Upload
gladson2010
View
286
Download
3
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Cartas de Calvino ao cardeal Sardoleto
Citation preview
Resposta ao cardeal Sadoleto
Introdução
Quem era João Calvino?
É o autor da carta cuja tradução apresentamos aqui. João Calvino nasceu no
ano de 1509 em Noyon, no norte da França, e morreu em Genebra no ano de
1564. Por isto, sua atividade publica se desenvolveu em meados do século 16.
No começo deste século, pedi a Deus para falar a seu povo para que
voltasse a pureza da doutrina evangélica. Isto se levou a cabo, em particular, pela
mediação do catedrático em teologia de Witenberg (Alemanha) Martim Lutero.
Este não havia pensado, nem muito menos, em instituir uma nova igreja, mas
devido as lutas com sua própria vida e ao estudo assíduo da bíblia, chegou a
descobrir que a igreja se havia separado do verdadeiro evangelho, e anunciar que
o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei (Romanos 3.28). quando
Lutero começou a pregar este evangelho contra os erros que se haviam
introduzido na igreja, erros que induziam as pessoas a confiar em suas próprias
obras religiosas para obter assim sua salvação, entrou em conflito com os
“dirigentes” da igreja em sua época, e também, finalmente, com o papa.
No ano de 1520 foi exilado por causa de sua confissão do evangelho. Mas a
igreja está onde está a palavra de Cristo (João 3.27). Ao deixar o seu testemunho
fiel, a igreja de Roma demonstrou ser uma igreja infiel e falsa. Sem embargo, o
Senhor conduziu em direção a reforma da igreja a todos que quisessem seguir
sua palavra. Eles preferiram o julgo de Cristo ao julgo dos homens e do papa.
João Calvino, que pertencia a principio a igreja de Roma, havia seguido os
estudiosos humanistas, se sentiu também atraído durante os primeiros trinta anos
do século 16, pelos caminhos da reforma da igreja. Assim como Lutero foi uma
grande ajuda para a reforma na Alemanha e países escandinavos, Calvino o foi
para os românicos, anglo-saxãos e países baixos. Seguiu a Lutero e demais
antigos reformadores, continuando adiante pelo caminho que eles haviam
iniciado, a saber: a reforma da igreja segundo as escrituras do antigo e novo
testamento, que foram aceitas com única autoridade para isto.
Depois de peregrinar por diversos lugares, fixou seu campo de ação em
Genebra, na Suíça de fala francesa. Em 1535, antes da chegada de Calvino, já
havia sido introduzida a reforma nesta cidade. Calvino publicou em Basilea, no
ano de 1536, sua obra principal e mais conhecida “Institutio Religionis Chistianae”
(Institutas da Religião Cristã). No mesmo ano o persuadiram para que ficasse em
Genebra, algo contrario a sua vontade, e ali trabalhou como “instrutor (professor)
” primeiramente, e como pregador mais tarde.
Sua primeira estadia nesta cidade foi de curta duração. Quando por meio de
sua pregação e obra, em as que seus companheiros de ministério lhe ajudaram
constantemente, foi afirmando cada vez mais a autoridade da palavra de Deus na
igreja e no estado, se produziu também a resistência contra este trabalho, a qual
se firmou tão forte, que tanto Calvino quanto seus colegas foram expulsos da
cidade (1538).
Então Calvino se foi para Estrasburbo onde foi pregador de uma
congregação de fala francesa. Estes anos em Estrasburbo foram de grande
importância para ele. Neste lugar se pôs em contato com os homens mais
importantes da reforma na Alemanha, e firmou amizade com colaborador de
Lutero, Felipe Melanchton, a qual nunca se rompeu apesar das grandes
diferenças que os separavam. Entretanto se entregou com toda sua forca as
controvérsias religiosas daquele tempo. Deste modo conheceu com mais clareza
as grandes diferenças entre Roma e as escrituras, conhecendo ao mesmo tempo
todo o terreno onde havia penetrado a reforma. Enquanto isso tanto se entregou a
edificação e direção da igreja que lhe havia sido confiada em Estrasburbo.
Também teve contato muito freqüente com pessoas que haviam sido arrastadas
pela grande corrente dos anabatistas. Estes, igual aos reformadores, se
afastaram da autoridade de Roma e não queriam saber nada da autoridade do
papa, mas ao mesmo tempo refugavam praticamente a escritura sagrada.
Segundo eles, esta não era mais que letra morta e que bloqueava o espírito da
vida, mas eles separavam este espírito da palavra do evangelho. Como
conseqüência, refugavam o batismo de crianças e menosprezavam o pacto da
graça, e a igreja instituída com diversos cargos, e em seu principio turbulentos se
mostraram tumultuosamente com freqüência contra a autoridade publica. A estes
homens ele considerava justamente como fanáticos. Calvino podia, através de
seu trabalho oficial, abrir os olhos de muitos destes equivocados. Em 1540 se
casou com Idelette de Bure, a qual com seu falecido esposo, havia pertencido aos
anabatista, mas que voltou a igreja graças a Calvino. Idelette morreu em março
de 1549.
Foi de grande importância que Calvino conhecesse também a cerca do
fanatismo dos anabatistas. Naquela época, como sempre, se achegavam a igreja
do Senhor grandes perigos: por um lado, Roma havia separado o espírito da
palavra, e havia desejado dete-lo e sujeita-lo a hierarquia eclesiástica. E por outro
lado não era menos perigoso o fanatismo que voltava as costas por completo a
igreja, separando também a sua maneira o espírito e a palavra, fazendo com que
o homem, em seu orgulho, prevalecesse sobre a Palavra de Deus. Isto era
perigoso, pois tanto Roma como as autoridades publicas confundiam
freqüentemente a reforma com o fanatismo dos anabatistas, tendo todos como a
mesma coisa, Calvino procurou colocar de relevo e examinar as principais
diferenças que existem entre os dois. Em resumo, Roma e o fanatismo eram a
mesma coisa no que se refere a separar a palavra de Deus do Espírito Santo.
Em 1541 Genebra convidou a Calvino para que voltasse de novo, e apesar
de que ele via com dificuldade começar de novo ali sua obra tão pesada, aceitou
volta e trabalhar na tarefa que o esperava. Seu segundo período de trabalho vai
de 1541 até 1564. Ainda que este período seja de grande importância, somente
veremos alguns pontos.
Desde o principio, Calvino encontrou muita resistência na própria Genebra.
O liberalismo humanista não queria render-se a disciplina da escritura e da igreja.
Levantam-se também muitas perigosas heresias contra a doutrina das escrituras.
Muitas vezes parecia que sua obra ia desaparecer, devido a que os poderosos
deste mundo que se uniam contra Calvino. Daqui vem a injusta idéia de que
mandava como um ditador, antes pelo contrario, os poderosos e pessoas
importantes agiam contra Calvino, que somente desejava que se respeitassem a
autoridade da palavra de Deus. Nos anos posteriores de sua vida pode colher o
fruto de seu trabalho, ainda que não no aspecto lucrativo ou de tranqüilidade, pois
permaneceu pobre até o momento de sua morte, também muito envolvido pelo
muito trabalho que cada vez se tornava mais pesado, e tendo que ficar de cama
muitos dias e semanas por causa de sua saúde muito debilitada por sua
enfermidade, sem ter outra solução para continuar seu trabalho em seu leito.
Suas muitas enfermidades não o impediam de continuar. O fruto de sua obra
pode ser avaliado no fato de que a palavra do evangelho era cada vez mais
escutada na cidade em que atuava, e ao mesmo tempo a voz do evangelho e de
seu servo se estendia mais e mais ao estrangeiro. Para conseguir este ultimo
utilizava três procedimentos. Em primeiro lugar, uma farta correspondência que se
estendia, para anunciar assim, por quase toda Europa. Muitas vezes lhe pediam
conselho de longínquas terras, quando havia dificuldade a resolver, ou para o
serviço de edificação da igreja.
Também enviava suas cartas de consolo para os crentes oprimidos, sobre
toda a França. Mantinha correspondência com pessoas que ocupavam cargos
importantes em muitos países, tendo sempre seu olhar fixo na continuação da
obra do Senhor.
Em segundo lugar, se editaram uma serie de livros escritos por ele,
especialmente comentários sobre quase todos os livros da bíblia. Também estes
livros se espalharam, muitas vezes através de traduções, por uma grande parte
da Europa.
E em terceiro lugar, Calvino exercia sua influencia mas alem das fronteiras
suíças por meio de seus alunos. Nos últimos anos de sua vida esteve ligado,
como catedrático, a Academia de Genebra, que havia sido criada em 1559, e
também formou a muitos para a luta pela reforma da igreja.
Quando morreu o reformador, muitos, de nobres a gente simples,
acompanharam seu enterro. Segundo seu desejo nenhuma lapide decorativa
enfeitava sua tumba. Quem visita hoje a “cidade de Calvino” buscará inutilmente
sua tumba, nada se conhece. Por que embora seu servo tenha murchado
(morrido), a palavra havia permanecido e se há convertidos, pela misericórdia de
Deus, de semente do novo nascimento até nossos dias.
Segundo vemos devo observar, devemos ver Calvino a luz dos reformadores
mais antigos que ele, principalmente Lutero, a quem recordava sempre com
grande agradecimento, se bem anunciava os erros que havia cometido.
Como poderemos destingir a hora (final 9) que nos anunciar a reforma de
Calvino? Queremos responder rapidamente a esta pergunta fazendo notar ao
mesmo tempo alguns pontos.
Calvino, não menos que Lutero, insistido que o homem é justificado somente
pela fé, mas ao mesmo tempo via que tanto a criação como a salvação do homem
tem por objetivo a honra de Deus. Por isto não podemos detenernos na salvação
do homem como si a salvação para a vida eterna fosse em si mesma o objetivo
final, senão que o modelo que encontramos a seguir em uma vida de
agradecimento ao Senhor, por sua vontade manifesta em nos dar uma vida liberta
do pecado. Uma vida de a qual nenhuma atividade fique excluída.
Isto é diferente do que ensinava Lutero: a vida publica e política estava,
segundo ele, fora da libertação do pecado por Cristo. Calvino, pelo contrario, se
esforçou para que as autoridades se sujeitassem a palavra de Deus, e fizessem
com que seus governos estivessem a serviço do crescimento do evangelho. Ao
mesmo tempo se sentiu chamado, não somente a desfazer todos os abusos que
Roma havia introduzido, a isto se limitou Lutero na maioria dos casos, mas
também a instituir todas as coisas segundo a evidente vontade do Senhor.
Por isto, a diferença de Lutero, podia dizer que a igreja tinha de ser livre, não
somente da tirania papal, mas também das potestades humanas, livre para
cumprir a palavra de Deus como ela prescreve, ao serviço dos sacramentos e
exercício da disciplina. Calvino se empenhou também por conseguir a unidade de
todos os crentes, principalmente em sua luta contra Roma e todas os tipos de
heresias, ele estava certo de que a unidade somente pode achar com a confissão
da verdade.
Que pretendia Sadoleto?
A carta, cuja tradução espanhola apresentamos, é uma resposta ao cardeal
Sadoleto, bispo de Carpentras, ao sul da Franca, dirigida aos habitantes de
Genebra, convocando para que voltassem de novo a obediência de Roma.
Era um ataque perigoso para a obra da reforma naquela cidade!
O perigo que isto penetrava (oferecia) podemos dar conta se nos
lembrarmos que Genebra recebeu esta carta no mês de março de 1539. Neste
momento Calvino e seus colegas estavam exilados. A congregação havia sido
privada de seus servos mais fieis a escritura, a direção estava agora em mãos
muito mais fracas, e também havia discórdia. Em pouco tempo os seguidores de
Roma que havia na cidade iniciaram a guardar a esperança de que o bispo
expulso em 1535 pudesse ser restituído ao seu cargo. Inclusive o próprio bispo e
a hierarquia da igreja de Roma começaram a ter esperanças. Então tiveram uma
reunião para estudar uma forma de conseguir que Genebra voltasse a Roma.
Não deveria (soló) ser um velho bispo, que não tinha muito poder, senão até
o cardeal Sadoleto trataria de convencer os habitantes da cidade! A escolha havia
sido bem estudada! Sadoleto era um homem erudito e paciente, versado em
ciências clássicas e conhecedor dos escritos eclesiásticos e teológicos dos
primeiros séculos. Inclusive tinha contatos bastantes amistosos com os partidários
do humanismo dentro do campo da reforma.
Sadoleto, pois, escreveu uma carta fraternal e amistosa. Ainda que era
categórico e grosso com os seguidores da reforma, se mostrava muito moderado
com os habitantes de Genebra. Não se estendia muito as diferenças doutrinarias,
senão que anunciava a excelência da vida eterna e a necessidade de viver de
acordo com “a antiga igreja católica”, a qual conduz sempre e por todas as partes
o Espírito de Cristo. E os que se separam desta igreja não terão quem os
defendam no juízo vindouro e lhes estão reservadas as trevas afora.
É fácil ver o grande empenho que pôs Sadoleto em sua carta para
aproximar-se dos habitantes de Genebra, quando o ouvimos atestar que a
salvação se obtém somente pela fé. Ao ouvir isto, não nos parece que a voz da
igreja romana se voltou em direção a palavra de Deus? Mas a linha seguida se
anade: esta fé estão compreendidos os princípios de amor e boas obras! deste
modo se mantinha intacta toda a doutrina romana de merecimento pelas boas
obras! Mas quem poderia agora discernir e anunciar isto de uma maneira
categórica?
Resposta de Calvino
Quando se recebeu a carta de Sadoleto em Genebra lhe mandaram uma
resposta provisória, por espera de mais relatórios. Mas quem era capaz de dar
mais relatórios? Todos consideravam justamente a Sadoleto como um homem
muito erudito. A carta tinha um tom suave e causou muita impressão. Ninguém se
atrevia a dar uma resposta. E deste modo aumentou a intranqüilidade desta e das
demais cidades da suíça que haviam aceitado a reforma. Que aconteceria agora
em Genebra?
Então se lembraram do exilado de Estrasburgo. O buscaram e lhe pediram
ajuda. Que iria fazer Calvino? Abandonaria a cidade que não havia querido seguir
utilizando seus serviços, e que nem sequer havia querido suportar a sua
presença? Muito pelo contrario, pois sabia que estava ligado aquela congregação
pelo amor a Cristo e se sentia responsável por sua salvação. Assim pois, quando
se deu conta do perigo que corria, e compreendendo a timidez que se havia
tomado os dirigente de Genebra, abandonou todas suas ocupações e escreveu a
resposta a Sadoleto em seis dias, segundo testemunho que conta em sua
correspondência. Isto aconteceu em setembro de 1539. Dois meses mais tarde se
podia conseguir nas livrarias uma edição francesa e outra latina desta carta.
Sadoleto havia encontrado um digno oponente. E não só isto. Genebra
recebeu do exilado servo da palavra de Deus um ensino tão penetrante da
doutrina da santa escritura e a necessidade de por todas as coisas da igreja
humildes a autoridade da palavra de Deus, que, não somente um grupo da
congregação, senão toda ela e toda a cidade, voltou a desejar o regresso deste
homem que em seu devido tempo e da maneira mais justa sabia dar a resposta.
Sua contestação a Sadoleto significou o principio de seu regresso em 1541.
Em nosso curto resumo da vida e obra de João Calvino temos anunciado
qual e a importância deste reformador. Quem ler agora sua contestação ao
cardeal Sadoleto, verá que temos nela uma explicação eficaz e clara como o
cristal da doutrina da escritura, tal como contestava Roma e confessava a
reforma. O mais importante desta luta entre Calvino e Sadoleto, não é saber
quem ganhou, ainda que na realidade e segundo todo tipo de testemunho e
opiniões foi o primeiro. Isto teve, é certo, uma grande importância para a historia
da igreja do século 16, por isto temos de estar agradecidos, mas verdadeiramente
importante é que a mesma palavra pode falar para nós em nossos dias.
Podemos dizer que a intenção de Sadoleto em conduzir a igreja de Genebra
a obediência ao papa de Roma, resgatou a vista de todos os cantos que o
contraste entre Roma e a reforma, se havia redobrado e voltado de novo dez e
até cem vezes mais forte do que antes, sobre tudo hoje em dia, quando a
hierarquia da igreja de Roma, durante seu segundo concilio Vaticano, esta
disposta a aproximar-se de todos que são protestantes para conseguir a unidade
eclesiástica, esta unidade eclesiástica parece se seu objetivo principal. Mas o
salvador orou pelos seus para que fossem um na verdade de Deus (João 17.17) e
segundo a regra santa: “a fim de que todos sejam um; e como es tu, ó Pai, em
mim e eu em ti, também sejam eles em nós” (João 17.21). A leitura da resposta
de Calvino ao cardeal Sadoleto pode nos mostrar que a verdade da escritura não
está em Roma, senão na igreja que quer viver segundo a palavra do Senhor.
Está leitura pode nos ensinar porque teve de haver está separação no
século 16, e porque é todavia esta separação um mandamento de Deus para o
século 20, pois a unidade da igreja não consiste na subordinação a um homem ou
a direção eclesiástica, senão somente na subordinação ao Cristo das escrituras e
a verdade do evangelho. Esta resposta pode ensinar-nos que tipo de separação e
de unidade quer o Senhor de nós, porque a verdade é uma, e Cristo Jesus é o
mesmo do século 16 que no 20. Somente Nele, como as escritura o manifestam,
há na igreja sua unidade de fé e amor.
Também pode ensinar a nós, homens do século 20, que em vez de Roma
não devemos percorrer o caminho dos fanáticos anabatistas, nem sequer na
forma moderna humilde na qual se escondem: nas muitas seitas de movimento
pentecostal, que dizem que honram o Espírito, mas renuncia a doutrina clara da
Santa Escritura. Em nosso tempo é de vital importância que posamos discernir
que, no fundo, a igreja de Roma e os espiritualistas (anabatistas fanáticos), são a
mesma coisa, pois não concedem a palavra de Deus a honra e o lugar que lhe
corresponde, pelo qual, ainda que fale muito do espírito e queiram gloriar-se nele
e em sua posse, na realidade renunciam a Ele e não O possuem, porque o
espírito do Nosso Senhor Jesus Cristo é ele que em a nós através da palavra do
Senhor e da pregação da mesma, nos governando, nos consolando, e nos
enriquecendo.
Aprendamos com a resposta de Calvino ao cardeal Sadoleto a conhecer os
erros e a força do erro. Mas sobe tudo aprendamos a conhecer a verdade e a
força da verdade.
Deus queira que a leitura e reflexão desta palavra do reformador de Genebra
possa fazer compreender o poder da verdade no século 20! Porque da verdade
testificou o salvador: “ela vos libertará” (João 8.32). Somente ela tem o poder de
nos conduzir ao futuro do Senhor, porque é através dela que chegamos ao seu
sangue e seu Espírito, pelo qual somos libertos da culpa do pecado, nos fazendo
submissos e aptos para seu serviço.
J. Kamphuis,
catedrático em Kampen,
Países Baixos.
João Calvino saúda ao cardeal Sadoleto
Posto que por sua excelente doutrina e maravilhosa graça em falar é
merecedor (e com toda justiça) ser tido em grande admiração e estima entre os
sábios de nosso tempo, e principalmente entre os verdadeiros apaixonados pelas
boas letras (obras), me saborearia sobremaneira me ver obrigado por esta minha
replica e queixa (que agora poderá escutar) a abordar publicamente, sem ofende-
lo, a teu bom nome e reputação. O qual é verdade jamais haveria empreendido,
de não haver sido pressionado e obrigado a este combate com grande
necessidade. Porque não ignoro que seria grande maldade provocar injustamente
por ambição ou simplesmente por inveja a quem a seu tempo tem cumprido tão
bem seu dever com as boas letras e disciplinas, e sobre tudo quão odioso
resultaria se os sábios se ocultasse somente por irritação e desgosto, sem ter
outra justa razão, haveria dirigido minha pena contra aquele a quem (e não sem
razão) se o estimo por suas qualidades e virtudes, digno de amor, elogios e
apreciação. Sem embargo, depois de expor o motivo e razão de minha empresa,
espero que não somente fique isento e absolto de todo o crime, senão que, a meu
entender, não falaria nada que julgasse que a causa por mim patrocinada poderia
deixar de defende-la sem correr em covardia demasiadamente grande e em
depreciação de meu ministério.
Por não haver muito tempo que esteve enviando cartas ao Consistório e ao
povo de Genebra, com as quais pretendias provar seus corações, averiguando se
queriam se submeter ao poderio e tirania do papa1 do qual haviam sido livres e
separados de uma vez para sempre. E porque não se convinha se mostrar severo
com aqueles cujo favor teria necessidade para defender sua causa, por isso
empregado por eles a arte de um bom orador. Pois desde o começo foi procurado
os agradar e os enganar com doces palavras, desejando os atrair a suas
1 Texto latino: Sub pontificis romani jugum = debaixo do julgo do pontifice romano
opiniões, e atribuindo toda a malevolência e acritud a aqueles por meio do qual
se viram livres de sua tirania.
Aqui é onde impetuosamente e a direção solta2 e a conduz como queres
(segundo suas palavras) humilde sombra e pretexto de evangelho, com astúcias
e enganos, tem vindo ( sumido) a esta pobre cidade com tão grande perturbação
em relação a igreja ( da que te compadeces). E em grande desordem no tocante
a religião. No que se refere a mim, Sadoleto, quero que saiba que sou um
daqueles contra os quais falas com tão grande ira e furor. E embora a verdadeira
religião já tenha sido erguida e estabelecida, e a forma de sua igreja corrigida,
antes de haver sido chamado a ela, sem embargo, posto que não somente o
colaborado (corroborado) com minha palavra e minha opinião senão que
também me forçou quanto me foi possível em conservar e consolidar todo o que
foi estabelecido antes por Farel e Vireto3, você não pode honestamente ser
excluído na separação destes desta causa.
Se te Hubieras a mim pessoalmente, sem duvida alguma te hubiese
perdoado todo (inteiramente) facilmente em atenção a você saber e a honra das
letras, mas ao ver meu ministério (que você está fundamentado e confirmado pela
vocação do Senhor) ofendido e lamentando pelas muitas feridas que me atribui
(infieres), não seria paciente, senão deslealdade chegar a este ponto, guardando
silencio.
Calvino e a igreja de Genebra
Em primeiro lugar, e como primeiro cargo, tenho exercido nesta igreja o
oficio de leitor4 e depois de ministro5 e pastor. Com relação a haver tido
(ocupado) um segundo cargo, mantenho (mantengo), por próprio direito, que o
hice legitimamente e com sincera vocação. Agora bem, com que cuidadosa
diligencia e total entrega o tenho administrado, não é necessário demonstra-lo
2 texto latino: Plenis velis = a velas estendidas. 3 Alusão aos acontecimentos de que foi ocorrido em Genebra entre Setembro de 1532 e agosto de 1535. Setembro de 1532: tumultuado debate entre o reformador Farel e os canónigos catolicos; 27 de janeiro de 1534: debate entre os reformadores Farel e Vireto e o doutor romano Furbity; 8 de agosto de 1534: os protestantes ocupam a catedral de S. Pedro; 27 de agosto de 1535: edital da reforma.4 Quer dizer, exégeta (a partir de agosto de 1536).5 Para dezembro de 1536.
com largos discursos. Não pretendo me atribuir nenhuma sutil inteligência,
erudição, prudência e destreza, nem sequer diligencia. Mas você sim (sé), sem
embargos, com certeza diante de Cristo, meu juiz, e de todos seus anjos, que ele
conduz esta igreja com a pureza e sinceridade que convém a obra do Senhor: dos
quais os fieis dão amplo e excelente testemunho. Assim pois, uma vez que se
conheça que meu ministério vem de Deus (como certamente aparecerá com
claridade no decorrer desta matéria), falará alguém que não julgue meu silencio
fingido e dissimulado e não me acuse de prevaricação, sim, por calar-me sofro
injuria e difamação? Todos, pois, compreendem que me foi obrigado por uma
imperiosa necessidade, e que alem disto não tenho mais solução que me opor e
refutar tuas reprovações e acusações, se é que não quero traiçoeiramente
afastar a obra que o Senhor pois em minhas mãos. Eu não temo neste momento
por meu cargo na administração da igreja de Genebra, não pode e nem deve
impedir-me de pronunciar-me meu paternal amor e benevolência, a aquela, digo,
em a que havendo-me Deus ordenado uma vez, me obrigou a guarda-la sempre
com fidelidade e lealdade.
Vendo, pois, as redes que se estendiam contra aquela cujo atenção cuidado
quer o Senhor que tome sobre min, conhecendo também os grandes e enormes
perigos e riscos em os que, de não prover com diligencia e meios apropriados,
podiam cair rapidamente. Quem se atreveria a me aconselhar a esperar com
segurança e paciência o final de tal perigo?
Imagine que ridículo seria permanecer como estúpido e espantado, sem
prevenir a ruína daquela cuja proteção e necessária vigiar dia e noite. Mas bem
pareceu que seria desnecessário empregar neste ponto um discurso mais longo,
quando tu mesmo me livra de tal necessidade. Pois com a vizinhança com eu
falas (que não é sem todavia tão grande) ter tido tanta força em ti que, querendo
mostrar a amizade que declara pelos habitantes de Genebra, não tem temido
atacar, com tão grande atrocidade e furor, minha pessoa e meu bom nome, a mim
me será permitido, por justa humanidade, querendo suprir e compreender no bem
público da cidade que tenho encomendada e por maior titulo que conquistado,
impedir teus propósitos e esforços que sem duvida pretendem sua total ruína e
destruição. Mas todavia: ainda quando não tivesse nada a ver com a igreja de
Genebra (da qual certamente não posso desviar meu espírito, meu amor e
estimar menos que minha própria alma), ainda outorgaria que não lhe tivesse
nenhum afeto, enquanto meu próprio ministério tem sido injuriado falsamente e
difamado (o qual, por haver sabido que vem de Cristo, devo defende-lo, se
necessário, com meu próprio sangue). Como me pode ser possível aguardar,
calmamente, tais coisas? Pelas quais no ó os leitores benevolentes podem julgar
facilmente, senão também tu, Sadoleto, tu mesmo pode considerar e pensar que
por varias e justas razões me tem sido obrigado a tomar parte neste combate (se
é que se pode chamar de combate a esta simples e moderada defesa de minha
inocência), se bem não posso sustentar meu desejo sim juntar e misturar a mim e
meus companheiros, com os quais a razão de minha admiração tem permanecido
tão inseparável que com muito gosto tomaria sobre mim todo que se queira dizer
contra eles. Sem embargo, procurarei com toda a minha força mostrar respeito a
ti, ao expor e explanar esta causa, no mesmo afeto eu tive ao inicia-la. Pois você
haré que todos compreendam, não somente que te excedo muito em boa e justa
causa, em reta consciência, em pureza de coração, em ele determinado 6 das
frases e da boa fé, senão que também sou um pouco mais firme em guardar certa
modéstia, doçura e suavidade. É verdade que as vezes encontrara coisa
doloridas, que possivelmente desagradam seu coração, contudo, procurarei que
não saia de mim nenhuma palavra forte nem dura, a não ser que a iniqüidade de
tua acusação (com a que em primeiro lugar tenho sido atacado), ou a
necessidade da causa, me obriguem a isto. De todo modo procurarei que esta
dureza e aspereza não cheguem a uma confusão insuportável, a fim de que os
espíritos de buen natural não se ofendam de modo algum ao ver tais injurias
inoportunas.
Intenções de Sadoleto.
Agora bem: tenho por seguro que qualquer pessoa começaria sua defesa
precisamente pelo argumento que você me propuse esconder. Pois sem grande
dificuldade poderia este por tão as claras7 tuas intenções ao escrever, que todos
veriam com evidencia que, em tua escrita, tem buscado qualquer fim menos o que
pretendia ou intencionavas. Pois sim, primeiramente, tu mesmo não tem fé em tua 6 Texto latino: Sermonis candore = Sinceridade em se falar.7 Texto latino: Exagitaret = examinar para censurar.
integridade, te faz extremamente suspeito, dado que tu, sendo estrangeiro e não
tendo habitado por aqui nenhum conhecimento nem amizade com o povo de
Genebra, agora tão logo dizes professar um amor e benevolente, sem (embargo),
deste amor jamais saiu nenhum fruto ou aparência de tal. Tu, que tens feito tua
aprendizagem, quase desde tua infância, nas instituições romanas, as quais se
aprende agora nas cortes de Roma, nesta tenda8 de toda delicadeza e astúcia,
que precisamente tem sido criado nos braços do papa Clemente9, com cuja ajuda
foste feito cardeal, certamente tens muitas manchas que te fazem suspeito, neste
lugar, praticamente por todos. E quanto a esses modos sutis e insinuações, com
os que crias prevenir e surpreender o espírito desta gente humilde, qualquer
homem, que não seja bobo de conclusão, poderia refuta-los com facilidade. Sem
embargo, não te posso imputar o que seria talvez mais digno de credito, visto que
isto não escape facilmente a homem instruído nas boas letras e ciências liberais.
Procedeste, pois, contigo como si hubieses escrito aos de Genebra com bom
zelo, como convém a um homem cheio de grande doutrina, prudência e
gravidade, dando-lhes a entender de boa fé o que te parecia condizente a sua
salvação e prosperidade. Mas apesar disto, e porque não quero me desgastar
neste ponto, seja qual for sua intenção, e como despedaças e te esforças em
manchar e difamar até o extremo, com ultrajes e injurias, não que o senhor as
tenha ensinado com nosso auxilio10, me vejo obrigado, quisera eu que não, a te
contradizer nisto abertamente. Pois certamente o oficio dos pastores na igreja
consiste, não só em levar as almas submissas dos fieis diretamente a Cristo,
senão também em estar bem preparados para rechaçar as armadilhas daqueles
que se esforçam em impedir a obra do Senhor. Agora bem, ainda que tua carta
esta cheia de propósitos ambíguos e circunlocusiones, sem embargo, o centro
e ponto principal está em que tu os apóia a autoridade do papa, que é o que tu
chamas a voltar a fé e a obediência da igreja. Mas como em causa pouco
favorável se requer suavizar o ataque aos seus ouvintes, tu apresentas, por meio
de um largo prefacio e discurso, o bem incomparável da vida eterna, depois,
entrando mais na matéria, demonstra que não há peste mais perigosa para a
8 Tradução literal da palavra latina “officina”. 9 Este juízo não é de modo algum exagerado, já que foi uma espécie de favorito do papa citado, quem lhe encomendava missões diplomáticas tão variadas como delicadas, preocupado constantemente com a reforma da igreja. 10 Tradução literal do latim: per manus nostras = com nossa ajuda.
alma que a falsa religião, e por supõe dizer que a verdadeira regra para servir a
Deus é a que foi instituída por vossa igreja, da qual conclui que aqueles que tem
crido nisto, e que estão totalmente perdidos todos os que tem quebrado a unidade
desta igreja se não se arrependerem e se corrigirem. E depois pretende que
manifestem abandono da igreja da parte deles em haverem afastado e separado
de vossa companhia, sobre tudo por haver recebido o evangelho de nós, e que
tudo isto não é senão um monte e confusa de perversas criações de falsas
doutrinas, da qual finalmente concluo que juízo de Deus os espera, se não
fizerem atentos a teus avisos.
Querem desqualificar aos reformadores
Agora bem, apesar de que despoje a nossas palavras de credibilidade
serviriam grandemente a sua causa, sua verdadeira intenção tem sido fazer
suspeita ela cuidado, que eles tem visto em nós, para sua salvação. E assim nos
reprovas injustamente (pois bem sabe que e de todo o contrario) não haver
pretendido outro fim que o de satisfazer vossa ambição e ganância. Assim, pois,
que por tal motivo e por insinuações maliciosas nos tem querido imputar tão mal
proceder, perturbando o espírito dos leitores para produzir neles ódio para
conosco, a fim de que não dessem créditos a nossas palavras, antes de tratar
outros pontos, responderei brevemente as tuas objeções. Tem por certo que não
falo de mim por gosto, sem embargo, posto que não posso por absoluto me calar,
falarei de mim com a maior modéstia possível. Assim, pois, em quanto a mim se
refere, se somente houvesse pretendido meu proveito jamais me haveria
separado de vosso bando. E sem embargo não me vangloriarei de haver estado
em vosso meio para conseguir fama, que jamais desejei, nem aos que jamais
meu coração pode dedicar-se (apesar de ter visto a vários de meus companheiros
consegui-los com certa dignidade, honras aos que podiam em parte desejar e em
parte desprezar); me bastará dizer somente que me era licito conseguir o que
havia desejado sobre todos os demais, a saber, dedicar-me ao estudo com
alguma honesta e livre condição. Pelo qual, jamais temerei que alguém me possa
reprovar (se não por algum sem vergonha/desonesto) em haver desejado nem
pedido coisa alguma fora do reino do Papa que não houvesse sido oferecido a
ele.
Porem quem se atreverá a atacar a Farel semelhantes coisas? Se o haviam
obrigado a viver de seu trabalho e saber, ele bem que havia logo feito as letras
nunca lhe haviam deixado em necessidade, e isso que procedia de tão nobre
casa que não teria necessidade de ajuda alguma.11 Acerca de nós dois, posto que
nos acena com seu dedo, é querido responder-te nominalmente. E quanto ao
que, segundo parece, difamas e te mostras sem miramientos contra quantos
sustentam hoje dia a mesma causa de nós, quero que compreendam que não
falarás nem uma sozinho por quem eu não responda, como o disse por Farel e
por mim mesmo. É suficiente de nós sozinho conhecer ouvido; razão por isto,
apelo a tua consciência.
Crê que lhes diriam obrigado o desejo a afastasse de vós, e que por não
poder conseguir riquezas se vêem obrigados a isto trocar uma nova conversão,
como se hubiesen feito bancarrota (quebrar) , ou como abolição geral de antigos
débitos? Para não me estender prolixamente recitando um largo inventario, me
atrevo a te assegurar que de todos quantos tem sido motivo e centro12 deste
assunto, nem um só desejaria de ser recebido entre vós tao bem e tao
honrosamente que logo não necessitaria preocupar-se por um novo modo de
vida. Por conseguinte, isto é o que nos julga agora e difere a ti e a mim: as
honras e poderes que temos conseguido. Certamente, todos quanto nos tem
ouvido serão testemunhas de que não temos desejado e procurados ter outras
riquezas nem dignidades que as que nos tem caído em sorte. Dado, pois, que em
todos nossos ditos e feitos não tem tido nem sequer suspeita alguma das
ambições que tu nos atribui, senão que tem visto por indícios manifestos em que
horror e menosprezo nós teríamos. Pensas que com suas simples palavras vá
conquistar seus entendimentos, de sorte que dêem credito a esta vã acusação,
mas bem que a tantas e tao verdadeiras ensinos como tem recebido de vós? E
vamos nos apoiar em feitos mas bem (melhor) do que em palavras: é o poder da
espada e outros poderes civis que um monte de sacerdotes e bispos disfarçados
11 Falsa ilusão a carreira eclesiástica que Calvino poderia haver recorrer sem dificuldades a igreja Romana e aos êxitos universitários que Farel obteve em Paris com Lefèvre d’Etaples. A demais, Farel, nascido em 1489 cerca de Gap, não pertencia, apesar do testemunho de Calvino, a alta nobreza, senão a média. 12 Texto latino: Principes = instigadores.
haviam arrebatados, com o pretexto de imunidade e franquia, fraudulentamente
aos magistrados, não temos feito vós que voltem a ser postos de novo em seus
devidos direção? Não temos detestado e não nos temos esforçado em abolir
todos os meios de condenação e ambição que haviam usurpado? Se tivéssemos
tido a esperança de emendar estas coisas, que finura não teríamos ocultado isto,
a fim de que tais coisas nos tivessem sido devueltas com a administração e
governo da igreja! Mas porque temos empreendido em destruir com grande
esforço este reino e poderio, ou, por melhor dizer, esta tirania13 que exercem
sobre as almas e contra a palavra de Deus? Como não nos dábamos conta dos
muitos que havíamos perdido?
Pelo que se refere as riquezas eclesiásticas, a maior parte das mesmas
são devoradas por este antro ( ou escoria). Assim, pois, esperamos que eles
sejam arrebatados de uma vez para sempre ( como certamente será necessário),
como é que não buscamos o meio de nos apoderarmos delas? Mas dado que
publicamente temos pronunciado e declarado que o vigia e o bispo é um ladrão
que emprega bens da igreja para seu mau uso mais dos que necessita para viver
sobriamente e segundo sua condição; dado que também temos testemunhado de
que a igreja foi corrompida com pernicioso veneno ao cobrir o pastores de
riquezas pelas que finalmente se tem visto cega-los; tendo também em conta que
temos ensinado não ser conveniente que usem delas em abundância, e que,
finalmente, temos aconselhado que se desse aos ministros o que era necessário,
segundo seu estado, mas não para que abundem em inutilidades, e que o
restante se distribuísse entre os pobres como se fazia na igreja primitiva;
havendo, em fim, demonstrado que era necessário eleger pessoas serias e de
autoridade, que tivessem seu cargo e administrassem com a condição de prestar
contas todos os anos a igreja e ao magistrado, significa isto tudo buscávamos e
procurávamos aproveitarmos destes bens o mais bem que nos distanciávamos
voluntariamente de vós? Tudo isto demonstra suficientemente, não o que somos,
senão o que temos querido ser. Assim, pois, tudo o que foi dito é tao claro e
manifesto para todos, que nada poderá negar nem o menor detalhe, poderá
chamar-nos de atrevido (insolente) e cobiçosos de riquezas e poder
desacostumados, incluído ante aqueles que não ignoram estas coisa? E quanto
13 Texto latino: carnificinam = câmara de tortura.
as grandes e enormes mentiras que gente de tu amostra semeiam diariamente
em seus países não nos estranha de modo algum pois não há pessoas que se
aperceba disto e se atreva a contradizer-lhes. Mas eu quero persuadir do
contrario a quem tem visto e ouvido o que antes expus não é obra de um homem
sábio, e, o que é mais desonroso para Sadoleto, de um homem de tao grande
estima por sua doutrina, prudência e importância. E as te parece nosso afeto deve
ser medido pelo afeto das coisas, todos veriam que não temos procurado senão
multiplicar e acrescentar com nossas baixeza e humildade o reino de Deus; tao
longe estamos de haver querido, pelo desejo de dominar, abusar de seu santo e
sagrado nome.
Passo por elevado e me calo muitas outras injurias e oprobios que
vomitas contra nós a boca cheia, como se diz. Nos chamas homens cautelosos,
inimigos da união e paz cristã, reformadores de coisas já de velho bem
estabelecidas, revoltosos, homens que contagiam as consciências e inclusive
inimigos, tanto em publico como em particular, de a conveniência humana. Se
queria evitar censura, o não devia nos atribuir linguagem orgulhosa e profunda,
para fazer-nos odiosos a todos , o bem teria que diminuir um pouco em certo
modo esta grande eloquência. Não quero, sem embaraço, deter-me em todos
seus propósitos, mas quisera que penasse em teu interior quão pouco
conveniente, e até mesquinho, seria acusar com extensas injurias (as quais, sem
embaraço, com uma única palavra se pode refutar) a quem de modo algum as
tem merecido nem as esperavam de ti. Quão poucas coisa e injurias assim a os
homens, haciéndolo ao preço de a indignidade de tao grande ultraje feito por ti a
Jesus Cristo e a sua Palavra, quando começa a entrar mais na matéria.
A glória de Cristo antes de tudo
Tu chamas abandonar a verdade de Deus ao fato de haver-se afastado os
de Genebra, instruídos por nossas pregações, da lama do erro que haviam sido
submergidos e quase afogados, e ao fato de terem voltado a pura doutrina do
evangelho. E também disse que é uma verdadeira separação da igreja em Ter
afastado da sujeição e tirania papal, para preparar entre eles uma melhor forma
de igreja. Examinemos, pois, agora estes dois pontos.
Pelo que se refere a este seu prefacio, que enche quase toda a terceira
parte de tua carta, pregando a excelência da felicidade eterna, não é necessário
que me estenda muito em responder-te. Pois ainda que a consideração da vida
eterna seja coisa digna destes dias e noite em nossos ouvidos e devemos
exercitar-mos sem cessar em sua meditação, na termino de compreender, sem
embaraço, por que te faz determinado tanto a isto, a não ser para que te tenham
em maior estima e consideração só pretexto e aparecia de religião; o bem que,
pensando afastar de ti toda má suspeita, tem querido fazer ver que todo teu
pensamento pondera sobre a vida bem-aventurada que há em Deus; o bem, tem
julgado que aqueles a quem escrevia seriam por esta tua larga exortação atraídos
e comovidos de modo melhor (ainda que não quero adivinhar qual era tua
intenção); sem embaraço, não creio ser próprio de um autentico teólogo em
procurar que o homem se cale em si mesmo, em vez de mostrar e ensinar que o
começo da reforma em sua vida consiste em desejar promover e dar realce a
glória do Senhor, e que temos nascido principalmente para Deus e não para nós
mesmo. Pois assim como todas as coisa são Dele e Nele subsistem, assim
também (como disse o apostolo)14 devem referirse por completo a Ele. E assim
diz o mesmo Senhor, para fazer mais desejado aos homens a glória de seu
Nome, lhes tem conciliado e cometido de tal maneira o desejo de exalta-lo que
nos tem unido perpetuamente a nossa salvação. Mas dado que ele tem ensinado
que este afeto deve dominar todo ânimo e cobiça que bem ou proveito que deles
nos poderia vir, ou que inclui a lei natural nos leva a estima-lo sobre todas as
coisas (se pelo menos queremos render-lhe a honra que Lhe é devida),
certamente o dever do cristão consiste em elevar para cima da simples busca e
conseqüente de a salvação de sua alma. Pelo qual fala nenhuma pessoa bem
instruída e experiente na verdadeira religião crista que não julgue esta tao larga e
curiosa exortação ao estudo de a vida celestial (a qual detiene ao homem em
estar só, sem o exaltar com uma única palavra a santificação do nome de Deus)
como coisa de mal gosto e sem sabor algum. Depois de que esta santificação , te
concede, de muito bom grado, que durante toda nossa vida que devemos Ter
outro fim nem ter outro propósito que o de conseguir esta suprema vocação, pois
é este o fim principal que Deus nos tem proposto em todos nossos feitos, palavras
14 Romanos 11.36
e pensamentos. E não há, é verdade, coisa alguma que faça ao homem superior
aos animais como a comunicação espiritual com Deus, com a esperança da
felicidade eterna. Te posso conceder de bom grado que todo o dano que posa
acontecer a nossa salvação não provem de outra parte, senão da atenção de
Deus corrompido e executado indevidamente. E por certo estas são entre nos as
primeiras instruções e ensinamentos em as que acostumamos a instruir, quando
tratamos da verdadeira piedade e religião, as quais queremos conquistar como
discípulos para Jesus cristo, a saber: que se guardem de mentir locamente e a
seu prazer qualquer nova forma de honrar a Deus, mas que sepan que somente
é legitimo aquele serviço que desde o começo Lhe foi agradável. E sem
embaraço afirmamos, sobre tudo, que está provado pelo Santo oráculo de Deus:
que mais vale obedecer que sacrifício15. Finalmente lhe incito e acostumamos
quando podemos a abandonar todos os benefícios e formas de falsa e caluniosa
superstições, contentando-se com uma única regra e mandamento de Deus,
segundo se nos tem revelado em sua Santa Palavra.
Qual é a verdadeira igreja?
Graça a qual, Sadoleto, tu mesmo tem posto e fixado todo o fundamento de
minha defesa ao confessar e aprovar voluntariamente estes pontos. Pois se,
admites que é uma horrível perdição para a alma em haver, com opiniões
maliciosas, convertido em mentiras a verdade de Deus, resta por saber qual das
duas partes observa e guarda esta honrosa e única, verdadeira e legitima
reverência devida a Deus. Da tua parte dizes que a regra mais certa é a que
prescreve e recomenda a igreja, se bem coloca em tela de Juízo esta sentença,
como si quiséssemos atacar ao modo que se faz com as coisas duvidosas.
Por certo, Sadoleto, que, vendo que te atormentas em vão, não posso
intentar ao menos reanimaste e aliviaste de tão grande desgosto. Pois falsamente
e sem razão queres convencer-te de que nós pretendemos afastar ao povo fiel da
verdadeira adoração, observada sempre pela igreja católica. E te engana ao dizer
15 I Samuel 15.22
“igreja”, se bem queres nos enganar com insidiosamente rodeios. 16 ; te saldré
ao passar neste ultimo ponto.
Também pode ser que te enganes em outros pontos; pois em primeiro
lugar em sua definição de igreja omites o que poderia te ajudar de grande
maneira para uma reta compreensão desta palavra quando dizes que é ela que,
tanto nos tempos passados como atuais e por toda a terra, tem estado sempre
unida no mesmo espirito com Cristo pelo qual em todo e por todo e dirigida e
governada. Onde está aqui a palavra de Deus, este tão clara sinal que tem sido
tantas vezes recomendado pelo mesmo Senhor em sua designação da verdadeira
igreja? Pois prevendo Ele o quão perigoso seria vangloriar-se do Espirito sem a
Palavra, afirmou que a igreja estava governada e dirigida pelo Espirito; para o fim
de que tal direção fosse certa, estável e não móvel, a tem unido e aliado a sua
palavra. É o que prega o Senhor: que são de Deus os que ouvem a palavra de
Deus17, que são ovelhas suas as que conhecem sua voz como de seu pastor,
rejeitando como estranha qualquer outra voz.
Por está razão diz o espirito, por boca de Paulo, que a igreja está fundada
sobre o fundamento dos apóstolos e profetas18. E também tem sido santificada
com o batismo de água pela palavra de vida19. E isto mesmo nos diz com mais
clareza Pedro, quando nos ensina que Deus regenera seu povo por esta
incorruptível semente20. I para ser direto, por que se denomina tantas vezes Reino
de Deus à pregação do evangelho, certo porque é o cetro com que rege e
governa seu povo e Rei Celestial? Isto não só se encontra nos escrito dos
apóstolos, certo que quantas vezes os profetas haviam predito a restituição e
instauração, a boa propagação da igreja pelo mundo todo, tem destinado e
concedido sempre o primeiro lugar a palavra, pois dizem: Águas vivas saem de
Jerusalém, as quais, divididas em quatro rios, regam toda a terra21. E eles
mesmos expõem e declaram quais são estas águas, quando dizem que a lei sai
de Sião, e a palavra do Senhor de Jerusalém22.
16 Texto latino: Vel Certe sciens ac volens fucum facis = o bem deliberadamente procura estender a ilusão. 17 João 10.2718 Efésios 2.2019 Efésios 5.2620 I Pedro 1.2321 Zacarias 14.822 Isaias 2.3
Hizo , pois bem, Crisóstomo em aconselhar que combatesse-mos a todos
que, por baixo pretexto do Espirito, querem nos afastar da simples doutrina
evangélica, ainda que não prometeu o Espirito de levantar novas doutrinas, certo
para gravar nos corações dos homens a verdade do evangelho. E certamente
conhecemos hoje por experiência quão necessário e este aviso. Nos vemos
assediados por duas seitas, muito diferentes, nos parece. Porque, em que se
parecem o papa e os anabatistas? E sem embaraço, ( para que veja como
satanás não está nunca tão escondido que não pareça de algum lado) os dois
possuem o mesmo meio com o qual pretendem nos oprimir. Pois quando se
envaidecem do Espirito com tanta arrogância, não pretendem outra coisa senão
oprimir e sepultar a palavra de Deus com suas mentiras.
E tu, Sadoleto, tropeçando no primeiro passo de uma porta23 tem sido
castigado pela injuria que disseste ao Espirito Santo, separando-o e dividindo-o
da palavra. Pois tem-se visto obrigado (como se os que buscam o caminho de
Deus se achassem em uma encruzilhada e privados de uma meta segura) a por
neles a duvida de que seria mais conveniente seguir a autoridade da igreja, ou
escutar aos que tu chamas de inventores de novas doutrinas.
Se hubieses sabido, e não o hubieses tentado dissimular, que o Espirito
ilumina a igreja para abrir a inteligência da palavra e que a palavra é como o
crisol de onde se prova o ouro para discernir por meio delas todas as doutrinas,
te hubieras enfrentado com tão completa e angustiosa dificuldade? Aprenda,
pois, pela tua própria falta, que é tão insuportável vangloriar-se do Espirito sem a
palavra, como é desagradável24 preferir a palavra sem o Espirito.
Definição da igreja.
Sim, pois, queres agora suportar e receber um definição de “igreja” mais
autentica do que a sua, di en adiante que é a assembléia de todos os santos, a
qual, estendida por todo o mundo, está dispersa por todo o tempo, unida sem
embaraço pela única doutrina de Cristo, e que pelo seu único espirito guarda e
observa a união da fé, juntamente com a paz e caridade fraterna. Agora bem
anunciamos que não nos separa dela diferença alguma; pelo contrario, do mesmo 23 tradução literal do latim: In primo limite impingendo. 24 Texto latino = insulsum = insípido.
modo que a respeitamos como mãe, desejamos permanecer sempre em seus
braços. Mas, ao chegar aqui, me repreende, dizendo e se esforçando em
demonstrar que tudo que tem sido recebido e aprovado pelo consentimento dos
fieis há mais de mil e quinhentos anos, tem sido anulada por nossa confusão.
Neste ponto não quero te pedir que caminhe conosco na boa fé (coisa sem
embaraço, que não já um cristão, senão um filosofo faria de bom agrado), mas se
te peço que não chegue a te permitir caluniar desprezivelmente, coisa que (ainda
nos calemos nós) ofenderia sua reputação e estima entre os homens sérios e
decentes. Sabes muito bem, Sadoleto, e se o negas eu farei com que todos vejam
que arquiteta cautelosamente e com malícias, sabe muito bem que estamos mais
de acordo com a antigüidade (tradição) que vocês, e além disso que não pedimos
outra coisa senão que esta antiga fase da igreja possa por fim ser restaurada e
renovada por inteiro, a qual, deformada e manchada por gentes indoctas tem
sido depois destroçada covardemente e quase destruída pelo papa e seu bando.
Agora bem, não pretendia te perturbar tanto, te acusar tanto que quase que
pareça que pretendo renova-la, reforma-la e volta-la ao estado da igreja
constituída primeiramente pelos apóstolos ( que sem embaraço um exemplo
singular da verdadeira igreja, exemplo que precisamos seguir, se não queremos
equivocarmos e errar grandemente). Te rogo considerar e colocar antes seus
olhos, no antigo estado da igreja que existia entre os gregos, na época de
Crisóstomo e de Basilio, e entre os latinos, na época de Cipriano, Ambrósio e
Agostinho, como pode se ver através de seus escritos; e depois, contempla as
ruínas que nos tem restado: encontrará com certeza a mesma diferença que há
que os profetas escrevem que existiam entre a excelente igreja que florescia sob
Davi e Salomão e a que sumia em toda sorte de superstições sob, Sedecías e
Joaquim, haviam corrompido totalmente a pureza do serviço de Deus. Dirá, pois,
agora que é inimigo da antigüidade, e que por zelo da santidade e piedade antiga,
descontente com a presente corrupção, procura melhorar em tudo e restituir ao
seu primitivo resplendor o que tem sido pervertido e dissipado pela igreja?
Fundamentos da igreja
É posto que a santidade e firmeza da igreja consiste principalmente nestas
três coisa: doutrina, disciplina e sacramento vindo em quarto lugar as cerimonias
para exercitar ao povo em seu dever com a piedade, por qual das quatro queres,
com o fim de salvar vossa igreja e conservar sua honra, que a julguemos?
Em primeiro lugar, a doutrina dos profetas e a verdade evangélica, sobre a
qual é necessário que a igreja esteja fundamentada não somente tem ficado em
sua maior parte extinta em vós, senão que a expulsam sem trégua e a perseguem
a sangue e fogo.
E pretenderás e te atreverás a sustentar que é igreja aquela em que todas
as organizações da nossa fé, estabelecida pela palavra de Deus, concordando
com os livros dos santo pais, e inclusive aprovados pelos concílios antigos, tem
sido rechaçada e perseguida furiosamente? Me diga, onde está tão, sequer os
sinais e indícios da ordem tão santa e verdadeira dos ministros e bispos antigos
tem observado na igreja? Não os haveis burlados com todas as suas
constituições? Não os haveis pisoteados todos seus cânones e decretos? E
quanto aos sacramentos não posso me espantar menos ao pensar como os
haveis profanados terrivelmente. Pelo que fazem as cerimonias tem certamente
excessivo. Pelo fato que freqüentemente seu significado é impróprio e ridículo, e
inclusive está corrompido por mil superstições, que utilidade podem trazer a
igreja?
Como vês, em todo este assunto não o estou aumentando ou exagerando
mais nada, para poder te assim acusar; pois todas estas coisas são tão notórias
e manifestas que até as pode tocar com o dedo, se houvessem olhos para ver.
Agora bem, se te agrada, buscar em nós com toda diligencia segundo está regra,
e sem lugar a duvidas não poderá nos convencer dos crimes de que nos tem
acusado. E quanto aos sacramentos, não os temos tocado por nada a não ser
com o fim de que, restituídos a sincera pureza da qual haviam sidos privados,
voltassem a sua antiga honra e dignidade. A respeito das cerimonias, as temos
abolido em sua maior parte; porém que nós temos sido obrigados a faze-lo em
parte porque pareciam, pelo seu grande numero, decair em judaísmo; e em parte
porque haviam ocupado o entendimento do povo simples de tal modo que os
haviam enchido de superstições, que não podiam subsistir de modo algum sem
prejudicar a piedade, quando deviam pelo contrario faze-la progredir. Sem
embaraço temos mantido as que, em seu tempo e lugar, nos parecem suficientes.
Reconhecemos de bom grado que não temos chegado todavia a disciplina
observada pela igreja primitiva. Mas, que direito e razão existem para que nos
acusem de have-la pervertido aqueles que precisamente a tem suprimido e
abolido, e que enquanto querem restitui-la ao seu primeiro estado nos tem
impedido até agora faze-lo nós?
No que toca a doutrina, não temo apelar e referir-me por inteiro a igreja
primitiva. E posto que, a modo de exemplo, tem tocado alguns pontos, os que te
parecem haver visto ocasião de difamar-mos, demostraste rapidamente que nos
acusa injustamente e falsamente de haver inventado tudo aquilo contra a
autoridade da igreja.
E já que vou combinar alguns pontos, quero te advertir que pense e
considere uma outra vez por que razão nos repreende por haver dedicado seu
estudo a explicação da escritura. Pois sabes perfeitamente que com suas vigílias
e com o fruto de seus estudos, tem dado tão grande clareza a palavra de Deus
que a mesma inveja se envergonharia se não lhe tributasse por está tão grande
louvor. E a mesma bondade e hombría 25 demonstra quando diz que o povo tem
sido seduzido por nós em questões difíceis e sutis, e como que enganado por
está filosofia, da qual recomenda São Paulo aos cristãos que a guardem26.
Porém, como? Não se recordas quando nossa gente começou a se mostrar em
público? E que doutrina aprendiam nas escolas os que pretendiam conseguir a
administração da igreja? Tu sabes muito bem que não era senão sofismo27 em
dizer, tão distorcida28que se poderia chamar com toda justiça a teologia
escolástica, uma espécie de magia secreta29 na que, quanto mais a obscurecia
alguém com espessas trevas e melhor impedia a si mesmo e aos demais sua
compreensão com dificuldades e sentenças obscuras, tanto mais criativa e sutil
era considerado sua doutrina.
E quanto aqueles que haviam sido nesta casa, queriam mostrar ao povo o
fruto de seu saber, com que criatividade, me diga, edificam a igreja? Pois para
25 Texto latino: Candoris = sinceridade, falta de fingimento. 26 Colossenses 2.8 – ardente ataque contra Sadoleto, que era um ardente defensor dos filósofos sincretista do Renascimento. 27 “Sofisma”; palavras com que se nomeia, as obras humanistas os protestantes, a escolástica e seus doutores respectivamente. 28 Feliz e exata tradução do Latim “contortam” = subentendido, sinuoso, distorcida. 29 Tradução literal do latim: quaedam arcanae magiae specie.
não desmenuzar tudo ponto por ponto: Que sermões havia entre os que
pregavam então por toda Europa, que fossem modelo de simplicidade a qual
deseja Paulo que permaneça durante toda sua vida ao povo cristão? Onde
encontrar inclusive um único sermão em que não aprenderam as velhas
chochas30 mais quantos e fantasias dos que haviam podido contar durante um
mês ao brilho de suas lareiras? Pois sua pregação estava ordenada de tal forma
que a primeira parte era dedicada as obscuras e difíceis questões de escola para
buscar a admiração e do pobre e simples povo, e a segunda a encheram com
alegres fábulas e divertidas especulações para excitar e comover alegremente
seus corações. Misturaram alguns versículos da Palavra de Deus, com o fim de
que sua majestade desse certa cor a seus sonhos e fantasias; mas neste mesmo
momento em que os nossos levantaram sua bandeira, em pouco tempo todas
estas trevas tem sido esclarecidas por nós. Agora bem, ainda que vossos
pregadores se tenham visto em parte em parte educados e instruídos pelos livros
de aquilo, e em parte obrigados, por vergonha e pela murmuração do povo, a
seguir seu exemplo, sem embaraço não se tem conseguido todavia eu deixem de
sentir-se atraídos fortemente por esta antiga tolice e necedad. De modo que se
compara nossa maneira de pregar com a vossa, inclusive que se consideras
melhor do que nós, facilmente se percebera que nos tem feito uma grande
calunia. E se houvesse desejado continuar citando as palavras de Paulo, nem
uma criança pequena haveria desejado de reconhecer que o crime que no joga na
cara se deve cobrar não de nós senão a vós mesmos.
Pois o apostolo disse que é vã qualquer filosofia que atrai a consciência
dos fiéis por meio de constituições de homens e elementos deste mundo; com os
quais tem haveis corrompido e arruinado a igreja.
A justificação pela fé
Agora bem, tu mesmo nos absorver imediatamente depois com teu mesmo
testemunho, quando entre tantas doutrinas nossas, que você empenha em
esquadrinhar(pesquisar), não alega uma só cujo conhecimento não seja em
grande maneira necessário para a edificação da igreja. Sua primeira palavra, trata
30 No texto latino: “Aniculae”.
da justificação pela fé, que é um ponto mais importante e de maior aspereza na
controvérsia entre vós e nós. Está é uma questão espinosa e inútil? Pois retire
seu conhecimento e ficará extinta a glória de Jesus Cristo, abolida a religião,
destruída a igreja e lançada totalmente por terra a esperança de salvação. Pelo
qual decidimos que este artigo (que sustentamos ser supremo em nossa religião)
tem sido maliciosamente manchada por vós na memória dos homens; o qual esta
ampla e manifestadamente demonstrado e declarado em todos os nossos livros.
Mais ainda: a grande ignorância que agora reina em todas as vossas igrejas,
testemunha que nós não reclamamos sem razão. Mas é que, além disto,
trabalhas muito maliciosamente dizendo que ao atribuir tudo a fé, não damos
lugar e nem teríamos em conta as boas obras. Não quero começar agora uma
disputa completa, que necessitaria certamente um livro inteiro; mais se olhares
para o catecismo e a instrução que tenho escrito para os de genebra, quando era
ministro em sua cidade, a primeira frase, como vencido, ficaria mudo31.
Apesar disto, exporei rapidamente como tratamos deste assunto. Primeiro
mandamos que cada um comece pelo reconhecimento de si mesmo: e não de
uma maneira rápida, ou para sair do andamento, senão como se apresentasse
sua consciência diante do tribunal de Deus; e quando se encontre bastante
condenado por sua própria iniquidade, considere ao mesmo tempo a severidade
de seu juízo que esta anunciada a todos os pecadores. E que confundidos assim
e abatidos por sua própria miséria, se prostrem humildemente diante de Deus
deixando de lado toda confiança em si mesmo, e gemendo delicadamente como
condenado a morte eterna. Depois demonstramos que o único porto de salvação
esta na misericórdia de Deus, que nos é mostrada em Jesus Cristo, pois somente
Nele se tem cumprido tudo que se refere a nossa salvação. Dado, pois, que todos
os homens estão condenados como pecadores diante de Deus, dizemos que
Cristo é a única justiça: na qual com sua obediência tem apagado nossas
transgressões; com seu sacrifício a ira de Deus tem sido apaziguada; com seu
sangue nos tem limpado de toda a mancha; com sua cruz tem suportado nossa
maldição; com sua morte foi (satisfeita) aceita pela nossa. Desta maneira dizemos
que tem sido reconciliado o homem com Deus pai, por Cristo, não por mérito ou
dignidade de nossas obras, senão pela bondade e clemência gratuita do senhor. 31 A obra de catecismo a qual Calvino se refere nesta passagem e a “Instrução e Confissão de fé que usa a igreja de Genebra” (escrita em 1537).
Ao fato de abraçar a Cristo pela fé e voltar a sua comunhão e participação, é o
que chamamos, segundo as escrituras, justiça (justificado pela) de fé. Encontra
algo aqui, Sadoleto, que possa reprovar ou contradizer? Significa, sem embaraço,
que não atribuímos nada as obras? Afirmamos, por certo, que não valem nada:
nem sequer o que vale um fio de cabelo em relação a justificação do homem, pois
a escritura diz claramente, em muitas passagens, que todos estão perdidos, e não
há ninguém neste ponto que não seja atormentado por sua consciência. Esta
mesma escritura nos ensina como única esperança somente a bondade de Deus,
pela qual nossos pecados são perdoados e nos imputa a justiça. E sem embaraço
digo que ambos são um Dom gratuito; para declarar finalmente que o homem e
bem-aventurado sem as obras. Mas que outra coisa – perguntaria você –
entendemos por “justiça”, se não levamos em conta as boas obras? Se pensar
atentamente no que a escritura entende por “justificar”, não te acharias nesta
dúvida. Pois não se refere a própria justiça do homem, senão a clemência e
bondade de Deus, a qual outorga a justiça ao pecador, ainda quando este não
havia estado com Ele, sem imputa-lhe nenhuma injustiça.
Nossa justiça, repito, é a que descreve Paulo, a saber: que Deus nos
reconcilia com Ele em Cristo32. Depois põe a metade, a saber: não nos imputa
nossos pecado. Finalmente nos faz ver que somos participantes desta graça pela
fé, quando afirma que o mistério desta reconciliação esta contido no evangelho.
Sim, você responde, mas a palavra fé é uma palavra que muito abrangente e cujo
significado é muito amplo. Muito pelo contrario: quantas vezes Paulo atribui a fé a
capacidade de justificar, a limita e restringe as promessas gratuitas da
benevolência de Deus, a desviando absolutamente da consideração e mérito das
obras. Por isso concluo tão pequeno (breve): se é pela fé, não é pelas obras; e
obviamente: se é pelas obras, não é pela fé.
Não se reprovam as boas obras
Mas deste modo se tem ofendido a Cristo, com o pretexto de sua graça, as
boas obras: ainda que venha para fazer um povo agradável a Deus, realizador de
boas obras. Sobre o qual existem muitos testemunhos semelhantes, como os que
32 2 Coríntios 5.9
se demonstram que Cristo veio para que, fazendo o bem, fossemos por Ele
aceitos por Deus. Nossos adversários tem apenas em seus lábios a mentira de
que o que temos proclamado tem afastado os homens, com a pregação da
justificação pela graça, do desejo de fazer o bem; mentira que é tanto superficial
quanto que nado podemos ver-nos obrigados nem estimulados por ela. Dizemos
que as boas obras de nada serve para a justificação do homem; mas lhe
asseguramos seu próprio lugar para a vida dos justos. Pois se ele esta justificado
e possui a Jesus Cristo e Cristo não está mais sem seu Espírito, segue-se
necessariamente que esta justiça gratuita esta sempre unida a regeneração. Pela
qual se compreende que a fé e as boas obras são inseparáveis, apontam para
Cristo, como disse o apostolo, nos tem sido dado para justiça e santificação33. Por
conseqüência em qualquer lugar onde há justificação pela fé – que nos
chamamos de gratuita – ali está também à Cristo. E onde esta Cristo, esta
presente o Espírito de santificação para regenerar a alma com nova vida. Pelo
contrário, onde não existe desejo algum de santidade e inocência, não podem
estar nem Cristo nem seu Espírito. E onde Cristo não esta, tampouco há justiça,
nem sequer fé, a qual não pode tomar a Cristo como justiça sem o Espírito da
santificação. Em vista, pois, de que Jesus Cristo – como dissemos – regenera aos
que justifica, para uma vida de bem-aventuranças, depois de haver nos afastado
do reino do pecado, com o propósito de nos levar para o reino da justiça,
transformando-nos em imagem de Deus, e nos refazendo por seu Espírito, para
obedecer-mos a sua vontade, não tenha nem sombra de motivo para reclamar-te
de que com nossa doutrina temos rédea solta aos desejos da carne34 e se não
querem dizer outra coisa, todas as alegações que apresentam as quais sem
embaraço deseja abusar para destruir a justificação gratuita, aponta então para
que grande ignorância argumenta. Paulo diz em outra passagem que temos sido
eleitos em Cristo antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensível
na presença de Deus em amor35. Quem se atreveria a concluir que aqui, que a
eleição não é gratuita, que não é o amor a causa dela? Pelo contrário, assim
como o fim da eleição gratuita é que vivamos puramente e sem manchas diante
de Deus, assim também a justificação gratuita tem a mesma finalidade. Sem
33 I Coríntios 1.30.34 Tradução literal do latim: “Quod frena carnis libidinibus laxari nostra doctrina conqueraris”. 35 I Tessalonicenses 4.7.
embaraço manteremos com firmeza e segurança que não somente tem sido o
homem justificado de uma vez por todas, sem nenhum mérito de suas obras, mas
que sua salvação eterna depende somente desta justiça gratuita. E que suas
obras de maneira alguma podem ser agradáveis a Deus, se não são aceitas e
aprovadas por esta justiça. Por que ao ler seus escritos fico sobremodo
maravilhado, ao ver que diz que a caridade é a principal causa de nossa
salvação. Ninguém jamais poderia pensar, Sadoleto, ouvir-te dizer tal frase? Até
os cegos, em meio a seus cegueira, estão mais seguros da misericórdia de Deus,
sem ousar atribuir o principio de sua salvação a caridade. E os que ainda
conservam ver somente um pequeno faixo da luz de Deus, sabem perfeitamente
que sua salvação não está assegurada por nenhuma outra coisa senão pelo fato
de ser adotado por Deus. Pois a salvação eterna é a herança do Pai Celestial,
que somente para seus filhos tem sido preparada. Fará alguém que queira aceitar
a nossa adoção outra coisa distinta da que se encontra comumente na escritura?
A saber que o primeiro amor não provem de nós, senão que Deus, por seu
próprio querer e boa vontade, nos recebeu graciosa e benevolamente.
Desta sua cegueira provem outro erro de sustentar que os pecados são
expiados e perdoados com penitencias e pagamentos. Onde estará, pois, está
única vitima propiciatória, fora da qual não existe – segundo a escritura – nenhum
outro sacrifício pelos nossos pecados? Pesquisei atentamente em toda Santa
Escritura: pois só o sangue de Cristo no é proposto como preço de nossa
expiação e perdão. Com que ousadia se atreve a transferir esta honra a suas
obras? E sem embaraço não é preciso que atribua este sacrilégio a igreja de
Deus. Confesso claramente que a igreja primitiva teria suas facções; porem não
as concebiam de modo que os pecadores pensassem solicitar graça e livrar-se de
seus pecados por si mesmos; senão para provar que o arrependimento que
mostravam por fora, não era uma ilusão e para apagar as lembranças do
escândalo que haviam dado com suas maldades. E sem embaraço não estavam
prescritas para todos; senão somente parta aqueles que haviam caído em algum
grave e grande pecado; e as poriam em prática com uma solene observância.
A ceia do Senhor
E quanto ao sacramento da ceia36 nos reprovas em querer limitar e conter o
Senhor de céu e terra junto com seu divino e espiritual poder (que é livre e infinito)
nos limites de um corpo natural, que tem suas próprias medidas e proporções. Até
quanto desejais nos caluniar? Sempre temos atestado abertamente que não
somente o poder divino de Cristo, mas também sua essência, se estende por
todas as partes e que não tem limite algum; e você não tem vergonha de
reprovar-nos que o temos aprisionados aos limites de um corpo natural. Por que?
Porque não temos desejado submeter seu corpo a coisas visíveis e terrenas,
como o tem feito vós. Certamente não ignora, si é que deseja julgar sinceramente
e de acordo com a verdade, quão contrarias são estas duas coisas: tirar do pão a
presença local de Cristo ou restringir e fechar seu poder espiritual aos limites de
um corpo natural. E sem embaraço não devia tachar caluniosamente nossa
doutrina de novidade já que nisto este assunto tem sido sempre tido por certo na
igreja. Mais posto que esta discussão, por sua magnitude poderia chegar a um
livro inteiro, será melhor para que não ofender-nos que leia a carta de Agustín a
Dardano37: na qual encontrará que somente e unicamente Cristo, pela grandeza e
magnitude de sua divindade, excede ao céu e a terra; e sem embaraço não está
espalhado conforme sua humanidade por todo. A verdadeira comunicação de sua
carne e de seu sangue, que se manifesta aos fieis na ceia, nós a pregamos no
sentido de que Ele está em nós: ensinando abertamente que está carne é o
verdadeiro manjar de vida e este sangue a verdadeira bebida; e isto, não é por
uma concepção imaginária, com que a alma não se satisfaça, senão que
verdadeiramente goze de sua virtude. Não tiramos da ceia a presença de Cristo
pela qual nos unimos e enxertamos Nele; e sem embaraço, não a destruímos,
com similar que não exista nela essa circunscrição local; e que não seja ligado a
estes elementos inferiores o glorioso corpo de Cristo; que não se finja que o pão
se tem transubstânciado no corpo de Cristo, para ser finalmente adorado como
Cristo. Exaltamos quando podemos a dignidade e o uso deste grande mistério,
declarando que utilidade nos pode lembrar. Todas estas coisas vós as depreciais
e quase as fazem desaparecer. Porque depreciando a bondade de Deus, que
aqui se nos oferece, e não levando em conta o legitimo uso de seu beneficio (no
qual principalmente é preciso deter-se), é bastante que o povo, sem entender de 36 Do texto latino: “Eucharistiae” = Sacramento da Eucaristia. 37 Epístola 187.
modo algum este mistério espiritual, admire o sinal visível e carnal. Em haver
negado esta tão grosseira e material transubstanciação que vocês estabeleceram;
e ter também ensinado que esta tão estúpida adoração (que impedia o espírito
humano, preso aos elementos deste mundo, chegar a cristo) era perversa e
iníqua; não o temos feito sem estar de acordo com a igreja primitiva, com a qual
queria de bom grado (ainda que em vão) encobrir as abomináveis superstições
que reinam todavia entre vós.
Oposição de falsos dogmas
E quanto a confissão auricular, temos reprovado a constituição do papa
Inocêncio, que recomenda a todos que digam todos seus pecados, todos os anos,
a um sacerdote particular. Seria muito extenso de contar, como e porque razoes a
temos abolido. Sem embaraço, que isto é uma coisa má o demonstra o que tem
feito a consciência dos fieis, livres de tal tormento, já que tem começado a
tranqüilizar-se e a confiar na bondade e misericórdia de Deus, consciências que
estavam antes em continua ansiedade e perturbação. Nada quero dizer das
grandes pragas que a igreja tem sofrido por causa desta confissão, pelas quais
devemos julgar com toda justiça a confissão como algo execrável. E quanto ao
que haveis agora neste aspecto, basta você saber que nada há escrito sobre eles
nos mandamentos de Cristo, nem na constituição da igreja primitiva. Temos
eliminado com decisão todas as passagens da Santa Escritura, que os sofistas
tratam de distorcer, para provar esta confissão. E as historias eclesiásticas que
hoje possuímos nos mostra que não havia novidade nisto por aquele então,
quando tudo se observa simplesmente, nos quais concordam o testemunho dos
pais; é, pois, abuso e engano o afirmar como você afirma, que a humildade tem
sido nisto recomendada e estabelecida por Cristo e pela igreja. Pois, se bem tem
ele certa aparência de humildade, sem embaraço está muito longe de ser
prazeroso e agradável a Deus rebaixar-se a uma capa de humildade. Por isto
Paulo nos ensina que a verdadeira humildade e a que está conforme a pura
Palavra de Deus e se ajusta a ela38.
38 Colossenses 2.18.
E quanto a sustentar a intercessão dos santos, se teu propósito é só
defender que com seus contínuos desejos estão pedindo em cumprimento do
Reino de Cristo, no que está cifrada a salvação de todos os fieis, ninguém de nós
tem a mínima dúvida. Pelo que nada tenho conseguido em deter-me tanto neste
ponto. Mas se vê que não queira perder esta magnifica ocasião para nos
censurar; como se fosse opinião nossa de que os espíritos morrem com os
corpos. No que se refere a nós, deixamos esta filosofia a vossos soberanos
bispos e ao colégio de cardeais, que a tem venerado por muitos anos e a tem
venerado agora. Mais ainda, o que anades logo (é dizer, viver sensualmente
entre prazeres, sem ter em conta a vida futura e zombar de nós pobres
homenzinhos, que trabalhamos com tanto empenho para que cresça o Reino de
Deus) isto vai muito bem com seu modo de ser. E quanto a intercessão dos
santos nos deteremos neste ponto: que não há milagres se não os que
inventaram. Pois para eles tem sido necessário desbrozar inúmeras superstições
que haviam conseguido abolir totalmente da memória dos homens a intercessão
de Cristo: se invocam os santos como se fossem deuses: e lhes atribuíam o que
era próprio de Deus; e não havia grande diferença entre a veneração deles e a
idolatria que justamente todos detestam e maldizem.
No que refere ao purgatório, sabemos que nenhuma igreja antiga fazia
lembranças de seus mortos em suas pregações: senão que estas eram raras,
sóbrias e resumidas em poucas palavras; finalmente estas pregações não
pretendiam, ao parecer, mais que testemunhar brevemente sua caridade para
com os mortos. Mas todavia não havia nascido os espertos maniobreros
(manipuladores)39 que tem forjado vosso purgatório e que logo o terá expandido
tão amplamente que o terá elevado a tal altura e esplendor que a melhor parte de
vosso reino se sustentará e apoiará nele. Você conhece por você mesmo, que
erro tão monstruoso o tem precedido; não ignora quantas heresias tem produzido
voluntariamente a superstição para enganar-se a si mesmo; conhece quantas
falsidades e enganos tem se criado este ponto a ganância, para absorver e se
apropriar dos bens do povo humilde; vê perfeitamente que peste tem padecido
por isto a verdadeira religião. Pois o pior – por não dizer nada do serviço de Deus,
destruído por ele – está certamente em que quando os homens, invejando uns
39 Do texto latino: “Architecti”.
aos outros, sem nenhum mandamento de Deus, tem desejado ajudar aos mortos,
tem depreciado o verdadeiro papel da caridade, que são sem embaraço tão
recomendados e requeridos.
A igreja manchada com falsos dogmas
Não posso suportar, Sadoleto, que ao atribuir tais sacrilégios a igreja, a
insulte contra todo direito e razão e nos faça odiosos diante de gentes sem
autoridade como se nos houvéssemos proposto combater contra a igreja. Se bem
confesso que haviam sido semeados antigamente alguns fundamentos de
superstições, os quais de modo algum denegriram a pureza evangélica, sem
embaraço sabe perfeitamente que estes monstros de impiedade (contra os quais
principalmente lutamos) não vem tão de antigamente, ou pelo menos não haviam
aumentado em tão grandes proporções. Por certo que para vencer, destruir,
arruinar e abolir vosso reino, não somente estamos armados com a virtude da
Palavra de Deus, senão que também estamos protegidos com a autoridade dos
santos pais. E por fim para poder arrancar inteiramente de suas mãos a
autoridade da igreja, que sempre nos põe a frente, como um escudo de Ayax
(Ajax), te demonstrarei com alguns exemplos que grande diferença existe entre
vós e esta paternal e antiga santidade.
Os acusamos de haver perturbado o ministério, de que somente guardaram
o nome vazio e sem eficácia. Pois em quanto a necessidade de alimentar ao
pobre povo, até mesmo as crianças vêem que vossos bispos e sacerdotes não
fazem outro papel que o de imagens mortas40 e os homens de todos os estados
conhecem por experiência que somente são valentes para saquear e devorar.
Não podemos suportar que no lugar da Santa Ceia, se introduza um sacrifício, no
qual destrua a virtude da morte de Jesus Cristo. Levantamos a voz contra a
detestável negociação e folga das missas; e nos lamentamos de que o povo
cristão se ache quase privado da Ceia do Senhor. Lançamos investidas contra a
maligna e iníqua adoração das imagens. Demonstramos que os sacramentos tem
sido profanados e manchados com numerosas opiniões impuras e profanas.
Ensinamos que os perdões e as indulgências tem sido introduzidos, sem nada se
40 Texto latino: “Mutuas Statuas” = imagens mudas, sem voz.
dar em conta, com grande e horrível (opróbrio) da Cruz de Cristo. E nos
lamentamos que a liberdade cristã tem sido negada e suprimida por tradições
humanas. Por isto temos mandado que as igrejas, que Deus nos tem confiado,
fossem depuradas e limpas de semelhante peste. Se lamente, agora, se te for
possível, de que havemos ofendido a igreja, de que tenhamos atrevido a violar
sua venerável constituição. Por certo que ainda é voz comum, e com isto nada
ganharia por nega-lo, em que nisto tudo a igreja primitiva está de acordo com nós;
e que é tão contraria a vós, como o somos nós mesmos. Recordo neste momento
que em não sei que passagem disse, como querendo diminuir sua importância,
que se vossa conduta é desordenada sem embaraço não se sigue neste lugar
que nos tenhamos de separar da Santa Igreja. É verdade que dificilmente se
poderá conseguir que o afeto do povo não se sinta grandemente distante de vós e
de vosso partido, depois de ver tanta crueldade, avareza, rapinas, intemperanças,
insolência, e tantos exemplos de toda classe de licenças e maldades como
cometem continuamente as pessoas de teu padrão. Mais nenhuma destas coisas
nos tem induzido a intentar o que por uma necessidade muito maior temos
empreendido; necessidade que certamente temos sentido ao ver como estava
extinta a claridade da verdade divina, sepultada a Palavra de Deus, abolida por
um profundo esquecimento a virtude e eficácia de Cristo, e inteiramente
confundido o oficio de pastor. Sem embaraço, de tal maneira se mostrava a
impiedade que a penas se havia alguns pontos da doutrina cristã que estivesse
puro e sem misticismo; ao alguma cerimonia sem erro, e alguma parte do serviço
divino isenta de superstições. Queres acabar com tais iniquidades, lutam contra a
igreja, tratam melhor em ajuda-la, ao vê-la deste modo afligida e oprimida por
todas as partes? E todavia se atreve a invocar vossa obediência e humildade, e
dizer que a reverencia a igreja os impede de trabalhar para evitar todas estas
iniquidade! Que tem em comum um cristão e esta obediência aleijada que serve e
obedece aos homens, depreciando a Palavra de Deus? Que terá de comum com
está humildade obstinada e rebelde, que somente reverencia aos homens,
depreciando a majestade de Deus?
Dissemos por um lado estes falsos títulos de virtude, dos que os espalham
senão para cobrir e ocultar os vícios. Vamos ao assunto sem rodeios. Bem que há
entre vós humildade tal, que, para começar pelo mais humilde, honre a cada um
segundo a sua dignidade; de tal modo que atribua a igreja sua suprema dignidade
e reverência que em definitivo tem de atribuir-se sem embaraço a Cristo, sua
cabeça; bem, que haja uma obediência tal que nos leve a escutar nossos
superiores e aos que tem autoridade sobre nós, de tal modo que atribua sem
embaraço todas nossas ações a única regra da Palavra de Deus; se bem que não
há uma igreja tal que procure senão fixar-se na palavra de Deus com religiosa
humildade e manter-se debaixo de sua obediência. Mais, dirá você, que
arrogância vocês tem, ao vangloriar-se de que a igreja está somente com vós, e
querendo sem embaraço de privar dela o resto do mundo? É verdade, Sadoleto,
não negamos que sejam igreja de Cristo a igreja que vós comandam; mais
dizemos que o papa, junto com toda a tropa de seus falsos bispos, que tem
ocupado entre vós o lugar de pastores, são lobos cruéis e perigosos, que não tem
tido até agora outro desejo senão destroçar e destruir o Reino de Cristo até
deforma-lo e reduzi-lo completamente a ruínas e desolação.
E sem embaraço não somos os primeiros que reclamamos disto. Com que
veemência flajelaba São Bernardo ao papa Eugênio41 e a todos os bispos de sua
época! E quanto mais tolerável era o estado de seu século que este de agora!
Pois hoje em dia se tem chegado ao mais alto, ao ultimo grau de malícia, de sorte
que estas contrahechas sombras de bispos (nos quais pensa estar toda firmeza,
arruinam a igreja) ainda não podem suportar mais nem seus próprios vícios, nem
o remédio deles mesmos; por cujos vícios dizemos que a igreja tem sido
derrubada e mutilada cruelmente; e que pouco tem faltado para cair arrasada e
saqueada; o qual sem duvida alguma haveria acontecido se não houvesse a
bondade singular de Deus, de sorte que nos lugares ocupado pela tirania do papa
apenas aparecem algumas pegadas e vestígios espalhados e desfeitos, pelos
quais pode julgar que as igrejas estão ali meio sepultadas. E não te deve soar a
coisa estranha, ainda que ouça a Paulo proclamar que a sede do Anticristo estará
precisamente no meio do santuário de Deus42.
Obediência a palavra divina.
41 Alusão a estes dos famosos tratados de Bernardo de Claraval: “De Consideratione ad Eugenium Tertium” e “De Moribus et Officio Episcoporum”. 42 II Tessalonicenses 2.4.
Este só e único aviso, não devemos nós despertar para estar atento a não
deixar que se introduzam na igreja enganos e decepções abaixo ao nome e
ampara dela? Bem – responde – , mas seja o que for isto, uma coisa sem
embaraço esta escrita: 43 façam o que o digam, enquanto estão sentados a
cadeira de Moisés.
Mas dado que desde a cadeira da vaidade enganam ao povo com seus
ensino, escrito está: guarda-os de sua levedura44. Não nos cabe a nós, Sadoleto,
privar a igreja de seu direito, que não só tem sido concedido pela benignidade de
Deus, senão que tem sido vingado e mantido com várias ameaças e maldições.
Pois do mesmo modo que Deus não envia os pastores para governar a igreja com
um poder libertino e irregular, senão que os limita a uma certa forma de deveres
da qual não podem e exceder, assim se tem recomendado a igreja avisar e vigiar
se comportam fielmente os que, debaixo desta condição, se tem feito cargo
delas45. Pelo qual, não nos deteremos muito no testemunho de Cristo, não nos
será licito tirar ou diminuir, ainda que seja muito pouco, a autoridade daqueles aos
que a tem adornado com tal preeminência e dignidade. Inclusive se equivocas
miseravelmente se crês que o senhor tem colocado sobre seu povo tiranos que
governem segundo sua fantasia, pelo fato de dar tão grande poder aos que envia
a anunciar o evangelho. se engana ao não ver que seu poder esta limitado ainda
antes de concede-lo. Confessamos, pois, que é necessário escutar aos pastores
da igreja, como a Cristo mesmo: sobre todos os que exercem devidamente este
oficio que se lhes é confiado. Este oficio lhes é outorgado não para estabelecer e
se fazer cumprir com arrogância os decretos que eles inventam sem tom nem
som, senão para anunciar religiosamente e de boa fé as palavras recebidas da
boca do Senhor. Pois com estas restrições tem limitado Cristo a reverencia que
queria se tivessem os apóstolos. Pedro não se atribui, nem permite aos demais
outra coisa, senão que ao falar aos fieis, o façam conforme as Palavras do
Senhor46. O apostolo Paulo louva grandemente este poder espiritual que possuía;
mas com tal moderação que diz que poder somente serve para edificação, não
tem nem aparência de domínio, e finalmente não tem sido concedido para apagar
43 Mateus 23.3.44 Mateus 16.6.45 I Tessalonicenses 5.21; I João 4.1. 46 I Pedro 4.11.
e dominar a fé47. Que se glorie agora vosso papa, quanto queira, da sucessão de
Pedro. Pois, ainda quanto a obtenha, não conseguirá que o povo cristão lhe dê
obediência alguma para ele, senão somente na medida em que guarde ele
mesmo a fé em Jesus Cristo, sem separar-se da pureza do evangelho. A igreja
dos fieis, ao colocar na forma e modo que limita todo vosso poder, não nos chama
certamente a outra ordem, senão aquela em que possivelmente o Senhor que
permanece. E este e esta ordem estabelecido entre os fieis pela voz do senhor:
que o profeta esta encarregado da instrução, deve ser julgado pela assembléia
dos ouvintes48. E o que pretende livrar-se desta ordem, deverá primeiramente se
apagar da lista dos profetas.
O cristão deve conhecer sua fé.
Pois bem; neste instante me surge uma grande oportunidade de reprovar a
ignorância que tens. Pois entre as diferenças e controvérsias da religião, não
deixa a assembléia dos fieis que pode fazer outra coisa senão afastar os olhos da
verdade, submetendo-se ao juízo de homens mais sábios e experientes. Mas
como o certo é que a alma que depende de qualquer outra pessoa fora de Deus,
se encontra submissa a satanás, que pobres e miseráveis não serão aqueles que
tem para sua fé tais origens e princípios? Agora deduzo, Sadoleto, que tem uma
teologia demasiada ociosa e estúpida, parecida com a de quem jamais teria
experimentado algum avanço com o pleno conhecimento em suas crenças. De
outro modo não teria o cristão em lugar tão escorregadio e perigoso, no qual não
poderia permanecer nem sequer um instante, si o colocassem por um momento.
Apresenta-me não como um homem qualquer, senão pertencente no mais bobo
e ignorante porcaria(imoral): se pertence ao rebanho de Deus, é necessário se
preparar para o combate que Deus colocara a todos os fieis. De pronto se
apresentará o inimigo bem aparelhado; assim lhe cerca, empreende a luta; e se
trata de um inimigo bem impontual , para que nenhum poder deste mundo 47 II Coríntios 13.10.48 I Coríntios 14.09.
resulte inexpugnable. Com que se protegerá este pobre miserável? De que
armas se disporá para não ver-se aniquilado no primeiro assalto? Não existe mais
que uma única espada com a qual podemos combater: a Palavra de Deus49. Por
conseqüência a alma, desprovida da palavra de Deus, se encontra
completamente indefesa a mercê do diabo, para que a mate. Agora me diga, não
seria o primeiro objetivo do inimigo retirar a espada de Cristo de quem está
combatendo? E o meio para tira-la não é por a duvida naquilo que o homem
medida na palavra de Deus? O que você fará com este pobre miserável em tal
agonia? Lhe dirá para que busque por todas as partes aos sábios, de onde
receberiam repouso e alivio apoiando-se neles? Mais o inimigo nem sequer os
deixará tomar um pouco de alento neste subterfúgio. Pois uma vez que o forçar a
por toda a sua confiança nos homens, os perseguirá e oprimirá cada vez mais,
até confundi-lo completamente. Desta maneira serão facilmente oprimidos, e
fixarão diretamente ao Senhor. O certo é que a fé cristã não deve fundamentar-se
no testemunho dos homens nem apoiar-se em opiniões duvidosas, nem
tampouco manter-se com a autoridade dos homens, senão com a que ha de estar
gravada em nossos corações pelo dedo do Deus vivente, de modo que nenhuma
sedução de erro a possa apagar e a destruir. Nada, pois, tem de Cristo quem não
leve em si estas origens e princípios, a saber: que Ele é um Deus que ilumina
nossos pensamentos para conhece sua verdade, a qual Ele assina e sela em
nossos corações por meio de seu espírito, confirmando e assegurando nossas
consciências com a segurança de seu testemunho. Esta verdade consiste na
firme e – falando com propriedade – plena certeza que tanto nos recomenda
Paulo, na qual temos que estar seguros, sem termos duvidas e desconfiança
alguma, e ao mesmo tempo não cair em censura ou vacilar entre as brigas dos
homens para ver que posição seguir. E ainda que todo mundo lhe oponha, ele
permanece firme e seguro em sua opinião. Daqui provem e nasce o poder de
julgar que atribuímos a igreja e que nós queremos mante-lo inviolável. Pois o
mundo se inquieta e estremece por diversas opiniões; mais em compensação a
alma fiel não se vê nunca abandonada de tal modo que dixe de seguir o caminho
da salvação.
49 Efésios 6.17.
Sem embaraço, não é que quero imaginar uma fé tão perfeita que não possa errar
nem nunca me equivocar na escolha do bem e do mal; nem fingir ou sonhar uma
repugnância e obstinação tal, que deprecie e reprove a todos os homens, em
virtude de sua pretendida preeminência e superioridade, sem ter em conta
nenhum juízo ou opinião, nem fazer diferença entre os sábios e os ignorantes.
Antes o contrário, confesso que mesmo os que tem a consciência mais pura e
devota, não chegam a compreender todos os mistérios de Deus, senão que
freqüentemente nas coisas mais evidentes eles não vêem nem um pingo. Para
isto temos a providencia do Senhor, a fim de nós acostumar a uma grande
modéstia e submissão de espírito. Mais ainda; afirmo que tem tal estima e
reputação de todas as pessoas de bem, e com mais razão a igreja, que muito
apesar deles se separariam de um homem que supieram ter a verdadeira
inteligência de Cristo e de sua palavra; de modo que as vezes preferem
suspender seu juízo antes a discordar de prontidão. Mantenho somente que,
enquanto se apoiarem na Palavra de Deus, jamais se virão tão surpreendidos que
se vejam arrastados para a perdição; e que a verdade da palavra lhe resulte em
tão manifesta e certa que nem os anjos nem os homens os possam separar dela.
Pelo qual deixamos de lado esta simplicidade superficial, que, segundo diz, tão
bem lhe parece a gente rude e ignorante, e que consiste em fixar tanto aos
sábios personagens e se ater a suas decisões, pois, a parte que nenhuma certeza
religiosa por mais obstinada que se queira imaginar, merece o nome de fé se está
apoiada em algo fora de Deus. Falará alguém que chame de fé a não ser que
duvidosa opinião, a qual não somente se consegue e com dificuldade por parte
diabólica, senão que também hesita e vacila por sua própria natureza, como um
barco a mercê dos ventos, e da que apenas se pode esperar outra coisa senão
que se perda finalmente e se apague?
Reformadores e romanistas
A respeito da falsa acusação (por certo contraria ao que você mesmo
conhece) de que, ao rejeitar este julgo tirano, não temos pretendido senão nos
dar rédea solta, nos entregando a uma vida desregrada e liberta, sem que
pensemos sequer ( Deus o sabe) na vida futura, vamos julgar vossa conduta
comparando-a com a nossa.
É certo que somos pecadores e que abundam os vícios entre nós, e que muitos
de nós caímos freqüentemente e desfalecemos muitas vezes; sem embaraço, a
vergonha me impede de ter o atrevimento de me vangloriar (até onde a verdade
me permite) de nós sermos melhores que vós nisto e em todos os aspectos.
Contando que não pretenda, por ventura, excluir Roma, belíssimo santuário de
toda santidade, a qual, uma vez tirada do eixo, desfeita as barreiras da autentica
disciplina e pisoteada a honestidade, esta tão abundante de toda classe de
maldade que a duras penas poderá se falar em toda a história um exemplo
semelhante de tão grande abominação. Eu creio que teremos de submeter
nossas vidas a tantos perigos e males, a não ser que, seguindo seu exemplo,
sejamos forçados a uma continencia mais severa e estreita. No que nos diz
respeito, não recusamos observar toda a disciplina estabelecia nos antigos
cânons, nem mante-las e guarda-las com boa fé. Pelo contrario sempre temos
sustentado que esta infortúnia ruína da igreja provinha tão somente por haver
perdido, pelas super fluência demasiadamente liberal, todas suas forças e todo
seu vigor, e de haver permanecido inteiramente abatida. Pois é necessário que o
corpo da igreja, para mante-lo perfeitamente unido, esteja entrelaçado com a
disciplina, do mesmo modo que um corpo se faz reforçado com nervos. E eu os
pergunto, onde estão aqueles antigos cânones, com os quais, com seu freio, se
manteriam os bispos e sacerdotes no cumprimento de seu oficio e seu dever?
Como se elege os bispos entre vós? Com que provas? Com que exames? Que
prontidão ou previsão se emprega? Como os indica para o deve de seu estado?
Com que liturgia ou solenidade? Tao só para cumprir, se o tomo o juramento de
que exerçam o oficio de pastor; mas, segundo se vê, com o único fim – sem olhar-
mos outra maldades – de faze-los perjuros. Pois se apoderando, como pela
força, dos cargos da igreja, lhes parecem que tem um poder que não esta
submisso a lei alguma, e pensam que com este poder tudo lhes esta permitido; de
sorte que podemos crer facilmente que os piratas, bandidos, ladroes e
salteadores50 tem um policiamento melhor e que observam as leis melhor que
todos vocês. 50 No texto francês existe esta redundância própria do estilo do século XVI. No texto latino somente se diz: “inter piratas et latrones”: piratas e ladrões.
O reformador ante o juízo de Deus.
E posto que no final nos tem citado como criminosos ante o juízo de Deus
induzindo alguém para que defenda nossa causa, não temo, de minha parte,
colocar voc6e ante este mesmo juízo de Deus. Pelo que se refere a doutrina,
nossa consciência esta tão segura dela que não teme a este juízo celestial, de
que saber que provem aquela. E sem embaraço não se deteve nessas pequenas
enganos, como as que tem querido se divertir tão a despropósito. Porque até
coisas mais inoportunas que inventar, depois de haver-se apresentado ante Deus,
eu não sei que ofensa e logo nos fabrica uma defesa pouco apropriada, que cai
imediatamente? Quantas vezes se decidem os cristãos daqueles dias, seus
corações se enchem de uma tão grande referencia que os permite deste modo se
enganar ocasionalmente. Deixando, pois, de lado tais belezas, consideremos um
pouco aquele dia, pois os corações dos homens devem sempre estar preparados
para quando chegar; e nos recorda que nada há que seja – e com razão – tão
desejáveis para os fieis, como terrível e temível para os profanos e os que
depreciam a Deus. Escutaremos aquele soar de trombetas, que mesmas as
cinzas dos mortos escutarão desde seus túmulos. Levantaremos nossos corações
e nossos pensamentos até este juiz, que com somente o resplendor de seu rosto
descobrirá todo que está oculto na escuridão e porá em descoberto todos os
segredos do coração humano; e com somente o espírito de sua boca confundirá
aos malfeitores. Pensa, pois, agora que razoes válidas alegara para defender a ti
e aos teus; pois nossa causa, por estar fundada na verdade de Deus, não
precisará de uma boa e justa defesa.
A respeito a minha pessoa prefiro não dizer nada, pois nossa salvação não
dependerá de malas artes ou de um pleito, senão bem mais de uma humilde
confissão e suplicante pregação(dobrar-se). Mais a respeito da causa de nosso
ministério, cada um de nós poderá falar como sigue: da minha parte, senhor,
tenho experimentado o difícil e caro que é sofrer frente aos homens a acusação
invejosa que me oprimia nesta terra. Mas com a mesma confiança com que
sempre tenho desafiado e recorrido a teu tribunal, com esta mesma compareço
agora diante de ti; pois se em teu juízo impera a verdade, e confortado com está
confiança, tenho atrevido primeiramente a empreender e tenho conseguido
completar – sustentado com sua instrução – tudo o que tenho feito por min em tua
igreja.
Me tens acusado de dois gravíssimos crimes: de heresia e de cisma. Mas resulta
chamar de heresia ao se haver atrevido a contradizer as constituições observadas
por eles. Que se ira fazer? Ouvi de tua boca mesmo que não existe outra luz da
verdade para conduzir nossas almas pelo caminho da vida, senão a que
procederia de tua palavra. Ouvi que tudo o que inventava o espirito humano por si
mesmo sobre sua majestade, veneração de seu nome, e mistério da religião era
senão vaidade. Sabia que era tremenda e sacrílega ousadia o fato de semeadas
pela igreja , suplantando sua palavra, doutrinas inventadas pela mente do
homem. e por certo que, quando voltava minhas vistas para os homens, tudo me
parecia contraditório: os que teriam de ser guardiões da fé, nem compreendiam
sua Palavra, nem se importavam com ela. Abusam do povo simples e os
enganam com estranhas ensinos e se zombam deles não ser que
bavosidades 51 . Para este povo a maior veneração da Palavra consistia em
reverencia-la de longe como a algo que não se tem acesso, se abstendo de toda
investigação sobre ela. E tanto por esta preguiçosa estupidez dos pastores,
como pela simplicidade do povo, todos estão cheios de erros perniciosos,
mentiras e superstições. E certo que te chamavam Deus; mas, transferindo a
outro a sua glória que se deve em propriedade se fabricam e tinham outros
deuses quando queriam adorar como santos e padroeiros. Também a teu Cristo o
adoram como Deus e lhe davam o nome de salvador; mas no aspecto em que
principalmente deveria ser honrado se achava praticamente sem glória, pois
despojado de sua virtude e poder, permanecia oculto entre a multidão de santos,
como outro qualquer. Nada pensava verdadeiramente que o único sacrifício fora o
que se ofereceu na cruz, por ele que nos reconciliou contigo. Nada pensava, nem
apenas sonhava, em seu sacerdócio eterno, nem na intercessão e mediação que
dependiam dele. Nada descansavam em sua única justiça. E quanto a certeza da
salvação que esta prescrita e fundada em sua palavra, quase havia desaparecido.
Em troca tinham como coisa certa, protegido pela benignidade e justiça de teu
filho, concedia a si mesmo uma certa e segura esperança de salvação, haviam
51 Texto latino: “ineptiis”: camelos.
que o atribuir a sua louca arrogância e – como eles diziam – a ousada presunção.
Existiam algumas opiniões malignas que corrompiam por completo os primeiros
ensinos da doutrina que você nos havia dado em sua palavra. A sã inteligência do
batismo e de tua santa ceia, haviam sido corrompidas com diversa mentiras. E
sobre tudo, apesar de por toda sua confiança nas boas obras (não sem ofender
gravemente a sua misericórdia) e de se esforçar em merecer com ela tua graça,
conseguir sua justiça, purgar seus pecados e se propiciar (tudo no qual apaga e
destroi a virtude da cruz de Cristo), sem embaraço, não conheciam quais eram as
boas obras. Pois, como se não houvessem sidos instruídos pela justiça de sua lei,
se haviam construídos algumas inúteis tolices para se ter oportuno e favorável; na
quais se agradavam de tal modo que desprezavam a regra da verdadeira justiça
que nos foi imposto por meio de sua lei. As tradições humanas haviam alcançado
tanto poder que se não haviam arrancado de tudo a confiança que se teria em
seus mandamentos, pelo menos haviam diminuído grandemente sua autoridade.
Mais tu, senhor, me tem iluminado com a claridade de teu espirito, para refletir
sobre isto: tem posto diante de mim a sua Palavra, como um farol, para me dar a
entender quão mal e pernicioso é tudo isto; finalmente tem tocado meu coração
para que justamente e com todo direito as abandonasse.
O reformador busca a verdadeira igreja
E quanto a te dar razão pela doutrina, você sabe que não existe em minha
consciência: é dizer, que amais tenho pensado em me sair dos limites que,
segundo conheço, haviam sido tratados a teus seguidores. E isto, que sem lugar
a duvidas o havia recebido da tua boca, procurando os ensinar fielmente a sua
igreja. É verdade por certo que está procurando principalmente e está trabalhando
muito para que, afastada e desfeita as nuvens que antes a escureciam, apareça
com toda clareza a glória de sua bondade e justiça; e para que, omitidos todas os
disfarces, resplandece-se em toda sua virtude as virtudes e benefícios de teu
cristo. Pois pensava que não era razoável que todas estas coisas
permanecessem em trevas; ainda que havíamos nascido para pensa e meditar
nelas. Julgava que não se devia ensinar de um modo descuidado as presas; pois
qualquer pensamento é muito inferior em comparação com a grandeza destas
coisa; e não duvidava em reter grandemente aos homens nelas ainda que delas
dependiam por completo sua salvação. Pois é impossível que nos enganasse
aquela palavra de Deus que diz: “está é a vida eterna: que te conheçam como
único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo o qual tem enviado”52.
E quanto a reprovação que me tem feito, de que tenho me separado da
igreja, não me sinto culpado em absoluto. A não ser que considere traidor aquele
que, ao ver os soldados confusos e perdidos, correndo de um lado para outro,
abandonando seus posto, levanta a bandeira do capitão e lhes chama a se por
novamente em ordem. Pois todos os seus, senhor, estavam tão perdidos que não
somente não podiam ouvir o que lhes ordenava, senão que parecia que ainda não
lembravam de seus capitão, nem da batalha, nem do juramento que haviam feito.
E para os afastar deste seu erro, não tenho levantado uma bandeira
estranha, senão aquele nobre estandarte que devemos seguir se queremos nos
alistar em seu povo. E neste ponto, os mesmos que deveriam manter a ordem
nestes soldado e que os haviam levado ao erro, se tem levantado contra mim; e
porque tenho insistido com grande constância, se me enfrentam com grande
violência; e tem começado a se amotinar de tal modo que se esquentou o
combate até o romper da união. Mas, de que lado está a culpa? Você, senhor, o
deve dizer e decidir. Da minha parte, sempre tenho demonstrado com palavras e
fatos o quanto desejava a união do que a discórdia: mas me referia, não obstante,
aquela união da igreja, que começa em ti e acaba em ti mesmo. Pois quantas
vezes nos tem recomendado esta paz e união, tem declarado ao mesmo tempo
que você era o único vinculo para a conservar e manter. E quanto a mim, se
houvesse desejado ter paz com os que se vangloriam de ser os primeiros na
igreja e os pilares na fé, a faria tendo que comprar com a renuncia da verdade.
mas preferi bem mais me expor aos perigos deste mundo antes que concordar
com um pacto tão detestável. Pois teu mesmo Cristo nos anunciou que si o céu
deveria perecer juntamente com a terra, tua palavra sem embaraço deveria
permanecer eternamente53. Agora bem jamais pensei que para lutar contra tais
senhores, você viria a estar em discórdia com sua igreja. Pois nos havia advertido
por meio de seu filho e de seus apóstolos que se levantariam alguns, mas que
com eles de modo algum deveríamos concordar. Não se referia a homens 52 João 17.3.53 Mateus 24.35.
estranhos quando anunciou que seriam lobos de rapina e falsos profetas, senão
aos mesmos que haveriam de passar por pastores, ordenando que me guardasse
bem deles54. Se, pois, me manda Ele guardar-me destes, os haveria de dar eu a
mão? E seus apostolos nos haviam anunciado que não havia em sua igreja
inimigos mais mortais que os que estavam em meio de nós, encobertos com o
titulo de pastores55. Por que , pois, iria temer em me afastar daqueles os quais,
segundo me dizem seus apóstolos, deveria ter por inimigos todos? Diariamente
contemplava os exemplos de seus profetas, os que – segundo via – haviam
sustentado tantas disputas com os aventureiros e falsos profetas de seu tempo;
os quais, por certo, eram, como esta demonstrado, os primeiros da igreja em o
povo de Israel. Sem embaraço, não se considera seus profetas como cismáticos,
apesar de que, para endireitar o serviço de Deus quase destruído, não se haviam
submetido aos falsos profetas que os reprovaram com todas as suas forças.
Permaneciam, pois, na verdadeira união com a igreja, apesar dos
malvados aventureiros os abarrotaram de toda classe de maldições, e apesar de
que se lhe julgo indignos de ser compreendido no numero não ainda dos santos
mas nem sequer dos homens. Assim , pois, confirmado com seu exemplo, tenho
persistido de tal modo neste propósito, que não me tem assustado de modo
algum nem suas denuncias, me tachando de cismático, nem suas ameaças; e
sempre, com firmeza e constância, me tenho oposto aqueles, debaixo do pretexto
de pastores, oprimiam mais que tiranicamente sua pobre igreja. Sentia em meu
interior um grande desejo de vê-la unida; a condição de que fosse a sua verdade
o vinculo desta discórdia. As confusões de que dela se tem seguido não se deve
imputar a mim, ainda que não tem sido eu o que os tem provocado. Você conhece
perfeitamente, senhor, e eu mesmo tenho o testemunho ante os homens, que não
tenho buscado senão apaziguar qualquer controvérsia por meio de sua palavra,
com o fim de que ambas as partes unidas em espírito procurem o
estabelecimento e extensão de seu Reino. Você sabe muito bem que ano tenho
te recusado, inclusive expondo minha cabeça (se é que posso vangloriar) o
estabelecimento da paz na igreja. Que faziam, em troca, nossos inimigos? Não
apelaram rapidamente ao fogo, a forca e as espadas? Não criam que seu único
recurso consistia nas armas e na crueldade? Não reprovaram todas as condições 54 Mateus 7.15.55 Atos 20.20; II Pedro 2.1.
de paz? E assim sucedeu que esta disputa, que sem estes fatos poderia ter-se
apaziguado amigavelmente, se tem inflamado e se tem convertido numa guerra. E
ainda que uma tão grande perturbação se tenha opinado diversamente, sem
embaraço, me sinto agora livre de todo o temor, ainda que estejamos diante sua
sede judicial, na qual a retidão unida a verdade não pode julgar senão segundo a
inocência.
Tenho aqui, Sadoleto, a defesa de nossa causa; não a que, para
abrumarnos, tem querido inventar, senão a que todos os homens de bem
reconheçam agora a verdadeira, e que naquele dia aparecerá com clareza diante
todas as criaturas.
A respeito dos que, instruídos por nossa pregação, vendran com nós a
este mesmo juízo não lhes faltará que responder para se defender; pois cada um
deles terá, bem preparada, a defesa que segue:
Que dirá o convertido a fé evangélica?
E quanto a mim, senhor, sempre tenho confessado publicamente a fé
cristã, como a tenho aprendido desde minha juventude; da qual não tenho tido
desde o principio outro conhecimento, senão o que era simplesmente observado.
Se nos suprimia, ao menos nos ocultava tua palavra que deveria resplandecer
como uma lâmpada diante de todo teu povo. A fim de que nada deixa-se de Ter
nela um conhecimento mais claro, haviam persuadidos as todos de que era muito
melhor encomendar a investigação desta divina e secreta filosofia a uns poucos e
pedir a estes as respostas e ensinos; e este povo não deveria entende-la mais
profundamente, senão tão somente submeter-se a obediência à igreja. E, sem
embaraço, era tal o ensino que ao principio me haviam dado, que não me
instruíram o bastante no reto serviço de sua deidade; nem me haviam concedido
suficientemente uma esperança certa de salvação; nem me orientaram bem nos
deveres de uma vida cristã. É verdade que havia aprendido adorar a Ti somente
por meu Deus; mas, ao ignorar a verdadeira razão para a sua adoração tropeçava
rapidamente apenas começando a pratica-la. É verdade que cria, como me
haviam ensinado, que havia sido resgatado da obrigação da morte eterna com a
morte de seu Filho; mas eu me imaginava que esta redenção era de tal natureza
que sua virtude nunca chegou ate mim. É certo que ouvia falar do dia futuro da
ressurreição; mais me assustava sua lembrança, como se fosse algo triste
(fúnebre). E não é que fosse este um conhecimento forjado em minha mente
particular; senão que o havia aprendido da doutrina que pregavam então
simplesmente os mestres e doutores do povo cristão. Os quais pregavam sua
clemência para os homens, mais somente para os que faziam dignos dela.
Finalmente dignificavam tanto a justiça das obras que somente era recebido na
graça aquele que houvesse reconciliado consigo por meio de suas obras. Sem
embaraço não cessaram entretanto que todos éramos miseráveis pecadores que
caiamos freqüentemente por fraqueza da carne. E logo diziam que sua
misericórdia era para todos um porto comum de salvação; mas para obte-la não
havia outro meio, senão reparar com nossos pecados. E depois de tal reparação,
nos mandava: primeiro, que pedíssemos humildemente, depois de haver
confessado todos os nossos pecados a um sacerdote, perdão e absorção; depois
que apagássemos para contigo a memória dos mesmos; finalmente que
anadiésemos, para suprir nossa deficiência, sacrifícios e solenes mortificações
(penitências). E, sem embaraço, diziam que era um juiz rigoroso, que punia
severamente a iniquidade; mostravam que terrível deveria se tua olhar. Por isto
nos recomendavam para que dirigíssemos primeiramente aos santos para que
com sua intercessão conseguissem te retribuir favor e bondade. E apesar de ter
posto em pratica ao pé da letra todas estas coisa, se bem eu confiar pouco nelas,
sem embaraço me encontrava bem longe de uma absoluta tranqüilidade de
consciência. Pois quantas vezes abaixava até mim mesmo, levantava meu
coração a ti, me tomava um horror tão grande que não havia purificação nem
reparação que pudessem me livrar dela. E quanto mais me contemplava, tanto
mais sentia minha consciência torturada por agrilhoes agudos; de sorte que não
me deixava outra alegria e alivio que enganar a mim mesmo, ouvindo-me a mim.
Mas como não encontrava nada melhor, seguia sempre o mesmo caminho que
havia aprendido, até que apareceu uma forma de doutrina bem distinta, não para
nos afastar da carreira cristã, senão para restitui-la a sua autentica origem e
devolver sua pureza, livre de toda sujeira. E eu, ofendido por esta novidade,
apenas se quis prestar ouvidos; confesso que a principio a combati com valentia e
denuedo. E porque os homens são por natureza obstinados e teimosos em
manter as instruções que tenham recebido uma vez, por isto me incomodava
muito confessar que durante toda a vida havia crido num erro e ignorância. Do
mesmo modo havia neles algo que me impedia crer e aquelas pessoas: a
reverencia e veneração a igreja. Mas depois de escutar-lhes algumas vezes e
permitir que me ensinassem, compreendi perfeitamente que era vã e supérflua o
temor de que pudesse se diminuir a majestade da igreja; pois demonstravam que
existiam uma grande diferença entre se afastar da mesma e abandona-la por um
lado, e se esforçar por outro em corrigir os vícios que essa mesma igreja estava
manchada e contaminada. Falavam da igreja com toda honradez e demonstravam
que sua principal intenção consistia na união da mesma. E para não parecer que
queriam, debaixo do nome da igreja, imaginar qualquer coisa falsa,
demonstravam que não era estranho que os cristãos obtivessem dela nos lugar
de pastores; sobre este ponto nos põe diversos exemplos pelos quais parecia
claramente que o único fim que pretendiam era a edificação da igreja; e que nisto
sua causa era a mesma que sustentavam muitos servos de Jesus Cristo que nós
chamamos santos.
De sorte que se eles falavam livre e abertamente do papa de Roma,
considerado e estimado como vicário de Cristo, sucessor de Pedro, e chefe da
igreja, o faziam dando esta razôo: que estes títulos eram senão vãs fantasias,
com as quais não era certo deslumbrar os olhos dos fieis até tal ponto que não se
atrevam a olhar nem discernir a verdadeira realidade de cada coisa; e que o papa
se havia elevado a tão grande altura e majestade quando o mundo estava
encadeado como por um profundo sonho de ignorância e deslumbramento56; e
que na verdade não havia sido constituído como príncipe e chefe da mesma pela
boca de Deus, nem por legitima vocação da igreja, senão que se havia eleito o
mesmo por sua própria autoridade e próprio querer. Sobre tudo por que a tirania
com que oprimia ao povo, era inigualável se queremos que o reino de Cristo se
mantenha a salvo e integro entre nós.
No romanismo não existe a verdadeira igreja.
56 Em latim: Ignorantia et hebetudine, velut sopore, oppressus: encadeado pela ignorância e enlatado, como por um sonho.
E para confirmar todos estes pontos não nos falta razoes poderosas. Em
primeiro lugar refutam claramente tudo o que então nos alegaram para provar a
supremacia do papa. E depois de haver destruídos todos os seus argumentos,
demoliram também, por meio da palavra de Deus, aquela sua grande
superioridade. As coisas haviam chegado ao extremo de ser ainda comum e de
toda evidencia para sábios e ignorantes que a verdadeira ordem da igreja havia
sido totalmente demolida, as chaves (em cujo símbolo se reduz em ordem
eclesiástica) perniciosamente falsificadas, a liberdade cristã destruída e o Reino
de Cristo totalmente aniquilado, quando esta supremacia foi instituída. Sem
embaraço, teriam estes novos pregadores algo mais com que aguijonear minha
consciência, a fim de que como garantido, não me deixa-se despreocupado de
suas intenções qual si para mim no tivesse interesse algum, ao afirmar que quase
é impossível falar, diante de ti, perdão para uma falta voluntária, o mesmo que
não da sem castigo quem comete uma falta ao afastar-se do reto caminho por
ignorância. E esto o propagam pelo testemunho de seu Filho, que disse: “se um
cego guiar outro cego, ambos cairão em uma escavação”57. E quando meu
espírito se dispôs a estar verdadeiramente atento, comecei a conhecer, como si
alguém me houvesse trído a luz, em que lamaçal de erros estava manchados e
envolvidos, e com quanto lama e com quantas manchas me havia desonrado.
Estando, pois, segundo minha consciência profundamente entristecido e irritado
pela miséria em que havia caído, e mais todavia pelo conhecimento da morte que
viria tão próxima, nada julguei tão necessário, depois de haver lamentado com
choro e gemido minha vida passada, como me render e refugiar em sua vida.
Agora, pois, senhor, que me dará a mim pobre e miserável, se não é te oferecer,
por toda defesa esta minha humilde súplica: que te dignes não me tomar em
conta este tão horrível abandono e desvio de sua palavra, dos quais me tem
afastado para sempre por sua maravilhosa benignidade?
Atitudes romanistas e reformistas.
Assim, pois, Sadoleto, compara, se te parece conveniente, esta nossa
defesa com a que tu puseste na boca de teu homem simples. Seria uma
57 Mateus 15.14.
maravilha(surpresa) que não soubesse qual teria de preferir. Pois sem lugar a
duvidas esta em grande perigo a salvação daquele cuja única defesa esteja
apoiada e fundamentada, como sobre uma dobradiça, na afirmação de que
observou sempre a religião que lhe haviam transmitido seus antepassados e
predecesores. Por esta mesma razão, também os judeus, turcos e sarracenos se
livraram do juízo de Deus. Reprovamos, pois, esta vã distorção diante do tribunal
que tem de ser erigido não para provar a autoridade dos homens, senão para se
manter a verdade de um só deus, sendo reprovada a universal carne de vaidade
e mentira58. Que se eu quisesse, como você, me valendo de gozação sarcásticas,
que imagem não poderia pintar, não ainda de um papa ou de um cardeal ou de
qualquer outro venerável prelado de vosso bando (e você sabe perfeitamente de
que cores podem ser pintados, até por um homem pouco talentoso) senão incluir
um certo doutor ainda que fosse o mais primoroso de todos os vossos59.
Certamente ainda não me será necessário, para condenar a este doutor, alegar
conjecturas duvidosas ou lhe atribuir crimes falsos, pois não faltaria muitos
suficientemente provados e evidentes, com os quais se veria demasiadamente
abrumado. Mas para que não pareça que caio no mesmo defeito que repreendo
em você, desistirei de me comportar desta forma. Lhe pedirei unicamente que
reflita uma vez: e que pensem e meditem se alimentam com fidelidade ao povo
cristão, ao qual não se pode dar outro pão que não seja a palavra de seu Deus. E
que não se comprazam demasiadamente em representar seu papel com o
aplauso e consentimento do povo, pois todavia não tem chegado a sua
finalização, no qual não teriam, por certo, um lugar para vender sem riscos suas
falsas mercadorias e enganar as fieis consciências com suas mentiras e
invenções; senão que permaneçam em pé60 ou caiam, unicamente pela vontade
de Deus, cujo juízo terá em conta somente sua equidade imutável e não a voz
nem o favor do povo; e não questionará tão somente os atos exteriores, senão
que julgará a sinceridade ou malícia interior do coração. Não quero julgar a todos
em geral. Sem embaraço que de vós, quando se trata de lutar contra nós, não
58 Nota-se a elegância e a força desta expressão, comprimida pela demais, sobre o texto latino: Universa carne vanitatis. 59 Frase irônica de Calvino ao se referir a “um certo doutor” fazendo alusão ao próprio Sadoleto. 60 Determinação metafísica do latim: stabunt: manter-se em pé.
sente remorso na consciência de que, ao fazer assim, trabalha mais para os
homens que para Deus?
Em todo decorrer de sua carta nos trata com demasiada crueldade; mas no
ultimo parágrafo vens com a boca cheia de todo seu veneno de sua maldade para
nós. E ainda estas injurias em nada nos afeta, e como anteriormente já
respondemos parcialmente a elas, te peço que me digo o que tem passado por
sua cabeça para chegar até nos reprovar em ser avarentos. Crés que os nossos
tem sido tão tolos que não se tenham dado perfeita conta, ainda desde o começo,
que o caminho que empreendiam era totalmente oposto a toda ganância e
proveito carnal? Não viam eles que, ao repreender e censurar vossa avareza,
estavam por isto mesmo necessariamente obrigados a viver com moderação e de
maneira razoável, se não queriam servir de zombaria até para os meninos
pequenos? Não se fecharam eles mesmos o caminho para conseguir riquezas e
farturas de bens, ao ensinar que o melhor meio de corrigir a avareza seria tirar
dos pastores está abundância e riquezas supérfluas para que, estando livres
delas, tivessem maior cuidado para com a igreja? Que riquezas existem então a
que podem aspirar? Pois que; não era o caminho mais curto e mais fácil para
alcançar riquezas e honras a aceitação imediata ainda desde o começo dos
pactos e condições oferecidas por vós? Com que somas não haveria vosso papa
comprado então, e todavia compraria hoje, o silencio de muitos! Se tivessem a
maior mínima ambição se enriquecer, por que, então, preferiram permanecer
pobres perpetuamente (lhes fazendo encerrada qualquer esperança de aumentar
seus bens) em vez de se fazerem ricos em um instante e sem grande dificuldade?
Será, talvez, a ambição a que se refere...?
Todavia não compreendo por que razão nos tem enfrentado, ainda que os
primeiro a empreender esta causa, não podiam esperar outra coisa que ser
reprovados e repudiados vergonhosamente de todo o mundo; e os que vieram
depois, se expuseram consciente e deliberadamente a inúmeros ultrajes e
afrontas de todos.
E estes enganos e intrigas domesticas, onde estão? Não falareis entre nós
suspeita alguma. Fala muito melhor destas coisas em seu santo colégio, onde
todos os dias o agitam entre intrigas.
Único fundamento: a palavra de Deus.
Me vejo obrigado, em por um ponto final, a renunciar de tais calunias. e
quanto ao que diz de que, pretendendo fazer em todo nosso capricho, no temos
encontrado nem um só personagem em toda a igreja a quem estima digno de fé,
ainda temos demonstrado suficientemente que não é senão pura calunia. Pois se
bem pomos a Palavra de Deus acima de qualquer juízo dos homens, e temos
finalmente concedido que os concílios e os santos padres tem certa autoridade,
com tal que estejam conforme a Palavra de Deus, sem embaraço julgamos estes
concílios e padres dignos tão somente de honra de posto que devem ter
razoavelmente depois de Cristo.
Mas é mais grave que os crimes que nos atribui consiste em afirmar que
nós temos nos esforçados em perverter e dividir a esposa de Jesus Cristo. Se isto
fosse certo, você e o mundo inteiro poderia com razão nos considerar como
desajuizados. Sem embaraço não posso admitirem nós estes crimes sem antes
não sustentar que a esposa de Cristo tem sido destruída por quem deseja
entregar a Cristo como virgem casta, por aqueles que possuídos de um zelo santo
em conserva-la integra, por aqueles, corrompidos por diversas concupicencia61, a
devolvem a fé marital, e por aqueles que finalmente não temem discutir com todos
os adúlteros que sabiam como tratavam de corromper sua honestidade.
Poderíamos nós ter-mo feito algo diferente do que o que dissemos? Não havia
sido a honestidade da igreja corrompida, e, o que é pior, violada com doutrinas
estranhas e constituições viajante, por gente de vosso bando? Não a haviam
prostituído violentamente com inumeráveis superstições? Não estava manchada
com esta tão repugnante maneira de adultério? Por certo por não haver suportado
que escarneceis desta maneira o santíssimo e sagrado altar e câmara nupcial de
Cristo, se nos acusa de haver dividido a esposa. Mas eu digo que esta divisão, da
que nos acusa falsamente, é mais que visível entre vós e não somente no
respeito a igreja senão inclusive a respeito a Jesus Cristo, a quem vemos ter
dividido vós. Como, pois, se juntara a igreja com seu esposo, não podendo tê-lo
integro e são? E onde está a saúde de Cristo se a glória da justiça, santidade e
sabedoria tem sido transportada a outra parte? É verdade, antes de começar-mos
61 Latim: Lenociniis.
a guerra, tudo estava perfeitamente tranqüilo e pacifico. A preguiça dos pastores
e o assombro e estupidez do povo haviam alcançado no que se refere a religião
apenas houvesse entre eles nenhuma diferença. Em troca com que obstinação
disputavam os sofistas na escolas. Pelo qual não tem possibilidade de dizer que
vosso reino estivesse tão pacifico, ainda que esta tranqüilidade de devia ao fato
de que Cristo havia emudecido, e estava quase esquecido. Confesso que, depois
da nova manifestação do evangelho, se tem provocado diversas e fortes disputas,
anteriormente desconhecidas.
Sem embaraço não seria razoável atribuir tudo isto aos nossos, aqueles,
durante todo o decurso de sua ação somente tem pretendido, restabelecer a
verdadeira religião, agrupar em uma perfeita e integra união as igrejas que se
achavam dispersa e divididas por discórdias e contradição. E para não contar
coisa passada, não tens recusado agora pouco que se restabelecesse a paz na
igreja? Em vão empreendem todos os caminhos possíveis, quando vós procurais
tudo o contrário. E posto que eles pedem uma paz, na que florescesse o reino de
Cristo; e vós julgais que esta perdido para vós o que tem sido ganhado para
Cristo, nada tens de extraordinário que os oponhais com todo o vosso poder. E
assim falais o modo de destruir em um único dia tudo o que tem construídos eles
para a glória de Cristo durante muitos meses. Não quero abrumarte com grandes
discursos pois em uma única frase posso resumir meu pensamento: os nossos
estão dispostos a dar razão a sua doutrina e não recusarão dobrar-se se lhes
convencer pela razão. De quem depende agora que a igreja não goze uma
autentica paz e da luz da verdade? agora pode ir nos chamando de revoltosos
que não desejamos a paz na igreja. Pelo contrário até aqui que, não esquecendo
nada que pudesse servir para agravar nossa causa, te agrada de novo em lançar
sobre nós toda malevolência por ter-se nestes últimos anos levantado muitas
seitas; mas pensa com que equidade ou baixo que pretexto o dizes. Pois se por
isto somos dignos de ódio, também tivesse sido com todo direito odiado na
antigüidade o nome cristão pelos infiéis e incrédulos. Deixa, pois, de nos
atormentar e perseguir neste ponto, ou confessa abertamente que temos de fazer
desaparecer da memória os nomes da religião cristã, pois é a causa de que se
produz tantos tumultos e divisões neste mundo. Pelo qual não deve prejudicar
nossa causa e que satanás teria por todos os meios impedir a obra de cristo.
Muito mais conveniente e necessário teria sido observar quem é o que tem
procurado atacar todas as seitas que tem vindo nascer. O certo é que nós
somente temos sustentado todo este grande peso, enquanto vós dormiam na
ociosidade.
Rogo ao Senhor que você, Sadoleto, e todos os teus compreendais por fim
que o único vinculo da união eclesiástica consiste em que Cristo nosso Senhor
(que nos tem reconciliado com Deus, seu Pai) nos separa para esta disciplina,
unindo-nos a sociedade de seu corpo para, desta maneira, nos manter unido em
um só coração e pensamento por sua única palavra e por seu espírito.
Estrasburgo, 1 setembro, 1539.