A não ser que a gente marque um outro encontro.

Sara: É. Porque na hora que está discutindo é tão difícil parar: “Para, para discutir o projeto. Vamos

discutir outra coisa”. Acho que a gente quase nem consegue fazer essa divisão de tempo, de coisas

diferentes. Perde de um lado e de outro.

Wal: Por mim pode ser. Porque já temos os textos lidos, anotados. A única coisa é que na quarta as

tardes, revesando com este grupão, temos os nossos encontros de Estudos e Produções (apenas com

os orientandos que ingressaram em 2014, para aprimoramento dos projetos). Teria que ser um outro

dia da semana. A gente tinha pensado metade do tempo para projetos e metade para temas de estudo.

Talvez dois projetos por dia e a gente rever o cronograma dos projetos. Por que um projeto por tarde

não é muito, é pouco.

Sara: Por que sempre o que discute para um projeto, serve para o outro.

Djalma: Lembrando que tem que enviar o texto uma semana antes para a gente ler para a quarta.

Então não sei.

Sara: Ou Iraí passa para depois, para o dia 26.

Iraí: Ah, como eu não pensei nisso antes?

Sara: Depois você me paga uma cerveja, ou um café, ou um pão de queijo.

Djalma: Os autores.

Sara: Teria como fazer dia 12, segunda feira.

Iraí: A gente pode, mas o Tiago não pode.

Irai: Eu precisaria me organizar lá (no trabalho).

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Segue-se (nos próximos 3 minutos) conversas sobre agendas disponíveis, agenda-se debates extras

em maio sobre Cosmovisão, faz-se cronograma de debates e projetos em maio e junho.,

encaminhando comunicação às pessoas do grupo que não puderam estar e por fim. E a divisão do

arquivo da transcrição entre os membros do grupo.

Diálogos sobre o texto “Ethos, visão de mundo e cosmovisão: um estudo do livro ‘A

interpretação das culturas’ de Clifford Geertz”

Tiago: E o Eduardo Batalha, bom, se for...

Djalma: Já está gravando!

Reijane: Tomou já o seu café?

Djalma: Mas é que está com problema no painel de vídeo. Mais um que se espanta com a minha tela

do computador escura!

Tiago: Uai, não sei como é que você está enxergando!

Erivelto: Achei interessante a leitura dos três capítulos (capítulo 3 - "O Crescimento da Cultura e a

Evolução da Mente"; capítulo 4 - “A religião como sistema cultural”; capítulo 5 - “Ethos, visão de

mundo e a análise dos símbolos sagrados”) do livro “A intepretação das culturas” do Geertz porque

o autor traz uma contribuição importante para pensar a cosmovisão. Apesar dele não falar diretamente

do conceito de cosmovisão, ele aborda os conceitos de visão de mundo e ethos. Só que eu fiquei com

uma dúvida na leitura, se a cosmovisão estaria dentro da cultura ou se a cultura estaria dentro da

cosmovisão. Isso não fica claro. Talvez porque ele não aborda especificamente o conceito de

cosmovisão. As recomendações que ele faz para desenvolver um trabalho, fazer a etnografia, de que

não é necessário você se tornar um nativo para fazer a etnografia, mas é importante estar lá, com eles,

são interessantes para pensarmos o conceito de cosmovisão. Inclusive ele vai fazer uma crítica dos

então conhecidos antropólogos de gabinete e a crítica mais contundente que ele vai fazer é justamente

isso e defender a necessidade de estar junto com a comunidade com a qual você está desenvolvendo

a pesquisa. Nesse caso, ele nos ajuda a pensar na importância da convivência.

Djalma: Uma dúvida que eu também tive e que acho que o Erivelto falou também e ainda acho que

aprofundo um pouco ela é que na leitura da síntese eu não sei...é...você falou não sei se a cosmovisão

esta dentro da cultura ou se a cultura esta dentro da cosmovisão, às vezes eu entendi a cultura como

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sinônimo de cosmovisão, a cultura ser aquilo que a gente vinha... é...a própria concepção de mundo

está na cultura e não sei se seria uma dentro da outra ou se enraíza a percepção de mundo, a concepção

de mundo partir da cultura e aí dos autores que a gente vem lendo vai ter algumas divergências e

coisas assim, mas eu não fiquei...não consegui achar se uma está contida na outra ou se são sinônimos,

na leitura da síntese ...

Wal: Lendo a síntese do capítulo cinco eu entendi que não, por que ele diz que ethos resume aspectos

morais e éticos de uma cultura e visão de mundo são os aspectos cognitivos e existenciais dessa

cultura então cultura é algo maior, mas também não é que está assim, foi uma interpretação ele diz: a

relação entre ethos e visão de mundo é circular.

Não sei se vocês ou ele colocam aqui no fim que religião, arte e ideologia expressam uma tentativa

das pessoas se orientarem por que (até para compreensão do mundo) ninguém pode viver no mundo

que não consegue compreender e eu acho que mais para frente tem outro autor que vai trabalhar mais

esse aspecto da cosmovisão. Enfim, cosmovisão é essa tentativa de compreensão do mundo e aí ele

diz que religião, arte e ideologia são tentativas de orientação...que ele está falando mais do sagrado,

dos símbolos sagrados...

Acho que mais uma coisa que aparece aqui e que já vinha aparecendo é a crítica a abordagens que

ignoram as condições históricas daquela organização, envolvimento, indivíduo etc...nos textos

anteriores vinham falando disso , dessas condições históricas. Alguns falando de futuro e também de

projeto, mas todos tem em comum, que tem aplicação para as nossas pesquisas, essa análise das

condições históricas originárias daquela organização social, foi o que eu destaquei aqui.

Djalma: Também assim, em relação ao Geertz em uma contraposição com Dilthey e o Dussel talvez,

é...que aqui talvez seja o primeiro que a gente tá entrando e que vai tentar fazer essa leitura de

cosmovisão, dentro de uma ciência da antropologia e talvez lá a gente tá, não que aqui também não,

mas são textos mais filosóficos, que trabalham com pressupostos mais epistemológicos os outros dois

e aqui um antropólogo que tem como foco de trabalho de investigação das culturas e isso exige uma

metodologia e ele tá mostrando, criticando metodologias que vinham sendo adotadas, como a Wal

falou e apontando uma que seria esse conhecimento convivendo com a cultura e acho que não, a gente

falou na reunião passada, não negando leituras previas ou...mas convivendo com o grupo, com o povo

com quem...para que seja possível essa interpretação da cultura e aí eu acho que a questão que a gente

vem discutindo mais, vamos dizer assim, epistemologicamente os fundamentos de concepção de

mundo que talvez a gente encontre um pouco mais nos textos filosóficos, aqui já é uma aplicação

talvez, já uma interpretação do campo, que seria cultura, religião...

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Reijane: Acho que sua resposta responde a pergunta que tem mais ou menos lá no final da questão,

depois lá no final que ele fala: “diante disso trago como questão provocadora, como faremos para

saber em que nosso ethos e a nossa visão de mundo, enquanto pesquisadoras e pesquisadores diferem

dos ethos e visão de mundo dos colaboradores de nossa pesquisa, como faremos para convivermos

metodologicamente sem sermos nativos e a partir desse convívio compreendermos os símbolos, os

fenômenos e as culturas nas quais pesquisamos?” Então acredito que por meio de sua resposta você

já trouxe esse embasamento de como podemos nos aproximar, de como podemos viver

metodologicamente esse convívio com os pesquisados, sem necessariamente ser nativos, estar lá, ser

o povo de lá necessariamente, igual ele fala, por exemplo, se eu estivesse numa tribo indígena, para

você conhecer como eles vivem não necessariamente precisaria ser um indígena, mas estar

convivendo, acho que é um pouco do que eu entendi da leitura dele.

Djalma: E tanto tem as diferenças entre o Dilthey e o Dussel, mas os dois eles paraticamente vão

dizer que há impossibilidade, por que você tem a sua experiência cotidiana, o seu...a sua visão e aí

como isso faz, se você vai sobrepor ao outro, dialogar, mas epistemologicamente nos dois autores,

talvez no Dilthey fique mais evidente a questão do eu a centralidade no eu e no Dussel esse eu com

os outros , mas sempre vai estar uma vida sua , que você não vai trocar por outra para conhecer, você

vai conhecer sempre a partir das suas experiências.

Reijane: Uhum e isso ele traz aqui, não vou saber que página por que não da para ver certinho, ele

traz: “o autor esclarece que para o desenvolvimento de um estudo etnográfico, não é necessário se

tornar um nativo, mas conversar com eles, segundo o autor, os textos antropológicos são

interpretações de qualidade discutível, uma vez que apenas o nativo pode interpretar a sua cultura,

que em poucas palavras o que está em jogo é a capacidade do investigador das culturas se colocar no

lugar do outro em sua tarefa interpretativa”. Então acho que isso encaixa bem.

Erivelto: Essa postura é o fundamento da antropologia interpretativa que ele defende.

Reijane: Essas partes eu destaquei, achei interessante enquanto ele ia falando.

Tiago: É como se fosse a interpretação da interpretação... E esta interpretação da interpretação

demanda um cuidado muito grande, mesmo porque, pode ser que se desvie esta interpretação, mascara

uma dada realidade, colocando-a numa condução que não seja.

Erivelto: É. Ele vai defender isso porque, até então, muitos estudos antropológicos eram

interpretações de terceira mão. Ele defende a interpretação de segunda mão, porque você está

interpretando o que os membros de determinadas comunidades estão te mostrando na convivência,

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estão te falando... E quando os estudos eram baseados apenas em relatos, que eram desenvolvidos

pelos antropólogos de gabinete, você está interpretando a interpretação de uma interpretação. Por isso

que ele vai defender a antropologia interpretativa e a importância de estar lá.

Tiago: É. E a pessoa que vai fazer uma inserção no campo etnográfico, como está previsto aqui, por

exemplo, como ele coloca; a pessoa não vai se despir de tudo o que ele sabe até ali. Então, de qualquer

modo, este cuidado com o que você já tem, com o que você está vendo é o que ele coloca como centro

da questão da interpretação. Por que eu vou analisar para interpretar, do lugar de onde venho, no

cuidado de analisar onde estou. Porque, como é que você vai esquecer o que você sabe, esquecer o

que você já tinha, estando imerso neste campo... não existe neutralidade.

Reijane: Isso me faz pensar no texto do Valla23 que fala que a crise de interpretação é nossa. Lembrei

um pouco deste texto porque este autor fala que está em nós sabermos interpretar o que os outros

querem nos falar e não em impormos nossas ideias para os outros.

Tiago: Verdade. É isso o que eu quis dizer, é isso aí.

Rosangela: No caso, o Viveiros de Castro é parecido com Geertz.

Erivelto: ... parecido...

Rosangela: com a questão da interpretação, por que ele é etnógrafo. E quando ele coloca o papel do

pesquisador, achei ele parecido com o Geertz porque ele fala que você tem que agregar conhecimento

quando você está fazendo uma pesquisa com um nativo, não ser superior ou inferior. É parecido?

Erivelto: É parecido, mas acho que o Viveiros de Castro irá aprofundar algumas questões. Geertz

ainda trabalha com categorias epistemológicas dele, da visão de mundo dele. O Viveiros de Castro

propõe algo diferente. O Viveiros de Castro vai falar que não adianta a gente ir lá, conviver com os

indígenas e querer entender aquele contexto com nossos conceitos. Por isso que o Viveiros de Castro

vai ser considerado como um dos defensores da “filosofia indígena”. Bento Parado Jr.24 fez um

belíssimo prefácio do livro “Arqueologia da violência” de Clastres. Parado Jr. (2004, p. 11) é

questionado se Clastres compartilhava do movimento que havia “dentro da antropologia brasileira

que pretende, a partir da dita "filosofia indígena", fornecer visões alternativas à própria filosofia

ocidental...”, ele enfatiza “Aí vocês se referem ao [Eduardo] Viveiros de Castro...”. Então, Viveiros

23 VALLA, Victor Vicent. A crise de interpretação é nossa: procurando compreender a fala das classes subalternas.

Educação e Realidade, 21 (2), p. 177-190, 1986.

24 PARADO JR., Bento. Prefácio. In: CLASTRES, Pierre. Arqueologia da violência: pesquisas de antropologia política. São

Paulo: Cosac & Naify, 2004. p. 4-17.

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de Castro argumenta que para entendermos os conceitos que os nativos atribuem aos fenômenos

devemos experimentar com eles. Por isso que ele vai falar em multinaturalismo e não em

multiculturalismo.

Tiago: Mas isso pressupõe também uma apropriação destes conceitos para se trabalhar, para se

aprofundar nessa imersão, nessa visão, então?

Wal: Apropriação!?

Tiago: Não sei se apropriação seja a melhor palavra

Erivelto: Convivência?

Tiago: É, talvez a convivência, mas é como se a gente tivesse que internalizar isso...

Erivelto: Compartilhar, talvez.

Tiago: É, não sei qual seria a melhor palavra, mas me parece que fica como se a gente tivesse que...

não se tornar um deles...

Tiago: É, mas é quase... Não sei... Eu vi um depoimento de uma professora que eu tive, que ela fez

um ritual de iniciação para, a partir daí, começar a compreender os conceitos que emergem dessa

convivência para poder trabalhar.

Ana Paula: A gente nem chega perto de se tornar um deles... É nesse sentido que eu acho que a gente

não consegue deixar aquilo que a gente já tem... Eu acho que a gente não consegue nem chegar perto

de ser... Mas eu fico muito com isso assim: reconhecer as diferenças e mesmo assim olhar para essas

diferenças, para esses outros sujeitos de igual para igual sem essas questões de ser mais ou ser menos,

mas reconhecendo essas diferenças que existem ali naquele grupo, naquele local.

Erivelto: O Viveiros de Castro ele vai enfatiza que é preciso compreender sem definir. Por exemplo,

se você quer entender luta de classe numa sociedade indígena; talvez não exista luta de classe tal

como nós compreendemos. O importante é descrever. Geertz vai falar bastante disso na questão da

confiança, por falta de um termo melhor eu vou chamar assim, mas não é confiança... O capítulo 9

“Um jogo absorvente: Notas sobre a Briga de Galos Balinesa” do livro de Geertz é muito legal. Neste

capítulo o autor fala o seguinte: quando ele chegou lá em Bali, onde ele fez etnografias, ele passeava

com a esposa na comunidade, as pessoas sabiam quem ele era e o que ele estava fazendo ali, mas

olhavam para ele como se ele não existisse. Ele não existia para aquelas pessoas. Em Bali, segundo

seus estudos, a questão da confiança é importantíssima. Então, teve um evento, uma briga de galo,

que era proibido em Bali. Durante o evento que fora organizado para angariar fundos para uma escola,

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baixou a polícia e todo mundo saiu correndo. Geertz e sua esposa poderiam apresentar seus

documentos e dizer “olha somos pesquisadores”, provavelmente não aconteceria nada com eles. Mas

eles não pensaram nisso e saíram correndo também. A partir desse momento, eles ganharam a

confiança de boa parte da comunidade. Eles passaram a ser convidados para tomar café. Geertz

começou a perceber a importância que tinha a briga de galo para aquela comunidade. Ele foi para

Bali para estudar a cultura, os fundamentos da cultura, alguma coisa assim, e ele entendeu que para

isso, para estudar a cultura, tinha que estudar a briga de galo. Ele faz a análise do significado da briga

de galo, desde os cuidados que os homens têm com seus galos, que é um cuidado eminentemente

masculino e isso tem relação com a masculinidade e, a partir disso, ele entendeu a cultura de Bali. E

ele só conseguiu acesso por conta desta confiança que ele adquiriu, que ele vai chamar de evento.

Esse evento, “jogo absorvente”, deu acesso a determinados espaços daquela vida social... Não sei se

seria uma apropriação, no caso do Geertz.

Djalma: Aí acho que mostra também que a convivência não é só estar lá.

Erivelto: Não é só estar lá, tem que compartilhar de alguns valores.

Djalma: É.

Alguém: Você se aproximar é muito mais do que estar...

Diálogos sobre o texto “Pensamento ameríndio: relatos antropológicos de cosmovisões

amazónicas - texto baseado no Artigo ‘O Nativo Relativo’ de Viveiros de Castro”

Wal: Acho que podemos ir para o Viveiros de Castro, então. Já estamos indo... Uma coisa nessa

direção que você estava colocando... não só entender o que está sendo dito, mas quem esta dizendo e

aí a visão de mundo de quem diz; ele fala aqui logo no segundo parágrafo do pensamento ameríndio,

fala da relação social no pensamento ameríndio, como aquela que não só se amplia, mas também

difere da nossa, por que compreende humanos e animais como aqueles que possuem formas diferentes

mas fundos humanos comuns. Isso é muito interessante, por que são todos humanos. Ai ele vai nesta

citação que vocês estavam aqui: “Meu objeto é menos o modo de pensar indígena que os objetos

desse pensar, o mundo possível que seus conceitos projetam”. Então ele vai realmente buscar os

conceitos. Ele fala não há mundo pronto... porque ele fala ensaios etnossociológicos sobre visões de

mundo que não é para reduzir a antropologia a isso porque “não há mundo pronto para ser visto”.

Quando falamos “visões de mundo”, parece que tem um mundo que falta ver. E ele fala “não há

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mundo pronto para ser visto, um mundo antes da visão, ou antes, da divisão entre o visível (que é o

pensável) e o invisível (que é o pressuposto)”. Eu fiquei até pensando que o pressuposto foi o

pensável, que agora é um pressuposto, talvez, não sei... “que institui o horizonte de um pensamento.”

Wal: ...Acho que isso vai ajudando a gente a complexificar um pouco o conceito de “visões de

mundo”. Não há um mundo pronto para ser visto. Não há um mundo antes da visão. Quer dizer: vem

junto, a visão e o mundo. Apesar das críticas a expressão “cosmovisão”, por causa da expressão

cosmos como algo organizado... enfileirado como é da primeira... referência da etimologia da palavra.

Mas é interessante a gente perceber que a expressão “visões de mundo” pode dar a entender isso.

Uma outra coisa que ele coloca que é no fim dessa citação: “não se trata, por fim, de propor uma

interpretação do pensamento ameríndio, mas de realizar uma experimentação com o pensamento

ameríndio. Portanto, também com o nosso pensamento”. Acho que isso em termos de convivência, o

“com” complicado aqui. E aqui quando ele dá o exemplo do corpo, mais para frente, acho que está

muito... é um exemplo muito... muito bom, esclarecedor do que ele diz aqui: “não tentar encontrar

um conceito já estabelecido da cultura do pesquisador, mas tentar encontrar o conceito”, mesmo que...

use a mesma palavra que o signo seja o mesmo, mas é diferente, a construção histórica e o que eu

quero dizer com aquilo com eu estou falando. Isso é insistente no texto.

Erivelto: Foi legal a escolha do Viveiros de Castro porque a Iraí fez um relato do que ela estava lendo

do Geertz, na primeira reunião que eu participei, eu falei: nossa! Essas reflexões têm relação com os

textos do Viveiros de Casto! A partir disso, lemos este artigo “O nativo relativo”. Tem outro “Os

pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio”. Durante o relato da Iraí, lembrei justamente

desta passagem da discussão sobre o corpo que ele apresenta da professora com a mulher Piró.

Djalma: Eu acho que esse trecho do último parágrafo que a Wal leu que fala de interpretação e

experimentação, acho que tem essa... esse contraponto com o que o Geertz... porque você vai convive,

mas você vai interpretar e aí por mais que você esteja convivendo, você vai recorrer a sua visão de

mundo, claro, conviver, convivendo, mas você tem o seus pressupostos ali. Lembro quando vocês

apresentaram, eu fiquei com essa dúvida e até lembro que eu comentei que parece que os pressupostos

ainda não são questionados, vamos dizer assim: você vai, convive, você abre os pressupostos para

serem dialogados, mas você... eles não são... vamos dizer assim: eles não são abalados,

problematizados. E como o Viveiros de Castro, a ideia de experimentar com é você já questionar, já

partir do questionamento dos seus próprios pressupostos... seus pressupostos serem colocados em

questionamento. Então, acho que quando você estava falando da diferença entre o Geertz e o Viveiros

de Castro, acho que esses... o foco em um na interpretação e foco do outro na experimentação com,

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acho que esse trecho é bem interessante para... me fez associar quando você comentava sobre os dois.

Wal: No relato aqui do diálogo da professora e da mulher Piró, eu acho que é interessante que a

mulher insista porque se a mulher não tivesse insistido, tinha acabado, não tinha vindo essa outra

visão e esse outro mundo porque ele diz: para a professora, tinha a visão de mundo dela e tinha a

visão de mundo da mulher Piró, mas o mundo era um só onde todo mundo... todas as crianças

deveriam beber água. E o que ele vem dizer é que são mundos. Aí ele fala que a posição da professora

(e isso eu achei que é uma crítica que eu também me faço e tento manter a luz acessa) traduz o seu

universalismo natural e seu diferencialismo cultural mais ou menos tolerante. Aí na citação seguinte,

eu acho que é muito, muito bom... porque senão a gente vai entrar na questão da Biologia e da Física

e vai dizer assim: não, mas biologicamente e fisicamente é isso mesmo: ferver a água. Mas não é isso

que ele está querendo dizer. Ele fala: eu não quero fazer uma má ficção científica, onde haveriam

Físicas e Biologias diferentes. Não é isso! E que se trata de encontrar o problema real que torna

possível o mundo implicado na réplica da mulher Piró. O argumento de que nossos corpos são

diferentes não exprime numa teoria biológica alternativa (essa palavra “alternativa”!)... naturalmente

uma Biologia objetiva imaginariamente não standard, o que o argumento Piró manifesta é uma ideia

não biológica de corpo e daí é o que faz com que questões como diarréia infantil não sejam tratadas

como objetos de uma teoria biológica. O que essa mulher diz é que nossos corpos são diferentes,

entenda-se: os conceitos são diferentes e não as Biologias são diferentes. O que ele está falando da

água Piró não reflete uma outra visão de um mesmo corpo, mas um outro conceito de corpo, cuja a

“dissonante subjacente a sua homonímia com a nossa é justamente o problema”. (pausa) É um

pouco... Isso me lembra a expressão do Freire de procurar a razão de ser do conhecimento “por quê”?

“Por quê”? Sempre se perguntar.

Ana Paula: Às vezes, está tão naturalizado para nós. Tudo a gente tem naturalizado que a gente acaba

não... Entra um pouco no que o Djalma falou um pouco porque a gente não questiona os nossos

pressupostos e para nós aquilo é o que realmente existe e não o do outro. Porque não o do outro.

Wal: Isso que ele diz: “a cultura nativa deve agregar conhecimento e não deve ser superior e nem

inferior a cultura do antropólogo, apenas diferente”. É um exercício constante.

Ana Paula: O que deu certo ou errado...

Tiago: Tem uma linha da Antropologia, da evolução cultural, que tem o objetivo exatamente de

hierarquizar isso. Tanto que o conceito de civilizado e de civilização, selvageria e barbárie parte desse

raciocínio de que aqui sabe mais, lá não sabe nada, é o vazio, um grande buraco, onde a minha visão

deve se preponderar sobre a outra. Tanto que Darwin foi um dos maiores contribuidores dessa visão

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evolucionista que reduz as pessoas à barbárie e à civilidade ou não. Mas é uma visão hierarquizada.

A mesma que a gente tem, por exemplo, com o conceito de mesa: termo prático de utilização no

contexto, que pode não ser para outro grupo outro grupo, em outro talvez tenha a mesma conceituação

e talvez a mesma finalidade. Pode ser madeira para lenha, fogueira. Então, dado isso, seus

conhecimentos então não são certos ou errados, eles pertencem àquele mundo, àquela realidade.

Então, não nos cabe hierarquizar, e essa não hierarquização demanda um esforço também de nossa

parte porque nós temos como ponto de partida a nossa realidade, mas a gente não pode tomar como

referência o que a gente tem para julgar ou afirmar aquilo como sendo.

Ana Paula: É! Reconhecer mas sem ter essa ideia de reconhecer como certo ou como errado, apenas

reconhecer. Acho que é um dos exercícios mais difícil.

Djalma: Acho que até lá o Simón Yampara Huarachi no texto ele... eu lembro que ele fala que... que

ele vai dizer que, no final do artigo que a gente vai depois comentar, ele vai propor que, segundo a

perspectiva Aimará, é conviver com os diversos mundos incluindo o mundo da gente, mundos

diferentes dos nossos e aí e ele vai dizer: Porque a gente não pode resolver essa equação o

conhecimento ancestral e milenar mais conhecimento ocidental centenário como conhecimento

profundo e renovado. Nessa questão, não precisa de um se sobrepor ao outro. Mas acho que essa

questão de mundo e mundos me fez lembrar de um trecho que eu não vou recordar agora o texto que

talvez uma leitura também um pouco mais cotextualizada historicamente, que é um pouco mais

marxista do Brandão, que dizia que não existem mundos diferentes, existe o mesmo mundo justo e

desigual. E aí também acho que se a gente vai partir dialogando com esses autores a gente vai poder

ver que na verdade existem esses mundos diferentes. Às vezes se a gente achar que é desigual e injusto

o no chefe que manda obedecendo pode ser que, enfim, acho que esta questão de injustiça e

desigualdade. Claro, não sendo ingênuo, porque a gente vive numa construção assim, globalizada,

que vai caminhando para isso inclusive de hierarquizar esses conhecimentos, mas numa perspectiva

indígena que a gente se aproxima muito. Existem os mundos das pessoas os dos espíritos que juntos

, numa convivência em harmonia, leva ávida. Que eu acho que cai mais uma vez naquilo, se a gente

cai no pressuposto do que seja determinado conceito, e acho isso muito importante para gente,

determinado conceito, poder justiça, injustiça, e a gente parte de nossas leituras, nossas vivencias e

quando a gente está compartilhando tem que ela aberta. Para que essa questão de justiça não seja só,

o que esta mostrando na minha leitura, que ela não é tão dicotômica assim. Acho que é isso que

acontece nas nossas vidas também, a gente muitàs vezes se policia e acaba tentando compartilhar mas

em determinado momento, em determinadas situações a gente se olha reproduzindo algo que

supostamente estaria contra. Acho que a leitura desses dois talvez, a leitura de viveiros de castro junto,

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se é experimentar junto com as outras pessoas eu acho que é também os seus conceitos, também tem

que estar assim contextualizado com o grupo com as pessoas, com os autores em dialogo no processo

de pesquisar.

Erivelto: Eu tenho uma experiência interessante, tem relação com isso, Djalma, quando eu terminei

o mestrado e fui dar aula no Estado, eu tinha uma visão bem distanciada dos professores que atuam

na rede estadual. Eu chegava na sala dos professores, eles viviam reclamando que eu não conseguia

dá aula e falavam assim: “faltam 4 anos, três meses e dez dias para eu me aposentar, não vejo a hora”.

Então eu criticava essa postura, pensava, gente que coisa chata! Eu comecei a atuar como professor

no Estado. Entrei lá e fiquei 2 meses. Teve um feriado numa quinta-feira e na sexta o governador não

tinha dado ponto facultativo, a gente tinha que ir para escola, no trajeto que eu fazia a pé até a escola,

eu fui pensando “Tomara que não tenha aula na escola, aí eu fico tranquilo.” Nesse momento, dei-me

conta que estava reproduzindo aquele discurso que eu sempre critiquei. É um pouco isso. A partir da

convivência com os professores, passei a compartilhar alguns valores e posturas.

Tiago: Tem um vídeo que a gente assistiu ontem. Como é que chama? O risco de uma história única25?

É um documentário de uma mulher nigeriana, é um depoimento de como ela foi se construindo como

pessoa no mundo e primeiro ela, quando se percebeu, se percebeu reproduzindo as histórias

americanas, o mundo americano como ele era apresentado e ela estava vivendo intensamente aquele

mundo que ela via nos livros americanos, britânicos e ela se pegava naquele desejo. Ela até expressa

o profundo desejo que ela tinha de experimentar cerveja de gengibre, que era algo que não era da

cultura dela . Até que ela teve contato com uma autora africana e ela passou por meio da leitura dessa

autora africana descobrir que ela poderia entender e ver que o povo dela também tinha literatura,

também tinha história, que não estava contada. E ela depois teve várias experiências, quando ela veio

para a América Latina, para o México. Ela foi fazer faculdade no Estados Unidos, foi viver com uma

amiga de quarto e ela sentia que a amiga olhava para ela com uma certa piedade, primeiro porque ela

era negra, que ela vinha da África, que ela era nigeriana, a amiga questionando como ela falava tão

bem inglês, e ela se sentiu assim, numa situação de constrangimento. E ela foi falar da visão que ela

tinha daquela realidade e de como as pessoas viam ela na realidade dela, ela, negra, nigeriana. Então

ela fez um movimento, esse movimento vai provocando rupturas, e essas rupturas provocam

mudanças em nós, divisões de comportamento, de entendimento e a gente vai percebendo que isso

acaba sendo transitório, que a gente transita muito, a gente tem um mesmo pano de fundo, mas é

25 O perigo da história única - https://www.youtube.com/watch?v=EC-bh1YARsc

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como se a gente fosse se formando ao longo tempo. E é isso que ela foi mostrando, no depoimento

dela. E de como ela se construiu como pessoa, como ela foi mudando a visão de mundo dela.

Ana Paula: Ela vai colocando como ela se aceita enquanto africana. Ela não conseguia se ver, se

aceitar africana. E aí é só depois desse momento que ela sai do país, para estudar nos estados unidos

com todos esses conflitos, , com a colega de quarto. Que ela mesma se aceita.

Tiago: E foi a partir da convivência.

Erivelto: Marc Ferro26 tem um livro intitulado “A manipulação da história no ensino e nos meios de

comunicação” que ele fala um pouco desse contexto. No seu livro, o autor fala sobre a reprodução do

sistema de ensino tem relação com a colonização. Ele dá um exemplo de um pais africano colonizado

pelo reino unido e o que era divulgado nos materiais didáticos, nos meios de comunicação, é que os

ancestrais daquelas pessoas eram os gauleses. Ele vai falar que o processo de descolonização teve

que romper com todo esse, a proposta era desconstruir com toda essa história que foi criada.

Djalma: Isso é interessante, se a gente pegar aquele livro do Dussel que diz que você é condicionado

e você tem o presente e você tem as possibilidades. E esse condicionamento ele não é estático, porque

você tinha ali alguém tentando te falar vocês descendem dos gauleses. Daí quando você, acho também

o que acontece, quando você vai, nossa, tem literaturas do lugar que eu vim, tem então história , você

consegue olhar para esse passado que ele te condiciona, mas também que ele pode se transformar.

Então questão da memória, trabalha bastante com isso, que o passado pode condicionar, mas esse

passado pode ser transformado também.A partir do momento que a experiência se desloca , de como

você olha para ele.

Ana Paula: É, no relato dela ela cita o período de muita critica sobre a imigração, os imigrantes

mexicanos entravam ilegalmente , não trabalhavam legalmente, e que ela foi tão bombardeada pela

mídias de onde ela estava vivendo, que ela uma vez foi ao México e se viu sentindo piedade dos

mexicanos, imaginando os mexicanos terríveis. Numa situação que ela passou, de sentirem piedade,

e ela acabou se colocando na mesma situação. Mas o momento de reflexão dela, o quanto a gente fica

nesse bombardeio de informações, sem se questionar, o quanto a mídia constrói para gente, a gente

fica com aquilo preso em nos e quando a gente vai até a realidade consegue ver que não é, que aquilo

foi passado.

Tiago: E tem também que ver como é a obra literária, pois ela se utilizava das obras americanas, tanto

26 FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação. A história dos dominados em

todo o mundo. São Paulo: IBRASA, 1983.

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que a leitura dela, das palavras de quem escreveu, a influenciaram, de modo que ela construísse aquela

visão. Foi como se ela tivesse vivendo aquela realidade dada pelo autor da obra que ela lia. E ela foi

construíndo as relações todas a partir daquilo. E é claro que não era só uma construção dela. Quantas

pessoas tinham acesso a essa mesma obra e não fazem essas mesmas construções. Então a nossa

sociedade atual também faz isso. Porque que, se perguntar, qual cerveja é melhor do mundo? Todos

respondem preferencialmente por uma, apenas para que possamos ver como é que a mídia interfere

no nosso dia a dia e faz com que construamos uma visão que talvez não seja realmente nossa, que

nos é imposta.

Ana Paula: Mas aí tem a possibilidade desse exercício, de você perceber e reconstruir.

Djalma: É e se, não é incomum, alguém que quer fazer uma pesquisa para buscar conceito, voltar na

Grécia, como se todo mundo originasse de lá. Não é incomum achar textos assim. Acho que a gente

faz um exercício aqui também de para além, , a Grécia, acho que o Dussel também mostra isso muito,

como foi se construindo esse mito de Europa, também.

Tiago: É e parece que fica uma constante tentativa de voltar no passado para resgatar e colocar no

presente. Fica parecendo um movimento, agora de busca. Parece que quando a gente vai ler sobre os

paradigmas emergentes, tem até a Maria Candida de Moraes27, ela fala da importância de resgatar o

que de bom tínhamos no passado. Ela volta na antiguidade clássica, antiguidade moderna, ela volta

nos conceitos que ela considera centrais e coloca como necessidade para revermos as nossas práticas,

as nossas formas de relações, no atual momento em que vivemos. Então por que que fica nesse

constante movimento? Por que foram apagados, foram esquecidos ao longo da nossa trajetória, da

nossa história? A impressão que tenho é que sim. Principalmente quando se fala de educação escolar,

que tudo está perdido.

Djalma: Só essa perspectiva de que o passado está aqui não está aqui, mas a gente vai construindo.Eu

lembro disso também essa questão do gestual. Acho que quando eu estava na defesa do mestrado e

eu fui falar alguma coisa da América Latina que eu fiz assim, mas assim com a mão não com as

palavras porque a gente tem aquela coisa de sumo. E essa questão do gestual é isso. Às vezes a gente

no gestual está traindo o que a gente está buscando.

Tiago: É verdade isso. É interessante, não é fala só, a fala que contradiz.

Djalma: Aí a gente entra em outra questão que é o que esses autores, os estudos indígenas nos traz

27 O PARADIGMA EDUCACIONAL EMERGENTE: implicações na formação do professor e nas práticas pedagógicas.

Maria Candida Moraes. Disponível em: http://rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/1053/955

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que é questão da linguagem. E aí quando a gente cai numa linguagem escrita. A ciência se difunde

numa linguagem escrita. Essa cultura toda corporal e isso ele vai dizer que muitos tecidos muitas

contavam histórias que muitas pessoas não conseguiam ler aqueles tecidos. Com as tramas, então ali

você tinha uma comunicação, que é gestual, que é uma dança. E quando a gente vem falar em ciência

a gente vai para linguagem escrita.

Tiago: Até aquelas marcas que eles fazem no rosto tem uns significados atribuídos porque eles

incorporam neles.

Wal: Até as nossas marcas que a gente faz em nossos rostos também tem significados atribuídos. Se

eu passo um batom vermelho, um delineador, se faço uma tatuagem.

Djalma: Aí que você coloca naquele livro de Epistemologia do Sul, eu não vou me recordar agora,

mas depois eu posso falar. Tem um texto que vai falar de um dos autores que vai falar exatamente

isso. Essa dificuldade se não me engano um autor africano.

Djalma: Ele vai dizer isso dessas dificuldades que na hora que você tem que passar para a escrita de

como você vai ter que dar conta. É muito mais complexa do que a escrita vai permitir e que vai ter

que assumir e aí você acaba tendo que criar um conceito para você. Também tem esse debate. Você

tem uma comunidade científica.

Ana Paula: Quando você coloca gestos, pinturas, todos esses rituais num papel, você começa.

Erivelto: Tem um autor africano, Hassimi O. Maiga, que veio aqui na UFSCar. Ele fala justamente

sobre isso. Ele diz que na língua Songhay não existe uma palavra para a instituição “orfanato”. Para

falar disso, era necessário fazer uma discussão de como se cuida das pessoas na cultura Songhay.

Ana Paula: Essa me fez lembrar de um idoso da turma da gerontologia no PESCD. A gente fez uma

roda de conversa aí surgiu essa questão da aposentadoria, o aposentar no sentido literal da palavra.

Ele não se sente nesse momento. Porque usa-se essa palavra, o aposentar é um determinado momento

da sua vida tem que se recolher a seus aposentos. Aí até a Wal trouxe um relato, acho que da

Petronilha. Acho que é. Que ela se encontrou nesse momento também que não vou me recolher a

meus aposentos. Aí existiam outras possibilidades. Quais eram?

Tiago: não lembro

Ana Paula: Do aposentar e da inatividade. Que na verdade ela não se reconheceria como inativa e

aí, por fim, ela chegava no ser vagabundo. Aí tem o significado de ser vagabundo, vagabundear. Que

é vagar, caminhar, viajar. Que aí eu me encontro mais sendo vagabundo do que sendo aposentado,

inativo.

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Tiago: Aí tem um livro da Dulce Whitaker que chama “Envelhecimento e Poder”. Acho que também

é extraordinário. Ele trata dessa questão do velho, aposentado, como uma questão de alteridade.

Porque ela deixou de ser quem ela era, quando se aposentou? Ela se tornou inútil porque se aposentou?

Então! ela começa: “Ah! Essa velha lindinha, de batonzinho, toda de maquiagem”. Ela tem um

depoimento que na hora que ela se pronunciava nos seminários as pessoas se assustavam com a fala

dela. Falavam que ela era grande. E ela começou a questionar ela mesma.

Ana Paula: Então, esse senhor falando, não me vejo em meus aposentos, ele tem mais de 80 anos.

Então, você pensa. O quanto ele ouve, o quanto ele vive, o que ele já passou. As pessoas acham que

por ele estar nessa fase da vida que teria que ficar recolhido, e o quanto a gente usa essas palavras, ?

Voltando nesse sentido da linguagem que vocês estão falando, a gente usa essas palavras muitàs vezes

sem saber, sem reconhecer e entra muito nisso. Aí que bunitinha essa velhinha.

Djalma: Até porque você tem uma vida sendo vivida, que deve ser coerente a ela. Você completou

70 anos, agora se ternura?

Ana Paula: Era uma vez. A Gal também falou dessa questão da aposentadoria, eu sou idoso com

quantos anos? Você é? 59 ainda não, mas 60 agora ok.

Djalma: Também que foi uma lembrança eu estava conversando com a Stella e acho que Dussel tinha

completado 80 anos ela tinha mandado um e-mail para ele, e ele tinha respondido e eu comentei que

ele tinha sido conclamado a ser reitor de uma universidade do México e que foi construída pelos

movimentos populares , que em 2013 a então reiota , a tal, a tal não estava dialogando e foi derrota

numa votação e chamaram Dussel e ele com 80 anos está lá, está reitor e agora se ele tivesse

aposentado ele ia dizer não, agora me aposentei.

Erivelto: Eu me recolho aos meus aposentos.

Djalma: Então, tá uma coerência da vida.

Wal: E quando foi o concurso de titular da Petrô me pediram para eu telefonar para algumas pessoas

convidando para virem para a banca e eram pessoas aposentadas. Aí eu ligava e para as pessoas e não

tinham agenda (risos).

Wal: Aí eu falei “você se aposenta e trabalha tanto. Eu não consigo achar uma agenda com nenhum

de vocês”.

Ana Paula: Você sabe o que lembrei nessa de idoso bunhitinho, idosa bonitinha? Que ontem na hora

que passou a entrevista do Freire no final da aula de ontem aí as pessoas falaram: ai que bunitinho

Freire falando.

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Djalma: Ai aquele velhinho é danado.

Wal: Eu ainda estou lá na sua fala sobre mundo, mundo perspectiva e mundo totalidade tentando

entender o que a gente quer dizer quando diz “mundo” e eu acho que esses textos de cosmovisão

sempre chamam atenção disso de que esse mundo é o mundo que está constantemente em construção

que é o mundo da minha interpretação de mundo. Agora tem alguns autores que a gente tem lido e

tem insistido para colocar, ampliar essa interpretação de mundo em relação a nossa história de uma

forma crítica e que explicite a injustiça, a opressão e que coloque no horizonte, e quem depois, aqui

tem outro horizonte.

Djalma: Inacabado.

Wal: Que aí tem esse mundo em construção.

Wal: Que sempre que se amplia a visão de mundo e sua ampliação provoca uma transformação no

mundo que, sendo vista, tem outro mundo para se transformar e... um outro mundo para transformar

e assim em diante.

Djalma: É o slogan do Fórum Social Mundial, ? Um outro mundo é possível, mas que vai nascer. O

que esse Fórum Mundial faz? Esse Fórum junta muita gente principalmente essas que vem das partes

injustiçada, globalizadas economicamente, ? Claro que criou um mega evento onde as coisas

inicialmente e ainda acontece de forma não tão. Esse compartilhamento para construir desse outro

mundo, ? Porque muitàs vezes essa ideia, essa palavre mundo também é utilizada para desqualificar

algumas pessoas, alguns argumentos. Muitàs vezes para mostrar que mundo é esse.

Rosangela: A própria visão da crença. Se você não tiver a visão centrada em Deus, então você é

mundano, é coisa do mundo.

Djalma: É muito materialismo.

Tiago: É esse discurso que tem de justificar a marginalidade. Onde é que fica a marginalidade, ?

Djalma: Que quando se diz que mundo é esse você quer dizer se ajuste a ele. Você está

desqualificando a utopia essa construção de um outro mundo.

Tiago: E vai colocando o seu mundo como certo também, viável. A comparação para afirmar que o

dela não está certo é o meu. Que sérias essas afirmações que a gente faz para as pessoas e as pessoas

para nós! Nós temos uma representatividade muito grande. É isso que estou percebendo nessas falas

todas. Porque na hora que vem a palavra mundo na minha cabeça, sinceramente, a hora que fala visão

de mundo para mim já vem mentalizado um globo. É como se eu estivesse vendo a Terra de cima. Na

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minha tela mental se forma a imagem do globo visto de cima. Então seria um mundo e seria um

cosmo, um universo. Na hora que fala mundo para mim eu vejo isso. E quando fala visão de mundo

parece que eu associo a Terra vista de cima. Engraçado! Quantàs vezes eu vi essa imagem?

Pouquíssimàs vezes. E porque a terra tem que ser linear? Por que essas visões de mundo são lineares?

Porque está todo mundo organizado? Na verdade o mundo não é isso. Ele é assim. Ele é uma linha.

Não é? Ele é extremamente organizado, mas dento de outras organizações de altos e baixos níveis,

cadeias. É na hora que se aproxima os focos, o mundo não é assim redondo, linear. Na hora que você

vai descendo do espaço para a crosta, ele vai alterando o relevo. A própria conjuntura já mostra que

existem diferenças aqui.

Djalma: E você convive com o que está fora. E você vê o quanto você está fora. E quando você está

dentro, você vê de dentro.

Djalma: E você pode tropeçar. Sentar aqui em cima e escorregar aqui em baixo.

Tiago: Então, é extremamente isso.

Wal: Mais alguma coisa?

Wal: mais alguma coisa do Viveiros de Castro que vocês gostariam de destacar.

Tiago: eu queria falar alguma coisa assim para vocês me ajudarem a aprofundar o entendimento, até

talvez para a gente fechar quando ele fala (vou retomar lá o que vocês tinham colocado “não se trata

por fim de propor uma interpretação do pensamento ameríndio, mas sim de idealizar uma

experimentação com ele e portanto com o nosso”), então isso pressupõe a convivência para além da

convivência, é isso que ele fala?

Wal: eu estou entendendo aqui experimentação por aquilo que me acontece.

Djalma: junto

Wal: experimentar eu acho que é a convivência mas também estas possibilidades de mexer, de

misturar.

Erivelto: não é uma convivência utilitária que você vai coletar seus dados para a pesquisa e

desaparece.

Wal: essa experienciação com, mas experimentação também quer dizer experimentar aquele

pensamento, ver se está justo, se está se sentindo bem, se está incomodando e aí quando eu falo que

está incomodando a roupa que está apertada, num certo sentido eu estou tendo a consciência do meu

corpo também, que não tinha antes daquela roupa talvez me apertar.

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Djalma: lembro que na dissertação de mestrado uma das categoria que a gente construiu foi o “fazer

com” que é fazer com as pessoas lá, não é que não tem um rigor a gente tem uma proposta de projeto

junto e a gente vai fazer junto e o “aprender fazendo”. Na dança de rua era muito evidente isso de um

passo se não fala assim agora você abaixa coloca a mão no chão, levanta com a mão esquerda, agora

gira, não tem isso se aprende fazendo, aprende como experimentando caindo, levanta, vai, volta, gira,

então tem um pouco isso você fazer uma leitura para a experimentação, que não tem, vamos dizer

assim, o aprender fazendo não vai ter no final que você vai ter que responder uma resposta para ver

se você vai passar ou não, para ver se foi aprovado ou não, você vai aprende fazendo e o passo que

você fez vai ser um pouco diferente daquele, mas é o passo que você fez, mas aprendeu ali junto o

“fazer com” e o “aprender fazendo”, acho que tangencia essa questão da experimentação.

Erivelto: tenho outro relato também do Fórum Social Mundial. Quando eu participei, assisti uma

oficina, realizada por um angolano, sobre contação de história e expressão corporal. Eu não sei dançar,

não tenho noção de ritmo. O organizador da oficina propôs que sentíssemos a música que ele estava

tocando no atabaque e nos convidou para expressar com o corpo o que estávamos sentindo. Eu acho

que foi a única vez que dancei bem na vida, porque tinha a ver com sentimentos, você ouvia o som e

se expressava com o corpo. Acho que essa experiência tem a ver com a “experimentação", fazer com.

Djalma: eu também tenho uma experiência do Fórum sobre esse diálogo de perspectiva de mundo

que no Fórum Social de 2003 a gente tinha finalizado um vídeo que fala sobre violência doméstica e

a gente ficou sabendo que iria ter um encontro de mulheres latino americanas e caribenhas para

discutir a questão da violência doméstica, daí fomos eu e um amigo que também compartilhou a

produção do curta e fomos para essa roda e lá chegando era uma sala imensa e tinha só mulheres e

quando a gente entrou perguntaram se a gente tinha certeza que estava no lugar certo, então como é

essa questão que eu estava falando antes a dificuldade também do grupo de compreender que

poderiam homens também estar lá querendo conversar dialogar, no final passamos o filme, mas a

primeira pergunta de quem terminava foi isso: se a gente não tinha errado a sala porque acontece

muitas coisas ao mesmo tempo e vê dois homens entrando assim numa sala cheia de mulheres para

discutir violência doméstica.

Diálogos sobre o texto “Cosmovisão do povo Munduruku: perspectiva indígena amazônica -

texto baseado no livro ‘Banquete dos Deuses. Conversa sobre a origem e a cultura brasileira’

de Daniel Munduruku”

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Wal: Dá para a gente ir mais uma

Djalma: Munduruku

Wal: Acho que assim aqui logo de cara vocês fazem uma síntese dizendo que a cosmovisão de um

povo define a organização social e as prioridades, eu acho que isso vem acrescentar ao que a gente

vinha dizendo que a cosmovisão é a necessidade humana de compreender o mundo e organizar

mesmo, organizar, planejar e definir caminhos para esse mundo que eu agora compreendo, seja para

transformar, seja para manter, é como eu vejo e como essa cosmovisão está na raiz das ações, dos

projetos.

Djalma: eu acho que aqui já é, vamos dizer assim, a estruturação de uma cosmovisão, que depois vai

ter no teoreferente como eles estruturam, talvez aqui a questão da ancestralidade muito forte, da

memória, essa constituição que se a gente for pensar numa construção mais ocidentalizada tem essa

separação do ser humano da terra que hoje assim parece que o ......tem algum problema que a gente

está explorando eu acho que tem haver também com a questão do projeto de mundo nessa perspectiva

mais centrada, mais estadunidense centrada, de acumulação de riqueza e de exploração de tudo e de

todos, eu acho que aqui traz que não é novo, que é milenar, assim como os yamaras não dá para

dissociar do eu e da onde eu estou, do mundo que vivo, essa dissociação que muito assim se construiu

filosófica e cientificamente também do eu centralizado, na raiz mais ocidental, nessa perspectiva que

o Munduruku apresenta da perspectiva indígena mais especificamente dos mundurukus ou do yamara

vai questionar essa separação entre o eu e o mundo.

Tiago: E é tão interessante porque ele fala a mensagem de amor à Mãe Terra já em outra perspectiva,

da Terra como mãe como genitora propulsora da vida e a convivência com a natureza. E não

necessariamente só com pessoas. Então ao falar com a natureza, você já entende que são todos os

elementos que compõem a natureza. Então não é uma visão que tira o homem do contexto da natureza,

é que o coloca, que está ali. Aqui está: “Assim os jovens vão aprendendo a conviver no ambiente que

os cercam. Vão aprendendo que não devem mandar na natureza, mas conviver com ela, pedindo que

lhe ensine toda a sua sabedoria e que possam ser alimentados material e espiritualmente pela grande

mãe”. Então tem valores e que essa grande mãe ela também vai ensinar valores que são de cunho,

que eu entendo, valores de comportamento, morais, éticos. Então olha como eles enxergam a relação

que eles têm com os outros seres da natureza e da natureza na Terra Porque algo dado da própria mãe

terra. A grande mãe terra acaba sendo sinônimo dessa natureza, ne? Então é impossível você pensar

na mãe longe dos filhos. Você tem que pensar a mãe junto com eles, então é outra perspectiva. Ele vê

o recurso, mas não se apropria dele do ponto de vista utilitarista, só e apenas para essa finalidade.

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Mas atribuindo valores e como nessa convivência eles montam suas vidas.

Djalma: Eiu acho que é interessante essa construção de trama da vida que ele faz.

Que dai fica dificil vc falar da vida, mas vc fala de uma trama da vida porque a vida ela não está

encerrada, mas ela tá em costura, ela vai sendo tecida. Porque numa perspectiva mais egocentrada

você parte de um mundo dado e um eu nesse mundo dado. Aqui ele está dicutindo, se a vida não está

dada, ela vai se consolidando nessa ideia de construção de trama da vida e que tem um pouco a ver

com a linha, com a colcha que eu acho que cada um traz um pouco de si para se encaixar aqui junto,

eu acho que é falar em trama da vida, em construção. Achei interessante a questao da natureza e a

questão da ancestralidade que é paraticamente difícil vc pensar em vida sem vc pensar no que tem

antes. E aí a gente traz para discutir a dualidade que a gente faz entre vida e morte. Da perspectiva

mais ocidental. A Petro sempre lembrava que uma pessoa morre numa comunidade africana, não

necessarimente quando a vida física deixa de existir, mas quando ela vira as costas para a comunidade

ela considerada uma pessoa que morreu. E quando ela morre fisicamente, vamos dizer assim, e ela é

lembrada pela comunidade então ela continua viva e presente. E ai já é como se constroi essa visão

de mundo e quando a gente fala em visão de mundo, acho que já está embutida a concepção de sujeito,

concepçao de relacionamento com o outro, com a natureza... e a perspectiva indigena que estudamos

é muito mais complexo do que centrar no eu.

Tiago: Do jeito que coloca aqui não tem como

Djalma: É um eu mais relacional.

Tiago: Tramado. Na trama.

Djalma: E para gente a questão da convivência nas pesquisas, conviver com os grupos de pesquisa,

eu acho que também não significa conviver só com as pessoas, mas com aquele contexto. É tentar

compreender naquele contexto a importância, que às vezes vc vai num local e não quer se reunir na

cozinha porque tem muito barulho, então vai para sala, então tem toda uma questão também com as

pessoas com quem a gente tá trabalhando que tem os espaços onde se reunem. Não estou falando só

de espaço, mas do tempo, enfim. Tem toda uma questão que não é só técnica. “Estou com uma pessoa

e agora vou gravar a entrevista” e começa a chover ou ela vai fazer um bolo, usar a batedeira e ai

“não, vamos para sala”. Você tá descolando... O pessoal da dança de rua, era muito difícil eu conversar

com eles sem ter uma música alta: um hip hop, um hap tocando alto. Não se para, mesmo parado tem

um... não tem um vamos sentar para conversar, não tem estático. Não precisa sentar para conversar,

podemos conversar se mexendo.

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Rosângela: É parecido com meu campo de pesquisa, lá o pessoal chama de buraco, a gente tem que

descer uns degraus de pedra, é onde o pessoal convive e alguns moram ali. Eles ficam o tempo todo

com o cachimbo na mão. No começo, eles se sentiam desconfortáveis, devido o respeito conosco,

fumar perto da gente era desrespeito. Daí demorou alguns meses para eles entenderem que eles

podiam fumar comigo ali, mesmo porque se eles não fumarem eles saem fora. Eles vão e voltam, às

vezes agacham atrás de uns sofás velhos, mas fumando conosco ali (eu e os educadores) eles

conseguem permanecer perto da gente, preparando o crack e fumando. Eles só tem o cuidado de não

deixar vir fumaça no nosso rosto. E se não for assim, fica difícil conviver com eles porque a vivência

deles ali é fumar o tempo todo.

Reijane: No meu caso é o contrário porque convivo com todos ao mesmo tempo. Todos os idosos

ficam na mesma sala. Tem os quartos, mas geralmente tem outras pessoas lá. Não tem como conversar

com uma pessoa sozinha. Você está conversando com uma pessoa aqui, o outro está vendo e ouvindo

e às vezes até fala: “Ah, é isso mesmo".

Erivelto: O legal é que você não precisa ter a preocupação de montar uma roda de conversa.

Reijane: Exatamente! (risos)

Rosângela: Na mata, às vezes a gente faz uma roda de conversa, mas desde que eles possam fumar?

Uma coisa bacana que está acontecendo nesse campo é a preocupação que eles estão tendo com a

pesquisa e como pode ser a convivência de uma pessoa que não é um deles. Tem um artista plástico

que fica ali, de vez em quando, ele veio falar comigo. As primeiràs vezes que eu fui lá ele perguntou:

“Mas como vai ser essa pesquisa?” Porque os educadores vão e ficam uma meia hora. “Você não vai

conseguir nesse tempo que vocês ficam aqui, conviver e entender o que acontece aqui. Porque você

não quer entender? Você está vendo aqui” e ele me mostrou duas pessoas. “Isso que você está vendo

não é bem o que acontece aqui. Precisa ficar mais tempo para entender, você consegue chegar aqui 6

horas da manhã e ir embora 6 horas da tarde?” Eu acho que foi meio que uma forma dele me falar

como é que eu vou conviver, como eu vou conseguir entender aquelas relações estando ali um pouco

e não sendo um deles.

Erivelto: Então, mas essa fala já mostra muita coisa, porque na pesquisa existem limitações e talvez

uma delas seja não compreender tudo que acontece ali.

Rosângela: Eu falei para ele que eu tenho minha vida, que não teria como ficar ali das 6 da manhã

às 6 horas da tarde. Eu disse que posso ficar mais tempo, não vou ficar meia hora apenas, eu fico mais

tempo com vocês, mas não de manhã até à noite.

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Erivelto: Eu fico me perguntando também se você ficasse lá 12 horas, não sendo um elemento do

grupo, se eles vão ficar à vontade para fazer as coisas que eles costumam fazer somente entre as

pessoas que fazem parte do grupo.

Rosângela: Essa foi a fala de um dos colaboradores. Ele saiu divulgando minha pesquisa para o

pessoal da mata. Só que ele transformou minha pesquisa num projeto e ele ficou tão empolgado com

essa pesquisa que ele falou: “Nossa, mas esse seu projeto vai precisar de muita gente”. Daí a gente

sentou, eu expliquei e ele me falou que os outros estavam preocupados com a minha permanência ali.

Que eles poderiam ficar um pouco incomodados e disse para eu não ir de roupa ou crachá para

identificar: “Se mistura entre a gente para não ficarem incomodados com a sua presença”. É

interessante tudo isso que está surtindo ali.

Wal: É, eu acho que ouvir o que as pessoas estão sugerindo em relação às nossas metodologias de

pesquisa é muito importante porque a gente vê nos livros de estudos de natureza qualitativa, que para

a escolha dos sujeitos da pesquisa, a gente tem que ouvir das pessoas da comunidade quem tem

disponibilidade, quem tem mais tradição, quem tem mais experiência naquilo que eu estou

pesquisando, agora, como, investigar, eu acho isso assim, é importantíssimo ouvir. Por que a pessoa

está sugerindo ficar 12 horas, por que seis horas da manhã, por que seis horas da tarde? , e está aberto

também, parece, para as experimentações. É, o que ele quer dizer com: não venha com o crachá e não

venha com roupa da universidade que as pessoas vão ficar incomodadas com isso. Mas será que isso

quer dizer: não se apresente como sendo uma pessoa da universidade? ou será que é a Rô, a roupa,

enfim, que sugestões as pessoas dão da melhor metodologia? E isso que você falou “eu não sou um

deles” e é uma das primeiras questões que a gente fez há dois anos atrás, se é possível convivência.

Por que o que que é convivência metodológica? Justamente porque a gente está discutindo ou vamos

voltar a discutir o que é a convivência, que é esse com. Com é compartilhar existência. Se eu vou

conseguir compartilhar a existência. É uma pergunta. Vou conseguir compartilhar a existência com

essas pessoas? O que é compartilhar a existência? Então eu acho que ele está colocando alguns limites

da própria convivência, mas também algumas possibilidades da convivência se ampliar. Por que você

não quer conviver? Então vem aqui. Pode ser uma coisa, que nem disse uma vez uma prostituta em

relação a uma pessoa que foi fazer uma pesquisa lá que entrou numa postura, segundo ela, arrogante,

falou para esse pesquisador: “você quer saber o que é a noite? Então põe um vestidinho preto curto e

vem aqui a noite”. Mas querendo se contrapor, porque ela falou que a pessoa estava com papel, a

parancheta e o lápis, e começou a perguntar o que que era, então a pessoa estava numa postura

arrogante e ela respondeu: “então você quer vir aqui” e ali acabou a conversa. Não quero dizer que

seja isso nem que não seja isso, o tom que ele falou, o jeito que ele falou, o que ele está sugerindo,

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mas experimentar mais, procurar saber mais a razão de ser. Por que você está me sugerindo isso? Eu

estou disposta a experimentar novas metodologias, porque eu vou, dentro da minha lógica, sempre

pensando na sua segurança, em todas aquelas coisas que a gente sempre conversa. Mas perguntar para

ele também, “será que eu ficar aqui das seis às seis, como seria isso?” Eu posso estar aqui as seis da

manhã, não sei se consigo ficar até as seis da tarde, mas posso estar aqui às seis da manhã, é um outro

horário, talvez seja outra experiência, outra convivência. Eu acho legal isso também , ,a pessoa pegou

a sua pesquisa e saiu dizendo a interpretação dela da pesquisa, e é importante que a gente conheça a

interpretação dela da pesquisa para a gente poder conversar sobre a própria pesquisa porque se eu

estou conversando sobre uma coisa que eu acho que é uma coisa e a pessoa acha que é outra coisa,

nós estamos conversando uma conversa de louco. Então, a hora que ele explicita o que ele entendeu

da sua pesquisa, não é que ele entendeu errado, é o que ele entendeu, e aí então vamos dialogar sobre

a interpretação, sobre o que é a pesquisa, que tem toda uma história do que é a pesquisa, do que é

convivência, dentro da interpretação daquela pessoa que leu sobre pesquisa, sobre convivência, que

é diferente, que é o texto do Viveiros de Castro que está falando sobre conceito. Qual é o conceito de

convivência? Qual é o conceito de projeto? Qual é o conceito de pesquisa? Qual é o conceito de

roupa? Qual é o conceito de as pessoas se incomodarem, que incômodo é este, e que conceitos,

significados das palavras, porque está mais a fundo do significado das palavras. Pode ser que não seja

possível, mas, de cara já dizer que não é possível sem tentar entender por que a pessoa está sugerindo

aquilo? Eu me lembro quando eu fazia pesquisa num bairro aqui, que eu ia no horário que as crianças

estavam na escola aí algumas mães me convidaram para almoçar lá no fim de semana. Aí eu cheguei

para minha professora e falei: “posso? O que eu vou fazer lá no fim de semana? Não sou da família

deles. Estão me convidando para almoçar e no fim de semana. Não tem nada a ver com meu trabalho.

Mas, como assim? Vai lá, experimenta”,

Reijane: Isso que você está acabando de falar me lembrou agora o que ocorreu lá no Abrigo, faleceu

uma enfermeira lá há poucos dias e eu fui também, por conta de conhecer ela, porque estava

convivendo com as pessoas. Foi interessante eu ter ido ao velório, isso ajudou a ver que eu não estava

lá só por conta da pesquisa, mas que eu também tinha ido, tinha me interessado em ir no velório,

depois eu voltei ao Abrigo, na outra semana e então as pessoas me perguntaram: “ah, você soube do

que aconteceu?” Eles estão querendo saber também se eu estou envolvida com o que está acontecendo

lá ou se eu estou indo só para fazer alguma pergunta para eles.

Wal: Porque que nem quando a gente trabalhava com as prostitutas. Chegamos lá na casa, uma das

prostitutas que tinha ido fazer programa lá num lugar de lazer que se chama Broa aqui, na volta o

carro se acidentou e ela morreu. E ela estava no IML e ninguém tinha reclamado o corpo! Quem era

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a pessoa que estava lá? Não tinha uma identidade, não tem. Aí a pesquisadora falava assim: como é

que eu ia fazer pesquisa, porque é pesquisa também. O que é campo? Nesse sentido que a gente está

tentando investigar os processos educativos que se dão nas relações entre as pessoas. O que é mundo,

se eu vou no velório eu tenho uma concepção de mundo, daquelas pessoas, eu tenho a visão das

pessoas, de onde ela fala, quem é que fala, todos esses lugares vão me ajudando a ampliar a visão, e

ela falou “eu saí com as mulheres de lá, e eu falei, vamos no IML! Porque como é que nós vamos

deixar aquela mulher em cima daquele lugar que ela está lá, naquela placa, sozinha?”. É tudo isso,

essas construções do significado que tinha aquela morte para aquelas mulheres, se deu a partir do

momento que ela já tinha tempo de convivência com aquelas mulheres. Através dessa convivência

ela conseguiu entender a gravidade daquela situação e a comoção daquelas mulheres estar lá e

conseguir junto com elas decidir no que ela poderia ser mais útil, mais importante naquele momento

e aí, com isso, ampliou aquela visão dela, do mundo e da vida, da realidade daquelas mulheres, de ela

estar naqueles locais. Uma outra situação, foi quando uma delas estava gestante, ela queria dar o filho

para doação. Então você vai junto até uma pessoa da assistência social para discutir sobre doação.

Tudo isso ajuda a reconhecer, as pessoas me conhecerem e eu conhecer melhor aquelas pessoas.

Djalma: São esses momentos que é, a briga de galo se eu estou indo só e elas acham que eu vou fazer

só pesquisa, a gente tem esses momentos que você for lá todo sábado, conversa, de repente um sábado

alguém não foi, o que que acontece, e aí, que que eu faço, penso eu estou indo, mas é isso as pessoas

ficam preocupadas, você vai junto com as pessoas porque é há convivência ela não é só, do ponto de

vista, ela não vai só resultar no relatório de pesquisa, é construir junto com as pessoas e às vezes você

pode você contribuir, compartilhar, no que você puder, naquele momento, às vezes, sair um pouco do

que você tinha ali como rotina, enfim, ou um convite, é para a pessoa convidar, significa que você já

construiu, se a pessoa está te dando uma dica significa que está, você já conseguiu construir com ela,

talvez é melhor vir tal hora, ou aparece lá, vai ter um churrasco, vai ter uma festa, você pode gravar

tal coisa para mim, dá para fazer isso, é se eu nego, se eu aceito, dentro das circunstâncias que as

coisas vão acontecendo. Vai resultar numa pesquisa, vai? Mas vai resultar na própria condição de

confiança necessária dentro da convivência, e aí cada grupo tem uma dinâmica, cada momento, acho

que esses momentos que as coisas saem do planejado, saem da rotina, acho que são fundamentais

para a convivência, para consolidar a convivência, metodológica, mas para criar uma confiança, uma

união, para saber que a pessoa está fazendo parte da minha vida, e eu me preocupo com ela, e eu me

importo com as pessoas, para além do que eu estava fazendo, me dei conta de que eu me preocupo

com essa pessoa e ela também estava se preocupando comigo, e isso eu acho que é...

Wal: Que também é uma visão de mundo que não é compartimentalizada, a pessoa, ela não é só

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aquela da instituição de longa permanência e quando ela te liga para avisar que morreu a enfermeira

também tem esse sentido, de que nós somos nesse espaço do velório, não tem, não dividiu, a gente é

só aqui, e isso vai ampliando, é importante a gente ampliar a compreensão de quem é aquela pessoa,

ver também nesses outros espaços. Isso me ajuda a entender melhor quem são essas outras pessoas

também nesses outros espaços, do que naquele espaço que talvez eu esteja entendendo como sendo o

espaço mais delimitado de campo.

Djalma: Daí acho também que a convivência é com as pessoas, mas é também com os espaços, com

os tempos, com os pensamentos, a memória. Acho que amplia também com essa perspectiva mais

indígena que essa convivência não é só pelas pontas, eu e a pessoa. Eu no entorno, a pessoa também

no entorno. A importância que tem estar em tal lugar, a importância que tem não ir para tal lugar.

Acho que essas relações são importantes para a convivência.

Ana Paula: Na fala do Djalma pensei na ILPI (Instituição de Longa Permanência para Idosos), que

é um espaço que tem um significado muito forte. Por que aquela pessoa está na instituição? Por que

não está com sua família? Como foi que ela chegou até lá? Entender esse espaço... não são só as

pessoas, é o que acontece ali. Eles dividem o quarto. Por que divide com esta pessoa e não com

aquela? Eles colocam determinados pacientes mais próximos por que são dois que precisam trocar

fralda a noite, então deixa os dois no mesmo quarto. Tem toda essa dinâmica. Tem toda essa

organização. Tem todos esses significados.

Tiago: Essa questão da recorrência a ancestralidade, as relações ancestrais, a populações tradicionais,

neste texto de Mudurunku , eu considero muito importante, muito interessante, por que essa frase que

ele fala aqui:

“A memória liga os fatos entre si e proporciona a compreensão do todo”.

A memória está sempre viva por que se ela está ligada ao ancestral, quer dizer que ela veio antes, que

ela não morreu. Eles não fazem a referência pela referência aos ancestrais. Eles vão mostrando, nessas

memórias, o que eles foram aprendendo e o que de bom tem ficado nisso que é considerado

tradicional. Por que perdurou tanto tempo e está transcendendo gerações? Como eles olham isso?

Para essa ancestralidade? Por que no passado, eles visualizam o presente e até o futuro. Eles estão

ensinando a alguém, o que alguém disse que ele aprendeu com quem esse alguém que falou. Então,

como isso é vivo, como isso é forte. Essa convivência é como se o jovem estivesse convivendo

também com a pessoa que passou antes dele, que ele sequer tinha conhecido. É como a pessoa não

morreu.

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Tiago: Por que como está colocado, é como se tivesse morrido. Como está colocado, morreu. O que

é a morte, que ele vai colocando aqui. Como é essa visão, como é esse olhar das pessoas que passaram,

como era entendido e como é hoje, ? E uma outra coisa que me chamou a atenção é essa questão da

memória. Tem aquela história do peixe: “eu adoro comer o rabo do peixe. E minha mãe não faz o

peixe com rabo. Por quê? Mãe, por que você faz o peixe sem o rabo? Ah, não sei. Pergunta para sua

avó, sua avó fazia assim. Vó, por que você faz o peixe sem o rabo, eu gosto tanto do rabo do peixe.

Ah, não sei, sua bisavó fazia assim. E se você fosse perguntar para a bisavó, se ela estivesse viva,

talvez ela dissesse: ah, a gente não gostava do rabo do peixe, cortava o rabo para caber na forma, na

verdade. A forma era pequena. Não cabia o peixe inteiro, a gente cortava o rabo fora.” Então o que

eu vejo assim, parece que passa em outros grupos, entre outras comunidades, como a nossa por

exemplo, a impressão que se tem é que você vai perdendo essa referência no que passou. Vai ficando

como se não fosse um aprendizado. Cai no esquecimento. E o que me chama a atenção deste texto é

que está sendo rico. E o por que dessas atitudes? Desse questionamento? É sempre estar perguntando.

E esse ato de perguntar, também muda. Então, compreender por que voltar ao passado? Para entender

nossa posição no presente. Acho isso fundamental. É isso que eu entendi que esse texto está

colocando.

Rosangela: Quando eu li esse texto me fez lembrar de uma pessoa de Piracicaba, um índio do alto

do Xingu. Ele vive lá em Piracicaba com sua tradição. Ele convive com o nosso mundo mas também

com o mundo dele. Por que ele trouxe a tradição dele para educar o filho dele. Eu conheço ele, faz

alguns anos. E depois que eu li esse texto, algumas coisas eu compreendi melhor. Por exemplo

quando ele diz que nós temos uma forma diferente de se relacionar afetivamente. O amor na tribo

dele não é um amor como o nosso. “Vocês amam a pessoa, aquilo que ela é, uma coisa mais carnal.

A gente ama aquilo que a pessoa traz na sua história, na sua tradição”. Ele casou com uma negra em

Piracicaba, em que toda família dela traz a tradição da África. Ele pôde casar com essa mulher, por

que ela mantém a tradição do povo dela. Por que isso que é o amor para eles. Não é a pessoa única, é

tudo o que ela traz na sua tradição, na sua história. Ele conversou comigo sobre isso, há uns 10 anos

atrás. Eu fui para Piracicaba na mesma época que ele foi. Eu sempre tenho curiosidade em conhecer

a cultura dele. Quando eu li este texto me fez lembrar da história dele em Piracicaba e sua visão de

mundo. Achei bem interessante.

Tiago: que memória que ele estava falando, com eles contam, como eles são isso? Na hora que ele

fala da memória, que ele fala da ancestralidade, como essa memória perpassa e não acaba. Tem

situações, por exemplo, quando eu fui trabalhar com a Dona Maria Luzia, que é a pessoa com quem

eu conversei para fazer a dissertação, eu vi que ela contava as histórias do avô dela, e ela colocava o

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avô numa posição de herói. Acontecia tudo com os outros escravos, menos com ele. Ele sempre

arrumava uma forma, na narrativa dela, de se salvar. E como que ela fazia a leitura disso, pois na

verdade contavam para ela. E como que ela me contava isso? Por que ela colocava o avô dela nessa

situação de herói? Qual a referência? De que memória nós estamos falando? Essa memória é memória

ensina, ela traz as lembranças? Ela ensina como? Para que serve?

Erivelto: No texto “Memória silenciada”28, Silva e Appolinário (2005, p. 69) fizeram entrevistas com

um senhor de “116 anos, morador na cidade de Rincão/SP, ex-escravo da região, que se constitui num

verdadeiro testemunho da época, e também uma senhora negra com 95 anos, residente na Fazenda do

Pinhal em São Carlos”. Apesar dessas pessoas e/ou seus ancestrais terem vivido a experiência trágica

da escravidão, elas silenciavam sobre isso. Esse silêncio foi “interpretado como forma de resistência

e não como esquecimento. Decorridos mais de um século da abolição observou-se que aqueles, ou

mesmo seus descendentes, que experimentaram a realidade da escravidão, preferem calar-se a

respeito”.

Tiago: É como uma forma de resistência, de luta, de falar: “nós estamos reagindo. Não somos tão

passivos quanto parece e como a história conta”. Por que ela fazia questão, na conversa, de falar que

a história não era bem do jeito que ela foi contada. Ela parecia, no fundo, que queria falar isso. “Não

vai acreditar em tudo da escravidão, por que não é tudo assim do jeito que você acha estão te contando,

não”. Não assim com essas palavras, era essa a mensagem. Pode ser que a história que ela estava

contando, com o avô nessa posição, era uma história mesmo de uma certa resistência, de luta, de

tentativa de não ser escravizado.

Diálogos sobre o texto “Cosmovisão na perspectiva teo-referente: um estudo a partir dos textos

Reflexões críticas sobre weltanschauung: uma análise do processo de formação e

compartilhamento de cosmovisão numa perspectiva teo-referente escrito por Fabiano de

Almeida Oliveira e Cosmovisão: do conceito à prática na escola cristã, escrita por Mauro

Meister”

Wal: Lembrando que o nosso objetivo é dialogar com o autor e também tentar avançar. Não só

28 SILVA, Maria Aparecida de Moraes.; APPOLINÁRIO, Andréia Peres. Memória silenciada. Cadernos CERU, Série

2, n. 16, 2005, p. 69-92.

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dialogar com o autor, por que a gente fez isso já durante todos esses encontros anteriores a este aqui,

mas também buscar contribuições para gente pensar a convivência metodológica que foi o ponto de

partida destes seminários, desses estudos.

Então o primeiro o do Fabiano de Almeida e Mauro Fernando Meister.

Achei interessante o título que vocês deram para o artigo, porque ele é bem honesto. Porque mostra

que nós vamos examinar a cosmovisão teo-referente, nem tanto o conceito de cosmovisão então não

sei se o comecinho do título não deveria ser: cosmovisão na perspectiva teo-referente, e não, o

conceito de cosmovisão.

Wal: Por que eles não tratam tanto do conceito?

Djalma: Eles falam da cosmovisão.

Wal: Teo-referente.

Erivelto: Quase como um exemplo de cosmovisão.

Wal: É bem interessante, mas não sei se vocês aceitam essa sugestão?

Djalma: Bem acho que em diálogo com os outros autores que a gente já conversou, duas coisas que

eu destacaria assim da cosmovisão nessa perspectiva teo-referente, é...a ideia que se tenta passar que

essa cosmovisão, nessa perspectiva ela se configura como trans-histórica e trans-cultural, ou seja, ela

independe do momento, independe do local, ela, vamos dizer, serviria a todos e a tudo em qualquer

momento, o que contrapõem muito os autores que a gente foi analisando e olhando até esse momento,

seja na questão mais evidente no Dussel e no Fiori que a gente talvez vá ver mais adiante, a questão

da historicidade e a questão da cultura também, como Viveiro de Castro e o Gueertz trazem, a cultura

como fundamental para formação da cosmovisão, aqui..e aí eu acho que essa posição já impossibilita

dialogar perspectivas diferentes, por que você tem pensamento que seria , vamos dizer, universal que

seria ahistórico, acultural (não sei como se escreve!), que transpassaria todas as culturas, e onde a

verdade estaria centralizada no deus , metaforicamente eles vão mostrar o coração como esse lugar...e

aí (?) eu acredito uma epistemologia nessa centrada dentro dessa aqui, acho que acaba limitando o

diálogo, e...paraticamente impossibilitando a convivência com os diferentes, essa é uma visão que eu

tive da cosmovisão que eles trazem e que se a gente voltar pro Dussel, claro que dentro da teo-

referência pode ter várias correntes, acho que, antes um pouco, eu acho que quando a gente fazia essa

conversa sobre cosmovisão, a Adriana algumàs vezes falou sobre essa relação com religião ,

encontrada váriàs vezes em alguns textos e...bem como quando os europeus aqui chegam, muito tá

na frente, muito veio junto, essa centralidade, talvez a igreja indicando que seria ser humano ou não

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ser humano, como a igreja tendo esse poder de definir o que aquelas pessoas que eles encontraram

aqui eram, se pessoas .

Foi muito difícil olhar para esse texto sem já ir atribuindo essas questões, da dificuldade de encontrar

a possibilidade de convivência com os diferente, com os outros e ter diálogo partindo desta

cosmovisão teo-referente, , que eles...(?) se não sendo um igual, você se tornando um igual dentro

dessa perspectiva.

E aí talvez um esforço mais adiante que seria, talvez, contrapor a apologia da libertação com essa

perspectiva teo-referente, , que a gente tem uma questão religiosa e como se configura perspectivas

diferentes, que possibilita o convívio e a construção junto com o outro e aqui eu vejo essa

impossibilidade.

Wal: Talvez indo numa outra direção, acho que esse texto me ajudou bastante pela síntese que ele faz

do conceito de cosmovisão, acho que, algumas coisas que a gente discutiu que está num texto e no

outro, mas que eles colocam aqui busca na filosofia alemã, a origem do conceito, qual seria uma

tradução da palavra weltanschaung..., a gente foi discutindo um pouco essa etimologia para os nossos

seminários, mas não que estivesse tão sintetizado de uma forma tão clara quanto está aqui e o resumo

de vocês até coloca aqui, que essa definição da palavra, essa associação com a tradução para o

conceito de cosmovisão aponta para um panorama polissêmico com relação ao que seria exatamente

a definição do conceito, este caráter é importante para compreendermos como o conceito pode flutuar

de acordo com as inspirações teóricas e ideológicas do anunciante, o próprio conceito em sí, o jeito

que eu traduzo o conceito, que palavra que eu uso para traduzir, e mesmo as citações que vocês fazem

que a cosmovisão é um compromisso, uma orientação fundamental do coração então aqui já vai

colocando uma definição, achei bastante interessante essa contribuição desse capítulo.

Wal: Eu acho interessante que ele também fala de camadas e matizes, como no Dilthey que é o estofo

de toda manifestação cultural... Têm motivações, pressupostos, crenças, compromissos, certezas,

ideias por meio das quais se experiencia e se interpreta a realidade desde o nível subjetivo-privado ao

nível objetivo-institucional compartilhado pela sociedade... Interessante.

Djalma: Que eu acho assim também de destaque é que eles assumem, não se escondem: falam que é

desse jeito, como é que funciona, é assim é assim... do que ficar maquiando...

Sara: E ainda falam que a escola se afastou, ...

Wal: As escolas cristãs.

Sara: É... Se afastou da cosmovisão bíblica, ... Não sei, eu interpreto assim: que a escola representa

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perigo, ... porque... nessa visão, porque de repente pode ser que o sujeito passe a pensar diferente,

passe a ter uma cosmovisão mais ampla... por conta da escola que amplia a cosmovisão

Wal: Mas é a escola cristã que ele está criticando.

Sara: É. Mas mesmo na escola cristã. Pela escola ter o papel que tem, de ampliação de cosmovisão.

Mesmo sendo uma escola cristã, pode ser que nela o sujeito amplie as visões de mundo. Eu fiz essa

leitura e aí eles querem fazer retroagir este papel da escola... E eles são muito estudiosos porque eles

vão na raiz da palavra, na etimologia, eles tem todo um preparo para poder impor esta cosmovisão.

Eles têm acesso à cultura mais ampla para poder preparar este campo, para tornar-se universal... É

bem interessante...

Wal: Podemos não concordar, mas está clara. Ou concordar, não sei... podemos concordar ou não,

mas está muito bem argumentada.

Sara: Sim, é... Muito bem fundamentada.

Wal: Muito bem fundamentada.

Sara:... teoricamente ...

Tiago: Ao que parece, essa visão teo-referente é disseminada no convívio entre as pessoas, porque

muita das pessoas se orientam ou enxergam o mundo a partir desse Deus todo-poderoso. São aquelas

pessoas mais assíduas, religiosamente crentes, , em Deus, e não importa aonde elas estão, se é

presbiteriana ou não, elas, geralmente, têm uma visão de mundo que está atrelada a Deus. Então como

que isso faz parte... Quando fala do abandono ele fala do abandono destas escolas cristãs, desse voltar

a Deus, dessa teo-referência, que ela ficou presa ao currículo... por que? De que forma ela... Por que

ela se afastou e o que levou a este afastamento? Não significa que a visão tenha deixada de ser teo-

referente, mas significa talvez uma necessidade de uma nova formação, de uma nova proposta de

formação? E todos nós aqui frequentamos uma escola que não é presbiteriana, que não é teo-referente,

mas não deixamos de acreditar em Deus ou não mudamos nossa visão em função da escola que

frequentamos também... Então tem esses dois movimentos, ... Eu acho interessante que se é trans-

histórica, trans-cultural, então o movimento vai para todos os lados, ... E de que a verdade universal...

universal... então, Deus, que é Deus, pode receber outros nomes, mas se é um guia universal, então

onde quer que estejamos, em qualquer parte, a nossa visão, orientada por esse Deus, não poderia ser

diferente... E é um risco.

Wal: Mas alguém quer comentar... Então vamos para o próximo?

Erivelto: O que me chamou bastante atenção, nesta síntese que o Djalma e a Rosângela fizeram do

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Simón Yampara Huarachi, é essa ideia da cosmoconvivencia que o Djalma já vem chamando a

atenção desde os primeiros encontros... De que a convivência que eles trazem aqui é a convivência

que extrapola a convivência entre os seres humanos. Essa convivência harmônica e integral com todos

os seres que habitam o mundo. E eu fiquei pensando num texto do Dussel29, no qual fala sobre

América Latina no espaço e no tempo. Ele diz que quando os europeus chegaram aqui o rio era só

um rio, mas para as pessoas que habitavam a América antes do colonizador, aquele rio, riacho, aquela

árvore fazia parte da história dos seus ancestrais e da sua história. Então, a diferença consiste no fato

de que a natureza é entendida de outra forma porque ela parte da história, da vida. Para o colonizador

que chegou aqui, aquilo era objetivado.

Wal: Parte do seu projeto.

Erivelto: Do projeto do colonizador... Quando eu li essa síntese eu lembrei bastante dessa passagem

do Dussel...

Wal: Parte do seu projeto de muito dinheiro em pouco tempo... Por que também faz parte do projeto

dos povos nativos, mas um outro projeto... Esse trecho que vocês destacaram aqui, da página 6 e 7,

eu durmo e levanto com isso aqui por que quando fala de convivência e ele fala que “Resulta que os

aymaras vivemos e convivemos com o mundo animal, com o mundo vegetal, com o mundo das

deidades e com o mundo da terra”. Pensar nos outros mundos tem a ver com cultura da convivência,

ou seja a convivialidade, a cosmo–convivência, que é diferente do conceito ocidental de cosmovisão

porque precisa ter muita convivência para conseguir... eu digo nem conviver com o mundo animal,

vegetal, deidades e da terra, mas entender onde eles estão, o que significa, para aquele povo, para

aquela cultura. Acho que a convivência com quem esses povos convivem... nós como pesquisadores

convivermos com quem esses povos convivem, exige uma transformação da nossa visão de mundo,

de história, uma coisa que... eu não sei, tem algumas raízes minhas que acho que não vão... eu posso

puxar o quanto eu quiser que não vai arrancar, nem sei se deve. Então, eu acho que é bom a gente

perceber isso não como uma impossibilidade, mas como limite da nossa convivência com alguns

grupos que tem essa cosmovisão e essas convivências tão mais amplas... Esse destaque que vocês

fizeram aqui é aquele que eu ponho, assim, antes de escrever o texto,sabe, que vai guiar toda a escrita.

Tiago: É, por que nomeia cosmovivência... é uma outra perspectiva! Junta tudo!

Sara: É, então, fala cosmovivência e cosmoconvivência, são as duas mesmo?

29 DUSSEL, Enrique. La América Latina en el Espacio y Tiempo. In: ______. America Latina y Conciencia Cristiana.

Quito: Departamento de Pastoral CELAM; Instituo Pastoral Latinoamericano (IPLA), 1970. p. 18.

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Djalma: É.O título está cosmovivência, mas no decorrer do corpo do texto ele vai usar

cosmoconvivência

Tiago: Eles vivem e convivem... não tem objetivação, era o que você estava falando... todos são.

Djalma: Eu acho que um ponto também, até quando a gente conversou sobre a questão das drogas e

tudo o mais, eu acho importante dizer que esse texto foi um convite de um órgão de estudos

bolivianos, lá nos Estados Unidos, que eu não vou me lembrar agora a universidade, mas tem isso aí,

é, que chamou o Simón Yampara Huarachi para falar sobre o que seria a cosmovisão andina, mais

precisamente a aymará, e ele elaborou este texto com este intuito... lembrei das drogas porque chega

um momento que as pessoas param para o café e ele falou que ele queria mascar a coca, só que ele

foi impossibilitado de entrar com coca no país, então, ele até usou isso como um exemplo na fala dele

para exemplificar como... você poderia tomar café lá com os aymaras tranquilamente e ele mascar

coca... mas aqui não posso mascar minha coca porque ela tem uma restrição. Eu acho que pegando

um gancho também no que o Erivelto apontou. Para as nossas pesquisas eu acho fundamental, talvez

uma luz que possa ter trazido, ou iluminado um pouco mais o texto do Simón Yampara Huarachi é a

questão do espaço que a gente se encontra. Onde os grupos gostam de se encontrar. Eu lembro da

dança de rua, não é em qualquer lugar da escola que se dançava. Era um espaço próximo. Às vezes,

por algumas restrições técnicas, mas era ali que... quando tinha as reuniões era um outro espaço, que

era uma, a mesa lá das refeições que era mais fácil das pessoas se sentarem. Então, às vezes a gente

olha para o pátio da escola, era o pátio da escola, mas significa para o grupo muito mais, a mesa

significa muito mais. Talvez essa..., me encontro na cozinha, ou na sala, essas coisas trazem

significados que nos ajudam a compreender um pouco mais quando a gente... a própria palavra

matinha, ? Por que a matinha? Lá você não pode isso, você pode ficar até aqui, então os espaços

também ajudam a nos, a relação que tem o espaço que é vivo, ? Não é só um local para ser ocupado,

mas é um local que ajuda a gente a significar o mundo. Eu acho assim, os locais e talvez tenha dado

uma, essa perspectiva assim quando eu li foi o que eu achei interessante, que uma pedra não é só uma

pedra.

Tiago: Tem uma outra coisa, a nota que está na segunda citação que foi colocada que fala de uma

“sociedade solidária”. Isso aqui é uma outra perspectiva de sociedade. Esse termo está assim: “ayni”

é assim que fala, Ah! É um processo de... está lá é um “Deseo de crear con otros relaciones de

correspondencia recíproca que produce un sentimiento común de pertenencia a una sociedad

solidaria”. Pertencimento a uma sociedade solidária, quer dizer: olha como que é interessante essa

visão de solidariedade. É uma outra visão de sociedade.

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Djalma: É e aí eu acho também que vale uma, uma dificuldade de que... porque neste texto, ao final

do texto, ele traz um glossário que é uma tentativa de trazer para o entendimento ocidental, ideias,

conceitos que ele só consegue expressar na linguagem Ayamará e aí tem os limites que é da tradução

para a gente compreender, acho que a gente até falou um pouco, no encontro passado, que o Erivelto

usou a ideia da luta de classes que se a gente for analisar a luta de classes em uma comunidade

indígena, se você for com o conceito de luta de classes pode ser que lá, você não... Então, ele traz

também uma tentativa de... o próprio Suma Qamaña que é muito difícil, tem várias traduções do bem

viver, ele vai traz no final também essa... que eu acho interessante e o Esterman vai falar dessa questão

da linguagem que essa construção feita com os Ayamarás ela, vamos dizer assim, identifica coisas

que a gente conhece como outras. Então, talvez essa questão da solidariedade, a gente tenha uma... e

aí é uma tentativa mesmo de fazer esse diálogo. Por mais que as palavras representem, possa

representar outras dimensões do que a gente vem falando, mas eu achei interessante do texto que ele

traz esse glossário na tentativa de fazer essa comunicação. Aí tem muitos autores que vão dizer que é

difícil fazer isso e vão utilizar o próprio termo. Porque se não você acaba, vamos dizer assim, traindo,

não sei se essa é a melhor palavra, mas o que o conceito significa para aquela comunidade, aquele

povo. A questão da linguagem, eu acho um ponto fundamental para compreender a convivência como

uma metodologia. Porque ela pode ser em termos de palavras, como a gente vem falando, mas no

próprio texto também dele, ele traz um tecido costurado por algumas mulheres da comunidade, do

povo Ayamará. E aquilo ali tinha um significado, tentava... é uma linguagem, tem uma comunicação

e que está se perdendo. Ele faz essa ressalva. Então, acho que às vezes o silêncio está dizendo coisas,

os gestos estão dizendo coisas, o jeito de vestir está dizendo coisas.

Wal: As pinturas...

Djalma: As pinturas.

Erivelto: Nesse tecido que tem toda uma lógica de elaboração dele, toda uma convivência em torno

da elaboração dele, conhecimentos tradicionais e de alguma forma pode ser apropriado pela indústria,

por exemplo, pelo comércio. E isso tudo se perde. Eu lembrei de uma palestra que eu assisti do

Cortela30, do Mário Sérgio Cortela, que ele fala da elaboração da pamonha que a gente está cada vez

mais perdendo o costume de elaborar e comer pamonha. Ele fala que comer pamonha antigamente

era muito mais do comer pamonha porque você acordava 4, 5 horas da manhã, ia colher o milho,

raspava o milho, começava a preparação, durante a preparação ficava pessoas de diferentes gerações,

30 Palestra disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ozxoOOaE__U>. Acesso: 10 out. 2014.

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crianças, jovens, adultos e idosos, e começava a falar sobre a vida, começava 4 ou 5 horas da manhã

e ia comer a pamonha às 4 horas da tarde. Todo esse processo está se perdendo com a industrialização,

com a apropriação da “cultura caipira”. Isso acontece, isso aconteceu bastante com indígenas que

habitavam a região onde hoje conhecemos como Estados Unidos. Eu esqueci o nome da comunidade,

mas eles foram... eles estão desaparecendo e alguns antropólogos dizem que eles estão desaparecendo

porque esse comércio, da apropriação que a indústria e o comércio fizeram de seus costumes para

comercializar os utensílios fabricados por eles que tem a ver com essas tradições milenares. Talvez

esse tecido, a elaboração desse tecido e sua comercialização tenha sido apropriado e se perdeu todo

esse percurso que tinha antes de elaboração que tinha a ver com os ancestrais, com os ritos porque

cada item do tecido tinha um significado para aquela comunidade. Eu fiquei lembrando dessa analogia

da pamonha, do Cortela, e o tecido desde quando vocês apresentaram a síntese. Acho que a Adriana

trouxe uma foto do tecido.

Djalma: Eu acho que eu trouxe, mas ela trouxe também. E ela relatou justamente isso, ? A

apropriação da indústria para vender como isso é da cultura e você cristaliza aquilo, isso é indígena.

Wal: Nos cadernos de turismo tem a proposta de turismo em que o estrangeiro conviva com o nativo.

Está bastante em voga.

Erivelto: Isso! Se a gente for pensar nos freakshows que existiam os Zoo humano na Europa no

século XVIII e XIX, eles tentavam reproduzir, na Europa, o ambiente de países colonizados (África,

América, Ásia) para isso eles sequestravam as pessoas nesses lugares para viverem nesses ambientes

artificiais. Por exemplo, agora saiu o filme “Vênus Negra” que conta a história de uma mulher sul-

africana que foi sequestrada e foi levada para a Europa, Inglaterra antes e depois para a França. Na

Inglaterra, ela participou muito desses freakshows e as pessoas viviam meses e, no máximo, anos

porque elas tinham que ficar a caráter como viviam em seus ambientes originários e na Europa a

gente sabe que faz muito frio. Então, muitos morriam de hipotermia, de frio porque durante o inverno

não poderia se proteger. Isso aconteceu até o começo do século XX.

Djalma: Muito do início do cinema, quando começo que também foi em 1800 no final ali do século

XIX e início do século XX, as empresas, as industrias, no começo do cinema, mandavam os... o

mundo inteiro para ir filmar as pessoas nos locais e vendiam: venham ver um homem de verdade no

lugar tal e as pessoas iam para ver lá juntos nessas mesmas paraças. Eu acho que, se não me engano,

tem um filme que conta a história do Gengis Khan... O Gengis Khan foi capturado e foi colocado

também assim...

Erivelto: em ambientes artificiais?

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Djalma: Isso para viver, para e depois ele foi tentar unir a Mongólia... Mas ele também foi levado,

capturado e conta no filme, mostra no filme como ele, como isso vai danificando... vai cai o dente,

cai o cabelo, a pele vai ficando toda.... E ele é colocado num ambiente para imitar o que ele, onde ele

vivia e porque ele foi vendido, como escravo, e ele foi considerado um escravo perigoso. Ele falou

assim: esse aqui é melhor você não comparar porque ele é perigoso e ele vai acabar com o seu reino.

Ah tá! Então, eles colocam até uma frase embaixo assim: “esse é a pessoa, esse é a pessoa que vai

acabar com o nosso reino” como motivo de chacota. Então, ele fica exposto, as pessoas passam e

ficam tacando coisas nele, comem na frente dele. Ele fica um bom tempo exposto também nessa.

Sara: Diante disso, eu li a última citação dele que ele fala: queremos conviver com um mundo

diferente, com pessoas diferentes de nós, incluindo o sistema de capital. Fico pensando, o quanto

realmente ele acredita nessa possibilidade de convivência com o capitalismo. Esse sistema. Ou quanto

é, ele também lança mão de uma estratégia até linguística para resistir diante dessa tentativa de

aniquilação da cultura indígena. Ontem eu estava assistindo o jornal e, não sei se vocês viram a

manifestação em Brasília dos índios. Vocês não viram? A chamada do Jornal Nacional era que um

índio tinha dado uma flechada num policial, eu fiquei pensando: “Nossa! Muito louco isso porque ao

mesmo tempo que fala para parecer que o índio estava cometendo um ato de violência, também fala

meio que pejorativamente. Porque é isso, uma flecha contra duzentas mil armas de fogo. Uma coisa

bem contraditória. E nessa citação, eu fiquei pensando, será que é uma estratégia? Será que ele

realmente acredita nessa convivência, nessa possibilidade de convivência ou é também uma estratégia

para resistência, para resistir?

Tiago: É, mas ele coloca essa resistência como uma condição que leva a harmonia. Porque você

resiste para não deixar morrer e, ao mesmo tempo, você busca a harmonia com os diferentes mundos...

Porque ele fala da convivência com diferentes mundos, o respeito. E ele, da mesma forma que ele

fala dessa necessidade, ele faz uma chamada de cobrança. Nós oferecemos, a nossa condição de vida

é essa, então esperamos que sejamos compreendidos por isso, as nossas escolhas, nosso jeito de ser e

nosso modo de viver também seja respeitado. Então, aí está a harmonia, . Porque se eles buscam a

compreensão de nós, e nós deveríamos buscar uma compreensão deles, do mundo deles, então ele

entende que essa resistência é necessária para que não se perca, porque aí não há dialogo entre

mundos. Se o mundo dele é desconstruído por alguém, como que vai haver diálogo e harmonia com

o que sobra? E vice-versa.

Wal: Por isso que a cultura indígena andina em algum momento, só sobreviveu aos cinco séculos,

por causa de, porque aprendeu a conviver. Então, acho que a resistência é parte da convivência.

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Tiago: E essa equação que ele propõe. Porque não pode essa equação? Conhecimento ancestral

milenar mais conhecimento ocidental secular igual conhecimento profundo e renovado. Por que não

pode?

Wal: E faz outra critica também. Tem uns que são analfabetos em ralação ao milenarismo e outros

que são analfabetos em relação ao secularismo.

Rosângela: Aquele meu conhecido, que é índio, ele teve um filho que já tem oito, nove, anos, e o

filho dele aprendeu a nossa cultura e a cultura da tribo dele, vinha uma pessoa da tribo para ensinar,

lá as crianças são educadas pelas mulheres, pelas lideres, então ele sempre contava para mim, sobre

a educação do seu filho. A ESALQ, em Piracicaba, foi o lugar em que o filho dele foi educado por

essa mulher e às vezes ele contava o quanto ele tinha choque, entre as culturas, porque os homens

aprendem a cuidar de criança, então eles aprendem a brincar de boneca, o filho dele às vezes levava

na creche boneca, daí as outras crianças tiravam sarro. Ele falou que na tribo dele, cada um tem seu

papel, ele é “Page”, o filho dele é guerreiro, então ele convive em Piracicaba e na sua tribo, de tempo

em tempo eles mudam, ficam um pouco em cada lugar. Ele falou que a professora já teve que chamar

o corpo de bombeiro porque o menino subiu na arvore e não descia. Ele ensina em Piracicaba um

pouco sobre as plantas medicinais, uma vez ele foi participar de uma seleção na ONG, que eu

trabalhava, ele tinha bastante possibilidade de entrar como educador social, mas ele não conseguiu

continuar na seleção, eles têm outro olhar sobre o uso de drogas, eles perderam muitas pessoas na

tribo por causa do uso de álcool.

Tiago: Que desafio para gente do mundo capital não objetivar os lugares que a gente entende como

objeto, porque é pedra e é pedra. Talvez extraia até mirio importante dali e ainda faz dinheiro, como

que essa convivência é profunda no sentido andino. É o que a Wal tinha falado, seria como se tivesse

passado uma transformação, um desprendimento, um desapego. É difícil! É outra visão, é outra forma

de viver.

Rosângela: E o objeto, muitàs vezes, na sociedade é o outro ser humano também. E aí desconstruir

isso, às vezes parece que é quase impossível.

Djalma: A Bolívia, que é um país majoritariamente formados por aymarás e também quéchuas tem

um presidente que é Aymará, que é o Ivo Morales, acho que eles trazem uma coisa nova no sentido,

mas baseado na cosmoconvivencia andina, porque na ciência moderna foi fundado que o estado é

uma nação e isso não se descola. Um estado é uma nação, outro estado, um território. E a Bolívia

reconhece que ela é um estado plurinacional e isso na carta jurídica pode ter um peso na letra, mas

em termos de organização de um pais que bateu de frente com essa, porque foi o primeiro pais depois

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do estado moderno de que um estado é uma nação, que reconhece que é um estado que pode ser

plurinacional, outras nação dentro de uma mesma organização política, não que ela seja a regra para

dizer que agora todos somos iguais. Eu acho isso interessante. E tem uma palestra do Dussel que

busca muito desse jeito de se organizar da Bolívia, tem um vídeo que ele vai dizer que na Bolívia

você estuda o Direito e o Direito Boliviano, e ele da um exemplo que no Direito a pessoa mata e vai

presa, você pune duas famílias, você pune a família de quem perdeu o marido e de quem, lá no direito

Boliviano a pessoa mata ela presta serviços para a outra família e para dela também, e ela só vai ser

absolvida quando aquela família que foi a vitima, agradecer pelo serviço que ela está prestando para

ela. Então, o Dussel vai dizer, não é muito mais racional? Então essas coisas elas estão acontecendo

como, parece utópico, mas existe, isso está aparecendo como uma possibilidade num pais da America

Latina, próximo da gente. Acho interessante essa, porque não é só um planejamento, vem

acontecendo. Claro, tem seus problemas como todos, mas existe já essa tentativa de se fazer como

essa cosmoconvivencia andina se configure num jeito de se organizar socialmente.

Erivelto: Ele vai chamar de justiça moderna. É parecido com um estudo clássico da antropologia

social, “Os Nuers” de Evans-Pritchard, é do começo desse século XX, metade do século, que ele vai

dizer que entre os Nuers, da região do Sudão e da Etiópia. Quando tem um crime parte-se da visão

de que há pelo menos duas famílias envolvidas nisso. Quando é identificado quem cometeu o crime,

ao invés de prender, esse conflito é mediado por um chefe, acho que ele chama “chefe da pele de

leopardo”, que estipula a quantidade de cabeças de gado que deverá ser fornecida para a família da

vítima. Isso seria uma recomeça por conta do ocorrido. Isso lá no começo do século XX. Tem muita

relação com essa noção de justiça, Direito Boliviano.

Djalma: E tanto o Simon Amparo como o Evo Morales são de Oruro, que foi onde aconteceu aquela

tragédia com a torcida do Corinthians, e onde alguns corintianos ficaram presos. Algumas famílias

bolivianas iam visitar os corinthianos lá, e levavam comida, tudo, porque eles estavam longe da

família deles e isso para eles é inconcebível, você ficar encarcerado mas longe da sua família. Então,

eles iam para tentar fazer essa vez da família .

Ana Paula: Para mim fica muito forte essa relação do limite, que é mesmo você covivendo você

pode entender algumas coisas mas você ainda entende com a sua visão, , então acho que você não vai

conseguir identificar esses limites , . Mesmo se você chegar a conviver, você não vai passar a ser

porque você convive. Eu acho que também é um grande desafio, você conseguir enxergar esse limite

quando você está ali convivendo, envolvido em determinada situação, acho que isso para mim fica

muito forte. E apesar desse limite você olhar o outro diferente, compreender e respeitar de igual para

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igual, mesmo com a sua visão entender a visão dele, sem impor a sua, tentar incorporar a dele. Essas

duas verdades.

Wal: Esse destaque que vocês fizeram aqui da página oito, eu acho que em algum momento dos

nossos estudos seria interessante voltar para ele porque eu acho que ele foi quase metodológico nesse

enxerto que ele diz (eu só quero destacar mas eu acho que ainda é um pouco precipitado me

aprofundar porque acho que exigiria que a gente estudasse um pouco mais o que ele está querendo

dizer aqui). Ele diz: “processar”, ele está falando de energias materiais e espirituais, então eu penso

“eu como pesquisadora, o que seria eu colocar a cosmoconvivencia dentro do meu processo de

pesquisar, o que ele me recomenda dentro dessa cosmovisão andina”? Primeiro, há energias materiais

e espirituais. Começas desse reconhecimento, ou desse conhecimento. Essas energias, elas tem que

ser processadas, usadas e desfrutadas interativamente. Então, eu como pesquisadora também tenho

que processar energias materiais e espirituais, usar e desfrutar, na interação com aquela pessoa com a

qual eu estou pesquisando. Ao mesmo tempo, nós todos , eu ela, ordenamos (da origem etimológica

da palavra cosmos) a vida, mas não é de qualquer jeito que ordenamos a vida, ordena a vida também

de uma maneira convivencial com os diversos mundos e espaços. E aí vem o futuro. Então, eu faço

tudo isso, aí eu ordeno a vida, eu , pesquisadora, com os outros que estão comigo na pesquisa, os

mundo e espaços e as energias que cada um tem no processo de ayni. O que é esse processo de ayni?

É o compartilhamento do projeto de sociedade. Então não tem como fazer cosmoconvivencia sem

fazer esse compartilhamento de projeto de sociedade. Me dá a entender que é isso que ele está falando.

O que é esse desejo de ayni? É criar com os outros relações e correspondências recíprocas que

produzem um sentimento comum de pertencimento a uma sociedade solidária que é uma das coisas

que o Dussel coloca naqueles gráficos. Que a relação minha com o outro não é uma sociedade

excludente como a nossa de America Latina, também deveria resultar que eu me veja também como

o outro. Então, tem um processo de que eu estou aqui (graficamente representando), daqui a pouco

eu estou ali, também com o outro. Eu tenho que ter esse sentimento de pertença, produzir um

sentimento juntos, nessa cosmoconvivencia, nós produzimos um sentimento de pertença a uma

sociedade que não é ... solidária. Acho que cada palavra aqui , do jeito como ele coloca, é um desafio

para a gente pensar o processo mesmo de pesquisa dentro da convivência . Talvez futuramente seja

um enxerto que valha a pena a gente se dedicar e procurar esses conceitos.

Ana Paula: Para mim fica muito forte essa relação do limite que é mesmo você convivendo você

pode entender muitas coisas. Você ainda entende com sua visão, ? Então, acho que você conseguir

identificar esses limites, ? Mesmo com a convivência, até onde você consegue chegar, entender,

porque você não vai passar a ser porque você convive porque eu acho também que é um grande

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desafio você conseguir enxergar esse limite, esse limite quando você está inserida , envolvida em

determinada situação. Isso fica muito forte para mim. Aí apesar desse limite você olha o outro

diferente compreende e respeita o outro como igual. Esse diferente é mesmo com a sua visão você

procura entender a visão dele para conviver bem sem impor sua ou sem tentar incorporar a dele. E

isso fica compreendi como duas verdades.

Tiago: É a própria história que o Djalma trouxe das questões das famílias dos bolivianos visitarem

os presidiários corinthianos lá já são elementos que mostram a construção desse projeto de sociedade

solidária, ? Já mostra essa iniciativa que é elemento forte disso.

Wal: Sim. Mais alguma coisa.

Tiago: Eu estou entrando num estado de êxtase porque todos, vários elementos da minha dissertação

traziam esses elementos. Meu Deus! Como eles estavam rasos. Que bom que eu estou enxergando

tudo isso. Delícia!

Djalma: Agora tem que cavar, ? Ficar procurando.

Tiago: Não, já comecei esse processo de cavar buraco.

Djalma: É gostoso encontrar, mas tem que cavucar profundo. Enfiar a mão na terra.

Tiago: não, mas legal esse momento.

Wal: : E se a gente quiser outras filosofias para ajudar a gente a fazer ciência está aqui uma, ?

Tiago: O próximo texto que vem pela frente é um outro momento.

Wal: O Esterman, ?

Wal: Podemos seguir para o próximo texto então? O Esterman? Mais algum comentário?

Wal: O que você ia dizer Tiago?

Tiago: Então, vocês começaram a discutir minha tese de dentro, antes da minha proposta ficar pronta.

Ainda bem que eu entrei há tempo.

Ana Paula: Ou você escreveu um projeto sobre o que estava sendo estudado.

Tiago: Eu nem sabia que estava sendo pensado isso não.

Ana Paula: As duas. Ou eles começaram antes ou você começou.

Wal: Ou a linha. E as duas acabaram se encontrando.

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Diálogos sobre o texto “Filosofia Andina e Racionalidade Andina: um estudo a partir de alguns

textos de Josef Estermann”

Djalma: Talvez vale a pena trazer um pouco disso que o Esterman é suíço , viveu um bom tempo, e

se não me engano, na Bolívia como missionário e como também participava das universidades não

sei se ele era contratado ou se dava alguns cursos e também era filósofo. A ideia de trazer ele foi para

fazer esse diálogo, ?

Djalma: Até eu comentava com a Adriana disso, ? Uma pessoa que veio do norte e tenta dialogar,

compreender outra cultura, ? É uma tentativa de construir outra filosofia andina. E aí, ? Busquei assim

essa informação. Ele está naquele diálogo que o Dussel faz com Ape. Ele era mais jovem, mas

também estava ali e participava do diálogo com o Habbermas, e ele traz, assim acho, que ele vai falar

dessa dificuldade da linguagem, ? Mesmo ao texto dele se é filosofia ou cosmovisão. Aí ele vai falar

bastante disso, de como fica difícil da gente querer achar o científico na filosofia andina, que ele usa

mais esse termo. Se a gente for com os nossos critérios de cientificidade ocidentalmente construído.

Então, aí tudo vira cosmovisão, fé religiosa, sabedoria. Ele vai dizer isso. E ele é um dos teóricos e

que partindo da filosofia da libertação vaia construir uma questão da interculturalidade, como

construir um diálogo intercultural. E e que ele parte bastante dos estudos do Dussel, filosofia da

libertação, para tentar construir esse diálogo intercultural.

Djalma: Eu acho que fica bem prejudicada a participação do Penha Cabrera aqui porque nessa síntese

ele está porque ele compartilha de uma escrita da síntese de um capítulo pequeno e ele traz mais para

debater o conceito de racionalidade nessa cosmovisão andina. E o Penha Cabrera é um filosofo

peruano. Ele tem uma produção muito maior do que a que está aí, muito mais profunda. Então, para

gente isso é só uma parte da racionalidade com ele, mas ele, provavelmente, teria muito mais coisas

para trazer e acrescentar.

Há uma tentativa de trazer, ao mesmo tempo, que há uma tentativa e trazer os limites dessa tradição

de como se constrói p mundo Ymará, de como se pode construir uma filosofia. E ele vai dizer que

tanto os Ymarás quanto os Guichas que formam os povos andinos tem semelhanças entre eles quando

falam de filosofia andina. Não é a mesma coisa, são povos que tem semelhanças, mas tem coisas que

são diferentes. Eu acho interessante dele esse mergulho na linguagem de tentar compreender como a

gente compreende ocidentalmente o que está se construindo. É uma tentativa do diálogo.

Djalma: que a gente tenta construir, dentro do contexto da América Latina e como é muito mais

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profundo do que o local geográfico,por exemplo os teo referentes são latino americanos, ele é suíço

o texto de origem, então acho que é interessante.

Djalma: eu estava falando do Antonio Pena Cabrera, mas acho que dele uma coisa que fica é essa

relação que ele faz entre racionalidade e cosmovisão, é o Cabrera, mais na parte do texto dele que ele

vai dizer que “não são o mesmo, mas se condiciona mutuamente, a racionalidade é um processo e a

cosmovisão é uma intuição da totalidade”. Está antes de acabar o texto, nas referencias, lá no final do

texto, quando o parágrafo começa assim “deste trecho podemos arriscar dizer que a racionalidade é

um elemento central” aí ele tem uma citação que ele vai fazer está relação entre racionalidade e

cosmovisão que achei interessante, trazer a cosmovisão como uma intuição da totalidade.

Sara: e é legal o que vocês colocaram no penúltimo parágrafo “nós somos .. ” isto quer dizer a

importância de partir de algum lugar para poder contrapor isso faz parte da filosofia hegemônica

ocidental, para poder contrapor, trazendo outras filosofias, acho importante como um lembrete

mesmo, para a gente poder descolonizar o saber a gente tem que conhecer como o colonizador pensa,

qual é a hegemonia e pensar em outras hegemonias não sei.

Tiago: Nossa é denso, profundo.

Wal: mais alguma coisa do Estermann.

Tiago: eu preciso aprofundar mais.

Wal: agora vem da Fabiana e da Adriana, o Austin.

Diálogos sobre o texto “Estudando cosmovisão: Algumas contribuições de Alfredo López Austin

no artigo ‘Tras un método de estudio comparativo entre cosmovisiones mesoamericana y andina

a partir de sus mitologías’”

Djalma: o que eu tinha destacado que eu acho que é a perspectiva de um historiador e aí vai se pautar

na leitura da história e também como ela ajuda a compreender outras cosmovisões e fiquei não com

muita certeza mas, mais dúvidas desta proposta de se configurar como sistemas, como

macrossistemas, de um sistema dentro de outro sistema, como ele vai trazer em alguns pontos aí. Tem

até uma citação depois do quadro que “a cosmovisão é um fato histórico sumamente complexo porque

vai se integrando a partir de sistemas ideológicos muito heterogênicos compreende-os os abrangendo

totalmente estruturando-os e articulando-os de forma congruente, desta maneira a cosmovisão se

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constitui num sistema de sistemas” não sei se dá uma ponte com a ideia de estratos, de camadas, mas

a ideia de sistemas parece várias coisas que seria, vamos dizer assim, sustentáveis, mas que daí se

compõe umas outras coisas que intersustentavelmente formaria a cosmovisão.

Erivelto: eu lembro que na apresentação da Adriana ela comentou que ele era formado em direito e

atuava na fronteira entre o México e os Estados Unidos e depois ele passou a estudar e se envolveu

em estudos no campo da história, não sei se ele abandou a área de direito, mas eu lembro que, na

apresentação dela, ele passou por esse processo de conscientização. Tem algo que me chamou

atenção, de acordo com a síntese, na cosmovisão é justamente o núcleo duro que, ele exemplifica

com a gramática, não se transforma. Eu lembro que a Adriana comentou que uma das coisas

importantes que esse texto do Austin traz para nossas pesquisas sobre a convivência é que na

experiência de vida parte da perspectiva de quem experiencia a experiência, de quem vive a

experiência, não na perspectiva de julgamento do pesquisador. Se não me engano, a gente teria acesso

a esse núcleo duro também a partir dessa perspectiva. Na síntese está assim: “O núcleo duro da

cosmovisão vai se constituindo em atos constantes do cotidiano de quem nem sequer se imagina

criador de cosmovisão. Austin cita o exemplo da gramática que é uma construção de racionalidade e

coerência extremas obra de todos e do nada já que não é fruto do trabalho consciente de criação, mas

sim resultado do exercício diário (ou do diálogo?)”. Eu não sei se nesse núcleo duro entraria a questão

da reflexão ou a questão da tradição?

Wal: Uma coisa que eu fiquei pensando, é que é mais fácil perceber a cosmovisão em alguns povos

mais tradicionais porque a tradição dá para você perceber melhor e não é enganoso achar que a

sociedade moderna, urbana, ocidental não tem uma tradição, está dispersa? É uma pergunta mesmo.

Acho que depende muito de como você lança o olhar para ver o nexo e o núcleo duro da tradição

ocidental também. Coloco isso para pensar.

Tiago: Isso estaria ligado a uma tradição milenar, ? Ao milenarismo por isso que atribua a nossa

sociedade ocidental essa impossibilidade de existir essa tradição. Não faz sentido? Porque ele fala de

uma relação mitológica.

Wal: Fala no fim.

Tiago: Dessas bases mitológicas que esses conceitos se apoiam e nossa sociedade não tem essa base,

não tem essa raiz.

Wal: Acho interessante o alerta que elas colocaram dele no conceito de cosmovisão no singular. Que

não leva em conta as diferenças de pensamento e dos componentes da sociedade e nem corresponde

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a totalidade a nenhum deles. Ai ele diz, se eu entendi, que: “Esse conceito no singular é possível de

se colocar em sociedades tradicionais” e ele alerta que cosmovisão não implica em uniformidade de

pensamento. Eu achei esses alertas interessantes.

Tiago: Ele fala também, mais perto das contribuições para o processo de pesquisar, que ela é

percebida como pertencente a um todo social que transforma permanentemente. Então conforme as

pessoas de um grupo social vão mudando, muda também a cosmovisão e vai ao encontro do que ele

coloca lá em cima anteriormente, que é o que você acabou de trazer, que não tem um pensamento

único, uma uniformidade e se não tem uma uniformidade, então a todo momento há mutação, ela

muda. O que é agora pode não ser depois, amanhã.

Sara: Com isso vemos o tanto que é difícil porque em nossas pesquisas a gente busca compreender

as cosmovisões dos grupos com quem estudamos e e tão difícil perceber qual é a cosmovisão daquele

grupo, quais as influências que sofrem, porque ele mesmo diz que elas são comunicáveis. É difícil

chegar nesse nível de análise, é necessário conhecer muito ao redor, as outras cosmovisões que

existem e que pode estar influenciando aquela que está sendo gestada no grupo. Na minha defesa isso

foi falado pelo Gabriel quando disse das fronteiras. O que é próprio do grupo da rua, originário e o

que é introjetado e tem muita introjeção do sistema

Djalma: Mas ao mesmo tempo é difícil esse originário porque tb não origina no…

Erivelto: Estou me dando conta, nesse processo de estudar cosmovisão, que o mais importante é

entender, procurar entender a cosmovisão de grupos com os quais nós convivemos por diferentes

motivos. No nosso caso, para realizar as pesquisas. Mas é tão importante quanto ou mais é estarmos

abertos a diferentes cosmovisões. Estarmos abertos no sentido de admitir a existência de outras

cosmovisões, inclusive de cosmovisões que são antagônicas a nossa. Não precisamos concordar com

ela. Mas estar aberto a essas possibilidades e se elas são antagônicas e confrontam com a nossa

cosmovisão, talvez explicitar isso. E não colocar a nossa como universal e única. Eu tenho pensado

nisso a partir desses encontros que estamos fazendo, então quando eu vou para outros espaços, todos

esses estudos estão me ajudando muito. Aquele exercício que o Viveiro de Castro nos propõe de

experimentar para inclusive ter condições de perceber a existência de outras cosmovisões é

fundamental.

Djalma: E um alerta que a Wal falava a Petro tb, é o exercício de suspender nossos preconceitos,

colocar os conceitos no pré. Acho que isso é fundamental para fazer esse diálogo.

Wal: Você não consegue pegar um negócio que você não tem muita clareza do que é, ? Então, o que

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a Sara falou me fez pensar se eu sei qual é a minha experiência, meus preconceitos?

Sara: É, mas às vezes somos interpelados pelo grupo que pergunta qual é a nossa cosmovisão.

Wal: Exatamente.

Sara: E a gente tem que falar alguma coisa e é um momento de reflexão e de reconhecimento da sua

própria cosmovisão. Isso aconteceu comigo quando me perguntaram “o que é a rua para vc? Você

sempre pergunta para gente, mas agora a gente pergunta para vc”. E eu coloquei em movimento a

minha cosmovisão que confrontou com a deles porque eu via somente negatividades e eles viam

também positividades. O grupo tb nos coloca para exercitar e pensar sobre nossa cosmovisão, porque

temos alguma ? Mas é isso que o Tiago falou, é histórica. Hoje é uma, mas amanhã pode ser outra. É

dinâmica.

Ana Paula: E também sofrem influência.

Sara: Mas é isso que o Tiago falou, é histórica! Hoje é uma mas amanhã pode ser outra.

Tiago: e o que eu acho mais interessante é que às vezes para montar a nossa reflexão de cosmovisão

a gente recorre às nossas experiências de vida. Ou a forma como as pessoas com as quais convivemos

ou o que fazemos com as pessoas ou como aprendemos com elas. E tem muito da nossa convivência

na nossa fala. Muito do que a gente aprende vendo na nossa fala de cosmovisão. Então os exemplos

cotidianos estão na convivência. A gente fica recorrendo à convivência para poder determinar a nossa

cosmovisão. Eu vejo muito isso, pelo menos comigo acontece esse movimento. Quando a gente faz

a visita à nossa trajetória, que é aquele exercício que estávamos fazendo até a um tempo atrás, de

voltar... a nossa trajetória existe em função e razão de nossa convivência com outras pessoas, em

vários espaços. Então você vai construindo a sua visão embasado no momento em que ali estão as

pessoas, que tem outros meios, outros mundos diferentes. Em algum momento melhor ou pior e como

isso se constrói, como a gente vai se construindo ao longo do tempo. Mas é recorrente, não tem como

negar, e às vezes ainda, construímos uma cosmovisão atrelada à religiosidade, à condução da vida

por um Deus, pela crença religiosa que tem. Então a gente tem uma facilidade de juntar tudo, às vezes,

numa visão, e trazer para um olhar nosso, que tem várias bases, que tem vários trâmites, várias redes.

A gente consegue fazer isso. Por isso que aquela pergunta: de onde você fala? É fundamental. De

onde você fala e para quem você fala. Fala o que, por que e como. O que nos faz falar isso ou chegar

a isso.

Erivelto: Tem uma passagem legal em um texto sobre etnografias no sertão de Pernambuco que é

uma referência a um trecho de um filme de Michelangelo Antonioni que é assim: “a pergunta que

você me faz me habilita a compreender melhor a sua sociedade do que a resposta que eu poderia dar

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a ela lhe habilitaria a compreender a minha”31. Então, podemos pensar que a resposta que damos a

determinadas perguntas mostra o que somos e as perguntas também mostram quem é a pessoa que

está perguntando.

Djalma: E aí você prepara sua resposta. E até nesse ponto, a própria equação de Simom Iampara

Uaraque nos propõe pelo Milenário, o Milenário já estava para ser queimado. Então também

incomodo. É o que a Sara estava falando, é a questão do original. Eu sei que eu nasci com um nariz,

mas com visão de mundo que não é da origem. O negócio vem e vai, está sempre... construído. Talvez

o núcleo duro dessa comunidade é o projeto que a gente quer construir e mudar historicamente. É um

projeto por meio de uma perspectiva que está sempre em construção. Talvez o núcleo duro, que eu

também não acho essa palavra interessante, seja o projeto que compartilhamos, mais do que as

experiências, porque todos nós aqui, tivemos uma experiência de vida diversa, diferente,

compartilhamos de algumas coisas, mas talvez o que nos unam aqui ou em outro lugar é o projeto. É

claro que outras vias nos trouxeram até aqui, mas o projeto de mundo. E aí fica a difícil sair dessa

reunião hoje como saímos de outra. Ainda bem que meu núcleo duro não sente muito. Me incomoda

um pouco isso. Isso é núcleo também?

Wal: Nunca se abala?

Tiago: Tem que ser duro?

Wal: Por que tem que ser duro?

Djalma: Então eu acho que é difícil falar dessa questão do original . Inclusive os povos indígenas,

porque falar do original para os povos indígenas é negar toda a colonialidade, é falar que nunca

existiu. Qual que é a sua visão de mundo? E também o que que está querendo de você quando pergunta

essas coisas.

Wal: Me lembrou, eu até estava tentando achar aqui mas em outro momento, quem sabe, a gente

possa até aprender, dar uma olha na Teoria das Representações Sociais, porque eu não conheço muito

bem essa teoria mas eu sei que faz uma análise dos discursos e tem alguns instrumentos, softwares.

Tiago: o Evoc, é o mais utilizado – é um software que você seleciona, faz um levantamento por

questionário de respostas abertas, se for o caso, você digita de forma textual no programa e ele levanta

as palavras que tiveram maior citação em todas as falas desses questionários e coloca a porcentagem

de representatividade e a partir daí você vai trazendo as suas análises, mas é ele que seleciona. Então

ele não faz uma espécie de mosaico alterando o tamanho da palavra, pois quanto mais a palavra é

citada, maior é o tamanho dela no mosaico que o sistema constrói. Então vai de palavras grandonas

31 MARQUES, Ana Claudia.; VILLELA, Jorge Mattar. O que se diz, o que se Escreve. Etnografia e trabalho de campo

no sertão de Pernambuco. Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 2005, v. 48, n. 1, p. 37-74.

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até pequenininhas. E quantas palavras você vê da teoria das representações sociais são importantes.

Tem dois autores: A Sá Chaves e Muscovicci. São dois autores dessa teoria.

Wal: Jodelet.

Tiago: Jodelet também.

Djalma: Acho que a ideia de núcleo pelo menos para mim, traz uma questão de hierarquização.

Porque quando eu falo de núcleo precisa ter uma periferia, que vai estar orbitando. E eu não sei se.

Erivelto: O núcleo tem os elétrons na órbita, que estão em movimento. No centro, o núcleo tem

massa, e não tem carga, não tem movimento.

Tiago: E os nêutrons necessariamente também não.

Wal: Podemos ir para o Fiori?

Diálogos sobre o texto “A práxis e a produção material da existência humana: um estudo do

item Educação Libertadora, contido no capítulo Educação, do livro Educação e Política de

Ernani Maria Fiori”

Tiago: como é essa primeira parte quando você fala que o estudo foi orientado pelo debate acerca

dos conceitos que estão aqui?

Djalma: Coloquei paraticamente nos outros também, como grupo como a gente iria construir. Por

que não necessariamente há a fala nestes termos, cosmovisão, visão de mundo.

Erivelto: Lembro-me que num de nossos encontros Wal apontou a necessidade de discutir e

aprofundar um pouco “o que é mundo”. A síntese do texto do Fiori traz uma reflexão bem interessante

sobre a existência humana no mundo humano. Djalma faz uma ressalva que, de acordo com a filosofia

andina, esse mundo humano não é o único presente no mundo. Há outros mundos que extrapolam o

mundo humano. Talvez tenha algum diálogo com essa discussão do que é mundo e o que venha a ser

essa existência humana nesse mundo.

Djalma: É um texto que também contribuir com o diálogo com Dussel, nessa questão dos

condicionamentos. A gente chegou aqui com alguns condicionantes. Se cotidianamente estamos

vivendo e essa compreensão mais cotidiana prescinde de um pensamento mais crítico.... Eu acho que

a proposta que Fiori traz em diálogo com Dussel é a possibilidade da gente “estar” mas, de forma

crítica: olhar para a história na perspectiva de nos situarmos ao mesmo tempo que a gente também

pode nesse olhar ??? que o passado não é imexível, ele nos condiciona. Acho que ele até fala da

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aventura de quem aceita os riscos de historicização. Não é uma elaboração teórica, é práxis

constitutiva do ser humano. Acho que nos compreendermos, aqui neste momento, olhando para a

história permite uma maior criticidade para aquilo que a gente está fazendo. Amanhã quando

olharmos pode ser mais crítico, não só por estar aqui mas, o ter estado aqui, esse vir a ser. O vir a ser

parece que quando a gente (é uma interpretação) se arrisca nesse processo de historicização, quando

a gente vai trazer o nosso percurso nas nossas pesquisas, trazendo nossas experiências, parece que a

gente olha e parece que foi uma estrada que a gente pegou , entrou na estrada e a gente vai embora.

E aí , bem, num primeiro momento, parece realmente que foi isso. Mas daí você olha, depois das

conversas, que o presente condiciona também, eu acho. “Não, tinha uma rotatória lá, e eu tive que

decidir para que lado eu ia”. Eu acho que também esse pensar criticamente na tentativa de se

historicizar permite a gente se tornar cada vez mais crítico. E se tornar cada vez mais crítico, acho

que possibilita que esse projeto de mundo seja cada vez menos ingênuo. A tentativa do Fiori aqui, foi

essa, principalmente neste diálogo com Dussel, ao trazer essa questão da compreensão existencial,

como a gente passa a existir. A idéia da historicidade e da construção intersubjetiva, que um pouco

foi apresentada nesta síntese, nos dá essa pista.

Sara: Quando ele traz a questão da práxis. Não sei se foi intencional, mas deu certinho com o final,

o último texto trazer a práxis,o processo que a gente age, reflete, que a gente coloca em movimento

nossa cosmovisão. De certa forma volta lá no começo, no Dussel, que ele dá pistas de como se

constitui a cosmovisão. A partir de desembando nessa filosofia da práxis. É um conceito que a gente

poderia colocar na pauta. A práxis.

Tiago: Concordo absolutamente.

Djalma: Dussel vai trazer numa das sínteses, que o modo de existir sem consciência crítica é o que

se chama existencial . Existencial é o modo de cotidiano de ser, no mundo, de existir óbvia e

cotidianamente, sem crise, sem crítica. Lembrei do Fiori, dessa questão do existir. O mundo não

existe. Ele vai se existindo a partir do momento que você vai construindo essa compreensão do

mundo.

Erivelto: O Dussel32 tem um texto que, eu já mencionei, fala das revoluções científicas. Ele mostra

neste texto como a visão que nós temos de mundo se ampliou. No século XV, pensava o mundo de

uma forma. E hoje, por conta dessas revoluções científica, pensamos e compreendemos o mundo de

outra forma. Por exemplo, no século XV, o mundo era o universo. Ele vai justamente problematizar

32 DUSSEL, Enrique. La América Latina en el Espacio y Tiempo. In: ______. America Latina y Conciencia Cristiana.

Quito: Departamento de Pastoral CELAM; Instituo Pastoral Latinoamericano (IPLA), 1970.

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isso. Esse texto está naquele CD, com a obra do Dussel.

Sara: Tem no site do Dussel.

Wal: poderia passar para todos nós. É um texto importante para nossos estudos.

Erivelto: O texto chama “América Latina no espaço e tempo”. Neste texto ele vai falar também que

“las ciencias del espíritu nos muestran que la temporalidad es la dimensión esencial en la existencia

humana”33.

Sara: pode repetir, Erivelto?

Erivelto: “las ciencias del espíritu nos muestran que la temporalidad es la dimensión esencial en la

existencia humana” e nós estamos inscritos em um espaço geográfico e cósmico. Ele fala ainda que

“sem dúvida o mundo é finito, ainda que não tenha limites”. Ele está retomando Einstein. O que isso

significa dizer? Quer dizer que ainda que fisicamente mensurável, está em contínua expansão.

Djalma: Tem um outro texto que eu comecei a ler, que me fez pensar nisso, é do Boaventura, chama

“Para uma sociologia das ausências ou uma sociologia das emergências”. Ele vai falar dessa questão

da temporalidade, que numa construção de ciência moderna, o tempo é linear. O tempo sendo linear,

a questão da memória ou a questão da ancestralidade na cultura dos povos africanos, ela fica como

anacrônica, que não dá conta de se desenvolver, não se moderniza por que está presa (ou pega?) num

passado. E quando você vai para a questão da temporalidade, que critica esse tempo linear, ai faz todo

sentido a ancestralidade, por que é tempo vivo, não é tempo que passou. É legal, achei muito bacana

isso daí.

Wal: Petronilha me disse que avançar nem sempre é caminhar para frente. Se você está num labirinto,

você ir para trás não significa que você não está indo para frente.

Ana Paula: Tem um comentário de um amigo que está se separando da esposa. Numa conversa ele

falou que está chegando nas fases da vida. Está na fase dos casamentos dos amigos. “Tá todo casando,

só eu que estou dando um passo para trás, só eu que estou vontando”. Alguma coisa assim. Como se

fosse negativo. “Só eu que estou indo ao contrário das outras pessoas”. Na verdade, não. Se você

chega nesse ponto de reconhecer que aquele relacionamento não dá mais certo, não é mais bom para

você, esse caminho, essa passo atrás de desfazer é muito mais positivo do que você levar aquele

relacionamento adiante, simplesmente por levar. Às vezes não é caminhar para frente, é voltar

33 DUSSEL, Enrique. La América Latina en el Espacio y Tiempo. In: ______. America Latina y Conciencia Cristiana.

Quito: Departamento de Pastoral CELAM; Instituo Pastoral Latinoamericano (IPLA), 1970. p. 15.

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também.

Wal: terminamos?

Tiago: Para mim não terminou, não. Mas....

(risos)

Wal: Hoje vocês estão subversivos, não? (risos) Tudo que eu falo, “vocês pararam..”... “Não, a gente

continua de outra forma”. “Terminamos?” . “Para mim não terminou”... (risos)

Tiago: A conversa no grupo terminou. Para mim, não.

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APÊNDICE 1.

Listagem de temas estudados em cada autor

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Encaminhamentos da reunião de 6 de agosto:

Cada membro da dupla redige o texto inserindo suas ideias na Apresentacao e as ideias do autor nos

pontos numerados abaixo (deixar o número, se for abordar mais de um numero, colocar, por exemplo,

pontos 1 e 15 nnnnnnnnnnnn).

As duplas trocam esses textos por e.mail. Compartilha com o grupo até dia 6 de setembro. Dia 10 de

setembro reunião as14 e 30 para olhar o que temos e encaminhar.

Pontos para o texto

1. Apresentação:

2. Dos autores do texto (quem são, suas motivações) , do grupo de estudos, como coletivo como

foi constituindo o debate em torno do conceito. O que já vínhamos elaborando.

3. Dos autores estudados (por que esses autores, como chegamos a eles, quem são) visão teo

referente, centralizado em Deus.

4. Objetivo do texto, seus limites e contribuições. Analetica de Dussel? Daria para se aproximar

aqui? Procurar ser mais descritivo, menos se posicionar neste momento. Menos síntese, mais

descritivo do que os autores pensam. Fomos entrando nos autores e ampliando. Mais organizar o que

estudamos nos autores e olhar.

5. Posicionamento epistemologico, político, quando se fala de cosmovisao se esta falando e um

lugar.

6. Introdução aos conceitos

7. Mundo/Cosmos e suas relações com o eu/si mesmo . Constituição do ser humano: unidade

primordial/. Constituição do mundo humano no vai e vem./ Constituição da existência humana e da

consciência dessa existência (Fiori)

8. Vida/experiência de vida/experiência vital; objetivação e subjetivação e construção da

cosmovisão. Historicidade, processo infra-estrutural de produção real do ser humano /

conscientização das Representações sociais supra estruturais. (Fiori)

9. Afirmação da vida na exterioridade sistêmica.

10. Dialeticidade entre compreensíveis existencial e fundamental.

11. Dialogo e convivência

12. Cotidianidade, existência na pratica, no cotidiano (Fiori)

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13. Estar sendo num mundo sendo

14. Exterioridade

15. Relação ontologia e dialética

16. Totalidade de sentidos

17. Compreensão dialética do ser. Crítica.

18. Outros conceitos relacionados. Religião , Gertz. Que, relação entre cosmovisao e religião,

entre cultura e cosmovisao. Gertz.

19. O pensamento científico e a cosmovisão.

20. O pensamento filosófico e a cosmovisão. Analetica de Dussel.

21. Adentrando no conceito e processos da cosmovisão.

22. Concepção de mundo/cosmovisão/mundividência/visão de mundo/ cosmoconvivencia

andina/ filosofia (que termos o autor ou seu tradutor usa – neste caso apontar na língua original- e por

que). Criticas que alguns dos autores estudados faz ao conceito (por ex. Cosmovisao versus filosofia,

Easterman. Cosmoconvivencia, Simon.) etimologia?

23. Austin - leva a cosmovisão para o campo da cultura.

24. Validade do conceito (apenas para comunidades tradicionais? Todo ser humano se vale das

cosmovisoes, e não apenas as comunidade tradicionais) conceito de dissonância do Viveiros de

Castro. É filosofia? (andina). Descolonialidade do poder. Colonialidade.

25. Visão teo referente dogmatiza, não abrindo o dialogo para outras perspectivas.

26. O que é cosmovisão. Easterman, intuição da totalidade, não apenas entendida como totalidade

do humano, mas inclui o natural, o humano, os antepassados. Dialeticidade entre compreensíveis

existencial e fundamental.

27. Cosmoconvivencia andina.

28. Caráter histórico e polissemico.

29. Encontro e reconhecimento da alteridade do outro.

30. Por quais razões os seres humanos constroem cosmovisões.

31. Na história humana, que momentos podemos exemplificar em que as cosmovisões se

confrontam, qual o resultado desse processo. O que é milenar, o que é secular.

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32. Questão da linguagem, traduções .

33. Quais são as estruturas da cosmovisão. A visão teo referente diz que é trans-histórica e trans-

cultural, milenar: bem e mal.

34. Qual(is) processo(s)/procedimento(s) de construção/formação da cosmovisão (momentos

estruturais, e parte medular e parte "maleável"). Conhecimento e compreensão. Caráter/

reinterpretacao coletiva. Mudurunku.

35. Construção do sentido na cotidianiedade.

36. Como se expressam as cosmovisoes (Easterman, no ritual). Acesso ou expresso a cosmovisao

nos rituais? Racionalidade da cosmovisao andina ( complementaridade, que é diferente de oposição;

reciprocidade).

37. Quais contradições nesse processo.

38. Quais processos de desconstrução de cosmovisões.

39. A multiplicidade das concepções de mundo. Filosofia intercultural, esterman. Pressupostos

Sao culturais, Áustin marco cultural. Conhecimento milenar, conhecimento secular, conhecimento

integral e profundo.

40. Exemplos de cosmovisoes: Viveiros de Castro, corpo, natureza e cultura.

41. Relação da Racionalidade ocidental com outras cosmovisoes (Gertz).

42. Reflexões sobre/para os processos de pesquisar:

43. O ato de pesquisar.

44. Quais métodos, processos, mais “adequados” para compreensão/análise das cosmovisões.

45. Importância da história e do contexto - Fabiana

46. Válido pesquisar cosmovisoes não apenas em comunidades tradicionais. Dissonância,

estranhamento.

47. Nosso Ethos e visão de mundo e o Ethos e visão de mundo dos sujeitos da pesquisa.

48. Gertz, contribuições metodológicas. Interpretação da cultura (relação com a tradução).

Alargamento do universo. Não precisamos nos tornar o outro.

49. Viveiros de Castro. Critica ao saber prévio da cultura, procurar conceitos e não encaixar em

conceitos. Descrição, procurando não traduzir.

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APÊNDICE 2.

Contatos das autoras e autores

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Iraí Maria Campos Teixeira - [email protected]

Djalma Ribeiro Junior - [email protected]

Erivelto Santiago Souza

Erivelto Santiago Souza - [email protected]

Maria Waldenez de Oliveira - [email protected]

Reijane Salazar Costa - [email protected]

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Rosângela Pereira de Souza - [email protected]

-

Sara Ferreira de Almeida – [email protected]

Adriana Bogado

Adriana Bogado

Adriana Bogado - [email protected]

Fabiana Rodrigues de Sousa - [email protected]

Ana Paula Fidélix - [email protected]

Tiago Zânqueta de Souza - [email protected]