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A arte-fotografia

Andre Rouillé

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a arte-fotografia

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A arte-fotografia

Fisionomia da arte-fotografia

I /

F fe^í f^i M ^ E n q u a n t o ferramenta ou

vetor, a fotografia ficava externa e alheia à arte; en­

quanto material, ela se mistura com a arte, em obras

inusitadas que aJiam à matéria fotográfica uma con­

cepção e uma área de circulação artísticas. A aliança

arte-fotografia introduz no interior da arte mudanças

profundas, alheias à fotografia vetor ou ferramenta. O

que, diga-se, denuncia a imprecisão teórica da noção

de ''médium artístico", utilizada indistintamente para

designar todos os cruzamentos entre a fotografia e a

arte. Por sua amplidão e novidade, tais mudanças tra­

çam, mediante o material-fotografia, os contornos de

uma outra arte dentro da arte.

Uma outra arte dentro da arte

A afiança arte-fotografia se caracteriza por três

grandes linhas: de um lado, põe fim ao ostracismo que

durante muito tempo repeliu a fotografia para fora do

campo da arte; de outro, vem assegurar a permanência

i/U t n lyv^ arte-objeto em um campo artístico ameaçado pela

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desmaterialização; e, por f i m , enceta u m forte movimento de secularização da

arte.

Novo M A T E R I A L ( M I M É T I C O E T E C N O L Ó G I C O ) P A R A A A R T E

A fotomontagem e o fotograma terão mostrado que, contrariamente à doxa,

a fotografia é u m material rico e complexo, em que se distinguem três grandes

componentes: o material de registro, o material inscritível e a razão maquínica.

O material de registro se compõe da luz, de superfícies sensíveis, dos produtos

químicos. Sem forma nem significado, é o material de base, próprio do dispositivo

técnico. É ele que dá à imagem sua natureza semiótica de impresso bem como sua

matéria industrial, suas propriedades técnicas e seus efeitos estéticos particulares

(resultantes das cores, sensibilidade cromática, granulação, etc) . Em segundo l u ­

gar, por que a imagem fotográfica funciona tecnicamente, influenciando o regime

de impressão, as coisas, os estados de coisas e os eventos do mundo lhe são mate­

rialmente necessários: eles constituem seu material inscritível. Este se compõe, en­

tão, do conjunto da natureza, dos seres e das coisas aquém de qualquer formatação

fotográfica. O material inscritível é externo ao dispositivo e carregado de signifi­

cados específicos. Que as coisas e os eventos do mundo façam parte do material

da fotografia, isto é testemunhado pelo corte que seu advento realizou no campo

das imagens, rompendo o confronto platónico entre as coisas e as imagens. Se, de

fato, as coisas compõem o material inscritível da fotografia, então as imagens e o

mundo cessam de ser externos para se interpenetrarem. Finalmente, em terceiro

lugar, sendo a fotografia uma imagem tecnológica, o material que proporciona

sua matéria conta com u m último componente: a "razão maquínica". É aquela que

se atualiza nos aparelhos técnicos, aquém de qualquer escolha estética, de qual­

quer gesto figurativo. A razão maquínica engloba principalmente a perspectiva

linear das ópticas e o mimetismo automático das imagens, mas também o tempo

de pose maquínica, a submissão da forma redonda (não orientada) da imagem

óptica à forma (orientada) do enquadramento ortogonal, etc. Esse logos maquíni-

co, que pré-forma automaticamente a imagem, independentemente de qualquer

escolha figurativa e estética, participa plenamente do material fotográfico.

A aliança arte-fotografia possibilita, pela primeira vez, a entrada no campo da

arte de u m material de captura mimética e tecnológica. Os numerosos artistas

que, a partir daí, empregam a fotografia como material, dominam perfeitamente

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as técnicas, por não mais a relegarem à periferia de suas obras. Essa passagem da função de vetor para a de material de arte contemporânea é capital. Enquanto o vetor, ou a ferramenta, fica externo à obra, o material participa dela totalmente. Utiliza-se uma ferramenta, mas trabalha-se, experimenta-se, combinam-se mate­riais, transformando-os infinitamente em meio a um processo perpétuo, técnica e esteticamente inseparáveis. Mesmo que o material seja sempre uma simples ma­téria inerte, mesmo se sempre encobrir um sentido, mesmo se opuser resistência, mesmo se induzir posturas, mesmo assim será, antes de tudo, aberto, disponível a um grande número de potenciais, sem finalidades fixas, nem formas impostas.

Do instrumento ao material, os artistas livram a fotografia das sujeições fiin-cionais e a liberam das coerções da transparência documental; ou, ainda, adotam essa transparência como uma característica artisticamente pertinente; ou, por fim, eles a questionam. A série "Turquia", de René Sultra e Maria Barthélemy, por ^ exemplo, compõe-se de quatro grandes paisagens (1,20 m x 1,80 m), cuja feitura é totalmente transparente, e a forma, voluntariamente banal, pois o projeto desses artistas não é documentar as paisagens da Turquia, mas um programa artístico que questiona a relação habitar-comer. Desse modo, em cada uma das quatro paisagens da série, eles inserem uma forma geométrica branca, obtida em tiragem à parte, com a ajuda de uma máscara opaca. Em uma das provas, a presença dessa -forma chega a quase ocultar completamente a imagem: ao mesmo tempo habitar e comer a imagem. Essas formas brancas, vazias de informação, invertem a lógica mimética da fotografia, quebram o género tradicional da paisagem e perturbam os hábitos visuais. Manchas cegas que polarizam o olhar, falhas de luz, que põem a descoberto a matéria fotográfica, espécies de guaridas primitivas que se opõem a seu entorno como um interior ao exterior, superfícies planas que rompem a perspectiva linear - essas zonas dialéticas são, ao mesmo tempo, afotográficas e plenamente fotográficas, porque, nelas, a lógica da fotografia-material confronta--se com uma lógica documental anterior.

No decorrer dos anos 1980, a fotografia - enquanto material de registro, ma­terial inscritível e razão maquínica, isto é, enquanto material de captura mimética e tecnológica - adquire um lugar importante na arte, por razões ligadas às pro-fiindas evoluções da fotografia, da arte e do mundo. As eras do carvão e do ferro, da mecânica e da química, que é a da fotografia, são sucedidas pela era eletrônica, isto é, um novo estado da ciência, da indústria e da informação, e de novas neces-

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sidades em imagens, que ultrapassam em muito as capacidades do procedimento fotográfico, criticam-no de obsolescência, e colocam-no às margens da produção. Essa diminuição das funções práticas do procedimento é acompanhada de uma valorização estética das imagens, favorecendo a ascensão de uma arte e de um mercado de arte fotográficos, bem como o acesso da fotografia ao patamar de material artístico.

Depois da arte moderna, que durante todo o século XX abriu amplamente a arte para um grande número de materiais, no alvorecer do século XXI é a vez de ser a fotografia considerada um dos principais materiais artísticos; acompanhada da evolução das práticas. Ao declarar "eu pinto com a fotografia", Christian Bol-tanski é, na França, uma das figuras emblemáticas deste movimento que vai na contracorrente da concepção modernista segundo a qual o artista deve purificar sua arte de todos os elementos emprestados, e dela extrair a especificidade, a es­sência. Essa mística da pureza, que levava a perseguir as mínimas dessemelhan­ças e heterogeneidades e, portanto, visava a excluir, correspondia a um período histórico, intelectual e político de confronto, de isolamento, de guerra fria: a um reinado do "ou" Essa cultura, feita de oposições, de exclusões e de contrastes -entre Leste e Oeste, entre o comunismo e o capitalismo, e entre seus respectivos valores - , desmoronou a partir da derrota americana no Vietnã (1975) e a derro­cada soviética, com a queda do muro de Berlim (1989). Atualmente, o processo de globalização, que se acelera e se generaliza, as trocas, os encontros e os contatos que se intensificam, os limites, geográficos ou não, que se deslocam, as fronteiras que oscilam e se reconfiguram uma após a outra, os totalitarismos que se desfa­zem e se renovam, a flexibilidade, o nomadismo, a mestiçagem que fazem a regra do presente, as exclusões que se deslocam... tudo isso manifesta, na arte e em outros setores, o fim do reinado do "ou" e o advento de uma nova época: a do "e". Assume-se a unidade dos contrários, proclama-se a falência das antigas oposições e exclusões. Sob o reino da mestiçagem, não é mais inconcebível ser bissexual (hetero e homo), ou ser plástico, isto é, optar abertamente por uma combinação sem limites das práticas e dos materiais. Somente dentro desse contexto que obras como as de Boltanski e de muitos outros podem ser, ao mesmo tempo, plenamen­te pictóricas e totalmente fotográficas.

Expressão de uma situação particular do mundo, da arte contemporânea e da fotografia, essa transformação da fotografia em material artístico dá vez à questão da historicidade dos materiais. Porque na arte, como aliás na construção ou na

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indústria, os materiais de nenhum modo são elementos neutros, transparentes

ou inertes,' eles evoluem com as condições técnicas e económicas, com as ques­

tões estéticas e com as sensibilidades. Se é difícil seguir totalmente Adorno, para

quem "a força produtiva estética é a mesma do trabalho útil e, em si, persegue os

mesmos fins",^ se uma arte não se elabora necessariamente com base no material

mais evoluído, a adoção da fotografia como material por inúmeros artistas con- -t-

temporâneos atesta, em compensação, que eles sempre procuram escolher, entre

os materiais disponíveis, os que atingiram u m certo nível de maturidade estética,

os que mais conyêm_às^s_ênsibilidades e aos hábitos visuais do momento. O fato

de, de agora em diante, a pintura propriamente dita dividir a notoriedade com a

fotografia (e também com o vídeo e a eletrònica) é o sintoma de u m certo esgo­

tamento da massa pictórica, de sua substituição parcial pela fotografia, e da reno­

vação, em curso, dos materiais artísticos. Este tornar-se-fotografia, de uma parte

cada vez maior dos materiais artísticos, inscreve-se em u m movimento mais am­

plo, próprio das sociedades desenvolvidas: a generalização inusitada, em menos

de meio século, da figuração analógica; a passagem, de uma relativa parcimônia

a uma superabundância de imagens fotográficas, fílmicas e televisivas, graças ao

extraordinário desenvolvimento das tecnologias de difusão. A figuração analógica

acompanha, a partir de agora, cada u m dos nossos instantes e satura nossos olha­

res. Estamos mergulhados na mimese: nossas sensibilidades, nossos modos de ver

e nossas relações com o real, estão aí profundamente impregnados. Tornando m i -

mético o próprio material artístico - material de registro e material inscritível a

fotografia responde a essa situação. A mimese, que tinha deixado de ser o objetivo_

da a^^orna-se, agora, o ponto de partida. E, assim, a arte se encontra^ mais j ima

vez, profundamente transformada. " J

R E D E F I N I Ç Õ E S DA PRODUÇÃO ARTÍSTICA

A aliança arte-fotografia consagra, paradoxalmente, o declínio da representa­

ção, transfere o fabrico das obras da mão para uma máquina, e promove a escolha

para a categoria do fazer. Em outros termos, a aliança arte-fotografia surge como

uma espécie de finalização da ação que a fotografia exerceu sub-repticiamente na

' Pierre Macherey, Pour une théorie de la production littéraire (Paris: François Maspero, 1974), p. 54.

^ Theodor W. Adorno, Théorie esthétique, trad. Mare Jimenez & Eliane Kaufholz (Paris: Klincksieck, 1995),

p.21.

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arte, na esteira dos ready-made de Duchamp. Como se, três quartos de século mais

tarde, após ter servido de paradigma à arte moderna por intermédio da obra de

Mareei Duchamp, a fotografia viesse impor-se diretamente enquanto material na

arte na virada do século X X I .

Enquanto os fotógrafos-artistas não desistiram de inverter ou de desfocar as

capacidades miméticas da fotografia, são estas as capacidades que, ao contrário, os

artistas apreciam. Essas posturas opostas, que intervêm simultaneamente mas em

dois campos distintos, traduzem o mesmo processo de declínio da representação.

Os fotógrafos recusam a representação em suas propriedades mais tradicionais:

a nitidez, a transparência. Os artistas, ao contrário, aceitam o mimetismo sem

reservas: não como uma representação, cópia considerada verdadeira de u m refe­

rente, mas como uma manifestação, u m elemento que só se remete a ele mesmo.

Aliás, este é u m traço característico da arte-fotografia: a fotografia passa do status

de documento (ferramenta ou vetor) para o de material artístico quando a repre­

sentação produzida é abolida na apresentação dada. No caso, a imagem fotográfica

pode exigir u m processo mínimo de produção, como nos clichés de amador de

Christian Boltanski; ou, ainda, a produção da imagem pode ser talvez muito ela­

borada, como em Patrick Tosani, por exemplo, mas sem constituir a finalidade do

trabalho. Pois, com a fotografia, o artista procura menos representar o real do que

problematizá-lo. Visa menos a chegar à Ideia, o ser platónico do real, do que atua-

lizar as ideias que formou em si. As faculdades de apresentação da fotografia, o

fato de ela ser uma impressão luminosa das coisas e de que nela se entrecruzem o

material de registro e o material inscritível, apontam-na como o material artístico

mais bem apropriado a tal projeto.

A arte-fotografia perfaz a representação (ao mesmo tempo, leva-a a seu apo­

geu e acaba com ela), reduzindo-a a uma apresentação e mecanizando-a. A arte-

-fotografia não só desloca para os conceitos as finalidades do projeto estético da

realidade, mas, também, transfere a fabricação das imagens da mão do artista

para uma máquina. Assim, uma dupla tradição é posta em xeque: a da filosofia

platónica do original e da cópia, e a da concepção manual, artesanal, da arte. A re­

presentação foi, sem dúvida, u m dos principais alvos da arte do século XX, a partir

dos ready-made de Duchamp, que não são representações, mas apresentações de

coisas, até à aventura fecunda da abstração, sem esquecer as contribuições inaugu­

rais das fotomontagens e dos fotogramas. É precisamente em continuação a eles,

que substituíam a mão do artista pela máquina fotográfica, que se situa a arte-

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-fotografia. Os "quadros fotográficos" são os primeiros a ser produzidos por uma máquina, a liberar-se da habilidade manual do artista, a afastar-se do saber-fazer artesanal. Assim, substituir a mão por uma tecnologia significa transpor um dos mais sólidos obstáculos da tradição artística: o elo necessário entre a arte e o gesto do artista, a antinomia absoluta entre a arte e a fabricação mecânica. Enquanto máquinas como as de Moholy-Nagy, ou aquelas, muito espetaculares, de Jean Tin-guely, permanecem o fruto de um minucioso trabalho artesanal, a arte-fotografia abre resolutamente a arte para a fabricação mecânica em si.

A tecnologia substitui a ação manual do artista, ou, às vezes, recobre-a to-^ talmente. A obra de Georges Rousse é exemplar a esse respeito. Em salas vazias

de entrepostos abandonados, de palácios em ruína, ou de prédios condenados à demolição, ele pinta as paredes, o chão e o teto de um cómodo, para criar a ilusão de que volumes geométricos simples e monumentais ocupam todo o espaço. Tra­balha durante vários dias, às vezes até recortar paredes e divisórias. E em seguida, como num passe de mágica, o que era achatado, pictórico surge em volume nos quadros fotográficos. Mas esses volumes são apenas chamarizes, objetos fictícios organizados a partir de um ponto de vista, trompe-Voeil que só existe pelo olhar. Esse trabalho efémero de pintura, destinado a desaparecer junto com os prédios que lhe servem de suporte, apoia-se inteiramente na fotografia: é o aparelho foto­gráfico que delimita o espaço a ser pintado, que define o ponto de vista e que traça a perspectiva; é uma grande prova fotográfica em cores que, sozinha, emerge desse longo processo arquitetural e pictórico organizado pela fotografia; finalmente, é uma crítica ao ilusionismo, à evidência banal e ao factício dessa imagem foto­gráfica que é proposta. Em todo caso, a arquitetura, a pintura e a fotografia são convocadas para produzir o imaginário, para tornar indiscerníveis o real e o irreal. A fotografia serve, aqui, ao poder do falso, que, por uma espécie de indecisão, transforma um lugar real em um espaço virtual - produzido não pelo eletrônico, mas pelo corpo, pelo tempo, pela duração, pelo trabalho manual (até em equipe).

Em quadros fotográficos de dimensões às vezes imponentes, que agora ocu­pam as galerias dos museus, o lento e minucioso trabalho da mão é totalmente abolido ou subordinado a uma máquina e a um processo tecnológico. O tradicio­nal contato direto entre o artista e sua tela é substituído pelo contato a distância entre uma coisa e uma superfície fotossensível. A fabricação manual e artesanal da imagem se esfuma, em prol da seleção e, depois, do registro químico. Enquanto obras tradicionais foram criadas na intersecção de um saber-fazer manual e de

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um processo de escolha estética contínuo e pleno de direito, a arte-fotografia traz uma dupla mudança às condições da criação. De um lado, substitui a habilidade manual por um saber-fazer tecnológico, de outro, restringe o processo de escolha antes do enquadramento ou, principalmente, no momento dele. A arte-fotografia faz, assim, a arte ir à deriva. Com os ready-made de Mareei Duchamp, criar não significava mais fabricar (manualmente), mas escolher. Ao delegar a fabricação a uma máquina, a arte-fotografia conduz a este limite, onde criar é enquadrar.

DESCONSTRUÇÃO DA ORIGINALIDADE MODERNISTA

Ao substituir a mão pela máquina, a arte-fotografia prossegue o trabalho, encetado por Mareei Duchamp, de solapar as noções tradicionais de artista, de talento, de interioridade e de intenção. Ela vem minar o mito modernista da ori­ginalidade, o culto à individualidade do artista enquanto ponto de origem e prin­cípio de originalidade de sua obra.

Harold Rosenberg insiste sobre isto, que a pintura expressionista abstrata, que ele nomeia "pintura-ato", é inseparável da biografia do artista, que ela é um mo­mento da complexidade de sua vida, da "mesma substância metafísica" de sua existência, em resumo, que o quadro modernista "só poderia justificar-se enquan­to ato de gênio".^ Jackson Poilock foi, sem dúvida, aquele que mais contribuiu para a sustentação dessa ideologia modernista, não só em razão do valor de exem­plo, que a crítica, especialmente a de Clement Greenberf, atribuiu à sua maneira singular de trabalhar, mas também na repercussão do grande sucesso alcançado pelas fotografias que Hans Namuth fez dele em seu ateliê. Manchado de tinta, inclinado sobre sua tela colocada no chão, e como que agitado por um delírio criativo, Poilock encarna o pintor modernista como o inverso do pintor de cava­lete: o artista-ator substituiu o artista-fabricante."' Mas, mais basicamente ainda, os efeitos ideológicos das fotografias de Namuth resultam da verdadeira inversão que causam entre as obras e o artista, porque as tomadas em câmara alta conferem a ele e a seu corpo uma preeminência sobre as telas colocadas no chão, e porque suas sutilezas de cores, de texturas e de feitura escapam à fotografia em preto e branco. As fotos de Poilock feitas por Namuth também contribuem, em 1950,

Harold Rosenberg, La tradition du nouveau (Paris: Minuit, 1962), pp. 27-28.

* Barbara Rose, "Le mythe Poilock porte para la photographie", em Hans Namuth (org.), Vatelier de jackson

Poilock {Paris: Macula, 1978), s/p. As presentes propostas inspiram-se fortemente neste texto.

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Dados Internac iona is de Catalogação na Publicação (C IF )

(Câmara Brasi le i ra do L i v r o , SP, Brasi l )

Rouillé, André A fotografia : entre documento e arte contemporânea / A n ­

dré Rouillé ; tradução Constância Egrejas. - São Paulo : Ed i ­tora Senac São Paulo, 2009.

Título or ig ina l : La photographie. ISBN 978-85-7359-876-6

1. Fotografia artística 2. Fotografia documentária 3. Foto­grafia - Filosófica 4. Fotografia - História - Século 20 I . Tí­tu lo .

09-08114 CDD-770 .1

índice para catálogo sistemático: 1. Fotografia : Filosofia 770.1

A fotografia entre documento ^ e arte contemporânea

André Rouillé TRADUÇÃO | CONSTÂNCIA EGREJAS