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123 REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 21, Nº 45: 123-148 MAR. 2013 RESUMO A CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL DA POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA: A CÂMARA DE COMÉRCIO EXTERIOR (CAMEX) NO GOVERNO CARDOSO 1 Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 21, n. 45, p. 123-148, mar. 2013 Recebido em 29 de novembro de 2011. Aprovado em 10 de abril de 2012. Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes ARTIGOS O objetivo deste trabalho é analisar o processo de construção das instituições que regeram a política de comércio exterior no Brasil durante o governo Cardoso, tendo como foco as relações entre a mudança institucional e a dinâmica político burocrática interna ao Poder Executivo, com o qual avaliamos as condições nas quais o conflito burocrático é uma variável importante no processo de mudança institucional. Dado que o comércio exterior é uma atividade ampla, optamos por analisar as reformas realizadas sobre o seu quadro de coordenação: os processos de formação e reformas da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX). Desenvolvemos na primeira parte do trabalho um arcabouço analítico a partir de uma avaliação breve e crítica do que já foi produzido sobre a influência e as implicações da participação da burocracia no jogo político, do qual derivamos as hipóteses de pesquisa. Em segui- da, analisamos o papel exercido pelo conflito interno ao Poder Executivo entre as diferentes agências envolvidas com a política comercial e como foi a ação da Presidência. Propomos, finalmente, que o conflito e a disputa entre burocracias foi um fator determinante para a instabilidade institucional e para a consolidação de um formato sub- ótimo, que encontra dificuldades no cumprimento das funções de coordenação do comércio exterior brasileiro. A partir da proposição de um novo arcabouço teórico que concatena diferentes debates a respeito da política burocrá- tica, derivamos a proposição central da pesquisa que reside na expectativa de como as interações entre os atores políticos e burocráticos dentro do Poder Executivo afetam os resultados dos processos decisórios sobre mudança institucional. PALAVRAS-CHAVE: política comercial; mudança institucional; política burocrática; conflito burocrático. I. INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é analisar o processo de construção das instituições que regeram a política de comércio exterior durante o governo Cardoso, tendo como foco as relações entre a mudança institucional e a dinâmica político-burocrática interna ao poder Executivo. Neste estudo são avaliadas as condições nas quais o conflito burocrático é uma variável importante no processo de mudança institucional. Demonstramos que o conflito e a disputa entre burocracias foi um fator determinante para a instabilidade institucional e para a consolidação de um formato subótimo, que encontra dificuldades no cumprimento das funções de coordenação do comércio exterior brasileiro. Dado que o comércio exterior é uma atividade ampla, analisamos as reformas no seu quadro de coordenação: os processos de formação e reformas da institucionalidade do modelo de coordenação política centrado na Câmara de Comércio Exterior (Camex). Adota-se como marco teórico o prisma analítico da política burocrática e o quadro de questões analisadas ao longo do estudo é composto pelas relações e conflitos entre as agências e órgãos burocráticos com interesses nas arenas nas quais a política comercial foi realizada. O termo “política burocrática” refere-se às implicações do papel político exercido pelas burocracias. Ao longo dos últimos anos, inúmeras correntes da literatura trataram do tema. Entre essas, incluímos os mais diversos campos como os estudos organizacionais, análises sobre as relações entre burocratas e políticos e sobre a autonomia burocrática, estudos sobre os processos de implementação de políticas públicas, as relações entre burocracias e grupos de interesse ou mesmo estudos sobre os determinantes e as conseqüências do conflito entre burocracias. Buscamos contribuir com a literatura que trata da 1 Agradecemos os comentários dos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política.

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A CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL DA POLÍTICACOMERCIAL BRASILEIRA:A CÂMARA DE COMÉRCIO EXTERIOR (CAMEX)NO GOVERNO CARDOSO1Recebido em 29 de novembro de 2011. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 21, n. 45, p. 123-148, mar. 2013Aprovado em 10 de abril de 2012.Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 21, Nº 45: 123-148 MAR. 2013

RESUMO

A CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL DA POLÍTICACOMERCIAL BRASILEIRA:

A CÂMARA DE COMÉRCIO EXTERIOR (CAMEX)NO GOVERNO CARDOSO1

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 21, n. 45, p. 123-148, mar. 2013Recebido em 29 de novembro de 2011.Aprovado em 10 de abril de 2012.

Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes

ARTIGOS

O objetivo deste trabalho é analisar o processo de construção das instituições que regeram a política de comércioexterior no Brasil durante o governo Cardoso, tendo como foco as relações entre a mudança institucional e adinâmica político burocrática interna ao Poder Executivo, com o qual avaliamos as condições nas quais o conflitoburocrático é uma variável importante no processo de mudança institucional. Dado que o comércio exterior é umaatividade ampla, optamos por analisar as reformas realizadas sobre o seu quadro de coordenação: os processos deformação e reformas da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX). Desenvolvemos na primeira parte do trabalho umarcabouço analítico a partir de uma avaliação breve e crítica do que já foi produzido sobre a influência e asimplicações da participação da burocracia no jogo político, do qual derivamos as hipóteses de pesquisa. Em segui-da, analisamos o papel exercido pelo conflito interno ao Poder Executivo entre as diferentes agências envolvidascom a política comercial e como foi a ação da Presidência. Propomos, finalmente, que o conflito e a disputa entreburocracias foi um fator determinante para a instabilidade institucional e para a consolidação de um formato sub-ótimo, que encontra dificuldades no cumprimento das funções de coordenação do comércio exterior brasileiro. Apartir da proposição de um novo arcabouço teórico que concatena diferentes debates a respeito da política burocrá-tica, derivamos a proposição central da pesquisa que reside na expectativa de como as interações entre os atorespolíticos e burocráticos dentro do Poder Executivo afetam os resultados dos processos decisórios sobre mudançainstitucional.

PALAVRAS-CHAVE: política comercial; mudança institucional; política burocrática; conflito burocrático.

I. INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é analisar o processo deconstrução das instituições que regeram a política decomércio exterior durante o governo Cardoso, tendocomo foco as relações entre a mudança institucional ea dinâmica político-burocrática interna ao poderExecutivo.

Neste estudo são avaliadas as condições nas quaiso conflito burocrático é uma variável importante noprocesso de mudança institucional. Demonstramos queo conflito e a disputa entre burocracias foi um fatordeterminante para a instabilidade institucional e para aconsolidação de um formato subótimo, que encontradificuldades no cumprimento das funções decoordenação do comércio exterior brasileiro. Dado queo comércio exterior é uma atividade ampla, analisamosas reformas no seu quadro de coordenação: os

processos de formação e reformas da institucionalidadedo modelo de coordenação política centrado na Câmarade Comércio Exterior (Camex).

Adota-se como marco teórico o prisma analíticoda política burocrática e o quadro de questõesanalisadas ao longo do estudo é composto pelas relaçõese conflitos entre as agências e órgãos burocráticoscom interesses nas arenas nas quais a política comercialfoi realizada. O termo “política burocrática” refere-seàs implicações do papel político exercido pelasburocracias. Ao longo dos últimos anos, inúmerascorrentes da literatura trataram do tema. Entre essas,incluímos os mais diversos campos como os estudosorganizacionais, análises sobre as relações entreburocratas e políticos e sobre a autonomia burocrática,estudos sobre os processos de implementação depolíticas públicas, as relações entre burocracias egrupos de interesse ou mesmo estudos sobre osdeterminantes e as conseqüências do conflito entreburocracias.

Buscamos contribuir com a literatura que trata da1 Agradecemos os comentários dos pareceristas anônimos daRevista de Sociologia e Política.

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política burocrática propondo um novo modelo sobreas relações internas do poder Executivo e de suasimplicações empíricas e teóricas, uma vez que essetema não é freqüentemente abordado na literatura.Diagnóstico semelhante foi feito por Figueiredo (2010)a respeito da literatura brasileira. A autora entende queestudos contemplando o poder Executivo, do pontode vista de sua estrutura institucional, são inexistentesna Ciência Política brasileira. Dito isso, procuramoscontribuir para reduzir essa importante lacuna.

Durante a reflexão teórica, atenção especial foi dadaao fato de que a literatura que trata da políticaburocrática foi construída tendo como base empíricao caso estadunidense. Dado isso, propomos umaanálise a partir de uma realidade distinta desse sistemae em uma política pública que no Brasil é caracterizadapor ser desenvolvida dentro do poder Executivo.Ressaltamos que o foco concentra-se nas relaçõesinternas do Executivo de modo que osconstrangimentos externos que não se refletem dentrodo próprio Executivo não são levados em conta noarcabouço analítico proposto.

O artigo está dividido em cinco seções, incluindoesta introdução. Na próxima, apresentamos ascorrentes da literatura que trataram do tema edesenvolvemos conceitos imprescindíveis para aanálise. Na terceira, resumimos o quadro analítico quearticula as relações entre os atores políticos eburocráticos dentro do poder Executivo e em quaiscircunstâncias o conflito burocrático emerge. Depois,apresentamos as hipóteses adotadas. Na quarta seção,utilizando-se dos conceitos desenvolvidos, discorre-mos sobre a dinâmica dos processos decisórios2 quetiveram influência na constituição e consolidação daCamex. Por fim, na última seção, reunimos os achadosempíricos e teóricos.

II. ASPECTOS TEÓRICOS DA POLÍTICA BURO-CRÁTICA

A burocracia tornou-se um importante ator nocenário político e o seu crescimento e expansãoqualitativa devem ser considerados fenômenos políticosde primeira grandeza. Contudo, apesar dessaimportância, a literatura que estuda a burocracia e suasimplicações produziu menos informações sistemáticassobre esse aspecto do governo do que de qualquer

outro. Enquanto eleições, partidos e legislativos foramextensivamente analisados, aspectos administrativos dogoverno e suas implicações políticas foram deixadosde lado, de modo que ainda não temos boas ferramentasteóricas e conceituais para compreender a políticaburocrática (MEIER, 1979; PETERS, 1995).

Foram desenvolvidos conceitos que trataram apolítica burocrática em duas direções. Na primeira, osesforços foram investidos na análise das relações entreas agências burocráticas e os grupos de interesse eclientelas (SELZNICK, 1949; CARDOSO, 1974). Jáno segundo, o foco esteve nas relações entre asagências e os atores políticos que devem controlá-las(BREWER, 2008), sendo três correntes principais queanalisaram o processo de interação entre burocracia eagentes políticos.

A primeira é a corrente da teoria da escolha públicaaplicada à análise da burocracia, que fez uso daeconomia política e do individualismo metodológicopara a construção de seus modelos teóricos sobre ocomportamento de burocracias e burocratas. Aorientação básica indica que as agências seriamcompostas de indivíduos racionais que atuariam demodo a promover a sua própria agenda. Os burocratassão retratados como maximizadores de orçamento eas burocracias são, por definição, organizaçõesexpansionistas que buscam aumentar seu tamanho,equipe, financiamentos e/ou tarefas (TULLOCK, 1965;DOWNS, 1966; NISKANEN, 1971; GOODIN, 1975;DUNLEAVY, 1991).

A segunda é uma análise herdeira de conceitosoriundos da administração pública e analisa ocomportamento das burocracias e suas relações comatores políticos pela vertente da questão organizacional.Essa abordagem enfatiza a natureza da açãoorganizacional, entendida como a estruturaorganizacional, o processamento coordenado deatividades, os limites impostos pelos controles e atoresexternos sobre essas organizações e um conjunto maiorde preferências e preocupações que moldam eestimulam o comportamento e a ação individual dosburocratas (MEIER, 1979; ROURKE, 1979; WILSON,1989).

Na terceira foram aplicados princípiosmicroeconômicos para a análise do problema docontrole político das burocracias, sendo que uma dasaplicações mais relevantes foi a teoria do agente-principal, com a qual se defendeu a tese que políticospossuem instrumentos suficientes para controlar osoutputs burocráticos, mas cuja utilização é custosa derecursos e tempo, e o controle político excessivo podegerar ineficiência na provisão de serviços (WEINGAST& MORAN, 1983; MCCUBBINS & SCHWARTZ,

2 Definimos “processo decisório” como o processo políticoformado por dois momentos distintos na produção de uma po-lítica pública: (i) o processo de formulação no qual a decisãosobre qual curso de ação política a ser adotado é tomada e (ii) oprocesso de implementação no qual a política escolhida é trans-formada em política efetiva.

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1984; MOE, 1984; 1985; WEINGAST, 1984;MILLER, 2005).

Apesar das três correntes terem analisado a políticaburocrática de ângulos interessantes e trazido luzessobre as articulações entre a política e a burocracia,um tema primordial foi deixado de lado. A políticaburocrática inclui também conflitos, barganhas ecompromissos entre as organizações burocráticas epolíticas nas fases de decisão e implementação,envolvendo chefes e funcionários das burocracias eatores políticos interessados. Um dos principaismodelos sobre o conflito burocrático foi produzido naliteratura de “análise de política externa”, na qual foidesenvolvido o conceito do “governo burocrático”,inaugurado por Hilsman (1959), Neustadt (1960),Huntington (1961), Schiling (1962), Welch (1992) econsagrado por Allison em seu clássico Essence ofDecision (ALLISON, 1971)3.

Allison (idem) propôs três abordagens para iluminara natureza do processo decisório. A primeira seria oparadigma do ator racional e unitário. A segunda é oparadigma organizacional, no qual o estado é umconglomerado de organizações semifeudais,frouxamente aliadas, cada uma com vida própria eautônoma. As ações estatais são decorrentes dosoutputs organizacionais, sendo determinadas porprogramas, rotinas e procedimentos operacionaispadrões das burocracias envolvidas na decisão eimplementação da política. O terceiro modelo é o dogoverno burocrático, no qual o comportamento estatalé determinado pela barganha e compromisso ao longode circuitos regularizados de comunicação, quepermitem a interação entre os atores posicionados empontos chaves dentro das arenas decisórias (ALLISON& HALPERIN, 1972).

O paradigma burocrático delimita-se à análise doprocesso decisório dentro do poder Executivo. Nessesmodelos, a exclusão do poder Legislativo e dos gruposde interesse é analítica, não significando que a interaçãoentre os poderes seja uma variável inexpressiva nossistemas políticos do ponto de vista empírico(HALPERIN, 1974).

Allison e Halperin (1972) refinaram o modelo aoobservarem dois momentos no processo decisório: osjogos de decisão e de implementação. O primeiro jogoé a arena principal, onde são tomadas as decisõespolíticas, enquanto o segundo é a arena na qual aspolíticas são implantadas. O segundo apresentacaracterísticas herdadas do paradigma organizacional

e os procedimentos também se tornam instrumentosde influência nas decisões tomadas nos jogos dedecisão.

A principal crítica ao modelo burocrático é sobre aminimização da força do chefe de governo. Os críticossugerem que o modelo não leva em conta o poderestrutural decorrente do poder de nomeação do chefede governo (KRASNER, 1972; FREEDMAN, 1976).Rosati (1981) observou padrões distintos que não sãocaptados pelas abordagens burocráticas e do poderestrutural. Ambas não avaliam o nível de envolvimentodo chefe de governo, que é variável chave para adiferenciação da análise, pois este possui recursos paramoldar o processo decisório de acordo com suaspreferências. No entanto, isso só acontece se ele decideenvolver-se de maneira direta na questão.

III. FONTES DO PODER BUROCRÁTICO

O poder que uma burocracia é capaz de congregaré uma variável fundamental dentro da abordagemburocrática. No entanto, poder burocrático é um termoimpreciso, assim como todos os conceitos que lidamcom a questão do poder. Estando cientes dessaslimitações, adotaremos o conceito de Meier (1979),no qual o poder burocrático refere-se à capacidade daburocracia em alocar de maneira autônoma e impositivaos recursos, sendo, portanto, o poder político exercidopela burocracia em termos de sua capacidade dedeterminar ou influenciar, de acordo com seusinteresses, o processo decisório sobre quem ganha oque, quando e como, seja provendo com recursos,seja impondo despesas, regulações e sanções4.

Entre os recursos externos utilizados por umaagência para a obtenção de poder burocrático, o apoiopolítico e os recursos financeiros, definidos em termosde suas apropriações orçamentárias, são os maisimportantes. Já os recursos internos relacionam-secom características básicas do funcionamento de umaagência e interferem de maneira direta na suacapacidade de desenvolver um cenário dentro doprocesso de formulação de políticas que favoreça apromoção dos seus interesses, tendo basicamente trêsdistintas fontes: o grau de conhecimento específicoexigido na execução de suas tarefas (expertise), asespecificidades do processo de implementação daspolíticas e o grau de coesão dos burocratas.

3 Cf. também Allison (1969) e Allison e Zelikow (1999).

4 Tomamos como base de nossa definição de poder burocráticoa definição de poder de Lasswell e Kaplan (1950) de que o poderé a participação no processo decisório. De acordo com essesautores: “G tem poder sobre H com relação aos valores K, se Gparticipa da tomada de decisões que afetam as políticas de Hrelativas a K”.

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IV. A MOTIVAÇÃO BUROCRÁTICA

Uma derivação da motivação dos burocratas utilizadana literatura, e que também distancia as preferênciasdos burocratas do interesse público, é o pressupostode que os interesses individuais são os interessesparoquiais da agência e estão de acordo com a Lei deMiles, que aponta que “o que você defende dependede onde você está posicionado”. A posição ocupadapelo indivíduo determinaria suas preferências. Combase nesse pressuposto, a escolha pública generalizouo interesse conjunto das agências e dos burocratas emtorno da expansão de orçamentos, de modo que teriamuma tendência inexorável a maximizá-los.

Outra corrente propôs que os interesses dosburocratas estão associados com as oportunidades decarreira. Os interesses coincidem com os da agênciaapenas nas situações em que a carreira está intimamenteconectada com a sobrevivência da própria agência.Isto é, quando a ascensão da carreira dá-se dentro daagência. Nessa corrente, os interesses dependem deonde os burocratas vieram e para onde vão. Emboradesejem verbas, renda, prestígio, poder organizacional,eles estão dispostos a sacrificar benefícios no curtoprazo para atingir resultados no longo prazo em relaçãoa suas carreiras. As variáveis fundamentais queinfluenciam a formação da preferência burocrática sãoderivadas dos constrangimentos organizacionais einstitucionais em relação às carreiras (SCHNEIDER,1993; 1995).

V. QUADRO ANAlÍTICO E PERCURSO METODO-LÓGICO

V.1. Uma tipologia sobre processos decisórios no poderExecutivo

Diante do exposto, explicitamos sumariamente oquadro analítico apresentando as condições necessáriaspara o surgimento do conflito burocrático e como estese relaciona com a evolução institucional da políticacomercial5. Definimos que os burocratas são os agentesnão eleitos do poder Executivo e que a políticaburocrática ocorre quando eles entram na arena políticae buscam influenciar o processo decisório. Esseprocesso é caracterizado pelo conflito e barganha entreos múltiplos atores do poder Executivo que lutam pelocontrole ou participação em um mesmo espaço e pelajurisdição ou competências sobre esferas políticas, nasquais buscam produzir ou pelo menos induzir a criaçãode condições favoráveis para a satisfação de suaspreferências, tanto no processo de formulação quanto

na implementação de políticas públicas e reformasinstitucionais.

A primeira condição necessária para compreender-se o papel do conflito entre burocracias é o nível deenvolvimento presidencial efetivo. Conforme vimos,uma das críticas ao modelo burocrático é que o chefedo governo possui um papel fundamental naorganização, abertura e fechamento de espaços paraas diferentes agências, o que lhe garante instrumentospara superar constrangimentos impostos pelasburocracias. Como demonstrado pela literatura doagente – principal, o chefe de governo ao serresponsável pela delegação de funções e tarefas para aburocracia possui instrumentos para controlá-la, desdeque desenhe os incentivos institucionais corretos queconstranjam a margem de escolha dos agentes. Ademaiso chefe de governo é o garantidor da autonomia dasagências, sendo factível a sua interferência ad hoc.Em virtude disto, a influência da política burocrática éseriamente limitada quando interesses prioritários dapresidência de República estão em disputa.

No entanto, o nível de envolvimento presidencialefetivo só não é baixo quando o chefe de governo estádisposto a arcar com os custos do monitoramento dasações das burocracias e de obtenção das informaçõese conhecimentos para a formulação, implementação econdução da política e com os custos de oportunidadedo tempo e dos recursos gastos com o monitoramentode ações de certas burocracias e não de outras. Quantomais o envolvimento presidencial efetivo estiver voltadopara certas políticas públicas, menos atenção estarádisponível para o monitoramento das outras. É certoque os temas prioritários do jogo político estão imunesao conflito burocrático e o seu processo decisório émarcado pela “dominância presidencial”.

A segunda condição necessária para o surgimentodo conflito burocrático é o grau do diferencial de poderentre agências que possuam interesses envolvidos noprocesso decisório. Caso este diferencial seja grande,o nível de conflito burocrático é baixo. A agência quepossui mais poder terá sua preferência privilegiada econseguirá impor-se no processo decisório, enquantoa menos poderosa não implantará sua agenda e nempoderá exigir que o processo de tomada de decisãoseja de barganha, acomodação ou compromisso. Poroutro lado, se o diferencial de poder for pequeno e osinteresses contraditórios, o conflito será maior. Ambastentarão implementar uma parte de sua agenda eprovavelmente uma solução de barganha, acomodaçãoe compromisso será necessária.

O poder burocrático é de natureza complexa e defontes múltiplas. No entanto, há um recurso que superatodos outros: o apoio político da Presidência da

5 Discussão mais detalhada do quadro analítico é apresentadaem Fernandes (2011b).

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República. Quando o presidente respalda de maneirainequívoca as ações de uma burocracia, ela pode utilizartodos os instrumentos e poderes que a posição de chefedo poder Executivo oferece e somá-los aos poderesinerentes a si mesma, como controle de recursoshumanos, financeiros, expertise e a capacidade de tratarinformações, podendo impor com facilidade suasdecisões sobre as outras burocracias que participamdo processo decisório. Ademais, quando o apoiopolítico do presidente a uma burocracia é total, estaburocracia está na situação de maior poder possíveldentro do poder Executivo. Os únicosconstrangimentos que lhe são impostos durante oprocesso decisório são externos ao Executivo.

A terceira condição necessária para o surgimentodo conflito burocrático é o nível de divergência entreas burocracias sobre determinada decisão política.Somente quando houver interesses burocráticosconflitantes em relação a determinado processo, háespaço para o surgimento do conflito. Caso a decisãoseja aceita ou partilhada por todos atores envolvidosou se envolver apenas um, estaremos diante deprocessos consensuais ou questão interna.

Adotando o foco das carreiras de Schneider (1993;1995), o grau de divergência está relacionado com oquanto as carreiras dos burocratas estãocomprometidas com a decisão em questão e o quantoos interesses da clientela da agência impactam nacarreira dos seus membros. Como nosso objetoempírico são reformas institucionais, essas questões

naturalmente sobressaem-se. As mudançasinstitucionais tendem a afetar o rol de competências eresponsabilidades das burocracias, seu status dentroda administração e sua capacidade de controlarrecursos para a consecução de atividades, interesses,objetivos e de manipular e estimular a participação desua clientela. Isso afeta a capacidade de sobrevivênciada própria agência ou de algumas de suas partes nolongo prazo e as possibilidades de ascensão na carreirapor parte de seus membros.

Na análise de interesses dos burocratas é importanteobservar como as carreiras são desenhadas e o quantoda vida profissional é passada na agência. Quanto maisas carreiras estejam relacionadas com uma únicaagência, mais os burocratas traduzem seus interessesem termos paroquiais e corporativistas. Por outro lado,quanto menos estruturadas, maior é a tendência de oburocrata perseguir objetivos externos aos defendidosna agência. Por fim, parte dos interesses de uma éderivada dos interesses da clientela que gravita em tornodela. Assim, é necessário analisar o quanto as decisõesem pauta afetam os interesses da clientela, quais sãoos canais de interação entre esta e os burocratas e oquão importante, à agência e aos burocratas, é o apoiopolítico dessa clientela.

Diante do exposto, resumimos o arcabouço analíticono seguinte quadro, combinando as três condições (demaneira dicotômica) e resultando em seis tipos distintosde processos decisórios:

QUADRO 1 – TIPOLOGIA SOBRE OS PROCESSOS DECISÓRIOS INTERNOS AO PODER EXECUTIVO

FONTE: O autor.

A metade superior do quadro delimita os casos nosquais o nível de envolvimento presidencial efetivo éalto e o processo decisório é marcado pela dominânciapresidencial, havendo três subtipos de processosmarcados por um interesse e envolvimento presidencialefetivo: as imposições presidenciais de subtipo I esubtipo II e o consenso presidencial. Esse tipo e seus

subtipos de processos só ocorrem em um númerolimitado de caso: os prioritários na agenda do governantee nos quais a presidência dedica total atenção,monitorando constantemente os passos dasburocracias.

A imposição presidencial de subtipo I descreve o

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processo que ocorre quando o presidente estáefetivamente envolvido em uma política que possui umaburocracia muito mais poderosa em relação às outrase que possui uma posição contrária à vontade daPresidência da República. Embora a burocracia maispoderosa possa advogar uma postura diferente daqueladefendida na presidência, ela tende a adequar-se àposição presidencial, pois, caso contrário, será minadae/ou enfraquecida. Isso porque o alto envolvimentoefetivo do presidente mina qualquer possibilidade desurgimento de conflito burocrático, pois ao presidentesempre lhe faculta a posição de adotar os instrumentosque lhe forem necessários para impor sua posiçãodentro do poder Executivo.

Já a imposição presidencial de subtipo II descreveo processo decisório que corre quando o presidenteestá efetivamente envolvido em uma questão,investindo seus esforços para a obtenção da decisãodesejada e existem algumas burocracias que disputamespaço no processo de decisão. A ação presidencialmina e minimiza o potencial conflito, premiando aagência cuja posição mais se aproxima da posição dochefe do poder Executivo. Nos casos em que um dosatores burocráticos permanece com uma posiçãocontrária, ele será enfraquecido e relegado a umsegundo. A reforma institucional torna-se entãoorientada pela ação presidencial e pela burocracia quemelhor acolhe suas proposições.

Por fim, nas situações marcadas pelo consensopresidencial, a presidência está efetivamente envolvidae não há divergência entre ela e as burocracias. Todosos atores interessados possuem a mesma posição sobrea questão e, portanto, não há espaço para o surgimentodo conflito, pois não há divergências entre as partes.Como nessa situação atípica não há burocracia composição contrária à presidencial, nenhuma seráenfraquecida ou terá sua capacidade de ação de longoprazo alterada. Dessa forma, nesse subtipo de processodecisório, a reforma é orientada pela ação orquestradada presidência e das burocracias.

A metade inferior delimita casos mais corriqueiros,nos quais o nível de envolvimento presidencial éreduzido, abrindo espaço para a ação autônoma daburocracia. Esses processos decisórios são dedominância burocrática e compõe a maior parte dasdecisões. Os principais atores são as burocraciasafetadas e interessadas e o presidente exerce papelmarginal, muito mais de árbitro de conflitos do que deator político interessado. Apesar de o envolvimentopresidencial efetivo ser baixo e a presidênciaapresentar-se como um órgão de arbitragem deconflitos, ele não é nulo. A burocracia que for capazde ativar o apoio presidencial tornar-se-á privilegiadaem relação às outras. Nesses casos, as reformas

institucionais tenderão a favorecer essa burocracia.Três tipos de processos com dominância burocráticaemergem: imposição burocrática, conflito burocráticoe concordância burocrática ou questão interna.

Quando o presidente não estiver envolvido noprocesso decisório e uma burocracia possuir recursosmais amplos que outras (sendo que o apoio presidencialé a maior fonte de poder de uma burocracia), ela imporásua vontade. Mesmo que haja oposição, o diferencialde poder não permite que outras agências barganhemou acomodem a decisão. Nesse caso estamos diantede uma imposição burocrática e a reforma institucionalé orientada pela burocracia mais poderosa.

Por outro lado, quando o nível de envolvimentopresidencial efetivo for baixo, o diferencial de poderfor baixo e houver divergências entre as burocracias,estaremos em um processo de conflito burocrático. Oresultado final desse processo é fruto da barganha ecompromisso ao longo de circuitos de comunicação,que permitem a interação entre atores estatais chaves,posicionados hierarquicamente dentro do governo. Adecisão e implementação são os vetores finais dainteração entre os atores para os quais uma decisãotem implicações. O comportamento estatal decorreránessa situação de um intrincado jogo de barganha,acomodação e compromisso entre os atores situadosnas posições chaves do poder Executivo (que nemsempre possuem objetivos e métodos convergentes).Os equilíbrios obtidos serão inerentemente instáveis,uma vez que quaisquer alterações na correlação deforças entre as burocracias em conflito gerarãopequenas alterações nas decisões finais obtidas.

Por fim, quando o presidente não estiverefetivamente envolvido e não houver divergências entreas burocracias, estaremos em uma situação marcadapela concordância burocrática, que por definição estarálivre do conflito. Um caso especial são os processosque interessam a apenas uma agência, sendo, portanto,uma questão interna que não interessa a nenhum outroórgão. Nesses processos, a reforma é orientada pelaação solitária ou pela ação orquestrada das burocracias.

V.2. Proposição de pesquisa

A partir do arcabouço teórico, derivaremos a propo-sição central da pesquisa. A hipótese refere-se àsexpectativas em relação a como esperamos que asinterações entre atores políticos do Executivo e as agên-cias burocráticas executivas afetem o resultado dosprocessos decisórios que efetivaram as mudançasinstitucionais no quadro de coordenação na políticacomercial brasileira no governo Cardoso. Esperamosque as mudanças institucionais em ambientes burocráti-cos conflituosos tendam a formar agências institucio-nalmente instáveis no curto prazo. Isto porque, o equilí-

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brio que produz a decisão é sensível às alterações nacorrelação de forças entre as burocracias. A instabilida-de institucional da política comercial durante o governoCardoso, de acordo com o prisma analítico proposto,teria suas raízes na natureza conflituosa do seu pro-cesso decisório.

VI. A CÂMARA DE COMÉRCIO EXTERIOR NOGOVERNO CARDOSO

VI.1. A criação da Camex

O que sobrou da era Carteira de Comércio Exteriordo Banco do Brasil (Cacex), principal agência deformulação da política comercial desenvolvimentista,

após o vendaval da abertura econômica e das reformasrealizadas pelo governo de Fernando Collor de Mello,foi um arcabouço institucional pulverizado, comsobreposição e partilha de competências e ausência deum organismo coordenador das ações dos ministériose agências. A debilidade era acentuada por não ser umadas prioridades do governo de Itamar Franco, no qualtoda atenção fora destinada para a questão daestabilidade monetária. Conforme pode ser identificadona Figura 1 abaixo, três ministérios dividiam asprincipais incumbências e não havia nenhuma instituiçãode intermediação para resolver questões queenvolvessem competências partilhadas6.

FIGURA 1 – APARATO INSTITUCIONAL DA POLÍTICA COMERCIAL NO GOVERNO ITAMAR FRANCO

FONTE: O autor, a partir da Lei n. 8 490, de 19 de novembro de 1992.

6 Para maiores informações sobre a política comercial brasileirano período desenvolvimentista, as reformas liberais do presi-dente Fernando Collor de Mello e o governo Itamar Franco, cf.Fernandes (2011a; 2011b).7 O Decreto n. 1 386, de 6 de fevereiro de 1995, que criou aCamex, foi assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardo-so e pelos seis ministros membros, a saber: Clóvis Carvalho,Luiz Felipe Lampreia, Pedro Malan, Dorothéa Werneck, JoséSerra e José Eduardo de Andrade Vieira, em uma demonstração,pelo menos formal, da não preponderância de nenhum dos mi-nistros sobre os outros em matéria de comércio exterior

Diante desse quadro de sobreposição institucionale buscando superá-lo, foi criada em 1995, no governode Fernando Henrique Cardoso, a Câmara de ComércioExterior (Camex), vinculada ao Conselho de Governoda Presidência da República. Essa câmara foi montadapara ser o foro consultivo de discussão e consolidaçãodas posições dos diferentes ministérios, servindo comoum ponto focal de diálogo intraburocrático, além deter a incumbência de definir as diretrizes e orientar aspolíticas de promoção às exportações, defesa comerciale negociações comerciais internacionais.

A Camex era composta por dois órgãos: a SecretariaExecutiva, incumbida da organização dos trabalhos erotinas diárias da agência e a própria Câmara de Mi-nistros, órgão máximo do comércio exterior brasileiro.O secretário executivo era nomeado pelo presidente,enquanto a Câmara era integrada pelo ministro da Casa

Civil, que representava a presidência e pelos ministériosdas Relações Exteriores (MRE); Fazenda (MF);Indústria, Comércio e Turismo (MICT); Planejamento,Orçamento e Gestão (MP); Agricultura, Pecuária eAbastecimento e Ministério do Abastecimento7.

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A CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL DA POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA

A presidência da Câmara foi exercida nos primeirosanos pelo ministro da Casa Civil, Clóvis Carvalho. E,segundo relato do próprio presidente em livro de me-mórias, o papel de Carvalho dentro do governo era dearticulação administrativa e não política, devendo, por-tanto, envolver-se com a partilha de poder adminis-trativo entre os ministérios e não na relação entre oCongresso e o poder Executivo ou entre os partidosque compunham a coalizão (CARDOSO, 2006).Ademais, é importante frisar que a posição de Carvalhocomo articulador administrativo estendia-se para todoo governo, e não apenas à política comercial. A suaincumbência como presidente da Câmara era menorentre as inúmeras atividades cotidianas exercidas peloministro8.

A Camex não assumiu atribuições operacionaissobre a política comercial. As competências dosministérios envolvidos foram mantidas, inaugurandoum estilo de coordenação interministerial sem controleda implementação. O modelo atendia à proposta dodiplomata brasileiro Rubens Barbosa, que, partindo dodiagnóstico da ausência de uma estrutura de coordena-ção durante o governo Franco, propusera o fortaleci-mento de mecanismos coordenativos em um núcleoreduzido, desburocratizado, com dedicação integral evinculado à Presidência da República. Ele sublinharaque o órgão não deveria assumir competências próprias,pois o sucesso desse inédito modelo de coordenaçãona política comercial dependeria da aceitação dos mi-nistérios, que não se disporiam facilmente a abrir mãode suas competências na temática (BARBOSA, 1994).

Em seu desenho original, a Camex, além de serligada à presidência, estava instalada no Palácio do

Planalto, o que lhe dava um grande poder convocatório.Suas reuniões possuíam a simbologia presidencial,sendo prestigiadas pelos ministros que a compunha,mesmo sem possuir competências operacionais quelhe permitissem tomar decisões impositivas. Segundorelato de um assessor especial que trabalhou na Camexem seus primeiros anos, esse momento inicial foi deprofunda riqueza criativa, mesmo na ausência decompetências formais para a realização de políticasefetivas. Nesse período, importantes instituições quese consolidaram nos anos seguintes foram criadas,entre elas, a Agência de Promoção às Exportações(APEX) e a Seguradora Brasileira de Crédito (SBCE).Segundo entrevista com ex-assessor especial, a Camexcumpriu um papel de catalisador de reorganizaçãoinstitucional do comércio exterior, sendo uma espéciede think tank público para a política comercial.

A opção pela criação de uma instituição coordena-dora sem poderes operacionais foi adotada, pois acriação de um ministério específico esbarraria nasresistências dos outros ministérios em repartir compe-tências, recursos financeiros e humanos. Os maioresfocos de resistência viriam do Ministério da Fazenda edo MRE. O primeiro perderia o poder de fixar tarifasaduaneiras e o segundo temia, além de perder poderna coordenação das negociações comerciais internacio-nais, ter de ceder parte de seu pessoal treinado, poisnão havia quadros suficientes dentro da administraçãopública federal para prestar os serviços requeridos aum Ministério de Comércio Exterior (FRANÇA, 1997).

Com a criação da Camex, a configuraçãoinstitucional do comércio exterior brasileiro ficou coma formatação demonstrada na Figura 2:

8 Entrevista com Clóvis de Barros Carvalho, realizada em 13 dejulho de 2010.

FIGURA 2 – APARATO INSTITUCIONAL DA POLÍTICA COMERCIAL NO 1º MANDATO DO GOVERNO CARDOSO

FONTE: O autor, a partir do Decreto n. 1 386, de 6 de fevereiro de 1995.

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Ademais, durante os primeiros anos da Camex nãohouve esforços por parte da Presidência da Repúblicapara superar as resistências burocráticas. A atuaçãode Fernando Henrique Cardoso no processo de criaçãoda Camex foi tímida. A reforma institucional dessa polí-tica não estava entre as prioridades. Algumas evidênciassobre isso podem ser tomadas ao analisar-se os 246discursos feitos pelo presidente em 1995, publicadosna compilação Palavra do Presidente (CARDOSO, s.d.), nos quais não há nenhum que trate de questõesinstitucionais envolvendo a política comercial e mesmoem sua proposta de governo “Mãos à Obra”, publicadanas eleições de 1994, não há referências sobre ainstitucionalidade de coordenação da política. A únicaquestão institucional tratada foi sobre a criação, noâmbito da Secretaria de Comércio Exterior do MICT(Secex), do Departamento de Defesa Comercial.

Diante das posições contrárias a qualquer reformamais agressiva, e do não envolvimento presidencial, aCamex foi uma solução de consenso para resolver oproblema da dispersão e pulverização institucional, semagredir os interesses dos ministérios envolvidos comtemas conexos. Foi uma solução limitada pela situaçãode conflito burocrático que emergiu dentro da estruturainstitucional após a reforma em negativo feita nogoverno Collor.

O modelo não exigiu maiores investimentos decapital político por parte da Presidência da República,que priorizava as políticas voltadas para a estabilizaçãoda economia e também não criou na Camex um locusque abrisse espaços na política econômica para ministé-rios menos envolvidos com o Plano Real, ainda maisse levarmos em conta que a política de importação,uma das principais faces da política comercial, foi umdos mecanismos usados para estimular as políticas decontenção de preços.

Podemos concluir até o momento que a soluçãoinstitucional encontrada com a criação da Camex visavareduzir o problema da falta de coordenação sem afetaras competências e interesses dos outros ministérios. Aprimeira fase da Camex, que foi estável durante todo oprimeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, foioperada, portanto, em um marco de concordância buro-crática. Por mais que houvesse o veto do MRE e doMinistério da Fazenda à criação de um Ministério doComércio Exterior, em nenhum momento opuseram-se à Camex, pois o modelo coordenador não ameaçavasuas competências. Ademais, a criação da agência foifacilitada pelo fato da proposta ter sido realizada nosprimeiros meses do governo, que é um momentopropício para a criação de novas instituições9.

O resultado dessa primeira reforma foi a criaçãode um foro consultivo sem capacidade de imposiçãode decisões, servindo mais como um espaço dereflexão interministerial do que uma instituiçãooperadora de políticas. O que era aprovado na Camexpodia ser alterado ou vetado pelos ministérioscompetentes na fase de implementação. Durante acriação da Camex, portanto, não houve intervençãopresidencial e nem choque entre burocracias cominteresses distintos.

VI.2. Um primeiro esboço de reforma

Em 1998 esse cenário começa a mudar com aindicação do secretário de Política Econômica do MF,José Roberto Mendonça de Barros, para o posto desecretário executivo da Camex. Essa indicaçãointegrava um amplo projeto de alteração da dinâmicados objetivos e métodos da política econômica. Entreoutras mudanças planejadas, a Camex seria fortalecidacomo organismo formulador e executor da políticacomercial. O principal fator que motivava a presidênciaa aprofundar o papel exercido pela Câmara era anecessidade de coordenação da retomada docrescimento das exportações brasileiras com aremontagem de políticas voltadas para a promoçãocomercial e às exportações.

As dificuldades enfrentadas no balanço depagamentos com o aumento das importações e comas altas taxas de juros decorrentes da política monetáriaanti-inflacionária do primeiro mandato requeriamesforços de recuperação de saldos positivos da balançacomercial de modo a complementar o ajuste fiscal,viabilizar um acerto mais rápido nas contas públicas eavançar no processo de reestruturação produtivanacional. Os saldos comerciais haviam sidosucessivamente negativos devido aos fluxos deimportações decorrentes da política de valorizaçãocambial do Plano Real (VEIGA, 2007).

Durante a passagem de Barros pela Camex, aagência foi fortalecida como órgão formulador principalda política comercial. Barros e a Camex foram apoiadospelo presidente, que, por sua vez, participou com maisfreqüência de reuniões da Câmara10. A nova concepçãoda Camex seria um arranjo informal para substituir oprojeto de criação de um Ministério de ComércioExterior (PINTO, 1998). E mais, de acordo com relatode Prado (2005), um grupo de burocratas formado

9 Segundo relato do embaixador Sérgio Amaral, em entrevista

realizada em 25 de junho de 2010, a proposta de criação daCamex teve origem em planos do próprio embaixador e do entãoministro do Planejamento José Serra.10 Entrevista com ex-assessor especial da Camex, realizada em22 de junho de 2010.

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por José Roberto Mendonça de Barros (secretárioexecutivo da Camex), Luis Carlos Mendonça de Barros(ministro das comunicações) e André Lara Resende(presidente do Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social, BNDES) esteve em constantecontato com o presidente no segundo semestre de1998, formando uma espécie de equipe econômicaparalela que ganhava força dentro do governo, e sobos auspícios da Presidência da República, com o fimde reformatar o projeto de política econômica dogoverno Cardoso.

O fortalecimento da Camex seria parte de um novorumo dado à orientação da política econômica dogoverno por meio da criação de um Ministério daProdução, que englobaria e fortaleceria o MICT e cujaperna no comércio exterior seria a própria Camex. Atarefa desse novo Ministério da Produção seria formularuma política industrial mais ativa, com ampla utilizaçãode instrumentos microeconômicos e setoriais e capazde fazer frente aos desafios decorrentes das crisesfinanceiras do final da década de 1990, sem afetar aestabilidade monetária alcançada pelo Plano Real, oprincipal ativo político de Fernando Henrique Cardoso.Nas freqüentes reuniões da equipe econômica paralela,definiam-se as bases de uma nova política econômicapara o segundo mandato. Luis Carlos seria o ministroda Produção e homem forte do governo, ocupando oespaço político pertencente à equipe econômica daFazenda, chefiada ao longo de todo o governo Cardosopor Pedro Sampaio Malan.

No entanto, o projeto foi abortado com o escândalodos grampos do BNDES em novembro de 1998. Noentendimento de Prado (idem), uma das razões doestouro do escândalo era que o Ministério da Produçãotornar-se-ia muito forte ao integrar em uma mesmapasta órgãos como o BNDES, Camex e, talvez, atémesmo o Banco do Brasil. As articulações realizadaspela equipe econômica paralela desagradaram membrosdo governo próximos e mais distantes da Presidênciada República. O desfecho da crise foi o desfazer desta,com o pedido de demissão conjunto de Luis Carlos,José Roberto e Lara Resende.

Em uma demonstração da frágil tessituraburocrática desses primeiros anos da Camex, após opedido de demissão de Mendonça de Barros, opresidente não nomeou um substituto imediato. O cargoficou desocupado por dois meses e somente no iníciodo segundo mandato o embaixador José BotafogoGonçalves, então ministro do MICT, foi nomeado paraser secretário executivo da Câmara. A razão da demorafora justificada pelo então porta-voz da presidência,Sérgio Amaral, o primeiro secretário executivo daCamex em 1995, pela ausência de rotinas burocráticasa serem executadas, uma vez que era uma instância de

articulação política e não de execução de ações(SUBSTITUIÇÕES FICAM PARA DEPOIS, 1998).

Esse episódio deixou claro que o fortalecimento daCamex durante a passagem de Barros não resultou emfortalecimento institucional. A maior presença dopresidente Fernando Henrique Cardoso na Câmara foiresultado da proximidade pessoal de seu líder e não deuma nova postura para com a política comercial. Poroutro lado, embora o projeto de fortalecimento daCamex tenha fracassado, o episódio foi uma primeirademonstração dos conflitos que surgiriam sobre ocontrole do comércio exterior, ainda que a origemessencial do conflito fosse uma disputa sobre os rumosa serem tomado na política econômica do governo,envolvendo, portanto, questões muito mais amplas queaquelas concernentes ao nosso objeto de estudo.

A natureza consensual dos projetos envolvendo ocomércio exterior elaborados na Camex, que definiuas políticas do primeiro mandato, exauriu-se com oaumento da tensão entre a equipe econômica do PlanoReal e seus opositores dentro do próprio governo. Estesúltimos encarnavam as propostas da equipe paralelados Mendonça de Barros para o fortalecimento depolíticas microeconômicas e setoriais, entre as quaisestavam as políticas de promoção e financiamento àsexportações. Aos poucos, o ambiente de consensoburocrático, no qual a Camex havia sido criada, cedeuespaço para um forte conflito burocrático entre oMinistério da Fazenda e o futuro Ministério doDesenvolvimento (antigo MICT).

Grosso modo, os “monetaristas” eram oseconomistas do governo mais alinhados com aquiloque ficou conhecido como pensamento neoliberal,defendiam um papel mais acentuado do mercado emenos intervencionista do Estado, com a adoção depolíticas industriais horizontais e uma atitude maisdraconiana contra elevações da inflação e menossensível a reduções nas taxas de crescimentoeconômico de curto prazo. Do outro lado da contenda,os “desenvolvimentistas” eram os economistas quedefendiam uma ação mais incisiva do governo paraestimular a economia, adotando medidas setoriais queestimulassem o crescimento da indústria nacional euma política de juros e tributária que sufocasse menoso setor produtivo nacional, sendo menos sensíveis àsalterações na inflação e mais preocupados com as taxasde crescimento de curto prazo. Os principaisrepresentantes do governo de cada posição seriam dolado monetarista o ministro Pedro Malan e ospresidentes do Banco Central Gustavo Franco eGustavo Loyola e, do lado desenvolvimentista, osirmãos Mendonça de Barros e o ministro José Serra(POLÊMICA SOBRE O FUTURO, 1999).

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Essa disputa traria enorme instabilidade para ainstitucionalidade coordenadora do comércio exterior.Até o final do segundo mandato de Fernando HenriqueCardoso, três importantes reformas foram realizadas,mudando o status institucional da Camex dentro daadministração e cujo resultado final não foi idealizadopor nenhum dos participantes do processo decisório.O resultado institucional final foi o vetor resultante einesperado das barganhas e compromissos entre osatores estatais chaves do Ministério da Fazenda, doDesenvolvimento e de outros ministérios membros doConselho de Ministros da Camex e envolvidos comtemas conexos ao comércio exterior. Comopreconizado no modelo analítico apresentado na seçãotrês, no qual a disputa político burocrática é conflituosaquando o envolvimento presidencial e o diferencial depoder entre atores com interesses divergentes sãoreduzidos.

VI.3. A primeira grande reforma

Mesmo após a saída da equipe econômica paralela,Fernando Henrique Cardoso anunciou a criação de umnovo ministério, mas com outra denominação: oMinistério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio(MDIC). Em discurso na CNI, em dezembro de 1998,o presidente anunciou a criação do MDIC, queenglobaria, além do MICT, o BNDES, a Suframa(Superintendência da Zona Franca de Manaus), oBanco do Nordeste e o Banco da Amazônia. Esseministério teria como missão formular políticasindustriais e de exportação e ser o ativo administrativode estímulo ao crescimento econômico. O nomeadopara a titularidade desse ministério foi Celso Lafer.Contudo, sua gestão foi breve, durando apenas seismeses. Nesse curto período, Lafer não se apresentoucomo um contraponto à política econômica doMinistério da Fazenda. Essa postura valeu-lhe críticase falta de apoio por parte do empresariado, justamentea forte clientela do MDIC, que permite que esseministério, em certas ocasiões, enfrente de maneiramais firme o Ministério da Fazenda, mesmo este últimosendo institucional e burocraticamente mais forte.Enfim, a nomeação de Lafer não trouxe perspectivasde inflexão nas políticas econômicas do governo coma adoção de medidas que dessem melhores condiçõesde competitividade ao produtor nacional, que fora atéentão prejudicado pelas políticas econômicas doMinistério da Fazenda, que focavam em primeiro planoa estabilização monetária (EMPRESÁRIOS CRITICAMDISCURSO, 1999).

Em julho de 1999, o presidente Fernando Henrique

Cardoso promoveu uma ampla reforma ministerial daqual Lafer não resistiu, pois não tinha apoio da basepartidária do governo e muito menos da poderosaclientela do MDIC (LINS, 1999). Nessa reformaaconteceu a primeira grande mudança na Camex. Osucessor de Lafer foi o então ministro da Casa Civil,Clóvis Carvalho, que, ao deixar-lá, levou a SecretariaExecutiva e a presidência do Conselho de Ministros daCamex para o MDIC, cuja denominação passou a serMinistério do Desenvolvimento, Indústria e ComércioExterior. Ainda, segundo relato de Lafer, ao assumir oMinistério do Desenvolvimento, o ministro ClóvisCarvalho requisitara a incorporação da Camex ao MDICpara fortalecer a capacidade deste ministério emproduzir políticas mais assertivas de estímulo àexportação11. A razão dessa alteração foi dada emdeclaração do presidente à imprensa, na qualdemonstrou um planejamento em torno dofortalecimento da política de comércio exterior pormeio da reestruturação produtiva e da expansão dasexportações (CARDOSO, 1999).

Por outro lado, com essa transferência, o statusinstitucional da Camex tornou-se assaz ambíguo. Aomesmo tempo em que era um órgão colegiadointerministerial, sua Secretaria Executiva encontrava-se no organograma de um ministério setorial (VEIGA& IGLESIAS, 2002; RAMOS, 2008)12. Isto porqueas atividades da Camex ainda estruturavam-se nomodelo inicial, não podendo usurpar as competênciasdo Ministério da Fazenda e do MRE, o que deixavaclaro como o novo posicionamento do fórum no MDICera potencialmente conflituoso. Essas restrições sãoevidentes, pois em todos os decretos da Camexpublicados a partir de 2001 constam limitações às suascompetências nos campos de atuação da Fazenda e doMRE.

Em relação ao Ministério da Fazenda, os decretosque criam e reformam a Camex indicam que ela deverespeitar o exposto no artigo 237 da ConstituiçãoFederal, que dispõe sobre o controle e a fiscalizaçãodo comércio exterior e competências do ConselhoMonetário Nacional e do próprio Ministério da Fazenda,no que toca à política de financiamento e de seguro àsexportações. Já sobre o MRE, a Camex tem estipuladoque no âmbito da promoção comercial e da

11 Entrevista concedida ao autor em 22 de junho de 2010.

12 De acordo com reportagens na mídia, a alteração do locus daCamex teve participação fundamental de Carvalho, que, ao sernomeado para o MDIC, levou-a consigo (RAMOS, 2008). Ade-mais, segundo relatos de ex-assessores da Camex, a transferênciadeste órgão da Casa Civil para o MDIC foi em muito dependen-te da idiossincrasia de Clóvis Carvalho, que considerava a Camexuma de suas maiores obras no governo Fernando Henrique Car-doso.

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representação do governo na Alca, Mercosul e OMC,as competências de coordenação são do MRE.

Com o desenrolar dos fatos, o potencial conflitoentre o Ministério da Fazenda e o Ministério doDesenvolvimento tomou corpo e espaço. Os membrosdo governo que criticavam a política econômicaencontraram no MDIC um abrigo para fazer oposiçãointerna. Ressalvamos que isso não significa que oconflito dentro do governo Cardoso tenha começadoaí. A criação do MDIC foi um evento na disputa entredesenvolvimentistas e monetaristas. O fato crucial eraque, no MDIC, os desenvolvimentistas encontraramum abrigo institucional que lhes conferia maiormusculatura na disputa com os monetaristas.

Além disso, as questões em jogo excediam o campoda política comercial. Havia uma forte disputa sobrecomo orientar a política econômica como um todo. Ocomércio exterior era, no debate entre desenvolvimen-tistas e monetaristas, apenas uma pequena faceta dadesavença. Mas, mesmo assim, o conflito teve fortesreverberações no comércio exterior e na Camex. Oforo de discussão interministerial vislumbrado naCamex transformava-se, então, em uma agência àdisposição dos interesses da burocracia desenvolvimen-tista. Isso posto, ainda que a ida da Camex ao MDICtenha fortalecido esse ministério, a Câmara tornou-semenos apta à coordenar o comércio exterior, reduzindosuas ambições a assuntos mais limitados às políticasde importação e exportação, conforme relatamosabaixo.

Mas em um sinal da fraqueza política do MDIC emrelação às forças monetaristas, mesmo com a incorpo-ração da Camex e do BNDES, Carvalho, que fora oprincipal líder administrativo do primeiro mandato,deixou o ministério em menos de dois meses devidoàs repercussões dos primeiros enfrentamentos com oMinistério da Fazenda. Em um seminário sobre “Desen-volvimento e Estabilidade”, promovido pelo InstitutoTeotônio Vilela, do próprio partido de Fernando Henri-que Cardoso, o PSDB, Carvalho criticou duramente apolítica econômica do Ministério da Fazenda, dizendoque “ajustes não podem ser entendidos como camisade força para iniciativas voltadas para o desenvolvi-mento, o excesso de cautela a essas alturas será o ou-tro nome para covardia” (MEIRELES, 1999). Segundoentrevista concedida pelo presidente Fernando HenriqueCardoso ao jornalista Geneton Moraes (2005), ademissão de Carvalho foi necessária para proteger apolítica econômica, em um momento de grandesensibilidade do mercado13. “[Carvalho] era o chefe

da Casa Civil; tinha ido para o ministério doDesenvolvimento e Indústria. De repente, por umainfelicidade, a mídia colocou um choque entre ele e oministro da Fazenda, Pedro Malan. Eu tinha de apoiara política financeira. Clóvis era um sujeito excepcional.Tive de chamá-lo, eu mesmo: ‘Clóvis, não dá mais’”(idem).

Esse acontecimento deixou claro que, por mais queem seus discursos a Presidência da Repúblicaapresentasse novos horizontes na políticamacroeconômica, as prioridades não haviam mudado.No momento de tensificação do conflito entre asburocracias do Ministério do Desenvolvimento e doMinistério da Fazenda, a presidência inevitavelmentedefendeu os interesses da última. As restrições externasao poder Executivo, originadas nos mercados e nascrises financeiras internacionais, impediam-no de adotarmedidas que afetassem a credibilidade e estabilidadeeconômica do país. As prioridades estavam associadasaos interesses defendidos pela equipe de Malan. Asdemonstrações de apoio de Fernando Henrique Cardosoao MDIC eram sempre refutadas quando essasagências entravam em rota de colisão com a burocraciafazendária, principalmente quando os embatesenvolviam temas referentes aos rumos da políticaeconômica.

Além das restrições impostas à presidência e a todogoverno sobre a necessidade de manutenção dacredibilidade econômica do país, não podemosdesconsiderar o fato de que mesmo sendo incitado aestimular o debate sobre a política econômica, oMinistério do Desenvolvimento é sensivelmente maisfraco que o Ministério da Fazenda do ponto de vistade sua estruturação institucional e em razão dosrecursos burocráticos disponíveis. O Ministério daFazenda é, sem sombra de dúvidas, o ministério maisforte entre todos os que estão envolvidos com temasdo comércio exterior. Alguns dados a respeito dosrecursos burocráticos disponíveis ao Ministério daFazenda são apresentados a seguir.

13 O ano de 1999 foi um momento de grande perturbação

econômica devido às crises financeiras nos países emergentesque reduziu substantivamente o fluxo de capitas estrangeirospara a economia brasileira, culminando com o fim do câmbio fixoe a forte depreciação cambial em janeiro de 1999.

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Os gráficos 1, 2 e 3 mostram as despesasdiscricionárias14, as despesas com pessoal e o númerode servidores de cada um dos cinco ministériosintegrantes da Camex (fora a Casa Civil, que é orepresentante da presidência). A curva de gastosdiscricionários e com pessoal do Ministério da Fazendaé superior às dos outros. Os gastos do MDIC, por suavez, não foram alterados em nenhum dos gráficos em1999, mesmo que sua importância tenha sido frisada

em discursos feitos pela presidência. No Gráfico 3,evidenciam-se as diferenças entre os ministérios noque se refere aos recursos humanos disponível. Maisuma vez, o Mistério da Fazenda é mais robusto do quequalquer um dos outros ministérios. Segundo os dadosapresentados nos gráficos 1, 2 e 3, a criação do MDICnão teve consequência na relação entre os recursosdisponibilizados ao ministério e os recursosdisponibilizados aos outros.

GRÁFICO 1 – DESPESAS DISCRICIONÁRIAS TOTAIS (EM R$ BILHÕES)

FONTE: Secretaria do Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

GRÁFICO 2 – DESPESA DE PESSOAL DO PODER EXECUTIVO (R$ BILHÕES CORRENTES)

FONTE: Secretaria do Orçamento Federal do Ministério do Planejamento,Orçamento e Gestão.

14 Segundo a Secretaria do Orçamento Federal do Ministério doPlanejamento as despesas discricionárias são as que permitemao gestor público flexibilidade quanto ao estabelecimento do

montante, assim como quanto à oportunidade da execução, e sãoefetivamente as que concorrem para produção de bens e serviçospúblicos.

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De posse das informações apresentadas nestasubseção, é possível concluir que no início do segundomandato o principal conflito burocrático que afetou ocomércio exterior foi o que se desenvolveu entre oMDIC e o Ministério da Fazenda. Este afetaria a institu-cionalidade da Camex, pois, além de ser um órgãorecente e que passara por importante mudança, elaestava do lado mais fraco da contenda. De um lado,

isso impediria que mudanças que afetassem os princí-pios da política econômica fazendária frutificassem.Por outro lado, seriam efetuados avanços em temasmais específicos à política comercial entre os anos de1999 e 2002, ainda que houvesse oposição de algumasagências situadas dentro da estrutura administrativado Ministério da Fazenda, a Receita Federal, conformeapresentamos nos próximos parágrafos.

GRÁFICO 3 – FORÇA DE TRABALHO POR MINISTÉRIOS (1000 SERVIDORES)

FONTE: Secretaria do Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

VI.4.Imposto de Importação e o fortalecimento daCamex como órgão do MDIC

Apesar do redesenho institucional do comércioexterior ser, com a ida da Camex para o MDIC, umaindicação do fortalecimento do ministério, a queda deCarvalho demonstrou de modo contundente que apolítica comercial estava subordinada às necessidadese vicissitudes das políticas relacionadas com aestabilidade monetária. O passo seguinte na tramapolítica foi o convite feito pelo próprio ministro Malana Alcides Lopes Tápias, então presidente do GrupoCamargo Corrêa para assumir o cargo de ministro dodesenvolvimento em setembro de 1999. Nessascondições políticas pouco propícias, os primeirosmeses de Tápias à frente do MDIC não foramprofícuos. Entre os motivos levantados, além doslimites impostos pelo Ministério da Fazenda, constatambém a falta de controle por parte do ministro dedois dos principais cargos do MDIC: o BNDES e aSecretaria Executiva da Camex, ocupada pelo diplomataBotafogo Gonçalves.

José Botafogo Gonçalves fora nomeado pelopresidente e protagonizou uma situação bastanteespecial. Além de ser da Camex, também era diplomata,

o que lhe permitia uma aproximação em alto nível como MRE. Botafogo orientava sua gestão mais para ocampo das relações internacionais do que para o campoda promoção e estímulo às exportações ereestruturação produtiva da indústria, que seria o novofoco que Tápias traria para o MDIC e para o comércioexterior. Ademais, conforme relatado por ex-secretárioexecutivo e por ex-assessores especiais da Camex ementrevistas feitas com o autor, a gestão de Botafogofoi a última tentativa de estabelecer-se umadiferenciação, inevitável no médio prazo, entre Camexe MDIC. Dado suas habilidades diplomáticas e seutrânsito em outras instâncias fora do MDIC, Botafogomanteve um foco interministerial que seriainevitavelmente perdido por seus sucessores. Dessamaneira, ilustra-se que embora a Camex tenha ido parao MDIC em 1999, apenas em 2000, após a queda deClóvis Carvalho e a ascensão de Alcides Tápias, é queo ministro do desenvolvimento indicou o secretárioexecutivo da Camex.

O escolhido por Tápias foi Roberto Giannetti daFonseca, um importante empresário envolvido com ocomércio exterior brasileiro, vice-presidente da Funcex(Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior),

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com boas relações com a Fiesp (Federação dasIndústrias do Estado de São Paulo) e o com oempresariado nacional, sobretudo paulista. Formava-se, assim, uma liderança na administração do comércioexterior brasileiro cuja origem profissional estavanitidamente conectada ao empresariado paulista edistante das lideranças burocráticas e partidárias,representando um marco na evolução das relações entreMDIC e Camex.

O ministério a partir de então se tornou o principalrepresentante da indústria e a Camex um instrumentopara a adoção de políticas favoráveis ao setor produtivonacional15. Essa imbricação entre MDIC e empresa-riado foi a principal fortaleza do ministério. Sua clientelafoi um dos grupos de interesse mais bem organizadose com maior capacidade de pressão sobre o governo.

Contudo apesar da indicação de Giannettirepresentar um fortalecimento de Tápias e do MDIC,a Camex ainda funcionava segundo a lógica de seuperíodo na Casa Civil. Era um órgão consultivo ecoordenativo, sem capacidade de deliberação eoperacionalização de políticas. Dessa maneira, tudo oque era deliberado na Câmara tinha que ser executadoisoladamente pelos ministérios. A Camex não tinha opoder de decidir de facto sobre o comércio exterior,apenas podia aconselhar os ministérios e solicitar quecumprissem com o que era combinado no Conselhode Ministros.

Esse desenho era pouco funcional à nova posturada Camex, subordinada ao MDIC e não mais à CasaCivil. A mera deliberação consultiva seria muito menosútil do que foi durante a sua fase no Palácio do Planalto,quando suas deliberações podiam ser executadas como uso do poder de atração da presidência. Agora, asiniciativas deveriam ser promovidas por um ministérioque não era o principal ator da administração pública,o que dificultava em muito fazer com que os outrosmembros cumprissem com aquilo que era acordadoem sua plenária. Essa condição deteriorou-se ainda maisquando a Secretaria Executiva da Camex deixou deser um cargo de nomeação da presidência e passou aser indicada pelo próprio ministro do desenvolvimento.Esse modelo esdrúxulo que fora o vetor resultante dojogo de força entre aqueles que tentavam modificar a

política econômica e aqueles que desejavam mantê-lafoi, ao longo do segundo mandato de FernandoHenrique Cardoso, um fator importante no processode tensificação das relações burocráticas entre osenvolvidos com o comércio exterior e com a políticaeconômica de maneira mais ampla.

Durante a gestão de Tápias e de Giannetti, oprincipal conflito do MDIC e da Camex contra oMinistério da Fazenda foi em relação aos controles quea Secretaria da Receita Federal exercia sobre políticasaduaneiras e de incentivos às exportações. O objetivoera tornar a Camex o órgão responsável pelosinstrumentos comerciais que influenciavam em curtoe médio prazo o desempenho das empresas nacionaise também as políticas de defesa comercial e depromoção às exportações. Segundo a leitura do MDIC,a política aduaneira deveria ser considerada uminstrumento regulatório de política industrial e nãofiscal, devendo, portanto, ficar sob os seus auspíciose não sob o controle de um órgão orientado para aarrecadação. Tendo caráter regulatório, a transferênciadas tarifas de importação e exportação para a Camexnão feriria o artigo 237 da Constituição.

Um fato relevante na passagem de Giannetti e deTápias foi a diferente tonalidade da disputa política quetravaram. A disputa contra o Ministério da Fazenda eem especial com a Receita Federal tinha como foco ofortalecimento de instrumentos específicos de políticaindustrial e comercial e não mais a posturaconservadora sobre toda a política econômica, que forao foco das críticas da equipe econômica paralela e deClóvis Carvalho. Nesse campo, a vitória dosmonetaristas fora arrasadora. A ênfase na estabilizaçãomonetária era repetida como mantra por todo ogoverno. Tápias e Giannetti tinham um foco menosambicioso. Pretendiam transformar a Camex em umórgão executor, retirando certos poderes de decisãodo Ministério da Fazenda.

As alterações defendidas pelo MDIC e pela Camextinham duplo significado: a diminuição do poderfazendário e o fortalecimento institucional da Câmaracomo órgão executor da política comercial. Asdivergências tomaram grandes proporções, sobretudoporque requeriam a redução de competências da ReceitaFederal e embora esta última fosse um órgãosubministerial, ela era forte burocraticamente. Seu papelfoi fundamental para o sucesso do Plano Real, quandoadquiriu capital político para enfrentar um ministériodesenhado para ser o grande ministério do segundomandato.

Segundo informações veiculadas na imprensa, aReceita Federal resistia às investidas de Tápias eGiannetti, pois sua opinião era que os tributos possuíam

15 Essa característica mostrou-se mais forte no governo Lula,quando dois famosos personagens do setor produtivo foramindicados para comandar o Ministério do Desenvolvimento. Osministros Luiz Fernando Furlan e Miguel Jorge. O primeiroocupou funções na Fiesp, além de ser presidente do conselho deadministração do grupo Sadia, e o segundo construiu sua carrei-ra profissional nas indústrias Autolatina e Volkswagen e no Ban-co Santander Banespa.

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A CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL DA POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA

várias funções, ora se enfatizando a arrecadação ora aregulação de mercados. Desta sorte, sendo papelexclusivo do Ministério da Fazenda, em especial daReceita Federal, a gestão e arrecadação de impostos etributos, a transferência de competências sobre a gestãoda política aduaneira e de instrumentos de incentivo àsexportações para a Camex não seria constitucional(GIANNETTI QUER MAIS RECURSOS, 2000). Nesseembate, é necessário considerarmos o fato que osecretário da Receita Federal, Everardo Maciel, queocupou o cargo durante toda era Fernando HenriqueCardoso, foi fortalecido durante o primeiro mandatodevido às necessidades de se produzir aumentos daarrecadação em decorrência dos ajustes fiscais oriundosdo Plano Real, da política econômica desenhada peloMinistério da Fazenda, dos ajustes feito com os estadosda federação e com outros entes públicos que sefinanciavam com o imposto inflacionário. O que sesomou à já louvável capacidade técnica e conhecimentoda máquina pública dos funcionários da Receita Federalpara expandir a arrecadação.

As taxas de crescimento da arrecadação por parteda Receita Federal entre 1992 e 2002 sempre esteveacima dos 10% e a evolução de sua arrecadação foienorme, tendo crescido aproximadamente 187,5%entre 1995 e 2002. A Tabela 1 retrata essa evolução e

demonstra que os impostos aduaneiros não eram osmais importantes da composição dos recursosarrecadados. Apenas cerca de 5% da arrecadação eradecorrente dos impostos de importação

Dito isso, fica claro que essa transferência decompetências não afetaria o ajuste fiscal. A naturezada posição contrária da Receita às reformas justifica-se em termos da sua luta pela preservação decompetências e de sua missão institucional. Algo naturalem uma burocracia estruturada, conforme previsto naliteratura sobre a política burocrática. É importantesublinhar também que a Secretaria da Receita Federalera um organismo com forte tessitura administrativa,possuindo uma das carreiras mais bem estruturadasdentro do Ministério da Fazenda.

Na opinião de Giannetti, junto com o Banco Central,era a carreira mais consolidada no Ministério daFazenda. Uma demonstração da força da ReceitaFederal foi a permanência de Everardo Maciel, umfuncionário de carreira, no cargo de chefia durantetodo o governo. Dito isso, conclui-se que a ReceitaFederal tinha capital e força política para enfrentar oMDIC, sobretudo quando se tratasse de uma disputaburocrática que envolvesse ameaças às suascompetências e missão16.

TABELA 1 – EVOLUÇÃO DA ARRECADAÇÃO PELA RECEITA FEDERAL (R$ MILHÕES CORRENTES)

FONTE: Secretaria da Receita Federal do Brasil.

NOTA: Arrecadação de 1992 a 1994 (até junho) convertida pela URV média mensal.

16 Entrevista com Roberto Giannetti da Fonseca, realizada em5 de maio de 2010.

A estrutura burocrática nessa instituição desenha-se a partir das carreiras de Auditoria Fiscal e de AnáliseTributária (AFRFB e ATRFB). A entrada na agência ésemelhante à entrada no MRE, que é o ministério quepossui a burocracia mais bem estruturada da

administração federal. Após as provas do concurso,há um programa de formação profissional executado

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pela Escola de Administração Fazendária. Concluídaessa etapa, os aprovados são nomeados pelocoordenador geral de recursos humanos do Ministérioda Fazenda. Após a abertura comercial foram realizadosdezoito concursos para Auditoria Fiscal e Tributáriada Receita Federal, seis no primeiro mandato deFernando Henrique Cardoso e sete no segundo (Tabela2). Já as informações sobre o número total deingressantes nessas carreiras demonstram como aReceita Federal foi fortalecida no primeiro mandato deFernando Henrique Cardoso: nada menos do que 46,1%do total de ingressantes a partir de 1995 entraram nesseperíodo (Tabela 3).

Do outro lado da contenda, embora o MDIC e aCamex não sejam órgãos com carreiras estruturadasque criem solidariedade e interesses comuns no longoprazo em torno da preservação e expansão decompetências e recursos17, Tápias e Giannettipossuíam uma clientela importante e com vínculosmuito fortes. Os próprios burocratas eram oriundosdesse grupo de interesse. Giannetti tem uma longahistória no comércio exterior, na Fiesp e na Funcex.Tápias foi vice-presidente do Bradesco, presidente daFebraban (Federação Brasileira de Bancos) entre 1991e 1994, membro de diversos conselhos empresariais,

TABELA 2 – NÚMERO DE CONCURSOS PARA A RECEITAFEDERAL (AUDITORIA FISCAL E TRIBUTÁRIA)

Mandatos n. de concursosrealizados(AFRFB e ATRFB)

1990-1994 1

1995-1998 6

1999-2002 7

2003-2010 4

FONTE: Secretaria da Receita Federal do Brasil.

TABELA 3 – INGRESSOS NA RECEITA FEDERAL DO BRASIL A PARTIR DE 1995 POR CONCURSO PÚBLICO

FONTE: Boletim Estatístico de Pessoal da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orça-mento e Gestão.

18 Segundo o verbete sobre Alcides Lopes Tápias encontradono banco de dados do Cpdoc-FGV (Centro de Pesquisa e Docu-mentação de História Contemporânea do Brasil), a sua indicaçãopara o MDIC teria levado em conta os fatos que Tápias eraconsiderado independente em relação aos setores que divergiamsobre a política econômica de Fernando Henrique Cardoso (odebate entre monetaristas e desenvolvimentistas), era apartidárioe tinha grande interlocução com os setores produtivos.19 Reportagem da Folha de S. Paulo trata as relações entreTápias e o empresariado da seguinte forma: “quem assistiu àposse do ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias, costu-ma dizer que boa parte do PIB brasileiro esteve presente. Essa é

presidente do Grupo Camargo Corrêa entre 1996 e1999, presidente do conselho de administração daUsiminas e da São Paulo Alpargatas18.

Dessa forma, o conflito se articulava entre umaReceita Federal fortalecida, estruturada do ponto devista burocrático, com uma liderança atipicamente fortee que não aceitava a redução de suas competênciascontra uma agência interministerial alocada numministério setorial e mais fraco em relação a seuadversário, mas com fortes conexões com um dosgrupos de interesse mais relevantes da sociedade – oempresariado paulista e exportador19.

17 A principal carreira dentro do MDIC é a carreira de Analistade Comércio Exterior, criada somente em 1998 (Lei n. 9 620, deabril de 1998). Diferentemente das carreiras dos Ministérios daFazenda e das Relações Exteriores, o MDIC não possui umaescola própria de formação de seus servidores. Após serem apro-vados nas provas, os candidatos à analista de comércio exteriorparticipam de cursos de formação da Escola Nacional de Admi-nistração (ENAP) do MPOG. Segundo dados fornecidos pelaAssociação dos Analistas do Comércio Exterior, existem hojecerca de 240 Analistas de Comércio Exterior, a grande maiorialotada no Ministério do Desenvolvimento, que ingressaram nacarreira por meio de quatro concursos públicos, realizados em1998, 2000, 2002 e 2008.

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A CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL DA POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA

Em janeiro de 2001, após um longo embate, Tápiase Giannetti obtiveram duas importantes vitórias. ACamex passou a tomar decisões obrigatórias por meiode “Resolução”, superando o caráter consultivo quelimitara o seu raio de ação. Assim, além de apenasestabelecer diretrizes, a Camex poderia tomar decisõesobrigatórias, transformando-se em um órgão colegiadodeliberativo semelhante ao Conselho MonetárioNacional. As “Resoluções” deviam ser tomadas emconsenso pelos ministros da Casa Civil, do Desenvol-vimento, da Fazenda, da Agricultura e Relações Exterio-res. A Camex tornou-se, além de uma instância intermi-nisterial de interlocução, um órgão “com dentes”.

A outra vitória foi ganhar competência para decidir,por meio das resoluções, as alíquotas dos impostos deimportação e exportação, podendo impor tambémmedidas de defesa comercial20. Antes, os impostos deimportação e exportação eram decididos pelo Ministérioda Fazenda e as medidas de defesa eram tomadas emato conjunto por esse ministério e pelo Ministério doDesenvolvimento. O Decreto n. 3 756 também criouo Comitê Executivo da Camex, composto pelossecretários executivos dos ministérios que a integram,mais o secretário de comércio exterior do MDIC, osecretário da Receita Federal, o secretário de AssuntosInternacionais do Ministério da Fazenda e o diretor deAssuntos Internacionais do Banco Central. Esse comitêapoiaria o Conselho de Ministros, manifestando-sesobre as matérias que seriam decididas nesse conselho.De maneira curiosa, em junho de 2001, justamentedurante sua melhor fase, quando conseguiu obter suasprincipais vitórias, o ministro Tápias pediu demissão(CANTANHÊDE, 2001). De acordo com as impres-sões de Giannetti, a saída de Tápias foi motivada mais

por questões pessoais e por um desprezo pela disputapor poder entre as burocracias, do que pelo enfra-quecimento do MDIC21.

VI.5.Redução do conflito e diminuição do escopo daCamex e do MDIC

O sucessor de Alcides Tápias foi o ministro eembaixador Sérgio Amaral, que tomou posse em agostode 2001. Seus planos para o ministério também sefocaram no comércio exterior e na política de promoçãoàs exportações. A política econômica monetarista doMinistério da Fazenda, baseada na estabilidade eequilíbrio macroeconômico, tinha se tornado a principalprioridade do governo. Nenhuma burocracia que sepredispusesse a enfrentá-la sairia vitoriosa da disputa.No governo Cardoso, ficou claro o seguinte padrão:todos que ensaiaram uma argumentação mais crítica àpolítica econômica realizada pelo Ministério da Fazendaforam enfraquecidos e derrotados.

O próprio Ministério do Desenvolvimento, que foracriado para contrapor-se ao Ministério da Fazenda,sofreu as principais conseqüências disso. Nos quatroanos do segundo mandato de Fernando HenriqueCardoso, nada menos do que quatro diferentes ministrospassaram pelo ministério, sem contar o seu mentor, LuisCarlos Mendonça de Barros, que caiu antes de assumire nem mesmo chegou a ocupar a cadeira que desenhou.O único espaço político que restava era para a discussãode questões mais específicas do comércio exterior, quenão afetassem a política econômica monetarista realizadapelo Ministério da Fazenda, justamente o caminhoadotado pelo MDIC e pela Camex na gestão de Tápias ede Giannetti. No Quadro 2, apresentamos quais foramas liderança burocráticas analisadas ao longo do estudo,de modo a salientar a instabilidade vigente no MDIC ena própria Camex ao longo do governo Cardoso.

a força do ministro, que na semana passada voltou a se desenten-der com o Ministério da Fazenda. [...] Tápias continua com ofirme apoio dos industriais, sobretudo os paulistas. Segundo aassessoria de imprensa da Fiesp, o presidente da organização,Horacio Lafer Piva, claramente apoia Tápias em sua disputacom o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel. O presi-dente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), deputadoCarlos Eduardo Moreira Ferreira (PFL-SP), diz que o ministro éum bom interlocutor da indústria no governo. A chegada deRoberto Giannetti da Fonseca para presidir a Camex (Câmara deComércio Exterior), a convite de Tápias, só reforçou a relação doDesenvolvimento com o empresariado paulista e com os expor-tadores. Na iniciativa privada, Giannetti sempre ocupou cargosvoltados para o comércio exterior” (CANTANHÊDE, 2000).20 Medida Provisória n. 2 113/27, que tratou das competênciasda Camex em decidir sobre a política aduaneira e o Decreto n. 3756, de fevereiro de 2001, que deu o poder de decisão por meiode resolução a Camex.

21 Entrevista com Roberto Giannetti da Fonseca, realizada em5 de maio de 2010.

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O último ministro do desenvolvimento do governoCardoso, o embaixador Sérgio Amaral, foi muito menosbelicoso que o seu antecessor22, assemelhando-se porconta disso ao período de Lafer. O conflito com aReceita Federal já se encerrara favorecendo a Camex,que agora era competente para decidir sobre impostosde importação, exportação e defesa comercial. Deacordo com relatos, a indicação de Amaral fora feitapara reduzir a estridência do conflito entre o Ministériodo Desenvolvimento e o Ministério da Fazenda. Emsua gestão houve uma diminuição das pretensões etambém uma redução do escopo das atividades e dacapacidade propor e formular políticas que afrontassemas necessidades fiscais do Ministério da Fazenda porparte do MDIC. Amaral fora membro da equipeeconômica que formulou o Plano Real, quando ocupouo cargo de chefe do gabinete do Ministro da Fazendaem 1994, o que lhe permitia melhor trânsito com aburocracia fazendária, uma vez que não era visto comoalguém incompatível com as diretrizes da políticaeconômica focada em instrumentos horizontais daequipe liderada por Malan.

Em outubro de 2001, dois meses após a posse deSérgio Amaral, a Camex sofreu nova reforma em suaestrutura institucional, com a promulgação do Decreton. 3 981. As principais mudanças foram a transformaçãodo Comitê Executivo (Comex) no Comitê de Gestão daCamex, conhecido como Gecex, que trabalharia em

conjunto com o Conselho de Minis-tros; a reinclusãodo Ministério do Planejamento nesse conselho e aalteração do escopo das funções exercidas pela Camexcomo fórum coordenador da política comercial.

De acordo com um ex-secretário executivo daCamex, o Gecex foi criado para solucionar o problemagerado pela regra do consenso dentro do Conselho deMinistros. Quando não se era possível alcançar oconsenso, a questão tinha de ser levada à presidência.No entanto, o presidente não era afeito a tomar decisõesem matéria de política comercial, pois não se consideravasuficientemente conhecedor da matéria. Segundo orelato, o presidente queria apenas exercer o papel deconsultor e conselheiro e não de tomador de decisões.Dessa maneira, era um grande constrangimento levaruma questão sobre a política comercial para a decisãoda presidência. Dessa forma, o Gecex seria um novoórgão filtrador das questões mais controversas, servindocomo foro para as discus-sões entre os secretáriosexecutivos dos ministérios envolvidos com a Camex. Oque era tratado no Gecex e não obtinha o consenso,acabava por não ser passado ao Conselho de Ministros.No entanto, isso não quer dizer que as grandes questõeseram decididas no Gecex. Muitas questões importantesforam deixadas de lado quando os secretários executivosnão chegarem a entendimentos mínimos sobre qualdecisão deveria ser tomada (FERNANDES, 2011b).

Outro ponto fundamental dessa terceira e menorreforma está na mudança do escopo das funções daCamex. Deixou de ser um organismo formulador, poisseus objetivos tornaram-se apenas a adoção, aimplementação e a coordenação das políticas de

FONTE: O autor.

QUADRO 2 – MINISTROS DA FAZENDA E DO DESENVOLVIMENTO E SECRETÁRIOS DA RECEITA FEDERAL E DACAMEX DURANTE O GOVERNO CARDOSO

22 Em entrevista com funcionário do MDIC, foi-nos reveladoque o período Amaral foi um momento de acomodação após osinúmeros conflitos e rusgas criadas no período de Tápias eGiannetti.

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A CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL DA POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA

comércio exterior23. Após a transferência da Camexpara o MDIC e de seu fortalecimento em fevereiro de2001, ela perdeu a competência de formular a políticade comércio exterior (RAMOS, 2008)24.

Essa alteração demonstra uma perda de statussimbólico da Camex dentro da administração federal.A redução de sua capacidade de formulação foiresultado da adequação do MDIC aos limites da políticaeconômica monetarista ao longo do segundo mandatode Fernando Henrique Cardoso, o que demonstra adisfuncionalidade que a transferência da Camex paraum ministério setorial trouxe para a sua capacidade decoordenação interministerial. Isso porque a Câmaradeixara de ser um órgão supraministerial, tornando-se, na prática, uma agência de coordenaçãointraministerial, de pouco alcance, ao ser subordinadaao Ministério do Desenvolvimento, que não é o maisforte dentro da administração federal.

Na Figura 3 apresentamos a estrutura institucionalda política comercial no final do segundo mandato dogoverno Cardoso, demonstrando a posição do Conselhode Ministros da Camex dentro do governo federal. Comoconseqüência dessa nova institucionali-dade, apuramosque durante o governo Lula os ministros deixaram defreqüentar a plenária principal, sendo representados namaior parte das vezes por seus secretários executivos.Dessa forma, a Camex acabou ao longo do tempoespecializando-se apenas na operacionalização cotidianade assuntos tópicos, que embora sejam importantes no

curto prazo, não orientam a formação de uma estratégiacomercial de longo alcance (FERNANDES, 2011b).

Embora a transferência ministerial da Camex tenhasido importante para o fortalecimento do MDIC, issorestringiu a capacidade de coordenação que o seu projetoinicial buscava proporcionar para o sistema de comércioexterior como um todo. A Câmara tornou-se parte erefém de um dos interessados nas disputas: oempresariado representado dentro do MDIC. Alémdisso, perdeu o poder de convocação que a proximidadecom a presidência lhe conferia. Para Giannetti, que foio primeiro secretário executivo da Camex indicado porum ministro do desenvolvimento: “Na prática o queaconteceu é que a Camex passou a ser na verdade, quaseum órgão assessor do Ministério do Desenvolvimento efoi totalmente desfigurada de sua missão original. Elasaiu da Presidência da República para ser subordinadaao Ministro do Desenvolvimento, da Indústria e doComércio, onde o presidente da Camex não é oPresidente da República, mas o Ministro doDesenvolvimento, por delegação do Presidente daRepública; portanto, o Ministério do Desenvolvimentoé que articula com os outros Ministérios a política decomércio exterior, junto com o secretário executivo daCamex [...] mas ele (o MDIC) é parte conflitante, entãofica difícil ser também coordenador. É a mesma coisase você colocasse num time de futebol um jogador paraser o técnico [...]” (Giannetti apud RAMOS, 2008).

23 Artigo n. 1 do Decreto n. 3 981, de 24 de outubro de 2001.24 Essa função foi posteriormente restabelecida no início dogoverno Lula. Alguns membros da Camex, que serviram nessa

FIGURA 3 – APARATO INSTITUCIONAL DA POLÍTICA COMERCIAL NO SEGUNDO MANDATO DO GOVERNOFERNANDO HENRIQUE CARDOSO

FONTE: O autor, a partir do Decreto n. 3 981, de 24 de outubro de 2001.

época, revelaram-nos que essa mudança não teve impacto nocotidiano administrativo da Câmara.

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Ramos (idem) inferiu, a partir de entrevistas comatores e observadores da política comercial brasileira,que a supressão da atribuição de formular a política decomércio exterior teria sido resultante do jogo depressões políticas e de poder inerente ao sistema políticobrasileiro que, por sua vez, obrigava que algumasconcessões na administração pública fossem realizadasdevido a débitos da coalizão política ou de interessesorganizacionais envolvidos. Uma das hipótesesaventadas por Ramos (idem) é que a possibilidade decriação de um super ministério, veiculada durante asgestões de José Botafogo Gonçalves e de JoséMendonça de Barros na Secretaria Executiva da Camex,já teria sido suficientemente assustadora para osministérios, de modo que o fortalecimento do seucolegiado foi constantemente combatido. No entanto,a partir das informações que obtivemos ao longo denossa pesquisa, a hipótese é equivocada, uma vez queos maiores conflitos entre o Ministério da Fazenda e oMDIC foram amenizados durante a gestão de SérgioAmaral.

A redução do escopo da Camex não deve seratribuída à possibilidade de criação de um superministério, mas sim ao resultado não esperado deconflitos entre burocracias. Essa mudança teria sidofruto de um processo de acomodação das ambiçõesdo Ministério da Fazenda e do MDIC. Em resumo, oresultado do enfraquecimento da Camex foi o vetorfinal da interação entre os atores que estiveramenvolvidos no conflito burocrático mais estridenteocorrido durante o governo Cardoso, como previstono modelo teórico.

VII. CONCLUSÕES

Nesta última e conclusiva seção são reunidos eresumidos os achados empíricos. Após, sãocomparados com as proposições teóricas,esclarecendo o quanto estas esclarecem o processode reformas da institucionalidade da política comercialbrasileira. Por fim, concluímos os argumentos queencadeiam a análise sobre a evolução institucional doarcabouço de coordenação da política comercial aolongo do governo Cardoso.

A evolução institucional do arcabouço decoordenação da política comercial no período estudadonão foi caracterizada unicamente por processosburocráticos conflituosos. Apesar da natureza docomércio exterior ser complexa e de carátermultifacetado, envolvendo diferentes ministérios, emuma razoável gama de assuntos, durante o primeiromandato de Fernando Henrique Cardoso o processode criação do modelo institucional da Camex foirealizado em um ambiente de razoável concordânciaburocrática. A decisão adotada era aceita por todos os

participantes e não reduzia nenhuma competênciaburocrática dos ministérios envolvidos. No entanto,durante o segundo mandato, o conflito permeou demaneira contundente as decisões institucionais. Em umperíodo de quatro anos, foram feitas três reformasrelevantes e em sentidos distintos sobre ainstitucionalidade da Camex. Neste momento, osconflitos burocráticos tiveram origem na busca pormaior influência dos burocratas envolvidos com oprocesso decisório do plano de estabilização e da políticaeconômica do governo.

De fato, o processo de divisão e de conflito dentroda equipe econômica tomou corpo com oencerramento da primeira fase do Plano Real e aaproximação do segundo mandato, atravessando váriasinstituições e dividindo os auxiliares econômicos dopresidente entre desenvolvimentistas, cujos principaislíderes formaram a equipe econômica paralela em 1998,e os monetaristas, abrigados no Ministério da Fazendae no Banco Central, que comandaram as diretrizes dapolítica econômica ao longo de todo governo Cardoso.

A primeira dessas reformas, a transferência daCamex para o MDIC, foi realizada com o objetivo defortalecer esse ministério como um ator importantedentro da seara da política econômica do governo. Essamudança foi conseqüência dos projetos desenhadospela equipe paralela, como a criação de um ministériomais robusto, incorporando o BNDES e a Camex,desejando reduzir a importância do Ministério daFazenda. Contudo, ao passo que a Camex fortaleceu oMDIC, a sua saída da Casa Civil, rebaixou seu statussimbólico dentro da estrutura administrativa federal.

A segunda reforma, a obtenção de competênciaspara a Camex tomar decisões obrigatórias por meio de“Resolução” em alguns temas importantes como apolítica de defesa comercial e sobre as alíquotas dapolítica aduaneira, por sua vez, teve como objetivofortalecer a própria instituição, que teve suafuncionalidade coordenativa limitada ao perder o poderde convocação existente na Casa Civil. Essa novaCamex, menos abrangente e mais afinada com o MDIC,abandonava completamente o perfil de think thankpúblico obtido no primeiro mandato, tornando-seapenas mais uma agência executora de políticasespecíficas entre o vasto rol de funções de comércioexterior.

No que toca aos interesses daqueles que a dirigiamnaquele momento, essa reforma foi uma grande vitória,pois, mesmo que as discussões tenham se afastadodas críticas às balizas fundamentais da condução dapolítica econômica, o controle das alíquotas deimportação e exportação e das políticas de defesaaumentaram o leque de medidas disponíveis ao MDIC

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A CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL DA POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA

para atender a sua clientela principal, o empresariado.Salientamos que o sucesso da reforma nesse sentidosó foi possível devido ao fato que as críticas de Tápiase Giannetti voltaram-se rotineiramente à gestão feitapor Everardo Maciel na Receita Federal e não mais aoalto comando do Ministério da Fazenda. Para Tápias,a Receita seria pouco flexível e despreocupada dasconseqüências que o sistema tributário trazia para osetor produtivo. Isso posto, fica claro que o MDICnão mais criticava a condução geral da políticamacroeconômica, mas sim instrumentos específicosde interesse do empresariado. No caso específico, asalíquotas de importação e exportação e medidas dedefesa comercial.

Por fim, a terceira e última reforma da Camex foi aperda de sua competência de formulação da própriapolítica para qual foi criada, evidenciando adisfuncionalidade do seu desenho institucional. Essareforma teve como intuito reduzir o escopo da Camex,já durante a gestão de Sérgio Amaral, que fora nomeadocom a finalidade de abrandar os atritos que haviam seavolumado de modo bastante agudo entre os membrosdo Ministério da Fazenda e do MDIC.

De forma resumida, a partir da criação da Camexcomo órgão eminentemente consultivo e de discussão,a Câmara ganhou força e espaço na coordenação docomércio exterior. Mas esses desenvolvimentos foramminados com a transferência ministerial, que culminoucom a reforma de outubro de 2001, que restringiu oescopo de suas funções ao eliminar a competência deformulação, tornando-a apenas um veículo deimplementação. Isso foi uma demonstração cabal dadisfuncionalidade que sua transferência para o MDICtrouxe para sua capacidade de impor-se como lócusde coordenação supraministerial. A tentativa defortalecer o corpo opositor da política macroeconômicado Ministério da Fazenda dentro do próprio governoteve como conseqüência a redução da capacidade decoordenação da política comercial.

Os dados qualitativos e quantitativos levantadosdemonstram, portanto, que a política comercial foiconflituosa no segundo mandato de Cardoso. Essesconflitos foram externalidades das disputas queenvolveram a política econômica como um todo. Nocampo da política econômica, o resultado foi asupremacia da vontade do Ministério da Fazenda,sobretudo no que se refere aos assuntos queimpactaram a estabilidade econômica (o principal ativopolítico do governo Cardoso). O espaço para a açãodos membros do MDIC só foi menos constrangido noque se refere aos instrumentos específicos à políticacomercial, possibilitando alguns pequenos sucessospara os atores desenvolvimentistas, como, por

exemplo, os ganhos de competência da Camex sobreas alíquotas de importação e exportação e sobre asmedidas de defesa comercial, além da capacidade deemitir decisões obrigatórias por meio de “Resoluções”.

Retomando os conceitos apresentados na seção 3,embora tenha havido, na política macroeconômica,uma clara imposição burocrática por parte de umaburocracia específica, poderosa e apoiada de maneirainequívoca pela presidência – o Ministério da Fazenda–, as disputas sobre temas da política comercial forammais equilibradas. Houve momentos em que o MDICe a própria Camex conseguiram preponderar e outrosem que o Ministério da Fazenda impôs-se, uma vezque nessa seara os recursos burocráticos disponíveisa cada um dos atores envolvidos eram menos desiguais,caracterizando o conflito burocrático.

É importante salientar que, em conformidade como quadro teórico, essa dinâmica só foi possível devidoà não interferência presidencial na política comercial,cuja atuação no caso analisado foi praticamente nula.O presidente Fernando Henrique Cardoso só interferiunessas disputas quando o conflito reverberou naestratégia de estabilização econômica, como, porexemplo, no caso da demissão de Clóvis Carvalho em1999, e não quando disputas sobre especificidades dasdecisões comerciais foram postas na mesa, incluindoaqui as reformas sobre o quadro de coordenação. Apolítica comercial não era e não foi em nenhummomento uma das prioridades políticas da presidência.

Além disso, é evidente a existência de interessesdivergentes entre os atores envolvidos em nosso estudode caso. Enquanto, no Ministério da Fazenda,defendiam-se políticas horizontais e a proteção aoajuste fiscal, no Ministério do Desenvolvimentodefendia-se a necessidade da adoção de políticassetoriais que estimulassem o crescimento econômico.

Dessa maneira, a variável chave a ser compreendidaé o poder de cada uma dessas agências, traduzido noconjunto de recursos disponíveis aos dois grupos.Conforme demonstrado na seção anterior, o Ministérioda Fazenda é o ministério que possui mais recursosdentro da administração federal, enquanto o MDICpossui o apoio de uma clientela bastante influente: oempresariado. Essa configuração de poder permite aoMDIC pressionar o Ministério da Fazenda, sobretudoem temas específicos e de interesse do empresariado,e que não afetam os objetivos da política econômicacomo um todo. Foi justamente essa dinâmica queimperou dentro do governo Cardoso, principalmenteno seu segundo mandato, quando atores envolvidoscom essas políticas divergiram sobre quais seriam asconseqüências de políticas setoriais mais incisivas paraa estabilidade macroeconômica.

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Diante do conjunto de elementos, concluímos,enfim, que o projeto de uma Câmara que coordenasseo comércio exterior em alto nível dentro de umministério ordinário e setorial como o MDIC não foi oprojeto idealizado por nenhum dos atores interessadosem ampliar a capacidade de coordenação e interlocuçãodo comércio exterior brasileiro, mas sim fruto de umprocesso decisório conflituoso, marcado por diferentesarranjos e equilíbrios políticos momentâneos einstáveis, como preconizado no modelo teóricoapresentado.

A presença e consolidação da Camex no MDIC foi,portanto, fruto de um amplo e complexo processo deintermediação de interesses entre o Ministério daFazenda e os ministérios defensores de ações maisincisivas que estimulassem seletivamente a produçãonacional. As reformas decorrentes desse intrincado jogode barganha, acomodação e compromisso entre osatores situados nas posições-chave do poder Executivo,que nem sempre possuíram objetivos e métodosconvergentes, teve como conseqüência a formação de

equilíbrios instáveis e suscetíveis a alteraçõesdecorrentes dos embates entre os ministérios, o queresultou em um formato institucional que não era odefendido por nenhum dos atores envolvidos com apolítica comercial brasileira.

Como nota final, apesar do quadro teórico ter sidoparcimonioso e suficiente para esclarecer a dinâmicada política comercial no governo Cardoso, é importanteestarmos atentos para o fato de que as variáveisanalisadas são condições suficientes para acompreensão de processos decisórios dentro do poderExecutivo pouco afetados por variáveis externas a essepoder, como, por exemplo, a ação independente degrupos de interesse ou mesmo o papel exercido pelopoder Judiciário e/ou o Legislativo. Para a incorporaçãodesses novos atores, é necessário o desenvolvimentode ferramentais teóricos que possam reunir a literaturaque não trata do poder Executivo como um atormonolítico com aquelas que versam sobre as relaçõesExecutivo-Legislativo e sobre o papel do poderJudiciário nos sistemas políticos contemporâneos.

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1. Mario Mugnaini Júnior. Secretário executivo daCamex (2003-2007). Diretor executivo da FIESP(2000-2002). Diretor executivo da Associação Bra-sileira de Indústria de Máquinas e Equipamentos(Abimaq) (2008). Presidente da Agência Paulistade Promoção de Investimentos e CompetitividadeInveste São Paulo (2009-2010) Entrevista realiza-da em: São Paulo, 29 de abril de 2010.

2. Roberto Giannetti da Fonseca. Secretário executi-vo da Camex (2000-02). Diretor do Departamentode Relações Internacionais e Comércio Exterior daFIESP e presidente da Fundação Centro de Estu-dos do Comércio Exterior (Funcex). Entrevistarealizada em: São Paulo, 5 de maio de 2010.

ANEXO

ENTREVISTAS REALIZADAS

3. Aloisio Tupinambá Gomes. Assessor especial daCamex (1999-2008). Entrevista realizada em:Brasília, 11 de maio de 2010.

4. Gustavo Saboia Fontenele e Silva. Chefe de gabi-nete da Camex. Analista de comércio exterior doMDIC desde 2001. Entrevista realizada em: Brasília,12 de maio de 2010.

5. Fábio Martins Faria. Diretor do DepartamentoDepartamento de Planejamento e Desenvolvimen-to do Comércio Exterior do MDIC. Entrevista rea-lizada em: Brasília, 13 de maio de 2010.

6. Carlos Marcio Cozenday. Diplomata. Diretor doDepartamento Econômico do MRE. Ex-assessorespecial da Secretaria Executiva da Camex (1998-

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1999). Entrevista realizada em: Brasília, 13 de maiode 2010.

7. Welber Barral. Secretário de comércio exterior doMDIC (2007-2011). Entrevista realizada em:Brasília, 14 de maio de 2010.

8. Anamélia Soccal Seyffarth. Assessora especial daSecretaria-Executiva da Camex desde 2004. En-trevista realizada em: Brasília, 14 de maio de 2010.

9. José Botafogo Gonçalves. Diplomata. Ministro daIndústria, do Comércio e do Turismo (1998). Em-baixador do Brasil na Argentina (2002-2004). Re-presentante Especial da presidência para o Mercosul(2001). Secretário executivo da Camex (2000).Subsecretário geral de Assuntos de Integração,Econômicos e de Comércio Exterior (1995-1998).Presidente do Conselho Curador do Centro Brasi-leiro de Relações Internacionais. Entrevista realiza-da em: Rio de Janeiro, 20 de maio de 2010.

10.Sérgio Silva do Amaral. Diplomata. Secretário deAssuntos Internacionais do Ministério da Fazenda

(1988-1989). Chefe do Gabinete do Ministério daFazenda (1994). Ministro de Estado da Comunica-ção Social e porta-voz do Presidente da República(1995-1998). Ministro do Desenvolvimento, Indús-tria e Comércio Exterior e presidente da Camex(2001-2002). Entrevista realizada em: São Paulo,21 de junho de 2010.

11. Celso Lafer. Professor da Faculdade de Direito daUniversidade de São Paulo (USP). Ministro do Mi-nistério das Relações Exteriores (1992 e 2001-2002)e MDIC (1999). Chefe da Missão Permanente doBrasil junto às Nações Unidas e à OrganizaçãoMundial do Comércio em Genebra (1995-1998).Entrevista realizada em: São Paulo, 7 e 22 de junhode 2010.

12.Clóvis de Barros Carvalho. Secretário executivodo Ministério da Fazenda (1993-1994). Ministroda Casa Civil (1995-1999). Ministro do MDIC(1999). Secretário de Governo da Prefeitura deSão Paulo de (2007-2010). Entrevista realizada em:São Paulo, 13 de julho de 2010.