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49 REALIS, v.4, n. 02, Jul-Dez. 2014 – ISSN 2179-7501 A ATITUDE ETNOGRÁFICA NA SALA DE AULA descolonizando os processos de ensino Álamo Pimentel 1 Resumo: Este ensaio propõe uma abordagem pós-colonial da produção do conhecimento em sala de aula. Parte-se do questionamento das relações de saber-poder constitutivas dos modelos eurocêntricos de educação e, indica-se a inscrição da atitude etnográfica na composição de uma atitude educadora como perspectiva de transformação das condições de alteridade nas relações entre educadores e estudantes. A sala de aula é concebida como uma Zona de Contato em que diferentes expressões culturais entram em conflito e buscam estabelecer interlocuções. Ao longo do texto, apresentam-se formas de agenciamento emergentes da atitude etnográfica que lançam outras perspectivas para o enfrentamento dos desafios da produção do conhecimento no aprofundamento das experiências de convívio social em sala de aula. Palavras- Chave: Etnografia. Educação e Pós-colonialismo. Antropologia da Educação. Abstract: This paper proposes a post-colonial approach to the production of knowledge in the classroom. Part is questioning the constitutive relations of power-knowledge Eurocentric models of education, and indicates the description of the ethnographic approach in the composition of attitude as an educator perspective transformation of the conditions of alterity relations between educators and students. The classroom is designed as a Contact Zone in which various cultural expressions conflict and seek to establish dialogues. Throughout the text, we present emerging forms of agency ethnographic attitude that launch other perspectives to addressing the challenges of knowledge production in deepening the experiences of social interaction in the classroom. Keywords: Ethnography. Education and postcolonialism. Anthropology of Education. 1 Professor Associado II do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas, Professor Permanente do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia. Especialista em Antropologia pela UFAL, Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Pós-Doutorado em Sociologia do Conhecimento pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (PORTUGAL), email: [email protected].

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    REALIS, v.4, n. 02, Jul-Dez. 2014 ISSN 2179-7501

    A ATITUDE ETNOGRFICA NA SALA DE AULA

    descolonizando os processos de ensino

    lamo Pimentel1

    Resumo: Este ensaio prope uma abordagem ps-colonial da produo do conhecimento em sala

    de aula. Parte-se do questionamento das relaes de saber-poder constitutivas dos modelos

    eurocntricos de educao e, indica-se a inscrio da atitude etnogrfica na composio de uma

    atitude educadora como perspectiva de transformao das condies de alteridade nas relaes

    entre educadores e estudantes. A sala de aula concebida como uma Zona de Contato em que

    diferentes expresses culturais entram em conflito e buscam estabelecer interlocues. Ao longo

    do texto, apresentam-se formas de agenciamento emergentes da atitude etnogrfica que lanam

    outras perspectivas para o enfrentamento dos desafios da produo do conhecimento no

    aprofundamento das experincias de convvio social em sala de aula.

    Palavras- Chave: Etnografia. Educao e Ps-colonialismo. Antropologia da Educao.

    Abstract: This paper proposes a post-colonial approach to the production of knowledge in the

    classroom. Part is questioning the constitutive relations of power-knowledge Eurocentric models

    of education, and indicates the description of the ethnographic approach in the composition of

    attitude as an educator perspective transformation of the conditions of alterity relations between

    educators and students. The classroom is designed as a Contact Zone in which various cultural

    expressions conflict and seek to establish dialogues. Throughout the text, we present emerging

    forms of agency ethnographic attitude that launch other perspectives to addressing the challenges

    of knowledge production in deepening the experiences of social interaction in the classroom.

    Keywords: Ethnography. Education and postcolonialism. Anthropology of Education.

    1 Professor Associado II do Centro de Educao da Universidade Federal de Alagoas, Professor Permanente do

    Programa de Ps Graduao em Educao da Universidade Federal da Bahia. Especialista em Antropologia pela

    UFAL, Doutor em Educao pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ps-Doutorado em Sociologia do

    Conhecimento pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (PORTUGAL), email:

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    1 Introduo:

    A produo do conhecimento em sala de aula marcada pelo excesso de

    institucionalizao das relaes sociais que constituem este espao. A rgida distino das

    posies institucionais ocupadas pelos professores e pelos estudantes uma das marcas herdadas

    pelos modelos eurocntricos dos processos de ensino. Tal distino, comumente, confere alto

    grau de centralizao das prticas de ensino como determinantes das posies ocupadas pelos

    professores em sala de aula e, por outro lado, reduz condio de aprendiz as posies ocupadas

    pelos estudantes.

    As diferenas de pertencimentos aos espaos da sala de aula por fora do contraste binrio

    que marca os lugares dos professores e dos estudantes resultam das relaes de poder que

    denotam seus papis sociais nos ambientes educacionais. Tais relaes de poder, uma vez

    naturalizadas nos cotidianos escolares, em lugar de favorecerem maior reciprocidade entre os

    diferentes atores sociais que compem a sala de aula, agravam profundamente as distncias

    simblicas que delimitam as fronteiras entre uns e outros, inviabilizando prticas de alteridade

    que proporcionem a transformao das suas relaes.

    A etnografia como processo de produo do conhecimento que tem como premissa o

    exerccio intenso da alteridade, oferece importantes alternativas ao questionamento das prticas

    de ensino naturalizadas nos cotidianos escolares e, de certa forma, pode consolidar polticas de

    descolonizao dos processos de ensino, medida que faz-nos aprender outras formas de ensinar

    e conviver com as heterogeneidades sociais e culturais na sala de aula.

    A etnografia emerge no sculo XX como um processo de produo do conhecimento no

    qual o pesquisador inscreve-se em outras culturas, em busca da compreenso dos pontos de vistas

    das pessoas acerca daquilo que elas fazem quando compartilham espaos de vivncias.

    Reconhecendo a etnografia como processo deflagrador de diferentes experincias de gerao do

    conhecimento conforme nos mostra James Clifford (1998)2, os saberes necessrios ao ensinar

    2 Escolhi James Clifford para destacar tal afirmao pela excelente anlise que nos oferece sobre as diferentes

    formas de produo do conhecimento antropolgico atravs da etnografia, ao destacar as diferentes formas de

    autoridades emergentes destas prticas. O que o autor nos oferece uma interessante perspectiva de compreender as

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    para a transformao dos processos de ensino podem encontrar fonte fecunda de inspirao

    naquilo que chamo de atitude etnogrfica. Para avanar nesta reflexo indico que as operaes de

    congruncia entre a atitude etnogrfica e os processos de ensino, exigem deslocamentos

    epistemolgicos, ou seja, trata-se de pensar a atitude etnogrfica fora dos domnios da pesquisa

    de campo na antropologia (ou em outras reas do conhecimento) para inscrev-la (ou mesmo

    reconhec-la) nos limites de uma sala de aula, ou em todos os espaos nos quais as prticas de

    ensino coordenam as interaes entre as pessoas. Parto do pressuposto de que a sala de aula um

    espao de encontro entre culturas diferenciadas e de que a abordagem dos processos sociais neste

    espao, numa perspectiva ps-colonial, no incide sobre a nfase epistemolgica da cultura, mas

    na cultura como processo de gerao de diferentes narrativas sobre experincias de vida,

    narrativas estas marcadas pelas relaes de saber e poder que extravasam nas prticas sociais de

    conversao, conforme nos sugere Homi K. Bhabha (1998).

    Defino como atitude etnogrfica as prticas de alteridade nas quais buscamos assumir

    posies ao lado das pessoas para compreender o desconhecido atravs de outras perspectivas

    socioculturais. Na maioria das vezes as pessoas assumem diferentes posies sociais dentro de

    um mesmo contexto e, a partir do lugar em que esto, produzem diferentes pontos de vista para

    narrarem suas relaes com o mundo ao redor. Isto supe o exerccio intenso de diferentes formas

    de estranhamento, alteridade, partilha de campos de viso e parmetros de compreenso que nos

    exigem compor com as outras pessoas, experimentaes com as diferentes formas de

    conhecimento que constituem os discursos na sala de aula.

    Parto do pressuposto indicado por Janice Caiafa (2007) de que na etnografia produz-se

    antes de tudo uma atitude, uma forma de colocar-se na pesquisa e na relao com o outro(p.

    174). medida que busco aproximaes entre a etnografia e a educao, procuro compreend-

    la para alm das suas determinaes disciplinares na antropologia. Quero dizer com isto que

    proponho um dilogo interdisciplinar maneira como outros autores (ROCHA e TOSTA, 2009),

    (PORTELA, SACRAMENTO e SILVA, 2011) e (CARIA, 2003)3 tambm em dilogo com a

    relaes indissociveis entre saber e poder que legitimam as autoridades etnogrficas, sobretudo dos cnones da

    antropologia.

    3 importante destacar que cada uma destas obras recorre dilogos interdisciplinares diferentes. Sandra Tosta e

    Gilmar Rocha apresentam de forma inovadora aproximaes entre a antropologia e a educao no Brasil. Os autores

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    antropologia, sugerem alternativas para a compreenso daquilo que reconheo como atitude

    etnogrfica na assuno de novas posturas nos cenrios educacionais contemporneos.

    importante lembrar as contribuies que inmeros intelectuais latino-americanos deram a esta

    busca de fuso entre aspectos pedaggicos e investigativos na construo poltica de novas

    ferramentas de investigao socialmente comprometidas, quando das formulaes da pesquisa

    participante na Amrica Latina (BRANDO, 1985)4.

    O que pretendo, em verdade, indicar a sala de aula como lugar de deslocamento

    intelectual no qual podemos descobrir outras formas de produzir conhecimento em regime de co-

    funcionamento com as presenas que constituem conosco este espao de relaes. Coloco em

    perspectiva a sala de aula como uma zona de contato, em que culturas dspares se encontram, se

    chocam, se entrelaam uma com a outra, frequentemente em relaes extremamente assimtricas

    de dominao e subordinao. (PRATT, 1999, p. 27) Penso que esta noo ressalta o

    questionamento dos modelos eurocntricos que predominam na formao ocidental dos processos

    educativos no Brasil, sobretudo no que diz respeito ao predomnio do ensino sobre as formas do

    aprender no mbito da escolarizao do conhecimento.

    Assumo as proposies de Georges Balandier (1997) quando sugere o exerccio do

    contorno antropolgico como um movimento no qual ns, pesquisadores, construmos ao lado de

    outras pessoas o compromisso de compreender as formas do poder em crescente transformao

    no mundo contemporneo, como forma de participao crtica nestas transformaes. Neste

    sentido proponho o contorno na sala de aula para a busca de formas recprocas de transformao

    das nossas relaes com o saber e com o poder. Indico ainda o necessrio trabalho das tradues

    interculturais, conforme prope Boaventura de Sousa Santos (2010) como ferramenta de luta por

    justia cognitiva atravs de aprendizagens recprocas que viabilizam a compreenso intercultural

    portugueses Pedro Gabriel Silva, Otvio Sacramento e Jos Portela organizaram um importante livro no qual

    destacam de forma interdisciplinar as relaes entre etnografia, interveno social e prxis reflexiva. Telmo Caria,

    importante pensador portugus, tem dado significativas contribuies para o dilogo entre antropologia, sociologia e

    educao sob o ponto de vista da formao profissional.

    4 Pesquisa Participante inovou nas aproximaes entre a etnografia e a educao, sobretudo no que diz respeito ao

    engajamento poltico na construo do conhecimento. O antroplogo Carlos Rodrigues Brando teve um papel

    fundamental na construo de dilogos com outros prensadores latino-americanos na construo de pontes entre a

    pesquisa e a educao popular. Com isso quero mostrar que a proposta deste ensaio retoma, sob outra perspectiva (da

    sala de aula), a construo poltica das formas de participao na produo do conhecimento.

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    dos fenmenos sociais nos quais tomamos parte. Atravs das tradues interculturais assumimos

    a co-presena como princpio bsico de convivncia e produo do conhecimento.

    Pretendo indicar que a atitude etnogrfica viabiliza a ligao do ensino na transformao

    das prticas de educadores e educadoras, ao mesmo tempo, inverte as posies sociais assumidas

    por estes atores sociais quando esto envolvidos com os seus quefazeres, sobretudo nos espaos

    da sala de aula. Atravs da atitude etnogrfica o lugar do educador deixa de ser o centro da

    produo social do conhecimento e o educador e a educadora constri outros lugares na partilha

    das posies sociais viveis nas relaes intrainstitucionais.

    medida que busca colocar-se-com-os-outros no interior dos processos de produo do

    conhecimento, os educadores e as educadoras geram novas culturas de convivncia e incorporam

    as situaes de interculturalidades prprias das relaes de proximidade como contextos de novas

    prticas profissionais e, ao mesmo tempo, de reconstruo tica e poltica dos pactos de

    convivncia intrainstitucional construdos nos cotidianos das instituies educacionais.

    Em linhas gerais o que proponho que a atitude etnogrfica seja compreendida como

    postura de ligao e abertura s transformaes recprocas que incidem na formao dos

    educadores e das educadoras e geram novas formas de ensinar-aprender no contexto das

    instituies, sobretudo no que diz respeito sua participao nos conflitos socioculturais do

    mundo contemporneo. importante destacar que a atitude etnogrfica no se esgota em si

    mesma e deve ser reconhecida como uma configurao de outras formas de agenciamento que

    evocam a partilha de lugares na busca produo intersubjetiva das relaes em sala de aula. Parto

    do pressuposto de que o agenciamento implica a composio de arranjos discursivos nos quais

    assumimos as dimenses sensveis e inteligveis das nossas relaes e, ao mesmo tempo indica a

    indissociabilidade entre o discursivo e o no discursivo na produo heterognea de tais relaes

    (CAIAFA, 2007, p. 151).

    A seguir, apresento algumas formas de agenciamento que constituem as interfaces da

    atitude etnogrfica e que, sugerem inscries nos processos de convivncia em sala de aula. Ao

    longo das reflexes exponho experincias recentes nas quais busco praticar o deslocamento e a

    congruncia da atitude etnogrfica no contexto das minhas atividades como educador.

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    2 A contemplao e o despertar das sensibilidades de pertencimento s relaes

    Seria ingnuo e, por demais arriscado, pressupor que a atitude etnogrfica deriva

    exclusivamente do fato de termos uma formao especfica num determinado campo do

    conhecimento (antropologia, por exemplo), ou pelo fato de exercitarmos a observao

    participante de forma exaustiva para cumprir uma determinada agenda de pesquisa. Embora tais

    condies no sejam exclusivas, nem estejam excludas na construo da atitude etnogrfica,

    ressalto que esta ltima , tambm, a configurao de um feixe de outros agenciamentos que, em

    alguma medida, compem a complexidade do ato de nos colocarmos no mundo com os outros.

    Ainda segundo a perspectiva adotada por Janice CAIAFA (2007) a antropologia pode nos

    favorecer aprendizagens que no se restringem aos limites disciplinares de suas teorias, podemos

    compreend-la tambm como um campo produtivo de trabalho efetivo onde floresceu uma

    forma de pesquisar, uma atitude, um olhar, um tipo de inquietao intelectual e afetiva....

    (CAIAFA, 2007, p. 174) Penso que as congruncias entre os aspectos afetivos e cognitivos e,

    sobretudo a inscrio das relaes entre aquilo que vemos e aquilo que vivemos no mbito da

    linguagem, sugerem compreender a contemplao como uma forma de agenciamento constitutiva

    das interlocues que nos posicionam nos nossos contextos de relaes.

    Neste sentido, convm lembrar com Humberto Maturana (1999) que conversar uma

    congruncia do emocionar e no linguajar do outro. Isto nos remete a uma busca, no menos

    importante que incide na procura em decifrar o que o outro diz. Refiro-me, sobretudo, a busca

    de partilhar sensibilidades para a composio das formas de estar juntos. O que pretendo mostrar

    que no se pode descartar a compreenso de que quando experienciamos a contemplao do

    mundo que nos envolve, estabelecemos conversaes com este mundo, e isto implica o despertar

    das sensibilidades que nos colocam ao lado das outras pessoas e consolidam nossas relaes ao

    longo dos processos de convivncia.

    Quando entro em campo para iniciar uma pesquisa, assim como quando entro em sala de

    aula para incio de um semestre, a nica certeza que me acompanha a de que preciso estabelecer

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    conexes sensveis com o lugar e as pessoas, a fim de construir as possibilidades de trnsito

    cultural na interao com os outros. Alm de observar atentamente o que me cerca, procuro

    identificar pessoas com as quais seja possvel ir, aos poucos, conquistando espaos nas relaes

    com o contexto envolvente. Foi assim no meu primeiro dia de aulas no Centro de Educao

    (CEDU) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), instituio para a qual me transferi no ano

    de 2013.

    No dia 15 de abril de 2013 cheguei UFAL s 7 h15, era meu primeiro dia de aula na

    instituio (momento inaugural das minhas rotinas institucionais). O nibus que peguei (Ponta

    Verde - UFAL) fez uma volta imensa pela cidade e abriu-me uma perspectiva assustadora de

    fazer o caminho, para chegar ao local de trabalho (na minha experincia anterior eu morava a 10

    minutos de caminhada da Faculdade de Educao da Universidade Federal da Bahia, agora levo

    1h e 15min no nibus para chegar ao meu local de trabalho. Vale ressaltar que desconhecimento

    dos nomes das ruas e bairros transformou a minha viagem numa longa contemplao das

    paisagens ignoradas no destino). Ao chegar ao campus da universidade fui direto ao prdio de

    salas anexo ao CEDU para procurar no mural mais prximo, as orientaes quanto sala em que

    eu iria dar aulas. J havia algumas pessoas no local. Presumi serem estudantes. No mural e nas

    sinalizaes das portas e colunas do prdio, a identificao das salas foi feita a partir do semestre

    no qual as turmas encontram-se. Era o meu primeiro dia e eu no sabia qual o semestre

    correspondente turma que iria trabalhar: eu estava perdido.

    Conversei com um grupo de estudantes que por ali se encontrava. Informei que era

    professor novo e que daria aula de pesquisa em educao. Para o meu azar este grupo no fazia

    ideia de qual o semestre ou turma teria aquelas aulas. Uma estudante me orientou a procurar a

    sala no prdio central do CEDU. Fui ao prdio ao lado e no guich de informaes da

    Coordenao do Curso de Pedagogia fui informado que eu daria aulas no prdio em que eu estava

    anteriormente. Voltei ao local e, antes de chegar, ouvi o meu nome ser mencionado por um grupo

    de estudantes. Apressei-me em apresentar-me e perguntei qual o perodo desta turma. Fui

    informado que esta turma do quinto semestre e que a sala de nossas aulas seria a de nmero 09.

    No momento em que eu estava procurando me situar, consegui guardar com muita clareza

    cada passo que dei at chegar sala de aula: observei silenciosamente ao redor (chequei o mural,

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    procurei mais informaes alm do semestre da turma, fui porta a porta, sala a sala ver se havia o

    meu nome em alguma delas); perguntei ao primeiro grupo de estudantes que estava mais

    prximo, segui a orientao que elas me deram e fui at a coordenao do curso no prdio ao lado

    (colhi a informao de que as aulas ocorreriam no prdio em que eu estava, mas no fiquei

    sabendo qual o semestre da turma), voltei ao prdio e ao ouvir o meu nome apresentei-me e, na

    companhia das estudantes, cheguei at a sala. Foi assim que coloquei em condio de

    estranhamento as situaes naturalizadas na minha experincia, como professor. Eu cheguei

    minha nova Universidade aps passar dez anos circulando em outro campus, outro prdio, outros

    cdigos de interao. Para me situar precisei fluir nas tramas invisveis da experincia de sentir

    o lugar e as pessoas e, assim, prosseguir na abertura de caminhos.

    A partir deste breve exemplo, devo destacar que alm de buscar integrar de forma mais

    consistente as razes e os afetos para estarmos uns com os outros na busca de congruncia da

    atitude etnogrfica com os processos de ensino, a contemplao do mundo ao redor no apenas

    um ato de generosidade perceptiva do mundo que nos cerca, ela tambm parte do exerccio de

    um contorno antropolgico que nos coloca:

    ...Diante do ignorado espalhado na rede infinita das prticas sociais e das

    condutas individuais, observa as diversas cenas e junta mltiplos elementos:

    coisas, sequencias de ao, signos, smbolos e discursos; e em seguida reagrupa-

    os em conjuntos inteligveis, universos complexos descritivos e portadores de

    sentidos... (BALANDIER, 1997, p.19)

    Para mim, esta compreenso da antropologia como forma de contornar o mundo

    contemporneo para compreend-lo melhor, conforme define Georges Balandier, indica que o ato

    de contemplar o que desperta e situa meus sentimentos e ideias na relao com o mundo

    envolvente. Contemplar no apenas fruir no deleite das paisagens circundantes, mas, tambm,

    operar conexes entre o sentimento de mundo e a pertinncia de significados que atribuo quilo

    que contemplo. Contemplar o que me inscreve no lugar e, ao mesmo tempo, o que me autoriza

    a enunciar o lugar ao me posicionar no lugar.

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    3 A produo dos arranjos discursivos nos processos educativos

    A experincia da contemplao evoca atitudes discursivas para produzir cenas e alegorias

    que conduzem as outras pessoas quilo que contemplamos nos processos educativos. Preciso

    dizer: dar notcias do que vi quando estava procura de posicionar-me com os outros em sala de

    aula. Ou, em outras palavras, colocar ao alcance dos outros, aquilo que reelaboro a partir do que

    experimento quando estou em situao de trnsito cultural. H um momento em que os processos

    contemplativos deixam de servir aos discursos da vida privada, simplesmente, e tornam-se

    discursos da vida pblica daqueles que praticam etnografia. Este momento implica a passagem da

    experincia pessoal para outras formas da experincia institucional, a descrio articulada uma

    exposio didtica para fins de explanaes tericas, um ato de oralidade ou de escrita que

    indica a inscrio do trabalho etnogrfico em outras esferas de insero. atravs do texto escrito

    e falado que a experincia pessoal do etngrafo torna-se visvel (audvel) para outras pessoas.

    Quando um antroplogo ou uma antroploga d aulas, por exemplo, traz as suas experincias de

    campo para dentro de sua prtica de ensino, ou seja, amplia o campo de visibilidade quando

    explica aos seus alunos atravs da experincia vivida; ou provoca leituras de suas monografias e

    artigos para alar compreenses das teorias com as quais constri os seus caminhos intelectuais.

    Na medida em que tenta posicionar-se em campo atravs das anotaes em seus dirios,

    os praticantes da etnografia realizam outras composies das cenas que posteriormente iro

    revelar suas apropriaes dos pontos de vistas dos outros. importante lembrar que ... enquanto

    acreditamos registrar apenas fatos, ns produzimos tambm formas (...) a descrio consiste em

    (...) uma atividade de transformao do visvel.... (LAPLANTINE, 2004, p.119) Transpor a

    experincia ao texto falado ou escrito sob o olhar e a escuta dos outros uma forma de alterar o

    seu estatuto de pertencimento. Ela, a experincia, deixa de ser exclusivamente minha e passa a

    ser alvo de leituras, audincias, comentrios e, at mesmo subverses que advm das inscries

    dos outros naquilo que dizemos. A descrio no apenas uma forma subalterna de emoldurar o

    discurso antropolgico, como tambm nos lembra Franois Laplantine (2004), ela , sobretudo,

    um arranjo discursivo no qual utilizamos diferentes recursos para expor as cenas nas quais

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    buscamos interpretar o mundo atravs de outros olhares. Considero importante, lembrar mais

    uma vez, as lies de Janice Caiafa sobre o texto etnogrfico. Ela nos diz o seguinte:

    ...A simpatia como co-funcionamento dos agenciamentos como vimos para o trabalho de campo passa para o texto etnogrfico com a construo dessa enunciao coletiva. Nela todas as vozes so particulares nenhuma tem aspirao de tornar-se universal. Ao mesmo tempo, elas se distinguem, persistem

    a alteridade e a tenso entre elas (...) assim que se produz estranhamento,

    diferena, que realiza a viagem que no s do etngrafo, embora ele a tenha

    iniciado, mas tambm de todos os que participam dos agenciamentos, inclusive

    o leitor... (CAIAFA, 2007, p. 170)

    Compreendida assim a descrio, como uma das formas do texto etnogrfico, um gnero

    discursivo que no descarta a alternncia entre aqueles que falam na escritura do texto, tampouco

    eliminam a polifonia presente na produo dos seus arranjos discursivos. (BAKHTIN, 2006) Eu

    sugiro que alm destas orientaes, possamos compreender que aquilo que descrito serve de

    matria prima para conquistarmos outras formas de ensinar e aprender (gerar novos fluxos de

    conversaes), mesmo que ns no sejamos antroplogos ou antroplogas que encontram em

    seus dirios a matria prima para o desenvolvimento terico-metodolgico dos seus trabalhos

    como pesquisadores ou educadores. O registro sistemtico das experincias vividas em sala de

    aula pode nos ajudar a compreender melhor as pessoas com as quais convivemos, mais do que

    isto, pode nos ajudar a criar formas de convvio institucional em que as reciprocidades no

    aprender podem nos ajudar a superar as formas de injustias cognitivas (SANTOS, 2010) que

    atravessam nossas relaes pedaggicas. atravs da atitude etnogrfica que o educador e a

    educadora pe em circulao o conhecimento produzido na pesquisa por ele ou ela e por outros

    pesquisadores que foram a campo para compreender melhor outras formas de produo social do

    conhecimento.

    Anteriormente eu citei passagens do meu primeiro dia de aula no Centro de Educao da

    Universidade Federal de Alagoas, aps a minha aula (e ao longo dela tambm) fiz as anotaes

    que agora servem de exemplo para este ensaio. Destaquei aspectos referentes ao dia e hora em

    que foram escritos, indiquei cenas das paisagens dos caminhos, formas de interaes com as

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  • A atitude etnogrfica na sala de aula

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    pessoas, situaes e dilemas que tomaram parte daquele dia. medida que componho meus

    dirios, ou mesmo minhas anotaes dispersas sobre fatos que tomam parte dos meus cotidianos

    como educador, encontro uma fonte de recursos discursivos que orientam aquilo que fao quando

    dou aulas, seja no sentido mesmo da minha atuao como professor, seja no sentido da minha

    atuao como ator social que alm de dar aulas precisa compreender as situaes de conflito nas

    quais est envolvido quando est em sala de aula. Tais textos podem ser compreendidos como

    exerccios de uma auto-etnografia, conforme a definio de Mary Louise Pratt (1999), que os

    concebe como textos marcados por grande heterogeneidade tanto da parte de quem os produz

    quanto da parte de quem os recebe. Ainda que no os produza com uma finalidade especfica,

    nem mesmo com uma frequncia rgida, estes textos favorecem a mltiplas interpretaes e

    compreenses dos processos vividos em sala de aula.

    Por vezes, as minhas anotaes servem de matria prima para construir roteiros de

    trabalho em que a participao do outro extrapola o limite da audincia obediente aos contedos

    trabalhados em sala de aula. Procuro provocar questes que gerem formas de participao em

    sala de aula; nas quais os contedos e prticas de ensino sejam reapropriados pelo grupo e

    alterados a partir das diferentes posies que decorrem da condio de estar em sala de aula. Para

    que isto acontea preciso conceber um plano de trabalho no qual a nfase em temticas que

    possuam covalncia social e epistemolgica. Em outras palavras no momento do planejamento do

    trabalho importante considerar os saberes sociais que j possumos dos nossos contextos de

    atuao como educadores e educadoras, para compatibilizarmos com os saberes especficos das

    reas de conhecimento com as quais trabalhamos.

    Meses antes de chegar sala de aula no CEDU/UFAL eu andava as voltas com o plano de

    trabalho do componente curricular que fazia parte da minha rotina como educador quele

    momento inaugural. Fiz um estudo do plano. A ementa, inicialmente no poderia ser alterada,

    mas a organizao geral do trabalho poderia ser alterada. E foi. Fiz isto tomando nota do antes e

    do depois, a propsito de compreender melhor porque, a partir daquele momento, a oferta da

    pesquisa educacional no curso de Pedagogia da Ufal seria oferecido do meu jeito. Alm disso,

    procurei criar instrumentos que me possibilitassem identificar os saberes j adquiridos pelos

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  • lamo Pimentel

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    REALIS, v.4, n. 02, Jul-Dez. 2014 ISSN 2179-7501

    estudantes a propsito do envolvimento curricular que temos, ao nos relacionarmos uns com os

    outros a partir das formas de conhecimento necessrias pesquisa em educao.

    Com isto quero indicar que as formas de descrio so variveis e diversas, podem ser

    expresses de uma determinada prtica (do trabalho de campo), mas tambm podem ser

    expresses de outras prticas (de ensino ou aprendizagem), o que interessa realar que, seja

    uma descrio feita a partir de uma interao com outras pessoas, seja a descrio feita a partir da

    interao com textos, objetos ou mesmo sensaes emergentes das nossas mltiplas formas de

    pertencimento e envolvimento com o mundo; atravs do texto etnogrfico que tornamos

    visveis para ns e para os outros as condies discursivas5 que indicam tempos, espaos e

    interaes com os contextos em que tomamos parte. Alm de podermos aperfeioar, ou mesmo

    diversificar nossas prticas de pesquisa, atravs da descrio, podemos tambm aperfeioar, ou

    mesmo diversificar nossas prticas educativas.

    No entanto a descrio no pode ser compreendida como a ltima palavra que temos

    sobre os arranjos discursivos que nos enredam e orientam nos nossos trnsitos culturais. Ela, a

    descrio, uma das dinmicas de atuao intelectual que compe a atitude etnogrfica e que

    contribui para a ampliao das nossas atitudes educadoras, importante lembrar a natureza

    problemtica das relaes sociais presentes nas nossas salas de aula e, tambm, nos nossos

    campos de atuao na pesquisa.

    4 A problematizao e as reconstrues dos arranjos discursivos

    Logo na introduo deste ensaio afirmei que a produo do conhecimento na etnografia

    parte em busca do desconhecido a partir da busca dos pontos de vistas que as pessoas constroem

    5

    Alm da j anunciada definio de Caiafa (2007) de que a etnografia uma forma de produo

    heterognea de discursos, orienta-me tambm a compreenso de que atravs do discurso que ns instauramos

    nossas relaes de poder e saber com outras pessoas. Tal questo foi sumamente analisada por Michel Foucault em

    diferentes obras, para a escrita deste ensaio destaco, sobretudo o entendimento do pensador francs sobre a funo-autor, atravs desta funo que se instituem campos discursivos que delimitam regies diferentes de saber (FOUCAULT, 2006).

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  • A atitude etnogrfica na sala de aula

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    REALIS, v.4, n. 02, Jul-Dez. 2014 ISSN 2179-7501

    para traduzirem a maneira como veem o mundo e vivem suas experincias cotidianas. A educao

    ocidentalizada, ao contrrio, parte de contedos j consolidados do conhecimento historicamente

    construdo para ampliar as formas de acesso e participao das pessoas na construo e

    reconstruo destes contedos. Esta inverso de posies na produo do conhecimento nos

    contextos educacionais apresenta um desnvel epistemolgico que aponta para um dos aspectos

    problemticos dos encontros culturais entre os indivduos no contexto de uma sala de aula. A

    partir da experincia etnogrfica reconhecemos as diferenas culturais que nos cercam

    produzindo interlocues com os outros, no entanto, a experincia pedaggica nos impinge uma

    monocultura do ensino em que os outros so mantidos distncia a propsito da manuteno de

    hierarquias rgidas entre quem ensina e quem aprende, isto supe a formao de um desnvel

    epistemolgico que precisa ser questionado ao longo dos processos em que nos constitumos

    como educadores.

    Sempre haver desigualdade entre aquilo que o educador sabe para ensinar e aquilo que os

    outros desconhecem sobre o que ser ensinado, assim como h desigualdades entre aquilo que o

    educador desconhece sobre o que os outros fazem quando esto em sua presena na sala de aula,

    e aquilo que os outros compartilham em segredo na presena do educador, quando este coloca em

    curso os seus mtodos de ensino. Estas desigualdades, que esto presentes nas diferenas

    quantitativas e qualitativas da relao professor-aluno indicam importantes horizontes de

    questionamento dos processos que envolvem a gerao de saberes na sala de aula.

    Quero afirmar que este desnvel epistemolgico gerador de diferenas culturais,

    desigualdades e conflitos sociais nas relaes produzidas no interior de uma sala de aula.

    medida que se naturaliza na educao aquilo que j conhecido como ponto de partida para o

    envolvimento dos indivduos em uma relao que pressupe a produo do conhecimento, aquele

    que detm as regras que definem o que j conhecido e deve ser ensinado, detm um patamar de

    superioridade que amplia as distncias sociais com os outros. Na maioria das vezes os processos

    de ensino esto marcados por procedimentos de subalternizao dos outros, ou seja, aquele que

    sabe mais desconhece as histrias de vida dos outros e os silencia. (SPIVAK,2010) Quando

    considero que aquilo que desconheo do outro relevante para reduzir as distncias entre o que

    se ensina e o que se aprende, alteram-se as formas de exerccio do poder nas relaes com o

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  • lamo Pimentel

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    REALIS, v.4, n. 02, Jul-Dez. 2014 ISSN 2179-7501

    educar. Subverter as relaes com o poder na sala de aula produz alternativas para os exerccios

    de estranhamento com certas situaes dadas, isto sugere reconhecer a esperteza que est

    presente nas relaes humanas, conforme sugere Georges Balandier (1997, p. 118) e utiliz-la a

    favor de novas formas de questionamento, que tornem possvel reconstruir os arranjos discursivos

    com os quais compomos, intervimos e nos apoderamos do e no conhecimento com os outros.

    As equaes tericas que definem a relao professor-aluno escamoteiam as diferenas

    qualitativas e quantitativas que esto implcitas nesta equao. Na maioria das vezes trata-se de

    um professor para vrios alunos, o que implica uma concentrao de poderes disciplinares sob a

    tutela do professor, que, atravs das suas formas de ensino deve produzir formas de controle que

    sejam eficientes para governar o espao de uma sala de aula. Os alunos por sua vez, rebeldes ou

    obedientes ao modelo da relao pedaggica que os eliminam em suas diferenas pessoais para

    torn-los um todo homogneo que reconhecemos como alunos (o outro englobado da relao),

    so submetidos aos processos homogeinizadores que pervertem suas diferenas e ampliam as

    desigualdades na sala de aula.

    Os diferentes indivduos que ocupam este espao so portadores de histrias diferentes,

    carregam consigo diferentes cdigos de conversao cultural, participam de diferentes processos

    simblicos de interao no grupo e com o grupo em que esto inseridos. Ao mesmo tempo, tais

    indivduos participam de forma desigual dos processos sociais que atravessam suas relaes

    interpessoais, seja porque possuem diferentes condies socioeconmicas, de gnero, tnico-

    raciais, etrias ou mesmo porque so portadores de outras eficincias fsico-motoras (comumente

    chamadas de necessidades especiais ou deficincias pelos discursos especializados em voga).

    Na medida em que considero que tais condies indicam os desnveis epistemolgicos na

    sala e aula, assim como as diferenas culturais, desigualdades e conflitos sociais que compem as

    constelaes de relaes neste espao, reconheo o carter problemtico do lugar e busco formas

    de contorn-lo produzindo outras formas de me relacionar com o saber e o poder neste espao. J

    no me interesso apenas pelo carter genrico das relaes na sala de aula, mas busco formas de

    interaes sustentveis nas quais ...a co-presena radical significa que prticas e agentes de

    ambos os lados da linha so considerados em termos igualitrios.... (SANTOS, 2010, p.45) Isto

    exige a compreenso de que preciso conhecer melhor, ao menos compreender de forma mais

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  • A atitude etnogrfica na sala de aula

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    REALIS, v.4, n. 02, Jul-Dez. 2014 ISSN 2179-7501

    ampliada, aqueles com quem constitumos a nossa condio de educadores e educadoras nas

    interfaces do ensinar e do aprender.

    Alm de formular questes que sejam pertinentes abertura da participao do outro nos

    processos de ensino, importante produzir visibilidades e dizibilidades das diferenas na sala de

    aula. comum as pessoas me dizerem que o Curso de Pedagogia um curso eminentemente

    feminino. No posso aceitar esta afirmao se a mesma tem como inteno indicar que todos os

    Cursos de Pedagogia so iguais e que todas as mulheres tambm so iguais. A aparente

    homogeneidade de gnero portadora de desigualdades. O que compe a desigualdade de

    gnero nos Cursos de Pedagogia tambm atravessado por inmeras diferenas culturais que

    articulam, por sua vez, outros arranjos discursivos nas salas de aulas destes cursos. Ao longo das

    minhas experincias consigo identificar diferentes regras de socialidade entre as estudantes de

    Pedagogia. H regras de idade, de orientao religiosa, de orientao sexual, de orientao

    poltica e de estado civil, de proximidade na ocupao do espao na sala de aula; que incidem

    sobre as escolhas que as estudantes fazem, para comporem seus grupos de vivncias no Curso de

    Pedagogia.

    Quanto mais questionamos nossos espaos de relaes enquanto educadores e

    educadoras, mais se revela a heterogeneidade em expanso nos nossos contextos de vivncias

    institucionais. A produo das diferenas precisa ser reconhecida, pois indica as mltiplas

    posies que as pessoas assumem quando se colocam umas com as outras em processos de

    interao. Isto sugere ir para alm da construo de pontos de vistas unificados, porque exige

    reconhecer a heterogeneidade de pontos de vistas para estabelecer mltiplas referncias de

    conexo nas conversaes na sala de aula.

    5 A diferenciao de pontos de vistas na sala de aula

    Diferenciar pontos de vistas apresenta-se tambm como uma forma de agenciamento que

    provoca a busca de mltiplas formas de dizer, ou mesmo compreender determinadas situaes

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  • lamo Pimentel

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    REALIS, v.4, n. 02, Jul-Dez. 2014 ISSN 2179-7501

    vividas, ou determinados caminhos tericos que possam nos manter as voltas com os problemas

    tericos e as suas possveis solues.

    No espao de uma sala de aula, as diferentes questes e comentrios lanados pelos

    estudantes ao longo da exposio do educador e da educadora indicam posies diferenciadas na

    relao com aquele/aquela que ensina e o contedo trabalhado. Ao mesmo tempo, as questes,

    comentrios e contedos dirigidos pelo educador-educadora aos seus alunos sero apropriados

    segundo mltiplas referncias de entendimento. As dimenses afetivas e cognitivas presentes nas

    relaes interiores a uma sala de aula, no se deixam reduzir a uma nica significao deste

    espao, a heterogeneidade inscrita nestas dimenses atravessam e movem variaes de pensar-e-

    dizer a partir de cada lugar em que os indivduos se colocam.

    Logo na minha primeira aula de pesquisa educacional no ano de 2013, lancei a seguinte

    questo para a turma: como voc definiria a pesquisa educacional? As respostas foram as mais

    diversas, o que sugere, de incio, que cada pessoa tem uma compreenso particular daquilo que

    ser matria das nossas interaes em sala de aula, acrescentando diferenas, muitas vezes

    substantivas nas condies iniciais de aprendizagem dos contedos programticos que foram

    especialmente selecionados para apresentarem respostas a esta questo.

    Cada estudante respondeu sua maneira a questo proposta. Muitos se deram conta de

    que, apesar de j possurem algum conhecimento sobre o tema, encontram dificuldades em

    defini-lo, outros o fizeram de forma muito pessoal. Quando as respostas so confrontadas no

    conjunto, apresentam muitas diferenas, embora apresentem tambm algumas semelhanas, o que

    favorece ao seu agrupamento segundo enunciados bem amplos nos quais h um sentido comum

    para o grupo determinado de respostas. Aps lanar a questo, solicitei que o grupo entregasse-

    me suas respostas por escrito. Sistematizei os significados, para torn-los mais compreensveis

    para mim e para o prprio grupo de trabalho. No quadro abaixo apresento o resultado obtido com

    esta atividade, para colocar em destaque os principais enunciados apresentados pelo grupo.

    Utilizo este quadro apenas como uma sntese das configuraes gerais da heterogeneidade

    discursiva produzida em sala de aula, sem qualquer pretenso de fixar os resultados ou mesmo

    reduzir a atividade aos seus aspectos quantitativos. Em linhas gerais identificam-se os seguintes

    significados:

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    REALIS, v.4, n. 02, Jul-Dez. 2014 ISSN 2179-7501

    Quadro I Significados atribudos pesquisa educacional

    Principais Significados Nmero de Respondentes

    Processo 11

    Produto 04

    Componente Curricular 04

    Base de Formao 02

    No Respondeu 01

    TOTAL 22

    Fonte: CEDU/UFAL- Pesquisa Educacional quinto semestre matutino 2013

    A maioria dos estudantes utilizou a noo subjacente de processo para indicar o seu

    significado pessoal para a pesquisa educacional. Todas as respostas que indicavam uma sequncia

    mais ou menos sistemtica de aes que conduzem busca por conhecimento foram

    consideradas como portadoras do sentido de processo na definio do que a pesquisa

    educacional, a exemplo da resposta da Estudante A, que diz o seguinte: uma estratgia usada

    para aprofundar conhecimentos com base em pesquisa de campo, fatos reais, etc. A resposta foi

    bastante resumida, mas destacou a natureza estratgica da pesquisa e o trabalho de campo

    como marca de qualificao da mesma, o que sugere um encadeamento de aes e, ao mesmo

    tempo, uma busca pelo conhecimento.

    Um grupo significativo destacou em suas respostas a pesquisa como ferramenta,

    instrumento ou objeto, a Estudante B disse o seguinte: definiria como objeto norteador das

    metas para a organizao de objetivos tericos e prticos. A nfase nesta concepo indica a

    pesquisa como produto; algo que nos apresentado sob uma forma especfica com alto grau de

    definio material e simblica disponvel para determinados usos, no caso da resposta da

    Estudante B a aplicabilidade da pesquisa serve para nortear metas.

    Em igual correspondncia com o nmero de respostas que definiram a pesquisa como

    produto esto aqueles que indicaram a pesquisa como componente curricular. Segundo a

    Estudante C a pesquisa educacional ...uma rea do conhecimento que visa o aperfeioamento

    constante na educao . Neste caso o que predominou foi a correlao imediata entre a pesquisa

    e o componente curricular no qual a estudante est matriculada. Embora estas respostas possam

    indicar, tambm, uma viso de produto, procurei destac-las de forma distinta porque tais

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    REALIS, v.4, n. 02, Jul-Dez. 2014 ISSN 2179-7501

    respostas sugerem que ao menos quatro estudantes, cerca de 20% do total de respondentes,

    estabeleceram relaes imediatas entre a pergunta feita e o contexto em que estavam. Isto sugere

    uma forma de pensar excessivamente centrada nas configuraes imediatas do espao e tempo

    em que a atividade foi vivenciada.

    Houve ainda duas pessoas que identificaram a pesquisa educacional como base de

    formao para o educador. A Estudante D disse compreender a pesquisa como base para o

    trabalho do educador, esta resposta sugere o reconhecimento de outras prticas e saberes

    necessrios formao do educador. A pesquisa educacional seria portadora destas prticas e

    saberes, segundo a estudante.

    O nico texto que no apresentou resposta questo, no entanto, respondeu a questo

    posterior que diz o seguinte: qual a importncia da pesquisa para a formao do educador?. A

    estudante que no encontrou resposta para definir o significado da pesquisa educacional no

    hesitou em responder que a pesquisa serve para nortear o professor no desenvolvimento do

    aluno e prprio. Em alguma medida esta resposta abrange os dois quesitos destacados nas

    questes trabalhadas em sala de aula e toca transversalmente no tema que estou tentando

    desenvolver neste ensaio. nortear o professor no desenvolvimento do aluno e prprio situar

    pessoas nos contextos sociais em que se desenvolvem como pessoas. O que temos diante de ns

    um mosaico de diferentes enunciaes sobre um mesmo tema. Assim uma sala de aula, um

    espao multifacetado, atravessado por diferentes relaes sociais, histricas e culturais que nem

    sempre se deixam reduzir a uma viso nica de mundo.

    As diferentes respostas oferecidas pergunta como voc definiria a pesquisa

    educacional produziram visibilidade para os diversos pontos de vistas dos estudantes sobre o

    tema. Ao se colocarem a pergunta, a partir da provocao do questionrio, os prprios estudantes

    passaram a se perguntar mais sobre o tema, deram-se conta das suas dvidas a respeito do

    questionamento, comearam a trabalhar os sentidos com os quais buscamos no curso dos

    trabalhos em sala de aula, ampliar e aprofundar conhecimentos sobre o tema.

    Alm de encontrar uma multiplicidade de respostas, os questionrios nos permitem

    compor novos instrumentos para retornar questo; sempre que quisermos rever posies, alter-

    las e at mesmo abandon-las ao longo dos nossos processos formativos. A matria prima das

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    REALIS, v.4, n. 02, Jul-Dez. 2014 ISSN 2179-7501

    trocas emergentes nas fuses entre a atitude etnogrfica e os processos de ensino gera roteiros

    para darmos voltas com o conhecimento a partir das reciprocidades do ensinar e no aprender

    com os outros.

    6 As conversaes e os diferentes ciclos de participao na produo do conhecimento

    Estar s voltas com os outros o que define o conversar, e o conversar por sua vez, o

    que permite seguir na produo social do conhecimento fazendo, desfazendo e refazendo relaes

    com as pessoas e as obras deixadas pelas pessoas. Reconhecer a sala de aula como um espao de

    mltiplas conversaes exige ultrapassar as simplificaes que reduzem as relaes professor-

    aluno a relaes do tipo eu-tu. A sala de aula um espao de vrios entre-ns vertiginosos,

    farpados, repletos de clivagens, desnveis, ondulaes, fluxos e armadilhas relacionais. Neste

    espao h muitas indefinies, apesar das delimitaes rigorosas que separam as pessoas no que

    se refere s formas de ocupao institucional dos espaos destinados s prticas de conhecimento.

    Alm das diferentes posies que as pessoas produzem atravs das histrias de vida que

    as produzem. Alm das desigualdades sociais e cognitivas que as pessoas carregam em suas

    trajetrias formativas. Alm dos conflitos previsveis e imprevisveis que emergem dos contrastes

    das interaes nas salas de aula. As alternativas de congruncia no linguajar e no emocionar que

    viabilizam as relaes na produo do conhecimento entre os educadores e as educadoras com os

    seus outros. Corre um provrbio popular no Brasil que diz: falando que se entende, eu

    ampliaria este provrbio para afirmar que na sala de aula falando que se entende e se sente

    aqueles com quem se entende. Conversar ao mesmo tempo situar e transitar entre

    aproximaes sensveis e distanciamentos necessrios para construir mltiplas perspectivas de

    interaes entre diferentes prticas de conhecimento.

    As conversaes, ou melhor, as diferentes situaes de conversar com os outros que

    compem os cenrios das salas de aula. Compreender as diferentes dinmicas que situam as

    pessoas na partilha do conhecimento em campo e na sala de aula pode talvez, contribuir para

    encontrarmos na atitude etnogrfica algo que extrapola suas distines de usos

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  • lamo Pimentel

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    REALIS, v.4, n. 02, Jul-Dez. 2014 ISSN 2179-7501

    institucionalizadas. Talvez seja importante lembrar que todo pesquisador e toda pesquisadora que

    tambm se ocupam de tarefas do ensino, s vezes, passam mais tempo em sala de aula que em

    campo. Logo, colocar em sala de aula as diferentes estratgias utilizadas em campo para

    compartilhar com os outros a palavra vivida pode contribuir significativamente para alterar as

    formas excessivamente naturalizadas de ensinar e aprender. Ainda que isto no resulte em matria

    prima para novas pesquisas, poder resultar em matria prima para a assuno de novas posturas

    nas relaes com as pessoas.

    Conversar no um processo tranquilo, tampouco igualitrio de compartilhar diferentes

    pontos de vista sobre temas e assuntos socialmente relevantes para nossas formaes. Alis, a

    depender das posies que assumirmos no interior de uma roda de conversa as diferenas que

    produzimos na proximidade com os outros podem se tornar muito maiores do que aparentam ser

    quando estamos distncia uns dos outros. Basta prestar um pouco mais de ateno ao observar o

    que acontece conosco e com as pessoas quando entramos em situao de conversa. Uma simples

    conversa pode gerar competies de retricas quando as pessoas entram em disputa para

    mostrarem que sabem mais de determinados assuntos que outras. H ainda situaes em que a

    inveja, a desconfiana, ou frustraes pessoais so acionadas logo nas primeiras trocas de

    palavras. H situaes de encantamento com performances discursivas. Mas ocorrem tambm

    situaes de silenciamentos. H, sobretudo, efervescncias de subjetividades produzindo

    configuraes incertas, mas generativas de prticas de conhecimento nas interaes enquanto

    perdura uma conversa.

    Certa ocasio uma estudante me revelou que temia determinada professora porque ela (a

    professora) fazia perguntas difceis, para acuar os estudantes e testar suas ignorncias. Segundo

    a estudante, ao longo do tempo o grupo se acostumou com as atitudes da professora, mas ela (a

    estudante) desenvolveu uma tcnica para lidar com a situao. Assim que a professora acabava de

    explicar o assunto, antes mesmo de provocar as questes inquietantes, a estudante fazia uma

    lista de perguntas sobre o contedo do texto apresentado e disparava contra a professora. Fez isso

    durante vrias semanas. Diante de todas as perguntas e da persistncia da estudante nas perguntas

    a professora foi aos poucos mudando sua atitude. Com o passar das semanas a professora esticava

    as explicaes e antes mesmo que a estudante perguntasse qualquer coisa, dava o assunto por

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    REALIS, v.4, n. 02, Jul-Dez. 2014 ISSN 2179-7501

    encerrado, recomendava leituras para as prximas aulas e ia embora. Este exemplo mostra que as

    rodas de conversa so tambm rodas de aprendizagem dos exerccios de poder em sala de aula.

    O que eu pretendo indicar que as situaes de conversa so conflituosas e virtuosas na

    emergncia de possibilidades de estar-juntos na produo de conhecimento, seja na sala de aula,

    seja nos nossos campos de investigao. Em ambos os espaos nossos pontos de partida para nos

    relacionarmos com as pessoas sero diferentes, mas as orientaes e posies que assumimos ao

    produzirmos reciprocidades no processo podem ser extremamente fecundas quando utilizamos o

    poder a favor das identificaes com os outros. Neste sentido que entendo a sala de aula como

    um espao para a deflagrao de diferentes ciclos de produo do conhecimento que circunda e

    alimenta nossas prticas educativas.

    Alm de ensinarmos contedos programticos dos saberes escolares, podemos aprender

    outras formas de interagirmos na produo do conhecimento. As diferentes experincias

    conversacionais possibilitam tambm diferentes congruncias nos nossos fazeres enquanto

    educadores e educadoras. Ao se deslocar com os outros na conversa o educador e a educadora

    alterna posies, escuta em profundidade as diferentes questes lanadas e parte destas questes

    para ampliar as possibilidades de compreenso dos saberes em processo nas suas prticas de

    dizer-fazer com os outros. H um ir e vir recorrente marcado por continuidades e

    descontinuidades que so prprias dos efeitos do conversar. neste cenrio de lutas por

    definies de significados para a experincia vivida, que aqui compreendemos tambm como

    conversar, que os ciclos do conhecimento na etnografia geram mais conhecimento sobre a

    antropologia ao mesmo tempo em que geram mais dvidas sobre as possibilidades de se definir a

    cultura, ou as culturas, em conceitos unvocos. Concatenar diferentes prticas de conversao o

    que torna possvel inscrever a atitude etnogrfica nos processos de ensino.

    Compreender o conversar como forma de agenciamento da atitude etnogrfica na sala de

    aula o que me permite, afirmar, ainda que provisoriamente, que entre o saber ensinar e assumir

    posies sociais em sala de aula as possibilidades de congruncia no agir so infinitas, basta que

    tenhamos olhos para ver, ouvidos para ouvir e bom senso para partilhar espaos de entendimento

    com os outros com os quais convivemos na sala de aula e fora dela.

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  • lamo Pimentel

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    7 Situar, traduzir, transitar, educar

    Procurei at aqui indicar os caminhos possveis para a inscrio da atitude etnogrfica na

    sala de aula. Ao longo deste ensaio o meu maior propsito foi destacar as formas de

    agenciamento advindas da etnografia, a ttulo de enfatizar a descolonizao dos processos de

    ensino, a fim de ressaltar a importncia de outras formas de aprender a conviver com os grupos

    sociais que constituem as salas de aula. Para isto parti do questionamento das prticas de ensino

    excessivamente institucionalizadas na contemporaneidade.

    Contemplar, produzir discursos, problematizar, diferenciar pontos de vistas e conversar

    so formas de agenciamento que no se submetem a uma ordem linear. Na verdade so

    emergncias de experincias vividas, nas quais, buscamos ocupar lugares nas relaes para nos

    movermos com os outros e, em alguma medida, gerar as possibilidades de identificao que

    fazem com que nossas co-presenas perdurem nos processos em que tomamos parte com os

    outros na produo do conhecimento.

    Os caminhos percorridos at aqui buscam mostrar que alm de nos situarmos com os

    outros, protagonizamos formas de traduo intercultural em que diferentes saberes co-operam na

    produo de sentidos. Para estar e permanecer nas relaes uns com os outros, deflagramos

    diferentes experincias de trnsito cultural a partir das aprendizagens na vida social e, ento,

    reconhecermos a educao na heterogeneidade do ensinar e do aprender que emerge das nossas

    identificaes.

    Neste sentido, o que eu tentei mostrar foi que a partir das formas de nos situarmos nas

    relaes (configuradoras da atitude etnogrfica) so geradas formas de tradues das diferentes

    experincias cotidianas que se colocam em causa. Ao mesmo tempo, ensinamos e aprendemos

    uns com os outros em trnsito, na medida em que construmos reciprocidades nas nossas

    identificaes culturais. Identificar-se com construir novos topoi de instalao das relaes de

    poder-saber que abrem outros horizontes de interaes. Isto exige reconhecer todas as formas de

    produo da inexistncia dos outros nas nossas situaes de convvio social conforme nos orienta

    Boaventura de Sousa Santos (2008), refut-las e a partir de aprendizagens recprocas das

    Jaciel AlvesRealce

  • A atitude etnogrfica na sala de aula

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    REALIS, v.4, n. 02, Jul-Dez. 2014 ISSN 2179-7501

    ausncias e emergncias que marcam os nossos presentes, provocar emancipaes intelectuais

    que transformem radicalmente as relaes de poder ainda vigentes no trabalho do conhecimento

    nas escolas e fora delas.

    Reconhecer-se como educador e como educadora extrapolar as presses que sequestram

    nossas vozes em nome dos ordenamentos institucionais que ainda insistem na separao brutal

    que divide o ensinar do pesquisar, e subalternizam o aprender como condio de inferioridade nas

    nossas relaes com o saber.

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    Jaciel AlvesRealce

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