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ALICE WALKER E ZORA NEALE HURSTON: RESGATE E
CIRCULAO DE ESCRITOS INVISIBILIZADOS
Raphaella Silva Pereira de Oliveira1
___________________________________________________________________________
RESUMO
O presente artigo busca refletir como Alice Walker, escritora
afro-americana, em uma pesquisa que envolveu solidariedade
feminina e racial, reflexos da sua teoria womanista, resgatou as
obras de Zora Neale Hurston, escritora do perodo conhecido
como Harlem Ranassaince, mas que teve sua produo
invisibilizada pelas estruturas sexistas. Busca pensar sobre os
modos de circulao da escrita feminina negra, bem como a
forma que o resgate das obras de Hurston colaborou para a
sistematizao dos estudos sobre mulheres negras nos
Estados Unidos. Desse modo, promove pensares sobre
caminhos para a sistematizao da literatura feminina negra no
Brasil e de uma epistemologia feita por e para mulheres
negras.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Mulheres Negras. Resgate.
Invisibilidade.
1 Mestra em Crtica Cultural/UNEB, professora do curso de Letras habilitao em Lngua Inglesa na Universidade do Estado da Bahia Campus XXIII Seabra. E-mail: [email protected] Lattes:http://lattes.cnpq.br/1592753260946214
mailto:[email protected]://lattes.cnpq.br/1592753260946214
ISSN 2179-2984________________________________________ Ano 5, N 6, Abril/2014-Maio/2016, pp. 71-86
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INTRODUO
O presente artigo trs algumas das reflexes que iniciei no mestrado do
programa de ps-graduao em Crtica Cultural da Universidade do Estado da
Bahia2 com a pesquisa intitulada Representaes da sexualidade de mulheres
negras em narrativas de Alice Walker. Contudo, um recorte. Um recorte que
revisitado tempos depois, me permitindo refletir sobre assertivas ditas no passado.
Olhar o passado... Esse o real objetivo desse trabalho. Mais especificamente,
olhar o passado da emergncia de uma escrita feminina negra estadunidense.
Reaprender. Redescobrir o texto, si redescobrir, enquanto sujeito histrico
atravessado pelas identidades: ser negra, ser mulher, ter uma classe social, ter uma
sexualidade. objetivo tambm, pensar como a experincia das intelectuais
acadmicas negras estadunidenses pode contribuir para a sistematizao de uma
produo intelectual/ literria feminina negra no Brasil e de uma epistemologia feita
por e para mulheres negras.
A emergncia de uma produo literria realizada por pessoas negras
nos Estados Unidos foi um exerccio que pode ser traduzido como uma tarefa que
mesclou beleza, resistncia e sensibilidade. O presente texto tem seus olhos
direcionados para as escritoras estadunidenses Zora Neale Hurston e Alice Walker.
Duas mulheres que se encontram na escrita, cujas palavras so expresses de
signos da experincia de ser negra. Escritoras de perodos distintos, mas que usam
sua arte como espao de representao e empoderamento de mulheres negras.
Tentou se, ainda que forma tmida, revisitar o perodo escravocrata dos
Estados Unidos, que muito influenciou as primeiras manifestaes literrias das
pessoas negras (Hattnher, 1990). Contudo, o emergir dessa escrita no significou o
aparecimento das produes de mulheres negras. Essas permaneceram
invisibilizadas pelas estruturas racistas e sexistas estadunidenses.
Rompemdo paradigmas de um fazer cientfico branco e masculino, a
dcada de 1980 marcada pelo processo de institucionalizao dos estudos sobre
as mulheres negras nos Estados Unidos. Tal processo contou com uma intensa
2 Universidade do Estado da Bahia Campus II, Alagoinhas.
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produo de intelectuais negras engajadas nas mais diversas reas do
conhecimento. Sistematizar os escritos das mulheres negras estadunidenses
tambm comps esse projeto (Caldwell, 2010). O compromisso com esse ideal
abraado por Alice Walker, mulher negra que nasceu no sul rural dos Estados
Unidos da Amrica (EUA), uma autora que alcanou reconhecimento mundial
produzindo uma literatura que reflete seu compromisso com a emancipao das
mulheres negras. O uso da palavra a ferramenta de Walker para alcanar esse
compromisso, que versa sobre a existncia de uma solidariedade que tem a raa
como ponto de encontro.
Hurston tambm do sul, sul que ela apresentou a comunidade negra
americana na dcada de 1920, em um perodo marcado por exploses artstico-
literrias de pessoas negras do bairro do Harlem. Entretanto, as produes da
autora ganharam visibilidade anos aps sua morte, a partir das aes de mulheres
negras acadmicas comprometidas com a visibilidade das produes intelectuais
do grupo, dentre as quais, Walker, que empreendeu uma ampla pesquisa de
resgate a vida e obra de Zora Neale Hurston. A ao de Alice Walker intencional.
Ela reflete uma das premissas de sua teoria womanista, que doravante ser
apresentado nesse texto.
Finalizando a discusso, busca-se debater como a experincia de Walker
no resgate as obras de Hurston, e em um olhar mais amplo, como a experincia da
produo e sistematizao dos estudos sobre as muheres negras nos Estados
Unidos, podem contribuir para o fomento dos modos de produo e circulao da
produo intelectual/literria das mulheres negras no Brasil.
A metodologia utilizada a pesquisa bibliogrfica, sendo este um trabalho
de natureza qualitativa. Os dilogos tericos foram traados com as contribuies
de historiadores/as pesquisadores/as da negritude nos EUA. Os pressupostos
tericos fornecidos pelo feminismo negro e o womanism tambm forneceram
subsdios para os argumentos apresentados nesse trabalho.
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1. RAZES DAS PRODUES ARTSTICO-LITERRIAS AFROAMERICANAS.
Conhecer a histria da escravatura nos Estados Unidos de total
relevncia para compreenso da emergncia dos escritos da populao negra desse
pas.
Como os demais pases da Amrica, os Estados Unidos tem em sua
histria a mancha sangrenta da escravido, cujo incio antecede sua independncia,
comeando quando ainda colnia inglesa: O primeiro navio holands com escravos
negros chegou Virgnia em 1619, conforme Leandro Karnal e outros (2010, p. 63)
que pontuam, ainda, que, em duas dcadas, em toda a colnia, havia trabalho
escravo sob as mais terrveis condies, posto que, para os senhores, as/os
escravas(os) eram vistos como bens materiais e tratados da mesma forma que os
animais. Aquelas(es) que conseguiam sobreviver travessia nos navios negreiros
(onde havia um alto ndice de mortalidade), eram obrigadas(os) a trabalhar
arduamente nas lavouras rurais, sofrendo duros castigos.
O nmero de escravizados(as) era considervel ao Sul da colnia,
principalmente na Virgnia e Carolina do Sul onde tambm existia o medo da
rebelio, pois a maioria dos(as) negros(as) no aceitava passivamente a condio
de escravos(as).
Em 1776, perodo da independncia, quando as treze colnias se
tornaram um s pas, os Estados Unidos, no houve alterao na condio dos(as)
escravizados(as). Contudo, em 1808, o trfico abolido e, em 1830, organiza-se
uma luta antiescravista; assim, idias abolicionistas passam a circular no cenrio
estadunidense, o que contrariava os interesses dos senhores sul do pas, onde a
mo de obra escrava era fortemente explorada nas lavouras de algodo e tabaco
(MINTZ E PRICE, 2003).
Logo, o processo de abolio e as questes raciais dividiam o recm-
formado Estados Unidos: para os donos de lavouras do Sul, era de total interesse a
manuteno da escravido, enquanto a regio Norte, onde avanava a indstria,
desejava a abolio, pois precisava de protecionismo e de trabalhadores(as)
assalariados(as) para movimentar sua economia.
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Sem dvida, a Guerra da Secesso3, entre o Norte e o Sul dos EUA foi
um marco na questo da escravocrata deste pas. Muitas(os) negras e negros
migravam para o norte para conseguir liberdade, pois, nesta regio, eram
declarados(as) livres, ganhando assim, o ttulo de cidads e cidados. De acordo
com Karnal e outros:
Durante a Secesso, os escravos utilizaram a Guerra Civil do melhor jeito que podiam para se tornar livres: cada vez que uma tropa do Norte invadia uma regio confederada, um enorme contingente de negros fugia das fazendas e, dessa maneira, colaborava para o desmoronamento do sistema escravista. (2010, p. 134).
O final da guerra, em 1865, com a vitria do Norte, demarcou tambm, o
fim da escravido. Aqui vale dizer, que o deslocamento para o norte torna-se um fato
notrio, visto que marca o momento da emergncia das manifestaes artsticas
negras esta