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AZULEJOS AZUIS ANDRÉ MASSOTTI

Azulejos Azuis

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AZULEJOS AZUIS

ANDRÉ MASSOTTI

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Sumário

Alaia antes 07

Caren sobre o inteior 13

Episaco sobre o suicídio diário 21

Pisexe sobre loucura e iluminação 29

Alaia depois 37

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Sumário

Alaia antes 07

Caren sobre o inteior 13

Episaco sobre o suicídio diário 21

Pisexe sobre loucura e iluminação 29

Alaia depois 37

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Alaiaantes

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Alaia já completara seus quatorze anos, mas sabia que, como todos diziam, ela era boba boba. Parece ter metade das primaveras que tem, essa aí só veio dar trabalho. Ela não entendia metade do que se passava. Não fechava a boca nem relaxava os olhos.

A menina parecia não ouvir o que di-ziam, mas escutava tudo. Ficava quieta, observando com seu olhar tenso e pes-coço mole. Ela não sentia muito as coi-sas feias que diziam os outros, mas elas iam criando uma ferida dentro de Alaia e aos poucos a deixavam oca de tudo que é concreto. Alaia virou uma coisa subjeti-va, lúdica. Sem se dar conta, tocava tudo com a imaginação, não usava o tato.

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Ela não participava, preferia dormir de olhos abertos. Sentia o mundo azulado e com uma temperatura boa. Tanto o ca-lor quanto o frio lhe pareciam amenos. A menina não sabia de quase nada, mas vivia mesmo assim. Ela gostava de fazer gelos com gotas de limão, ir até o gra-mado de sua casa sem nenhuma outra companhia e ficar à vista dos azulejos azuis do seu jardim.

Seu quintal era grande, cheio de flores e folhas. Os murais de azulejos eram uma boa lembrança do passado da sua família, estavam lá há muito tempo. O azulejos também gostavam de Alaia. Ela tinha uma atitude compreensiva e

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a sua companhia era silenciosa. Como sempre adormecia no quintal, eles sa-biam que ela não os ouvia, mas acredita-vam que ela os escutava.

Num dia ameno como os outros, Alaia foi para o gramado descansar diante dos azulejos. Ficou olhando para eles sen-tindo seu interior vazio. Sempre ouço dos azulejos azuis, mas me coloco para dormir. Não sei muito bem, mas um dia fiquei acordada. Três azulejos se puse-ram a falar com a menina que se dizia acordada. Eram diferentes entre si; de rosto e de nome. Não eram nem mulher, nem homem. Cada um tinha algo a ensi-nar para Alaia.

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Caren sobre o interior

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O azulejo Caren foi o primeiro a contar sua história. Tinha o ar doce e carinhoso.

Vou lhe contar algo que ainda não ou-viu. Num lugar quente, alguém quis iniciar uma jornada para o seu inte-rior. Ele perguntou a um outro alguém mais sábio qual caminho deveria seguir. Olhe para a direita, para a esquerda para frente e para traz, e depois siga para o centro.

O alguém menos sábio, acreditando ser o centro do mundo o seu centro, fez um buraco na terra em que pisava. Chegou fundo, onde a luz quase não o alcançava mais, e continuou. Seu corpo, exausto

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de tanto se meter no meio da terra, dava sinais de despedida. Não tinha mais consigo a força física para chegar até onde queria, agora lhe restava pouco.

Acreditando ser sua mente seu inte-rior, e seu cérebro sua mente, ele cuspiu seus miolos pela boca imaginando que chegaria lá. Tendo aquele vômito cor de rosa esparramado por todo seu corpo, não conseguiu pensar em mais nada. Nada vinha a sua cabeça, ela parecia não estar mais lá. Ainda assim, ele sen-tia que não havia encontrado o centro que procurava.

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Ainda sentia seu coração pulsar. Fraco e cansado, mas ainda batendo à parede do seu peito, como quem dizia esqueceu de mim? O alguém então sentiu que aquele que ainda pulsava lhe chamava, e acredi-tou que estaria lá seu centro, seu interior.

Meteu a mão em sua garganta e tateou dentro do seu corpo. Por excitação de al-guém ou por querer ser encontrado, seu coração começou a surrar as paredes de seu corpo. Alguém agarrou com força e o puxou até que saísse pela sua boca. Dei-tou aquele que não mais pulsava em seu colo, aguardando algum sinal dizendo que aquele finalmente era seu centro.

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Alguém nada mais sentia. O cansaço de-sapareceu, a mente inquieta se foi, seu coração morreu. Nada mais queria, nem mesmo encontrar seu interior. Ele parou de procurar e dormiu em paz.

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Erpisaco sobre o suicídio diário

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Erpisaco foi o segundo a falar. Com uma voz um pouco mais escura, come-çou sua história.

Numa casa bonita, uma menina tinha a cabeça cheia. Cada pensamento a pu-xava para um lado e ela não se movia. Certa noite, sua irmã mais velha sonhou com uma cura para estes pensamentos chatos e resolveu pô-la em prática.

Segundo o sonho, alguns pensamentos precisavam morrer para que nascessem novos. Para isso, seria preciso fortalecer o corpo e amolecer a mente.

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Para fortalecer o corpo, era preciso be-ber um chá de seu próprio cabelo. Para amolecer a mente, era preciso aquecer seus pensamentos. Ela cortou os fios de cabelo mais fortes da cabeça de sua irmãzinha e preparou o chá. Entregou a xícara à caçula que entornou com velocidade.

E com um certo cuidado, a irmã abriu a cabeça da caçula, pegou alguns pen-samentos e os aqueceu em uma panela com água quente até que ficassem mo-les e pudessem retornar, agora frágeis, para a sua mente.

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Corpo forte, cabeça fraca. Agora era pre-ciso realizar a morte. A menina subiu uma árvore de onde pularia para matar um pouco seus pensamentos. Enquanto eles tremiam com medo, seu corpo esca-lava com força.

Ao se jogar daquela altura a menina não sentiu dor, seu corpo não morreu. Ele estava forte. Sua mente sentiu a queda. Seus pensamentos inquietos que ha-viam sido enfraquecidos foram silencia-dos, dando espaço para o nascimento de novos e frescos.

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Sentiu sua cabeça jovem. Ela não mais era puxada para todos os lados e agora pensava com mais clareza. Passou a pre-parar o chá, aquecer os pensamentos e a suicidar-se semanalmente.

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Pisexe sobre loucura e iluminação

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Pisexe foi o último azulejo a falar. Ti-nha a voz confusa e avoada.

Um homem acordou dentro de sua men-te e quis sair de lá. Ele avistou duas por-tas; uma na frente e outra atrás. As duas portas tinham o mesmo aspecto. Confu-so por qual porta deveria sair, ele resol-veu espreitar as duas.

Aproximando-se da porta da frente, o homem sentiu leveza em seu corpo e a possibilidade de voar. Os cabelos de seus braços pareciam dourados e sen-tiu um arrepio morno e acolhedor. Pa-recia estar perto do fim das incertezas, da solução de qualquer confusão.

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Seus olhos enxergavam tudo sem co-vardia ou coragem, seus pés pisavam o chão sem arrogância ou humildade. O homem simplesmente olhava e andava. Sentiu um equilíbrio e teve vislumbres nunca antes disponíveis.

Ele foi interrompido. O chão de sua mente de repente tremeu e o homem se distraiu daquele momento delicioso que estava experimentando. O tremer o fez tropeçar e cair virado para a porta de trás. O sentimento que havia tido com a primeira porta, embora muito real, ficou às sombras. Ele foi preenchido por um desejo de espreitar a outra saída.

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Quanto mais olhava para a porta de trás, mais queria chegar perto dela, mais queria que ela fosse aberta. Ele foi se aproximando e sensações similares às anteriores tomaram conta dele.

Sentiu-se leve, seus pelos mais uma vez pareciam dourados e um calafrio o in-vadiu com força. Seus pés desta vez não se aguentaram no chão. As incertezas e confusões não foram solucionadas, mas deixaram de existir.

O medo, a covardia, a arrogância e a humildade também deixaram de ser e o equilíbrio que sentiu antes não fazia mais sentido e foi embora, mas sem dar

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lugar ao desiquilíbrio. O homem esque-ceu de tudo que sentiu na outra porta, abriu esta e nunca mais voltou para sua mente de novo.

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Alaia depois

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A menina se levantou dessa fantasia de sabor onírico sentindo-se quase zonza. Ainda estava oca de coisas concretas, mas escutar dos azulejos tocou a sua imaginação de maneira abrasadora.

A temperatura da realidade passou de amena para morna. Sentiu-se parte da correnteza viva do mundo. Interiorizou aqueles contos como ensinamentos. Sem se dar conta, ela deixou seu íntimo, tão subjetivo, levá-la para uma luz de brilho mais bonito.

Continuou tocando o real com a imagi-nação e escutando sem ouvir. Seu olhar, no entanto, deixou de ser tenso e seu

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pescoço deixou de ser mole. Estava rela-xada. O seu lado mágico agora dava as mãos a ela e ao mundo. Uma harmonia.

A ferida que tinha dentro de si iniciou um rápido processo de cicatrização. A menina deu um primeiro passo para se tornar imune ao peso da vida. Parou de beber o azedo do mundo e experi-mentou novos sabores. O presente tinha uma nova temperatura e a menina um novo interior. A partir de agora, só ven-tos mornos.

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Esta história foi escrita em julho de 2015 em Aveiro, Portugal e o livrinho foi impresso em outubro do mesmo

ano no Rio de Janeiro, Brasil.

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