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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CRIMINAL COM REVISÃO n e 105.368-0/4-00, da Comarca de SÃO PAULO, em que é apelante UBIRATAN GUIMARÃES (DEPUTADO ESTADUAL) sendo apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DESÃO PAULO ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO, PARA ACOLHER, POR MAIORIA DE VOTOS, UMA DAS PRELIMINARES, PELO QUE RECONHECERAM A ABSOLVIÇÃO DO RÉU PELO TRIBUNAL DO JÚRI", de conformidade com o voto do Relator Designado, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores CELSO LIMONGI (Presidente) , JOSÉ CARDINALLE, DENSER DE SÁ, LUIZ TÂMBARA, JARBAS MAZZONI (Declaração de Voto), PAULO FRANCO, BARBOSA PEREIRA (Declaração de Voto), RUY CAMILO, PASSOS DE FREITAS, ROBERTO STUCCHI, MARCO CÉSAR, MUNHOZ SOARES, LAERTE NORDI (Declaração de Voto), SOUSA LIMA, CANGUÇU DE ALMEIDA (Declaração de Voto), DEBATIN CARDOSO, MARCUS ANDRADE (Declaração de Voto), REIS KUNTZ (Declaração de Voto), BARRETO FONSECA, ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR E CORRÊA VIANNA, com votos vencedores; e MOHAMED AMARO (Relator Sorteado) e ROBERTO VALLIM BELLOCCHI (Revisor), com Declaração de Votos vencidos. São Paulo, 15 de fevereiro de 2006. "TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO A C Ó S D E C I S Ã O MONOCRATICA REGlSTRADO(A)SOBN° u

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO

CRIMINAL COM REVISÃO ne 105.368-0/4-00, da Comarca de SÃO PAULO,

em que é apelante UBIRATAN GUIMARÃES (DEPUTADO ESTADUAL) sendo

apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DESÃO PAULO

ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM

PROVIMENTO, PARA ACOLHER, POR MAIORIA DE VOTOS, UMA DAS

PRELIMINARES, PELO QUE RECONHECERAM A ABSOLVIÇÃO DO RÉU PELO

TRIBUNAL DO JÚRI", de conformidade com o voto do Relator

Designado, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores

CELSO LIMONGI (Presidente) , JOSÉ CARDINALLE, DENSER DE SÁ, LUIZ

TÂMBARA, JARBAS MAZZONI (Declaração de Voto), PAULO FRANCO,

BARBOSA PEREIRA (Declaração de Voto), RUY CAMILO, PASSOS DE

FREITAS, ROBERTO STUCCHI, MARCO CÉSAR, MUNHOZ SOARES, LAERTE NORDI

(Declaração de Voto), SOUSA LIMA, CANGUÇU DE ALMEIDA (Declaração

de Voto), DEBATIN CARDOSO, MARCUS ANDRADE (Declaração de Voto),

REIS KUNTZ (Declaração de Voto), BARRETO FONSECA, ALOÍSIO DE

TOLEDO CÉSAR E CORRÊA VIANNA, com votos vencedores; e MOHAMED

AMARO (Relator Sorteado) e ROBERTO VALLIM BELLOCCHI (Revisor), com

Declaração de Votos vencidos.

São Paulo, 15 de fevereiro de 2006.

"TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO A C Ó S D E C I S Ã O MONOCRATICA

REGlSTRADO(A)SOBN°

u

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VOTO N.° 11.053

APELAÇÃO CRIMINAL N.° 105.368.0/4

COMARCA: São Paulo

APELANTE. Ubiratan Guimarães (Deputado Estadual)

APELADO: Ministério Público

O Ministério Público do Estado de São Paulo, com base no

Inquérito Policial Militar n. 678193, perante o Mentíssimo Juiz Auditor da

Primeira Auditoria da Justiça Militar do Estado de São Paulo, ofereceu, em 2

de março de 1993, denúncia contra UBIRATAN GUIMARÃES, Coronel PM,

Comandante do Policiamento Metropolitano, portando uma metralhadora (HK

W5K-21362), calibre 9mm, e contra mais 119 (cento e dezenove) Policiais

Militares, de patentes que variavam entre Coronel e soldado, portando armas de

fogo, de inúmeras espécies e calibres, estas e aquela pertencentes ao patrimônio

da Corporação, o primeiro (UBIRATAN GUIMARÃES), como incurso no

artigo 205 (homicídio), § 2o (cometido), inciso IV (mediante recurso msidioso,

que dificultou ou tomou impossível a defesa das vítimas), por 111 (cento e

onze) vezes, e artigo 205 (homicídio), § 2o (cometido), inciso IV (à traição, de

emboscada, com surpresa ou mediante outro recurso insidioso, que dificultou

ou tomou impossível a defesa da vítima), combinado com o artigo 30 (crime),

inciso II (tentado), por 5 (cinco) vezes, e, ainda, artigos 70 (circunstâncias que

sempre agravam a pena, quando não integrantes ou qualificativas do crime),

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inciso II (ter o agente cometido o crime), letras g (com abuso de poder), i

(ofendidos sob a imediata proteção da autoridade) e 1 (estando em serviço), e

79 (concurso de crimes), todos do Código Penal Militar, enquanto que os

demais, por co-autoria (CPM, art. 53), por incursos, por várias vezes, alguns

nos dispositivos legais supra mencionados e outros, ainda, nos artigos 209

(lesão corporal dolosa), caput, e § Io (incapacidade para as ocupações habituais,

por mais de trinta dias), 70 (circunstâncias que sempre agravam a pena,

quando não integrantes ou qualificativas do crime), inciso II (ter o agente

cometido o crime), d (mediante recurso msidioso, que dificultou ou tomou

impossível a defesa das vítimas), todos do mesmo Estatuto Penal. Consta da

referida denúncia, em suma, que, no dia 2 de outubro de 1992, por volta das

11:00 horas, o Doutor José Ismael Pedrosa, Diretor da "Casa de Detenção", foi

cientificado por funcionários que havia eclodido um conflito entre presos do

Pavilhão "9", gerado por uma briga envolvendo os detentos Luiz Tavares de

Azevedo, vulgo "Coelho", e Antônio Luiz Nascimento, vulgo "Barba", não se

apurando com exatidão, as respectivas razões Apurou-se que "Barba" teria se

dirigido à cela de "Coelho", desferindo-lhe um soco em seu rosto, retirando-se,

em seguida, à sua própria cela. "Coelho", em revide, munido de um pedaço de

madeira, perseguiu o agressor, atingindo-o com pauladas na cabeça.

Desmaiado, "Barba" foi conduzido à enfermaria do Pavilhão "4", por Agentes

de Segurança Penitenciária. Houve acirramento de ânimos, verificando-se

tumulto generalizado entre grupos de presos, alinhando-se de um lado os

partidários de "Barba" e de outro, os simpatizantes de "Coelho". Agentes de

Segurança Penitenciária foram acionados, na expectativa de solucionar o

impasse, sendo, contudo, rechaçados, expulsos do 2o Pavimento, onde se

aglomeravam os rixosos, alegando que eles próprios resolveriam suas

desavenças. Apesar da noticiada contenda, apurou-se a inexistência de intenção

dos detentos em tentar empreender fuga do Estabelecimento; mesmo porque,

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por óbvio, seria impossível a evasão em massa, ante as muralhas que

circundam o presídio e o policiamento que as guarnece, porém, não havia

reféns. Com a situação indefinida, houve por bem o Diretor Pedrosa fazer soar

o alarme, solicitando, inclusive, via fone, ao Ten Cel. Lélces, Comandante do

Io BPGD, pelo concurso da Polícia Militar, o que, de fato, ocorreu, vindo o

Coronel Ubiratan Guimarães, que, após inteirar-se dos acontecimentos, através

do COPOM, determinou, na qualidade de Comandante do Policiamento

Metropolitano, a mobilização dos Batalhões de Choque, ou seja, Io, 2o e 3o

BPChq e Grupamento de Polícia de Operações Especiais, formado pelo GATE

e COE, com apoio do GRP Aéreo. Seqüencialmente, o Cel Ubiratan rumou à

Casa de Detenção, reunindo-se com o Cel. Wilton Brandão Parreira Filho,

Comandante do Policiamento de Choque, com os Comandantes dos Batalhões

de Choque: Ten. Cel. Antônio Chiari, do Io BPChq, Ten. Cel Edson Faroro,

do 2°BPChq, e Ten. Cel. Luiz Nakaharada, do 3o BPChq, com os

Comandantes de frações do GATE e do COE, respectivamente, Capitães

Wanderley Mascarenhas de Souza e Arivaldo Sérgio Salgado, e, ainda, com o

Dr Pedrosa, os Juizes de Direito das Varas das Execuções Criminais e

Corregedona dos Presídios do Estado, Doutores Fernando Antônio Torres

Garcia e Ivo de Almeida, além do Doutor Antônio Filardi Luiz, Assessor de

Assuntos Penitenciários da Secretaria de Segurança Pública e Élio Fernandes

Nepomuceno, Coordenador dos Estabelecimentos Penitenciários do Estado.

Em seguida, o Senhor Secretário determinou ao Cel. Ubiratan que fizesse uma

avaliação total e final e se entendesse conveniente e oportuno, que ingressasse

juntamente com a tropa no Pavilhão "9", visando conter a refrega, instaurando

novamente a ordem e a normalidade. O Cel. Ubiratan, em suas conclusões

sobre o quadro que se apresentava, entendeu da necessidade de invasão do

Pavilhão, pela Polícia Militar. Antes, no entanto, em reunião com o Dr.

Pedrosa, ficou decidida a tentativa de negociação com os rebelados. Após

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tênue tentativa, todavia, o negociador, o próprio Dr. Pedrosa, que se achava

munido de um megafone, deu mostras de desânimo, pois que os detentos

arremessavam objetos. Formou-se então um grupo de Policiais Militares,

utilizando escudos, com o escopo de conferir proteção ao Dr Pedrosa, nas

tratativas, o que restou infrutífero, diante da confusão que se estabeleceu no

local. Por volta de 16:30 horas, dando por finda a negociação e ignorando a

gravidade da tomada de uma medida mais drástica, os componentes da Polícia

Militar, ali presentes, de forma abrupta, avançaram em direção ao Pavilhão

"9". Assim, sob o inicial Comando do Cel. Ubiratan, procedeu-se à desastrosa

operação, não se observando estratégia ou planejamento mais acurado, e sequer

conheciam, os Policiais, as dependências do referenciado Pavilhão. Registre-se

que os detentos, ao vislumbrarem-se a aproximação da Polícia Militar,

colocaram no lado externo das janelas das celas algumas faixas, pintadas em

panos e em papéis, com dizeres sugestivos de paz, bem como ainda lançaram

ao pátio interno facas e estiletes que portavam, procurando assim não

demonstrar resistência à ação policial, muito embora não houvesse tempo

necessário para se desfazerem de todas as referidas armas, pois, a invasão se

deu rapidamente. Alguns focos de incêndio foram debelados pelo Corpo de

Bombeiros, que também removeram barricadas montadas pelos detentos,

desobstruindo o caminho de ingresso ao Pavilhão. Ainda, sob o comando do

Cel. Ubiratan, os Policiais Militares, tresloucadamente e impelidos sob ammus

necandi, procederam à ocupação de todos os andares do Pavilhão, desferiram

inúmeros disparos de projéteis de armas de fogo contra presos alojados no

interior de celas e em trânsito desesperado pelos corredores. Em verdadeira

ação bélica, pois, os Policiais Militares, fortemente armados, desencadearam a

maior matança já consignada mundialmente em um presídio As penas

privativas de liberdade a que estavam sujeitos os detentos, transformaram-se,

arbitrária e ilegalmente, em penas capitais - 111 (cento e onze) mortos. Com

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penas menos severas, também impostas pelos agentes da lei, acresça-se outra

centena de feridos. Absurda e ilegal, destarte, a forma encontrada para retomar

o Pavilhão "9" à sua normalidade, à sua tranqüilidade, se é que algum dia

assim já esteve Na distribuição da tropa a) ordem de entrada no Pavilhão "9":

em primeiro lugar, o GATE, com a função de liberar com segurança a

trajetória dos pavimentos, seguido pelo COE, ato continuo, a Cia. do 2o

BPChq, seguida pela Cia. do 3o BPChq, o canil; posteriormente, o efetivo do Io

BPChq, a ROTA, acompanhado do efetivo da ROÇAM, b) divisão nos

pavimentos* no 2o pavimento, que corresponde ao Io andar, atuou a fração de

tropa pertencente ao Io BPChq (da 3a Cia), comandada pelo Cap. PM Ronaldo

Ribeiro dos Santos, composta dos seguintes Policiais: Io Ten Aércio Dornelas

Santos, Io Ten. Eduardo Espósito e Io Ten. Maurício Marchese Rodrigues,

ambos do 3o BPChq, Io Sgt. Wlandekis Antônio Cândido Silva, 2o Sgt.

Roberto Alberto da Silva, 2o Sgt. Joel Cantího Dias, 2o Sgt. Antônio Luiz

Aparecido, 2o Sgt. Valter Ribeiro da Silva, 2o Sgt. Pedro Paulo de Oliveira

Marques, 3o Sgt. Gervásio Pereira dos Santos Filho, 3o Sgt. Marcos Antônio de

Medeiros, Cb. Valmir Carrascoza, Cb. Haroldo Wilson de Mello, Cb. Luciano

Wukschitz Bonani, Cb. Paulo Estevão de Melo, Cb Roberto Yoshio

Yoshikado, Cb Salvador Sarnelli, e os Soldados Fernando Trindade, Antônio

Mauro Scarpa, Argemiro Cândido, Elder Tarabori, Sidnei Serafim dos Anjos,

Marcelo José de Lira, Roberto do Carmo Filho, Zaqueu Teixeira, Osvaldo

Papa, Marcos Ricardo Poloniato e Reinaldo Henrique de Oliveira; no 3o

pavimento, correspondente ao 2o andar, atuou a fração do Io BPChq,

comandada pelo Cap. Valter Alves Mendonça, compondo, ainda, dos Policiais:

Io Ten. Marcelo Gonzales Marques, Io Ten. Carlos Alberto dos Santos, Io Ten.

Salvador Modesto Madia, Io Ten. Luiz Antônio Alves Tavares, 2o Ten José

Carlos do Prado, 2o Ten. Celso Machado Cavalcante, 2o Ten Carlos do Carmo

Brígido, 3o Ten. ítalo Del Nero Júnior, Cabos Marcos Gaspar Lopes, Carlos

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Alberto Siqueira, Ariovaldo dos Santos Cruz, Valquimar Souza Gomes e

Roberto Alves de Paiva; Soldados Mauro Gomes de Oliveira, Pedro Laio

Moraes Ribeiro, Silvéno Benjamin da Silva, Valter Tadeu Andrade Assis,

Roberto Lírio Soares Penha, Cirineu Carlos Letang Silva, José Luiz

Raymundo, Edson Pereira Campos, Antônio Aparecido Roberto Gonçalves,

Eno Aparecido Carvalho Leite, Marcos Heber Frederico Júnior, Alex Morello

Fernandes, Élcio Caron Pestana, Rapliael Rodrigues Pontes, Benjamin Yoshida

de Souza e Luiz Augusto Gervásio, no 4o pavimento, correspondente ao 3o

andar, atuou o efetivo do COE, comandado pelo Cap. Anvaldo Sérgio Salgado,

composto dos seguintes Policiais: Io Ten Walmir Corrêa Leite, Armando da

Silva Moreira, 2o Ten Tarciso Pereira, Cabos Aparecido José da Silva, José

Carlos Ferreira e Douglas Martins Barbosa, Soldados Jair Aparecido Dias

Santos, Cleginaldo Roberto da Silva, Flávio Zemantauskas Haensel, Marcos do

Nascimento Pina, Josenildo Rodrigues Liberal, Sandro Francisco de Oliveira,

Marcos Honório Francisco, Jeferson Ferreira dos Santos e Sérgio Guimarães

Leite; no 5o pavimento, condizente ao 4o andar, atuou o efetivo do GATE,

comandado pelo Cap. Wanderley Mascarenhas de Souza e composto dos

Policiais: Io Ten. Marcelo de Oliveira Cardoso, Io Ten. Hércules Atanes, 2o

Ten. José Roberto Saldanha, 2o Ten. Luiz Antônio Alves, 2o Ten. Paulo

Eduardo Farias, os Cabos Sílvio de Sã Dantas, Reginaldo Honda e Sílvio

Nascimento Sabino, Soldados Leandro de Jesus Menezes, Júlio César

Azevedo, Marcos Antônio Santos Ferreira e José Roberto de Jesus. A operação

se desenrolou em duas etapas. Na primeira fase, os Policiais Militares, sob o

total Comando do Cel. Ubiratan e pertencentes aos grupos já individuados,

procederam à tomada dos pavimentos da seguinte forma' a) retomada do Io

pavimento, superados os obstáculos caracterizados por fogo e barricada

montada pelos detentos, as tropas do GATE e do COE, seguidas pela tropa da

ROTA - (Io BPChq) - dominaram o andar térreo, sem qualquer resistência; em

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seguida, o GATE, adentrando pelo corredor do lado esquerdo, deteve, sem

oposição, cerca de 30 (trinta) presos que se achavam em uma sala, exercendo o

culto do umbanda; por sua vez, o COE, ingressando pela direita, no mesmo

andar, não vislumbrou nenhum preso e, por conseguinte, nenhuma resistência,

mas apenas danos nas dependências, especificamente, na barbearia e na

carceragem, ambas destruídas, consoante perícia e fotografias encartadas nos

autos, resgatados e alojados os primeiros presos no pátio interno do referido

pavimento, sob vigilância e custódia das tropas dos 2o e 3o Batalhões de

Choque, a ROTA, o COE e o GATE prosseguiram marcha aos andares

superiores, contando com a indicação do acesso transmitida por um dos

detentos, retirado do pátio pelo Cap. Mendonça b) retomada do 2o pavimento:

a retomada do 2o pavimento coube ao Cap. Ronaldo, comandando fração de

tropa do Io BPChq, observava-se, no segundo lance de escada de acesso a esse

pavimento, uma barricada composta de móveis, porta de cela e outros objetos;

face à movimentação de presos pelo local, o grupo recebeu auxílio dos

Tenentes Maurício Marchese Rodrigues e Eduardo Espósito, os quais, armados

com fuzis "Colt", tipo "M-16", dispararam projéteis contra àqueles - da mesma

forma procederam os demais Policiais, mencionados Oficiais integravam o 3o

BPChq e estavam mcumbidos da vigília dos presos rendidos; transposta então a

barricada, o Cap. Ronaldo subdividiu sua fração de tropa com o Ten. Aércio

Dornelas Santos, assumindo este o comando da nova fração; progredindo, o

Cap. Ronaldo avançou pelo lado direito e o Ten. Dornelas pela esquerda,

dominando inteiramente o pavimento, restando mortos em celas e corredores.

c) retomada do 3o pavimento: A tropa da ROTA, do Io BPChq, foi dividida em

duas frações, comandadas pelos Capitães Ronaldo e Mendonça, com um

contingente de 30 (trinta) homens, iniciou-se a invasão deste pavimento pelo

lado esquerdo; sob o exclusivo comando do Cap. Mendonça; o pavimento

restou amplamente dominado; atuou, também, nesse pavimento o Ten. Cel.

/. n

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Luiz Nakaharada, deixaram mortos em celas e corredores, d) retomada do 4o

pavimento: Sob o comando do Cap Arivaldo Sérgio Salgado, 15 (quinze)

Policiais retomaram esse pavimento, mediante emprego de três metralhadoras,

portadas pelo Ten. Corrêa Leite, Cb. José Carlos e Soldado Cleginaldo; o Ten.

Armando e o Soldado Marcos Honório utilizaram-se de fuzis "Colt", tipo

"M-16"; de seu turno o Soldado Jéferson fez uso de uma escopeta calibre "12",

enquanto que o Soldado Zemantauskas portava um lançador de munição

química - "trut-flyte" -, sendo que o remanescente da tropa portava revólveres

de calibre "38"; pavimento também dominado, com mortos em celas e

corredores, e) retomada do 5o pavimento Restou a cargo do Cap. Mascarenhas,

que comandou 12 (doze) homens, metralhadoras da marca "Hecler & Kock" e

revólveres, inclusive modelo "Magnum" calibre "157" foram utilizados na

ocupação consumada, com saldo de mortos em celas e corredores Nessa

primeira fase de atuação, os grupos de Policiais declinados mataram e tentaram

matar, mediante disparos de projéteis de armas de fogo e emprego de

instrumentos perfuro-cortantes, "íd est", facas, estiletes e baionetas, os detentos

infra-elencados, com os andares e pavimentos respectivos mortos no 2o

pavimento - Io andar: 1 José Pereira da Silva, com 10 (dez) ferimentos

recebidos por ação de instrumento pérüiro-cortante; 2. Cláudio José de

Carvalho, com oito ferimentos produzidos por projéteis de arma de fogo; 3

José Alberto Gomes Pessoa, com três ferimentos produzidos por projéteis de

arma de fogo; 4. Ronaldo Aparecido Gaspanno, com sete ferimentos

produzidos por projéteis de arma de fogo, 5. Olivio Antônio Luiz Filho, com

quatro ferimentos produzidos por projéteis de arma de fogo, 6. João dos

Santos, com quatro ferimentos produzidos por projéteis de arma de fogo, 7.

Jovemar Paulo Alves Ribeiro, com um ferimento produzido por projétil de

arma de fogo; 8. Roberto Alves Vieira, com seis ferimentos produzidos por

projéteis de arma de fogo; 9. Mauro Batista Silva, com sete ferimentos

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produzidos por projéteis de arma de fogo; 10. Almir Jean Soares, com sete

ferimentos produzidos por projéteis de arma de fogo; 11 Ailton Júlio de

Oliveira, com cinco ferimentos produzidos por projéteis de arma de fogo; 12.

José Bento da Silva Neto, com três ferimentos produzidos por projéteis de

arma de fogo; 13 Paulo Reis Antunes, com quatro fenmentos produzidos por

projéteis de arma de fogo; 14. Luiz Granja da Silva Neto, com quatro

ferimentos produzidos por projéteis de arma de fogo, 15. Rogério Plassa, com

três ferimentos produzidos por projéteis de arma de fogo. A autoria dos

referidos óbitos atribui-se ao Cap. Ronaldo Ribeiro dos Santos e a

componentes de sua equipe, individuada anteriormente. De efeito, atuaram em

tal pavimento, disparando as armas que portavam com unidade de desígnios - e

todos dispararam. Diga-se, ainda, que além de as condutas restarem ligadas ao

fato material pelo nexo da causalidade, é certo que cada qual concorrente teve

ciência de contribuir para a realização da obra comum; nesse mesmo contexto

criminoso, incluem-se os Tenentes Eduardo Espósito e Maurício Marchese

Rodrigues, ambos do 3o BPChq, que aderiram ao grupo e fizeram uso de fuzis

"M-16" contra detentos. Mortos (com ferimentos produzidos por instrumento

pérfuro-cortante e/ou por projétil de arma de fogo) do 3o pavimento - 2o andar.

I. Adalberto Oliveira dos Santos, 2. Adão Luiz Ferreira de Aquino, 3. Adelson

Pereira de Araújo, 4. Alex Rogério de Araújo, 5 Alexander Nunes Machado

da Silva, 6 Agnaldo Moreira, 7. Antônio Alves dos Santos, 8. Antônio da

Silva Souza, 9. Antônio Luiz Pereira, 10. Antônio Márcio dos Santos Fraga,

II. Antônio Quirino da Silva, 12. Carlos Almirante Borges da Silva, 13. Carlos

Antônio Silvano dos Santos, 14. Carlos César de Souza, 15. Cosmo Alberto

dos Santos, 16. Dimas Geraldo dos Santos, 17. Edison Alves da Silva, 18.

Edson Luiz de Carvalho, 19. Edvaldo Joaquim de Almeida, 20. Elias

Palmejiano, 21. Emerson Marcelo de Pontes, 22. Gabriel Cardoso Clemente,

23 Geraldo Martins Pereira, 24. Geraldo Messias da Silva, 25. Grimário

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Valério de Albuquerque, 26. Jarbas da Silveira Rosa, 27. Jesuíno Campos, 28

João Carlos Rodrigues Vasques, 29. João Gonçalves da Silva, 30. Osvaldo

Moreira Flores, 31. Jodilson Ferreira dos Santos, 32. Jorge Sakai, 33. Josanias

Ferreira de Lima, 34. José Marcolino Monteiro, 35. José Carlos Clementino da

Silva, 36 José Carlos Inajosa, 37. José Cícero Ângelo dos Santos, 38. José

Cícero da Silva, 39. José Domingues Duarte, 40 José Elias Miranda da Silva,

41. José Jaime Costa da Silva, 42. José Jorge Vicente, 43 José Martins Vieira

Rodrigues, 44. Juarez dos Santos, 45. Lucas de Almeida, 46. Luiz Carlos Lins

Guerra, 47. Luiz César Leite, 48. Luiz Henrique Martin, 49. Mamede da Silva,

50. Marcelo Couto, 51 Marcos Antônio Avelino Ramos, 52. Marcos

Rodrigues de Melo, 53. Marcos Sérgio Lino de Souza, 54. Mário Felipe dos

Santos, 55. Mário Gonçalves da Silva, 56. Maurício Calió, 57. Nivaldo

Aparecido Marques, 58 Nivaldo Barreto Pinto, 59 Nivaldo de Jesus Santos,

60. Ocenir Paulo de Lima, 61 Paulo Antônio Ramos, 62 Paulo César Moreira,

63. Paulo Roberto da Luz, 64. Paulo Roberto Rodrigues de Oliveira, 65. Paulo

Rogério Luiz de Oliveira, 66. Reginaldo Ferreira Martins, 67. Robério

Azevedo Silva, 68. Roberto Aparecido Nogueira, 69. Roberto Rodrigues

Teodoro, 70. Rogério Presaniuk, 71 Sérgio Ângelo Bonani, 72. Valdemar

Bernardo da Silva, 73. Valdemir Pereira da Silva, 74 Valter Gonçalves

Caetano, 75. Vanildo Luiz, 76. Vivaldo Virgulino dos Santos e 77. Walter

Antunes Pereira. Excetuando-se os óbitos de Antônio Alves dos Santos e

Antônio Quirino da Silva, Paulo Roberto Rodrigues de Oliveira, Valdemar

Bernardo da Silva e Valdemir Pereira da Silva, a autoria dos demais recai sobre

o Cap. Valter Alves Mendonça e aos Policiais que integravam o seu grupo de

ação - já individuado -, pois que ocupavam o pavimento referenciado e

proferiram disparos de projéteis contra os detentos que ali se faziam presentes -

agiram também com unidade de desígnios, com condutas ligadas ao fato

material pelo nexo da causalidade e cada qual concorrente teve ciência de

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contribuir para a realização da obra comum. De autoria exclusiva, no entanto,

do Ten Cel. Luiz Nakaharada, do 3o BPChq, as mortes dos detentos Antônio

Alves dos Santos, Antônio Quirino da Silva, Paulo Roberto Rodrigues de

Oliveira, Valdemar Bernardo da Silva e Valdemir Pereira da Silva. Consta que

o referido Oficial portava uma metralhadora e um revólver. Destaca-se que o

Ten Cel. Nakaharada não só atuou no 3o pavimento (2o andar), mas também

no térreo e em outros pavimentos superiores, na fiscalização e condução de

presos, como se verá; no 3o pavimento, agiu isoladamente, independentemente

da fração de tropa do Cap. Mendonça. Mortos (com ferimentos produzidos por

instrumento pérfuro-cortante e/ou por projétil de arma de fogo) do 4o

pavimento - 3o andar. 1. Claudemir Marques, 2. Douglas Alva Edson de Brito,

3. Francisco Antônio dos Santos, 4. Francisco Rodrigues Filho, 5. José Océlio

Alves Rodrigues, 6. Sandro Roberto Bispo de Oliveira, 7. Sandoval Batista da

Silva e 8. Valmir Marques dos Santos; - referidas mortes são creditadas ao

Cap. Arivaldo Sérgio Salgado, do COE, e aos Policiais componentes do grupo,

pois que dispararam suas armas em tal pavimento, direcionando-as contra

detentos, atuando com o vínculo psicológico e cada qual com consciência de

contribuir para a realização da obra comum; diga-se, mclusive, que a faca

integra o equipamento do COE, - são atribuídas ainda aos Policiais

componentes do COE, as tentativas de homicídio dos detentos Marco Antônio

de Moura e David Ferreira de Lira; efetivamente, iniciadas as execuções, os

crimes não se consumaram por circunstâncias alheias à vontade dos agentes, ou

seja, em razão da reduzida visibilidade do local e da própria sobrevivência das

vítimas, as quais se beneficiaram também do tumulto mstaurado. Ressalte-se

que mencionados detentos se achavam no interior da cela "429-1", portanto, no

4o pavimento, correspondente ao 3o andar Mortos (com ferimentos produzidos

por instrumento pérfuro-cortante e/ou por projétil de arma de fogo) do 5o

pavimento - 4o andar: 1. Cláudio Nascimento da Silva, 2. Daniel Roque Pires,

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3. Elias Oliveira Costa, 4. Erisvaldo Silva Ribeiro, 5. Francisco Ferreira dos

Santos, 6. José Carlos da Silva, 7 José Ronaldo Vilela da Silva, 8. Samuel

Teixeira de Queiroz, 9. Stefano Ward da Silva Prudente e 10 Reginaldo Judiei

da Silva; - responsabiliza-se o Cap. Wanderley Mascarenhas de Souza e

Policiais sob o seu comando, todos do GATE, como autores das mortes

ocorridas no pavimento citado (5o), uma vez que utilizaram suas armas contra

detentos naquele local. Ainda de responsabilidade do Cap Mascarenhas e

comandados, as tentativas de homicídio dos detentos Daniel Soares, Aparecido

Donizete Domingues e Luiz Carlos dos Santos Silva; iniciadas as execuções,

os crimes não se consumaram por circunstâncias alheias à vontade dos agentes,

ou seja, em razão da reduzida visibilidade no local, prejudicando em parte a

melhor pontaria, bem como em razão da própria sobrevivência das vitimas, as

quais se beneficiaram também do tumulto instaurado para escapar de novos

tiros; ocupavam a cela "512-E", no 5o pavimento, correspondente ao 4o andar.

Houve detentos que se deitaram sob outros, mortos, iludindo os Policiais e

conseguindo, assim, sobreviver. Consta, ainda, que os Policiais utilizaram

baionetas, facas e os próprios estiletes encontrados. Retomando à primeira

etapa da operação, vale dizer, que a perícia constatou vestígios de impactos de

projéteis em celas e corredores do 2o ao 5o pavimentos, razão dos inúmeros

disparos proferidos pelos Policiais, inclusive rajadas de metralhadoras, além

dos oriundos de revólveres e de espingarda de calibre "12". Evidenciando

melhor atuação da PM, releva-se a circunstância de que todas as celas

examinadas, as trajetórias dos projéteis disparados indicavam atirador

posicionando na soleira da porta, apontando sua arma para os fundos ou

laterais das celas. Atesta, a perícia, que "não se observou quaisquer vestígios

que pudessem denotar disparos de arma de fogo realizados em sentidos opostos

aos descritos". Conclui-se, por derradeiro, que os Policiais Militares, que

efetivamente se fizeram presentes no interior do Pavilhão "9", dispararam suas

A

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armas contra presos indefesos e rendidos, verificando-se a maioria deles no

interior das celas, como bem demonstram os vestígios de projéteis localizados

nas de números 303-E, 307-E, 331-1, etc, nos termos da citada perícia.

Inexistiu confronto. No que se refere ao Cel. Ubiratan Guimarães, como

anotado, assumiu o total comando da operação, nessa primeira fase,

ordenando, pois, a invasão do Pavilhão "9" pelas tropas citadas, munidas de

armas de grande poder de fogo, sem medir ou melhor avaliar da necessidade e

conseqüências daquela ação conjunta. Frise-se, demais, que o Cel. Ubiratan

conhecia perfeitamente a costumeira violência com que agiam alguns de seus

comandados, mas, mesmo assim admitiu que ingressassem no Pavilhão. O

resultado, na forma estabelecida pelo Cel Ubiratan, não poderia ser outro.

Consigne-se que a participação do Cel. Ubiratan, inclusive ingressando no

Pavilhão "9", verificou-se até já com as tropas atuando nos pavimentos,

disparando armas. A propósito, diz o Oficial ter ouvido rajadas de

metralhadora em pavimentos superiores. Praticamente, encerrada a primeira

etapa da operação, com saldo inusitado de mortos, o Cel. Ubiratan, no

momento em que pretendia acompanhar a movimentação de detentos para o

pátio, veio de sofrer ferimentos face ao estouro de um televisor existente em

determinado compartimento, tendo, então, a partir daí, se retirado do Pavilhão

para receber os primeiros socorros, passou pela enfermaria do Pavilhão "4" e,

em seguida, foi encaminhado ao Hospital da Polícia Militar, tendo, a partir de

então assumido o comando, o Cel. Parreira (2a etapa). Indubitavelmente, agiu,

o Cel. Ubiratan, ante às razões expostas, com dolo, denominado,

doutnnariamente, in casu, de eventual, contido na expressão "assumiu o risco

de produzi-lo" (Cód. Pen. Militar, art. 33, I, 2a parte; Cód. Pen, art. 18, I, 2a

parte). De fato, admitiu e aceitou, o Cel. Ubiratan, o risco de produzir o danoso

evento - anteviu o resultado e agiu Percebeu que era possível causar o

resultando e, não obstante, realizou o comportamento Entre desistir da

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14

PODER JUDICIÁRIO « TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

conduta, - mesmo após iniciada a operação, onde já se desenhava a tragédia,

com as rajadas de metralhadora, etc. - e causar o resultado, preferiu que este se

produzisse Por conseguinte, responsabiliza-se o Cel Ubiratan por todos os

crimes dolosos contra a vida - consumados e tentados -, ocorridos no Pavilhão

"9" da "Casa de Detenção". Nessa conformidade, Ubiratan Guimarães,

Coronel PM, foi denunciado como incurso no artigo 205 (homicídio), § 2o

(cometido), inciso IV (mediante recurso insidioso, que dificultou ou tomou

impossível a defesa das vítimas), por 111 (cento onze) vezes, e artigo 205

(homicídio), § 2o (cometido), inciso IV (à traição, de emboscada, com surpresa

ou mediante outro recurso msidioso, que dificultou ou tomou impossível a

defesa da vítima), combinado com o artigo 30 (crime), inciso II (tentado), por 5

(cinco) vezes, e, ainda, artigos 70 (circunstâncias que sempre agravam a pena,

quando não integrantes ou qualificativas do crime), inciso II (ter o agente

cometido o crime), letras g (com abuso de poder), / (ofendidos sob a imediata

proteção da autoridade) e 1 (estando em serviço), e 79 (concurso de crimes),

todos do Código Penal Militar (Vol. 1 - fls. 2/90).

Recebida a denúncia (Vol. 18 - fl. 4 107) o réu foi citado

(Vol. 19 - fl. 4 262 e verso) e interrogado (Vol. 19 - fls 4.274/4.278 e Vol. 38

-fl 8.292)

Procedeu-se à dilação probatória.

Foram juntados aos autos, além de artigos relativos aos

fatos articulados na peça acusatória as seguintes obras (livros): "A História da

Polícia que Mata - Rota 66", de autoria de Caco Barcelos (Vol. 42 - fl. 9.231),

"Pavilhão 9 - 0 Massacre do Carandiru", de autoria de Elói Pietá e Justino

Pereira (Vol. 42 - fl. 9.227), "Estação Carandiru", de autoria de Drauzio

Varella (Vol. 42 - fl. 9.228), e "História de Um Massacre - Casa de Detenção

/H

Page 16: Acórdão-absolvição coronel ubiratan - carandiru.pdf

15

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

de São Paulo", de autoria de Marcello Lavenère Machado e João Benedito de

Azevedo Marques (Vol. 42 - fl. 9.229).

Por força de decisão do Conselho Especial de Justiça,

reconhecendo a incompetência da Justiça Castrense para o julgamento do feito,

determinou-se a remessa dos autos à Justiça Comum (2o Tribunal do Júri da

Comarca de São Paulo) (Vol. 36 - fls. 7 665/7.682v), cuja decisão confirmada

pelas instâncias superiores (Vol. 36 - fls 7.811/7.816, 7.832, 7.839, 7.844 e

7 854).

Por solicitação do Ministério Público, determinou-se o

desmembramento do feito, em relação ao co-réu Cel PM Ubiratan Guimarães,

convocado a ocupar o cargo de Deputado Estadual (Vol 36 - fl. 7 902), bem

como a remessa das peças a esta Corte de Justiça.

Ulteriormente, por ter, o referido acusado, deixado de

exercer o mandado de Deputado Estadual, o processo respectivo retomou à

primeira instância (Vol. 38 - fls.8.338/8.339 e 8 343), isto é, ao 2o Tribunal do

Júri da Capital.

E, definida a competência da Justiça Comum, o Ministério

Público procedeu ao aditamento da denúncia para que, em relação ao co-réu

Ubiratan Guimarães "passe a constar o seguinte a) onde se lê artigo 205, § 2o,

inciso IV, do Código Penal Militar, que se passe a ler artigo 121, § 2o, inciso

IV, do Código Penal Brasileiro; b) onde se lê artigo 30, inciso II, do Código

Penal Militar, que se passe a ler artigo 14, inciso II, do Código Penal

Brasileiro; c) onde se lê artigo 53, do Código Penal Militar, leia-se artigo 29,

do Código Penal Brasileiro" (Vol. 38 - fls 8.351/8 352).

Foi recebido o aditamento em relação à correta adequação

típica, corrigindo-se a autuação e o registro (Vol. 38 - fl. 8.356).

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16

PODER JUDICIÁRIO W TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

O órgão do Ministério Público manifestou-se em atenção

ao disposto no artigo 406, do Código de Processo Penal, pela pronúncia, nos

termos da denúncia (Vol. 38 - fls. 8.347/8.355 e 8.393), enquanto que a Digna

Defesa, em suma, invocando a excludente do estrito cumprimento do dever

legal, postulou-se a absolvição sumária (cf. Vol. 38 -fls. 8.358/8.360 e 8.393).

E a respeitável sentença de pronúncia de fls. 8.395/8.480

(cf. Vol. 39), reconhecendo ter agido, o réu Ubiratan Guimarães, com dolo

eventual, determinou a sua submissão ao julgamento pelo Tribunal do Júri, por

infração ao disposto no artigo 121, parágrafo 2o, inciso IV, vale dizer, por

homicídio consumado e qualificado, por 111 (cento e onze) vezes, e no artigo

121, parágrafo 2°, inciso IV, combinado com o artigo 14, inciso II, por 5

(cinco) vezes, todos do Código Penal, por homicídio tentado e qualificado (cf.

Vol. 39 - fl. 8.479); mas, por ter comparecido a todos os atos do processo,

deixou de decretar a sua prisão preventiva (Vol. 39 - fl. 8 480).

E, substancialmente, nesses termos, o Ministério Público

ofereceu o libelo crime acusatório, contendo 116 séries de quesitos e rol de

vítimas e testemunhas (Vol. 40 - fls. 8.687/8.727), tendo o acusado

apresentado a sua contrariedade, instruída de rol de testemunhas de defesa

(Vol. 40 - fls 8. 740/8 742)

Mas, o Ministério Público, perante o 2o Tribunal do Júri de

São Paulo, procedeu ao seu aditamento, nos seguintes termos: "(•••) o acusado

UBIRATAN GUIMARÃES concorreu para o crime narrado nesta séne, na

medida em que decidiu pelo início da operação que resultou na invasão da

Casa de Detenção de São Paulo, sem medir ou melhor avaliar da necessidade e

conseqüências de tal conduta, ordenando que seus comandados, conhecendo a

violência com que alguns destes atuam, munidos de armas de grande poder de

fogo, lá ingressassem, assumindo, assim, o risco de produzir a morte da vítima,

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

bem como, após iniciada tal operação, quando já se desenhava o trágico

resultado desta, face as rajadas de metralhadoras efetuadas, omitiu-se em

determinar que seus subordinados cessassem com tal conduta excessiva,

preferindo que o resultado morte se produzisse" (Vol. 46 - fl 10.322)

Ulteriormente, o Ministério Público requereu que o

aditamento fosse "recebido sem a palavra excessiva" (Vol. 46 - fl. 10.327).

Em conseqüência, o aditamento foi recebido "com

exclusão do vocábulo 'excessiva', eis que tal circunstância não consta da

descrição da conduta do réu" (Vol. 46 - fl. 10.328).

E o réu Ubiratan Guimarães foi submetido a julgamento

popular, perante o 2o Vara do Júri da Comarca de São Paulo, em cujo Plenário

foi interrogado (Vol. 49 - fls. 11 010/11 030 e Vol. 50 - fls. 11 295/11.305),

vítimas prestaram declarações e as testemunhas de acusação e de defesa,

inquiridas (Vol. 51 -fls 11 311/11.581, Vol. 52 - fls. 11.586/11.835; Vol. 53 -

fls. 11.838/12 054; Vol. 54 - fls. 12.057/12 291). Sobre os homicídios

consumados e tentados, os jurados responderam aos quesitos, inclusive, um

especial sobre falso testemunho, formados em 116 (cento e dezesseis) séries

(Vol. 55-fls. 12.294/12.433).

E, a final, a respeitável sentença de fls. 12.457/12.463

(Vol 55) fixou a pena-base no mínimo legal, qual seja, seis anos de reclusão

para cada um dos crimes de homicídio consumado, por 102 (cento e duas)

vezes; e, no tocante aos crimes de homicídio na forma tentada, para cada

crime, no mínimo legal, diminuída, porém, em 113 (um terço), pela tentativa,

tendo-se em conta que o iter cnminis foi totalmente percorrido; tornou-a

definitiva em 4 (quatro) anos de reclusão, por 5 (cinco) vezes; cujas penas

aplicadas em cúmulo material E, nessa conformidade, julgando parcialmente

Page 19: Acórdão-absolvição coronel ubiratan - carandiru.pdf

18

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

procedente a pretensão punitiva do Estado, condenou o acusado UBIRATAN

GUIMARÃES, como incurso no artigo 121, capuí, 102 (cento e duas) vezes,

combinado com o artigo 23, inciso 1H, e artigo 121, caput, combinado com o

artigo 14, inciso II, por 5 (cinco) vezes, todos do Código Penal, a cumprir 632

(seiscentos e trinta e dois) anos de reclusão, a ser iniciado no regime fechado, e

o absolveu pela infração ao artigo 121, § 2o, inciso IV, do Código Penal, por 9

(nove) vezes, com fundamento no artigo 386, inciso IV, do Código de Processo

Penal. E, considerando que o acusado é primário, bem como que respondeu o

processo em liberdade, residindo no distrito da culpa, concedeu-lhe o direito de

recorrer em liberdade Porém, determinou-se, com o trânsito em julgado, o

lançamento do nome do réu no rol dos culpados, expedindo-se mandado de

prisão.

Irresignado, o réu interpôs recurso de apelação com

fundamento no artigo 593, inciso IO, letras a e </, do Código de Processo Penal,

sustentando, a Digna Defesa, em suma, preliminarmente, nuhdades

processuais: 1) a Egrégia Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de

São Paulo julgou o recurso interposto contra a sentença de pronúncia, quando a

competência era do órgão Especial, pois, o acusado-recorrente já exercia o

mandato de Deputado, e, demais, somente poderia ser processado e julgado

"após solicitar, e obter, a licença da Assembléia Legislativa, nos termos

constitucionais", 2) o apelante foi acusado de co-autoria mediata, e, desta

forma, não poderia ter sido submetido ao Tribunal do Júri antes do julgamento

dos autores diretos das infrações, "mas todos esses acusados de serem os

autores imediatos e materiais, serão absolvidos por ser impossível provar o

nexo causai entre a conduta de cada um e o resultado morte, de cada uma das

vítimas, individualmente"; 3) os jurados negaram que o apelante tenha agido

com dolo (pois, na votação do quesito n. 4, negaram que o apelante omitiu-se),

entretanto, o quesito n. 3, do questionário, "descreve explicitamente e

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19

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

tecnicamente uma conduta CULPOSA, e não dolosa" (portanto, o acusado

"não poderia ser submetido a julgamento pelos jurados, incompetentes rationae

materiae"). "Quem não mede ou não avalia melhor as conseqüências de seu

ato não quer o resultado, nem o aceita Portanto, não age com dolo eventual,

mas sim, com culpa consciente"; 4) "não bastasse o fato de os jurados terem

negado a conduta dolosa do apelante, e só por isso ele já estava absolvido, a

absolvição foi confirmada na seqüência da votação dos quesitos"; os jurados

acolheram as teses de que não era exigível do apelante outra conduta, no

momento dos fatos" e que "agiu no estrito cumprimento do dever legal",

reconhecendo, destarte, "uma causa excludente de antijuridicidade. Os jurados

excluíram o crime"; 5) "por terem, os jurados, acolhido as causas excludentes

da culpa e do crime, não caberiam os quesitos sobre o excesso. Não caberiam

porque não pode haver excesso no estrito cumprimento do dever legal"; assim,

"aceitar o estrito cumprimento do dever legal e reconhecer o excesso significa

estabelecer uma contradição em si mesmo, ou seja- o cumprimento de dever

estritamente exercido, é um cumprimento de dever não estritamente exercido".

"O limite estrito e o excesso são incompatíveis" Portanto, "afirmar o quesito

do estrito cumprimento de dever legal, significa negar o excesso." e 6) "A

contradição e o ilogismo dos jurados, na votação dos quesitos viciam o

resultado do julgamento". "Isso salta aos olhos. Basta ver o segumte: a) as duas

teses da Defesa foram acolhidas; b) os jurados negaram a co-autoria dolosa; c)

os jurados negaram a qualifícadora Mas houve um embaralhamento das

respostas aos quesitos, e essa confusão acabou por levar a um resultado

condenatório que, evidentemente, a maioria dos jurados não queria". Assim,

essencialmente, a condenação "somente sena cabível se os jurados tivessem" a)

afirmado a co-autoria dolosa; b) rejeitado a tese do estrito cumprimento de

dever legal, c) rejeitado a tese da inexigibilidade de conduta diversa". Enfim,

"não pode um homem ser condenado a mais de 600 anos de pena privativa de

A/

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

liberdade, com base na votação havida no caso destes autos". E, no mérito, o

resultado do julgamento foi manifestamente contrário à prova dos autos "A

conduta do apelante resumiu-se em dar ordem à PM para ingressar no Pavilhão

9. Está provado nos autos que o Apelante não disparou um tiro sequer, dentro

do Pavilhão. O próprio Ministério Público jamais negou essa verdade. Logo, o

excesso do Apelante só poderia ser caracterizado: a) ou pela própria ordem que

ele deu para o ingresso da PM; b) ou pelo fato de o Apelante ter-se omitido em

não impedir o resultado, após o ingresso da PM no Pavilhão. Esta segunda

hipótese (item b) está afastada. Os jurados negaram esta hipótese, respondendo

(no 4o Quesito de todas as séries) que o Apelante não se omitiu em determmar

que cessassem as operações Resta a primeira hipótese, isto é, o excesso estava

na ordem para o ingresso da PM. Neste ponto surge uma contradição também

insuperável. Se, ao dar a ordem, o Apelante estava no estrito cumprimento do

dever legal e não seria exigível dele outra conduta, o excesso não pode estar na

ordem que ele deu. Ou ele tinha o dever legal de dar a ordem e não poderia

esperar-se que tivesse outra conduta, ou ele não estava no cumprimento do

dever e seria exigível outra conduta, isto é, não dar a ordem. Tanto a ordem era

legal e essa era a conduta esperada do Apelante, que os jurados entenderam

que depois de iniciada a operação, já com o tiroteio ocorrendo no Pavilhão 9, o

Apelante não se omitiu em determmar que cessasse a operação. Se os jurados

entenderam que o Apelante não se omitiu para fazer cessar a operação, com

maior razão não se pode imputar-lhe excesso na ordem que determinou o início

da operação. A ordem para o ingresso da PM era inevitável e necessária? Está

provado nos autos que havia necessidade absoluta de a PM ingressar no

Pavilhão. O perito Negrini afirmou que se a PM não entrasse no Pavilhão

nenhum presidiário estaria vivo. Todos morreriam queimados e asfixiados pelo

incêndio desencadeado pelos presos. Todas as autoridades civis, presentes no

local: o juiz aposentado Filardi (Secretário Adjunto de Segurança Pública) - os

iíÀ

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

juizes Corregedores, drs. Fernando e Ivo - o Diretor da Casa de Detenção, Dr.

Pedrosa - por unanimidade entenderam ser absolutamente necessária a entrada

da Polícia Militar Cabia ao Apelante cumprir o seu dever. Se todas as

autoridades disseram que era necessário o ingresso da PM, não poderia o

Apelante, sob pena de descumprir o seu dever, negar-se a dar a ordem. O

Apelante e a PM estavam no local, do lado de fora, há duas horas e meia, sem

ingressar no Pavilhão A ordem para o ingresso somente foi dada após o

consenso nesse sentido, das autoridades civis ali presentes Como falar-se,

então, que a ordem constituiria um excesso9 Se excesso houve, no mtenor da

Detenção, pode ter ocorrido, por ações individuais, no curso da operação. Mas,

está provado nos autos, e nem mesmo o Ministério Público nega essa verdade,

que o Apelante ingressou à frente da tropa no pavimento térreo, e que não

houve qualquer disparo nesse pavimento, nem presos mortos ou feridos

naquele local. Está provado, também, que o Apelante não permaneceu no

comando da operação por mais de quinze minutos. O Apelante, logo ao início

da operação, foi atingido por uma explosão de um botijão de gás e, ato

contínuo, ferido, foi conduzido ao hospital, não mais regressando à Casa de

Detenção. A partir daí o comando da operação foi transferido para outro

coronel. Está provado, nos autos, e até o Ministério Público jamais negou essa

verdade, que o Apelante nunca deu uma ordem determinando que seu

subordinados atirassem contra os presos ou agissem com violência O

Ministério Público (em dois itens do Libelo reproduzidos nos dois Quesitos

sobre a co-autoria) afirmou, apenas e tão-somente que o Apelante, quando deu

a ordem de ingresso da PM, não mediu, ou não avaliou melhor, as

conseqüências de sua ordem. Logo, como já foi dito, o Ministério Público

imputou ao Apelante a condição de ter agido sem cautela, sem cuidado. Essa

falta de cuidado e cautela caracterizam uma conduta culposa, e não dolosa. No

outro item do Libelo, o Ministério Público afirmou que, depois de iniciada a

Page 23: Acórdão-absolvição coronel ubiratan - carandiru.pdf

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| | PODER JUDICIÁRIO tâ í TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SAO PAULO

operação, o Apelante omitiu-se em não impedir o resultado. Somente nesta

hipótese, em razão da omissão no dever de impedir o resultado, poderia haver o

crime de omissão imprópria, na forma dolosa, por parte do Apelante. Mas os

jurados rejeitaram essa hipótese. Até porque o apelante não podena impedir

coisa alguma pois foi retirado do local, ferido, logo no início da operação".

"No depoimento prestado no Plenário por presos escolhidos pelo Ministério

Público para fazer carga contra o Apelante, ficou claro que: a) os presos

tinham decidido enfrentar a PM; b) os presos foram rendidos, mesmo os

feridos, e sob a mira das armas dos PMs, caminharam desde os pavimentos até

o pátio sem serem alvejados; c) os presos feridos foram socorridos pela própria

PM, em viaturas da ROTA e do CHOQUE, e levados para os hospitais; d)

cerca de 2.000 presos foram rendidos e nada sofreram. Se houvesse intenção

de praticar um massacre, uma chacina, uma violência desmedida, teriam

morrido muitos outros presos". "Esses depoentes reconheceram que vários

PMs impediram que outros se excedessem na violência, e que foram salvos

pela ação desses PMs". "O fato é que os presos atacaram a PM quando esta

ingressou no Pavilhão". "Um dos depoentes, em Plenário, admitiu que todos os

presos estavam fora de suas celas e de seus respectivos andares, e que batiam

as armas, ferros e paus, no solo dos corredores, para mostrar força Uma

testemunha afirmou que, antes do ingresso dos policiais, o brado de guerra era

este: cagora não é briga de ladrão contra ladrão É com a PM! Essa mesma

testemunha, escolhida pelo M.P., disse que os presos iriam enfrentar a PM mas

supunham que os PMs entrassem apenas com cassetetes e cães. Os presos

armaram barricadas, atearam fogo no andar térreo, destruíram o sistema

elétrico (o Pavilhão estava às escuras), colocaram tábuas com pregos

impregnados com sangue com vírus HIV, pelo chão, jogaram óleo nas

escadarias, armaram a ratoeira para pegar a PM. Pelo menos 13 armas de fogo

estavam em poder dos presos (foram apreendidas) e mais de 500 armas brancas

Page 24: Acórdão-absolvição coronel ubiratan - carandiru.pdf

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

(lanças, estiletes, facas, espadas e paus). PMs foram feridos, coletes a prova de

bala e escudos foram alvejados, conforme comprovam os laudos periciais.

Havia, no interior do Pavilhão 9, o equivalente à população de quatro

penitenciárias, como por exemplo, a de Osasco, Taubaté ou Guarulhos. Já os

PMs eram menos de cem Pergunta-se: Se a PM ingressasse no Pavilhão

apenas com cassetetes e cães, como previam os presos, o que teria ocorrido

com os 86 (oitenta e seis) PMs que ingressaram no Pavilhão, diante de 2 069

presos prontos a atacá-los? Ao contrário do que foi alardeado pela mídia, e em

livros escritos por pessoas que não conheceram a prova do processo, ficou

provado pela perícia que 96% dos mortos foram alvejados pela frente, e não

pelas costas. Está provado pela perícia oficial (que o Ministério Público em

nenhum momento impugnou) que havia vestígio de sangue em apenas 05 celas,

no total de quase 600 celas do Pavilhão 09 Está provado nos autos que vários

presos mataram-se entre si. No julgamento o Ministério Público admitiu, ao

menos, nove dessas mortes, reduzindo o número de vítimas atribuídas à PM

para 102. Está provado, nos autos, pelo laudo oficial do perito Negrini

(arrolado para depor em Plenário e elogiado pelo Ministério Público), e pelo

laudo da UNICAMP (encomendado pela OAB, Dr. Paulo Sérgio Pinheiro, dos

grupos de Direitos Humanos, USP, e Pastoral), que houve confronto. Que os

presos enfrentaram a PM". "O laudo fala em uma cbatalha travada' entre

presos e a PM". "Como se vê, a história alardeada e repetida, ao longo dos

anos, à margem da prova dos autos, nada tem a ver com a realidade dos fatos.

O Repórter da Folha On Line, ao término dos debates em Plenário

(expressando a opinião dos perplexos jornalistas que cobriram todo o

julgamento, e que conheciam a história do massacre do Carandiru contada ao

longo de 9 anos, na contra-mão da verdade contida nos autos), resumiu a

opinião geral com a seguinte notícia: Tela primeira vez vem à tona a

verdadeira história do Carandiru'. Findos os debates, os dois ilustres e dignos

ÁJM

Page 25: Acórdão-absolvição coronel ubiratan - carandiru.pdf

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

representantes do Ministério Público, diante da excelente Magistrada, disseram

ao Defensor: 'o Réu está absolvido por sete a zero'. Era a certeza geral, que se

confirmou pela tendência revelada pelos jurados, apesar da votação aberrante e

contraditória dos Quesitos Tanto o resultado do julgamento foi injusto em face

da prova apresentada em Plenário e da realidade provada nos autos, que o

Ministério Público, no processo de maior repercussão na história forense

brasileira, não recorreu". "O M P. não recorreu sequer contra a rejeição das

quahficadoras, pelos jurados. Tal rejeição seria noticiada, isto é, como se

tivesse havido um massacre no Pavilhão 9 do Caranduru. Mas o apelante está

certo de que sua inocência (..) será definitivamente reconhecida no momento

oportuno, porque não é em vão que se afirma, 'a Justiça tarda, mas não falha'.

Diante do exposto, o apelante tem absoluta confiança em que os eminentes

julgadores reconhecerão as nulidades apontadas nestas razões E, por força da

exigência formal, refere que, no Mérito, se houver o seu exame, deve o recurso

ser julgado também Procedente, por ter sido a decisão dos jurados

absolutamente contraditória à prova dos autos." (Vol. 56 - fls. 12.539/12.586)

As razões do recurso de apelação estão instruídas de dois

documentos: um quadro de quesitos e respectiva votação (Vol. 56 - fl. 12.587)

e uma certidão expedida em 09 de março de 1999, pela Assembléia

Legislativa, certificando que o Senhor Ubiratan Guimarães exerceu o mandato

de Deputado no período de 03 de janeiro de 1997 a 03 de abril de 1998 e o

exerce desde 01 de fevereiro de 1999 até a presente data (Vol. 56 - fl. 12 588).

Implicitamente, recebido o recurso (Vol. 56 - fl. 12 609),

o órgão do Ministério Público ofereceu suas contra-razões (Vol. 56 - fls.

12.610/12.693), instruídas de documentos, relativos, seis (6) a ofício e gráficos

referentes à balística e outro, uma página de jornal (Tribuna de Santos),

reproduzindo matéria da lavra do advogado e professor universitário, Vicente

LljJ

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25

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Cascione, intitulada "Repulsa" Em suma, o Ministério Público, em suas

razões, inicialmente, enfatiza que todas as matérias alegadas em sede de

preliminar pela digna defesa, de há muito, foram atingidas pelo instituto

processual da preclusão temporal. Nesse sentido, em rodapé, faz referência à

jurisprudência. "Não tendo sido oportunamente impugnado o quesito tido por

deficiente fica vedada à parte a argüiçâo posterior de nulidade do julgamento

por este fundamento, em face da preclusão". "As nulidades processuais que se

verificarem em sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri deverão ser

argüidas logo depois do ato, e, se isso não se fizer, considerar-se-ão sanadas".

"Consigne-se, também, que tal conclusão advém da circunstância de que as

'nulidades' alçadas são todas de natureza relativa, as quais, se tivessem de fato

ocorrido, deveriam ter sido argüidas em tempo oportuno, consoante dispõe o

art. 572, I, com remissão expressa ao art 564, IV, ambos do Código de

Processo Penal. Convém, por fim, ressaltar que a d. defesa, em momento

algum, demonstrou a existência de prejuízo efetivo, que não se confunde com o

resultado adverso da condenação, como determina o art 563 do Código de

Processo Penal, através do qual foi consagrado em nossa legislação, o princípio cpas de nullité sans grief, restando assentado que não existe nulidade desde

que da preterição da forma legal não haja prejuízo para uma das partes".

"Alega que, em meio ao julgamento do recurso em sentido estrito interposto

pelo ora apelante, este reassumiu a cadeira de Deputado Estadual, no período

de 01/02/99 a 15/03/99, conforme documento que instrui as razões recursais

(fls 12.5 88). Em conseqüência, evoca que à época possuía prerrogativa de

foro, pretendendo ver reconhecida a incompetência do Tribunal 'adquem* para

julgar o citado recurso, já que o processo estaria suspenso e só poderia ter

andamento mediante prévia autorização da Assembléia Legislativa". Ocorre

que o apelante e seu defensor não se preocuparam em comunicar esse fato à

Justiça. "Porque só agora, passados mais de 03 (três) anos, a defesa resolveu

Page 27: Acórdão-absolvição coronel ubiratan - carandiru.pdf

26

^ nnnrn ,,im/MÁniA m PODER JUDICIÁRIO

. ^ M TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

tirar tal 'carta' da manga? As respostas remetem qualquer intérprete a concluir,

'concessa vema\ que tal situação engendrada, de maléfica engenharia jurídica,

se constitui em manobra ardilosa que faz lembrar a muito oportuna retirada do

apelante durante o massacre por ele comandado, quando supostamente teria

sido atingido por uma explosão A má-fé do apelante só pode ensejar um firme

repúdio de Vossas Excelências, posto que, maliciosamente, ocultou deste E

Tribunal de Justiça, fato processual relevante, equiparando-se, neste particular

aspecto, a qualquer meliante que fornece endereço errado ao Juízo Criminal

para, após ver vencida sua tese, alegar nulidade de citação" Entretanto,

"ninguém poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha

concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária

interesse ('ex vi', art 565 do CPP). E nesse sentido, a jurisprudência, segundo

a qual não é jurídico nem moral prevalecer-se o réu de nulidade para a qual

concorreu com seu silêncio, não a argüindo oportunamente (RT 554/349)

Demais, a questão restou superada ante o advento da Emenda Constitucional n.

35, de 2001, acrescentando-se que ao tempo votação do acórdão confírmatório

da pronúncia, o apelante não mais era Deputado, "não se desconhecendo, pois,

que ate a tal circunstância temporal, que a pretendida prerrogativa de foro

ainda subsistisse. Portanto, tal preliminar merece rejeitada Quanto à nulidade

pela precedência do julgamento do partícipe. "Por que o apelante foi julgado

antes dos demais co-réus9 A resposta a tal indagação é dada pelo próprio

apelante, já que foi ele buscar refugio, quiçá eventual impunidade, em mandato

popular de Deputado Estadual, o que, segundo noticia a imprensa atualmente,

tentará novamente, embora hoje, em razão de Emenda Constitucional, sob tal

mandato não poderá mais se homiziar. Entretanto, houve pedido de autorização

à Assembléia Legislativa. "Porém, tal autorização, sabe-se lá por quais

manobras políticas, nunca foi dada pela Assembléia Legislativa estadual,

importando, obviamente, num descompasso entre o curso da ação penal dos

A i h

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27

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

demais co-réus e do apelante. Tal descompasso, em razão dos autos

desmembrados relativos aos demais réus já se encontrarem em fase

procedimental em que não havia possibilidade de reunião, acabou por

determinar que o feito em relação ao apelante ganhasse ritmo mais célere,

notadamente em função do número de réus e respectivos defensores existentes

nos autos desmembrados Essa situação foi, pois, provocada pela própria opção

do apelante, quando resolveu seguir carreira política". Portanto, merece

rechaçada a referida preliminar de nulidade, "já que não encontra respaldo

jurídico ou fático nos autos" Quanto à nulidade do quesito que reconheceu

conduta dolosa, na forma eventual, sustentou-se que "o aludido quesito

reproduz literalmente uma das condutas imputadas ao apelante na denúncia,

bem como na r. sentença de pronúncia, a qual, como já frisado, foi confirmada

por este E. Tribunal de Justiça" "Evidentemente, não tendo sido questionada a

redação do quesito em exame, no momento oportuno, qual seja, após o

encerramento dos debates e lido com toda a publicidade, tal questão se

encontra preclusa, não podendo ser questionada agora, como aliás, é

entendimento pacífico em nossa Jurisprudência" Demais, confunde a Defesa

"o quesito relativo ao dolo eventual com o questionamento da culpa. Em

momento algum se indagou dos senhores Jurados se o apelante havia agido

com culpa, seja por imprudência, negligência ou imperícia, tampouco

sustentado pela defesa em plenário. Ao contrário, foram os senhores jurados

indagados se o apelante assumiu o risco de produzir o resultado com sua

conduta, em estrita observância ao disposto no art. 18,1, do Código Penal Na

oportunidade em que tal quesito foi submetido à apreciação dos senhores

jurados, a Culta Magistrada que presidia a sessão, cumprindo a regra contida

no artigo 479, do CPP, explanou de forma cristalina o significado da pergunta

e as conseqüências das respostas possíveis, no que, inclusive, atendeu a pedido

da própria defesa". E com relação à resposta negativa ao quesito n. 4, que

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28

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

segundo a Defesa, "significou que o apelante não agiu de forma dolosa, se

constitui em mais uma paradoxal interpretação do íveredictum\ pois,

"explicado aos senhores Jurados que ao responderem afirmativamente o

quesito n. 03 já haviam reconhecido a participação do apelante dos crimes que

lhe eram imputados uma vez que agira com dolo eventual, foi indagados dos

mesmos se a omissão do apelante, que seguiu à sua conduta comissiva era ou

não relevante, tendo os mesmos, respondido negativamente a tal indagação.

Ora, é evidente que tais quesitos se referem a momentos fáticos distintos, a

conduta comissiva relativa ao dolo eventual diz respeito ao desrespeito aos

planos de contenção de rebeliões da Polícia Militar, com o emprego de tropas e

armamentos não indicadas para aquela operação, e ao resultado antevisto e

aceito pelo acusado; já a conduta omissiva, diz respeito à ausência de ordem do

apelante para, já iniciadas as agressões indevidas, fossem as mesmas

cessadas" "Cumpre ressaltar, também, que os dois momentos distintos tratados

em quesitos diferentes se referem, por óbvio, a disposições penais

diferenciadas, como já dito o dolo eventual é conceituado no artigo 18, inciso I,

do Código Penal, e a omissão penalmente relevante no artigo 13, do

mencionado 'codex' " "Aliás, o art. 484, II, do Código de Processo Penal,

justamente, vislumbrando a possibilidade da existência de circunstâncias que

possam ser cindidas, determina que o Juiz possa separar os quesitos,

desdobrando-os". Não resta dúvida que a tese esposada pela defesa é

infundada, além de totalmente intempestiva fulminada que foi pela preclusão,

baseada em interpretação errônea dos quesitos formulados Acerca da nulidade

pelo reconhecimento do excesso na causa supralegal de inexigibilidade de

conduta diversa, cumpre lembrar que "ao tratar dos homicídios perpetrados, os

senhores jurados, após reconhecimento da autoria e da materialidade,

entenderam que o apelante concorreu com dolo eventual, afastando, amda, o

estrito cumprimento do dever legal. Em seguida, sob o protesto da acusação,

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

devidamente consignado em ata no momento oportuno, foi indagado dos

senhores jurados tese da causa supralegal relativa a eventual existência de

inexigibihdade de conduta diversa". "Respondendo a tal indagação, num

primeiro momento, os jurados reconheceram tal situação, para no quesito

subseqüente, obrigatório por força do disposto no art. 23, parágrafo único, do

Código Penal, entender que houve excesso doloso em tal causa, cuja quesitação

foi requerida exclusivamente pela d defesa, que embora impugnada

tempestivamente pelo Ministério Público, foi posta em votação pela i

Magistrada, talvez, somente em homenagem ao princípio constitucional da

plenitude de defesa, admitido aos casos de competência do Tribunal do Júri".

Merece, pois, afastada tal preliminar Quanto à nulidade pelo reconhecimento

do excesso no estrito cumprimento do dever legal, cabe observar que, nos

termos do parágrafo único do artigo 23, do CP, o agente, em qualquer das

hipóteses, responderá pelo excesso doloso ou culposo, daí a necessidade da

formulação do respectivo quesito. Anote-se que, ao enfrentar o mérito, restará

evidenciado que o excesso do apelante se constituiu em desrespeitar todos os

planos e mandamentos militares relativos a retomada da ordem em

estabelecimento prisional. Relativamente à nulidade pela contradição na

votação dos quesitos, como as matérias argüidas nas preliminares antecedentes,

não merece prosperar a tese de que houve contradição na votação dos quesitos.

Não se deve perder de vista que após a sustentação das teses defensivas, o

Ministério Público fez uso da réplica, ocasião em que rebateu a argumentação

apresentada pela defesa e insistiu na condenação dos apelante, por excesso

doloso nas alegadas excludentes. "Claro ficou aos senhores Jurados que a

situação fática exposta dos autos gerou três hipóteses distintas e

inconfundíveis, quais sejam: 1 Os homicídios perpetrados por arma de fogo; 2.

Os homicídios praticados com arma branca e 3. As tentativas de homicídio.

Nestas três hipóteses, como bem se percebe do termo de votação juntado as fls.

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30

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

12 434 a 12.455, do 55° Volume, a tese acusatóna foi sufragada de forma

uníssona Aliás, as três situações são tão distintas que foi possível ao

Ministério Público pleitear a absolvição no tocante aos homicídios praticados

com arma branca, inexistindo qualquer contradição em tal pleito com as

postulações condenatórias nas outras duas hipóteses restantes" Pelas respostas

aos quesitos, nas séries diversas, "o que se nota é uma evidente coerência entre

aqueles jurados que sempre pretenderam condenar o apelante, já que não

divergiram na essência das teses sustentadas, ou seja, afirmaram a participação

por dolo eventual, negaram o estrito cumprimento do dever legal e afirmaram o

excesso doloso na inexigibilidade de conduta diversa sempre por idêntica

votação (4x3)". "É importante ressaltar que nestas séries, que trataram dos

homicídios tentados obviamente influiu na votação o fato, revelado aos Jurados

e confirmado no plexo probatório, que o socorro das vítimas foi prestado por

agentes da própria Polícia Militar. Com isto, justifica-se plenamente o

entendimento do E. Conselho de Sentença de que houve de início o estrito

cumprimento do dever legal, já que nada há nos autos a demonstrar que o

apelante teria determinado que as vítimas atingidas deveriam lá permanecer até

que o resultado morte viesse a ocorrer. Bem por isto que, segundo o escóho que

se colhe na melhor doutrina e exata jurisprudência, se determina que não há

como se dar por contraditórias respostas dadas a quesitos formulados em séries

distintas". Quanto ao mérito da causa, "uma análise, ainda que superficial, dos

vastos elementos carreados aos autos, não deixa dúvida alguma do excesso

doloso com que agiu o apelante, causando pelo seu desmando, o maior

morticínio da história do Direito Penal Brasileiro". "Sabe-se porque a mídia

informou que as unidades da Polícia Militar que teriam participado da

operação foram: o Comando de Operações Especiais, a Tropa de Choque, o

Grupamento de Ações Táticas Especiais e a ROTA. À exceção da tropa de

choque, especializada em reprimir motins, como se sabe, as demais ostentam

ÁJA

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31

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

caráter puramente agressivo. Vale dizer, que, no caso, o Estado pegou tropas

inadequadas para controlar a situação ( ... )". "Foram apreendidas 13 (treze)

armas de fogo que supostamente teriam sido utilizadas pelos detentos

amotinados e de outro lado apreendeu-se 392 (trezentos e noventa e duas)

armas de fogo empregadas pelas tropas comandadas e organizadas pelo

apelante" "Consta, da própria denúncia, o emprego das seguintes armas de

fogo pelos policiais militares na operação comandada pelo apelante: 31 (trinta e

uma) metralhadoras; 04 (quatro) fuzis automáticos M. 16; 03 (três) espingardas

calibre 12; 01 (uma) pistola semi-automática; 23 (vinte e três) revólveres

Magnum; 329 (trezentos e vinte e nove) revólveres calibre 38 e 01 (um)

lançador de armas químicas" (cf rodapé - fl. 12.667); "inclusive, o próprio

apelante que, ao que consta, ingressou no pavilhão 09 (nove) com a

submetralhadora CHK\ n. MP5K21362". Reportando-se ao laudo de local, é

importante, por primeiro, destacar que não se constatou qualquer vestígio de

disparo de arma de fogo que pudesse indicar que algum dos detentos, mortos

ou não, teria empregado qualquer arma de fogo contra as parcelas de tropas

que invadiram o pavilhão 09 (nove)" E "constata-se também o excessivo e

desproporcional emprego de armas, não recomendadas para a situação por

parte dos comandados do apelante, sendo que tal fato e os respectivos nscos

que isto poderia gerar foram plenamente aceitos e mensurados por ele quando

escalou as tropas que primeiro ingressaram no pavilhão 09 (nove). Dess'arte,

aqui o excesso já pode ser antevisto". "A participação do apelante nos crimes

cometidos é evidente e decorre de toda a prova contida nos autos. Aliás, cabe

lembrar que o apelante era na ocasião dos fatos a 'Autoridade Máxima' das

forças policiais militares empregadas na retomada do Pavilhão 9 (nove) da

Casa de Detenção de São Paulo, e por força do regulamento militar aplicável à

espécie era ele o responsável por todas as decisões e pelo firme domínio das

orientações dadas as suas tropas, pois o risco de excesso é permanente em

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32

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

casos semelhantes ao presente". E, segundo o regulamento disciplinar da

polícia militar, Decreto n 13.657, de 1943, artigo 4°, "As ordens devem ser

prontamente executadas, cabendo inteira responsabilidade à autoridade que as

determina". "O apelante, ao ser interrogado perante o E. Conselho de Sentença,

afirmou que organizou a tropa que tinha a sua disposição e, assim, determinou

que uma companhia de ROTA, comandada pelo Capitão Ronaldo tomasse o 2o

pavimento (Io andar), outra companhia da ROTA, comandada pelo Capitão

Mendonça, tomasse o 3o pavimento (2o andar), a companhia do COE,

comandada pelo Capitão Salgado, tomasse o 4o pavimento (3o andar) e a

companhia GATE, comandada pelo Capitão Mascarenhas, tomasse o 5o

pavimento (4o andar). Os co-réus, Ronaldo (...), Mendonça ( . ) , Salgado ( .) e

Mascarenhas (...) confirmaram ter recebido as instruções a respeito da forma e

maneira que deveriam ingressar no interior do pavilhão 09 (nove) da Casa de

Detenção de São Paulo. Além disso, o apelante determinou que as tropas por

ele 'escaladas' ingressassem desde logo no pavilhão, não permitindo, assim que

qualquer reabertura de negociação a ser tentada pelo Diretor do Presídio, Dr

José Ismael Pedrosa ( .), pudesse ocorrer Fnse-se que a testemunha Aparecido

Fidélis, que exercia as funções de Diretor de Segurança do Carandiru, ouvido

em plenário (fls 11. 83 8 a 11. 977 do 53° Volume), confirmando o que já

havia dito o Diretor de Segurança e Disciplina Moacir dos Santos (fls. 1.779 a

1.781 do Inquérito Policial Civil em anexo aos autos), informou que a tropa,

após o arrombamento desnecessário da porta de entrada do pavilhão, posto que

esta poderia ser aberta soltando-se sua trava, praticamente 'atropelaram' o Dr.

Pedrosa que desejava ingressar no pavilhão para negociar e resolver a rebelião.

Evidente que este açodamento com que agiu a tropa decorreu das ordens

indevidas dadas pelo apelante. Porém, além desta pressa injustificável, há que

se notar que a tropa utilizada para a missão era totalmente inadequada, fato este

de pleno conhecimento do apelante, que conscientemente optou por utilizar

Al

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33

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

uma força de combate (ROTA, COE e GATE), quando tinha a sua disposição

tropas especializadas em contenção de distúrbio (2o e 3o Batalhões de Choque),

(..) únicas indicadas para a operação (..), estavam prontas a ingressar no

interior do pavilhão 9 (nove) da Casa de Detenção, devidamente equipadas

com capacetes, coletes a prova de bala, cacetetes, garateias, camisas de força,

etc, além de previamente treinadas para enfrentar o tipo de situação que havia

no local dos fatos, tanto que tais frações de tropas já haviam, em rebeliões

anteriores, ingressado na Casa de Detenção, sob eficiente comando de outros

policiais, sem causar a mortandade que se verificou neste episódio. Num

último aspecto, há que se lembrar que são estas tropas que são chamadas a

realizar as habituais operações de 'blitz' no interior dos presídios, sabendo

como, quando e aonde estão atuando, com pleno domínio de seus atos. Já as

tropas da ROTA, escaladas pelo apelante ao alvedrio de todas as

recomendações técnicas, incluindo aí a expressa orientação aos oficiais que

portassem metralhadoras que não as utilizassem em posição de 'rajada',

acabaram contabilizando o maior número de mortes levada a efeito (15 mortes

no 2o pavimento e 75 mortes no 3o pavimento, provocadas por arma de fogo).

Tal risco era de pleno conhecimento do apelante e foi por ele aceito, já que a

ROTA é reconhecidamente tropa empregada normalmente no patrulhamento

tático em viaturas, largamente utilizada no confronto com marginais pela

cidade afora". "Tal situação é um vivo retrato da operação militar de caráter

dolosamente excessiva desencadeada pelas ordens dadas pelo apelante Porém,

de maior gravidade se revela o fato do apelante ter desrespeitado todas as

regras e planos previamente estabelecidos pela própria Polícia Militar do

Estado de São Paulo, para o caso de invasão do Complexo Penitenciário do

Carandiru durante uma situação de motim ou rebelião, desprezando a

autoridade e competência de outros militares de igual ou superior patente que

as elaboraram, assumindo, deste modo, inequivocamente, o resultado morte

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34

PODER JUDICIÁRIO Ú TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

advindo da operação por ele desencadeada". "Entretanto, está determinado em

todos os planos de atuação para a situação havida, que deveriam as tropas

utilizadas se servir de funcionários como guias, até para detectar e enfrentar os

problemas com os quais se defrontariam de modo adequado. Porém, em total

arrepio ao prévio planejamento, o apelante não permitiu, durante a ocupação, o

ingresso no referido pavilhão de nenhum civil juntamente com suas tropas".

"Por outro lado, também consta de todos os planos de invasão do Carandiru,

que os policiais, ainda que alvejados, só poderiam atirar mediante ordem (fl.

804, item 12), e nunca atirar desmedidamente como fizeram na ocasião dos

fatos". "Essas rápidas menções à correta maneira de atuar e enfrentar uma

situação de anormalidade em interior de estabelecimento prisional, bem

demonstram a forma indevida e proposital com que agiu o apelante,

desrespeitando as regras básicas, assumindo, assim, todo o risco pelos

homicídios praticados". "Indubitável, pois, em que consistiu a participação

dolosa do apelante descrita na denúncia, acolhida pela pronúncia, confirmada

por acórdão deste E. Tribunal de Justiça e bem caracterizada no quesito n° 03,

das séries propostas no questionário submetido aos senhores Jurados, todos

respondidos afirmativamente, razão pela qual é inaceitável que alguém possa

cogitar que o 'veredictum' dado tenha sido manifestamente contrário à prova

dos autos" Demais, de acordo com a prova oral, os homicídios ocorreram

embora não tenha "existido qualquer reação por parte dos presos logo em

seguida a efetiva entrada da Polícia Militar no interior do Pavilhão 09 (nove)

da Casa de Detenção". Assim, consoante restou apurado, "cerca 70% (setenta

por cento) dos mortos não tinham situação processual definida, ou seja, eram

presos provisórios (pnsões preventivas, prisões por pronúncia, prisões

decorrentes de sentenças condenatórias em grau de recurso). Além disto,

diversos dos presos mortos tinham a situação processual definida, já tendo

inclusive alcançado benefícios no âmbito de suas execuções criminais" "Ora,

í

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35

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

tal situação carcerária destes presos, vítimas dos homicídios aqui tratados,

desmente, por si só, cabalmente, a versão fantasiosa de que os mesmos

desejavam enfrentar os comandados do apelante. Além disso, o fato dos presos

estarem desarmados, pois quando da invasão já haviam se desvencilhado de

eventuais estiletes e pedaços de paus, terem retomado para suas celas e lá

estarem desnudados, deixa claro que não havia qualquer ação por parte destes

que justificasse debelada com excessiva violência. Desse modo, o

comportamento das vítimas em nada explica o ocorrido, ao contrário apenas

vem a evidenciar, mais uma vez, que houve um massacre deliberado,

decorrente diretamente dos comandos impróprios determinados pelo apelante".

"Como corretamente constou no v. acórdão de fls 8.558 a 8 573, do 39°

Volume, os fatos, tão largamente conhecidos pela sociedade brasileira e

mundial, encontram na prova colhida em toda a persecução criminal duas

versões. Porém, como se demonstrou amplamente, a versão que o E. Conselho

de Sentença acabou reconhecendo foi a única possível, em estrita observância

ao princípio constitucional da soberania dos veredictos e ante o plexo

probatório, não havendo que se falar em decisão manifestamente contrária à

prova dos autos, como reflexo do império da Justiça". A final, a Digna

Promotoria de Justiça concluiu, afastada a matéria preliminar, seja, no mérito,

mantida a condenação do apelante "nas corretas penas impostas à ele, na bem

fundamentada sentença prolatada pela Culta Magistrada que presidiu os

trabalhos, como sinônimo da verdadeira JUSTIÇA" (Vol.56 - fls.

12.610/12.693).

E o respeitável parecer da Douta Procuradona-Geral de

Justiça é pelo não provimento do recurso de apelação (Vol. 56 - fls.

12.705/12.747). Em suma, sustentou, quanto à alegada preliminar de nulidade

do processo a partir do acórdão da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de

Justiça de São Paulo, que confirmou a pronúncia, que o apelante foi

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36

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

pronunciado em 21 de setembro de 1998 (Vol. 39 - fls. 8.395/8 480); e da

decisão interpôs, o réu-pronunciado, recurso em sentido estrito, cujo

julgamento iniciou-se em 8 de março de 1999, tendo as partes sustentado

oralmente e o Desembargador Relator, proferido o seu voto, e, após adiamento,

na sessão do dia 22 do mesmo mês e ano ("quando o recorrente não estava

mais no exercício do mandato"), concluída a votação, por maioria, rejeitou-se a

matéria preliminar e, no mérito, negou-se provimento ao recurso da defesa (cf.

fls. 8 558/8 585). Demais, no período compreendido entre os dias Io de

fevereiro de 1999 e 15 de março de 1999, o apelante Ubiratan voltou a exercer

o mandado de deputado estadual. Nos termos do artigo 571, inciso V, do CPP,

as nulidades ocorridas posteriormente à pronúncia deve ser argüidas logo

depois de anunciado o julgamento e apregoadas as partes. Contudo, no caso

dos autos, em nenhum momento processual anterior a este a defesa do

recorrente pleiteou esta nulidade Aliás, por ocasião da sustentação oral,

perante a Segunda Câmara Criminal, quando o réu já estaria no exercício do

mandato, o seu digno advogado preferiu ficar silente (fl. 8.551); e, da mesma

forma, nada argüiu no julgamento dos embargos infringentes (fls.

8.558/8.592), ao oferecer a contrariedade do libelo e nenhuma alegação de

nulidade, nesse sentido, constou da Ata da Sessão do Júri (fls. 12.464/12 476).

Além de operada a preclusão, a legislação processual inadmite o

reconhecimento da nulidade que não tenha influído na apuração da verdade

substancial ou na decisão da causa (CPP, art 566). Quanto à nulidade do

processo por ter sido, o réu apelante, como co-autor, submetido a julgamento

sem que qualquer um dos autores imediatos tivesse sido julgado pelo Tribunal

do Júri, a preliminar não prospera posto que impossível "entrever-se um

prejuízo para o réu a partir de uma decisão do Tribunal do Júri que não se

realizou". A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior

Tribunal de Justiça vem refutando semelhante alegação de nulidade, admitindo

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a separação dos julgamentos de réus que são respectivamente o mandante e o

executor do homicídio. Demais, a conduta do réu Ubiratan não é idêntica a de

todos os demais denunciados, o que também releva na discussão do tema E, se

nenhum prejuízo causou à defesa do recorrente, ou mesmo foi questionada, não

é possível presumir-se tal irregularidade neste momento processual. Por outro

lado, sustenta, a defesa, que o quesito da autoria descreve uma conduta culposa

e os jurados ao responderem sim a este, negaram que o recorrente tenha agido

com dolo. Embora esforçado o argumento, não foi apresentado oportunamente

quando de sua formulação pela Meritíssima Juíza de Direito que presidiu o

julgamento. De fato, não consta da ata da sessão do júri ou de seu aditamento

qualquer crítica à redação do quesito questionado, que, na verdade, descreve

uma conduta na forma dolosa com expressões inequívocas da vontade do

agente de assumir o risco pelo resultado, isto é, do dolo eventual, de não de

uma culpa. Na sala secreta, como firmado na ata da sessão, foi previamente

explicado o significado de cada um dos quesitos (fl. 12 475). É induvidoso que

os jurados quiseram reconhecer o dolo eventual Contrariamente ao afirmado

pelo recorrente, não se pode concluir que a expressão "sem medir ou melhor

avaliar da necessidade e conseqüências de tal conduta", mesmo que isolada do

seu contexto, represente a forma culposa do homicídio. Na verdade, estes

termos deixam claro que o então comandante da tropa ordenou a tomada do

prédio prisional indiferente ao que poderia se seguir, aceitando qualquer

resultado. Sem medir, sem avaliar, sem impor limites para a sua conduta

Demais, alega, a defesa, que o Conselho de Sentença

reconheceu a inexigibilidade de outra conduta e o estrito cumprimento do dever

legal, absolvendo o recorrente, o que conflita com a decisão final de

condenação Essa argüição não retrata a decisão dos jurados, pois, no resumo

das séries dos homicídios consumados, o Conselho de Sentença, embora tenha

reconhecido que não era exigível conduta diversa do réu Ubiratan em relação

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

aos homicídios consumados, também afirmou que o apelante excedeu-se

dolosamente na conduta que lhe era exigível, e no tocante aos homicídios, os

senhores jurados não reconheceram esta excludente de ihcitude, isto é, que "era

exigível que se esperasse do réu conduta diversa da praticada". Por outro lado,

quanto aos homicídios tentados, o Conselho de Sentença reconheceu o estrito

cumprimento do dever legal, mas também afirmou que o apelante agiu com

excesso doloso. Portanto, em nenhum momento o Conselho de Sentença

absolveu o recorrente, mas, sim, admitiu que ele agiu com excesso punível em

resposta a dois quesitos do conjunto de séries distintas Demais, afastando a

qualificadora (recurso que impossibilitou a defesa da vítima), ficou

caracterizada a figura do homicídio simples. Sustenta, ainda, a defesa, que o

Conselho de Sentença reconheceu a excludente de ílicitude de estrito

cumprimento do dever legal e a causa de exclusão de crime de inexigibihdade

de conduta diversa, não caberia a formulação dos quesitos de excessos puníveis

(doloso e culposo) Ocorre que, segundo a doutrina, o excesso punível, previsto

no artigo 23, parágrafo único, do Código Penal, aplica-se a todas as causas

excludentes da antijuridicidade; o quesito correspondente é de formulação

cogente, cuja omissão acarreta nulidade absoluta. E o quesito de

inexigibilidade de outra conduta, que atenta à falta de sua previsão na

legislação penal e processual como causa de exclusão da culpabilidade, resulta

de entendimento doutrinário em favor do acusado. Demais, nenhuma

impugnação oportuna fez a defesa a respeito da inclusão do quesito

questionado, tomando preclusa, também, a matéria. Refere, ainda, a defesa,

que os resultados das votações dos quesitos são contraditórios e ilógicos, daí, a

sua nulidade. A questão já está pacificada na jurisprudência, que firmou

entendimento de que as decisões dos jurados são tomadas por maioria de voto

(CPP, art. 488) e a incoerência de um dos jurados é irrelevante. Demais, a

contradição nas respostas proferidas pelo Conselho de Sentença, que toma nulo

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o julgamento (CPP, art. 564, HI, k), deve ser observada entre os quesitos da

mesma série e não em séries distintas. Desta forma, não há qualquer

contradição, ilogismo ou despreparo dos jurados para o julgamento da causa

que possa inquinar de nulo o processo. Quanto ao mérito, pleiteia, a defesa, a

desconstituição da condenação argumentando que a decisão dos jurados foi

manifestamente contrária à prova dos autos. Sob esse fundamento só se admite

se a decisão do Conselho de Sentença não encontrar o menor respaldo nos

elementos de convencimento existentes nos autos Se os jurados optaram por

uma vertente do contexto probatório não há manifesta contrariedade. Assim, "a

decisão dos jurados, admitindo a vertente da acusação, tem amparo em

diversos elementos dos autos, não podendo ser tida, desta forma, como

arbitrária ou aberrante, sem mínimo apoio na prova A anulação do julgamento

neste caso ofenderia a soberania do Tribunal do Júri conferida pela

Constituição Federal. Da mesma forma, não merece reparo a pena aplicada ao

recorrente. O concurso material foi bem reconhecido, em virtude dos vários

crimes, perpetrados em distintas ações e com desígnios autônomos pelos

policiais militares que invadiram o pavilhão '95 da Casa de Detenção", e, por

todos os motivos articulados no parecer, a Douta Procuradoria-Geral de Justiça

pugnou pela manutenção da condenação do réu-apelante (Vol 56 - fls.

12.705/12 747).

Nesta Corte de Justiça, o recurso de apelação foi

distribuído para o saudoso Desembargador EGYDIO DE CARVALHO, que, à

época (26 3.2003), tinha assento na Egrégia 2a Câmara Criminal (Vol. 56 - fl.

12 748)

Em 3 de abril de 2003, a Augusta Assembléia Legislativa

do Estado de São Paulo veio de informar que o Senhor UBIRATAN

GUIMARÃES exerceu mandato de Deputado Estadual no período de 3 de

. A

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40

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

janeiro de 1997 e 2 de abnl de 1998; e, ainda, tomou posse em 15 de março de

2003 para a 15a Legislatura com término aprazado para 14 de março de 2007

(Vol. 56-fl. 12 752)

Por acórdão datado de 28 de abril de 2003 (Vol 56 - fls

12.764/12.759), a Egrégia 2a Câmara Criminal declinou de sua competência

para este Órgão Especial, cujo feito, distribuído a este relator (em 7/8/2003)

(Vol 56-fl. 12.768).

No período anterior e no de 26 de novembro de 2003 (Vol

56 - fl. 12.772) e 7 de janeiro de 2005 (Vol 56 - fl 12.831), houve inúmeras

baixas dos autos ao cartório para juntada de documentos, manifestação de

interessados, do acusado e do Ministério Público, e novas e reiteradas

conclusões Porém, nesses períodos, tanto quanto possível, nas conclusões

havidas, dedicou, o relator, ao exame e estudo dos autos do processo, que

compreende 133 volumes (sendo 56 principais e 77 apensos), constituído de

uma variedade inusitada de documentos, testemunhos, interrogatórios,

sentenças de pronúncia e do Júri, acórdãos, etc, razões de apelação do réu e

contra-razões do Ministério Público, analisados percucientemente para a

formação do convencimento e elaboração do voto

Este, em síntese, o relatório (elaborado pelo Relator

sorteado)

Das preliminares.

1 Incompetência da Segunda Câmara Criminal do

Tribunal de Justiça para julgar o recurso em sentido estrito interposto pelo réu

contra a decisão de pronúncia, pois este, exercendo o mandato de deputado

estadual, tinha neste Órgão Especial o juízo competente, e, ademais, somente

JüJl.

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

poderia ser processado e julgado depois que a Assembléia Legislativa

concedesse licença para tanto.

Não acolho a alegação.

A uma, porque em momento algum precedente - e muitos

houve (sustentação oral proferida no julgamento do recurso em sentido estrito;

interposição dos embargos ínfringentes; contrariedade ao libelo; ata de

julgamento da sessão do jún) -, sustentou o apelante a nulidade, devendo ser

lembrado que aquelas ocorridas posteriormente à pronúncia devem ser argüidas

logo depois de anunciado o julgamento e apregoadas as partes, de

conformidade com o disposto no artigo 571, V, do Código de Processo Penal.

A duas, porque, chamado da suplência em que se

encontrava para o exercício efetivo do mandato parlamentar, quando do

julgamento final do recurso, realizado na sessão do dia 22 de março de 1999 -

sim, porque houvera sucessivos pedidos de vista -, o apelante já voltara a ser

suplente de deputado estadual, não sendo competente para julgar o recurso, por

conseguinte, este Órgão Especial.

A três, porque o recorrente não informou à Segunda

Câmara Criminal que assumira o mandato de Deputado Estadual enquanto

pedia de julgamento o recurso em sentido estrito, não sendo essa assunção fato

notório que devesse a Corte conhecer. A investidura no mandato de deputado

estadual não é ato de conhecimento presumido erga omnes É dever daquele

que responde a processo-cnme informar ao órgão que o julga ter assumido o

mandato para possível deslocamento da competência judicante. As idas e

vindas do apelante da suplência e do efetivo exercício do mandato parlamentar

não poderiam desestabilizar o juízo competente. A verdade é que, quando do

julgamento final do recurso, repito, o apelante, que por alguns dias exercera o

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

mandato popular, já retornara à suplência Digno de nota, por sinal, que,

parecendo aguardar o desfecho final do recurso, já proferido o voto do Relator

sorteado que lhe deu provimento, não requereu o então recorrente a suspensão

do julgamento, por eventual incompetência da Câmara julgadora

2 Não poderia o apelante ter sido submetido a julgamento

pelo júri antes dos acusados de autoria material e imediata dos crimes de

homicídio e tentativa de homicídio, visto que, se estes fossem absolvidos,

diante da impossibilidade de imputar a qualquer deles a autoria dos disparos

que vitimaram os presos, dado que o exame de balística não foi realizado e o

contingente testemunhai não esclareceria esse ponto, a decisão fatalmente o

beneficiaria, conduzindo também à sua absolvição.

Não vinga a preliminar.

Ocorrido o desmembramento do feito, impositivo em face

de gozar o apelante de foro especial e se fazer necessária licença da Assembléia

Legislativa para o seu julgamento, não haveriam os processos desmembrados

de ter cursos paralelos no tempo.

Além disso, as acusações desfechadas contra os réus eram

substancialmente diferentes, constituindo aquela desferida em detrimento do

apelante a de ter ordenado a operação fora dos parâmetros indicados por sua

própria corporação, vale dizer, teria errado em haver dado a ordem de invasão,

pelo que assumira o risco produzir as mortes das vítimas

Não existe, portanto, a inculcada relação de precedência,

pois configuraram as acusações contra o recorrente e executores atos

absolutamente diversos, de contornos penais diferenciados, devendo cada qual

responder pelos fatos que a denúncia lhe imputou Não há essa relação de

imbricaçâo absoluta que exigisse o julgamento, primeiro dos executores, depois

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PODER JUDICIÁRIO g TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

do apelante. Se aqueles lograssem absolvição, ainda que, no plano das

cogitações, a decisão pudesse influenciar o veredicto dos jurados, considerada

a indenidade das provas que levariam àquela absolvição, como acenado neste

apelo, ontologicamente a acusação contra o apelante não se desfaria

Bem a propósito*

"JÚRI CONCURSO DE PESSOAS SEPARAÇÃO DE PROCESSO

A condenação de um co-réu, acusado de executor de homicídio qualificado, por homicídio simples, negada a qualiflcadora da promessa de recompensa e reconhecida a atenuante do motivo de relevante valor moral, não isenta de julgamento o co-réu sobre o qual pesa acusação de ser o mandante, pois, havendo quanto a este indícios de participação e não sendo possível prever-se qual será a decisão do Júri, no segundo julgamento, impossível antecipar-se a existência de contradição insuperável entre o julgamento futuro e o já realizado Precedentes da Turma (RHC 1 356, de 16/09 91) Recurso de Habeas Corpus a que se nega provimento" (RHC n° 2.340-MS, Quinta Turma, rei. Ministro Assis Toledo, RSTJ 66/129).

3. Nuhdade dos quesitos

O terceiro quesito descreve uma conduta inicial culposa

(versava, pois, sobre culpa, e, na forma da redação, culpa consciente, decidiu

pelo início da operação que resultou na invasão da Casa de Detenção de

São Paulo, sem medir ou melhor avaliar da necessidade e conseqüências

de tal conduta, ordenando que seus comandados, conhecendo a violência

com que alguns destes atuam, munidos de armas de grande poder de fogo,

lá ingressaram, assumindo, assim, o risco de produzir a morte da

vítima?". E a resposta dos jurados foi positiva, nas duas séries (homicídios

consumados e homicídios tentados), negando conduta dolosa.

Já o quarto quesito teve a seguinte redação: "O acusado

Ubiratan Guimarães, após iniciada tal operação, quando já se desenhava

o resultado, face às rajadas de metralhadoras efetuadas concorreu de

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

qualquer modo para o crime, na medida em que omitiu-se em determinar

que seus subordinados cessassem tal conduta, contribuindo para que o

resultado morte pudesse ocorrer?" Aqui, também nas duas séries, a

resposta dos jurados foi negativa, negando a conduta dolosa do apelante.

Assim, conclui o recorrente, afirmado pelo Conselho de

Sentença que o acusado agiu culposamente, não poderia ele continuar a ser

julgado pelo Tribunal do Júri, que se tornara incompetente ratione materiae.

Não frutifica o reclamo.

Ao decidir pelo início da operação que resultou na

invasão, por não medir bem a necessidade e conseqüências da conduta,

assumiu o apelante o risco de produzir a morte da vítima. Já iniciada a

operação, considerando as rajadas de metralhadoras efetuadas, ao não

determinar aos subordinados que cessassem tal conduta, omitindo-se, portanto,

o recorrente contribuiu para que o resultado morte pudesse ocorrer. Essa foi a

resposta do Conselho de Sentença. Da forma como se lhes perguntou, os

jurados afirmaram ação intencionada do coronel Ubiratan Sem ferir o mérito,

o apelante, como no contexto dos fatos narrados no processo, e na forma da

resposta daqueles quesitos, ordenou a invasão e, quando esta já tinha se

iniciado, não determinou aos subordinados que a cessassem, assumindo, com

isto, o risco de produzir a morte das vítimas

A redação dos quesitos não deixava margem à distinção

feita pela doutrina entre culpa consciente e dolo eventual. Na mente dos

jurados - e quem tem experiência em julgamentos do Tribunal do Júri sabe que

assim ocorre - não há lugar para a dita diferenciação, mais cerebrina do

qualquer outra coisa. Sempre acreditei - e me seja permitido afirmar, como

fruto da experiência de antigo Promotor de Justiça do Júri -, que o jurado não

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45

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

raciocina como apregoado pelos doutrinadores, ou seja, pensa que o sujeito

ativo, embora não queira diretamente o evento delituoso (dolo direto), age com

indiferença e desprezo na sua produção, anuindo em sua ocorrência (dolo

eventual); ou então, pensaria ela, o sujeito ativo repele a hipótese de

superveniencia do resultado, na esperança convicta de que este não ocorreria

(culpa consciente). Essa esperança convicta, uma sincera crença de que o

resultado não se produziria não parece afluir à mente do jurado. A mente

humana não é tão linearmente racional No conjunto de lembranças,

experiências e sensações que confluem para a decisão soa muito mais lógico

que o jurado pondera, acredita e responde se o réu quis ou não quis o resultado

de sua ação ou omissão

Mas amda que acreditássemos que os jurados fizeram bem

a distinção em dolo eventual e culpa consciente, não há tergiversar:

respondendo ao terceiro quesito, afirmaram que agiu o apelante

intencionalmente ao determinar a invasão anuindo no resultado, ainda que,

como posto no quesito, por não bem avaliar a necessidade e conseqüências da

ordem. E respondendo ao quarto quesito, afirmaram que, intencionalmente,

não ordenou que os comandados cessassem a conduta.

Não causou perplexidade a redação dos quesitos E as

respostas também não geraram dúvida. Aliás, e mais uma vez, a defesa de

Ubiratan não lobrigou qualquer prejuízo em decorrência dos termos

empregados, tanto que silenciou no curso do julgamento pelo Tribunal do Júri

Em suma, os jurados decidiram que o apelante agiu

intencionalmente, com dolo, pois, e não com simples culpa.

4. Nulidade visceral ocorreu decorrente do fato de os

jurados, na primeira série de quesitos, referentes aos homicídios consumados,

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

terem reconhecido que outra conduta não era exigível do réu, absolvendo-o,

por conseguinte; e, na segunda série, relativa aos homicídios tentados, haverem

afirmado que o acusado agiu no estrito cumprimento do dever legal,

absolvendo-o, portanto Nessa linha de consideração, assinala o apelante, ele já

estava absolvido em face da aceitação pelo Conselho de Sentença das citadas

causas excludentes, descabendo, por conseqüência, prosseguir no questionário,

indagando se o réu agira com excesso punível. A quesitação correspondente ao

excesso, com incongruentes respostas positivas dos jurados, acabou por

ocasionar, perora o apelante, invencível contradição com as respostas

anteriores, que, iniludivelmente, davam o réu como absolvido das imputações

de homicídios consumados e de homicídios tentados.

Vejamos.

Relativamente aos homicídios consumados, à pergunta se

"O réu praticou o fato no estrito cumprimento do dever legal, no exercício de

suas funções para conter o conflito estabelecido", os jurados, por quatro votos

contra três, responderam negativamente, desacolhendo, portanto, essa causa

excludente de ilicitude

Respondendo ao oitavo quesito, que indagava se "Era

exigível que se esperasse do réu conduta diversa da praticada, na situação em

que o mesmo se encontrava, para que não progredisse o referido conflito", os

jurados disseram que não, também por quatro votos contra três. Aqui,

afirmaram a presença de causa excludente de antijuridicidade, ou de ihcitude,

ou causa de justificação, ou justifícante, não importa a terminologia. Apesar da

omissão legislativa brasileira a respeito da possibilidade de se reconhecer a

existência de causas supralegais de exclusão da antijuridicidade, a doutrina e a

jurisprudência nacionais admitem sua viabilidade dogmática.

^

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

A propósito, observa o penalista Cezar Roberto

Bittencourt;

"O ordenamento jurídico brasileiro não faz qualquer

referência às causas supralegais de justificação. Mas o caráter dinâmico da

realidade social permite a incorporação de novas pautas sociais que passam a

integrar o quotidiano dos cidadãos, transformando-se em normas culturais

amplamente aceitas. Por isso, condutas outrora proibidas adquirem aceitação

social, legitimando-se culturalmente. Como o legislador não pode prever todas

as hipóteses em que as transformações produzidas pela evolução ético-social de

um povo passam a autorizar ou permitir a realização de determinadas condutas,

inicialmente proibidas, deve-se, em princípio, admitir a existência de causas

supralegais de exclusão da antijuridicidade, em que pese alguma resistência

oferecida por parte da doutrina.

A concepção do conteúdo material da antijuridicidade

tornou possível a admissão de causas supralegais de justificação. Na verdade,

para se reconhecer uma causa supralegal de justificação pode-se recorrer aos

princípios gerais de direito, à analogia ou aos costumes, afastando-se a

acusação de tratar-se de um recurso metajurídico

Convém destacar que, ao contrário do que pensam alguns

penalistas, a admissão de causas supralegais de justificação não implica

necessariamente a aceitação de injustos supralegais, diante da proibição do

princípio da reserva legal."("Tratado de Direito Penal", Editora Saraiva, parte

geral, vol. 1, 8a edição, 2003, páginas 251 e 252, lembrando o autor que, na

doutrina nacional, admitem as causas supralegais Damásio, Toledo, Pierangeli,

Mirabete, Paulo José, Alcides Munhoz Netto, Fragoso, Fredenco Marques,

Magalhães Noronha)

A

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Uma dessas causas supralegais é a da inexigibilidade de

conduta diversa, a que foi proposta ao Conselho de Sentença Os jurados, viu-

se, responderam que não era exigível que se esperasse do réu conduta diversa

da praticada. E qual foi essa conduta? Decidir pelo início da operação, como

assinalado no quesito terceiro. Omitir-se em determinar que seus subordinados

cessassem tal conduta, após iniciada a operação, como asseverado no quarto

quesito.

O que reconheceram, então, indubitavelmente os jurados?

Que não era exigível que se esperasse de Ubiratan Guimarães, na situação

em que o mesmo se encontrava, para que não progredisse o conflito, outra

conduta que não a de decidir pelo início da operação e de não determinar

que a mesma cessasse, quando a operação já iniciada.

Se não era exigível outra conduta, absolutamente ilógico

indagar, em seguida, nos dois quesitos subseqüentes, se o réu se excedera

culposamente na conduta que lhe era exigível ou nela se excedera dolosamente.

Se não era exigível esperar que o réu não determinasse o início da operação e

que não a fizesse cessar quando já iniciada, impossível, logicamente, que

tivesse ele agido com excesso. Na ordem, de ingresso de seus subordinados

no presídio, e na não ordem de fazer cessar a operação, incogitável o

excesso. Amda mais, admitido de antemão pela juíza, sem fundamento nas

respostas, o excesso, pois assim não se perguntou, de início, aos jurados,

indagar-se se ele era culposo ou doloso. Enfatize-se, se não se esperava do

acusado outro comportamento, se a sua conduta não estava fora dos limites que

eram exigidos de se esperar, não caberia indagar dos jurados se houve excesso

na conduta que lhe era exigível porque os jurados já tinham afirmado que a

conduta exigível era aquela mesma praticada pelo apelante

A

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No que respeita aos homicídios tentados, à indagação, no

quinto quesito, se "O réu praticou o fato no estrito cumprimento do dever legal,

no exercício de suas funções para conter o conflito estabelecido", os jurados,

em notável contradição com a resposta que haviam dado referentemente aos

homicídios consumados, por quatro votos contra três, responderam

positivamente, reconhecendo, portanto, a presença de causa de excludente de

ilicitude

Se Ubiratan Guimarães agiu no estrito cumprimento do

dever legal, como respondido, não faz sentido perguntar, no quesito sexto, se

"O réu excedeu culposamente os limites da excludente de estrito cumprimento

do dever legal" e, no quesito seguinte, se "O réu excedeu dolosamente os

limites do estrito cumprimento do dever legal.". Por quatro votos contra três, o

Conselho de Sentença negou que o réu tivesse excedido culposamente, os

limites da excludente Mas, também por quatro votos contra três, respondeu

positivamente quanto ao excesso doloso.

Mas como, agindo estritamente no cumprimento do dever

legal, o réu excedeu-se dolosamente9 Se há uma ciência, ou arte, em que as

palavras têm um peso específico, essa a do Direito. Não é jogo de palavras, não

é sofisma semântico, trata-se simplesmente de entender que o estrito

cumprimento do dever legal não pode ser excessivo. Quem age no estrito

cumprimento de um dever legal não se excede Se se excede, é porque o

cumprimento do dever não foi estrito. Ademais, como perguntar aos jurados se

o réu se excedeu, culposa ou dolosamente, no estrito cumprimento do dever

legal, se não se lhes perguntou, por epítrope, antes, se o réu se excedera?

Na legítima defesa, somente se pergunta se o réu excedeu

seus limites, culposa ou dolosamente, se os jurados negam o uso moderado dos

meios necessários à defesa. Se eles afirmam que o réu utilizou dos meios

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necessários, moderadamente, não se indaga de excesso, pois quem age

moderadamente não se excede No cumprimento do dever legal, se afirmado

que ele foi estrito, impossível, logicamente, perguntar se houve excesso,

culposo ou doloso. Não é possível exceder culposa ou dolosamente o estrito

cumprimento do dever legal. Sobretudo nas circunstâncias e contexto dos

autos, em face das imputações que foram feitas ao apelante, na forma do

questionário Isto é, se ao coronel Ubiratan Guimarães se inculcou ter dado

início à operação que resultou na invasão da Casa de Detenção de São Paulo,

sem medir ou melhor avaliar da necessidade e conseqüências de tal conduta, e

os jurados responderam, que assim procedendo, o réu agiu no estrito

cumprimento do dever legal, não cabe o excesso. Ou era o caso de dar início a

operação, ou não era. Se o Conselho de Sentença disse que era o caso de dar

início à operação, assim agindo, o coronel não fugiu ao estrito cumprimento do

dever legal, não havendo falar em excesso. Não pode ser excessivo o "dar

início à operação" Outrossim, se após iniciada a operação, não a fazer cessar,

determinando que seus subordinados cessassem tal conduta, foi tida, pelos

jurados, como ação, ou inação, não contrária ao estnto cumprimento do dever

legal, não é possível, mais uma vez, cogitar de excesso

Assim, objetivamente considerando, independentemente

do que se queira acreditar tenha sido a intenção dos integrantes do Conselho de

Sentença, tendo afirmado a inexigibihdade de conduta diversa e que o réu agiu

estritamente no cumprimento do dever legal, os jurados o absolveram

Isso é respeitar a soberania do júri, de consagração

constitucional. Acatou este Tribunal de Justiça exatamente a decisão do

Conselho de Sentença Desconsiderou as descabidas perguntas a respeito do

excesso e fez valer o que os jurados asseveraram* não era exigível, nas

circunstâncias, outra conduta do acusado, quanto aos homicídios consumados,

IkÀ

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

e, quanto aos tentados, agiu este no estrito cumprimento do dever legal, ou seja,

disse da presença, em ambas as hipóteses, de excludente de ihcitude

Mas, e o parágrafo único do artigo 23 do Código Penal?

Houve descumprimento, tendo em conta que o mesmo estabelece que o agente,

em qualquer das hipóteses de exclusão de ilicitude, responderá pelo excesso

doloso ou culposo?

Não

Lembre-se que o dispositivo em questão foi introduzido

pela Reforma Penal de 1984, de sorte a prever a punibilidade do excesso

relativamente a todas as excludentes, diferentemente do regramento anterior,

que se restringia a prevê-la somente em relação à legítima defesa. Mas, é

intuitivo que o excesso punível, seja a título de dolo seja a título de culpa,

decorre do uso imoderado ou desnecessário de determinado meio, que causa

resultado mais grave do que o razoavelmente suportável nas circunstâncias

Volto à questão. Se os jurados reconheceram que dar início à operação de

ingresso na Casa de Detenção, e não a fazendo cessar depois de iniciada,

estava o réu praticando conduta exigível nas circunstâncias, e ainda, no mesmo

contexto, agindo no estrito cumprimento do dever legal, não houve excesso

punível.

Há excesso quando, no cumprimento de um dever, tenham

cessado as circunstâncias que criam esse dever e a ação contmua. Ora, a

afirmação dos jurados de que ao acusado não era exigível outra conduta tem o

sentido de dizer que as circunstâncias que haviam criado o dever não haviam

cessado. Aliás, já se observou, há ilogismo em entender que a ordem de

ingresso dos subordinados na Casa de Detenção era a conduta exigível nas

circunstâncias e considerá-las, ao mesmo tempo, excessiva; entender que o

/l/l

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acusado agiu no estrito cumprimento do dever legal ao ordenar a entrada

dos subordinados e não ordenar a retirada em determinado momento e, ao

mesmo tempo, dar conotação de excessiva a tais ações Não se está

examinando o mentum causae, isto é, se efetivamente o apelante manteve

comportamento exigível nas circunstâncias e se agiu no estrito cumprimento do

dever legal, mas sim verificando que essa foi a decisão dos jurados.

Tratando da obrigatoriedade de votação dos quesitos

quanto ao excesso doloso ou culposo, o juiz e doutnnador Guilherme de Souza

Nucci leciona: "No caso de estado de necessidade, vota-se o excesso quando os

jurados reconhecerem que a conduta adotada pelo agente, para contornar o

perigo atual, era evitável. Quanto ao exercício regular de direito, vota-se o

excesso no momento em que os jurados afirmarem não ter ocorrido

regularidade no exercício do direito E, finalmente, quanto ao estrito

cumprimento do dever legal, vota-se o excesso quando os jurados afirmarem

não ter sido o dever legal cumprido tal como previsto" ("Código de Processo

Penal Comentado", Editora Revista dos Tribunais, 2a edição, página 684)

Acrescento: vota-se o excesso, no caso da supralegal de

inexigibilidade de conduta diversa, se, respondendo a quesito precedente, de

alguma forma os jurados afirmarem que a conduta exigível não era exatamente

aquela.

Ora, no caso, os jurados não afirmaram que o dever

legal não fora cumprido como o previsto e nem que a conduta exigível não

era exatamente a praticada pelo apelante.

Procede, por conseguinte, a preliminar

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53

. PODER JUDICIÁRIO $ TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

5. Por que, todavia, em vez de dar o apelante como

absolvido, não anular o julgamento popular, entendendo que os quesitos não

foram bem formulados ou foram contraditórias as respostas?

Porque os jurados efetivamente, na forma explanada,

absolveram o coronel Ubiratan Guimarães. E, na forma da última preliminar, o

que a defesa sustentou foi precisamente isso. Este Colendo Órgão Especial

nada mais está fazendo do que, pelas respostas do Conselho de Sentença,

desconsiderando, reitere-se, os quesitos atinentes ao excesso, tanto em uma

quanto na outra série, entender que o réu foi absolvido. É a única decisão

compatível com as afirmativas dos jurados

Um ponto não escapou a este Órgão para decidir como o

fez, por esmagadora maioria. Se, ad argumentandum tantum, optasse, ante a

absoluta insubsistência do questionário e das respostas, por anular o

julgamento, ordenando a realização de outro, o acusado, por gozar de foro

especial, conforme disposto no artigo 74, I, da Constituição do Estado de São

Paulo, e pelo princípio da simetria que nutre o nosso federalismo, seria julgado

por este mesmo Órgão Especial, conforme decorre do citado dispositivo e

também do artigo 60 da Constituição Paulista. Apreciaria então este Órgão o

mérito da causa, expungido o questionário de suas imperfeições formais e,

quiçá, com dilaçâo probatória.

Ora, se me fosse permitido afirmar, vingando a tese de que

a competência para julgar o réu era originária desta Corte de Justiça, por seu

Órgão Especial, quando então o julgamento pelo Tribunal do Júri teria sido

anulado, ou então, anulado o julgamento, por terem sido feitas perguntas

descabidas aos jurados e por terem sido contraditórias as respostas, diria que

este Órgão absolveria o acusado. Heresia, prognóstico insólito, insusceptível de

ser feito? Não. Simplesmente constatação da realidade. O julgamento é

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colegiado Antes e durante a sessão, é óbvio, os Desembargadores tecem

comentários, trocam opiniões E, francamente, e talvez pela mesma maioria, o

veredicto seria absolutório

Mas não direi isso. Sena ousadia. Um fato, contudo, é

inegável se o Órgão Especial quisesse condenar o réu, não teria acolhido a

preliminar e, apreciando o mérito, lavraria decisão condenatóna

Ora, se juridicamente se fazia impositivo dar guarida à

preliminar e entender que o réu fora absolvido pelo júri popular, nada mais

justo do que assim proclamar, não anulando o julgamento para que outro fosse

proferido por esta Corte, cuja decisão, mais uma vez, ousando afirmar talvez

sem poder, seria absolutória.

6. Aí está. O número de mortos resultantes da operação

inquieta Constrange. Abala

Mas não se trata de se posicionar a favor ou contra os

"direitos humanos". Aliás, absurda é essa pretensa dicotomia: a favor ou contra

os direitos humanos. É falsa essa separação. Quem a propaga, de forma

distorcida e sectária, são certas pessoas e organizações que, arrogantemente e

sem o menor fundamento, se proclamam como únicas defensoras dos direitos

humanos, querendo fazer crer que lutar pela observância de tais direitos é

apenas defender o direito dos presos.

É claro que estes têm direitos enquanto encarcerados,

enquanto privados do direito de liberdade, que é o úmco que a condenação lhes

retira.

É claro que os presos têm dignidade de pessoa humana,

sendo esta um dos fundamentos, e, digo, o mais importante, do Estado

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Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil, a

teor do artigo Io da Constituição Federal

É claro que o Estado brasileiro falha miseravelmente no

fazer respeitar essa dignidade, criando e mantendo um sistema prisional

absolutamente incompatível

É claro que da maneira como, em termos gerais, os presos

são tratados, sua dignidade é essencialmente desconsiderada e que não perdem

apenas a liberdade, mas praticamente todos os demais direitos que a lei lhes

assegura É claro que, nessas circunstâncias, é irrisão falar em função

ressocializadora da pena que, aliás, nem mesmo cumpre sua função dissuasória

ou intimidativa.

Não se trata, também, de exaltar ou execrar a Polícia

Militar, de acoroçoar ações violentas ou reprimi-las por intermédio de uma

decisão judicial.

O que se está apreciando é se o Tribunal do Júri absolveu

ou não o apelante. O que se está afirmando é que ele o fez e que, portanto, esta

Corte não está alterando o veredicto dos jurados. Não é preciso que

"professores", pela imprensa, venham ensinar, a esta altura da vida, a calejados

julgadores deste Órgão Especial que o artigo 5o, inciso XXXVIII, alínea "c",

da Constituição da República, assegura a soberania dos veredictos do júri Nós

sabemos e decidimos como fizemos, por maioria de votos, exatamente com a

atenção voltada para o dispositivo O que se fez foi conferir às respostas do

Conselho de Sentença o seu valor jurídico próprio, o que é muito diferente de

exercitar adivinhação sobre a vontade dos jurados. Os juizes, e assim o

fizemos, julgam de acordo com a lei e sua convicção, não de acordo com o

/Oif

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"senso comum" daqueles que, por determinada visão ideológica, teimam em

ver a realidade com um certo viés

Decidiu-se, acredito, com lucidez, responsabilidade e bom

senso, nos estritos termos da lei, sem dar atenção aos justiceiros de plantão,

"com o seu exército de patrulheiros revanchistas, maniqueístas e populistas"

(carta publicada, em 5 de março de 2006, no "painel do leitor" do jornal Folha

de São Paulo de um Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, a

respeito de artigo escrito por um ilustre advogado de São Paulo no mesmo

jornal, no dia anterior, sobre o episódio "Carandiru").

Será que teremos, todos, que rezar pela mesma cartilha,

extraindo da lei e dos fatos apenas a interpretação que, ideologicamente,

interessa9

Eis um homem que acaba de ser ameaçado de tortura e

prisão por tempo indeterminado, a não ser que assine sobre a linha pontilhada

que lhe é imposta.

".. Tenho diante de meus olhos o Santo Evangelho, e

tocando-o com minhas mãos, juro que sempre acreditei e, com a ajuda de

Deus, acreditei no futuro em tudo o que é afirmado, pregado e ensinado pela

Santa Igreja Católica Apostólica . Que devo abandonar por completo a falsa

opinião de que o Sol é o centro do mundo e é imóvel e que a Terra não é o

centro do mundo e se move, e que não devo crer, defender ou ensinar a dita

doutrina de qualquer maneira, seja verbalmente ou por escrito. .".

Em 1632, Galileu pode ter sussurrado para si mesmo,

enquanto assinava, "mas ela se move, sim.". Nunca saberemos.

/A

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7. De todo o exposto, acolho o pedido posto na preliminar

no sentido de reconhecer que, mercê das respostas dadas pelos jurados, foi o

coronel Ubiratan Guimarães absolvido das imputações que lhe foram irrogadas

no libelo.

ALTER DE ALMEIDA GUILHERME Relator designai

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DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR

Apelação Criminal n° 105.368-0/4 - (Comarca de São Paulo)

Apelante: Ubiratan Guimarães

Apelada: Justiça Pública

Com o devido respeito ao entendimento dos votos vencidos

proferidos pelos Excelentíssimos Senhores Desembargadores MOHAMED

AMARO e VALLIM BELLOCCHI, pelo meu voto, acompanho a douta

maioria, dando provimento ao recurso da Defesa para reconhecer a

absolvição do réu-apelante pelo Tribunal do Júri.

Observo, inicialmente, que o recurso de apelação interposto é

amplo - a petição de interposição silencia quanto ao fundamento legal do

inconformismo (cf. fls. 12.478) -, merecendo, por isso, ser apreciado sob

todos os fundamentos expressos no art. 593, III, do Código de Processo

Penal, à exceção da expressa proibição contida no § 3o daquele mesmo

dispositivo (o que não é o caso).

Viável esse pensamento, posto que: "Interposta apelação de

decisão condenatória do Tribunal do Júri em termos genéricos, sem

indicação do preciso permissivo legal, desde que a bem da defesa, o

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conhecimento se impõe, por obediência ao preceito constitucional que

assegura ao réu amplitude de defesa, Ê que o motivo poderá perfeitamente

ser indicado nas razões de apelação ou, caso não seja, poderá o tribunal

encontrá-lo" (grifos meus, "RT" 638/281).

Convicto estou, d'outra parte, que a conclusão conferida ao

julgamento popular realizado não merecia, de fato, subsistir.

No que toca à série relativa aos crimes de homicídios

consumados, os senhores Jurados, após o reconhecimento da materialidade,

autoria e letalidade, entenderam que o réu-apelante concorreu com dolo

eventual, afastando o estrito cumprimento do dever legal.

Em seguida, responderam ao oitavo quesito (sexto e sétimo

prejudicados), em que indagados sobre a tese de causa supralegal de

exculpação, ou seja, questionou-se se era exigível, na situação em que o réu

se encontrava, aguardar dele conduta diversa da praticada. Em resposta, por

maioria, afirmou-se que não lhe era exigível outro comportamento. Em

outras palavras, o apelante não poderia ter agido de outro modo. No quesito

subseqüente, o Conselho de Sentença entendeu, também por maioria, que

houve excesso doloso.

Ora, se não era exigível outra conduta por parte do réu,

mostrou-se incoerente a indagação feita nos quesitos subseqüentes quanto

ao excesso doloso ou culposo. Se outro comportamento não era esperado,

diante das circunstâncias fáticas, impossível que tivesse ele praticado algum

excesso.

Assim, não sendo exigível outra, a conduta do agente só

poderia ser lícita. Pressupostos objetivos ou subjetivos tornar-se-iam

visíveis caso tivesse sido desdobrado o quesito atinente à excludente da

exigibilidade de conduta diversa, permitindo-se concluir se o fato e as

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circunstâncias transcorreram, naquele momento, dentro da normalidade ou

não.

Observa ADRIANO MARREY que "... a excludente de

culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa não pode, como é

óbvio, ser articulada em um único quesito, pois se correria, nessa hipótese,

o risco de propor, ao Conselho de Sentença, a aferição de um conceito

jurídico quando, na realidade, os Jurados devem manifestar-se sobre fatos.

Como ressaltou o Des. José Benedito de Figueiredo, 'a aceitação da

mexigibilidade de conduta diversa como causa excludente de culpabilidade

tem como requisitos a apresentação de quesitos desmembrados em

circunstâncias fáticas, para a verificação da anormalidade da situação, por

não se tratar de conceito jurídico que possa ser apreciado em quesito

único'." ("Teoria e Prática do Júri", 7a ed., São Paulo; Ed. Revista dos

Tribunais, 2000, p. 547).

O desdobramento em três quesitos, conforme sugerido por

JOSÉ HENRIQUE PDERANGELLI, "permite visualizar, deforma bastante

clara, a situação fática, de modo que o Conselho de Sentença terá

condições de verificar se os fatos e as circunstâncias que cercaram a

realização do delito guardaram, ou não, normalidade e se, de acordo com

esse juízo, era exigível, ou não, do agente, um comportamento conforme o

direito " (apud MARREY, Adriano, ob. cit., pp. 547/548).

O questionário em análise, portanto, foi viciado. Além de

contraditório, fez alusão à referida excludente (articulada em um único

quesito) que, embora de aparência simples, possui fundo complexíssimo, e

não poderia ter sido submetida à votação da forma como foi, trazendo

perplexidade aos jurados que, à evidência, não souberam o que

responderam

f\

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Não é só. O resultado obtido na série dos homicídios

consumados, no tocante ao quesito da inexigibilidade de conduta diversa,

não foi semelhante àquele votado na série dos homicídios tentados, o que

provocou flagrante discrepância, mormente em se considerando que as

infrações imputadas foram perpetradas num mesmo contexto fático.

Verifica-se, ainda, outra contradição na série relativa aos

homicídios tentados. Os Jurados, indagados se o réu praticou o fato no

estrito cumprimento do dever legal, embora tenham respondido

negativamente referente aos homicídios consumados, disseram, no quarto

quesito, "sim", ou seja, afirmaram que o apelante agiu estritamente

conforme o dever quanto aos delitos tentados.

Ora, como é possível agir no estrito cumprimento do dever

legal e, ao mesmo tempo, exceder dolosamente? Quem age no estrito

cumprimento do dever não pode exceder.

No quesito referente à excludente do estrito cumprimento do

dever legal, deve-se indagar primeiro do excesso, tal como se faz nas

hipóteses de legítima defesa. Negado o uso moderado dos meios

necessários, pergunta-se do excesso, com o adequado desdobramento do

quesito. Acerca do tema, ensina GUILHERME DE SOUZA NUCCI que:

"... quanto ao estrito cumprimento do dever legal, vota-se o excesso

quando os jurados afirmarem não ter sido o dever legal cumprido tal como

previsto.,." ("Código de Processo Penal Comentado", São Paulo, Ed.

Revista dos Tribunais, 2000, p. 734).

Conforme já demonstrado pelo mestre MIGUEL REALE, o

Direito não se harmoniza com a pureza matemática da lógica formal na

medida em que envolve, além de prescrições normativas, fatos e valores

"O ato de julgar não obedece a meras exigências lógico-formais,

(éQl-?

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implicando sempre apreciações valorativas (axiológicas) dos fatos, e, não

raro, um processo de interpretação da lei, aplicável ao caso...". ("Lições

preliminares de Direito", São Paulo, Saraiva, 1999, p. 65).

Admissível, pois, reconhecer que a MNP. Juíza-Presidente do

Tribunal do Júri contrariou a lei e a decisão dos jurados, "implicando, por

conseqüência, em erro no tocante a aplicação da pena (art. 593, III, beç,

do CPP)9\ o que possibilita a este Órgão Especial retificar a r. sentença

para reconhecer a absolvição do réu.

Assim, em atenção ao princípio constitucional da ampla defesa,

e também porque do modo de formulação dos quesitos decorreu,

certamente, perplexidade aos jurados, cabe a este Tribunal corrigir o

equívoco (§ Io, art. 593, C.P.P.).

Além disso, "nada impede que a 2a instância conceda ao réu

mais do que pleiteou em seu recurso. Isso, a par de favorecê-lo, não

prejudica a sociedade, porque também ela deseja a realização de justiça,

dando-se a cada um o que realmente merece" ("RT" 522/323, in "Código

de Processo Penal Anotado", DAMÁSIO E. DE JESUS, pág. 384, art. 593).

São essas, em resumo, as razões pelas quais, com a devida

vênia, acompanhei a douta maioria

S MAZZONI

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VOTO N° 17.667

APELAÇÃO CRIMINAL N° 105.368-0/4-00 COMARCA SÃO PAULO REQUERENTE UBIRATAN GUIMARÃES REQUERIDO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR

Como ficou salientado no relatório apresentado pelo Des.

Mohamed Amaro "briga envolvendo os detentos Luiz Tavares, vulgo

Coelho, e Antônio Luiz, vulgo Barba Em razão do ocorrido houve

tumulto generalizado entre grupos de presos. Os agentes encarregados da

solução do conflito foram rechaçados, expulsos do 2o Pavimento, com

alegação dos presos de que eles próprios resolveriam o problema.

Após levantamento feito, conforme determinação do

Secretário de Segurança, necessária se tornou a invasão. Mesmo nas

tratativas feitas pelo dr. Pedroso, Diretor, este teve de se utilizar de

policiais, protegidos com escudos, tal o conflito existente.

Quando do avanço dos policiais no Pavilhão 9, não foram

observadas estratégias ou planejamento, pois sequer conheciam os

policiais as dependências do pavilhão

Salientada ficou a reduzida visibilidade do local.

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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Segundo o perito Negrini - se a PM não entrasse no

Pavilhão nenhum presidiário estaria vivo. Todos morreriam queimados

pelo incêndio desencadeado pelos presos e asfixiados

Demonstrado ficou que os presos atacaram a PM quando

esta ingressou no Pavilhão Os presos batiam as armas, ferros e paus no

solo, para mostrar força.

O sistema elétrico foi destruído O Pavilhão estava às

escuras; jogaram óleo nas escadarias, colocaram tábuas com sangue

impregnado por HIV; 13 armas de fogo foram apreendidas com os,

presos, bem como 500 armas brancas.

PMs foram feridos, coletes à prova de bala e escudos

foram alvejados, conforme laudos periciais. Oitenta e seis (86) PMs,

nesta situação, ingressaram no Pavilhão diante de 2069 presos prontos a

atacá-los.

Noventa e seis por cento (96%) dos mortos foram

atingidos pela frente. Vestígios de sangue foram encontrados em cinco

celas, no total de 600 do Pavilhão 9. Vários presos mataram-se entre si,

segundo entendimento do Ministério Público.

Testemunha de fls. 8406 descreve as barricadas

encontradas, a escuridão e o fato de terem sido recebidos a tiros pelos

presos. Testemunha de fls. 8414 descreveu a existência de fumaça, fogo,

água pelo chão, objetos arremessados contra a tropa, tudo isso em meio a

correria dos presos. A visibilidade era ruim. Notou quando os detentos

passaram a atirar contra os policiais.

2 Apelação Criminal n° 105.368-0/4/0-00 - São Paulo

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Segundo manifestação judicial de fls 8472* "constata-se

em primeiro lugar as dificuldades que a Polícia Militar encontrou na

realização da operação, bem como a resistência oferecida pelos presos e

por estes mesmo admitido A resistência oferecida pelos presos, pode ser

medida em face da existência de vários policiais feridos na ocasião.

Paralelamente, consta dos autos a notícia da apreensão de armas,

inclusive armas de fogo, em poder dos rebelados"

Várias autoridades presentes no local entenderam

absolutamente necessário o ingresso da Polícia Militar Somente após este

consenso foi determinado pelo Coronel Ubiratan o ingresso dos policiais

no local (perito Negrini)

Logo no início da operação o mesmo - Coronel Ubiratan

- foi atingido por uma explosão de um botijão de gás, sendo ferido -

conduzido ao hospital.

Apenas, pelo mesmo, foi determinado o ingresso dos

policiais no local.

Johannes Wessels, Direito Penal, traduzido por Juarez

Tavares, fls 53 deixou salientado: "Parece correta a doutrina, agora

predominante, de que existe dolo eventual, quando o autor não se tenha

deixado dissuadir da execução do fato pela possibilidade próxima da

ocorrência do resultado e sua conduta justifique a assertiva de que ele,

por causa do fim pretendido se tenha conformado com o risco da

realização do tipo, antes até concordando com a ocorrência do evento de

que renunciando à prática da ação"

3 Apelação Criminal n° 105.368-0/4/0-00 - São Paulo

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Não há como se evidenciar que o Coronel Rufino ao

determinar a invasão por aconselhamento do sr Secretário de Segurança,

tinha seriamente como possível e com isso se conformasse, de que sua

conduta conduziria à realização do tipo penal homicídios.

A decisão de agir deve ser lastreada pela comprovação

efetiva da vontade de agir. Fato inocorrido.

Evidenciada ficou a existência de um perigo - atual - ou

seja, um estado que, segundo a experiência humana, produziria,

provavelmente, dentro de um desenvolvimento material, a ocorrência de

um dano, se tão logo não interviesse uma medida de defesa

A ação necessária - a invasão - constituiu a única e

última saída da situação de necessidades, medida objetivamente

necessária e adequada para o afastamento do perigo.

Segundo Bill Buford, em sua obra - Entre os Vândalos,

fls. 193: "uma das impressões mais marcantes que me ficaram na mente a

partir do inquérito foi quão simples e quão fácil é o surgimento de uma

situação alarmante em um ambiente superlotado Isso acontece repetidas

vezes sem conseqüências fatais ou mesmo danosas. O perigo, no entanto,

é que muito poucas são as influências adicionais necessárias - uma

oscilação involuntária do corpo, um momento de exaltação, um

acréscimo comparativamente pequeno à multidão, a queda de uma parte

da cancela - para o perigo se traduzir em mortes e ferimentos". Isto, no

entanto, em uma simples partida de futebol.

O que dizer então da ocorrência em presídio com centenas

de detentos com penas superiores a 60 anos, em crimes graves, com

4 Apelação Criminal n° 105.368-0/4/0-00 - São Paulo

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constantes explosões de violência por parte dos marginais, bem como o

sistemático desrespeito às normas administrativas e à lei

O ocorrido revestiu-se, em confronto com a ação -

invasão de um caráter de todo excepcional, extraordmário, disforme da

normalidade dos casos semelhantes, afastando o nexo de causalidade

Quem não respeita a sociedade, nem o pai e muito menos

a mãe, vai obedecer ou respeitar um funcionário ou militar encarregado

de solucionar a questão.

Segundo Wessels, Direito Penal, acima citado, fls 53

"contrariamente ao entendimento quanto ao dolo eventual é de se supor

(só) negligência consciente quando o autor tenha confiado em que - tudo

caminhava bem - e que conseguiria evitar a ocorrência iminente do

evento".

Inocorrência do dolo eventual que existe quando o autor

não se tenha deixado dissuadir da execução do fato pela possibilidade

próxima da ocorrência do resultado e sua conduta justifique a assertiva de

que ele, por causa do fim pretendido, se tenha conformando com o nsco

da realização do tipo, antes até concordando com a ocorrência do evento

do que renunciando à prática da ação

Segundo RT 607/274: "na hipótese de dolo eventual não é

suficiente que o agente tenha se conduzido de maneira a assumir o risco

de produzir o resultado; exige-se, mais, que ele tenha consentido no

resultado"

Inexistência de elementos indicativos do assentimento, da

aquiescência, da anuência ao resultado, por parte do acusado.

5 Apelação Criminal n° 105.368-0/4/0-00 - São Paulo

Page 69: Acórdão-absolvição coronel ubiratan - carandiru.pdf

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Inexistente no caso dos autos qualquer elemento indicativo

do atuar doloso do acusado e, nem mesmo, o dolo eventual.

BARBOSA PEREIRA Desembargador

6 Apelação Criminal n° 105.368-0/4/0-00- São Paulo

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DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR

APELAÇÃO CRIMINAL N° 105 368-0/4

VOTO N° 20252

SÃO PAULO

Apelante UBIRATAN GUIMARÃES

Apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

No início sessão de 15.2.06, todos os integrantes do

Órgão Especial receberam o manifesto assinado pelos

representantes de 32 entidades ligadas à defesa dos direitos

humanos, clamando por respostas firmes que viessem ao encontro

das vidas interrompidas e que aplacassem o silêncio que se

instaurou há 14 anos Pediram que um novo capítulo fosse escrito, a

responsabilização jurídica, o império da justiça e o fim da

impunidade no caso do massacre do Carandiru. Quer dizer,

esperavam que fosse mantida a condenação do Cel Ubiratan

Guimarães a 632 anos de prisão, responsável pelas 111 mortes

Na qualidade de julgador, ser-me-ia impossível negar a

repercussão nacional e internacional do triste episódio de 2 10.92,

que culminou na invasão da Casa de Detenção e na morte de 111

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

2

detentos. Mas, nessa mesma qualidade, senti-me no dever de decidir

conforme minha convicção, formada pela prova dos autos,

sobretudo no que se refere à participação do Cel Ubiratan

Guimarães. Sem ceder à pressão externa, política ou ideológica

Desde logo, anoto que o caso sempre sugeriu

divergências na interpretação dos fatos, como aquelas que se

verificaram no julgamento do recurso do Cel Ubiratan Guimarães,

interposto contra a sentença de pronúncia, que recebeu o n°

270.659-3/3 e ao qual se negou provimento por maioria de votos.

Com efeito, na oportunidade (22 3 99), os

Desembargadores Silva Pinto e Ângelo Gallucci entenderam haver

indícios da colaboração do recorrente para o resultado, não sendo

possível agasalhar a excludente do estrito cumprimento do dever

legal. Considerando as peculiaridades do caso, deixaram para o

Tribunal do Júri a apreciação da excludente. Mencionaram as

versões conflitantes da defesa e da acusação.

Da maioria apartou-se o Desembargador Egydio de

Carvalho que, com fundamento no artigo 411 do Código de

Processo Penal, absolvia sumariamente o Cel. Ubiratan Guimarães,

reconhecendo ter agido ele no estrito cumprimento do dever legal.

Atribuiu o douto e saudoso magistrado o início de tudo

aos presos, que tomaram "funcionários como reféns, botando fogo

nos colchões e celas, derrubando portas, acabando com salas

administrativas e ameaçando a segurança geral, tanto dos que

estavam dominados, como dos demais presos, em número superior

APELAÇÃO CRIMINAL N° 105 368-0/4 - SÃO PAULO / m '

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a 6.000 que não participaram da rebelião. Havia ainda perigo para a

coletividade, na hipótese de fuga dos amotinados, elementos

perigosos que ocupavam o Pavilhão destinado aos presos de maior

periculosidade".

E mais. "Tudo iniciou-se com uma briga entre facções

de condenados, sentenciados, lívidos pelo poder dentro do

complexo penitenciário. Mataram-se mutuamente, fuzilaram ou

esfaquearam companheiros de cela. Cometeram atentados violentos

ao pudor contra outros. Causaram crime de incêndio e dano do

Poder Público. Tomaram agentes penitenciários como reféns

Feriram policiais no exercício de seu dever. Jogaram óleo nos

corredores do presídio, tornando o piso escorregadio. Armados

também com pedaços de pau, com pregos nas suas pontas banhados

de sangue com o vírus da AIDS Não atenderam às súplicas do

Diretor do Presídio para que tudo voltasse à normalidade E tudo

teve início por brigas entre quadrilhas de traficantes que infestam o

local".

"A polícia militar, como é óbvio, foi chamada e

precisava intervir, pois essa é a sua função. A intervenção da

Polícia Militar não foi o ato inicial de toda a briga, mas foi

conseqüência da rebelião que se espalhava perigosamente A polícia

precisava entrar e sabia que iria enfrentar os piores condenados,

aqueles que, na vida, nada mais tinham a perder. Os chefes da

Polícia Militar tentaram dialogar e forçar os presos a se entregar,

mas nada conseguiram".

APELAÇÃO CRIMINAL N° 105 368-0/4 - SÃO PAULO / •

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4

Adiante "O que se conclui é que, o que desenrolou no

Pavilhão 9 foi uma operação militar solicitada e consentida, os

militares em suas ações de retomada do Pavilhão, encontravam-se

em serviço e autorizados a executar essas ações pela autoridade

superior, civil e competente, fls 7797/7798".

"Ainda é dos autos, que decorridos alguns momentos,

o Cel Ubiratan Guimarães, em virtude do estouro de um televisor,

veio a ferir-se sendo retirado do local e encaminhado ao Hospital

Militar; as ações, confronto legal entre policiais militares e ilegal

por parte dos amotinados, continuaram"

"Tantas foram as negociações, confabulações, com

várias pessoas ilibadas e de notória reputação, comentando os fatos,

opinando a respeito, que inclusive é até possível que a ordem de

mvasão para a retomada do Pavilhão 9 tenha partido delas"

Após a análise da prova, o Des Egydio Carvalho

concluiu que o Cel. Ubiratan Guimarães não agiu com dolo

eventual como retratado na inicial e imputado na r sentença de

pronúncia E ao assim concluir, deu ênfase ao parecer do douto

Procurador de Justiça, Dr. Carlos Henrique Mund, que merece ser

transcrito:

"Analisando as milhares folhas que compõem os autos,

verifica-se que, para pronunciar o Cel. Ubiratan Guimarães, vários

princípios elementares do Direito foram contrariados, admitindo-se,

inclusive A CULPA OBJETIVA NO DIREITO PENAL Atribui-se

ao Cel. Ubiratan Guimarães a prática das mortes e das tentativas de

APELAÇÃO CRIMINAL N° 105 368-0/4 - SÃO PAULO

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morte descritas na peça acusatóna, a título de dolo eventual,

questionando-se a conveniência e a oportunidade do ato

administrativo (ordem aos subordinados para desencadear a

operação do restabelecimento da legalidade), a necessidade de

retomada da Casa de Detenção, emprego de tropa militar armada,

em suma, a necessidade e legalidade da ação militar deve ser

analisada no seu contexto e não em seus aspectos isolados, alguns

de irrelevância manifesta, sob pena de comprometer a verdade dos

fatos, transformando uma conduta correta em censurável ou ilegal

(fls. 8502/8503)"

Tendo prevalecido o entendimento da douta maioria -

Desembargadores Silva Pinto e Ângelo Gallucci - foi o Cel.

Ubiratan Guimarães submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri,

que o condenou à pena de 632 anos de reclusão. Reconheceram os

jurados ter ele agido no estrito cumprimento do dever legal e

também que não lhe era exigível outra conduta. Apesar disso,

responsabilizaram-no pelo excesso.

Contra essa decisão, o ilustre advogado do Cel

Ubiratan, Dr. Vicente Cascione, interpôs a apelação, arguindo

várias nulidades, entre as quais se destacava a de que os jurados não

poderiam votar o quesito relativo ao excesso, após terem acolhido

duas teses absolutónas: a do estrito cumprimento do dever legal e a

da inexigibilidade de outra conduta. Preliminar acolhida pela

maioria dos integrantes do Órgão Especial.

-J-QJJj APELAÇÃO CRIMINAL N° 105 368-0/4 - SÃO PAULO _/ *

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6

Embora as respostas dos jurados fossem suficientes

para a absolvição do Cel Ubiratan, o caso, pela repercussão e pela

expectativa do "manifesto pelo fim à impunidade no caso do

massacre do Carandiru", assinado, como disse antes, por 32

entidades ligadas à defesa dos direitos humanos, impõe algumas

considerações pessoais sobre o fato ocorrido no longínquo 2.10.92

O ponto de partida será o memorial do ilustre e culto

Procurador de Justiça, Dr Antomo Visconti, que sempre admitiu a

necessidade da invasão, mas responsabilizou o Cel. Ubiratan pela

"eleição dos meios para enfrentar a situação, optando pelas tropas

de assalto, em lugar das de contenção"

Quanto à necessidade da invasão, nenhuma dúvida

diante a situação caótica criada pelos presos amotinados do

Pavilhão 9, que atearam fogo no andar térreo, destruíram o sistema

elétrico, usaram tábuas com pregos e sangue com vírus HIV,

jogaram óleo nas escadarias e portavam armas de fogo e estiletes.

Essa necessidade foi avaliada pelas autoridades

presentes - Dr. Filardi, assessor do Secretário da Segurança

Pública, Dr Pedrosa, Diretor da Casa de Detenção, dois

magistrados - e pelo próprio Secretário da Segurança Pública, Dr

Pedro Franco de Campos, que autorizou a invasão.

Se as autoridades civis autorizaram a invasão, até para

evitar mal maior (o perito Negrini informou que, não agisse a

polícia militar, presos em número maior morreriam asfixiados e

J-CUa APELAÇÃO CRIMINAL N° 105 368-0/4 - SÃO PAULO / *

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queimados), não vejo como responsabilizar-se o Cel Ubiratan por

ter optado por tropas de assalto e não as de contenção.

Para quem estava longe dos acontecimentos, fácil

opinar sobre o que era melhor e mais conveniente, em especial

depois do resultado da invasão (111 mortos). Ocorre que o Cel

Ubiratan enfrentava uma situação absurda um presídio que

abrigava presos perigosos (2069 amotinados), determinados a

assumir o controle ou a destruir tudo, inclusive ateando fogo no

andar térreo, com possibilidade de se estender aos demais

pavimentos, colocando em risco a integridade de outros 5.500

detentos, distribuídos nos 5 pavimentos

Se a invasão era necessária à retomada do comando da

Casa de Detenção, para debelar o fogo e salvar vidas, se não era

possível exigir-se do Cel Ubiratan outra conduta e se ele foi alijado

do combate logo no início da ação, vitimado por uma explosão que

o deixou desacordado, depois socorrido e levado ao Hospital

Militar, não encontro uma única justificativa para atribuir-lhe o dolo

eventual, a responsabilidade pelas 111 mortes e a condenação a 632

anos de reclusão

A despeito de ter concordado com a interpretação dada

pelo Des. Walter Guilherme às respostas dos jurados, creio ser

absolutamente indispensável esclarecer os motivos outros que me

levariam a idêntico resultado.

Mesmo que os jurados tivessem condenado o Cel.

Ubiratan, eu daria provimento à apelação por considerar a decisão

APELAÇÃO CRIMINAL N° 105 368-0/4 - SÃO PAULO / °^ .

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contrária à prova dos autos E no julgamento que se seguisse, em

face da competência do Órgão Especial por ser ele deputado, meu

voto seria pela absolvição, baseado nos fundamentos antes

declarados (estrito cumprimento do dever legal e inexigibilidade de

outra conduta) e, em especial, porque, fora de combate no inicio da

operação, não poderia ser responsabilizado pelo que houve depois.

O mais interessante, no episódio, é que o Cel. Ubiratan

também corria o risco de ser responsabilizado se não tivesse

cumprido as ordens emanadas das autoridades civis, se não agisse

rápido, se não determinasse a invasão e se, em conseqüência,

muitos detentos tivessem morrido, vítimas de asfixia e do fogo que

se alastrava, possibilidade real na palavra do perito Negrini.

Em resumo: a) a situação da Casa de Detenção era

caótica, com presos do Pavilhão 9 amotinados, colocando em risco

a integridade dos outros presos; b) as negociações foram tentadas

sem êxito, tendo sido armado um esquema de proteção ao Diretor

do Presídio, Dr Pedrosa, em virtude de os presos atirarem sobre ele

toda espécie de objetos; c) a invasão era necessária e foi resultado

do consenso das autoridades civis Sem ela, teriam morrido mais

detentos, de outros pavimentos, d) o Cel Ubiratan agiu, como

admitiram os jurados, no estrito cumprimento do dever legal, não

sendo possível, ante as dramáticas circunstâncias daquele momento,

exigir-se dele outra conduta; e) atingido, logo no início da operação,

por uma explosão, ferido e conduzido ao Hospital Militar, jamais

poderia ser responsabilizado pelo que aconteceu depois Somente

APELAÇÃO CRIMINAL N° 105 368-0/4 - SÃO PAULO Q/U

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seria se tivesse, antes, dado ordem para que seus comandados

atirassem para matar ou para que agissem com violência, o que nem

mesmo o Ministério Público sustentou

No manifesto recebido, clama-se pelo fim da

impunidade, pelo império da justiça e pela responsabilização dos

culpados. Preservado o respeito ao pensamento daqueles que o

assinam, estou convencido de que injustiça estaria cometendo se

mantivesse a condenação do Cel Ubiratan a 632 anos de prisão, por

ter agido no estrito cumprimento do seu dever de militar e ter se

arriscado para recuperar o comando da Casa de Detenção, num

momento de intensa dramaticidade.

Lembro, por derradeiro, lição do inesquecível

magistrado Edgard de Moura Bittencourt, em sua obra "O Juiz": "O

dever e o propósito de mdependência, mesmo com a segurança do

livre exercício da função, precisam estar presentes ao juiz, para que

não venha a ceder a injunções, com que foge do caminho da

imparcialidade". Também as palavras de Picard, para quem "a

independência perante influências e solicitações é admirável; mas o

que convém admirar altivamente é a independência perante si

próprio" Ou de Roullet, para quem "a mdependência assegura a

indispensável liberdade de consciência".

Por todos os motivos acima e porque também entendi

que, na verdade, os jurados absolveram o Cel. Ubiratan Guimarães,

reconhecendo que ele agiu no estrito cumprimento do dever legal e

que dele não era exigível outra conduta, acompanhei, integralmente,

APELAÇÃO CRIMINAL N° 105 368-0/4 - SÃO PAULO Qiu

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o voto do ilustre Des. Walter Guilherme, com acréscimos ajustados

à minha convicção e à minha consciência

LAERTE NORDI

APELAÇÃO CRIMINAL N° 105 368-0/4 - SÃO PAULO

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Vice-Presidência

Apelação Criminal n° 105.368.0/4 Apelante: Ubiratan Guimarães Apelada: Justiça Pública Comarca: São Paulo

Declaração de Voto

O meu voto, tal qual aquele

proferido pela grande maioria dos senhores desembargadores

integrantes do C. Órgão Especial do Tribunal de Justiça, também dava

provimento ao recurso da defesa, a fim de reconhecer absolvido o

apelante E assim fazia, pelas razões abaixo enumeradas de forma

sucinta mas suficientemente justifícadoras da opção por mim feita.

O julgamento popular e a

conclusão que lhe foi conferida, na verdade não merecia subsistir

E que, por um lado, já a

elaboração do longo questionário submetido pela Juíza Presidente do

Tribunal do Júri à consideração e análise dos senhores jurados, não se

revestiu da melhor técnica, mostrando-se, os quesitos, muitos deles,

por sua inaceitável prolixidade redacional e pela absoluta falta de

simplicidade e clareza, fonte de inequívoca perplexidade,

comprometedora da compreensão e do seu alcance. Máxime se se

lembrar que julgadores de fato, no caso, eram pessoas leigas, de

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2

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

nenhuma formação ou conhecimento técnico-jurídico, e que a tudo

tiveram que responder após exaustivos dez ou doze dias de extenuante

julgamento.

E foi em razão disso,

certamente, que os senhores jurados foram levados a intolerável

contradição nas respostas que trouxeram a algumas das indagações

que lhes foram formuladas, com isso comprometendo, e de forma

irremediável, a regularidade formal do julgamento.

Veja-se, por um lado, a clara

inconciliabilidade daquilo que responderam a propósito dos quesitos

de número 3 e 4, das séries referentes aos homicídios consumados. No

de número 3, por 4 votos SIM, contra 3 votos NÃO, afirmaram ter o

réu assumido o risco de produzir o resultado morte que adveio para as

vítimas Já no subseqüente, de número 4, invertendo numericamente o

resultado da votação, admitiram que o réu não contribuiu para que o

resultado morte sobreviesse.

Ora, ou bem uma coisa, ou

bem outra. Pois, se o procedimento do apelante evidenciou risco de

produzir o resultado, como ficou afirmado no quesito de número 3,

não poderia, ao mesmo tempo, ter deixado de contribuir para que o

evento morte se concretizasse

Vislumbra-se, igualmente,

claríssima contradição nas respostas referentes a inexibilidade de

conduta diversa quanto aos crimes consumados e tentados, todos

perpetrados, lembre-se, em um mesmo contexto fático, de tal forma a

Apelação Criminal n° 105.368.0/4 / *

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

fazer inadequadas respostas divergentes em face de uma ou de outra

das infrações

Mas o que fizeram os

jurados? Para os homicídios consumados responderam NÃO (8o

quesito) a propósito daquela exigibilidade de conduta diversa, mas

para os delitos tentados responderam SIM, em claríssima contradição

Mas há mais. na série

referente aos homicídios tentados (112a série e seguintes), os jurados,

no quarto quesito, responderam que o réu NÃO concorreu, de

qualquer modo, para o crime, mas no quinto, afirmaram, então

aceitando que ele concorreu para o evento, que ele praticou o fato no

estrito cumprimento do dever legal

A dualidade e a

inconciliabilidade das afirmações acima enumeradas é manifesta.

Aquele que, à vista de um mesmo e único acontecimento, assume o

risco de produzir o resultado, não pode ter recusada sua contribuição

para que ele advenha. Da mesma forma, não pode ter negada a

inexigibilidade de conduta diversa para o delito consumado, mas

afirmada a excludente em face das infrações meramente tentadas, se

umas e outras foram praticadas em um só momento, em um mesmo

contexto fático. Nem pode ter negado que concorreu, de qualquer

modo para os crimes, mas agiu no estrito cumprimento do dever legal.

Da mesma forma que, se procedeu no estrito cumprimento do dever

legal, não poderia ter reconhecido excesso em sua conduta, pois,

aquele que cumpre estritamente o dever, jamais estará se excedendo.

Apelação Criminal n° 105.368.0/4 £

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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

A incompatibilidade e

impossibilidade de coexistências de todas aqueles situações

conflitantes, daqueles sentimentos antagônicos, sugerem, com muita

segurança, que os jurados não estavam devidamente esclarecidos e

plenamente convencidos a propósito das circunstâncias que

envolveram a cena.

E as contradições evidentes,

indicativas da desinformação do Conselho de Sentença, que acabou

decidindo de forma incoerente, impunham, certamente, a anulação do

júri.

Isso tudo não bastasse para

invalidar o tormentoso julgamento de primeiro grau, outras

circunstâncias concorreram para evidenciar o inequívoco vício de que

se revestiu a decisão final proferida.

É que, se afirmaram os

jurados, em um primeiro momento (quesito de número 4), que o réu

não contribuíra para que o resultado morte sobreviesse; se, por outro

lado, reconheceram (quesito de número 8) que não seria exigível outra

conduta por parte do apelante, afirmando a existência de causa

supralegal de exclusão da culpabilidade; e se, por fim, admitiram que

ele praticou o fato no estrito cumprimento do dever legal (quesito de

número 5 das séries referentes à tentativa), claro que proclamaram

induvidoso veredicto absolutóno.

E não tinha nenhum sentido,

data venia, questionar o Conselho de Sentença a respeito de eventual

Apelação Criminal n° 105.368.0/4 t

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excesso, tal como feito, em seguida, pela Mentíssima Juíza Presidente

do Tribunal do Júri

Como já tem decidido o C.

Superior Tribunal de Justiça, "não age culpavelmente - nem deve ser,

portanto, penalmente responsabilizado pelo fato - aquele que, no

momento da ação, ou da omissão, não poderia, nas circunstâncias, ter

agido de outro modo, porque, dentro do que nos é comumente

revelado pela experiência, não lhe era exigível comportamento

diverso" (RESP. julgado em 6.8.90, pela 5a Turma, rei. Min Assis

Toledo, inRT 660/358)

Na verdade, configura claro

contra-senso, como acima anotado, admitirem os jurados que o réu

agiu no estrito cumprimento do dever legal, para, ao depois,

aceitarem que ele se excedera; quem age, repita-se, segundo seu

estrito dever, jamais estará se excedendo, pois, se o fizer, não está

procedendo conforme sua obrigação estrita. Da mesma forma

caracteriza incoerência, aceitar, como se fez, que não lhe seria exigível

outro comportamento que não aquele por que optou, para, ao depois,

reconhecer-se que a opção representou excesso de alguma natureza

A regra do art. 23, parágrafo

único, do Código Penal, somente incide quando os jurados,

questionados sobre o tema por ali tratado (com adequado

desdobramento do quesito. co réu agiu no cumprimento do seu

dever?', 'o réu agiu estritamente no cumprimento desse dever?'),

respondam negativamente à segunda consulta sobre o estrito

cumprimento do dever legal. Respondida afirmativamente a

Apelação Criminal n° 105.368.0/4 t

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indagação, encerra-se o julgamento, proferida que já foi solução

absolutória. Tal como aqui se deu

Inaproveitável, por

conseguinte, o julgamento do jún, quer pela imprecisa e prolixa

redação dos quesitos, quer pela imerecida submissão de alguns deles à

consideração dos jurados; quer, por fim, pela contradição reconhecida

entre várias respostas às consultas a eles formuladas, o que indicou

claro despreparo e pouco conhecimento sobre a matéria a decidir,

restaria optar por uma de duas soluções alternativas: ou anular o

julgamento por vício formal, determinando-se a renovação do jún ou,

ao contrário, julgando-se desde logo a causa, transferida que estava a

competência para o Tribunal de Justiça, em face da condição de

deputado estadual do réu apelante.

Embora, tecnicamente mais

recomendável a primeira das soluções, no caso presente, por suas

peculiaridades, não tive dúvidas em aderir à proposta da maioria dos

integrantes do C. Órgão Especial, a fim de reconhecer absolvido o

acusado.

É que, por um lado, mostrou-

se induvidoso que os jurados, na verdade, já o haviam absolvido, a

partir do instante em que reconheceram o cumprimento do estrito

dever legal, assim como a inexigibilidade de outra conduta A

proclamação de tal resultado absolutório apenas não sobreveio em

razão da equivocada e inoportuna formulação dos quesitos

concernentes ao excesso que acabou afirmado

Apelação Criminal n° 105.368.0/4 /

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Destarte, se a vontade

soberana do júri já fora manifestada com o reconhecimento das

excludentes de culpabilidade, ao Órgão Especial não pareceu

desarrazoado, em respeito ao veredicto popular, ratificar a solução que

cumpria ter sido proclamada em primeiro grau. Até porque, anulado

que fosse o julgamento como conseqüência dos vícios formais

anotados, a competência originária estaria transferida para esta Corte,

em face da condição de deputado estadual do acusado, a qual, então,

teria poderes e legitimidade para proclamar o non liquet, que

efetivamente acabou, até por uma questão de ordem prática, desde já

proclamada, sem necessidade de outra tormentosa sessão de

julgamento.

Até porque, conclua-se, a

prova trazida aos autos não haveria, ao menos ao meu sentir, de

sugerir outra solução que não a absolvição do acusado.

Os depoimentos testemunhais

não o indicam como autor da ordem de extermínio, apenas o apontam

como aquele que autorizou a entrada no presídio, recomendação que

se apresentava absolutamente razoável, tanto em face da inadiável

necessidade de se pôr fim ao conflito que imperava entre os

presidiários, como em razão daquilo que parece induvidoso, a

propósito do respaldo que teria sido conferido à decisão de invadir a

penitenciária, por outras autoridade de escalão mais elevado

De resto, não se olvide, ainda,

que a permanência do réu no recinto, não durou mais que alguns

minutos, pois dali foi retirado, ao que parece, até mesmo antes de

Apelação Criminal n° 105.368.0/4

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iniciada a operação de invasão. A explosão de um barril de gás junto a

ele levou-o a ficar desacordado (fala-se, até, em rompimento do

tímpano), exigindo sua imediata transferência para outro local, onde

lhe foi prestado atendimento médico, o que foi providenciado até por

uma autoridade judiciária presente ao cenário do acontecimento

trágico

Por isso, se já não estava o

réu presente no presídio, quando de sua tomada pelas tropas e se a

ordem de invasão fora legítima, já que inadiável, mostra-se altamente

temerário a ele conferir a responsabilidade por toda aquela tragédia

que acabou por advir Apenas prova robusta, indesmentida e

tranqüilizadora da sua responsabilidade, com o que, insista-se, não se

depara por aqui, haveria de sugerir a drástica condenação que

sobreveio.

Em suma, então, evidente a

nulidade do julgamento pelo Tribunal do Júri; certo que os jurados já

haviam proclamado soberana decisão absolutória não proclamada por

equívoco da Juíza que presidia aquele julgamento e se ao Órgão

Especial, a partir da anulação indispensável, passava a competência

para julgar a causa que dizia respeito a parlamentar beneficiário do

foro privilegiado, tanto em respeito à decisão induvidosa que os juizes

leigos já haviam tornada expressa, como em razão da insuficiência da

prova no apontamento do apelante como causador da chacina, nada de

estranho, segundo penso, pode ser reconhecido na solução absolutória

que o órgão competente para novo julgamento - o Tribunal de Justiça

Apelação Criminal n° 105.368.0/4 £

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

por seu Órgão Especial - antecipadamente entendeu dever proclamar

desde logo

Essas as razões por que, com

a devida venia, acompanhei a douta maioria e, anulando o julgamento

anterior, decidi reconhecer a absolvição que acabou prevalecendo.

CANGUÇU DE ALMEIDA

Desembargador

Apelação Criminal n° 105.368.0/4

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APELAÇÃO CRIMINAL n° 105.368.0/4-00

COMARCA: SÃO PAULO

RECTE. : UBIRATAN GUIMARÃES RECDO. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO

PAULO

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR

Acompanhei a maioria por entender que, ao

responderem aos quesitos consumados e tentados, os jurados

reconheceram as excludentes de ilicitude consistentes no estrito

cumprimento do dever legal1 e na inexigibilidade de conduta diversa

por parte do réu2 3.

1 Damásio E de Jesus, Direito penal parte geral, v 1, 21 ed rev e atual, São Paulo Saraiva, 1998, p 354, explica "A antyundicidade, segundo requisito do cnme, pode ser afastada por determinadas causas, denominadas 'causas de exclusão da anbjundicidade1 ou 'justificativas' Quando isso ocorre, o fato permanece típico, mas não há cnme excluindo-se a ilicitude, e sendo ela requisito do cnme, fica excluído o própno delito Em conseqüência, o sujeito deve ser absolvido São causas de exclusão da anüjundicidade, previstas no art 23 do Código Penal ( ) 3a) estrito cumprimento de dever legal" 2 Edgard de Moura Bittencourt, Vitima, 2 ed rev, aum e atual São Paulo Editora Universitária de Direito, 1978, pp 99-100, citando julgado do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, elenca a inexigibilidade de conduta diversa, dentre as cláusulas supralegais de exclusão da antijundicidade "A doutrina entende poder existir causa supralegal de exclusão da ilicitude com base na inexigibilidade ( ) A referência à inexigibilidade de melhor conduta não exclui a primazia que o julgado imprime ao outro nindamento, qual o do acolhimento de uma justificativa extralegal Procura, como consigna, a revitalização da lei O dispositivo legal - acrescenta - no campo do Direito Penal deve expressar a norma definidora do ato anujurídico Há, pois, a norma e o dispositivo Se, porém, por deficiência ou envelhecimento do Código resulta uma antinomia entre o dispositivo e a norma que deve informá-lo, em face de um ato qualificado no dispositivo, mas não infhngente da norma - há que se concluir que esse ato não é antijurídico e, assim, não se qualifica como dehto Esses conceitos se assentam na existência, além das expressamente previstas no Código, de causas extralegais de justificação da conduta, por não ser possível, de direito, exigir-se outra do agente O ato ilícito se erige, destarte, não do dispositivo legal propriamente dito, mas da norma supenor que o inspira A hcitude do ato não pode ser prejudicada pela incapacidade do legislador de catalogar em princípios estntos todos os cambiantes que podem deflexionar no pnsma da norma de cultura imanente do dispositivo legal' O fato se ressente da antijundicidade material"

Ricardo Antônio de Souza, Imputação objetiva e suas modificações na teoria do crime, ín <http //jus2 uol com br/doutnna/texto asp?id=8291> acesso em 21/08/2006 "4-Imputação objetiva e culpabilidade/iiiexigibilidade de conduta diversa. A inexigibilidade de conduta diversa, cujo significado está no seu própno nome, é tradução do livre arbítrio, fundamento/dogma de todo o direito pentíK 'A jurisprudência alemã vê a essência da culpabilidade no fato de que o autor se decidiu em favpr Ido ilícito, apesar de lhe ser possível comportar-se licitamente, decidir-se em favor do direito'

J(ÇÍaus)ííoxin, Estudos de Direito Penal, página 145) Se é exigível conduta diversa é porque o ser

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2

Da análise das respostas dos jurados verifica-se,

quanto aos homicídios consumados, responderam negativamente à

prática do fato pelo réu no estrito cumprimento do dever legal (quesito

4°), mas entenderam não ser exigível que se esperasse dele conduta

diversa da praticada (quesito 8o). O reconhecimento desta última

causa de antijuridicidade já se afigurou suficiente para definir a

absolvição, nada autorizando o questionamento sobre excesso doloso

ou culposo. No referente aos homicídios tentados (f. 12 427), os

jurados afirmaram que o réu praticou o fato no estrito cumprimento do

dever legal (quesito 5o) e assinalaram não ser exigível que se

esperasse dele conduta diversa da praticada (quesito 8o) Não se

justificava, destarte, também nessa hipótese, questionamento sobre

excesso culposo ou doloso, porque também já reconhecida a

humano podena impedir o curso das condicionantes exógenas e endógenas, podena livrar-se do caminho imposto pelo determinismo e agir de outra forma Pelo contrário, se não é exigível conduta diversa é porque o ser humano foi determinado àquela conduta sem outra opção Se a pessoa pudesse não cometer o cnme, era lhe exigível conduta diversa Caso contráno, se a pessoa foi determinada e não podena evitar o cometmento do cnme, era lhe inexigível conduta diversa, estando afastada a culpabilidade/reprovabilidade da conduta (teona normativa pura da culpabilidade) Qualquer conduta, cuja carga de determinismo impõe ao ser humano nenhuma outra alternativa senão o comeümento do cnme, deve ser tolerada/permitida Sem opção de agir de outra forma, o homem não pode ser punido A sociedade não pode exigir outra conduta E se ela não pode exigir outra conduta, deve tolerar aquele conduta que foi praticada sob o determinismo extremo A liberdade mínima do agente de impedir a sua própna conduta, de frear os impulsos, causas, determinações e tudo que o leva aquele comportamento, deve estar presente para que a conduta seja proibida/intolerada Não se proíbe o que é impossível, se não há possibilidade de agir de outra forma, a proibição não pode alcançar a conduta. Acentua Helmut Mayer "o que não pode ser razoavelmente exigido a um homem, não lhe pode ser imposto pelo direito positivo" (Das Strafrecht des deutschen Volks, 1936, pág 230 "Wes einem Menschen ruchit zugemutest wud, das wird íhm auch mcht geboten") Todos os casos de rnexigibilidade de conduta diversa, são casos de condutas toleradas/permitidas, porque 1) não se proíbe o impossível, n) se não há livre arbítrio, a conduta é imputável às causas e condições determinantes, que o agente não podena de maneira alguma evitar, não sendo sua responsabilidade o comportamento ui) se as causas do cnme não são imputáveis ao ser humano livre, a pena também não se lhe pode impor Se os casos de ínexigibüidade de conduta diversa são casos de condutas/riscos tolerados, logo não há falar em imputação objetiva nesses casos A upicidade, portanto, está afastada )or falta ido elemento normaüvo/imputação objetiva Especificamente, por ausência de cnação de um

^ CR No \i5fe 368 0/4-00 - SÂO PAULO - Voto n° 22 891 - d 2 - OE

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

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excludente de ilicitude Como se reconheceu o estrito cumprimento do

dever legal e a inexigibilidade de conduta diversa, é ilógico que se

perquira o excesso Se a conduta está nos limites estritos de atuação,

ou não se pode exigir do agente outro comportamento, a exorbitância

torna-se impossível.

O excesso nas causas de exclusão de

antijuridicidade ocorre na seqüência do proceder, quando o agente

ultrapassa os limites da justificativa4. Note-se que, no caso concreto,

como inclusive registrado na denúncia, o réu-apelante, logo após a

ordem e a movimentação da tropa foi atingido pela explosão de um

botijão de gás e levado a um hospital, não mais permanecendo no

comando. Portanto, não há que falar em atos posteriores à ordem

dada e que se reconheceu no estrito cumprimento do dever legal e na

esfera da inexigibilidade de conduta diversa. A atuação do réu limitou-

se à ordem para a entrada da tropa de choque.

Também descabe a argumentação do emprego de

meios desnecessários ou imoderado dos meios necessários. O

nsco juridicamente proibido/intolerado Portanto, o último elemento da culpabilidade normativa pura é exaurido na üpicidade, em seu elemento normaüvo/imputação objetiva" 4 Damásio E de Jesus, ob cit, p 360 "Há excesso nas causas de exclusão da antjundicidade quando o sujeito, encontrando-se inicialmente em estado de necessidade, legítima defesa etc , ultrapassa os limites da jusbficativa O excesso pode ser a) doloso ou consciente, b) não-intencional ou inconsciente No excesso doloso o sujeito tem consciência, após ter agido licitamente, da desnecessidade de sua conduta Ele pressupõe tenha o agente, numa primeira fase, agido acobertado por uma discnminante Numa segunda, consciente de que, p ex, a agressão injusta ou a situação de pengo já cessou, continua agindo, neste caso, ilicitamente O excesso intencional leva o sujeito a responder pelo fato praticado durante ele a título de dolo (CP, art 23, parágrafo único) Excesso não-íntencional (não doloso) é o denvado de erro, em que o autor, em face da falsa percepção da realidade motivada pelas circunstâncias da situação concreta ou pelos requisitos normativos da causa de justificação não tem consciência da desnecessidade da continuidade da conduta Na primeira fase ele

A age licitamente, na segunda, por causa do erro, passa a conduzir-se ilicitamente"

ÀftpRNo /05 368 0/4-00 - SÁO PAULO - Voto n° 22 891 - d 2 - OE

I

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PODER JUDICIÁRIO a TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SAO PAULO

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acusado, no comando dos Policiais Militares, valeu-se adequadamente

da tropa de choque, tendo em vista o estado de total descontrole no

pavilhão carcerário. O edifício estava às escuras, com incêndio em

várias de suas áreas e os presos, inequivocamente, amotinados e, ao

que aparentava, munidos de armas brancas e até de algumas armas

de fogo. Em suma, estava-se perante o imponderável e impunha-se

mesmo que a seletividade se fizesse pela tropa de choque e não pela

de contenção, simplesmente. Era necessário debelar a rebelião

evidente.

A questão é de lógica jurídica. Quem está no estrito

cumprimento do dever legal ou não se pode dele exigir conduta

diversa, não pratica excesso. Proclamadas as duas excludentes,

cumpria que simplesmente o réu fosse absolvido, porque assim

decidido pelos jurados, afigurando-se maplicável o parágrafo único, do

artigo 23, do Código Penal Cabe ponderar, outrossim, que a ação de

reprimir foi única, não se podendo desdobrá-la para os homicídios

consumados e para os tentados. Patente, assim, a incompatibilidade

das respostas quando, na seriação dos homicídios consumados, não

se reconheceu o estrito cumprimento do dever legal e na dos tentados

essa causa de antijundicidade foi afirmada. Como a atuação foi uma

única, essa incongruência deveria ter sido resolvida durante o

lamento/Dfe qualquer modo, a exigibilidade de conduta diversa foi

AP CR No 105 368 0/4-00 - SAO PAULO - Voto n° 22 891 - d 2 - OE

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SAO PAULO

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negada, agora em adequada seqüência lógica, tanto para os

homicídios consumados (f. 12.294), como para os tentados (f. 12.428).

Houve erro na valoração das respostas dos jurados

que, na realidade, reconheceram as excludentes e de molde a obstar a

investigação de qualquer excesso. Em suma, absolveram o réu e,

nesse momento, o julgamento já se completara, nada autorizando a

continuidade direcionada à investigação do excesso.

Por meu voto acompanho a maioria e reconheço a

absolvição do réu pelo Trib

c M

iunal do Júri

.RCUS ANDRADE

AP CR No 105 368 0/4-00 - SÍO PAULO - Voto n° 22 691 - d 2 - OE

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR Apelação Criminal n° 105.368.0/4-00

- São Paulo -

Prestando homenagem póstuma ao Eminente

Desembargador Paulo Cássio Egydio de Carvalho,

transcrevo os fundamentos de seu voto proferido por ocasião

do julgamento do Recurso em Sentido Estrito n° 270.659.3/3,

datado de 22 de março de 1999:

"Narra a inicial, fls. 63, que o Cel. Ubiratan

Guimarães assumiu o comando da operação, nessa primeira

fase, ordenando pois, a invasão do Pavilhão 9, pelas tropas

citadas, munidas de armas de grande poder de fogo, sem

medir, ou melhor avaliar da necessidade e conseqüência

daquela ação conjunta. Frise-se, ademais, que o Cel.

Ubiratan conhecia perfeitamente a costumeira violência com

que agiam alguns de seus comandados, mas mesmo assim

admitiu que ingressassem no Pavilhão, na forma

estabelecida pelo Cel. Ubiratan, não poderia ser outro."

Page 95: Acórdão-absolvição coronel ubiratan - carandiru.pdf

2

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

"Consigne-se que a participação do Cel. Ubiratan,

inclusive ingressando no Pavilhão 9, verificou-se até já com

as tropas atirando nos pavimentos, disparando armas A

propósito, diz o Oficial ter ouvido rajadas de metralhadoras

em pavimentos superiores Praticamente encerrada a

primeira etapa da operação, com saldo inusitado de mortes,

o Cel. Ubiratan, no momento em que pretendia acompanhar

a movimentação dos detentos para o pátio, veio de sofrer

ferimentos face ao estouro de um televisor existente em

determinado compartimento, tendo então, a partir daí, se

retirado do Pavilhão para receber os primeiros socorros,

passou pela enfermaria do Pavilhão 4, e seguidamente foi

encaminhado ao Hospital da Polícia Militar."

"Indubitavelmente, agiu o Cel Ubiratan com Polo

Eventual. Admitiu e aceitou o Cel. Ubiratan o risco de

produzir o danoso evento, anteviu o resultado e agiu.

Percebeu que era possível causar o resultado e, não

obstante, realizou o comportamento Entre desistir da

conduta, mesmo após iniciada a operação, onde já se

desenhava tragédia, com as rajadas de metralhadora e

causar o resultado, preferiu que este se produzisse."

"Antes de se passar ao exame do mérito, das

provas coletadas neste frondoso processo, é necessário

Apelação Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

fazer-se certas considerações que me parecem de vital

importância."

"É certo que o processo é de enorme

complexidade, composto de 39 volumes e 74 apensos, com

os mais variados tipos de prova admitidos em Direito."

"Todavia, é elementar e cediço, que a pronúncia,

é sentença em sentido formal e não substancial, de conteúdo

declaratório em que o Juiz proclama admissível a acusação,

para que esta seja decidida no Plenário Constitucional do

Júri. Deve ser fundamentada, dando ao Juiz, os motivos do

seu convencimento (art. 408, última alínea do CPP)."

"Havendo fundamento razoável para a acusação,

o Juiz proferirá decisão de pronúncia, ordenando o

julgamento pelo Tribunal do Júri. E por fundamento razoável,

entende-se o que possa ser encontrado na verificação da

efetiva ocorrência do fato típico. Para decretá-la, bastam

portanto, "a prova da materialidade do delito e indícios de

autoria" e que o agente é o principal suspeito, mas não,

definitivamente o culpado."

"A r. decisão de pronúncia, contem nada menos

do que oitenta e cinco (85) laudas, fls. 8.395/8.480. É

substanciosa no aspecto formal, erudita, judiciosa com o

exame aprofundado e meticuloso da prova."

Apelação Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

"Conclui, que o denunciado, Cel. Ubiratan

Guimarães, agiu com dolo eventual."

"Mas, na fundamentação da pronúncia, deve o

Juiz usar de prudência evitando manifestação própria quanto

ao mérito da acusação. Sua precípua função é verificar a

existência de "fumus bonis juris" que justifique o julgamento

do réu pelo Júri A singeleza de expressões é recomendada,

tanto mais que ao Júri é que compete, exclusivamente,

apreciar as provas por seu merecimento. É o que preleciona

José Frederico Marques. "O magistrado que prolata a

sentença de pronúncia, deve exarar a sua decisão em

termos sóbrios e comedidos, a fim de não exercer qualquer

influência no âmbito dos jurados". "Não pode o Juiz

antecipar-se ao julgamento do Tribunal do Júri com uma

interpretação definitiva e concludente da prova em favor de

uma das versões existentes nos autos. O Juízo de

comparação e escolha de uma das viabilidades decisórias

cabe ser feito pelos jurados e não pelo Juiz da Pronúncia"

(RT 557/369)."

"Mesmo em relação aos julgados de 2a Instância,

tem cabimento quanto as observações ora expendidas."

"Decidiu o Supremo Tribunal Federal

precisamente neste sentido, a propósito de Acórdão que se

permitia estender-se em considerações caracterizadoras de

Apelação Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

Page 98: Acórdão-absolvição coronel ubiratan - carandiru.pdf

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um juízo de certeza, nele se notando ausente a prudência

que impõe, nos julgamentos acerca de pronúncia, a

parcimônia e a moderação na linguagem usada."

"E a alentada e judiciosa r. decisão de pronúncia

de fls 8 395/8.480 houve por bem em pronunciar o Cel.

Ubiratan Guimarães por homicídio consumado e qualificado

(art 121, § 2°, n° IV, por 111 vezes), e homicídio tentado e

qualificado (art. 121, § 2o, n° IV, cc. o art. 14, n° II, por 5

vezes), todos do C P , reconhecido o dolo eventual"

"Pode parecer incoerente, mas para se chegar a

uma conclusão definitiva este Recurso em Sentido Estrito,

também é longo, diante da complexidade da causa,

repercussão, número alentado de volumes, apensos e prova

produzida."

"Feitas estas breves considerações a respeito,

examina-se o mérito do recurso, que é o recurso em sentido

estrito, advindo da r. sentença de pronúncia."

"Declarou o denunciado, "O réu Ubiratan, ao ser

interrogado, informou, em resumo, que naquele dia, por volta

das 14:30 horas, teve informação através do Copom de que

estava ocorrendo uma rebelião no pavilhão nove da Casa de

Detenção Dirigiu-se para lá de imediato, onde manteve

contato com o Diretor do estabelecimento, Dr. Pedrosa. t i Ficou sabendo então que os Juizes Corregedores estavam a Apelação Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

caminho. Manteve contato com o Secretário da Segurança

Pública. Com a chegada dos Juizes Corregedores, com eles

manteve contato. Estava presente também, um assessor do

Secretário de Segurança Pública. Rumaram para o pátio

Divinéia, onde o Dr. Pedrosa, de posse de um megafone, iria

tentar uma negociação com os amotinados. O portão de

acesso do pavilhão nove estava bloqueado, razão pela qual

foi determinada a presença dos bombeiros. Enquanto isso,

em reunião com os demais oficiais presentes, informa o réu

ter formado um plano estratégico e tático de utilização da

tropa. Houve novo contato com o Secretário da Sequrança

Pública, que teria dito ao réu o sequinte: 'Comandante, o

senhor está no comando da tropa, avalie a situação e se o

senhor achar necessário, está autorizado a adentrar ao

pavilhão'. Nesse momento, os presos rebelados passaram a

atirar objetos como canos, estiletes, lanças de ferro, telhas e

sacos plásticos contendo urina e sanque, razão pela qual foi

providenciada uma linha de escudeiros para dar proteção ao

Dr. Pedrosa. Notou-se, também, que os amotinados haviam

ateado foqo a uma barraqem que haviam feito na entrada do

pavilhão. O réu determinou então que o Capitão

Mascarenhas, comandante do GATE, avançasse, sequido

dos bombeiros e do pelotão de escudeiros, para debelar o

Iroqo O réu avançou com esta tropa e a partir daí, já ouvia

IJAelação Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

disparos vindo do interior do pavilhão, mais precisamente de

local onde até aquele momento nenhum policial havia

entrado. Avistou dois corpos e com o fogo parcialmente

debelado, os policiais começaram a entrar no pavilhão

Narrou a retomada do pavilhão térreo, onde tudo havia sido

praticamente destruído, momento em que alguns presos

foram rendidos. Informou que vistoriou todas as salas não

encontrando nenhum outro amotinado. Descreveu o ingresso

da tropa em direção ao primeiro andar, tudo segundo um

plano previamente estabelecido. Disse ter visto alquns

policiais feridos, sendo levados para fora por alguns

companheiros Ouviu novos disparos, avistando presos

descendo correndo por uma escadaria e, em sequida,

quando tentava cheqar ao piso superior, próximo a uma

oficina, alqo explodiu e ele, réu, foi arremessado de encontro

a uma pilastra ou parede, ocasião em que perdeu os

sentidos momentaneamente, desmaiando. Foi substituído no

comando pelo Coronel Parreira. Esclareceu que não efetuou

qualquer disparo com a metralhadora que portava.

Esclareceu que aqiu em face de autorização do Secretário

de Sequrança Pública, acrescentando que as autoridades

judiciárias presentes não fizeram qualquer ressalva na

ocasião. Noticiou que o armamento utilizado era o usual da

iropa de choque, não partindo dele, réu, qualquer ordem

flápalação Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

específica em relação ao uso. Disse que em razão do

momento e do local, não tinha condições de prever o que ali

poderia acontecer, pois o pavilhão nove é o último da Casa

de Detenção, informando que além dos dois mil e duzentos

presos já amotinados, havia cerca de outros cinco mil e

quinhentos nos demais pavilhões, que poderiam se rebelar a

qualquer momento. Por essa razão não poderia determinar

que a tropa se desarmasse. Descreveu os objetos utilizados

como armamento pelos amotinados. Informou sobre a

reunião que realizou com os oficiais superiores até o nível de

Capitão, antes da invasão."

"De certa forma, sua versão encontra apoio e é

coadjuvada pelos depoimentos dos vários e inúmeros

policiais militares ouvidos e também envolvidos"

"Ronaldo Ribeiro dos Santos (fls. 4307), Aécio

(fls. 4309), Wlandekis (fls. 4311), Eduardo Espósito (fls

4394), Maurício Marchesi (fls 4396), Roberto (fls. 4398), Joel

(fls. 4400), Antônio Luiz (fls. 4401), Marcos Antônio (fls.

4415), Marcelo (fls. 4416), Roberto do Carmo (fls. 4418),

Marcos Ricardo (fls. 4420), Pedro Paulo (fls. 4422), Haroldo

(fls. 4424), Luciano (fls. 4444), Reinaldo (fls 4446), Walter

(fls. 4447) Fernando (fls. 4449), Elder (4450), Gervásio (fls.

4472), Zaqueu (fls. 4473), Sidnei (fls. 4474), Argemiro (fls

i4k -75), Antônio Mauro (fls. 4483), Salvador (fls. 4484), Paulo

IAB ilação Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Estevão (fls. 4485), Valter (fls. 4494), Marcelo (fls 4497),

Carlos Alberto (fls. 4508), Roberto Alves (fls. 4519), Cirineu

Carlos (fls. 4531), Marcos Heber (fls. 4533), Carlos Alberto

Siqueira (fls 4544), Antônio Aparecido (fls. 4546), Valquimar

(fls. 4548), José Carlos (fls. 4550), Roberto Lino (fls. 4573),

Walter (fls 4575), Edson (fls. 4577), José Luiz Raymundo

(fls. 4579), Salvador Modesto (fls 4594), Carlos (fls 4597),

Silvério (fls. 4599), Rafael (fls. 4601), Luiz Antônio (fls.

4622), Mauro Gomes (fls. 4623), Luiz Augusto (fls. 4624),

Eno (fls. 4625), Pedro (fls. 4635), ítalo (fls. 4637), Marcos

(fls. 4638), Alex (fls 4639), Ariovaldo (fls 4646), Benjamin

(fls. 4648), Ariovaldo Salgado (fls. 4670), Tarciso (fls 4673),

Jair (fls. 4675), Cleginaldo (fls. 4676), Walmir (fls. 4685),

Armando (fls. 4687), José Carlos (fls. 4689) Flávio (fls 4701),

Josenildo (fls. 4703), Jefferson (fls. 4705), Marcos Honório

(fls. 4707), Wanderley (fls. 4717), Marcelo (fls. 4720), Sandro

(fls. 4722), Sérgio (fls. 4723), José Roberto (fls. 4733), Júlio

César (fls. 4735), Reginaldo (fls 4737), Leandro (fls. 4738),

Hércules (fls 4748), Marcos Antônio (fls 4750), Silvio (fls.

4752), Silvio Dantas (fls. 4753), Luiz Antônio (fls 4770),

Paulo Eduardo (fls. 4772), José Roberto (fls. 4773), Osvaldo

(fls. 4774), Marcos (fls. 4860), Aparecido (fls 4883), Elcio

ífls. 4942), Roberto (fls. 4470) e Douglas (fls. 8133)."

I pelação Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

"Em resumo: o motim dos presos foi por eles

iniciado, dentro do Presídio do Carandiru, tomando

funcionários como reféns, botando fogo nos colchões e

celas, derrubando portas, acabando com salas

administrativas e ameaçando a segurança geral tanto dos

que estavam dominados, como dos demais presos, em

número superior a 6.000 que não participaram da rebelião.

Havia ainda perigo para a coletividade, na hipótese de fuga

dos amotinados, elementos perigosos, que ocupavam o

Pavilhão destinado aos presos de maior periculosidade."

Tudo iniciou-se com uma briga entre facções de

condenados, sentenciados, lívido pelo poder dentro do

complexo penitenciário Mataram-se mutuamente, fuzilaram

ou esfaquearam companheiros de cela. Cometeram

atentados violento ao pudor contra outros. Causaram crime

de incêndio e dano ao Poder Público Tomaram agentes

penitenciários como reféns Feriram policiais militares no

exercício de seu dever Jogaram óleo nos corredores do

presídio, tornando o piso escorregadio. Armados também

com pedaços de pau, com pregos nas suas pontas banhados

de sangue contaminado com o vírus da AIDS. Não

atenderam às súplicas do Sr. Diretor do Presídio para que

tudo voltasse à normalidade. E tudo teve início por brigas

ntre "quadrilhas de traficantes" que infestam o local."

pelação Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

"A polícia militar, como é óbvio, foi chamada e

precisava intervir, pois essa é a sua função. A intervenção da

Polícia Militar não foi o ato inicial de toda a briga, mas foi

conseqüência de rebelião que se espalhava perigosamente.

A polícia precisava entrar e sabia que iria enfrentar os piores

condenados, aqueles que na vida, nada mais tinham a

perder."

"Os chefes da Polícia Militar tentaram dialogar e

forçar os presos a se entregar, mas nada conseguiram."

"Além do mais, autoridades civis, Juizes de

Direito, Promotores Públicos, Sr. Secretário da Segurança

Pública, Agentes Penitenciários, foram inquiridos, e também,

o Exmo Sr Governador do Estado na ocasião:"

"Os Srs Agentes Penitenciários, José da Silva

Feitosa, fls. 3123, Ubirajara Martins Rosa, fls. 3150, João

Manoel da Silva, fls 3153, Jaime de Góis Souza, fls. 3164,

João Almir de Souza, fls. 3178, Edinaldo José de Manezes,

fls. 3180, afirmaram que, antes e durante a rebelião os

presos aumentaram o consumo de entorpecentes e

praticaram agressões gravíssimas contra eles, inclusive

tentativas de morte com a utilização de estiletes."

"Significativo e ao mesmo tempo elucidativo, foi a

toonclusão do relatório apresentado pelos E. Drs Juizes de

apelação Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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Direito da Vara das Execuções Criminais e Corregedoria dos

Presídios do Estado:"

""A superlotação carcerária é um problema

crônico e preocupante. Torna-se impossível administrar um

presídio com tais dimensões Quanto aos fatos propriamente

ditos, os elementos coligidos nesta sindicância revelaram

que o ingresso da Polícia Militar no Pavilhão 9 era

efetivamente necessário, obviamente, sem qualquer nexo

com o resultado havido Não havia liderança definida entre

os amotinados, quase todos armados, o que tornava

impossível qualquer diálogo Temia-se que a rebelião se

alastrasse. Todos esses fatores não deixaram dúvidas da

necessidade da intervenção da polícia militar planejada e

coordenada pelo Coronel Ubiratan Guimarães." fls. 3616."

"E tal Sindicância ou Relatório, foi subscrito por

três (3) E. Juizes de Direito, presentes ao palco dos

acontecimentos."

"Drs Luiz Augusto San Juan França, Francisco

Antônio Torres Garcia e Ivo de Almeida (fls. 3622)"

"Veja-se também, o relato dos testemunhos do

Dr José Ismael Pedrosa, Diretor da Casa de Detenção, do

Dr. Antônio Filardi Luiz, Assessor de Assuntos Penitenciários

Secretaria da Segurança Pública e do Dr. Élio Fernandes

ação Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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Nepomuceno, Coordenador dos Estabelecimentos

Penitenciários do Estado' "A ação da PM era inevitável""

"A rebelião se expandia também para o Pavilhão

8, e daí, para frente, e se não houvesse uma pronta e

corajosa intervenção da PM, as conseqüências seriam

imprevisíveis."

"Igualmente, o Dr. Ivan Elias da Silva, DD.

Promotor Público designado pela E. Procuradoria Geral de

Justiça, opinou de forma incisiva:"

"Mostrava-se nas circunstâncias, necessária a

invasão da Polícia Militar no Pavilhão 9", fls. 8079."

"O que se conclui é que, o que se desenrolou no

Pavilhão 9, foi uma operação militar solicitada e consentida,

os militares em suas ações de retomada do Pavilhão 9,

encontravam-se em serviço e autorizados a executar essas

ações pela autoridade superior, civil e competente, fls.

7797/7798."

"Ainda é dos autos, que decorridos alguns

momentos, o Cel. Ubiratan Guimarães, em virtude do estouro

de um televisor, veio a ferir-se sendo retirado do local e

encaminhado ao Hospital da Polícia Militar, mas as ações,

confronto legal entre policiais militares e ilegal, por parte dos

amotinados, continuaram"

JftVVçào Cnmmal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

'Tantas foram as negociações, confabulações,

com várias pessoas ilibadas e de notória reputação,

comentando os fatos, opinando a respeito, que inclusive é

até possível que a ordem de invasão para a retomada do

pavilhão 9 tenha partido delas."

"Dispõe expressamente o art 202 do CPP "que

toda pessoa poderá ser testemunha" com as exceções

previstas nos arts 206 e 207 da Lei Adjetiva Penal. Não se

pode realmente, prescindir da prova testemunhai na maioria

das ações penais devendo o Juiz confiar nos depoimentos

prestados quando não estão em desacordo evidente com os

demais elementos dos autos."

"Por estas razões, não são merecedores de

crédito os testemunhos colhidos nos autos, dos celerados

que participaram ativamente do motim, da rebelião ocorrida

no Pavilhão 9"

"Evidente o seu propósito de escaparem de

ações penais, tais como, homicídios, tentativas de

homicídios, atentados violento ao pudor, tráfico de

entorpecente, formação quadrilha ou bando, dano contra o

patrimônio público, etc Evidente o desacordo entre seus

depoimentos e os prestados por altas autoridades civis e

militares, cuja reputação ilibada, valor moral que os

prestigiam na nossa sociedade não é posta em dúvidas. Os

USelaçào Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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amotinados procuraram se inocentar pelos fatos ocorridos

durante a rebelião, quando é certo, que muitos crimes,

confusões e mortes de vários rebelados já tinham ocorrido

antes mesmo do ingresso da policia militar no Pavilhão 9."

"O certo é, me parece, que o denunciado, Cel

Ubiratan Guimarães, não agiu com dolo eventual, como

retratado na inicial e imputado na r sentença de pronúncia."

"Em primeiro lugar, cumpre acolher como razão

de decidir, as judiciosas ponderações feitas pelo insigne e

douto Procurador de Justiça, E. Dr. Carlos Henrique Mund,

quando assinalou que: "Analisando as milhares de folhas que

compõem os autos, verifica-se que, para pronunciar o Cel.

Ubiratan Guimarães, vários princípios elementares do Direito

foram contrariados, admitindo-se, inclusive, A CULPA

OBJETIVA NO DIREITO PENAL. Atribui-se ao Cel Ubiratan

Guimarães, a prática das mortes e das tentativas de morte

descritas na peça acusatória, a título de Dolo Eventual

questionando-se a conveniência e a oportunidade do ato

administrativo (ordem aos subordinados para desencadear a

operação de restabelecimento da legalidade); a necessidade

de retomada da Casa de Detenção; e emprego de tropa

militar armada, em suma, a necessidade e legalidade da

ação militar e seus resultados. Uma ocorrência de natureza

ilitar deve ser analisada no seu contexto, e não em seus

pelaçào Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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aspectos isolados, alguns de irrelevância manifesta, sob

pena de comprometer a verdade dos fatos, transformando

uma conduta correta em censurável ou ilegal." (fls.

8502/8503)"

"Ainda que se admita que a pronúncia se reveste

das características de um mero juízo de probabilidade, o que

cumpre ter em conta, também é que, segundo disposição do

art. 408 do CPP, a afirmação do juízo de admissibilidade da

acusação se justifica quando se convença o Juiz da

existência do crime e de que existem indícios apontando o

réu como seu autor. Não basta, pois, a evidência da autoria,

reclama-se, mais, prova da existência do crime, determinante

da competência do Tribunal do Júri, isto é, prova da

existência do crime com características de ilícito doloso

contra a vida. No dolo eventual, o agente, tendo previsto o

resultado, ainda assim não desiste da conduta, aceítando-o a

despeito da previsão e da malignidade dele" (Apelação

Criminal n° 222.477-3/6 de Santos - Declaração de Voto

Vencido do E. Des. Canguçu de Almeida)."

"Ou então:"

"Sem vontade livre, acompanhado da consciência

da antijuridicidade, ou consciência de que o evento colimado

ela vontade incide na reprovação jurídica, não há falar-se

m dolo" (Jutacrim 87/418)"

apelação Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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"E no que consistiu a atuação do Cel. Ubiratan

Guimarães?"

"Apenas a de dar ordens a seus subordinados,

militares da Polícia Militar de invadirem o Pavilhão 9 a fim de

restabelecer a ordem jurídica e a paz social, sem antes,

diante do insucesso das confabulações e diálogos mantidos

por autoridades e amotinados, e logo depois de receber

autorização para a invasão, feitas e ordenadas por estas

mesmas altas patentes civis do Estado. E pouco depois,

afastou-se do local, precisando passar por cuidados

médicos, ferido que fora Houve então, a entrada da Polícia

Militar no Pavilhão 9, quando muitos dos amotinados já

tinham sido exterminados pelos próprios companheiros.

Ameaçados das mais variadas formas, os policiais militares

revidaram as provocações e agressões, confronto inevitável

diante da situação formada e criada. E a esse confronto

natural e evidente, nenhuma ordem partiu do Cel. Ubiratan

Guimarães a respeito."

"Não se vislumbra nenhum sinal de que, mesmo

podendo prever, o denunciado tenha assumido o risco de

alcançá-lo, aceitando a sobrevinda dele Afinal, não é

delinqüente intencional, de quem se pudesse esperar

onduta com tal característica "

bêlação Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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"E mais ainda, conforme consta expressamente

da r. decisão de pronúncia, fls. 8475, "o agente que invoca o

estrito cumprimento do dever legal deve demonstrar que

usou a força na medida do necessário, pois qualquer

excesso caracteriza ilícito punível. O estrito cumprimento do

dever legal exige que se demonstre que antes do recurso

extremo de uso das armas de fogo aqueles que o invocam

devem comprovar que usaram da força física ou da astúcia

para enfrentar a situação""

"Ora, a força armada, bélica, foi empregada

diante do confronto inevitável E, várias, foram as tentativas

anteriores de uma solução amigável, em paz, sem violência

direta."

"A "tresloucada" ação da Polícia Militar, sob a

chefia do Cel. Ubiratan Guimarães, tida como causadora do

dolo eventual, não ocorreu."

"Quem age amparado pelo estrito cumprimento

do dever legal, pratica conduta típica, mas não ilícita"

(exclusão de criminalidade, fls. 8531)"

"Arrematando, por derradeiro, adota-se mais uma

vez a jurisprudência trazida à colação no Substancioso

Parecer Ministerial de Segundo Grau "Os Juizes, oriundos do

povo, devem ficar ao lado dele e ter inteligência e coração

atentos aos seus interesses e necessidades (Duringer) pois

Idelaçào Criminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

é a hipocrisia das autoridades brasileiras que gera o caos

social em que vivemos, mascarada sob o manto do falso

conceito de direitos humanos" (TJSP - Agravo n° 238.744-

3/7 - São Paulo - Relator Des. Jarbas Mazzoni)"

"Ante o exposto, dou provimento ao recurso,

para, com fundamento no art. 411 do CPP, ABSOLVER

SUMARIAMENTE o réu denunciado Cel. Ubiratan

Guimarães."

Diante disso, dou provimento ao recurso

É o que aqui se decide

REISKÜNTZ Relaxor

Apelação Cnminal n° 105 368 0/4-00 - São Paulo

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Apelação Criminal n. 105.368.0/4-00 - São Paulo Apte.: Ubiratan Guimarães Apdo.: Ministério Público do Estado de São Paulo Tribunal de Justiça - Órgão Especial. (Relator sorteado, vencido - Voto 20 656)

Declaração de Voto Vencido

Desembargador Mohamed Amaro

1 - O Ministério Público do Estado de São Paulo, com base no Inquérito Policial Militar n. 678/93, perante o Mentíssimo Juiz Auditor da Primeira Auditoria da Justiça Militar do Estado de São Paulo, ofereceu, em 2 de março de 1993, denúncia contra UBIRATAN GUIMARÃES, Coronel PM, Comandante do Policiamento Metropolitano, portando uma metralhadora (HK MP5K-21362), calibre 9mm, e contra mais 119 (cento e dezenove) Policiais Militares, de patentes que variavam entre Coronel e soldado, portando armas de fogo, de inúmeras espécies e calibres, estas e aquela pertencentes ao patrimônio da Corporação, o primeiro (UBIRATAN GUIMARÃES), como incurso no artigo 205 (homicídio), § 2o (cometido), inciso IV (mediante recurso msidioso, que dificultou ou tornou impossível a defesa das vítimas), por 111 (cento e onze) vezes, e artigo 205 (homicídio), § 2o (cometido), inciso IV (à traição, de emboscada, com surpresa ou mediante outro recurso insidioso, que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima), combinado com o artigo 30 (crime), inciso n (tentado), por 5 (cinco) vezes, e, ainda, artigos 70 (circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não integrantes ou qualificativas do crime), inciso II (ter o agente cometido o crime), letras g (com abuso de poder), i (ofendidos sob a imediata proteção da autoridade) e / (estando em serviço), e 79 (concurso de crimes), todos do Código Penal Militar, enquanto que os demais, por co-autoria (CPM, art. 53), por incursos, por várias vezes, alguns nos dispositivos legais supra mencionados e outros, ainda, nos artigos 209 (lesão corporal dolosa), caput, e § Io (incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias), 70 (circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não integrantes ou qualificativas do cnme), inciso II (ter o agente cometido o crime), d (mediante recurso insidioso, que dificultou ou tornou impossível a defesa das vítimas), todos do mesmo Estatuto Penal Consta da referida denúncia, em suma, que, no dia 2 de outubro de 1992, por volta das 11 00 horas, o Doutor José Ismael Pedrosa, Diretor da "Casa de Detenção", foi cientificado por funcionários que havia eclodido um conflito entre presos do Pavilhão "9", gerado por uma briga envolvendo os detentos Luiz Tavares de Azevedo, vulgo "Coelho", e Antônio Luiz Nascimento, vulgo "Barba", não se apurando com exatidão, as respectivas razões Apurou-se que "Barba" teria se dirigido à cela de "Coelho", desfenndo-lhe um soco em seu rosto, retirando-se, em seguida, à sua própria cela "Coelho", em revide, munido de um pedaço de madeira, perseguiu o agressor, atingindo-o com pauladas na cabeça Desmaiado^ "Barba" foi conduzido à enfermaria do Pavilhão "4", por Agentes de Segurança

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Penitenciária Houve acirramento de ânimos, verificando-se tumulto generalizado entre grupos de presos, alinhando-se de um lado os partidários de "Barba" e de outro, os simpatizantes de "Coelho" Agentes de Segurança Penitenciária foram acionados, na expectativa de solucionar o impasse, sendo, contudo, rechaçados, expulsos do 2o Pavimento, onde se aglomeravam os nxosos, alegando que eles próprios resolveriam suas desavenças Apesar da noticiada contenda, apurou-se a inexistência de intenção dos detentos em tentar empreender fuga do Estabelecimento, mesmo porque, por óbvio, sena impossível a evasão em massa, ante as muralhas que circundam o presídio e o policiamento que as guarnece, porém, não havia reféns Com a situação indefinida, houve por bem o Diretor Pedrosa fazer soar o alarme, solicitando, inclusive, via fone, ao Ten Cel Lélces, Comandante do Io BPGD, pelo concurso da Polícia Militar, o que, de fato, ocorreu, vindo o Coronel Ubiratan Guimarães, que, após inteirar-se dos acontecimentos, através do COPOM, determinou, na qualidade de Comandante do Policiamento Metropolitano, a mobilização dos Batalhões de Choque, ou seja, Io, 2o e 3o BPChq e Grupamento de Polícia de Operações Especiais, formado pelo GATE e COE, com apoio do GRPAéreo Seqüencialmente, o Cel Ubiratan rumou à Casa de Detenção, reunindo-se com o Cel Wilton Brandão Parreira Filho, Comandante do Policiamento de Choque, com os Comandantes dos Batalhões de Choque Ten Cel Antônio Chian, do Io

BPChq, Ten Cel Edson Faroro, do 2°BPChq, e Ten Cel Luiz Nakaharada, do 3o BPChq, com os Comandantes de frações do GATE e do COE, respectivamente, Capitães Wanderley Mascarenhas de Souza e Anvaldo Sérgio Salgado, e, ainda, com o Dr Pedrosa, os Juizes de Direito das Varas das Execuções Criminais e Corregedona dos Presídios do Estado, Doutores Fernando Antônio Torres Garcia e Ivo de Almeida, além do Doutor Antônio Filardi Luiz, Assessor de Assuntos Penitenciários da Secretaria de Segurança Pública e Ého Fernandes Nepomuceno, Coordenador dos Estabelecimentos Penitenciários do Estado Em seguida, o Senhor Secretário determinou ao Cel Ubiratan que fizesse uma avaliação total e final e se entendesse conveniente e oportuno, que ingressasse juntamente com a tropa no Pavilhão "9", visando conter a refrega, instaurando novamente a ordem e a normalidade O Cel Ubiratan, em suas conclusões sobre o quadro que se apresentava, entendeu da necessidade de invasão do Pavilhão, pela Polícia Militar Antes, no entanto, em reunião com o Dr Pedrosa, ficou decidida a tentativa de negociação com os rebelados Após tênue tentativa, todavia, o negociador, o próprio Dr Pedrosa, que se achava munido de um megafone, deu mostras de desânimo, pois que os detentos arremessavam objetos Formou-se então um grupo de Policiais Militares, utilizando escudos, com o escopo de conferir proteção ao Dr Pedrosa, nas tratativas, o que restou infrutífero, diante da confusão que se estabeleceu no local Por volta de 16 30 horas, dando por finda a negociação e ignorando a gravidade da tomada de uma medida mais drástica, os componentes da Polícia Militar, ali presentes, de forma abrupta, avançaram em direção ao Pavilhão "9" Assim, sob o inicial Comando do Cel Ubiratan, procedeu-se à desastrosa operação, não se observando estratégia ou planejamento mais acurado, e sequer conheciam, os Policiais, as dependências do referenciado Pavilhão Registre-se que os detentos, ao vislumbrarem-se a aproximação da Polícia N^ríitar,

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J § P » PODER JUDICIÁRIO

IsJgÊ^ TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

colocaram no lado externo das janelas das celas algumas faixas, pintadas em panos e em papéis, com dizeres sugestivos de paz, bem como ainda lançaram ao pátio interno facas e estiletes que portavam, procurando assim não demonstrar resistência à ação policial, muito embora não houvesse tempo necessário para se desfazerem de todas as referidas armas, pois, a invasão se deu rapidamente Alguns focos de incêndio foram debelados pelo Corpo de Bombeiros, que também removeram barricadas montadas pelos detentos, desobstruindo o caminho de ingresso ao Pavilhão Ainda, sob o comando do Cel Ubiratan, os Policiais Militares, tresloucadamente e impelidos sob animus necandi, procederam à ocupação de todos os andares do Pavilhão, desferiram inúmeros disparos de projéteis de armas de fogo contra presos alojados no interior de celas e em trânsito desesperado pelos corredores Em verdadeira ação bélica, pois, os Policiais Militares, fortemente armados, desencadearam a maior matança já consignada mundialmente em um presídio As penas privativas de liberdade a que estavam sujeitos os detentos, transformaram-se, arbitrária e ilegalmente, em penas capitais — 111 (cento e onze) mortos Com penas menos severas, também impostas pelos agentes da lei, acresça-se outra centena de feridos Absurda e ilegal, destarte, a forma encontrada para retornar o Pavilhão "9" à sua normalidade, à sua tranqüilidade, se é que algum dia assim já esteve Na distribuição da tropa a) ordem de entrada no Pavilhão "9" em primeiro lugar, o GATE, com a função de liberar com segurança a trajetória dos pavimentos, seguido pelo COE, ato contínuo, a Cia do 2o BPChq, seguida pela Cia do 3o

BPChq, o canil, posteriormente, o efetivo do Io BPChq, a ROTA, acompanhado do efetivo da ROÇAM b) divisão nos pavimentos no 2o

pavimento, que corresponde ao Io andar, atuou a fração de tropa pertencente ao Io BPChq (da 3a Cia), comandada pelo Cap PM Ronaldo Ribeiro dos Santos, composta dos seguintes Policiais Io Ten Aércio Dornelas Santos, Io

Ten Eduardo Espósito e Io Ten Maurício Marchese Rodrigues, ambos do 3o

BPChq, Io Sgt Wlandekis Antônio Cândido Silva, 2o Sgt Roberto Alberto da Silva, 2o Sgt Joel Cantílio Dias, 2o Sgt Antônio Luiz Aparecido, 2o Sgt Valter Ribeiro da Silva, 2o Sgt Pedro Paulo de Oliveira Marques, 3o Sgt Gervásio Pereira dos Santos Filho, 3o Sgt Marcos Antônio de Medeiros, Cb Valmir Carrascoza, Cb Haroldo Wilson de Mello, Cb Luciano Wukschitz Bonam, Cb Paulo Estevão de Melo, Cb Roberto Yoshio Yoshikado, Cb Salvador Sarnelli, e os Soldados Fernando Trindade, Antônio Mauro Scarpa, Argemiro Cândido, Elder Tarabon, Sidnei Serafim dos Anjos, Marcelo José de Lira, Roberto do Carmo Filho, Zaqueu Teixeira, Osvaldo Papa, Marcos Ricardo Poloniato e Reinaldo Henrique de Oliveira, no 3o pavimento, correspondente ao 2o andar, atuou a fração do Io BPChq, comandada pelo Cap Valter Alves Mendonça, compondo, ainda, dos Policiais Io Ten Marcelo Gonzales Marques, Io Ten Carlos Alberto dos Santos, Io Ten Salvador Modesto Madia, Io Ten Luiz Antônio Alves Tavares, 2o Ten José Carlos do Prado, 2o Ten Celso Machado Cavalcante, 2o Ten Carlos do Carmo Brígido, 3o Ten ítalo Del Nero Júnior, Cabos Marcos Gaspar Lopes, Carlos Alberto Siqueira, Anovaldo dos Cruz, Valquimar Souza Gomes e Roberto Alves de Paiva, Soldados Gomes de Oliveira, Pedro Laio Moraes Ribeiro, Silvéno Benjamin da Valter Tadeu Andrade Assis, Roberto Lino Soares Penha, Cinneu Carlos

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Santos Mauro Silva, .eta

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Silva, José Luiz Raymundo, Edson Pereira Campos, Antônio Aparecido Roberto Gonçalves, Eno Aparecido Carvalho Leite, Marcos Heber Frederico Júnior, Alex Morello Fernandes, Élcio Caron Pestana, Raphael Rodrigues Pontes, Benjamin Yoshida de Souza e Luiz Augusto Gervásio, no 4o pavimento, correspondente ao 3o andar, atuou o efetivo do COE, comandado pelo Cap Arivaldo Sérgio Salgado, composto dos seguintes Policiais Io Ten Walmir Corrêa Leite, Armando da Silva Moreira, 2o Ten Tarciso Pereira, Cabos Aparecido José da Silva, José Carlos Ferreira e Douglas Martins Barbosa, Soldados Jair Aparecido Dias Santos, Clegmaldo Roberto da Silva, Flávio Zemantauskas Haensel, Marcos do Nascimento Pina, Josenildo Rodrigues Liberal, Sandro Francisco de Oliveira, Marcos Honóno Francisco, Jeferson Ferreira dos Santos e Sérgio Guimarães Leite, no 5o pavimento, condizente ao 4o andar, atuou o efetivo do GATE, comandado pelo Cap Wanderley Mascarenhas de Souza e composto dos Policiais Io Ten Marcelo de Oliveira Cardoso, Io Ten Hércules Atanes, 2o Ten José Roberto Saldanha, 2o Ten Luiz Antônio Alves, 2o Ten Paulo Eduardo Farias, os Cabos Sílvio de Sá Dantas, Reginaldo Honda e Sílvio Nascimento Sabino, Soldados Leandro de Jesus Menezes, Júlio César Azevedo, Marcos Antônio Santos Ferreira e José Roberto de Jesus A operação se desenrolou em duas etapas Na primeira fase, os Policiais Militares, sob o total Comando do Cel Ubiratan e pertencentes aos grupos já individuados, procederam à tomada dos pavimentos da seguinte forma a) retomada do Io pavimento: superados os obstáculos caracterizados por fogo e barricada montada pelos detentos, as tropas do GATE e do COE, seguidas pela tropa da ROTA - (Io BPChq) - dominaram o andar térreo, sem qualquer resistência, em seguida, o GATE, adentrando pelo corredor do lado esquerdo, deteve, sem oposição, cerca de 30 (trinta) presos que se achavam em uma sala, exercendo o culto da umbanda, por sua vez, o COE, ingressando pela direita, no mesmo andar, não vislumbrou nenhum preso e, por conseguinte, nenhuma resistência, mas apenas danos nas dependências, especificamente, na barbeana e na carceragem, ambas destruídas, consoante perícia e fotografias encartadas nos autos; resgatados e alojados os primeiros presos no pátio interno do referido pavimento, sob vigilância e custódia das tropas dos 2o e 3o Batalhões de Choque, a ROTA, o COE e o GATE prosseguiram marcha aos andares superiores, contando com a indicação do acesso transmitida por um dos detentos, retirado do pátio pelo Cap Mendonça b) retomada do 2o pavimento: a retomada do 2o pavimento coube ao Cap Ronaldo, comandando fração de tropa do Io BPChq, observava-se, no segundo lance de escada de acesso a esse pavimento, uma barricada composta de móveis, porta de cela e outros objetos, face à movimentação de presos pelo local, o grupo recebeu auxilio dos Tenentes Maurício Marchese Rodrigues e Eduardo Espósito, os quais, armados com fuzis "Colt'\ tipo "M-16", dispararam projéteis contra àqueles - da mesma forma procederam os demais Policiais, mencionados Oficiais integravam o 3o BPChq e estavam incumbidos da vigília dos presos rendidos, transposta então a barricada, o Cap Ronaldo subdividiu sua fração de tropa com o Ten Aércio Dorenelas Santos, assumindo este o comando da nova fração, progredindo, o Cap Ronaldo avançou pelo lado direito e o Ten Dornelas pela esquerda, dominando inteiramente o pavimento, restando mortos em celas e corredores c) retomada do 3o pavimento: A tropa da ROTA, do Io BPChq, foi

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dividida em duas frações, comandadas pelos Capitães Ronaldo e Mendonça, com um contingente de 30 (trinta) homens, iniciou-se a invasão deste pavimento pelo lado esquerdo, sob o exclusivo comando do Cap Mendonça, o pavimento restou amplamente dominado, atuou, também, nesse pavimento o Ten Cel Luiz Nakaharada, deixaram mortos em celas e corredores d) retomada do 4o

pavimento: Sob o comando do Cap Arivaldo Sérgio Salgado, 15 (quinze) Policiais retomaram esse pavimento, mediante emprego de três metralhadoras, portadas pelo Ten Corrêa Leite, Cb José Carlos e Soldado Cleginaldo, o Ten Armando e o Soldado Marcos Honóno utilizaram-se de ftizis "Colt", tipo "M-16", de seu turno o Soldado Jéferson fez uso de uma escopeta calibre "12", enquanto que o Soldado Zemantauskas portava um lançador de munição química — "trut-flyte" —, sendo que o remanescente da tropa portava revólveres de calibre "38", pavimento também dominado, com mortos em celas e corredores e) retomada do 5o pavimento: Restou a cargo do Cap Mascarenhas, que comandou 12 (doze) homens, metralhadoras da marca "Hecler & Kock" e revólveres, inclusive modelo "Magnum" calibre "3 57" foram utilizados na ocupação consumada, com saldo de mortos em celas e corredores Nessa primeira fase de atuação, os grupos de Policiais declinados mataram e tentaram matar, mediante disparos de projéteis de armas de fogo e emprego de instrumentos pérfuro-cortantes, "íd est", facas, estiletes e baionetas, os detentos infra-elencados, com os andares e pavimentos respectivos mortos no 2o

pavimento - Io andar 1 José Pereira da Silva, com 10 (dez) fenmentos recebidos por ação de instrumento pérfuro-cortante, 2 Cláudio José de Carvalho, com oito fenmentos produzidos por projéteis de arma de fogo, 3 José Alberto Gomes Pessoa, com três ferimentos produzidos por projéteis de arma de fogo, 4 Ronaldo Aparecido Gaspanno, com sete fenmentos produzidos por projéteis de arma de fogo, 5 Olívio Antônio Luiz Filho, com quatro fenmentos produzidos por projéteis de arma de fogo, 6 João dos Santos, com quatro ferimentos produzidos por projéteis de arma de fogo, 7 Jovemar Paulo Alves Ribeiro, com um ferimento produzido por projétil de arma de fogo, 8 Roberto Alves Vieira, com seis ferimentos produzidos por projéteis de arma de fogo, 9 Mauro Batista Silva, com sete ferimentos produzidos por projéteis de arma de fogo, 10 Almir Jean Soares, com sete fenmentos produzidos por projéteis de arma de fogo, 11 Ailton Júlio de Oliveira, com cinco fenmentos produzidos por projéteis de arma de fogo, 12 José Bento da Silva Neto, com três ferimentos produzidos por projéteis de arma de fogo, 13 Paulo Reis Antunes, com quatro ferimentos produzidos por projéteis de arma de fogo, 14 Luiz Granja da Silva Neto, com quatro fenmentos produzidos por projéteis de arma de fogo, 15 Rogéno Plassa, com três fenmentos produzidos por projéteis de arma de fogo A autoria dos referidos óbitos atnbui-se ao Cap Ronaldo Ribeiro dos Santos e a componentes de sua equipe, individuada anteriormente De efeito, atuaram em tal pavimento, disparando as armas que portavam com unidade de desígnios - e todos dispararam Diga-se, ainda, que além de as condutas restarem ligadas ao fato material pelo nexo da causalidade, é certo que cada qual concorrente teve ciência de contribuir para a realização da obra comum, nesse mesmo contexto cnminoso, incluem-se os Tenentes Eduardo Espósito e Maurício Marchese Rodngues, ambos do 3o BPChq, que adenram ao grupo e fizeram uso de fuzis

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"M-16" contra detentos Mortos (com ferimentos produzidos por instrumento pérfuro-cortante e/ou por projétil de arma de fogo) do 3o pavimento - 2o andar: 1 Adalberto Oliveira dos Santos, 2 Adão Luiz Ferreira de Aquino, 3 Adelson Pereira de Araújo, 4 Alex Rogério de Araújo, 5 Alexander Nunes Machado da Silva, 6 Agnaldo Moreira, 7 Antônio Alves dos Santos, 8 Antônio da Silva Souza, 9 Antônio Luiz Pereira, 10 Antônio Márcio dos Santos Fraga, 11 Antônio Quinno da Silva, 12 Carlos Almirante Borges da Silva, 13 Carlos Antônio Silvano dos Santos, 14 Carlos César de Souza, 15 Cosmo Alberto dos Santos, 16 Dimas Geraldo dos Santos, 17 Edison Alves da Silva, 18 Edson Luiz de Carvalho, 19 Edvaldo Joaquim de Almeida, 20 Elias Palmejiano, 21 Ermeson Marcelo de Pontes, 22 Gabriel Cardoso Clemente, 23 Geraldo Martins Pereira, 24 Geraldo Messias da Silva, 25 Gnmáno Valéno de Albuquerque, 26 Jarbas da Silveira Rosa, 27 Jesuíno Campos, 28 João Carlos Rodrigues Vasques, 29 João Gonçalves da Silva, 30 Osvaldo Moreira Flores, 31 Jodilson Ferreira dos Santos, 32 Jorge Sakai, 33 Josanias Ferreira de Lima, 34 José Marcohno Monteiro, 35 José Carlos Clementino da Silva, 36 José Carlos Inajosa, 37 José Cícero Ângelo dos Santos, 38 José Cícero da Silva, 39 José Domingues Duarte, 40 José Elias Miranda da Silva, 41 José Jaime Costa da Silva, 42 José Jorge Vicente, 43 José Martins Vieira Rodrigues, 44 Juarez dos Santos, 45 Lucas de Almeida, 46 Luiz Carlos Lins Guerra, 47. Luiz César Leite, 48 Luiz Henrique Martin, 49 Mamede da Silva, 50 Marcelo Couto, 51 Marcos Antônio Avelino Ramos, 52 Marcos Rodrigues de Melo, 53 Marcos Sérgio Lino de Souza, 54 Mário Felipe dos Santos, 55 Mário Gonçalves da Silva, 56 Maurício Cahó, 57 Nivaldo Aparecido Marques, 58 Nivaldo Barreto Pinto, 59 Nivaldo de Jesus Santos, 60 Ocenir Paulo de Lima, 61 Paulo Antônio Ramos, 62 Paulo César Moreira, 63 Paulo Roberto da Luz, 64 Paulo Roberto Rodrigues de Oliveira, 65 Paulo Rogério Luiz de Oliveira, 66 Reginaldo Ferreira Martins, 67 Robéno Azevedo Silva, 68 Roberto Aparecido Nogueira, 69 Roberto Rodrigues Teodoro, 70 Rogério Presamuk, 71 Sérgio Ângelo Bonani, 72 Valdemar Bernardo da Silva, 73 Valdemir Pereira da Silva, 74 Valter Gonçalves Caetano, 75 Vanildo Luiz, 76 Vivaldo Virguhno dos Santos e 77 Walter Antunes Pereira Excetuando-se os óbitos de Antônio Alves dos Santos e Antônio Quinno da Silva, Paulo Roberto Rodrigues de Oliveira, Valdemar Bernardo da Silva e Valdemir Pereira da Silva, a autoria dos demais recai sobre o Cap Valter Alves Mendonça e aos Policiais que integravam o seu grupo de ação - já individuado - , pois que ocupavam o pavimento referenciado e proferiram disparos de projéteis contra os detentos que ali se faziam presentes -agiram também com unidade de desígnios, com condutas ligadas ao fato material pelo nexo da causalidade e cada qual concorrente teve ciência de contribuir para a realização da obra comum De autoria exclusiva, no entanto, do Ten Cel Luiz Nakaharada, do 3o BPChq, as mortes dos detentos Antônio Alves dos Santos, Antônio Quinno da Silva, Paulo Roberto Rodrigues de Oliveira, Valdemar Bernardo da Silva e Valdemir Pereira da Silva Consta que o referido Oficial portava uma metralhadora e um revólver Destaca-se que o Ten Cel Nakaharada não só atuou no 3o pavimento (2o andar), mas também no térreo e em outros pavimentos superiores, na fiscalização e condução de presos, como se verá, no 3o

pavimento, agiu isoladamente, independentemente da fração de tropa do Cap

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Mendonça Mortos (com ferimentos produzidos por instrumento pérfuro-cortante e/ou por projétil de arma de fogo) do 4o pavimento - 3o andar 1 Claudemir Marques, 2 Douglas Alva Edson de Brito, 3 Francisco Antônio dos Santos, 4 Francisco Rodrigues Filho, 5 José Océlio Alves Rodrigues, 6 Sandro Roberto Bispo de Oliveira, 7 Sandoval Batista da Silva e 8 Valmir Marques dos Santos, - referidas mortes são creditadas ao Cap Arivaldo Sérgio Salgado, do COE, e aos Policiais componentes do grupo, pois que dispararam suas armas em tal pavimento, direcionando-as contra detentos, atuando com o vínculo psicológico e cada qual com consciência de contribuir para a realização da obra comum, diga-se, inclusive, que a faca íntegra o equipamento do COE, - são atribuídas ainda aos Policiais componentes do COE, as tentativas de homicídio dos detentos Marco Antônio de Moura e David Ferreira de Lira, efetivamente, iniciadas as execuções, os crimes não se consumaram por circunstâncias alheias à vontade dos agentes, ou seja, em razão da reduzida visibilidade do local e da própria sobrevivência das vítimas, as quais se beneficiaram também do tumulto instaurado Ressalte-se que mencionados detentos se achavam no interior da cela "429-1", portanto, no 4o pavimento, correspondente ao 3o andar Mortos (com ferimentos produzidos por instrumento péfuro-cortante e/ou por projétil de arma de fogo) do 5o pavimento - 4o andar 1 Cláudio Nascimento da Silva, 2 Daniel Roque Pires, 3 Elias Oliveira Costa, 4 Ensvaldo Silva Ribeiro, 5 Francisco Ferreira dos Santos, 6 José Carlos da Silva, 7 José Ronaldo Vilela da Silva, 8 Samuel Teixeira de Queiroz, 9 Stefano Ward da Silva Prudente e 10 Reginaldo Judiei da Silva, - responsabiliza-se o Cap Wanderley Mascarenhas de Souza e Policiais sob o seu comando, todos do GATE, como autores das mortes ocorridas no pavimento citado (5o), uma vez que utilizaram suas armas contra detentos naquele local Ainda de responsabilidade do Cap Mascarenhas e comandados, as tentativas de homicídio dos detentos Daniel Soares, Aparecido Donizete Domingues e Luiz Carlos dos Santos Silva, iniciadas as execuções, os crimes não se consumaram por circunstâncias alheias à vontade dos agentes, ou seja, em razão da reduzida visibilidade no local, prejudicando em parte a melhor pontaria, bem como em razão da própria sobrevivência das vítimas, as quais se beneficiaram também do tumulto instaurado para escapar de novos tiros, ocupavam a cela "512-E", no 5o pavimento, correspondente ao 4o andar Houve detentos que se deitaram sob outros, mortos, iludindo os Policiais e conseguindo, assim, sobreviver Consta, ainda, que os Policiais utilizaram baionetas, facas e os próprios estiletes encontrados Retornando à primeira etapa da operação, vale dizer, que a perícia constatou vestígios de impactos de projéteis em celas e corredores do 2o ao 5o pavimentos, razão dos inúmeros disparos proferidos pelos Policiais, inclusive rajadas de metralhadoras, além dos oriundos de revólveres e de espingarda de calibre "12" Evidenciando melhor atuação da PM, releva-se a circunstância de que todas as celas examinadas, as trajetórias dos projéteis disparados indicavam atirador posicionando na soleira da porta, apontando sua arma para os fundos ou laterais das celas Atesta, a perícia, que "não se observou quaisquer vestígios que pudessem denotar disparos de arma de fogo realizados em sentidos opostos aos descritos" Conclui-se, por derradeiro, que os Policiais Militares, que efetivamente se fizeram presentes no interior do Pavilhão "9", dispararam suas armas contra presos indefesos e rendidos, verificando-se a

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maioria deles no interior das celas, como bem demonstram os vestígios de projéteis localizados nas de números 303-E, 307-E, 331-1, etc, nos termos da citada perícia Inexistiu confronto No que se refere ao Cel Ubiratan Guimarães, como anotado, assumiu o total comando da operação, nessa primeira fase, ordenando, pois, a invasão do Pavilhão "9" pelas tropas citadas, munidas de armas de grande poder de fogo, sem medir ou melhor avaliar da necessidade e conseqüências daquela ação conjunta Frise-se, demais, que o Cel Ubiratan conhecia perfeitamente a costumeira violência com que agiam alguns de seus comandados, mas, mesmo assim admitiu que ingressassem no Pavilhão O resultado, na forma estabelecida pelo Cel Ubiratan, não poderia ser outro Consigne-se que a participação do Cel Ubiratan, inclusive ingressando no Pavilhão "9", venfícou-se até já com as tropas atuando nos pavimentos, disparando armas A propósito, diz o Oficial ter ouvido rajadas de metralhadora em pavimentos superiores Praticamente, encerrada a primeira etapa da operação, com saldo inusitado de mortos, o Cel Ubiratan, no momento em que pretendia acompanhar a movimentação de detentos para o pátio, veio de sofrer ferimentos face ao estouro de um televisor existente em determinado compartimento, tendo, então, a partir daí, se retirado do Pavilhão para receber os primeiros socorros, passou pela enfermaria do Pavilhão "4" e, em seguida, foi encaminhado ao Hospital da Polícia Militar, tendo, a partir de então assumido o comando, o Cel Parreira (2a etapa) Indubitavelmente, agiu, o Cel Ubiratan, ante às razões expostas, com dolo, denominado, doutnnanamente, in casu, de eventual, contido na expressão "assumiu o risco de produzi-lo" (Cód. Pen. Militar, art. 33,1, 2a parte; Cód. Pen., art. 18,1, 2a parte) De fato, admitiu e aceitou, o Ceí Ubiratan, o risco de produzir o danoso evento — anteviu o resultado e agiu Percebeu que era possível causar o resultado e, não obstante, realizou o comportamento Entre desistir da conduta, — mesmo após iniciada a operação, onde já se desenhava a tragédia, com as rajadas de metralhadora, etc — e causar o resultado, preferiu que este se produzisse Por conseguinte, responsabiliza-se o Cel Ubiratan por todos os crimes dolosos contra a vida — consumados e tentados —, ocorridos no Pavilhão "9" da "Casa de Detenção" Nessa conformidade, Ubiratan Guimarães, Coronel PM, foi denunciado como incurso no artigo 205 (homicídio), § 2o (cometido), inciso IV (mediante recurso insidioso, que dificultou ou tornou impossível a defesa das vítimas), por 111 (cento onze) vezes, e artigo 205 (homicídio), § 2o (cometido), inciso IV (à traição, de emboscada, com surpresa ou mediante outro recurso insidioso, que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima), combinado com o artigo 30 (crime), inciso EI (tentado), por 5 (cinco) vezes, e, ainda, artigos 70 (circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não integrantes ou qualificativas do cnme), inciso D (ter o agente cometido o crime), letras g (com abuso de poder), i (ofendidos sob a imediata proteção da autoridade) e / (estando em serviço), e 79 (concurso de crimes), todos do Código Penal Militar (Vol. 1 -fls 2/90)

Recebida a denúncia (Vol. 18 - fl 4 107) o réu foi citado (Vol 19 - fl 4 262 e verso) e interrogado (Vol. 19 - fls 4 274/4 278 e Vol. 38 - fl 8 292)

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Procedeu-se à dilação probatória

Foram juntados aos autos, além de artigos relativos aos fatos articulados na peça acusatóna as seguintes obras (livros) "A História da Polícia que Mata - Rota 66", de autoria de Caco Barcelos (Vol. 42 - fl 9 231), "Pavilhão 9 - O Massacre do Carandiru", de autoria de Elói Pietá e Justino Pereira (Vol. 42 - fl 9 227), "Estação Carandiru , de autoria de Drauzio Varella (Vol. 42 - fl 9 228), e "História de Um Massacre - Casa de Detenção de São Paulo", de autoria de Marcello Lavenère Machado e João Benedito de Azevedo Marques (Vol. 42 - fl 9 229)

Por força de decisão do Conselho Especial de Justiça, reconhecendo a incompetência da Justiça Castrense para o julgamento do feito, determinou-se a remessa dos autos à Justiça Comum (2o Tribunal do Júri da Comarca de São Paulo) (Vol. 36 - fls 7 665/7 682v°), cuja decisão confirmada pelas instâncias superioras (Vol. 36 - fls 7 811/7 816, 7 832, 7 839, 7 844 e 7 854)

Por solicitação do Ministério Público, determinou-se o desmembramento do feito, em relação ao co-réu Cel PM Ubiratan Guimarães, convocado a ocupar o cargo de Deputado Estadual (Vol. 36 - fl 7 902), bem como a remessa das peças a esta Corte de Justiça

interiormente, por ter, o referido acusado, deixado de exercer o mandado de Deputado Estadual, o processo respectivo retornou à primeira instância (Vol. 38 - fls 8 338/8 339 e 8 343), isto é, ao 2o Tribunal do Jún da Capital

E, definida a competência da Justiça Comum, o Ministério Público procedeu ao aditamento da denúncia para que, em relação ao co-réu Ubiratan Guimarães "passe a constar o seguinte: a) onde se lê artigo 205, § 2o, inciso IV, do Código Penal Militar, que se passe a ler artigo 121, § 2o, inciso IV, do Código Penal Brasileiro; b) onde se lê artigo 30, inciso IJ, do Código Penal Militar, que se passe a ler artigo 14, inciso 11, do Código Penal Brasileiro; c) onde se lê artigo 53, do Código Penal Militar, leia-se artigo 29, do Código Penal Brasileiro" (Vol. 38 - fls 8 351/8 352)

Foi recebido o aditamento em relação à correta adequação típica, corrigindo-se a autuação e o registro (Vol. 38 - fl 8 356)

O Órgão do Ministério Público manifestou-se em atenção ao disposto no artigo 406, do Código de Processo Penal, pela pronúncia, nos termos da denúncia (Vol. 38 - fls 8 347/8 355 e 8 393), enquanto que a Digna Defesa, em suma, invocando a excludente do estrito cumprimento do dever legal, postulou-se a absolvição sumária (cf Vol. 38 - fls 8 358/8 360 e 8 393)

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E a respeitável sentença de pronúncia de fls 8 395/8 480 (cf Vol. 39), reconhecendo ter agido, o réu Ubiratan Guimarães, com dolo eventual, determinou a sua submissão ao julgamento pelo Tnbunal do Júri, por infração ao disposto no artigo 121, parágrafo 2o, inciso IV, vale dizer, por homicídio consumado e qualificado, por 111 (cento e onze) vezes, e no artigo 121, parágrafo 2o, inciso IV, combinado com o artigo 14, inciso II, por 5 (cinco) vezes, todos do Código Penal, por homicídio tentado e qualificado (cf Vol. 39 - fl 8 479), mas, por ter comparecido a todos os atos do processo, deixou de decretar a sua prisão preventiva (Vol. 39 - fl 8 480)

E, substancialmente, nesses termos, o Ministério Público ofereceu o libelo crime acusatório, contendo 116 séries de quesitos e rol de vítimas e testemunhas (Vol. 40 - fls 8 687/8 727), tendo o acusado apresentado a sua contranedade, instruída de rol de testemunhas de defesa (Vol. 40 - fls 8 740/8 742)

Mas, o Ministério Público, perante o 2o Tribunal do Júri de São Paulo, procedeu ao seu aditamento, nos seguintes termos "( ) o acusado UBERATAN GUIMARÃES concorreu para o crime narrado nesta série, na medida em que decidiu pelo início da operação que resultou na invasão da Casa de Detenção de São Paulo, sem medir ou melhor avaliar da necessidade e conseqüências de tal conduta, ordenando que seus comandados, conhecendo a violência com que alguns destes atuam, munidos de armas de grande poder de fogo, lá ingressassem, assumindo, assim, o risco de produzir a morte da vítima, bem como, após iniciada tal operação, quando já se desenhava o trágico resultado desta, face as rajadas de metralhadoras efetuadas, omitiu-se em determinar que seus subordinados cessassem com tal conduta excessiva, preferindo que o resultado morte se produzisse" (Vol. 46 - fl 10 322)

Ultenormente, o Ministério Público requereu que o aditamento fosse "recebido sem a palavra excessiva' (Vol. 46 - fl 10 327)

Em conseqüência, o aditamento foi recebido "com exclusão do vocábulo 'excessiva', eis que tal circunstância não consta da descrição da conduta do réu" (Vol. 46 - f l 10 328)

E o réu Ubiratan Guimarães foi submetido a julgamento popular, perante a 2a Vara do Júri da Comarca de São Paulo, em cujo Plenário foi interrogado (Vol. 49 - fls 11 010/11 030 e Vol. 50 - fls 11 295/11 305), vítimas prestaram declarações e as testemunhas de acusação e de defesa, inquiridas (Vol. 51 - fls 11311/11581, Vol. 52 - fls 11586/11835, Vol. 53 - fls 11 838/12 054, Vol. 54 - fls 12 057/12 291) Sobre os homicídios consumados e tentados, os jurados responderam aos quesitos, inclusive, um especial sobre falso testemunho, formados em 116 (cento e dezesseis) séries (Vol. 55 - fls 12 294/12 433)

E, a final, a respeitável sentença de fls 12 457/12 463 (Vol. 55)

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fixou a pena-base no mínimo legal, qual seja, seis anos de reclusão para cada um dos crimes de homicídio consumado, por 102 (cento e duas) vezes, e, no tocante aos crimes de homicídio na forma tentada, para cada crime, no mínimo legal, diminuída, porém, em 1/3 (um terço), pela tentativa, tendo-se em conta que o üer cnminis foi totalmente percorrido, tornou-a definitiva em 4 (quatro) anos de reclusão, por 5 (cinco) vezes, cujas penas aplicadas em cúmulo material E, nessa conformidade, julgando parcialmente procedente a pretensão punitiva do Estado, condenou o acusado UBERATAN GUIMARÃES, como incurso no artigo 121, caput9102 (cento e duas) vezes, combinado com o artigo 23, inciso m , e artigo 121, caput, combinado com o artigo 14, inciso II, por 5 (cinco) vezes, todos do Código Penal, a cumprir 632 (seiscentos e trinta e dois) anos de reclusão, a ser iniciado no regime fechado, e o absolveu pela infração ao artigo 121, § 2o, inciso IV, do Código Penal, por 9 (nove) vezes, com fundamento no artigo 386, inciso IV, do Código de Processo Penal. E, considerando que o acusado é primário, bem como que respondeu o processo em liberdade, residindo no distrito da culpa, concedeu-lhe o direito de recorrer em liberdade. Porém, determinou-se, com o trânsito em julgado, o lançamento do nome do réu no rol dos culpados, expedindo-se mandado de prisão.

Irresignado, o réu interpôs recurso de apelação com fundamento no artigo 593, inciso III, letras a e d, do Código de Processo Penal, sustentando, a Digna Defesa, em suma, preliminarmente, nuhdades processuais 1) a Egrégia Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou o recurso interposto contra a sentença de pronúncia, quando a competência era do Órgão Especial, pois, o acusado-recorrente já exercia o mandato de Deputado, e, demais, somente poderia ser processado e julgado "após solicitar, e obter, a licença da Assembléia Legislativa, nos termos constitucionais", 2) o apelante foi acusado de co-autoria mediata, e, desta forma, não poderia ter sido submetido ao Tribunal do Júri antes do julgamento dos autores diretos das infrações, "mas todos esses acusados de serem os autores imediatos e materiais, serão absolvidos por ser impossível provar o nexo causai entre a conduta de cada um e o resultado morte, de cada uma das vítimas, individualmente", 3) os jurados negaram que o apelante tenha agido com dolo (pois, na votação do quesito n 4, negaram que o apelante omitiu-se), entretanto, o quesito n 3, do questionário, "descreve explicitamente e tecnicamente uma conduta CULPOSA, e não dolosa" (portanto, o acusado "não poderia ser submetido a julgamento pelos jurados, incompetentes rationae materiae") "Quem não mede ou não avalia melhor as conseqüências de seu ato não quer o resultado, nem o aceita Portanto, não age com dolo eventual, mas sim, com culpa consciente", 4) "não bastasse o fato de os jurados terem negado a conduta dolosa do apelante, e só por isso ele já estava absolvido, a absolvição foi confirmada na seqüência da votação dos quesitos", os jurados acolheram as teses de que "não era exigível do apelante outra conduta, no momento dos fatos" e que "agiu no estrito cumprimento do dever legal", reconhecendo, destarte, "uma causa excludente de antijuridicidade Os jurados excluíram o crime", 5) "por terem, os jurados, acolhido as causas excludentes da culpa e do cnme, não cabenam os quesitos sobre o excesso Não caberiam porque não pode haver excesso no estrito

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cumpnmento do dever legal", assim, "aceitar o estrito cumpnmento do dever legal e reconhecer o excesso significa estabelecer uma contradição em si mesmo, ou seja o cumpnmento de dever estritamente exercido, é um cumpnmento de dever não estntamente exercido" "O limite estrito e o excesso são incompatíveis " Portanto, "afirmar o quesito do estrito cumprimento de dever legal, significa negar o excesso " e 6) "A contradição e o ílogismo dos jurados, na votação dos quesitos viciam o resultado do julgamento " "Isso salta aos olhos Basta ver o seguinte a) as duas teses da Defesa foram acolhidas, b) os jurados negaram a co-autoria dolosa, c) os jurados negaram a qualifícadora Mas houve um embaralhamento das respostas aos quesitos, e essa confusão acabou por levar a um resultado condenatóno que, evidentemente, a maiona dos jurados não quena" Assim, essencialmente, a condenação "somente seria cabível se os jurados tivessem a) afirmado a co-autoria dolosa, b) rejeitado a tese do estrito cumpnmento de dever legal, c) rejeitado a tese da inexigibilidade de conduta diversa"' Enfim, "não pode um homem ser condenado a mais de 600 anos de pena pnvativa de liberdade, com base na votação havida no caso destes autos " E, no mérito, o resultado do julgamento foi manifestamente contráno à prova dos autos "A conduta do apelante resumiu-se em dar ordem à PM para ingressar no Pavilhão 9 Está provado nos autos que o Apelante não disparou um tiro sequer, dentro do Pavilhão O próprio Ministério Público jamais negou essa verdade. Logo, o excesso do Apelante só poderia ser caractenzado a) ou pela própria ordem que ele deu para o ingresso da PM, b) ou pelo fato de o Apelante ter-se omitido em não impedir o resultado, após o ingresso da PM no Pavilhão Esta segunda hipótese (item b) está afastada Os jurados negaram esta hipótese, respondendo (no 4o Quesito de todas as séries) que o Apelante não se omitiu em determinar que cessassem as operações Resta a pnmeira hipótese, isto é, o excesso estava na ordem para o ingresso da PM Neste ponto surge uma contradição também insuperável Se, ao dar a ordem, o Apelante estava no estnto cumpnmento do dever legal e não seria exigível dele outra conduta, o excesso não pode estar na ordem que ele deu Ou ele tinha o dever legal de dar a ordem e não podena esperar-se que tivesse outra conduta, ou ele não estava no cumprimento do dever e seria exigível outra conduta, isto é, não dar a ordem Tanto a ordem era legal e essa era a conduta esperada do Apelante, que os jurados entenderam que depois de iniciada a operação, já com o tiroteio ocorrendo no Pavilhão 9, o Apelante não se omitiu em determinar que cessasse a operação Se os jurados entenderam que o Apelante não se omitiu para fazer cessar a operação, com maior razão não se pode imputar-lhe excesso na ordem que determinou o início da operação A ordem para o ingresso da PM era inevitável e necessária9 Está provado nos autos que havia necessidade absoluta de a PM ingressar no Pavilhão O pento Negnni afirmou que se a PM não entrasse no Pavilhão nenhum presidiário estana vivo Todos monenam queimados e asfixiados pelo incêndio desencadeado pelos presos Todas as autoridades civis, presentes no local o juiz aposentado Filardi (Secretáno Adjunto de Segurança Pública) - os juizes Corregedores, drs Fernando e Ivo - o Diretor da Casa de Detenção, Dr Pedrosa -por unanimidade entenderam ser absolutamente necessána a entrada da Polícia Militar Cabia ao Apelante cumpnr o seu dever Se todas as autoridades disseram que era necessáno o ingresso da PM, não podena o Apelante, sob pena de.

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descumpnr o seu dever, negar-se a dar a ordem O Apelante e a PM estavam no local, do lado de fora, há duas horas e meia, sem ingressar no Pavilhão A ordem para o ingresso somente foi dada após o consenso nesse sentido, das autoridades civis ali presentes Como falar-se, então, que a ordem constituiria um excesso9 Se excesso houve, no interior da Detenção, pode ter ocorrido, por ações individuais, no curso da operação Mas, está provado nos autos, e nem mesmo o Ministério Público nega essa verdade, que o Apelante ingressou à frente da tropa no pavimento térreo, e que não houve qualquer disparo nesse pavimento, nem presos mortos ou feridos naquele local Está provado, também, que o Apelante não permaneceu no comando da operação por mais de quinze minutos O Apelante, logo ao início da operação, foi atingido por uma explosão de um botijão de gás e, ato contínuo, ferido, foi conduzido ao hospital, não mais regressando à Casa de Detenção A partir daí o comando da operação foi transferido para outro coronel Está provado, nos autos, e até o Ministério Público jamais negou essa verdade, que o Apelante nunca deu uma ordem determinando que seu subordinados atirassem contra os presos ou agissem com violência O Ministério Público (em dois itens do Libelo reproduzidos nos dois Quesitos sobre a co-autoria) afirmou, apenas e tão somente que o Apelante, quando deu a ordem de ingresso da PM, não mediu, ou não avaliou melhor, as conseqüências de sua ordem Logo, como já foi dito, o Ministério Público imputou ao Apelante a condição de ter agido sem cautela, sem cuidado Essa falta de cuidado e cautela caractenzam uma conduta culposa, e não dolosa No outro item do Libelo, o Ministério Público afirmou que, depois de iniciada a operação, o Apelante omitiu-se em não impedir o resultado Somente nesta hipótese, em razão da omissão no dever de impedir o resultado, poderia haver o crime de omissão imprópria, na forma dolosa, por parte do Apelante Mas os jurados rejeitaram essa hipótese Até porque o apelante não poderia impedir coisa alguma pois foi retirado do local, ferido, logo no início da operação " "No depoimento prestado no Plenário por presos escolhidos pelo Ministério Público para fazer carga contra o Apelante, ficou claro que a) os presos tinham decidido enfrentar a PM, b) os presos foram rendidos, mesmo os feridos, e sob a mira das armas dos PMs, caminharam desde os pavimentos até o pátio sem serem alvejados, c) os presos feridos foram socorridos pela própria PM, em viaturas da ROTA e do CHOQUE, e levados para os hospitais, d) cerca de 2 000 presos foram rendidos e nada sofreram Se houvesse intenção de praticar um massacre, uma chacina, uma violência desmedida, teriam morrido muitos outros presos " "Esses depoentes reconheceram que vários PMs impediram que outros se excedessem na violência, e que foram salvos pela ação desses PMs " "O fato é que os presos atacaram a PM quando esta ingressou no Pavilhão " "Um dos depoentes, em Plenário, admitiu que todos os presos estavam fora de suas celas e de seus respectivos andares, e que batiam as armas, ferros e paus, no solo dos corredores, para mostrar força Uma testemunha afirmou que, antes do ingresso dos policiais, o brado de guerra era este * agora não é briga de ladrão contra ladrão É com a PM '' Essa mesma testemunha, escolhida pelo M P , disse que os presos iriam enfrentar a PM mas supunham que os PMs entrassem apenas com cassetetes e cães Os presos armaram barricadas, atearam fogo no andar térreo, destruíram o sistema elétnco (o Pavilhão estava às escuras), colocaram tábuas com pregos impregnados com sangue com vírus HÍV, pelo chão, jogaram óleo nas.

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escadarias, armaram a ratoeira para pegar a PM Pelo menos 13 armas de fogo estavam em poder dos presos (foram apreendidas) e mais de 500 armas brancas (lanças, estiletes, facas, espadas e paus) PMs foram feridos, coletes a prova de bala e escudos foram alvejados, conforme comprovam os laudos periciais Havia, no interior do Pavilhão 9, o equivalente à população de quatro penitenciárias, como por exemplo, a de Osasco, Taubaté ou Guarulhos Já os PMs eram menos de cem Pergunta-se Se a PM ingressasse no Pavilhão apenas com cassetetes e cães, como previam os presos, o que teria ocorrido com os 86 (oitenta e seis) PMs que ingressaram no Pavilhão, diante de 2 069 presos prontos a atacá-los? Ao contrário do que foi alardeado pela mídia, e em livros escritos por pessoas que não conheceram a prova do processo, ficou provado pela perícia que 96% dos mortos foram alvejados pela frente, e não pelas costas Está provado pela perícia oficial (que o Ministério Público em nenhum momento impugnou) que havia vestígio de sangue em apenas 05 celas, no total de quase 600 celas do Pavilhão 09 Está provado nos autos que vários presos mataram-se entre si No julgamento o Ministério admitiu, ao menos, nove dessas mortes, reduzindo o número de vítimas atribuídas à PM para 102 Está provado, nos autos, pelo laudo oficial do perito Negrini (arrolado para depor em Plenário e elogiado pelo Ministério Público), e pelo laudo da UNJCAMP (encomendado pela OAB, Dr Paulo Sérgio Pinheiro, dos grupos de Direitos Humanos, USP, e Pastoral), que houve confronto Que os presos enfrentaram a PM " "O laudo fala em uma 'batalha travada' entre presos e a PM '* "Como se vê, a história alardeada e repetida, ao longo dos anos, à margem da prova dos autos, nada tem a ver com a realidade dos fatos O Repórter da Folha On Line, ao término dos debates em Plenário (expressando a opinião dos perplexos jornalistas que cobriram todo o julgamento. e que conheciam a história do massacre do Carandiru contada ao longo de 9 anos, na contra-mão da verdade contida nos autos), resumiu a opinião geral com a seguinte notícia 'Pela primeira vez vem à tona a verdadeira história do Carandiru' Findos os debates, os dois ilustres e dignos representantes do Ministério Público, diante da excelente Magistrada, disseram ao Defensor 'o Réu está absolvido por sete a zero' Era a certeza geral, que se confirmou pela tendência revelada pelos jurados, apesar da votação aberrante e contraditória dos Quesitos Tanto o resultado do julgamento foi injusto em face da prova apresentada em Plenário e da realidade provada nos autos, que o Ministério Público, no processo de maior repercussão na história forense brasileira, não recorreu " "O M P não recorreu sequer contra a rejeição das qualifícadoras, pelos jurados Tal rejeição sena noticiada, isto é, como se tivesse havido um massacre no Pavilhão 9 do Carandiru Mas o apelante está certo de que sua inocência ( ) será definitivamente reconhecida no momento oportuno, porque não é em vão que se afirma 'a Justiça tarda, mas não falha' Diante do exposto, o apelante tem absoluta confiança em que os eminentes julgadores reconhecerão as nulidades apontadas nestas razões E, por força da exigência formal, refere que, no Ménto, se houver o seu exame, deve o recurso ser julgado também Procedente, por ter sido a decisão dos jurados absolutamente contraditória à prova dos autos " (Vol. 56-fls 12 539/12 586)

As razões do recurso de apelação estão instruídas de dois

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documentos um quadro de quesitos e respectiva votação (Vol. 56 - fl 12 587) e uma certidão expedida em 09 de março de 1999, pela Assembléia Legislativa, certificando que o Senhor Ubiratan Guimarães exerceu o mandato de Deputado no período de 03 de janeiro de 1997 a 03 de abril de 1998 e o exerce desde 01 de fevereiro de 1999 até a presente data (Vol. 56 - fl 12 588)

Implicitamente, recebido o recurso (Vol. 56 - fl 12 609), o Órgão do Ministério Público ofereceu suas contra-razões (Vol. 56 - fls 12 610/12 693), instruídas de documentos, relativos, seis (6) à ofício e gráficos referentes à balística e outro, uma página de jornal (Tribuna de Santos), reproduzindo matéria da lavra do advogado e professor universitário, Vicente Cascione, intitulada "Repulsa" Em suma, o Ministério Público, em suas razões, inicialmente, enfatiza que todas as matérias alegadas em sede de preliminar pela digna defesa, de há muito, foram atingidas pelo instituto processual da preclusão temporal Nesse sentido, em rodapé, faz referência à jurisprudência "Não tendo sido oportunamente impugnado o quesito tido por deficiente fica vedada à parte a arguição posterior de nulidade do julgamento por este fundamento, em face da preclusão" "As nulidades processuais que se verificarem em sessão de julgamento pelo Tnbunal do Jún deverão ser arguidas logo depois do ato, e, se isso não se fizer, considerar-se-ão sanadas" "Consigne-se, também, que tal conclusão advém da circunstância de que as 'nuhdades' alçadas são todas de natureza relativa, as quais, se tivessem de fato ocorrido, deveriam ter sido arguidas em tempo oportuno, consoante dispõe o art 572, I, com remissão expressa ao art 564, IV, ambos do Código de Processo Penal Convém, por fim, ressaltar que a d defesa, em momento algum, demonstrou a existência de prejuízo efetivo, que não se confunde com o resultado adverso da condenação, como determina o art 563 do Código de Processo Penal, através do qual foi consagrado em nossa legislação, o princípio cpas de nullité sans gnef, restando assentado que não existe nulidade desde que da preterição da forma legal não haja prejuízo para uma das partes " "Alega que, em meio ao julgamento do recurso em sentido estrito interposto pelo ora apelante, este reassumiu a cadeira de Deputado Estadual, no período de 01/02/99 a 15/03/99, conforme documento que instrui as razões recursais (fls 12 588) Em conseqüência, evoca que à época possuía prerrogativa de foro, pretendendo ver reconhecida a incompetência do Tribunal "ad quem' para julgar o citado recurso, já que o processo estaria suspenso e só poderia ter andamento mediante prévia autorização da Assembléia Legislativa " Ocorre que o apelante e seu defensor não se preocuparam em comunicar esse fato à Justiça "Porque só agora, passados mais de 03 (três) anos, a defesa resolveu tirar tal 'carta' da manga7 As respostas remetem qualquer intérprete a concluir, 'concessa venia\ que tal situação engendrada, de maléfica engenharia jurídica, se constitui em manobra ardilosa que faz lembrar a muito oportuna retirada do apelante durante o massacre por ele comandado, quando supostamente teria sido' atingido por uma explosão A má-fé do apelante só pode ensejar um firme repúdio de Vossas Excelências, posto que, maliciosamente, ocultou deste E Tnbunal de Justiça, fato processual relevante, equiparando-se, neste particular aspecto, a qualquer meliante que fornece endereço errado ao Juízo Criminal para, após ver vencida sua tese, alegar nuhdade de citação"' Entretanto, "ninguém poderá arguir

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nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse Çex vi\ art 565 do CPP) E nesse sentido, a jurisprudência, segundo a qual não é jurídico nem moral prevalecer-se o réu de nulidade para a qual concorreu com seu silêncio, não a arguindo oportunamente (RT 554/349) Demais, a questão restou superada ante o advento da Emenda Constitucional n 35, de 2001, acrescentando-se que ao tempo votação do acórdão confirmatóno da pronúncia, o apelante não mais era Deputado, "não se desconhecendo, pois, que ate a tal circunstância temporal, que a pretendida prerrogativa de foro ainda subsistisse Portanto, tal preliminar merece rejeitada Quanto à nulidade pela precedência do julgamento do partícipe "Por que o apelante foi julgado antes dos demais co-réus7 A resposta a tal indagação é dada pelo próprio apelante, já que foi ele buscar refúgio, quiçá eventual impunidade, em mandato popular de Deputado Estadual, o que, segundo noticia a imprensa atualmente, tentará novamente, embora hoje, em razão de Emenda Constitucional, sob tal mandato não poderá mais se homiziar Entretanto, houve pedido de autorização à Assembléia Legislativa "Porém, tal autonzação, sabe-se lá por quais manobras políticas, nunca foi dada pela Assembléia Legislativa estadual, importando, obviamente, num descompasso entre o curso da ação penal dos demais co-réus e do apelante Tal descompasso, em razão dos autos desmembrados relativos aos demais réus já se encontrarem em fase procedimental em que não havia possibilidade de reunião, acabou por determinar que o feito em relação ao apelante ganhasse ritmo mais célere, notadamente em função do número de réus e respectivos defensores existentes nos autos desmembrados Essa situação foi, pois, provocada pela própria opção do apelante, quando resolveu seguir carreira política " Portanto, merece rechaçada a referida preliminar de nuhdade, "já que não encontra respaldo jurídico ou fático nos autos " Quanto à nuhdade do quesito que reconheceu conduta dolosa, na forma eventual, sustentou-se que "o aludido quesito reproduz literalmente uma das condutas imputadas ao apelante na denúncia, bem como na r sentença de pronúncia, a qual, como já fnsado, foi confirmada por este E Tribunal de Justiça " "Evidentemente, não tendo sido questionada a redação do quesito em exame, no momento oportuno, qual seja, após o encerramento dos debates e lido com toda a publicidade, tal questão se encontra preclusa, não podendo ser questionada agora, como aliás, é entendimento pacífico em nossa Jurisprudência " Demais, confunde a Defesa "o quesito relativo ao dolo eventual com o questionamento da culpa Em momento algum se indagou dos senhores Jurados se o apelante havia agido com culpa, seja por imprudência, negligência ou imperícia, tampouco sustentado pela defesa em plenáno Ao contrário, foram os senhores jurados indagados se o apelante assumiu o risco de produzir o resultado com sua conduta, em estrita observância ao disposto no art 18, I, do Código Penal Na oportunidade em que tal quesito foi submetido à apreciação dos senhores jurados, a Culta Magistrada que presidia a sessão, cumprindo a regra contida no artigo 479, do CPP, explanou de forma cristalina o significado da pergunta e as conseqüências das respostas possíveis, no que, inclusive, atendeu a pedido da própria defesa " E com relação à resposta negativa ao quesito n 4, que segundo a Defesa, "significou que o apelante não agiu de forma dolosa, se constitui em mais uma paradoxal interpretação do íveredictum\ pois, "explicado aos senhores

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Jurados que ao responderem afirmativamente o quesito n 03 já haviam reconhecido a participação do apelante dos cnmes que lhe eram imputados uma vez que agira com dolo eventual, foi indagados dos mesmos se a omissão do apelante, que seguiu à sua conduta comissiva era ou não relevante, tendo os mesmos, respondido negativamente a tal indagação Ora, é evidente que tais quesitos se referem a momentos fáticos distintos, a conduta comissiva relativa ao dolo eventual diz respeito ao desrespeito aos planos de contenção de rebeliões da Polícia Militar, com o emprego de tropas e armamentos não indicadas para aquela operação, e ao resultado antevisto e aceito pelo acusado, já a conduta omissiva, diz respeito à ausência de ordem do apelante para, já iniciadas as agressões indevidas, fossem as mesmas cessadas " "Cumpre ressaltar, também, que os dois momentos distintos tratados em quesitos diferentes se referem, por óbvio, a disposições penais diferenciadas, como já dito o dolo eventual é conceituado no artigo 18, inciso I, do Código Penal, e a omissão penalmente relevante no artigo 13, do mencionado "codex7 " "Aliás, o art 484, II, do Código de Processo Penal, justamente, vislumbrando a possibilidade da existência de circunstâncias que possam ser cindidas, determina que o Juiz possa separar os quesitos, desdobrando-os " Não resta dúvida que a tese esposada pela defesa é infundada, além de totalmente intempestiva fulminada que foi pela preclusão, baseada em interpretação errônea dos quesitos formulados Acerca da nulidade pelo reconhecimento do excesso na causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa, cumpre lembrar que "ao tratar dos homicídios perpetrados, os senhores jurados, após reconhecimento da autona e da materialidade, entenderam que o apelante concorreu com dolo eventual, afastando, ainda, o estrito cumprimento do dever legal Em seguida, sob o protesto da acusação, devidamente consignado em ata no momento oportuno, foi indagado dos senhores jurados tese da causa supralegal relativa a eventual existência de inexigibihdade de conduta diversa " "Respondendo a tal indagação, num primeiro momento, os jurados reconheceram tal situação, para no quesito subsequente, obrigatório por força do disposto no art 23, parágrafo único, do Código Penal, entender que houve excesso doloso em tal causa, cuja quesitação foi requerida exclusivamente pela d defesa, que embora impugnada tempestivamente pelo Ministério Público, foi posta em votação pela í Magistrada, talvez, somente em homenagem ao princípio constitucional da plenitude de defesa, admitido aos casos de competência do Tribunal do Júri" Merece, pois, afastada tal preliminar Quanto à nuhdade pelo reconhecimento do excesso no estrito cumprimento do dever legal, cabe observar que, nos termos do parágrafo único do artigo 23, do CP, o agente, em qualquer das hipóteses, responderá pelo excesso doloso ou culposo, daí a necessidade da formulação do respectivo quesito Anote-se que, ao enfrentar o mérito, restará evidenciado que o excesso do apelante se constituiu em desrespeitar todos os planos e mandamentos militares relativos a retomada da ordem em estabelecimento prisional Relativamente à nuhdade pela contradição na votação dos quesitos, como as matérias arguidas nas preliminares antecedentes, não merece prosperar a tese de que houve contradição na votação dos quesitos Não se deve perder de vista que após a sustentação das teses defensivas, o Ministério Público fez uso da réplica, ocasião em que rebateu a argumentação apresentada pela defesa e insistiu na condenação dos apelante, por excesso doloso nas alegadas excludentes "Claro

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ficou aos senhores Jurados que a situação fática exposta dos autos gerou três hipóteses distintas e inconfundíveis, quais sejam 1 Os homicídios perpetrados por arma de fogo, 2 Os homicídios praticados com arma branca e 3 As tentativas de homicídio Nestas três hipóteses, como bem se percebe do termo de votação juntado as fls 12 434 a 12 455, do 55° Volume, a tese acusatória foi sufragada de forma uníssona Aliás, as três situações são tão distintas que foi possível ao Ministério Público pleitear a absolvição no tocante aos homicídios praticados com arma branca, inexistindo qualquer contradição em tal pleito com as postulações condenatónas nas outras duas hipóteses restantes " Pelas respostas aos quesitos, nas séries diversas, "o que se nota é uma evidente coerência entre aqueles jurados que sempre pretenderam condenar o apelante, já que não divergiram na essência das teses sustentadas, ou seja, afirmaram a participação por dolo eventual, negaram o estrito cumprimento do dever legal e afirmaram o excesso doloso na inexigibil idade de conduta diversa sempre por idêntica votação (4x3)" "E importante ressaltar que nestas séries, que trataram dos homicídios tentados, obviamente influiu na votação o fato, revelado aos Jurados e confirmado no plexo probatório, que o socorro das vítimas foi prestado por agentes da própria Polícia Militar Com isto, justifica-se plenamente o entendimento do E Conselho de Sentença de que houve de início o estrito cumprimento do dever legal, já que nada há nos autos a demonstrar que o apelante teria determinado que as vítimas atingidas deveriam lá permanecer até que o resultado morte viesse a ocorrer Bem por isto que, segundo o escóho que se colhe na melhor doutrina e exata jurisprudência, se determina que não há como se dar por contraditórias respostas dadas a quesitos formulados em séries distintas " Quanto ao mérito da causa, "uma análise, ainda que superficial, dos vastos elementos carreados aos autos, não deixa dúvida alguma do excesso doloso com que agiu o apelante, causando pelo seu desmando, o maior morticínio da história do Direito Penal Brasileiro " "Sabe-se porque a mídia informou que as unidades da Polícia Militar que teriam participado da operação foram o Comando de Operações Especiais, a Tropa de Choque, o Grupamento de Ações Táticas Especiais e a ROTA À exceção da tropa de choque, especializada em reprimir motins, como se sabe, as demais ostentam caráter puramente agressivo Vale dizer, que, no caso, o Estado pegou tropas inadequadas para controlar a situação ( ) " "Foram apreendidas 13 (treze) armas de fogo que supostamente teriam sido utilizadas pelos detentos amotinados e de outro lado apreendeu-se 392 (trezentos e noventa e duas) armas de fogo empregadas pelas tropas comandadas e organizadas pelo apelante " "Consta, da própria denúncia, o emprego das seguintes armas de fogo pelos policiais militares na operação comandada pelo apelante 31 (trinta e uma) metralhadoras, 04 (quatro) fuzis automáticos M 16, 03 (três) espingardas calibre 12, 01 (uma) pistola semi-automática, 23 (vinte e três) revólveres Magnum, 329 (trezentos e vinte e nove) revólveres calibre 38 e 01 (um) lançador de armas químicas " (cf rodapé - fl 12 667), "inclusive, o próprio apelante que, ao que consta, ingressou no pavilhão 09 (nove) com a submetralhadora 6HK\ n MP5K-21362" Reportando-se ao laudo de local, é importante, por primeiro, destacar que não se constatou qualquer vestígio de disparo de arma de fogo que pudesse indicar que algum dos detentos, mortos ou não, teria empregado qualquer arma de fogo contra-as parcelas de tropas que invadiram o pavilhão 09 (nove)" E "constata-se também

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o excessivo e desproporcional emprego de armas não recomendadas para a situação por parte dos comandados do apelante, sendo que tal fato e os respectivos nscos que isto poderia gerar foram plenamente aceitos e mensurados por ele quando escalou as tropas que primeiro ingressaram no pavilhão 09 (nove) Dess'arte, aqui o excesso já pode ser antevisto " "A participação do apelante nos crimes cometidos é evidente e decorre de toda a prova contida nos autos Aliás, cabe lembrar que o apelante era na ocasião dos fatos a 'Autoridade Máxima' das forças policiais militares empregadas na retomada do Pavilhão 9 (nove) da Casa de Detenção de São Paulo, e por força do regulamento militar aplicável à espécie era ele o responsável por todas as decisões e pelo firme domínio das orientações dadas as suas tropas, pois o risco de excesso é permanente em casos semelhantes ao presente " E, segundo o regulamento disciplinar da polícia militar, Decreto n 13 657, de 1943, artigo 4o, "As ordens devem ser prontamente executadas, cabendo inteira responsabilidade à autoridade que as determina " "O apelante, ao ser interrogado perante o E Conselho de Sentença, afirmou que organizou a tropa que tinha a sua disposição e, assim, determinou que uma companhia de ROTA, comandada pelo Capitão Ronaldo tomasse o 2o pavimento (Io andar), outra companhia da ROTA, comandada pelo Capitão Mendonça, tomasse o 3o

pavimento (2o andar), a companhia do COE, comandada pelo Capitão Salgado, tomasse o 4o pavimento (3o andar) e a companhia GATE, comandada pelo Capitão Mascarenhas, tomasse o 5o pavimento (4°andar) Os co-réus, Ronaldo ( ), Mendonça ( ), Salgado ( ) e Mascarenhas ( ) confirmaram ter recebido as instruções a respeito da forma e maneira que deveriam ingressar no interior do pavilhão 09 (nove) da Casa de Detenção de São Paulo Além disso, o apelante determinou que as tropas por ele 'escaladas' ingressassem desde logo no pavilhão, não permitindo, assim que qualquer reabertura de negociação a ser tentada pelo Diretor do Presídio, Dr José Ismael Pedrosa ( ), pudesse ocorrer Frise-se que a testemunha Aparecido Fidélis, que exercia as funções de Diretor de Segurança do Carandiru, ouvido em plenário (fls 11838 a 11977 do 53° Volume), confirmando o que já havia dito o Diretor de Segurança e Disciplina Moacir dos Santos (fls 1 779 a 1 781 do Inquérito Policial Civil em anexo aos autos), informou que a tropa, após o arrombamento desnecessário da porta de entrada do pavilhão, posto que esta poderia ser aberta soltando-se sua trava, praticamente 'atropelaram* o Dr Pedrosa que desejava ingressar no pavilhão para negociar e resolver a rebelião Evidente que este açodamento com que agiu a tropa decorreu das ordens indevidas dadas pelo apelante Porém, além desta pressa injustificável, há que se notar que a tropa utilizada para a missão era totalmente inadequada, fato este de pleno conhecimento do apelante, que conscientemente optou por utilizar uma força de combate (ROTA, COE e GATE), quando tinha a sua disposição tropas especializadas em contenção de distúrbio (2o e 3o Batalhões de Choque), ( ) únicas indicadas para a operação ( ), estavam prontas a ingressar no interior do pavilhão 9 (nove) da Casa de Detenção, devidamente equipadas com capacetes, coletes a prova de bala, cacetetes, garateias, camisas de força, etc , além de previamente treinadas para enfrentar o tipo de situação que havia no local dos fatos, tanto que tais frações de tropas já haviam, em rebeliões anteriores, ingressado na Casa de Detenção, sob eficiente comando de outros policiais, sem causar a mortandade que se verificou neste episódio. Num último aspecto, há quer

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se lembrar que são estas tropas que são chamadas a realizar as habituais operações de 'blitz' no interior dos presídios, sabendo como, quando e aonde estão atuando, com pleno domínio de seus atos Já as tropas da ROTA, escaladas pelo apelante ao alvedno de todas as recomendações técnicas, incluindo aí a expressa orientação aos oficiais que portassem metralhadoras que não as utilizassem em posição de 'rajada', acabaram contabilizando o maior número de mortes levada a efeito (15 mortes no 2o pavimento e 75 mortes no 3o pavimento, provocadas por arma de fogo) Tal risco era de pleno conhecimento do apelante e foi por ele aceito, já que a ROTA é reconhecidamente tropa empregada normalmente no patrulhamento tático em viaturas, largamente utilizada no confronto com marginais pela cidade afora " "Tal situação é um vivo retrato da operação militar de caráter dolosamente excessiva desencadeada pelas ordens dadas pelo apelante Porém, de maior gravidade se revela o fato do apelante ter desrespeitado todas as regras e planos previamente estabelecidos pela própria Polícia Militar do Estado de São Paulo, para o caso de invasão do Complexo Penitenciário do Carandiru durante uma situação de motim ou rebelião, desprezando a autoridade e competência de outros militares de igual ou superior patente que as elaboraram, assumindo, deste modo, inequivocamente, o resultado morte advindo da operação por ele desencadeada " "Entretanto, está determinado em todos os planos de atuação para a situação havida, que deveriam as tropas utilizadas se servir de funcionários como guias, até para detectar e enfrentar os problemas com os quais se defrontariam de modo adequado Porém, em total arrepio ao prévio planejamento, o apelante não permitiu, durante a ocupação, o ingresso no referido pavilhão de nenhum civil juntamente com suas tropas" "Por outro lado, também consta de todos os planos de invasão do Carandiru, que os policiais, ainda que alvejados, só poderiam atirar mediante ordem (fl 804, item 12), e nunca atirar desmedidamente como fizeram na ocasião dos fatos " "Essas rápidas menções à correta maneira de atuar e enfrentar uma situação de anormalidade em interior de estabelecimento prisional, bem demonstram a forma indevida e proposital com que agiu o apelante, desrespeitando as regras básicas, assumindo, assim, todo o risco pelos homicídios praticados '* "Indubitável, pois, em que consistiu a participação dolosa do apelante descrita na denúncia, acolhida pela pronúncia, confirmada por acórdão deste E Tribunal de Justiça e bem caracterizada no quesito n° 03, das séries propostas no questionário submetido aos senhores Jurados, todos respondidos afirmativamente, razão pela qual é inaceitável que alguém possa cogitar que o 'veredictum' dado tenha sido manifestamente contrário à prova dos autos " Demais, de acordo com a prova oral, os homicídios ocorreram embora não tenha "existido qualquer reação por parte dos presos logo em seguida a efetiva entrada da Polícia Militar no interior do Pavilhão 09 (nove) da Casa de Detenção " Assim, consoante restou apurado, "cerca 70% (setenta por cento) dos mortos não tinham situação processual definida, ou seja, eram presos provisórios (prisões preventivas, prisões por pronúncia, prisões decorrentes de sentenças condenatónas em grau de recurso) Além disto, diversos dos presos mortos tinham a situação processual definida, já tendo inclusive alcançado benefícios no âmbito de suas execuções criminais " "Ora, tal situação carcerária destes presos, vítimas dos homicídios aqui tratados, desmente, por si só, cabalmente, a versão fantasiosa de que os mesmos desejavam

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enfrentar os comandados do apelante Além disso, o fato dos presos estarem desarmados, pois quando da invasão já haviam se desvencilhado de eventuais estiletes e pedaços de paus, terem retornado para suas celas e lá estarem desnudados, deixa claro que não havia qualquer ação por parte destes que justificasse debelada com excessiva violência Desse modo, o comportamento das vítimas em nada explica o ocorrido, ao contrário apenas vem a evidenciar, mais uma vez, que houve um massacre deliberado, decorrente diretamente dos comandos impróprios determinados pelo apelante " "Como corretamente constou no v acórdão de fls 8 558 a 8 573, do 39° Volume, os fatos, tão largamente conhecidos pela sociedade brasileira e mundial, encontram na prova colhida em toda a persecução criminal duas versões Porém, como se demonstrou amplamente, a versão que o E Conselho de Sentença acabou reconhecendo foi a única possível, em estrita observância ao princípio constitucional da soberania dos veredictos e ante o plexo probatório, não havendo que se falar em decisão manifestamente contrária à prova dos autos, como reflexo do império da Justiça'" A final, a Digna Promotona de Justiça concluiu, afastada a matéria preliminar, seja, no mérito, mantida a condenação do apelante "nas corretas penas impostas à ele, na bem fundamentada sentença prolatada pela Culta Magistrada que presidiu os trabalhos, como sinônimo da verdadeira JUSTIÇA" (Vol. 56 - fls 12 610/12 693)

E o respeitável parecer da Douta Procuradoria Geral de Justiça é pelo não provimento do recurso de apelação (Vol. 56 - fls 12 705/12 747) Em suma, sustentou, quanto à alegada preliminar de nulidade do processo à partir do acórdão da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, que confirmou a pronúncia, que o apelante foi pronunciado em 21 de setembro de 1998 (Vol, 39 - fls 8 395/8 480), e da decisão interpôs, o réu-pronunciado, recurso em sentido estrito, cujo julgamento iniciou-se em 8 de março de 1999, tendo as partes sustentado oralmente e o Desembargador Relator, proferido o seu voto, e, após adiamento, na sessão do dia 22 do mesmo mês e ano ("quando o recorrente não estava mais no exercício do mandato"), concluída a votação, por maioria, rejeitou-se a matéria preliminar e, no mérito, negou-se provimento ao recurso da defesa (cf fls 8 558/8 585) Demais, no período compreendido entre os dias Io de fevereiro de 1999 e 15 de março de 1999, o apelante Ubiratan voltou a exercer o mandado de deputado estadual Nos termos do artigo 571, inciso V, do CPP, as nuhdades ocorridas posteriormente à pronúncia deve ser arguidas logo depois de anunciado o julgamento e apregoadas as partes Contudo, no caso dos autos, em nenhum momento processual anterior a este a defesa do recorrente pleiteou esta nuhdade Aliás, por ocasião da sustentação oral, perante a Segunda Câmara Criminal, quando o réu já estaria no exercício do mandato, o seu digno advogado preferiu ficar silente (fl 8 551), e, da mesma forma, nada arguiu no julgamento dos embargos infnngentes (fls 8 558/8 592), ao oferecer a contranedade do libelo e nenhuma alegação de nuhdade, nesse sentido, constou da Ata da Sessão do Júri (fls 12 464/12 476) Além de operada a preclusão, a legislação processual inadmite o reconhecimento da nuhdade que não tenha influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa (CPP, art 566) Quanto à nuhdade do processo por ter sido, o réu-apelante, como co-auto

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submetido a julgamento sem que qualquer um dos autores imediatos tivesse sido julgado pelo Tnbunal do Júri, a preliminar não prospera posto que impossível "entrever-se um prejuízo para o réu a partir de uma decisão do Tnbunal do Jún que não se realizou " A junsprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça vem refutando semelhante alegação de nulidade, admitindo a separação dos julgamentos de réus que são respectivamente o mandante e o executor do homicídio Demais, a conduta do réu Ubiratan não é idêntica a de todos os demais denunciados, o que também releva na discussão do tema E, se nenhum prejuízo causou à defesa do recorrente, ou mesmo foi questionada, não é possível presumir-se tal irregularidade neste momento processual Por outro lado, sustenta, a defesa, que o quesito da autona descreve uma conduta culposa e os jurados ao responderem sim a este, negaram que o recorrente tenha agido com dolo Embora esforçado o argumento, não foi apresentado oportunamente quando de sua formulação pela Mentíssima Juíza de Direito que presidiu o julgamento De fato, não consta da ata da sessão do jún ou de seu aditamento qualquer crítica à redação do quesito questionado, que, na verdade, descreve uma conduta na forma dolosa com expressões inequívocas da vontade do agente de assumir o risco pelo resultado, isto é, do dolo eventual, de não de uma culpa Na sala secreta, como firmado na ata da sessão, foi previamente explicado o significado de cada um dos quesitos (fl 12 475) É induvidoso que os jurados quiseram reconhecer o dolo eventual Contrariamente ao afirmado pelo recorrente, não se pode concluir que a expressão "sem medir ou melhor avaliar da necessidade e conseqüências de tal conduta", mesmo que isolada do seu contexto, represente a forma culposa do homicídio Na verdade, estes termos deixam claro que o então comandante da tropa ordenou a tomada do prédio prisional indiferente ao que poderia se seguir, aceitando qualquer resultado Sem medir, sem avaliar, sem impor limites para a sua conduta Demais, alega, a defesa, que o Conselho de Sentença reconheceu a inexigibilidade de outra conduta e o estnto cumprimento do dever legal, absolvendo o reconente, o que conflita com a decisão final de condenação Essa arguição não retrata a decisão dos jurados, pois, no resumo das séries dos homicídios consumados, o Conselho de Sentença, embora tenha reconhecido que não era exigível conduta diversa do réu Ubiratan em relação aos homicídios consumados, também afirmou que o apelante excedeu-se dolosamente na conduta que lhe era exigível, e no tocante aos homicídios, os senhores jurados não reconheceram esta excludente de ílicitude, isto é, que "era exigível que se esperasse do réu conduta diversa da praticada " Por outro lado, quanto aos homicídios tentados, o Conselho de Sentença reconheceu o estnto cumpnmento do dever legal, mas também afirmou que o apelante agiu com excesso doloso Portanto, em nenhum momento o Conselho de Sentença absolveu o recorrente, mas, sim, admitiu que ele agiu com excesso punível em resposta a dois quesitos do conjunto de sénes distintas Demais, afastando a quahficadora (recurso que impossibilitou a defesa da vítima), ficou caracterizada a figura do homicídio simples Sustenta, ainda, a defesa, que o Conselho de Sentença reconheceu a excludente de íhcitude de estnto cumpnmento do dever legal e a causa de exclusão de crime de inexigibilidade de conduta diversa, não caberia a formulação dos quesitos de excessos puníveis (doloso e culposo) Ocorre que, segundo a doutrina, o excesso punível, previsto no artigo 23, parágrafo ÚJJKÍO, do

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Código Penal, aplica-se a todas as causas excludentes da antijundicidade, o quesito correspondente é de formulação cogente, cuja omissão acarreta nuhdade absoluta E o quesito de mexigibilidade de outra conduta, que atenta à falta de sua previsão na legislação penal e processual como causa de exclusão da culpabilidade, resulta de entendimento doutrinário em favor do acusado Demais, nenhuma impugnação oportuna fez a defesa a respeito da inclusão do quesito questionado, tornando preclusa, também, a matéria Refere, ainda, a defesa, que os resultados das votações dos quesitos são contraditórios e ilógicos, daí, a sua nuhdade A questão já está pacificada na jurisprudência, que firmou entendimento de que as decisões dos jurados são tomadas por maioria de voto (CPP, art 488) e a incoerência de um dos jurados é irrelevante Demais, a contradição nas respostas proferidas pelo Conselho de Sentença, que torna nulo o julgamento (CPP, art 564, III, k), deve ser observada entre os quesitos da mesma séne e não em séries distintas. Desta forma, não há qualquer contradição, ílogismo ou despreparo dos jurados para o julgamento da causa que possa inquinar de nulo o processo Quanto ao mérito, pleiteia, a defesa, a desconstituição da condenação argumentando que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos Sob esse fundamento só se admite se a decisão do Conselho de Sentença não encontrar o menor respaldo nos elementos de convencimento existentes nos autos Se os jurados optaram por uma vertente do contexto probatório não há manifesta contranedade Assim, "a decisão dos jurados, admitindo a vertente da acusação, tem amparo em diversos elementos dos autos, não podendo ser tida, desta forma, como arbitrária ou aberrante, sem mínimo apoio na prova A anulação do julgamento neste caso ofenderia a soberania do Tribunal do Júri conferida pela Constituição Federal Da mesma forma, não merece reparo a pena aplicada ao recorrente O concurso material foi bem reconhecido, em virtude dos vários crimes, perpetrados em distintas ações e com desígmos autônomos pelos policiais militares que invadiram o pavilhão '9* da Casa de Detenção", e, por todos os motivos articulados no parecer, a Douta Procuradoria Geral de Justiça pugnou pela manutenção da condenação do réu-apelante (Vol. 56 - fls 12 705/12 747)

Nesta Corte de Justiça, o recurso de apelação foi distribuído para o saudoso Desembargador EGYDIO DE CARVALHO, que, à época (26 3 2003), tinha assento na Egrégia 2a Câmara Criminal (Vol. 56 - fl 12 748)

Em 3 de abril de 2003, a Augusta Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo veio de informar que o Senhor UBIRATAN GUIMARÃES exerceu mandato de Deputado Estadual no período de 3 de janeiro de 1997 a 2 de abril de 1998, e, ainda, tomou posse em 15 de março de 2003 para a 15a

Legislatura com término aprazado para 14 de março de 2007 (Vol. 56 - fl 12 752)

Por acórdão datado de 28 de abril de 2003 (Vol. 56 -fls 12 764/12 759), a Egrégia 2fl Câmara Criminal declinou de sua competência para este Órgão Especial, cujo feito, distribuído a este relator (em 7/8/2003) CVóí. 56-f l 12 768) y S

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No período anterior e no de 26 de novembro de 2003 (Vol. 56 — fl 12 772) a 7 de janeiro de 2005 (Vol. 56 - fl 12 831), houve inúmeras baixas dos autos à cartório para juntada de documentos, manifestação de interessados, do acusado e do Ministério Público, e novas e reiteradas conclusões Porém, nesses períodos, tanto quanto possível, nas conclusões havidas, dedicou, o relator, ao exame e estudo dos autos do processo, que compreende 133 volumes (sendo 56 principais e 77 apensos), constituído de uma variedade inusitada de documentos, testemunhos, interrogatórios, sentenças de pronúncia e do Júri, acórdãos, etc, razões de apelação do réu e contra-razões do Ministério Público, analisados percucientemente para a formação do convencimento e elaboração do voto

2-Como se depreende dos autos, o Tribunal do Júri, considerando, o acusado, Ubiratan Guimarães, incurso no artigo 121, caput, 102 (cento e duas) vezes, combinado com o artigo 23, inciso HI, e, ainda, artigo 121, caput, combinado com o artigo 14, inciso n, por 5 (cinco) vezes, todos do Código Penal, condenou-o a cumprir 632 (seiscentos e trinta e dois) anos de reclusão, a ser iniciado no regime fechado, contra a qual insurge, o réu, através do seu recurso de apelação (cf Vol. 56 - fls 12 539/12 586)

Dúvida não resta de que o referido recurso foi recebido nos seus curiais efeitos: suspensivo e devolutivo (cf Vol. 56 - fl 12 609)

Conquanto a apelação tenha o efeito devolutivo, como se sabe, o pnncípio tantum devolutum quantum appellatum sofre, no que tange à sua aplicabilidade, sensível restrição no procedimento instaurado perante o Júri quando o recorrente impõe limitação material no âmbito do recurso (STJ - HC 17 890-RJ - Rei Min JORGE SCARTEZZINI - 5a T )

Com efeito, segundo a jurisprudência predominante do Colendo Supremo Tribunal Federal, consubstanciada na Súmula 713, o efeito devolutivo da apelação, contra decisões do Júri, é adstrito aos fundamentos da sua interposição

Vale dizer, o recurso de apelação, nas causas penais submetidas ao Júri, tem, sua cognição, pelo Tribunal ad quem, limitada aos motivos unicamente invocados na petição recursal

Nessa conformidade, tendo, o recurso de apelação contra decisão do Júri, caráter restrito, o Tribunal ad quem só pode conhecer das alegações suscitadas na irresignação (STJ - HC 13 852-GO - Rei Min GILSON DIPP - 5a

T)

Na espécie dos autos, o réu-apelante, em suma, argui nulidades processual s e, no mérito, sustenta que o resultado do j ulgamento foi-manifestamente contrário à prova dos autos (cf Vol. 56 - fls 12 539/12^6), que, eventualmente, reconhecida, levaria à sua absolvição \s

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Posto isso, cabe, primeiramente, examinar a matéria preliminar articulada

Diante das razões recursais, é de se concluir, em tese e inexoravelmente, que a justiça penal não se realiza a qualquer preço Entretanto, na busca da verdade, existem limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados (STF - A Pen 307-3-DF - Rei ILMAR GALVÃO - T Pleno - 1 3 12 94), e, tampouco, eivados de nulidades, envolvendo, no processo penal, as omissões essenciais ou meramente formais

As nulidades, qualquer que lhes seja a natureza, têm de causa determinante, no mundo das realidades, a inocorrência de fato ou fatos essenciais previstos em regra jurídica Não é imaginação de ninguém (STF - HC 59 272-4-RJ-Rel Min FIRMINO PAZ - 2a T - J 5 2 82 - Un ) (DJU, 12383, p. 1 865)

Entretanto, segundo a justa advertência de ilustre processualista italiano, "um bom direito processual penal deve limitar as sanções de nuhdade àquele estrito mínimo que não pode ser abstraído sem lesar legítimos e graves interesses do Estado e dos cidadãos" (Exposição de Motivos do CPP - As nulidades -XVII)

Inúmeros, são, os princípios que regem o instituto da nuhdade, dentre eles: a) só deve ser proclamado quando acarretar prejuízo (CPP , art 563), b) ao arguir-se nuhdade, dever-se-á indicar, de modo objetivo os prejuízos correspondentes, com influência na apuração da verdade substancial ou real e reflexo na decisão da causa (CPP, art 566), c) impossibilidade de ser arguida pela parte que haja dado causa ou concorrido para o ato (CPP , art 565), d) em princípio, as nulidades consideram-se sanadas, por inércia da parte, se não forem arguidas no tempo oportuno (CPP, arts 571 e 572) (STJ - RHC 1 267-CE - Rei Min VICENTE CERNICCHIARO - 6a T - J 13 8 91 - Un - DJU, 2 9 91, p 11 820, HC 8 414-RS - Rei Min VICENTE LEAL - 6a T - J 6 5 99 - Un -DJUn 102-E,31 5 99, p 189)

No caso dos autos, sustenta, a digna defesa, a nul idade do processo (assim nominada Ia nulidade), que envolve a pronúncia do réu-apelante, que, à época, exercia o mandato de deputado estadual (Vol. 56 - fl 12 542)

Por certo, encerra, a questão, a competência pela prerrogativa de função, maténa intimamente associada ao postulado do Juiz natural, e, à evidência, constitui expressiva garantia de ordem processual

Em verdade, a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece, e, sobretudo, garante, no artigo XI, n. 1, que "Todo ser humano, acusado de um ato delituoso, tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à

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sua defesa"

Cumpre lembrar que as Constituições do Brasil, desde a primeira, promulgada em 25 de março de 1824, fundam-se, como é natural, na essência dos regimes democráticos, e reafirmam esses direitos, erigidos como garantia dos direitos individuais, dentre os quais, sobreleva o princípio do devido processo legal, que remonta à Magna Charta Libertatum, de 1215

Aliás, a esse respeito, a Constituição da República, em vigor, no artigo 5o, expressamente, prescreve inciso "LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal", e, ainda, no inciso "Lm - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente"

Inovando, a Carta Magna, explicitamente, refere ao devido processo legal, e, ainda, ao processo e julgamento pela autoridade competente, consagrando, destarte, a competência funcional, matérias, essas, intimamente ligadas aos princípios e formas do direito processual penal, que cuidam e disciplinam, por exemplo, nos capítulos concernentes ao foro por prerrogativa de função (CPP, art. 84) e ao juiz natural (Const. Est-, art. 74,1)

E essas cláusulas se destacam, na espécie dos autos, mormente por envolver, dentre os imputados, um Deputado Estadual

À propósito, cabe observar que, no Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, subsiste jurisprudência predominante, consubstanciada na Súmula 69, no sentido de que:

"Em processos de crimes dolosos contra a vida, os princípios da continência e da conexão não vigoram nos feitos de competência originária quando só um dos acusados goza do foro privilegiado, devendo o processo ser desmembrado para que os demais acusados sejam julgados pelo Tribunal do Júri."

De fato, acerca da competência originária para o processo penal, a Lei Processual Penal estabelece

"Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade "

Segue-se, pois, que a definição constitucional e legal das hipóteses de prerrogativa de foro ratione muneris representa elemento vinculante da atividade de persecução criminal do Poder Público. É que o Estado não pode desconsiderar essa garantia constitucional básica que predetermina, em abstrato,

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os órgãos judiciários investidos de competência funcionai para a apreciação de litígios penais que envolvam determinados agentes públicos (STF - HC 73 801-0-MG - Rei Min CELSO DE MELLO - Ia T - J 25 6 96 - Un )

A evidência, essa manifestação junsprudencial consubstancia o devido processo legal relativamente ao juiz natural

Realmente, a Excelsa Corte de Justiça já teve oportunidade de proclamar que "A consagração constitucional do princípio do juiz natural (CF, art 5o, LIII) tem o condão de reafirmar o compromisso do Estado brasileiro com a construção das bases jurídicas necessárias à formulação do processo penal democrático O princípio da naturalidade do juízo representa uma das matrizes político-ideológicas que conformam a própria atividade legislativa do Estado, condicionando, ainda, o desempenho, em juízo, das funções estatais de caráter penal-persecutóno A lei não pode frustrar a garantia derivada do postulado do juiz natural Assiste, a qualquer pessoa, quando eventualmente submetida a juízo penal, o direito de ser processada perante magistrado imparcial e independente, cuja competência é predeterminada, em abstrato, pelo próprio ordenamento constitucional " (STF - HC 73 801-0-MG - Rei Min CELSO DE MELLO - Ia T - J 25 6 1996-Un)

Na hipótese dos autos, nos termos do ofício de fl 12 588 (cf Vol. 56), o Senhor UBIRATAN GUIMARÃES exerceu o mandato de Deputado junto à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo no período de 3 de janeiro de 1997 a 3 abril de 1998, e, ainda, de Io de fevereiro a 9 de março de 1999 (data em que se expediu o ofício em apreço)

Ocorre que, nos períodos supra mencionados, em oportunidade alguma, o réu-apelante ou seu digno advogado, — como era de seu dever e por força dos princípios da eventualidade e da lealdade —, comunicou o Juízo de Direito de que se encontrava no exercício do mandato de Deputado Estadual Demais, em 22 de março de 1999, quando esta Corte de Justiça, por venerando acórdão, confirmou a respeitável sentença de pronúncia, o réu-pronunciado, ora apelante, já não mais exercia o mandato legislativo, e diante do princípio da imediatidade (posto tempus regit actum), a matéria superada já estava, e, destarte, preclusa

Aliás, na esteira da jurisprudência, a prerrogativa de foro perde a sua razão de ser, deixando de incidir e de prevalecer, se aquele contra quem foi instaurada a persecução penal não mais detém o ofício público cujo exercício representava o único fator de legitimação originária, mesmo que a prática delituosa tenha ocorrido durante o período de atividade funcional (TJSP - Den 47 042-0/5 - Rei Des MOHAMED AMARO - Órgão Especial - J 22 3 2000 -Un)

Ainda, apenas para efeito de argumentação, desse venerando acórdão (confírmatóno da sentença de pronúncia) a digna Defesa, quedandf>se

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inerte, não ofereceu qualquer impugnação recursal sob a pretensa alegação de incompetência, que eventualmente vislumbrasse, ante a perspectiva de prerrogativa de foro ratione munens, que, sabidamente, constitui elemento vinculante da atividade de persecuçâo criminal desenvolvida pelo Poder Público

Assim, obtemperando a jurisprudência, não é jurídico nem moral prevalecer-se o réu de nuhdade para a qual concorreu com o seu silêncio, deixando de argui-la oportunamente, e, em seu favor, evidentemente, não se decreta nuhdade (RT 554/349)

Diante dessas premissas e, sobretudo, da situação fática constante dos autos, não se compreende que alguém, como o réu-apelante, tenha dado causa ou provocado a irregularidade e venha, aqui e agora, especular com ela, e, ainda, investir-se no direito de pleitear a pretensa nuhdade

Posto isso, tem-se que os atos anteriores, realizados sob o prisma do contraditório e da ampla defesa, afiguram-se, em princípio, legítimos, mormente por não terem afrontado mandamento legal algum, influído na apuração da verdade real e, sobretudo, na decisão da causa, destarte, rejeita-se a preliminar respectiva

Argui, ainda, a Digna Defesa, a nuhdade do processo (assim nominada 2a nulidade) porque o réu-apelante foi submetido a julgamento antes dos co-réus acusados de autoria material e imediata nos crimes de homicídio consumado e tentado (Vol. 56 - fl 12 548)

O Código de Processo Penal, a despeito de proclamar a regra da unidade de processo nas hipóteses de conexão ou de continência, no seu artigo 80, assegura ao magistrado a faculdade de separar os autos ao afenr, em seu juízo de conveniência, a existência de motivo relevante que restaria por entravar a instrução processual, em prejuízo para a apuração da verdade real (STJ - RHC 8 223-RO - Rei Min VICENTE LEAL - 6a T - J 15 4 98 - Un ) (DJU n 87-E, 105 99, p 231)

Em assim sendo, na hipótese em apreço, a separação dos autos se deu exatamente porque o co-réu Ubiratan Guimarães passou a exercer o mandato de Deputado Estadual, o que determinou a modificação da competência em razão da prerrogativa de função (cf CPP , art 84), informando, destarte, a competência originária desta Corte de Justiça

À propósito, lembra o Órgão do Ministério Público "Essa situação foi, pois, provocada pela própria opção do apelante, quando resolveu seguir carreira política " (cf Vol. 56 - fl 12 623) "Durante o exercício desse mandato foi solicitada à época a prévia autorização objetivando a retomada do curso normal da ação penal proposta contra o apelante " Como "tal autorização ( ) nunca foi dada pela Assembléia Legislativa estadual (cf Vol. 38 - oficio de fl 8 167, reiterado pelo de fl 8 168) importando, obviamente, num descompassa

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entre o curso da ação penal dos demais co-réus e do apelante Tal descompasso, em razão dos autos desmembrados relativos aos demais réus já se encontrarem em fase procedimental em que não havia possibilidade de reunião, acabou por determinar que o feito em relação ao apelante ganhasse ritmo mais célere, notadamente em função do número de réus e respectivos defensores existentes nos autos desmembrados" (cf Vol. 56 - fls 12 622/12 623)

A evidência, essa determinação da separação do processo está em harmonia, essencialmente, com a fundamento na Lei 8 038, de 1990, que tem aplicação nos Tribunais de Justiça, por força da Lei 8 658, de 1993

Cabe enfatizar que, no julgamento do RHC n 8 223, de que foi relator, o Ministro VICENTE LEAL, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça teve oportunidade de proclamar que, em caso de desmembramento do processo, não consubstancia constrangimento ilegal o julgamento realizado pelo Tribunal do Júri enquanto pendente de apreciação recurso interposto por co-réu (DJTJ n 87-E, 10 5 99, p 231)

Demais, não se acolhe nulídade que não tenha influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa, à ausência de prejuízo, e, ainda mais, inexistindo sobre o ponto, qualquer impugnação no momento oportuno (TJRJ - Ap Cr 9 426-RJ - Rei Des RAPHAEL CIRIGLIANO FILHO - 3a C Cr - J 4 10 82 - Un ) Com efeito, a termo legal (CPP , art 563), não há nulídade sem prejuízo (ne pas de nulhté sans grief) E esse prejuízo, à evidência, não foi suficiente e eficientemente demonstrado pelo réu-apelante

Por todos esses motivos, rejeita-se, igualmente, a respectiva preliminar

Argui-se, ainda, a nulídade do julgamento (assim nominada 3a nulídade) Referindo-se aos quesitos 3 e 4, sustenta, a digna Defesa "Os jurados negaram que o apelante tenha agido com dolo " Portanto, o réu-apelante "( ) não poderia ser submetido a julgamento pelos jurados, incompetentes ratione matenae " (Vol. 56 - fls 12 550 e 12 554)

Em verdade, a competência do Júri é estritamente determinada pelo fato E, nos julgamentos, especialmente, no Tribunal de Júri, sobreleva a rigorosa observância da garantia da plenitude de defesa (CF, art 5o, inciso XXXVTII, alínea a\ assim, também, de acusação, para cujo exercício impõe-se absoluta cautela na formulação dos quesitos, de modo a evitar dúvida, confusão ou perplexidade na formação do juízo de certeza pelos integrantes do Conselho de Jurados (STJ - REsp 241 676-GO - Rei Min VICENTE LEAL - 6a T - J 7 3 2 0 0 2 - U n )

Conquanto, juiz (juiz de fato), o jurado só julga fatos Entretanto, o Tribunal do Jún julga de íntima convicção, não extenonzando seus' fundamentos Realmente, não é dado, ao jurado, fundamentar seu convencimento,

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externando os motivos de sua convicção Bem, por isso, o seu convencimento é demonstrado, simplesmente, pelo voto, e, este voto é externado pela faculdade de optar por um dos singelos vocábulos: sim ou não

Daí a necessidade de serem, os quesitos, redigidos da maneira mais simples possível O questionário deve ser apresentado em proposições simples e bem distintas, — evitadas as de caráter genérico —, e formuladas as questões de cunho objetivo, que não gerem dúvida ou perplexidade

Convém destacar que o Código de Processo Penal, no artigo 484, especifica, detalhadamente, todas as cautelas, consubstanciadas em regras, que devem ser observadas na formulação dos quesitos, a fim de que não se crie confusão ou dúvida no espírito dos jurados e, tampouco, ensejem contrariedades em suas respostas e prejuízo às partes, maculando, destarte, o julgamento

Bem por isso, recomendava GALDINO SIQUEIRA: "Os quesitos devem ser formulados com a maior clareza, em proposições simples e distintas, usando-se os próprios termos da lei penal ( ), o juiz presidente não pode substituir estes termos, por maior que seja a sinonímia, a equipolência ou a analogia" (m CURSO DE PROCESSO CRIMINAL, ed 1930, pág 484) E, JOÃO MENDES acrescentava: "Os quesitos devem ser formulados com os mesmos termos das leis definidoras do fato punível e das circunstâncias" (in O PROCESSO CRIMINAL BRASILEIRO, ed 1911, Vol 2o, pág 366) (RT 619/377)

"Não se veja nisso um excesso de rigor, — replica MORAES MELO JÚNIOR —, e sim uma salutar garantia de justiça, pois, em matéria penal, que é por excelência strictijuns, às vezes, o emprego de uma expressão em lugar de outra, que vulgarmente se considera equivalente, pode dar cabimento a diversidade de compreensão" (m QUESTIONÁRIO DO JUIZ, n 51) (RT 619/377)

De fato, o Código Penal, além de definir os crimes segundo tipos fechados de conduta, na Parte Geral, usa o mesmo sistema restrito para fixar os conceitos e princípios gerais que ordenam (na Parte Geral) a aplicação da lei penal: e os tipos são formulados sempre, até nos crimes omissivos, em forma positiva

E, atento a essas premissas legais e doutrinárias, cabe observar que o dolo, na sua configuração eventual, é conceituado em forma de proposição, e não, em forma negativa Realmente, prescreve, o Código Penal, quanto ao concurso de agente, artigo 29, que "Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade", e, no artigo 18, inciso I, que o crime é "doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo", e, ainda, quanto à relação de causalidade, nos termos do artigo 13, "O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou

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omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. § Io A superveniencia de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou. § 2o A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado" (sem negrito ou itálico, no Código)

E, na hipótese dos autos, esta é a redação dos questionados quesitos:

Quesito 3 - "O acusado UBIRATAN GUIMARÃES concorreu para o crime narrado nesta série, na medida em que decidiu pelo início da operação que resultou na invasão da Casa de Detenção de São Paulo, sem medir ou melhor avaliar da necessidade e conseqüências de tal conduta, ordenando que seus comandados, conhecendo a violência com que alguns destes atuam, munidos de armas de grande poder de fogo, lá ingressassem, assumindo, assim, o risco de produzir a morte da vítima?" (Vol. 55 - fl 12 294)

Quesito 4 - "O acusado UBIRATAN GUIMARÃES, após iniciada tal operação, quando já se desenhava o resultado desta, face as rajadas de metralhadoras efetuadas, concorreu de qualquer modo para o crime, na medida em que omitiu-se em determinar que seus subordinados cessassem tal conduta, contribuindo para que o resultado morte se produzisse?"(Vol. 55 - f l 12 294)

Infere-se que, tal como se apresentam, esses quesitos (ora impugnados), a sua formulação está em consonância com as premissas doutrinárias, junsprudenciais e, sobretudo, legais (CPP, art 484 e incisos), versando, essencialmente, sobre fatos, circunstâncias e dehneamento essencial de conceitos jurídicos

Demais, a quesitação em apreço não se afastou do libelo-cnme acusatóno, oferecido contra o acusado (cf Vol. 46 - fl 10 322), e, demais, encontra-se em consonância com o que foi debatido e discutido, nos autos, e sobretudo, em Plenário, acerca da sua conduta, sem inovar ou surpreender, a ponto de causar perplexidade aos jurados

Na expressão da digna Defesa, esses dois quesitos "indagavam sobre a co-autoria que, tem que ser, sempre, dolosa, nos cnmes de competência do Tribunal do Júri Ocorre que o primeiro quesito sobre a co-autona, o Quesito n 3, do questionário, descreve explicitamente e tecnicamente uma conduta CULPOSA, e não dolosa ( ), descreve uma conduta típica de CULPA STRICTO SENSV, na pior das hipóteses, de CULPA CONSCIENTE "' Diz-^e,

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ainda, que o quesito "( ) NÃO MENCIONA que o Apelante ACEITOU O RESULTADO PREVISTO Se assim fosse seria o caso de dolo eventual O quesito afirma que o Apelante agiu "SEM MEDIR OU MELHOR AVALIAR da necessidade e conseqüências de sua conduta Essa afirmação — SEM MEDIR OU MELHOR AVALIAR ( ) indica ação com falta de cuidado, atenção ou prudência, que caracterizam uma conduta CULPOSA. Não adianta estar escrito no Quesito que o Apelante ASSUMIU O RISCO DE VIR A PRODUZIR A MORTE DA VÍTIMA É que também na culpa consciente — prossegue a digna Defesa — o agente corre o nsco de produzir o resultado, embora o rejeite ( ) Vale dizer (com base no texto do Quesito), somente se o Apelante tivesse MEDIDO ou AVALIADO MELHOR as conseqüências de sua conduta (isto é, o RESULTADO que poderia advir de sua ordem), é que ele poderia ser acusado de ter ACEITO O RESULTADO (Dolo eventual) " (Vol. 56 - fls 12 550/12 552)

Entretanto, como muito bem lembrado pelo Ministério Público, a digna Defesa confunde "( ) o quesito relativo ao dolo eventual com o questionamento da culpa Em momento algum, se indagou dos senhores Jurados se o apelante havia agido com culpa, seja por imprudência, negligência ou imperícia, tampouco sustentado pela defesa em plenário Ao contrário, foram os senhores jurados indagados se o apelante assumiu o nsco de produzir o resultado com sua conduta, em estnta observância ao disposto no art 18, I, do Código Penal " Lembrou, ainda, o digno Promotor de Justiça que "Na oportunidade em que tal quesito (— vale dizer, o quesito 3 —) foi submetido à apreciação dos senhores jurados, a Culta Magistrada, que presidia a sessão, cumprindo a regra contida no artigo 479, do CPP, explanou de forma cnstalina o significado da pergunta e as consquências das respostas, no que, inclusive, atendeu a pedido da própria defesa' (cf Ata de Julgamento constante de fls 12 464 a 12 476 e 12 518/12 519-Vol. 55)

Pela singela dicção dos supra mencionados quesitos 3 e 4, concernentes à co-autoria, bem como ao dolo eventual, vê-se que a sua redação não se afigura imprecisa e, tampouco, tenha causado perplexidade

É bastante elucidativo o fato de que, no homicídio consumado bem como no tentado, nas séries Ia a 102a e 112a a 116a, respectivamente, formuladas uma para cada vítima, os jurados, sem perplexidade ou dificuldade de compreensão, responderam, invariavelmente, sim (pela votação de 4 a 3) ao quesito 3, reconhecendo que "o acusado, Ubiratam Guimarães, concorreu para o crime narrado ( ), na medida em que decidiu pelo início da operação que resultou na invasão da Casa de Detenção ( ) sem medir ou melhor avaliar da necessidade e conseqüências de tal conduta, ordenando que seus comandados, ( ) munidos de armas de grande poder de fogo, lá ingressassem, assumindo, assim, o risco de produzir a morte da vítima ?" (Vol. 55 - cf fls 12 434/12 453 e 12 454/12 455)

Dúvida não resta de que a expressão "( .) assumindo, assim, o risco de produzir a morte da vítima ( )" enquadra-se na conceituação te^al do

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crime doloso, que ocorre "quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo" (CP, art. 18, inciso I), identificando-se, nesta última figura, o dolo eventual Basta, portanto, que o agente tenha assumido, com o seu procedimento, o risco de produzir o resultado para a caracterização do dolo eventual, que aliás, não se confunde com a culpa consciente, posto que, nesta, o agente não quer o resultado, nem assume, deliberadamente, o risco de produzi-lo, apesar de sabê-lo possível, acredita sinceramente poder evitá-lo, o que só não ocorre por erro de cálculo ou por erro de execução Segue-se, pois, que, a culpa consciente é caracterizada por uma espécie de imprevisão exacerbada do agente, que, conhecendo o risco envolvido em sua conduta, não o aceita, acreditando poder evitá-lo (TJSP - RSE 182 493-3 - Rei Des CHRISTIANO KUNTZ - 5a C Cr -J 7 12 95 - Un) (Trecho do ac) (RT 728/531)

Assim, colocando-se na perspectiva da vontade, no dolo eventual, assumindo o risco, o agente prevê o resultado como provável ou possível e aceita ou consente sua superveniência

Nessa ordem de idéia, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça teve oportunidade de enfatizar que "O dolo eventual, na prática, não é extraído da mente do autor mas, isto sim, das circunstâncias Nele, não se exige que resultado seja aceito como tal, o que seria adequado ao dolo direto, mas isto sim, que a aceitação se mostre no plano do possível, provável" (STJ - REsp 249 604-SP -Rei Min FELDC FISCHER - 5a T - J 24 9 2002 - Un)

Diante dessa digressão já se percebe que dolo e culpa, — e, pois, dolo eventual e culpa consciente —, são figuras distintas com conceitos jurídicos, também, diferentes

E, ainda, em face do contexto do quesito 3, a expressão "( ) sem medir ou melhor avaliar da necessidade e conseqüências de tal conduta ( )", longe de significar uma espécie de imprevisão exacerbada do acusado, não se identifica com a conduta culposa, vislumbrada pela digna Defesa (Vol. 56 - fl 12 554)

Resultou da votação afirmativa do referido quesito 3, que os jurados jamais admitiram que o acusado "( ) agiu com culpa strictu sensu*" (consubstanciada no comportamento que eventualmente configurasse a negligência, ou a imprudência ou a imperícia), — como, equivocadamente, sustentado pelo seu digno Defensor Porém, diversamente, afirmaram, pela votação de 4 x 3, que, o réu, "( ) ordenando que seus comandados, ( ) munidos de armas de grande poder de fogo, lá ingressassem, assumindo, assim, o risco de produzir a morte da vítima ( )", reconhecendo, desta forma, que ele agiu com dolo eventual

Ora, se a assunção do risco de produção do resultado é mais do que evidente, não há que se falar em culpa consciente y<

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Por outro lado, coerentes com a formação de sua convicção, os jurados, respondendo ao quesito 4, relativamente ao homicídio consumado, nas séries Ia a 102a (pela votação de 3 a 4) (Vol. 55 - cf fls 12 434/12 453) e, também, ao tentado, nas séries 112a a 116a (pela votação de 2 a 5) (Vol. 55 - cf fls 12 454/12 455), negaram que o "( ) acusado Ubiratan Guimarães, após iniciada tal operação, quando já desenhava o resultado desta, face as rajadas de metralhadoras efetuadas, concorreu de qualquer modo para o crime, na medida em que omitiu-se em determinar que seus comandados cessassem tal conduta, contribuindo para que o resultado morte se produzisse ( )"

Sem embargo disso, procurando interpretar essa votação, entrevê, equivocadamente, a digna Defesa que "( ) os jurados NEGARAM que o APELANTE, omitiu-se Portanto, NEGARAM A CONDUTA DOLOSA " E, ainda, segundo a digna Defesa, os jurados afirmaram, no quesito 3, por 4x3, que o réu-apelante não mediu ou não avaliou melhor o resultado (conduta culposa), porém, no quesito 4, afirmaram, por 4x3 (série dos homicídios) e por 5x2 (séne das tentativas), que o réu não se omitiu para fazer cessar a ação de seus subordinados E, conclui "É, portanto, INCONTESTÁVEL que o JURADOS NEGARAM A CONDUTA DOLOSA DO APELANTE" (Vol. 56 - fls 12 553/12 554)

Cumpre ressaltar que, quando interrogado perante o Juízo de Direito da Vara do Júri (cf Vol. 49 - fls 11 010/11 030), o acusado deu, aos fatos, versão semelhante àquela, oferecida na Justiça Castrense, porém, com mais esclarecimentos À indagação, formulada pelo digno Magistrado: "Havia condição, em caso de, ouvindo essas rajadas de metralhadora, dar ordem para que fosse parada a atuação'?", respondeu, o acusado "Não tinha como, mesmo com o equipamento de rádio, naquela hora não se houve nada, porque num ambiente fechado, com laje e o barulho do fogo, não Excelência, não consegue. Se perguntar quem estava no quarto andar, terceiro, não havia como, e eu também não sabia o que estava acontecendo. ( ) Não houve como eu dar qualquer ordem, se eu não conseguia chegar até eles." "E o senhor preferia a morte?", perguntou-lhe, ainda, o Juiz, tendo, ele, respondido "Nunca. O que a gente sempre aprendeu na vida é salvar pessoas. ( ) '"(cf Vol. 49 - fls 11 010/11.028).

É intuitivo que, no homicídio, somente irá se caracterizar o dolo eventual se o agente, no momento da realização do fato e não obstante a sua previsão do resultado morte como possível, não renuncia à sua conduta, conforme interpretação do artigo 18, inciso I, 2a parte, do Código Penal (TJSP - Ap 213 944-3/7 - Rei Des DANTE BUSANA - 5" C - J 17 9 98 - V M) (RT 761/575)

Por certo, na expressão do Órgão do Ministério Público "A conclusão da defesa encerra, 'permissa venia\ um grande sofísma, em flagrante desrespeito ao bom senso e ao lógico raciocínio jurídico " (Vol. 56 - fl 12 62£)

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"Com efeito, — segundo, ainda, as contra-razões do Ministério Público —, explicado aos senhores Jurados que, ao responderem afirmativamente o quesito n 03, já haviam reconhecido a participação do apelante dos crimes que lhe eram imputados uma vez que agira com dolo eventual, foi indagado dos mesmos se a omissão do apelante, que seguiu à conduta comissiva era ou não relevante, tendo os mesmos, respondido negativamente a tal indagação Ora, é evidente que tais quesitos se referem a momentos fáticos distintos, a conduta comissiva relativa ao dolo eventual diz respeito ao desrespeito aos planos de contenção de rebeliões da Polícia Militar, com o emprego de tropas e armamentos não indicados para aquela operação, e ao resultado antevisto e aceito pelo acusado, já a conduta omissiva, diz respeito à ausência de ordem do apelante para, já iniciadas as agressões indevidas, fossem as mesmas cessadas ( ) Cumpre ressaltar, também, que os dois momentos distintos tratados em quesitos diferentes se referem, por óbvio, a disposições penais diferenciadas, como já dito, o dolo eventual é conceituado no artigo 18, inciso I, do Código Penal, e a omissão penalmente relevante, no artigo 13, do mencionado 'codex' " (Vol. 56 - fl 12 628)

Por derradeiro, como bem enfatizado pelo digno Promotor de Justiça "Também não há que se cogitar de nuhdade em face da votação positiva ao 3o quesito e negativa ao 4o quesito Tal situação era perfeitamente esperada dos senhores jurados, que, logicamente, não poderiam aceitar uma conduta comissiva e ao mesmo tempo entendê-la omissiva" (Vol. 56 - fl 12 628)

Em verdade, diante do contexto fático-probatóno dos autos, a ilação que se tira é que as respostas externadas pelos jurados, a esses quesitos, não se afiguram ímtas, posto que estavam, eles, a par de todas as circunstâncias quando se puseram a respondê-los, e, lícito não é, presumir, neles, a falta daquele mínimo de inteligência de que se necessita para compreender o que não se afigura induvidoso ou confuso

Ora, só se verifica nuhdade por defeito da quesitação quando evidenciada respectiva confusão por parte dos jurados (STJ - HC 10 244-MG -Rei. Min GILSON DIPP - 5a T - J 3 10 2000 - Un), o que, à evidência, inocorreu, no caso dos autos, ante o sentido inequívoco de suas respostas

Logo, se o hbelo-cnme acusatóno descreve a conduta do agente como partícipe do cnme de homicídio e o Júri, questionado sobre essa participação, responde sem revelar perplexidade, não se pode, ultenormente, arguir a nuhdade dos quesitos, sobretudo quando não tenha havido oportuno protesto contra sua formulação (STF - HC 68 247-2-DF - Rei Min SYDNEY SANCHES-laT - J 18 12 9 0 - U n )

À propósito, convém enfatizar que questionário e termo de julgamento são peças distintas Basta, que assim se entenda, a leitura dos artigc 479 e 480 do Código Processo Penal O questionário pertine à parte publicarão julgamento, enquanto que o termo deste, — consubstanciado na ata/—-, é

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essencial à sua fase secreta (TJSP - Ap 38 358 - Rei Des VASCONCELOS LEME-3 a C Cnm - J 13 2 53 -Un) (RT 210/91)

A mera alegação discordante da parte não se revela suficiente para descaracterizar o teor de veracidade que a ata de julgamento, enquanto registro processual, reflete (STF - HC 68 727-DF - Rei Min CELSO DE MELLO), valendo, assim, pelo que nela se contém

Com efeito, no caso dos autos, da ata do julgamento consta que a Juíza procedeu "à leitura dos quesitos a serem colocados em votação na sala secreta, quando cada qual seria explicado indagando às partes se tinham algum requerimento ou reclamação a fazer tendo o Dr. Promotor dito que ficasse consignado em ata seu protesto com relação ao quesito sobre a inexigibilidade de conduta diversa epela Defesa foi dito que discordava da menção da seguinte palavra "rajadas de metralhadoras" nos quesitos. Pela MMa Juíza foi dito que colocaria em votação a tese acerca da excludente supra legal de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa), afim de se evitar cerceamento de defesa e que manteria a frase impugnada pela Defesa, posto que estava de conformidade com o libelo e a r. sentença de pronúncia. A seguir, obtendo das partes a resposta de que não tinham mais nenhum requerimento ou reclamação a apresentar com referência ao questionário, a MM. Juíza declarou que o Tribunal iria proceder ao julgamento, recolhendo-se à Sala Secreta com o Conselho de Sentença, os Drs Promotores de Justiça, os Drs Defensores do réu e comigo, Escrivão, bem como os Oficiais de Justiça José Joaquim de Lima e Francisco José Moreira Ai, na Sala Secreta, com observância dos artigos 485, 486 e 487 do Código de Processo Penal, se procedeu à votação do questionário proposto, quando foi previamente explicado aos Srs. Jurados a significação legal de cada um dos quesitos, bem como, acolhendo aos pedidos das partes, foram devidamente esclarecidos acerca das respostas (sim ou não) que atenderiam às teses da acusação e da defesa, quando da votação de cada quesito. A seguir, lido e devidamente assinado o termo de votação e, em seguida, lavrada a sentença Voltando à Sala Pública, ai, às portas abertas e na presença das partes, a MM Juíza leu a sentença pela qual o réu UBIRATAM GUIMARÃES foi CONDENADO a cumprir ( )." (Sem negrito e itálico no original) (cf Vol. 55 - fl 12 475)

Depreende-se da leitura da referida ata de julgamento pelo Tribunal do Júri que não existiu protesto ou reclamação da defesa quanto à formulação dos supra mencionados 3o e 4o quesitos E ante o seu silêncio, tem-se como operada a preclusão

Portanto, relativamente aos quesitos 3 e 4, acima questionados, a ausência de reclamação ou de protesto da parte interessada, reveste-se de aptidão para gerar a preclusão de sua faculdade jurídica de arguir, no procedimento penal do Júri, qualquer nulidade porventura ocorrida A inexistência de reclamação ou de protesto assume, nesse contexto, irrecusável efeito preclusivo (STF - HC 68 727-DF - Rei Min CELSO DE MELLO) /

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Em verdade, protestos das partes, inclusive da Defesa, não se presumem Hão de ser especificamente lavrados, sob pena de a inércia de qualquer dos sujeitos da relação processual penal traduzir a consumação da preclusão da faculdade jurídica de protestar e de reclamar contra eventuais erros ou defeitos cometidos ao longo do julgamento ou da elaboração dos questionários (STF - HC 68 727-DF - Rei Min CELSO DE MELLO)

E, apenas para argumentar, ainda que defeito ou omissão ou vício algum tivesse havido, subsiste, na jurisprudência do Egrégio Superior Tnbunal de Justiça, o entendimento predominante de que eventual irregulandade na formulação dos quesitos, no procedimento do Tribunal do Júri, deve ser arguida no momento oportuno, antes do julgamento, sob pena de preclusão (STJ - HC 16 289-MG - Rei Min JORGE SCARTEZZIM - 5a T ) E, ainda, "Erro na formulação dos quesitos deve ser objeto de oportuno protesto e impugnação com o expresso registro na ata dos trabalhos do Jún" (STJ - HC 3 315-9-SP - Rei JESUS COSTA LIMA - 5a T - J 26 4 95 - Un ) (RT 722/540)

Realmente, já decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal que o momento oportuno para as partes manifestarem desconformidade com a redação dos quesitos é logo após os debates, sob pena de preclusão (STF - HC 81 890-1-RJ-Rel Min NELSON JOBIM-2 aT - J 20 8 2 0 0 2 - U n )

Assim, na esteira da jurisprudência da Excelsa Corte de Justiça, o protesto contra eventual irregularidade na formulação dos quesitos há que ser feito no momento adequado e constar da ata do julgamento, sob pena de preclusão (CPP, art 479) (STF - HC 81 906-1-RJ - Rei Min CARLOS VELLOSO - 2a T - J 27 8 2002 - Un )

E a lei processual estabelece o momento adequado para a alegação de eventual nuhdade Com efeito, no Plenário do Jún, concluídos os debates, em face do comando do artigo 479, do CPP, em seguida, lendo os quesitos, e explicando a significação legal de cada um, o Juiz indagará das partes se têm requerimento ou reclamação que fazer, devendo constar da ata qualquer requerimento ou reclamação não atendida Segue-se, pois, que, nos termos do artigo 571, inciso VIU, do CPP, as nuhdades deverão ser arguidas, as do julgamento em plenáno, em audiência ou em sessão do tnbunal logo depois de ocorrerem Nessa conformidade, a omissão, — face a preclusão (temporal) —, implica em não se reconhecer a nuhdade do ato processual

Assim, formulados os quesitos, são, os jurados, esclarecidos sobre a significação de cada um, indagando-se das partes se têm requerimento ou reclamação a fazer (CPP, art. 479), de sorte que os defeitos, de que por acaso se ressinta o questionário, encontram nessa ocasião o momento adequado a que sejam apontados, não havendo como admitir-se a impugnação somente feita após o advento da sentença condenatóna (STF - RJTJESP - Lex - 71/344) /

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Na expressão de HERMÍNIO ALBERTO MARQUES PORTO, "( ) é na oportunidade da leitura pública do questionário que as partes encontram (art 479 - final), sob pena de preclusão, oportunidade para protesto que deve, como todos os incidentes em Plenário ocorridos, ou acontecidos na sala secreta, ficar consignado em ata, assim para regular reconhecimento do aspecto em grau de recurso" (//? JÚRI, Malheiros Editores, 7a ed , 1994, pág 61)

Vale dizer que os quesitos devem ser impugnados pelas partes depois de sua leitura e explicação pelo Juiz Esse é o momento procedimental adequado para o Ministério Público e o réu reclamarem, sob pena de preclusão, quanto a eventual irregularidade na formulação dos quesitos (CPP, art 479) (STF - HC 68 727-DF - Rei Min CELSO DE MELLO)

Passada a oportunidade sem nenhum protesto, as eventuais nuhdades ficam sanadas (CPP, art 572, I e III), como já proclamou o Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 81 890-1-RJ, de que foi relator o Ministro NELSON JOBIM

Logo, às partes não é lícito alegarem defeitos do questionário, se a eles não se opuserem logo depois que ocorrerem Esse momento é, sem dúvida, o prefixado pelo artigo 479, do CPP Silenciando as partes, não se opondo ao questionário feito, lido e explicado, é porque aceitaram e se nulidade houver, terão concorrido para a sua verificação, circunstância que impede de invocá-la mais tarde, nos expressos termos do artigo 565, do citado Código (TJSP - Ap Cr 101 202 - Rei Des CUNHA CAMARGO - Ia C Cr - J 25 8 69 - Un) (RT 409/115)

Conforme se verifica da ata dos trabalhos, relativamente aos quesitos 3o e 4o, nenhuma das partes se manifestou quando a digna Magistrada, depois de ler o questionário, explicando a significação legal de cada proposição, indagando-lhes se tinham algum requerimento ou reclamação a fazer (cf Vol. 55 -fls 12 464/12 476)

Pelo que se depreende da prova pré-constituída dos autos, elaborados, lidos e explicados os quesitos aos jurados, deixou a Defesa de fazer qualquer reclamação ou protesto Vale dizer, concordou com os quesitos da forma como foram feitos

Assim, ainda que nuhdade houvesse, seria relativa, restando preclusa a questão, visto que, por ocasião do julgamento, perante o Jún, a Defesa não formulou, como se conclui pela leitura da respectiva ata, qualquer impugnação concernente aos questionados quesitos e, tampouco, insurgiu contra as respostas manifestadas pelos jurados

Demais, se, da leitura dos quesitos e das respostas dos jurados, não se vislumbra qualquer perplexidade, preclusa se acha a reclamação, pela via recursal, quanto ao modo que redigidos, nada tendo-se alegado

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no momen

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apropriado (art 479, CPP) (STJ - REsp 119 897-SP - Rei Min ANSELMO SANTIAGO-6a T - J 2 0 8 9 8 - U n )

Além de coberta pela preclusão, a toda evidência não pode, a Defesa, arguir a nuhdade do questionário, porque para ela teria concorrido, isso, nos expressos termos do artigo 565, do CPP Ora, se a Defesa concordou com a redação dos quesitos (cf Vol. 55 - fls 12 464/12 476), não os impugnando no momento próprio, evidentemente que, pela via recursal, não lhe cabe o direito de impugná-los ou questioná-los

Vê-se, portanto, que o estatuto processual e a sua interpretação jurisprudência] e doutrinária especificam o instante em que as nuhdades referentes aos quesitos devem ser apontadas

Entretanto, que as partes não protestaram quanto à eventual formulação irregular de quesito, seu silêncio sana o vício, se não for de tal gravidade que tenha levado o Conselho de Sentença a erro ou perplexidade (STF - RE 101 005-3-RJ - Rei Min MOREIRA ALVES - 2a T - J 5 6 84 - Un ), o que, por certo, não ocorreu na espécie dos autos

Assim, a ilação que se tira, diante da inércia da parte e a preclusão operada, que os quesitos, então impugnados, foram corretamente elaborados

E, produzindo os quesitos, como elaborados com observância do que foi discutido no processo e no Plenário do Tribunal do Júri e, oportunamente, explicados, sem requerimento ou reclamação das partes, conhecimento certo da vontade decisóna manifestada com segurança pelos jurados, como se depreende do exame de suas respostas, não há falar em nuhdade

Por oportuno, cabe enfatizar que somente é de se reconhecer a nuhdade do julgamento do Tribunal do Júri, por vício dos quesitos, quando estes não permitam se conheça a vontade dos jurados (STF - HC 56 972-MT - Rei Min SOARES MUNOS - Ia T - J 12 6 79 - Un) (RTJ 96/590) E, nos autos, essa manifestação de vontade dos jurados resplandece, inequivocamente, posto que suficientemente esclarecidos

À propósito, — na expressão do Doutor Promotor de Justiça —, "( ) confunde o í defensor o quesito relativo ao dolo eventual com o questionamento da culpa Em momento algum se indagou dos senhores Jurados se o apelante havia agido com culpa, seja por imprudência, negligência ou imperícia, tampouco sustentado pela defesa em plenário Ao contrário, foram os senhores jurados indagados se o apelante assumiu o risco de produzir o resultado com sua conduta, em estnta observância ao disposto no art 18, I, do Código Penal Na oportunidade em que tal quesito foi submetido à apreciação dos senhores jurados, a Culta Magistrada que presidia a sessão, cumprindo a regra do artigo 479, do CPP, explanou de forma cristalina o significado da pergunta e as conseqüências das respostas possíveis, no que, inclusive, atendeu a pedido da pró

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>na defesa Aj

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respostas, pois, dadas pelos Jurados ao quesito só agora impugnado, implicou, efetivamente, no reconhecimento de que a conduta do apelante foi informada por DOLO EVENTUAL " (cf Vol. 56 - fl 12 627)

E no âmago dessa questão, dolo eventual (chamado, também, de dolo indireto) há quando o agente assume o risco de produzir o resultado (CP, art 18,1, infine), e, a termo legal (CP, art 18,1, primeira parte), é equiparado a dolo direto, do qual não se faz distinção para fins de aplicação da pena

E assumir o risco significa prever o resultado como provável ou possível e aceitar ou consentir sua superveniência

Ao contrário do que ocorre no dolo direto, no dolo eventual a vontade do agente não se dirige propriamente ao resultado, mas apenas ao ato inicial, que nem sempre é ilícito, e o resultado não é representado como certo, mas só como possível Mas, o agente prefere que ele ocorra, a desistir da conduta (ANÍBAL BRUNO, in DIREITO PENAL, Vol I, Tomo 2, pág 73)

"Dessa forma, — escreve FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO — na hipótese do dolo eventual, não propende o sujeito ativo, direta e imediatamente, para a ocorrência do crime, mas voluntariamente o aprova e admite como possível, consentindo em seu advento Age e atua o agente em outra direção ou sentido, almejando a produção de determinado efeito, prevendo e sabendo, todavia, que, por desvio ou desvirtuamento de seu proceder, pode atingir bem jurídico que outorgará tonaiízação ao crime, conformando-se ele, entretanto, com essa possibilidade ( ) Vale dizer procede o sujeito ativo para a realização de outro fito, pretendendo obter efeito diverso daquele que constitui o crime, mas sabe e prevê como possível a ocorrência do resultado delituoso, preferindo, contudo, arriscar-se a produzi-lo, posicionando-se com indiferença e até aprovação relativas ao mesmo, do que deixar de concretizar a ação que a ele pode levar e conduzir" (//? DIREITO PENAL - PARTE GERAL - ESTRUTURA DO CRIME, ed LEUD, 1993, pág 385)

Na concepção de COSTA E SILVA, o dolo eventual é "o terreno em que entestam o dolo e a culpa" (in CÓDIGO PENAL, Vol I, ed 1943, pág 109)

Daí dizer-se que o dolo eventual está nos limites em que o dolo se confina com a culpa, por isso, muita semelhança e pontos de contato existem entre o dolo eventual — ponto extremo do dolo na degradação volitiva — e a culpa consciente — forma avançada da culpa na graduação da previsibilidade (JOSÉ FREDERICO MARQUES, in TRATADO DE DIREITO PENAL, Vol II, ed 2002, pág 229)

Assim, sutil a linha divisória entre o dolo eventual e culpa consciente, pois, em ambos sobressai um ponto comum, qual a previsão do resultado (FLÁVIO AUGUSTO MONTEIRO DE BARROS, in DIREITO PENAL

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- Parte Geral, Vol 1, ed Saraiva, 1999, pág 160) E, como resultado, deve-se entender a lesão ou perigo de lesão de um bem jurídico

E, conquanto o dolo eventual se aproxime da culpa consciente, dela se distingue porque nesta o agente, embora prevendo o resultado, como possível ou provável, não o aceita nem consente Não basta, portanto, a dúvida, ou seja, a incerteza a respeito de certo evento, sem implicação de natureza volitiva O dolo eventual põe-se na perspectiva da vontade, e não da representação, pois esta última pode conduzir também a culpa consciente (HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, in LIÇÕES DE DIREITO PENAL - PARTE GERAL - , 16a ed, 2004, pág 212)

E culpa consciente — também chamada culpa com previsão — ocorre quando o agente prevê que sua conduta pode levar a um certo resultado lesivo, embora acredite, firmemente, que tal evento não se realizará, confiando na sua atuação (vontade) para impedir o resultado (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, in CÓDIGO PENAL COMENTADO, RT, ed 2003, pág 144, n 69)

Assim, na culpa consciente, o agente realiza a conduta acreditando sinceramente que o resultado previsto não se realizará Atua, ele, descartando a hipótese de produzir o resultado

Entretanto, outra é a inspiração do agente, no dolo eventual O agente realiza a conduta sem afastar a hipótese de produzir o resultado ilícito

E, segundo a fórmula de FRANK, desenvolvida para a teoria positiva do consentimento, no dolo eventual o agente diz consigo mesmo: "seja como for, dê no que der, em qualquer caso não deixo de agir" (FLÁVIO AUGUSTO MONTEIRO DE BARROS, in DIREITO PENAL - Parte Geral, Vol 1, ed Saraiva, 1999, págs 160/161), vale dizer, não deixarei de produzir o resultado

Consta dos autos que o réu, ora apelante, UBIRATAN GUIMARÃES, Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo, atualmente, exercendo mandato de Deputado Estadual, junto à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, — daí o presente julgamento perante o Órgão Especial desta Corte de Justiça — "a) Assumiu o total comando da operação, sua Ia (primeira) fase, ordenando a invasão do Pavilhão 09 (nove), por parcela das tropas que lá compareceram, munidas de armas de grande poder de fogo, sem medir ou melhor avaliar da necessidade e conseqüências daquela ação conjunta Frise-se, ademais, que o réu conhecia perfeitamente a costumeira violência com que agiam alguns de seus comandados, mas mesmo assim admitiu que ingressassem no pavilhão O resultado na forma estabelecida pelo Coronel Ubiratan não poderia ser outro Assim, admitiu e aceitou o réu, o risco de produzir o danoso evento, anteviu o resultado e agiu Percebeu que era possível causar o resultado e não obstante, realizou o comportamento, e b) entre desistir da conduta, mesmo após iniciada a operação, onde já se desenhava a tragédia, com as rajadas das metralhadoras, etp<

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e causar o resultado, preferiu que este se produzisse" (cf Vol. 56 - fl 12 612, Vol. P - fls 63/64) Assim, "( ) sob o Comando do Cel UBIRATAN. os Policiais Militares, tresloucadamente e impelidos sob 'animus necandi' procederam à ocupação de todos os andares do Pavilhão, proferindo inúmeros disparos de projéteis de armas de fogo contra presos alojados no interior de celas e em trânsito desesperado pelos corredores Em verdadeira ação bélica, pois, os Policiais Militares, fortemente armados, desencadearam a maior matança já consignada mundialmente em um presídio", — assim enfatiza, o Órgão do Ministério Público (cf Vol. P - fl 30)

Assumindo, portanto, o nsco de produzir o resultado, aceitando-o como uma das hipóteses prováveis, atuando sem descartar a possibilidade de realizá-lo, concorreu, o réu-apelante, com dolo eventual, e não, com culpa consciente, ou, mesmo, com culpa strictu sensu, como, equivocadamente, quer e insiste a digna Defesa, desamparada de qualquer apoio fático-probatóno

"Por outro lado, — ainda, na expressão do Doutor Promotor de Justiça —, aduz o d defensor que a resposta negativa ao quesito n° 4, do questionário apresentado aos Jurados, referente à 2a (segunda) conduta imputada na denúncia, confirmada pela pronúncia, pela qual indagou-se aos membros do E Conselho de Sentença se o apelante se omitiu em determinar a seus subordinados que cessassem suas respectivas ações, significou que o apelante não agiu de forma dolosa, se constitui em mais uma paradoxal interpretação do íveredictum'> A conclusão da defesa encerra, 'permissa venia\ um grande sofisma, em flagrante desrespeito ao bom senso e ao lógico raciocínio jurídico Com efeito, explicado aos senhores Jurados que ao responderem afirmativamente o quesito n ° 03 já haviam reconhecido a participação do apelante dos crimes que lhe eram imputados uma vez que agira com dolo eventual, foi indagados dos mesmos se a omissão do apelante, que seguiu à sua conduta comissiva era ou não relevante, tendo os mesmos, respondido negativamente a tal indagação Ora, é evidente que tais quesitos se referem a momentos fáticos distintos, a conduta comissiva relativa ao dolo eventual diz respeito ao desrespeito aos planos de contenção de rebeliões da Polícia Militar, com o emprego de tropas e armamentos não indicadas para aquela operação, e ao resultado antevisto e aceito pelo acusado, já a conduta omissiva, diz respeito à ausência de ordem do apelante para, já iniciadas as agressões indevidas, fossem as mesmas cessadas Logo, não há que se confundir a ação perpetrada pelo recorrente e reconhecida pelos senhores jurados, com a posterior omissão que lhe foi imputada e disto extrai o esdrúxulo entendimento de que a resposta negativa a inação do apelante teria representado sua absolvição Cumpre ressaltar, também, que os dois momentos distintos tratados em quesitos diferentes se referem, por óbvio, a disposições penais diferenciadas, como já dito o dolo eventual é conceituado no artigo 18, inciso I, do Código Penal, e a omissão penalmente relevante no artigo 13, do mencionado 'codex' Também não há que se cogitar de nuhdade em face da votação positiva ao 3o quesito e negativa ao 4o

quesito Tal situação era perfeitamente esperada dos senhores jurados, que, logicamente, não poderiam aceitar uma conduta comissiva e ao mesmo tempo entendê-la omissiva. Aliás, o art 484, II, do Código de Processo Penal^

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justamente, vislumbrando a possibilidade da existência de circunstâncias que possam ser cindidas, determina que o Juiz possa separar os quesitos, desdobrando-os Assim, agiu com inteiro acerto a Douta Magistrada ao determinar o desdobramento dos quesitos relativos a participação do apelante Com isto, não resta dúvida de que os Jurados optaram por aceitar a conduta comissiva imputada ao apelante, rejeitando de outro lado a conduta omissiva, fato este perfeitamente lógico, em acordo com o contexto probatório e aceito pela jurisprudência em casos análogos Neste sentido, este E Tribunal de Justiça assim já se manifestou 'Na impossibilidade de fixação exata do acusado como autor material ou co-autor da infração, dadas as peculiaridades do caso, a formação de duas séries de quesitos, para que os jurados pudessem optar por uma delas, não acarreta a nulidade do julgamento por esse motivo' (TJSP - AC - Rei Carmo Pinto -RJTJSP 77/378 e RT 559/312) Neste mesmo sentido ver RT 470/330 Deste modo, não resta dúvida alguma que a tese esposada pela defesa é infundada, além de totalmente intempestiva fulminada que foi pela preclusão, baseada em interpretação errônea dos quesitos formulados, não podendo, pois, ser aceita a preliminar arguida " (cf Vol.56-fls 12 627/12 630)

Argui, ainda, a Digna Defesa, a nulidade do processo (assim nominada 4a nulidade) porque, na série relativa aos cnmes de homicídio, os jurados acolheram por 4 x 3 a tese de que "não era exigivel do apelante outra conduta, no momento dos fatos", e, na série referente aos cnmes de tentativa de homicídio, por 6 x 1, a tese de que o apelante agiu no estrito cumprimento do dever legal (Vol. 56 - fl 12 555)

Os jurados assim se pronunciaram ao responderem aos questionários das séries correspondentes ao:

Crime de homicídio consumado com relação à vitimas diferentes e séries diversas (Séries Ia a IIIa) (Vol. 55 - fls 12 294/12 427 e 12 434/12 454):

Quesito 5 - O réu praticou o fato no estrito cumprimento do dever legal, no exercício de suas funções para conter o conflito estabelecido9 Votaram: NÃO, por 3 x 4 .

Quesito 8 - Era exigível que se esperasse do réu conduta diversa da praticada, na situação em que o mesmo se encontrava, para que progredisse o referido conflito 9 Votaram: NÃO, por 3 x 4 .

Crime de homicídio tentado com relação à vítimas diferentes e séries diversas (Séries 112a a 116a) (Vol. 55 - fls 12 427/12 433 e 12 454/12 455):

Quesito 5 - O réu praticou o fato no estrito cumprimento do dever legal, no exercício de suas funções para conter o conflito estabelecido9 Votaram: SIM, por 6 x 1 . .

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Quesito 8 - Era exigível que se esperasse do réu conduta diversa da praticada, na situação em que o mesmo se encontrava, para que progredisse o referido conflito 9 Votaram: SIM, por 4 x 3 .

Diante das respostas dadas aos supra mencionados quesitos não se vislumbra a existência de qualquer vício e, tampouco, contradição ou respostas incompatíveis, pois, coerentemente, em séries diversas de quesitos e relativas à vítimas diferentes, no homicídio consumado, — votando NÃO —, negaram tivesse, o réu, praticado o fato no estrito cumprimento do dever legal, bem como, que era exigível, dele, conduta diversa da praticada, enquanto que, no homicídio tentado, afirmaram, — ao votarem SIM, reconhecendo a ocorrência dos fatos registrados nos referidos quesitos

Por outro lado, não se reconhece, também, contradição nas respostas dos quesitos supra declinados posto que a divergência apurada verifica-se em séries diversas de quesitos e relativas à vítimas diferentes, desde que é do íntimo convencimento dos jurados a identificação da co-autoria referente a uma das vítimas e rejeição quanto às demais, — como já decidiu esta Corte de Justiça, no julgamento da Apelação Criminal n 134 827, de que foi relator, o Desembargador ROCHA LIMA (RT 513/370) No mesmo sentido, a jurisprudência emanada do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (cf Ap Cr 433/68-Rei Des CARVALHO SE DCAS - Ia C Cnm - J 24 4 69) (RT 403/69, pág 338)

Rejeita-se, destarte, essa matéria preliminar

Alega, ainda, a Digna Defesa, a nulidade do processo (assim nominada 5a nulidade) em razão do descabimento dos quesitos sobre o excesso, ao fundamento da sua inexistência no estrito cumprimento do dever legal (Vol. 56 - fl 12 557) "Negar o quesito do estrito cumprimento do dever legal já significa, no mínimo, afirmar o excesso" (cf Vol. 56 - fl 12 560) Por outro lado, os jurados afirmaram "que não era exigível que se esperasse do réu conduta diversa da praticada na situação em que se encontrava" Não poderia haver excesso na conduta que já foi reconhecida (Vol. 56 - fl 12 563)

Assim, na concepção da Digna Defesa, aceitando a votação, para exame de mérito, restaria demonstrar que o réu-apelante não agiu com excesso Não excedeu o limite das excludentes (Vol. 56 - fl 12 576), posto que, provado está, nos autos, que o réu-apelante não disparou um tiro sequer, dentro do Pavilhão (Vol. 56 - fl 12 576) Logo, o excesso só poderia ser caracterizado a) pela própria ordem que ele deu para o ingresso da PM, ou b) pelo fato dele ter-se omitido em não impedir o resultado, após o ingresso da PM no Pavilhão (Vol. 56 - f l 12 577)

A hipótese "b" está afastada, pois, os jurados, diante do quesito 4, de todas as sénes, responderam que o réu-apelante "não se omitiu em determinar que cessassem as operações" (Vol. 56 - fl 12 577) /

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Restaria a hipótese "a", em que, segundo a Defesa, "surge uma contradição, também insuperável" (Vol. 56 - fl 12 577) "Se, ao dar a ordem, o Apelante estava no estrito cumprimento de dever legal e não seria exigível dele outra conduta, o excesso não pode estar na ordem que ele deu Ou ele tinha o dever legal de dar a ordem e não poderia esperar-se que tivesse outra conduta, ou ele não estava no cumprimento do dever e seria exigível dele outra conduta, isto é, não dar a ordem"

Em verdade, com as respostas atribuídas pelos jurados aos supra mencionados quesitos 5o e 8o, em séries diversas e relativas à vítimas diferentes, no homicídio consumado, — votando NÃO —, negaram tivesse, o réu, praticado o fato no estrito cumprimento do dever legal, bem como, que era exigível, dele, conduta diversa da praticada, enquanto que, no homicídio tentado, afirmaram, — ao votarem SEM, reconhecendo a ocorrência dos fatos registrados nos referidos quesitos, procedeu-se, em seguida, à votação dos quesitos sobre os excessos culposo e doloso:

Nas séries do Crime de homicídio consumado:

Quesito 6 - O réu excedeu culposamente os limites da excludente de estrito cumprimento do dever legal ? Considerado Prejudicado.

Quesito 7 - O réu excedeu dolosamente os limites da excludente de estrito cumprimento do dever legal ? Considerado Prejudicado.

Quesito 9 - O réu excedeu culposamente na conduta que lhe era exigível 9 Resposta negativa, pela votação de 3 a 4

Quesito 10 - O réu excedeu dolosamente na conduta que lhe era exigível ? Resposta, igualmente, negativa, por idêntica votação (3 a 4)

Nas séries do Crime de homicídio tentado:

Quesito 6 - 0 réu excedeu culposamente os limites da excludente de estrito cumprimento do dever legal ? Resposta negativa, pela votação de 3 a 4

Quesito 7 - O réu excedeu dolosamente os limites da excludente de estnto cumprimento do dever legal ? Resposta afirmativa, pela votação de 4 a 3

Quesito 9 - 0 réu excedeu culposamente na conduta que lhe era exigível ? Considerado Prejudicado

Quesito 10 - O réu excedeu dolosamente na conduta que lhe^era exigível ? Considerado Prejudicado

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Diante dessa quesitação e das respectivas respostas extenonzadas, entende, a digna Defesa, também, equivocadamente, que "Por terem os jurados acolhido as causas EXCLUDENTES DA CULPA e do CRIME, NÃO CABERIAM OS QUESITOS SOBRE O EXCESSO Não caberiam porque não pode haver excesso no ESTRITO cumprimento do dever legal ( ) A mesma argumentação vale para mostrar o descabimento da votação do quesito do excesso após terem os jurados reconhecido a causa supra-legal de exclusão de culpabilidade Os jurados, — prossegue, a digna Defesa —, por maioria de votos, decidiram que não era exigível que se esperasse do réu conduta diversa da praticada, na situação em que o mesmo se encontrava "(Vol. 56 - fls 12 557 e 12 562)

O artigo 23, do CP, cogita da exclusão da íhcitude (e não da criminalidade, antenormente adotada), vale dizer, das causas legais que licitam a conduta humana Constitui, a íhcitude, a relação de contranedade entre a conduta humana e as exigências do ordenamento jurídico, idônea a produzir a lesão ou a expor a perigo de lesão um bem jurídico devidamente protegido Dentre as causas excludentes de íhcitude, o Código Penal menciona o estnto cumprimento de dever legal (art 23, III, Ia Parte) Assim, um fato típico perde o seu caráter ilícito quando praticado no cumprimento de um dever legal

Entretanto, o estrito cumprimento do dever legal, como causa excludente de íhcitude, só merece aceitação se o agente agir estritamente, sem exorbitar-se (RT 517/295)

Sob esse enfoque, o cumprimento do dever legal somente é estrito quando não excede o limite racionalmente indispensável à sua realização, quer nos moldes como nos meios empregados A ação só será ajustada ao direito quando for observado o "arbítrio adequado ao dever", como ensina MAURACH Imprescindibihdade absoluta no uso dos meios e proporção, eis os precisos limites da excludente (HEITOR COSTA JÚNIOR, m ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL, RDP 19-20/113)

Com efeito, todo direito, como todo dever, é limitado ou regulado na execução Fora dos limites traçados pela lei, o que se apresenta é o abuso do direito ou excesso de poder (RT 486/277)

Quem se encontra em estnto cumprimento de dever legal não comete crime, mas, o agente deve manter-se dentro do estnto cumprimento do dever que lhe incumbe, poderá mesmo usar força, se tanto for preciso para que se cumpra o comando da lei, mas há de usá-la na medida do necessário, qualquer excesso penetra no domínio do ilícito punível (TACRIM - Ap Cr 320 721)

Nessa conformidade, responde pelo excesso o agente que exorbita no cumprimento da ordem

Por outro lado, a inexigibi 1 idade de conduta diversa, ewgida,

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também, na quesitação, — aliás, por solicitação da Defesa —, constitui, segundo a doutrina, causa supralegal de íhcitude ou de inculpabilidade

Conquanto não contemplada pela lei penal, a inexibilidade de outra conduta, como causa supralegal de exclusão da culpabilidade, é aceita pela doutrina e pela jurisprudência (TRF - Ap Cr 089529-9-SP - Reia Desa SYLVIA STEINER - 2a T - J 5 12 2000 -Un ) (Junsp AASP 2 234, p 2 003)

Entretanto, em relação a essa justificativa da inexigibilidade de conduta diversa (no caso dos autos, reconhecida, também, pelos jurados), há de se admitir, a exemplo do que ocorre com a supra mencionada excludente de íhcitude do estrito cumprimento do dever legal, há de ser usada na medida do indispensável, sob pena do agente responder pelo abuso eventualmente cometido

Enfim, em todas as justificativas é necessário que o agente não exceda os limites traçados pela lei Assim, todo e qualquer excesso deve ser havido como ilícito, ensejando, destarte, punição

Realmente, o Código Penal, no artigo 23, referindo às causas de exclusão de íhcitude, prescreve, no seu "Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo."

À propósito, esclarece DAMÁSIO E DE JESUS que "( ) no excesso doloso, o sujeito tem consciência após ter agido licitamente da desnecessidade de sua conduta Ele pressupõe tenha o agente, numa primeira fase, agido acobertado por uma descnminante Numa segunda, consciente de que, por exemplo, a agressão injusta ou a situação de perigo cessou continua agindo neste caso ilicitamente O excesso intencional leva o sujeito a responder pelo fato praticado durante ele a título de dolo (CP, art 23, par ún)"' (tn DIREITO PENAL, Parte Geral)

Por sua vez, lembra GIUSEPPE BETTIOL que "( ) excesso doloso ocorre quando, com plena consciência dos limites dentro dos quais se é autorizado a agir, estes são intencionalmente superados. Não há dúvida de que, nesta hipótese, o agente deve ser chamado a responder — pelo mais que consciente e voluntariamente ocasionou" {in DIRITTO PENALE, 12a ed, 1986, pág. 398)

Em assim sendo, os quesitos relativos ao excesso doloso e ao excesso culposo são de cogente formulação no questionário a ser apresentado aos jurados, pelo Juiz Presidente do Tnbunal do Júri, sempre que se argua a superação dos limites de qualquer das excludentes de íhcitude

De fato, à partir da Reforma Penal de 1984, tornou-se obrigatório o questionamento do excesso doloso ou culposo pelo Conselho de Sentença

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E, na expressão da jurisprudência ''De todo inaceitável, porém, o não questionamento da natureza do excesso, que impediu o exame integral da defesa do réu e constitui nulidade absoluta" (RJTJSP 109/423 e RT 682/318)

Portanto, ao contrário do que sugere a digna Defesa (Vol. 56 — fl 12 564), não só era cabível, mas, também obrigatório, o questionamento do excesso, e, por isso, rejeitada, fica, a respectiva preliminar de nulidade

E, finalmente, articula, a digna Defesa, a nuhdade do julgamento (assim nominada 6a nulidade), porque viciado o seu resultado diante da contradição e do ilogismo dos juizes leigos, enfatizando que "( ) a condenação do apelante não estava na intenção da maioria dos jurados" (Vol. 56 - fl 12 565) Refere, assim, que houve um "embaralhamento das respostas aos quesitos, e essa confusão acabou por levar a um resultado condenatóno que, evidentemente, a maioria dos jurados não queria " Assim, no quesito 1, sobre a autoria de terceiros, que perguntava se pessoas dispararam armas de fogo contra as vítimas, "alguns jurados chegaram ao absurdo de negar esse fato " No questionamento do quesito 1," das séries relativas aos homicídios, a respeito da ocorrência desses disparos, o resultado foi SIM, por 6x1 Portanto, "um jurado chegou a negar o óbvio, isto é, negou que houve disparos de arma de fogo dentro do Pavilhão 9 " Ainda, com referência ao quesito 1, das séries dos homicídios tentados, o resultado foi SIM por 4x3 Três jurados negaram absurdamente, que não houve disparos no interior do Pavilhão 9 " Como "o fato é incontroverso", "não podena haver discrepância na votação *' Essas respostas "deveriam ser dadas por unanimidade" O mesmo vício ocorreu com relação à resposta oferecida ao quesito 2, das séries referentes aos homicídios (Vol. 56 - fls 12 566/12 567) Impugnou, ainda, a Defesa, as respostas dadas aos quesitos 3, 4, 5 e 6, concluindo, que "o resultado é aberrante, diante do conjunto da votação" (Vol. 56 - fl 12 573)

Com relação aos quesitos 3, 4, 5 e 6, a matéria já foi examinada linhas acima E quanto aos demais, inexiste, no caso dos autos, a alegada contradição entre as respostas dadas aos quesitos 1 e 2

Nos termos do artigo 487, do CPP, após a votação de cada quesito, o Juiz Presidente, verificados os votos e as cédulas não utilizadas, determinará, ao escrivão, que registre, em termo especial, o resultado, declarados o número de votos afirmativos e o de negativos

Apenas para aclarar, cabe salientar que, no desenvolver da votação, poderá ocorrer que a resposta dada a determinado quesito se apresente em contradição com a já manifestada em relação a outros, e, desta forma, as respostas poderão estar em choque Nessa conformidade, e, ex vi do disposto no artigo 489, do CPP, se a resposta a qualquer dos quesitos estiver em contradição com outra ou outras já proferidas, o Juiz, explicando aos jurados em que consiste a contradição, submeterá novamente à votação os quesitos a que se referirem tais respostas Vale dizer, em razão da referida contradição, nas respostas dos juraclos^ proceder-se-á à renovação da votação de todos os quesitos relativos^a tais

Apelação Criminal n. 105.368.0/4-00 - São Paulo - Voto 2 0 . 6 5 6 / 7 48

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A

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

respostas

Louvável, esse procedimento legal, posto que, sobre respostas contraditórias, não há como, o Estado-Juiz, construir escorreita sentença

Por outro lado, cabe lembrar que, por força do disposto no artigo 488, do CPP, as decisões do Jún são tomadas por maioria de votos E, assim prevendo, não importa que essa maioria seja de apenas um voto (STF - Rev Cnm 4 757-0-PR - Rei Min CARLOS MADEIRA - Pleno - J 20 4 88 - Un ) (DJU, 12 5 88, p 11 198)

Não há falar, portanto, em respostas contraditórias, razão por que fica rejeitada, também, a vislumbrada nuhdade

Nessa conformidade, rejeitada, pelo meu voto, a matéria preliminar, restaria, em tese, examinar o mérito da impugnação recursal, posto que descabe, a esta Corte de Justiça, sob um ponto de vista ilusório e assaz subjetivo, proceder a uma transmutação da votação dos jurados, no sentido de procurar interpretar as suas respostas, aliás, escorreitamente dadas aos quesitos, para, invertendo o seu resultado, alterar o veredicto do Jún, cuja soberania expressamente preservada pela Carta Magna (art 5o, XXXVIII, letra c)

Com efeito, as respostas aos quesitos prevalecem, como expressão da sua inequívoca manifestação, posto que consubstanciadas em soberana decisão Assim, se reconhecida alguma irregularidade na votação dos supra mencionados quesitos, haveria de ser proclamada a nuhdade do julgamento pelo Júri, o que ensejaria o retorno do réu-apelante a outro, pelo mesmo Tribunal Popular. Contudo, em razão da sua qualificação parlamentar, subsistindo a prerrogativa de função, caberia a este Tribunal de Justiça, por seu Órgão Especial, prosseguir no julgamento do recurso, porém, pelo mérito, enfrentando a questão da inocência ou culpabilidade do acusado acerca da imputação feita pelo Ministério Público

Convém lembrar que preliminares do recurso envolvem tão-somente aspecto processual, a regularidade formal do julgamento, sem se cogitar do mérito, que diz respeito à culpabilidade do acusado a ser examinada à luz da prova dos autos Todavia, não há como se acolher preliminar (que não é de mérito) para fazer prevalecer resposta atribuída a determinado quesito, invalidando outros, para se concluir, subjetivamente, pela absolvição, o que, em verdade, não se concebe, per saltum, atingir o mérito do recurso em julgamento

Estas, as razões pelas quais, data venuyúa Douta Maioria, rejeitava a matéria preliminar, sem enfrentar o mérito do recurso

Apelação Criminal n. 105.368.0/4-00 - São Paulo - Voto 20.656 49

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VOTO N° 18 749

Apelação Criminal n° 105.368.0/4-00 - São Paulo

DECLARAÇÃO DE VOTO

Y 1 . Trata-se de apelação criminal, interposta

por Ubiratan Guimarães, contra a conclusão do E. Conselho de

Sentença, que, por maioria de votos, lhe atribuiu o

cometimento de 102 homicídios simples e 05 homicídios simples

tentados, resultando na r. sentença de condenação ao

cumprimento da pena de 632 anos de reclusão, em regime

inicial fechado, com a concessão ao direito de recorrer em

liberdade.

Em síntese, narra a denúncia que, no dia 02

de outubro de 1992, por volta da 11:00 horas, eclodiu conflito

entre presos do Pavilhão "9", evoluindo para tumulto

i

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VOTO N° 18 749

generalizado entre grupos de presos que expulsaram os

agentes de segurança penitenciária; após solicitação do

concurso da Polícia Militar, efetuada pelo diretor do presídio,

o apelante, na condição de Coronel, foi enviado ao local. Reuniu-

se, então, com Comandantes que lá estavam, com Capitães, com

os Juizes de Direito, com o Assessor de Assuntos

Penitenciários da Secretaria de Segurança Pública e com o

Coordenador dos Estabelecimentos Penitenciários do Estado.

Consta que o Senhor Secretário de Segurança Pública teria'"'

determinado, ao apelante, que agisse como julgasse necessário

para conter o tumulto, no que incluía o ingresso de Policiais

Militares no interior do Presídio. Relata-se que houve leve

tentativa de negociação por parte do Diretor do Presídio, Dr.

Pedrosa, mas os detentos arremessavam objetos em resposta.

Por volta das 16h e 30 min. foi dada por finda a tentativa de

negociação e o apelante assumiu o total comando da operação,

optando pela invasão do Pavilhão "9", com o apoio de parcelas

das tropas que lá compareceram, munidas de armas de grande

poder de fogo, sem medir-se, ou melhor, avaliar-se a

necessidade e conseqüências daquela ação conjunta, eis que era

2

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VOTO N° 18 749

do (seu) conhecimento a costumeira violência com que agiam

alguns de seus comandados; ainda assim, admitiu-se o

ingresso no pavilhão, assumindo-se o risco de produzir-se o

danoso evento. Anteviu-se o resultado e o que poderia ocorrer,

mas agiu-se no sentido da invasão. Refere a denúncia que, entre

desistir-se da conduta, mesmo após iniciada a operação, onde já

se desenhava a tragédia com as rajadas das metralhadoras,

e t c , e causar-se o resultado, o apelante, optou pelo último.

Segundo consta da denúncia, o apelante comandou Policiais

Militares, os quais, impelidos sob o an/mus necandi,

procederam à ocupação de todos os andares do Pavilhão,

desferindo projéteis de armas de fogo contra os presos

alojados no interior de celas e em trânsito pelos corredores,

desencadeando-se a maior matança já consignada em um

presídio. Descreve, aquela peça, como se deu a ocupação do

primeiro ao quinto pavimentos, quando distribuídos os policiais

nomeados sob comando de Capitães também indicados. Conclui

que os Policiais Militares dispararam suas armas contra presos

indefesos e rendidos, a maioria deles no interior das celas,

conforme perícia posterior, inexistente conflito. O acusado,

3

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VOTO N° 18 749

Coronel Ubiratan, era o comandante da operação e, numa

primeira fase, ordenou a invasão; após praticamente encerrada

a primeira etapa da operação, com saldo inusitado de mortos,

consta que (ele próprio) foi atingido por um estouro de

televisor e retirou-se do Pavilhão para receber socorro, quando

passou pela enfermaria e fo i encaminhado ao Hospital da Polícia

Militar. Substituiu-o, no comando, a partir de então, o Coronel

Parreira. Segunda a denúncia, o Coronel Ubiratan agiu com dolo

eventual, contido na expressão "assumiu o risco de produzi-lo",

dando causa à morte desses 111 reclusos e aos atentados

contra a vida de 05 detentos que cumpriam pena nesse Pavilhão

"9"

O apelante, sustenta, em preliminar, a

existência de nuhdades, a saber: 1) - do v. acórdão

confirmatóno da pronúncia; 2) - nulidade pela precedência do

seu julgamento, sem que todos os co-réus estivessem em

condições processuais de ir a jú r i ; 3) - nulidade do quesito de

n° 3, que descreve conduta dolosa e nao culposa; 4) - nulidade

porque os jurados reconheceram uma causa supra-legal de

4

Page 166: Acórdão-absolvição coronel ubiratan - carandiru.pdf

VOTO N° 18.749

exclusão de culpabilidade; 5) - nulidade porque os jurados

teriam acolhido as causas excludentes da culpa e do crime, sem

cabimento, então, quesitos sobre o excesso; 6) - nulidade por

contradição na votação dos quesitos. No mérito, entende que a

decisão do Conselho de Sentença foi manifestamente contrária

à prova dos autos.

A denúncia foi recebida e o apelante

pronunciado como incurso nas penas do art. 121, § 2o, IV, por 11

vezes e art. 121, § 2o, IV, c.c. o art. 14, I I , por 05 vezes,

observada a regra prevista no art. 29, todos do Código Penal.

Reconhecida a incompetência da Justiça Castrense, os autos

foram remetidos à Justiça Comum (vol. 36 - fls.

7.665/7.682v°). Por solicitação do Ministério Público o feito foi

desmembrado, em relação ao co-réu PM Ubiratan Guimarães,

ent2o convocado a ocupar o cargo de Deputado Estadual (vol.

36, fl. 7.902), com a rerwessa a este E. Tribunal de Justiça.

Posteriormente, como o apelante deixou de exercer o mandato,

os autos retornaram à primeira instância.

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VOTO N° 18 749

Interposto recurso em sentido estr i to, nao

obteve êxito, ante à confirmação, por este E. Tribunal de

Justiça, da r. sentença de pronúncia. Designada data, o

julgamento, pelo Júr i , foi adiado a pedido da defesa. Houve

aditamento do libelo para melhor adequá-lo QS condutas

imputadas ao apelante, reconhecidas na pronúncia (46° vol., f Is.

10.322 a 10323). Outra data foi designada, mas, em razão de

infecçao acometida a um dos jurados, dissolveu-se o Conselho

de Sentença. Por f im, realizou-se e concluiu-se o julgamento do

apelante.

O apelo foi distribuído à 2 a Câmara Criminal

desta E. Corte, preventa. Juntada informação da Assembléia

Legislativa do Estado de Sao Paulo, sobre o exercício de

mandato do apelante, no período de 3/01/1997 a 2 /04/98 e

posse em 15/03/03 com término da Legislatura previsto para

14/03/07, por acórdão datado de 23/04/2003 (vol. 56 - f Is.

12.755/12.759), a E. 2 a Câmara Criminal declinou da sua

competência para este Órgão Especial, aqui, distribuído ao E.

Relator Oes. Mohamed Amaro.

6

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VOTO N° 18 749

E o relatório.

2. Acompanho o voto do e. relator sorteado

vencido.

A b. Defesa sustenta a configuração de seis

nulidades, uma a uma superáveis, relevando observar a

inexistência de qualquer demonstração de prejuízo efetivo

quanto às argüiçoes formuladas, e, como estabelecido no artigo

563, do Código de Processo Penal pas de nullité sans grief -

nenhum ato será declarado nulo se da nulidade nao resultar

prejuízo para a acusação ou para a defesa, haja vista que as

referidas nulidades sao de natureza relativa, por isso, atingidas

pelo dispositivo legal invocado.

Nos termos do disposto no artigo 572,

inciso I , e artigo 564, inciso IV , do Código de Processo Penal,

em ocorrendo, a nulidade deve ser argüida em tempo

oportuno, o que nao se deu, situação a militar em desfavor de

cada uma dessas alegações.

7

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VOTO N° 18.749

A primeira invocação de nulidade do v.

acórdão confirmatório da pronúncia, pois na época do

julgamento do recurso em sentido estrito, interposto dessa r.

sentença (de pronúncia), o apelante reassumira, por breve

período, a cadeira de Deputado Estadual nao vinga. Sustenta-se

que a C. 2 a Câmara Criminal nao seria competente para o

julgamento e, sim, o Orgao Especial, após obtenção de licença

da Assembléia Legislativa. Da certidão de f Is. 12,588 consta

que o apelante exerceu aquele mandato (junto à Assembléia

Legislativa do Estado de Sao Paulo), no período de 03 de

janeiro de 1997 a 03 de abril de 1998, bem como desde 01 de

fevereiro de 1999 até a data da expedição dessa certidão, 09

de março de 1999. O apelante esteve representado no r.

julgamento e, no dia 22 de março de 1999, quando foi

confirmada a sentença de pronúncia, também se fazia

presente e representado, mas nada noticiou a esse respeito.

Quando o feito foi submetido a julgamento (em 08 de março de

1999), o apelante poderia ter trazido o fato ao conhecimento

da E. Câmara Criminal, mas nao o fez, nem o fazendo na sessão

do dia 15 de março de 1999, quando adiada a sessão, ou mesmo

8

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VOTO N° 18 749

no dia 22 de março de 1999, quando da manutenção da sentença

de pronúncia. Nesta última ocasião, já deixara de exercer o

mandato legislativo, oportunidade em que nao mais se poderia

falar em prerrogativa de foro. Daí, porque, sem consistência

a argüiçao fe i ta muito tempo após a ocorrência.

Quanto à invocação de nulidade sobre a

precedência do julgamento do apelante, partícipe, sem que os

co-réus, acusados da autoria material, estivessem em condição

processual de ir a juízo, se o desmembramento ocorreu por

motivo de conveniência (art.80, do CPP - Será facultativa a

separação dos processos quando as infrações tiverem sido

praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes,

ou, quando pelo excessivo número de acusados e para nao lhe

prolongar a prisão provisória, ou outro motivo relevante, o juiz

reputar conveniente a separação), pois o apelante tornou-se

parlamentar, o que acarretou um descompasso entre o curso da

ação penal dos demais co-réus e a dele, nao havendo

impossibilidade de o seu julgamento preceder o daqueles, ainda

9

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VOTO N° 18 749

que eventual absolvição posterior dos autores imediatos

pudesse, em tese, surt i r efeitos sobre a decisão condenatória

do apelante, se mantida (cf. Ac. HC 69.741-DF - j . 15/12/1992

- Rei. Francisco Rezek - DJU 19/02/1993, p. 2.036).

Inexistente, dessarte, argumento concreto de possível

prejuízo, sem êxito tal preliminar.

No tocante à invocação de nulidade do

quesito que reconheceu a conduta dolosa, na forma eventual,

sob a assertiva de que os jurados negaram que o apelante tenha

agido com dolo, leia-se o (referido quesito):

nO acusado Ubiratan Guimarães concorreu

para o crime narrado nesta série, na medida em

que decidiu pelo início da operação que resultou

na invasão da Casa de Detenção de São Paulo,

sem medir ou melhor avaliar da necessidade e

conseqüências de tal conduta, ordenando que

seus comandados, conhecendo da violência com

que alguns destes atuam, munidos de armas de

grande poder de fogo, lá ingressaram, assumindo,

10

Page 172: Acórdão-absolvição coronel ubiratan - carandiru.pdf

VOTO N° 18 749

assim, o risco de vir a produzir o morte da

vítima?"

Ressalta a D Procuradoria Geral de Justiça

que, "os jurados responderam afirmativamente, ou seja, o

acusado Ubiratan Guimarães concorreu para o crime narrado na

série, na medida em que pelo início da operação que resultou r\a

invasão da Casa de Detenção de Sao Paulo, sem medir ou melhor

avaliar da necessidade e conseqüências de tal conduta,

ordenando que seus comandados, conhecendo a violência com

que alguns destes atuam, munidos de armas de grande poder de /

fogo, lá ingressassem, assumindo, assim, o risco de produzir a

morte das vítimas".

O apelante argumenta que há descrição de

conduta culposa e nSo dolosa. Inobstante, esse quesito apenas

reproduz uma das condutas a ele imputadas na denúncia;

reitere-se, nao questionado, por ocasião da pronúncia, nao

houve indagação sobre ter o apelante agido com culpa

(imprudência, negligência ou imperícia), e sim foi perguntado

11

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VOTO N° 18 749

aos jurados se o apelante assumiu o risco de vir a produzir a

morte da vítima, nos termos do artigo 18, inciso I , do Código

Penal (o crime é doloso quando o agente quis o resultado ou

assumiu o risco de produzi-lo): isto precedido de

esclarecimento, aos jurados, a respeito do significado das

perguntas e respostas, como solicitado pela Defesa. E os

jurados responderam sim, ao quesito 3, pela votação de 4 a 3.

Quanto à invocação de nuhdade, relativa

ao quesito 4, do seguinte teor:

"O acusado Ubiratan Guimarães, após iniciada

tal operação, quando já se desenhava o resultado

desta, face as rajadas de me tralhadoras

efetuadas, concorreu de qualquer modo para o

crime, na medida em que se omitiu em determinar

que seus subordinados cessassem tal conduta,

contribuinte para que o resultado morte se

produzisse?"

12

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VOTO N° 18 749

Embora o E. Conselho de Sentença tenha

reconhecido a mexigibihdade de conduta diversa do apelante

em relação aos homicídios consumados, reconheceu o excesso

doloso. E, quanto aos homicídios tentados, apesar de ter

reconhecido o estrito cumprimento do dever legal, reconheceu,

igualmente, o excesso doloso.

Segundo o apelante, os jurados negaram a

conduta dolosa, no quesito anterior e a confirmaram nos

demais. Porém, ao responderem, negativamente, por votação

de 3 a 4, os jurados referiram-se ao que foi indagado quanto à

conduta que seguiu a (do quesito) anterior, após já iniciadas as

agressões. Ou seja, a indagação diz respeito a outro momento,

nada impedindo que os jurados tenham reconhecido a conduta

comissiva quanto ao início das operações, quesito 3, e

reconhecido nao ter o apelante dado ordem para a cessação das

agressões. Nao houve confusão ou defeito na formulação dos

quesitos, que seguiram a descrição do libelo crime acusatório.

Os autores evidenciam que o excesso doloso foi deslocado,

do campo restrito da justificativa da legítima defesa (art. 21

13

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VOTO N° 18 749

do CP) para ser incluído num plano comum a todas as

excludentes de ihcitude (§ ún., do art. 23, da Parte Seral do

CP/84), arrematando-se que " embora existam os pressupostos

das causas de exclusão de ihcitude - um direito, um dever, uma

agressão injusta, uma situação de necessidade -, as normas

permissivas nao terão possibilidade de pleno acionamento

porque as pessoas por elas favorecidas nao se mantiveram

dentro das respectivas batizas: excederam-se, ultrapassando

os limites legais. E todo e qualquer excesso deve ser havido

como ilícito ensejando punição*'(cf:. Júr i , Teoria e Prática, SP -

Editora RT„ 7a ed. p. 529). /

Cabe ponderar que a acusação impugnou a

formulação do quesito quanto à causa supralegal de

mexigibilidade de conduta diversa (por nao se constituir em

fato ou circunstância que por lei isente de pena ou exclua o

crime), sendo que a formulação dos quesitos de excesso punível

afastou eventual nulidade da propositura daquele, a pedido da

D. Defesa.

14

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VOTO N° 18.749

De acordo com o consignado no voto do e.

relator " na ata dos trabalhos do Júri nao consta manifestação

da parte quanto a redação dos quesitos, o que seria obrigatório

como protesto contra eventual irregularidade, nos termos dos

artigos 479 e 571, VIII, do Código de Processo Penal. Em nao

havendo protesto, a tempo, eventuais nulidades ficam sanadas".

A invocação de nulidade tocante ao

reconhecimento do excesso, na ação da causa supralegal de

inexigibilidade de conduta diversa, sob a alegação de que os

jurados, ao aceitarem o estrito cumprimento do dever legal, e

reconhecerem, em seguida, o excesso incidiram em

contradição, pois o estrito, segundo argumenta, afasta a

hipótese de excesso, por igual, nao prospera.

Como alerta o Ministério Público apelado,

tal quesitaçao foi requerida pela D. Defesa, mas por ele

impugnada. Todavia, se efetuada a quesitação sobre a

mexigibilidade de conduta diversa, erigida em excludente de

culpabilidade pela D. Defesa, obrigatória seria a apreciação do

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Page 177: Acórdão-absolvição coronel ubiratan - carandiru.pdf

VOTO N° 18 749

eventual excesso doloso, como determinado no texto legal (art.

23, do CP - o agente em qualquer das hipóteses deste artigo

responderá pelo excesso doloso ou culposo), do qual nao consta

ressalva e, por isso, é de formulação cogente. Aliás, nos termos

da análise do conjunto de quesitos efetuada pelo e. relator

verifica-se a coerência das respostas entre si.

Já, a argüiçao da D. Defesa de que, por

várias vezes, manifestou sua impugnaçao aos quesitos sobre

excesso, nao demanda análise, especialmente porque, em se

cuidando, os Doutos Defensores, de experientes advogados,

nao se just i f ica a nSo formalização de sua contranedade na

forma legal, se assim o desejassem.

Por f im, a invocação da nulidade,

referente ao julgamento, ante à contradição e o ilogismo dos

jurados, que por confusão teriam levado a um resultado

condenatório, quando, a maioria, demonstrou que nao o

desejava, mais uma vez, sem razão a D. Defesa. A verificação

ampla e ostensiva dos quesitos e respostas, porém, nao resulta,

16

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VOTO N° 18.749

e nem resultou, em contradição, que, após a votação, se

configurada, ter ia sido detectada, nos termos do artigo 489,

do Código de Processo Penal, e motivaria nova votação,

certamente.

Se os questionários formulados aos

jurados foram precedidos de explicações da 0. Magistrada,

condutora dos trabalhos, com exposição a respeito da

conseqüências de cada resposta, diferentemente do ponderado

pela D. Defesa, o resultado a que chegaram os jurados foi

contrário ao apelante, e nao absolutóno.

Houve três hipóteses a serem verificadas

a partir dos fatos: 1) - os homicídios perpetrados com armas de

fogo; 2) - os homicídios praticados com arma branca e 3) - as

tentativas de homicídios. O Ministério Público pleiteou a

absolvição quanto à segunda hipótese (dos homicídios

praticados com arma branca); e tal fato nao enseja

contradição com as demais hipóteses distintas. As séries de

quesitos foram respondidas para cada hipótese, sendo

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Page 179: Acórdão-absolvição coronel ubiratan - carandiru.pdf

VOTO N° 18 749

evidentemente diferentes no que diz respeito aos homicídios

consumados e aos tentados. Os fatos de os jurados terem

respondido ao quesito 5 (o réu praticou o fato no estrito

cumprimento do dever legai no exercício de suas funções para

conter o conflito estabelecido?}, quanto à hipótese de

homicídios consumados "NÃO", por 3x4, e terem respondido

"SIM" , por 6x1, quanto à hipótese de homicídios tentados nao

encerra contradição, pois distintas as séries de quesitos.

A posiçõo defensiva de descabimento dos

quesitos sobre o excesso no estr i to cumprimento do dever

legal, foi superada quando da análise das preliminares;

realçando, o e. relator vencido, no que tange ao homicídio

consumado, que os jurados votaram "NÃO", negando que o

apelante tenha praticado o fato no estr i to cumprimento do

dever legal, bem como era exigível, dele, conduta diversa da

praticada. E, nos homicídios tentados, responderam "SIM" , ao

que se seguiu, nas respectivas séries, a indagação sobre os

excessos culposo e doloso, resultando em posicionamentos

18

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VOTO N° 18 749

diversos diante das hipóteses diferentes, ou seja, homicídios

consumados e tentados.

Nao houve contradição e ilogismo no

julgamento, pois o resultado representa a vontade da maioria

dos jurados, nao se delineando vícios f rente ao comportamento

de um ou outro jurado, que teria negado o óbvio, como a

indagação se pessoas dispararam armas de fogo dentro do

pavilhão 9. s

3. No mérito, o apelante focaliza com

firmeza o resultado do julgamento, que teria sido

manifestamente contrário à prova dos autos.

Da votação do E. Conselho de Sentença

adveio a condenação do apelante, que, segundo seu reclamo, se

concentra em três pontos:

I o - O apelante concorreu para os crimes de

homicídio (na forma consumada e tentada),

19

Page 181: Acórdão-absolvição coronel ubiratan - carandiru.pdf

VOTO N° 18 749

na medida em que decidiu pelo início da

operação (ingresso da tropa no Pavilhão 9)

sem medir ou melhor avaliar da necessidade

e conseqüências de tal conduta, ordenando

que seus comandados, conhecendo a violência

com que alguns destes atuam, munidos de

armas de grande poder de fogo, lá

ingressassem, assumindo, assim, o risco de

produzirem a morte das vítimas; /

2o - Nao seria exigível do apelante conduta

diversa na situação em que o mesmo se

encontrava, para que nao progredisse o

conflito, mas o apelante excedeu-se

dolosamente.

3o - O apelante agiu no estr i to cumprimento

de dever legal, mas excedeu-se dolosamente.

A instância recursal cabe examinar se o

veredicto afasta-se ou nao da prova existente nos autos. Em

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VOTO N° 18 749

caso positivo ocorreria a anulação do julgamento para que

outro fosse proferido, sem, entretanto, no julgado que ora se

efetua, possa se descer à avaliação ampla da prova para

eventual nova conclusão.

Do exame da prova testemunhai, colhe-se

elementos importantes sobretudo quanto à origem dos fatos.

O testemunho de f ls. 11.311/11.352, por

exemplo, mostra que o tumulto nasceu entre os próprios

detentos devido a um "jogo do bicho" e que, apesar de nao

haver disposição entre os grupos de internos de prosseguirem

se desentendendo, os funcionários abandonaram o local e foi

fei ta barricada para evitar que os policiais viessem aos

andares, porque "quando eles entraram dentro do Pavilhão já

escutamos os tiros, disparos de arma de fogo e aí fizeram

barricadas para que eles nao viessem até nos" muitos

detentos estavam na cela, e eles " vieram atirando e foram para

dentro da cela. Estávamos na galeria e os policiais entraram

atirando na entrada da gaiola e pediram para quer fôssemos

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VOTO N° 18 749

poro dentro do ceio" e "eu ovisei poro os companheiros de ceio

na qual eu morava, que eles estavam atirando para dentro da

cela, certo? Aí me recolhi para dentro do cela também, porque

houve disparo para o fundo da galeria".

Os testemunhos de f ls 11.353/11.404

seguem em linhas gerais a mesma diretr iz:

"A porta estava encostada, ele abriu a

porta e gritou paro gente, para todo mundo deitar no chão.

Nós já estávamos deitados, oi passou um outro PM e falou paro

ele: 'você não disse que você é?". Aí ele pôs o metralhadora

paro dentro e rojou o barroco do gente com a porto aberto"...

M/ Nao destoa o depoimento de f ls.

11.405/11.447: "um policial de olho ozul pôs umo metralhadora

dentro do janelinha e não falou nado e começou os disparos. Aí

tinha, eu acredito, na época, tinha bem onde eu estava, tinha

uns 18 ou 19 pessoas nesse xadrez. E os que estavam na

frente, quando ele começou o disparar foram caindo e eu

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VOTO N° 18 749

estava quase perto do fundo da parede. Na minha frente tinha,

eu acredito que umas 10 pessoas e foram eles que morreram

primeiro"... "naquele dia, o senhor chegaram a ouvir policiais

militares gritando expressões, xingando palavras, humilhando

presos? Sim" (responde o depoente). "O policial estava

gritando no pátio que 'Deus cria e a ROTA mata". O senhor

saberia dizer, o senhor presenciou eventualmente os policiais

militares que detinham os cães, atiçando esses cães ou eles

permaneciam parados? Eles faziam, attçavam os cães'.

Portanto, os agentes penitenciários nao conseguiram entrar

porque os presos não deixaram? Não, eles nao estavam nem lá,

não tinha"{respondeu o depoente). ^ y

E assim, os demais depoimentos observam

um rumo quase que único, qual seja, o de que a invasão, ainda

que desnecessária (em razão da possibilidade de outras opções)

implicou numa batalha, com disparos para o interior das celas,

impossibilidade de fugas, ausência de controle administrativo

(fls. 11.875) e, de diálogo, conduzindo aos excessos de ordem

que levaram à tragédia prisional.

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VOTO N° 18.749

Do depoimento de f ls. 11.978/12.050 (ex-

secretário de Segurança Pública - Dr. Pedro Franco de

Campos), outrossim, destaca-se (relatório de f ls. 12.024) o

seguinte:

"não foram exauridas as possibilidades de

negociação antes da invasão do Pavilhão 9, nem foram tentadas

negociações após a retomada, sem luta, do Pavilhão Térreo. Os

presos amotinados que provocavam os danos correspondiam a

uma minoria e muitos desses foram mortos durante a operação

militar". Mais adiante: "praticaram crimes de homicídio e lesão

corporal o Coronel Ubiratan na condição de Comandante, bem

como os policiais que efetuaram disparos contra os detentos

. "não ficou demonstrado a participação dos guardas do presídio

na prática dos homicídios" ^ ^

Folhas 12.057/12.132 - Dr. Antônio Filardi

Luiz. Colhe-se, por exemplo, em sede de nao ter havido

negociação, ou tentativa, que "... os presos colocaram segundo

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VOTO N° 18 749

ele (Dr. Pedrosa - f Is. 12.075), todos os funcionários para fora

dizendo: "o problema é nosso, não com vocês - f Is. 12.075. A

presença do acusado no local era sinônimo de tranqüilidade (f Is.

12.080). "Ele entrou na casa, ou seja, propriamente onde os

presos se encontravam e disse para eles 'vocês vão entrar nas

celas ou querem que eu faça vocês entrarem?' Mais ou menos

assim. nOs presos simplesmente viraram as costas, entraram

nas suas cefaé' em referência à atuação do acusado (fls.

12.094), a aumentar a confiança neste último (fls. 12.095).

(episódio do presídio de Parelheiros, como a descprçao

favorável de f ls . 12.099/12.100, por exemplo). ^

Fls. 12.133/12.194 Dr. Fernando Antônio

Torres Garcia (Juiz de Direito), (f ls. 12.133/12.194), segundo

o qual a invasão fora autorizada pelo Secretário de Segurança

Pública (f ls. 12.137); e tentativa de aproximação para eventual

negociação nao houve, porque os detentos nao permitiram (f ls.

12.140); u a en trada seria efeti vamen te necessária,

evidentemente sem qualquer nexo com o resultado havido. São

duas coisas distintas: entrar e o resultado que aconteceu' (f ls.

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VOTO N° 18 749

12.157/12.158), "mas dentro de nossa percepção, acreditamos

que tenha realmente havido excesso" (cf. f Is. 12.158).

Às f ls. 12.196/12.292, O Dr. Ivo de

Almeida (Juiz de Direito), prestou depoimento, de modo geral,

que nao discrepa do anterior, se bem que, nota-se, prevalecem,

na maioria, as respostas negativas.

O que se extrai é que foi dada a ordem de

invasão, ao que parece, pelo Secretário de Segurança Pública,

obviamente com a avaliação do acusado de que havia

necessidade; a rebelião nao teve caráter reivindicatóno, tanto

que, no mínimo, nao havia refém; a origem residiu em conflito

de facções internas; a fal ta de controle interno, do ponto de

vista da administração, era total. /U

Quanto à prova pericial, o laudo de f ls.

1.129/1275 (6o vol.), elaborado pelo Departamento Estadual de

Polícia Científica ( Inst i tuto de Criminalística), no item das

conclusões, assinala (f ls. 1.167):

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VOTO N° 18.749

"4.1. - Em todas as celas examinadas, as

trajetórias dos projéteis disparados indicavam atirador (es)

posicionado (s) na soletra da respectiva porta, apontando sua

arma para os fundos ou laterais; especificamente no x9383-E

foram obtidas duas posições opostas de disparo em rajada, mas

não denotavam confronto (não havia trajetórias de mesma Unha

em sentidos opostos);

4.2. - não se observou quaisquer vestígios

que pudessem denotar disparos de arma de fogo realizados em

sentidos opostos aos descritos, indicando confronto entre as

vítimas-alvo e os atiradores postados na parte anterior da cela;

st/

4.4 - Cupre, finalmente, consignar que (fls.

1.168):

a) dada a posição dos atiradores e dos

respectivos alvos, pode-se inferir que o propósito principal da

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VOTO N° 18 749

operação policial-militar foi o de conduzir parte dos detentos à

incapacitação imediata;

b) ficou evidente que a referida operação

foi dirigida contra grupos de reação perseguidos pelos policiais

~ haja vista que diversas celas, inclusive do terceiro pavimento,

ficaram intactas e seus ocupantes incólumes".

E no item das considerações derradeiras, o

experto assim as expõe (f Is. 1.169): ^ 7

" E imperioso deixar consignado que todo um

somatório de conclusões a respeito do evento, bem como mais

profundos pormenores, deixam de ser apresentados neste

laudo, em virtude do fato de que o local dava nítidas

demonstrações de que fora violado, tornando-o midôneo para a

perícia. Ora, além dos fatos já expostos, veja-se por exemplo

o seguinte: embora tenha o perito estabelecido relações de

correspondência entre cavidades nas paredes e projéteis de

arma de fogo que as produziram (automáticas ou semi-

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VOTO N° 18 749

automáticas), nem mesmo um único projétil ou estojo vazio foi

encontrado no locai Logo depreende-se que os princípios

jurídicos dispostos no artigo 6° inciso £ combinado com o

artigo 169 do Código de Processo Penal não foram respeitados".

E, do contexto dos autos, emerge a ação do

apelante em ter optado pelo ingresso da Polícia Militar no

interior do Pavilhão 9, da Casa de Detenção (prédio

posteriormente desativado e detonado), através de quatro

diferentes tropas, que o invadiram, portando armas de fogo,

havendo, nos autos, laudos de exame necroscópico das vítimas,

laudos de exame do locus deiicti , exame das armas

apreendidas, tanto da Polícia Militar quanto daquelas que /

estariam com os detentos, e provas orais. E de tudo o que

resulta é a existência de prova a respaldar a deliberação dos

jurados, os quais se inclinavam à versão que lhes convenceu

como a mais razoável.

Consta que o Diretor da Casa de Detenção

solicitou o concurso da Polícia Militar para conter o conflito lá

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VOTO N° 18.749

deflagrado e o apelante, Cel. PM Ubiratan Guimarães, na

qualidade de Comandante do Policiamento Metropolitano,

escolheu a soluç3o, pelo apoio dos Batalhões de Choque, do

Grupamento de Polícia de Operações Especiais, formado pelo

&ATE e o GOE. e apoiado pelo £RPA. Reuniu-se com autoridades

que lá estavam e efetuou contato telefônico com o então

Secretário de Segurança Pública, tendo a seu encargo ficado a

tomada de providências que julgasse oportunas, no que se

incluem regras e planos estruturados para a operação como

essa, com opção pela cobertura das tropas supramencionadas,

face aos presos rebelados no interior do Pavilhão 9; ainda que

havendo esclarecimento de que a ROTA nao é utilizada para

tal tipo de operação e, entretanto, o foi, além da manipulação

de metralhadoras pesadas e nao de simples revólveres, ante os

rebelados armados com instrumentos basicamente bem

diferentes, quanto ao poder mortífero.

Nos autos, é bem verdade, defesa e

acusação debatem teses opostas. E, acerca da possibilidade de

o E. Conselho de Sentença eleger uma delas, decidiu-se no

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VOTO N° 18 749

seguinte sentido: *E pacífico,hoje, que o advérbio

'manifestamente' usado pelo legislador no art. 593, III, d, do

CPP, dá bem a idéia de que só se admite seja o julgamento

anulado quando a decisão do Conselho de Sentença for

arbitrária, por se dissociar inteiramente da prova dos autos, E

não contraria esta a decisão que, com supedaneo nos elementos

de convicção deles constantes, opte por uma das versões

apresentadas (TJSP - Ap - Rei. Álvaro Cury - RT 595/349)".

Is to , para afastar a tese da defesa, mantendo^sêT^or^anto, o

julgamento, permissa venia. /

4 . Daí, porque, acompanho o e. relator

sorteado, então vencido, nao provendo o recurso de apelação,

com a indispensável vêrvhx

Roberto Vall im Bellocchi

Revisor ^ ' ^ ^ ' ^ ^ ^

JLlA^

)

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