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PUC - RJ Comunicação e Imagem Amanda Palma de Azevedo Arte e Imagem de Guerra Reflexoes sobre Hiroshima Mon Amour sob o olhar de Susan Sontag Aula: Imagem e Comunicação Rio de Janeiro 2014

Arte e Imagem de Guerra Reflexoes sobre Hiroshima Mon Amour sob o olhar de Susan Sontag

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Pode-se dizer que um acontecimento marcante do fim da década de 1950 foi a exibição do filme Hiroshima Mon Amour (1959, 90 min) do cineasta francês Alain Resnais com roteiro e diálogos escritos por Margareth Duras. O filme chamou atenção do público e da crítica especializada, motivando a escrita de inúmeros artigos em revistas de arte e cinema, com o intuito de decifrar as mensagens propostas pelo cineasta e pela escritora existencialista. As figuras de linguagem cinematográfica de Resnais unidas à história de amor aparentemente banal criada por Duras promovem o filme à um encontro sublime entre o cinema e a literatura (BRUM, 2009; p. 2).Este artigo pretende fazer uma análise do filme sob a luz de Susan Sontag.

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  • PUC - RJ Comunicao e Imagem

    Amanda Palma de Azevedo

    Arte e Imagem de Guerra

    Reflexoes sobre Hiroshima Mon Amour sob o olhar de Susan Sontag

    Aula: Imagem e Comunicao

    Rio de Janeiro 2014

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    Pode-se dizer que um acontecimento marcante do fim da dcada de 1950 foi a exibio do filme Hiroshima Mon Amour (1959, 90 min) do cineasta francs Alain Resnais com roteiro e dilogos escritos por Margareth Duras. O filme chamou ateno do pblico e da crtica especializada, motivando a escrita de inmeros artigos em revistas de arte e cinema, com o intuito de decifrar as mensagens propostas pelo cineasta e pela escritora existencialista. As figuras de linguagem cinematogrfica de Resnais unidas histria de amor aparentemente banal criada por Duras promovem o filme um encontro sublime entre o cinema e a literatura (BRUM, 2009; p. 2).

    A primeira imagem do filme constitui de dois corpos entrelaados, em uma posio que pode ser sexual, mas tambm de proteo. Os atores esto cobertos por cinzas, o que remete s consequncias da bomba atmica que cobriu Hiroshima e Nagazaki de cinzas e morte. Na sequncia a mesma cena ocorre, mas os corpos j no esto cobertos de cinza e sim de suor, partir da o casal conversa sobre horrores e imagens da Guerra, sobre amor e sobre assuntos triviais, e a histria de Hiroshima Mon Amour comea se desenrolar (MEDEIROS & DAVID, 2013; p. 100).

    A histria principal gira em torno deste casal formado por uma atriz francesa (Emmanuelle Riva) que est em Hiroshima trabalhando em um filme sobre a paz, e um japons (Eiji Ojada). O romance tem data para terminar, visto que a atriz est determinada a retornar para Paris, e o filme retrata o ltimo dia do casal em Hiroshima. As tenses do romance proibido (ambos so casados) e da eminente separao, trazem tona memrias e lembranas secretas da juventude da atriz, que revive seu antigo amor por um soldado alemo que morre durante a Segunda Guerra Mundial. Esta tragdia pessoal, seguida de recluso, humilhao e tortura jovem, por ter se relacionado com o inimigo, se mistura tragdia de Hiroshima e Nagazaki, que revisitada coletivamente por toda a populao que ali se encontra (BRUM, 2009).

    O roteiro e os textos de Marguerite Duras contrape o drama vivido pela atriz francesa e causado pela guerra, ao drama coletivo, traando assim um desenho do que o sofrimento humano: um ciclo de amor e morte. Onde mesmo a guerra e a morte no impedem o homem e a mulher de seguirem suas vidas e amarem novamente, ignorando todo o sofrimento (MEDEIROS & DAVID, 2013;

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    p. 102). Duras exemplifica esta posio, e ao mesmo tempo justifica o trama de amor em meio tragdia, na entrevista que deu revista Les Nouvelles Littraires e que for a reproduzida na edio de n 88 da Telcin. On peut aimer nimporte qui, nimporte o, nimporte quand, em traduo livre da autora: Voc pode amar no importa a quem, no importa onde, no importa quando. (BRUM, 2009; p.64). No roteiro do filme, uma das falas da protagonista tambm expe esse ciclo de relaes de amor, morte e vida: As mulheres arriscam dar luz crianas mal formadas, monstros, mas isso continua./ Os homens arriscam de tornarem-se estreis, mas isso continua.

    Voc no viu nada em Hiroshima, Diz o personagem masculino, a primeira fala do film, abrindo caminho para que os dilogos de Duras se aprofundem. Cenas dos corpos entrelaados se intercalam com o dilogo dos dois personagens que vem a seguir. Contestando a afirmao do homem, de que ela no havia visto nada em Hiroshima, a personagem discorre sobre as imagens que viu na cidade em sua breve estada, em forma de monlogo. Ainda no vemos seus rostos, vemos seus corpos, e imagens dos horrores da guerra se alternam s imagens de seus corpos na cama, enquanto isso a personagem discorre uma anlise pessoal sobre a fotografia de guerra, sobre a qual iremos analisar no presente artigo (BRUM, 2009; p. 22).

    "Quatro vezes ao museu, em Hiroshima. Eu vi as pessoas caminharem. As pessoas passam pensativas, pelas fotos. As reconstituies, na falta de outra coisa. As fotografias. As fotografias, as reconstituies, na falta de outra coisa, e as explicaes, na falta de outra coisa. Quatro vezes ao museu, em Hiroshima. Eu observava as pessoas, observava a mim mesma. O ferro, o ferro queimado, o ferro retorcido, o ferro tornado frgil como a carne. Eu vi buqus de tampinhas de garrafas. Quem poderia imaginar? Peles humanas, flutuantes, sobreviventes ainda no frescor de seus sofrimentos. E pedras, pedras queimadas, pedras destrudas. E cabeleiras annimas, que as mulheres de Hiroshima viram que tinham perdido quando acordaram, pela manh. Senti calor, na Praa da Paz. Dez mil graus, na Praa da Paz. Eu sei. A temperatura do sol, na Praa da Paz. Como ignorar isso? A grama, bem simples." Ela. (transcrio do texto das legendas)

    Atravs desta da fala da personagem, Duras faz uma breve, mas

    aprofundada anlise sobre os significados da fotografia e do registro de imagens e souvenirs nas grandes tragdias humanas, principalmente nas guerras modernas

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    que envolvem a morte de milhares de pessoas. Este trecho do dalogo pode ser interpretado luz da anlise de Susan Sontag sobre a fotografia de guerra.

    Desde quando as cmeras foram inventadas, em 1939, a fotografia flertou com a morte. Com uma imagem produzida por uma cmera , literalmente, um vestgio de algo trazido para diante da lente, as fotos superavam qualquer pintura como lembrana do passado desaparecido e dos entes queridos que se foram (SONTAG, 2003; p. 24)

    O personagem Ele, confronta com Ela, sobre seu conhecimento de

    Hiroshima, segundo o roteiro do filme, nenhum dos dois esteve presente no momento da derradeira bomba, e a memria de ambos sobre o desastre baseada em imagens, fotos, notcias, relatos e a vivncia com os sobreviventes. Sendo assim ela replica, negando sua ignorncia sobre Hiroshima, justificando que esteve por quatro vezes no Museu de Hiroshima, onde viu As reconstituies, na falta de outra coisa. As fotografias. As fotografias, as reconstituies, na falta de outra coisa. Neste momento d-se a parte mais documental do filme, tendo em vista as imagens mostradas: cenas de horror provindas dos arquivos da guerra, longos travellings por entre os escombros de Hiroshima, por entre o hospital de Hiroshima, no museu dedicado ao ataque, cenas reais de sobreviventes, fotos de rostos deformados, desfiles cvicos, cartazes, vozes de rdio em off, trechos de telejornais, registrando os acontecimentos nos noticirios no momento do ataque Resnais d uma volta imagtica por entre as consequncias do lanamento da derradeira bomba, colocando diante dos olhos do espectador uma coleo de provas visuais e sensoriais de suas consequncias, um conjunto de souvenirs de guerra, que no fosse a inovao do diretor, teria espao somente em museus e telejornais(MEDEIROS & DAVID, 2013; p. 102)

    Existem imagens clssicas sobre o ataque Hiroshima, como a da fumaa em formato de cogumelo por cima das cidades, destruindo tudo que estava no caminho, estes panoramas porm, no do a ideia real do sofrimento das pessoas comuns atingidas pelos horrores da Guerra. Imagens como as mostradas por Resnais, de rostos mutilados, de civis, crianas e mulheres atingidos, despertam um mix de sentimentos como: empatia, vergonha e raiva por parte do espectador, de uma forma que o relato escrito dificilmente ir causar de forma to orgnica. Para Sontag, as boas imagens de guerra so aquelas que tm a capacidade de condensar questes complexas com grande fora persuasiva, ou seja, uma foto

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    que transmita todo um conjunto de informaes e questionamentos, mesmo sem o

    auxlio textual.

    O destaque para a fotografia e o souvenir de guerra, no monlogo da personagem francesa no se d por mero acaso. Desde quando a primeira cmera foi inventadas em 1939, este equipamento foi utilizado para morte registrar mortes e guerras, porm no ano de 1945 o poder da fotografia de caracterizar massacres superou todas as expectativas. Neste mesmo ano, entre os meses de abril e maio se espalharam pelo mundo as imagens dos primeiros dias aps a libertao dos campos de concentrao alemes, das imagens de corpos raquticos, pilhas de mortos, entre outras atrocidades que at hoje tem o poder de chocar, e j no incio de agosto as imagens da bomba atmica, registradas por testemunhas japonesas, tomaram as manchetes, tornando este ano marcante pela proliferao de imagens fotogrficas de dor provindas desse acontecimento histrico. ((SONTAG, 2003; p. 24 25)

    Na poca, muitas fotos referentes ao ataque Hiroshima foram roubadas e mantidas em segredo pelo governo americano. Este poder incendirio das imagens, de mexer com os sentimentos e a opinio pblica, que levou autoridades a censurar fotos de Hiroshima e Nagasaki depois da guerra. O jornalista australiano Wilfred Burchett teve suas imagens de Hiroshima confiscadas e foi ento expulso do Japo. O fotojornalista japons Yoshito Matsushige sobreviveu ao bombardeio atmico suas nicas fotografias de sobreviventes de Hiroshima foram tomadas para serem devolvidas apenas em 1952. O cinegrafista Akira Iwasaki filmou a sequncia dos atentados, mas o filme foi apreendido e levado para os Estados Unidos e devolvido para o Japo somente em 1968, por muitos anos, as nicas imagens dos bombardeios no Japo eram pinturas em aquarela, feitas de memria por sobreviventes e mesmo estas imagens exercem grande poder (LEVY, )

    A prpria noo de guerras, massacres e atrocidades gera expectativa de algum tipo de registro, sendo o fotogrfico o principal deles. Para Sontag, essas comprovaes so geralmente os registros pstumos, as fotos de cadveres, sofrimento e sangue ganham destaque absoluto por algum tempo, e populao do a oportunidade de se chocarem, compartilharem absortas o repdio aos massacres, criando a conscncia do sofrimento e logo em seguida esquecerem-se novamente, seguindo com suas vidas e dando incio a mais ciclos de amor, morte,

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    vida e sofrimento, ciclo o qual Resnais atravs da direo, e Duras atravs do roteiro souberam exemplificar com maestria no filme Hiroshima Mon Amour.

    A conscincia do sofrimento que se acumula em um elenco seleto de guerras travadas em terras distantes algo construdo. Sobretudo na forma como as cmeras registram, o sofrimento explode, compartilhado por muita gente e depois desaparece de vista. (SONTAG, 2003; pg 21)

    Se para Susan Sontag as imagens de guerra se proliferam para depois serem esquecidas, Resnais grava estas imagens para sempre, e faz com que sejam rebobinadas e assistidas novamente, utilizando-se destes registros como forma de arte dentro da histria escrita por Marguerite Duras para o filme Hiroshima Mon Amour. Em 2002, Sontag escreveu um artigo para o jornal The New Yorker, nele ela discorre sobre as inmeras possibilidades de uso da fotografia de atrocidades. Ea exemplifica que uma fotografia de um horror de guerra pode ser utilizado para diversos fins, inclusive com o objetivo de mobilizar a opinio pblica a apoiar mais guerra, incitar a revolta e o desejo de vingana:

    Photographs of an atrocity may give rise to opposing responses: a call for peace; a cry for revenge; or simply the bemused awareness, continually restocked by photographic information, that terrible things happen. (SONTAG, 2002)

    Susan Sontag fez uma crtica aos filmes de Resnais, declarando como o sujeito comum dos trs filmes a busca por um passado inexpressvel (1936), sendo assim, supe-se que o objetivo dele com o uso da memria fotogrfica de guerra se encontra mais no registro da guerra como parte da vida, como parte do ciclo dos acontecimentos e das tragdias que envolvem a existncia humana, servindo como pano de fundo para histrias pessoas de ciclos de paz e guerra, do que com o objetivo de provocar chamados de paz ou vingana.

    Pontuando o fim do presente artigo, gostaria de trazer um questionamento realizado por Sontag, publicado no The New Yorker em 2002. Onde ela questiona suas prprias concluses anteriores, de que o impacto das fotografias de atrocidades diminuem, na medida em que estas so expostas vrias e vrias vezes.

    In the first of the six essays in On Photography, which was published in 1977, I argued that while an event known through photographs certainly becomes more real than it would have been if one had never seen the photographs, after repeated exposure it also becomes less

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    real. As much as they create sympathy, I wrote, photographs shrivel sympathy. Is this true? I thought it was when I wrote it. Im not so sure now. What is the evidence that photographs have a diminishing impact, that our culture of spectacle neutralizes the moral force of photographs of atrocities? (SONTAG, 2002)

    Acompanhando o questionamento da autora, deixo a seguinte questo para

    reflexo, as fotos do desastre de Hiroshima, assim como o filme de Resnais, Hiroshima Mon Amour, como exemplos de imagens que j foram exibidas repetidas vezes, durante os 68 anos que j se passaram desde os ataques, e durante os 55 anos que j se passaram desde a produo do filme, perderam seu poder de impacto diante quem as v?

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    Bibliografia BRUM, Alessandra Souza Melett - Hiroshima Mon Amour e a recepo da crtica no Brasil Campinas, SP, 2009. Orientador: Prof. Dr. Antonio Fernando da Conceio Passos. Tese (doutorado) Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

    LEVY, Adam Harrison - Hiroshima: The Lost Photographs- Design Observer Group, 2011 [http://designobserver.com/article.php?id=7517]

    MEDEIROS, Lydia Christina Ferreira Rezende de Medeiros & DAVID,

    Nismria Alves - LITERATURA, CINEMA E HISTRIA EM HIROSHIMA MON AMOUR, Anu. Lit., Florianpolis, v.18, n. 1, p. 97-112, 2013. ISSNe 2175-7917

    SONTAG, Susan - MURIEL (MURIEL OU LE TEMPS DUN RETOUR)- February 25 March 20, 2011 - Presented with support from the Cultural Services of the French Embassy (New York) and LInstitut Franais

    SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. So Paulo: Companhia das Letras, 2003. SONTAG, Susan. Looking at War. Photographys view of devastation and death. The New Yorker, DECEMBER 9, 2002 ISSUE. [http://www.newyorker.com/magazine/2002/12/09/looking-at-war]