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A Dica Do Labirinto

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A DICA DO LABIRINTO:

Considerações profundas sobre a fé e a dúvida

PREFÁCIO

As dúvidas escurecem e esfriam o dia. A névoa paira

sobre todas as coisas e os homens se movem como os

antigos egípcios quando presenciaram a escuridão.

Oh, que esta névoa vá embora! O melhor que podemos

esperar é que a presente melancolia passe bem

depressa, e que a nuvem deixe o seu orvalho nutrindo

uma fé mais sólida e inteligente.

O lamacento ceticismo não deixa ninguém correr, mas

o fraco ainda pode ser alimentado. Os homens que são

muito bons nascem nas colinas e amam o ar fresco das

montanhas da verdade.

Os parágrafos deste pequeno livro não pretendem ser

um exaustivo tratado de defesa da fé, pois meu

objetivo não é o de destruir todos os argumentos do

adversário, mas apenas o de ajudar um amigo. Assim

como eu estive por algum tempo perdido no labirinto

da vida, quem sabe não seria a hora de instruir alguém

que se acha na mesma situação. Espero que através

destas páginas algum coração verdadeiro possa

receber o auxílio necessário para obter forças e lutar

contra suas dúvidas. Não permita que o coração de

ninguém caia, pois o prevalecente ceticismo é apena

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um “espectro da mente”. Enfrente-o e ele fugirá.

Um grande poeta forjou a expressão “dúvida

honesta”. E quão avidamente ela foi tomada! A

descrença moderna é tão medíocre de qualidade que

ainda aproveitou esse rótulo para suprir para todas as

épocas a necessidade que tinham de um personagem. É

assim que na debilidade de nossas vozes, nos

levantamos em nome da “Fé Honesta”.

VAMOS VIVER.

A parte mais importante da vida humana não é o seu

fim, mas o seu começo. O dia da nossa morte é a

criança do passado; mas os nossos anos de nascimento

são os senhores do futuro. Na última hora os homens

geralmente trazem à sua cabeceira os pensamentos

solenes que, infelizmente, chegaram tarde demais para

algum efeito prático. O olhar silencioso, reverente e

profundo, tão freqüente nos momentos de partida,

deveria ter vindo mais cedo. Recomendo o exemplo do

rei hebreu que jejuava e vestia trajes de luto enquanto

a criança ainda estava viva. Sabiamente ele

compreendeu a inutilidade do seu lamento após a

morte da criança. “Poderei eu fazê-la voltar?” (2

Samuel 12:16-24) Essa foi uma das mais sóbrias

perguntas. Porém, se consideramos que é algo

desapontador tomar o ferro frio da bigorna, muito

pior é ficar parado olhando a barra quente esfriar.

Por isso, meu irmão, quem quer que seja, se mexa!

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COMO DEVEMOS VIVER?

Qual martelo devemos usar? Sim, esta é a questão! Não

é um tipo de pergunta que faço apenas para mim

mesmo, mas por desejar ser um verdadeiro irmão e ter

comunhão com você, meu leitor, eu a faço por sua

causa trazendo uma reflexão a partir de uma oficina

de trabalho. Aqui estão martelos, luz, claridade,

muitas coisas! Veja a marca e a garantia, são novinhos!

O velho ferreiro dali diz que não sabe nada sobre essas

ferramentas. Elas foram deixadas por uma nova

empresa que costuma criar bons produtos. “Pelo

menos”, diz ele, “eles chamam a si próprios de uma

nova empresa, mas acredito que seria melhor se

fossem chamados de ‘a velha empresa com novo

nome’. Eles entraram no mercado com um novo nome,

mas são os mesmos picaretas de antigamente”. Com

seu braço forte e o martelo em mãos, o velho ferreiro

golpeia seu instrumento de trabalho, fazendo sair

faíscas para todos os lados – “Lá”, diz ele, “o velho

martelo me serve melhor”. Você vê, meu bom amigo,

ele é apenas um ferreiro, e não conhece nada melhor.

Algumas pessoas gostam demais das coisas antigas.

Pergunto: Este conservador é mais tolo do que os

aficionados pelas novidades? Pensamos que não!

O velho martelo forja a fé em Deus.

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A FÉ OPEROU MARAVILHAS.

A fé trabalha pesado, pois os homens de firmes

convicções moldam o mundo sobre suas bigornas. A

confiança cinge os lombos de um homem, incitando-o a

por nela todas as suas forças. No capítulo onze da

Epístola aos Hebreus, Paulo nos apresenta a lista dos

heróis da fé e erige um Arco do Triunfo à suas

memórias. Os nomes são destacados com fulgor: Abel,

Enoque, Noé, Abraão, e as cenas esculpidas são como

estas: “reinos subjugados,” “fecharam a boca de

leões,” “extinguiram a violência do fogo”. Se os elogios

fazem uma pausa não é porque o assunto acabou,

como ele exclama: “E que mais direi? Faltaria tempo

para falar de Gideão, Baraque, Sansão, Jefté, Davi,

Samuel e os profetas” (Hebreus 11:32).

O QUE A DÚVIDA ALCANÇOU?

Como se explica o fato de nunca terem erguido algum

troféu em honra à incredulidade? Será que o poeta da

infidelidade e o historiador do ceticismo ainda

aparecerão? Em caso afirmativo, qual será o seu

legado? “Trabalho justo” e “conquista de promessas”

estão um pouco além do seu alcance, e não parecem

estar muito susceptíveis a suportar tanto sofrimento

para “alcançarem uma melhor ressurreição”, pois

zombam disso. Os que se ufanam da dúvida teriam

que se contentar com conquistas menores. Mas quais

seriam elas? Pois a incredulidade já construiu algum

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hospital ou orfanato? Quais missões para as tribos

canibais ela está sustentando? Quais mulheres caídas

ou homens devassos foram regenerados e feitos novas

criaturas pelo ceticismo?

“Cante, musa! Se for um tema, tão escuro, tão errado,

Pode encontrar uma musa que o agraciará com uma

canção”.

O Milton desse trecho pode muito bem vir a ser como

aquele a quem Gray descreve em sua elégia* como

“mudo inglório”. “Pelos seus frutos os conhecereis”.

Quais são as escapatórias do precioso “pensamento

moderno”, que é, aliás, a nova moda para a

incredulidade? Ouvimos os gritos dos artesãos, que

repetem: “Grande é a Diana dos efésios!” Mas onde

estão os resultados santos e felizes da “crítica

avançada” que é tão solícita a minar os fundamentos

da fé?

* John Milton e Thomas Gray foram escritores da literatura inglesa, tendo destaque na

composição de elegias. Tal Gênero poético se caracteriza, sobretudo pela temática

baseada na tristeza dos amores interrompidos. Surgiu na Grécia no século VII a.C. Em

Roma, influenciou fortemente os poetas da Renascença, um período caracterizado pela

valorização da razão e da experiência em detrimento da religiosidade medieval.

DÚVIDA É ESTÉRIL.

O fato é que a dúvida é negativa, destrutiva e estéril.

Ela não leva ninguém as coisas mais nobres, e ainda

produz na mente humana a falta de esperanças e

aspirações. Ela não é, de modo algum, um princípio

sobre o qual devemos basear a essência da vida, pois

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sua força é subversiva, e não construtiva. Um

princípio que não leva a nada além da destruição

universal, da qual o homem comum não encontra

satisfação sob seu governo. E se algumas das noções

religiosas forem apenas mera fantasia, impraticáveis e

imaginárias, então seria bom quebrar esses

enfeitizinhos da casa. No entanto, enquanto o apático

sábio se alegra ao livrar-se do que chamam lixo, não

será fácil varrer todos os minúsculos componentes

desses objetos, seria necessário ter o gênio de um

macaco ou de um touro selvagem pra dar conta disso.

A nossa ambição busca uma região mais elevada na

qual poderíamos construir, em vez de destruir. Desde

que aspiramos à vida digna e útil, ansiamos por uma

força que nos lance para frente e para cima. Aqueles

que preferem fazer isso por conta própria podem

duvidar, duvidar e duvidar até a última gota, mas a

nossa escolha é encontrar a verdade e crer nela,

porque isso seria a nossa força vital. Alguns não

partidários ainda tiveram a audácia de pregar um

evangelho de “dúvida e vida”, porém a dúvida que se

apresentou foi semelhante à morte. Nós, porém,

preferimos a mensagem do céu: “crer e viver”.

A AUTOCONFIANÇA E UMA

CONFIANÇA MELHOR.

Em certo sentido, a autoconfiança pode ser

compreendida como uma virtude moral devidamente

estabelecida. A observação e a experiência mostram

que ela é uma força considerável no mundo. Aquele

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que a si mesmo se questiona e não conhece sua própria

mente, hesita, treme, falha e fracassa, pois sua

desconfiança ocasiona a sua própria decepção. Por

outro lado, a auto-confiança do indivíduo o leva a

esperar, considerar, planejar, resolver, empreender,

perseverar e ter êxito: sua segurança da vitória é uma

das principais causas do seu triunfo. Um homem que

confia em sua própria capacidade gradualmente

convence outros de que sua estimativa está correta, a

menos que seja alguém completamente fútil. Embora o

auto-conceito e a falta de modestia muitas vezes agem

forçadamente, tal como uma bebida pode ser um

instrumento de coragem, todavia, eles certamente

possuem o seu valor. A essência da questão é que um

certo tipo de confiança é extremamente necessária

para a realização de nossos desígnios; e, em toda e

qualquer situação, desconfiança ou dúvida são fontes

de fraqueza. A fé que temos, portanto, ao invés de nos

levar à dúvida, é a mola propulsora de nossa vida.

CONFIANÇA EM DEUS – NOSSO

PRINCÍPIO DE VIDA.

Agora, se a auto-suficiência pode transformar um

homem, quanto mais a confiança em Deus! Este último

é ainda mais justo, humilde, nobre e seguro. Nossas

próprias forças alcançam apenas certa distância, e não

mais. Todos nós temos restrições, e não podemos ir

além dos nossos limites. O poder de Deus, porém, é

ilimitado, imutável e, portanto, aquele que põe nele a

sua confiança tem sobre si uma força

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incomparavelmente superior a qualquer outra. Em

todos os sábios propósitos em que se empenhar, não

precisará medir a suas forças, pois toda a Auto-

Suficiência lhe estará disponível. A sublimidade do

Poder de Deus, o qual o acompanhará por toda a

eternidade, provará ser suficientemente grande para

todas as suas necessidades. Não é pouco o benefício de

confiar em alguém que pode dia-a-dia aumentar a sua

confiança e não expô-lo ao perigo de tê-la em excesso.

A DEPENDÊNCIA SEMPRE CONTRIBUI

PARA O BEM.

Os resultados morais de uma vida de confiança em

Deus são notáveis. Por estabelecer uma vida de firme e

sincera confiança em Deus, o homem de sucesso não

anda em vão, pois toda honra a dá Aquele em quem

confiou. E ainda que sofra uma terrível derrota

enquanto está sob a dependência do braço divino, ele

não é esmagado pela catástrofe, pois seu fracasso

implicaria em mais desonra a Deus do que a si mesmo.

Por outro lado, morrer por causa de sua grande fé em

Deus seria algo muito sublime. Entretanto, qualquer

que seja o caso, tanto no sucesso quanto no fracasso, a

influência da fé no Deus vivo será sempre benéfica.

Independentemente do que a fé em Deus nos

proporcione, o fato é que ela sempre nos conduzirá ao

caminho de vida mais digno, no entanto, cada um deve

provar isso por si mesmo. É razoável que o homem

que confia no seu Criador se beneficie muito disso. Por

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tantos momentos de regozijo já desfrutados, alguns de

nós se encontram tão seguros da excelência de sua fé

que chegam até mesmo a esperar com prazer os altos

riscos que advirão das próximas experiências. Nós

deliberadamente dizemos: “Minha alma, espera

somente em Deus, porque dele vem a minha esperança”

(Salmos 62:5).

CETICISMO – UMA CONQUISTA NÃO

MUITO GRANDE.

Foi dito corretamente: “Nada é mais fácil do que

duvidar. Um homem de capacidade ou aprendizagem

mediana pode duvidar mais do que o mais sábio dos

homens acreditar”. A fé exige conhecimento porque é

uma graça inteligente, capaz e ansiosa para se

justificar; mas da infidelidade não é requerida uma

razão para a sua dúvida, pois a atitude arredia e a

rudeza de palavras atendem a esse propósito tão bem

quanto um argumento. Na verdade, o ápice da atual

descrença é o não saber nada, e o que é isso senão a

apoteose da ignorância? Grande é a glória do não

saber nada!

Um homem pode deslizar na insensibilidade do

Agnosticismo e mesmo abatido permanecer ali.

Acreditar, porém, é estar vivo tanto para o conflito

quanto para a vigilância. Aqueles que pensam que a fé

é um negócio meramente infantil terão de fazer

progressos consideráveis para o amadurecimento

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antes de serem capazes de testar a sua própria teoria.

Devemos preferir a dúvida porque ela está tão pronta

à mão ou vamos buscar a verdade ainda que tenhamos

de mergulhar como os pescadores de pérolas? Isso

dependerá da mentalidade de cada um, pois

escolhemos as regras de nossa vida de acordo com o

espírito que está em nós. Uma alma corajosa não vai

seguir comodamente o desprezível caminho de muitos,

mas aspirará aos caminhos mais elevados, ainda que

sejam os mais difíceis.

FÉ NO INVISÍVEL.

É um absurdo supor que devemos limitar a nossa

confiança apenas às regiões alcançadas pelos nossos

sentidos. Ninguém viu, ouviu ou provou a maioria das

forças conhecidas. Vapor, eletricidade, gravitação e o

resto dos gigantes são invisíveis. A terra é preservada

em sua órbita por forças que não podemos

compreender. “Ele suspende a terra sobre o nada” (Jó

26:7). Os poderes visíveis são os de menor categoria ou

os mais insignificantes, pois podem ser medidos pela

capacidade humana.

Tomemos uma ilustração da vida cotidiana: o velho

provérbio latino diz que a marca do homem pobre é

que ele pode contar o seu rebanho. As poucas libras

que tem guardadas, o artesão pode manuseá-las a hora

que quiser, mas o grande banqueiro nunca viu os seus

milhões, e as provas de que os possui estão em certas

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obrigações e contas nas quais deposita inquestionável

confiança. Ele é rico pela fé! E dificilmente poderia ser

muito rico se sua riqueza estivesse restrita apenas as

coisas que lhe fossem visíveis.

Para ter uma vida de excelência, o homem deve

confiar em uma grande força, a qual deve ser extensa,

invisível e além de sua compreensão. Isso certamente

seria muito difícil para um homem puramente

racional. Se em algumas circunstâncias devemos

depender exclusivamente de forças que ultrapassam a

nossa visão, por que também não repousamos no Deus

Eterno com relação as demais circunstâncias? A

prática de confiar em um poder superior provará ser

elevada e ajudará a nos elevar acima do maçante nível

do materialismo. Não poderia o hábito, se buscado na

vida, ser a melhor preparação possível para a morte,

que, segundo o julgamento de tantas pessoas, é uma

peregrinação a uma terra escura e desconhecida? O

cego é tão bom na escuridão como aqueles que têm

seus olhos, ou melhor, seu hábito de encontrar seu

caminho no escuro faz dele o melhor dos dois. Se,

portanto, a fé nos ensina a ir onde a visão não pode ir,

seremos os mais preparados para ver essa esfera que o

olho mortal não consegue vislumbrar.

O certo é que, se nós seguirmos a Deus pela fé, não

ficaremos afligidos por causa de sua aparente ausência

e invisibilidade real, pois, como o cão, que caça pelo

faro, não precisa ver o seu brinquedo, assim o que

segue o caminho de obediência, pela fé, não terá

necessidade de procurar sinais e símbolos, pois sua fé

lhe fornece segurança.

Page 13: A Dica Do Labirinto

DEUS PODE SER CONHECIDO.

Tem-se dito por aí que Deus não pode ser conhecido.

Ora, aqueles que fazem tais alegações afirmam que

não conhecem nada além de alguns fenômenos, e por

isso, em sua sinceridade, são obrigados a admitir que

não sabem se Deus pode ou não ser conhecido. Logo,

já que esses tais confessam que não sabem nada do

assunto, não deverão ficar ofendidos se os deixarmos

de fora de nossa consideração.

Aquele que fez o mundo é certamente um Ser

inteligente, na verdade, a maior inteligência, pois as

suas obras manifestam de inúmeras formas a presença

de pensamento e conhecimento profundo. Lord Bacon

disse: “Prefiro acreditar em todas as fábulas do

Talmude e do Corão, do que acreditar que a composição

do universo veio a existir sem Uma Mente”. Sendo

assim, e tendo isso em mente, compete a nós

conhecermos a Deus da seguinte maneira: Dispondo-

nos a confiar nele! Aquele que fez todas as coisas é

indubitavelmente muito mais confiável do que todas as

coisas por ele feitas.

Seria por demais estranho uma mente que não se

permite conhecer: tão estranho quanto o fogo que não

queima ou a luz que não brilha. Seria muito difícil

acreditar no eterno e solitário confinamento do Ser

que fez o mundo.

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FÉ EM DEUS É PERMITIDA.

Um homem pode confiar em Deus? Há uma outra

pergunta que responde essa questão. Por que uma

criatura não confiaria em seu Criador? O que a

impediria disso? Essa confiança deve ser honrosa

tanto para o homem quanto para o seu Criador,

segundo a necessidade de um e a natureza do outro.

Quem, através de uma pesquisa detalhada, poderia

encontrar o menor traço de razão para não confiar no

Deus vivo?

A EXISTÊNCIA DE DEUS NÃO É

EVIDENTE?

A existência de Deus é algo incerto? Claro que não!

Nós a temos como um fato comprovado e acima de

qualquer suspeita. Para a mente sincera, não infectada

por objeções banais, mas que raciocina com

honestidade, a existência de um trabalho confirma a

existência de um trabalhador, tanto quanto um

projeto necessita de um designer e o pensamento exige

que alguém o tenha pensado. Agora, se estivéssemos

num deserto com Mungo Park*, um pouco de musgo

seria argumento suficiente para provar que Deus

estava lá; ou mesmo o fato da areia estar sob os nossos

pés e o sol sobre nossas cabeças seriam suficientes para

evidenciar isso. Todavia, morando numa ilha justa**,

repleta de todas as formas de vida, podemos apenas

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contar com provas da Divindade à medida que haja a

diversidade dos objetos da visão, audição, paladar e

olfato. Isto, naturalmente, é chamado de “um mero

chavão”, mas, com a permissão dos cavalheiros, seu

Latim não faz a menor diferença para a absoluta

veracidade do argumento.

Se mais provas fossem oferecidas, eles, sem dúvida, as

recusariam do mesmo jeito, porém epítetos

desdenhosos não são respostas para o raciocínio justo.

Entendemos que uma simples evidência sonora é

melhor do que vinte evidências defeituosas; e se isso

não os convencer, nem mesmo uma legião o faria. Os

sábios franceses, em rota para o Egito, perturbaram

Napoleão requerendo-o que negasse a existência de

Deus, mas seu intelecto astuto não se deixou levar.

Conduziu-os até uma plataforma, e, apontando para

as estrelas, perguntou: “Quem fez tudo isso?”

* Explorador escocês na África (1771-1806).

** Como Spurgeon era britânico e vivia na Inglaterra, certamente a ilha que ele tem em

mente é a Grã-Bretanha, a qual abrange a maior parte do Reino Unido. Ao se referir à

ilha “ilha justa”, é possível que ele esteja sendo irônico.

DÚVIDAS EXECUTADAS

LOGICAMENTE.

A dúvida quanto à existência de um Deus, para

terminar a sua carreira legítima, só possui um

caminho curto a percorrer. Nenhum homem que

acredita que tem uma alma pode dar melhor prova de

seu estado mental do que a que podemos dar da

existência de Deus. Deixe-o experimentar! Ele afirma

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que sua própria consciência é uma prova de que está

vivo. Nós respondemos que pode ser uma prova muito

boa para si mesmo, mas que pode não significar nada

para nós, e que nenhum homem racional tentaria usá-

la dessa forma. O nosso amigo responde: “eu trabalho,

e meu trabalho demonstra que eu estou vivo”.

Precisamente, e as obras de Deus também

demonstram que ele está. Rapidamente responde:

“Mas você me vê trabalhar, e você não vê Deus”. Ao

que respondemos: “Nós de maneira alguma o vimos

trabalhar: o seu corpo não é você mesmo e nunca vimos

o seu verdadeiro “eu”. Sua mente executa seus objetivos

por meio de seu quadro externo e vemos seus membros

em movimento, mas a alma que os move está além da

visão, ela é um mistério dos mistérios e, como uma

subsistência espiritual, assim como a mente, deve ser

capaz de operar sobre a matéria”. A impressão inicial

da mente sobre a matéria é um segredo que nenhum

mortal revelou. Você não pode provar para outro

homem a existência de sua alma, exceto pelos mesmos

argumentos que provam a existência de Deus.

Se você abrir suas asas para um vôo de dúvida, deve

ser corajoso o suficiente para voar até à Última

Thule*. Dúvidas sobre a sua própria existência;

dúvidas sobre a dúvida; dúvida sobre a existência de

alguma coisa que você duvida; dúvida sobre se há

alguma coisa para ser posta em dúvida. Um Agnóstico

ferrenho não deve ter a certeza de que é um agnóstico,

de fato, nem deve ter muita certeza sobre quem ele

mesmo seja, ou de que ele seja alguma coisa.

* Nas fontes clássicas, Thule é um lugar, geralmente uma ilha. Na geografia medieval,

“Última Thule” pode também denotar qualquer lugar distante localizado além das

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“fronteiras do mundo conhecido”.

SEM ALMA.

Certo pregador fez o melhor que pode para o bem do

seu auditório, mas um dos seus ouvintes se aproximou

dele e disse de um modo áspero: “Sua pregação é inútil

para mim. Eu não acredito que tenho uma alma e não

quero perder tempo conversando sobre coisas

imaginárias do além: vou morrer como um cão.” O

ministro respondeu calmamente: “Senhor, eu,

realmente, falhei devido a uma má compreensão. Dei o

meu melhor para o bem de todos, mas eu não imaginava

que encontraria pessoas sem alma. Se eu soubesse que

estariam presente criaturas que não tinham alma e que

iriam morrer como cães, eu teria providenciado uma boa

porção de ossos para eles”. “Brincadeira”, diz um.

“Senso-comum”, dizemos nós. Quando lidamos com o

ludibriante sarcasmo, que tipo de gentileza podemos

esperar de pessoas que manifestam uma compreensão

tão degradante de si mesmas? Certamente ninguém

precisa se preocupar com eles. Eles confessam sua

própria incapacidade de nos ajudar, e implicitamente

admitem que não somos obrigados a aceitar suas

colocações. “A luz não existe,” alguém assevera, “pois

não tenho olhos para vê-la”. Existe algum argumento

para isso? Não, pois apesar de nos compadecermos de

alguém que está cego, não podemos conceder algum

peso as suas opiniões sobre ótica e cores. Seres sem

alma podem asseverar quantas filosofias desejarem e

suas opiniões podem ser tão interessantes quanto

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curiosas, mas não podem de forma alguma influenciar

os homens com alma.

DEUS EM NOSSA ESFERA DE VIDA.

Quando confiamos em Deus, nós não estamos

exercitando uma dependência ilusória sobre um poder

distante e inativo. É perguntado se Deus sempre opera

em nome daqueles que confiam nele, e é sugerido que

ele está ocupado demais e não pode dar muita atênção

aos pequenos cuidados das pessoas. Obviamente isto é

um erro! A obra de Deus está em nossas portas e em

nossos quartos, sim, em nossos corpos e mentes. O pai

da criança está muito ocupado, mas está ocupado no

quarto em que se encontra seu filho necessitado, e por

isso ele está onde se deseja que ele esteja.

O discurso comum é sobre “As operações da

Natureza”. Mas, senhor, o que é Natureza? O

cavalheiro que havia usado o termo olha em volta com

surpresa. Ele deu uma gaguejada e balbuciou, dizendo

o que todos já sabiam. “Ora”, diz ele, “é muito fácil, a

Natureza é… a Natureza é a Natureza”. Na verdade,

quem, de fato, trabalha é o próprio Deus, e outra força

com o seu poder está longe de ser encontrada. Os

movimentos em torno de nós não são produzidos por

leis, como os simplistas dizem. As leis não fazem nada,

elas não passam de métodos, os quais são observações

do trabalho do grande Criador, pois Ele mesmo foi

quem fez todo o trabalho. Assim, podemos confiar

nEle para trabalhar para nós, pois é Ele quem está

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trabalhando em tudo ao nosso redor.

RESPOSTAS DO GRANDE DEUS À FÉ.

No mais, do chão da nossa insignificância, não

podemos nos recusar a pôr a nossa confiança em Deus,

pois não é concebível que alguma coisa seja pouca

demais para Ele. As maravilhas que nos fornecem o

microscópio são tão marcantes quanto as do

telescópio. Logo, nós não podemos definir para o

Senhor limites maiores em uma direção do que em

outras, pois Ele pode e há de manifestar a sua

habilidade na vida de um homem da mesma forma

como o faz através do circuito de um planeta.

Testemunhas estão vivas para testificar das obras do

Senhor, o qual tem revelado o seu braço em nome

daqueles que nEle confiam. Qualquer um pode testar

esse princípio por si mesmo, e é notável que ninguém

tem feito isso em vão. Não existem razões em sua

natureza pelas quais Deus não deva responder à

confiança de suas criaturas, pelo contrário, há muitas

razões para que Ele responda. Em qualquer caso, na

medida em que somos afligidos, estamos prontos para

colocar as nossas preocupações à prova e deixar que

essa experiência dure por toda a vida.

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POR QUE DEUS NÃO É INVOCADO?

Não parece estranho que são poucos os que anseiam

por amorosamente ligarem suas vidas a Deus pela fé?

Por que será? O moralista severo prontamente

responderia: “Porque eles não têm nenhum desejo de

levarem uma vida com a qual poderiam ter alguma

relação com Deus.” De fato, esses são os que não

buscam a pureza, a verdade, a justiça e a santidade,

tanto quanto o poder de Deus que neles trabalha. Sem

dúvida este é o caso, mas que isto não se aplique a nós!

A virtude é tão admirável que nós não podemos

esgotá-la. E o fato do poder divino nos conduzir em

direção à bondade é um dos principais atrativos aos

olhos dos homens sensatos.

NÃO DEVEMOS DESANIMAR!

Eventualmente pode haver alguns que não são tão

contrários à bondade quanto desânimados em

conquistá-la. Isso pode ser útil para esses refletirem

que, quando Deus está interessado em um assunto, o

desânimo fica fora do tribunal. Neste caso, sem

dúvida, devem se engajar, pois Deus pode tornar puro

os mais imundos, uma vez que Ele é capaz de fazer

todas as coisas. É chocante recusar-se a confiar em

Deus pelo simples fato de que não desejamos ser

puros. É uma desonra para a sua glória quando

fraquejamos em confiar no poder que Ele tem de nos

levantar porque ainda nos achamos demasiadamente

Page 21: A Dica Do Labirinto

injustos. Deus é bom, e por essa ser uma virtude de um

ser bom é que Ele deseja ajudá-los a serem bons. Deus

é onipotente, e seu poder governa o mundo da mente e

da matéria. Está claro que tanto a vontade quanto a

habilidade se unem em Deus a favor do objeto de

nosso desejo, ou seja, a pureza e o propósito de nossas

vidas. Portanto, podemos com muita espontaneidade

voarmos para Ele e descansarmos em Sua esperança.

OUTRAS CAUSAS DA DESCRENÇA.

No seu íntimo, todos os homens depositam a sua

confiança em alguma coisa, ainda que recusem confiar

em Deus. Eles fazem a si mesmos deuses, repousando

em sua auto-suficiência. Aquele que nunca viu o seu

rosto pode facilmente acreditar na sua inigualável

beleza, ainda mais se for auxiliado por bajuladores.

Então, um homem que não conhece o seu próprio

coração pode facilmente formar uma opinião muito

elevada de sua própria excelência e encontrar

demasiada confiança em sua sabedoria, a qual irá se

expandir como uma planta de rápido crescimento.

Este é um dos piores inimigos da fé, pois aquele que

sempre confia em si mesmo não tem paciência quando

o assunto é a própria fé em Deus. Por ser muito

refinado, ele relega aquilo que é humilde aos

subalternos. Seu domínio próprio é perfeito, seu

julgamento é infalível, sua apreciação do moralmente

belo é completamente sofisticada. Ele é um homem

auto-criado, sendo, ao mesmo tempo, a sua própria

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Providência e Recompensa.

“O homem é um tolo!” Mentes rápidas e sensatas

falam impacientemente e suas gélidas observações do

amor confirmam, com tristeza, o seu veredito. Nós,

com quem o leitor agora compartilha, não somos

grandes e infalíveis em nosso auto-governo. Tememos

que nossos apetites e paixões carnais possam nos trair;

que nossa razão venha a nos desencaminhar; que

nossos preconceitos nos aplaquem; que nosso ambiente

nos faça tropeçar. É dessa forma que deliberadamente

desejamos fixar os nossos olhos naquele que é Forte a

fim de encontrarmos força e podermos lançar a nossa

loucura sobre a sabedoria do Eterno. É claro que não

se deve esperar imitadores entre os vãos dos gloriosos,

dos fúteis e dos iludidamente perfeitos.

O DESPREZO.

A zombaria não passa de miséria e insignificância. Ela

não nasce no peito dos bons homens e os mais sábios a

desprezam quando essa os importuna. Ela não quebra

nenhum osso e os homens de coragem dão risadas

dela. No entanto, quando atinge os mais fracos é uma

terrível arma de guerra, e o pavor dela tem feito mais

covardes do que o rugido do canhão.

Quando as pessoas desprezam a fé em Deus tornam-se

miseráveis, beirando o mais alto grau de imbecilidade.

Ao confiarmos em um charlatão somos perdoados,

mas ao confiarmos no Todo-Poderoso somos

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insultados. Pessoas que nunca questionaram a sua

própria sabedoria riem com desdém daqueles que

descansam na sabedoria do Senhor. Em tais casos,

porém, deveria ser fácil para um homem de bom senso

se postar com bravura. Rir de uma criatura por crer

em seu Criador é desprezar o argumento mais simples

da razão. É como contestar uma hipótese óbvia ou

atacar uma evidência. É como ridicularizar um

homem de precisão matemática pela honestidade; ou

desprezar um engenheiro por confiar nas leis da

gravidade; ou escarnecer de um agricultor por esperar

o retorno de sua colheita. É claro que se os homens

gostam de serem escravos, eles darão ouvidos à

zombaria dos tolos, porém nós escrevemos para

homens que podem dizer de coração:

Direi que preferira não viver, a viver sempre com medo

de um ser tal como sou*.

* Julio César – William Shakespeare – Ato 1, Cena 2.

UM MAIOR CONHECIMENTO DE DEUS

É DESEJÁVEL.

Um homem deve estar disposto a por a sua confiança

em Deus, porém, para isso, a sua fé deve estar muito

bem alicerçada sobre o seu conhecimento. É quase

impossível ter confiança num Grande Desconhecido. A

variedade e a amplitude de nosso conhecimento de

Deus ajudará a fé a se sustentar diante de situações em

que um conhecimento restrito excluiria a sua

praticidade. O que percebemos pela Criação pode

Page 24: A Dica Do Labirinto

muito bem nos levar a confiar no poder de Deus, se

pudéssemos ter a certeza de que isso seria exercido em

nosso favor. No entanto, qual a dúvida quanto a esse

ponto? O que observamos pela Providência pode

razoavelmente nos levar a uma dependência da

bondade divina, a menos que por algum motivo se

torne necessário que ela seja retida. Isto um homem de

consciência não pode considerar como algo totalmente

improvável. Se o nosso conhecimento de Deus se limita

a sua grandeza, bondade e sabedoria, já estamos em

uma condição incômoda, pois ainda não alcançamos

de modo pleno essa qualidade divina, a qual poderia

satisfazer uma certa inquietação entre os que

começam a ser feridos pela consciência. Tendo em

nosso coração a suspeita de que não somos tudo o que

devemos ser, precisamos conhecer muito mais a Deus

se quisermos desfrutar de uma confortável confiança

nele.

QUANTO MAIS HÁ PARA SER

CONHECIDO?

É certo afirmar que quanto mais conhecemos a Deus

mais fácil será confiar nEle. O caráter daquilo que

pode ser conhecido excede em muito o prazer por

tatear o desconhecido. Mas de que forma podemos

obter mais conhecimento? Nós podemos a partir da

natureza tocarmos na natureza divina? Talvez! Mas

seria muito mais eficaz se a natureza divina viesse até

nós, e Ele mesmo se revelasse. Nenhum homem pode

ser completamente conhecido através de suas obras,

Page 25: A Dica Do Labirinto

muito menos Deus. O universo de Deus é tão vasto que

se pudesse ser verificado para se obter uma

compreensão total de si mesmo, isso ficaria muito além

de nossa capacidade. Como nós podemos conhecer

tudo o que o universo ensina? As obras de Deus são

extensas demais para um conhecimento completo.

Então, como podemos aprender a multiforme

sabedoria revelada? Se elas fossem réplicas nós

poderíamos aprender tudo em sua singularidade, mas

como são infinitamente variadas, nossa capacidade

torna-se limitada, exigindo a necessidade de

condescendência divina que mediante síntese se

comunique de forma adequada à nossa natureza.

DEUS SE REVELA.

Deveria ser a coisa mais natural para uma criatura

inteligente confiar em seu Criador, e se fosse o caso de

obter um conhecimento de Deus que vá além das vias

naturais, não seria razoável supor que o sábio e

benevolente Criador capacite suas criaturas

inteligentes a conhecê-lo, pelo menos no que se refere

aos propósitos da fé? Se fosse essencial para o bem-

estar de seus subordinados que o rei lhes fosse

pessoalmente conhecido, nós não poderiamos conceber

que um bom rei se prive completamente do seu povo

ou que se feche inteiramente de sua vista, recusando

dirigir-se a eles. De fato, a glória de Deus não necessita

da observação humana, nem podemos supor que os

seus motivos sejam egoístas na busca por ser

Page 26: A Dica Do Labirinto

conhecido, mas desde que a débil condição humana

exija a revelação divina, não é irracional esperar que o

Único que é supremamente bom permita fazer-se

conhecido. Pelas rochas, árvores e animais, a

manifestação de Deus em suas obras de Providência,

ao sustentá-las, dá-las fecundidade ou alimento é

abundantemente suficiente, ou melhor, mais do que

suficiente, mas para as mentes inteligentes deve haver

uma manifestação de Deus na alma, no espírito, pois,

do contrário, a fé em muitos aspectos seria impossível

e à alma restaria apenas o desamparo. Pois se

fossemos rejeitados pelo trabalho de suas mãos jamais

poderíamos esperar a infinita bondade.

UMA PALAVRA – REVELAÇÃO.

A linguagem é o melhor meio de comunicação entre

duas pessoas, por isso, é normal que Deus use o melhor

meio para se comunicar, e que, especialmente, faça

isso através de palavras. Apesar de restrita, a

linguagem escrita é o meio mais preciso e o que melhor

resiste ao tempo; é assim que em todos os sentidos e

entre todos os meios discursivos disponíveis seria esse

o mais provável para que o Deus Infinito utilize para

se comunicar com homens finitos a fim de preservar o

conteúdo de sua mensagem. Sobre isso, devemos

esperar que os escritos divinos cheguem até nós a

partir de uma ordem processada completamente de

acordo com a vontade de Deus, os quais jamais

imporiam sobre nós qualquer inquietação proveniente

Page 27: A Dica Do Labirinto

de elementos de confusão ou anormalidade.

Dificilmente poderia pertencer a um vigoroso

trabalhador uma mente completamente trancafiada

em si mesma, pois o que ele faz deve ser bem claro em

termos de propósitos comunicativos. Da mesma forma

devemos esperar isso de um Deus tão criativo e excelso

como o nosso, o qual anela por estabelecer diálogo com

nossas mentes, mesmo que sejamos inferiores e a ele

subordinados, especialmente no que se refere a um

tema tão necessário como o da natureza divina e suas

ordenanças. Ninguém espera ouvir de um grande

artista que ele é um eremita; no entanto, tais são as

qualidades do Grande Trabalhador que Ele é aquele

que produz um amigo, um irmão, um pai, é assim que

podemos esperar que o Criador seja comunicativo. De

fato, um sábio trabalhador pode até mesmo não falar,

pois poderá ser que ele tenha alguma deficiência

auditiva ou visual, mas esse não seria o caso daquele

que criou todos os ouvidos e línguas de todos os

homens.

O LIVRO DEVERIA SER EXAMINADO.

Se não fosse nada mais do que um rumor pairando

sobre uma sociedade respeitável de que um livro que

fora inspirado por Deus como revelação de seu

próprio caráter, pensamentos e vontade estivesse

disponível, certamente um homem honesto e desejoso

de viver dignamente examinaria o quanto antes e com

muito cuidado esse tão crucial escrito. O venerado

Page 28: A Dica Do Labirinto

livro que nossos pais reconhecem como a Palavra de

Deus tem sido aceito como tal por um vasto número de

sábios, homens justos que não podem tratá-lo como

algo qualquer. Este livro trata de assuntos anteriores

ao surgimento do mundo e com muita reverência tem

sido recebido por muitos dos mais nobres homens de

todas as épocas.

OS EFEITOS DO LIVRO.

Os efeitos que a Bíblia tem produzido entre as nações

que se submetem a sua autoridade são notáveis,

mesmo entre aquelas que lhe rendem uma obediência

parcial: elas estão muito à frente daquelas que lhe dão

um lugar apenas secundário, e nem mesmo podem ser

comparadas com aquelas que nem sequer estão

familiarizadas com ela. O benéfico resultado desse

livro em nossos dias de brutais desafios está fora de

cogitação. Ninguém pode duvidar de que as ilhas dos

mares do sul foram resgatadas da pior selvageria pelo

ensino deste volume. De fato, não temos ouvido ainda

de que algum outro livro tenha produzido tal efeito, e

assim somos atraídos pelos inegáveis resultados de sua

influência, tanto nas eras antigas como em nossos dias.

É muito comum nos depararmos com pessoas que

tiveram seu caráter completamente transformado pela

leitura desse livro; e mais fácil ainda é encontrarmos

aqueles que reinvindicam que têm nesse livro o seu

conforto para todas as circunstâncias, o seu norte para

todas as dificuldades e o seu inestimável alimento para

Page 29: A Dica Do Labirinto

a alma.

Muitos outros livros foram calorosamente elogiados

por seus leitores, mas nós jamais encontramos algum

que tenha impulsionado a um tão frequente

entusiasmo e a um tão devoto zelo como a Bíblia; nem

temos ouvido de qualquer outro que responda a tantas

e tão profundas questões da vida humana.

VENDO POR SI MESMO.

Nós não estamos exigindo demais quando requeremos

que cada um leia a Bíblia por si mesmo. Ao

experimentar um livro que professa ser a revelação da

mente de Deus, agiríamos indignamente se

confiássemos a outros aquilo que poderíamos fazer.

Informações de segunda mão carecem de segurança e

vivacidade, o que torna uma investigação pessoal

muito mais proveitosa. Alguém que é considerado

superior intelectualmente que descarte de vez um

debate com um veredito final ou que interrompe

precocemente uma argumentação não é assim tão

culturado como se poderia imaginar. Por acaso nossa

sabedoria decide algum assunto antes de ouví-lo?

A natureza exige árdua e perseverante atenção

daqueles que são verdadeiros cientistas, assim também

a Palavra de Deus merece que seu conteúdo seja

investigado com reverência. Por que não deveriam as

Escrituras serem estudadas com profundidade?

Mesmo como mera literatura ela já recompensaria o

Page 30: A Dica Do Labirinto

cuidado de um estudioso. É parte da vida de um sábio

procurar com calma e sinceridade os mais importantes

escritos, os que são apreciados pelas principais mentes.

A voz que gritou para Agostinho, “Tolle: lege” (“Pega

e lê”), não ressoou nenhum som de loucura. Tomar e

ler um bom livro jamais seria de prejuízo para

alguém.

A LEITURA QUE O LIVRO MERECE.

Seria algo vergonhoso utilizar críticas de segunda mão

para distanciar as pessoas de conhecerem a Bíblia.

Logo, esse Livro não deve ser lido apressadamente,

pois isso não seria justo para um autor que

cuidadosamente delineia assuntos tão sérios. Somente

os tolos fariam isso, desprezando um livro que tem

sido reverenciado pelas mentes mais brilhantes.

Ler o Livro é sentir que ele é repleto de poder.

Somente alguém deliberadamente pervertido

recusaria tal veredito, ainda que odiando-o. Isto tem

sido mais considerado do que seus oponentes poderiam

imaginar. Sua contraposição é apenas a verdade

bíblica de ponta-cabeça e, portanto, deve sua origem

ao próprio livro atacado.

Um ponto importante que ainda pode ser mencionado

é sobre o fato de que aqueles que mais amam este livro

são os que mais o lêem e, como sempre acontece,

aqueles que mais se empenham a estudá-lo, o

conhecem apenas superficialmente.

Page 31: A Dica Do Labirinto

ALGO MAIS DO QUE UMA LEITURA

CONVENCIONAL.

Muito da instrução contida no universo material pode

ser discernida pelos olhos atentos de um observador,

mas uma outra parte de seus segredos nenhum homem

pode discernir, além de que muito experimento

científico autêntico seria necessário para se chegar a

uma descoberta. Um químico, por exemplo, adquirirá

pouco conhecimento se não estiver envolvido em testes

e pesquisas. Por isso, na busca pela verdade não

devemos nos limitar a uma mera leitura: se as

Escrituras pedem que a testemos ou a

experimentemos, sempre que for razoável, devemos

estar preparados para realizar isso, nos submetendo

aos processos por ela requeridos. Professores cristãos

por toda parte nos dizem que a religião da Bíblia não

pode ser conhecida exceto pela experiência, e essa

afirmação não é tão diferente do que diz o químico

quando nos leva ao laboratório e aos testes que

comprovam seus experimentos. Não obstante, para

sermos capazes de confiar em Deus nós devemos

conhecê-lo; e para obter tal conhecimento devemos

ansiar por uma revelação. Dada a revelação, isto exige

que a deixemos transformar a nossa mente:

Haveremos de retroagir? Não! Se há uma verdade

para ser conhecida, nós buscaremos conhecê-la; se há

uma vida para ser recebida, nós a receberíamos; se há

um caminho perfeito para ser percorrido, nos

seguiríamos por ele.

Page 32: A Dica Do Labirinto

ESTILO DO LIVRO.

Aquele que inicia a leitura da Bíblia pelo Evangelho de

João se depara com as seguintes palavras: “No

príncipio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o

Verbo era Deus”. Alguém culturado intelectualmete e

de espírito sincero ficaria pasmo com essa linguagem

de significativa simplicidade e insondável

profundidade. Pouco importa de onde a leitura

começa, basta deixar o Livro como que por acaso cair

aberto e a sua majestade singular poderá ser

descoberta. Ele é único! Embora os muitos livros que

compõem essa biblioteca chamada Bíblia tenham sido

escritos por uns quarenta ou mais autores, e cada um

deles tenham a sua própria expressão idiossincrática,

ainda assim o estilo de sua obra como um todo

permanece único. De fato, é algo singular que a

unidade e harmônia da obra sejam tão eminentemente

preservadas em meio à pluralidade de vozes.

Eu me aventuro a dizer que o estilo da Bíblia é, per si,

completamente inimitável. Seria impossível alguém

compor um complemento para o Pentateuco, ou ditar

outro Evangelho, ou mesmo escrever outra Epístola.

Houveram tentativas disso antes, mas não foi possível

ludibriar os leitores das Escrituras, apesar de que

falsificações de seus grandes autores foram comuns e

alguns deles chegaram até a incomodar. Não obstante,

a igreja rejeitou todas as tentativas de forçar a

inserção de livros apócrifos com muito menos

dificuldade do que o mundo literário foi capaz de

combater as falsificações de Shakespeare. Nem a

Page 33: A Dica Do Labirinto

honestidade e nem a religiosidade dos homens

impediram o crime de adicionar invenções perversas

aos livros sagrados do Velho e do Novo Testamento,

mas as tentativas sempre fracassaram devido à

impossibilidade de uma imitação que tenha o mesmo

estilo da verdade perfeita, que é a peculiaridade da

Palavra de Deus. Não temos como imaginar um mero

homem falando à maneira de Deus e, de fato, nenhuma

pessoa não inspirada seria capaz de falar

harmoniosamente com o estilo do Espírito Santo.

Poderíamos encarregar a um estudante o trabalho de

detectar a grande diferença entre um livro apócrifo ou

um pretensamente sagrado e os escritos inspirados de

um salmista, um profeta ou um apóstolo. É ridícula a

noção de que os Vedas dos brâmanes, o Avesta de

Zoroastro e o Corão de Maomé são comparáveis em

estilo com a Palavra de Deus. Max Muller nos diz que

“aqueles que acreditam que estes são livros de sabedoria

primitiva e entusiasmo religioso ou, pelo menos, que

soam como simples ensinos de moralidade, ficarão

desapontados ao consultá-los”, assim como poderia a

rima rude de um palhaço ser confundida com os

versos majestosos de Milton ou uma mente instruída

tenha imaginado que a mais nobre linguagem humana

poderia passar como o pronunciamento de Deus.

O estilo das Escrituras não é nem empolado e nem

bombástico, ainda que tão suave, é realeza sem

ostentação; e isso caracteriza a Bíblia como

completamente distinta dos demais escritos e a

assinala como o rei dos livros. Longe de estar presa a

meras convenções, ela é livre como o ar, estando sua

música sempre sintonizada a uma harmonia uniforme.

Page 34: A Dica Do Labirinto

É variada, alegre, denunciativa, plangente, descritiva,

simples, complexa, e ainda permanece em todas as

fases fiel à sua própria peculiaridade: sempre humana

e ainda, ao mesmo tempo, sempre divina.

A PLENITUDE DO LIVRO.

Uma das coisas mais maravilhosas da Bíblia é a sua

completude singular. Ela não é um livro com folhas de

ouro, mas suas sentenças são pepitas da pura verdade.

O livro de Deus é claramente o deus dos livros, pois é

infinito. Como bem disse um autor alemão, “Neste

pequeno livro está contido toda a sabedoria do mundo”.

“Corremos o mundo atrás da verdade;

Coletamos o bem, o puro, o belo

Do rolo escrito e da escultura de pedra,

De todas as antigas flores da alma;

Caçadores exaustos buscando o melhor,

Voltamos cansados de tal trabalho,

Encontrando o que os sábios disseram

Que está no livro que nossas mães zelam”.

Dois literatos discutiram brevemente sobre qual de

todos os seus livros preferidos levariam para uma

prisão caso fossem lá encerrados e tivessem que

escolher apenas um, o qual não poderia ser substituído

por doze meses. O primeiro fez uma cuidadosa seleção

e indicou Shakespeare como sua companhia, pois suas

obras estão tomadas de pensamentos suaves e

expressões magistrais. Porém, achamos que o segundo

Page 35: A Dica Do Labirinto

homem deu uma incontestável razão ao preferir a

Bíblia. “Por quê?” Questionou o amigo: “Você não

acredita nela!” Ao que ele respondeu: “Não, mas quer

eu acredite ou não, este é um livro inesgotável!”

Nós somos gratos por essa palavra: De fato ela é “um

livro inesgotável”. A sua gama de assuntos é ilimitada

e sua variedade de gêneros é indescritível. Sua

profundidade de pensamento e a altura de suas

expressões são imensuráveis. É totalmente inesgotável!

Um milhão de vezes mais magnífica e completa do que

a Bodleian*. As linhas desse livro e sua essência são da

mais sublime e concentrada espécie. Ele, aliás, tem

sugerido uma vasta gama de literatura humana,

possuindo, inequivocamente, uma extensão

inacreditável, sem contar que contém uma

avassaladora quantidade daquilo que poderia ser

chamado de pensamento-fundante ou pensamento-

mãe.

Depois de ter sido rotulado, criticado, caricaturizado e

crucificado em todos esses séculos, ainda permanece

um livro novo, proliferando a sua circulação ao invés

de esgotar-se. Quanto mais o mundo envelhecer e

multiplicar a sua sabedoria, mais o livro sagrado será

o clássico-mor. Assim como foi no começo quando a

recém-nascida nação hebraica soletrava a primeira

parte recebida desse livro, tendo nele os rudimentos da

verdade e da justiça, assim também será ao longo de

toda a história da humanidade.

* A famosa biblioteca da Universidade de Oxford.

Page 36: A Dica Do Labirinto

DEIXE A BIBLIA SER TESTADA.

Deixe a Bíblia ser testada por suas próprias evidências

internas e cuidadosamente estude as suas

coincidências. Ela é rica delas, as quais são

profundamente interessantes a ponto de alguns

leitores as terem como o padrão de referência para

julgar as obras mais recentes.

Deixe a Bíblia ser testada pelos antigos registros e

memoriais. Se ela fosse um produto de elaboração

meramente humana, não estaria, certamente, sujeita a

erros em suas indicações históricas? Cada evidência

tem estado continuamente sob investigação.

Recentemente tem sido encontradas inscrições e

fragmentos escavados ao longo das antigas civilizações

do Egito, Palestina, Moabe, Basã e Nínive, não

obstante, em todas elas, o testemunho histórico das

Escrituras tem sido confirmado. Com que prazer não

teriam trazido alguma laje de algum monte ou

catacumba que contradissesse Moisés ou os profetas?

Não obstante isso, o registro sagrado tem sido até

agora vindicado.

Nos últimos anos alguns dos seus mais ferrenhos

adversários têm sido ridicularizados por suas

desastrosas suposições. Eles trabalham com o mais

empunhado ódio, apropriando-se inclusive de lupas de

grande precisão, porém seu esforço é inútil. A partir

de uma leitura honesta qualquer mente ficaria

incomodada com a incoerência das objeções, com a

arrogância dos oponentes e com a ignorância com que

incitam seu público. Seria fácil refutar as suas

Page 37: A Dica Do Labirinto

acusações contra a exatidão histórica das Escrituras,

mas isto é uma tarefa sem fim que não valeria a pena

quando não se deseja conhecer os fatos, mas apenas se

entreter com fúteis especulações.

INFLUÊNCIA: UM EXCELENTE TESTE.

O melhor teste é aquele que apenas os crentes

poderiam descrever. Qual é a influência das Escrituras

na vida deles? Tem lisonjeado a sua vaidade, reduzido

seu padrão moral, nutrido seu egoísmo ou

desestimulado suas esperanças por dias melhores?

Não! Nela encontram Deus que pelo Livro se revela

como Pai e amigo, e apresenta seus métodos de justiça

como os mais elevados e puros a ponto de mantê-los

plenamente justificados pela fé, habilitando-os a

confiarem na bondade e nobreza de Deus até mesmo

em meio as maiores adversidades. Dia-a-dia eles

provam da fidedignidade das declarações das

Escrituras, as quais lhes são confirmadas com poder.

As palavras de Deus despertam ecos em nossos

corações. O livro é onisciente e onipresente como o

Espírito que a inspirou. Ele sabe tudo sobre nós,

revelando nossos segredos mais profundos. Isto é algo

divino, pois desvenda os pontos nevrálgicos da alma

que apenas poderiam ser conhecidos por Aquele que

formou o coração. Ele observa as falhas das

engrenagens de suas máquinas tão de perto que torna-

se impossível ludibriá-lo, e é dessa forma que Ele age,

como somente um grande Observador agiria. A

Page 38: A Dica Do Labirinto

revelação das Escrituras supre com precisão cada uma

de nossas necessidades, aliviando nossos medos; não

me refiro tão somente aos superficiais pavores da

frivolidade humana, mas as profundas e terríveis

necessidades de uma mente esmagada pelo passado.

Este Livro é a salvação para os homens que fazem

negócios em águas profundas, onde as pechinchas

estão fora de cogitação. É uma estrela-guia para as

mentes em torno da qual a meia-noite do desespero

está se aproximando. Ó incomparável revelação da

verdade! Se tu não vens de Deus, de onde fizeste vir?

Se tudo não passasse de um sonho, quisera nós

sonhássemos novamente ou morrêssemos em nosso

sono! Até agora temos encontrado todos os seus fiéis

ensinos para nossa vida interior, e disso não podemos

deixar de testemunhar!

UM HOMEM SEM PECADO.

Uma prova clara da origem divina das Escrituras nos

é oferecida pelo seu retrato de homem perfeito. Jesus

não apresenta pecados nem por palavras, nem por

pensamentos e nem por atos; seja por excesso ou

carência, seus inimigos são incapazes de encontrar

qualquer falha nele. Em nenhum outro lugar do

mundo encontramos tal retrato de um homem! Seria

quase que redundante dizer que não existe outro

homem como esse. Jesus é único! Ele é original em

todas as suas características peculiares, porém sem

jamais se afastar do reto padrão da justiça. Ele não é

alguém que vive isoladamente e tem poucos amigos, e,

Page 39: A Dica Do Labirinto

consequentemente, poucos testes; pelo contrário, sua

vida e reino se manifestam de modo intenso entre os

homens, dando-se a conhecer de inúmeras maneiras

em todos os seus relacionamentos. Ele é um grande

Professor de ética que inculcou um sistema moral

muito superior a qualquer outro, o qual, incorporado

em sua própria vida, coroou, sublimemente, o edifício

de uma vida perfeita quando consumou sua missão

através da rendição de si mesmo até a morte por seus

inimigos. De onde veio este retrato se esse homem

nunca existiu? Nenhum pintor vai além de seu próprio

ideal. Nenhuma mente imperfeita poderia ter

inventado a perfeita mente de Cristo. O registro é

divino!

O LIVRO E A CIÊNCIA EM HARMONIA.

Entre a revelação de Deus escrita na Palavra e a

revelação manifesta por suas obras na criação, não

pode haver qualquer discrepância. Uma, porém, pode

ir mais longe do que a outra e apresentarem, assim,

grandes diferenças em certos aspectos, porém ambas

devem estar em perfeita harmonia. Deve ser admitido

com franqueza que algumas vezes homens do Livro

tem perdido a essência de sua mensagem,

principalmente quando não sustentam a doutrina da

infalibilidade das Escrituras. Em alguns casos, porém,

no afã por defender a Bíblia, muitos tentando conciliar

as verdades bíblicas com as descobertas científicas

agem imprudentemente, torcendo suas palavras ou

Page 40: A Dica Do Labirinto

expondo-as a uma luz arficial. Nisso reside sua

deficiência, pois se tivessem sempre buscado

compreender o que Deus tem dito através do Livro,

mantendo seu significado original, eles teriam sido

sábios em meio a qualquer que fosse o avanço

científico; e como a ciência professa que esse avanço

científico busca um conhecimento real, as novas

evidências encontradas apenas confirmariam mais e

mais as verdades do Velho Livro.

AS AFIRMAÇÕES CIENTÍFICAS NÃO

SÃO INFALÍVEIS.

Aqueles que se dedicam ao estudo da Natureza e

desprezam a Palavra de Deus, certamente não podem

reivindicar imunidade ao erro tanto quanto exigem

uma nova revisão da interpretação das Escrituras

sempre que surge uma nova hipótese. Desde os seus

primórdios até os nossos dias, a história da filosofia

mais parece uma comédia de erros. Cada geração de

eruditos que surge tem sido mais eminentemente bem

sucedida em refutar todos os seus predecessores, e há

uma grande probabilidade de que muito do que agora

é aceito como ciência ortodoxa será completamente

rejeitada em poucos anos. Quando lembramos que um

círculo de sábios veio a provar que não existe nada

como a mente, enquanto outro grupo tão bem sucedido

provou que não há nada como a matéria, então somos

forçados a levantar a questão: “Quando os médicos se

contradizem, quem traz a palavra final?”

Page 41: A Dica Do Labirinto

CIÊNCIA, UM LUGAR INSEGURO.

Há muitas vozes no mundo, umas mais poderosas e

outras nem tanto, mas mesmo entre os mais sérios

pesquisadores não há ainda nenhuma posição

suficientemente forte que demonstre que alguma

abordagem científica seja absolutamente verdadeira.

Sem dúvida, o processo indutivo de Bacon produziu

uma abordagem mais próxima da certeza, mas mesmo

essa não foi capaz de apresentar uma dedução

absoluta, pois nenhum cientista conhece todos os fatos

que podem incidir numa pesquisa, e ainda, sua

dedução que se estabelece a partir do que lhe é

conhecido pode ser igualmente prejudicada por certas

inferências que lhe são desconhecidas. E mesmo que

perdure por séculos, o tempo pelo qual as observações

científicas poderiam se estender são como a vigília da

noite em comparação com a eternidade de Deus; e o

período de suas observações científicas seriam como a

queda de um balde em comparação com o círculo dos

céus; e ainda que apresentem mais de mil elementos

que incidam numa pesquisa, todavia, no céu e na terra

há mais coisas do que jamais a mais acurada filosofia

dos cientistas poderia sequer sonhar. Desde Aristóteles

essas boas pessoas tem feito o seu melhor, mas o que

provaram até agora foi a nossa burrice e que um mero

figo é melhor do que todos nós juntos.

Page 42: A Dica Do Labirinto

O QUE SERIA MAIS FÁCIL PARA

APERFEIÇOAR?

Em vez de querer corrigir a Bíblia ou afirmar que ela

esteja errada em assuntos de ordem natural, seria

muito mais seguro aceitar que a ciência trilha um

caminho inacabado de aperfeiçoamento, pois ela é

feita de uma substância tão plástica que nenhum

grande esforço é requerido para reverter os modos de

sua presente forma. Do primeiro ao último doutor

formado nas escolas de ciência, nenhum deles tem

escapado dos erros, os quais se levantam não apenas

como meras possibilidades, mas inevitavelmente

surgem sempre que a limitação das faculdades

humanas se depara com o mistério do fenômeno.

Acrescenta-se a isso o fato que muitas vezes são

grosseiros os erros cometidos por tais intérpretes da

Natureza, e que embora muitos dos intérpretes das

Escrituras também tenham falhado em suas

conclusões, todavia não chegaram a ir tão longe

quanto aqueles. Sobretudo, porém, o Livro mantém

uma posição inexpugnável ainda que nunca tenha

dicotomizado os campos do conhecimento, arbitrando

entre confiar numa ou noutra, ou na revelação de

Deus ou na ciência humana, o que não nos impede de

afirmar sem exitação: “Seja Deus verdadeiro e todo

homem mentiroso”.

Page 43: A Dica Do Labirinto

ATÉ AGORA, NENHUMA GRANDE

DIFICULDADE!

Não vemos nenhuma grande dificuldade até o presente

momento. As Escrituras podem não se ajustar com

algumas das hipóteses propostas, mas concordam com

os fatos conhecidos. Interpretadas de forma correta,

elas exibem de forma clara a sua harmonia entre a

Natureza e a Providencia de tal modo que as Palavras

podem ser observadas pelas Obras. Um artigo do

Illustrated London News descreve por palavras uma

cena que na página ao lado também fora pintada por

um virtuoso artista: as duas formas de comunicação

coincidiram completamente, apesar de que a

impressão que causou sobre o leitor, que não

conseguiu ver a gravura, não foi a mesma que

produziu sobre o observador que considerou apenas a

gravura e negligenciou a impressão tipográfica. O

homem que se preocupava apenas com a tipografia

poderia brigar com o devoto do bloco de madeira,

enquanto que o observador da gravura poderia

igualmente replicar contra o leitor; se fosse possível

combiná-los, porém, a intenção do autor, certamente,

seria melhor compreendida. Quem lê a Palavra

considera a Obra, e quem lê a observação natural

atenta para a Revelação, e o aumento da sabedoria

será a recompensa de ambos.

Page 44: A Dica Do Labirinto

ANCORADOURO E PÉ DE APOIO DA

FÉ.

Quando a Bíblia é completamente aceita como a

própria revelação de Deus, a mente encontra um

ancoradouro seguro, e isso não é pouco ganho. Um

lugar tranquilo de descanso é uma necessidade urgente

da alma. Assim, para encontrar um firme pé de apoio

os homens investem suas expectativas numa igreja

infalível ou mesmo em suas próprias suposições de

uma razão infalível. De dois irmãos um tornou-se

papista e outro infiel. Não nos sentimos atraídos por

nenhum deles, ainda que ambos venham a reivindicar

terem encontrado um lugar de refúgio. Nós preferimos

por conta própria e de uma vez por todas lançar

âncora numa revelação infalível. À deriva diante

daquilo que pode ser de prejuízo ao caráter e de

influência fatal, um pé de apoio é essencial. Quando

pela primeira vez a âncora desce e a sua base se firma,

nesse momento pouco se é conhecido em comparação

com o que será descoberto pelo teste da experiência.

Milhares estão calmamente atracados no Justo

Refúgio das Escrituras; miríades estão crescendo e

dando frutos no jardim do Senhor. Seu testemunho é

garantido, mas a nossa própria experiência vai trazer

a mais satisfatória convicção. Abaixo vai a âncora: a

raiz abraça o solo.

Page 45: A Dica Do Labirinto

O PECADO PERTURBA A FÉ.

Aceitando as Santas Escrituras como a Revelação do

próprio Deus, podemos, assim, conhecê-lo mais por

fins práticos do que poderíamos por qualquer outro

meio, principalmente no que se refere a um assunto

ainda não mencionado. Nossa consciência (pela qual

somos muito gratos, e sem a qual nossa batalha teria

sido sem esperança, se é que, de fato, fosse possível

imaginar alguma batalha.) nos lembra que não

estamos no começo da vida, pois já percorremos

alguma distância, e que não a trilhamos de um modo

tão perfeito como desejávamos. Com um suspiro nossa

memória sinaliza muitos registros, os quais nos

causam desconforto. Podemos não ter sido o pior dos

homens, mas lamentamos que haja alguém pior do que

nós. É possível que tenhamos evitado as rochas do

vício, porém, até agora, temos sido puxados pelo

turbilhão da indiferença. Não fizemos o nosso melhor e

começamos a suspeitar que o nosso melhor não esteja

à altura do mal que fizemos. Felizmente este livro

divinamente inspirado trata em grande medida do

tema do pecado e do método eficaz pelo qual o culpado

pode ser expiado de sua vileza, sendo equipado para

uma vida pura. Aprendemos assim como o imperfeito

pode se atrever a confiar no Perfeito, ou como o

infrator pode se aventurar a confiar naquele a quem

tem ofendido. Feliz é o homem que nasceu para tal

conhecimento e para o caminho que já lhe pode ser

trilhado!

Page 46: A Dica Do Labirinto

ORAÇÃO SUGERIDA.

Quando surge uma nova descoberta, qualquer que

seja, tanto para o bem quanto para o mal, o crente é

conduzido a Deus. Ele é levado quase que

instintivamente a orar, especialmente quando está

sabiamente arraigado sobre uma verdadeira fé no

coração. Desde que vemos que Deus tem aumentado

nosso conhecimento por revelar a si mesmo através do

Livro, e desde que ouvimos que ele tem esclarecido

elementos escuros e difíceis que poderiam prejudicar

nossa fé, somos inclinados a adorá-lo. Feito isto,

devemos estar empenhados a ler com fervorosa oração

o inestimável Escrito, para que ele ajude o nosso

entendimento a perceber o seu significado,

habilitando-nos a obedecer os seus preceitos.

O Livro é para nosso uso, não para nossa diversão.

Compete a nós lidarmos com esse presente de forma

digna. Ele não deve ser tratado com displicência, mas

de modo sério, imediato e contínuo a fim de que se

imponha como um guia tanto para esta vida quanto

para o porvir. Ele não deve ser posto de lado como um

mero travesseiro para um distante dia da morte, mas

devemos pedir a Deus para que ele se torne o nosso

presente instrumento para uma vida de dignidade,

como um tutor diário na arte de se afastar do mal e

buscar o bem.

Page 47: A Dica Do Labirinto

A REMOÇÃO DO GRANDE OBSTÁCULO

À FÉ.

Quanto a má consciência oriunda dos pecados do

passado e a inclinação maligna em nossa natureza, a

Bíblia é muito clara, sendo admirávelmente explícito o

modo pelo qual Deus remove esses obstáculos para

nosso progresso futuro. Nas Escrituras vemos um

método mais sábio e gracioso para nos livrar da culpa,

sem prejuízo para a justiça divina. A expiação

oferecida pelo Senhor Jesus, que é a essência da

revelação de Deus, é uma solução eminentemente

satisfatória para resolver os graves problemas da

alma. Nosso sentimento é de que o Soberano Deus do

universo deve fazer tudo o que deve ser feito segundo a

sua misericórdia, pois afrouxar o mandamento que

causou o mal traria apenas o mal como consequência.

Para nosso próprio bem, quando em nosso melhor

estado de espírito, nós não desejaríamos ter esta lei

restauradora revogada. Pecado deve ser punido:

mantenha a lei, venha o que vier de nós. Um Deus

injusto seria o mais terrível dos males imagináveis.

Pecado conectado com recompensa ou divorciado de

duras consequências seria a morte do grande princípio

de justiça que é a aspiração de toda a perfeita saúde

moral. As Escrituras não propõem a abolição da lei ou

o abrandamento da pena, mas revelam o plano de

substituição: o juiz ofendido carrega sobre si as

consequências do delito do homem rebelde. Ele assume

a natureza humana, levando sobre si mesmo o castigo

do pecado. Ele toma o fardo da transgressão do

homem, tendo sobre sua cabeça as palavras divinas:

Page 48: A Dica Do Labirinto

“O castigo que nos traz a paz estava sobre Ele, e pelas

suas pisaduras fomos sarados.” Toda a transação de

substituição, descendo até a vergonhosa morte no

madeiro, e subindo para a ressurreição e ascensão, é

uma grande maravilha: ela não pode ser uma ficção,

ela supera toda a invenção, é o fato dos fatos.

Cuidadosamente estudado, analisado e pesado, o

sacrifício que a si mesmo ofereceu o Filho de Deus

opera em muitas mentes uma convicção que não pode

ser resistida, trazendo uma paz que pode apenas ser

concebida por aqueles que nele se satisfazem. Aceitar o

sacrifício que Deus aceitou faz com que nós mesmos

sejamos aceitos pelo Senhor.

O MÉTODO DA MISERICÓRDIA DE

DEUS.

Perdão de pecados através de um sacrifício satisfaz um

enigmático mas verdadeiro anelo da humanidade por

justiça, esse fator é quase que unânime em todos os

povos e culturas. Mesmo a não iluminada consciência

dos povos selvagens não descansa até que a espada seja

empunhada e uma vítima caia. Como que por um

estatuto, o homem não se atreve a se aproximar de

Deus sem oferecer-lhe sacrifício. Não obstante, as

mentes mais esclarecidas não se contentam em ficar

sem respostas sobre a questão da necessidade e

finalidade do sacrifício: tal explicação é encontrada

com grande amplitude nas inspiradas Escrituras.

Quando bem compreendida e aceita, a morte vicária

Page 49: A Dica Do Labirinto

do Filho de Deus fornece paz ao crente a ponto de

fazê-lo sentir-se tão à vontade como se nunca tivesse

quebrado a lei. Pela morte da divina Vítima a lei é tão

vindicada que o crente se põe mais sob o

reconhecimento do universo do que se sua completa

punição tivesse sido exigida. O coração é assim

aquietado de uma vez por todas mediante o favorável

parecer de uma consciência plenamente satisfeita. Por

ter Jesus lançado fora todo o pecado por meio da

expiação, que é a grande maravilha da eternidade, o

crente tem agora tantos motivos para temer quanto

tinha Sansão ao ver que o leão morto a seus pés estava

cheio de mel.

PRIMEIROS TRABALHOS DA FÉ.

O pavor da culpa que foi removida pela fé em Deus,

tal como revelado em Cristo Jesus, faz com que a

mente seja tomada por gratidão diante do grande

amor demonstrado pela dádiva da propiciação,

provocando também um intenso ódio pelo mal que

requereu tal sacrifício. Isto imediatamente inicia uma

purificação que o coração nunca havia visto antes. No

resplendor da divina bondade, o prazer uma vez

sentido pelo pecado é secado, e posteriormente

evaporado; e ainda do meio daquele fogo consumidor

surgem saltos de júbilo provenientes do novo

nascimento para a justiça oriunda das chamas

imortais do infinito amor. Isto se torna uma força

motriz para uma vida altaneira, surpreendente para

aquele que o recebe, o qual fica maravilhado com a

Page 50: A Dica Do Labirinto

alegria e a esperança que transbordam dentro dele.

Quanto mais forte é a fé na propiciação revelada, mais

completo é o descanso e mais intenso o poderoso desejo

por uma completa santidade. Assim, a confiança em

Deus e em seu filho Jesus Cristo se torna um instinto e

uma alegria, como pode ser lido pelas entusiásticas

palavras: “Vós credes em Deus, crede também em

mim.”

A FÉ SE DELEITA NUM EVANGELHO

SIMPLES.

É um motivo de profunda gratidão que o evangelho é

tão simples quanto uma vara de bambu. Ele poderia

ter sido destinado a ser um remédio secreto para uma

seleta elite que o usufruiria de modo oculto e filosófico,

mas é feito para gente pobre, iletrada e não dotada da

sociedade, sendo, por isso, necessário que seja o que é

– a própria simplicidade. Graças a Deus, o evangelho

não se presta ao charlatanismo, apesar de muitos de

nossos elegantes pensadores o rebaixarem ao invés de

o exporem, o que faz com que o evangelho se pareça

com um sistema exclusivo e aristocrático destinado a

entretê-los. Temos, todavia, o prazer de encontrá-lo

exposto de forma simples pelas Escrituras, não é a toa

que, enquanto seus mais ferrenhos críticos estão

tombando em seus túmulos, a sua perfeita doutrina já

salvou milhões, está a salvar outros tantos e ainda

salvará miríades. Às vezes, a fé exige grande paciência,

principalmente quando é atormentada por acusações,

as quais ignoram seu incrível alcance e sua grande

Page 51: A Dica Do Labirinto

operosidade confirmada por seus resultados. Por que

seus opositores não fazem objeções contra o sol? Por

que não negam que ele dá luz ou calor?

A DESCOBERTA DA FÉ.

Quando a fé recém-nascida balbuciava suas primeiras

palavras de surpresa, ela indagou: “De onde eu sou?

Como vim ao coração?” A resposta recebida do Livro e

também da própria consciência foi a seguinte: Esta é a

operação de Deus! Foi o Espírito Santo quem a

produziu de forma tão nova, viva, poderosa e superior

a qualquer outra experiência ordinária da vida. Se isto

é assim, uma nova fonte de confiança é aberta, levando

o crente a dizer: “De fato, Deus tem começado a operar

em minha natureza, e como ele é imutável, ainda

continuará esse trabalho até completá-lo.” Dessa forma,

Deus entra numa terra fértil que mana leite e mel. O

sagrado pacto torna-se um fato real projetado pelo

Pai, pois se assim não fosse, ninguém jamais teria

vindo a Cristo, e nisso está o amor! Cristo fez a

expiação completa do pecado, e nisso está o amor! O

Espírito Santo operou fé nos corações e concebeu suas

bençãos espirituais, e nisso está o amor! O coração do

crente é introduzido a uma nova relação com Deus,

obtendo íntima comunhão e recebendo os primeiros

frutos que lhe foram poderosamente confiados. O

mesmo Espírito que está, evidentemente, no coração, é

declarado ser seu Consolador permanente, seu

Santificador, seu eficaz Professor da alma, o que torna

o futuro algo bem diferente do que anteriormente se

Page 52: A Dica Do Labirinto

podia esperar. Assim, a revelação do Livro aplicada ao

coração leva o homem a crer que depois de uma obra

tão sublime, ele ainda será conduzido a um grau de

forças que suas esperanças mais otimistas sequer

poderiam ter sonhado.

UMA NOVA CATEGORIA DE FÉ.

Confiando no Senhor Jesus Cristo para a sua completa

salvação e estando certo de que por esse meio é salvo, o

crente se submete a um novo princípio-mestre. Antes

ele imaginava que para ser redimido deveria trabalhar

incansavelmente para isso, a ponto de cada fragmento

de suas virtudes buscarem esse fim. Ele agia ou

abstinha-se de agir, era justo ou generoso, louvava ou

orava a Deus com o propósito de se auto-beneficiar.

Quão pouco da essência da virtude poderia ser assim

encontrada! Ainda que os motivos do trabalhador não

estejam imunes a isso, pelo menos, salvando-lhe, o

Senhor poderia conduzí-los para muito além do anseio

de produzir sua propria salvação, e então poderia

levá-los a seguir as coisas nobres e benevolentes do

puro amor de Deus. É natural que quando um homem

está em perigo ele procure principalmente pela sua

própria segurança, é por isso que, primariamente, a

própria natureza é o inimigo do altruísmo. Quando,

porém, os melhores interesses do homem estão

graciosamente seguros e lhe estão postos acima de todo

o perigo, ele olha além de si mesmo para seu Doador e

regula sua vida não pelo egoísmo, mas pela gratidão.

Page 53: A Dica Do Labirinto

Este é um grande passo para a maioridade, quando o

medo servil é substituído pelo amor filial, pois quando

somos levados a agir instintivamente não conseguimos

entender uma paixão, como a de Xavier:

“Meu Deus, eu te amo,

Não porque por isso chegarei ao céu,

E nem porque sem isso queimarei eternamente.

Tu, ó meu Jesus, que abraças-te-me na cruz,

Suportando pregos, lança, desgraças,

Mágoa, tormentos, agonia e suor;

Sim, a morte mesma, e tudo mais por mim, o teu

inimigo.

Então, por quê, ó Bendito Cristo,

Não devia eu amar-te assim?

Mais que a esperança do céu,

Mais que o escape do inferno.”

No amor grato temos o impulso que alavanca a moral,

o princípio nobre, elevado e poderoso que produz

obras infinitamente mais valiosas do que qualquer

outra que pudesse sobrevir do medo de um escravo ou

da esperança por recompensa.

FÉ E A NATUREZA DE CRISTO.

Não relevo nenhuma abordagem do Senhor Jesus

Cristo que desconsidere as suas naturezas divina e

humana unidas numa única pessoa. Nele, em quem

tais naturezas se misturam, porém não se confundem,

ambas, Divina e Humana, proporcionam juntas o mais

Page 54: A Dica Do Labirinto

completo socorro para o mapeamento de uma fé

prática. Jesus se solidariza com a condição de um

lutador que busca a excelência, pois ele também foi

tentado em todas as coisas como nós. Ele conhece

todas as dificuldades que brotam das limitações da

carne e sangue, pois também sentiu fome, dor,

pobreza, doença, depressão e fraqueza. De notável

valor e grande auxílio para a carreira é usufruir de

um poder ilimitado que se compadece de nossa

fraqueza.

Não há qualquer desvantagem em declarar que Ele é

um homem, o qual se liga a nós pelo mais afetivo laço e

relacionamento. Ele não é apenas terno para com os

nossos mais terríveis sofrimentos, mas também é tão

sábio quanto fraterno, tão poderoso para subjugar

nossas faltas quanto gentil para suportar nossas

fragilidades. Sua humanidade traz Jesus até nós,

enquanto que sua divindade nos leva a Deus. Dessa

forma, o Senhor Jesus não apenas ministra para o

nosso conforto, mas também para o nosso progresso, o

qual, dos dois, seria o mais importante.

Poderia a fé crer num Ser mais hábil para lidar com

todas as nossas necessidades e mais útil para suprir

todos os nossos mais nobres anseios? Unidos a Jesus,

nós aspiramos confiantemente nos assemelharmos ao

nosso Criador, tanto quanto seja possível uma criatura

suportar.

Page 55: A Dica Do Labirinto

ENTUSIASMO PELA PESSOA DE JESUS.

O amor do crente pelo Senhor Jesus é intensamente

pessoal e apaixonado, estando acima de qualquer

outra afeição. Seu amor, sofrimento, perfeições e

glórias enchem e incendeiam o coração. Ora, há mais

força no amor de uma pessoa viva e real do que no

registro inscrito de um conjunto de doutrinas

importantes, da mesma forma que a coragem de um

líder instiga ações mais audaciosas do que qualquer

filosofia. Assim, Cristo Jesus, nosso glorioso líder,

inspira seus seguidores com uma paixão ardente, um

zelo que a tudo consome e um indomável entusiasmo

que fornece todo o poder que os mais nobres

necessitam. Para aqueles que desejam ter o coração

capturado pela santidade, isso não é nenhuma

ajudinha qualquer.

FÉ NA VIDA QUE CRISTO VIVEU NA

TERRA.

Quanto mais examinamos o caráter do Senhor Jesus

Cristo, mais tomados de admiração ficamos. Por

diferentes ângulos temos nos Evangelhos uma

quádrupla fotografia do seu rosto, os quais, quando

agrupados ou mesmo observados particularmente, nos

deixam encantados com a sua beleza especial. E essa

afirmação não é tão notável, pois quase todos os

homens do mundo, mesmo os não-cristãos,

Page 56: A Dica Do Labirinto

reconhecem a singular excelência da vida de Cristo. É

tão original, transcendente e perfeita que quase todos

assim a apreciam, exceto alguns partidários cegos que

banalizam as coisas sagradas e se curvam diante de

sua própria glória, os quais se consideram o beau-ideal

da perfeita maioridade. No entanto, o que as

Escrituras nos apresentam como um exemplo deve ser

também o modelo a ser imitado, ou seja, o padrão

ordenado pelo qual o crente como obra de Deus deve

ser conformado. Para um tão alto padrão, e para que

possamos ter a certeza da possibilidade de alcançá-lo,

temos um Auxiliador apto o suficiente para nos

conduzir a esse alvo, em quem podemos ter a certeza

de uma grande assistência à vida virtuosa. Fé naquele

que é o nosso exemplo e Salvador nos fortalecerá para

as batalhas da vida. Todavia, para que possamos

aspirar a esse caráter perfeito, tal como a glória eterna

que desejamos mais que tudo, é preciso que a obra da

salvação tenha sido já aplicada anteriormente em

nossas vidas. É um grande conforto ser consumido por

um ardente desejo de ser como Jesus, pois a salvação

do inferno para o céu qualquer miserável egoísta pode

desejar, mas a salvação do egoísmo para ser

transformado à imagem de Cristo é anelada somente

por aqueles que possuem um coração renovado, pelo

que isso também confirma que esses têm a sua

salvação assegurada.

Page 57: A Dica Do Labirinto

FÉ NOS PRINCÍPIOS DA VIDA DE

CRISTO.

Deve ser notado que a completa abnegação de nosso

Senhor Jesus está acima de qualquer suspeita, a qual

também tornou-se o caminho para a gloriosa

preeminência que agora desfruta. Ele está acima de

todas as coisas porque se voltou para a pior e mais vil

condição. A sua honra está em ter aberto mão de sua

glória e se inclinado para o que havia de mais vil e

vergonhoso. Da mesma forma, a sua glória no coração

de seus redimidos está em que a si mesmo se esvaziou,

tomando sobre si a forma de servo e chegando até a

morte, o Justo pelos injustos, para nos conduzir a

Deus. Nenhum motivo secundário deteriorou o

compassivo auto-sacrifício de Jesus ou o obstruiu da

entrega de si mesmo que o levou a sua triunfante

exaltação. A fé verdadeira percebe isso e sabe que a

regra é válida não apenas para o líder mas também

para o seus discípulos, os quais se submetem a todos os

tipos de serviço inferior, consentindo com entusiasmo

a um completo auto-esvaziamento. Perder a vida por

causa do amor e da graça está em completo acordo

com o caminho bíblico da salvação. Não é a toa que o

aniquilamento completo de si mesmo é a mais segura

das rodovias para a glória e a imortalidade, nela a

alma está preparada para rejeitar qualquer paixão

que entre todas as coisas é o que mais enfraquece a

força da virtude.

Page 58: A Dica Do Labirinto

JESUS NUNCA TEVE DÚVIDAS.

As dúvidas na vida de um líder são motivos de

fracasso para seus seguidores! Nesse sentido, seguir

Jesus é uma grande vantagem para a vida de fé, pois

Ele nunca duvidou. Em toda a história de sua vida,

desde a infância até sua morte, não há traços de

dúvida. Todos os demais homens, o melhor, mais

firme, mais instruído e mais piedoso tiveram seus

momentos de questionamento, suas horas negras de

incredulidade, porém isso jamais aconteceu com Jesus

que nunca foi tomado por incertezas e nunca sequer

hesitou. Ele conhece o Pai, sendo totalmente

conformado a Ele, procurando apenas a sua glória e

confiando plenamente no poder eterno. Ele nunca

tateou na escuridão, pelo contrário, sempre seguiu

adiante com serenidade, calma e clareza. Na hora do

triunfo de seus inimigos e de sua própria paixão, ele

está “profundamente triste até a morte”, mas nunca

desconfiado ou duvidoso. Sua mente nunca hesitou ou

temeu o fracasso de seu grande empreendimento,

apesar de todos os seus discípulos o terem abandonado

e fugido.

Para o soldado na batalha, a confiança em seu capitão

vale mais do que muitas fileiras. O olhar calmo e

resoluto do comandante e a sua face segura fazem com

que até o vacilante cresça firme e os mais ansiosos

sejam tranquilizados. Se Cristo tivesse titubeado, o

cristão comum teria razões para entrar em desespero,

mas como Aquele que suportou o peso da batalha

nunca vacilou, não há o que temer. Fosse a dúvida algo

Page 59: A Dica Do Labirinto

meritório e útil, Jesus não teria ficado sem isso. Assim,

quando observamos que Jesus jamais foi tomado por

dúvidas, não temos que dedicar nenhuma reverência

ao Ceticismo. Julgamos que isso não é nenhum pouco

necessário para uma humanidade perfeita e quanto

menos nos envolvemos com isso, melhor.

FÉ E AS SUAS PRIMEIRAS DÚVIDAS.

Nossa condição crônica de incredulidade se finda com

uma plena confiança em Deus do modo como Ele se

revelou, porém os abruptos anseios por fazer uma

adaptação da Revelação podem resultar numa

inesperada emboscada. Não seria isso uma espécie de

epilepsia da mente? Pois crer no Grande e Invisível

Deus não faz parte de nossa disposição natural, que

ainda anseia por sinais que levem os olhos a

contemplar admirados. Ora, é comum que crentes

imaturos apresentem fraquezas por desejarem se

manter sobre os seus próprios pés, inclusive a própria

grandeza e estranheza de suas descobertas espirituais

podem levá-los a isso. E a sua memória dos pecados

anteriormente cometidos e a sensação de fraqueza no

presente também podem aterrorizá-los. No entanto, no

dia em que eles empenharem com firmeza mortal a

sua fé em Deus, as trevas passarão sobre as suas

almas. Nessas horas, a experiência virá em seu auxílio

e eles acharão mais fácil confiar quando a fé já lhe tem

sido habitual. Assim, um dia eles poderão até mesmo

alcançar uma fé triunfante como a do aflito Jó, que

Page 60: A Dica Do Labirinto

disse: “Ainda que Ele me mate, eu Nele confiarei.”

A FÉ DEVE PERMANECER LIVRE DE

QUALQUER MISTURA.

Muitos que procuram viver dignamente tendem a

misturar a sua fé em Deus com outras coisas. No

ímpeto por desfrutarem de todas as ajudas possíveis à

fé, chegam ao ponto de dar uma ajudinha a Rocha dos

Séculos, fornecendo madeira de suas próprias

florestas, o que obviamente provará ser uma grande

fonte de confusão. Se nós, de fato, confiamos em Deus,

devemos nos entregar a ele sem reservas, pois se ele é

aquele que tem todo o poder sobre tudo e todos, então,

quem supõe que pode dar um auxílio a Deus faz algo

tão absurdo que chega a ser um insulto. Será que

realmente cremos que o meio de salvação definido por

Deus pode nos salvar dos pecados? Devemos, então,

crer que ele cumprirá a sua promessa

independentemente de nos sentirmos melhores ou

piores. Se é em Deus que cremos, não há como

imaginar a possibilidade de qualquer fracasso ou

mudança de planos. É verdade também que podemos

fraquejar, porém a ênfase deve sempre descansar

sobre a fidelidade de Deus, e até que possa ser

levantada alguma convincente oposição a isso, por que

razão deveríamos duvidar? Imaginar que os

propósitos eternos devem ser alcançados por meio de

duas forças pode fazer com que a nossa confiança

oscile entre uma e outra. Porém, se tudo está nas mãos

de um só, então a falta de confiança sempre será

Page 61: A Dica Do Labirinto

injustificável, a menos que o Único Poder manifeste

sinais de fraqueza. Dessa forma, a fé em Deus não deve

ser adulterada, e nem mesmo a santa ansiedade ou a

vigilância estão autorizadas a deslocar o terreno de

nossa confiança. Devemos, assim, com todas as nossas

forças depender daquele que é exaltado como Príncipe

e Salvador.

O CRENTE É UM MISSIONÁRIO.

Aquele que realmente crê em Jesus trará muita

esperança para os seus companheiros. Sem dúvida,

esta esperança é uma grande ajuda na prática do bem.

É verdade que muitos falharam em sua tarefa de

evangelização por que não creram que determinados

indivíduos poderiam ser salvos, entretanto, um cristão

genuíno jamais descartaria essa possibilidade, pois se a

graça foi capaz de alcançá-lo, certamente ela poderia

fazer o mesmo com qualquer um. A Palavra que atuou

profundamente em seu próprio ser poderia muito bem

efetuar o mesmo em outros. Por isso, caso tivesse uma

chance, o crente tentaria converter até mesmo o papa.

Na falta desse, porém, ele começa a empenhar as suas

forças com o primeiro que tiver a oportunidade. De

fato, a fé viva se propaga! Logo, se não tens nenhuma

preocupação com a alma do teu vizinho, já está mais

do que na hora de começar a se preocupar com a tua

própria.

Page 62: A Dica Do Labirinto

A FÉ NÃO É UMA FANTASIA!

Devemos crer em Deus por aquilo que ele é, e não por

aquilo que ele não é. Precisamos esperar

confiantemente que ele aja de acordo com a sua

natureza, mas nunca o contrário. Imaginar que Deus

faça isso ou aquilo apenas por que nós desejamos que

faça, isto não é fé, mas fanatismo. A fé só poderá se

manter se estiver firmada sobre a verdade! Nesse

sentido, nós podemos ter a certeza de que Deus sempre

agirá para honrar a sua própria justiça, misericórdia,

sabedoria e poder, em uma palavra, de modo a ser

quem ele é. Sem qualquer sombra de dúvida, ele

cumprirá as suas promessas; e quando a fé se prende a

elas, encontra-se em terreno seguro. Esperar que Deus

nos dê o que ele nunca prometeu, é pura fantasia, pois

fé sem uma promessa implícita ou revelada é tolice.

Dessa forma, mesmo que a nossa confiança se derrame

em profundo clamor e oração, ela seria como um velho

caduco, caso não houvesse Palavra de Deus para

justificá-la. Felizmente, as promessas e revelações das

Escrituras abrangem cada emergência real da vida,

porém, quando aplicados desenfreadamente, visando

seu cumprimento, tendem a capturar os mais

desastrosos caprichos da mais louca imaginação; a

decepção deles não deveria nos causar surpresa. De

fato, é nosso dever crer nas coisas certas da Revelação

de Deus, mas não devemos desperdiçar um grão de

preciosa confiança com qualquer coisa fora disso.

Page 63: A Dica Do Labirinto

POSTURA PROGRESSISTA?

Nenhum de nós já aprendeu todas as coisas que Deus

tem a ensinar pela sua Palavra. Nós apenas temos

caminhado pela superfície do grande mar, mas Oh

profundidade! Estamos a crescer na sabedoria

celestial! Ora, possivelmente uma geração ultrapassa a

outra em termos de conhecimento, porém, alguns

crescimentos são suspeitos, especialmente esses

provenientes de uma fé enfraquecida. É certo que do

período apostólico à Idade das Trevas, se a igreja

avançou foi para trás. O pensamento religioso fez

mediocres progressos estando por vários séculos longe

da verdade. É mais do que possível que o pensamento

moderno esteja iniciando mais um desses períodos

progressistas.

Aqueles que são aficionados pelas novidades podem

fazer doutrina de qualquer declaração divina como

“Ainda mais luz está para romper da Palavra”, nós,

porém, sem negar isso, pedimos licença para

levantarmos algumas questões sobre a interpretação

primária das profecias. Se isto quiz dizer que os

apóstolos, confessores e mártires não conheciam o

significado da Revelação de Deus; que os homens

santos do passado eram ignorantes quando

comparados com os mestres de nossos dias; e que os

puritanos e outros afins devem ser descartados porque

novas lâmpadas têm eclipsado a velha luz, então nós

temos que asseverar que tal afirmação não passa de

uma grande, óbvia e pestilenta mentira. Deus não

deixou estes dezenove séculos sem a sua graça. Ele não

Page 64: A Dica Do Labirinto

tem atormentado as eras com uma Bíblia que só pode

ser aberta por uma sucessão de alemães com grandes

tubos de ensaio. Nós medimos os presunçosos

apóstolos do “pensamento moderno” e somos lentos

em admitir que a verdade do evangelho foi

propositadamente envolvida na obscuridade que seus

vastos intelectos desenvolveram nesses dias. Sob sua

liderança nossas igrejas estão famintas, a religião está

caindo no desprezo e ainda querem que esperemos

todos os dias por seus textos, os quais invertendo

continuamente os oráculos apenas revelam a sua

teologia progressista.

Xô! Continuaremos alimentando os homens com o Pão

do céu, enquanto estes pretendentes estão provando

que serragem é o verdadeiro recheio para os bonecos

humanos.

FÉ PARA TODAS AS OCASIÕES.

Deus é um! Suas obras e Seus caminhos são um! Tanto

as Suas leis para a terra quanto as para o céu estão

registradas no mesmo Livro. Diante de Deus, o natural

e o espiritual não entram em conflito. Perniciosa e

imaginária é a distinção que se faz entre o secular e o

sagrado. Cremos em Deus tanto para o presente

quanto para a eternidade, tanto para a terra quanto

para o céu, tanto para o corpo quanto para a alma.

Longe de qualquer homem honesto está o confinar a

sua fé em Deus apenas aos assuntos misteriosos e

impalpáveis, excluindo-a dos interesses imediatos e das

Page 65: A Dica Do Labirinto

provações diárias da vida. Somos ensinados pelo nosso

Grande Mestre a orar ao Pai celestial: “Venha o teu

reino;” sendo que na mesma oração está inclusa a

petição: “Dá-nos hoje o pão nosso de cada dia.”

Confiar ao céu os grandes cuidados e deixar os

menores na descrença seria tão insensato quanto se

comprometer a cuidar da casa de um vigia e esquecer

uma janela aberta. O que é pouco? O que é

insignificante? Não existe isso na vida de um homem

sábio que anseia por fazer o que é correto. Não

mesmo! Nós devemos manter a fé sempre presente e

disponível para todos os momentos como uma casa

limpa, cujos móveis estão lustrados e as compras estão

feitas, pois se o nosso sustentáculo está disponível

apenas para as grandes ocasiões, poderemos estar

completamente despreparados para os males que vêm

de surpresa. Ora, “O justo viverá da fé!” A fé não é um

casaco que só usamos quando vamos para alguma

reunião, mas uma vestimenta diária. A fé deve ser

compreensiva, presente em todas as horas e sempre em

operação. Ela é fundamental para todos os momentos,

necessidades e contínuos perigos da vida. Da forma

como a espada do querubim impede todos os caminhos

de entrada para o Éden, assim também a fé guarda a

alma do avanço dos inimigos, não importando de que

ponto da bússola eles venham.

Page 66: A Dica Do Labirinto

A FÉ TRABALHA.

A fé sincera não pertence à tribo dos lazzaroni* que

levam a vida de qualquer jeito e não se esforçam em

nada. Esse é sim o acompanhamento do desespero, e

não da confiança. Convencido da fertilidade do solo, o

agricultor semeia; certo da vitória, o soldado luta;

seguro do seu bom navio, o marinheiro se põe ao mar.

Não podemos crer que Deus, que trabalha cada vez

mais, pare de trabalhar. A fé nunca acredita ter

alguma vantagem na ferrugem do inglorioso ócio.

Não! A fé do dia-a-dia atinge os Alpes, une os mares,

invade o desconhecido, desbrava os perigos; e quando

se exercita na força do Senhor, ela afugenta os maus

hábitos, aniquila as cobiças, reveste-se de abnegação e

faz do homem um herói. Quanto mais fé maiores são

as conquistas! Como a válvula que regula a

quantidade de vapor que pode ser liberada, assim

também a fé pelo seu declínio ou avanço diminui ou

aumenta a força espiritual que é exercida em direção

ao coração de Deus. Sem dúvida, este é um assunto do

mais alto valor, pois não apenas temos que ter fé, mas

temos que tê-la mais e mais abundantemente. A regra

do Reino é “Seja segundo a tua fé.”

* Desocupados sem-teto de Nápoles, Itália, que viviam ao acaso ou da mendicância. Foram

assim chamados por causa do Hospital de São Lázaro que lhes servia de refúgio.

Page 67: A Dica Do Labirinto

A FÉ ESPERA.

O coração incrédulo precisa ver imediatamente o

efeito de todas as causas, pois do contrário corre o

risco de duvidar até mesmo da própria causa. A fé,

porém, não tem pressa! Na natureza os mais preciosos

processos são lentos. É verdade que o aparecimento de

cogumelos em apenas uma noite é algo admirável, no

entanto, há processos mais nobres do que o dos fungos,

os quais não acontecem assim tão rapidamente.

Em termos de produzir uma certa condição, o

fenômeno dos fungos não seria o exemplo mais

apropriado, ao invés dele, pensemos, então, num belo

jardim nos meses de Junho*, tudo muito florido e bem

colorido. Para que haja esse cenário, porém, é

necessário que ele seja precedido pelo choroso céu

nublado de Abril e as instabilidades de Maio. O que

decorre daí? Do mesmo modo, a fé aceita a

imutabilidade da natureza de Deus e se compromete

com o seu consolo e segurança diante das mais

diversas circunstâncias externas, pois olhando por

detrás do visível cenário de constantes mudanças, ela

não está perplexa diante das aparências adversas.

Deus trabalha como lhe agrada. Ele não explica seus

métodos, mas dá a oportunidade de crer nas suas

promessas. Os mais nocivos elementos podem parecer

desfavoráveis para o alambique, e a fumaça do forno

pode surgir no processo, mas o maior bem é destilado

no devido tempo. Em nenhum momento durante o

processo deve-se estar descontente ou duvidoso do seu

desfeixo, nem mesmo desferindo as críticas da

Page 68: A Dica Do Labirinto

ignorância, pois o homem de fé se abstém de julgar o

trabalho inacabado. Seus olhos são proféticos, ele é

capaz de ver o bem que está por vir e, portanto, jamais

arranca a maçã enquanto não está madura. Pressa,

preocupação, irritação e ansiedade são coisas para os

de paixão míope, mas descanso, calma, força e

prudência resultam de grande confiança.

* Spurgeon tem em mente os períodos do ano no Hemisfério Norte, especialmente em

Londres, onde as estações são bem marcadas por traços bem característicos que

distinguem uma das outras.

A FÉ CANTA.

A vida de fé é música! Ela marcha para as batalhas

com os salmos. Ela sofre com hinos nos seus lábios. Ela

glorifica a Deus no fogo. Ela transcende a esfera

natural exultando com louvores, tais como o Te

Deum*, e não com as dolorosas notas dos hinos

fúnebres. Ela se afasta das lamentações dos

“carpideiros de plantão” e entra sozinha na sala, tendo

em sua companhia apenas o Senhor, que é a

Ressurreição e a Vida. A dúvida faz sonetos ou canta

Hosanas? Ela escreve um réquiem? Dela são todas as

coisas que o poeta chama de “notas amargas”. Deixe

ela ir embora e uivar pelo Mar Morto sobre Sodoma e

Gomorra!

* Te Deum é um hino litúrgico que começa com as palavras “Te Deum Laudamus” (A

Vós, ó Deus, louvamos). Ele foi composto por Ambrósio e Agostinho num momento

de profunda inspiração espiritual.

Page 69: A Dica Do Labirinto

A FÉ FAZ MUITA ORAÇÃO.

O crente se refugia em Deus todas as vezes que tem a

oportunidade de aquecer a sua comunhão com a

mente divina. A oração não é um monólogo, mas um

diálogo; não é uma introspecção, mas um olhar para

os montes, de onde lhe vem o socorro. Há um alívio em

desafogar o coração para um amigo de alma, e fé sente

isso abundantemente; mas há mais do que isso na

oração. Quando mediante obediência o dever da

oração é completado, e o pedido apresentado não é

respondido, então a mão de Deus é confiável para nos

apresentar propósitos maiores, tal como em outras

ocasiões. A fé não tem o desejo de seguir o seu próprio

caminho quando esse não está de acordo com a

vontade de Deus, pois isso seria o impulso de uma

descrença que não se submete ao juízo divino como o

melhor guia. Todavia, a fé sabe que a vontade de Deus

é o mais sublime bem, e caso sejam ouvidas as nossas

petições, o serão para o nosso próprio benefício. Todas

as coisas já são nossas por dádiva de amor, porém pela

oração é como se tudo isso fosse outra vez endossado

em nossa própria conta bancária com Deus, o que leva

o crente a ter um senso das Suas riquezas ilimitadas.

Page 70: A Dica Do Labirinto

A FÉ GOZA DA HARMONIA ETERNA.

Confiar no Grande Pai estimula a nos satisfazermos

em todas as suas obras. O certo é que estamos fora da

engrenagem do universo até que estejamos em paz

com Deus; quando isso ocorre, todas as criaturas

entram num elo de amizade conosco e vice-versa, pois

na casa do Pai todas as coisas se congregam para a Sua

glória. Muitas igrejas são construídas sem necessidade,

pois esquecem-se de que toda a criação é templo do

Senhor e que, por isso, nada mais é tão simples ou

impuro. É assim que montanhas e colinas rompem

com cantos diante de nós e todas as árvores do campo

exultam com palmas. Não é de admirar que um

grande santo chamou os pássaros de suas “irmãs”,

pois se assemelhavam a tudo o que vinha das mãos do

nosso Criador. Em vez de descartarmos as pedras

soltas como inúteis, meditemos sobre o fato de termos

sido edificados na fábrica do divino Arquiteto, o qual

faz todas as coisas conforme a sua vontade. Logo,

ninguém tem mais prazer na natureza do que o

inteligente amigo de Deus. Ele conhece os segredos

mais íntimos, pois lhe foram expostos por aquele que é

a Voz e o Intérprete do mundo. A natureza para ele é

apenas um nome para um efeito cuja causa é Deus. Ele

percebe Deus em toda parte, especialmente no

Getsêmani e na cruz.

Um Espírito, o Seu, o qual o vestiu de espinhos

trançados sobre a fronte ensanguentada. Regras

Universais da Natureza.

O cientista fala de “Leis da Natureza” e o teólogo

Page 71: A Dica Do Labirinto

discorre sobre o Decálogo, mas para o crente todas as

leis estão no Livro-Estatuto, e ele honra todas as coisas

por causa do Rei. Ele não vê a santidade enclausurada

por detrás de muros olhando para o lado de fora, pois,

se Deus estiver lá, cada lugar lhe é sagrado. Assim, a

chuva é água benta; a montanha um batistério; o vôo

dos pássaros uma sagrada procissão; a colheita um

sacramento; o trovão um hino e o relâmpago um

sermão. A fé inunda o universo com a Deidade quando

revela a ilimitada Presença daquele que é cada vez

mais a sua vida e felicidade.

SOB ALERTA!

Em tempos de conflito espiritual, quando a verdade do

evangelho é confrontada, eu costumo lembrar de um

crente que se levantava de madrugada e olhando para

a estrelada abóbada do céu dizia: “Meu Deus, eu sinto

tanto amor por ti, por teus caminhos, tuas leis e tuas

obras! Porque tu és infinitamente bom e glorioso.”

Desse modo, é confirmado o evangelho que lhe trouxe

um estado de grande afeição por Deus, e isso nos leva a

observar a sua veracidade. De modo inconsciente, a

mente é levada a identificar juízos do tipo: verdadeiro

e correto. Tal instinto é verídico, pois a verdade

purifica o homem; a mentira, porém, não faz isso, ela

apenas perverte.

Page 72: A Dica Do Labirinto

AINDA MAIS AJUDA.

Um homem sob tentação entrou no seu quarto, dobrou

o seu joelho e orou de todo o coração em favor da

humanidade, desejando-a sinceramente o bem e

pedindo a Deus que a concedesse a graça necessária.

De modo especial, ele também pediu a Deus o perdão

dos pecados de todos aqueles que sem motivo lhe

haviam feito o mal. E, além disso, ainda expressou o

quanto reprovava o egoísmo e os pensamentos

desprovidos de amor. Ao levantar-se, ele já possuía na

mão uma arma contra a dúvida, pois a fé que o levou a

esta condição de puro e sincero amor não deve ser

outra coisa se não a própria verdade. Embora não seja

interessante trabalhar com silogismos como esse, e

essa lógica talvez não seja assim tão aceitável para

alguns, porém, mesmo assim, nós afirmamos que o

próprio homem é em si mesmo uma apropriada

evidência da verdade, e em muitos casos ainda uma

evidência melhor do que um argumento verbal. De

fato, amor e verdade estão em comum acordo, pois um

trabalha com as mãos do outro. A verdade gera amor

e o ódio brota da falsidade.

VERDADE, E TÃO GRANDE QUANTO A

VERDADE.

Se aquilo que a nossa fé recebe são realmente fatos,

eles são tremendamente verdadeiros, exigindo-nos

Page 73: A Dica Do Labirinto

uma vida de alto padrão. Revelação não lida com

ninharias. Que os homens cuidem por manterem uma

conduta compatível com as verdades eternas! E que

também se regozijem com essa glória, pois sua é uma

herança de inconcebível magnificência cujas verdades

que abrangem a vida de fé são dignas dos imortais,

sim, dignas do próprio Deus. Andemos, assim, de

acordo com nossa elevada vocação. Oh, que neste dia

haja um fervor compatível com o templo do Infinito

ministrado por nós!

FÉ E O FIM.

O Senhor Jesus prometeu voltar, e a fé se apega a esta

promessa. Às vezes, ela anseia que o seu cumprimento

ocorra o quanto antes para que não precise passar

pela morte. Porém, os tempos e as épocas são de pouca

importância, uma vez que todas as bênçãos da

Segunda Vinda serão dela de um modo ou de outro.

Por que se o Senhor vier rapidamente, de modo que

não víssemos a morte, nós seremos transformados; e se

Ele demorar, de modo que viessemos a morrer, então

ressuscitaremos incorruptíveis. De qualquer jeito,

estaremos com Ele eternamente. Portanto, quer

durmamos ou não, este assunto não nos aflige com

suas terríveis dores no coração, pois dizemos: “Se eu

viver, Cristo estará comigo; se eu morrer, vou estar com

Cristo.” Que diferença isso faz?

Page 74: A Dica Do Labirinto

FINALMENTE.

Nós nunca vimos um caso de alguém que à beira da

morte se arrependeu de sua fé em Deus. São milhares

os casos de pessoas que entediaram o seu leito de

morte com arrependimento, mas ninguém jamais

lamentou ter tido uma confiança em Deus muito

precoce, ou completa, ou prolongada. O que seria isso

que nenhum homem lamentou e que todos perseguem?

Nossos pais e antepassados passaram por este caminho

antes de nós, e eles nos imploraram a seguí-los. Eles

nos amaram muito para que tivéssemos imaginado que

confiar em Jesus lhes tivesse sido algo inútil. Seus

testemunhos na hora da morte clamam pela nossa

reverente obediência. Assim, então, que o tempo e a

eternidade tragam o que lhes é devido, nós, porém,

estamos comprometidos com Deus, o Fiel Criador.

A QUEM SEJA A GLÓRIA

PARA TODO O SEMPRE

AMÉM.