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A Igreja ante a escalada da ameaça comunista Plinio Corrêa de Oliveira Ouçamos Dom Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix do Araguaia, Mato Grosso, em seu livro “Tierra Nuestra, Libertad” 1 . Consideremos primeiramente sua maldição a todas as propriedades, bem como a todas as cercas que as protegem e de algum modo as simbolizam: Malditas sejam todas as cercas! Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e de amar! Malditas sejam todas as leis, compostas habilmente por umas poucas mãos para amparar cercas e bois e tornar escrava a Terra E escravos os humanos! Outra é a Terra nossa, homens, todos! A humana Terra livre, irmãos! 2 Tal brado de ódio às propriedades bem se conjuga com um brado de ódio aos proprietários: “Prostitutos presunçosos da Mãe comum, seus malnascidos! Malditas sejam as vossas cercas, as que vos cercam por dentro, 1 Editorial Guadalupe, Buenos Aires, novembro de 1974, 152 páginas, com um “Poema-prólogo” altamente elogioso de Ernesto Cardenal. O autor do prólogo, confessadamente ‘comunista cristão’, é um padre nicaragüense muito popular junto à esquerda ‘católica’ internacional (cfr. Ernesto Cardenal habla: ‘ Yo soy um comunista-cristiano’, reportagem de Ruben Lau no jornal chileno “La Nación” de 24-12-72. Allende estava então no Poder). A obra de D. Casaldáliga é um conjunto de poemas em seus idiomas maternos, o catalão e o espanhol, e em português, alguns inéditos, outros já publicados na Espanha em forma de livro, em 1965 (“Llena de Dios y de los hombres ”) e 1971 (“ Clamor elemental”). 2 Poesia intitulada “Tierra nuestra, libertad, pág. 129 (o destaque em negrito é nosso): “Malditas sean / todas las cercas! / Malditas todas las / propriedades privadas / que nos privan / de vivir y de amar! / Malditas sean todas las leyes, / amañadas por unas pocas manos / para amparar cercas y bueyes / y hacer la Tierra esclava / y esclavos los humanos! Outra es la Tierra nuestra, hombres, todos! / La humana Tierra libre, hermanos!”

1976 - Escalada

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Infiltração marxista na Igreja Católica

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  • A Igreja ante a escalada da ameaa comunista

    Plinio Corra de Oliveira

    Ouamos Dom Pedro Casaldliga, Bispo de So Flix do Araguaia, Mato Grosso, em seulivro Tierra Nuestra, Libertad1.

    Consideremos primeiramente sua maldio a todas as propriedades, bem como a todas ascercas que as protegem e de algum modo as simbolizam:

    Malditas sejamtodas as cercas!Malditas todas aspropriedades privadasque nos privamde viver e de amar!Malditas sejam todas as leis,compostas habilmente por umas poucas mospara amparar cercas e boise tornar escrava a TerraE escravos os humanos!Outra a Terra nossa, homens, todos!A humana Terra livre, irmos!2

    Tal brado de dio s propriedades bem se conjuga com um brado de dio aos proprietrios:

    Prostitutos presunososda Me comum,seus malnascidos!Malditas sejamas vossas cercas,as que vos cercampor dentro,

    1 Editorial Guadalupe, Buenos Aires, novembro de 1974, 152 pginas, com um Poema-prlogo altamenteelogioso de Ernesto Cardenal.

    O autor do prlogo, confessadamente comunista cristo, um padre nicaragense muito popular junto esquerda catlica internacional (cfr. Ernesto Cardenal habla: Yo soy um comunista-cristiano, reportagem de RubenLau no jornal chileno La Nacin de 24-12-72. Allende estava ento no Poder).

    A obra de D. Casaldliga um conjunto de poemas em seus idiomas maternos, o catalo e o espanhol, e emportugus, alguns inditos, outros j publicados na Espanha em forma de livro, em 1965 (Llena de Dios y de loshombres) e 1971 (Clamor elemental).

    2 Poesia intitulada Tierra nuestra, libertad, pg. 129 (o destaque em negrito nosso):Malditas sean / todas las cercas! / Malditas todas las / propriedades privadas / que nos privan / de vivir y

    de amar! / Malditas sean todas las leyes, / amaadas por unas pocas manos / para amparar cercas y bueyes / y hacerla Tierra esclava / y esclavos los humanos!

    Outra es la Tierra nuestra, hombres, todos! / La humana Tierra libre, hermanos!

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    gordos,ss,como porcos cevados;fechando,com seus arames e seus ttulos,fora do vosso amoros irmos!3

    Atentemos agora para esta Cano da foice e do feixe, escrita em louvor de umMonsenhor o prprio D. Casaldliga4 - colhendo o arroz dos posseiros de Santa Teresinha,perseguidos pelo governo e pelo Latifndio:

    Com um calo por anel,monsenhor cortava arroz.Monsenhor marteloE foice?

    Chamar-me-o subversivo.E lhes direi: eu o sou.Por meu povo em luta, vivo.Com meu povo em marcha, vou.

    Tenho f de guerrilheiroe amor de revoluo.E entre Evangelho e canosofro e digo o que quero.Se escandalizo, primeiroqueimei o prprio corao.Ao fogo desta Paixo,Cruz de Seu prprio Madeiro.

    Incito subversoContra o Poder e o Dinheiro.Quero subverter a LeiQue perverte o Povo em greiE o governo em carniceiro.(Meu Pastor se fez CordeiroServidor se fez meu Rei).

    3 Poesia intitulada Tierra nuestra, libertad, pgs. 128 e 129:Prostitutos credos / de la Madre comn, / sus malnascidos! / Malditas sean / las cercas vuestras, / las que

    os cercan / por dentro, / gordos, / solos, / como cerdos cebados; / cerrando, / con su alambre y sus ttulos, / fuera devuestro amor / a los hermanos!

    4 Em espanhol, o Bispo no recebe o ttulo de Dom, como em portugus, mas de Monsenhor.

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    Creio na InternacionalDas frontes soerguidas.Da voz de igual a igualE das mos entrelaadas...E chamo Ordem de mal,e ao Progresso de mentira.Tenho menos paz que ira.Tenho mais amor que paz.

    ...Creio na foice e no feixedestas espigas cadas:uma Morte e tantas vidas!Creio nesta foice que avanasob este sol sem disfarcee na comum Esperana to recurvada e tenaz! 5.

    Braslia por certo uma cidade controvertvel e controvertida. Mas quem, mesmo entre osque fazem objeo cidade, aceitaria de subscrever estes versos sem compostura crist, dos quaisse exala o hlito da subverso?

    Braslia era, foi!j forma os seus ocasos nas nuvens totais,e a pureza do sertocomo uma meninaintrometidano cimento e no asfalto.

    Cidade-cu-e-jardimem outros dias,

    5 Poesia Cancin de la hoz y el haz, pgs. 117 e 118 (o destaque em negrito nosso):Com um callo por anillo, / monseor cortaba arroz. / Monseor martillo / y hoz?Me llamarn subversivo. / Y yo les dir: lo soy. / Por mi pueblo em lucha, vivo. / Com mi pueblo en marcha,

    voy.Tengo fe de guerrillero / y amor de revolucin. / Y entre Evangelio y cancin / sufro y digo lo que quiero. /

    Si escandalizo, primero / quem el prprio corazn / al fuego de esta Pasin, / cruz de Su mismo Madero.Incito a la subversin / contra el Poder y el Dinero. / Quiero subvertir la Ley / que pervierte al Pueblo en

    grey / y el Gobierno em carnicero. / (Mi Pastor se hizo cordero. / Servidor se hizo mi Rey).Creo em la Internacional / de las frentes levantadas. / de la voz de igual a igual / y las manos enlazadas... / Y

    llamo al Orden de mal, / y al Progreso de mentira. / Tengo menos paz que ira. / Tengo ms amor que paz.... Creo en la hoz y em el haz / de estas espigas cadas: / una Muerte y tantas vidas! / Creo en esta hoz que

    avanza / bajo este sol sin disfraz / y en la comn Esperanza - / tan encurvada y tenaz!Esta poesia reproduzida no livro de D. Casaldliga, Yo creo en la justicia y en la esperanza! (pgs. 58 e

    59), recm-publicado, de que adiante falaremos, e no qual fica claro que o monsenhor martelo e foice a que ele serefere ele prprio.

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    Braslia hoje apenasante-salaestruturas,audincia sem ouvidos,maro sem primavera.

    E a alma do sertoAgoraEst em minhas mos,O Povo est em meu pranto, como um fetoImportunoA quem se nega o sol,A liberdade,A humana voz,A vida ...

    (Braslia bem nascida,mal criada,formosa prostituta!)6.

    A mesma impresso brutal provocada pelas poesias anteriores se desprende dos seguinteversos:

    Mas para viver,eu j quero tera parte que me cabeno latifndio seu:que a terra no suaseu doutor Ningum!A terra de todosporque de Deus!

    [...] Mas para viver,terra eu quero ter.com Incra ou sem Incra,com lei ou sem lei7

    6 Poesia Braslia era ..., pg. 116:Braslia era, fue! / Ya fueron sus ocasos en las nubes totales, / y la pureza del serto / como una nia /

    entrometida / en el cemento y el asfalto. /Y el alma del serto / ahora / est en mis manos. / El Pueblo est en mi llanto, como un feto importuno / a

    quien se niega el sol, / la libertad, / la humana voz, / la vida ... /(Braslia bien nacida, / mal criada, / hermosa prostituta!)7 Poesia Cemitrio de serto, pg. 124. O texto original em portugus (o destaque em negrito nosso).

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    No est muito longe da famosa exclamao de Proudhon a propriedade, eis o roubo, aseguinte descrio de uma fazenda, provavelmente na infeliz Diocese de So Flix do Araguaia:

    E a Fazenda alm, faceira, impune,com a carne desnuda e provocantede suas telhas ao sol!(Fortaleza feudal, cingida de cruzeiros sulistas.Parque de tubares, engordados na segregao...)Terra de quem? Verde terra infinita,roubada e abenoada pela legislao!... Para os pees errantes do Norte,assalariada priso8

    Lidos estes versos, no causam a menor surpresa ao leitor as estrofes de saudade dirigidasao guerrilheiro comunista tristemente clebre Che Guevara:

    Lembraro que sou um padre novo.Pouco me importa!Somos amigose falo contigo agoraatravs da morte que nos une;estendendo-te um ramo de esperana,todo um bosque floridode perenes jacarand ibero-americanos,querido Che Guevara!9.

    * * *Por que tantas transcries, quando uma s delas basta para enfadar qualquer leitor no

    engajado pelo menos de esprito na subverso? que para o brasileiro mediano, mal informado sobre a infiltrao subversiva em meios

    catlicos, cada uma dessas poesias de tal maneira aturde, que parece incrvel. Ele se pe ento ainterpretar o texto de modo absolutamente inverossmil, titubeando explicaes que lhe morrem noslbios. Tenta ele, assim, fugir a uma concluso que aflora de cada linha do que l.

    Ajudando o leitor a reconhecer e aceitar a dolorosa evidncia, no nos parece demaistranscrever ainda outros textos do Prelado.

    8 Poesias Nueva colonizacin, pg. 49, da srie Clamor elemental (o destaque em negrito nosso):Y la Fazenda all, coqueta, impune, / con la carne desnuda y provocante / de sus tejas al sol! /

    (Fortaleza feudal, acordonada de cruzeiros sulistas. / Parque de tiburones, engordados em la segregacin...) /Tierra de quin? / Verde tierra infinita / robada y bendecida por la legislacin! / ... Para los peones fluctuantes delNorte, / asalariada prisin.

    9 Poesia Che Guevara, pg. 40, da srie Clamor elemental:Recordarn que soy un cura nuevo. / Me importa todo igual! / Somos amigos / y hablo contigo ahora / a

    travs de la muerte que nos une: / alargndote un ramo de esperanza, / todo un bosque florido / de iberoamericanosjacarands perennes, / querido Che Guevara!

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    1 . D. Casaldliga vai alm do comunismo

    D. Pedro Casaldliga acaba de publicar um novo livro contendo sua autobiografia, no qualcorrobora de modo bastante incisivo a posio que assume nas poesias acima transcritas (Yo creoen la justicia y en la esperanza!, Editorial Espaola Descle de Brouwer, Bilbao, 1976 nacoleo El Credo que ha dado sentido a mi vida).

    Qual o Credo que deu sentido vida de D. Casaldliga?Ele mesmo responde:No Credo que deu sentido sua vida, Javier Domnguez [outro autor da mesma coleo]

    cuja f na Justia compartilho plenamente escreve:O Pe. Dez Alegra escandalizou muito os ouvidos de alguns quando escreveu: Marx me

    levou a redescobrir Cristo e o sentido de sua mensagem. Em mim foi exatamente o contrrio: oestudo da Bblia e do movimento revolucionrio cristo me levou compreenso do materialismohistrico.

    Quanto a mim prossegue D. Casaldliga a vida diria luz da F, o quotidiano ecrescente contacto com os pobres e oprimidos pelo imperativo da Caridade me levaram compreenso da dialtica marxista e a uma metania poltica total (livro citado, pg. 188 odestaque em negrito nosso. O termo grego metania significa transformao, mudana de vida,converso).

    Colocando na mesma plana o seu Credo, o de J. Domnguez e a declarao escandalosado Pe. Dez Alegra, D. Casaldliga deixa ver claramente para que rumos o levou sua metaniapoltica total.

    D. Casaldliga historia da seguinte maneira sua caminhada ideolgica rumo ao marxismo(ele era menino quando irrompeu a revoluo comunista na Espanha e seus pais eram catlicos dedireita):

    Passei da viso horrorizada do anarquismo em minha infncia, para as opes dosocialismo. Pelo contato com a dialtica da vida, pelas exigncias do Evangelho e tambm poralgumas razes do marxismo(pg. 180 os destaques em negrito so nossos).

    Assim, ele comeou seu itinerrio imaginando-se guiado por duas estrelas geminadas:Jesus Cristo e Marx.

    Conduzido por algumas razes do marxismo, no espanta que D. Casaldliga tenhachegado a um programa scio-poltico eivado de influncia marxista. Diz ele:

    O socialismo que eu propugno, com tantos outros irmo na F e na paixo pela Justia como o melhor instrumento scio-poltico, no momento presente, para a transformao dasociedade humana no precisamente o Regime tal, nem menos ainda, tal Partido. No aRssia claro nem Cuba, nem a China, nem a Arglia, nem o Chile de Allende. algo deles,entretanto(pg. 180 o destaque em negrito nosso).

    Aparecem nesse texto algumas confusas restries ao comunismo. Elas no provm de queo Bispo considere o comunismo por demais extremado e no queira chegar at l. Pelo contrrio,ele no adere inteiramente ao comunismo, porque considera que este insuficiente. D. Casaldligaquer ir alm: Procurando ser cristo, sei que posso e devo ir mais longe que o comunismo(pg.180).

    Apesar dessas restries, D. Casaldliga chegou a ser um entusiasta do comunismo: e distoconserva restos: Por outro lado, faz j muitos anos que me entusiasma bem pouco a metrpole docomunismo internacional. Depois de ler Soljenitsin, por exemplo, ningum pode ter muitas ilusesa respeito do paraso sovitico(pg. 180).

    Entretanto, D. Casaldliga ainda acha o regime sovitico, apesar de todas as denncias doescritor Soljenitsin, prefervel atual ordem de coisas no Ocidente: Entusiasma-me muito menos,

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    contudo, os parasos capitalistas, onde a Sibria da fome ou da escravido ou da loucura doconsumo so o habitat da maioria. O povo-povo no os mandarins, no os reverendos, nem asdamas, nem as famlias de posio, nem os donos ganhou com Fidel ou com Allende ou comMao (pgs. 180-181).

    Note o leitor que, na frase rebuscada, o sujeito do verbo ganhou povo-povo... Isto :o povo-povo ganhou com Fidel, com Allende ou com Mao. passando do regime atual para osovitico, o ganho do povo-povo indiscutvel, segundo D. Casaldliga.

    Ele mesmo explica o sentido desse ganho. que, quanto mais distribuda estiver ariqueza, maior a vantagem do povo-povo: Se a Poltica a arte do Bem Comum, penso que oBem Comum ser tanto mais legtimo quanto mais comum seja (pg. 181).

    O ideal que a Igreja tem em vista em matria de organizao social e econmica noconsiste de nenhum modo em um regime no qual s haja uma classe. Pelo contrrio, a Igrejapropugna pela coexistncia harmnica e proporcionada de classes sociais e econmicas desiguais10.

    D. Casaldliga pensa de maneira diametralmente oposta. O ideal, para ele, uma sociedadeto radicalmente igualitria, que chega a ser uma utopia inatingvel. Nem sequer a Rssia soviticaconsegue realiz-la. Mas cumpre que o regime comunista, instalado dentro do possvel, tendacontinuamente a superar-se a si mesmo rumo a essa igualdade impossvel, a qual, ela sim,entusiasma D. Casaldliga. Nesse sentido que ele, como h pouco vimos, desejaria ir alm doprprio regime sovitico...

    Para mim explica ele [...] socializao seria a maior participao possvel de todosos cidados, dentro da maior igualdade possvel, em todos os bens da natureza e da cultura.

    Disse possvel[...]: e, em todo caso [...] minha esperana realmente utpica, porqueno acabar de realizar-se nunca aqui, na cidade terrena....

    E, entretanto - acrescento agora toda vida crist deve ser realizao dessa Utopia. Scaminhamos para a Cidade celeste na medida em que procuramos instaur-la utopicamente aqui,nas embrutecidas ruas da cidade terrena. Quem se nega a construir aqui embaixo o mundo doHomem Novo, [...] est se negando a construir o Reino de Deus, que tambm comunidadefraterna, igualdade efetiva, comunho real de bens. O Mandamento Novo radicalmentesocializador. O Evangelho a subverso dos interesses, porque a demolio dos dolos. Quempode encaixar as classes sociais na Constituio do Reino? (pgs. 181-182 os destaques emnegrito so nossos).

    O utopismo igualitrio de D. Casaldliga tal que o faz imaginar o Reino dos Cus demodo exatamente oposto ao que ensina a Igreja. Para ele, os Anjos e os Santos formam em torno deDeus a sociedade igualitria perfeita, para a qual na terra se deve tender maneira de uma utopia.

    Na realidade, a Igreja ensina que os Anjos e os Santos constituem, abaixo de Deus, umasociedade perfeita, sim no porm por ser igualitria, mas por ser hierrquica, isto , composta

    10 Para no alongar as citaes, limitemo-nos a transcrever um texto de Leo XIII e outro de Pio XII.Leo XIII: impossvel que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nvel. , sem dvida, isto o

    que desejam os socialistas, mas contra a natureza todos os esforos so vos. Foi ela, realmente, que estabeleceu entreos homens diferenas to multplices como profundas: diferenas de inteligncia, de talento, de habilidade, de sade,de fora: diferenas necessrias, de onde nasce espontaneamente a desigualdade das condies. Esta desigualdade,por outro lado, reverte em proveito de todos, tanto da sociedade como dos indivduos; porque a vida social requer umorganismo muito variado e funes muito diversas, e o que leva precisamente os homens a partilharem estas funes ,principalmente, a diferena de suas respectivas condies (Encclica Rerum Novarum, de 15-5-189, A.A.S, vol.XXIII, pg. 648).

    Pio XII: Num povo digno de tal nome, todas as desigualdades que derivam, no do arbtrio, mas da prprianatureza das coisas, desigualdades de cultura, de haveres, de posio social sem prejuzo, bem entendido, da justiae da caridade mtua no so absolutamente um obstculo existncia e ao predomnio de um autntico esprito decomunidade e fraternidade(Radiomensagem de Natal de 1944 Discorsi e Radiomessaggi, vol. VI, pgs. 239-240).

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    de vrios coros anglicos 11, nos quais os homens que se salvarem devero preencher os tronosdeixados vacantes quando da subverso de Satans e dos anjos que o acompanharam.

    No utpico cu igualitrio de D. Casaldliga, no surpreende que ele imagine ver instaladoo lder igualitrio Che Guevara: Rezo pelo Che. Sinto que ele, a esta hora, j conhecer afora suprema da violncia do Amor. [...] algum dia escreverei um poema a meu amigo Guevara.Deus o tenha em sua Paz! (pg. 189).

    * * *Sirva ainda de documento o seguinte trecho da pea teatral representada por ocasio da

    inaugurao da Catedral de So Flix, em agosto de 1975. Afirma ele um curioso nexo entre aabolio da batina e o ingresso de tantos clrigos contemporneos, na luta de classes:

    Padre. Tiramos a batina [acaba de tirar e fica com ela na mo]. Isso, verdade, era demenos... Tiramos a capa do orgulho e do poder... e entramos na vida do povo: comeamos a entrarna vida do povo!

    [...] Largamos a aliana com os poderosos [joga a batina nos ps do Poderoso] eganhamos a inimizade de tudo quanto poder o Dinheiro, a Poltica, as Armas e camos namesma luta e na mesma perseguio em que vocs, irmos, viviam, dia a dia, sculo aps sculo...

    [...] [Acabada a ltima estrofe, o Bispo ele prprio interrompe]:Bispo. [A todos:] Irmos, o teatro acabou..., mas a vida continua. O que acabamos de

    ver e escutar, no fantasia apenas. a vida da gente, a F da gente (apud Alvorada, folhabimensal da Prelazia de So Flix, agosto de 1975).

    A leitura de mais de um texto deste gnero torna inviveis as veleidades de defesa dequalquer leitor, porque lhe abre os olhos para todo o sempre, sobre o trgico de certos aspectos dasituao eclesistica do Brasil de hoje.

    2 . Como pde um Bispo chegar a tal ponto?

    Nem em seu contedo, nem em sua forma diga-se de passagem estes textos tm valor.O pensamento deles poderia normalmente escorrer da pena de qualquer agitador popular,razoavelmente alfabetizado. A modesta chama que os anima no vai alm da que inspira ospequenos literatos de subrbio.

    Despertam, porm os pobres tpicos que acabamos de transcrever, uma srie de perguntasde importncia transcendente.

    Com efeito, como pde um sucessor dos Apstolos, um Bispo da Santa Igreja CatlicaApostlica Romana, chegar a tais afirmaes, a tais atitudes? Ou ento, como pde um clrigoportador de tais opinies, e capaz de tais atitudes, chegar a Bispo da Igreja de Deus?

    Mais ainda. Como no recear o que pode resultar para os fiis do Araguaia, da atuao deum Bispo com tal mentalidade? Tanto mais quanto muitos desses textos, como afirma o prprio D.Casaldliga na nota preliminar de seu livro de poemas, so nascidos em Mato Grosso.

    * * *

    11 Ensina Leo XIII: Assim como no Cu [Deus] quis que os coros dos Anjos fossem distintos esubordinados uns aos outros, e na Igreja instituiu graus nas ordens e diversidade de ministrios de tal forma que nemtodos fossem apstolos, nem todos doutores, nem todos pastores (1 Cor. 12, 27): assim estabeleceu que haveria nasociedade civil vrias ordens diferentes em dignidade, em direitos e em poder, a fim de que a sociedade fosse, como aIgreja, um s corpo, compreendendo um grande nmero de membros, uns mais nobres que os outros, mas todosreciprocamente necessrios e preocupados com o bem comum(Encclica Quod Apostolici Muneris, de 28-12-1878,AAS., vol. XI, pg. 372).

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    No nos detenhamos aqui. Como reage a Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil diantedesta escandalosa exploso do esprito subversivo na pena de um Bispo catlico? Vendo-se toclaramente infiltrada pela subverso, como se defende a Hierarquia eclesistica brasileira?

    Resposta incmoda de dar. Pois no consta que a CNBB tenha desautorado publicamente,de qualquer forma, estas poesias. Acresce que, como bvio, haveriam elas de penetrar em nossoterritrio, nele produzindo efeitos deletrios, uma vez que o idioma espanhol largamentecompreendido entre ns, e algumas so mesmo em portugus. Nem pelo menos tentou a CNBB dara estas poesias uma interpretao inevitavelmente das mais foradas que procurasse enquadr-las na ortodoxia.

    Nada. As musas que inspiraram o Bispo de So Flix do Araguaia no passaram pelodissabor de ver reprimidos pelas autoridades da Igreja os frutos txicos que fizeram brotar na mentedo irrequieto Prelado.

    Pelo contrrio, a imprensa de todo o Brasil informou a existncia de uma tenso, que sevem prolongando ao longo dos ltimos anos, entre D. Casaldliga e o Governo Federal. Foi osuficiente que a tenso tivesse incio para que desde logo levantassem a voz, em favor dos Bispo,numerosos Prelados, alguns da maior projeo.12

    12 Essa tenso ocorreu a propsito de um litgio de terras no povoado de Santa Teresinha, na Amazniamatogrossense, em zona sob a jurisdio de D. Casaldliga.

    Extrapolaramos de nosso tema considerando aqui o mrito de tal questo.Limitemo-nos, pois, a lembrar que em 1960, a Companhia Imobiliria do Vale do Araguaia adquirira do

    Governo do Estado do Mato Grosso extensa rea naquela zona, para fins de colonizao. Em 1966, essa rea foivendida CODEARA (Companhia de Desenvolvimento do Alto Araguaia). Por motivos circunstanciais, surgiu umconflito entre esta companhia e ocupantes que ali residiam anteriormente venda da rea pelo Governo do Estado doMato Grosso.

    Desde 1965, era vigrio de Santa Teresinha o missionrio francs Pe. Francisco Jentel, o qual se colocouradicalmente contra a CODEARA, e em favor dos mencionados ocupantes. O Sacerdote teve todo o estmulo de D.Pedro Casaldliga, notadamente na Carta Pastoral de sagrao, em outubro de 1971, na qual o Bispo-Prelado de SoFlix afirma: O que vivemos nos deu a evidncia da iniquidade do latifndio capitalista, como pr-estrutura socialradicalmente injusta; e nos confirmou na clara opo de repudi-la. Sentimos, por conscincia, que tambm nsdevemos cooperar para a desmitificao da propriedade privada. E que devemos urgir com tantos outros homenssensibilizados uma Reforma Agrria justa, radical, sociologicamente inspirada e realizada tecnicamente, semdemoras exasperantes, sem intolerveis camuflagens (Jornal da Tarde de So Paulo, de 27-5-72).

    Em seu ltimo livro, d. Casaldliga reafirma a inteira consonncia da atuao do Pe. Jentel com suasdiretrizes (cfr. Yo creo en la justicia y en la esperanza!, pgs. 58, 62, 63, 108).

    A atuao do Pe. Jentel foi considerada subversiva pelo Governo Federal, que o expulsou do Brasil pordecreto de 15 de dezembro de 1975.

    Da parte dos elementos exponenciais da CNBB, no foram regateadas as manifestaes de solidariedade aoSacerdote francs que o Brasil rejeitava como subversivo, e ipso facto ao Prelado espanhol que lhe dera todo o apoio.Sem embargo do que, D. Casaldliga sente na CNBB o terreno to firme debaixo dos ps, que no seu livro Yo creo enla justicia y en la esperanza! (pg. 60) ainda ousa reclamar contra a insuficincia do apoio que o rgo episcopal lhepresta!

    O Secretrio-Geral da CNBB, D. Ivo Lorscheiter, declarou que a Igreja apoiava a referida Carta Pastoral deD. Casaldliga, sublinhando que se tratava de um documento limpo, preciso e imparcial... (O Jornal do Rio deJaneiro, 12-11-71).

    Onze Bispos e Prelados da Amaznia reunidos em Belm do Par, tomando conhecimento da Carta Pastoralde D. Casaldliga, enviaram-lhe um telegrama no qual testemunham o seu louvor e solidariedade ante trabalho toexpressivo (Folha de S. Paulo, 13-11-71).

    A cpula da CNBB, D. Aloisio Lorscheider, D. Avelar Brando Vilela e D. Ivo Lorscheiter desenvolveramtodos os esforos para evitar a expulso do Pe. Jentel, bem como a de D. Casaldliga, a cujo respeito corriam tambmpela imprensa boatos de expulso do Pas (cfr. O Estado de S. Paulo, 2-6-73 e 27-9-75; Lar Catlico de Juiz deFora, 2-11-75).

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    vista de tudo isto, vem mente a pergunta extrema: qual afinal a posio de nossaHierarquia ante a subverso?

    Perguntas como as que acabamos de enunciar, fazem-nas, na atual conjuntura, um nmeroj grande e sempre crescente de catlicos brasileiros.

    3 . A Igreja do Silncio no Chile A TFP andina proclama a verdade inteira

    A obra La Iglesia del Silencio em Chile La TFP proclama la verdad entera13 dresposta a anlogos problemas, que alcanaram no pas irmo uma dramaticidade inigualada.Verdadeiro estudo histrico e doutrinrio baseado em mais de 200 documentos, o livro da valorosaTFP chilena nos mostra que a quase totalidade do Episcopado e uma impressionante parte do Clerodaquele pas coadjuvaram de modo decisivo, nas vitrias como na adversidade, a poltica do ldermarxista Salvador Allende, o Presidente da Repblica tragicamente malogrado.

    De incio, bafejaram a fundao e o progresso do Partido Democrata Cristo, coligao deuma grande maioria de catlicos tradicionais e centristas com uma minoria de catlicosmodernizados e esquerdistas: a maioria centrista era a massa, e a minoria esquerdista o fermentoadrede colocado.

    Como era fcil prever, essa minoria em cujas mos estavam a iniciativa ideolgica, adireo ttica e a fora de propulso do Partido Democrata Cristo haveria de conduzir a maioria

    Solidarizaram-se ainda com D. Casaldliga e o Pe. Jentel, D. Fernando Gomes, Arcebispo de Goinia, eoutros catorze Bispos da Regional Centro-Oeste da CNBB (cfr. Arquidiocese em Notcias, rgo da CoordenaoArquidiocesana de Pastoral, Belo Horizonte, no. 32, maro de 1972; O Popular de Goinia, 8-7-72).

    D. Joo de Sousa Lima, Arcebispo de Manaus, e mais dezessete Bispos do Acre, Amazonas, Par, Maranho,Cear e Minas Gerais, reunidos em Manaus no dia 15 de agosto de 1973, enviaram uma enftica carta de apoio a D.Pedro Casaldliga, solidarizando-se ao mesmo tempo com o Pe. Jentel (cfr. Alvorada, folha bimensal da Prelazia deSo Flix).

    A mesma folha Alvorada informa que no dia 19 de agosto de 1973 estiveram reunidos em So Flix onzeArcebispos e Bispos de diversos pontos do Pas Vitria, Joo Pessoa, Bauru (SP), Crates (CE), Viana (MA), Ipameri(GO), Gois, Jales (SP), So Mateus (ES), e o Bispo Auxiliar de Porto Nacional (GO), Marab (PA) paraconcelebrarem com D. Pedro Casaldliga. Enviaram representantes o Cardeal D. Paulo Evaristo Arns e os Bispos deSantos (SP), Porto Nacional (GO), Uberlndia (MG), Joinville (SC), Volta Redonda (RJ), Lins (SP), e o Bispo Auxiliarde So Lus. Ao final do ato, todos os Arcebispos e Bispos presentes, bem como os representantes dos que no puderamcomparecer, assinaram uma carta aos seus irmos no Episcopado de todo o Brasil para lhes comunicar sua decididasolidariedade ao Bispo-Prelado de So Flix do Araguaia.

    D. Eugenio Salles, Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, honrou o Pe. Jentel comparecendo pessoalmente aoseu embarque no Aeroporto do Galeo, quando foi expulso do Brasil (cfr. O Estado de S. Paulo, 17-12-75).

    vista das poesias e dos outros documentos de responsabilidade de D. Casaldliga que aqui publicamos,qualquer pessoa, ainda que abstraindo completamente do mrito da pendncia entre a CODEARA e os ocupantes dasterras, no pode deixar de ter as mais graves suspeitas de que o Bispo-Prelado de So Flix do Araguaia, e seurepresentante natural, Pe. Jentel tenham enxertado um sentido subversivo na ao defensiva que vinham desenvolvendoem favor dos ocupantes.

    Bem entendido, esse sentido subversivo, to saliente no Bispo de So Flix do Araguaia, tem que saltar aosolhos de quem lhe conhece a ao, ou com ele tem trato pessoal. Espanta e desconcerta que D. Pedro Maria Casaldligadisponha, nas fileiras de nosso Episcopado, de to grande nmero de admiradores, os quais o apoiam com calor,inclusive frente aos mais altos poderes da Repblica. Entretanto, tal a realidade que os fatos narrados deixam evidente.

    Segundo consta, no s nas fileiras do Episcopado brasileiro que D. Casaldliga tem firmes apoios.Ao que assevera O So Paulo, rgo oficioso da Arquidiocese paulopolitana, o Cardeal-Arcebispo D.

    Paulo Evaristo Arns, ao chegar de Roma, declarou ter ouvido de Paulo VI, a propsito dos fatos do Araguaia, aseguinte frase: Mexer com D. Pedro Casaldliga, bispo de S. Flix, seria mexer com o prprio Papa (O SoPaulo, 10 a 16-1-76).

    13 Editado pela Sociedade Chilena de Defesa da Tradio, Famlia e Propriedade, Santiago, janeiro de1976, 468 pginas.

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    por veredas socialistas, rumo ao comunismo. A maioria, sim, desprevenida e confiante, em cujasfileiras a direo do PDC ia multiplicando os ativistas do esquerdismo ardito.

    No sinuoso caminhar para a vitria do marxismo, os esquerdistas da DC contaram comdois fatores favorveis.

    Um destes foi o apoio que o processo de esquerdizao paulatino da DC veio recebendo decrescente nmero de Arcebispos e Bispos, Sacerdotes e Religiosos. Dado que a maioria centrista daDC era fundamentalmente catlica, compreende-se que tal apoio ainda tenha tido uma eficciampar.

    Outro fator muito considervel foi a atuao do Sr. Eduardo Frei, levado pela prpria DC presidncia da Repblica no perodo de 1964 a 1970. O lder mximo do pedecismo chileno sehouve com todo o tino e empenho para preparar a ascenso de um sucessor marxista. Esse sucessorfoi precisamente Salvador Allende. Frei passou por isto para a Histria como o Kerensky chileno.Serviu de ferrete para assim lhe marcar merecidamente a fronte um livro escrito por um jovembrasileiro, Fbio Vidigal Xavier da Silveira, livro esse que, com o desenrolar dos fatos, iria terfulgurante efeito na vida pblica do pas irmo14.

    A conjugao destes dois possantes fatores foi decisiva para a vitria do candidatomarxista.

    Por ocasio da agitada eleio deste, e durante todo o seu governo, foi-lhe dado o apoioostensivo e caloroso da quase totalidade da Hierarquia. O justo descontentamento da populaofaminta, ameaada de misria e caos, se avolumou ao longo do governo de Allende sob as vistasglacialmente indiferentes e no raras vezes hostis dos Prelados que, em impressionante nmero,apoiavam o presidente marxista. A gloriosa revoluo, militar e popular, que se alou contraAllende, foi obstada quanto possvel pelos referidos Hierarcas15 .

    Desaparecido o presidente marxista, grande parte da Hierarquia veio resguardando detodos os modos os restos da situao derrocada. E presentemente propicia quanto pode areaglutinao destes restos, obviamente com vistas a uma nova investida vermelha.

    Esses fatos, quase incrveis de to aberrantes, demonstra-os exuberantemente o livro daTFP chilena, que em seus ltimos captulos estuda a situao cannica na qual se puseram osPastores de tal maneira divorciados de sua sagrada misso.

    O resumo da obra apresentado na parte final deste volume sob o ttulo A Igreja doSilncio no Chile A TFP andina proclama a verdade inteira, contm apenas o indispensvelpara pr ao corrente do drama religioso chileno a parcela do pblico brasileiro que, na trepidao davida contempornea, no dispe de lazeres para a leitura acurada do texto integral.

    A TFP brasileira pe entretanto disposio do pblico que queira conhecer na ntegra abrilhante e destemida obra de sua co-irm, as vrias edies chilena, argentina, colombiana enorte-americana que dela se fizeram16.

    14 A obra, intitulada justamente Frei, O Kerensky chileno, foi publicada originalmente em Catolicismo,no. 198-199, de junho-julho de 1967, e teve nesse mesmo ano mais duas edies em forma de livro. Espraiou-se depoispor toda a Amrica Latina e atingiu a Europa, num total de 17 edies, superando largamente a casa dos cem milexemplares. O autor era diretor da TFP brasileira e faleceu em dezembro de 1971.

    15 Numa linha que no difere substancialmente da de seus irmos no Episcopado chileno, D. Casaldligaassim insulta o golpe militar que derrubou o comunismo no pas andino: Allende foi assassinado no Chile. E Paulo VIlamentou o trgico golpe militar. O Brasil apressou-se a reconhecer em primeiro lugar o novo Governoditatorial-militar do Chile. A liberdade est se tornando difcil nesta Amrica jovem e irreversvel ( Yo creo en lajusticia y en la esperanza!, pgs. 97 e 98 o destaque em negrito nosso).

    16 Os livros podem ser encontrados na Editora Vera Cruz Ltda., Rua Dr. Marinico Prado, 246, CEP 01224,So Paulo, da 10 s 13 horas e das 14,30 s 18 horas, ou solicitados pelos telefones 220-6045, 220-6765 e 220-8460.

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    4 . Utilidade da obra chilena para o pblico brasileiro

    Que especial razo tem um catlico brasileiro para se interessar particularmente pelaleitura desta obra chilena? J falamos de passagem, a respeito de uma analogia de situao com oBrasil. Aprofundemos esse ponto.

    As poesias do Bispo de So Flix do Araguaia levantam, como dissemos, o problema daposio da Hierarquia e do Clero brasileiros ante a subverso.

    O estudo do que ocorreu em um pas prximo ao nosso, irmo pela raa e pela F, ofereceimportantes elementos para se compreender, por via de comparao, a gravidade dessa questo. Epara pr em realce, ademais, quanto necessrio que os catlicos brasileiros tenham o espritoalertado para o perigo que constitui, em nosso Pas, a subverso enquanto acobertada pelaHierarquia eclesistica ou at nela encastelada.

    * * *J que o proveito do livro da TFP chilena para um leitor brasileiro consiste em tal

    comparao, um panorama geral do problema, como se formou, como existe e como se avoluma noBrasil, pode ser til para este fim. o que passamos a expor.

    5 . Misso da Hierarquia no combate ao comunismo: dois princpios bsicos

    Antes de entrar na matria, recordemos dois princpios de importncia transcendental:a ) O comunismo enquanto adversrio da Igreja. Por suas metas, mtodos e tticas, o

    comunismo uma fora internacional que trabalha para a completa destruio da Igreja e do queresta de Civilizao Crist. E o faz to eficazmente que a destruiria no prprio dia de hoje se nofosse a assistncia divina prometida Igreja imortal. A vigilncia e a combatividade de todos oscatlicos e portanto tambm da Hierarquia se devem empenhar antes de tudo na luta at a finalderrota deste adversrio.

    Hierarquia eclesistica toca, pois, ser eminentemente anticomunista, isto , compete-lheinstruir e formar os fiis contra o comunismo, denunciando e refutando os erros deste, mostrando-lhes quanto so perniciosos e dignos de execrao, e incitando-os a engajar na luta contra ocomunismo toda a sua influncia, seu tempo e sua dedicao.

    Compete igualmente Hierarquia dar seu mais decidido apoio e estmulo s organizaespblicas ou privadas que lutam contra o comunismo, pois so aliadas naturais da Igreja.

    B ) O comunismo tambm o inimigo mximo de todas as ptrias, pois prega aabsoro de todas elas em uma repblica universal utpica. E tambm porque a cultura, a ordempoltica, social e econmica deduzidas da doutrina comunista so diametralmente opostas verdade.De onde decorre que, na medida em que o comunismo se vai apossando das mentes e influenciandoa vida de um pas, nesta mesma medida lhe vai aniquilando as foras, perturbando os rumos edesordenando a vida. A experincia dos pases dominados elo comunismo o comprova.

    Um xito da ao comunista em determinado pas pode ser mais perigoso para asobrevivncia e a grandeza deste, do que o xito de algum exrcito invasor.

    A Hierarquia catlica tem o grave dever de ajudar com todas as foras o pas confiado aseu pastoreio, em caso de agresso estrangeira. Ela o tem a fortiori ante a penetrao comunista,doutrinria ou a mo armada.

    Enunciado assim estes princpios, firmamos ao mesmo tempo os mais altos critrios para aanlise da atuao da Hierarquia eclesistica em face da investida comunista no Brasil.

    6 . Primrdios da infiltrao esquerdista no Brasil catlico

    A histria da infiltrao esquerdista no Brasil catlico se compe de vrias etapas:

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    Comecemos pelo que se chamaria de pr-histria dessa infiltrao.At cerca de 1948, a atitude da Hierarquia e dos fiis ante o perigo comunista no Brasil foi

    claramente inspirada pelos dois princpios enunciados no item 5. Isto , consistiu em lutar com vivoempenho, com altaneria e eficcia, contra as investidas do comunismo, ideolgicas ou a moarmada.

    Posteriormente, essa situao se deteriorou. Nas suas grandes linhas, a posio daHierarquia, do Clero e do laicato catlico continuou fiel a si mesma17.

    Isto , enquanto inimigo que atacava a Igreja abertamente e de fora para dentro, ocomunismo continuou a ser rijamente repelido. Mas o mesmo j no se pode dizer da reaocatlica contra uma nova frente de ataque aberta pelo comunismo: era a infiltrao discreta naprpria Igreja, para atac-la por dentro.

    Essa infiltrao era propiciada pela politique de la main tendue, manobra comunista quede h tempos se desenvolvia na Europa. Os efeitos dessa manobra s nos anos 40 se fizeram sentirno Brasil. Contra ela, j Pio XI18 e Pio XII 19 haviam alertado Bispos e fiis.

    Baseava-se esta manobra na insidiosa afirmao de que o estado de espritofundamentalmente hostil das autoridades soviticas em relao Igreja passara por considervelatenuao. A tal ponto que, no clima psicolgico assim criado, era fcil discernir com a devidaclareza um dado at ento mal focalizado: sem embargo de muitas e fundamentais discrepnciasentre a Igreja e o comunismo, uma e outro combatiam um adversrio comum, isto , o capitalismo,apontado como responsvel pela situao dura e imerecida em que se encontravam as massasoperrias das naes ocidentais.

    17 Esta afirmao continua real em larga medida at nossos dias. Como adiante veremos, no se pode afirmarque a maior parte da Hierarquia eclesistica, do Clero e do laicato brasileiros seja pr-comunista. Nem mesmo que sejaativamente conivente com ele.

    O mesmo no se pode dizer de uma minoria ativa de Bispos, Sacerdotes e dirigentes leigos que, servidos porexcelente propaganda, utilizando eficazes tticas de ao, e instalados em importantes posies, conduzem o processode esquerdizao da Igreja, e atravs deste processo ajudam possantemente outro processo algum tanto mais amplo, ode esquerdizao de todo o Brasil.

    Pelos cargos-chave que ocupam, pela propaganda que os bafeja, pela vivacidade incontestvel de sua ao, osmembros dessa minoria do a boa parte do pblico a impresso errada de que representam legitimamente a Igrejainteira, e com isto multiplicam indefinidamente sua nocividade.

    18 Encclica Divini Redemptoris, de 19 de maro de 1937, AAS., vol. XXIX, pgs. 95 e 96.19 A Suprema Sagrada Congregao do Santo Ofcio, por mandato e com a autoridade do Sumo Pontfice Pio

    XII, promulgou um decreto no dia 1 de julho de 1949, no qual proscreve categoricamente o comunismo e todacolaborao com ele:

    I. lcito aos catlicos dar seu nome e prestar sua ajuda aos partidos comunistas? Resposta: No lcito, o comunismo materialista e anticristo; com efeito, os chefes comunistas, inclusive quando dizem por palavrasque no combatem a religio, na realidade, contudo, tanto pela doutrina como pela ao, mostram-se inimigos deDeus, da verdadeira Religio e da Igreja de Cristo.

    II. lcito editar, difundir ou ler livros, revistas, jornais e folhetos que defendem a doutrina ouatividades comunistas, ou neles escrever? Resposta: No lcito; est proibido ipso jure (cnon 1399 do Cdigo deDireito Cannico).

    III. Os fiis que, consciente e livremente, tenham incorrido nos atos de que tratam os nmeros I e II,podem ser admitidos aos Sacramentos? Resposta: No podem ser admitidos, em conformidade com o princpio geralde que se deve negar os Sacramentos queles que no esto nas devidas disposies para receb-los.

    IV. Os fiis que professam a doutrina materialista e anticrist dos comunistas e principalmenteaqueles que a defendem e divulgam, incorrem, ipso facto , na excomunho reservada de modo especial SApostlica, como apstatas da F catlica? Resposta: Sim, incorrem (AAS., vol. XLI, pg. 334. Colocamos cadaresposta logo em seguida respectiva pergunta para maior facilidade de compreenso).

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    Nada impedia, pois sopravam intelectuais comunistas nos ouvidos receptivos deintelectuais da esquerda catlica que a Igreja, protetora natural dos pobres e oprimidos,cooperasse com os Partidos Comunistas dos diversos pases, na luta contra esse adversrio.

    Em tal luta podiam portanto os catlicos cerrar a main tendue que, como fiis aliados, oscomunistas lhes apresentavam.

    De incio, a mo estendida dos comunistas encontrou, a par de uma desconfianageneralizada da grande maioria catlica, a simpatia de pequenos grupos de catlicos europeus,intelectuais e homens de ao.

    Mas aos poucos a politique de la main tendue foi ganhando terreno. E assim, a mdioprazo, produzia resultados importantes.

    Essa manobra envolvente proporcionava aos comunistas as seguintes vantagens:a ) Colaborao dos catlicos na luta de classes. Essa colaborao era alimentada pelos

    comunistas sob o pretexto imediato de remediar injustias reais ou aparentes, entretidas sempre como fim efetivo de destruir a hierarquia social e abolir a desigualdade das classes, mesmo quando justae proporcional;

    b ) Ensejado pela colaborao, o estabelecimento de contatos cordiais entre catlicos ecomunistas. Pois poucas coisas unem tanto os homens quanto o trabalho e a luta conjunta contraum inimigo comum. Desta cordialidade de contatos haveria de derivar necessariamente umadecadncia do ardor na reao dos catlicos contra o comunismo (e, bem entendido, no oarrefecimento do dio anti-religioso dos comunistas);

    c ) Converses mais ou menos completas de certos catlicos para o credo vermelhopropiciadas por esta nova cordialidade. Desses conversos e os houve alguns se passaram inteirae abertamente para as fileiras comunistas. Foram os menos nocivos Causa catlica. Outros, ossemi-conversos, ficariam na Igreja como valiosas cabeas de ponte a servio da ao comunista,cabeas de ponte conscientes ou no, mas sempre altamente aproveitveis para futuras jogadas docomunismo.

    Em todo caso, como acabamos de ver, no mero campo doutrinrio as fronteiras entrecatolicismo e comunismo continuavam firmemente vincadas para a imensa massa dos catlicos. Apolitique de la main tendue s tinha por efeito imediato de certa monta, criar disposiestemperamentais novas de determinados catlicos em relao ao comunismo.

    Escasso de frutos doutrinrios, este efeito gerava outros maiores no terreno da ao prtica.Pois ele abria campo para uma enorme ao divisionista entre os anticomunistas.

    At ento a Igreja no deixara de denunciar os erros e injustias dos regimes capitalistas.Porm tendo em vista que o comunismo pregava e punha em prtica erros e injustias muitssimomais graves, no duvidava em sem prejuzo das necessrias ressalvas aliar-se ao mesmo tempocom os capitalistas na luta contra o comunismo.

    A politique de la main tendue preparou uma reviravolta nesta situao. Como se ocapitalismo fosse to censurvel quanto o comunismo, ou mais ainda, um nmero de catlicos,que iria crescendo ao longo dos anos, comeava a desviar as armas at ento voltadas contra ocomunismo, e as apontaria em direo ao capitalismo. Dividia-se assim o front anticomunista:

    a ) As foras at ento aliadas contra o comunismo se fracionariam: e a diviso,penetrando at entre os catlicos, os fragmentaria em duas correntes. Uma continuaria firme naantiga posio anticomunista; a outra passaria a servir ao jogo comunista.

    b ) Entre essas duas correntes, a maioria catlica, perplexa, titubeante, arrefeciagradualmente na luta contra o comunismo.

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    Como manobra divisionista, a politique de la main tendue obtivera a prazo mdio, embenefcio de Moscou, um resultado que impossvel no qualificar como muito importante20.

    * * *Atravs de que fatos concretos esta manobra, realizada em todos os pases do Ocidente, se

    efetivou no Brasil?O filsofo neo-escolstico Jacques Maritain, ento no auge de sua influncia, apoiou na

    Frana a politique de la main tendue. Esse gesto teria inevitvel repercusso nos pequenos gruposde intelectuais e homens de ao aninhados nos Centros Dom Vital, os quais existiam ento nasmais importantes cidades do Brasil. Sob a influncia de Tristo de Athayde, presidente do CentroDom Vital do Rio de Janeiro, se constituiria aos poucos em todo o Brasil, freqentemente comapoio em Centros Dom vital de outras cidades, uma agitada corrente de maritainistas. Todos ouquase todos curvaram disciplinadamente a cabea e aderiram politique de la main tenduequando comeou a ser preconizada como novo orculo, pelo intelectual francs.

    Contudo, muitos outros catlicos previdentes tambm intelectuais e homens de ao,dentro e fora dos Centros Dom Vital, nas Congregaes Marianas e em outras organizaescatlicas, discordaram. Comeou ento nas revistas e jornais catlicos uma ardorosa e inevitvelpolmica que se alastraria rapidamente para temas filosficos e teolgicos mais conexos ou menos,em que tambm se dividiam maritainistas e no maritainistas.

    No Rio de Janeiro, a principal figura da reao contra Maritain foi o culto e intrpidojesuta Pe. Arlindo Vieira. Em So Paulo, o hebdomadrio Legionrio, sob minha direo,

    20 At hoje, os comunistas exploram as vantagens obtidas para sua causa por esta viravolta de catlicos enotadamente de Autoridades eclesisticas para lutarem ao lado deles contra o capitalismo. Eis um trecho do conhecidoterico contemporneo do comunismo, o francs Roger Garaudy: Meus encontros com Dom Helder Cmara,Arcebispo de Olinda e Recife, e suas cartas fraternais, foram para mim um fermento indispensvel para superar meusdogmatismos e meus sectarismos antigos, especialmente quando ele me ps este problema fundamental: Para nscristos, o prximo passo a dar que se proclame publicamente que no o socialismo, mas sim o capitalismo que intrinsecamente perverso, e que o socialismo no condenvel seno em suas perverses. E para V., Roger, oprximo passo a dar mostrar que a revoluo no est ligada por um vnculo essencial, mas somente histrico, com omaterialismo filosfico e o atesmo, e que ela , pelo contrrio, consubstancial ao cristianismo. Dom Helder abriu-meeste programa h seis anos e no cessou de ajudar-me a cumpri-lo (Parole dHomme, editado por Robert Laffont,Paris, 1975, pg. 118).

    D. Casaldliga, grande amigo de D. Helder (cfr. Yo creo en la justicia y en la esperanza!, pg. 182),sintoniza inteiramente com as palavras deste: Eu creio que o Capitalismo intrinsecamente mau: porque oegosmo socialmente institucionalizado, a idolatria pblica do lucro pelo lucro, o reconhecimento oficial da exploraodo homem pelo homem, a escravido dos muitos ao jugo do interesse e da prosperidade dos poucos (livro citado, pg.181).

    As tiradas do Bispo de So Flix contra o capitalismo so alis freqentes nesse livro: Meirelles [o dono dafazenda Frenova, com quem D. Casaldliga estava em conflito] protestanto seu catolicismo, escandalizou-se de que eudissesse que o capitalismo pecado e ameaou-me de cont-lo Presidncia da CNBB. Quando precisamente nestatentativa de contemporizao diplomtica e nauseabunda com a Frenova, eu me convenci um pouco mais, de que ocapitalismo efetivamente pecado (pg. 79). Sem entrar na apreciao do conflito entre o Bispo e a fazenda, note oleitor a afirmao peremptria do princpio errado.

    Mais adiante: As estruturas do capitalismo (econmico, poltico, espiritual) so idolatria, estado de pecadoe morte (pg. 81). Imperialismo, Colonialismo e Capitalismo merecem em meu credo o mesmo antema (pg.176).

    Aqui, perto, os militares so meus inimigos: na medida em que so inimigos do Povo. Porque esto aservio do Capitalismo e da Ditadura (pg. 178 o destaque em negrito nosso). Os providencialismosdesencarnados, os neoliberalismos e neocapitalismos e certas neodemocracias [...] me parecem objetivamente inquos(pg. 179). Creio, em suma, que a socializao do mundo pode ser um desgnio real de viver cristmente emsociedade. E creio que a sociedade capitalista a negao radical desse desgnio. O capitalismo no pode ser cristo.O socialismo, sim (pg. 182).

    Note-se que esses textos no visam a esta ou quela deformao do regime capitalista neste ou naquele lugar,mas ao regime capitalista enquanto tal, e onde quer que ele exista.

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    contando em sua redao com uma pliade de congregados marianos de invejvel inteligncia ecultura, e tendo como assistente eclesistico Mons. Antnio de Castro Mayer, Vigrio Geral efuturo Bispo de Campos, reagia vigorosamente contra o maritainismo nascente. Na refutaoantimaritainista promovida pelo Legionrio destacou-se sobretudo o arguto e coerente polemistaJos de Azeredo Santos. No Rio de Janeiro ainda, distinguiram-se por sua atuao lcida eaguerrida Osrio Lopes, no semanrio A Unio; Antnio Guedes de Holanda, no semanrio ACruz; e Mesquita Pimentel, na revista Vozes de Petrpolis.

    Em Recife, o grande jesuta Pe. Antnio Fernandes levantava na brilhante revistaFronteiras o facho da reao contra Maritain. Seguia-o, com seu invulgar talento, ManuelLubambo, capitaneando por sua vez outros jovens de valor.

    A contrario sensu, comeavam a alcanar influncia na Ao Catlica Brasileira, ento aorganizao mxima do apostolado dos leigos, pequenos quistos esquerdistas movidos por vriasinfluncias procedentes da Europa, entre as quais a da florescente JOC belga, a qual j iniciaradecididamente a caminhada para a esquerda em que hoje chegou to longe21.

    Estes pequenos quistos esquerdistas eram propensos, tambm eles, politique de la maintendue, e a uma ofensiva anticapitalista cuja exasperao fazia sentir a presena do fermentocaracterstico da luta de classes.

    Entretanto, da prpria Ao Catlica partiu, contra essa tendncia para a esquerda, umimpulso de reao, ardorosamente apoiado pelo chamado Grupo do Legionrio. Pois todos oscargos da Junta Arquidiocesana de So Paulo o mais alto rgo da Ao Catlica paulista erampreenchidos por membros desse grupo. Como presidente da Junta Arquidiocesana, escrevi em 1943o livro Em Defesa da Ao Catlica. Nele, a par de erros do progressismo nascente, refuteitambm (pgs. 269-270) as tendncias esquerdistas 22 que, como reflexo do movimento francs LeSillon, se faziam sentir na Ao Catlica Brasileira.

    Decorridos mais de trinta anos, difcil avaliar hoje a fora de detonao do livro.Publicado num ambiente religioso at ento homogeneamente ortodoxo e muito unido, no qualapenas comeavam a se fazer sentir aqui e acol inquietaes a propsito das novidades domaritainismo e da Ao Catlica, difundiu-se minha obra com a rapidez de um vendaval. Sua

    21 A crise da JOC belga veio aumentando de volume nas dcadas seguintes, a ponto de apresentar hoje em diagravidade alarmante. A respeito da situao a que chegou por fim a JOC em nossos dias, afirmou recentemente oCardeal D. Vicente Scherer, Arcebispo de Porto Alegre, que a nova orientao desse movimento, aprovada no VConselho Mundial reunido em Linz, na ustria, em abril do ano passado, trai e evidencia, sem sombra de dvida, amarca e a ideologia comunista. As novas normas substituram o ideal do homem que se orienta segundo as luzes doEvangelho por conhecidos pontos da pregao marxista-leninista. O documento continua D. Scherer aceita eencampa expressamente a crtica da sociedade e da economia prpria do marxismo sovitico ortodoxo. Se a JOCinternacional no voltar atrs conclui o Cardeal-Arcebispo de Porto Alegre se transformar, nesse caso, em umdos numerosos grupos militantes marxistas, existentes pelo mundo a fora, dceis e leais vassalos que, conscientes ouiludidos, fazem o jogo de expanso do comunismo sovitico interenacional (cfr. Correio do Povo de Porto Alegre,18-1-75).

    22 Quer no campo doutrinrio, quer no da ao, o esquerdismo no se confunde com o comunismo. Emconsequencia do que, no se pode qualificar pura e simplesmente de comunista, nem sequer de criptocomunista, oesquerdista enquanto tal.

    Sem embargo, a Histria registra que o mais das vezes os movimentos esquerdistas no comunistas, medidaque crescem em nmero, influncia e poder, vo gerando em suas prprias fileiras setores radicais. Sucessivamentemais radicais at que algum chegue ao comunismo. E assim, no de espantar que o setor comunista se destaque dacorrente socialista que o gerou, e constitua uma corrente autnoma com caractersticas novas que o distinguem doesquerdismo no comunista.

    Nesta perspectiva histrica, o movimento esquerdista-socialista pode ser visto como uma forma ancestral egerminativa do movimento comunista.

    Isso no importa em que se possam tachar necessariamente de comunistas todos os esquerdistas, e menosainda os pioneiros do esquerdismo neste ou naquele pas.

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    edio de 2.500 exemplares considervel para a poca, tratando-se de livro doutrinrio esgotou-se rapidamente.

    E fcil explicar. Precedido por sbrio mas prestigioso prefcio do ento NncioApostlico, o futuro Cardeal Aloisi Masella, Em Defesa da Ao Catlica fez vibrar em alegredesabafo os que j sentiam apreensivos a crise nascente. O livro despertou frentica indignao noscrculos em que se incubavam os erros nele denunciados. E causou um generalizado sobressalto nagrande maioria sonolenta que pela ingenuidade de uns e pela modorra de outros preferia que taisproblemas no viessem luz do dia, espera de que eles se resolvessem por si mesmos, naspenumbras das sacristias e nos vastos meandros do movimento catlico.

    A reao a Em Defesa da Ao Catlica no tardou. E ao longo dessa reao se definiua ttica esquerdista-progressista, como ela se mantm at hoje.

    Era normal que uma obra refutasse ampla e metodicamente quanto meu livro afirmava.Mas a ttica adotada foi outra. E em essncia esta se conservou a mesma nesses longos trinta e trsanos de luta:

    a ) Fuga ao debate ou ao dilogo doutrinrio. As crticas a meu livro, explicitadas emum ou outro rgo de imprensa religioso, eram esparsas, pobres de argumentos e ricas de paixo.Por vezes tambm apareciam implcitas ou veladas em pronunciamentos desta ou daquelapersonalidade eclesistica23;

    b ) Difamao e depois campanha de silncio e ostracismo. Ao sopro de umacampanha difamatria toda ela verbal, os principais elementos que no Clero e no laicato haviambatido palmas a meu livro foram sendo gradualmente reduzidos ao silncio, removidos de seuspostos, e relegados ao ostracismo. Um ostracismo do qual s alguns conseguiram livrar-seemudecendo definitivamente a respeito do assunto;

    c ) Para a frente, como se nada tivesse havido. Assim abafada a oposio, s restava corrente inovadora prosseguir na caminhada, discreta mas resolutamente.

    Esta ampla manobra por vrios aspectos lembra a ao hodierna do IDOC e dos gruposprofticos24 .

    Foi tal campanha, nos anos 40, bastante poderosa para que no conseguissem venc-la osseguintes fatos, entretanto de grande monta:

    a ) Vinte e um Prelados manifestaram por escrito seu apoio ao livro, em cartas amplamentedifundidas pelo Legionrio25.

    b ) Em 1949, Pio XII, em carta assinada pelo ento substituto da Secretria de Estado,Mons. Joo Batista Montini, hoje Paulo VI, exprimiu seu decidido e claro louvor pela publicao dolivro.

    23 Excetua-se a rplica explcita, e por isto leal e corajosa, do ento Bispo de Uberaba, D. Alexandre Amaral.Com ela no estive de acordo. Mas agradou-me a franqueza com que, de viseira erguida, afirmou o que lhe parecia bem.

    24 Ver ampla informao sobre a importante ao desses organismos semiclandestinos enquistados na IgrejaCatlica, no No. 220-221, de abril-maio de 1969, do mensrio Catolicismo.

    25 Foram os seguintes os Prelados que apoiaram por escrito Em Defesa da Ao Catlica: D. HelvecioGomes de Oliveira, Arcebispo de Mariana; D. tico Eusebio da Rocha, Arcebispo de Curitiba; D. Joo Becker,Arcebispo de Porto Alegre; D. Joaquim Domingues de Oliveira, Arcebispo de Florianpolis; D. Antnio Augusto deAssis, Arcebispo-Bispo de Jabuticabal; D. Otaviano Pereira de Albuquerque, Arcebispo-Bispo de Campos; D. AlbertoJos Gonalves, Arcebispo-Bispo de Ribeiro Preto; D. Jos Maurcio da Rocha, Bispo de Bragana; D. Henrique CesarFernandes Mouro, Bispo de Cafelndia; D. Antnio dos Santos, Bispo de Assis; D. Frei Lus de Santana, Bispo deBotucatu; D. Manuel da Silveira DElboux, Auxiliar de Ribeiro Preto, depois Arcebispo de Curitiba; D. Ernesto dePaula, Bispo de Jacarezinho, hoje Bispo titular de Gerocesarea; D. Otavio Chagas de Miranda, Bispo de Pouso Alegre;D. Frei Daniel Hostin, Bispo de Lajes; D. Juvencio de Brito, Bispo de Caetit; D. Francisco de Assis Pires, Bispo deCrato; D. Florencio Sisnio Vieira, Bispo de Amargosa; D. Severino Vieira, Bispo do Piau; D. Frei Germano VejaCampn, Bispo Prelado de Jata; Pe. L. Riou S.J., Provincial da Companhia de Jesus no Brasil Central.

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    c ) Em 1947, Pio XII elevou a Bispo de Jacarezinho, D. Geraldo de Proena Sigaud,S.V.D., um dos principais colaboradores do Legionrio, e um dos esteios da reaoantiesquerdista e antiprogressista.

    d ) Em 1948, o mesmo Pio XII elevou a Bispo Coadjutor de Campos D. Antnio de CastroMayer, de cuja ao de primordial importncia j tivemos ocasio de falar.

    e ) Em 1953, o novo Bispo de Campos publicou a Carta Pastoral sobre Problemas doApostolado Moderno, em que retomava, ampliada e adaptada s novas circunstncias, a temticade Em Defesa da Ao Catlica. Esse magnfico documento, cujas duas edies brasileiras seesgotaram rapidamente, teve considervel repercusso no Exterior 26.

    Porm, no Brasil, o mtodo de defesa dos elementos esquerdistas e progressistas continuouexatamente o mesmo: ausncia de qualquer refutao e hbil campanha de silncio, que deixavaouvir apenas o discreto zumbido da detrao pessoal. O mesmo gnero de detrao posta emcirculao quando da publicao do Em Defesa da Ao Catlica.

    * * *O desenvolvimento discreto e contnuo do eixo ideolgico (e no s ideolgico)

    esquerdismo-progressismo 27 ocorreu nos anos 50 pari passu com outras mudanas considerveisno panorama religioso do Pas. Em resumo:

    Favorecidos pelo apoio da imprensa, do rdio e da televiso, e com o aplauso caloroso dealguns altos crculos sociais sem posio religiosa coletiva definida, vieram emergindo as figuras dalinha nova do Episcopado. A mais marcante dentre elas era o ento Bispo Auxiliar do Rio deJaneiro, D. Helder Cmara, que comeava a projetar-se no cenrio nacional.

    Enquanto isto, a maior parte dos Bispos conservadores eram cada vez mais postos napenumbra, e se recolhiam fleugmticos, melanclicos ou perplexos a um profundo silncio.

    A ascenso da linha nova era favorecida pela criao de numerosas Dioceses no Brasil.Afirma o deputado cassado Mrcio Moreira Alves que o ento Nncio Apostlico, D. ArmandoLombardi, almoava semanalmente com D. Helder Cmara, cujo grupo procurava sempre apoiar. Ecomo durante o tempo em que esteve no Rio de Janeiro foram criadas 109 novas dioceses e 24arquidioceses, o que praticamente dobrou o nmero de bispos brasileiros, Dom Lombardi tevegrande influncia, atravs da indicao de muitos padres progressistas para essas vagas, naalterao da composio poltica da hierarquia.28

    A opinio do antigo deputado subversivo no constitui por si uma prova. Mas o que elenarra apresenta mais de uma coincidncia com fatos notrios, e merecer por certo o interesse doshistoriadores imparciais.

    26 A Pastoral teve duas edies em francs (uma em Paris, outra em Qubec), duas em italiano (em Pompiae em Turim) e duas em espanhol (em Madrid e Buenos Aires).

    27 O progressismo tomado o termo em seu uso corrente um movimento religioso. Comporta ele vriosmatizes, desde os mais inicias e limitados em sua frente de contestao contra a tradio e estrutura catlicas, at osmais arrojados e radicais.

    Se bem que a sociedade espiritual e a temporal no se confundam, entre o progressismo e o esquerdismo asanalogias so fceis de discernir.

    Excederia os limites desta nota analis-las todas.A ttulo de exemplo, lembremos que o progressismo visa a realizar na sociedade espiritual reformas de

    sentido muito anlogo s que o esquerdismo tem por meta na sociedade temporal. Isso explica os pontos deconvergncia existentes entre progressistas catlicos e esquerdistas catlicos.

    Todo sistema religioso inclui um sistema moral. O progressismo, como movimento religioso, tem inevitveisreflexos sobre os princpios morais dos que dele participam. Entre esses princpios esto os que regem as relaesEstado-cidado, patro-empregado, etc. Em matreias tais, progressismo e esquerdismo se encontram, e normalmentecooperam.

    28 O despertar da Revoluo Brasileira, empresa de Publicidade Seara Nova, Lisboa, 1974, pg. 220.

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    * * *No ano de 1952 constitui-se a Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil, a qual teve por

    primeiro secretrio D. Helder Cmara. Assim no de espantar que o novo organismo tenha sidoem larga medida porta-voz de D. Helder. A atuao da entidade se caracterizou desde logo por umaomisso completa, ou quase completa, ante a mar montante do esquerdismo-progressismo. E pelofavorecimento implcito ou explcito do prestgio pessoal e do programa de ao dos corifeus dacorrente catlica inovadora, cada vez mais em ascenso.

    Esta situao repercutiu nas casas de formao do Clero secular e regular, nos setoresestudantis e operrios da Ao Catlica. Nestes vrios ambientes comeam a forma-se os padresde passeata e as freiras de mini-saia29, bem como os lderes catlicos ligados s agitaessubversivas da era Joo Goulart, a qual se ia aproximando.

    Privados de apoio autntico, vo definhando em todo o territrio nacional as imensasorganizaes catlicas fundadas e recrutadas sob o signo da ortodoxia (e portanto doanticomunismo militante e do antiprogressismo potencial) das antigas eras. As CongregaesMarianas, as Pias Unies de Filhas de Maria, o Apostolado da Orao, as Ligas Jesus, Maria, Jos.As Conferncias Vicentinas ainda existem hoje. Porm quo pouco so em comparao com o queforam outrora.

    7 . A era janguista: situao altamente perigosa nos arraiais catlicos

    Ao aproximar-se a conturbada era janguista, em que o Pas esteve a ponto de soobrar nasubverso, o panorama religioso do Brasil se apresentava profundamente mudado. O ambientecatlico, de centrista que fora outrora, assumira colorao nitidamente centro-esquerdista, comarrojadas manifestaes esquerdistas e at, aqui e acol, com categricos sintomas pr-comunistas.Destas manifestaes esquerdistas protagonista principal a figura extremamente caracterstica, e jprojetada no s em todo o Pas como fora dele, por uma possante orquestrao publicitria, de D.Helder Cmara, elevado entrementes a Arcebispo de Olinda e Recife.

    Enquanto isso, ia fervendo, cada vez mais ameaadora, a agitao comunista na esferapoltica, social e econmica.

    A ao conjugada do esquerdismo na Igreja e na sociedade temporal destinava-se aprovocar o pnico, inculcando a falsa impresso de que todo o Brasil, solidrio com a subverso,comeava a pegar fogo. Fazia-se necessrio, portanto, esmagar a subverso pela destruio dobluff que esta montara como um de seus grandes estratagemas de luta.

    Pois bem sabiam os subversivos que um dos melhores meios de derrotar o adversrio tirar-lhe a vontade de lutar. E que, por sua vez, um dos melhores meios para lhe tirar a vontade delutar faz-lo descrer da vitria.

    Era pois necessrio para a derrota da subverso que:a ) as Foras Armadas destrussem o aparelhamento do Partido Comunista e

    desmantelassem a sua rede de infiltrao na sociedade civil;b ) o Episcopado, o clero e os leigos catlicos tornassem bem claro que a Igreja no estava

    em estado de incndio, no mudara de alma, e no se identificava com a subverso; mas que, pelocontrrio, combatia a esta com todas as foras;

    c ) em todos os setores da sociedade civil, os lderes respectivos dessem o brado de alarma,mostrando que o Brasil inteiro, salvo insignificantes minorias, era anticomunista.

    Sem essa trplice ao, o Brasil teria cado no comunismo. Graas a Deus, nos trs setores,figuras de memorvel dedicao, por vezes articuladas entre si, por vezes no, comearam o grande

    29 Estas qualificaes pitorescas, que pegam ao vivo a realidade, so do conhecido escritor Nelson Rodrigues,cujas tomadas de posio ante esses acontecimentos foram freqentemente benfazejas e brilhantes.

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    esforo cuja convergncia deu nas gloriosas e memorveis Marchas da Famlia com Deus pelaLiberdade, na Revoluo de 64 e na queda do janguismo.

    At que ponto atuou a favor ou contra, neste grande esforo comum, o fator catlico? oque nos cabe especialmente expor.

    * * *Em virtude dos princpios a e b mencionados no inicio deste estudo (item 5), era de

    esperar que a atuao da CNBB, ao longo da agitao janguista, fosse a seguinte:a ) Empenhar-se a fundo por depurar o meio catlico de toda infiltrao esquerdista e

    mobilizar para o grande embate apostlico contra a ideologia comunista todas as Dioceses,parquias, casas de formao e de ensino, associaes, jornais e rdios catlicos;

    b ) Lanar-se na batalha pela preservao da opinio pblica, ensinando claramente adoutrina tradicional dos Pontfices, intransigentemente infensa ao comunismo e ao socialismo, eassim no deixar subsistir na opinio pblica a menor dvida sobre a incompatibilidade entre aIgreja e a subverso que se ia alastrando;

    c ) Incitar por esta forma todas as organizaes e obras catlicas a apoiar com denodo areao que as Foras Armadas e as lideranas civis vinham preparando contra a subverso.

    O Brasil uma nao visceralmente catlica, e a qualquer inimigo da Igreja, desdeque seja assim combatido por ela, dificlimo conquistar o poder no pas, e impossvelmanter-se estavelmente nele.

    Caso a CNBB tivesse cumprido este dever ao mesmo tempo altssimo e elementar,quanto risco, quanto prejuzo, quanto sangue derramado teria ela poupado ao Brasil!

    to notrio que ela assim no procedeu, ficou to profundamente marcada no esprito doPas a recordao do papel desenvolvido na ocasio pela corrente liderada pelo Secretrio Geraldaquele alto organismo episcopal, D. Helder Cmara, que parece desnecessrio recordar aqui toda amassa de fatos relacionados com o assunto.

    Ao mesmo tempo que a CNBB assim estarrecia e desolava a opinio catlica, mais oumenos pelo Brasil todo personalidades catlicas se iam articulando com os militares e os civis quetrabalhavam patrioticamente pela salvao do Pas30.

    30 A histria do comportamento do fator religioso nos acontecimentos que nos ocupam, e nos subsequentes, rica e importante. Porm ainda est para ser feita.

    No pretendemos traar-lhe agora sequer as linhas gerais. Falamos aqui com algum pormenor, to s do quede perto conhecemos, isto , do que tivemos ocasio de fazer.

    Com efeito, nada difcil como escrever a Histria recente. De que maneira avaliar precisamente, no prpriocontexto, a atuao de cada um dos partcipes? Evitando as dvidas e obstculos indissociveis de tal labor histrico,ficamos ipso facto privados de ocasio para relatar por inteiro a ao, antes, durante ou depois da Revoluo de 64, devrias personalidades e grupos dignos de registro encomioso.

    Nestas condies, limitamo-nos a mencionar diversas personalidades ou organizaes que, no campoespecificamente catlico ou muito contguo a este, se destacaram e vm-se destacando por seu destemor, suainteligncia e sua dedicao na luta contra o comunismo, durante o perodo que vai dos prdromos da Revoluo de 64at nossos dias.

    Bem entendido, a natureza deste estudo no comporta uma relao exaustiva desses nomes benemritos, quea Histria imparcial por a lume algum dia. Limitamo-nos a mencionar em So Paulo a Unio Cvica Feminina, o MAF Movimento de Arregimentao Feminina, os intelectuais, diretores e colaboradores da revista Hora Presente, ojornalista Lenildo Tabosa Pessoa e mais recentemente o centro denominado SEPES. No Rio de Janeiro so igualmentedignos de registro o jornalista Antnio Guedes de Holanda no semanrio A Cruz, a Liga de Defesa Nacional, aCAMDE Campanha da Mulher pela Democracia, o jornalista Gustavo Coro e os homens de estudo e de ao,diretores e colaboradores da revista Permanncia. Em Belo Horizonte, um dos focos mais ativos da Revoluo de 64,destacaram-se entre outros, a LIMDE Liga das Mulheres Democrticas, a jornalista Maria Isabel Adami Potenza e omovimento Por um mundo cristo dirigido pelo pranteado Pe. J. Botelho.

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    No poderiam ficar inertes nesta grave conjuntura os que haviam constitudo outrora ocorpo redatorial de Legionrio.

    Em 1951, fundara-se na Diocese de Campos, sob a gide de D. Antnio de Castro Mayer, omensrio de cultura Catolicismo, que adquiriu rapidamente considervel prestgio nos meioscatlicos do Brasil e do exterior. A folha contava com as bnos de D. Geraldo de Proena Sigaud,Bispo de Jacarezinho.

    Crescendo o nmero de leitores e amigos de Catolicismo, nascia a possibilidade de osconglomerar no Brasil para a ao cvica de inspirao religiosa.

    Para isto se constituiu em So Paulo, no ano de 1960, a Sociedade Brasileira de Defesada Tradio, Famlia e Propriedade (TFP), que teve como fundadores, scios e diretores,membros do corpo redatorial ou fervorosos amigos de Catolicismo. Esta entidade teve nosacontecimentos aqui narrados, e nos subsequentes, uma considervel influncia.

    * * *Um episdio basta para mostrar a que riscos o Brasil esteve ento sujeito.Pense-se como se pensar a respeito da reforma agrria, inegvel que, aplicada no calor da

    agitao janguista, ela poderia se ter transformado facilmente numa revoluo agrria deimprevisveis conseqncias. O esprito com que foi ento difundido o agro-reformismo bem seexprime na seguinte poesia de Vinicius de Morais, transcrita com realce no famigerado semanriocatlico dirigido por Frei Carlos Josaphat, O.P., Brasil Urgente (12-5-63):

    Senhores bares da terra / Preparai vossa mortalha / Porque desfrutais da terra / E aterra de quem trabalha / Bem como os frutos que encerra ? [...] Chegado o tempo da guerra /No h santo que vos valha.

    [...] Queremos que a terra possa / Ser to nossa quanto vossa / Porque a terra no temdono / Senhores donos da terra.

    [...] No a foice contra a espada / No o fogo contra a pedra / No o fuzil contra aenxada: / Granada contra granada! / - Metralha contra metralha!

    E a nossa guerra sagrada! / A nossa guerra no falha!

    Tal era o apoio que a agitao agro-reformista vinha recebendo nos meios religiosos, queem vrias partes do Brasil, fazendeiros comeavam a sentir escrpulos de conscincia porpossurem as terras herdadas de seus maiores, ou legitimamente adquiridas pelo trabalho. Uns eramassim induzidos a uma atitude entreguista, e outros comeavam a revoltar-se contra a Igreja.

    Velhos amigos dos tempos do Legionrio, j agora reunidos em torno de Catolicismo,D. Geraldo de Proena Sigaud, Bispo de Jacarezinho, pouco depois elevado a Arcebispo deDiamantina, o bispo D. Antnio de Castro Mayer e eu, com a ajuda do talentoso economista LuizMendona de Freitas, que lutava ento a nosso lado, escrevemos o livro Reforma Agrria Questo de Conscincia. Era uma reafirmao da tradicional posio da Igreja frente ao assunto.

    Para as classe produtoras, Reforma Agrria Questo de Conscincia31 foi como o arpuro em atmosfera confinada. O livro lhes proporcionou inesgotvel fonte de argumentos contra

    31 O livro teve quatro edies em portugus, em vinte meses, num total de 30 mil exemplares, e trs ediesem espanhol na Argentina, Espanha e Colmbia num total de 9 mil exemplares.

    Como desdobramento do livro, os Autores publicaram em 1964 a Declarao do Morro Alto, queconstitui um programa positivo de poltica agrria. O trabalho teve duas edies em portugus, num total de 22.500exemplares, alm de sua transcrio integral em Catolicismo (no. 167, de novembro de 1964). Foi igualmentetraduzido para o castelhano e includo na edio espanhola de Reforma Agrria Questo de Conscincia.

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    aqueles que antes os pressionavam ou seja, elementos do Clero e da intelligentsia esquerdistadas capitais e do interior, fortemente apoiados por grande parte da imprensa.

    Assim readquiriram os fazendeiros a compreenso e a simpatia que haviam perdido junto aboa parte da opinio nacional. E o pblico em geral comeou a ver que D. Helder no era o porta-voz indiscutvel da Igreja, nem levava atrs de si a massa dos catlicos.

    No dia 5 de dezembro de 1960 renem-se os Bispos das Provncias Eclesisticas de SoPaulo, com a presena de D. Helder Cmara, e apoiam a Reviso Agrria, programa de ReformaAgrria de sabor socialista promovido pelo Governo do Estado. Em sensacional programa de TV,sete Bispos divulgaram largamente o pensamento da Assemblia sobre o assunto. D. HenriqueGelain, Bispo de Lins, no compareceu e no consta que tenha apoiado a posio do Episcopadopaulista. D. Jos Maurcio da Rocha, Bispo de Bragana Paulista, e D. Germano Vega Campn,Bispo titular de Oreo e residente no Estado de So Paulo solidarizaram-se publicamente com olivro.

    Dos 187 Bispos que ento constituam a Hierarquia no Brasil, 49 fizeram pronunciamentosque ora mais claramente, ora menos, favoreciam uma Reforma Agrria qualificada como socialistae confiscatria na obra difundida pela TFP. Muito poucos se pronunciaram insofismavelmentecontra a Reforma Agrria. A grande maioria conservou-se muda, quer ante a agitao agro-reformista, quer ante o movimento de opinio desencadeado por Reforma Agrria Questo deConscincia32.

    A dramtica controvrsia referente s Reformas de Base chegava ao auge justamente nasvsperas da queda de Joo Goulart. Nessa ocasio, catlicos belo-horizontinos, sob a inspirao daTFP, promoveram um grande e vitorioso movimento contra a realizao na capital do Estado, deum congresso da CUTAL, organismo de orientao claramente comunista.

    Logo depois, com o apoio da TFP, 210 mil brasileiros subscreveram uma interpelao Ao Catlica de Belo Horizonte. Esta se pronunciara de modo violento contra os catlicosmineiros que corajosamente haviam impedido a realizao de um comcio de Brizola favorvel sReformas de Base, e negara, ao mesmo tempo, que tais reformas envolvessem uma questo deconscincia. O silncio envergonhado da Ao Catlica eqivaleu a uma confisso de derrota.

    O que aconteceu depois faz parte da histria recente e do conhecimento de todos.

    8 . Derrotado, o comunismo contra-ataca

    Todos os esforos dos catlicos anticomunistas, dentro ou fora da TFP, contriburam emalto grau para pr diques subverso, e ipso facto para a vitria da nclita Revoluo de 1964,brilhantemente alcanada pelas nossas gloriosas Foras Armadas. Pois foi em conseqncia de taisesforos que, como j dissemos, o grande pblico se pde dar conta de que sua fidelidade Igrejano lhe pedia que apoiasse a subverso, mas que, pelo contrrio, a visse com maus olhos, arejeitasse, a combatesse.

    Para alcanar suas metas, importava entretanto aos dirigentes da subverso comunista noBrasil 33 realizar mltiplas tarefas que podem ser agrupadas em dois itens distintos:

    32 Esse torpor da maioria do Episcopado destoava da acrimnia do Secretrio-Geral da CNBB e seu grupo,bem como do entusiasmo dos amigos do livro: senadores, deputados, centenas de prefeitos e vereadores, rgos declasse e 27 mil agricultores, que subscreveram um abaixo-assinado de repdio Reforma Agrria confiscatria esocializante.

    33 Parecemos aqui confundir dois conceitos comunismo e subverso sobre cuja diversidade muitainsistncia se tem feito ultimamente.

    De feito, negamos profundidade e consistncia distino entre esse conceitos.

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    a ) desobstruir o terreno de todos os maus efeitos resultantes da derrocada do janguismo;b ) prosseguir na expanso do comunismo em toda a medida do que fosse possvel dentro

    das novas circunstncias.Em cada grupo de tarefas, h por sua vez, aes especficas a considerar:Desobstruo do terreno A Revoluo de 64 criou uma srie de instituies e de leis

    destinadas a proteger o Pas contra a ameaa mortal por que acabava de passar. No nossopropsito investigar aqui se umas e outras poderiam ter sido concebidas ou aplicadas de prefernciadesta ou daquela maneira. Um fato ressalta clarssimo: que a obra por elas realizada temproporcionado ao Pas ordem e tranqilidade. Se, pelo contrrio, elas no existissem, os manejos deMoscou por certo j nos teriam feito descambar para a situao em que amos entrando no tempo deJango, ou ainda mais fundo. Importava e importa pois subverso e nos mais alto grau difamar e at caluniar as leis e os organismos de represso, com o intuito de chegar a, por fim,demoli-los.

    No se trata a, para os comunistas, de promover esta obra de difamao e calnia tosomente nos meios esquerdistas, naturalmente j ganhos para a causa.

    Trata-se, isto sim, de criar no Pas inteiro, inclusive nos prprios meios centristas cujacoligao fora um dos fatores bsicos da vitria de 64, um clima em virtude do qual a repressochegasse a ser incompreendida, e, por fim, mal vista. Uma aliana do centro descontente com asesquerdas poderia dessa forma abrir caminho para a desejada destruio ou inutilizao dosinstrumentos repressivos. E para o que se lhe seguisse34 .

    * * *Mltiplos fatores externos e internos, do que surgem de modo inopinado nas diversas

    matrias da vida pblica, soube explor-los o comunismo.

    primeira vista poder-se-ia diferenciar dois matizes do comunismo. Um, visando conquista do poder pelasubverso, no estilo de Moscou e Havana. Outro visando, tambm ele, conquista do poder, mas por via da suaso, doproselitismo organizado e de eleies livres, no estilo apregoado pelo euro-comunismo Berlinguer e Marchais.

    Na realidade, o comunismo essencialmente subversivo. S episodicamente, e quando tal lhe convm,assume ele aspecto suasrio pacfico.

    O euro-comunismo no seno uma atitude momentnea do comunismo clssico.A diversidade entre o que muitos consideram duas modalidades do comunismo, no existe maneira das

    diferenas profundas, subtis e expressivas que um psiclogo pode discernir no semblante de dois irmos extremamenteparecidos.

    a diferena irrelevante, e muito mais grosseira, que pode existir entre a fisionomia de um indivduo e amscara que ele usa ocasionalmente, ao sabor de suas convenincias.

    34 No justo tachar de criptocomunistas ou pr-comunistas todos os que desejam o desmantelamentocompleto ou em larga escala, das leis e organismos engendrados pela Revoluo de 64 para reprimir o comunismo.Entretanto, lcito pensar que agem ao menos como inocentes-teis do comunismo os que se batem por taldesmantelamento nas condies presentes. Com efeito, como todos os inocentes-teis, so tambm estesparticularmente eficientes na investida comunista. Tanto mais quanto o comunismo internacional, renunciando violncia episodicamente, e por mera ttica, vai simultaneamente fazendo uso de mtodos de ao psicolgica, deinfiltrao e de presso poltica cava vez mais eficazes e perigosos. O emprego desses mtodos seria absolutamenteimpossvel sem o concurso dos inocentes-teis.

    O poderio mundial do comunismo jamais cresceu tanto como na fase de distenso apoiada pela Casa Brancae pelo Vaticano. De Angola, sua sombra j se projeta sobre o Atlntico Sul at o litoral oriental de nosso continente.

    Nessas condies, temos por certo que o desmantelamento das leis e rgos de segurana no presentemomento ajudaria mais do que nunca a investida comunista.

    Se esse desmantelamento for levado a cabo agora, teremos de imediato a exploso da violncia, a duras penascontida. E logo em seguida um avano perigoso do comunismo no campo poltico, econmico e social.

    Essas palavras no so ditas para vituperar os que sonham com o desmantelamento total ou virtual darepresso, mas para os convidar cordialmente a refletirem de modo realstico sobre a situao, e prestarem em favor deuma luta anticomunista eficaz o servio que de sua inteligncia e prestgio o Pas pode esperar.

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    24

    A vitria de 64 deixou a nu a artificialidade do perigo comunista no Brasil. Odestroamento espetacular desse perigo criou nos ambientes centristas a perigosa iluso de que operigo jamais voltaria. De onde surgirem condies propcias a que espritos otimistas sepusessem estas perguntas: por que ento continuar a reprimir o comunismo? No seria prefervelpermitir que, sem represso a espica-la, a chaga da subverso comeasse a cicatrizarnaturalmente?

    A prosperidade resultante da Revoluo de 64 acentuou ainda mais o clima de falsaestabilidade que acabamos de descrever. Muitos centristas, considerando erroneamente oproblema comunista como mera resultante da fome, imaginavam que, eliminada esta, o comunismomorreria por si. Puseram-se eles ento a pensar que, no binmio segurana-prosperidade, a segundaj estava em condies de garantir por si s, ou quase tanto, a segurana. Por si s, dizemos, isto, sem a ao estatal repressiva, nem campanhas anticomunistas pblicas ou privadas. Oanticomunismo, sempre to indispensvel, comeou a tomar, aos olhos de alguns, ares derebarbativa velheira.

    * * *Estas iluses de no poucos centristas no existem s no Brasil. Encontraram elas sua

    plena expresso numa frmula poltica lanada na Argentina pelo ento presidente GeneralLanusse, a qual teve, em tais ambientes, pelo mundo a fora, grata repercusso: a queda dasbarreiras ideolgicas. Era uma frmula lanada por ele para definir sua nova poltica em relaoaos pases comunistas como Cuba ou o Chile allendista de ento. Mas a frmula produziunaturalmente ponderveis efeitos na poltica interna dos vrios pases em que ecoou, eespecialmente nos setores da opinio pblica a ela predispostos. Pois ela supe ter havido noscomunistas uma certa melhoria psicolgica, em virtude da qual as barreiras ideolgicas j no sonecessrias em relao a eles. Ora, na hiptese de que assim seja para efeitos de poltica exteriorentre naes comunistas e no comunistas, por que no se dar algo de anlogo na polticainterior, entre correntes comunistas e no comunistas? A partir desta pergunta, como nocomear a duvidar da necessidade de um sistema repressivo anticomunista?

    Tal estado de alma no poderia deixar de receber perigoso reforo com a visita doPresidente Nixon China comunista em fevereiro de 1972, e sua subsequente visita a Moscou emmaio do mesmo ano. A dtente internacional, assim inaugurada estrepitosamente, mostrava que asuperpotncia do mundo livre fazia inteiramente sua e a consagrava como princpio mximo desua ao diplomtica a queda das barreiras ideolgicas, aceitando implicitamente o mito a elasubjacente, de que ocorrera uma transformao na mentalidade poltica dos comunistas.

    Por meio da Ostpolitik do ento chanceler Willy Brandt, a Alemanha Ocidental jprecedera nesta via os Estados Unidos. Depois do exemplo de Nixon, vrios outros pases seguirampelo mesmo caminho. O ambiente mundial se foi assim saturando de distensionismo.

    O distensionismo implicava, de um ou outro modo, um pacifismo extremado, agravadopelo pnico de uma hecatombe atmica, possvel em caso de guerra. Pelo mundo inteiro, largossetores centristas resolveram pois mudar de impostao quanto ao prprio campo da poltica internaface ao comunismo. Preferiram adormecer, nas alegrias da prosperidade do aps-guerra e nasquimeras da dtente, as apreenses mais ou menos subconscientes quanto a um futuro queevitavam olhar de frente.

    Mais grave do que tudo isto foi, para os pases catlicos, a Ostpolitik vaticana, queimportava no abandono ou quase tanto do estado de beligerncia da maior potncia espiritual domundo em relao superpotncia materialista e atia que Moscou. Se o Vaticano abrandavaassim a represso ao comunismo no terreno espiritual, julgando no correr com isto riscos de

  • A Igreja ante a escalada da ameaa comunista apelo aos Bispos Silenciosos

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    monta, por que puseram-se a pensar numerosos catlicos no abandonar, ou abrandarmarcadamente, esta mesma represso no terreno temporal? 35 .

    Tais acontecimentos acarretaram, em vastos crculos da opinio ocidental, uma acentuadadisplicncia face a progressos do comunismo, os quais outrora os teriam feito sobressaltar. Asquedas do Vietn e do Cambodge, e principalmente a de Portugal, foram acompanhadas pelasmassas do Ocidente com uma indiferena suicida que pouco depois Soljenitsin haveria de fustigarcom seu talento impressionante.

    * * *Claro est que tudo isto, que to fundamente marcou o mundo inteiro, tambm marcou o

    Brasil. Nos dias seguintes aos da Revoluo de 64, os comunistas e seus colaboradores estavamseparados do resto do Pas por um muro. Com tudo isto, em vrios setores da opinio pblica,o muro caiu . Eles podiam tentar da por diante diluir-se, ao menos na aparncia, na massa dapopulao, para leved-la. Poderiam tentar coligar-se com todos os centristas contrrios represso, para revogar as leis e os organismos que lhes obstassem o avano. E, pari passu,poderiam ir dando renovado impulso sua expanso ideolgica e urdidura de suas tramas.

    Este modo de agir, os comunistas o adotaram sem dvida. E da procurarem a infiltraonos partidos polticos, denunciada pelo Presidente Geisel em seu histrico discurso de 1 de agostode 1975.

    Pense-se o que se pensar da serpentina declarao de Lus Carlos Prestes, em Berlim, emfevereiro deste ano, o menos que pode dela dizer o mais tmido e cauto dos comentaristas, que elaconfessa a existncia de uma infiltrao comunista na vida poltica, com o plano de atrair oselementos centristas para a destruio virtual do mecanismo de represso subverso36.

    9 . CNBB, Clero e laicato ante o novo jogo do comunismo

    Tendo sempre em vista a misso suprema e fundamentalmente anticomunista da Igreja, apergunta natural : o que, vista de tudo isto, vm fazendo a CNBB, o clero e o laicato catlico?

    Se por Clero e laicato catlico se entendem os eclesisticos e os leigos inteiramenteinspirados pela CNBB, partcipes do esprito que a anima e vendo o panorama hodierno como elaparece v-lo, a resposta : no fazem seno amoldar-se aos fatos e agir ao impulso destes.

    Por exemplo, quanta vantagem teria trazido para o Brasil e para a Civilizao Crist, que aCNBB tivesse denunciado ao pblico o panorama sombrio cujos componentes acabamos dedescrever! Ou que, pelo menos, o organismo episcopal tivesse levado a cabo uma campanhaanticomunista, autenticamente combativa e de grande envergadura.

    Entretanto, nada disto se fez. Em um ou outro documento de altas personalidades daCNBB, o anticomunismo foi at bem recentemente objeto de aluses tais, que mais soavam maneira de uma censura37.

    35 A tal respeito, recomendamos a leitura da declarao A poltica de distenso do Vaticano com osgovernos comunistas Para a TFP: omitir-se? Ou resistir? publicada na imprensa diria das mais importantescapitais do Pas, e reproduzida em Catolicismo, no. 280, de abril de 1974.

    36 Em fevereiro deste ano, Lus Carlos Prestes, secretrio-geral do clandestino Partido Comunista Brasileiro,fez declaraes em diversas capitais da Europa. Registramos as seguintes, prestadas em entrevista coletiva imprensaem Berlim Oriental: A luta poltica das foras progressistas, para a restaurao dos direitos democrticos e daliberdade no Brasil disse Prestes aumentou nos ltimos anos. Com isso segundo ele melhoraram aspossibilidades de organizar-se uma frente patritica e antifascista, como quer o Partido Comunista Brasileiro(apudFolha de S. Paulo, 15-2-76).

    37 O Cardeal D. Eugenio Sales, Arcebispo do Rio de Janeiro, declarou na Voz do Pastor de 20 de fevereirodeste ano, que o Cristianismo [...] no aceita fazer uma campanha muito ao gosto dos poderosos, que se sentiriamprotegidos em seus privilgios e por isso jamais podemos ser partidrios e colaboradores de uma insana