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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros RENILDO, S. O imbróglio financeiro. In: Estado e capital na China [online]. Salvador: EDUFBA, 2018, pp. 167-191. ISBN 978-85-232-2002-0. https://doi.org/10.7476/9788523220020.0009. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. Capítulo VII O imbróglio financeiro Renildo Souza

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros RENILDO, S. O imbróglio financeiro. In: Estado e capital na China [online]. Salvador: EDUFBA, 2018, pp. 167-191. ISBN 978-85-232-2002-0. https://doi.org/10.7476/9788523220020.0009.

All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license.

Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0.

Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0.

Capítulo VII O imbróglio financeiro

Renildo Souza

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CAPÍTULO VII

O imbróglio financeiro

AgrandedisputaemtornodafinançanaChinaestádirecionadaprincipalmente no ataque ao sistema bancário, acusado de ine-ficiente, concentrado, vulnerável, a serviço da ingerência polí-ticadoEstado chinês. “Cartagodeve serdestruída”: eliminema“repressão financeira”, liberalizem os mercados de capitais, des-montem os quatro grandes bancos, com capital majoritário es-tatal (Banco Comercial e Industrial da China, Banco da China, BancodaConstruçãoeBancodaAgricultura)!29 Com o Banco das Comunicações, com participação estatal minoritária, constituiu-se o grupo dos cinco grandes bancos.A concentração bancária na

29 Valeexplicarqueháumacertaconfusãosobreaidentificaçãodos“quatrograndes”.Parauns,comoaconsultoriaMcKinsey,alémdoBancodaChina,Banco da Construção e Banco Comercial e Industrial, o quarto seria o Banco dasComunicações.Masparaoutros,comoDeutscheBank,mantidosostrêsprimeiros,oquartoseriaoBancodaAgriculturadaChina.(HANSAKUL,2006,p.2)

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China em ativos é acentuada e encontra-se nas mãos de dez institui-ções. Há duas décadas permanece a cantilena alarmista sobre o cer-to e iminente colapso total da China por conta do endividamento monumental das empresas e dos governos provinciais e locais.Como remédio, recomendam-se a privatização do setor bancário, ofimdoscontrolesdosfluxosdecapitais,ocancelamentodoregi-me de administração do câmbio, novas etapas de aprofundamento da livre internacionalização e convertibilidade do yuan (é claro, subordinadoaodólar,globalmente),elevaçãodastaxasdejuroseliberalizaçãoerelevânciadasempresasprivadaseestrangeirasnasbolsasdaChina.Emgeral,pressiona-sepelaaberturadaChinaàglobalizaçãofinanceira,moldadapeloregimedólar-WallStreet.

Masparaoscapitaisjáinstaladosnaestruturaprodutivachine-sa, o financiamento por meio de massivo e barato crédito dos ban-cos públicos contribui para seus lucros. Esses capitais só precisam repassar para os bancos volumes relativamente menores de mais--valia,sobaformadepagamentosdejurosnacomparaçãointerna-cional. Há aqui uma função econômica do Estado chinês, através dos bancos públicos, em subsidiar o rendimento efetivo do capital. Atéquandoaintegralidadedessemecanismoésustentável?

Quando o plano de crédito sai de cena

PorqueafinançanaChinaseencaminhouparaessaencruzilhada?Aqui é preciso voltar à distinção entre a planificação do tipo so-cializante, do passado, e a planificação associada ao mercado e ao capital privado, do período das reformas. Anteriormente, no pe-ríodo maoísta, a planificação estabelecia a alocação dos recursos, mesmo considerando os esforços de descentralização econômi-ca e administrativa ocorridos, especialmente, em 1958 e em 1970. O Estadoimplementavaessaalocaçãoderecursos,conformeregrasorçamentárias e de planificação da produção. Havia um plano de

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crédito e um plano monetário que eram operados, sobretudo, pelo Banco Popular da China. Esse Banco controlava quase todos os ati-vos financeiros e suas respectivas transações, os fluxos monetários nos mercados consumidores e a transferência de recursos entre os ramoseconômicos.Alógicafinanceiraeraoutra,bastantedistintada atual. As questões de eficiência, concentração e vulnerabilidade no sistema bancário eram importantes, mas estavam situadas em circunstâncias distintas das de hoje, associavam-se a processos di-ferentes, condicionavam-se aos objetivos da transição socialista.

A estratégia financeira chinesa expõe-se a muitos riscos nocontextodafinançaglobalizadaque,cadavezmais,tendeaamar-rar-seàChina,pormilfios.Oneoliberalismoeaglobalizaçãofi-nanceira, durante quase quatro décadas – coincidentemente com o período das reformas chinesas –, impuseram a assim chamada tirania dos mercados financeiros. A financeirização entronizou o comandodocapitalfinanceiroeoaumentodainfluênciadalógicada valorização das empresas no mercado acionário, dependendo daespeculaçãosobreosganhosbursáteisdosoperadoresnocurtoprazo. Criou-se uma nova autonomia relativa da finança, preser-vando-sesuainterpenetraçãocomaprodução.Vive-seaépocadadesregulaçãodosmercadosfinanceiros,aliberalizaçãodosfluxosinternacionais de capitais, a hipertrofia dos chamados investidores institucionais (fundos de pensão, fundos mútuos, companhias de seguro).Estabeleceu-seumanovadivisãode trabalhonoâmbitofinanceiro,comnovolugarparaocréditobancárioeoavançodafinançadiretaatravésdetítulosdiversos,inclusivenegociáveisemconfigurações quaisquer em balcão ou em formas padronizadasnas bolsas.Multiplicaram-se as oportunidadesde especulação e,simultaneamente, de riscos. Liberalizaram-se as taxas de juros, ao ladoda submissãoda taxade câmbio aosperigosde gravevola-tilidade. Sucedem-se crises financeiras, como ocorreu na própria Ásia,em1997-8eglobalmenteem2007-2008.

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Se, na China, depois de 1978, as reformas foram orientadas para o mercado, então já não cabia a planificação da alocação dos recursos financeiros. Assim, com as reformas financeiras, o pro-cesso conduziu, cada vez mais, à extinção do plano de crédito, ao fortalecimento da política monetária convencional e à criação e liberalização, gradualmente, dosmercados financeiros.O BancoPopular da China foi submetido a reformas desde 1979, separou--sedoMinistériodasFinançasetornou-sebancocentralem1984.Nas reformas,atribuiu-seaoBancodaChinaatarefadelidarcomocapitalestrangeiro,emrazãodocomércioeinvestimentodireto.OBancodaAgriculturadaChinadeveriaseocupardastransaçõesna área rural. O Banco da Construção do Povo da China assumi-ria as transações bancárias decorrentes dos investimentos, ou seja, formação de capital, inclusive na produção industrial. O Banco Comercial e Industrial da China, fundado em 1984, seria o res-ponsável por todas as transações ainda não atribuídas aos outros bancos.Aolongodosanos1980,foramcriadasinstituiçõesmeno-res:bancosdosgovernoslocais,nasZonasEconômicasEspeciais,ecooperativas de crédito, em áreas rurais e nas cidades. Em 1994, foi abolida a sobrevivência do mecanismo de crédito direto do banco central(BancoPopulardaChina),que,emseguida,passouaope-rarplenamentesobcritériosdemercado,apartirdalegislaçãode1995.(MEHRAN;QUINTYN,1996;ALLEN;JUN;MEIJUN,2005)Em vez do plano, as operações de mercado ampliaram-se, cada vez mais, como tinha de ser.

A expansão dosmercados financeiros tinha e tem de exigirmaior liberalização. Do ponto de vista liberal, a China deve abolir oslimites,controleseaçãoestratégicadoEstadonafinança.Erae é preciso tirar da frente aquela estrutura formada pelos cinco grandesbancos.Era e épreciso abrirpassagemaosmercados fi-nanceirosprivados,livreseinternacionalizados.Ocontrolegover-namentalsobreocréditoévisível:nofinalde2006verificava-se

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que,alémdeoutrosbancosestatais,apenasosquatrograndes–oComercial e Industrial, o Banco da China, o Banco da Construção eoBancodaAgricultura–detinham52,5%dosativosbancários.Assim, uma das formas de atacar os resquícios de controle estatal sobre a finança é a ensurdecedora campanha, sobretudo martelada poracadêmicos,mídiaebancosocidentais, alémdoFMI,BancoMundialeOMC,sobreagigantescadívidaincobráveldasempre-sasestataisegovernoslocaisjuntoaosbancos.Aremanescentein-terferênciaestatalestariagerandooperigodeumagrandecrisenaeconomia da China, além de distorcer a oferta de crédito e a aloca-çãodosrecursosporcausadasalegadaspreferênciasdeempresasestatais e das taxas de juros impositivamente baixas. Portanto, essa anunciada grande crise, tão desejada por décadas, estaria sendopreparada pelos créditos bancários, os quais, contudo, têm sido um dos principais mecanismos de respaldo da alta taxa de investimen-to para manter o crescimento do PIB. Nesse sentido, em resposta àcriseglobalde2008,ocréditobancárioampliou-seaindamais.

Na orientação econômica chinesa, a tendência, o futuro, é pre-valecerafinançademercadosobreafinançaregulada.Maisumavez,asoluçãorecomendadapelograndecapital,apartirdaspraçasdeNovaIorqueeLondres,éadesregulaçãodosmercadosfinan-ceiros,compenetraçãodosbancosestrangeiroseliberalizaçãodabolsa.Éclaroqueasgrandesinstituiçõesestrangeirasanseiamporum pedaço do lugar ainda ocupado pelos cinco grandes bancoschineses.Ocomeçodolongoeatéagoracontroladoprocessodeliberalizaçãocontoucomaprogramaçãoeocalendáriodasmedi-das desestatizantes, que tinham sido assumidas no acordo com a OrganizaçãoMundialdoComércio,em2001.Masamudançatemcustos:oEstadochinês,atémeadosdadécadade2000,despendeuUS$ 400 bilhões no saneamento dos bancos desde 1998. (CHINA TOOPEN,2006)ZhuMin,vice-presidentedoBancodaChina,comemorou,emnovembrode2006,aliberalizaçãodapropriedade

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bancária,comsuasaçõesnegociadasembolsa,queteriaprovocadoareduçãodoscréditosdedifícilrecuperaçãoparaapenas5%.Minesclarecia que os bancos chineses, como última meta da reforma, sevoltariamparaumagestão,aseuver,moderna,eficiente,confor-meoscritériosdemercado.(INTENSIFICA,2006)

A despeito de todos os passos liberalizantes, não tem sido sim-ples nem efetivo o desmonte do sistema bancário estatal em um país como a China. Com esses bancos estatais, o país não está crescendo hátantotempo,apesardasadversidadesdacrisemundial?Nãoéesse ainda certo controle estatal remanescente que influencia a oferta de crédito para a produção, que tem beneficiado o ritmo de crescimentodaeconomiaeosempregos?Considerem-seosdadosseguintes:i)aindaem2004,osbancosconcentravam72%dosesto-ques financeiros do país, enquanto, comparativamente, o sistema bancáriodosEstadosUnidosdetinha19%eodaCoreiadoSul,33%;ii)em2005,aparcelaesmagadorade95%dosnovosrecursosfinan-ceirosparaasempresasoriginou-sedecréditobancárionaChina;iii) havia um gigantesco volume de depósitos bancários:US$ 3,5trilhões, aproximadamente metade das famílias e metade das em-presas,emmarçode2006.(FARREL;LUND;MORIN,2006,p.1)

Entretanto, há uma forte crítica de que a atividade rural dos camponeses é quase excluída do acesso ao crédito. Todos os recur-sos,segundoalógicademercadopeloscritériosdeliquidezelucro,são direcionados para a industrialização e urbanização. Nas décadas de2000e2010,osgovernosdeHuJintaoeXiJinpingtêmenfatizadoa retórica do apoio à construção do chamado novo campo socialista. Emjunhode2006,oEstadofundouoBancoPostaldePoupanças,comoplanodeatingiramplamenteovarejoeasregiõesruraisdopaís, com a perspectiva de se tornar um dos maiores bancos comer-ciais da China. Os bancos de aldeia e municípios, que eram apenas noveem2007,aumentarampara1.071em2013.Masessesbancosseempenharampouconoapoioàagriculturacamponesa.Naverdade,

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registrou-sefortequedadonúmerodefiliaisdebancosecoopera-tivas no campo, na década de 2010. De 1978 até 2013, a China passou por grandes avanços econômicos,mas a parcela de créditos paraa agricultura, inclusive considerando as empresas rurais, flutuoudentro da banda de 3% a 8% do total de empréstimos. Assim, no fim de2012haviamenosde20%dos273milhõesdeagricultorescomacessoaocrédito.(ZHOU;FENG;DONG,2016)

Na China, os bancos, voltados para as atividades urbanas, empres tam principalmente para as empresas, em vez dos consumi-dores.Ocréditobancárioprivilegiaasgrandesempresasestatais,enquanto as pequenas e médias firmas, juntamente com as com-panhias estrangeiras, só conseguemuma parcelaminoritária dosempréstimos bancários. Então, a pressão liberal insiste que, para começar,oalvodareformadeveserosquatrograndesbancoses-tatais, que precisariam ser submetidos aos “padrões de classe mun-dial através da diversificação da propriedade, com capitais externos eofertapúblicadeações”.(FARREL;LUND;MORIN,2006,p.1)Elogia-seadesregulaçãodastaxasdejurosnosbancos,comasu-pressão do teto das taxas para os empréstimos e do piso para as taxas os depósitos. As chamadas instituições financeiras não bancárias já têmliberdadedefixaçãodataxadejuros,dentrodemargensesta-belecidas,desdeo iníciodosanos 1990. (MEHRAN;QUINTYN,1996,p.19)Em2001,aholdingfinanceiraprivadaPing’anInsurerob-teveolucrolíquidode1,76bilhõesdeyuans (US$ 212 milhões). Em janeirode2003,areceitadosprêmiosdesegurosdascompanhiasprivadas já tinha alcançado US$ 15,53 bilhões e metade das empre-sas de leasingeramprivadas.(TANG,2003)

A economia doméstica da China ainda é dominada pelo financia-mentobancário,comomostramosdadosseguintes(HANSAKUL,2006,p.2):i)nototaldofinanciamentoaosetordomésticonãofi-nanceiro, os empréstimos bancários passaram de 75,9%, em 2001, para86,8%,em2006.Sóissojáexplicaograndeinteressedosbancos

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estrangeirosemcomprarouseassociarcomosbancoschineses;ii)comparativamente, os títulos da dívida pública, no mesmo período, entre2001e2006,caíramde15,7%para1,4%,mostrandoainexpres-sivadependênciadeemissãodedívidapelogovernoparafinanciarseusgastos,demonstrandoumaautonomiaimportantediantedoscredoresparafazerpolíticamonetária;iii)aemissãodetítulospelasempresasaumentoude0,9%,em2001,para6,1%,em2006,signifi-cando um importante crescimento, mas a quantidade de finança diretaaindaébaixíssimanaChina;eiv)aemissãodeinstrumentosparaos investimentosdosgrandespatrimônios financeiros repre-sentou7,6%,em2001,ebaixoupara5,6%,em2005.

A promessa de liberalização bancária

O tamanho e a importância do sistema bancário da China apare-cem claramente na comparação com outras economias asiáticas.30 Oportedaatividadebancáriaemumagrandeedinâmicaecono-mia como a chinesa desperta o grande interesse internacional.As pressõespela liberalização,privatização e internacionalizaçãoda estrutura bancária e dos serviços financeiros são persistentes. As reformas buscam responder a essas pressões, preservando um limitedecontroleestatal.Nesseprocesso,registre-seque,emja-neirode2003,ocapitalprivado–chinêseestrangeiro–controlava14,6%dosativosdosbancoscomerciaisnaChina.

30 Ver gráfico no estudo de Hansakul (2006, p.1) com os volumes de depó-sitos e empréstimos bancários (em % do PIB) na comparação entre China, Índia,CoreiadoSuleIndonésia,em2005.NaChina,registralargafolgadedepósitos(quase160%doPIB)sobreosempréstimos(cercade105%doPIB).Ademais, o volume de transações bancárias, como proporção do PIB, é muito superioraospaísesdacomparação.NaCoreia,essastransaçõesnãoatingem60%doPIB.

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AComissãoReguladoraBancáriadaChina(CBRC)conduziuum plano para ampliar a liberalização financeira. Assim, confor-mecompromissoassumidoperanteaOMC,osbancosestrangei-rostiveramgradualmenteliberdadeparatransaçõesnosmercadosdomésticos com a moeda chinesa. Isso foi concretizado a partir de dezembrode2004,emPequim,KunmingeXiamen,eatéofimde2005,emShengyang,NingboeShantou.Foiestimuladaapartici-pação,nasmaisvariadasformas,deinvestidoresestrangeirosnosbancoschineses.Ogoverno, semabrirmãodocontrole,buscouatrairumavariedadedebancosestrangeiros.(BANKING,2004)

Conforme o China Daily (ediçãode5deagostode2004),ogover-noadotouresoluções,emvigorapartirde1ºdesetembrode2004,afimdeampliaraaberturaparaosbancosestrangeiros.Os requeri-mentos mínimos de capital para abertura de filial e para atuação no varejo, com transações domésticas em renminbi, foram reduzidos, respectivamente,deUS$48paraUS$36milhõesedeUS$72paraUS$60milhões.Nesseconjuntodemedidas,adotou-searevoga-çãoqueproibiaainstalaçãodemaisdeumaagênciadeumbancopor ano.Uma centena de bancos estrangeiros já tinhanegócioscom clientes chineses, operando com o renminbi, fazendo com que aChinaseantecipasseaocompromissocomaOMCmarcadopara2006relativamenteà liberalização internapara transaçõescomamoeda chinesa. Assim, em junho de 2004, os ativos dos bancos es-trangeiros,denominados renminbi, totalizavam US$ 10,2 bilhões. (CHINA’SDOOR,2004)

OConselhodeEstado,em15denovembrode2006,emitiunovaregulamentação sobre os bancos estrangeiros, liberalizando suasatividades.(CHINAISSUES,2006)Assim,desde12dedezembrode2006,osbancosestrangeiroscomeçaramaatuarlivrementenopaís, realizando as transações do varejo bancário com a moeda lo-cal, o renminbi (yuan,ouseja,CNY),emnegóciosdiretamentecomasempresasepessoasdaChina.Osbancosestrangeirospodemter

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acesso ao mercado de depósitos menores, ou seja, menos que um milhão de yuans, se funcionar, antes, por três anos, com dois anos consecutivosderegistrodelucro.

Algumaliberalizaçãobancária,dopontodevistaformal,foiumdos mais importantes compromissos já cumpridos pelo Estado chi-nêsperanteaOMC.EssaaberturaprovocouummovimentodosbancosestrangeirosparainstalarsuasfiliaisnaChina,comosmes-mos direitos e tratamento dos bancos nacionais. (INTENSIFICA, 2006)Formalmente,osbancoschinesesestãomaisexpostosàcon-corrência e podem vender certa participação acionária aos bancos estrangeiros.Aregulamentaçãoprioriza,teoricamente,osestran-geiros que criem sólidas estruturas bancárias locaisnaChina, oque é mais fácil para os bancos com maiores recursos, ou seja, as maiores instituições financeiras internacionais.

Quantoaosquatrograndesbancos,oavançodamodalidadedelimitada privatização “por dentro”, através de ofertas públicas de ações,começouem2005e,sobretudo,noanode2006.Pordentroda estrutural estatal, avançariam pequenas parcelas de capital pri-vado.Osquatrograndesbancosdeixaramdeserbancosintegral-mente estatais, passando uma pequena parte de sua propriedade aos detentores de ações, inclusive os maiores bancos internacio-nais.Arestringidaprivatização“pordentro”échamada“parceriaestratégica”.Argumenta-sequeessamudançaparcialnaproprie-dade,preservadooclarocontroleestatal,podeprovocarosurgi-mentodeumanova culturade gerenciamento independentedocrédito e administração dos riscos, conforme os padrões do mer-cado.O fechamentodeagênciasem25%entre2002e2005,bemcomoareduçãodonúmerodeempregadosem7%,foijustificadocomo medidas para aumentar a eficiência nesses maiores bancos. (HANSAKUL,2006)

Conformeasnovasregrasdejaneirode2004,comostetosparaparticipaçãonocapitaldeumbancochinês,umsócioestrangeiro

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está limitado a possuir até 20% da propriedade, enquanto todos ossóciosestrangeirosjuntossópodemreter25%dapropriedade.Supõe-se que a associação com os bancos estrangeiros disponi-biliza inovações, tecnologia e métodos gerenciais modernos daatividade bancária, assim como abertura de oportunidades para expansãodosnegóciosemaiorfoconabuscadelucros.OBancoIndustrial e Comercial da China, o maior do país, já tinha vendido uma participação de 10% no seu capital ao consórcio formado por GoldmanSachs,AllianzeAmericanExpress,aopreçodeUS$ 3,8bilhões,emjaneirode2006.(GUERRERA;McGREGOR,2006)O Banco da Construção já conta no seu conselho de administra-çãocomosrepresentantesdeseusnovossócios,BankofAméricae Singapore’s Temasek, que agora detêm 14% do referido ban-co chinês.OBancodaChina vendeu 16%de seu capital para oRoyalBankofScotland31,MerrilLynch,LiKa-shing(umempre-sáriodeHongKong),Singapore’sTemasekHoldings,UnionBankSwitzerland(UBS)eAsianDevelopmentBank(ADB).

Desenvolve-se a transformação controlada da propriedade estataldebancosmenores–regionais,locais,setoriais–,comsuaes-truturadepropriedadesendo,emparte,negociadaembolsa.O con-trole acionário (85,59% do capital) do Banco de Desenvolvimento de Cantão (Guangdong)foicompradopeloCitigroupàfrentedeumconsórciodeinstituiçõesestrangeirasechinesas,emnovembrode2006.Obancoadquiridoeraumdosmaisimportantesdopaís,esta-va sediado na província mais industrializada e possuía uma rede de 500agências.Dessaforma,oCitigrouptornou-seaparelhadoparaadisputadovarejobancáriochinês,alémdosnegócioscomasgrandesempresas.(CITIGROUP...,2006)OBancodePequimassociou-se

31 ORoyalBankofScotlandsofreu imensosprejuízoscomacriseglobalem2008e2009efoiresgatadocomrecursospúblicos,quelevaramàparticipaçãomajoritáriaestataldoReinoUnidonocapitalsocialdobanco.

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ao INCGroup e à IFC (World Bank).O Banco deXangai ven-deu participação para o HSBC, IFC e para o Banco Comercial de Xangai(sediadoemHongKong).OsBancosComerciaisdascida-desdeHangzhoueJinanpassaramapartilharocapitalcomoBancoCommowealthdaAustrália.OBancoComercialdeNanchongtemparticipaçãodoDEGGMBH.OBancoComercialdeNanjingcon-tacomrecursosde IFCeBNPParibas.OBancoNingbovendeupartedesuasaçõesaoOCBCdeCingapura.OsBancosComerciaisdaRegiãodeXangaiedacidadedeTianjinassociaram-seaoGrupoBancárioAustrália&NovaZelândia (ANZ).OBancoComercialde Urumqi incorporou a participação do Banco Habib. O Banco ComercialdeXi’an temna suapropriedadeapresençade IFCeScotia Bank.OANZ adquiriu 19,9%doBancoRural deXangai.(HANSAKUL,2006,p.6)

Otamanhodapresençaestrangeiraaindaédiminutonosetorbancário da China, no qual apenas o Banco Comercial e Industrial da China, Banco da China, Banco da Construção e o Banco das Comunicações possuem uma imensa rede de 70 mil agências epostos.Oslucrosdosbancosestrangeirosdobraramnoperíodode2001a2005,passandodeUS$196milhõesparaUS$446milhões,masissoémuitoinsignificantecomolucrobancárioemumaeco-nomia como a chinesa. Pela trajetória dos fatos, a promessa de li-beralizaçãovaiexigirumlongoperíododetempo.Antesdacrisecapitalistamundialde2007-8,osbancosestrangeirosplanejavamparticipar da atração dos dois trilhões de dólares das contas de poupançanopaís.(CHINATOOPEN,2006)

Emumestudodivulgadoemdezembrode2006,oDeutscheBankexclamousuasurpresaesatisfaçãocomaprofundidadedasreformasnosistemabancáriodaChina(HANSAKUL,2006),emtrêsanos,de2004a2006,sobretudonaestruturadepropriedade.AsmedidasdeaberturadaOMCaumentaramademandadoschi-nesesporaplicaçõesnosbancosestrangeiros,emboraestesainda

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estejammuitoconcentradosnasáreascorporativas,comgrandestransações e administração de investimentos de ricos patrimô-niosfinanceiros.Háumprocessodereorganizaçãobancária,mais fusões e aquisições, associação com bancos locais voltados para o varejo bancário (consumo, cartão de crédito, empréstimos a empre-saslocais).Masasmedidasdeparcialliberalizaçãobancáriaficarammais no papel, sem efetividade. Portanto, em 2009, as diversas ins-tituições bancárias estatais ou controladas pelo Estado possuíam elevadíssima parcela de 72,73% dos ativos bancários do país, que foimantidaem68,51%em2014,enquantoosbancosestrangeirosnessesrespectivosanosdetinhamapenas1,68%e1,58%dosativos.(WATSON,2017,p.26)OBancoComercialeIndustrialdaChinaeoBancodaConstruçãodaChina em2016, como jáocorrehámuitos anos, mantêm-se como os dois maiores bancos do mun-do,seguidosnoreferidoanopelosamericanosJPMorganChaseeWellsFargo,respectivamenteemterceiroequartolugar.

Bolsas importantes, mas ainda secundárias

Osadvogadosda liberalização financeiranaChina sempreutili-zamoargumentodocontrasteentreotamanhojáalcançadopelaeconomiachinesa,comosegundomaiorPIBdomundo,eaestrei-teza do mercado de capitais no país. Todavia, desde 2014, as bolsas deXangaiedeHongKongcomeçaramumprocessodeconexãodesuas operações e, no futuro, é provável que esse mercado unificado daChinapossaseaproximardealgumacompetiçãocomapraçafinanceiradeNovaIorque.Masessaéumacaminhadalongaecar-regadadasturbulênciastípicasdafinança,adespeitodoscontrolesgovernamentaischineses,comoficoudemonstradonosepisódiosde crashnabolsadeXangaiemmeadosde2015enoiníciode2016,refletindoosperigosdaascensãoespeculativa.

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AsbolsasdevaloresdeXangaieShenzhenforamcriadasem1990e1991,respectivamente,emboranocasodeXangaitenhasidouma recriação, porque nessa cidade a bolsa foi aberta, pela primeira vez,em1860.Desdeosanos1990,omercadodecapitaiscriadonãoacompanhou o crescimento acelerado da própria economia. No pe-ríodode1993a2003,somente244empresascomregistronasbolsaschinesas asseguraramopagamentodedividendos,por três anosconsecutivos, aos detentores de ações. Em 2001, houve uma onda de alta dos preços dos ativos cotados nas bolsas chinesas, mas, nos anosseguintes,ovolumedenegócioseavalorizaçãodemercadomostraram-se muito baixos. As bolsas chinesas continuam com suadivisão:asaçõesdotipoAsãonegociadasemyuans e as ações detipoBsãotransacionadasemmoedaestrangeira.Oschinesespodemoperarnosdoissegmentos,masosinvestidoresestrangei-rossópodemnegociarasaçõesdetipoB,quetêmsidoosetordasbolsas chinesas com maior expansão. Há um movimento, inclusi-vecomofertapúblicainicialdeempresasestratégicas,paratentardiminuirafortepresençaestatal.Masessalimitaçãodosnegóciosbursáteis começou a ser superada na década de 2010. De fato, as bolsas chinesas passaram a experimentar importante expansão.

Em dezembro de 2014, a bolsa de Xangai possuía 3758 tipos diferentes de títulos, entre ações, títulos de dívida pública, papéis comerciais das empresas, títulos de fundos de investimento etc. Essa bolsateveem2014osignificativovolumedenegóciodemaisde128bilhões de yuans, registrandoocrescimento–especulativo, insus-tentável – de 48,13% em relação ao ano anterior, 2013. (XANGAIStockExchange,2015,p.5)Comparativamente,valelembrarquenofinalde2004ovalordemercadodasempresascomaçõesnegocia-dasemHongKongenoexterioralcançoulimitados2,21bilhõesdeyuans,enquantooconjuntodasempresasregistradasnasBolsasdeXangai eShenzen tinhaumvalor aindamais acanhadode 1,2 bi-lhões de yuans.(EMPRESAS,2005)Mas,nofinalde2014,abolsade

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Xangairegistrouacapitalizaçãodemercadodemaisde24bilhõesde yuans, conforme a valorização das ações das 995 empresas listadas.

Há uma tendência inexorável à internacionalização, inclusive financeira, das empresas chinesas, e uma pressão para que o mer-cadodecapitaischinêssejamaisliberalizado.Jáem2005,ogover-nolançouumareformaliberalizante.Asleiseregulamentosforammodificados,adaptando-osaosassimchamadospadrõesgeralmen-te aceitos, conforme os principais mercados financeiros do mundo. As medidas promoveram a conversão de parte do bloco de ações nãonegociáveisemnegociáveis.Tratava-sedeumblocoestratégico,porque eram ações detidas pelo Estado e que viabilizavam o contro-leestatalsobrealgumasempresas.Assim,aceleradamente,maisde300empresas,aindanosegundosemestrede2005,játinhamtoma-doasdecisõesdenegociabilidadedesuasações.Nos anosseguintescontinuou o curso das mudanças na sua estrutura patrimonial das empresas,comimpactosobreosnegóciosnasbolsas.As maioresempresasebancosdaChina,apartirdemeadosde2006,começa-ram a lançar ofertas públicas iniciais e concretizar a listagem embolsa, como ocorreu, por exemplo, com a maior empresa chinesa, a petroleira Sinopec.

Conforme a retórica convencional, argumenta-se que o regis-trodosgrandesbancosestataisnabolsadevaloresfavoreceadis-ciplina de mercado sobre a administração bancária, priorizando os lucrosdosacionistas.Emjulhode2006,pelaprimeiravez,umdosquatrograndes,oBancodaChina, colocou suasaçõesparacota-çãonapartecontinental,ouseja,naBolsadeXangai.Supõe-sequea oferta pública das ações do Banco da China no mês anterior, na BolsadeHongKong,tenhasidofeitacompreçosexcessivamentebaixos. O Banco estava sendo vendido muito barato. Para confir-mar isso, houve a valorização expressiva das ações no lançamento na BolsadeXangai,noqualseobteveumaumentodeUS$2,5bilhõesde aumento na cotação da oferta pública. Esse é um exemplo dos

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inevitáveisjogosbursáteis.Emoutubrode2006,foiavezdoBancoComercial e Industrial da China ser listado, simultaneamente, nas BolsasdeValoresdeHongKongedeXangai.Osoutrostrêsgran-desbancosjátinhamsuasaçõesnegociadasembolsa.OprimeiroaserregistradoembolsafoioBancodaConstrução,emoutubrode2005,naBolsadeHongKong.Nesseano,conformeacapitalizaçãode mercado, o Banco Comercial e Industrial (BCI) é o maior do país e o quinto maior do mundo. Desmentindo todos os ataques libe-rais desferidos contra o sistema bancário chinês, a oferta pública de ações do BCI defrontou-se com elevada demanda e teve uma subs-criçãocomumágiodeUS$22bilhões. Issomostraqueospreçosiniciais das ações foram propostos em níveis muito baixos, mas tam-bém revela o interesse privado pelos bancos estatais, pela lucrativi-dadeepotencialidadedessesbancos.(WORLDBANK,2006)

Como reflexo da reforma implementada no final de 2005 houve a recuperação do mercado acionário chinês, como revelou a alta do ÍndiceCompostodeXangai.Masissofazsentido:asaçõesdoEstadopassaram a ser vendidas a preço de ocasião. Por isso mesmo, em ou-tubrode2006,ovolumederecursosmobilizadopelascorretorasdevaloresalcançoumaisde604bilhõesdeyuans, registrandoumau-mento de aproximadamente 183% sobre o mesmo mês do ano ante-rior. Os ricos e as empresas chinesas foram às compras nas Bolsas de Valores,porqueorendimentoesperadoeramuitoelevado.As esta-taisestavambaratas!Nodia14denovembrode2006,aXinhua (Nova China),aagênciadenotíciasdaChina,divulgouumanotamuitoexagerada, relatando que a população chinesa estaria apostandoemaçõesereduzindoapoupançanosbancos.(LA POBLACIÓN,2006)Bem,nãoéapopulação,nãosãoosoperáriosecamponeses,certamente, que estãonegociandonaBolsa e lucrando comessespassos ainda pequenos e controlados de leve alteração da proprie-dade estatal nas bolsas chinesas, via oferta pública de ações.

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Osacontecimentosnasbolsaschinesasem2015e2016demons-tramamaterializaçãoinevitável,quevaichegar,emboraaindasu-jeita aos controles estatais, da tendência especulativa da finança na China.Asbolsaschinesasestãosendogradualmentelevadasparao horizonte predominante na alta finança internacionalmente. A crisede2008eseusdesdobramentosnãocontiveramofenôme-no da financeirização no capitalismo contemporâneo. Nos princi-pais mercados no mundo, os detentores de patrimônio financeiro apoiam-senos títulosnegociáveis embolsa, emumcontextodereorganizaçãodoespaçoantesocupadopelocapitalismomaisvin-culado a operações produtivas, que também tinha suas conexões orgânicascomomercadofinanceiro.AChina,querendoounão,vai sendo, aos poucos, empurrada, pelos grandes capitais, parauma trajetória liberalizada e internacionalizada de seus mercados financeiros. A China não pode escapar, incólume, ilesa, aos me-canismos e processos da especulação e financeirização no mundo. Essa tendência da finança se insinua e se introduz na China de for-ma particular e distinta, com as peculi aridades chinesas, a despeito dalargamentedominantedinâmicaprodutiva,associadaàfinançaorganizadaereguladapeloEstadoatravésdocréditobancário.Emjulhode2010,ogovernochinêsautorizouaemissãodebônus,de-nominados em renminbi,porempresasestrangeirasnãofinancei-ras.Chegouummomento,nasegundametadedadécadade2010,emqueaChinafoiobrigadaalutarpelainternacionalização,aindacontrolada, do renminbi.A contade capital dobalançodepaga-mentosfoisubmetidaaalgumgraudeliberalização.

Como perspectiva para a China, é possível que a ala dos refor-madores liberais sonhe com um futuro na forma que já foi dese-nhadaporEduardBernstein:umséculoatrás,eleafirmava,comotimismo reformista que “o número de acionistas e o volume mé-diodadetençãodetítulostêmcrescidorapidamente”;eera“óbvio

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que nem todos os acionistas merecem o nome de capitalistas”. (BERNSTEIN,1997b,p.56)

Shadow banking com características chinesas

Em2012,oJPMorganChaseestimouotamanhodoshadow banking daChinaemUS$6trilhões,ouseja,em69%doPIBdopaís,ou39%dosativosdosbancoschineses,enquantooBankofAmericaMerrillLynchavaliouemUS$2,3trilhões,istoé,28%doPIB,ou15% dos ativos bancários. (TSAI, 2015, p. 20) A natureza do shadow

banking,tantoemtermosdeausênciaderegistrocontábilnosba-lanços dos bancos quanto no que diz respeito às operações majori-tariamentelivresdasupervisãogovernamental,dificultaatémes-mo a mensuração do verdadeiro tamanho dos ativos envolvidos. A respostagovernamentalchinesaàcriseglobalde2008reforçoua forte expansão do crédito na China nos anos 2000. Esse processo combinou-se com as reformas de liberalização parcial nas finanças, resultandoemnovaconfiguraçãofinanceiranaChina,onde,de-poisdacrisede2008,houveumaretomadadosperigosdasgrandesdívidasdeempresasegovernoslocaiseoagigantamentodoshadow

banking com características chinesas.Na China, proliferam as atividades financeiras de shadow ban-

kingenvolvendobancoseempresasestatais,governoslocaiseose-tor privado nas mais variadas escalas e formas. Aparece até mesmo umaespéciedeagiotasemdemasiaesobasvistasgrossasdasauto-ridades. Criou-se um sistema financeiro informal, com múltiplos canais de aplicação e especulação através da internet e redes so-ciais,empresasdecorretagem,pequenosemédiosbancos,canali-zando recursos em busca de retornos elevados. Na prática, há uma desregulaçãodisseminada,independentementedasnormaseins-tituiçõesreguladoras,interligandoesolidarizandoossetoresesta-tal e privado no potencial de riscos e crises, como demonstrou a

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origemeiníciodacrisede2008nomercadofinanceirodosEstadosUnidos, sob a exuberância de especulação e dívidas. Nas condi-ções dessa arquitetura financeira de interpenetração das operações dos bancos universais e do shadow banking, uma crise de crédito transformou-se em crise financeira global, que se desdobrounachamadaGrandeRecessão,apartirde2008.

Finança e concentração da riqueza

O casamento entre os mercados financeiros e a concentração da riquezaempoucasmãos tambémocorrenaChina?DianaFarrel,SusanLundeFabriceMorin(2006,p.3)advertemqueosbancoschineses dependem dos poucos ricos para seus lucros, já que apenas 2%dasfamíliasconcentram60%dariqueza.Chama-seaatençãodeque,pelocoeficientedeGini,ariquezaémaisconcentradanaChinadoquenosEstadosUnidos,ondeadesigualdadetempro-vocadograndesmalessociaisepolíticos.Assim,naChina,éclaroquealgunsricospodemsacarseusdepósitos,ouobtercréditos,es-peculando em busca de aplicações com melhor retorno financeiro. Em2006,ogovernodeuumpequenopassonaliberalização,oquefavoreceu a especulação, com a permissão para que os indivíduos pudessem adquirir títulos nos mercados financeiros internacionais até o limite de US$ 20 mil por ano, mas esse ainda era um teto ex-tremamente baixo para a quantidade de dinheiro concentrada nas mãos de poucos nesse país. Em 2015, na busca da internacionaliza-ção do renminbi,ogovernoliberalizouosnegóciosdeindivíduosre-sidentes na China em ações, títulos e imóveis no exterior. As auto-rizaçõespriorizaramaspessoascompatrimôniomínimode160milrenminbi. Os indivíduos podem investir nos mercados financeiros estrangeirosatémetadedosseusativoslíquidos.

A tendência de fortalecimento das bolsas de valores e inter-nacionalizaçãofinanceiracombinou-secomosurgimentodeum

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gruposocialdemuitoricosnaChina.Essaconcentraçãoderique-za favoreceu a especulação no setor da construção civil, submetido a um ritmo febril de atividade, que tem marcado as décadas de 2000 e2010naChina.Emnovembrode2006,oBancoMundialadvertiusobreosefeitosdaexpansãodocréditoparaageraçãodeproble-mas em razão dos persistentes riscos financeiros no mercado imo-biliário chinês.OsempréstimosdasAgênciasdeFinanciamentodaHabitação(HousingProvidentFunds–HPFs)nãosãodiversi-ficadosgeograficamenteedestinam-seàsmoradiasparaosricos.Em Xangai,emmeadosdadécadade2000,jáhaviaumatransfor-mação imobiliária completa, com três milhões de trabalhadores ocupados em 21 mil canteiros de obras de construção civil, o que resultou na realocação de 4,7 milhões de pessoas para apartamen-tosmodernos.(HEARTFIELD,2005,p.197)

AsAgências de Financiamento daHabitação, vinculadas aoMinistériodaConstrução,adespeitodosapelosesubsídiosdogo-verno,nãoviabilizamoacessoàmoradiaparaossegmentossociaisde rendamédia e baixa.Os desempregados ou os ocupados emsetores informais simplesmente não têm acesso ao financiamento damoradiaporqueosFundosdeSeguridadeImobiliária(HousingProvidentFunds–HPFs)sóaceitamafiliaçãodeempregadosnosetorformalequecontribuamregularmentecomseusdepósitos.MesmoosparticipantesdasHPFsdebaixarendanãoconseguemsatisfazerasexigênciasparaaobtençãodofinanciamento.Os po-bres são obrigados a tentar constituir a sua própria poupança,submetendo-se às condições de mercados, aceitando os depósi-tosbancáriosquepagamasmaisbaixastaxasdejuros.(WORLDBANK,2006)

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Trilhões de reservas

A China tem o maior estoque de reservas internacionais do mun-do, apesar de seu recuo para US$ 3,100 trilhões em fins de 2017. As reservaschegaramaalcançarmaisdeUS$4trilhõesem2014.Em fevereiro de 2006, eramUS$ 853,7 bilhões, e já era omaiordepositário de divisas no mundo, enquanto o Banco Central do Japão,nessemomento,tinhareservasdeUS$850bilhões.Asre-servas chinesas foram impulsionadas pela aceleração das suas exportações na década de 2000. Assim, as reservas já tinham crescido 34% em 2005, em comparação com 2004. As reservas são principalmente denominadas em dólares em razão da presença de títulos norte-americanos, em sua maioria públicos, na elevada proporçãode60%totaldosrecursosem2015.(CHINA’SForeign,2006;NEELY,2016,p.1)Aalturaatingidapelovolumedereservasda China ocorreu muito rapidamente, considerando que o Banco Popular da China (Banco Central) detinha “só” US$ 140 bilhões, nofinalde1997,eUS$258,6bilhões,nofinalde2002.Houveumsaltodasreservasemquatroanos,de2003a2006,coincidindocomoperíodoqueexigiriamaiorpreparaçãointernadaChina–sobre-tudocomaautonomiarelativapermitidaporgigantescasreservas– para situar-se diante dos efeitos da liberalização comercial e fi-nanceira,segundoocalendáriodoacordocomaOMC.

A China adotou um regime cambial administrado, com es-treita flutuação em um mercado nacional unificado. Em julho de 2005,atendendoàspressõesdasgrandespotências,sobretudoosEstados Unidos, valorizou o yuan, em apenas 2,1% contra o dólar. Naépoca,ogovernoestadunidensedenunciavaqueamoedachi-nesaestavadesvalorizadaem40%emrelaçãoaodólar.Ogovernochinês também, na oportunidade, trocou a âncora cambial apenas com o dólar, por uma referência cambial de uma cesta das prin-cipaismoedasestrangeiras.Todavia,oschineses têmcaminhado

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para medidas monetárias e financeiras de gradual e controladaliberalização, inclusive a abertura de entrada e saída de capitais e flutuação do câmbio.

Hásempreumdebatesobreaformadeempregarasgigantes-cas reservas chinesas. As reservas ajudam a aumentar a liquidez e baixar as taxas de juros, estimulando os investimentos que im-pulsionama atividade econômica chinesa.Mas, a partir de certoponto, é preciso esterilizar os efeitos da ampla liquidez monetária tendentesagerarpressões inflacionárias,oquetemlevadoogo-verno a utilizar a maior parte das reservas para comprar títulos dos EstadosUnidos.Ograndemotivo,porém,desseinteresseporessespapéis,éasustentaçãodarelaçãoeconômicageral,principalmen-te comercial, entre as duas nações – EUA e China. Isso ultrapassa oslimitesdessespaísesetemumagrandeimportânciaparaaeco-nomia mundial. Constituiu-se, desde o final dos anos 1990, uma triangulaçãoemqueosamericanosgarantemumaparcelaimpor-tante de compras dos produtos chineses, mas têm a contrapartida asseguradadofinanciamentododéficitcomercialatravésdacom-pra de títulos estadunidenses, públicos e privados, pela China, uti-lizandoasreservas. (HEARTFIELD,2005,p. 197)Natriangulaçãodessacomposiçãodocircuitoeconômicoglobal,aChinademan-da commodities industriais e agrícolasdeoutrospaíses, sobretudodaAméricaLatinaeÁfrica,elaborasuasmanufaturasevende-asem todo o mundo, com destaque para os Estados Unidos e Europa. As maioresvantagensdessatriangulaçãosãoobtidaspelaescaladaprodutivaetecnológicadaChina.Pelanaturezaturbulenta,desi-gualecombinada,comaacumulaçãoeconcorrênciadecapitaisnomundo,essatriangulaçãonãopodesermuitomaisduradoura.

O Banco Popular da China, além de outros bancos centrais asiáticos, é um importante fiador da relativa estabilidade do dólar, em benefício tanto das exportações asiáticas quanto da domina-çãoglobaldosmercadosfinanceirosedascorporaçõesdosEstados

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Unidos.Mastudoissonãoconsisteapenasemrelaçõesrecíprocasdeestabilidade,massimrelaçõesprenhesdecontradições.Por queos Estados Unidos são os emissores da principal moeda reserva in-ternacional, emitida sem lastro e portadora de flexibilidade cam-bial,etêmamaioreconomia,amaiorsofisticaçãotecnológicaeosmaiores mercados financeiros mais amplos e profundos, não há li-mite para o seu endividamento, cada vez mais assombroso em face doproduto,narelaçãodívida/PIB?AChinaeosasiáticosnãotêmlimiteparaajudarnofinanciamentodosEstadosUnidos?É claroque tudo isso tem resiliência, mas não deixa de ser um arranjo pre-cário, como demonstraram os reiterados episódios de crises nos Estados Unidos, a partir dos mercados financeiros, nos anos 1990, 2001 e 2008.

Além dos problemas da dominação nacional estadunidense e da estabilidade internacional do dólar, outros temas aparecem no capítulo do uso das reservas chinesas. Efetivamente, a China tem procuradomelhorempregodasdivisas,atravésdediversasformas:capitalização dos fundos de pensão chineses, saneamento e rees-truturação das empresas estatais, construção de infraestrutura, elevação das reservas de petróleo, aplicação em ações, derivativos e outros instrumentos em outras praças financeiras fora de Nova Iorqueembuscademelhorrendimento.(WORLDBANK,2006,p.6)Masacrisede2008eonovopapeldaChinanomundonoséculoXXIfizeramacenacomeçaramudar.Agrandenovidadeéque os trilhões de reservas da China passaram a ser um dos motores dos crescentes fluxos de saídas de recursos desse país, a partir da segundadécadadoséculoXXI.Asempresaschinesastêmpressae aceleram sua internacionalização. A estratégica Iniciative One

Belt, One Road,comcréditosegastoschinesessemprecedenteseminfraestrutura no exterior, também tem motivado uma aplicação mais interessante de recursos do que os irrisórios rendimentos dos títulos públicos dos Estados Unidos. A forte demanda por divisas

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para destinar a operações no exterior diminuiu rapidamente as re-servas de mais de 4 trilhões para cerca de 3,23 trilhões de dólares, entrejunhode2014efevereirode2016.(NEELY,2016,p.1)

Degraus da liberalização financeira

Pela primeira vez, desde o ano 2000, houve a prevalência de fluxos de saídas de recursos sobre as entradas na China por cinco tri-mestresconsecutivos,emníveisrecordes,entre2014e2015.(NIE;SLY, 2015, p. 1) Afrouxamento dos controles de capitais, aquisi-çõesefusõesempresariaisnoestrangeiro, instalaçãodefiliaisdecompanhias chinesas, empréstimos ao exterior, relativa desace-leração econômica interna e as turbulências financeiras nas bol-sasdaChinasãoalgumasexplicaçõesparaessagrandenovidade.Contudo, há que se observar que esse passo de internacionalização financeirachegariaemalgummomento,eraesperado,fazpartedosmecanismosdeintegraçãodoscapitaisglobalmente.

Pequiméobrigadalidaretentarregularainternacionalizaçãodos capitais chineses. Era previsível que a China, dadas as dimen-sões já assumidas pelo seu capital privado, seria forçada, pelos seus próprios interesses, a influenciar e participar mais plenamen-te da finança mundial, afora os canais tradicionais do comércio. Chama a atenção que 40% dos imensos volumes de recursos dos fluxos de saídas em 2014 tenham sido de empréstimos ao exterior. A China,semprejuízodapermanênciadesuasingularcapacidadeprodutiva,estáinevitavelmentecomeçandoaingressarmaisativa-mentenafinanceirizaçãoglobal.

No final de 2015, o FundoMonetário Internacional incorpo-rou o yuannasuacestademoedas.Apartirdeoutubrode2016,o yuan passou a ser a terceira moeda de reserva com 10,92% nos DireitosEspeciaisdeSaquedoFMI,enquantoodólarprevalececom 41,73%, acompanhado pelo euro com 30,93% de participação,

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Page 26: Capítulo VII O imbróglio financeirobooks.scielo.org/id/brq52/pdf/souza-9788523220020-09.pdf · 167 CAPÍTULO VII O imbróglio financeiro A grande disputa em torno da finança na

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Renildo Souza

restando as últimas duas posições para o iene japonês com 8,33% e a libra esterlina com 8,9%. Essa presença chinesa no sistema mone-tário internacional conduzirá à crescente conversibilidade do yuan em um quadro que resultará em uma trajetória da China de acei-taçãodedeterminadosgrausdeliberalizaçãofinanceiraecambial.

Em 2017, as autoridades financeiras da China anunciaram fu-turas medidas de liberalização.32 Seria elevada de 49% para 51% a propriedadeestrangeiraemfundoseinstituiçõesdosmercadosfi-nanceiros de títulos e de futuros na China. Ademais, esse limite, depoisdetrêsanosemvigência,serátotalmenteeliminado.Seráeliminadootetodepropriedadeestrangeirade20%paraaproprie-dadedebancoscomerciaisnopaísede25%parafirmasdegestãodeativos.Olimiteparaaparticipaçãoestrangeiraemcompanhiasdeseguros,emjoint ventures, será aumentado, no prazo de três anos, para 51%, e será eliminado em cinco anos. Desde 2017, as filiais de agências de classificação de riscos, compropriedade integral es-trangeira,jáestavamautorizadasafuncionarnaChina.

32 Ver:FinancialTimes.Chinarelaxescurbsonforeignfinancialstakes.Video,10nov.2017.Disponívelem:<https://www.ft.com/video/a470d674-252e-48d-f-b232-eae7a401c60d>

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