BUBER, Martin. As histórias de Rabi Nakhman

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  • 5/10/2018 BUBER, Martin. As histrias de Rabi Nakhman

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    N e l t a c o l e ta n e a , M a r t i n B u b e r r e u n e m a g i 1 -t r a l m e n t e a l h i l t o r i a l ' d o R a b i N a k h m a n d eB r a t z la v , u r n d O l u l t i m o l g r a n d e l r e p r e l e n t a n t e ld o H a S l i d i l m o , m i l t i c i l m o p o p u l a r d O l lf C U l o l X V I I Ie X IX d O l j u d e u l d o L e i t e [ u r o p e u . B i l n e t o d o f u n -d a d o r d o H a ll i d i l m o , e le m e l m o u m a l i n g u la r f i g u -r a e lp i r i t u a l , R a b i N a k h m a n c o m u n ic a v a c o m f r e -q U e n c ia l u a l a b e d o r i a m i l t i c a a O l l e u l d i l c i p u l o l n af o r m a d e c o n t o l l i m b o li C O l . \0D e n tr o d a n a r ra t i v i d a d e t r a d i c io n a l , c o m b a l en O I e m i t o l b i b li c o l , f o i u r n d O l c o n ta d o r e l d e h i 1 -t o r i a l m a i l t a le n t o l o l e l i n g u la m d o i m a g i n a r i of ic c i o n a l e m i l t i c o t e n d o , p o r i l l O m e l m o , u r n l u g a rm u i t o e lp e c i a l n a l i t e r a tu r a j u d a i c a .~ e u l r e l a t o l t a m b f m f o r a m u rn f e r m e n t o v a -l io l O , n a o 1 0 d e c o n c e p ~ o e l f il o l o f i c a l , m a l , a c i m a d et u d o , d e u m a m r it u r a d e f i c ~ a o q u e v a i f e r t i l i z a ri m p o r t a n t e l a u t o r e l d o I fc u l o X X e p a l l a , p o d e - I ed i z e r , I e n a o p o r d e n t r o , p e r t o d e K a f k a .

    ISBN 85-273-0234-9

    1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 19 798527 302349

    M H IH O R IM D OR A B I N A K H M A N

    M A R T I N B U B E R

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    A S H I S T O K I A S D OK A B I H A K H M A H

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    Col~o Para le losDir igida por J. Guinsburg . . . .

    A S H I H O R I A S D OH A D I N A K H M A N

    ( o l e t a d a s e R e d i g i d a s p o rM A R T I N B U B E R

    O e s e n h o sR I T A R O S E H M A Y E R

    Equi pe de reali zacao - Traducao : Fany Kon e 1. Guin sburg ; Revisao de p rov as: Tan iaMaeta; Projeto grafico e capa: Adr iana Garcia; Assessoria editorial: P linio Mar tins Filho;Producao: Ricardo W . Neves , Adriana Gar cia e Heda Mar ia Lopes . ~\I'/~~ ~ EDITORA PERSPECTIVA~I\\~

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    Titulo do original alemaoDie Geschichten des Rabbi Nakhman by Martin BuberPrimeira edicao, 1906Copyr ight 1996 by The Es ta te of Mart in Buber

    SUMARIO

    oRABI NAKHMAN E SUA~HIsT6RIAS - J. G ui ns bu rg e F an y K on 0 0 0 0 0 9PREFfi.CIO 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 11INrRODU~AO - Paul Mendes-Flohr e Ze'ev Gries 00000000000000 13RABI NAKHMAN E 0 MISTICISMO JOOAICOMISTIC,ISMO JUI)AlCO 0 0 0 0 0 0 0 0 '0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 o.0 0 0 0 0 0 0 29RABI NAKHMAN DEBRAlZLAV 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 39

    . DITOS DORABI NAKHMAN 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 o. 49As HIST6RIAS 0000000 0 0 0 00000000 0 0 0 0 000 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 55

    Direitos reservados em lfngua portuguesa aEDITORA PERSPECfIVA S.A.Avenida Brigadeiro Luis AntOnio, 302501401 -000 - Sii o Pau lo - SP - BrasilTelefax (011) 3885-8388www.editoraperspectiva.com.br2000

    As HIST6RIAS.DO RABI NAKHMANo TOURO E 0 CARNEIRO 0 0 0 0 00 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 00 0 0 0 0 0 0 57o RABI E SEU FILHO 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 67o INTELIGENTE E 0 SIMPWRIO 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 o. 77o FILHO DO RELE 0 FILHO DA CRIADA 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 95OMEsTREDAPRECEo 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 o. 0 0 0 0 0 0 00 109

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    8 ASHIST6RIAS DORABINAKHMAN

    Os SETE MENDIGOS. . . . . . . . . . . . 131UM TZADIK VAl A TERRA SANTAA VIAGEM.DERABINAKHMANA PALESTINA ...... 151APENoICEDITOS DO RABI NAKHMAN ................ 177 o RABI NAKHMAN E

    SUAS HISTORIAS

    Rabi Nakhman de Bratslav foi, sem duvida, urn dos expoentes maissignificativos e originais do movimento pietista fundado pelo Baal SchemTov (0 Mestre do Bom Nome). Mas, independentemente de seu papel ede suas contribuicoes para 0universo de ideias religiosas dojudafsmo ede seu processamento historico, social e cultural, 0neto de Bescht ternum lugar muito especial na literatura judaica, na medida em que foi,dentro da narratividade tradicional com base nos escritos bfblicos ehermeneuticos do povo de Israel, urn dos contadores de histor ias maistalentosos e singulares do imaginario ficcional e mfstico, Seus relatos,todos expostos apenas oralmente e depois transcri tos por membros deseu circulo de seguidores, tornaram-se urn fermento val ioso, nao so deconcepcoes filosoficas, como as de Buber, e de outros pensadores doexistencialismo religioso judaico, mas, acima de tudo, de uma escriturade ficcrao que vai ferti lizar importantes autores do seculo vinte e, atecerto ponto, pode-se dizer, que passa, se nao por dentro, pelo menosperto de Kafka.

    Todos estes aspectos convertem a recolha efetuada por Buber numaluz pioneira, no Ocidente, dos caminhos seguidos pelo pensamento epela arte do Rabi Nakhman. E, por issomesmo, compreende-se que, aocotejar a sua ediao dos relatos com a traducao para 0 Ingles, tenha

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    10 A S H IS T6 RIA S D O R AB I N AK HMAN

    ficado insatisfeito com 0que the foi dado ler, uma vez que esta ultimaprocedeu a uma segunda l iterarizacao do texto, sobrecarregando e atecerto ponto amaneirando a que ja havia s ido feita pelo antologista que,dentro do possivel e de seu feitio esti listico, timbrara em permanecermais proximo da voz oral que ainda se fazia ouvir na transcricao doRabi Natan de Nemirov. Em fun~ao deste fato, Buber exigiu que todasas traducoes ulteriores levassem em conta 0 texto alemao, Foi 0 quefizemos a part ir de urn xerox, fomecido pelo Martin Buber Estate, con-tendo correcoes do punho do pr6prio Buber. Com este esclarecimento,esperamos que a versao para 0portugues tenha se mantido fiel a duplaemissao que soa nestas narracoes, isto e. a de Rabi Nakhman e a deBuber, que, por certo, the dao uma validade especifica e certamentediversa, porem nao menos r ica, sob todos os pontos de vista, das hist6-rias contadas pelo mestre aos seus discipulos em Bratslav.

    PREFAcIO

    J. Guinsburg e Fany Kon

    Minha recriacao das hist6rias do Rabi Nakhman apareceu impressapela primeira vez ha cinqiienta anos. Nao as traduzi, mas as reconteicom totall iberdade, porem dentro de seu espiri to, tal como se me apre-sentaram.

    As hist6rias foram preservadas em notas de urn discipulo, notas queobviamente deformaram e distorceram em muito a narrativa original .Da maneira como as encontrei pareciam confusas, verbosas e ign6beisem sua forma. Tive grande dif iculdade em preservar inal terados todosos elementos das fabulas cujo poder e colorido me convenceram serparte do original.

    Na porcao preliminar deste livro procurei apresentar a atmosferado conjunto. A secao que intitulei "Misticismo Judaico" deve ser consi-derada, conseqi ientemente, como uma primeira introducao gener ic a aeste tema.

    Martin Buber

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    INTRODU

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    14 AS HIST6RIAS DO RAB I NAKHMAN lNTRO DUC;A o 15

    a tr aso , a li en i ge nas , " s emi -a si at ic o s" (Halb-Asienv ; co mo K arl E rm ilF ra nzo s ( 1848-19 04) , e s cr it o r j ud eu a u st rf ac o , i ron ic amen te ob se rvou. Aoso lh os d e mu it os e ur op eu s e du ca do s o s hassidim r epre sen tavam os Ost juden- o s j ud eu s i gn or an te s d o v as to g u et o " or ie nt al " d oL e s te E ur op eu , o b st in a-d ame nt e a pe ga do s a u rn a f e s up o st ame nt e a na cr on ic a, s ob re ca rr eg ad a d efo rm al is mo re lig io so e d e um a c on ce pc ao l eg ali st a d o s er vic e q ue 0 field ev e p re st ar a D eu s. N a v erd ad e, 0Has si di smo v ei o c ar ac te ri za r a ima-g em n eg at iv a d o ju da fs mo p re va le ce nte n a c ul tu ra o cid en ta l. A ss im , a orealcar 0e nt us ia smo e sp ir it ua l e a imag in ac ao n o H as si di smo , B u be r t am -b er n a ju do u a r es ta ur ar 0r esp ei to p e lo j uda fsmo".

    B u be r t omo u 0H as si di sm o r es pe it av el ta l c om o s e a pre se nt av a, a oi nt eg ra r a ma ni fe st ac ao ma is d if er en ci ad a d a e sp ir it ua li da de j ud ai ca d oL es te E ur op eu n o d is cu rs o e n o i diom a u su al d o m o dis mo i nt el ec tu al d of in de siecle, i ~ to e , 0n eo -r oma nt ismo ( e, ma is t ar de , 0expressionismo).E m s ua a pr es en ta ca o d o H as si dis mo , B ub er c om p ar ari a, s uti l e f av or a-v elm en te , s ua s en sib il id ad e e sp ir it ua l c om o ut ra s t ra dic oe s m fs ti ca s -e sp ec if ic ame nt e a qu el as a pa dr in ha da s p el o c ri st ia ni smo me di ev al e p orv ar ia s re li gio es o ri en ta is - h on ra da s p el o n eo -r om an tis m o. B ub er ta m-be rn apresen tou 0H assidism o em term os de su as len das e m itos - ex-p re ss oe s d a s ab ed or ia p o pu la r p re -i lum in is ta . E st as , 0e di to r E ug en D ie -de r ichs (1867-1930), 0me ce na s d o n eo -r oma nt ismo, c el eb ro u c omo c ap -ta nte s d e um a i nt ui ti va e , p o rt an to , a s eu ju fz o, g en ufn a e xp eri en cia m e-taffs ica d a u nid ad e p rim al d o m un do , a qu al, in feliz me nte, a rein an tec i vi li za ca o b ur gu es a c om s eu ethos d iv i s6 ri o e i n te le c to a nal ft ic o h a vi amofuscado'. 0Has si di smo , a fi rm a va o us ad ame nt e Bu be r, e st a i gu almen -

    t e b a se ad o e m um a a pre en sa o d a u ni da de p rim o rd ia l d o m u nd o e , a ss im ,ele - e a tradicao m fstica m ilenar de onde em ergiu a C ab ala - e unica-m en te r el ev an te p ara a s p re oc up ac oe s d o in div fd uo c ult o e nv ol vi do n ab us ca e sp iri tu al d o f im d o s ec ulo .Ao publ ic ar As Histories do Rabi Nakhman, Bube r e nv io u u rn e xem -plar a D iederichs e, na carta que acom panhava a rem essa, lem brou ac on ve rs a d e v ari es a no s a nt es , q ua nd o 0e di to r h av ia d uv id ad o d e q ue 0judaismo, 0qual j ul ga va s er v i sc e ra l men te d e st it u fdo de e spon ta n ei d adee i n te ri o ri d ade , pudes s e p r opo rc ionar 0 s ol o p ar a 0 mistic ismo":

    o s en h or t al ve z s e r e co rd e d a c on v e rs a q ue t iv em o s Mvaries a n os qu an d o d i sc u timo sa q u es ta o d a e xi st en ci a d e u rn m i st ic is m o j ud ai co . 0 s en ho r n ao q ui s d e f or ma a lg um aa c re d it ar n i st o . Com 0 l iv ro d e N ak hm an in ic ie i u ma s er ie q ue d oc um en ta a e xi st en ci a d eu r n r n is ti c ismo j u da ic o .

    3 . F ra nz os u ti li zo u p el a p ri m ei ra v ez 0termo Halb-Asien e m s ua c ol et an ea d e c on -to s d a v id a d o L este E uro pe u, n os q ua is esboca a s f ig ur as d e m aio r proeminencia dogu e to j u de u : Au s Halbn-Asien. Ku lt ur b il d er a u s Galizien, der Bukowina, Suedrusslandu n d Rumae n ie n ( St ut tg ar tl Be rl im , 1 87 6 ), 2 v o ls . E le u so u 0 termo Halb-Asien c om f re -quencia em s eu s e sc ri to s, a pl ic an d o- o, n a m a io ri a d as vezes, i nd is cr im in ad am e nt e a t o-d as a qu el as r eg io es q ue s e e ste nd em " nic ht b lo ss g eo gr ap hi sc h, s on de rn a uc h in i hr enK ul tu rl eb en z w is ch en d em g eb il de te n E ur op a un d d em b ar ba ri sc he n A si en " ( na o a pe -n as g eo gra fic am en te , m as tam bem , em s ua v id a c ultu ra l e ntre a E uro pa c ultiv ad a e aAs ia b a rb a ra ) . F r an zos , V on D on z ur D on au ( S tu t tg a rt /Be rl im , 1878) , I I , 1 93 .

    4. So bre a im ag em negativa do judafsmo c om o r el ig ia o a si at ic a e str an ge ir a e ac on tr ib ui ca o d e B ub er p ar a a r ea bi li ta ea o d e s ua i ma ge m, v ej a M e nd es -F lo rh . " Fi n- de -S ie cl e O r ie nt al is m , T h e O s tj ud en a nd A e st he ti c o f J e w is h S e lf -A ffm na ti on ", e m J o na th anFrankel (ed.), S tu d ie s i n Cont empo ra r y J u da ism , Blo om i n gt o n, I n di a na Un iv e rs it y P r es s ,1 9 82 , p p . 9 6- 13 8 .

    5 . S ob re D ie de ri ch s e s ua c os mo vi sa o, v er W . G . O sc hi1 ew sk i, E ug en D ie de ri ch s

    B ub er e sta va cab alm en te cien te d e qu e a s d uv id as d e D ie derich ss ob re a c ap ac id ad e d o j u da fsmo d e a lim en ta r a e sp ir it ua li da de d o m i st ic is -mo e xp rim iam u rn p re co nc ei to d om i na nt e. E . s em d ii vi da , t in ha ta l precon-ceito em m en te qu an do . ja n o p rim eiro p arag rafo d a in tro du cao ao s euliv ro s ob re N akhm an , d ec la rav a qu e R ab i N akhm an d e B ratz la v - " ta l-ve z 0u lt imo m f st ic o j ud eu " - " si tu a- se n o f in al d e uma i ni nt er ru pt a t ra di -~ ao cu jo in icio n ao co nhec em os. P or m uito tem po ten to u-se n eg ar estatradicao; hoje em dia ja n ao se p ode m ais d uvidar dela'", A lem d is so ,o bs er vo u B ub er , e st a t ra dic ao " e um a d as g ra nd es m an if es ta co es d a s a-b ed or ia e xt at ic a" . A b er n d iz er , 0mis ti ci smo j uda ic o c ar re g a a i n fl u enc iad e o utr as t ra dic oe s m fs ti ca s, p or em , e nfa ti za B ub er , " a te nd en cia p ar a am fs tic a e i na ta n os ju de us d es de a A nt ig uid ad e. [ Na v er da de ], a fo rc a d om is ti cis m o ju da ic o f oi e xtr afd a d e um a c ara ct eri st ic a o rig in al d o p ov oqu e 0p ro du zi u" . E m s eu t ra ba lh o s eg ui nt e s ob re 0Hassidismo, As Len-u nd s ei n W e rk , J en a, E ug en D ie de ri ch s V er la g, 1 93 6: c f. t am be m E . D ie de ri ch s, Au sm e in em L eb en , J e na , E u ge n D i ed er ic hs V e rl ag , 1 9 38 .6 . B ub er a n D ie de ric hs , 2 1 d e ja ne ir o d e 1 90 7, B ub er , B r ie fw e ch se l a us s ie be nJahrzehmen; ed. G r et e S ch ae de r ( H ei de lb er g, V e rl ag L am b er t S ch ne id er , 1 9 72 ), I,2 53 s .A a ti tu de d e D ie de ri ch s p ar a c om 0judafsmo e d is cu ti da em Ge or ge Mo ss e, T he C ri se s o fGe rman I d eo l og y , Inteltectua: Or ig in s o f t he T hi rd R ei ch , Nova Yo r k, G r os s et & Dunlap,1 96 4. p p. 5 7 s.

    7.Th e Ta le s o f R a bb i N a chman. p . 3 . P a ra me lho r e s cl a re c er 0 l e i tor sob re 0universod e i de ia s e a e sc ri tu ra d e s ua t ex ma li za ca o f oi p re se rv ad o n es ta e di ~o 0 t ra b al ho i n tr o -d u t6 ri o q ue a com pa nh a a e di ~i io am er ic an a. 0 q ue i m pl ic ou , n at ur al m en te , n a m a nu te n-\ !a o d a fo rm a d ad a e m in gle s, as p ass ag en s q ue fig ura m n es ta e n ota 2 8. (N . d os T .)

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    1 6 ASH IST 6R IASDORAB INAKHMAN IN TRO DU C;A O 17

    das do Baal Schem (Die Legende des Baal Shem). Buber insistiriaanalogamente neste ponto quando afi rmou de maneira apodfctica que"os judeus sao talvez 0unico povo que nunca cessou de produzir mitos ....[e 0Hassidismo] e a ult ima forma do mito judaico que conhecemos'" .

    Os primeiros pronunciamentos de Buber sabre 0Hassidismo consti-tufram urn profundo desafio a opiniao predominante entre os europeus es-clarecidos com respeito a espiritualidade judaica. Urn tanto ironicamente,os aculturados judeus do Ocidente, como observou Gershom Scholem,compartilhavam desta opiniao e. deliberadamente, "exclufam e repudia-vam" misticismo e mito de sua concepcao de judaismo", E ninguem, notavaScholem, merecia "mais credito por fazer com que estes traces dojudafsmosurgissem de novo a baila, do que Buber..", Uma picante, porem tocantepenetracao no amago da resistencia do judeu ilustrado aos esforcos deBuber em reaJlilitar a imagem do Hassidismo e em resgatar do esquecimen-to expressoes da devocao mfstica judaica nos e fomecida por urna carta,datada de 6 de fevereiro de 1908. dirigida a Buber por seu pai Carl (1848-1935). urn bem-sucedido comerciante austrfaco":

    dedicat6ria que 0texto trazia sem diivida 0agradou extraordinariamente:"Ao meu avo Salomon Buber, 0Ultimomestre da antiga Haskald, dedicoeste trabalho sobre 0Hassidismo com respeito e amor't".

    Ao preparar seus primeiros estudos sobre 0Hassidismo, Buber dis-pos tambem do apoio de varies eruditos do Leste Europeu, part icular-mente de Micah Iossef Berditchevski (1865-1921). Simon Dubnov (1860-1941) e Samuel A. Horodezki (1871-1957)13. que ja haviam escrito tra-tados em hebraico, Idiche e russo - sabre varies aspectos do Hassidismoe da Cabala. Em contraste com 0interesse cientffico no Hassidismo porparte destes estudiosos, 0de Buber nao era nem 0de urn historiador nemtampouco 0 de urn fil6logo. "Nao e, em geral, minha intencao coletarnovos fatos", explicou Buber a Horodetzki , em carta datada dejulho de1906, "porem simplesmente prover urna nova compreensao [Auffassung]do misticismo judaico e suas interconexoes, dar uma nova apresentacaosintetica [desta tradicao] e suas criacoes e tomar estas criacoes conhecidasde urn publico europeu numa forma tao art is ticamente pura quanto pos-sfvel?". Por isso, decidiu nao traduzir estas criacoes - as lendas e contosalegoricos narrados pelos mestres hassfdicos - mas antes "reconta-las"(nacherzaehlen). Selecionando varies motivos das hist6rias hassfdicasque, a seu jufzo, capturavam a mensagem caracterfstica do Hassidismo,Buber "fez re-viver" (nacherleben) esses motivos e a mensagem queveiculavam, recontando-os da forma como ele os vivenciava (erleben).

    Antes de se decidir par esta abordagem para desvendar a mensagem- ou 0que hoje poderia ser chamado de cerne querigmatico - dos contose lendas hassfdicos, Buber procurou inicialmente, de fato, traduzi-Ios esentiu-se repetidamente frustrado por urn problema na aparenciaintratavel. Da maneira como esta registrado em hebraico pelos seguido-res. amiude incultos, dos mestres hassfdicos que relatavam seus contos elendas oralmente, em Idiche, 0material com 0qual Buber tinha de traba-

    Que ri d o Ma r ti n ,R e ce ba , p or f av or , a s m i nh as m a is a fe tu os as s au da eo es p el o s eu a ni ve rs ar io . P o ss a

    o s e u t ra b al ho t ra z er -l h e 0 s uc es so q ue v oc e d es ej a e p os sa a s ua e xi st en ci a e st ar li vr e d epreocupacoes e c u id a do s .

    E u f ic ar ia f el iz s e v o ce d es is ti ss e d es te s a ss un to s h as sf di co s e d o Zohar [isto e , domist icismo], p oi s s 6 poderao lhe t r aze r ur n e n fr a qu e ciment o men ta l e e f ei to p em ic io s o . Eum a p en a d ev ot ar s eu ta le nt o a t ai s t em as estereis e p erd er ta nto te mp o e esforco [ema l go l t a o i n te i rament e imitil p ar a v oc e e p ar a 0 mundo .

    A atitude de seu avo Salomon Buber (1827-1906). por outrolado,era mais estimulante. Este eminente erudito do Midrasch, que na verdadecriou 0neto em sua casa em Lemberg (Lvov), na Galicia austrfaca, dedicouativo interesse ao trabalho dele e fomeceu-Ihe textos hassfdicos nao-dispo-nfveis em Berlim". Urn pouco antes de sua rnorte, em dezembro de 1906.Salomon Buber recebeu uma c6pia deAs Historias de Rabi Nakhman, e a 1 2. D ep oi s d a m or te d e s eu a vo , B ub er m o di fi co u a d ed ic at 6r ia n as e di ~O es e i m-p r es so es sub seq uen t es para: "Dem Ge da ec ht ni s m e in es G r os sv at er s S al om o n Bu be r d es

    l et zt en M e is te rs d er a lt en H as ka la b rin ge ic h i n T re ue n d ie s W e rk d er C ha ss id ut d ar " -" J . . . m em 6 ria d e m eu a vo , 0 u lt im o m e st re d a v el ha Haska ld , e u o fe re co c om d ev oc ao e st et ra b a! ho s a br e 0Hassidismo".1 3 . B u be r s e a co n se !h o u c om c ad a u rn d es te s e sp ec ia li st as , c uj a a ss is te nc ia a ss in a-l ou n o p re fa ci o d a p ri me ir a e di ~a o d o D i e G e sc hi ch te n d es R a bb i N a kh man . V id e t am -b ern a c orre sp on den cia d e B ub er c om D ub no v e H oro de zk i em Briefwechsel, I, 2 52 s .,2 44.263 s.14. Briefwechsel, I, 244 s.

    8. As Lendas do Baal Schem, t ra d. M . F rie dm an , N ov a Y or k, S ch ok en B oo ks ,1 96 9 , p p. x i, x ii i.

    9 . M a rt in B ub er 's C on ce pt io n o f J ud ai sm ". e m S ch ol em , O n J ew s an d Judaismi n C r is is . S el ec te d E ss ay s, t ra d. W . J . D an nh au se r, N ov a Y or k, S ch oc ke n, 1 97 6, p . 1 42 .

    10. Briefwechsel, I , 2 60 s.1 1. V eja , p or ex em plo , S alo mo n B ub er p ara M artin B ub er, c arta d ata da d e 2 6 d e

    n o vem br o d e 1906. Briefwechsel, I , 2 4 8.

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    18 AS HIST6RIAS DO RAB I NAKHMAN INTRODU

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    20 A S H IS T6 RIA S D O R AB I N AK HMAN INT RO OU

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    Como a mao man tida an te os o lhos encobre a maior mont anha, assim a pequenavida ter rena se ocu lta da v isao das eno rmes luzes e mis terio s dos quais 0 mundo estacheio, e aquel e que pode afas ta- la da f ren te de seus o lhos, como alguem que re tir a suamao, contempla 0grande brilho do mundo interior.

    o da Tord e da devocao d ivi na, ele dizi a, ' Se conti nuarem a se aglomerar a ss im ao meuredor , em breve nao ter ao a quem ir procu rar .' "

    Notem como Buber em sua versao condensou e est il izou 0originale, incidentalmente, combinou as palavras do Bescht citadas por RabiNakhman - a mesma passagem que havia traduzido literalmente em suasnotas - com asdo proprio Rabi Nakhman. Buber justificaria a interpreta-~ao hermeneuticamente, indicando que esta meramente interessado empreservar 0motivo principal e a mensagem querigmatica da citada passa-gem.

    Em seu interesse pelo Hassidismo, ao longo de toda a vida, Buberfrequentemente se aconselhou com erudi tos e cul tos observadores domovimentos Enquanto trabalhava em As Historias do Rabi Nakhman,como foi notado, desfrutou do apoio ativo de var ies estudiosos, a saber ,Berditchevski, Dubnov, Horodezki e, em especial, seu avo SalomonBuber. Na verdade, no curso de sua existencia, Buber iria com frequenciaconsultar os doutos observadores do movimento, sempre ansioso poradquir ir novas percepcoes da questao e referencias bibliograficas. Acorrespondencia, que se estende por urn perfodo de mais de cinquentaanos, entre Buber e 0romancista Schmuel Iossef Agnon (1888-1970),sera em breve publicada em hebraico. Agnon, natural da Galicia, conheciaintimamente 0Hassidismo e compartilhava com Buber de seu profundoafeto pelo movimento. Juntos, Buber e Agnon, planejaram editar e pu-blicar uma abrangente compilacao das fontes hassfdicas a ser intituladaCorpus Chassidicum. Ja haviam coletado urn material consideravel quan-do, em 1924, a casa de Agnon em Bad Homburg, urn suburbio de Frank-furt, incendiou-se, ocasionando a destruicao de livros e anotacoes, Emboranunca tivessem retomado 0projeto, Agnon e Buber continuaram a per-mutar bibliografia hassfdica e, em especial, contos e historietas. Urn exem-plo encantador de sua correspondencia sera suficiente. Em carta de 17 deoutubro de 1916, Agnon adicionou urn pos-escrito":

    A historieta fazia parte, sem dtivida, da costumeira tradicao oral doHassidismo, que, por meio dos bons offcios de Agnon e outros amigos,Buber colecionou incansavelmente ate a morte, emjunho de 1965. Aoordenar sua volumosa documentacao, a diretora do Arquivo Martin Bubere sua antiga secretaria par ticular, Margot Cohen, achou e ident if icoutreze ditos (Leherworte) do Rabi Nakhman nao inclufdos na edicao an-terior das As Historias do Rabi Nakhman. Estes ditos estao publicadosno final do presente volume, em apendice",

    Paul Mendes-Flohr e Ze'ev Gries

    A tim de nao deixar nenhum espaco em branco contare i urna del ic iosa historieta."Quando os hassidim de Rabi Dov de Mezeritsch se amontoavam it sua volta, distraindo- 30. As maximas foram publicadas em alemao por Michael Brocke, "Mart in Buberund Rabbi Nakhman von Bratislaw", em Orientierung. Katholische Blaet ter fuer

    weltanschauliche Information, XLIXI .23 (30 de junho de 1985) pp. 138 -141. Os dit osserao inclufdos tambem na edi~o alema revista deDie Geschichteten des Rabbi Nakhman,com urn p refacio de Paul Mendes-Flohr e Ze'ev Gr ies , Heidel berg, Verl ag Lambe rtSchneider, 1988.29. Emuna Yaron, "Da Correspondencia de S. Y.Agnon e Martin Buber", Iton 77,n. 66-67 (julholagosto 1985), p. 27 (hebraico).

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    RABI NAKHMAN E 0MISTICISMO mDAICO

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    MIST IC ISMO JUDA ICO

    Rabi Nakhman deBratzlav, que nasceu em 1772e morreu em 1810,e talvez 0Ultimo mistico judeu. Ele se encontra no final de uma tradicaoininterrupta de cujo infcio nao temos conhecimento.

    Por longo tempo tentou-se negar esta t radicao, hoje nao pode maishaver duvidas a seu respeito. Tem-se comprovado que foi nutrida porpersas, depois por gregos em sua fase tardia, e are mesmo por fontesalbigenses, mas preservou a forca de sua pr6pria correnteza, recebendotodos os influxos sem ser por eles dominada. Podemos, e claro, naomais encara-la como faziam seusantigos mestres e discipulos: como"Cabala", ou seja, como transmissao de ensinamento de boca a boca enovamente de boca a boca de tal modo que cada geracao a recebesse,embora cada vez com uma interpretacao mais ampla e rica, a te que, nofim dos tempos, a verdade inteira viesse a ser conhecida. Apesar disto,devemos reconhecer sua unidade, sua individualidade e, ao mesmo tempo,as muitas limitacoes dentro das quais se desenvolveu. 0misticismo judai-co pode parecer muito desproporcional, f requentemente confuso, porvezes trivial, quando 0comparamos com Mestre Eckhart, com Ploti -no, com Lao- Tse; ainda assim, persiste a maravilhosa floracao deuma antiga arvore. Seu colorido nos atinge como algo quase demasia-do deslumbrante, sua fragrancia nos perturba como algo quase de-

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    masiado luxuriante; ainda assim e uma das grandes manifestacoes dosaber extatico,A tendencia para 0misticismo e inata nosjudeus desde a Antigliidade,

    e suas expressoes nao devem ser entendidas, 0que em geral acontece,como um~ temporaria reacao consciente contra a dominancia do estatutodo intelecto. E uma peculiaridade significativa dojudeu, que mal pareceter se modificado em milhares de anos e, nesse caso, urn extremo inflamao outro, rapida e poderosamente. Assim ocorreu que, em meio a umaindizfvel existencia circunscrita, na verdade a partir de silas pr6prias limita-~6es, irrompeu de repente 0 ilimitado que agora govemava a alma quese Ihe rendia.

    Se, dessa forma, a forca do misticismo judaico surgiu de uma ca-racterfst ica do povo que 0 produziu, e claro que 0 destine posteriordeste povo tambem deixou af sua marca. A errancia e 0martirol6giodos judeus t~m repetidamente transposto suas almas nessas vibracoesde desespero a parti r das quais , as vezes, 0clarao flamejante do extaseirrompe. Ao mesmo tempo, estas condicoes os impediram de atingir apura expressao do extase. Elas os levaram a confundir 0necessario, 0efetivamente experimentado, com 0 superfluo, 0 emprestado e, atra-ves do sentimento de que sua dor era demasiado grande para exprimiro que Ihes era pr6prio, a tomar-se loquazes acerca do alheio. Assim,surgiram trabalhos como o Zohar, 0 "Livro do Esplendor". Em meioa enormes especulacoes, lampejos de abismos silenciosos da almarepetidamente se iluminavam.

    Na epoca do Talmud 0ensinamento mfstico era ainda urn misterioque urna pessoa poderia confiar somente a urn "mestre das artes e aalguem versado nos sussurros". S6 mais tarde este ensinamento ul tra-passou a esfera da transmissao pessoal. 0 escrito mais antigo que chegouate n6s, 0pitag6rico Livro da Criaoio, parece ter surgido entre 0setimoe 0nona seculo e 0Zohar ser proveniente - pelo menos em sua formaatual - do final do seculo treze; entre estes dois se estende a epoca doreal desenvolvimento da Cabala. Porem, por urn longo tempo ainda,aqueles que se ocupavam com a Cabala permaneceram restritos a urnestreito cfrculo, mesmo se este cfrculo se estendesse da Franca, Espanha,Italia e Alemanha ao Egito e Palestina. Durante todo esse perfodo, 0ensinamento permaneceu alheio a vida; ele e teoria no sentido neoplato-nico, visao de Deus, e nada deseja da realidade da exis tencia humana.Nilo exige que a pessoa 0viva, nilo tern contato com a ~ilo. 0 reino daescolha, que representa tudo para 0Hassidismo, 0misticismo judaico

    posterior, nao e algo imediatamente vivo para ele. E extra-humane, to-cando a real idade da alma apenas na contemplacao do extase.

    Somente nos perfodos posteriores a esta epoca novas forcas se ma-nifestaram. A expulsao dos judeus da Espanha deu a Cabala seu grandeimpeto messianico. A 6nica tentativa energetica da Diaspora no sentidode estabelecer no exflio uma comunidade criadora de cultura e urna patriaem espfrito terminara em ruinas e desespero. 0 antigo abismo tomou ase reabrir, e dele de novo ascendeu, como sempre, 0 velho sonho deredencao, imperativo como nunca 0fora antes, desde os dias dos romanos.o desejo ardia: 0 absoluto tern que se tomar realidade. A Cabala naopodia fechar os olhos a isto. Denominou-o reino de Deus na terra, "0mundo da restauracao". Levou para 0 seu pr6prio interior 0 fervor dopovo.

    A nova era do misticismo judaico, que comecou por volta de meadosdo seculo dezesseis e que proclamou 0 ato extatico do indivfduo comouma colaboracao com Deus para conseguir a redencao, foi inauguradapor Itzkhak: LUria. Em suas concepcoes sobre a emanacao do mundo apar tir de Deus e 0demi6rgico poder intermediario era quase inteiramentedependente da velha Cabala; mas em sua apresentacao da influencia di-reta sabre a Divindade e do poder redentor da alma humana que se puri-f ica e se aperfeicoa a si mesma, ele fomece a antiga sabedoria uma novaconfiguracao e uma nova consequencia,

    Ja no Talmud esta dito que 0Messias vira quando todas as almastiverem entrado em vida corp6rea. Os cabalistas do Medievo acredita-vam poder dizer se a alma de urn homem que est ivesse a sua frente teriabaixado nele a partir do Mundo dos nao nascidos oupermanecia tempera-riarnente com ele em meio a suas andancas. 0 Zohar e a Cabala posteriordesenvolveram 0ensinamento que recebeu sua forma final de Itzkhak:Luria. De acordo com sua l i~i io, hi duas formas de metempsicose: arevolu~ilo ou errancia, gilgul, e a superabundincia ou impregna(jfao, ibur.Gilgul e a penetracao em urn homem, no momento de sua concepcao ounascimento, de urna alma que esta na viagem. Mas urn homem que jaesta dotado, de uma alma pode tambem, em determinado momenta desua vida,receber uma ou mais almas que seunem a sua seforem aparenta-das a ela, isto e , se surgiram da mesma radia~ao do homem primordial.A alma de urn morto junta-se a de urn vivente a fim de poder completarurn trabalho inacabado que ele teve de abandonar quando morreu. Urnespfri to mais alto, mais desprendido, desce em completa plenitude deluz ou em raios individuais sobre aquele ser imperfeito para morar com

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    ele e ajuda-lo a completar-se. Ou duas almas incompletas unem-se a fimde suplementar e purificar uma a outra. Se fraqueza e desamparo sobre-vern a uma das almas, entao a outra se toma sua mae, carrega-a em seuventre e alimenta-a com 0 seu proprio ser. Por todos esses meios, asalmas sao purificadas da escuridao primal eo mundo redimido da confu-sao original . Somente quando isto e feito, quando todas as viagens fo-rem completadas, somente entao, 0 tempo se est ilhacara e 0Reino deDeus tera infcio. No fim de tudo a alma do Messias descera a vida. Porseu intermedio, a elevacao do mundo para junto de Deus tera lugar.

    A especial contribuicao de LUria foi querer encontrar este processoc6smico na a~ao de alguns homens. Ele proclamou uma conduta incon-dicional de vida para aqueles que se dedicavam a redencao; atraves debanhos rituais, de imersoes e vigflias notumas, de contemplacao extaticae amor irrestrito por todos, eles purificariam suas almas numa tempestadee, por invoeacao, fariam baixar 0reino messianico.o sent imento basico, do qual este ensinamento era 0 pronuncia-mento ideal, encontrou sua expressao elementar quase uma centena deanos mais tarde, no grande movimento messianico que traz 0nome deSabatai Tzvi. Foi uma erupcao de forcas desconhecidas que se abriga-yam no seio do povo e uma revelacao da realidade oculta da alma popular.Os valores, vida e posses, aparentemente imediatos, tornaram-se de subitovazios e sem valor, e as pessoas sentiam-se agora propensas a abandonarestes ult imos como urn instrumento superf luo e a manter os primeirosapenas com mao ligeira, qual uma vestimenta que escorrega do corpo docorredor e que, se 0 atrapalhar muito, ele pode deixar cair abrindo osdedos , a fim de se apressar, nu e liberto, rumo itmeta. A corrida supos-tamente reg ida pela razao, inflamou-se com 0ardor contido na mensagem.

    Este movimento tambem sedesmoronou de maneira mais lamentaveldo que qualquer dos anteriores. E agora 0messianismo mais uma vez seintensifica. A verdadeira era da mortificacao comeca. A crenca na possi-bilidade de obrigar 0mundo superior, por meio de exercfcios mfsticos,penetra ainda mais profundamente no povo. Por volta do ana de 1700,consuma-se a Marcha Ascet ics dos Mil e Quinhentos que terminou emmorte e miseria, Mas indivfduos sozinhos tambem se preparam com in-clemente remincia. Na Polonia, em part icular, amadurece em muitos avontade de expiar por si e pelo mundo. Uma vez que nenhum castigoindividual e suficiente para eles, muitos se poem a errar - "no exflio",como 0denominam -, nao aceitando em parte algurna comida ou bebida,e vagando assim, carregados por sua vontade, ate que suas vidas se ex-

    tingam juntamente coin suas forcas e eles caiam mortos num lugar estra-nho, entre estrangeiros.

    Estes martires da vontade sao osprecursores do Hassidismo, 0ultimoe mais elevado desenvolvimento do mist icismo judaico. Surgindo porvolta de meados do seculo dezoito, 0Hassidismo simultaneamente pro-longou a Cabala e se the contrapos na sua acao, Hassidismo e a Cabalatransformada em ethos. Porem, a vida que ela ensina nao 6 ascetismo,mas alegria em Deus. A palavra hassid designa urn "homem piedoso",mas e uma piedade terrena que e aqui visada. Hassidismo nao e pietismo.Dispensa todo 0sentimentalismo e demonstracao emocional. Traz 0trans-cendente para dentro do imanente e deixa 0transcendente rege-lo e forma-10, tal como a alma forma 0 corpo. Seu ceme e uma orientacao ele-vadamente realfstica para 0 extase como 0 apice da existencia. Mas 0extase nao se manifesta aqui como, digamos, no misticismo alemao, 0"Entwerden" da alma, porem e como 0seu inv6lucro; nao e a sua auto-restricao e sua auto-remincia, mas a pr6pria auto-realizacao da alma queflui para dentro do Absoluto. No ascetismo, 0ser espiritual, a neshamd,encolhe, dorme, torna-se vazia e desnorteada; somente na alegria elapode despertar e consumar-se ate que, livre de toda carencia, amadurecepara 0divino.

    Mais urna vez foi a Polonia que provou ser a mais criativa e, sobre-tudo, as estepes planas da Ucrania. A Polonia possufa uma solida comu-nidade judaica, fortalecida em seu amago pelo ambiente alheio e desde-nhoso que a cercava e aqui, pela primeira vez desde 0 florescimentoespanhol, despontou uma vida de atividades e valores proprios, umacultura indigente e fragil, no entanto independente. Se, entao, os pressu-postos para a atividade espiritual foram deste modo dados, em geral,ainda ass im urn ensinamento mfst ico poderia somente desabrochar nosolo da Ucrania. Aqui, desde os morticfnios cossacos ordenados porChmielnicki contra osjudeus, prevalecia uma situacao da mais profundainseguranca e de desespero semelhante aquela que rejuvenescera a Caba-la, ap6s a expulsao da Espanha. Ademais, 0judeu era nesta regiao, emsua maioria, urn aldeao limitado em seu conhecimento, mas original emsua f6 e forte em seu sonho de Deus.o fundador do Hassidismo foi Israel de Mesbisz (Miedjibrorz), de-nominado "Baal Schem Tov", isto e, "Mestre do Bom Nome", uma de-signa~ao que une duas coisas, 0poderoso e eficaz conhecimento do nomede Deus, como os primeiros taumaturgos "Baalei Schem" eram descritos,e a posse de urn "born nome" no sentido humano de ter a confianca do

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    povo. A volta dele e de seus discfpulos teceu-se urna lenda colorida eprofunda. Era um homem simples e autentico, inesgotavel no fervor e nopoder de conduzir.o ensinamento do Baal Schem esta preservado de forma bastanteincompleta, Ele pr6prio nao 0colocou no papel, e mesmo oralmente,como 0 disse uma vez, comunicou apenas aquilo que transbordava,qual um vasa demasiado cheio. Entre os seus discfpulos parece naoter encontrado nenhum digno de receber a totalidade de seu pensa-mento; uma prece dele que nos chegou, diz: "Senhor, e conhecido emanifesto para V6s 0quanta de entendimento e poder resta em mim,e nao ha pessoa a quem eu possa revela-lo", Porem, do que ele ensi-nou, muita coisa parece ter sido anotado de maneira inadequada, comfrequencia inteiramente dis torcida. Verificando certa vez uma destastranscricoes, diz-se, que teria entao bradado: "Nao ba uma palavra

    'to h ferid "qui que eu ten a pro len 0 .Nao obstante, 0senti do real de seu ensinamento e inconfundfvel.Deus, assim ensina 0Baal-Schem, esta em cada coisa como suaessencia primordial. Ele s6 pode ser apreendido pela forca mais intima

    da alma. Se esta forca for liberada, entao e dado ao homem em cadalugar e em cada epoca receber 0divino. Toda a~ao que e dedicada em simesma, embora pareca sempre tao modesta e inexpressiva para aquelesque a veem de fora, e 0caminho para 0cora~ao do mundo. Em todas ascoisas, ate naquelas que parecem completamente mortas, habitam fagu-lhas de vida que caem dentro das almas preparadas para recebe-las. 0que chamamos mal nao e essencia, mas care~cia, E '.'exflio de Deus", 0mais baixo degrau do bem, 0trono do bem. E - na hnguagem da velhaCabala - a "concha" que envolve e disfarca a essencia das coisas.

    Nao ha nada que seja mau e indigno de amor. Ate os impulsos dohomem nao sao maus: "quanto mais forte for um homem, maior seuimpulso".o homem puro e santo faz de seu impulso "urna carruagem paraDeus"; liberta-o de todos inv6lucros e permite a sua alma que se com-plete dentro dele. 0 homem deve conhecer os pr6prios impulsos emsuas profundezas e tomar posse deles. "Deve aprender a conhecer 0or-gulho e nao ser orgulhoso, conhecer a ira e nao se tomar irado. Assimtambem e com todas as qualidades. \ 9 homem deve se tomar um todo noconjunto das qualidadesl 0 homem sabio pode lan~~ ~m ~!har on~equer que queira e nao seextraviar fora de seus quatro hmltes.. 0 desti-no do homem e somente a expressao de sua alma: aquele cujos pensa-

    mentos vagueiam entre coisas impuras encontra impureza em sua vida;aquele que submerge a si mesmo no sagrado experimenta a salvacao. 0pensamento do homem e seu ser: aquele que pensa acerca do mundosuperior esta nele. Todo ensinamento exterior e apenas um ascenso aointerior, a meta final do indivfduo e tomar-se ele pr6prio um ensinamento.Na realidade, 0mundo superior niioe extemo, mas intemo, e "0mundodo pensamento".

    Se, entao, a vida do homem esta aberta para 0absoluto em toda equalquer si tuacao e em cada atividade, 0homem deve tambem viversua vida em devocao. Cada manha e uma nova convocacao. "Ele le-vanta com impaciencia de seu sono, porque e santificado e tomou-seoutro homem e vale a pena criar, e imita Deus formando seu mundo."o homem encontra Deus em todos os caminhos, e todos os caminhosestiio repletos de unificacao, Porem, 0rnais puro e perfe ito e 0cami-nho da prece. Quando um homem reza na chama de seu ser, Deus, Elemesmo, fala a palavra mais profunda em seu peito. Este e 0 fato; 0mundo extemo e apenas seu traje. "Como a fumaca sobe da madeiraqueimada, mas as partes mais pesadas apegam-se ao solo e trans for-ma-se em cinzas, assim da prece somente a vontade e 0fervor sobem,porem as palavras proferidas esfacelam-se em cinzas." Quanto maiselevado 0 fervor, mais poderosa e a forca da intencao - kavand - etanto mais profunda a transformacao. "E uma imensa graca de Deus 0fato de 0homem permanecer vivo ap6s a oracao, pois , pela natureza,e le deveria morrer ja que enterrou sua forca e penetrou em sua precepor causa da kavand que alimenta. [ ... ] Ele pensa antes de rezar queesta pronto a morrer por causa da kavand." Todavia, a prece nao deveocorrer em sofrimento e arrependimento, mas em grande alegria. JAle-gria por si s6 e uma verdadeira devocao a Deus, .Os ensinamentos do Baal Schem logo encontraram aceitacjo entrepessoas que nao tinham capacidade para alcancar sua concepcao, masque acolheram avidamente seu sent imento para com Deus. A devocaodesta gente estava propensa desde os ant igos tempos para a rela~ao daimediatidade mfstica; receberam a nova mensagem como a exaltada ex-pressao de simesmos. A proclamacao dojubilo em Deus, ap6s urn milenioda dominancia de uma lei pobre em alegria e hostil a e la, atuou comouma liber tacao. Alem disso, haviam ate entao reconhecido acima de siuma aristocracia de eruditos talmudicos, alienada da vida, porem nuncacontestada. Agora, as pessoas, por urn simples sopro, viam-se libertas

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    36 ASHIST6RIAS DO RABINAKHMAN MISTICISMOJUDAICO 37desta aristocracia e estabelecidas por seu proprio valor.[Agora, se lhesdizia que nao e 0conhecimento que determina a qualidade do homem,mas a pureza e devocao de sua alma, ou seja, sua proximidade de Deu~Jo novo ensinamento veio como uma revelacao daquilo que antes nin-guem se,atrevia a esperar. Foi recebido como uma revelacao.

    Naturalmente, os ortodoxos declararam guerra a nova heresia e com-bateram-na por todos os meios - excomunhao, fechamento de sinagogase queima de livros, prendendo e destratando publicamente os lfderes -nem sequer recuando diante da demincia ao govemo. Nao obstante, 0resultado da batalha nao poderia ser, no caso, duvidoso: a rigidez religiosanao logrou resistir a renovacao religiosa. Urn adversario mais perigosodesta renovacao surgiu na Haskala, 0movimento judaico da Ilustracaoque, em nome do saber, da civilizacao e da Europa, ergueu-se contra a"supersti~l\P". Mas ela tambem, que pretendia negar 0 anseio do povopor Deus, nao teria sido capaz de arrancar uma polegada de terreno domovimento que satis fazia este anelo se ja nao tivesse inicio, no proprioHassidismo, urna decomposicao que levou ao declfnio que se seguiudesde entao.

    [A primeira causa desta decadencia reside no fato de 0Hassidismoexigir das pessoas uma intensidade espiritual e uma imperturbabilidadeque nao possufam. Oferecia-lhes satisfacao, mas a urn preco que naopodiam pagar. Indicava-lhes, como ponte para Deus, uma pureza e umaclareza de vi sao, uma tensao e uma concentracao da vida espiritua l deque somente uns poucos seriam jamais capazes; ainda assim atingiu amuitos. Tanto e verdade que surgiu da necess idade espir itual do povouma insti tuicao de mediadores que foram chamados tzadikim, isto e ,justos. A teoria do mediador que vive em ambos osmundos e e 0elo deconexao entre eles, atraves de quem aspreces sao levadas para cima e asben~aos sao trazidas para baixo, desdobrou-se de maneira cada vez maisexuberante e, por tim, ultrapassou todos os outros ensinamentos. 0 tzadiktomou a comunidade hassfdica mais rica em sua seguranca de Deus,porem mais pobre numa coisa de valor - a busca de cada urn por si. Aisto se somaram os crescentes abusos extemos. No princfpio, so os real-mente dignos, a maioria deles discfpulos e discfpulos de discfpulos doBaal Schem, tomaram-se tzadikim. Mas por receber 0 tzadik, de suacomunidade, urn amplo sustento a fim de poder devotar 0 seu servicetotalmente a ela, logo, urn menor mimero de homens se aglomeroupara obter 0beneffcio, e porque nada mais tinham a oferecer, pretendiam

    ter direito a ele por meio de atuacoes miraculosas. Em muitos lugaresprevalecia urn impostor que causava repulsa aos mais puros, degrada-va aos mais limitados, e atrafa a mais confusa multidao de pessoas.] '

    1 . Ma rt in B u be r e li m in ou a s p as sa g en s q u e a pa re cem n es ta e di ~a o , e nt re c ol ch et es ,e qu e c o ns t av am das p r im e i ra s p u b li c ac o es d e st e e n sa i o, em a l emao . De c id imos t r an s cr e ve -l as n o l ug ar e m q ue f ig ur av am p or qu e, e mb or a n ao a cr es ce nt em m ui to p ar a 0 entendi-m en to d o t ex to , e la s s ao e lu ci da ti va s p ar a u rn p ub li co p ou co f am il ia ri za do c om 0 temad o H as si di sm o e a f ig ur a do Ra bi N a khm an , c omo e 0 c as o d a m a io ri a d o s l ei to re s b ra si -l ei ro s ( N . d o s T .) .

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    RABI NAKHMAN DE BRATZLAV

    o infcio da degeneracao do Hassidismo e urn perfodo profunda-mente tragico, Apareceram homens que viram 0declfnio chegar e tenta-ram dete-lo, mas nao 0 conseguiram. Entre aqueles que, sem contar acrenca no tzadik, procuraram restaurar 0puro espfrito do ensinamento,estava 0 grande pensador chamado Schneur Zalman, que elaborou 0elemento panteistico da ideia hassidica num sistema de monumental forcae unidade. Mas ele nao pede, de fato, tomar-se bastante popular paraconter a deterioracao. Paralelamente a ele e a seus emulos, entretanto,havia tambem aqueles que por certo reconheciam a perversao da institui-lio do tzadik e, ainda assim, nlio queriam aniquila-la, porem sana- la,exigindo, no lugar do vazio e velhaco milagreiro, 0dedicado mediadorvivendo em devocao. Estes ultimos encalharam na pequenez dos ho-mens. Como os profetas de Israel, eles tambem, seus fi lhos tardios, naoeram reformadores, porem revolucionarios, nlio exigiam 0melhor, maso absoluto: nlio queriam educar, porem redimir.

    Entre eles, 0maior e 0mais tragico e Rabi Nakhman ben Simkha,chamado Rabi Nakhman de Bratzlav, por referencia ao principallugarde sua atuacao. Propunha-se a "restaurar 0velho esplendor Iicoroa". Aira contra os profanadores do Templo queimava nele. "0 espfrito domal", costumava argumentar, "acha dificil atormentar-se com 0mundo

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    40 AS HIST6RIAS DO RABI NAKHMAN RABI NAKHMAN DE BRA TZLA V 41

    todo com 0 fito de desvia-lo do verdadeiro caminho; daf por que, e lecoloca urn tzadik aqui e outro ali". Rabi Nakhman nao queria "ser urnchefe como oschefes a quem ospios procuram em suas peregr inacoes enao sabem porque peregrinam". Ele ansiava pelo grande sonho do tzadik,que e "a.a lma do povo". Por esse sonho, sacriticou todo 0bem-estar etoda a esperanca de sua vida pessoal. Nisto ele investiu todo 0 seuempenho e todos os seus poderes. E, por amor a isto, foi pobre e rodeadode inimigos ate 0fim da vida. Por causa disso, ainda jovem, e antes decompletar sua tarefa, encontrou a morte. E por ter vivido tao inteiramenteentregue a seu sonho, desdenhou colocar no papel, por escrito, seuensinamento, de modo que, como 0primeiro mestre do Hassidismo, eassim ate 0ultimo, nao possufmos nenhuma mensagem genufna e diretadeles. Afora 0relata fragmentario de seus discipulos, que anotavam suasalocucoes .ponversas, narrativas e descreveram sua vida, pudemos pornos mesmos construir - ap6s muitas supressoes, colagens e suplementa-r;oes- somente uma imagem incompleta de sua realidade.

    Rabi Nakhman era bisneto do Baal Schem e nasceu em Mesbistz, acidade do Baal Schem. Sua infancia e descrita como urna ardua e laboriosaprocura. Nao observava os mandamentos para servir em alegria, ator-mentava-se, jejuava e evitava 0descanso a tim de compartilhar da visao.A forte tradicao de vida extatica em sua famflia dominava 0menino, eele nao podia suportar 0curso lento e pesado da existencia, organizadoem dia e noite, determinado pelas ocorrencias das horas. 0 service co-munitario de Deus nao the trazia tambem nenhum alfvio. Assim, corria Iinoite para a lgum lugar onde nao houvesse ninguem e falava a Deus nalinguagem do povo, neste idioma temamente rude, melancolico e amargo,que os europeus chamam de jargao (Idiche). Porem Deus nao the res-pondia. Parecia-Ihe, entao, que Deus "nao the prestava nenhuma atencao,na verdade afastava-o do service, Ele nao 0queria de forma alguma", ea tempestade do desespero abateu-se sobre ele e 0golpeou ate que, namais profunda aflicao, 0extase 0iluminou eo menino sentiu 0primeiroestremecimento da ruptura.

    Certa vez, em seus ultimos anos, ele proprio narrou tal experiencia,Desejava receber 0Schabat em grande dedicacao, por volta da meia-noi-te entrou no banho ritual e mergulhou na agua com a alma pronta para asanti ficacao. Entao vol tou para casa e vest iu suas roupas sabaticas, De-pois se dirigiu Iicasa de oracoes, pondo-se a vagar de urn lado para 0outronas salas escuras e abandonadas, com todas suas forcas tencionadasna vontade de receber a alma superior que desce e invade os homens no

    Schabat. Reuniu todos os sentidos em urn e concentrou todas as forcas deseu espfrito a tim de contemplar algo, pois agora Iirevelacao tinha quelhe sobrevir. Mas nao viu nada. Queria morrer a tim de poder contemplar,mas nao viu nada. Entrementes, os primeiros devotos chegavam Iicasa deoracoes, tomavam seus assentos e comecavam a entoar canticos sem per-ceber 0menino. Arrastou-se entao para uma estante de oracao, agachou-se sob ela e inclinou a cabeca sobre os pes, e as lagrimas irromperam.Chorou silenciosamente sem parar e sem levantar a vista, hora ap6s hora,a te que seus olhos ticaram inchados de tanto chorar e 0dia comecou aamanhecer. Neste momenta abriu as palpebras, que 0 pranto haviafechado, e as chamas das velas da casa de oracoes 0ofuscaram como urngrande lume, e a sua alma comecou a tranquil izar-se na luz.

    Assim, com frequencia, sofria por Deus e nao desist ia. Porem man-teve sua vida e sua vontade oculta do povo. Empregava todos os estrata-gemas a tim de esconder seus jejuns e, quando andava pelas ruas, prati -cava todo t ipo de criancices; gostava de pregar pecas e fazer t ruques , detal modo que a ninguem ocorreria que aquele menino ansiasse por servira Deus. Mas 0juga desta dedicacao nao era sempre facil para ele: pos-suia uma disposicao alegre e forte e urn senso lfmpido da beleza do mun-do. Somente mais tarde conseguiu basear seu devoto fervor apenas nes-sa disposicao e servir a Deus na alegr ia. Porem, antes, naquele tempo, 0mundo the parecia algo extemo que 0impedia de chegar a Deus. A timde persistir nessa luta, pensava a cada manha, que the restava ainda aqueleunico dia, e Iinoite corria ao nimulo de seu bisavo a tim de que 0BaalSchem pudesse the ajudar. Assim se passaram os anos de sua infancia,

    Aos quatorze, de acordo com os costumes dos judeus naquela epoca,casaram-no e ele foi viver no povoado onde seu sogro morava. Ali , pelaprimeira vez, f icou proximo da natureza, e ela 0prendeu no mais fntimode seu coracso, Ap6s uma infancia vivida no confinamento de uma cidade,o judeu que emergiu nesses espacos livres do campo foi tornado por urninominavel poder desconhecido ao nao-judeu. Uma estranheza de milanos de heranca em relacao Iinatureza manti vera a sua alma em amarras.E agora, como num reino magico, em vez do amarelo desbotado dasparedes das ruas, 0verdor florestal e as floradas dos bosques 0envolviam,os muros de seu gueto espiritua l vieram abaixo de repente , ao conta tocom a forca das coisas em crescimento.

    Raramente, a bern dizer , este t ipo de experiencia se fez anunciar demaneira tao penetrante quanto no caso de Nakhman. A tendencia aoascetismo retraiu-se nele, 0conflito intima seextinguiu, nao mais preci-

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    42 ASHISTORIASDO RABINAKHMAN RABINAKHMANDE BRAlZLA V 43

    s av a s e p re oc up ar c om a re ve la ca o; a le gr e e fa ci lm e nt e e nc on tr av a s euD eu s e m t od as a s c oi sa s. 0b arco e m qu e safa a n a ve ga r p e la c or re nt ez a- i ne xp er ie nt e c om 0 l em e , m a s c he io d e c on fi an ca - 0c o nd u zi a a D e us ,cuja v oz o uv ia n os ju nco s; e 0 c av al o q ue 0 c arre gav a p ara d en tro d af lo re st a . . o b e de ce nd o -l he , p ar a s eu e sp an to - 0c o nd u zi a p ar a ma is p er tod e D eu s, q ue 0o lha va d e t o das as m o re s e c om qu em ca da p la nta e sta vaem Intim a relacao, Em todos os declives de m ontanha e em todos osp eq ue no s v ales o cu lto s d os a rre do re s, s en tia -s e e m c as a, e e m c ad a u md el es e nc on tr av a o ut ro c am i nh o p ar a c he ga r a D eu s.

    N es ta e po ca , to m ou fo rm a e m s eu e sp frito 0 en sin am en to s ob re ad ev o ca o n a n a tu re za , q ue ma is t ar de p ro c lamo u r ep e ti damen te a s eu s d is -c lp ulo s, e s em p re c om n ov os l ou vo re s. " Qu an do 0h om em s e to rn a d ig -n o" , d iz ia -l he s, " de o uv ir o s c an ti co s d as p la nt as , c om o c ad a um a d el asp ro f e re s el \. ca nt o a D eu s, q ua o b el o e d oc e 1 5o uv ir s eu s c an ta re s! E , p orisso, 1 5bom de v erd ade serv ir a D eus em seu m eio , em s o l it a r ia e rr an c i ap el os c amp o s e n tr e c oi sa s q ue c re sc em , e e xt ra va sa r a n o ss a f al a c om t od aa s in ce ri da de a nt e D eu s. T od as a s v oz es d os c am p os p en et ra m entao nos eu a m ag o e i nt en si fi ca m s ua s forcas, E m c ad a a len to v oc e s e a beb era n oa r d o p ar af so , e q ua nd o v oc e v ol ta p ar a c as a 0mundo esta r en o va d o a s eu solhos." 0a mo r a rd en te p or tu do qu e esta v iv o e cre sce era fo rte n ele .Q uand o, u ma v ez, no u ltim o p erfo do d e sua v id a, d orm iu em u ma casafe ita d e m ore s n ov as, s on ho u e star d eita do n o m eio d a m o rte . D e m an haq u ei xo u -s e a o p ro p ri et ar io e 0ac us ou . " Po is q uan do a lg uem a ba te u mam ore antes d o tem po 1 5c om o s e h ou ve ss e a ss as si na do um a a lm a ."

    D a a ld eia , m u do u-s e p ar a um a p eq ue na c id ad e, o nd e c om e co u a in s-t ru ir u m a o u o ut ra p es so a n a d ou tr in a h as sfd ic a e a to rn ar -s e c on he cid oe nt re o s p io s. S en ti u- se a com et id o p el a t en ta ca o d e s er c om o o s tzadikimda epoca e v iv er n a fa ma , d e re nd a e n a o cio sid ad e, m as res is tiu a e la. 0d ec lf ni o d o H as sid is m o o pr im ia -l he a a lm a . S en ti a f al ta d o p ro gre ss o n oe stu do ; a to ch a q ue d ev eria p as sa r d e m ao em m ao es ta va ex tin ta e ntrededos preguicosos, As sim , n o coracao d e N a khman , d es ab ro ch o u, d a t ri s-te za, a v on tad e d e re no va r a tra dic ao e d e "fo rm ar alg o q ue d ura ss e p arasempre". 0q ue a C ab ala n un ca h av ia s id o, d ev eria ag ora s e to rn ar: 0e nsin am en to d ev eria s er tran sm itid o d e b oc a a b oc a e d e n ov o d e b oc a ab oc a, c on st an te m en te , e xp an di nd o- se p ara a le m d a e sf era d as p al av ra sain da n ao p ro fe rid as , tran sp ortad as p or u m b an do d e m en sag eiro s emince s sa n te a u to - re s ta u ra c ao , d e sp e rt a ndo 0e sp fr it o em c ad a g e ra ca o, r e-juvenescendo 0mundo , " c onve rt endo 0d es er to d os c or ac oe s n um a mo -r ad ia p a ra D e us ".

    P or em s ab ia q ue n ao p od er ia t ir ar d os l iv ro s a f or ca p ar a s em e lh an teen sin am en to , m as s om en te d a v id a re al, c om o s h om en s. P or is so a cer-co u-se d o p ovo , carreo u p ara seu Intimo todo 0 seu so frim en to e seua ns ei o, q ui s c re sc er i nt ei ramen te j un to c om e le . "N o i nf ci o" , r el at ou ma ista rd e, " eu p ed ia a D eu s qu e m e p erm itis se s ofre r a d or e a n ec ess id ad ed e Israel. M as ag ora, qu an do u ma pessoa m e fala d e su a do r, eu a sin tom ais d o q ue ela p r6 pria . P ois es ta p ess oa p od e te r o u tro s p en sa me nto s eesquece-la, e nq ua nt o e u, n ao ". A ss im pos-se a v iv er c om 0p ov o, c om oo B aal S ch em e s eu s d is cip ulo s ha viam fe ito , e p as so u a e nco ntra r n elesu a consagracao.A ntes, po rem , d e co mecar a ensin ar a m uitos, d esejou receb er ab en ~a o d a T er ra S an ta , q ue 1 5ocoracao d o m u nd o. D es ejo u c on te m pl aras sep ultu ras d e S chim on b en Io khai e Itzkhak L Uria e o uv ir as v ozesq ue p ai ra m s ob re o s l ug ar es o nd e d es ca ns am o s p ro fe ta s. N ao f ora d ad oa o B aal S ch em ir a P ale stin a; s ig no s e m an ifes ta co es , as sim n os rela ta al en da , h av ia m -l he o rd en ad o re to rn ar a nt es q ue s ua m e ta f os se a ti ng id a.R ab i N ak hm an ju lg ou a v iag em m uito diffcil. E ra p ob re e n ao tin ha o u-t ra a lt ern at iv a a n ao s er r en un ci ar a o s eu l ar , c o lo ca r s ua m u lh er e f il ho sem alg um serv ice, o u ao s cu id ad os carid oso s d e estran hos, e v end erto da a m ob ilia d e s ua res id en cia a fim d e le van ta r a q ua nti a n ec es sa riap a ra c ob ri r 0 c usto d a v ia ge m. N o e nta nto , o s d ev oto s d a v iz in ha nc a,q ue s ou be ra m d e s ua re so lu ca o, f ac il ita ra m a r ea li za ca o c ol et an do um aso ma em ouro e 0p re se n te ar am c om e la . S e us p a re n te s s u pl ic ar am - lh ep ara d es is ti r d a v ia ge m , m a s t od as a s v ez es e le r es po nd ia , " m in ha p ar tem a io r ja e st a Ia", Assim , em 1798, com um dos hassidim que de s ej av am uito s erv i-lo , e nce to u a jo rn ad a. D es ta v ia ge m em d ia nte , N ak hm anp rin cip io u a d atar s ua v id a re al. ''T ud o 0 que eu sabia an tes de EretzIsrael ( a T e rr a d e Is ra el ) n ao s ig nif ic a n ad a" , c os tu m av a d iz er, e p ro ib iua preservacao e sc ri ta d e q ua lq ue r d e s eu s e ns in am e nto s anteriores. APal es ti na t or no u -s e p ar a e le uma visao q ue n ao m a is 0a ba nd o no u . "Meul ug ar ", d iz ia , " 1 5 somente Eretz Israel e, p ara o nd e quer qu e eu v iaje ,e st ou v ia ja nd o p ara Eretz Israel", E, m esm o nos seus u ltim os dias ded oe nca e d es olac ao , a firm av a, " eu v iv o ap en as p elo fa to d e te r e stad oem Eretz Israel".L og o a p6s a v olta e stab elec eu -s e em B ra tisla va. M as , as sim q ue lac he go u a lg u ns tzadikim, qu e 0o di av am d ev id o a s s ua s c on ce pc oe s, d e-s en cad eara m u ma lu ta fu rio sa c on tra e le, a q ua l co ntin uo u a te 0fim d es ua v id a e e ng e nd ro u s el va ge ns h os ti li da de s; me smo d ep o is d e s u a mo rt e,as co mun id ad es d e seu s o po nen tes fizeram g uerra con tra a su a e nao

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    44 AS HISTORIAS DO RABI NAKHMAN RABI NAKHMAN DE BRAT ZLA V 45

    queriam saber de paz. 0 pr6prio Rabi Nakhman nao ficou surpreso comesta contenda. "Como poderiam eles nao nos combater?", dizia comfrequencia. "N6s nao pertencemos de modo algum ao mundo presente e,portanto, 0mundo nao pode nos tolerar." Nao ocorria a ele retalia- lospor sua -animosidade, "0 mundo inteiro esta repleto de conflito, cadanacao, cada cidade e cada moradia. Mas aquele que aceita em seu coracaoa realidade de que um homem morre a cada dia , pois, a cada dia ele deveentregar a morte um pedaco de simesmo, como poder ia ainda estar aptoa passar seus dias em disputa?" Nunca se cansava de encontrar 0bemem seus adversaries e de justifica-los. "Sou eu, entao, aquele a quemeles odeiam?", perguntava. ' 'Eles talharam um homem para sipr6prios eestao sat isfei tos com ele." E repet ia a parabola do Baal Schem: "Certavez alguns miisicos postaram-se em um lugar, e comecaram a tocar, eum grupo ~umeroso de pessoas pos-se a dancar de acordo com 0ritmoda rmisica. Entao, ali apareceu um homem surdo que nada sabia de dancaou de miisica e pensou em seu Intimo, 'como sao tolos estes homens:alguns batem com seus dedos em todo tipo de instrumento, e outrosgiram em tomo deles para ca e para la"'. Assim Rabi Nakhmanjusti fi -cava seus inimigos. Na verdade, considerava sua raiva como uma ben-ao; "todas as palavras de injuria e toda a furia da in imizade contra 0genufno e 0 silente sao como pedras atiradas contra ele e , delas, e leconstr6i sua casa".

    Em Bratislava comecou a ensinar a muitos e congregou outros tantosao seu redor. Ensinar era para e le um misterio e toda sua aao cheia deenigmas. A comunicacao para ele nao significava um acontecimentocomum sobre 0qual nao se dever ia reflet ir porque nos e famil iar e bemconhecida. Ao contrario, era rara e maravilhosa, como algo recem-criado,Sentimos sua surpresa diante do curso das palavras, quando diz: "a pala-vra move uma partfcula de ar e ass im a seguinte, ate alcancar 0homemque a recebe de seu amigo, e recebe com isso a alma, e e com isso des-pertado". Rabi Nakhman despreza a palavra que reporta apenas umaimpressao razoavel , apressada e de modo insatis fat6rio, e os devotos"que anunciam imediatamente 0que veem e nao conseguem guarda- lopara si" valem menos do que aqueles "cuja raiz esta na plenitude e queconseguem guardar para si 0que veem". Mas a palavra que ascende dofundo da alma e,para ele, algo elevado cuja atividade viva nao consti tuimais 0 trabalho da alma, porem a pr6pria alma. Ele nao profere umaunica palavra de ensinamento que nao tenha passado por muito sofri-mento; cada uma delas e "lavada ern lagrimas". As palavras se formam

    depois dentro dele; 0ensino para ele e, a principio, urn evento e s6 maistarde toma-se urn pensamento, is to e, urna palavra. "Eu tenho dentro demim", dizia, "ensinamentos sem vest imentas, e e muito penoso para euesperar ate que eles se vistam". Ha sempre em seu intima urn temor apalavra, que the comprime a garganta, e antes de proferir a primeira deum ensinamento, parece-lhe que sua alma deva expirar.Somente os efeitos de sua palavra 0aliviam, Ele a contempla e ad-mira-se corn ela: "por vezes minhas palavras entram nos ouvintes comoum silencio e neles permanecem para atuar depois como medicamentosde aao lenta; em outras ocasioes, minhas palavras nao atuam de infciono homem para quem as proferi , mas, quando esta pessoa asrepete paraoutrem, elas vol tam para ela e penetram profundamente em seu coracaoe fazem 0 seu trabalho corn perfeicao" . Esta segunda relacao basica, arecepcao de nossas pr6pr ias palavras, e caracterist ica dojudeu corn suatendencia motora, e Rabi Nakhman tambem parece ter exper imentadois to ern si pr6prio. Ele a representou cer ta vez na imagem da reflexao daluz: "quando alguem fala corn urn seu semelhante surge uma luz simplese outra que retoma. Mas, ocasionalmente, acontece que a anterior estapresente sem a posterior, entao seu interlocutor, amiiide, nao a recebe dapessoa, mas recebe 0estfrnulo de seu companheiro, quando, atraves doimpacto das palavras provenientes de sua boca, a luz retoma a ele e eavivada".o fato decis ivo para Nakhman, de acordo corn sua interpretacao dapalavra, nao e, decerto, 0 efeito sobre 0 locutor, mas sobre 0 ouvinte.Este efeito atinge 0climax no fato de0relacionamento modificar-se e 0ouvinte tomar-se urn locutor, de tal modo que, efetivamente, ele diz apalavra final. A alma do discipulo deve ser convocada em suas profun-dezas para que, de dentro dela, e nao da alma do mestre , 0 significadosuperior do ensinamento, nasca a palavra que proclama e, assim, a conver-saao e preenchida em si mesma. "Quando comeco a falar corn alguemquero ouvir as mais elevadas palavras dele."

    Havia cinco anos que Rabi Nakhman vivia em Bratislava quandoadoeceu, atacado pela consuncao, provavelmente por causa das lutas eperseguicoes , em relacao as quais sua alma permaneceu intocada, po-rem seu corpo nao conseguiu resis ti r. Logo se the tomou claro que mor-reria ern breve, mas sua pr6pria morte nunca foi objeto de ansiedadepara ele e nem tampouco um acontecimento de importancia. "Para aque-Ieque atinge 0verdadeiro conhecimento, 0conhecimento de Deus, naoha separacao entre vida e morte, pois ele se apega a Deus e 0 abraca e

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    46 ASHISTORIAS00 RABINAKHMAN RABINAKHMANDE BRATZLAV 47

    vive a vida etema como Ele." 0 Rabi recebeu a morte mais como urnaascensao a urn novo estadio de grande errancia, a uma forma mais per-feita de vida total; e por acreditar que em seu corpo humano nao poderiaatingir urn degrau mais elevado de perfeicao do que este que ja atingira,ansiava pela morte e pelo limiar escuro. "Eu ti raria alegremente a 'pe-quena camisa?", dizia aos discfpulos em seu derradeiro ano, "pois naosuporto ficar parado num degrau".

    Quando reconheceu que a morte se lhe aproximava, nao quis maispermanecer em Bratislava, onde ensinara e trabalhara, mas decidiu mu-dar-se para Uman a fim de la morrer e ser enterrado. Em 1768, algunsanos antes de seu nascimento, bandos de Haidamaks' haviam penetradona cidade de Uman; e depois que suas fortalezas, defendidas em conjuntopor judeus e poloneses, cafram em poder deles, pela asnicia e pela trai-~ao, assassjnaram a populacao judaica inteira ejogaram seus corpos empilhas junto ao muro da cidade. Era a crenca de Rabi Nakhman, urnresultado da doutrina da alma tomada de LUria e levada alem, que dosmuitos milhares que haviam sido chacinados em Uman, antes de seutempo, urn grande grupo de almas estava preso ao lugar de suas mortese nao poderia ascender ate que uma alma viesse a elas com 0poder deeleva-las. Ele sentia em si pr6prio 0 chamado para redimir as que aliaguardavam e queria, por isso, morrer no lugar onde se encontravam, eter sua sepultura pr6xima a elas, para que 0trabalho pudesse ser realizadosobre seus nimulos. Quando chegou aUman, morou em uma casa cujajanela se abria para 0cemiterio, "a casa da vida", como osjudeus dena-minavam: la, amiiide, ficava ajanela e olhava alegremente para 0cemi-terio. Algumas vezes, a tristeza 0dominava, mas nao por que ia morrer,antes pela obra de sua vida que nao rendera 0fruto que havia sonhado.Ponderava se nao teria procedido melhor rejeitando 0mundo e esco-lhendo para si urn lugar isolado a fim de la permanecer, sozinho, demodo que 0juga do mundo nao pesasse sobre ele. Se pelo menos naohouvesse tornado a si a conducao de homens, pensava, teria talvez al-cancado a perfei~ao e concluido sua verdadeira tarefa. 0 ensinamento ea educacao que tanto exaltava parecia-lhe em tais momentos urn erro,

    quase urn pecado. Pois a essencia da a~ao devota em cada coisa e que 0homem deve ser deixado a sua pr6pria escolha. Tambem lhe parecia alique real izara muito pouco, e percebia quao diffcil e tomar urn homemlivre. E mais diffcil ajudar com devocao e elevar um homem justo, en-quanto ele ainda esta em seu corpo, do que ajudar e elevar mil milharesde pecadores que ja estao no espfr ito, isto e, a redimir suas almas; poiscom urn mestre de escolha e extremamente diffcil efetuar qualquer coisaque seja.

    Mas, em seus ultimos dias, toda a preocupacao e 0 sofrimento 0abandonaram. Ele sepreparou. "Veja", disse uma ocasiao, "urna montanhamuito grande e elevada vern a nosso encontro. Mas eu nao sei: Estamosindo em direcao a ela, ou a montanha vern a n6s?" E assim, morreu empaz. Urn discfpulo escreveu, "0 semblante do homem morto era como 0semblante do vivo quando caminhava de urn lado para 0outro, em seuescrit6rio, imerso em pensamentos".

    Rabi Nakhman nao completou sua tarefa. Tornou-se 0 tzadik quepretendia "a alma do povo"; mas 0povo nao se tomou a sua. Nao foicapaz de deter 0declfnio do ensinamento. Era 0florescimento da almado exflio; porem ela tambem murchou no exflio, Os judeus nao erambastante fortes e puros para preserva-la. Nao nos foi dado saber se aressurreicao nos seria concedida. Mas 0destino intemo dojudafsmo meparece depender de se - nao importa se nesta forma ou noutra - seupathos M de converter-se de novo em ato.

    1. Vestimenta extema da vida ter rena (N. dos T.).2. Bandos ucranianos, principalmente nas provfncias de Kiev e Pod61ia, hostis aos

    polon eses e j udeus, no perfodo de 1708 -1770, e qu e ex igiam 0 completo extermfniodestes ult imos. A atividade de tais grupos chegou ao maximo em 1768, com urn horrendomassacre em Uman (N. dos T.).

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    DITOS DO RABI NAKHMAN

    oMundoo mundo e como um dado a rodopiar e tudo gira a sua volta, e 0

    homem vira anjo e 0 anjo, homem, e a cabeca vira pe e 0 pe , cabeca.Portanto, todas as coisas viram e volteiam e sao modificadas, isto naquiloe aquilo nisto, 0que esta em cima para 0que esta embaixo e 0que estaembaixo para 0que esta em cima. Porque na raiz tudo e um, e na trans-formacao e retorno das coisas a redencao esta inclufda,

    Contemplando 0MundoComo a mao mantida ante a vista encobre a mais alta montanha,

    assim a pequena vida terrena esconde do clarao as enormes luzes e mis-terios dos quais 0mundo esta cheio, e aquele que consegue afasta-la dediante de seus olhos, como alguem afasta a mao, contempla 0 grandebrilho dos mundos interiores.Deus e 0Homem

    Todos os transtornos do homem procedem dele mesmo. Pois a luzdo Altfssimo derrama-se continuamente sobre ele, mas 0 homem, no

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    50 AS HIST6RIAS DO RABI NAKHMAN DITOS DO RABI NAKHMAN 51

    d ec ur so d e t od a s ua v id a d em a si ad o f fs ic a, c on ve rt e- se a s i p ro pr io n um as om bra , d e m od o q ue a lu z d e D eu s n ao p od e alc an ca -lo .

    q ue i nu n da 0h om em c om g ra nd e ab un da nc ia , c om m uita ra pid ez , m aisrap id o q ue u rn m o me nto , p ois es ta alem d o tem po e p orqu e, p ara estee sp fr it o n en hum t em p o n ao e n ec es sa ri o.F e

    F e e algo im en sam en te fo rte e, p or m eio da fe e d a sim plicid ad e,s em q ua is qu er s utile zas , a p ess oa s e to m a d ig na d e atin gir 0d eg ra u d ag ra ca, qu e e ate m ais e le va do d o q ue 0d a sa grad a s ab ed oria : a g ra ca d eD eu s, a bu nd an te e p od er os a, th e e d ad a e m s ag ra do s ile nc io , a te q ue n aoc o ns ig a ma is s u po rt ar 0p od er d o s ile nc io e s eu g ri to i rro m pa d a p le ni tu -d e d e su a alm a.

    Pensar e FalarT od os o s p en sa m en to s d o h om em s ao m o vim e nto s f al an te s, m e sm o

    qu an do e le n ao s ab e d iss o.Verdade e Dialetica

    PreceQ ue ca dl u m b ra de a D eu s e e rg a s eu c ora cao a E le c om o se e stiv ess e

    s us pe ns o p or u rn fi o d e c ab el o e um a t em p es ta de ru gi ss e n o p ro pr io c or a-~ ao d o frrm am en to , a ta l p on to q ue e le n ao m ais s ou be ss e 0q ue fa ze r en ao t he re st as se q ua se m a is te m po p ar a a lc ar s eu b ra do . E , n a v erd ad e, n aoha c on se lh o n em re fu gi o p ar a e st a pessoa, s al vo p er ma ne ce r s oz in ha ee le va r s eu s o lh os e s eu c or ac ao a D eu s e r og ar a E l e. D ev er -s e- ia f az er i st oo te mp o to do , p ois 0h om em es ta e m g ra nd e p erig o n o m un do .

    A vito ria nao pode to lerar a verdade, e se alguem the exibe um ac oi sa v e rd a de ir a d ia nt e d o s o lh o s, v o ce a r ej ei ta em c o ns id er ac ao a vitoria,A qu ele , e nt ao , q ue d es eja a v er da de d en tr o d e s i d ev e a fu ge nta r 0espi-rito d a v ito ria , p ois s om en te en ta o es ta ra p ro nto p ara co ntem p lar a v er-dade.o Prop6sito do Mundo

    Duas LfnguasH a ho men s a qu em e d ad o p ro ferir p alav ras de p rece em pu ra v er-

    d ad e d e m o do q ue as p ala vras cin tile m c om o u m aj6 ia q ue b rilh a p or s i.E h ii h om en s c uja s p ala vra s s ao so m en te c om o u ma ja ne la q ue n ao te rnl uz p ro pri a, m a s r ef le te u ni ca m en te a l uz q ue a co lh e.

    omundo f oi c ri ad o t ao -s ome n te p o r c a u sa d a e sc o lh a e d o e sc o lh ed o r.o homem, 0s en ho r d a e sc ol ha , d ev e d iz er: 0 m u nd o t od o f oi c ri ad os om e nt e p or m i nh a c au sa . P or i ss o, 0h omem d e ve c u id ar , 0tem p o to do ee m t od o lu ga r, d e r ed im ir 0mundo e p re en c he r s ua s n e ce ss id ad e s.Alegria

    P el a a le gr ia 0 e sp fr it o f ic a t ra nq ui li za do , m a s p el a t ris te za e le v aipara 0exflio.

    Dentro e Fora PerfeicaoA pe ss o a d ev e a p er fe ic oa r- se p a ra a u n id a de a te s er t ao a p er fe ic oa d a

    n a c ri ac ao q ua n to 0f or a a nt es d a c ri ac ao , d e m o do a c on st it ui r u rn t od o,in te ira m en te b or n, c ab al m en te s ag ra do , c om o a nt es d a c ri ac ao .

    A p es so a d ev e re no va r- se a c ad a d ia a f im d e a pe rf ei co ar -s e,

    o ho mem tern m ed o d e co isas que n ao p od em preju dica-lo e sab ed is so , e a ns eia p or co is as qu e n ao p od em aju da-lo e sa be d is so ; m as , n av erd ad e, a u nica c ois a d e q ue 0hom em tern m ed o esta d en tro d ele , e au nic a c oi sa q ue e le a ns ei a e st a d en tr o d el e.Dois Tipos de Espfrito Humano

    H a d ois tip os d e e sp frito , u rn v olta do p ara fre nte e o utro p ara tra s,H ii u rn e sp fri to q ue 0 hom em atin ge no curso do tem po . M as ha outro

    oMau Impulsoo m au im pulso e com o alguem que corre entre os hom ens com a

    m ao fechada e n in gu em sab e 0qu e hii d en tro d ela . E le se a pro xim a d e

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    52 ASHIST6RIAS 00 RABINAKHMAN DITOS DO RABINAKHMAN 53

    cad a urn e perg un ta , "0 qu e v oce acha qu e eu tenho em m inha m ao ?".E a p es so a im ag in a q ue e le te rn n a m ao e xata men te a qu ilo q ue ela m aisdeseja . E tod o m un do co rre atras. E entao ele abre a m ao e ela estavazia .

    A g ente p od e serv ir a D eus co m 0ma u im pu ls o, s e d ir ig ir a p ai xa od este e 0 fervor de s eu desejo a D eu s. E sem 0 ma u imp ul so nao haservice p e rf ei to a D e us .oma u im pu ls o n o j us to t ra ns fo rm a -s e e m a njo s ag ra do , u rn e nt e d ep o de r e d e st in o .

    o Reino de DeusA qu el es q ue n ao c am i nh am n a s oli da o e st ara o d es no rt ea do s q ua n-

    do 0Mes sia s c he ga r e o s c h am ar; m as d ev em o s s er c om o a lg uem d ep oisd e d o rm i r, c uj o e sp fr it o e st a t ra nq u il o e d e sc o nt ra fd o ,A Errancia da Alma

    Julgando a Si Pr6prio ,D eu s n un ca f az d ua s v ez es a m e sm a c oi sa . Q u an do u rn a a lm a r et om a ,

    o u tr o e sp fr it o t oma -s e s eu c ompa n he ir o.Q uan do u ma alm a v ern ao m un do , seu s ato s com ecam a ascen der

    d os m u nd os o cu lt os .H a a lm as n ua s q ue n ao p od em e ntra r n os c orp os , e e m re la ca o a e la s

    ha gran de co mp aixao , m ais d o que para aqu elas qu e ja viv eram . P oise st as e st iv er am em c o rp o s e p ro cr ia ram e a tu a ram ; ma s a qu el as n a o p o dems u1 2i rn em t am p ou co d es ce r p ar a s e v es ti re m c om 0c o rp o . H a e rr an ci asn Jm u nd o q ue a in da n ao s e rev elara m.

    o ju sto d ev e s er instavel e t ra ns ie n te p o rq u e ha a lmas a fuge nt a da sq ue s 6 p or s eu in term ed io p od era o a sce nd er. E s e u m ju sto se n eg a e n aoq ue r p er am b ul ar, e le s e t or na ra i ns ta ve l e tr an sie nt e e m s ua c as a.

    H ap ed ra s, c om o a lm a s, q ue e st ao jo ga da s p el as r ua s. T ao l og o n ov asc as as s ao c o ns tr uf da s, e nt ao a g e nt e e n ca ix a n e la s a s p ed ra s s ag ra d as .

    AscensaoP ara a as ce ns ao d o ho m em n ao h a f ro nteira s, e 0q ue h a d e m ais a lto

    esta a ber to a i 'c a d a u r n. Af s 6 r ei na a s ua e sc ol ha .

    Se a pessoa nao ju lgar a si m esm a, todas as co isas a julgarao, et od as a s c oi sa s t om am -s e m e ns ag ei ra s d e D eu s.

    Vontade e ObstaculoN ao ha o bstacu lo que n ao se p ossa u ltrap assar, po is 0 obstaculo

    esta ali p or cau sa da vo ntade, e na v erdad e nao ha o bs tac ulo s a n ao s erno e spf ri to .

    Entre Homens.!i~~ om~ ns != lu ~ pf re m te rr fv el d es gra ca e n ao c on se gu em c on ta r a

    nin gu em -o que lhes v ai n o co racao , ficam an dan do d e urn lad o p ara 0o utro rep le to s d e s ofrim en to . P ore m, s e lh es v ern a o e nco ntro u rn s em -b la nt e ri so nh o, e le p od e a ni ma -l os c om s ua a le gr ia . E n ao e c o is a i n si g -n if ic an te a nimar u rn h omem .

    As OcultasH a h om e ns q ue n ao t er n a uto ri da de n en hum a a s c la ra s, m a s, a s o c ul -

    ta s, g ov em am a g er ac ao ,

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    AS HISTORIAS

    Nos ultimos anos de sua vida Rabi Nakhman relatou a seus discfpulosmuitas fabulas e contos. Era sempre algum motivo extemo que 0levavaa narrar. Alguns destes motivos nos foram transmitidos.

    Certa vez urn de seus discipulos relatou-lhe 0que acabara de ouviracerca da guerra dos franceses que setravava naquele tempo. "E ficamosespantados pela elevada posicao a que aquele [Napoleao] fora alcado, ede como urn homem de condicao inferior [l iteralmente, "urn servo"]tomara-se imperador. E conversamos com ele sobre isso. E RabiNakhman disse: 'Quem sabe que alma e a dele , pode ser que ela tenhasido trocada. Pois no castelo original das transformacoes almas sao, porvezes, t rocadas'. E no mesmo instante comecou a nos contar a hist6riado fi lho de rei e do fi lho da criada que foram trocados."

    Em outra ocasiao, 0 chantre da sinagoga procurou 0 Rabi, cujasroupas estavam rasgadas . Entao ele the disse: "0 senhor nao e mesmo 0mestre da prece, por meio de quem a ben~ao e t razida para baixo? E 0senhor deve andar com vestes rasgadas!" . Entao ele narrou a hist6ria domestre da prece.

    Ainda outra vez, urn discipulo escreveu a urn outro que este deveriaalegrar-se. Quando 0mestre ouviu a carta, observou: "0 que sabe vocesobre como se pode estar alegre em meio ao pesar? Eu the contarei

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    56 AS HIST6RIAS DO RABI NAKHMAN

    como as pessoas se alegravam no passado". E comecou a relatar a historiados sete mendigos, a ultima de suas historias e aquela que ele nao terminou,o que estimulava Rabi Nakhman a narrar era a sensacao de queseus ensinamentos "nao tinham vestes", As historias deviam ser asvestes dos ensinamentos, A elas cumpria "desper tar", Queria plantaruma ideia mfstica ou uma verdade de vida no coracao de seus discf-pulos. Mas sem que isto fosse sua in tencao, a narrativa tomava formaem sua boca, crescia para alem do seu propos ito e sobrepassava-seem sua florescencia, ate que nao era mais urn ensinamento, poremuma fabula ou uma lenda. Nem por isso os relatos perdiam seu cara-ter simbolico; ele porem, 0narrador, ia ficando cad a vez mais quietoe voltado para dentro de si.

    Rabi Nakhman encontrou uma tradicao ja exis tente de contos po-pulares judaicos e ligou-se a ela. Todavia, e 0primeiro e, ate agora, 0unico verdadeiro contador de his torias entre osjudeus. Todos os rela-tos anter iores foram criacoes anonimas; aqui, pela primeira vez, tem-se uma pessoa, uma intencjo pessoal e uma plasmacao pessoal.

    As hist6rias foram transcritas a partir do que seus seguidores haviammemorizado, particularmente seu discfpulo favorito, Natan de Nemirov,verdadeiro ap6stolo de Rabi Nakhman. Natan, a fim de nao esquece-los,costumava na verdade recontar os relatos, urn a urn, logo depois de ouvi-los, a dois outros condiscfpulos, e so depois ir para casa, para entaotranscreve-los. Mas, com frequencia, parece ter esperado mais tempo afim de registra-los, pois , de algumas coisas, ele proprio admit iu te-lasesquecido e,de outras ainda, de nao te-las t ranscri to "a seu tempo". Daspalavras de ensinamento pode-se reconhecer quais foram imediatamenteanotadas; elas mostram 0espfrito e a linguagem do mestre. Com respeitoas historias, 0mesmo nao se da. Rabi Nakhman nao possufa urn discl-pulo igual a ele, que pudesse preencher, no sent ido do narrador , 0quefora esquecido, e ele pr6prio, muitas vezes , provavelmente lancava urnolhar aqui e ali nas anotacoes de seus ensinamentos, mas nunca nas doscontos. Assim, se Ihes aplica, acima de tudo, aquilo que dois antigoshistoriadores do Hassidismo disseram dos registros dos discfpulos: "Es-creveram coisas que ele nunca disse", afirma urn, e 0outro julga, "Elesassimilaram a palavra que ele havia proferido aos proprios pensamentosdeles".

    Treze destas est6r ias foram publicadas em 1815, depois da mortedo mestre, no original Idiche, com traducao para 0hebraico. Destas, seisconstam da presente coletanea,

    "AS HISTORIASDO RABI NAKHMAN

    oTOURO E 0 CARNEIRO

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    Numa terra distante, ha muito tempo atras, reinava urn soberano.Urn dia promulgou urn decreto obrigando todos os judeus que habita-yam as terras de seu reino e sob a protecao de sua espada a receberem 0batismo ease submeterem ao seu credo e, aqueles que se recusassemdeveriam irembora e abandonar casa e bens. Ravia muitos para os quaissua crenca era a tinica patria e riqueza: estes fugiram em todas as dire-~6es . Outros queriam ver 0 amadurecimento da semente que haviamsemeado e nao gostariam de ocultar seus tesouros nas montanhas: per-maneceram e na aparencia curvaram-se. Exteriormente praticavam oscostumes odiados de uma fe estranha; mas detras de paredes seguras efumes ferrolhos mantinham-se fieis aos usos de seus antigos ensinamentose permaneciamjudeus como antes, embora secretamente.o rei morreu e depois dele a coroa passou a seu fi lho. Este manteveseus vassalos com punho de ferro e subjugou reinos estrangeiros pelaforca de suas armas. Os prfncipes das terras sobre os quais pesou a suadura lei rebelaram-se contra ele em segredo e decidiram assass ina-lo,Entre eles, entretanto, havia urn daqueles judeus que aparentemente car-regavam os grilhoes de uma fe estranha.

    Disse ele a si mesmo: "Para salvar os meus haveres, aos quais seprende 0meu coracao, meu credo evita a luz do sol. 0 que acontecera a

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    62 AS HIST6RIAS DO RABI NAKHMAN o TOURO E 0 CARNEIRO 63es ta s riq ue zas s e n ao h ou ver re i n es te re in o qu e p os sa m an ter a le i e o scostum es? O s ho mens cairao u ns sob re os o utro s co mo bestas selva-g en s, e 0p od ero so tom ar a a p ro pr ie da de d o ti m or ato . S er a m a is p ro ve i-to so p ara m im s e e u fo r e p rev en ir 0rei".

    E el,e f oi e assim fez. 0 m onarca ouviu-o e em seguida m andouc om pro va r a v erd ad e d e s uas p alav ras , e e vid en cio u-s e q ue e las e ramc or re ta s. N a e po ca e m q ue o s c on ju ra do s p re te nd ia m s e in tr od uz ir f urt i-v ame n te , g u ar da -c o st as e sc on d id o s p re ci pi ta ram -s e s ob re e le s e o s t ro u -x er am , s ub ju g ad o s e a lg ema d os , p er an te 0r ei . E le p ro n un ci ou a s en te n cade cad a u m a m ed id a d e s ua cu lp a.

    M a s a o s eu s alv ad or e le a ss im fa lo u: " Com o p od er ei re com pe ns a-l o? N ao p os so o fe re ce r-l he u rn p rin cip ad o, p oi s v oc e ja p os su i 0 s eu , eq ue jo ias b rilh ara o m ais d o q ue a p ro fu sa o d as su as? D eix e-m e co nh e-ce r 0d es ejo q ue rep ou sa n o im o d e se u c ora cao e e ste ja ce rto d e q ue elesera satisfelto",o p rf nc ip e r ep li co u : "D ei xa -me s er u rn ju d eu p er an te 0Mundo t od oe p ra tic ar m eu s c ostu me s a be rta men te. C on sin ta q ue eu p os sa u sa r 0x al e d e o ra co es e o s fi la ct er io s s em te m or ".A n te e st e d is cu rs o 0 co racao do rei se an gu stio u, po is o diava a fed os ju deu s. M as c om pelid o p ela p ro pria p ala vra qu e h av ia d ad o, re lu -t an temen te a ce de u a o p ed id o .o rei m orre u e s eu filh o h erd ou 0re in o. D ia nte d o d es tin o d e s eup ai , c re sc eu n el e a p er ce pc ao d e q ue s eri a s en sa to c on du zi r 0p ai s c omb ran du ra , e a ssim s e to mo u u rn s ob eran o a fav el e g en til. D e te mp os e mtem pos pen sav a n o p erig o qu e am eacara a v id a d e seu p ai, e en tao erato m ad o, d ura nte d ia s in teiro s, p elo m ed o n o to ca nte a c on ti nu ac ao d esu a lin hag em . E m u ma d esta s o ca sio es m an do u c ha mar 0 a st ro lo go eo rd en ou -l he q ue l es se n os s ig no s c el es te s 0que e s ta v a p r ede st in a do as ua fa mflia e qu e p erig os a am ea cav am , 0 m ag ic o en co ntro u s om en ted oi s s ig no s d e p re ss ag io s m a lig no s - d oi s a ni ma is , 0to uro e 0carneiro;e m r ela a o a e le s, s ua e st irp e d ev ia p re ca ve r- se , m a s n en hu rn o ut ro s erp od eria tra ze r-lh e a ru fn a, 0 re i fe z co m q ue in seris se m a s en ten ca d od es ti no n o l iv ro d e memo ri as , a co n se lh ou s eu f il ho a r ei na r c om b ra nd u rac om o e le , e m orreu lo go e m s eg uid a.o s eu s uc es so r n o t ro no e ra , p or em , c om o s eu s a nt ep as sa do s, d e umc ar at er e xp lo siv o e m a is v io le nt o. N ao d eu d es ca ns o a os s eu s e xe rc it ose p re feria a nte s re so lv er s eu s p ro blem as p ela fo rca d o q ue p or m eio d ep ala vra s. Q ua nd o l eu , n a c ro ni ca , s ob re o s d ois a ni ma is q ue a m ea ca va ma rr ui na r s ua c as a, p ar ec eu -l he mu it o s imp le s r emo v er 0pe ri go: p r oi b iu ,

    .s ob p en a d e m orte , a p oss e d e to uro s e ca rn eiro s n o p ais , e d ai p or d ian ten ao c on he ceu m ais n en hu ma an sied ad e. O prim ia s eu s su dito s e ria d es u as c og it ac o es d e v in g an ca , p o is s ab ia a go ra q ue n e nh uma c on s pi ra ca op od er ia fe ri r s ua p ro ge ni e, G os ta va , n o e nt an to , d e c on su lt ar v el ho s l i-v ro s d e m a gi a a f im d e d es co bri r n el es a lg um a s ab ed or ia s ec re ta a tra ve sd a q ua l p ud es se f or ta le ce r e e xp an dir s eu p od er . E nc on tro u um d ia u rn ap as sa ge m n a q ua l e st av a e sc ri to 0seguinte:

    " Se te es trela s e rra nte s irra dia m-s e s ob re as s ete p arte s d a te rra , ec ad a p arte e sco nd e u m m in erio e sp ecia l q ue a tra i p ara s i o s raio s d e s uae str el a. A qu el e q ue p ara la e nv ia r m e ns ag ei ro s c om a m is sa o d e t ra ze r o sse te m in erio s d es tas s ete reg io es d a terra e m an da r fu nd ir d e to do s e le su m g ig ante m inerio e 0 e rg uer so bre u rn a ele va da m on ta nha , d e m od oq ue a lu z d as s et e e st re la s e rr an te s b ri lh e s ob re e le , ta l p es so a p od e a tr ai rp ar a s i, p or m e io d es ta fi gu ra , a s ab ed or ia d as e st re la s q ue g ir am s ob re ate rr a e c on qu is ta r u rn p od er n un ca v is to e d om in ar 0Mu nd o. P oi s, p ar ac ad a p er gu nta q ue d ir ig ir a o g ig an te , a r es po st a d as e st re la s s e Ih e d ar a ac on he ce r, p or m e io d o f ul go r d os m in er io s, e m s ig no s s ec re to s" .o r ei o rd en ou q ue a e st at ua f os se i ns ta la da s ob re um a e le va da m o n-ta nh a e q ua nd o i st o fo i f ei to e sc alo u-a s ec re ta m en te , n a c al ad a d a n oi te ,e d ir ig iu a o g ig an te a p er gu n ta d e c omo d ev e ri a f az er p a ra o b te r 0maximop od er s ob re m u ita s t err as . E nt ao o s m in er io s c om e ca ra m a c in ti la r, s ig -n o s ma ra vi lh os o s a pa re ce ram , e e le c on se g ui u d e ci fr a- lo s, 0 s eu s ig n if i-c ad o, p or em , e ra 0s eg ui nt e: e le d ev er ia v ol ta r, b ai xa r o s d e c im a e e le -v ar o s d e b a ix o; e ntao d om in aria to do s o s h om en s. 0 re i d es ce u ao v ale,p ro cu ro u n o a lb or d a m an ha 0h om em ma is s ab io d e s eu r ei no , re ve lo u-I he a s en te nc a d as e st re la s e p ed iu -l he um a e xp lic ac ao de c omo d e ve ri aleva-la a aao."D en tr e o s s eu s s u di to s" , r ep li co u 0s ab io , " aq u el es q ue r ec eb er amh on ra s e c ar go s s em t e- lo s m e re ci do , q ue t er n p os se s s em t er em i nt eg ri-d ad e, q ue s em n ob re za d e e sp fr ito a tri bu em a s i p r 6p ri os n om e s n ob re s,tire-lhes 0 que nao Ihes cabe e em suas m aos causou desgraca e os dea qu ele s q ue s ofre m in ju stic as s em ter c ulp a e, n ao o bs ta nte se u v alo r,v iv em n as tre va s d a m is eria. A ss im , lem b re -se ta mb