Aristóteles - Liv v - Ética a Nicômaco

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  • 7/25/2019 Aristteles - Liv v - tica a Nicmaco

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    ~

    Eticaa

    Nicmaco

    TRADUO DO GREGO DE

    ANTNIO DE CASTRO CAEIRO

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    1128blO Acerca do pudor no pode dizer-sel35 que se trata de um certa exce-lncia. Na verdade, parece-se mais com um sentimento do que com umadisposio de carter. Ela definida, pelo menos, como um certo medoda m reputao e produz um efeito prximo do medo em face do perigo.S que enquanto os que se envergonham coram, os que se angustiam em

    15 face da morte empalidecem. Em ambos os casos parece tratar-se de umcerto fenmeno somtico, por isso mesmo parece mais uma afetao doque uma disposio de carter.

    Este sentimento no se adequa a todas a idades, mas apenas juven-tude. Pensamos, pois, que os que esto naquela idade devem sentir pudor,

    porque ao viver segundo a paixo, fazem muitas coisas erradas. Pelo pudor,contudo, seriam impedidos de as fazer. Demais, ns louvamos os jovens

    20 que tm o sentimento de pudor, mas ningum louvar algum mais velhopor ser pudico. Pensamos que j no far nenhuma daquelas coisas quefazem sentir pudor. O homem de excelncia no pode sentir vergonha, e,

    caso sinta, seja ento apenas quando incorre em aes vis (mas no deve,contudo, fazer nada de vergonhoso. E aqui no importa se as aes vergo-nhosas o so na verdade ou por parecer assim opinio vigente, porque

    25 no devem ser praticadas em nenhum dos casos, para no termos de nosenvergonhar do que fizemos). Faz, contudo, parte do carter ordinrio

    poder incorrer em aes que atentam contra o pudor. Mas um absurdopensar-se que se excelente por se estar naturalmente disposto a sentirpudor, quando se incorre numa ao vil. O pudor nasce de aes volunt-rias, mas o excelente jamais incorrer voluntariamente em aes vis. Pa-

    30 rece haver a suposio de que o pudor qualquer coisa de bom, porqueao agir mal, algum sentir-se-ia envergonhado. Mas tal no o caso comas excelncias. Se a falta de pudor dos que praticam aes que atentamcontra o pudor e o fato de no se envergonharem vil, no por isso queaquele que pratica tais aes mas delas se envergonha excelente. Talcomo ter domnio sobre si prprio no bem uma excelncia, mas algo

    35 de misto. Far-se- uma demonstrao disto nas anlises seguintes. Por ora,falemos acerca da justia.

    Livro V

    Acerca da justia136 e da injustia temos de ~pur~r !r~meira~e.nt~ 1129a3qual o seu mbito de ao, de que espcie de dlsposlao mtermedla e 5a justia e de que extremos o justo meio termo. O nosso exame te~ deser levado a cabo de acordo com o mesmo mtodo aplicado nas analIses

    precedentes. .Vejamos, ento, que o que todos visam com

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    de um modo saudvel quando caminha do mesmo modo que caminhaquem est de boa sade.

    Contudo, muitas vezes reconhece-se uma disposio a partir da quelhe oposta. Muitas outras vezes, reconhecem-se disposies a partir dossubstratos que operam. Se a boa forma do corpJ:lse manifestar, tambm se

    20 manifesta a sua m forma. Quer dizer, em vista do sentido boa condio

    ou forma fsica que podemos verificar se os corpos esto em boa condioou em forma, tal como , por outro lado, vista de corpos em bom estadoou com boa forma fsica que reconhecemos o sentido boa condio ouforma fsica.137Assim, se a boa condio da carne a firmeza, necess-rio que a sua m condio seja a flacidez. Isto , o que d uma boa forma o que produz a condio de firmeza na came.138

    Segue-se assim o mais das vezes que, se um dos extremos opostos for25 entendido em vrias acepes, tambm o outro extremo ser entendido

    segundo essa mesma diversidade de acepes. Assim, o sentido do termo(~usto tem tantas acepes quantas tiver o sentido do termo injusto. Otermo (~ustia , assim, entendido de acordo com tantos sentidos quantosos que o tiver o termo injustia, quer dizer ambos admitem uma enormeequivocidade. Uma tal equivocidade passa-nos despercebida, porquantotodas as suas acepes esto estreitamente lig'!lclas.Ou seja, uma tal equi-vocidade no se manifesta to facilmente como no caso de termos acep-es de sentido muito diferentes (uma diferena que estj manifesta noaspeto exterior das coisas visadas). , por exemplo, o que acontece com

    30 o termo chave que significa de modo equvoco tanto o osso que estdebaixo do pescoo nos animais (clavcula) como o objeto com o qual seabrem as portas.139 Vejamos, ento, em quantas acepes se compreendeo termo injusto. Assim parece ser injusto quem transgride a lei, quemquer ter mais do que devido14o e quem inquo. Parece tambm evidente

    por outro lado, que justo ser quem observa a lei e respeita a igualdade:Disposio justa , ento, por um lado, a observncia da lei e o respeito

    1129bl pela igualdade; disposio injusta, por outro, a transgresso da lei e odesrespeito pela igualdade.

    Uma vez que o injusto o que quer ter mais do que devido, ele assim definido a respeito dos bens. E, na verdade, no a respeito de todosos bens, mas apenas a respeito daqueles que dependem da boa e da msorte. Estes so sempre bens em sentido absoluto, mas nem sempre so

    bens por relao com cada um individualmente. Os Humanos pedem-nos5 em preces e perseguem-nos. Mas no deviam. Deviam era antes pedir que

    os bens em sentido absoluto fossem tambm bens relativos aos prprios, eassim escolher o bem absoluto em si como um bem relativo para si.

    O injusto nem sempre escolhe ter a maior parte do que devido. Porvezes escolhe at a parte mais pequena, s que a respeito do que absolu-tamente mau. Mas, uma vez que o menor de dois males de algum modoum bem, e a avidez querer ter mais do que bom, o injusto parece ser

    ganancioso de mais. inquo porque [o sentido inquo] envolve as duas 10acepes e comum a ambas [querer ter mais bens de mais tambm

    querer males de menos].

    Uma vez que o injusto um transgressor da lei, e o justo se mantmdentro dos seus limites, evidente que toda a legalidade de algum modo

    justa. Na verdade, tudo o que definido por um ato legislador confor-me lei, por isso afirmamos que cada uma das disposies legais justa.As leis pretendem estender-se a todas as coisas e visam, assim, ora o inte- 15resse comum a todos ora o interesse dos melhores de todos, ou ainda dosque obtiveram uma posio de domnio, que est baseada na excelnciaou numa qualquer outra forma de distino. Assim entendemos por justo

    num certo sentido o que produz e salvaguarda a felicidade bem como assuas partes componentes para si e para toda a comunidade. A lei prescre-ve, pois, aes a realizar: ao corajoso, como, por exemplo, no abando-nar o seu posto, nem fugir ou deitar as armas fora; ao temperado, como,por exemplo, no cometer adultrio nem ser insolente; ao gentil, como,por exemplo, no bater, nem falar mal de algum, e o mesmo a respeitodas outras excelncias e perverses, na medida em que exorta a umas e

    probe outras.

    Assim, se o que estiver disposto na lei tiver sido corretamente dispostopelo legislador, a lei justa, caso seja extempornea poder no ser tojusta. A prpria justia , ento, uma excelncia completa, no de uma

    forma absoluta, mas na relao com outrem. por esse motivo que fre-quentemente a justia aparece como a mais poderosa das excelncias, enem a estrela da tarde nem a estrela da manh141 so to maravilhosas.

    Ns dizemos at no provrbio:

    Ajustia concentra em si toda a excelncia.142,assim, de modo su-premo a mais completa das excelncias. , na verdade, o uso da excelnciacompleta. completa, porque quem a possuir tem o poder de a usar noapenas spara si, mas tambm com outrem. Pois, de fato, h muitos quetm o poder de fazer uso da excelncia em assuntos que lhes pertencem edizem respeito, mas so impotentes para o fazer na sua relao com ou-

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    trem. E por esse motivo que parece estar correto o dito de Bias, segun-do o qual o cargo pblico revela aquilo de que um homem capaz,I43

    porque no desempenho da sua funo j se est em relao com outreme em comunidade.

    por esta razo, ento, que a justia a nica das excelncias qUeparece tambm ser um bem que pertence a outrem, porque, efetivamente,

    5 envolve uma relao com outrem, isto , produz pela sua ao o que deinteresse para outrem, seja esse algum um superior ou um igual. O piorde todos , ento, o que mau para si prprio, e tambm para outrem. Omelhor de todos, por outro lado, o que aciona a excelncia tanto parasi prprio como para outrem. Mas esta tarefa difcil. Assim, tal como a

    justia no uma parte da excelncia, mas a excelncia total, tambm a10 injustia no uma parte da perverso, mas antes a mais completa per-

    verso. ~m vista do qu se distinguem, ento, a excelncia e a prpriajustia? E evidente a partir do que foi agora dito: que elas so, enquantodisposies de um mesmo gnero, idnticas, mas diferentes no modo dese manifestarem. Ajustia manifesta-se como disposio relativamente a

    outrem; a excelncia, manifesta-se, como uma certa disposio, de formaabsoluta. 144

    Temos estado a investigar a justia, enquanto parte integrante da ex-15 celncia, porque dizemos que existe uma certa forma de justia desta es-

    pcie tal como existe uma forma de injustia que uma [da perverso].Uma indiciao disto reside no fato de quem atuar de acordo com as outras

    perverses praticar injustias, mas querer ter mais do que devido _ ocaso do que deita fora o escudo por cobardia, ou de quem diz palavres,

    devido ao seu mau feitio, ou de quem no ajuda algum com dinheiropor causa da avareza. Ora quando algum quer ter mais do que devido,

    20 no , frequentemente, por causa daquelas perverses _ ou, certamente,no ser por causa de todas elas -, mas por causa de uma certa forma demaldade (a qual, de fato, repreendemos), isto , por causa da injustia.H, ento, pois, uma certa outra forma de injustia que um modo par-ticular da injustia em geral, assim como h um sentido de ser injustoem particular e outro em geral, isto , do injusto enquanto transgresso lei. Assim, uma coisa cometer adultrio em vista do lucro e receber

    25 dinheiro com isso, outra cometer adultrio por luxria, tendo gasto di-nheiro para o efeito e ainda por cima sendo castigado. Quem age desta

    maneira parece ser mais um devasso do que propriamente ganancioso; noprimeiro caso quem age injusto, ~as no devas~o, pois evidente que

    motivo fundamental do seu ato e o lucro. DemaIs, todo e qualquer ato? 'usto pode sempre ser reconduzido a uma forma peculiar de perversolllJ di' .que o provocou, como, por exemplo, se algum ~o~~te a u ten~, esse ato

    pode ser reconduzido devassido, [como o pnnClplO des~a aao perver~ 30sa particular], mas, se algum abandona o seu compan?~lrO de armas, eObardia e se algum comea a bater noutra pessoa, e Ira. Contudo, se

    c , , 'd 'algum fizer algo com vista ao lucro, o seu ato no recondUZl o ate ne-nhuma outra forma de perverso a no ser injustia.

    assim evidente que h uma certa forma de injustia que parti-cular 'difere~te daquela forma de injustia em geral. O termo equvoco, 1130bIuma ~ez que a definio enraza num mesmo gnero. Ambas tm nisto oseu poder, que so disposies do comportamento relativamente a o~trem.Porm, enquanto a injustia particular - que diz respeito honra,. nquezaou salvao, ou ao que quer que seja (assim consegussemos clrcuns~re-

    ver tudo isto numa nica designao) -, tem a sua origem no gozo obtIdocom o lucro, a outra acerca de tudo aquilo que diz respeito ao mo~~ de 5ser do srio. ,pois, evidente que existe mais do que uma forma de InJus-tia e que a sua essncia vai para alm da excelncia em geral. O qu: ela e qual a sua qualidade especfica o que est ainda por deter~Ina:.Foram, ento, j estabelecidas as diferenas entre, por um lad?, _dl~POSI-o injusta, o transgressor da lei e o inquo, e, por outro, disposlao Justa,observante da lei e respeitador da igualdade.

    A primeira forma de injustia mencionada determinada de acordocom a transgresso lei. Mas, uma vez que a iniquidade no a mesma 10coisa que a transgresso, mas algo de diferente, (como se fossem partes

    relativas a um todo, pois, se todo o inquo transgride a lei, nem toda atransgresso inqua), assim tambm praticar a injustia no tem o mesmosentido consoante for tomada na sua acepo particular ou na geral. Naprimeir~ acepo, como uma parte de um todo. Na segunda, o prpriotodo. Aprpria injustia particular parte da injustia u~iversal, t~l co~o 15a justia particular parte da justia universal. Temos amda de dlSCUtlfoque diz respeito justia e injustia no sentido pa~ticular; ,bem con:o oque diz respeito disposio justa e injusta em sen,tldo partIcular. SeJ~massim deixadas fora de considerao ajustia prescnta segundo a excelen-cia universal, enquanto uso da excelncia universal na relao com outre~,

    bem como a injustia total, enquanto uso da perverso total ~a relaao 20

    com outrem. assim evidente como se devem distinguir, respectivamente,

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    as disposies justa e injusta, porque quase todas as aes conformes lei

    so na sua maioria aes comandadas pela excelncia universal.

    A lei obriga, portanto, a viver de acordo com cada excelncia em par-

    ticular e probe agir segundo cada forma particular de perverso. Quer

    25 dizer, os dispositivos legais produtores da excelncia universal foram le-

    gislados com vista a uma educao que possibilite a vida em sociedade.Saber se a educao que torna cada indivduo bom em sentido absoluto

    resulta da percia poltica ou de alguma outra cincia, ter-se- de deter~

    minar depois. que talvez no seja a mesma coisa ser um bom indivduo

    30 e ser um bom cidado, isto , membro da sociedade. Ajustia particular e

    o sentido do justo que lhe conforme tm duas formas fundamentais.145

    Uma tem o seu campo de aplicao nas distribuies da honra ou riqueza

    bem como de tudo quanto pode ser distribudo em partes pelos membros

    de uma comunidade (na verdade, possvel distribuir tudo isto em par-

    tes iguais ou desiguais por uns e por outros). [Estajustia distributiva].

    1131al A outra forma fundamental a corretiva e aplica-se nas transaes en-

    tre os indivduos. Esta , por sua vez, bipartida, conforme diga respeitoa transaes voluntrias ou involuntrias. Assim,voluntrias so transa-

    es Comoa venda, a compra, emprstimo ajuro, a penhora, o aluguer, o

    5 depsito, a renda (chamam-se voluntrias porque o princpio que preside

    a tais transaes livre). De entre as transaes involuntrias, umas so

    praticadas s escondidas, como o roubo, o adultrio, o envenenamento,

    proxenetismo, a seduo de escravos, o assassnio, e o falso testemunho;

    outras so tambm violentas, como assalto, aprisionamento, assassinato,

    rapto, mutilao, linguagem abusiva, insulto.

    Uma vez que o injusto inquo e a injustia iniquidade, evidente que

    h um meio termo entre [os extremos da] iniquidade, a saber a igualdade.

    Em toda e qualquer espcie de ao h um mais e um menos; h tambm

    15 um igual. Ora se a injustia iniquidade, ento a justia igualdade, coisa

    que aceite por todos sem ser necessria demonstrao. Ora, se a igual-

    dade um meio, a justia ser tambm um meio. Por outro lado, a igual-

    dade implica pelo menos dois termos. necessrio, por conseguinte, quea justia seja um meio e uma igualdade por relao com qualquer coisa,

    bem como relativamente a algumas pessoas. Emprimeiro lugar, enquanto

    meio, encontra-se entre dois extremos (a saber, entre o mais e o menos);

    20

    segundo, enquanto igual, igual entre duas partes; por fim, enquanto jus-

    to, justo para certas pessoas. necessrio, pois, que a justia implique

    pelomenos quatro termos, a saber,duas pessoas, no mnimo, para quem

    justo que algo acontea e duas coisas enquanto partes partilhadas. Ehave-

    r uma e a mesma igualdade entre as pessoas e as partes nela implicadas,

    poisa relao que se estabelece entre as pessoas proporcional relao

    que se estabelece entre as duas coisas partilhadas. Porque se as pessoasno forem iguais no tero partes iguais, e daqui que resultam muitos

    conflitos e queixas, como quando pessoas iguais tm e partilham partes

    desiguais ou pessoas desiguais tm e partilham partes iguais.

    Isto ainda evidente segundo o princpio da distribuio de acordo 25

    com o mrito, porque todos concordam que a justia nas partilhas deve

    basear-se num certo princpio de distribuio de acordo como mrito. Mas

    o sentido do princpio de distribuio por mrito envolve controvrsia e

    no o mesmo para todos. Para osdemocratas a liberdade, mas para os

    oligarcas, a riqueza, ou ainda o bero. Contudo, para os aristocratas a

    excelncia. Ajustia , portanto, uma espcie de proporo. A proporo 30

    no existe apenas como relao peculiar entre a unidade numrica [for-mal], mas prpria da quantidade numrica em geral. Isto , a proporo

    uma equao entre relaes e implica pelo menos quatro termos.

    Que a proporo descontnua implica quatro termos evidente, mas

    assimtambm acontece com a proporo contnua. Nestecaso utiliza-seum

    termo como se fossem dois repetidos, como quando a linha A se relaciona 1131bl

    com a linha B e a linha B se relaciona com a linha C. A linha B , assim,

    nomeada duas vezes, de tal sorte que contada duas vezes. Aproporo

    ter, portanto, quatro termos. Ajustia implica, tambm, no mnimo qua- 5

    tro termos, e a razo que existe entre cada par de termos a mesma. Ela

    repartida de modo semelhante por pessoas e coisas. Assimtal como no

    primeiro par de termos, A se comporta com B, desse modo tambm, nosegundo par de termos, C comporta-se comD, e, por alternncia, tal como

    A se relaciona com C, do mesmo modo, ento, B relaciona-se com D.

    Assim,um todo est em relao com o outro todo na mesma propor-

    o. isto precisamente o que a distribuio das partes faz combinar e

    quando elas so compostas deste modo, a combinao da resultante 10

    justa. O que forma o princpio de justia na distribuio , ento, a con-

    jugao do primeiro termo A de uma proporo com o terceiro C e do se-

    gundo termo B com o ltimo D. Isto ,

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    geomtrica. Sucede na proporo geomtrica que um todo est na mesma15 relao com o outro todo como cada um dos termos entre si. Esta pro-

    poro no contnua, porque no sucede que cada termo seja um niconmero correspondente a uma nica pessoa, pela qual se distribui a coisanica para ser distribuda.

    Justo neste sentido ento a proporo. Injusto, enquanto a acep-o oposta, o que viola o princpio da proporo. Acontece, pois, por vio-

    20 lao do princpio de proporo que um tem de mais ou outro de menostal como se passa com os fatos da vida, porque quem praticar a injusti~tem de mais e quem sofrer a injustia tem de menos relativamente ao bemque de cada vez estiver em causa. Inversamente, por outro lado, se passacom o mal, porque o mal menor em comparao com o mal maior est navez do bem; e o mal menor prefervel ao mal maior. Mas prefervel porsi mesmo o bem e tanto mais prefervel quanto melhor for.Esta , ento,uma das formas fundamentais da justia.

    A outra forma fundamental de sentido da justia a corretiva e temlugar nas transaes particulares, sejam elas voluntrias ou involuntrias.Este sentido de justia tem uma forma diferente da primeira. A justiaque distribui os bens procede sempre segundo a proporo mencionada,

    30 e mesmo que a distribuio seja de bens comuns, ser sempre proporcio-nal aos contributos individuais de cada um. A injustia o contrrio des-ta forma de justia e viola o princpio da proporo. A justia, contudo,que se aplica s transaes particulares observa o princpio da igualdade.Do modo inverso, a injustia inqua, mas o princpio de proporo queviola no geomtrico, mas aritmtico. Aqui irrelevante se uma boa

    pessoa que defrauda uma m ou se uma m pessoa que defrauda a boa,5 tal como irrelevante se quem comete adultrio boa ou m pessoa. A

    lei olha apenas para a especificidade do dano, e trata toda a gente porigual, o seu intuito o de ver quem comete injustia e quem a sofre, quemlesa e quem lesado. A injustia de tal sorte iniquidade que o juiz tentarepar-Ia. Tal como quando algum desfere um golpe e outrem o recebeou como quando algum mata e outrem morre. O sofrimento sentido e

    10 o que infligido pelo ato esto divididos em partes desiguais. Mas o juiztentar equilibr-l os ao fazer pagar a multa ou retirar o ganho para res-sarcir a perda. Ao aplicar-se o termo ganho a estas situaes, est-se afalar em geral, mesmo se a designao no em sentido prprio aplicvel

    a algumas delas, por exemplo, para algum que bate a outra pessoa, nemo termo perda aplicvel vtima de forma adequada. Mas quando seavalia o ato enquanto sofrido e enquanto praticado, aplicam-se os termosperda e ganho respectivamente. Assim como o igual o meio termo 15entre o mais e o menos, o ganho e a perda so o mais e o menos, mas demodo oposto. Enquanto mais de bem e menos de mal um ganho; o con-

    trrio [menos de bem e mais de mal] perda. O igual, que ns dizamosser a justia, o meio entre aqueles extremos, de tal sorte que a justiacorretiva o meio termo entre os extremos perda e ganho. Por esta razo que quando duas partes entram em conflito recorrem ao juiz, porque ir at 20

    junto do juiz em certo sentido ir at junto da justia. Ojuiz quer ser comoque ajustia encarnada. De fato, as pessoas procuram osjuzes enquanto omeio, e alguns at lhes chamam mediadores, como se, alcanando o meio,obtivessem justia. O justo pois qualquer coisa como o meio, caso o juiztambm o seja. Ojuiz capaz de restabelecer a igualdade. Tudo se passa 25como se o diferendo fosse uma linha que foi dividida em dois segmentosdesiguais, dos quais o segmento maior ultrapassa a metade.

    O juiz subtrair este excesso, acrescentando-o ao segmento menor. Equando o todo dividido em duas partes iguais, as partes em conflito di-zem ter o que seu, quando obtm uma parte igual. A igualdade o meioentre a parte maior e a parte menor de acordo com a proporo aritm- 30tica. por esta razo que tambm se chama justia, porque se trata deuma diviso em dois, como se algum dissesse o que dividido em dua~

    partes, e o juiz o divisor em duas partes. Porque quando de duas gran-dezas iguais a uma retirada uma parte para ser acrescentada a outra,esta ltima excede a primeira em duas partes. Contudo, se tivesse sidoretirada uma parte primeira, mas no tivesse sido acrescentada se-gunda, esta ltima, ento, excederia a primeira apenas nessa nica parte. 1132b1

    Esta , portanto, maior do que o meio pela quantidade acrescentada e omeio ser maior do que a parte reduzida, precisamente nessa quantida-de. Deste modo, por conseguinte, saberemos o que que se deve retirar grandeza que tem a mais e o que que se deve acrescentar que tem amenos. quela grandeza que o meio ultrapassa, tendo-se tornado menor,deve ser acrescentado o que falta; grandeza, porm, pela qual o meio 5ultrapassado, tendo-se tornado maior, deve ser retirado o excesso. SejamAA, BBe CC linhas iguais umas s outras; seja retirado o segmento AE linha AAe seja acrescentado linha CC o segmento CD, de tal sorte quetoda a linha DC excede EA pelo segmento CD e CEEla tornou-se maior doque BB por CD. O mesmo se passa com as restantes percias produtoras.

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    10 Na verdade, deixariam de existir se o que o elemento produtor realiza na

    quantidade necessria e com boa qualidade no fosse recebido pelo ele-

    mento receptivo nas mesmas quantidade e qualidade.

    Estas designaes que foram introduzidas, perda" e ganho", tm a

    sua origem na troca de bens feita de livre vontade. Chama-se lucrar ao ter

    mais do que a sua parte devida e ter prejuzo ficar com menos do que15 se tinha ao princpio, como acontece na compra e venda e em todas as

    transaes que a lei no condena. Mas quando atravs dessas transaes

    no se fica com mais nem com menos do que se tinha, diz-se que cada um

    fi~acom o seu e assim no teve prejuzo nem obtevelucro. Detal sorte que

    o Justo nas transaes involuntrias o que est no meio termo entre um

    20 certo lucro e um certo prejuzo: ter antes e depois uma parte igual.

    Parece para alguns que ajustia simplesmente retaliao,146tal como

    disseram ospitagricos. Eles definiram o sentido dejustia como sendo sim-

    plesmente fazer algum passar pelo sofrimento que infligiu a outrem.

    Mas a simples retaliao no coincide com ajustia distributiva nem

    25 COI~a !ustia corretiva - ainda que se pretenda ser este o sentido dejustia

    atnbUldo a Radamanto: se algum sofrer aquilo que por sua ao obrigou

    a sofrer; ter acontecido justia demodo correto porque a retribuio como

    retaliao est em desacordo com ajustia a respeito de muitas coisas. Por

    exemplo, se quem desempenha um cargo pblico bater em algum, no

    30 deve levar castigos corporais como meio de retribuio; mas se algum ba-

    ter em q.uemdesempenha essas funes, no apenas deve receber castigos

    corporaIs como meio de retribuio, e deve ainda ser multado. Demais, h

    uma grande diferena caso se trate de uma ao voluntria ou involuntria.

    Mas uma forma de justia deste gnero a que mantm em conjunto as

    associaes em vista da troca de servios, a saber uma retribuio segundo

    a proporo, mas no segundo a igualdade. tambm devido a esta retri-

    buio proporcional que o Estado mantm a sua existncia conjunta. Na

    verdade, aqueles que sofreram com o que lhes fizeram de mal procuram

    retaliar; se no o fizerem, pensam estar sob uma certa escravido mas

    proc~ram t~mbm pagar o bem que receberam; se no, no h retrib~io.

    Ora e preCIsamente a retribuio que mantm a existncia em conjunto

    com outrem. Por esse motivo os cidados fizeram erigir o Santurio das

    Graas, para que haja retribuio pelos favores recebidos. isto mesmo

    que peculiar e prprio do dar Graas:147que se deve retribuir com um

    servio em troca do favor que algum nos prestou, e at numa outra oca- 5

    sio tomar a iniciativa de fazer um favor a algum.

    A retribuio proporcional atua por conjugao diagonal. Por exem-

    plo, seja A um construtor, seja B um sapateiro, seja C uma casa e D um

    sapato. O construtor deve, portanto, poder receber junto do sapateiro o

    trabalho que realiza, bem como ao primeiro devida a retribuio pela

    parte do seu trabalho. Se, portanto, em primeiro lugar,for estabelecida a 10

    igualdade proporcional, assim tambm haver uma retribuio recproca,

    e o resultado ser o mencionado. Se no for o caso, ento, nem a igual-

    dade proporcional, nem a troca se mantm. Ora nada impede que o tra-

    balho de um seja mais valioso do que o trabalho de outro. Nessa altura, o

    equilbrio tem de ser procurado. O mesmo se passa com as restantes pe- 15

    rcias, porque, na verdade, deixariam de existir se aquilo que o elemento

    produtor realiza na quantidade necessria e com boa qualidade no fosse

    recebido pelo elemento receptivo na mesma quantidade e com a mesma

    qualidade. No h uma associao de troca de servios entre dois mdi-

    cos, mas entre um mdico e um agricultor, isto , em geral entre associa-

    dos que tm atividades diferentes, porque apesar da diferena o equilbriopode ser restabelecido. por isso que tudo o que pode ser trocado tem

    de ser de algum modo comparvel. E foi em vista disso que o dinheiro foi 20

    inventado. O dinheiro surge pois de algum modo como mediador porque

    medida para todas as coisas, tanto para o que demasiadamente caro

    quanto para o que barato de mais. Por exemplo, pode medir-se quantos

    sapatos so iguais ao valor de uma casa ou ao valor de uma determinada

    quantidade de alimento. Assim, tal como o construtor est para o sapatei-

    ro, assim tambm uma dada quantidade de sapatos est para uma casa, ou

    para uma certa outra quantidade de alimentos. Se no houvesse dinheiro,

    no poderia haver troca nem comunidade. E esta proporo (recproca) 25

    no aconteceria se, de algum modo, as coisas no pudessem ser compara-das numa mesma base de igualdade. Tudo tem, portanto, de ser avaliado

    segundo um determinado padro, tal como fora dito primeiramente.

    Talpadro a necessidade, porque ela que mantm tudo em conju-

    gao. Se as pessoas no tivessem nenhuma necessidade, ou, ento, no

    a tivessem de modo semelhante, das duas uma: ou no haveria troca de

    servios ou seria uma troca com um sentido diferente. O dinheiro tornou-

    se como que o representante da necessidade, susceptvel de ser trocado de

    acordo com a conveno. por isso que tem o nome que tem,148porque 30

    no existe por natureza, mas por conveno. por isso tambm que o seu

    valor pode ser alterado e uma moeda pode ser posta fora de circulao.

  • 7/25/2019 Aristteles - Liv v - tica a Nicmaco

    8/14

    Quando se estabelece a igualdade, h uma justa retribuio proporcionalde ao recproca, de tal sorte que, assim como o agricultor est para osapateiro, tambm parte do trabalho do sapateiro est para parte do tra-

    1133bl balho do agricultor. No quando esto a fazer as trocas de produtos quedevem vir com o esquema da proporo (de outro modo, um dos extremoster ambos os excessos), mas quando ambos esto ainda de posse dos seus

    produtos. Assim so iguais e esto numa comunidade, porque a prpria5 igualdade pode estabelecer-se nos seus casos. Seja A um agricultor, C um

    produto alimentcio, B um sapateiro, o seu trabalho D: isto que permiteestabelecer a igualdade. Se no puder haver uma retribuio proporcionalde ao recproca, no poder haver comunidade.

    Que a necessidade como que a nica referncia que mantm de pa comunidade evidente, porque quando as partes envolvidas numa trocano tm ambas uma necessidade recproca, ou, pelo menos, uma no temnecessidade da outra, a troca no tem lugar (tal o que acontece quandoalgum necessita de uma coisa de outrem, e para a obter lhe concede um

    10 privilgio. Por exemplo, pode fazer-se concesso da exportao de cereal

    para se obter em troca o vinho de que se precisa). Deve ser aqui possvel,ento, que uma igualdade venha a ser estabelecida.

    O dinheiro servir tambm como garantia para uma eventual troca fu-tura para o que vier a ser preciso, quando num dado momento, no se temnecessidade de nada. Na verdade, deve ser possvel receber alguma coisa,quando se tem dinheiro para dar em troca. De resto, mesmo o dinheiroest sujeito a flutuaes, quer dizer, no possvel que se mantenha sem-

    pre com igual valor, ainda que haja uma maior tendncia para mant-Io.15 por isso necessrio que haja para todas as coisas um preo estabelecido.

    Deste modo haver sempre troca, e se houver troca, h comunidade. Odinheiro como que a medida que torna todas as coisas comensurveis,e assim estabelece a igualdade. que se no houvesse troca, no haveriacomunidade, e se no houvesse igualdade, no haveria troca, tal como seno houvesse comensurabilidade no haveria igualdade. impossvel, naverdade, que coisas to diferentes possam tornar-se comensurveis; mas

    20 em vista da necessidade, possvel que tal venha a acontecer de modo sa-tisfatrio. preciso que seja a necessidade aquela referncia nica em vistada qual as coisas podem ser comensurveis, e isso segundo um princpioaceite universalmente. , ento, por isso, que se chama dinheiro. Pois, odinheiro torna tudo comensurvel. Quer dizer, tudo medido atravs dodinheiro. Seja A uma casa, B dez minas e C uma cama. Seja A metade deB, se a casa tem o valor de cinco minas, isto , igual a cinco minas. A

    cama C,por sua vez, a dcima parte de B. , ento, claro quantas camas 25so iguais a uma casa: cinco. tambm evidente que era assim que a trocase processava, antes de haver dinheiro, porque no h diferena nenhu-ma entre trocar uma casa por cinco camas ou pelo seu valor em dinheiro.Dissemos, ento, o que era a injustia e o que a justia. evidente que, 30uma vez diferenciadas, a efetivao da justia o meio termo entre pra-

    ticar e sofrer a injustia, porque o primeiro ter mais do que devido, osegundo, porm, ter menos do que devido. Ajustia , ento, uma certa

    posio intermdia mas no do mesmo modo que o so as outras exceln-cias. Isto , a justia uma posio intermdia, porque a maneira de serconstitutiva do meio. A injustia, por outro lado, corresponde aos dois li- 1134a1mites extremos. Ajustia , assim, tambm aquilo em vista do qual ojusto

    pratica as suas aes, por deciso prpria, isto , de acordo com o que justo. Ora ao distriburem-se bens por si, por segundos e por terceiros, terde proceder-se de tal sorte que no se fique com a parte maior das vanta- 5gens, nem com a parte menor das desvantagens. Ser tambm isto que seter em vista, quando a distribuio se faz por segundos e por terceiros.

    A distribuio ter em vista o igual de acordo com a justia, tal como ela determinada pelo princpio da proporo. A injustia, inversamente, determinada de acordo com o prprio sentido do injusto, ou seja, pelo queviola o princpio de proporo e ao mesmo tempo querer ter vantagensa mais e danos a menos. Por esse motivo, a injustia simultaneamenteexcesso e defeito, porque definida atravs de ambos, ou seja, excessiva 10em vista do que absolutamente vantajoso e defeituosa a respeito do que absolutamente nocivo. Embora o resultado parea no seu todo ser idn-tico, o modo de se violar o princpio da proporo diferente. A respeitoda injustia praticada,149 sofr-Ia o menor dos males; mas pratic-Ia omaior. Ficaram assim determinadas as diferentes acepes de sentido dos

    termos

  • 7/25/2019 Aristteles - Liv v - tica a Nicmaco

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    justo. Do mesmo modo, no pode dizer-se que ladro quem tiver rouba_

    do s uma vez, e assim acontece com o adultrio. Ou seja, embora tenha

    praticado adultrio uma vez, no pode por isso ser chamado adltero. O

    mesmo passa-se a respeito das outras manifestaes de injustia.

    Analisamos j previamente o envolvimento da retribuio proporcio_

    25 nal com a justia. No devemos, contudo, esquecer que o propsito da

    nossa investigao o de determinar o sentido do justo de forma absolu-ta bem como determinar a justia poltica. Ajustia poltica tem em vista

    a autossuficincia das comunidades entre homens livres e iguais que se

    associaram numa existncia comum, sendo uma tal igualdade por analo-

    gia ou aritmtica. Assim, enquanto no for criada uma tal igualdade, no

    haver estado a regular as relaes entre as pessoas, mas apenas uma jus-

    30 tia aparente. E apenas h justia poltica quando as relaes de Humano

    para Humano forem reguladas pela lei e a lei existe a onde pode haver

    injustia. Pois a justia dos tribunais o discernimento do que justo e

    do que injusto. A onde pode haver injustia, tambm se podem praticar

    atos injustos (embora nem sempre que se pratiquem atos injustos haja in-

    justia). Praticar injustia ficar com uma parte demasiadamente grande

    do que considerado absolutamente bom e no ficar com quase nada do

    35 que considerado absolutamente mau. por esta razo que no pode ser

    um Humano a governar, mas antes o princpio geral da lei escrita. Porque,

    de outro modo, ele faria por si o que dissemos, tornando-se, assim, num

    1134bl tirano. Ora o governante apenas o guardio da justia, e, se guardio

    do direito, tambm da igualdade. Se o governante for justo, no querer

    para si mais do que devido (se. no ficar com uma parte excessiva do

    que considerado bom, a no ser de modo proporcional aos servios que

    5 presta. Ou seja, o governante trabalha em prol dos outros. Por este motivo,

    diz-se, a justia o bem dos outros, tal como foidito mais acima). Contu-

    do, tem de ser recompensado, em honra ou privilgio. Pois quem no se

    acha suficientemente recompensado torna-se um tirano.

    Ajustia entre senhor e escravo ou entre pai e filho no a mesma

    coisa que o direito e a justia de Estado, mas algo de semelhante. Pois, na

    verdade, no pode haver injustia contra si [prprio]. Ora uma parte da

    10 propriedade (escravo) e um filho, pelo menos enquanto tiverem uma certa

    idade e no forem ainda independentes, so como que partes de si. Mas

    ningum quer prejudicar-se a si prprio. Por isso, a injustia no pode ser

    praticada contra o [si] prprio, quer dizer, no h na relao com o pr-

    prio, injustia nem justia, no sentido poltico do termo. Ou seja, a justia

    15 poltica baseia-se na lei e existe para aqueles que naturalmente se regulam

    por ela, isto , para os que tm igual possibilidade de governar e serem

    governados. Por essa razo, h mais justia no sentido prprio do termo

    na relao entre um homem e uma mulher do que entre um pai e um fi-

    lho ou um senhor e os seus escravos. Aesta justia chamamos domstica

    e de um tipo diferente da justia poltica.

    Ajustia poltica de duas maneiras. Uma natural; a outra conven- 1134b18

    donal. Ajustia natural tem a mesma validade em toda a parte e ningum

    est em condies de a aceitar ou rejeitar. A respeito da justia convencio- 20

    nal indiferente se no princpio admite diversos modos de formulao,

    masuma vez estabelecida o seu contedo no indiferente, o que acon-

    tece com o fato de o resgate de um prisioneiro custar uma mina, ou de

    se ter de sacrificar uma cabra e no duas ovelhas; e, em geral, com tudo

    quanto respeita a legislaode casos particulares, - como o sacrifcio para

    Brsidas -, e finalmente com tudo que tem a natureza de um decreto. Al-

    guns pensam que a justia por conveno, porque o que por natureza 25 imutvel e tem o mesmo poder em toda a parte - por exemplo, o fogo

    arde aqui e na Prsia -, por outro lado, veem a justia sempre a alterar-

    se. Isto no se passa absolutamente assim; mas admite determinaes. Ou

    seja, ainda que junto dos deuses a alterao esteja completamente exclu-

    da, junto de ns existe algo que, embora seja por natureza, totalmente

    altervel. Porm, h ainda sentido para estabelecer a diferena entre ser 30

    por natureza e no ser por natureza. E fcil de ver no horizonte do que

    admite alterao qual a forma da justia natural bem como a forma da

    justia que, embora no se constitua naturalmente, legal e existe por

    conveno, ainda que ambas as formas estejam expostas alterao. De

    resto a mesma definio adapta-se a todos os outros domnios da natureza.

    Amo direita, por exemplo, naturalmente a mais forte, ainda que todos

    nos possamos tornar ambidestros. assim por outro lado que tambm as 35

    disposies da justia, quando decretadas por conveno e convenincia, 1135al

    so semelhantes s medidas-padro.

    Defato, as medidas para o vinho e para os cereais no so as mesmas

    em toda a parte, so maiores, por exemplo, no comrcio por atacado e

    menores na venda a retalho. E o mesmo se passa com as determinaes

    de justia que no existem por natureza mas por decreto humano - pois

    no so as mesmas em toda a parte, tal como nem as constituies dos Es-

    tados so para todos as mesmas. Contudo, h apenas uma nica em todo

  • 7/25/2019 Aristteles - Liv v - tica a Nicmaco

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    5 O lado, de fato a melhor de todas, tal a constituio fundada na justiapor natureza.

    Ora cada uma das determinaes de justia e dos decretos de lei re-

    laciona-se com os casos particulares do mesmo modo que o universal se

    relaciona com o particular. Porque, se, por um lado, so mltiplas as aes

    praticadas, por outro, o sentido de justia nico e universal.

    Mas tem de se distinguir um ato injusto [efetivamente levado pr-tica] do sentido geral de injustia em geral, tal como um ato justo [efeti-

    10 vamente praticado] do sentido geral de justia. Isto , o sentido geral de

    injustia pode ser determinado por natureza ou por decreto. Deste modo,

    apenas quando praticada a injustia, efetivamente convertida num

    ato injusto; mas enquanto no tiver sido convertida em ato, no se pode

    falar de ato injusto, mas apenas de injustia no sentido geral do termo. O

    mesmo se passa com a designao ato de justia. Pois a expresso geral

    devia ser conduta justa.150Ou seja, atojusto em sentido estrito con-

    siste na correo de um determinado ato injusto praticado. Teremos,pois,

    de examinar mais tarde cada um destes sentidos em particular, quais so

    os seus aspectos fundamentais, em que quantidade e a respeito de que15 situaes tm lugar.

    Os sentidos de justia e de injustia so tal como enunciamos, contudo,

    s pratica a injustia ou ajustia quem age assimvoluntariamente; quando,

    porm, algum age involuntariamente, no pratica a injustia nem pratica

    a justia a no ser acidentalmente. Isto , as aes assim praticadas so

    20 justas ou injustas, mas acidentalmente. assim, pois, que um ato injusto

    e um ato justo, so determinados pelo modo voluntrio ou involuntrio

    como so praticados. Porque s quando um ato injusto praticado volunta-riamente pode ser repreendido e simultaneamente determinado como um

    ato injusto. Portanto, algo pode ser considerado em si uma injustia e no

    ter sido ainda convertido num ato injusto, isto , caso no tenha presente

    consigo o carter voluntrio. Viso com o termo voluntrio o mesmo

    sentido que foi primeiramente apurado, ou seja, aquele ato que depende

    25 de ns e que praticado em plena conscincia, no ignorando, portanto,

    nem sobre quem praticado, nem com que instrumento executado, nem

    o motivo pelo qual feito, isto , por exemplo, saber a quem se bate, com

    que arma e por que motivo. Nenhum desses elementos estruturais pode ser

    constitudo por acidente ou por coao (como se algum pegasse na mo

    dealgum e batesse com ela num terceiro; este bateria, mas no por que-

    rer,porque no estava no seu poder deixar de faz-Ia). Ou seja, possvel,

    porexemplo, bater no nosso pai. Quer dizer, quem bate em algum pode

    reconhecer que bate num homem, pode tambm reconhecer que se trata 30

    de algum dos presentes numa dada circunstncia, e por outro lado igno-

    rar completamente que se trata do seu pai. Do mesmo modo, ento, pode

    at desconhecer-se o fim em vista do qual a ao praticada, tal como,em geral, pode haver ignorncia a respeito da totalidade dos momentos

    constitutivos da ao. Assim, consideramos involuntrio todo aquele ato

    que for praticado na mais completa ignorncia ou, caso no seja praticado

    por ignorncia, no esteja no poder de quem o pratica no o praticar, ou,

    ento, seja at obrigado a pratic-lo sob coao. Mas tambm sabemos

    haver muitos processos que esto a decorrer naturalmente - nos quais 1135b

    somos parte interveniente ou pelos quais passamos passivamente - e que

    no admitem como suas caractersticas o voluntrio nem o involuntrio.

    Taisso, por exemplo, o envelhecimento e o ser para a morte. De modo

    semelhante, h tambm entre as injustias e asjustias aes praticadas

    acidentalmente. De fato, algum pode restituir um depsito, mas apenas 5involuntariamente e por medo.

    Nessa altura no podemos dizer que agiu justamente ou que prati-

    cou um ato justo, a no ser por acidente. De modo semelhante, quando

    algum involuntariamente no restitui um depsito, por se encontrar sob

    coao, pratica, de fato, uma injustia ou age injustamente, mas apenas

    por acidente. Os atos voluntrios so tambm de dois gneros, conforme 10

    os praticarmos por deciso ou sem prvia deciso.

    Por sua vez, os atos decididos de antemo admitem uma deliberao

    prvia, enquanto o que no for matria de deliberao no admite deci-

    so. H, ento, trs tipos de dano nas diversas relaes entre Humanos.

    Osdanos causados por ignorncia so mais propriamente chamados erros. o que acontece, por exemplo, quando algum supe agir relativamente

    a uma determinada pessoa, a respeito de alguma coisa, com um determi-

    nado instrumento ou em vista de um certo fim, mas aquilo que supe ser

    no se passa na realidade. Porque poderia ter pensado no atingir algum,

    ou ento no com aquela arma, ou ento no esta pessoa, ou ainda no

    em vista deste fim, mas o que resultou da sua ao foi diferente do que 15

    pensara. Tal o caso quando, por exemplo, algum perfura quando ape-

    nas tinha a inteno de atingir, ou ento algum quer espetar um objeto

    perfurante em algum mas no naquela pessoa, ou, ento, no com aque-

    la arma especfica. Quando um dano provocado por um ato com um re-

  • 7/25/2019 Aristteles - Liv v - tica a Nicmaco

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    sultado contrrio ao que se esperava, trata-se de um acaso infeliz; mas Se

    for provocado por um ato que no tem um resultado contrrio s nossas

    expectativas, e for provocado sem maldade, j se trata de um erro culposo

    (porque se o erro resulta de um motivo de ignorncia nsito no agente

    culposo, mas, se esse motivo lhe for extrnseco, pode apenas dizer-se que

    foi um caso infeliz); quando, por fim, um dano causado conscientemente

    20 mas sem resultar de deliberao prvia, trata-se de um ato de injusto. Tal

    o caso de todas as aes que so causadas pela ira ou por qualquer ou-

    tra afeco, bem como todas as situaes em que o Humano se encontra

    vinculado pela necessidade ou pela sua prpria natureza.

    Portanto, ao praticarem-se aes danosas e ao errar-se culposamente,

    pratica-se a injustia e os atos assim praticados so injustos.Todavia, quem

    os pratica no pode ainda ser considerado injusto nem perverso, porque

    25 aqui o dano no tem como motivo a maldade. Ora s quando o dano re-

    sultar de uma deciso que o seu agente pode ser chamado de injusto e

    perverso. por isso que se avaliam corretamente as aes que resultam de

    um mpeto de ira como aes que no so praticadas com premeditao.

    Porque, no fundo, quem comeou tudo no foi quem agiu por causa de

    um acesso de ira, mas, antes, quem primeiramente o irritou. De resto, no

    est aqui em discusso se um ato, de fato, acontece ou no acontece, mas,

    apenas, se justificvel. Porque toda a ira pode ser provocada por uma

    injustia, ou pelo menos por uma injustia aparentemente sentida. No

    , portanto, matria de discusso se uma situao de fato provocou dano

    30 ou no - a no ser que queiram discutir o que resulta do esquecimento,

    como acontece em contratos em que uma das partes necessariamente

    danosa. Ambas as partes reconhecem que houve dano, contudo, discutem

    de que lado pode estar a justia (ora quem planeou tudo no pode estar

    1136a1 esquecido do fato), de tal sorte que uma parte pensa ter sofrido uma in-

    justia, enquanto a outra no. Se, contudo, o dano causado por uma de-ciso prvia, ento pratica-se uma injustia. precisamente nesta situao

    que quem pratica atos injustos injusto, pois, quando assim age, viola o

    princpio da proporo ou o princpio da equidade. De modo semelhante

    tambm algum justo quando, tendo decidido previa-mente agir, pratica

    efetivamente um ato justo. Pratica um ato justo apenas quem agir volun-

    tariamente. Alguns atos involuntrios podem ser perdoados, mas outros

    5 so imperdoveis. So perdoveis todos aqueles erros culposos praticados

    na ignorncia ou que forem provocadospor ignorncia. Contudo, aqueles

    erros que no forem praticados por ignorncia, mas num estado de igno-

    rncia provocado por uma afeco que no nem natural nem humana,

    so imperdoveis.

    . 1136a10

    Pode levantar-se a dificuldade a respeito de saber se determmamos su-

    ficientemente o que , por um lado, sofrer a injustia e, por outro, praticara injustia, e, em primeiro lugar, se como diz Eurpides, quando ~screve

    de um modo estranho - matei a minha me, para falar curto. - qUlseste-o

    tu; qui-Ia ela? Ou no o quiseste tu, nem ela? 151Ser ento verdadeira~en- 15

    te possvel sofrer voluntariamente a justia, ou tal acontece sempre I~:O-

    luntariamente, tal como praticar a injustia sempre um ato voluntan??

    E sofrer a injustia sempre de um modo ou de outro [isto , voluntana-

    mente ou involuntariamente], ou umas vezes sofre-se voluntariamen~e a

    injustia e outras involuntariamente (sendo que, por outro lado, praucar

    a injustia sempre um ato voluntrio)? De modo semel~a~te acontec:

    quando se tratado com justia (porque, na verd~de, ag~rjustamente

    sempre voluntrio). Assim, compreensvel tambem aqUl.f~zer.opor, d: 20

    modo semelhante, em ambos os casos particulares o sofrer mjUstIaao se

    tratado comjustia, tanto voluntria e comoinvoluntariamente. M~s.parece

    tambm absurdo que ser tratado comjustia seja um ato v~lun~ar~o,~or-

    que alguns h que no querem voluntariamente que lhes seja feltajusua.

    Aseguir,poder-se- tambm levantar a dificuldade de saber se t~d~ o ~ue

    tratado uma vez injustamente ficar para sempre a sofrer de mjusu?a, 25

    ou se tal como se distingue entre praticar um ato justo e ser justo tambem

    se distingue entre ser tratado uma vez injustamente e sofrer sempre d~

    ., . N erdade podem acontecer-nos ambas as possibilidades, e emjusua. a v ,evidente que acontece coma injustia sofrida o me~moque ~c~ntece co~

    a injustia praticada, porque no o mesmo pratIcar atos mjustos e se

    injusto, tal como no o mesmo sofrer um ato de injustia e ser sempretratado injustamente; e o mesmo acontece com o agirjustamente e con: o

    ser tratado comjustia. impossvelsofrer injustia se no houver algue~ 30

    que a pratique ou tal como no possvel ser tratado comjustia .se ~ao

    houver algum que a faa. Sepraticar injustia simplesmente prejudlC~r. d' e meiO

    algum voluntariamente, quem o faz sabe quem preju Ica,com qu

    ou instrumento e de que maneira.

    Assim quem no tem domnio de si age volunta~i~me.ntecontr~ s~

    de tal sorte que, se possvelsofrer voluntariamente mjusua: ~ambems

    possvel ser-se injusto consigo. Esta na verdade uma das dIficuldade, 1136b1

  • 7/25/2019 Aristteles - Liv v - tica a Nicmaco

    12/14

    l/.

    122 tica a Nicmaco AristteIes

    saber se possvel a algum agir injustamente contra o prprio. Dema'I

    . I~

    se a guem por fa.1tade autodomnio prejudicado voluntariamente poI . b' I ra guem ~ue age tam em;o untariam ente, ento possvel sofrer injustia

    voluntanamente. Ou sera que esta definio no est correta e tem aindade ~e acrescentar ao prejudicar, sabendo bem quem se prejudica, com que

    5

    meIO.e de que maneira o ser contra a vontade daquele? Assim, emboraa~gue~ pos.sa ser prejudicado voluntariamente ou ser tratado justamente,nlllgu~m ha-de querer sofrer voluntariamente a injustia, porque ningumo deseja, nem sequer quem no tem domnio de si, porque, na verdade, esteage contra a_su~ vontade ..No acontece, de fato, que algum quer o que

    pensa que n~o e bo~. Por ISSO,o que no tem domnio de si no faz o quepensa que nao devIa fazer. Aquele que d o que seu, como diz Homero

    10 que Glauco deu a Diomedes ouro por bronze, o valor de cem bois pelo valorde noveI52 no sofre .injustia; que o dar uma possibilidade que estno poder de ~uem da. Contudo, quem sofre uma injustia no tem no seupoder o sofre-Ia ou no, isto , tem de haver outrem que a pratique.

    , ento, evidente que sofrer a injustia no um ato voluntrio.. Est~o a~nd~ em aberto duas questes das que nos propusemos discu-

    tIr. A pnmeIr~ e a de saber se pratica injustia quem d uma parte maiordo q~e a devIda ou quem recebe mais do que devido. A segunda, se

    possIvel a algum praticar injustia contra si prprio.

    ?r~ s~ ac.ontece, como foi dito, a respeito da primeira alternativa quepratIca lllJUstIaquem d mais do que devido e no quem recebe a maiorparte; nessa altu~a, e~t~, s~ algum d a outrem uma parte maior do quea parte que se da a SIpropno, e o faz consciente e voluntariamente este

    20 p:atica uma injustia contra si. isto mesmo que parecem fazer o~ quet~m uma natureza moderada; pois, na verdade, quem excelente tende a

    fIcar com uma par~e menor que a que lhe devida. Mas talvez que um talcomportamento nao possa ser considerado de uma forma absoluta. Por-que, na verda~e, podia acontecer que o excelente tivesse ambies, masde u~ outro tIp? de bem, como de glria ou do que absolutamente bomem SImesmo. Alllda assim a dificuldade pode ser resolvida de acordo coma nossa d.efinio do que praticar injustia. Ou seja, aquele que d uma~art: m~IOrdo que devida no sofre nada contra a sua prpria vontade,

    25 IstOe, nao sofre nenh~ma injustia, quando muito, pode ficar prejudicado.Mas po~ out~o lado, : evidente que quem reparte por si uma parte maiordo q~e e deVIdo pr~tIca uma injustia, contudo, nem sempre quem recebea _ma~orparte ~rat1Cau.m.ainjustia. Porque quem pratica um ato injusto

    nao e necessanamente lllJusto, a no ser se agir voluntariamente. E pre-

    eisamente nisto que consiste o motivo da ao, o qual se encontra presenteem quem d e no em quem recebe. Demais, fazer qualquer coisa diz-se 30de muitas maneiras, e possvel dizer-se que foi algo de inanimado quecometeu um assassnio, uma mo ou um escravo, a mando de um senhor,mas no se pode dizer em rigor que foram propriamente essas coisas queperpetraram a injustia, mas antes que intervm nas aes injustas. Depois,

    se um juiz tiver decidido, em ignorncia, no pratica apenas por isso umainjustia contra o dispositivo legal, nem se pode dizer que a sentena sejainjusta em absoluto, embora em certo sentido se trate de uma sentena in- 1137al

    justa, porquanto a justia do ponto de vista legal diferente da justia emsi. Se, contudo, reconhecer que est a dar uma sentena injusta, tambmele ter agido por ganncia, por exemplo, de favores de uma parte e devingana da outra. como se tomasse parte no ato de injustia. Portanto,o juiz que por esse motivo d uma sentena injustamente, fica com maisdo que devido. E quando sentencia, por exemplo, que um terreno vaipara uma determinada parte, mesmo que no fique com parte do terreno,

    h de ganhar dinheiro com a sua deciso.

    Os homens podem pensar que est no seu poder praticar ou no a in- 5justia e que por esse motivo tambm ser fcil ser justo. Mas no assim.fcil, por exemplo, ir para a cama com a mulher do vizinho, desferir umgolpe a quem est prximo, deitar a mo ao dinheiro. Ou seja, est nonosso poder praticar tais aes ou no. Porm, pratic-Ias de acordo comuma disposio de carter no fcil nem est no nosso poder. De modosemelhante h quem pense que saber reconhecer aes justas e aes in- 10

    justas no nenhum verdadeiro saber, porque dizem que no difcil com-preender as disposies legais nem as suas matrias (mas as disposieslegais no so a justia, a no ser acidentalmente). Mas saber do modocomo atos justos devem ser praticados e como se podem distribuir os bens

    corretamente , na verdade, um trabalho mais difcil do que perceber comose pode restabelecer a sade. Mas tambm a respeito desta percia fcilsaber o que o mel, o vinho, o helboro, e tal como fcil saber o que 15causticar e fazer um corte. Mas o modo de aplicar essas tcnicas, isto ,como, a quem e quando, em vista da obteno de sade, uma tarefa paraa qual apenas o mdico est altura. Por esta mesma razo pensa-se queno menos possvel ao justo praticar injustia, porque o justo no sermenos capaz (ou talvez at seja mais capaz ainda) do que qualquer outrode praticar cada uma destas aes, como ir para a cama com uma mulher 20ou desferir um golpe em quem passa; tal como possvel ao corajoso dei-tar o escudo para o cho e fugir. Agir deste modo no cometer um ato de

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    o fundamento para tal funo retificadora resulta de, embora toda alei seja universal, haver,contudo, casos a respeito dos quais no possvel

    enunciar de modo correto um princpio universal. Ora nos casos em que 15

    necessrio enunciar um princpio universal, mas aos quais no possvel

    aplic-Io na sua totalidade de modo correto, a lei tem em considerao

    apenas o que se passa o mais das vezes, no ignorando, por isso, a margem

    para o erro mas no deixando, contudo, por outro lado, de atuar menos

    corretamente. O erro no reside na lei nem no legislador, mas na nature-

    za da coisa: isso simplesmente a matria do que est exposto s aes

    humanas. Quando a lei enuncia um princpio universal, e se verifica re- 20

    sultarem casos que vo contra essa universalidade, nessa altura est certo

    que se retifique o defeito, isto , que se retifique o que o legislador deixou

    escapar e a respeito do que, por se pronunciar de um modo absoluto, ter

    errado. isso o que o prprio legislador determinaria, se presenciasse o

    caso ou viesse a tomar conhecimento da situao, retificando, assim, a

    lei, a partir das situaes concretas que de cada vez se constituem. Daqui

    resulta que a equidade justa, e at, em certo sentido, trata-se de uma

    qualidade melhor do que aquele tipo de justia que est completamente su- 25

    jeita ao erro. Aequidade no ser, contudo, uma qualidade melhor do que

    aquela forma de justia que absoluta. A natureza da equidade , ento,

    ser retificadora do defeito da lei, defeito que resulta da sua caracterstica

    universal. Poreste motivo, nem tudo est submetido a legislao, porqueimpossvellegislarem algumas situaes, a ponto de ser necessriorecorrer

    a decretos. A regra do que indefinido tambm ela prpria indefinida,

    tal como acontece com a rgua154 de chumbo utilizada pelos construtores 30

    de Lesbos. Do mesmo modo que esta rgua se altera consoante a forma

    da pedra e no permanece sempre a mesma, assim tambm o decreto ter

    de se adequar s mais diversas circunstncias. Assim,, pois, evidente que

    a equidade justa e, de fato, at superior a uma certa forma de justia.

    Mais evidente ainda , a partir daqui, quem equitativo. 35

    O que deste gnero est decidido e atua, de acordo com um princ-

    pio equitativo que aplica nas mais variadas circunstncias. Contudo, no 1138al

    ser to rigoroso na aplicao intransigente da lei que se torne obsessivo,

    mas, embora a tenha do seu lado, ser suficientemente modesto ao ponto

    de ficar com uma parte menor do que lhe seria devido. Isto , mantm-se

    equitativo. Esta disposio do carter , ento, a equidade. Trata-se, pois,

    de uma certa forma de justia e no constitui uma disposio diferente

    daquela.

    cobardia nem cometer um ato de injustia, a no ser acidentalmente S' ,d b d' . o e

    um ato e co ar Ia se resultar de uma disposio do carterj' constit 'd2 A . t b' Ul a.

    5 sSIm am em curar e restabelecer sade no dependem simplesmente

    d~ f~zer-se um corte, ou prescreverem-se os medicamentos certos. Essas

    tecnrcas dependem do modo especficocomo so aplicadas.

    . Situa:s de justia existem entre pessoas que tomam parte naquelasC?ISaSque sao boas em absoluto, relativamente s quais, portanto, pos-

    sIvel haver excesso e defeito. Para alguns, contudo, no h nunca um limi-

    te para os bens que se podem obter, como eventualmente ser o caso dos

    deuses; para outros, nenhu~a .poro obtida destes bens ser vantajosa,

    30 como acon:ece ~on: ?S que sao Irremediavelmente perversos, porque para

    estes tudo e prejudICIal;para outros, finalmente, h limite para a obteno

    destes bens, e, por isso, obtm-nos ao jeito Humano.

    Vamos discutir j a seguir a ~espeito da equidade153 e do equitativo,

    de que modo, po~un: lado, a eqUldade se relaciona com a justia e como,

    por ou~ro, o equrtatIvo se relaciona com o justo. Quando examinamos

    ?S s~ntIdos destas determinaes percebemos no serem absolutamente

    IgUaiSmas tambm no serem genericamente diferentes. Por vezes lou-

    vamos a qualidade da equidade e do equitativo de tal sorte que e~pre-

    1137bl g.amos_o termo equitativo em vez do termo bom", a respeito de outras

    sItuaoes que louvamos, para fazer ver que o que mais equitativo me-

    lhor. Outras vezes, contudo, quando acompanhamos o sentido do termo

    ~ar~ce absurdo que a equidade seja louvvel se outra coisa que no ~

    jUStI~.Porq~e s,e.forem diferentes, ou a justia no uma coisa sria ou

    5 a e~Uldad=nao e justa; se, por outro lado, ambas as qualidades so srias

    serao, entao, o mesmo. '_ Quase toda a dificuldade acerca da equidade resulta destas considera-

    oes. E~ todas elas h qualquer coisa de correto e nenhuma das opinies

    que esta~ formadas acerca destas determinaes se opem completamen-

    te umas a~ o~tras.,Ist.o, a equidade, embora sendo superior a um certa

    ~or~a de JustIa, e, amda assim, justa; no , portanto, melhor do que a

    JustIa, como que pertencendo a um outro gnero de fenmenos. Ajusti-

    10 ~ ~ a equid~de so, pois, o mesmo. E, embora ambas sejam qualidades

    serIas, a :qUldade . a mais poderosa. O que pe aqui problemas o fatode a eqUldade ser justa, no de acordo com a lei, mas na medida emt f - 'f' queem uma unao retI Icadora da justia legal.

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    - d ber se algum comete injustia contra si prprio emMas a questao e sa f f'"

    , l'd m a nossa definiodo que signi ica so rer InjUstIavo-geral e reso VI a co . . - b es

    . te evidente que sofrer e praticar injustia sao am as aluntanamen. . 'f' a obter uma parte menor que a do meio; outra obterms (uma slgm lC d d' 1 o

    . O meio qualquer coisa como o esta o sau ave para 3uma parte malr. . , . ) . d sim

    . b ondio fsica p ara a gInastlca ; aIn a as ,medicIna ou como a oa c , 1

    ~ometer injustia pior, porque cometer inj~stia u:~:~:o ~:~:~~:::oue toma parte no sentido geral da perversao, e na v ,

    q ,. d ttotal e absoluta ou muito proxlma es a. _

    1 ,. parte na perversao. IstoOra nem todo o a to injusto e v o untano toma .. ' [elo 35

    ., t' ode acontecer sem perverso ou sem Injustia P

    , sof:e~:n~~:t~~:quem a sofre]. Sofrer absolutamente injustia menosmeno , . _ eJ'a um mal maior, o que a acontecer,

    au embora nada Impea que nao s 1138bl~-s~ apenas acidentalmente. Nada disto, contu~o, pode prleoc~~ar~:~

    d 10 determInar uma p eurlSlacpercia. Uma percia po e, por exemp, dos ligamentos' contudo,uma doena mais grave do que uma ruptura .' ue

    ru tura dos ligamentos pode ter consequncias m?lS graves do q

    u:: Pl~urisia, conforme as circunstncias acidentais. E o qu~ acontece,

    ;or exemplo, quando algum, por ca~sa de uma ruptura dos ligamentos, 5

    cai e apanhado pelos inimigos e ate morto por eles. _

    Num sentido metafrico e por semelhana, h, d~ f~t~, as rela.oes

    determinadas pela justia; no se verif~camentre ~::~~n:~;~~~:ar~~a~~:~

    mente a si prprio, mas, antes, entre a g~m~spar ido forte do termo

    indivduo. No.se trata aqui por issode JustIa n~ s:~temos designar pors da que eXIsteentre senhor e escravo, a qu p , .

    ma . lh chamamos domestica. Nestasdesptica ou entre mando e mu e r, a que . - dIa hu-

    d'~ a entre a dlmensao a a mdiscussesverifica-se,de novo, a 1:,ren d 'bTdade incapaz. 10mana ue capaz de razo e dimensao que essa pOSSl11 , 'vel, . q -em osolhosos que tm a opinio de que, de fato, e pOSSl

    E msto que po . ssa alma pode so-

    ~::rt~:r~~~::p~n~:sti~:ec~::t::rra:P:~'a~~o~~t~ ; :~entao ge~~l~~~

    intenes H por isso uma certa forma de JustIa entre estas 1m.

    ~~:: tal como ~ que existe entre o dominAad~re domi~ado. Foram aSSIm

    distinguidas a justia e as restantes excelenClasdo carater humano.

    1138a4 Se possvel cometer-se injustia contra siprprioou no, resulta claro

    a partir dos apuramentos precedentes. Uma parte das aes justas consis-

    te nas que so realizadas de acordo com toda a espcie de excelncia que

    prescrita pela lei. Por exemplo, a lei no ordena uma pessoa a matar-se

    a si prpria; e aquilo que a lei no ordena, probe-o. Demais, quando aI

    gum, contra a lei, prejudica outrem voluntariamente (voluntariamente

    quer dizer sabendo quem prejudica e com que instrumento), pratica uma

    10 injustia, acaso no se trate de retaliao por dano sofrido. Assim,quem

    num acesso de paixo se mata voluntariamente, age desse modo contra o

    sentido orientador. Contudo, a lei no o permite. Ele comete, ento, uma

    injustia. Mascontra quem? Contra o Estado ou contra si? Porque, na ver-

    dade, ele sofre de livre vontade.

    Ora ningum sofre uma injustia voluntariamente. Assim, o prprio

    Estado pode sancionar o ato com o pagamento de uma multa. Na verda-

    de, quem se suicida atenta de algum modo contra a prpria honra, por-

    que comete uma injustia contra o Estado. Alm do mais, quem pratica

    15 uma injustia ser injusto, mas apenas conforme ao sentido especfico da

    injustia particular que pratica, ou seja, no ser perverso em geral [nem

    segundo todas as formas possveis de atos injustos]. , por isso, imposs-vel perpetrar-se injustia contra si prprio (este caso diferente do pri-

    meiro, porque o injusto de algum modo, tal como o cobarde, perverso,

    mas no se pode dizer que seja perverso de acordo com todas as formas

    de perverso. Assim, tambm no de acordo com este sentido absoluto

    que quem se suicida comete uma injustia contra si prprio). Porque deste

    modo seria possvel ao mesmo tempo retirar e acrescentar algo a uma e a

    20 mesma coisa. E isto impossvel. necessrio, pois, que a justia e a in-

    justia impliquem mais do que uma pessoa. Mais: cometer injustia umato voluntrio. Pois, no apenas implica uma deciso como tambm que

    se tome a iniciativa. Porque quem, por ter sofrido uma injustia, retalia

    com uma ao do mesmo calibre, no parece cometer um ato de injustia.

    Mas quando o prprio comete injustia sobre si prprio, sofre e pratica

    simultaneamente a mesma ao, isto, o prprio, enquanto agente, age

    sobre si prprio, enquanto passivo. Alm do mais [se se autoinfligisse in-

    25 justia], sofr-Ia-ia voluntariamente. Demais, ningum age injustamente

    em geral, mas apenas por praticar uma das formas possveis de injustia

    em particular. Por exemplo, ningum comete adultrio com a sua prpria

    mulher nem assalta a sua prpria casa ou rouba os seus prprios haveres.