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25 pés- rapados

25 pés raspados

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25 pés-rapados trata-se de uma história em quadrinhos baseada no conto homônimo de Charles Bukowsky. Hank, o protagonista,se vê obrigado a sair de seu mundo confortável, de suas tulipas,de seu cachorro e de Kathy, sua mulher, para trabalhar e cobriro prejuízo de uma tarde ruim no jóquei. Em meio à jornada de trabalho, os conflitos internos de Hank se tornam aparentes.

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Sabe como é com quem aposta em cavalos. basta ganhar uma boa bolada e o cara já pensa que tudo aquilo acabou. eu essa casinha de fundos, com jardim privativo, onde cultivava a maior variedade de tulipas, que

cresciam, uma beleza, um assombro. andava com mão boa para tudo o que fosse verde - planta ou dinheiro. não lembro mais que sistema inventei, só que não me dava trabalho - maneira bastante agradável de viver. e depois havia Kathy. que estava com tudo. o velhote vizinho se babava,

literalmente, quando encontrava com ela. andava sempre batendo na porta.

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kathy! kathy!

o que a boneca quer?

eu...

eu comprei esses ossos pro

cachorro de vocês

dar osso de galinha pra cachorro é o mesmo que botar pedaço de lâmina de

gilete em mingau de criança. está querendo matar o meu cão, seu sacana?

a kathy está dando uma cagada. quer deixar recado?

não estou entendo

então enfia esses ossos e te manda

ja disse a kathy esta dando uma cagada

mas...apenas pensei

kat...

ooooh, pensei...

kathy!

kathy!

ooh,o

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está bem, quer dizer então que traçava a filha. que

vá meter num queijo suíço. não quero saber desse velhote aqui em casa.

vai ver você acha que eu deixo ele

entrar depois que sai pras corridas?

nem pensei nisso

no que pensou

em qual dos dois deita em cima

seu filho da puta vai embora

de uma vez

é só eu ficar a 4 quarteiroes daqui e vocês se atracam pra valer

não devia ser tão duro com o coitado, Hank, ele é um saco,

eu sei, mas disse que sou parecida

com a filha, quando era mais moça.

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desculpa Hank.

não chega perto de mim

ia ser um sábado ruim lá no jóquei.

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perdi 500 paus. tudo o que trazia no bolso. só sobrou um dólar na carteira. cheguei devagar com o carro. ia ser uma noite de sabado horrível.

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fui ao esconderijo onde guardava o dinheiro. estavamos reduzidos a 180 dólares. o cachorro ainda gostava de mim. um cão de raça, um verdadeiro campeão.

quando Kathy voltou, pedi-lhe para encher bem o copo. ela sabia. tirou até o celofane do charuto. íamos fazer amor. íamos fazer amor para espantar as tristezas.

saiu e fiquei escutando o estalo metálico do salto alto batendo na calçada. era das melhores mulheres que já tinha encontrado. e tinha sido num bar.um pé-rapado. um verdadeiro pé-rapado. sempre aquela relutância para trabalhar, sempre tentando viver às custas da própria sorte.

traz cerveja e caruto também. preciso esquecer.ai!

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quando Kathy voltou, pedi-lhe para encher bem o copo. ela sabia. tirou até o celofane do charuto. íamos fazer amor. íamos fazer amor para espantar as tristezas.

Kathy nunca tinha me visto falar desse jeito. eu sempre agia como se o dinheiro jamais fosse acabar. aquele prejuízo de 500 paus havia me deixado em estado de choque. me serviu outra dose

cavalar. emborquei o copo de uma vez só. choque, choque, meu deus, meu deus, as fabricas os dias perdidos, os dias sem sentido,

os dias de chefes burros, e o relógio feito lesma, brutal.

ei, Kathy escuta só issso aqui. precisa-se de homens, domingo.

pagamento no mesmo dia

mas, pô, neguinha, o importante é não perder tempo! domingo não tem

corrida. eu posso beber à vontade hoje de noite e ainda

pegar essa joça amanhã. essa grana extra é bem

capaz de pesar na balança.

ah, descansa, amanhã, Hank. terça você acerta lá no turfe. aí tudo vai mudar

de figura.

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botei o despertador para as quarto, acordei, peguei o carro e cheguei na parte mais pobre do centro da cidade às 4 e meia. fiquei parado

na esquina com outros 25 pés-rapados.

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ora é grana, pensei. ainda me recupero... um dia hei de passar as férias em paris ou em roma. estou cagando pra estes caras. isto aqui não é lugar pra mim.

aí qualquer coisa me disse: é exatamente o que todos estão pensando: isto aqui

não é lugar pra mim. cada um deles está pensando nisso a respeito de si mesmo. e com toda razão. e o que isso altera?

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a essa hora estaria...

ei, parceiro!ué já que

não dá, quem sabe tu chupa

a minha?

cai fora porra!

tá afim de uma chupada.

hoje de manhã vi um cara chupando outro lá no beco. o cara tinha uma pica branca GRANDE FINA, o outro ainda tava chupan do e a porra escorria pelo canto da boca. fiquei olhando e vendo aquilo e, puta que pariu, me deu uma tesão desgraçada. deixa eu te chupar a pica, companheiro!

AÍ, GAROINHO VAI

FUNDO!!!

que é?

não.

não.

sou francês.

o caminhão apareceu lá pelas 5 e 10 e subimos nele.

depois que já tínhamos percorrido outros dois quilômetros, enxerguei a cabeça dele, indo para trás e pra frente. estava chupando no meio de todo mundo, de um cara meio velho que parecia índio.

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tá bom, peguem as SACOLAS!

quando chegamos, o francês já tinha ido fundo e nós todos saltamos do caminhão, o francês, o índio, eu e os outros pobres-diabos.fedíamos. imundos chupadores de pica.

ficamos lá esperando outros bons 45 minutos. até que apareceu um fedelho ranhenta, com uma latinha de cerveja na mão.

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me dirigi para lá devagar e dei uma olhada. uma batalha feroz, sem eira nem beira. depois que o último saiu, entrei e peguei a primeira que achei caída no chão.

abri o meu. já conhecia, e como, aquelas ruas: AH DEUS TODO-PODEROSO, COM

TODA A CIDADE À DISPOSIÇÃO, FORAM LOGO ESCOLHER O MEU PRÓPRIO BAIRRO!

e assim a gente continuou ali, esperando mais uma hora. quando entrei com alguns outros na parte traseira de uma camionete, o sol já estava bem alto. cada um recebeu um pequeno mapa com

as ruas em que teríamos que entregar os jornais.

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percorri, ida e volta, 2 ruas bem depressa, sem ninguém enxergar o ilustre cavalheiro de alta classe, de mãos brancas e macias, e grandes olhos cheios de dignidade. ia conseguir me safar.

me largaram bem na minha esquina. ambiente mais conhecido, impossível. lá estava a floricultura, o bar, o posto de gasolina, tudo… dobrando a esquina, a minha casinha, com Kathy dormindo

naquela cama quentinha. até o cachorro ainda dormia. ora, é domingo de manhã, pensei. ninguém vai me ver. o pessoal acorda mais tarde.

vou percorrer toda essa porra de itinerário. e comecei.

foi o que bastou. peguei todos os jornais que ainda faltava entregar e atirei na

parte traseira de um carro abandonado, depois dobrei a esquina e fui para casa. Kathy ainda dormia. tive que acordá-la.

ei, moço!

ah, sim? menininha? que foi?

onde tá seucachorro?

ah, hahaha, ele ainda está

dormindo.ah.

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kathy!kathy!

quefoi?

oh, Hank...tudo bem

sabe o que aqueles filhas da puta

fizeram?

escolheram o meu próprio bairro pra eu

entregar jornais!

ah bom, claro que é sujeira, mas acho

que ninguém vai se

incomodar por causa

disso

não posso ser visto com uma

sacola de asneiras nas

costas!

e onde fica a fama que eu

tenho!

por aquela menina da casa de tijolos cheia

de macegas. a Myra, você quer dizer?

mas ela só tem 3

anos.

por favor Hank não se preocupe. vou botar

um vestido velho pra te ajudar a entregar os

jornais. domingo o pessoal dorme até tarde.

eu já me livrei.

não tem mais nada.joguei tudo na parte traseira daquele carro abandonado.

FODAM-SE estou me lixando para eles.

não vão descobrir

sei lá o nome dela!

sei lá a idade dela! perguntou

pelo cachorro!

perguntou o quê?

perguntou onde é que ele

ESTAVA!

mas eu já fui VISTO!

já foi? por quem?

ah, assim também já é exagero. que FAMA? isso é coisa que você

meteu na cabeça.

escuta aqui, tá a fim de me gozar, é? enquanto tu fica

aqui, esquentando o rabo na cama, eu andava dando duro por aí, junto com um bando

de chupadores de pica!

você não entende?

não precisa ficar brabo. espera aí que eu tenho

que fazer xixi.fiquei ali esperando enquanto ela dava aquela mijada

sonolenta de mulher. puta merda, como DEMORAM! não resta dúvida que buceta é uma máquina de mijar muito

ineficiente. qualquer pau tira de letra.

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Kathy?

hã?

você simplesmente não sabe com quem esta vivendo! sou um cara de classe, tenho classe pra dar e vender! estou com 34 anos, mas se trabalhei 6 ou 7 meses ao todo, desde que completei 18, foi muito. e sem dinheiro

nenhum. olha só minhas mãos! são de pianista!

terminei a cerveja, bebi outra, depois caminhei 3 quarteirões e fui sentar nos degraus de uma

mercearia fechada que, segundo o mapa, serviria de ponto de encontro para o tal sujeito vir me buscar. esperei ali das 10 da manhã as 2 e meia da tarde. a coisa mais chata, besta, sem graça, massacrante e imbecil que se possa imaginar.

classe? PRECISA OUVIR o que você diz quando fica bêbado! uma coisa

medonha, medonha!tá querendo começar a

encher de novo, Kathy?tu vive na maior sombra e água

fresca desde que te tirei daquele inferninho.

pra falar a verdade sou um gênio só que o unico que

sabe disso sou eu.

não duvido.

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aí a desgraçada da camionete apareceu. ei.Companheiro?

já tá pronto?

foi rápido!é

quero que tu ajude um cara a completar o

intinerário dele.

humhum.

hum?

o sujeito era uma LESMA. jogava o jornal com o maior cuidado, de casa em casa. cada um recebia tratamento especial. pelo jeito, gostava do trabalho que tinha para fazer. só faltava o útimo quarteirão. acabei com a história toda em 5 minutos.

aí agente sentou na calçada e esperou pelo caminhão. durante uma hora. fomos levados de novo ao escritório, onde tornamos a sentar nas mesmas classes escolares.

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Guilherme Passos!

BUKOWSKI !

eu não conseguia despregar os olhos de cada sujeito que recebia o pagamento. não era possível. PARECIA que cada um ganhava três notas de um dólar. na época, o menor salário mínimo permitido por lei era de um dólar por hora. eu havia chegado na tal

esquina as 4 e meia da madrugada. agora já eram 4 e meia da tarde. pelos meus cálculos, isso dava 12 horas.

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será que não sabe que existe uma lei do salário-minimo? uma

prata por hora.

olha aqui.

nós descontamos o transporte, o lanche e assim por diate. só pagamos pelo período médio de trabalho, que calculamos que seja de mais ou menos 3 horas.

pois eu perdi doze horas da minha vida. e agora tenho que pegar o ônibus pra ir buscar meu carro no centro da cidade e

voltar com ele pra casa.

Robinson!

sorte sua ter carro.

não sou eu que determino as normas da empresa, meu senhor. faça o favor de não

botar a culpa em mim.

vou dar parte na Junta Regional de Trabalho!

e sorte tua de eu não te enfiar essa latinha de

cerveja no rabo!

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o penúltimo pé-rapado se levantou para ir

receber os seus 3 dólares enquanto eu

saía pela rua afora. para esperar o ônibus.

até chegar em casa e segurar um copo de

bebida na mão já eram 6 horas ou por aí.

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aí tomei um porre federal. me senti tão frustrado que fodi Kathy

3 vezes. espatifei vidraça. cortei o pé em caco de vidro. cantei uma

das musicas de Gilbert e Sullivan, que aprendi quando estudava com

um professor maluco de inglês que começava a dar aula às 7 da

manhã. na Universidade Municipal de L.A. o nome dele era Richard-

son. e talvez não fosse maluco. mas me ensinou Gilbert e Sullivan

e me deu nota baixa em inglês por sempre chegar com meia hora de

atraso, no mínimo, e ainda por cima de ressaca, QUANDO chegava.

mas isso já são outros quinhentos. naquela noite, Kathy e eu até

que rimos bastante e embora tivesse quebrado algumas coisas,

não me portei tão mal nem tão estupidamente como era meu hábito.

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e naquela terça-feira ganhei 140 dólares no hipódramo e voltei a ser,

mais uma vez, o amante bastante displicente, o bofe, o jogador, o cafetão regenerado e o cultivador de tulipas.

aaaaah...

escuta aqui, neguinha...

sim?

dá pra você ir comprar uma garrafa de

uísque?claro que dá.

e um pouco de cerveja e charutos. eu cuido da

comida.

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dali a pouco, já sentado na minha poltrona, escutei o estalido do

salto alto descendo pela calçada.havia uma bola de tênis na sala.

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25 pés-rapados trata-se de uma história em quadrinhos baseada no conto homônimo de Charles Bukowsky. Hank, o protagoni-sta, se vê obrigado a sair de seu mundo confortável, de suas tuli-pas, de seu cachorro e de Kathy, sua mulher, para trabalhar e co-brir o prejuízo de uma tarde ruim no jóquei. Em meio à jornada de trabalho, os conflitos internos de Hank se tornam aparentes.

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