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Amante Desperto

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Trecho do livro Amante Desperto de J.R. Ward Lançando pela Universo dos Livros.

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CAPÍTULO 1

Caramba, Zsadist! Não salte...A voz do Phury mal pôde ser ouvida com o som da batida de carro

diante deles. E não evitou que seu irmão gêmeo saltasse do Escalade que ia a oitenta quilômetros por hora.

– V., ele pulou! Dê um cavalo de pau!O ombro de Phury chocou-se com força contra a janela do carro

quando Vishous fez o carro derrapar habilmente. A luz dos faróis oscilou e apanhou Z., ainda rolando como uma bola pelo asfalto coberto de neve. Uma fração de segundo mais tarde, pôs-se de pé num pulo, indo à caça do sedan fumacento que agora tinha um pinheiro ornamentando a capota.

Phury ficou de olho no gêmeo enquanto soltava o cinto de se-gurança. É verdade que os redutores que estiveram perseguindo nas cercanias rurais de Caldwell haviam terminado o passeio deles pelas leis da física, mas isso não significava que estivessem fora de serviço. Aqueles filhos da mãe eram bastante duráveis.

Quando o Escalade parou, Phury abriu apressadamente a porta en-quanto sacava sua Beretta. Não sabia quantos redutores havia no carro ou que tipo de munição levavam. Os inimigos da raça dos vampiros viajavam em bando e sempre armados – Caraca! Três dos assassinos de cabelos des-botados haviam saído do carro, só o motorista parecia fora de combate.

O fato de todas as chances estarem contra ele não deteve Z. Era um maníaco suicida, que se dirigiu diretamente para o trio de mortos-vivos com apenas uma adaga negra em sua mão.

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Phury disparou pela estrada, escutando Vishous correr pesada-mente atrás dele. Mas não eram necessários.

Enquanto as silenciosas rajadas de ar formavam redemoinhos e o cheiro doce dos pinheiros se misturava com o da gasolina que vazava do carro destroçado, Z. derrubou os três redutores só com a adaga. Cortou-lhes os tendões posteriores dos joelhos para que não pudessem correr, quebrou-lhes os braços para que não pudessem opor resistência, e os arrastou pelo chão até ficarem alinhados como horríveis bonecas.

Tudo isso – inclusive despojá-los de suas carteiras de identidade – não lhe tomou mais do que quatro minutos e meio. Então, Zsadist fez uma pausa para recuperar o fôlego. E enquanto olhava para todo aquele sangue negro e gorduroso que manchava a alva neve, vapor emanava de seus ombros, uma espécie de névoa, curiosamente delica-da, agitada pelo vento frio.

Phury meteu a Beretta na cintura, sentindo-se nauseado, como se houvesse comido bacon além da conta. Esfregando o esterno, olhou à esquerda e à direita. A Rota 22 estava mortalmente tranquila àquela hora da noite, e ali, já tão distante de Caldwell. Testemunhas huma-nas seriam improváveis. Cervos não falam.

Sabia o que viria depois. E que era melhor não tentar detê-lo.Zsadist se ajoelhou sobre um dos redutores, o rosto recortado por

cicatrizes, distorcido pelo ódio, o deformado lábio superior repuxado para trás, as presas longas como as de um tigre. Com o cabelo raspado à máquina e as maçãs do rosto encovadas, parecia a personificação da Morte; e, como tal, trabalhava à vontade com o frio. Vestindo apenas um pulôver de gola rolê e calças negras folgadas, estava mais armado do que vestido: além do coldre peitoral para as lâminas cruzadas sobre o peito, que era a marca registrada da Irmandade da Adaga Negra, levava duas outras facas enfiadas em correias atadas às coxas e um cinturão com duas pistolas SIG Sauers.

Não que nunca usasse a nove milímetros. Quando matava, gostava de tornar o ato íntimo. Na realidade, era o único momento em que se aproximava de alguém.

Z. agarrou o redutor pelas lapelas da jaqueta de couro e ergueu com força o assassino, ficando cara a cara com ele, bem próximo.

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– Onde está a mulher? – ao obter como resposta apenas um maligno sorriso, Z. esmurrou violentamente o assassino. O soco ecoou através das árvores, um som duro como o de um galho sendo partido ao meio.

– Onde está a mulher?O sorriso de escárnio do assassino fez a raiva de Z. subir de tal

maneira que ele se tornou seu próprio círculo ártico. O ar ao redor de seu corpo se carregou magneticamente e ficou mais frio do que a noite. Os flocos de neve não caíam à sua volta, pareciam desintegrar com a força de sua cólera.

Phury escutou um som estridente e olhou por cima do ombro. Vishous estava acendendo uma cigarrilha enrolada artesanalmente, e o brilho alaranjado iluminou-lhe a tatuagem na têmpora esquerda e o cavanhaque.

Ao ouvir um novo murro, V. puxou uma profunda tragada e des-viou os límpidos olhos.

– Tudo bem aí, Phury?Não, não estava. A natureza selvagem de Z. sempre fora dantesca,

mas, nos últimos tempos, ele se tornara tão violento que era duro observá-lo em ação. O que havia nele de mais assustador, aquele poço sem fundo e sem alma, ficara totalmente fora de controle depois que os redutores sequestraram Bella.

E nem assim a encontraram. Os Irmãos não tinham pistas, infor-mações, nada. Mesmo com os truculentos interrogatórios de Z.

Phury estava arrasado por causa do sequestro. Não conhecia Bella há muito, mas, achava-a tão encantadora, uma fêmea digna do lu-gar que ocupava na mais alta aristocracia de sua raça. Entretanto, ela representava mais do que sua linhagem. Muito mais. Mexera com ele mais fundo: para além do voto de celibato, ela atingira o macho controlado pela disciplina. Estava tão desesperado para encontrá-la quanto Z., mas, depois de seis semanas, havia perdido a fé de que ela houvesse sobrevivido. Os redutores andavam torturando vampiros para obter informação sobre a Irmandade e, como todos os civis, ela sabia pouco sobre os Irmãos. Certamente àquela altura estaria morta.

Sua única esperança era a de que não houvesse suportado dias e dias infernais antes de ir para o Fade.

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– O que fizeram com a mulher? – grunhiu Zsadist para o assassino seguinte. Quando tudo que escutou foi um “vá se danar”, Z. deu uma de Mike Tyson e mordeu o filho da mãe.

Por que Zsadist se preocupava com uma fêmea civil, ninguém na Irmandade conseguia entender. Ele era conhecido... ou melhor, era te-mido por sua aversão às mulheres. Qual a razão de ele se importar com Bella era o que todos se perguntavam. No entanto, ninguém, nem mes-mo Phury, seu irmão gêmeo, podia predizer as reações do homem.

Enquanto o ecos do brutal trabalho de Z. cortavam o remoto bosque, Phury sentia-se sucumbir ao interrogatório, ao passo que os próprios re-dutores mantinham-se firmes e não entregavam informação alguma.

– Não sei quanto mais disso poderei aguentar – disse, baixinho.Zsadist era a única coisa que tinha na vida, afora a missão da Ir-

mandade de proteger a raça dos ataques dos redutores. Todos os dias, Phury dormia sozinho, se é que chegava a dormir. A comida lhe dava pouco prazer. As mulheres estavam descartadas por causa de seu celi-bato. E cada segundo seu era consumido com a preocupação pelo que Zsadist aprontaria a seguir e quem sairia ferido no processo. Sentia-se como se estivesse morrendo, sangrando por mil cortes, esvaindo-se lentamente. Um alvo por procuração de todas as intenções assassinas de seu irmão gêmeo.

V. estendeu a mão enluvada e agarrou a garganta de Phury.– Olhe para mim, cara.Phury o olhou e se encolheu. A pupila do olho esquerdo do Irmão,

que tinha as tatuagens ao redor, dilatou-se até não restar coisa alguma, a não ser um negro vazio.

– Vishous, não... eu não... – Droga. Não tinha por que inteirar-se de seu futuro naquele exato momento. Não sabia como lidar com o fato de que as coisas só iriam piorar.

– A neve cai devagar esta noite – disse V., esfregando o polegar para frente e para trás sobre sua espessa veia jugular.

Phury piscou quando uma estranha calma apoderou-se dele, o ba-timento de seu coração baixando para o ritmo do polegar do Irmão.

– O quê?– A neve... cai tão devagar.

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– Sim... é verdade.– E tivemos muita neve este ano, não foi?– Hum... sim.– Sim... muita neve e vai haver mais. Esta noite. Amanhã. O mês

que vem. No próximo ano. A coisa vem quando vem e cai onde cai.– É isso aí – disse Phury brandamente. – E nada pode impedi-la.– Não, a menos que você seja o solo – o polegar se deteve. – Meu

Irmão, para mim você não se parece com o solo. Não o deterá. Nunca.Uma série de pequenas explosões e flashes aconteceu quando Z.

apunhalou os redutores no peito e os corpos se desintegraram. Então, só restaram o silvo do radiador do carro destroçado e a pesada respi-ração de Z.

Como uma aparição, ele se ergueu do chão enegrecido; o sangue dos redutores manchava seu rosto e antebraços. Sua aura era uma ra-diante névoa de violência que deformava a paisagem por trás dele, o bosque ao fundo ondulava impreciso onde emoldurava seu corpo.

– Vou para o centro da cidade – disse ele, limpando a lâmina na coxa, – procurar mais.

Antes de retomar a caça aos vampiros, o Sr. O liberou a trava de sua nove milímetros Smith & Wesson e olhou no interior do canhão. A arma necessitava de uma limpeza, assim como sua Glock. Tinha ou-tras coisas que queria fazer, mas só um idiota permite que a diversão se sobreponha à obrigação. Que diabo, as armas dos redutores tinham de estar sempre impecáveis. A Irmandade da Adaga Negra não era o tipo de alvo que permitisse descuidos.

Caminhou pelo centro de persuasão, fazendo um pequeno desvio ao redor da mesa de autópsia que utilizavam para seu trabalho. A ins-talação de um único aposento não tinha isolamento e o chão estava sujo, mas, como não havia janelas, o vento não entrava. Havia uma cama de armar, onde dormia. Um chuveiro. Nada de banheiro ou co-zinha, porque os redutores não comiam. O lugar ainda cheirava a ma-deira fresca, porque o tinham construído há apenas um mês e meio.

O único acessório fixo terminado era a estante, que se estendia do piso empoeirado às vigas, numa altura de 12 metros. Seus instrumen-

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tos estavam ali dispostos, bem cuidados e limpos, em vários níveis: facas, tornos, tenazes, martelos, furadeiras. Fosse o que fosse que pu-desse arrancar um grito de dor de uma garganta, eles tinham.

Mas o lugar não se destinava apenas à tortura; também era usado para armazenagem. Manter vampiros presos por algum tempo era um desafio, porque eles podiam fazer “puf” e desaparecer se tivessem a oportunidade de se acalmar e de se concentrar. O aço impedia esse truque do desaparecimento, mas uma cela com barras não os abriga-ria da luz do sol, e construir uma sala inteira de aço era impraticável. O que funcionaria bastante bem, entretanto, seria uma tubulação de esgoto, de metal corrugado, enfiada verticalmente no solo. Ou três delas, como era o caso ali.

O Sr. O ficou tentado a ir às unidades de armazenagem, mas sabia que, se o fizesse, não retornaria à caça e tinha cotas a cumprir. Ser Redutor Principal, o segundo na hierarquia, tinha alguns privilégios, como a direção daquele lugar. Entretanto, para proteger sua privaci-dade, precisava manter um desempenho adequado.

E isso significava que tinha de cuidar de suas armas, mesmo que preferisse estar fazendo outras coisas. Afastou um estojo de primei-ros-socorros, apanhou a caixa de limpeza da pistola, e aproximou um tamborete da mesa de autópsia.

A única porta do lugar se escancarou de repente sem que nin-guém batesse antes. O Sr. O olhou por cima do ombro, mas, quando viu quem era, obrigou-se a reduzir a expressão de contrariedade ao mínimo. O Sr. X não era bem-vindo; porém, sendo ele o terrível co-mandante da Sociedade Redutora, não havia remédio senão recebê-lo. Quando nada, por uma questão de autopreservação.

De pé sob uma lâmpada nua, o Redutor Principal não era um bom oponente. Com mais de 1,90 m, sua constituição parecia a de um carro: era quadradão e duro. E, como todos os membros da So-ciedade que haviam sido iniciados há muito tempo, era totalmente desbotado. Sua pele pálida nunca corava e não se avermelhava com o frio. Seu cabelo era da cor das teias de aranha. Os olhos cinzentos lembravam um céu nublado e, como tal, careciam igualmente de brilho e profundidade.

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Caminhando displicentemente, o Sr. X pôs-se a olhar ao redor, não inspecionando a disposição dos objetos, mas procurando.

– Disseram-me que conseguiu outro.O Sr. O largou a ponteira de limpeza e inventariou as armas que

levava consigo. Uma faca de arremesso sobre a coxa direita. Uma Glock na cintura. Lamentou não ter mais.

– Capturei-o no centro da cidade há uns quarenta e cinco minutos, do lado de fora do ZeroSum. Está em um dos buracos, voltando a si.

– Bom trabalho.– Planejo sair outra vez. Agora mesmo.– Verdade? – o Sr. X parou diante da estante e agarrou uma faca de

caça denteada. – Sabe, ouvi algo que é bastante alarmante.O Sr. O ficou de bico calado e colocou a mão sobre a coxa, perto

da extremidade da lâmina.– Não vai me perguntar o que é? – disse o Redutor Principal, en-

quanto caminhava sobre as três unidades de armazenagem no chão. – Talvez porque já saiba o segredo.

O Sr. O agarrou a faca enquanto o Sr. X se demorava sobre as telas metálicas que cobriam o alto dos tubos de esgoto. Não ligava a míni-ma pelos dois primeiros cativos. O terceiro, sim: aquilo era assunto que muito lhe interessava.

– Estamos lotados, Sr. O? – a ponta da bota de combate do Sr. X dava golpezinhos contra um dos jogos de cordas que desapareciam dentro de cada um dos buracos. – Pensei que houvesse matado dois que não tinham nada que valesse a pena a dizer.

– Fiz isso.– Então, contando com o civil que agarrou esta noite, deveria ha-

ver um tubo vazio. Em vez disso, não há vagas.– Agarrei outro.– Quando?– Ontem à noite.– Está mentindo – o Sr. X começou a levantar a tampa da terceira

unidade.O primeiro impulso do Sr. O foi se levantar, dar dois largos e rá-

pidos passos e perfurar a garganta do Sr. X com a faca. Mas não con-

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seguiria chegar a esse extremo. O Redutor Principal tinha o fabuloso dom de congelar os subordinados no lugar. E tudo que precisava fazer era olhar para eles.

Então, o Sr. O ficou quieto, tremendo pelo esforço de manter seu traseiro sobre o tamborete.

O Sr. X tirou uma caneta-lanterna de seu bolso, acendeu-a e diri-giu o facho de luz para o buraco. Ao escutar um gritinho abafado, seus olhos se arregalaram.

– Céus, é mesmo uma fêmea! Por que diabos não fui informado disso?

O Sr. O levantou-se devagar, escondendo a faca entre as pregas de sua calça cargo, na altura da coxa. Apertava o cabo com firmeza.

– É nova – disse ele.– Não foi isso que eu ouvi.Com passos rápidos, o Sr. X foi até o banheiro e afastou a cortina

de plástico transparente. Com uma maldição, chutou as embalagens de xampu feminino e óleo de bebê que estavam alinhados num canto. Então, caminhou decidido para o armário das munições e tirou de lá a geladeira portátil que estava escondida ali. Abriu-a de maneira que a comida se esparramasse pelo chão. Como os redutores não se alimen-tavam, aquilo equivalia a uma confissão.

O rosto pálido do Sr. X estava furioso. – Esteve mantendo um mascote, não é verdade?O Sr. O considerou negar de forma plausível enquanto avaliava a

distância entre eles. – É valiosa. Eu a uso nos interrogatórios.– Como?– Os machos da espécie não gostam de ver fêmeas feridas. É um

estímulo.Os olhos do Sr. X se estreitaram. – Por que não me disse nada?– Este é meu centro. Que me foi confiado por você para dirigi-lo

como quisesse – e quando ele encontrasse o filho da mãe que dera com a língua nos dentes, iria arrancar-lhe a pele em tiras. – Cuido do negócio aqui e você sabe disso. Não deveria se importar com como trabalho.

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– Eu deveria ter sido informado – bruscamente, o Sr. X lhe disse: – Está pensando em fazer algo com essa faca na mão, filho?

Sim, Papai, para ser franco, estou.– Sou o responsável aqui ou não?Quando o Sr. X trocou o peso de pé, o Sr. O se preparou para o

impacto.Mas o celular tocou. O primeiro toque soou estridente como um

grito, no tenso ambiente. O segundo foi menos do que uma intromis-são. E o terceiro não passou de um mero toque.

Com o confronto iminente desbaratado, o Sr. O se deu conta de que não estava pensando claramente. Podia ser um tipo grande e um lutador de primeira, mas não era páreo para os truques do Sr. X. E se o Sr. O fosse ferido ou morresse, quem cuidaria de sua esposa?

– Atenda – ordenou o Sr. X. – E ponha no viva-voz.As notícias vinham de outro membro do esquadrão de elite. Três

redutores haviam sido eliminados ao lado da estrada a três quilômetros de distância. O carro deles tinha sido encontrado batido contra o tronco de uma árvore e a neve apresentava marcas do calor da desin-tegração de seus corpos.

Filhos da mãe. A Irmandade da Adaga Negra. De novo.Quando o Sr. O finalizou a chamada, o Sr. X disse: – Olhe, você quer lutar comigo ou ir trabalhar? Um dos caminhos

o levará à morte certa e instantânea. A escolha é sua.– Sou o responsável por este lugar?– Desde que obtenha o que necessito.– Tenho capturado e trazido para cá muitos civis.– Mas eles não estão dizendo muita coisa útil.O Sr. O se aproximou e deslizou a tela de vedação sobre o terceiro

buraco, assegurando-se de não perder de vista o Sr. X. Então, depositou o peso de sua bota de combate sobre a tela e encarou o Redutor Principal.

– O que posso fazer se a Irmandade constitui um segredo para sua própria espécie?

– Talvez só precise se concentrar um pouco mais.Não lhe diga para se ferrar, pensou o Sr. O. Fracasse nesse teste de

autocontrole e sua mulher servirá de comida para os cães.

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Enquanto o Sr. O tentava controlar seu temperamento, o Sr. X sorriu.

– Seu controle seria mais admirável se não fosse a única resposta apropriada. Agora, sobre esta noite. Os Irmãos irão atrás das urnas dos assassinos que liquidaram. Vá o quanto antes à casa do Sr. H e pe-gue a urna dele. Designarei alguém para ir à casa do Sr. A e eu mesmo irei à casa do Sr. D.

O Sr. X fez uma pausa na porta. – Sobre essa fêmea. Se a usa como instrumento, tudo bem. Mas se

a mantém por qualquer outra razão, teremos um problema. Comece a ficar sentimental e o darei de comer a Ômega, pedaço por pedaço.

O Sr. O sequer estremeceu. Já passara pelas torturas de Ômega e sobrevivera; calculou que poderia voltar a fazê-lo. Por sua mulher, passaria pelo que fosse.

– Então, o que me diz? – quis saber o Redutor Principal.– Sim, sensei.Enquanto o Sr. O esperava que o carro do Sr. X partisse, seu cora-

ção parecia que iria explodir. Queria tirar sua mulher do buraco e sen-tir seu corpo contra o dele; só que, se o fizesse, não conseguiria mais sair naquela noite. Para tentar se acalmar, limpou rapidamente sua pistola e se armou. Isso, na verdade, não o ajudou, mas, pelo menos, suas mãos já tinham deixado de tremer quando terminou.

A caminho da porta, recolheu as chaves de sua caminhonete e co-nectou o detector de movimento do terceiro buraco. O apoio tec-nológico era uma mão na roda. Se o laser infravermelho fosse inter-rompido, as armas de um sistema triangulado disparariam e qualquer curioso apanhado dessa forma contaria com um sério problema de vazamento.

O Sr. O hesitou antes de sair. Deus, queria abraçá-la. Só de pensar em perder a sua mulher, mesmo hipoteticamente, deixava-o louco. Aquela fêmea vampira… era sua razão de viver agora. Não a Socieda-de. Tampouco a matança.

– Vou sair, minha esposa, comporte-se – o Sr. O esperou. – Vol-tarei logo e, então, eu a banharei. – Ao não obter resposta, disse: – Esposa?

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O Sr. O engoliu compulsivamente. E, mesmo que dissesse a si mesmo para se comportar como um homem, não conseguia sair sem que ouvisse antes a voz dela.

– Não me deixe sair sem um adeus.Silêncio.A dor apertou seu coração, fazendo com que o amor que sentia

subisse vertiginosamente. Suspirou, o delicioso peso do desespero se apoderou de seu peito. Pensava que sabia o que era o amor antes de se tornar um redutor. Pensava que Jennifer, a mulher com quem dormira e brigara por tantos anos, havia sido especial. Mas como fora tão idio-ta e ingênuo! Agora, sabia o que era realmente a paixão. Sua mulher cativa era a dor que o queimava e fazia com que parecesse um homem outra vez. Ela era a alma que substituía a que ele havia entregado a Ômega. Por ela vivia, embora fosse um morto-vivo.

– Volto assim que puder, esposa.

Bella se encolheu dentro do buraco quando ouviu que a porta se fechava. O fato de que o redutor houvesse ido embora perturbado porque ela não lhe respondera a agradava. Então, agora a loucura es-tava completa, não?

Engraçado que essa loucura fosse a morte que a aguardava. No momento em que despertara no tubo, muitas semanas antes, tinha assumido que sua morte iria ser convencional, do tipo “corpo despe-daçado”. Mas não, a sua morte seria a morte de sua identidade, de seu eu. Enquanto seu corpo subsistia em relativa boa saúde, seu interior já não vivia.

A psicose não se afobou para apanhá-la e, como uma enfermida-de do corpo, houve estágios. A princípio, sentira-se completamente petrificada, incapaz de pensar em outra coisa que não as torturas a que seria submetida. Mas, então, os dias foram passando e nada disso aconteceu. Sim, o redutor a golpeava e o olhar dele sobre o seu corpo a repugnava, mas o caso é que ele não lhe fazia o mesmo que fazia aos outros de sua espécie. Tampouco a tinha estuprado.

Em resposta, seus pensamentos gradualmente foram mudando, seu espírito se reanimou enquanto manteve a esperança de que a res-

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gatassem. Esse período de fênix renascida das próprias cinzas havia sido o mais duradouro. Uma semana inteira, talvez, embora fosse di-fícil medir a passagem dos dias.

Então, teve início o irreversível declínio, e o que o provocou foi o próprio redutor. Demorou para compreender, mas o fato era que tinha um bizarro poder sobre seu captor e, passado algum tempo, começou a usá-lo. A princípio, o provocou para testar os limites. Mais tarde, passou a atormentá-lo sem outra razão a não ser o ódio que sentia por ele e o desejo de feri-lo.

Por alguma razão, o redutor que a tinha capturado... a amava. De todo coração. Às vezes, berrava com ela e realmente a aterrorizava com suas mudanças de humor, porém, quanto mais dura era com ele, melhor a tratava. Quando ela evitava olhá-lo, ele entrava em crise de ansiedade. Quando lhe trazia presentes e ela os rechaçava, chorava. Com crescente ardor, preocupava-se com ela, mendigava-lhe sua atenção, acomodava-se contra ela e, quando se fechava para ele, o redutor desmoronava.

Brincar com as emoções dele era tudo que tinha em seu odioso mundo, e a crueldade que a alimentava, também a matava aos poucos. Um dia, fora um ser vivo, filha, irmã... alguém... Agora, endurecia, tornando-se tal concreto em meio ao seu pesadelo. Embalsamada.

Oh, Virgem do Fade, sabia que ele nunca a deixaria partir. E tão certo como se a houvesse matado de cara, seu futuro pertencia a ele. Tudo o que tinha agora era apenas aquele inacreditável e infinito pre-sente. Com ele.

O pânico, uma emoção que não sentira durante um tempo, ele-vou-se em seu peito.

Desesperada para voltar ao estado de torpor, concentrou-se em como fazia frio ali embaixo. O redutor a mantinha vestida com suas próprias roupas, que ele havia tirado de suas gavetas e armários, e ela se encontrava agasalhada com ceroulas de lã e casacos de moletom, meias quentes e botas. Mas, mesmo com isso tudo, o frio era impla-cável, infiltrando-se por entre as camadas de tecido, chegando-lhe aos ossos, convertendo sua medula em algo próximo a neve derretida.

Seus pensamentos voaram para seu casarão de fazenda reformado, onde havia vivido por um período tão curto. Lembrou-se do alegre e

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convidativo fogo na lareira da sala de estar, e a felicidade que sentira por estar morando sozinha... Eram imagens ruins, lembranças ruins. Porque faziam-na recordar de sua antiga vida, sua mãe... seu irmão.

Deus, Rehvenge. Rehv costumava deixá-la louca com seu compor-tamento controlador, mas, percebia agora, ele tinha razão. Se houves-se ficado com sua família, nunca teria conhecido Mary, a humana que era sua vizinha. E nunca teria atravessado o prado entre as duas casas naquela noite para se certificar de que ela estava bem. E nunca teria esbarrado com o redutor... nunca teria terminado como estava agora: morta, porém respirando.

Perguntou-se por quanto tempo seu irmão a teria procurado. Será que, àquela altura, já havia desistido? Provavelmente. Nem mesmo Rehv poderia continuar por tanto tempo sem esperança.

Apostava que havia procurado por ela, mas, de certa forma, ale-grava-se por ele não a ter encontrado. Embora fosse um macho ex-tremamente agressivo, era um civil, e provavelmente teria sido ferido se viesse resgatá-la. Aqueles redutores eram fortes. Cruéis e poderosos. Não, para que fosse libertada seria preciso que alguém igualmente monstruoso procurasse por ela.

Uma imagem de Zsadist lhe veio à mente, clara como uma foto-grafia. Viu seus escuros olhos selvagens. A cicatriz que recortava seu rosto e deformava-lhe o lábio superior. As tatuagens de escravo de sangue no pescoço e nos pulsos. Lembrou-se das marcas de chicota-das em suas costas. E dos piercings em seus mamilos. E de seu corpo, musculoso e magro.

Pensou em sua cruel determinação, sua inflexibilidade e todo o ódio que carregava. Era aterrador, um horror de sua própria espécie. “Deprimido, não: destruído”, nas palavras do irmão gêmeo. Mas isso era justamente o que teria feito dele um bom salvador. Só ele era pá-reo para o redutor que a tinha capturado. Aquele tipo de brutalidade que Zsadist possuía era, provavelmente, a única coisa que poderia tirá-la dali, embora não tivesse a menor ilusão de que ele chegara a pensar em procurá-la. Era apenas uma civil com quem ele se encon-trara duas vezes.

E, na segunda vez, ele a fizera jurar que nunca voltaria a se aproximar.

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O medo apertou, e ela tentou refrear a emoção dizendo a si mesma que Rehvenge ainda a buscava. E chamaria a Irmandade se encontras-se alguma pista de onde ela estava. Então, talvez Zsadist viesse atrás dela, porque seria sua obrigação, como parte de seu trabalho.

– Olá? Olá? Tem alguém aí? – uma voz masculina e trêmula soou abafada.

Era o cativo mais recente, pensou. A princípio, eles sempre tenta-vam reagir.

Bella limpou a garganta. – Estou... aqui.Houve uma pausa. – Oh, meu Deus... É a mulher que levaram? Bella?Escutar seu nome foi um choque. Que diabos, o redutor a chamava

de esposa há tanto tempo, que quase esquecera o próprio nome.– Sim... sou eu.– Ainda está viva!Bem, de qualquer forma, seu coração ainda pulsava.– Conheço você?– E-eu... fui ao seu funeral. Com meus pais, Ralstam e Jilling.Bella começou a tremer. Sua mãe e seu irmão... a tinham dado

como morta. Mas era claro que o fariam. Sua mãe era profundamente religiosa, grande crente das Antigas Tradições. Uma vez convencida de que sua filha estava morta, insistiria na cerimônia adequada para que Bella pudesse adentrar o Fade.

Oh... Deus. Pensar que eles desistiram e ter certeza disso eram duas coisas diferentes. Ninguém viria atrás dela. Nunca.

Escutou algo estranho. E compreendeu que soluçava.– Escaparei – disse o macho com veemência. – E a levarei comigo.Bella permitiu que seus joelhos cedessem e se deixou deslizar pela

parede canelada até o fundo do tubo. Agora ela estava morta de ver-dade, não? Morta e enterrada.

Horrível constatação: por acaso não era apropriado então que, es-tando morta, também jazesse num buraco escavado na terra?