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Kátia Silva Tomaz Alternância de vogais médias posteriores em formas nominais de plural no português de Belo Horizonte UFMG Belo Horizonte 2006

Alternância de vogais médias posteriores em formas ... Língua portuguesa – Fonologia – Teses. 2. Língua ... 3. Língua portuguesa – Fonética – Teses. 4. Língua portuguesa

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Ktia Silva Tomaz

Alternncia de vogais mdias

posteriores em formas nominais de plural

no portugus de Belo Horizonte

UFMG Belo Horizonte

2006

Ktia Silva Tomaz

Alternncia de vogais mdias posteriores em

formas nominais de plural no portugus de Belo Horizonte

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em

Estudos Lingsticos da Faculdade de Letras da Universidade

Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obteno do

ttulo de Mestre em Lingstica.

rea de Concentrao: Lingstica.

Linha de Pesquisa: D _ Organizao Sonora da Comunicao

Humana.

Orientadora: Profa. Dra. Thas Cristfaro Alves da Silva.

Belo Horizonte Faculdade de Letras da UFMG.

2006

Tomaz, Ktia Silva T655a Anlise de vogais mdias posteriores em formas nominais de plural

do portugus brasileiro [manuscrito] / Ktia Silva Tomaz. 2006. 114 f., enc. : il. , grafs. ; 29 cm. Orientadora : Profa. Dra. Thas Cristfaro Alves da Silva .

rea de concentrao: Lingstica. Linha de pesquisa: Organizao Sonora da Comunicao Humana.

Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Minas Gerais,

Faculdade de Letras. Bibliografia: f. 92-99. Anexos: f. 100-114

1. Lngua portuguesa Fonologia Teses. 2. Lngua portuguesa Vogais Teses. 3. Lngua portuguesa Fontica Teses. 4. Lngua portuguesa Portugus falado Belo Horizonte (MG) Teses.

I. Cristfaro Silva, Thas. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Letras. III. Ttulo. CDD: 469.15

Aos meus pais e irmos,

pelo amor, companheirismo e energia que

enriquecem e do sentido minha vida.

AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado foras para cumprir esta importante tarefa e por estar

presente em todos momentos de minha vida. minha orientadora, Dr Thas Cristfaro-Silva, pela

amizade, carinho, pelo brilhante exemplo de profissional, dedicao ao meu trabalho, pela

pacincia em meus momentos de dificuldade e pelos preciosos ensinamentos transmitidos minha

formao. Aos meus pais, Maria do Carmo e Jos Grigrio e aos meus irmos, William e Weslley

por todo amor, apoio, carinho, compreenso e incentivo. Aos membros de minha grande famlia:

tios, tias, primos, primas, etc e especialmente aos meus avs: Estevo, Maria, Joo e Dina (in

memorian). todos que gentilmente participaram da gravao dos dados para esta dissertao. s

escolas Marlia de Dirceu, ETFOP, UFOP (ICHS), UFMG (FALE-POSLIN). Aos professores do

Marlia e notadamente Edna (primeira professora). Aos professores da ETFOP e de maneira

especial Silvana e ao Fernando que me acolheram com tanto carinho no estgio e Maria Ins,

Rita Nogueira, Suely, Ricardo, Paulinho, Csar. Aos professores da UFOP (ICHS), especialmente

J. Luiz V. Real, D.Hebe, Vanderlice, Denise, Ktia H., Glria, Srgio R., William M., Maria Slvia,

Madalena e especialmente Adriana Marusso, Margareth Freitas e ao Mrio Alexandre, por todo

apoio e incentivo que foram fundamentais para que eu me ingressasse no mestrado. Aos

professores da UFMG (POSLIN): Csar Reis, Deise Dutra, Jnia Ramos, Rui Rothe, Jos Olmpio

e Hwa Lee por todos conhecimentos ministrados em seus cursos e pelas crticas e sugestes feitas a

este trabalho. A todos funcionrios da UFMG, aos membros do membros do LABFON, do

POSLIN, do Projeto ASPA por todo apoio fornecido. Aos colegas e amigos da UFMG pela

convivncia, pela valiosa amizade e por todo apoio, sobretudo Elaine, Isabel, Mara, Ana Paula,

Lirian, Rivnia, Marlcia, Daniel, Aline, Alexandre, Andria, Irene, Leandra, Adriana, Patrcia,

Leandro, Leonardo, Thiago, Idalena, Camila N., Erick , Frederico, e, de maneira mais especial aos

colegas: Raquel, Daniela, Camila L., Sandro, Rubens, Adelma e Alan pela amizade, pacincia e por

tantos favores concedidos: sugestes, emprstimo de textos, e-mails trocados, leituras e etc. A

todos colegas de Ouro Preto, Mariana, Itabirito, Belo Horizonte, aos colegas do Marlia, da

ETFOP, da UFOP, da turma D3INF1 e especialmente Aline, Carla, Sheila, Miriam, Daiana,

Bruno A., Kelle, Edna, Isaac, Luciana, Jacqueline, Roberto, Flvia, Geraldo, Henrique, Marcos.

FUMP e Moradia por todo apoio concedido e especialmente Edla e Mnica. Aos vizinhos da

Moradia: Reginaldo, Gabi, Jnia, Larissa, Jlio, Rodrigo, Marcos Aurlio, Henrique, Edgard, Joo,

Pequi e Robson. s colegas do eterno apartamento "Olimpo": Jaqueline, Marceli, Lidiane, Tatiana,

Rosiley, Solange, Mariana, Sofia e Dayse pela amizade, apoio, carinho, por nossas longas

conversas na cozinha e por tantos momentos inesquecveis. CAPES, pelo apoio financeiro

indispensvel aos meus estudos. Enfim, a todos que de alguma forma contriburam com esta

pesquisa. A vocs, registro aqui o meu simples e sincero muito obrigada!

"No h ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres

se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando,

reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me

indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e

me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda no o conheo e comunicar ou

anunciar a novidade. "

Paulo Freire

RESUMO

Esta pesquisa analisa a alternncia entre as vogais mdias posteriores tnicas,

aberta [] e fechada [o], em formas nominais de plural, no portugus de Belo Horizonte:

caroos ~ caros. H trs casos a serem observados (Cf. MIRANDA, 2002). O primeiro

caso abrange nomes que apresentam vogais mdias posteriores tnicas abertas em ambas as

formas de singular e plural, como, cpo, cpos. O segundo caso, ao inverso, inclui nomes que

tm vogais mdias posteriores fechadas em ambas as formas de singular e plural, como,

sogro, sogros. J o terceiro caso abarca nomes que apresentam vogais mdias posteriores

fechadas no singular e abertas no plural, como, coro, cros. Alves (1999), que estuda o

comportamento das vogais mdias [] e [o] em posio tnica, aponta que o plural um forte

condicionador para a variao entre tais vogais. Por essa razo, optamos por analisar a

variao de timbre (aberto ou fechado) das vogais mdias posteriores tnicas na flexo de

nmero plural: miolos ~ milos. A fim de analisarmos essa alternncia, adotamos, como base

terica, modelos multi-representacionais: a Fonologia de Uso (BYBEE, 2001) e a Teoria de

Exemplares (PIERREHUMBERT, 2001). Utilizamos dados de 24 participantes de Belo

Horizonte e fizemos uma anlise estatstica desses dados com o programa Minitab for

Windows, verso 13. Nessa anlise, avaliamos, como fatores no-estruturais, a idade, o

gnero, a escolaridade, e o indivduo. Como fatores estruturais, consideramos a freqncia de

ocorrncia e o item lexical. Constatamos, nesta pesquisa, que o fator freqncia de ocorrncia

da palavra foi relevante nesse caso de alternncia entre as vogais [] e [o]. Tambm, os

resultados corroboram a proposta da Fonologia de Uso de que as palavras menos freqentes

mudam primeiro, em casos de mudana sonora sem condicionamento fontico (Cf. BYBEE,

2001; PHILLIPS, 1984).

ABSTRACT

This research analyses the alternation between tonic posterior medium vowels,

both opened [] and closed [o], in nominal forms of plural, in Brazilian Portuguese from Belo

Horizonte: caroos ~ caros. There are three cases to be considered (Cf. MIRANDA, 2002).

The first case includes names that present tonic posterior medium vowels opened in both

forms singular and plural, such as cpo, cpos. The second one, on the contrary, includes

names with tonic posterior medium vowels close in both forms singular and plural, such as

sogro, sogros. However, the third case includes names that present tonics posterior medium

vowels closed in the singular and opened in the plural, such as coro, cros. Alves (1999), who

studies the behavior of medium vowels [] and [o] in tonic position, points out that plural

form is a strong conditioner to variation among such vowels. Based on this research, sound

variation was analyzed in this experiment (opened or closed) of tonic posterior medium

vowels in the plural number inflexion: miolos ~ milos. In order to analyze this alternation,

we adopted, as theoretical base, multi-representative models: the Phonology of Use (BYBEE,

2001) and the Exemplar Theory (PIERREHUMBERT, 2001). Data was collected from 24

participants from Belo Horizonte as statistical analyses was performed with Minitab for

Windows program, version 13. Non-structural factors such as age, gender, education and the

individual were evaluated. Structural factors considered were token frequency and the lexical

item. In this research token frequency factor was verified to be relevant in the case of

alternation between the vowels [] and [o]. Also, the results corroborate the Phonology of Use

proposal that less frequent words change first, in the case of sound change without phonetic

conditioning (Cf. BYBEE, 2001; PHILIPS, 1984).

LISTA DE FIGURAS

QUADRO 1 Caracterizao articulatria................................................................. 18

QUADRO 2 Vocalismo........................................................................................... 22

FIGURA 1: Nuvem de exemplares.......................................................................... 47

GRFICO 1: Avaliao de exemplares................................................................... 48

TABELA 1: Freqncias de ocorrncia ................................................................. 56

TABELA 2 Apreciao geral dos resultados obtidos................................................ 67

TABELA 3 Dados excludos ................................................................................... 67

TABELA 4 Dados esperados e no-esperados ........................................................ 68

TABELA 5 Vogais no-esperadas em casos

especficos de formas nominais de plural..................................................................

68

GRFICO 2 Apreciao geral dos dados.............................................................. 69

TABELA 6 O fator gnero no CASO B.................................................................. 71

TABELA 7 Fator idade no CASO B....................................................................... 71

TABELA 8 Fator escolaridade no CASO B........................................................... 72

TABELA 9 Efeito do indivduo no CASO B........................................................... 74

TABELA 10 Fator freqncia de ocorrncia no CASO B ..................................... 76

TABELA 11 Fator item lexical no CASO B ........................................................... 76

TABELA 12 Fator gnero no CASO C................................................................... 78

TABELA 13 Fator idade no CASO C..................................................................... 79

TABELA 14 Fator escolaridade no CASO C........................................................... 80

TABELA 15 Efeito do indivduo no CASO C........................................................ 81

TABELA 16 Fator freqncia de ocorrncia no CASO C....................................... 82

GRAFICO 3 Fator freqncia de ocorrncia no CASO C..................................... 83

TABELA 17 Fator item lexical no CASO C........................................................... 83

GRAFICO 4: Fator item lexical no CASO C............................................................ 84

SUMARIO

INTRODUO ......................................................................................................... 13

CAPTULO 1 AS VOGAIS MDIAS POSTERIORES TNICAS EM FORMAS

NOMINAIS DE PLURAL.........................................................................

16

1.0 Introduo.................................................................................. 16

1.1 Caracterizao das vogais mdias posteriores .......................... 16

1.1.1 Caracterizao articulatria................................................... 17

1.1.2 Caracterizao acstica........................................................... 19

1.2 Avaliao diacrnica.................................................................. 20

1.3 Avaliao sincrnica.................................................................. 27

1.3.1 Observaes de Cagliari (1997).............................................. 27

1.3.2 A anlise de Alves (1999) ...................................................... 29

1.4 Comentrios finais.................................................................... 33

CAPTULO 2 FUNDAMENTAO TERICA................................................... 35

2.0 Introduo................................................................................ 35

2.1 A freqncia de uso na lngua.................................................... 35

2.2 O papel da freqncia de uso nas lnguas.................................. 37

2.3 Modelos multi-representacionais.......................................... 43

2.4 Comentrios finais..................................................................... 50

CAPTULO 3 METODOLOGIA........................................................................... 52

3.0 Introduo..........................................................................

52

3.1 Preparao de material para anlise....................................... 52

3.2 Seleo de participantes e coleta dos dados................... 59

3.3 Variveis............................................................................

63

3.4 Comentrios finais.............................................................. 65

CAPTULO 4 ANLISE DOS RESULTADOS................................................... 66

4.0 Introduo..................................................................................

66

4.1 Apreciao geral dos dados........................................................ 66

4.2 Anlise das formas de plural do CASO B ................................. 70

4.2.1 Anlise dos fatores no-estruturais do CASO B..................... 70

4.2.2 Anlise dos fatores estruturais do CASO B............................ 75

4.3 Anlise das formas de plural do CASO C................................. 78

4.3.1 Anlise dos fatores no-estruturais do CASO C..................... 78

4.3.2 Anlise dos fatores estruturais do CASO C........................... 82

4.4 Comentrios finais.................................................................... 85

CAPTULO 5 CONCLUSO................................................................................. 89

REFERNCIAS ......................................................................................................... 92

ANEXO A Verso do texto utilizada na gravao............................................ 100 ANEXO B Transcrio dos dados...................................................................... 101

INTRODUO

Esta dissertao avalia a alternncia entre vogais mdias posteriores tnicas,

abertas e fechadas, isto , [o, ], em formas nominais de plural no masculino no portugus

brasileiro falado em Belo Horizonte (MG.)

A literatura (ALVES, 1999) atesta a alternncia entre vogais mdias posteriores

tnicas, abertas e fechadas, em formas nominais de plural, de masculino, como por exemplo,

em: mi[o]los ~ mio[]los. Alves (1999) constatou que a flexo de nmero plural um forte

condicionador dessa alternncia. Tendo em vista essa constatao, optamos por estudar a

variao entre as vogais citadas, em palavras flexionadas no plural. Ainda, essa autora sugere

que o fator freqncia de uso da palavra pode ser um outro condicionador nesse caso,

contudo, ela no chega a fazer uma avaliao disso. Assim, esta dissertao prope investigar

a influncia do fator freqncia na alternncia entre vogais mdias posteriores tnicas, abertas

e fechadas, em formas nominais de plural, preenchendo essa lacuna na literatura.

Podem ser observados trs comportamentos possveis para as vogais mdias

posteriores em posio tnica de formas nominais de plural (Cf. MIRANDA, 2002). O

primeiro caso diz respeito aos nomes que possuem vogais mdias posteriores abertas,

independentemente da flexo nmero, isto , fazem o singular e o plural com vogais abertas:

slo, slos. O segundo caso agrupa os nomes que possuem vogais mdias posteriores fechadas

tanto em suas formas de plural, quanto em suas formas de singular: lodo, lodos. Finalmente, o

terceiro caso apresenta diferenas em relao abertura de timbre entre suas formas, sendo o

singular com timbre fechado e o plural com timbre aberto: ovo, vos Dessa maneira, as

formas de plural esperadas para as palavras dos casos 1 e 3 tero timbre aberto, e as formas de

plural esperadas para o caso 2 tero timbre fechado. Entretanto, como observaremos nesta

pesquisa, as formas de plural pertencentes aos casos 2 e 3 podero apresentar variao sonora

com relao ao timbre das vogais mdias posteriores, se aberto ou fechado.

Nesta dissertao, sugere-se que as variaes de timbre voclico encontradas nas

formas de plural de palavras com vogais mdias posteriores podem estar ocorrendo devido a

efeitos de freqncia lexical na lngua. A fim de avaliarmos os efeitos da freqncia, esta

pesquisa baseou-se principalmente nos fundamentos tericos da Fonologia de Uso (BYBEE,

2001) e da Teoria de Exemplares (PIERREHUMBERT, 2001) e adotou a seguinte hiptese :

os plurais que apresentam qualidade voclica no-esperada em

relao abertura do timbre tnico (-aberto ou fechado)

apresentam baixa freqncia de ocorrncia na lngua, por este caso

tratar-se de mudana sonora sem condicionamento fontico.

Isto decorre da proposta de Phillips (1984, 2001) e Bybee (2001) de que as formas

pouco freqentes numa lngua que estejam sujeitas s mudanas sonoras sem motivao

fontica apresentaro a mudana em grau acentuado (com relao s palavras de uso mais

freqente). Avaliamos tambm o comportamento do item lexical e de fatores no-estruturais,

como, por exemplo, gnero, faixa etria, escolaridade e indivduo porque alguns estudos

indicam a relevncia destes fatores em casos de variao sonora (Cf. LABOV, 1972, 2001).

Com base nos referenciais tericos adotados, os objetivos norteadores desta pesquisa so:

avaliar os efeitos de freqncia de ocorrncia nos casos de

alternncia entre vogais mdias posteriores tnicas em formas

nominais de plural no masculino, no portugus de Belo Horizonte;

avaliar o comportamento dos itens lexicais especficos na variao

observada entre vogais mdias posteriores abertas e fechadas, em

formas de plural;

avaliar, no caso em estudo, a interferncia dos fatores no-

estruturais: gnero, idade, escolaridade, indivduo.

Esta dissertao est organizada da seguinte forma: o primeiro captulo resenha a

literatura referente s vogais mdias posteriores em posio tnica, com base em estudos

diacrnicos e sincrnicos do portugus brasileiro. O segundo captulo discute efeitos de

freqncia de uso nas lnguas naturais e introduz os principais referenciais tericos adotados

isto , a Fonologia de Uso (BYBEE, 2001) e a Teoria de Exemplares (PIERREHUMBERT,

2001). O terceiro captulo apresenta a metodologia adotada no desenvolvimento desta

pesquisa, explicitando como ocorreu a obteno do material de anlise, descrevendo as

caractersticas dos participantes que forneceram dados e apresentando as variveis utilizadas

na pesquisa. O quarto captulo apresenta a anlise dos dados e discute os resultados obtidos

luz dos modelos tericos adotados. O quinto captulo apresenta uma sntese desta pesquisa,

indicando as principais contribuies e concluses desta dissertao, e apontando sugestes

para o desenvolvimento de trabalhos futuros.

CAPTULO 1

AS VOGAIS MDIAS POSTERIORES TNICAS EM FORMAS

NOMINAIS DE PLURAL

1.0 Introduo

Este captulo avalia o comportamento das vogais mdias posteriores em formas

nominais de plural no masculino, com base em estudos diacrnicos e sincrnicos e est

dividido em quatro partes. A primeira parte caracteriza articulatria e acusticamente as vogais

mdias posteriores no portugus brasileiro. A segunda parte apresenta uma avaliao

diacrnica do comportamento das vogais mdias posteriores em formas nominais de plural. A

terceira parte, com base em estudos sincrnicos, discute os trabalhos de Cagliari (1997) e de

Alves (1999). A ltima parte tece alguns comentrios sobre os assuntos tratados em todo o

captulo.

1.1 Caracterizao das vogais mdias posteriores

Vogais so produzidas sem a interrupo da passagem da corrente de ar, logo, no

ocorre nem obstruo, nem frico do fluxo de ar durante a articulao de uma vogal

(ABERCROMBIE, 1967). As vogais se opem s consoantes que so segmentos produzidos

com obstruo total ou parcial da passagem da corrente de ar, podendo ocorrer frico ou no

(LADEFOGED, 1975). Esta seo apresenta uma descrio articulatria e acstica das vogais

mdias posteriores do portugus brasileiro. O prximo item apresenta a descrio

articulatria.

1.1.1 Caracterizao articulatria

Cmara Jnior (1970) classificou as vogais do portugus brasileiro mediante os

seguintes parmetros articulatrios: zona de articulao, elevao da lngua e arredondamento

dos lbios. A elevao da lngua (ou altura) relacionada elevao tomada pelo corpo da

lngua durante a articulao da vogal e refere-se dimenso vertical da lngua. Este parmetro

divide as vogais em: baixa, mdias de 1 grau (abertas), mdias de 2 grau (fechadas) e altas.

A zona de articulao representada atravs da posio do corpo da lngua no

plano horizontal durante a produo da vogal e divide-se em anterior, que a parte da frente

da cavidade bucal; posterior, que a parte de trs da cavidade bucal; e central, que a parte

que est entre a posio anterior e posterior. O grau de arredondamento refere-se aos lbios,

sendo que, durante a articulao, os lbios podem estar ou estendidos, ou arredondados. As

vogais posteriores do portugus brasileiro so arredondadas, e as outras vogais (a central e as

anteriores) no so arredondadas (CMARA JNIOR, 1970).

O QUADRO 1, a seguir, apresenta o sistema triangular das vogais do portugus

em posio tnica, de acordo com Cmara Jnior (1970, p. 41), e destaca, em cinza, as vogais

mdias posteriores, que so os segmentos voclicos de interesse primrio nesta dissertao:

QUADRO 1

Caracterizao articulatria

Altas /i/ /u/

Mdias

(2 grau)

/e/ /o/

Mdias

(1 grau)

// //

Baixa /a/

Anteriores Central Posteriores

O QUADRO 1 diz respeito posio tnica, que a posio acentual de interesse

neste estudo1. Ento, podemos diferenciar as duas vogais mdias posteriores do portugus por

meio da zona de articulao (mdia, de 1 grau ou de 2 grau), de acordo com Cmara Jnior

(1970):

- o : vogal posterior, arredondada, mdia de 2 grau (ou fechada);

- : vogal posterior, arredondada, mdia de 1 grau (ou aberta).

1 A distribuio das vogais mdias em posio tona diferente (CMARA JUNIOR, 1970) e no ser discutida neste trabalho.

Esta seo apresentou a caracterizao articulatria das vogais mdias posteriores

de acordo com Cmara Junior (1970). Passaremos caracterizao acstica das vogais mdias

posteriores no prximo item.

1.1.2 Caracterizao acstica

As vogais podem ser caracterizadas de acordo com os valores de seus primeiros

formantes. Os formantes referem-se s ressonncias do trato vocal. O formante F1

relacionado ao grau de abertura ou altura da vogal e tem as freqncias mais baixas. O

formante F2 refere-se ao grau de anteriorizao/ posteriorizao da lngua (KENT; READ,

1991). Os formantes F1 e F2 so suficientes para descrever as vogais mdias posteriores.

Os formantes F1 e F2 das vogais mdias posteriores, [o, ], so muito prximos.

Podemos diferenciar as vogais mdias posteriores com o formante F1: a vogal mdia aberta,

, tem valores de F1 mais baixos do que os valores de F1 da vogal mdia fechada, o. A vogal

mdia aberta mais baixa do que a vogal mdia fechada. Quanto ao formante F2, a vogal

mdia aberta apresenta valores mais altos do que a vogal mdia fechada, portanto, a vogal

mdia aberta tem um grau mais anterior do que a vogal mdia fechada (Cf. KENT; READ,

1991).

A proximidade acstica entre as vogais mdias abertas e fechadas pode estar

relacionada com a ocorrncia de um timbre intermedirio observado em vogais mdias

posteriores (ALVES, 1999; CAMPOS, 2005). O som do timbre intermedirio apresenta

valores de F1 e F2 to prximos que no se caracteriza nem como uma vogal aberta, nem

como fechada. Esta pesquisa no investigou a natureza acstica das vogais mdias posteriores

com qualidade intermediria, porque foram poucos os dados coletados que apresentaram

vogais com qualidade voclica duvidosa. Adicionalmente, seria interessante avaliar a natureza

das vogais mdias com qualidade intermediria, em conjunto, na morfologia nominal

(ALVES 1999) e na morfologia verbal (CAMPOS 2005). Tal tarefa nos levaria alm dos

propsitos desta dissertao. Um estudo de natureza especfica para analisar a qualidade

voclica intermediria das vogais mdias no portugus brasileiro ainda deve ser empreendido.

Esta seo apresentou uma breve descrio acstica das vogais em estudo e

mostrou a possibilidade de ocorrer um timbre oscilante entre elas. A prxima seo discute

aspectos diacrnicos das vogais mdias posteriores no portugus brasileiro.

1.2 Avaliao diacrnica

Esta seo discute alguns estudos diacrnicos relacionados com a formao de

nominais no plural, que possuem vogais mdias posteriores em posio tnica. Baseamos a

discusso nas gramticas histricas de Horta (s.d.), Carvalho; Nascimento (1984), Nunes

(1989) e nos trabalhos de Williams (1938), Silva Neto (1957), Teyssier (1980), Zgari (1988)

e Cunha (1991).

De acordo com a oposio de quantidade2, o latim clssico apresentava vogais

longas e breves. As vogais longas possuam dois tempos de pronncia, ou seja, uma

pronncia mais demorada, e eram representadas por uma vogal com um trao horizontal

sobreposto: a, e, i, o, u. As vogais breves consumiam tempo menor de durao e eram

representadas por uma vogal com um trao curvo sobreposto: a, e, i, o, u . Na evoluo do

latim para as lnguas neo-romnicas, houve perda do trao de quantidade por volta do sculo

III d. C. (CUNHA, 1991, p. 53), e as dez vogais do latim clssico reduziram-se a sete vogais

2 A oposio de quantidade refere-se maior ou menor durao de pronncia das vogais.

no latim vulgar e passaram a diferenciar-se apenas pela oposio de qualidade aberta ou

fechada (CUNHA, 1991; CARVALHO; NASCIMENTO, 1984).

H uma ampla discusso na literatura sobre a oposio de qualidade das vogais

latinas. Tal discusso tem, sobretudo, por objetivo, identificar a origem das vogais mdias

abertas e fechadas do portugus (Cf. SILVA NETO, 1957; ZAGARI, 1988; TEYSSIER,

1980). Para o tema em discusso nesta dissertao, importante ressaltar que algumas

pesquisas sobre o vocalismo do portugus propem que as vogais do latim clssico j

apresentavam oposio de qualidade. Isto , as vogais breves a, e, i, o, u tinham timbres

abertos, enquanto que as vogais longas a, e, i, o, u apresentavam timbres fechados. A vogal

central [a] manifestava-se sempre aberta, tanto em sua forma longa a quanto em sua forma

breve a . Desta forma, aps a queda da oposio de quantidade, a oposio de qualidade

apenas permaneceu. Por outro lado, outros estudos sugerem que a oposio de qualidade s

surgiu depois da queda da oposio de quantidade. O importante que ambas as vises

ressaltam que a qualidade das vogais de serem abertas ou fechadas decorre de um processo

histrico de evoluo do sistema voclico do portugus.

O QUADRO 2, a seguir, resume a evoluo das vogais latinas at o portugus, de

acordo com Carvalho; Nascimento (1984, p. 52).

QUADRO 2 Vocalismo

Latim Clssico Latim Vulgar Lngua Portuguesa

a a a a

e

e i e e

i i i

o

o u o o

u u u

10 vogais 7 vogais 7 vogais

De acordo com o QUADRO 2, a vogal mdia breve o do latim clssico originou a

vogal mdia aberta no latim vulgar, que permaneceu de maneira idntica na lngua

portuguesa. As vogais o longa e u breve originaram a vogal mdia fechada - o no latim vulgar

e no portugus. Pode-se observar que as vogais mdias do portugus conservaram os mesmos

timbres voclicos do latim vulgar (HORTA, s.d.).

Encontramos referncias na literatura de que, at o fim sculo XVIII, as palavras

cujas slabas finais eram terminadas em -o e que possuam vogais mdias posteriores fechadas

[o], nas slabas tnicas, faziam o plural com o timbre fechado (NUNES, 1989, p. 231;

HORTA, s.d., p. 119), conforme os exemplos citados a seguir: caroo, caroos; corpo,

corpos; osso, ossos; ovo, ovos; poo, poos.

Apesar de Nunes (1989, p. 231) e Horta (s.d., p. 119) sugerirem que as palavras

com [o] tnico fechado e terminadas em [o] mantiveram o timbre fechado at fins do sculo

XVIII, Juca Filho (1961 apud CUNHA, 1991) 3, props que, nos sculos XVIII e XIX, havia

uma variao de pronncia do /o/ que teve como resultado a abertura do timbre da vogal

mdia posterior tnica em formas de plural: cachopo/cachpos; caroo/caros,

contorno/contrnos.

De acordo com a gramtica histrica de Nunes (1989, p. 231), o portugus

atual ainda modifica, na slaba tnica, o timbre fechado do singular [o] para timbre aberto []

no plural de vrias palavras, como, por exemplo: caroo/caros, 'caroo(s)'; corpo/crpos,

'corpo(s)'; ovo/vos, 'ovo(s)'; povo/pvos, 'povo(s)'. Por outro lado, algumas palavras como,

aborto, arrocho, caboclo, canhoto, cebolo, estojo, folgo, folho, garoto, gosto, jorro, molho,

pescoo, xarroco conservam o timbre fechado da vogal nas formas de plural. O autor

tambm observa que h variaes de pronncia em algumas localidades, sendo que uma

mesma palavra pode ser pronunciada com [o] fechado em alguns lugares e com [] aberto em

outros. Contudo, Nunes (1989) no menciona exemplos nem dessas variaes, nem das

localidades a que ele se refere.

Horta (s.d., p. 119) prope cinco regras prosdicas, para explicar as formas de

plural das palavras com vogal fechada [o] no portugus atual, as quais descrevemos a seguir:

1) o [o] tnico final de palavra torna-se [] aberto no plural: avo, avs - 'av';

2) o [o] tnico no-final permanece fechado no singular e em suas formas de

feminino: bobo, boba, bobos - 'bobo'. Uma exceo a esta regra seria: poo,

pa, pos - 'poo';

3 JUCA FILHO, Cndido. O fator psicolgico na mutao voclica portuguesa. Boletim de Filologia, Lisboa: Centro de Estudos Filolgicos. 18, p. 143-153, 1961.

3) se o feminino apresentar [] aberto, o plural do masculino tambm ter

[] tnico aberto: novo, nva, nvos, - 'novo';

4) se a palavra possuir um homgrafo verbal, o [o] tnico permanece fechado no

plural: sopro (s.), spro (v.), sopros (s.) - 'sopro'; choro (s.), chro (v.), choros

(s.) - 'choro';

5) as palavras que no possuem nem forma feminina, nem forma verbal

homgrafa, geralmente, passam para o plural com a vogal tnica aberta. No

entanto, h vrias excees a esta regra: bojo(s), piolho(s), repolho(s);

Comparando as gramticas histricas de Horta (s.d.) e de Nunes (1989) com o

trabalho de Juca Filho (1961), podemos observar que a origem da alterao do timbre

voclico (aberto ~ fechado) das vogais mdias posteriores em formas de plural no portugus

controversa. Ainda, devemos destacar que, quanto s regras formuladas por Horta (s.d.) e

Nunes (1989), no h uma explicao clara que defina o timbre tnico das vogais mdias

posteriores em formas nominais no plural, pois as regras apresentam excees.

Um outro trabalho que deve ser avaliado, nesta dissertao, Miranda (2002).

Essa autora divide as palavras que possuem vogais mdias em trs grupos:

(1) CASO A (timbre aberto): palavras que apresentam a vogal tnica

com timbre aberto tanto nas formas de singular, como nas formas

de plural. Ex.: cpo ('copo') e cpos ('copos');

(2) CASO B (timbre fechado): palavras que apresentam a vogal

tnica com timbre fechado tanto nas formas de singular, como nas

formas de plural. Ex.: lobo (lobo), lobos (lobos), lobas

(lobas);

(3) CASO C (timbre alternante): palavras que apresentam a vogal

tnica com timbre fechado nas formas de singular e a vogal tnica

com timbre aberto nas formas de plural. Ex.: porco (porco),

prcos (porcos), prca (porca), prcas (porcas).

De acordo com Miranda (2002), o grupo apresentado no CASO A tem poucas

palavras e constitui uma exceo. H trs subgrupos de palavras pertencentes CASO A:

a) emprstimos;

b) excees;

c) palavras que entraram no portugus por via erudita.

Nos emprstimos, encontram-se por exemplo: bloco (francs: 'bloc') e bordo

(germnico: 'bord'). O subgrupo de excees refere-se s trs palavras vernaculares, c[]po,

originado de c[]pa; tr[]o que veio de tr[o]o; e palavra m[]lho. A maior parte das

palavras do grupo (1) entrou no portugus por via erudita (CAVACAS4 apud MIRANDA,

2002; WIILIAMS, 1938). Nestes casos, a vogal longa do latim clssico o manifestou-se,

tanto no latim vulgar (timbre contrrio ao do clssico) como no portugus, como vogal aberta

. Exemplos destes casos so: devto de devo tum, clo de collum (MIRANDA, 2002).

O grupo listado no CASO B, que referente s palavras cujas vogais tnicas tm

timbre fechado em todas suas formas, possui um nmero grande de palavras. As vogais

tnicas das palavras do CASO B tm origens variadas, como, por exemplo: lodo (u breve

latino); piolho (emprstimo), globo (o longo latino). Uma observao interessante do trabalho

de Miranda (2002) que, apesar de no fazer uma contagem exata, a autora sugere que as

palavras do CASO B so predominantes em relao s palavras dos CASOS A e C

(MIRANDA, 2002, p. 74).

Miranda (2002, p. 76-79) observou alguns subgrupos de palavras pertencentes ao

CASO C:

a) palavras no-derivadas com alternncia entre [] ~ [o], no feminino

e no plural: porco/ prcos/ prca/ prcas;

b) palavras no-derivadas com alternncia entre [] ~ [o], no plural:

miolo/milos;

4 CAVACAS, A. D'Almeida. A lngua portuguesa e sua metafonia. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1920.

c) palavras formadas por prefixao ou composio com alternncia

entre [] ~ [o], no feminino e no plural: composto/ compstos/

compsta/ compstas;

d) palavras formadas por prefixao ou composio com alternncia

entre [] ~ [o], no plural: aeroporto/ aeroprtos;

e) palavras derivadas por sufixao de -oso, com alternncia entre []

~ [o], no feminino e no plural: gostoso/ gostsos, 'gostoso'.

A avaliao diacrnica que foi discutida nas pginas precedentes importante por

fornecer subsdios sobre a evoluo das vogais mdias na passagem do latim ao portugus e,

conseqentemente, por apresentar informaes relevantes sobre a formao de nominais no

plural que apresentam vogais mdias posteriores, que o nosso objeto de estudo. Com base

nos estudos apresentados at este ponto, podemos concluir que ainda necessrio o

desenvolvimento de novas pesquisas para trazer maiores esclarecimentos sobre o

comportamento das vogais mdias posteriores em formas nominais no plural. A prxima

seo avalia o comportamento das vogais mdias posteriores em formas nominais no plural,

considerando-se aspectos dos estudos sincrnicos de Cagliari (1997) e Alves (1999)

relacionados ao comportamento dessas vogais.

1.3 Avaliao sincrnica

1.3.1 Observaes de Cagliari (1997)

Esta seo trata de algumas partes do trabalho de Cagliari (1997) que do nfase

aos aspectos relacionados s formas nominais de plural que apresentam vogais mdias

posteriores. De acordo com Cagliari (1997, p. 97), os sufixos tonos no afetam a qualidade

tnica da raiz dos nomes. Dessa forma, os sufixos de gnero e de nmero, por serem tonos,

no influenciam a qualidade voclica (se aberta ou fechada) da vogal tnica da raiz dos

nomes.

Cagliari (1997), porm, verifica que h alguns casos "marcados no lxico", em

que ocorre abaixamento voclico em palavras que possuem estes sufixos de gnero e nmero

(CAGLIARI, 1997, p. 110). Estes casos podem ser vistos, segundo o autor, como resultantes

de uma "regra de diferenciao voclica". De acordo com esta regra, as formas masculinas

apresentam duas vogais mdias altas, e as formas femininas e de plural sofrem o abaixamento

voclico: porco/ prca/ prcos/ prcas; poo/ pa/ pos/ pas.

Segundo Cagliari (1997), pronncias dialetais, como em: cachrra/ cachrros -

'cachorro' mostram que a lngua apresenta uma tendncia geral aplicao da regra de

abaixamento voclico, isto , as vogais tendem a ser abertas (CAGLIARI, 1997, p. 111).

Cagliari (1997, p. 121) apresenta exemplos de variao dialetal que mostram tambm a

deleo da marca -s de plural:

o porco os prcos

a prca as prcas

o porco os porco

a prca as prca

A abertura do timbre da vogal tnica ocorre nas formas que apresentam o

morfema de plural. Palavras que no apresentam a desinncia de plural mas que esto em

frases em que o sentido delas de plural pode ser depreendido por meio do artigo flexionado no

plural que as determina, como, "os porco" ocorrem com vogais fechadas. A vogal tnica s

se manifestar com timbre aberto, depois de receber a marca de plural.

As principais contribuies do trabalho de Cagliari (1997) literatura sobre

vogais mdias posteriores em formas nominais de plural so:

a) a observao de abaixamento voclico em pronncias dialetais

(embora o autor no mencione variedades dialetais especficas);

b) a tentativa de explicar o fechamento do timbre em palavras com

sentido de plural, mas que no apresentam morfema de plural: "os

porco".

Esta seo apresentou o trabalho de Cagliari (1997). A prxima seo apresenta o

estudo de Alves (1999).

1.3.2 A anlise de Alves (1999)

Alves (1999) estudou as vogais mdias tnicas, anteriores e posteriores, em

formas nominais no singular e no plural do portugus de Belo Horizonte, mesmo dialeto que

avaliamos nesta dissertao. O objetivo da autora foi o de investigar, qualitativamente, o fator

motivador da variao atestada entre as vogais mdias tnicas, anteriores (e ~ , ex.: corpete ~

corpte) e posteriores (o ~ , ex.: forros ~ frros). Para cumprir seu objetivo, ela avaliou dados

de 21 informantes universitrios e constatou que, das 63 palavras analisadas (13 palavras com

vogais mdias anteriores e 50 palavras com vogais mdias posteriores), 40 palavras, isto ,

63,5% dos dados apresentaram variao em relao ao timbre das vogais mdias anteriores e

posteriores.

No que diz respeito s vogais mdias posteriores, as 50 palavras com vogais

mdias posteriores avaliadas foram dividas em 41 plurais e 9 singulares. Podemos observar,

no trabalho de Alves (1999, p. 91), que, das 41 formas de plural com vogais mdias

posteriores estudadas pela autora, 28 apresentaram variao em relao s vogais mdias

posteriores tnicas, isto , um total de 68,29 %. Alves (1999) tambm encontrou, em 24

palavras de seus dados, a presena de um timbre voclico intermedirio5 onde era esperada

uma das vogais tnicas [o] ou [] (Cf. ALVES, 1999, p. 114).

Em sua anlise, Alves (1999) observou que alguns fatores lingsticos

favoreceram a variao de timbre das vogais mdias posteriores e anteriores, sendo eles:

1- nmero: o plural foi um fator forte no condicionamento da

variao;

2- anterioridade/ posterioridade: as vogais mdias posteriores [o, ]

apresentaram maior variao do que as vogais mdias anteriores

[e, ];

5 Som intermedirio: os valores dos formantes se tornam mais prximos, ou seja, este som possui caractersticas tanto da vogal posterior aberta quanto da fechada (Cf. seo 1.1.2).

3- preferncia pelo singular: algumas vezes, a marca de plural -s no

foi pronunciada. Nestes casos, a vogal tnica permaneceu fechada

no plural: Os [o]vo caipira.

J os fatores no-favorecedores da variao de timbre das vogais mdias

posteriores e anteriores, observados por Alves (1999), foram:

1- gnero: masculino (ex.: rostos) ou feminino (ex.: esposas);

2- correspondncia entre nomes masculino e feminino: no so todas

palavras, como sogro/sgra, que apresentaram correspondncia de

gnero;

3- correspondncia entre formas nominais e verbais: Alves (1999)

apresentou a hiptese de que o nmero de correspondncias entre

formas verbais e nominais pouco freqente no portugus. O

falante dificilmente associar palavras, como, esposos e fofos s

formas verbais espsa e ffo;

4- extenso da palavra: o nmero de slabas. Ex.: cros (2 slabas) e

rebocos (3 slabas)

5- estrutura da slaba: slabas travadas por // ou /s/ ou terminadas em

ditongo. Ex.: prcos~ porcos, pstos~postos, tamios~ tamoios;

6- adjacncias: segmentos seguintes e precedentes s vogais mdias

tnicas.

Segundo a autora, o contraste fonmico entre vogais mdias tnicas orais nos

nomes no produtivo no portugus, uma vez que h poucos pares mnimos (molho/ mlho

de chave) que contrastam as vogais mdias tnicas orais nos nomes, sendo que este aspecto

contribui com a variao de timbre observada nas vogais mdias posteriores tnicas (ALVES,

1999).

Um aspecto importante do trabalho de Alves (1999), o qual deve ser destacado,

nesta dissertao, que essa autora sugere que a freqncia de uso pode influenciar a variao

das vogais em estudo. Isso pode ser visto, por exemplo, no caso de palavras, como, alcovas e

amorfo, que podem apresentar variao de timbre voclico devido ao uso restrito delas na

lngua. preciso dizer que Alves (1999) no chega a investigar essa influncia da freqncia

de uso no fenmeno em anlise.

Em resumo, as principais contribuies do trabalho de Alves (1999) so:

a) mostrar que h variao envolvendo o timbre voclico nas vogais

mdias posteriores tnicas;

b) discutir alguns fatores condicionadores e no-condicionadores da

variao de timbre nas vogais mdias posteriores tnicas;

c) sugerir a presena de um timbre voclico intermedirio observado

nas vogais mdias posteriores tnicas;

d) sugerir que h interferncia da freqncia de uso na variao de

vogais mdias posteriores em posio tnica.

Uma contribuio desta dissertao literatura investigar a influncia do fator

freqncia de uso no caso da variao de timbre nas vogais mdias posteriores tnicas em

formas nominais no plural.

1.4 Comentrios finais

Este captulo avaliou as caractersticas articulatrias e acsticas das vogais mdias

posteriores e discutiu trabalhos diacrnicos e sincrnicos relativos a formas nominais de

plural que apresentam vogais mdias posteriores em posio tnica. No trabalho de Alves

(1999), vimos que o uso que os falantes fazem da lngua poderia ser considerado na avaliao

do fenmeno em anlise. Como afirma Silva Neto (1957, p. 15):

As lnguas esto, pois, em perptua mudana, embora s o repouso seja facilmente perceptvel. A evoluo explica-se, principalmente pela descontinuidade da transmisso e pela prpria constncia do uso.

Por toda a exposio feita neste captulo, percebe-se que relevante investigar o

papel do uso para avaliar a alternncia entre as vogais mdias posteriores. Vimos que, apesar

da existncia de trabalhos sobre o tema desta pesquisa, as controvrsias encontradas na

literatura (como a origem da oposio de qualidade voclica (- aberta ou fechada); a origem

da alterao de timbre voclico nos plurais do portugus (ex.: caroo, caros ), as regras

formuladas para definir a abertura do timbre das vogais mdias posteriores) nos fazem

considerar ser ainda necessrio haver novos estudos. Esta dissertao traz a contribuio de

investigar o papel da freqncia de uso no fenmeno da alternncia das vogais mdias

posteriores tnicas, baseando-se em modelos multi-representacionais, os quais consideram a

atuao da freqncia de uso em fenmenos de variao e mudana sonora. Os referenciais

tericos desses modelos so apresentados no captulo que se segue.

CAPTULO 2

FUNDAMENTAO TERICA

2.0 Introduo

Este captulo apresenta os pressupostos tericos adotados nesta dissertao.

Primeiramente, apresentaremos alguns trabalhos que observam o fator freqncia na

lingstica. Em seguida, trataremos da influncia da freqncia de acordo com dois modelos

multi-representacionais: Fonologia de Uso (BYBEE, 2001) e Teoria de Exemplares

(PIERREHUMBERT, 2001, 2003). Por ltimo, feito um resumo do captulo.

2.1 A freqncia de uso na lngua

O uso da lngua crucial para a organizao do componente lingstico e

determina o modo como gerenciamos as representaes mentais (BYBEE, 2001). Neste

sentido, o uso de palavras de uma lngua tem carter probabilstico (BOD; HAY; JANNEDY,

2003).

Para medir a freqncia das palavras de uma determinada lngua, necessrio

consultar um corpus lingstico, j que medir a freqncia de palavras, baseando-se apenas na

intuio do falante, no um parmetro adequado, por, entre outros, ser de difcil mensurao

(SARDINHA, 2004, p. 160).

H, pelo menos, dois motivos que dificultavam a construo de corpora

lingsticos no passado: a) a falta de tecnologia adequada, b) a influncia da Teoria Gerativa.

Durante um perodo do sculo XX, os corpora lingsticos foram construdos manualmente,

mas receberam muitas crticas, porque no eram confiveis. Estes corpora manuais foram

construdos principalmente para auxiliar o ensino de lnguas. Citamos, como exemplo, o

corpus Teacher's Wordbook, de aproximadamente 4,5 milhes de palavras, construdo por

Thorndike (apud SARDINHA, 2004)6. Estes corpora identificaram as palavras mais

freqentes da lngua inglesa e deram base para as abordagens de ensino de lnguas que

priorizavam a aprendizagem de palavras mais freqentes antes das palavras infreqentes

(SARDINHA, 2000, 2004).

A partir do final da dcada de 1950, poca do desenvolvimento da Teoria

Gerativa, acreditava-se que os dados necessrios ao lingista estavam em sua mente, j que o

que interessava era a anlise da competncia lingstica e no do desempenho. O investimento

financeiro para construo de corpora lingsticos no foi considerado importante neste

perodo. Devido a estas dificuldades, houve uma diminuio do interesse e do nmero de

trabalhos baseados em corpora. O avano da tecnologia possibilitou a construo de corpora

eletrnicos e despertou novos interesses por estudos baseados em corpora. A dcada de 1980

trouxe os computadores pessoais que facilitaram o avano dos estudos baseados em corpora

lingsticos (SARDINHA, 2000, 2004).

Atualmente, podemos contar as freqncias de uso em vrias lnguas, com base

em dados de corpora eletrnicos. Alguns exemplos de corpora do portugus so: Corpus do

LAEL (PUC-SP) disponvel em: , Corpus do CETEM

que pode ser consultado em , e o Corpus de Araraquara (UNESP) que

no se encontra disponvel para consulta na internet.

6 THORNDIKE, E. L. Teacher's wordbook. Nova York: Columbia Teachers College, 1921.

H duas maneiras de se contar a freqncia de uma lngua (BYBEE, 2001, p. 10):

freqncia de tipo (type frequency) e freqncia de ocorrncia (token frequency). A freqncia

de tipo (type frequency), ou freqncia de dicionrio, refere-se quantidade de vezes que um

determinado padro, como, um sufixo ou um encontro consonantal, ocorre na lngua. Como

exemplo, podemos observar que o plural em -s (ex.: beijos, livros, pesquisas) um padro

muito mais freqente no portugus do que o plural em -es (ex.: professores, amores,

educadores).

A freqncia de ocorrncia (token frequency) refere-se quantidade de vezes que

uma unidade, geralmente uma palavra, ocorre em um corpus oral ou escrito. Por exemplo, a

palavra poesia ocorre 10.555 vezes, e a palavra caboclo ocorre 627 vezes em 230 milhes de

palavras do Corpus do LAEL7, ou seja, a palavra poesia tem freqncia de ocorrncia muito

mais alta do que a palavra caboclo nesse corpus.

Esta seo discutiu a contagem de freqncias nas lnguas. A seguir,

apresentaremos como o fator freqncia tem sido avaliado em alguns trabalhos da literatura.

2.2 O papel da freqncia de uso nas lnguas

Em 1885, Schuchardt observou o papel da freqncia em mudanas sonoras. O

uso freqente de uma palavra teria um papel importante em casos de mudanas fonticas

(SCHUCHARDT, 1885, p. 58), como veremos a seguir:

as mudanas sonoras atingem primeiro as palavras mais freqentes;

7 Disponvel em: http://lael.pucsp.br/corpora/index.htm. Acesso em: maio 2004.

as mudanas podem afetar o lxico gradualmente sem,

necessariamente, atingir todas as palavras.

Segundo Schuchardt (1885), a freqncia de certos grupos fonticos influencia a

formao de novos grupos idnticos, ou seja, a freqncia de um som inovador pode passar a

generalizar a mudana. Apesar de o artigo de Schuchardt (1885) ter oferecido subsdios para a

literatura sobre o papel da freqncia de uso em mudanas sonoras, os aspectos deste estudo

referentes aos efeitos de freqncia s foram retomados muitas dcadas depois.

Em seu trabalho, Bakker (1968) fez algumas observaes sobre a interferncia da

freqncia na lngua. Bakker (1968) questionou se haveria uma relao entre a freqncia de

uso e as estruturas das palavras. O autor analisou as possveis slabas de monosslabos da

lngua holandesa. Para medir os efeitos de freqncia, Bakker (1968) verificou aspectos,

como, a freqncia de tipo, a quantidade de palavras diferentes de um dado tipo, o fator

repetio, a freqncia de uso, o armazenamento lexical. O armazenamento lexical refere-se

ao total de palavras de um dado tipo. O fator repetio corresponde ao nmero da freqncia

de tipo dividida pelo nmero de palavras diferentes.

Segundo o autor, a maioria das estruturas silbicas mais simples apresentaria um

fator repetio mais alto do que as estruturas mais complexas no holands. Ao avaliar

estruturas silbicas de monosslabos do holands, Bakker (1968) observou que os tipos que

apresentaram um fator de repetio mais alto obtinham um baixo ndice de armazenamento

lexical. Desta forma, a alta freqncia de tipo de estruturas silbicas simples de monosslabos

holandeses seria a conseqncia de um alto uso de um grupo pequeno de palavras. Por outro

lado, os grupos com maior nmero de palavras com estruturas silbicas complexas, CVCC e

CCVC, tiveram uma freqncia moderada e um baixo ndice do fator repetio. Houve uma

relao entre as estruturas das palavras e o fator repetio: as palavras com estruturas mais

simples ocorreram mais na lngua do que as palavras que apresentavam estruturas mais

complexas. Portanto, a tendncia do falante em optar por estruturas silbicas mais simples foi

influenciada pela relao existente entre forma, fator repetio e armazenamento lexical

(BAKKER, 1968).

Fidelholtz (1975) props que, em alguns contextos fonolgicos, a freqncia

associada ao fator familiaridade e ao contexto fontico poderia influenciar a direo de

mudanas sonoras. Baseando-se em um caso da lngua inglesa de reduo voclica de vogais

seguidas por uma ou mais consoantes, Fidelholtz (1975) observou que havia mais reduo de

vogal em palavras freqentes do que em palavras pouco freqentes. Alguns exemplos desse

caso de reduo, apontados pelo autor, so: astronomy, mistake, abstain. Entretanto, ainda

segundo Fidelholtz (1975), as mudanas sonoras poderiam no afetar algumas palavras

freqentes devido influncia de determinados contextos fonticos inibidores.

Apesar de no apresentar conceitos para 'familiaridade' e 'freqncia', o autor

prope que h palavras familiares que no so freqentes e que a familiaridade tambm seria

um fator relevante na reduo voclica do ingls. Fidelholtz (1975) fez o seguinte comentrio

sobre a freqncia na fala e na escrita:

While words have roughly the same relative frequencies in spoken and written language, the more frequent words are used even more frequently in speech than in writing (and perhaps more frequently in less formal language use in general); and conversely, less frequent words are used even less frequently orally (FIDELHOLTZ, 1975, p. 201).

Segundo o autor, haveria uma relao entre a familiaridade da palavra e o seu

armazenamento no crebro. Dessa forma, seria mais difcil buscar palavras menos freqentes

na memria do que buscar palavras mais freqentes, o que levaria as mudanas sonoras a

atuarem de forma diferente, em palavras mais e menos freqentes. Em suma, Fidelholtz

(1975) sugere que o fator freqncia relativa de uma palavra uma varivel lingstica

significante. Embora o artigo de Fidelholtz (1975) tenha sido importante na literatura sobre

mudana sonora, pouco foi explorado deste artigo em relao freqncia. As contribuies

mais consideradas do artigo de Fidelholtz (1975) foram: a importncia do contexto fontico e

da organizao lexical.

Em 1984, um artigo de Phillips retomou aspectos da freqncia na implementao

de mudanas sonoras. Phillips (1984) observou que as mudanas sonoras iniciavam-se em

alguns itens lexicais antes de outros, ento, buscou encontrar o fator determinante da direo

da mudana sonora. Depois de avaliar a proposta de Schuchardt (1885) de que as palavras

mais freqentes seriam as primeiras a serem atingidas por mudanas sonoras, Phillips (1984)

observou tambm que algumas mudanas atingiam primeiro as palavras menos freqentes.

Logo, Phillips (1984) buscou comparar esses diferentes tipos de mudanas sonoras.

Ao avaliar casos como a mudana de acento no ingls moderno em palavras

homgrafas que passaram a receber acento final em suas formas verbais (ex.: permt) e acento

inicial em suas formas nominais (prmit) e em palavras que sofreram cancelamento do glide

(ex.: tune, duke, news) , Phillips (1984) observou que estas mudanas tinham algo em

comum: eram mudanas no fisiologicamente motivadas e afetavam primeiro as palavras

menos freqentes (PHILLIPS, 1984).

Por outro lado, ao examinar mudanas, como, assimilao voclica ou

consonantal, parciais ou totais, e reduo voclica, Phillips (1984) constatou que essas

mudanas afetavam primeiro as palavras mais freqentes da lngua e eram fisiologicamente

motivadas. Dessa forma, a autora sugeriu uma hiptese sobre a atuao da freqncia

(Frequency Actuation Hypothesis):

Phisiologically motivated sound change affect the most frequent words first, other sound changes affect the least frequent words first (PHILLIPS, 1984, p. 336).

O trabalho de Phillips (1984) trouxe contribuio quanto atuao da freqncia

de ocorrncia: as mudanas foneticamente motivadas iniciariam-se em palavras mais

freqentes da lngua, por outro lado, as mudanas sonoras sem motivao fontica atingiriam

primeiro as palavras menos freqentes.

Albano (1999, p. 43) tambm faz algumas observaes sobre a freqncia de uso

na lngua. De acordo com a autora, verbos cujas conjugaes causam dvida nos falantes,

como os verbos irregulares, 'expelir' e 'aderir, tm dois aspectos em comum: a) a baixa

freqncia de ocorrncia na lngua, b) o fato de no possurem uma forma verbal semelhante

de radical. Apesar de o verbo aferir apresentar baixa freqncia de ocorrncia, ele no causa

dvidas no falante, porque conjugado como o verbo 'ferir' que apresenta semelhana com o

radical de aferir. Por outro lado, verbos que possuem freqncia de ocorrncia alta de uma

s forma, como 'concernir' 'concerne', no facilitam a conjugao das formas metafnicas

de baixa freqncia: 'concernir concirno, concirna' (ALBANO, 1999, p. 43). Estes

exemplos de Albano (1999) reforam a relevncia de se analisar a freqncia em pesquisas

sobre variao e mudana sonora.

Em artigo sobre um dicionrio de freqncias do portugus, Biderman (1998) fez

algumas observaes sobre a freqncia de uso na lngua. Segundo a autora, a lngua seria

uma mdia de usos freqentes de palavras aceitas pelos seus falantes. A seguir, explicitamos

um comentrio interessante da autora que relaciona a freqncia evoluo das lnguas, com

um exemplo da evoluo do latim para as lnguas neo-romnicas:

Tambm as mudanas lingsticas que, no decorrer da histria, leva de um estado de lngua a outro, advm das freqncias de certos usos em detrimento de outros. Quando estudamos a evoluo do latim at as lnguas romnicas verificamos que mudanas estruturais que acarretaram o surgimento de novos sistemas lingsticos (as lnguas latinas) se deram em virtude da freqncia com que certos fenmenos lingsticos ocorriam. [...] No latim havia cinco modelos de declinao de substantivos que, no perodo romnico desapareceram totalmente, em virtude da recorrncia da obliterao das desinncias caractersticas de cada caso em cada um dos paradigmas de declinao. (BIDERMAN, 1998, p. 162).

Tambm Brown (1999) aborda a questo da freqncia. A autora examinou o

fenmeno de posteriorizao da labial em espanhol. Esse fenmeno apontado por ela como

um caso de mudana abrupta: Pepsi> Pe[k]si, concepto > conce[k]to, apto> a[k]to. A autora

observou que havia uma pequena quantidade de palavras que possuam o /p/ em coda, porm

o /k/ em coda seria muito freqente no espanhol. Dessa forma, essa alta freqencia de /k/

estaria motivando a posteriorizao da labial: receptor> rece[k]tor. Assim, Brown (1999)

avaliou as freqncias de tipo e de ocorrncia a partir de corpora do espanhol e verificou que

o /k/ em coda foi, aproximadamente, treze vezes mais freqente do que o /p/ em coda. Ainda,

segundo a autora, o esquema /k/ em coda era mais forte, mais acessvel e mais produtivo, o

que explicou a mudana abrupta em palavras, como, Pe[k]si. Como se pode notar, essa

mudana recebeu influncia das freqncias de ocorrncia e de tipo, uma vez que afetou

primeiro as palavras com freqncias de ocorrncia mais baixa e que o padro [p] tem uma

freqncia de tipo mais baixa do que o padro [k] na posio de coda, no espanhol.

Cristfaro-Silva; Oliveira (2002) estudaram a mudana do R-forte para o r-fraco

antecedido de lateral ps-consonantal vocalizada no portugus, ex.: 'guelra'

wha ~ lwa. Os autores constataram que esta mudana se deu de um padro menos

freqente para um padro mais freqente. A seqncia wR forte teve um nmero de tipos

menor do que a seqncia wr fraco, e as palavras menos freqentes eram as primeiras a serem

atingidas pela mudana. Dessa forma, Cristfaro-Silva; Oliveira (2002) verificaram a

interferncia da freqncia de tipo e de ocorrncia, pois, neste caso, ocorreu a generalizao

de um padro (tipo) menos freqente para um padro mais freqente que atingiu primeiro as

palavras menos freqentes (CRISTFARO-SILVA; OLIVEIRA, 2002).

Os trabalhos discutidos, nesta seo, indicam ser pertinente avaliarmos efeitos de

freqncia de uso na implementao de fenmenos fonolgicos. Com base nos estudos

apresentados, podemos observar que a freqncia de tipo e de ocorrncia so fundamentais

para determinar quais so os itens mais propcios a serem atingidos por uma determinada

mudana sonora. A literatura mostra que algumas mudanas sonoras atingem primeiro os

itens mais freqentes (SHUCHARDT, 1885; FIDELHOLTZ, 1975; PHILLIPS, 1984) e que

estas mudanas so fisiologicamente motivadas (PHILLIPS, 1984). J mudanas que no tm

motivao fisiolgica afetam, primeiramente, as palavras menos freqentes (PHILLIPS, 1984;

BROWN, 1999; CRISTFARO-SILVA; OLIVEIRA, 2002). Uma proposta de organizao

do lxico que considera a interferncia das freqncias de tipo e de ocorrncia na anlise de

mudanas sonoras a Fonologia de Uso (BYBEE, 2001). Tal proposta ser apresentada a

seguir, conjugada com a proposta da Teoria de Exemplares (PIERREHUMBERT, 2001), sob

o rtulo de modelos multi-representacionais.

2.3 Modelos multi-representacionais

Esta pesquisa adota dois modelos multi-representacionais: a Fonologia de Uso

(BYBEE, 2001, 2002) e a Teoria de Exemplares (PIERREHUMBERT, 2001). Estas

propostas so compatveis e complementares. A Fonologia de Uso assume o modelo de

estocagem da Teoria de Exemplares, pelo fato de esta ltima incorporar o detalhe fontico

representao fonolgica.

A Fonologia de Uso (BYBEE, 2001, 2002) prope que a estrutura lingstica

emerge a partir do uso e da experincia que o falante tem com a lngua. Alguns aspectos

importantes deste modelo so: o mapeamento das representaes fonolgicas a partir do uso

da linguagem, a no separao da fontica e da fonologia, e a atuao da freqncia em

mudanas sonoras (BYBEE, 2001).

Segundo Bybee (2001, 2002), outras reas do conhecimento, como, por exemplo,

a biologia e a psicologia, tambm podem ser usadas para explicar o comportamento

lingstico, assim como a lingstica pode ser aproveitada para explicar outras reas do

conhecimento.

A Fonologia de Uso assume os seguintes pressupostos tericos (BYBEE, 2001, p.

6-8):

a) a experincia afeta as representaes;

b) objetos lingsticos e objetos no-lingsticos tm as mesmas propriedades de

representaes mentais;

c) a categorizao baseada em identidade e em similaridade;

d) as generalizaes das formas no esto separadas da representao das formas,

mas emergem a partir delas;

e) a organizao lexical possibilita generalizaes e segmentaes em vrios graus

de abstrao e generalizao;

f) o conhecimento gramatical procedimental.

Os efeitos de freqncia tm um papel importante na propagao da mudana

sonora no lxico. Bybee (2001) apresenta hipteses relacionadas aos efeitos das freqncias

de tipo e de ocorrncia na lngua, retomando a proposta de Phillips (1984).

1- Mudanas sonoras foneticamente motivadas, como assimilao e

reduo de segmento, iniciam-se em palavras mais freqentes na

lngua e atingem o lxico, gradualmente, at afetarem as palavras

menos freqentes, sem, necessariamente, atingirem todas as

palavras.

2- Por outro lado, as mudanas sem motivao fontica, como, o

nivelamento analgico ou a generalizao fonolgica, iniciam-se

em palavras menos freqentes, atingem, gradualmente, o lxico e

finalizam-se nas palavras mais freqentes. Neste caso, tambm, as

mudanas no atingiriam todas as palavras necessariamente.

interessante notar que, no momento em que Bybee (2001) afirma que as

mudanas ocorrem de forma lexicalmente gradual, a autora demonstra adotar este postulado

essencial da Teoria da Difuso Lexical (WANG, 1969): o de que as mudanas sonoras

ocorrem de maneira gradual no lxico. Na verdade, Bybee defende que as mudanas sonoras

ocorrem de forma, lexicalmente e foneticamente, gradual, enquanto que a Teoria da Difuso

Lexical prope que as mudanas sonoras ocorrem de modo lexicalmente gradual, mas

foneticamente abrupto.

A Fonologia de Uso sugere que a freqncia de tipo gera produtividade (BYBEE,

1995), isto , a probabilidade de um padro se aplicar a novos itens. Se um determinado

padro for muito freqente, este se tornar mais forte, mais produtivo e ter mais

possibilidades de se estender a novos itens:

Productivity is the extent to which a pattern is likely to apply to new forms (e.g. borrowed items or novel formations). It appears that the productivity of a pattern, expressed in a schema, is largely, though not entirely, determined by its type frequency: the more items encompassed by a schema, the stronger it is, and the more available it is for application to new items (BYBEE, 2001, p. 12-13).

Palavras com estruturas menos freqentes so mais propcias a mudanas por

nivelamento analgico, dessa forma, podem se regularizar. Estas teriam uma representao

mental mais fraca e, por esta razo, seriam mais favorveis regularizao. Por outro lado, as

palavras irregulares freqentes teriam uma representao mental fortalecida e, com isso,

seriam mais resistentes s mudanas por regularizao. Os exemplares mais freqentes

tornam-se robustos, ou seja, mais fortalecidos e mais resistentes s mudanas por

regularizao (BYBEE, 2001).

Portanto, para a Fonologia de Uso, as mudanas sonoras so lexicalmente

graduais e gerenciadas pela freqncia de uso. A freqncia de uso tem papel fundamental no

gerenciamento do lxico. Os afixos e sufixos freqentes, por exemplo, tm esquemas mais

produtivos e podem ser mais usados pelo falante quando este precisar criar um neologismo.

Ainda, segundo Bybee (2001), as palavras so armazenadas inteiras de acordo

com similaridades fonticas, fonolgicas e/ ou semnticas. Os padres mais freqentes tm

esquemas mais fortalecidos e, por isso, so mais propcios a se aplicarem a palavras menos

freqentes. Quanto mais um esquema for acessado, mais forte este se tornar.

Conforme j mencionamos, a Fonologia de Uso tambm incorporou a Teoria de

Exemplares (PIERREHUMBERT, 2001). A Teoria de Exemplares foi formulada por

Johnson; Mullenix (1997) e desenvolvida por Pierrehumbert (2001, 2003). Apresentaremos a

Teoria de Exemplares segundo Pierrehumbert (2001, 2003).

De acordo com o modelo de exemplares, cada palavra tem uma representao na

memria feita por uma nuvem de ocorrncias (tokens). Essas ocorrncias esto organizadas

em um mapa cognitivo, em que ocorrncias mais similares tm uma proximidade maior do

que ocorrncias menos similares. Os exemplares contm informaes lingsticas e no-

lingsticas e so organizados por redes (PIERREHUMBERT, 2001). A FIG. 1, a seguir,

ilustra a organizao de exemplares (BYBEE, 2001, p. 52):

FIGURA 1: Nuvem de exemplares

As categorias mais freqentes so representadas por um nmero de ocorrncias

maior do que as categorias menos freqentes. Uma pessoa armazena, com o passar do tempo,

uma determinada quantidade de ocorrncias de palavras, baseando-se em sua experincia de

uso. A Teoria de Exemplares pressupe que as memrias recentes so mais fortes do que as

armazenadas, por exemplo, h uma dcada. Dessa maneira, as ocorrncias de memrias mais

antigas podem enfraquecer-se com o passar do tempo.

Quando uma nova produo fontica de uma palavra for ouvida, esta ser

armazenada de acordo com sua similaridade em relao s ocorrncias de exemplares j

estocados. Logo, a nova ocorrncia ser avaliada, provavelmente, atravs de uma comparao

feita com os exemplares similares j armazenados. Assim, os exemplares estocados

influenciaro na categorizao do novo exemplar.

O GRAF. 1 que apresentado a seguir ilustra a categorizao de um exemplar

voclico . Neste grfico, a fora de ativao encontra-se no eixo das abscissas, e o formante

F2 encontra-se no eixo das ordenadas. Os exemplares da vogal // esto representados por

linhas pontilhadas, e os exemplares da vogal // esto representados por linhas contnuas. A

flecha apontando em duplo sentido indica o espao em que est ocorrendo a comparao dos

exemplares. O exemplar em avaliao est na direo indicada por um asterisco nessa flecha,

na regio em que h proximidade tanto de exemplares da vogal // quanto de exemplares da

vogal //. Tipicamente, os exemplares de // tm valores, para F2, mais altos do que os

valores de F2 de //. Porm, o exemplar em questo que representado por um asterisco,

apresenta valor de F2 mais alto, tpico de //. Este fato ilustra uma categorizao, em que o

exemplar analisado apresenta tanto caractersticas de // quanto de //. Possivelmente, isso

decorre de diferenas entre, por exemplo, falantes, dialetos, gneros, idades, dentre outros

fatores8. No espao em que a comparao est sendo realizada, h mais exemplares para a

vogal // do que para a vogal //. Alguns exemplares da vogal // tm fora de ativao mais

alta do que os exemplares de //. O exemplar em avaliao categorizado como //, porque

esta vogal apresentou maior quantidade de semelhanas fonticas vogal . //.

GRFICO 1: Avaliao de exemplares

Fonte: Pierrehumbert (2001, p. 5)

8 Este exemplo restringe os parmetros fonticos ao formante F2. importante ressaltar que modelo de exemplares considera uma srie parmetros fonticos e no lingsticos .

Como podemos notar no caso do GRAF. 1 discutido acima, a Teoria de

Exemplares permite formalizar o conhecimento fontico detalhado que os falantes nativos tm

sobre suas lnguas. Este conhecimento obtido mediante a aquisio de experincias de uso

da lngua (PIERREBUMBERT, 2001, 2002).

Apresentaremos brevemente, para exemplificar, dois trabalhos interessantes que

utilizam os modelos multi-representacionais em suas anlises: Guimares (2004) e Campos

(2005). O primeiro, Guimares (2004), trata de um caso de variao sonora motivada

foneticamente e o segundo, Campos (2005), avalia um caso de variao sonora sem

motivao fontica.

Guimares (2004) estuda a variao sonora em seqncias de. (sibilante + africada

alveopalatal) no dialeto de Belo Horizonte. Esta variao envolve dois fenmenos: a)

palatalizao da sibilante em posio ps-voclica seguida de africada alveopalatal: tst ~

t; b) o cancelamento da africada em seqncias de (sibilante + africada alveopalatal: tt

~ t. Os resultados de sua anlise indicam que os itens mais freqentes favorecem o

cancelamento da africada, enquanto que os itens menos freqentes desfavorecem, o que

corrobora a proposta de que as palavras mais freqentes so as primeiras a serem afetadas em

casos de variabilidades sonoras foneticamente motivadas (PHILIPS, 1984; BYBEE, 2001). .

J Campos (2005) avalia casos de abertura voclica de vogais mdias posteriores

de formas verbais de primeira e segunda pessoas no dialeto de Belo Horizonte: co[o]locar>

eu/ele col[]ca; averm[e]lhar> eu/ele averm[]lha. Em sua anlise, Campos (2005) mostra a

relevncia do efeito da freqncia de ocorrncia e de tipo. O autor observa que os verbos com

baixa freqncia de ocorrncia apresentaram maior ndice de aberturas voclicas, o que

corrobora a proposta de que as palavras menos freqentes so afetadas primeiro em casos de

variao sonoras sem condicionamento fontico (PHILIPS, 1984; BYBEE, 2001).

preciso dizer, ainda, que os modelos multi-representacionais discutidos acima

demonstram algumas limitaes, como, por exemplo, no apresentar um recurso para

mensurar, de modo mais preciso, o nvel de familiaridade do indivduo com as palavras.

Podemos afirmar que, at o presente momento, no nos possvel determinar a freqncia de

uso de experincias individuais, porm sabemos que h palavras de uso raro na lngua que so

muito utilizadas por determinados indivduos. Por outro lado, h palavras que apresentam alta

freqncia de ocorrncia, mas que no fazem parte da experincia de uso de alguns

indivduos. Este fato nos leva a concluir que as freqncias de ocorrncia e de tipo podem

apresentar diferentes ndices de indivduo para indivduo, apesar de no dispormos ainda de

um recurso para avaliar isso de forma mais acurada.

Uma outra limitao que vale ser mencionada o fato de no possuirmos corpora

de todas as comunidades de fala, o que restringe a avaliao da freqncia de palavras para a

lngua como um todo. Contudo, apesar dessas limitaes, podemos perceber, pelo exposto

acima, que a Fonologia de Uso e a Teoria de Exemplares so modelos que apresentam noes

interessantes sobre o papel da freqncia de uso na organizao do conhecimento lingstico

do falante.

2.4 Comentrios finais

Este captulo avaliou a questo da freqncia, apresentando trabalhos que

observaram o papel desta na lngua Shuchardt (1885), Bakker (1968), Fidelholtz (1975),

Phillips (1984), Biderman (1998), Albano (1999), Brown (1999), Cristfaro-Silva; Oliveira

(2002) e discutindo modelos multi-representaionais: Fonologia de Uso (BYBEE, 2001) e

Teoria de Exemplares (PIERREHUMBERT, 2001). A Fonologia de Uso e a Teoria de

Exemplares so os principais referenciais tericos adotados nesta dissertao. Esses modelos

propem que a freqncia tem um papel importante na percepo e na produo da fala. O

prximo captulo descreve os procedimentos metodolgicos adotados nesta dissertao.

CAPTULO 3

METODOLOGIA

3.0 Introduo

Este captulo descreve os procedimentos metodolgicos adotados na coleta de

dados desta pesquisa, cujo objetivo central o de investigar a alternncia de vogais mdias

posteriores, em posio tnica, em formas nominais de plural, no portugus de Belo

Horizonte. A primeira parte trata da organizao do material a ser utilizado na coleta de dados

desta pesquisa. A segunda parte aponta como se deu a seleo dos informantes, a coleta e

organizao dos dados. A terceira parte indica as variveis que foram utilizadas na anlise

estatstica desta pesquisa. A parte final faz um breve resumo do captulo.

3.1 Preparao de material para anlise

Devido dificuldade de obtermos, espontaneamente, dos falantes, a produo de

palavras pouco freqentes contendo vogais mdias posteriores, em posio tnica, em formas

nominais de plural, optamos pela gravao de um teste de leitura. Para organizarmos o

material a ser gravado, o primeiro passo foi de observar os casos possveis de formas

nominais com vogais mdias posteriores em posio tnica e suas respectivas formas de

plural. Conforme descrito e discutido no captulo 1 (seo 1.2), h trs casos de formas

nominais que se relacionam com o nosso objeto de estudo, sendo que tais casos so

apresentados novamente a seguir:

(1) CASO A (timbre aberto): palavras que apresentam a vogal tnica

com timbre aberto tanto nas formas de singular, como nas formas

de plural. Ex.: cpo ('copo') e cpos ('copos');

(2) CASO B (timbre fechado): palavras que apresentam a vogal

tnica com timbre fechado tanto nas formas de singular, como nas

formas de plural. Ex.: sogro ('sogro') e sogros ('sogros');

(3) CASO C (timbre alternante): palavras que apresentam a vogal

tnica com timbre fechado nas formas de singular e a vogal tnica

com timbre aberto nas formas de plural. Ex.: povo ('povo') e

pvos ('povos').

Em sntese, podemos dizer que h as seguintes combinaes de timbres de acordo

com os trs casos apresentados acima: CASO 1 timbre aberto (singular), timbre aberto

(plural); CASO 2 timbre fechado (singular), timbre fechado (plural); CASO 3 timbre

fechado (singular), timbre aberto (plural). Relembramos que no se atesta, no portugus, uma

forma nominal, que apresente uma vogal tnica com timbre aberto na forma de singular e uma

vogal tnica com timbre fechado na forma de plural. Esta possibilidade , portanto, excluda

dos grupos de formas nominais listados acima.

A partir dos trs grupos de formas nominais de plural listados anteriormente, foi

feito um levantamento para selecionarmos as palavras para anlise. Tal levantamento foi

realizado nos dados do Corpus do LAEL http://lael.pucsp.br/corpora/index.htm que consta

de 230 milhes de palavras, em sua verso cedida para o Projeto ASPA.9 Uma ampla

descrio do Corpus do LAEL pode ser obtida em SARDINHA (2004).

As formas de plural selecionadas do Corpus do LAEL foram agrupadas como

mais freqentes e menos freqentes a partir de suas respectivas freqncias de ocorrncia.

Adotamos o seguinte procedimento metodolgico para classificarmos as palavras quanto

freqncia de ocorrncia: consideramos mais freqentes as palavras cujas freqncias de

ocorrncia foram superiores a 800 e consideramos como palavras menos freqentes aquelas

cujas freqncias de ocorrncia foram inferiores a 200, nos dados do sub-corpus completo de

escrita do LAEL. Tal procedimento visa definir um corte, de certa maneira aleatrio, entre as

palavras do Corpus do LAEL. Entendemos que a lacuna de 600 unidades na contagem da

freqncia de ocorrncia define um espao significativo de freqncia entre grupos de

palavras distintos (acima de 800 ou abaixo de 200 ocorrncias num corpus especfico).

De posse da lista de palavras que apresentam vogal mdia posterior em posio

tnica em formas nominais de plural, fizemos uma consulta com relao pronncia esperada

para tais palavras. A forma ortogrfica das palavras que estamos investigando, nesta pesquisa,

no oferece nenhuma pista com relao sua pronncia. Isto , as grafias de copos,

sogros, povos no assegura ao leitor se a vogal mdia tnica deve ser pronunciada com

timbre aberto ou fechado.

Estamos cientes de que h controvrsias entre autores diferentes com relao

pronncia das vogais em formas nominais de nosso objeto de estudo (ALVES, 1999). Para

efeito de sistematicidade, consultamos as pronncias esperadas de acordo com o Dicionrio

Aurlio (FERREIRA, 1975; FERREIRA; ANJOS, 2001) .10 A partir da caracterizao das

9 O Projeto ASPA est disponvel em , acesso em fev. 2006. 10 Outros dicionrios podem apresentar divergncias de pronncia em relao abertura da vogal tnica das formas de plural.

pronncias das vogais mdias posteriores nas formas de plural se abertas ou fechadas

organizamos os dados a serem coletados. A organizao foi baseada na pronncia esperada

para a vogal mdia posterior na forma de plural e sua respectiva freqncia de ocorrncia. Os

dados foram agrupados de acordo com a TAB. 1:

TABELA 1: Freqncias de ocorrncia

Itens mais freqentes Itens menos freqentes

Caso N Itens Freq. de ocorrncia

orrncia N Itens Freq. de ocorrncia

1 copos 1224 13 torcicolos 21

2 solos 1166 14 cloros 1

3 votos 34867 15 flocos 171 CASO A

(aberto)

4 blocos 4443 16 meteoros 143

5 esgotos 898 17 lodos 21

6 rostos 1246 18 rebocos 4

7 lobos 2725 19 esposos 30 CASO B

(fechado)

o o 8 pilotos 7185 20 sogros 88

9 corpos 9697 21 rogos 12

10 mortos 23369 22 coros 177

11 olhos 17291 23 caroos 65 CASO C

(alternante)

o 12 povos 3751 24 miolos 119

Os dados da TAB. 1 esto divididos em dois grandes grupos indicados na primeira

linha: palavras mais freqentes e palavras menos freqentes. A coluna mais a esquerda lista

cada um dos trs casos possveis de registro de vogal mdia posterior tnica em formas

nominais de plural: a vogal ser sempre aberta no CASO A, a vogal ser sempre fechada no

CASO B e a vogal que fechada na forma singular passa a ser aberta na forma de plural, no

CASO C. Para efeito de melhor visualizao da tabela e separao dos trs casos, optamos

por salientar o CASO B em negrito na tabela 1. Para cada um destes trs casos, foi

selecionado um conjunto de 8 palavras sendo 4 destas classificadas como mais freqentes e

outras 4 classificadas como menos freqentes, de acordo com a consulta feita ao corpus do

LAEL. No total, foi selecionado um conjunto de 24 palavras (Cf. TAB. 1) que foram testadas

no texto utilizado na coleta dos dados.

Conforme mencionado anteriormente, a principal razo em se utilizar a leitura de

um texto diz respeito ao fato de ser difcil obter dados com as palavras de baixa freqncia na

fala espontnea. Ou seja, palavras, como, cloros, rebocos, rogos, dificilmente, seriam

produzidas, mesmo com tentativas de induo numa entrevista direcionada, mas com o carter

de fala espontnea. O fato de que a ortografia no oferece pistas para se inferir o timbre da

vogal mdia posterior tnica nos ofereceu condies de testar as pronncias escolhidas pelos

falantes em condio de teste de leitura.

Escrevemos um texto que continha todas as 24 palavras selecionadas para a

pesquisa (Cf. TAB. 1). Cada palavra selecionada ocorreu apenas uma nica vez no texto.

Apresentamos, a seguir, uma verso do texto escrito que indica as palavras em investigao,

salientadas em cinza:

Observaes sobre o mundo animal

Foi realizado um estudo comparativo dos macacos com os lobos, devido a

algumas semelhanas fsicas entre as duas espcies. Foi observado que vrios membros

das duas espcies tinham problemas de audio. Contudo, a investigao iniciou com

uma anlise comparativa dos rostos. Depois mediram a distncia entre os olhos. Alm

destas semelhanas fsicas, observaram que as duas espcies sempre se alimentavam de

caroos de frutos. Em algumas pocas do ano, tambm se alimentavam de flocos

encontrados na natureza em espcies herbvoras. Nas espcies carnvoras, estes animais

se alimentam dos miolos de cadveres de animais e de partes da regio abdominal. Os

esposos so sempre aqueles que vo em busca de alimentos.

Baseando-se no conhecimento do comportamento das duas espcies, foi feito

um estudo com as comunidades vizinhas. Observou-se que nas comunidades que vivem

prximas a estes animais, os rituais de enterro so muito solenes. Os povos destas

comunidades iniciam o ritual com rogos de longa vida. Depois salpicam cloros nos

caixes, enfeitam uma sala com flores e fotografias do falecido. Quando terminam de

preparar o ambiente, estes colocam os corpos nos caixes e os enfeitam com flores e com

um vu produzido na regio. Fazem a despedida aos mortos. Enterram os falecidos em

solos frteis e os cobrem. Esperam que neste local floresa uma linda floresta. Com o

passar dos anos foi observado que florestas surgiram nestes locais e a que habitaram os

animais em estudo. Estes animais adoram caminhar em lodos. Nas vilas e pequenas

cidades que se formaram em regies prximas desta floresta, no h rebocos em nenhuma

casa. A qualidade de vida muito precria, pois at os esgotos ficam a cu aberto. Alm

disto, muitos casais moravam com os pais ou sogros. Observaram que os animais e os

homens desta regio sofriam torcicolos muito semelhantes. Os cientistas resolveram

ento estudar a relao da comunidade local e a animal. A pesquisa constou de exame de

animais por pilotos de avio e que sobrevoaram a rea. Estes se dividiam em vrios

blocos. Eles tinham canetas e fichas de anotao.Todos registraram seus votos de

identificao dos animais. Observou-se que ao longo das florestas havia meteoros

espalhados por toda regio. As pessoas das comunidades nem sempre tomavam gua em

copos, s vezes bebiam gua nos rios como estes animais faziam. Um fato que chamou a

ateno que moradores de todas as idades cantavam muito bem e quase todos

participavam de coros das igrejas vizinhas.

A verso desse texto apresentada aos participantes (ver ANEXO A), durante a

leitura, no destacou as palavras, como feito acima, utilizando-se a cor cinza. A prxima

seo apresenta os critrios de seleo dos participantes da pesquisa.

3.2 Seleo de participantes e coleta dos dados

O corpus desta pesquisa consta da elicitao de dados de 24 participantes

voluntrios. Todos os participantes so naturais e moradores permanentes da cidade Belo

Horizonte MG11.. A seleo de participantes foi organizada de acordo com os seguintes

critrios:

a) gnero selecionamos participantes para cada gnero:

1- gnero masculino 12 participantes;

2- gnero feminino 12 participantes;

b) faixa etria dividimos os participantes em trs faixas etrias:

1- jovens (entre 18 e 29 anos) 8 participantes;

2- medianos (entre 30 e 49 anos) 8 participantes;

3- mais velhos (acima de 50 anos) 8 participantes;

c) escolaridade selecionamos dois nveis de escolaridade:

11 Informaes sobre Belo Horizonte podem ser obtidas em http://www.pbh.gov.com, acesso em jun. 2004.

1- no-universitrios 12 participantes com nvel de escolaridade at a oitava

srie do primeiro grau (ensino fundamental);

2- universitrios 12 participantes graduandos ou graduados do Ensino

Superior.

Os critrios gnero, faixa etria e escolaridade sero considerados, porque

observamos que fatores sociais podem influenciar casos de variao sonora (LABOV, 1972).

Por exemplo, alguns estudos mostram que as mulheres usam menos formas estigmatizadas,

so mais conservadoras da lngua padro, mas lideram mais as mudanas de prestgio do que

os homens (LABOV, 1972, 2001; CHAMBERS, 1995). Com isso, como se pode perceber,

adotamos aspectos da sociolingstica. Desta forma, pretendemos verificar se os parmetros

gnero, idade e escolaridade interferem no caso em estudo. Em anexo, encontra-se uma tabela

que apresenta informaes detalhadas relativas a cada um dos 24 participantes (ANEXO B)

que, aqui, sero denominados de P1(Participante 1) a P24 (Participante 24).

Os participantes no foram informados sobre o principal objetivo deste estudo,

sendo que a pesquisadora lhes disse apenas que esta seria uma pesquisa sobre anlise sonora

acstica de dad