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Aristóteles. Ética. Livro V

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Livro 5 aristóteles - ética a nicômaco

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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Aristteles. tica a Nicmaco ; Potica / Aristteles ; seleo de textos de Jos Amrico Motta

    Pessanha. 4. ed. So Paulo : Nova Cultural, 1991. (Os pensadores ; v. 2) tica a Nicmaco : traduo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da verso inglesa

    de W.D. Ross ; Potica : traduo, comentrios e ndices analtico e onomstico de Eudoro de

    Souza. Bibliografia. ISBN 85-13-00232-1 1. Aristteles tica 2. Aristteles Metafsica 3. Aristteles Potica I. Pessanha, Jos

    Amrico Motta, 1932- II. Souza, Eudoro de, 1911- III. Ttulo. IV. Ttulo : Potica. V. Srie. CDD-

    185

    -110

    -170

    91-1254 -808.1

    ndices para catlogo sistemtico: 1. Aristteles : Obras filosficas 185 2. tica : Filosofia 170 3. Filosofia aristotlica 185 4. Metafsica : Filosofia 110 5. Potica : Retrica : Literatura 808.1

  • ARISTTELES

    TICA A NICMACO Traduo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim

    da verso inglesa de W. D. Ross

    POTICA Traduo, comentrios e ndices analtico e onomstico de Eudoro de Souza

    Seleo de textos de Jos Amrico Motta Pessanha

    NOVA CULTURAL

    1991

  • Ttulos originais: (tica a Nicmaco) (Potica)

    1 Como a paginao de Bekker decorre toda na mesma centena, de 1447 a 1462, apenas mencionamos nos ndices

    os dois ltimos algarismos. Assim, 50 a 1 significa: pgina 1450 a, linha 1. Os algarismos que designam as linhas referem-se

    ao texto grego, mas, como no possvel obter perfeita correspondncia, linha a linha, entre o original e a traduo,

    limitamo-nos a indicar o incio dos pargrafos. Por conseguinte e exemplificando: 47 a 13, no artigo AULETICA, remete o

    leitor para todo o pargrafo que comea na linha 13 da pgina 1447 a, e no, exatamente, para a 13? linha da mesma pgina. Nos ndices Analtico e Onomstico, N = Nauck, A., TRAGICORUM GRAECORUM FRAGMENTA, 2 ed.,

    Leipzig, 1926. (N. do T.) Copyright desta edio, Editora Nova Cultural, Ltda., So Paulo, 4a. edio, 1991. Av. Brig. Faria Lima, 2000 - 3? andar - CEP 01452 - So Paulo, SP. Tradues publicadas sob licena de Editora Globo S.A., So Paulo, SP.

    CONTRA-CAPA

    ARISTTELES

    A crtica da separao platnica entre mundo sensvel e mundo das Idias abre para Aristteles a perspectiva do tratamento das atividades humanas cada uma em sua especificidade. Destas, algumas merecem a denominao de cincia em todo o rigor da expresso: o caso da Filosofia Primeira. Outras, que tematizam a ao naquilo que tem de livre e contingente, no compartilham o mesmo estatuto terico das cincias rigorosas, mas adaptam seu mtodo s flutuaes do objeto: o caso da tica. A diferena entre Aristteles e Plato justamente esta flexibilidade de procedimentos tericos, que busca dar conta da diversidade do pensamento e da ao. Tais diferenas, no entanto, no impedem que a Filosofia forme um edifcio sistemtico em que os gneros de conhecimento organizam-se hierarquicamente, tendo como meta ltima a unio entre saber e felicidade, como j preconizava, por outras vias, Plato.

    NESTE VOLUME

    tica a Nicmaco Aristteles investiga neste texto o tipo de saber que se pode obter acerca da conduta, levando em conta a

    situao concreta do Homem, um ser que est acima do animal, mas que no pode ser definido apenas pela pura razo. Neste meio-termo se colocar o que se deve entender especificamente por virtude.

    Potica Aristteles aborda neste texto os gneros literrios vigentes no seu tempo: poesia, tragdia, comdia,

    histria, observando as caractersticas de cada um. Ainda hoje, dificilmente se encontrar um estudo sobre literatura que no se refira a esta obra aristotlica, em que pela primeira vez esses temas foram sistematizados.

    O S P E N S A D O R E S Nesta srie esto as idias fundamentais que, nos ltimos 25 sculos, ajudaram a construir a civilizao. A

    escolha de autores procura refletir a pluralidade de temas e de interpretaes que compem o pensamento filosfico. A seleo de textos busca, nas fontes originais, uma viso abrangente e equilibrada da Filosofia e de sua contribuio ao conhecimento do homem e do universo.

    ISBN 85-13-00214-3 ISBN 85-13-00232-1

  • as ms aes. Ora, tais aes no devem ser praticadas; e no faz diferena que

    algumas sejam vergonhosas em si mesmas e outras o sejam apenas de acorda com a

    opinio comum, pois nem as primeiras, nem as segundas devemos praticar, a fim

    de no sentirmos vergonha. E caracterstico de um homem mau o ser capaz de

    cometer qualquer ao vergonhosa.

    absurdo julgar-se algum um homem bom porque sente vergonha quando

    comete uma tal ao, visto que nos envergonhamos de nossas aes voluntrias, e o

    homem bom jamais cometer ms aes voluntariamente. Mas a vergonha pode ser

    considerada uma boa coisa dentro de certas condies: se um homem bom cometer

    uma ao dessas, sentir vergonha. As virtudes, porm, no esto sujeitas a tais

    condies. E se o despudor o no se envergonhar de praticar aes vis

    mau, no se segue que seja bom envergonhar-se de pratic-las.

    A continncia tambm no uma virtude, mas uma espcie de disposio

    mista. o que mostraremos mais adiante62. Agora, porm, tratemos da justia.

    LIVRO V

    1

    No que toca justia e injustia devemos considerar: (1) com que espcie

    de aes se relacionam elas; (2) que espcie de meio-termo a justia; e (3) entre

    que extremos o ato justo intermedirio. Nossa investigao se processar dentro

    das mesmas linhas que as anteriores.

    Vemos que todos os homens entendem por justia aquela disposio de

    carter que torna as pessoas propensas a fazer o que justo, que as faz agir

    justamente e desejar o que justo; e do mesmo modo, por injustia se entende a

    disposio que as leva a agir injustamente e a desejar o que injusto. Tambm ns,

    portanto, assentaremos isso como base geral. Porque as mesmas coisas no so

    verdadeiras tanto das cincias e faculdades como das disposies de carter.

    Considera-se que uma faculdade ou cincia, que uma I e a mesma coisa, se

    relaciona com objetos contrrios, mas uma disposio de carter, que um de dois 62 Livro VII, caps. 1-10. (N. do T.)

  • contrrios, no produz resultados opostos. Por exemplo: em razo da sade no

    fazemos o que contrrio sade, mas s o que saudvel, pois dizemos que um

    homem caminha de modo saudvel quando caminha como o faria um homem que

    gozasse sade.

    Ora, muitas vezes um estado reconhecido pelo seu contrrio, e no menos

    freqentemente os estados so reconhecidos pelos sujeitos que os manifestam;

    porque, (a) quando conhecemos a boa condio, a m condio tambm se nos

    torna conhecida; e (b) a boa condio conhecida pelas coisas que se acham em

    boa condio, e as segundas pela primeira. Se a boa condio for a rijeza de carnes,

    necessrio no s que a m condio seja a carne flcida, como que o saudvel

    seja aquilo que torna rijas as carnes. E segue-se, de modo geral, que, se um dos

    contrrios for ambguo, o outro tambm o ser; por exemplo, se o "justo" o ,

    tambm o ser o "injusto".

    Ora, "justia" e "injustia" parecem ser termos ambguos, mas, como os seus

    diferentes significados se aproximam uns dos outros, a ambigidade escapa

    ateno e no evidente como, por comparao, nos casos em que os significados

    se afastam muito um do outro por exemplo (pois aqui grande a diferena de

    forma exterior), como a ambigidade no emprego de para designar a clavcula

    de um animal e o ferrolho com que trancamos uma porta. Tomemos, pois, como

    ponto de partida os vrios significados de "um homem injusto". Mas o homem sem

    lei, assim como o ganancioso e mprobo, so considerados injustos, de forma que

    tanto o respeitador da lei como o honesto sero evidentemente justos. O justo ,

    portanto, o respeitador da lei e o probo, e o injusto o homem sem lei e mprobo.

    Visto que o homem injusto ganancioso, deve ter algo que ver com bens

    no todos os bens, mas aqueles a que dizem respeito a prosperidade e a

    adversidade, e que tomados em absoluto so sempre bons, mas nem sempre o so

    para uma pessoa determinada. Ora, os homens almejam tais coisas e as buscam

    diligentemente; e isso o contrrio do que deveria ser. Deviam antes pedir aos

  • deuses que as coisas que so boas em absoluto o fossem tambm para eles, e

    escolher essas.

    O homem injusto nem sempre escolhe o maior, mas tambm o menor no

    caso das coisas que so ms em absoluto. Mas, como o mal menor , em certo

    sentido, considerado bom, e a ganncia se dirige para o bom, pensa-se que esse

    homem ganancioso. E igualmente inquo, pois essa caracterstica contm ambas

    as outras e comum a elas.

    Como vimos63 que o homem sem lei injusto e o respeitador da lei justo,

    evidentemente todos os atos legtimos so, em certo sentido, atos justos; porque os

    atos prescritos pela arte do legislador so legtimos, e cada um deles, dizemos ns,

    justo. Ora, nas disposies que tomam sobre todos os assuntos, as leis tm em mira

    a vantagem comum, quer de todos, quer dos melhores ou daqueles que detm o

    poder ou algo nesse gnero; de modo que, em certo sentido, chamamos justos

    aqueles atos que tendem a produzir e a preservar, para a sociedade poltica, a

    felicidade e os elementos que a compem. E a lei nos ordena praticar tanto os atos

    de um homem bravo (por exemplo, no desertar de nosso posto, nem fugir, nem

    abandonar nossas armas) quanto os de um homem temperante (por exemplo, no

    cometer adultrio nem entregar-se luxria) e os de um homem calmo (por

    exemplo no bater em ningum, nem caluniar); e do mesmo modo com respeito s

    outras virtudes e formas de maldade, prescrevendo certos atos e condenando

    outros; e a lei bem elaborada faz essas coisas retamente, enquanto as leis con-

    cebidas s pressas as fazem menos bem.

    Essa forma de justia , portanto, uma virtude completa, porm no em

    absoluto e sim em relao ao nosso prximo. Por isso a justia muitas vezes

    considerada a maior das virtudes, e "nem Vsper, nem a estrela-dalva64" so to

    admirveis; e proverbialmente, "na justia esto compreendidas todas as

    virtudes65". E ela a virtude completa no pleno sentido do termo, por ser o

    exerccio atual da virtude completa. completa porque aquele que a possui pode 63 1129 a 32 1129 b l.(N. do T.) 64 Eurpides, fragmento 486 de Melanipa (ed. Nauck). (N. do T.) 65 Tegnis, 147. (N. do T.)

  • exercer sua virtude no s sobre si mesmo, mas tambm sobre o seu prximo, j

    que muitos homens so capazes de exercer virtude em seus assuntos privados,

    porm no em suas relaes com os outros. Por isso considerado verdadeiro o

    dito de Bias, "que o mando revela o homem", pois necessariamente quem governa

    est em relao com outros homens e um membro da sociedade.

    Por essa mesma razo se diz que somente a justia, entre todas as virtudes,

    o "bem de um outro66", visto que se relaciona com o nosso prxima! fazendo o que

    vantajoso a um outro, seja um governante, seja um associado. Ora, o pior dos

    homens aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para

    com os seus amigos, e o melhor no o que exerce a sua virtude para consigo

    mesmo, mas para com um outro; pois que difcil tarefa essa.

    Portanto, a justia neste sentido no uma parte da virtude, mas a virtude

    inteira; nem seu contrrio, a injustia, uma parte do vcio, mas o vcio inteiro. O

    que dissemos pe a descoberto a diferena entre a virtude e a justia neste sentido:

    so elas a mesma coisa, mas no o a sua essncia. Aquilo que, em relao ao

    nosso prximo, justia, como uma determinada disposio de carter e em si

    mesmo, virtude.

    2

    Seja, porm, como for, o objeto de nossa investigao aquela justia que

    constitui uma parte da virtude; porquanto sustentamos que tal espcie de justia

    existe. E analogamente, com a injustia no sentido particular que nos ocupamos.

    Que tal coisa existe, indicado pelo fato de que o homem que mostra em

    seus atos as outras formas de maldade age realmente mal, porm no ganan-

    ciosamente (por exemplo, o homem que atira ao cho o seu escudo por covardia,

    que fala duramente por mau humor ou deixa de assistir com dinheiro ao seu amigo,

    por avareza); e, por outro lado, o ganancioso muitas vezes no exibe nenhum

    desses vcios, nem todos juntos, mas indubitavelmente revela uma certa espcie de

    maldade (pois ns o censuramos) e de injustia. Existe, pois, uma outra espcie de

    66 Plato, Repblica, 343. (N. do T.)

  • injustia que parte da injustia no sentido lato, e um dos empregos da palavra

    "injusto" que corresponde a uma parte do que injusto no sentido amplo de

    "contrrio lei".

    Por outro lado, se um homem comete adultrio tendo em vista o lucro e

    ganha dinheiro com isso, enquanto um outro o faz levado pelo apetite, embora

    perca dinheiro e sofra com o seu ato, o segundo ser considerado intemperante e

    no ganancioso, enquanto o primeiro injusto, mas no intemperante. Est claro,

    pois, que ele injusto pela razo de lucrar com o seu ato. Ainda mais: todos os

    outros atos injustos so invariavelmente atribudos a alguma espcie particular de

    maldade; por exemplo, o adultrio intemperana, o abandono de um

    companheiro em combate covardia, a violncia fsica clera; mas, quando um

    homem tira proveito de sua ao, esta no atribuda a nenhuma outra forma de

    maldade que no a injustia. evidente, pois, que alm da injustia no sentido lato

    existe uma injustia "particular" que participa do nome e da natureza da primeira,

    porque sua definio se inclui no mesmo gnero. Com efeito, o significado de

    ambas consiste numa relao para com o prximo, mas uma delas diz respeito

    honra, ao dinheiro ou segurana ou quilo que inclui todas essas coisas, se

    houvesse um nome para design-lo e seu motivo o prazer proporcionado pelo

    lucro; enquanto a outra diz respeito a todos os objetos com que se relaciona o

    homem bom.

    Est bem claro, pois, que existe mais de uma espcie de justia, e uma delas

    se distingue da virtude no pleno sentido da palavra. Cumpre-nos determinar o seu

    gnero e a sua diferena especfica.

    O injusto foi dividido em ilegtimo e mprobo e o justo em legtimo e probo.

    Ao ilegtimo corresponde o sentido de injustia que examinamos acima. Mas, como

    ilegtimo e mprobo no so a mesma coisa, mas diferem entre si como uma parte

    do seu todo (pois tudo que mprobo ilegtimo, mas nem tudo que ilegtimo

    mprobo), o injusto e a injustia no sentido de improbidade no se identificam com

    a primeira espcie citada, mas diferem dela como a parte do todo. Com efeito, a

  • injustia neste sentido uma parte da injustia no sentido amplo, e, do mesmo

    modo, a justia num sentido o da justia do outro. Portanto, devemos tambm

    falar da justia e da injustia particulares, e da mesma forma a respeito do justo e do

    injusto.

    Quanto justia, pois, que corresponde virtude total, e correspondente

    injustia, sendo uma delas o exerccio da virtude em sua inteireza e a outra, o do

    vcio completo, ambos em relao ao nosso prximo, podemos deix-las de parte.

    E evidente o modo como devem ser distinguidos os significados de "justo" e de

    "injusto" que lhes correspondem, pois, a bem dizer, a maioria dos atos ordenados

    pela lei so aqueles que so prescritos do ponto de vista da virtude considerada

    como um todo. Efetivamente, a lei nos manda praticar todas as virtudes e nos

    probe de praticar qualquer vcio. E as coisas que tendem a produzir a virtude

    considerada como um todo so aqueles atos prescritos pela lei tendo em vista a

    educao para o bem comum. Mas no que tange educao do indivduo como tal,

    educao essa que torna um homem bom em si, fica para ser determinado posterior-

    mente67, se isso compete arte poltica ou a alguma outra; pois talvez no haja

    identidade entre ser um homem bom e ser um bom cidado de qualquer Estado

    escolhido ao caso.

    Da justia particular e do que justo no sentido correspondente, (A uma

    espcie a que se manifesta nas distribuies de honras, de dinheiro ou das outras

    coisas que so divididas entre aqueles que tm parte na constituio (pois a

    possvel receber um quinho igual ou desigual ao de um outro); e (B) outra espcie

    aquela que desempenha um papel corretivo nas transaes entre indivduos.

    Desta ltima h duas divises: dentre as transaes, (1) algumas so voluntrias, e

    (2 outras so involuntrias voluntrias, por exemplo, as compras e vendas, os

    emprstimos para consumo, as arras, o emprstimo para uso, os depsitos, as

    locaes (todos estes so chamados voluntrios porque a origem das transaes

    voluntria); ao passo que das involuntrias, (a) algumas so clandestinas, como o

    67 1179 b 20 1181 b 12. Poltica, 1267 b 16 1277 b 32; 1278 a 40 1278 b 5; 1288 a 32 1288 b 2; 1333 a 11,16; 1337 a 11-14. (N. do T.)

  • furto, o adultrio, o envenenamento, o lenocnio, o engodo a fim de escravizar, o

    falso testemunho, e (b) outras so violentas, como a agresso, o seqestro, o

    homicdio, o roubo a mo armada, a mutilao, as invectivas e os insultos.

    3

    (A) Mostramos que tanto o homem como o ato injustos so mprobos ou

    inquos. Agora se torna claro que existe tambm um ponto intermedirio entre as

    duas iniqidades compreendidas em cada caso. E esse ponto a eqidade, pois em

    toda espcie de ao em que h o mais e o menos tambm h o igual. Se, pois, o

    injusto inquo, o justo equitativo, como, alis, pensam todos mesmo sem

    discusso. E, como o igual um ponto intermedirio, o justo ser um meio-termo.

    Ora, igualdade implica pelo menos duas coisas. O justo, por conseguinte,

    deve ser ao mesmo tempo intermedirio, igual e relativo (isto , para certas

    pessoas). E, como intermedirio, deve encontrar-se entre certas coisas (as quais so,

    respectivamente, maiores e menores); como igual, envolve duas coisas; e, como

    justo, o para certas pessoas. O justo, pois, envolve pelo menos quatro termos,

    porquanto duas so as pessoas para quem ele de faro justo, e duas so as coisas

    em que se manifesta os objetos distribudos.

    E a mesma igualdade se observar entre as pessoas e entre as coisas

    envolvidas; pois a mesma relao que existe entre as segundas (as coisas envolvidas)

    tambm existe entre as primeiras. Se no so iguais, no recebero coisas iguais;

    mas isso origem de disputas e queixas: ou quando iguais tem e recebem partes

    desiguais, ou quando desiguais recebem partes iguais. Isso, alis, evidente pelo

    fato de que as distribuies devem ser feitas "de acordo com o mrito"; pois todos

    admitem que a distribuio justa deve recordar com o mrito num sentido

    qualquer, se bem que nem todos especifiquem a mesma espcie de mrito, mas os

    democratas o identificam com a condio de homem livre, os partidrios da

    oligarquia com a riqueza (ou com a nobreza de nascimento), e os partidrios da

    aristocracia com a excelncia.

  • O justo , pois, uma espcie de termo proporcional (sendo a proporo uma

    propriedade no s da espcie de nmero que consiste em unidades abstratas, mas

    do nmero em geral). Com efeito, a proporo uma igualdade de razes, e

    envolve quatro termos pelo menos (que a proporo descontnua envolve quatro

    termos evidente, mas o mesmo sucede com a contnua, pois ela usa um termo em

    duas posies e o menciona duas vezes; por exemplo "a linha A est para a linha B

    assim como a linha B est para a linha C": a linha B, pois, foi mencionada duas

    vezes e, sendo ela usada em duas posies, os termos proporcionais so quatro). O

    justo tambm envolve pelo menos quatro termos, e a razo entre dois deles a

    mesma que entre os outros dois, porquanto h uma distino semelhante entre as

    pessoas e entre as coisas. Assim como o termo A est para B, o termo C est para

    D; ou, alternando, assim como A est para C, B est para D. Logo, tambm o todo

    guarda a mesma relao para com o todo; e esse acoplamento efetuado pela

    distribuio e, sendo combinados os termos da forma que indicamos, efetuado

    justamente. Donde se segue que a conjuno do termo A com C e de B com D o

    que justo na distribuio; e esta espcie do justo intermediria, e o injusto o

    que viola a proporo; porque o proporcional intermedirio, e o justo

    proporcional. (Os matemticos chamam "geomtrica" a esta espcie de proporo,

    pois s na proporo geomtrica o todo est para o todo assim como cada parte

    est para a parte correspondente.) Esta proporo no contnua, pois no

    podemos obter um termo nico que represente uma pessoa e uma coisa.

    Eis a, pois, o que o justo: o proporcional; e o injusto o que viola a

    proporo. Desse modo, um dos termos torna-se grande demais e o outro

    demasiado pequeno, como realmente acontece na prtica; porque o homem que

    age injustamente tem excesso e o que injustamente tratado tem demasiado pouco

    do que bom. No caso do mal verifica-se o inverso, pois o menor mal

    considerado um bem em comparao com o mal maior, visto que o primeiro

    escolhido de preferncia ao segundo, e o que digno de escolha 1 bom, e de duas

    coisas a mais digna de escolha um bem maior.

  • Essa , por conseguinte, uma das espcies do justo.

    4

    (B) A outra a corretiva que surge em relao com transaes tanto volunt-

    rias como involuntrias. Esta forma do justo tem um carter especfico diferente da

    primeira. Com efeito, a justia que distribui posses comuns est sempre de acordo

    com a proporo mencionada acima (e mesmo quando se trata de distribuir os

    fundos comuns de uma sociedade, ela se far segundo a mesma razo que guardam

    entre si os fundos empregados no negcio pelos diferentes scios); e a injustia

    contrria a esta espcie de injustia a que viola a proporo. Mas a justia nas

    transaes entre um homem e outro efetivamente uma espcie de igualdade, e a

    injustia uma espcie de desigualdade; no de acordo com essa espcie de

    proporo, todavia, mas de acordo com uma proporo aritmtica. Porquanto no

    faz diferena que um homem bom tenha defraudado um homem mau ou vice-

    versa, nem se foi um homem bom ou mau que cometeu adultrio; a lei considera

    apenas o carter distintivo do delito e trata as partes como iguais, se uma comete e

    a outra sofre injustia, se uma autora e a outra vtima do delito.

    Portanto, sendo esta espcie de injustia uma desigualdade, o juiz procura

    igual-la; porque tambm no caso em que um recebeu e o outro infligiu um

    ferimento, ou um matou e o outro foi morto, o sofrimento e a ao foram

    desigualmente distribudos; mas o juiz procura igual-los por meio da pena,

    tomando uma parte do ganho do acusado. Porque o termo "ganho" aplica-se

    geralmente a tais casos, embora no seja apropriado a alguns deles, como por

    exemplo, pessoa que inflige um ferimento "e "perda" vtima. Seja como for,

    uma vez estimado o dano, um chamado perda e o outro, ganho.

    Logo. o igual intermedirio entre o maior e o menor, mas o ganho e perda

    so respectivamente menores e maiores em sentidos contrrios; maior quantidade

    do bem e menor quantidade do mal representam ganho, e o contrrio perda; e

    intermedirio entre os dois , como vimos, o igual, que dizemos ser justo. Por

    conseguinte, a justia corretiva ser o intermedirio entre a perda e o ganho.

  • Eis a por que as pessoas em disputa recorrem ao juiz; e recorrer ao juiz

    recorrer justia, pois a natureza do juiz ser uma espcie de justia animada; e

    procuram o juiz como um intermedirio, e em alguns Estados os juzes so

    chamados mediadores, na convico de que, se os litigantes conseguirem o meio-

    termo, conseguiro o que justo. O justo, pois, um meio-termo j que o juiz o .

    Ora, o juiz restabelece a igualdade. E como se houvesse uma linha dividida

    em partes desiguais e ele retira a diferena pela qual o segmento ma excede a

    metade para acrescent-la menor. E quando o todo foi igualmente dividido, os

    litigantes dizem que receberam "o que lhes pertence" isto , receberam o que

    igual.

    O igual intermedirio entre a linha maior e a menor de acordo com uma

    proporo aritmtica. Por esta mesma razo ele chamado justo (), devido a

    ser uma diviso em duas partes iguais, como quem dissesse iov ; e o juiz

    () aquele que divide em dois (). Com efeito, quando alguma coisa

    subtrada de um de dois iguais e acrescentada ao outro, este supera o primeiro

    pelo dobro dela, visto que, se o que foi tomado a um no fosse acrescentado ao

    outro, a diferena seria de um s. Portanto, o maior excede o intermedirio de um,

    e o intermedirio excede de um aquele de que foi sub-trada alguma coisa. Por a se

    v que devemos tanto subtrair do que tem mais como acrescentar ao que tem

    menos; e a este acrescentaremos a quantidade pela qual o excede o intermedirio, e

    do maior subtrairemos o seu excesso em relao ao intermedirio.

    Sejam as linhas AA', BB' e CC' iguais umas s outras. Subtraia-se da linha

    AA' o segmento AE, e acrescente-se linha CC o segmento CD, de modo que toda

    a linha DCC' exceda a linha EA' pelo segmento CD e pelo segmento CF; por

    conseguinte, ela excede a linha BB' pelo segmento CD.

    A E A'

    I----------------1-------------------------------------------1

    B B'

    i----------------------------------------------------------------------1

  • D C F C

    l-----------------i----------------------------------------------------------------------1

    Estes nomes, perda e ganho, procedem das trocas voluntrias, pois ter mais

    do que aquilo que nosso chama-se ganhar, e ter menos do que a nossa parte

    inicial chama-se perder, como, por exemplo, nas compras e vendas e em todas as

    outras transaes em que a lei d liberdade aos indivduos para estabelecerem suas

    prprias condies; quando, todavia, no recebem mais nem menos, mas

    exatamente o que lhes pertence, dizem que tm o que seu e que nem ganharam

    nem perderam.

    Logo, o justo intermedirio entre uma espcie de ganho e uma espcie de

    perda, a saber, os que so involuntrios. Consiste em ter uma quantidade igual antes

    e depois da transao.

    5

    Alguns pensam que a reciprocidade justa sem qualquer reserva, como diziam

    os pitagricos; pois assim definiam eles a justia. Ora, "reciprocidade" no se

    enquadra nem na justia distributiva, nem na corretiva, e no entanto querem que a

    justia do prprio Radamanto signifique isso: Se um homem sofrer o que fez, a devida

    justia, ser feita68. Ora, em muitos casos a reciprocidade no se coaduna com a

    justia corretiva: por exemplo (1), se uma autoridade infligiu um ferimento, no

    deve ser ferida em represlia, e se algum feriu uma autoridade, no apenas deve ser

    tambm ferido, mas castigado alm disso. Acresce que (2) h grande diferena entre

    um ato voluntrio e um ato involuntrio. Mas nas transaes de troca essa espcie

    de justia no produz a unio dos homens: a reciprocidade deve fazer-se de acordo

    com uma proporo e no na base de uma retribuio exatamente igual. Porquanto

    pela retribuio proporcional que a cidade se mantm unida. Os homens

    procuram pagar o mal com o mal e, se no podem faz-lo, julgam-se reduzidos

    condio de simples escravos e o bem com o bem, e se no podem faz-lo no

    h troca, e pela troca que eles se mantm unidos. Por esse mesmo motivo do

    68 Hesodo, fragmento 174 Rzach. (N. do T.)

  • uma posio proeminente ao templo das Graas: promover a retribuio dos

    servios caracterstico da graa, e deveramos servir em troca aquele que nos

    dispensou uma graa, tomando noutra ocasio a iniciativa de lhe fazer o mesmo.

    Ora, a retribuio proporcional garantida pela conjuno cruzada. Seja A

    um arquiteto, B um sapateiro, C uma casa e D um par de sapatos. O arquiteto, pois,

    deve receber do sapateiro o produto do trabalho deste ltimo, e dar-lhe o seu em

    troca. Se, pois, h uma igualdade proporcional de bens e ocorre a ao recproca, o

    resultado que mencionamos ser efetuado. Seno, a permuta no igual, nem v-

    lida, pois nada impede que o trabalho de um seja superior ao do outro. Devem,

    portanto, ser igualados.

    E isto verdadeiro tambm das outras artes, porquanto elas no subsistiriam

    se o que o paciente sofre no fosse exatamente o mesmo que o agente faz, e da

    mesma quantidade e espcie. Com efeito, no so dois mdicos que se associam

    para troca, mas um mdico e um agricultor, e, de modo geral, pessoas diferentes e

    desiguais; mas essas pessoas devem ser igualadas. Eis a por que todas as coisas que

    so objetos de troca devem ser comparveis de um modo ou de outro. Foi para

    esse fim que se introduziu o dinheiro, o qual se torna, em certo sentido, um meio-

    termo, visto que mede todas as coisas e, por conseguinte, tambm o excesso e a

    falta quantos pares de sapatos so iguais a uma casa ou a uma determinada

    quantidade de alimento.

    O nmero de sapatos trocados por uma casa (ou por uma determinada

    quantidade de alimento) deve, portanto, corresponder razo entre o arquiteto e o

    sapateiro. Porque, se assim no for, no haver troca nem intercmbio. E essa

    proporo no se verificar, a menos que os bens sejam iguais de um modo. Todos

    os bens devem, portanto, ser medidos por uma s e a mesma coisa, como dissemos

    acima. Ora, essa unidade na realidade a procura, que mantm unidas todas as

    coisas (porque, se os homens no necessitassem em absoluto dos bens uns dos

    outros, ou no necessitassem deles igualmente, ou no haveria troca, ou no a

    mesma troca); mas o dinheiro tornou-se, por conveno, uma espcie de

  • representante da procura; e por isso se chama dinheiro (), j que existe no

    por natureza, mas por lei (vo), e est em nosso poder mud-lo e torn-lo sem

    valor.

    Haver, pois, reciprocidade quando os termos forem igualados de modo que,

    assim como o agricultor est para o sapateiro, a quantidade de produtos do

    sapateiro esteja para a de produtos de agricultor pela qual trocada. Mas no

    devemos, coloc-los em proporo depois de haverem realizado a troca (do

    contrrio ambos os excessos se juntaro num dos extremos), e sim quando cada um

    possui ainda os seus bens. Desse modo so iguais e associados justamente porque

    essa igualdade se pode efetivar no seu caso.

    Seja A um agricultor, C uma determinada quantidade de alimento, B um

    sapateiro e D o seu produto, que equiparamos a C. Se no fosse possvel efetuar

    dessa forma a reciprocidade, no haveria associao das partes. Que a procura

    engloba as coisas numa unidade s evidenciado pelo fato de que, quando os

    homens no necessitam um do outro isto , quando no h necessidade

    recproca ou quando um deles no necessita do segundo , no realizam a troca,

    como acontece quando algum deseja o que temos: por exemplo, quando se

    permite a exportao de trigo em troca de vinho. E preciso, pois, estabelecer essa

    equao.

    E quanto s trocas futuras a fim de que, se no necessitamos de uma

    coisa agora, possamos t-la quando ela venha a fazer-se necessria , o dinheiro ,

    de certo modo, a nossa garantia, pois devemos ter a possibilidade de obter o que

    queremos em troca do dinheiro. Ora, com o dinheiro sucede a mesma coisa que

    com os bens: nem sempre tem ele o mesmo valor; apesar disso, tende a ser mais

    estvel. Da a necessidade de que todos os bens tenham um preo marcado; pois

    assim haver sempre troca e, por conseguinte, associao de homem com homem.

    Deste modo, agindo o dinheiro como uma medida, torna ele os bens

    comensurveis e os equipara entre si; pois nem haveria associao se no houvesse

    troca, nem troca se no houvesse igualdade, nem igualdade se no houvesse

  • comensurabilidade. Ora, ha realidade impossvel que coisas to diferentes entre si

    se tornem comensurveis, mas com referncia procura podem tornar-se tais em

    grau suficiente. Deve haver, pois, uma unidade, I unidade estabelecida por comum

    acordo (por isso se chama ela dinheiro); pois ela que torna todas as coisas

    comensurveis, j que todas so medidas pelo dinheiro.

    Seja A uma casa, B dez minas, C uma cama. A a metade de B, se a casa vale

    cinco minas ou igual a elas; a cama, C, um dcimo de B; torna-se assim evidente

    quantas camas igualam uma casa, a saber: cinco. No h dvida que a troca se

    realizava desse modo antes de existir dinheiro, pois nenhuma diferena faz que

    cinco camas sejam trocadas por uma casa ou pelo valor monetrio de cinco camas.

    Temos, pois, definido o justo e o injusto. Aps distingui-los assim um do

    outro, evidente que a ao justa intermediria entre o agir injustamente e o ser

    vtima de injustia; pois um deles ter demais e o outro ter demasiado pouco. A

    justia uma espcie de meio-termo, porm no no mesmo sentido que as outras

    virtudes, e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediria,

    enquanto a injustia se relaciona com os extremos. E justia aquilo em virtude do

    qual se diz que o homem justo pratica, por escolha prpria, o que justo, e que

    distribui, seja entre si mesmo e um outro, seja entre dois outros, no de maneira a

    dar mais do que convm a si mesmo e menos ao seu prximo (e inversamente no

    relativo ao que no convm), mas de maneira a dar o que igual de acordo com a

    proporo; e da mesma forma quando se trata de distribuir entre duas outras

    pessoas. A injustia, por outro lado, guarda uma relao semelhante para com o

    injusto, que excesso e deficincia, contrrios proporo, do til ou do nocivo.

    Por esta razo a injustia excesso e deficincia, isto , porque produz tais coisas

    no nosso caso pessoal, excesso do que til por natureza e deficincia do que

    nocivo, enquanto o caso de outras pessoas equiparvel de modo geral ao nosso,

    com a diferena de que a proporo pode ser violada num e noutro sentido. Na

    ao injusta, ter demasiado pouco ser vtima de injustia, e ter demais agir

    injustamente.

  • Seja esta a nossa exposio da natureza da justia e da injustia e, igualmente,

    do justo e do injusto em geral.

    6

    Visto que agir injustamente no implica necessariamente ser injusto,

    devemos indagar que espcies de atos injustos implicam que o autor injusto com

    respeito a cada tipo de injustia: por exemplo, um ladro, um adltero ou um

    bandido. Evidentemente, a resposta no gira em torno da diferena entre esses

    tipos, pois um homem poderia at deitar-se com uma mulher, sabendo quem ela ,

    sem que no entanto o motivo de seu ato fosse uma escolha deliberada, mas a

    paixo. Esse homem age injustamente, por conseguinte, mas no injusto; e um

    homem pode no ser ladro apesar de ter roubado, nem adltero apesar de ter

    cometido adultrio; e analogamente em todos os outros casos.

    Ora, j mostramos anteriormente como o recproco se relaciona com o

    justo69; mas no devemos esquecer que o que estamos procurando no apenas

    aquilo que justo incondicionalmente, mas tambm a justia poltica. Esta

    encontrada entre homens que vivem em comum tendo em vista a auto-suficincia,

    homens que so livres e iguais, quer proporcionalmente, quer aritmeticamente, de

    modo que entre os que no preenchem esta condio no existe justia poltica,

    mas justia num sentido especial e por analogia.

    Com efeito, a justia existe apenas entre homens cujas relaes mtuas so

    governadas pela lei; e a lei existe para os homens entre os quais h injustia, pois a

    justia legal a discriminao do justo e do injusto. E, havendo injustia entre

    homens, tambm h aes injustas (se bem que do fato de ocorrerem aes injustas

    entre eles nem sempre se pode inferir que haja injustia), e estas consistem em atri-

    buir demasiado a si prprio das coisas boas em si, e demasiado pouco das coisas

    ms em si.

    A est por que no permitimos que um homem governe, mas o princpio

    racional, pois que um homem o faz no seu prprio interesse e converte-se num

    69 1132 b 21 1133b28.(N.doT.)

  • tirano. O magistrado, por outro lado, um protetor da justia e, por conseguinte,

    tambm da igualdade. E, visto supor-se que ele no possua mais do que a sua parte,

    se justo (porque no atribui a si mesmo mais daquilo que e bom em si, a menos

    que tal quinho: seja proporcional aos seus mritos de modo que para outros

    que trabalha, e por essa razo os homens, como mencionamos anteriormente70,

    dizem ser a justia "o bem de um outro"), ele deve, portanto, ser recompensado, e

    sua recompensa a honra e o privilgio; mas aqueles que no se contentam com

    essas coisas tornam-se tiranos71.

    A justia de um amo e a de um pai no so a mesma que a justia dos

    cidados, embora se assemelhem a ela pois no pode haver justia no sentido

    incondicional em relao a coisas que nos pertencem, mas o servo de um homem e

    o seu filho, at atingir certa idade e tornar-se independente, so, por assim dizer,

    uma parte dele. Ora ningum fere voluntariamente a si mesmo, razo pela qual

    tambm no pode haver injustia contra si prprio. Portanto, no em relaes

    dessa espcie que se manifesta a justia injustia dos cidados; pois, como vimos ela

    se relaciona com a lei e se verifica entre pessoas naturalmente sujeitas lei; e estas,

    como tambm vimos72, so pessoas que tm partes iguais em governar e ser

    governadas.

    Por isso mais fcil manifestar verdadeira justia para com nossa esposa do

    que para com nossos filhos e servos. Trata-se, nesse caso, de justia domstica, a

    qual, sem embargo, tambm difere da justia poltica.

    7

    Da justia poltica, uma parte natural e outra parte legal: natural, aquela que

    tem a mesma fora onde quer que seja e no existe em razo de pensarem os

    homens deste ou daquele modo; legal, a que de incio indiferente, mas deixa de

    s-lo depois que foi estabelecida: por exemplo, que o resgate de um prisioneiro seja

    de uma mina, ou que deve ser sacrificado um bode e no duas ovelhas, e tambm

    70 1130a3.(N. doT.) 71 1134 a 30. (N. do T.) 72 1134a2-28. (N. doT.)

  • todas as leis promulgadas para casos particulares, como a que mandava oferecer

    sacrifcios em honra de Brsidas73, e as prescries dos decretos.

    Ora, alguns pensam que toda justia desta espcie, porque as coisas que so

    por natureza, so imutveis e em toda parte tm a mesma fora (como o fogo, que

    arde tanto aqui como na Prsia), ao passo que eles observam alteraes nas coisas

    reconhecidas como justas. Isso, porm, no verdadeiro de modo absoluto mas

    verdadeiro em certo sentido; ou melhor, para os deuses talvez no seja verdadeiro

    de modo algum, enquanto para ns existe algo que justo mesmo por natureza,

    embora seja mutvel. Isso no obstante, algumas coisas o so por natureza e outras,

    no.

    Com toda a evidncia percebe-se que espcie de coisas, entre as que so

    capazes de ser de outro modo, por natureza e que espcie no o , mas por lei e

    conveno, admitindo-se que ambas sejam igualmente mutveis. E em todas as

    outras coisas a mesma distino ser aplicvel: por natureza, a mo direita mais

    forte; e no entanto possvel que todos os homens venham a tornar-se

    ambidestros.

    As coisas que so justas em virtude da conveno e da convenincia asse-

    melham-se a medidas, pois que as medidas para o vinho e para o trigo no so

    iguais em toda parte, porm maiores nos mercados por atacado e menores nos

    retalhistas. Da mesma forma, as coisas que so justas no por natureza, mas por

    deciso humana, no so as mesmas em toda parte. E as prprias constituies no

    so as mesmas, conquanto s haja uma que , por natureza, a melhor em toda

    parte.

    Das coisas justas e legtimas, cada uma se relaciona como o universal para

    com o seus casos particulares; pois as coisas praticadas so muitas, mas dessas cada

    uma uma s, visto que universal.

    H uma diferena entre o ato de injustia e o que injusto, assim como entre

    o ato de justia e o que justo. Como efeito, uma coisa injusta por natureza ou

    73 Tucdides, V. ll.(N.doT.)

  • por lei; e essa mesma coisa, depois que algum a faz; um ato de injustia; antes

    disso, porm, apenas injusta. E do mesmo modo quanto ao ato de justia (se bem

    que a expresso geralmente usada seja "ao justa", e "ato de justia" se aplique

    correo do ato de injustia).

    Cada uma destas coisas deve ser examinada separadamente mais tarde, no

    tocante natureza e ao nmero de suas espcies, bem como natureza das coisas

    com que se relaciona.

    8

    Sendo os atos justos e injustos tais como os descrevemos, um homem age de

    maneira justa ou injusta sempre que pratica tais atos voluntariamente. Quando os

    pratica involuntariamente, seus atos no so justos nem injustos, salvo por acidente,

    isto , porque ele fez coisas que redundam em justias ou injustias. E o carter

    voluntrio ou involuntrio do ato que determina se ele justo ou injusto, pois,

    quando voluntrio, censurado, e pela mesma razo se torna um ato de injustia;

    de forma que existem coisas que so injustas, sem que no entanto sejam atos de

    injustia, se no estiver presente tambm a voluntariedade.

    Por voluntrio entendo, como j disse antes74, tudo aquilo que um homem

    tem o poder de fazer e que faz com conhecimento de causa, isto , sem ignorar

    nem a pessoa atingida pelo ato, nem o instrumento usado, nem o fim que h de

    alcanar (por exemplo, em quem bate, com que e com que fim); alm disso, cada

    um desses atos no deve ser acidental nem forado (se, por exemplo, A toma a mo

    de B e com ela bate em C, B no agiu voluntariamente, pois o ato no dependia

    dele).

    A pessoa atingida pode ser o pai do agressor, e este pode saber que bateu

    num homem ou numa das pessoas presentes, ignorando, no entanto, que se trata

    de seu pai. Uma distino do mesmo gnero se deve fazer quanto ao fim da ao e

    ao em sua totalidade. Por conseguinte, aquilo que se faz na ignorncia, ou

    embora feito com conhecimento de causa, no depende do agente, ou que feito

    74 1109 b 35 1111 a 24. (N. do T.)

  • sob coao, involuntrio (pois h, at, muitos processos naturais que ns

    cientemente realizamos e experimentamos, e nenhum dos quais, no entanto, se

    pode qualificar de voluntrio ou involuntrio, como, por exemplo, envelhecer ou

    morrer).

    Mas tanto no caso dos atos justos como dos injustos, a injustia ou justia

    pode ser apenas acidental; pois pode acontecer que um homem restitua

    involuntariamente ou por medo um valor depositado em suas mos, e nesse caso

    no se deve dizer que ele praticou um ato de justia ou que agiu justamente, a no

    ser de modo acidental. Da mesma forma, aquele que sob coao e contra a sua

    vontade deixa de restituir o valor depositado, agiu injustamente e cometeu um ato

    de injustia, mas apenas por acidente.

    Dos atos voluntrios, praticamos alguns por escolha e outros no; por

    escolha, os que praticamos aps deliberar, e por no escolha os que praticamos sem

    deliberao prvia.

    H, por conseguinte, trs espcies de dano nas transaes entre um homem

    e outro. Os que so infligidos por ignorncia so enganos quando a pessoa atingida

    pelo ato, o prprio ato, o instrumento ou o fim a ser alcanado so diferentes do

    que o agente supe: ou o agente pensou que no ia atingir ningum, ou que no ia

    atingir com determinado objeto, ou a determinada pessoa, ou com o resultado que

    lhe parecia provvel (por exemplo, se atirou algo no com o propsito de ferir, mas

    de incitar, ou se a pessoa atingida ou o objeto atirado no eram os que ele

    supunha). Ora, (1) quando o dano ocorre contrariando o que era razoavelmente de

    esperar, um infortnio. (2) Quando no contrrio a uma expectativa razovel, mas

    tampouco implica vcio, um engano (pois o agente comete um engano quando a

    falta procede dele, mas vtima de um acidente quando a causa lhe exterior). (3)

    Quando age com o conhecimento do que faz, mas sem deliberao prvia, um ato

    de injustia: por exemplo, os que se originam da clera ou de outras paixes

    necessrias ou naturais ao homem. Com efeito, quando os homens praticam atos

    nocivos e. errneos desta espcie, agem injustamente, e seus atos so atos de

  • injustia, mas isso no quer dizer que os agentes sejam injustos ou malvados, pois

    que o dano no se deve ao vcio. Mas (4) quando um homem age por escolha, ele

    um homem injusto e vicioso.

    Por isso, com razo que se consideram os atos originados da clera como

    impremeditados, pois a causa do mal no foi o homem que agiu sob o impulso da

    clera, mas aquele que o provocou. Alm disso, o objeto da disputa no se a coisa

    aconteceu ou deixou de acontecer, mas se justa ou no; pois foi a sua aparente

    injustia que provocou a ira. Com efeito, eles no disputam sobre a ocorrncia do

    ato (como nas transaes comerciais em que uma das duas partes forosamente agiu

    de m f), a menos que o faam por esquecimento; mas, estando concordes a

    respeito do fato, disputam sobre qual deles est com a justia (ao passo que um

    homem que deliberadamente prejudicou a outro no pode ignorar tal coisa); de

    forma que um pensa estar sendo injustamente tratado e o outro discorda dessa

    opinio.

    Mas, se um homem prejudica a outro por escolha, age injustamente; e so

    estes os atos de injustia que caracterizam os seus perpetradores como homens

    injustos, contanto que o ato viole a proporo ou a igualdade. Do mesmo modo,

    um homem justo quando age justamente por escolha; mas age justamente se sua ao

    apenas voluntria.

    Dos atos voluntrios, alguns so desculpveis e outros no. Com efeito, os

    erros que os homens cometem no apenas na ignorncia mas tambm por

    ignorncia so desculpveis, enquanto os que no se devem ignorncia (embora

    sejam cometidos na ignorncia), mas a uma paixo que nem natural, nem se conta

    entre aquelas a que o gnero humano est sujeito esses so indesculpveis.

    9

    Dando como suficientemente definidos o que sejam cometer injustia e ser

    vitima dela, pode-se perguntar (1) se a verdade est expressa nas palavras

    paradoxais de Eurpedes:

    Matei minha me; eis o meu caso, em suma.

  • Fizeste-lo por vosso querer, ou [com pesar de ambos?75

    Ser mesmo possvel sermos tratados injustamente por nosso querer, ou,

    pelo contrrio, ser involuntria toda injustia sofrida, como toda ao injusta

    voluntria? E ser toda injustia sofrida da segunda espcie ou da primeira, ou s

    vezes voluntria e outras vezes involuntria? E do mesmo modo no que se refere

    ao ser tratado com justia: como toda ao justa voluntria, seria razovel que

    houvesse uma oposio semelhante em cada um dos dois casos: que tanto o ser

    tratado com justia como com injustia fossem igualmente voluntrios ou

    involuntrios. Mas pareceria paradoxal, mesmo no caso de ser tratado com justia,

    que isso fosse sempre voluntrio, pois contra a sua vontade que alguns so

    justamente tratados.

    (2) Poder-se-ia levantar esta outra questo: todos os que sofrem injustia

    esto sendo injustamente tratados, ou ocorrer com a passividade a. mesma coisa

    que com a ao? Tanto numa como na outra possvel participar acidentalmente

    da justia, e, do mesmo modo (como evidente), da injustia. Com efeito, praticar

    um ato injusto no o mesmo que agir injustamente, nem sofrer injustia o

    mesmo que ser injustamente tratado; e o mesmo ocorre quanto ao agir

    injustamente e ao ser justamente tratado, pois impossvel ser injustamente tratado

    se o outro no age injustamente, ou ser justamente tratado a no ser que ele aja

    com justia. Ora, se agir injustamente no mais que prejudicar voluntariamente a

    algum, e "voluntariamente" significa "com conhecimento da pessoa atingida pela

    ao, do instrumento e da maneira pela qual se age", e o homem incontinente

    prejudica voluntariamente a si mesmo, no s ele ser injustamente tratado por seu

    querer como tambm ser possvel tratar a si mesmo injustamente. (Esta

    possibilidade de tratar injustamente a si mesmo uma das questes a serem

    debatidas.)

    Por outro lado, um homem pode voluntariamente, devido incontinncia,

    sofrer algum mal da parte de outro que age voluntariamente, de modo que seria

    75 Fragmento 68 de Alcmon, Nauck. (N. do T.)

  • possvel ser injustamente tratado por seu prprio querer. Ou porventura incorreta

    a nossa definio, e a "fazer mal a um outro, com conhecimento da pessoa atingida

    pela ao, do instrumento e da maneira'" faz-se mister acrescentar "contra a

    vontade da pessoa atingida pela razo"? Assim, um homem poderia ser

    voluntariamente prejudicado e voluntariamente sofrer injustia, mas ningum seria

    injustamente tratado por seu querer; pois ningum deseja ser injustamente tratado,

    nem mesmo o homem incontinente.

    Esse homem age contrariamente ao seu desejo, pois ningum deseja o que

    julga no ser bom, mas o homem incontinente de fato faz coisas que pensa no

    dever fazer. E, por outro lado, quem d -o que lhe pertence, como Homero diz que

    Glauco deu a Dimedes armadura de ouro por armadura de bronze e o preo de cem bois por

    nove76, no injustamente tratado; porque, se o dar depende dele, o ser injustamente

    tratado no depende: para isso preciso haver algum que o trate injustamente.

    Torna-se claro, pois, que o ser injustamente tratado no voluntrio.

    Das questes que tencionvamos discutir restam ainda duas: (3) se quem age

    injustamente o homem que confere a um outro um quinho superior ao que lhe

    cabe ou o que ficou com o quinho excessivo, e (4) se possvel tratar injustamente

    a si mesmo. Esta questes so mutuamente conexas porquanto se a primeira

    alternativa possvel e quem age injustamente o aquinhoador e no o homem que

    ficou com a parte excessiva, ento, se um homem voluntariamente e com conhe-

    cimento de causa atribui a um outro mais do que a si mesmo, esse homem trata a si

    mesmo injustamente; e o que parecem fazer as pessoas modestas, j que o

    homem virtuoso tende a tomar menos que a sua parte justa. Ou ser tambm

    preciso pr restries ao que acabamos de dizer? Com efeito a), ele talvez obtenha

    um quinho maior de algum outro bem, como, por exemplo, de honra ou de

    nobreza intrnseca, (b) A questo resolvida aplicando-se a distino que Fizemos

    no tocante ao injusta, pois que ele no sofre nada contrrio ao seu desejo, e

    assim no a rigor injustamente tratado, mas, no mximo, sofre um dano.

    76 Ilada, VI. 236. (N. do T.)

  • evidente, por outro lado, que o aquinhoador age injustamente, mas isso

    nem sempre verdadeiro do homem que recebeu a parte excessiva; porque no

    aquele a quem cabe o injusto que age injustamente, mas aquele a quem coube

    praticar voluntariamente o ato injusto, isto , a pessoa na qual reside a origem da

    ao; e esta reside no aquinhoador, e no no aquinhoado. Por outro lado, como a

    palavra "fazer" ambgua, e de coisas inanimadas, de uma mo ou de um escravo

    que executa uma ordem se pode dizer em certo sentido que mataram, aquele que

    recebeu um quinho excessivo no age injustamente, embora "faa" o que injusto.

    Ainda mais: se o aquinhoador decidiu na ignorncia, no age injustamente

    com respeito justia legal e sua deciso no injusta neste sentido, mas em outro

    sentido realmente injusta (pois a justia legal e a justia primordial diferem entre

    si); mas se, com conhecimento de causa, julgou injustamente, ele prprio tem em

    vista um quinho excessivo, quer de gratido, quer de vingana. O homem que

    julgou injustamente por estas razes recebeu, por conseguinte, um quinho

    excessivo, tal qual como se houvesse participado na pilhagem; o fato de receber

    algo diferente daquilo que distribui no vem ao caso, pois tambm quando concede

    terras com vistas em participar da pilhagem, o que recebe no terra, mas dinheiro.

    Os homens pensam que, como o agir injustamente depende deles, fcil ser

    justo. Enganam-se, contudo: ir para a cama com a mulher do vizinho, ferir ou

    subornar algum fcil e depende de ns, mas fazer essas coisas em resultado de

    uma disposio de carter nem fcil nem est em nosso poder. Do mesmo modo,

    conhecer o que justo e o que injusto no exige grande sabedoria, segundo

    pensam os homens, porque no difcil compreender os assuntos sobre que versa a

    lei (embora no sejam essas as coisas justas, salvo acidentalmente). Mas saber como

    se deve agir e como efetuar distribuies a fim de ser justo mais difcil do que

    saber o que faz bem sade; se bem que mesmo neste terreno, embora no d

    grande trabalho aprender que o mel, o vinho, o helboro, o cautrio e o uso da faca

    tm tal efeito, o saber como, a quem e em que ocasio essas coisas devem ser

    aplicadas com vistas em produzir a sade no menos difcil do que ser mdico.

  • Ainda mais: por esta mesma razo julgam os homens que agir injustamente

    to prprio do homem justo como do injusto, pois aquele no seria menos, seno

    at mais capaz de cometer cada um desses atos injustos; com efeito, o homem justo

    poderia deitar-se com uma mulher ou ferir o seu vizinho, e o valente poderia jogar

    fora o seu escudo e pr-se em fuga. Mas fazer papel de covarde ou agir

    injustamente no consiste em praticar essas coisas, salvo por acidente, e sim em

    pratic-las como resultado de uma certa disposio de carter, do mesmo modo

    que exercer a medicina e curar no consiste em aplicar ou deixar de aplicar a faca,

    nem em usar ou deixar de usar medicamentos, mas em fazer essas coisas de certa

    maneira.

    Os atos justos ocorrem entre pessoas que participam de coisas boas em si e

    podem ter uma parte excessiva ou excessivamente pequena delas; porque a alguns

    seres (como aos deuses, presumivelmente) no possvel ter uma parte excessiva

    de tais coisas, e a outros, isto , os incuravelmente maus, nem a mais mnima parte

    seria benfica, mas todos os bens dessa espcie so nocivos, enquanto para outros

    so benficos dentro de certos limites. Donde se conclui que a justia algo

    essencialmente humano.

    10

    O assunto que se segue a eqidade e o eqitativo () e respectivas

    relaes com a justia e o justo. Porquanto essas coisas no parecem ser

    absolutamente idnticas nem diferir genericamente entre si; e, embora louvemos

    por vezes o eqitativo e o homem eqitativo (e at aplicamos esse termo como

    expresso laudatria a exemplo de outras virtudes, significando por pov

    que uma coisa melhor), em outras ocasies, pensando bem, nos parece estranho

    que o eqitativo, embora no se identifique com o justo, seja digno de louvor; por-

    que, se o justo e o eqitativo so diferentes, um deles no bom; e, se so ambos

    bons, tm de ser a mesma coisa.

    So estas, pois, aproximadamente, as consideraes que do origem ao

    problema em torno do eqitativo. Em certo sentido, todas elas so corretas e no

  • se opem umas s outras; porque o eqitativo, embora superior a uma espcie de

    justia, justo, e no como coisa de classe diferente que melhor do que o justo.

    A mesma coisa, pois, justa e eqitativa, e, embora ambos sejam bons, o eqitativo

    superior.

    O que faz surgir o problema que o eqitativo justo, porm no o legal-

    mente justo, e sim uma correo da justia legal. A razo disto que toda lei

    universal, mas a respeito de certas coisas no possvel fazer uma afirmao

    universal que seja correta. Nos casos, pois, em que necessrio falar de modo

    universal, mas no possvel faz-lo corretamente, a lei considera o caso mais

    usual, se bem que no ignore a possibilidade de erro. E nem por isso tal modo de

    proceder deixa de ser correto, pois o erro no est na lei, nem no legislador, mas na

    natureza da prpria coisa, j que os assuntos prticos so dessa espcie por

    natureza..

    Portanto, quando a lei se expressa universalmente e surge um caso que no

    abrangido pela declarao universal, justo, uma vez que o legislador falhou e

    errou por excesso de simplicidade, corrigir a omisso era outras palavras, dizer o

    que o prprio legislador teria dito se estivesse presente, e que teria includo na lei se

    tivesse conhecimento do caso.

    Por isso o eqitativo justo, superior a uma espcie de justia no justia

    absoluta, mas ao erro proveniente do carter absoluto da disposio legal. E essa a

    natureza do equitativo: uma correo da lei quando ela deficiente em razo da sua

    universalidade. E, mesmo, esse o motivo por que nem todas as coisas so

    determinadas pela lei: em torno de algumas impossvel legislar, de modo que se

    faz necessrio um decreto. Com efeito, quando a coisa indefinida, a regra tambm

    indefinida, como a rgua de chumbo usada para ajustar as molduras lsbicas: a

    rgua adapta-se forma da pedra e no rgida, exatamente como o decreto se

    adapta aos fatos.

    Torna-se assim bem claro o que seja o eqitativo, que ele justo e melhor

    do que uma espcie de justia. Evidencia-se tambm, pelo que dissemos, quem seja

  • o homem eqitativo: o homem que escolhe e pratica tais atos, que no se aferra aos

    seus direitos em mau sentido, mas tende a tomar menos do que seu quinho

    embora tenha a lei por si, eqitativo; e essa disposio de carter a eqidade, que

    uma espcie de justia e no uma diferente disposio de carter.

    11

    Se um homem pode ou no tratar injustamente a si mesmo, fica

    suficientemente claro pelo que ficou dito atrs77. Com efeito (a), uma classe de atos

    justos so os atos que esto em consonncia com alguma virtude e que so

    prescritos pela lei: por exemplo, a lei no permite expressamente o suicdio, e o que

    a lei no permite expressa-mente, ela o probe. Por outro lado, quando um homem,

    violando a lei, causa dano a um outro voluntariamente (excetuados os casos de

    retaliao), esse homem age injustamente; e um agente voluntrio aquele que

    conhece tanto a pessoa a quem atinge com o seu ato como o instrumento que usa:

    e quem, levado pela clera, voluntariamente se apunhala, pratica esse ato

    contrariando a reta razo da vida, t isso a lei no permite; portanto, ele age

    injustamente. Mas para com quem? Certamente que para com o Estado, e no para

    consigo mesmo. Por que ele sofre voluntariamente, e ningum voluntariamente

    tratado com injustia. Por essa mesma razo, o Estado pune o suicida, infligindo-

    lhe uma certa perda de direitos civis, pois que ele trata o Estado injustamente.

    Alm disso (b), naquele sentido de "agir injustamente" em que o homem que

    assim procede apenas injusto e no completamente mau, no possvel tratar

    injustamente a si mesmo. Com efeito, este sentido difere do anterior; o homem

    injusto, numa das acepes do termo, mau de uma maneira particularizada, tal

    qual como o covarde, e no no sentido de ser completamente mau, de forma que o

    seu "ato injusto" no manifesta maldade em geral. Porque (1) isso implicaria a

    possibilidade de ter sido a mesma coisa simultaneamente subtrada de outra e

    acrescentada a ela; mas isso impossvel, pois que o justo e o injusto sempre

    envolvem mais de uma pessoa. Por outro lado (2), a ao injusta voluntria e

    77 Cf. 1129 a 32 1129 b 1; 1136 a 10 1137 ^4. (N. do T.)

  • praticada por escolha, alm de a ela pertencer a iniciativa (porque no se diz que agiu

    injustamente o homem que, tendo sofrido um mal, retribui com o mesmo mal);

    mas aquele que faz dano a si mesmo sofre e pratica as mesmas coisas ao mesmo

    tempo. Alm disso (3), se um homem pudesse tratar injustamente a si mesmo,

    poderia ser tratado injustamente por seu querer. E, por fim (4), ningum age

    injustamente sem cometer atos especficos de injustia; mas ningum pode cometer

    adultrio com sua prpria esposa, nem assaltar a sua prpria casa ou furtar os seus

    prprios bens.

    De um modo geral, a questo: "pode um homem tratar injustamente a si

    mesmo?" tambm respondida pela distino que aplicamos a outra pergunta:

    "pode um homem ser injustamente tratado por seu querer?78"

    tambm evidente que so ms ambas as coisas: ser injustamente tratado e

    agir injustamente; porque uma significa ter menos e a outra ter mais do que a

    quantidade mediana, que desempenha aqui o mesmo papel que o saudvel na arte

    mdica e a boa condio na arte do treinamento fsico. No obstante, agir

    injustamente pior, pois envolve vcio e merece censura. E tal vcio ou da espcie

    completa e irrestrita, ou pouco menos (devemos admitir esta segunda alternativa,

    porque nem toda ao injusta voluntria implica a injustia como disposio de

    carter), enquanto ser injustamente tratado no envolve vcio e injustia na prpria

    pessoa. Em si mesmo, por conseguinte, ser injustamente tratado menos mau,

    porm nada impede que seja acidentalmente um mal maior. Isso, contudo, no

    interessa teoria, que considera a pleuris um mal maior do que um tropeo, muito

    embora este ltimo possa tornar-se acidentalmente mais grave, se a conseqente

    queda causa de ser o homem capturado ou morto pelo inimigo.

    Metaforicamente e em virtude de uma certa analogia, h uma justia no

    entre um homem e ele mesmo, mas entre certas partes suas. No se trata, no

    entanto, de uma justia de qualquer espcie, mas daquela que prevalece entre amo e

    escravo ou entre marido e mulher. Pois tais so as relaes que a parte racional da

    78 Cf. 1136 a 31 1136 b 5. (N.doT.)

  • alma guarda para com a parte irracional; e levando em conta essas partes que

    muitos pensam que um homem pode ser injusto para consigo mesmo, a saber:

    porque as partes em apreo podem sofrer alguma coisa\ contrria aos seus desejos.

    Pensa-se, por isso, que existe uma justiai mtua entre elas, como entre governante

    e governado.

    E aqui termina a nossa exposio da justia e das outras virtudes isto ,

    das outras virtudes morais.

    LIVRO VI

    1

    Como dissemos anteriormente que se deve preferir o meio-termo e no o

    excesso ou a falta, e que o meio-termo e determinado pelos ditames da reta razo,

    vamos discutir agora a natureza desses ditames.

    Em todas as disposies de carter que mencionamos, assim como em iodos

    os demais assuntos, h uma meta a que visa o homem orientado pela razo, ora

    intensificando, ora relaxando a sua atividade; e h um padro que determina os

    estados medianos que dizemos serem os meios-termos entre o excesso e a falta, e

    que esto em consonncia com a reta razo. Mas, assim dita a coisa, embora

    verdadeira, no de modo algum evidente; pois no s aqui como em todas as

    outras ocupaes que so objetos de conhecimento correto afirmar que no

    devemos esforar-nos nem relaxar nossos esforos em demasia nem de-

    masiadamente pouco, mas em grau mediano e conforme dita a 'reta razo.

    Entretanto, se um homem possusse apenas esse conhecimento, no saberia mais

    nada: por exemplo, no saberamos que espcies de medicamento aplicar ao seu

    corpo se algum dissesse: "todos aqueles que a arte mdica prescreve e que esto de

    acordo com a prtica de quem possui a arte". necessrio, pois, com respeito s

    disposies da alma, no s que se faa essa declarao verdadeira, mas tambm

    que se defina o que sejam a justa regra e o padro que a determina.

    Dividimos as virtudes da alma, dizendo que algumas so virtudes do carter

    e outras do intelecto. Agora que acabamos de discutir em detalhe as virtudes