27
Crianças trabalham em minas de talco em Ouro Preto. Multinacionais compram o produto de empresas clandestinas. Crianças trabalham em minas de talco em Ouro Preto. Multinacionais compram o produto de empresas clandestinas. EM REVISTA S O C I A L Nº 9 janeiro 2006 ISSN 1678 -152 x A IDADE DA PEDRA A IDADE DA PEDRA

Caso Faber Castell

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Caso Faber Castell

Crianças trabalhamem minas de talcoem Ouro Preto.

Multinacionaiscompram o produto deempresas clandestinas.

Crianças trabalhamem minas de talcoem Ouro Preto.

Multinacionaiscompram o produto deempresas clandestinas.

EM

REVISTA

S O C I A L

Nº 9 janeiro 2006

ISS

N1

67

8-1

52

x

A IDADE DA PEDRAA IDADE DA PEDRA

Page 2: Caso Faber Castell

EM

REVISTA

S O C I A L

ISSN 1678 -152 x

EDITORES

Dauro Veras (SC-00471-JP) e Marques Casara (RJ 19126)

REDAÇÃO

Dauro Veras (SC-00471-JP)

Marques Casara (RJ 19126)

Sandra Werle (SC-00515-JP)

Alexandre de Freitas Barbosa

Fernanda Martinez

Colaboração: Clóvis Scherer e Marco Sayão Magri

FOTOGRAFIA

Sérgio Vignes, Ana Iervolino, Dauro Veras, Fernanda Martinez,

Márcio Furtado, Odilon Faccio, Rosane Lima, Tatiana Cardeal

EDITORAÇÃO DE FOTOGRAFIA

Ana Iervolino

PROJETO GRÁFICO

Maria José H.Coelho (Mtb 930Pr)

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA

PRIMEIROplano

www.primeiroplano.org.br

Janeiro 2006 - Nº 9

São Paulo - SP - Brasil

4.000 exemplares

Gráfica BANGRAF

CONSELHO DIRETOR

PRESIDENTE - Kjeld A. JakobsenCUT - João Vaccari NetoCUT - Rosane da SilvaCUT - Artur Henrique da S. SantosCUT - Maria Ednalva B. de LimaCUT - José Celestino LourençoCUT - Antonio Carlos SpisCUT - Gilda AlmeidaDieese - Mara Luzia FeltesDieese - Wagner Firmino SantanaUnitrabalho - Francisco MazzeuUnitrabalho - Silvia AraújoCedec - Maria Inês BarretoCedec - Tullo Vigevani

DIRETORIA EXECUTIVAKjeld A. Jakobsen - presidenteArthur Henrique dos SantosAri Aloraldo do Nascimento - tesoureiroCarlos Roberto HortaClemente Ganz LúcioMaria Ednalva B. de LimaMaria Inês Barreto

SUPERVISÃO TÉCNICAAmarildo Dudu Bolito Supervisor Institucional

Supervisor TécnicoMarques Casara Supervisor de Comunicação

SEDE NACIONALRua São Bento, 365 - 18º andarCentro - São Paulo SPFone: (11) 3105-0884 Fax: (11) [email protected]

-João Paulo Cândia Veiga -

-

Page 3: Caso Faber Castell

Toda criança será beneficiada por esses direitos, semnenhuma discriminação por raça, cor, sexo, língua, religião,

país de origem, classe social ou riqueza. Toda e qualquercriança do mundo deve ter seus direitos respeitados!

Princípio 1 da Declaração dos Direitos da Criança (ONU)

Desenho de Júlia Pöttker da Silva, 11 anos.Erechim - RS

Page 4: Caso Faber Castell

2

PG4A IDADE DA PEDRA

PG28A MAÇÃ DA DISCÓRDIA

PG33ENTREVISTA - Alice Nair Feiber Sônego BornerProcuradora do Ministério Público do Trabalho

PG34FORMAÇÃO PROFISSIONAL - A regulamentaçãoda Lei do Aprendiz

PG36ENTREVISTA - Caio MagriAssessor de políticas públicas do Instituto Ethos

PG38PROGRAMAS SOCIAIS - Governo integra Peti aoBolsa Família

PG41ENTREVISTA - Isa Maria de OliveiraSecretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção eErradicação do Trabalho Infantil (FNPETI)

PG44ENTREVISTA - Maria Izabel da SilvaRepresentante da CUT no Conselho Nacional dosDireitos da Criança e do Adolescente (Conanda)

PG47FISCALIZAÇÃO - Nova estrutura preocupaorganizações

PG50NO MUNDO, milhões têm a infância perdida

PG52AS CRIANÇAS “invisíveis” da América Latina

PG56BRASIL - Infância violentada

PG58NO PAPEL, um país onde as crianças não devemtrabalhar

PG64ARTIGO - Gilka GirardelloProfessora da UFSC e coordenadora do Núcleo deEstudos Infância, Comunicação e Arte.

PG66TERMO DE REFERÊNCIA - Observatório Socialtrabalha pela erradicação do trabalho infantil

PG68RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL -Observatório realiza oficinas com dirigentessindicais

PG69AMÉRICA LATINA - Estudo inédito sobre a Unilever

PG70PESQUISA E AÇÃO SINDICAL - Investimentoestrangeiro em debate

PG72ALMANAQUE

Page 5: Caso Faber Castell

3

EEM REVISTA

Em 2005 o governo brasileiro anunciou na Conferência Anual da Organização Internaci-onal do Trabalho (OIT), em Genebra, sua disposição em firmar com empresários e sindicatoso Pacto do Setor Mineral Brasileiro pela Prevenção e Erradicação do Trabalho de Crianças eAdolescentes na Mineração Rudimentar e Informal. Assinariam o documento sete ministériosque poderiam contribuir para os objetivos do pacto e uma dezena de organizações sindicais eempresariais ligadas à mineração, dentre elas o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM),comissão de frente das grandes corporações mineradoras que atuam no Brasil.

Apesar das reivindicações sindicais e do empenho do Departamento Nacional de Pro-dução Mineral (DNPM), órgão do Ministério das Minas e Energia que regula a concessão delavras, o Pacto não foi assinado até o momento. Ao que tudo indica, certos “lobbies” queatuam na mineração dificultaram o processo, pois não lhes interessa a existência de um ór-gão regulador forte, mesmo sendo o trabalho infantil neste setor um dos mais insalubres eperigosos.

A política de “Estado Mínimo” e a reforma administrativa implementada no Brasil ao lon-go da década de 1990 sucatearam o DNPM e reduziram sobremaneira sua capacidade defiscalização. Em Minas Gerais, por exemplo, não chega a meia dúzia o número de fiscais paraidentificar e reprimir práticas abusivas nas lavras. As mineradoras pintam e bordam no interiordo estado, pois é mais fácil achar um eldorado mineral que receber a visita de um fiscal.

A reportagem principal desta edição revela como atuam empresas mineradoras e pro-cessadoras de talco. Mostra como elas usam crianças em jazidas irregulares e como estetrabalho entra na cadeia produtiva de gigantes empresariais. A assinatura do pacto, por si só,não resolverá o problema, é evidente. Mas será uma ferramenta importante nas mãos dasociedade para reivindicar respeito aos direitos humanos das crianças que morrem de doen-ças e acidentes de trabalho, quando deveriam estar brincando e estudando.

Conselho Editorial

Page 6: Caso Faber Castell

4

A idade dapedra

As crianças são submetidas a situações de esforço ex-tremo e de alto impacto sobre a saúde, a ponto de com-prometer a expectativa de vida de toda uma popula-ção. Morrem mais cedo, invariavelmente contamina-das pela poeira tóxica proveniente do manejo da ro-cha sem equipamento de proteção.

Nas minas detalco da cidade

histórica de OuroPreto, cinco anos é a

idade em que ascrianças começam a

carregar pedras erespirar a poeira letalque as condenará amorte pela falência

dos pulmões.Multinacionais

compram o minério deempresas que operamna clandestinidade. O

talco é usado nafabricação de tinta,

lápis escolares, artigosde borracha, cerâmica

e cosméticos.Marques Casarae Sérgio Vignes (fotos),de Ouro Preto

CenárioDistrito de Mata dos Palmitos, Ouro Preto, Minas Ge-rais. Daqui sai a matéria-prima usada na fabricaçãode dezenas de produtos que levam talco em sua com-posição. A extração do minério usa mão-de-obra in-fantil, prática criminosa, pois fere o Estatuto da Cri-ança e do Adolescente e diversas normas internacio-nais ratificadas pelo Brasil.A prática também bate de frente com princípio elemen-tar da responsabilidade social empresarial, que nãoadmite trabalho infantil em qualquer uma das etapasda cadeia produtiva de uma mercadoria.

Menino carregabloco de talco najazida dasempresas MinasSerpentinito eMinas Talco

Page 7: Caso Faber Castell

5

Personagensprincipais

• Crianças trabalhadoras: carregampedras e respiram poeira mortal;

• Minas Talco e Minas Serpentinito:empresas que exploramclandestinamente a jazida de talco.Beneficiárias diretas do trabalhoinfantil;

• Basf, Faber Castell e ICI: gigantesindustriais, compram talco dasempresas que exploram mão-de-obra infantil;

• Artesãos: condenados pela doençaincurável causada pelo manejo dasrochas sem equipamento deproteção;

• Mãos de Minas: Uma das maioresONGs do Brasil. Prega a defesa dosdireitos humanos, mas vendeprodutos fabricados medianteexploração do trabalho infantil;

• OPPS: maior exportador brasileirode pedra-sabão; usa trabalhoinfantil em obra de infra-estrutura.

Page 8: Caso Faber Castell

6

De braços abertos sobre a Baíada Guanabara, a gigantesca estátuado Cristo Redentor é a paisagem bra-sileira mais conhecida no mundo, vi-sitada anualmente por 600 mil turis-tas que chegam em vans ou pelo bon-dinho que corta o Parque Nacional daTijuca, floresta Atlântica exuberante,inteiramente plantada por mãos huma-nas no século XIX, a mando de D.Pedro II. O visitante fica invariavelmen-te gratificado e leva para casa ima-gens de uma beleza estonteante.Nenhum outro lugar é mais identifica-do ao Brasil quanto este cenário emol-durado pelo Cristo, pela Baía da Gua-nabara e pela faixa de edifícios queforma a Zona Sul do Rio de Janeiro,cidade símbolo da beleza, da ginga eda brutal violência social que marca oBrasil de Norte a Sul.

Construído em rocha esteatita,também chamada pedra-sabão ouminério de talco, o Cristo Redentor foiinaugurado em uma ação espetacu-lar na noite de 12 de outubro de 1931.Guglielmo Marconi, gênio inventor dorádio e de outras maravilhas, acionouda Itália o comando que em 120 se-gundos cruzou o Atlântico e pôs para

funcionar pela primeira vez os refleto-res que iluminaram o monumento. Aexperiência, de altíssima complexida-de tecnológica nos anos 30, segundoreportagem do Diário da Noite “tradu-ziu o milagre de Marconi em todo oseu esplendor quando o Cristo, comsuas mãos imensas de perdão e deternura, fulge no topo da montanha,inundado de caridade boreal”.

De lá até aqui, talvez 30 mi-lhões de pessoas tenham visitado olugar. Com o tempo, a poluição e asintempéries cobraram seu preço e oCristo teve que ser inteiramente res-taurado em 1990. O serviço ficou mui-to bom. Foi realizado pela empresaque mais entende de pedra-sabão nopaís, a OPPS, maior exportadora des-te minério para o mercado europeu e

norte-americano e que explora jazidaslocalizadas na cidade histórica deOuro Preto, outra referência do turis-mo brasileiro.

Quem visita o Cristo não sabe;quem visita as igrejas barrocas deOuro Preto também não sabe, masna jazida de onde aflora a pedra-sa-bão usada na restauração do Reden-tor é praticada uma das mais degra-dantes e abomináveis formas de tra-balho que se tem notícia: criançasdesde os cinco anos de idade sãousadas como cargueiros humanospara levar pedras de um lado para ooutro.

O coração da jazida está bemdebaixo de um ajuntamento de casasconhecido como Mata dos Palmitos,um lugarejo miserável e esquecido, deonde sai o minério indispensável nãoapenas para construir estátuas, maspara fabricar cerâmica de naves es-paciais, remédios, tinta, comésticos,

Capítulo 1– A estátua

Page 9: Caso Faber Castell

77

sabão, borrachas, papéis e os melho-res lápis escolares fabricados no mun-do.

Apesar de tamanha riqueza,Mata dos Palmitos é um lugar semescola para todos, sem estrada trafe-gável em dia de chuva, sem médico,sem representante da prefeitura, semparque para as crianças, sem justi-ça. Um amontoado de casas sobreum vale lamacento que esconde nosubsolo um tesouro de valor incalcu-lável. Bem no meio desse territórioestá o escritório da empresa OPPS(Ouro Preto Pedra Sabão), uma casatambém usada pelos funcionárioscomo dormitório, já que entrar no valee sair dele, em dias de chuva, é umaaventura para campeões de rali. Cho-veu, todo mundo fica preso no lugar,pois a estrada se torna intrafegável.

Pensando no conforto de suaturma, em novembro de 2005 a OPPSmandou reformar a casa, alugada deuma artesã que mora ao lado. Toca-ram a obra um homem e três crian-ças, a mais nova com menos de cin-co anos de idade, usada para carre-gar e descarregar o carrinho de areia.

Para reformar o telhado, traba-lharam da seguinte forma: enquantoo adulto fixava as telhas, auxiliado poruma das crianças, as outras duas le-vavam telhas e cimento até o alto dacasa, por uma escada de madeira tãoinsegura quanto o próprio telhado quea escorava. O adulto, nos dois mo-mentos em que percebeu a chegadada reportagem, mandou as criançaspararem de trabalhar. Disse que elasestavam apenas brincando no telha-do, na escada e no carrinho de cimen-to. Brincando de carregar telhas e bal-des de cimento sob o sol das duasda tarde.

A proprietária da casa, a arte-sã Dionízia José Gomes, é uma mu-lher que passa os dias coberta depoeira branca dos pés à cabeça. Hámais de 20 anos dedica-se integral-mente à pedra-sabão, à qual dá vidaem delicadas formas artesanais es-culpidas à talhadeira, machadinha eserrote. É impressionante sua habili-dade para transformar um pedaço depedra em um peixinho decorativo ouum potinho para guardar trecos, algoque faz em menos de cinco minutos.

Dionízia pára somente um fi-nal de semana a cada dois ou trêsmeses, quando peregrina a Apareci-da do Norte para reforçar os votos defé ao catolicismo e à padroeira doBrasil. Mulher de gestos delicados,apesar do corpanzil forte e preparadopara manusear pesados blocos, elaexplica com serenidade como as coi-sas funcionam em Mata dos Palmi-tos:

- Todos aqui trabalham, atéas crianças, que precisamajudar a família.

Crianças trabalham em reforma do telhadono escritório da empresa OPPS

Page 10: Caso Faber Castell

8

Aponta para Tatiane, 21 anos, uma das maishábeis artesãs de Mata dos Palmitos:

- Minha filha começou aos sete anos deidade e já trabalha tão bem quanto eu.- E as crianças sobre o telhado do escritório

da OPPS?- Aqui as pessoas começam a ganhar avida muito cedo - ensina.

A rotina do trabalho infantil é confirmada pelorepresentante na região do Peti – Programa de Erra-dicação do Trabalho Infantil, Lourival Amâncio daCosta. O Peti é mantido pelo governo federal e am-para dez das cerca de 30 crianças que vivem no lu-gar.

- Se eu descuidar, até as crianças queestão no programa vão para a pedra outrabalhar em alguma obra, aí tenho queameaçar as famílias com o corte dabolsa.

Cada família recebe R$ 25 mensais por filhoinscrito, pagos pelo governo desde que a criança es-tude e não trabalhe. Menos de um real por dia, masem um lugar como esse evita que uma criança mor-ra de fome ou tenha que trabalhar em troca de comi-da.

- Lourival, por que apenas 10 crianças sãoatendidas?

- Porque é o número que dá para atenderneste momento.- O que as famílias não atendidas acham dis-

so?- Não entendem, reclamam, precisamsobreviver e mandam as crianças para apedra.- O que você acha disso?- Uma tragédia social, como sempre foiesse lugar.- Há esperança?- Sim, sempre há esperança.- Algum dia chegou aqui algum empresário ou

representante de empresa para conferir se existe tra-balho infantil na extração da pedra?

- Não, nunca. Nunca vi isso.- Desde quando existe trabalho infantil em

Mata dos Palmitos, na exploração do talco e da pe-dra para artesanato?

- Desde sempre, eu acho. Desde que omundo é mundo.

Dionízia José Gomes (de vermelho) esua filha Tatiane: artesãs

Lourival Amâncio da Costa,representante do Peti naregião de Mata dos Palmitos

Page 11: Caso Faber Castell

9

Você pode denunciar o trabalho ilegalde crianças e adolescentes a

- CONSELHO TUTELAR

- DELEGACIA REGIONAL DO TRABALHO(SUB-DELEGACIAS)

- MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.

Pode também telefonar para

0800-99-0500

Disque-Denúncia sobre violência, abuso e exploração sexual

(ligação gratuita).

ONDE DENUNCIAR

Page 12: Caso Faber Castell

10

A principal vocação de Matados Palmitos é servir de entrepos-to para empresas e atravessado-res que não se importam de ondevem a pedra, de como ela é tira-da e de como anda a saúde dequem a minerou, desde que en-tre na cadeia produtiva de formarápida e barata. “Para viver, a fa-mília toda precisa trabalhar”, re-sume a artesã Dionízia.

As crianças? Ora, as crian-ças. Fazem parte de um proces-so. Sempre estiveram por aí, des-de que a jazida foi descoberta notempo de imperadores e barone-tes.

O tempo parou em Mata

Capítulo 2– O tempo

dos Palmitos. Parece que a qual-quer momento vai aparecer umsenhor de escravos gritando or-dens para que as crianças voltemao trabalho, pois aqui elas valemtanto quanto uma mula de carga.

O tempo parece que nuncaandou por aqui. Os direitos huma-nos ainda estão por dobrar a cur-va da estrada lamacenta que levaao lugar e de onde só é possívelsair com tempo seco. Em Matados Palmitos, a dignidade viroumoeda de troca nas mãos de cri-

anças que carregam pedras de 20quilos ou mais.

O problema é que a coisauma hora tinha que estourar. Onegócio ficou tão escabroso queagora é preciso encontrar umaexplicação plausível para justificarum enredo velho e sem novida-des. Porque tudo aqui já foi de-nunciado à exaustão por pesqui-sadores e organizações ligadasà infância. Tudo aqui, de fato, nãomostra nenhuma novidade. Masdo lado de fora dessa Mata nin-guém sabe de nada, ninguém viunada. As crianças, ora, as crian-ças. São apenas testemunhas desua própria tragédia.

Mata dos Palmitos

Page 13: Caso Faber Castell

11

Toda criança tem direito a proteção especial, e a todasas facilidades e oportunidades para se desenvolver

plenamente, com liberdade e dignidade.Princípio 2 da Declaração dos Direitos da Criança (ONU)

Desenho de Juliana Ranzi Schvarcz, 10 anos.Dourados - MS

Page 14: Caso Faber Castell

12

André Castanho acordou bastante determinado noprimeiro dia de suas férias em janeiro de 2006. Saiu decasa logo cedo e foi a uma loja de materiais de constru-ção em São Paulo, onde prateleiras imensas expõem tudoo que é preciso para se manter ocupado em uma refor-ma.

- Vou pintar o apartamento - disse ao vendedor,que o conduziu até a seção de tintas e vernizes e passoua interrogá-lo sobre suas necessidades, enquanto abriadiante dele catálogos e mostruários para ajudá-lo a deci-dir sobre as cores de cada cômodo e sobre os materiaisnecessários para iniciar o serviço.

Executivo em uma empresa de eventos, classemédia alta, recém casado, Castanho nunca colocou asmãos em uma lata de tinta. Explicou isso ao vendedor,mas também disse a ele que achava uma boa idéia pintaro apartamento por conta própria, uma experiência que sedispunha a vivenciar em companhia da jovem esposa. Suaprevisão era pintar o apartamento em uma semana e de-pois terminar as férias com uma viagem de três semanaspelo sul da França.

Optou por uma tinta de cor gelo fosco da Suvinil,orientado pela esposa que participou, pelo celular, danegociação com o vendedor. A Suvinil pertence à multina-cional Basf e usa talco na fabricação da tinta. O resulta-do final é excelente, pois a pintura fica com uma texturaaveludada e agradável ao toque.

Foi um choque quando a temática do trabalho in-fantil veio à tona. Castanho ficou transtornado ao saberque o talco usado na fabricação das tintas Suvinil é com-prado da Minas Talco, empresa que explora mão-de-obrainfantil em Ouro Preto.

- Em pleno século XXI existem crianças traba-

Capítulo 3– A tinta

lhando em minas de talco?, surpreendeu-se. Ensaiousubstituir a tinta, mas desistiu da idéia ao saber que suaopção, da marca Coral, tem a mesma textura aveludadaproveniente do mesmo talco vendido pela Minas Talco,pois a Coral, pertencente à multinacional ICI, junto com aSuvinil domina o mercado brasileiro de tintas decorativase automotivas. Elas têm a Minas Talco como fornecedorde talco para fabricar a tinta.

As duas empresas têm amplos programas de res-ponsabilidade social empresarial proibindo a compra dematéria-prima de empresas que usam trabalho infantil. Con-tudo, nunca mandaram um funcionário a Mata dos Palmi-tos conferir de onde sai o talco necessário aos seus ne-gócios.

Na loja de materiais de construção, Castanho de-sembrulhou uma lista de adjetivos impublicáveis ao saberque não tinha jeito: ou pintava o apartamento ou deixava atinta no balcão. Afinal, ponderou que consumidores cons-cientes não compram produtos que usam trabalho infantilna cadeia produtiva.

Mas decidiu-se pela primeira opção e levou a tinta.Segundo avaliou, não seria sensato deixar o apartamentose deteriorar porque ainda, no século XXI, crianças traba-lham em minas de talco e gigantes multinacionais nãotêm o mínimo controle sobre suas cadeias produtivas.

Sua viagem estava marcada e ele tinha uma sema-na para terminar a pintura. Depois das férias, voltaria àinclemente rotina de executivo e não teria mais tempopara se dedicar à reforma. Prometeu escrever uma cartade protesto à empresa de tintas. Mergulhou no trânsito deSão Paulo determinado a começar a pintura tão logo che-gasse em casa.

Page 15: Caso Faber Castell

13

A lâmina de aço gira em altíssima velocidade e ras-ga o bloco de pedra a poucos milímetros das mãos doartesão, que manipula o torno com uma destreza antiga esegura, ensinada de pai para filho desde remotos ante-passados. O aço recorta a rocha pouco a pouco, até trans-formar sua forma bruta no esboço do que virá a ser umadelicada peça do artesanato que leva o carimbo da cidadehistórica de Ouro Preto. Tombada pela Unesco, a cidademineira foi ápice do movimento barroco que no Brasil temseu principal representante na figura de Antônio Francis-co Lisboa, o Aleijadinho, escultor de estátuas em pedra-sabão.

O artesão que opera o torno aprendeu com artistasda mesma escola de Aleijadinho, que tirava pedra-sabãodas mesmas jazidas localizadas em Mata dos Palmitos,

Capítulo 4– O pote

um ajuntamento de casas espremidas em um pequenovale nos limites da zona rural de Ouro Preto. Vivem aquiumas 300 pessoas, remanescentes das melhores épo-cas de extração do ouro e das pedras preciosas que fize-ram da região a mais rica fonte de riquezas minerais doimpério português.

Hoje, o lugar é pobre e insalubre, cercado por pe-quenos morros que têm no subsolo um sem número deminerais, usados da siderurgia ao artesanato, da químicafina à construção civil. Invariavelmente, em cada casa háum torno para cortar os blocos de esteatita e produzir oartesanato, principal fonte de renda em Mata dos Palmi-tos. A pedra sai de jazidas controladas pelas empresasMinas Talco e Minas Serpentinito, que vivem da explora-ção e do processamento de talco, a esteatita moída eprocessada. Minas Talco e Minas Serpentinito são o elode ligação entre Mata dos Palmitos e o mundo, junto comempresas que compram artesanato para revender em todoo Brasil e no exterior.

O artesanato é produzido com a mesma rocha usa-da pela indústria. Após ser moldada no torno, a pedra étrabalhada manualmente, desenhada por artistas que usampequenas facas, serrotes e talhadeiras. Depois, a peça élixada e termina em caixas nas quais é enviada para omercado de artesanato de diversos países.

Uma das principais revendedoras desta produção éa organização não-governamental Mãos de Minas, sedia-da em Belo Horizonte e uma das maiores do país em suaárea de atuação. Seu objetivo é representar e apoiar oartesão mineiro para que ele possa, de forma competitiva,participar da economia nacional. Sete mil artesãos sãofiliados à organização, que em 2002 teve um faturamentode 8 milhões de reais.

Vendedoras brancas, jovens e belas atendem naampla loja da Mãos de Minas no Bairro Sion, região nobrede Belo Horizonte. Tudo é limpo, organizado e agradável.As peças estão expostas em grandes prateleiras temáti-cas, uma viagem pelo maravilhoso mundo do artesanatomineiro.

Na prateleira dedicada à pedra-sabão, os materiaisexpostos são todos de Mata dos Palmitos. O preço sofreum reajuste de cerca de 1000% em relação ao que é co-brado no local de produção. Nesta prateleira, Mãos deMinas revende peças artesanais produzidas mediante ex-ploração de trabalho infantil, como os pequenos potes cujoacabamento é dado por meninos e meninas que têm di-versas funções na cadeia produtiva do artesanato.

Jardel, de 15 anos, lixa potes de pedra-sabão des-de os seis anos de idade. Estuda pela manhã na 7ª sériee trabalha à tarde no torno da família. Sempre foi assim ea esta rotina está acostumado. Brincar? Jogar bola? So-mente nos finais de semana. O restante do tempo gastana inclemente rotina de lixar potes de pedra-sabão paraserem vendidos em lojas como a do bairro Sion.

Na Mãos de Minas também aparece o nome daartesã Dionízia Gomes, a mesma que alugou a casa paraa OPPS. Ela centraliza os negócios da comunidade com

Loja da ONG Mãos de Minas revendepotes fabricados por crianças

Page 16: Caso Faber Castell

14

o mercado, em geral atuando como atravessadora, com-prando peças das famílias que vivem em Mata dos Pal-mitos. “Ela compra uma peça por um real e vendepara as lojas por três, quatro reais”, explica LourivalAmâncio da Costa, o coordenador do Peti na região.

- Lourival, a artesã Dionízia vende para Mãos deMinas artesanato produzido por crianças?

- Vende. Ela vende artesanato produzidopor todo mundo aqui.- Dona Dionízia, a senhora vende para Mãos de

Minas artesanato produzido por crianças?- Vendo artesanato produzido pelacomunidade de Mata dos Palmitos. Aquitodos trabalham.O pote oferecido na grande prateleira da Mãos de

Minas em Belo Horizonte pertence ao mesmo lote depotes lixados por Jardel.

- Dizem que esses potes são vendidos emvárias países do mundo - vibra o garoto.A ONG integra o Grupo de Desenvolvimento, do

qual também faz parte o Instituto Centro de Capacita-ção e Apoio ao Empreendedor (Centro Cape). Em 2005,a organização realizou um projeto intitulado Mapeamentodo Artesanato Mineiro, um levantamento de dados eco-nômicos e turísticos dos 532 municípios de Minas Ge-rais. “Terminado esse trabalho, será possível formatarum grande projeto estadual de políticas públicas e dedesenvolvimento do setor”, diz um documento da orga-nização. Em nenhum momento o levantamento da ONGpreocupou-se em identificar a ocorrência de trabalhoinfantil na cadeia produtiva do artesanato.

Outra organização que faz parte do Grupo de De-senvolvimento, o Instituto Terra Brasilis, desenvolveu emparceria com o Centro Cape um “diagnóstico da ativida-de de exploração de pedra-sabão na região de Ouro Pretoe Mariana, nos aspectos referentes à questão mineral/ambiental e sócio-econômica”. Mais uma vez foi des-considerada a avaliação se existia exploração de mão-de-obra infantil. Só que aqui a coisa é mais grave, jáque a ocorrência de trabalho infantil na pedra-sabão éassunto mais do que sabido em Ouro Preto, tanto que ogoverno federal atende uma parte das famílias com oPeti.

Por que Mãos de Minas e seus parceiros do Gru-po de Desenvolvimento ignoram a ocorrência de explo-ração do trabalho infantil no artesanato mineiro? Porqueesse tema não faz parte de suas ações, já que nãoexiste nenhum programa para monitoramento, controleou erradicação do trabalho infantil no artesanato, comoexplica Arnaldo Vieira, consultor do departamento téc-nico do Centro Cape:

Page 17: Caso Faber Castell

15

- Não existe nenhum programa implantado.Bem que gostaríamos, mas no momento nãotemos verba para fazer isso.- Existe ao menos um projeto que possa ser apre-

sentado a alguma organização que possa financiar ocontrole do uso de mão-de-obra infantil no artesanato eque possa suprir a falta de verba?

- Também não, não temos nenhum projetona gaveta.- Que ações vocês desenvolvem nas comunida-

des?- Nossas ações têm a ver mais com a partecomercial, de preparo e apoio técnico paraque ele [artesão] possa atuar no mercadode forma mais eficiente.- Cláudia Moura [coordenadora de projetos es-

peciais do Centro Cape], por que vocês revendem pe-ças de pedra-sabão produzidas mediante exploraçãodo trabalho infantil?

- Não compramos produtos feitos com o usode mão-de-obra infantil.- Se vocês não têm nenhuma ação concreta para

monitorar o uso de mão-de-obra infantil na pedra-sa-bão, como pode garantir que não compram?

- Porque não compramos de olhosfechados. Nos locais onde existe aprodução de artesanato em pedra-sabãonão existe trabalho infantil.As declarações acima demonstram que Centro

Cape e Mãos de Minas estão, no mínimo, desinforma-dos. São inegáveis os benefícios promovidos por essasorganizações para valorizar a produção artesanal de Mi-nas Gerais. Contudo, ao vender produtos produzidoscom o uso de trabalho infantil, os prejuízos à comuni-dade tornam-se muito maiores que os benefícios.

Cláudia Moura é a coordenadora deprojetos especiais do Centro Cape

Page 18: Caso Faber Castell

16

Capítulo 5– A doença

Em um lugar distante, há muitos e muitos anos,uma mulher abriu uma caixa mágica e de seu interior es-capou toda sorte de desgraças e infortúnios que até hojeatingem a humanidade. No embate mitológico entre deu-ses e humanos, a Caixa de Pandora consumou o castigoimposto por Zeus aos mortais e ao filho Prometeu que, àrevelia do Olimpo, decidira presentear a raça humana coma chama da sabedoria.

Deu tudo errado. Prometeu acabou acorrentado emuma montanha, onde uma ave alimentou-se diariamentede seu fígado, que à noite se regenerava para, ao ama-nhecer, prover novamente o monstro com a cota diária decarne humana.

A análise do mito de Pandora, em seu caráter sim-bólico, permite afirmar que muitas das misérias escapuli-das da caixa refugiaram-se em uma das mais ricas e pro-missoras áreas de mineração do mundo, o estado de Mi-nas Gerais, onde dezenas de empresas atuam na cidadede Ouro Preto e proximidades, a região do Vale do Aço.

Quanto mais se investiga a postura de grandes or-ganizações, mais as coisas se parecem com uma Caixade Pandora do mundo globalizado. Quanto mais se fuça,mais podridão aparece dentro da caixa.

A advogada Walmary Moreira da Silva, residenteem Ouro Preto e uma das mais atuantes militantes soci-ais do estado, tinha por hábito investigar a temática dosdireitos humanos, do trabalho infantil e das condições desaúde dos moradores da região. Até que um dia abriu acaixa, precisamente no segundo semestre de 2004, quan-do começou a investigar uma rede de prostituição infantilenvolvendo políticos e empresários de Ouro Preto e re-gião. Também levantava informações sobre os problemasde saúde decorrentes da exposição à poeira de talco nasáreas de mineração. “Estava mexendo com interessesmuito poderosos”, explica a médica Silvia Martinez, quejunto com Walmary coordenava a ONG Regard, atuantena área da saúde.

Walmary tombou em novembro de 2004, executa-da dentro da própria casa com um tiro na cabeça. Cincominutos após a chega da polícia, o veredicto era de suicí-dio. Mas atenção: passado mais de um ano do crime,ainda não foi apresentada pelas autoridades a arma quederrubou Walmary.

Diante do absurdo do tiro na cabeça que não tevearma ao lado do corpo, algumas versões para a morteapareceram com o passar dos meses, todas tão consis-

tentes quanto história do suicídio. O fato é que Ouro Pre-to não sabe quem matou Walmary, cuja amiga mais pró-xima, a médica Silvia, não tem dúvidas de que foi execu-tada porque chegara longe demais nas investigações.

A apuração do envolvimento de empresários e polí-ticos com a rede de prostituição infantil foi estancada apóso crime, pois ninguém assumiu o trabalho de Walmary. Ainvestigação dos problemas de saúde também parou,mesmo sendo um problema mais visível e que afeta indis-criminadamente adultos e crianças que trabalham nas ja-zidas e na produção artesanal. Diversos jornais que noti-ciaram a morte informaram que existe um pacto de si-lêncio na região. Isso dificulta a investigação da políciae dos próprios meios de comunicação, favorecendo aimpunidade.

Em relação aos problemas de saúde, entretanto, épossível avançar alguns passos além da investigação daadvogada. Em Santa Rita, outra localidade pertencente aOuro Preto, vivem as irmãs Aparecida Magna Santos, 33anos, e Lourdes Damantina Santos, 34. As duas têm emcomum o fato de terem recebido, desde 2004, os maisvariados diagnósticos para maquiar o mal que as afeta, apneumoconiose. Essa doença, causada pela inalação da

As irmãs Aparecida Magna Santos e LourdesDamantina Santos receberam os mais variadosdiagnósticos para maquiar a pneumoconiose

Page 19: Caso Faber Castell

17

poeira de talco gerada pelo manejo das pedras mineradasem Mata dos Palmitos, provoca danos irreversíveis nospulmões. Gripe forte, pneumonia e tuberculose estão en-tre os diagnósticos que receberam nas unidades de aten-dimento médico de Ouro Preto. Somente no segundo se-mestre de 2005, quando procuraram atendimento fora daregião, receberam o diagnóstico do qual suspeitavam:pneumoconiose.

- O que acha disso, Aparecida?- Fomos enganadas, mentiram para nósvárias vezes ao longo de muitos meses.- Lourdes, qual é sua opinião?- Uma farsa. Quantas pessoas podem estarmuito doentes, recebendo diagnóstico degripe, pneumonia, outras coisas fáceis deserem curadas?- Silvia Martinez [médica, dirigente da Regard], por

que o diagnóstico varia de gripe forte, anunciada em OuroPreto, à pneumoconiose, doença incurável e potencial-mente mortal, diagnosticada fora da área de influência dasmineradoras de talco?

- Em Ouro Preto existe a clara intenção deesconder o problema.- Por quê?- Interesses econômicos, principalmente. Otrabalho de Walmary contrariava interessesmuito poderosos, econômicos e políticos. Porisso ela foi morta. Aqui não se pode falarsobre estes assuntos. Ela pagou com aprópria vida.- Você tem medo?- Tenho muito medo. É difícil encontrar apoionestes momentos.

- Ouro Preto esconde o problema da pneumoco-niose?

- Esconde, os grupos econômicos não queremser associados a esta tragédia, que existe faztempo.- Diante disto, seria possível calcular o tamanho do

problema? Saber se as crianças que trabalham nas mi-nas de talco também estão sujeitas à pneumoconiose?

- É difícil de mensurar, pois não existeacompanhamento médico sobre apneumoconiose da região. Objetivamente,não existe acompanhamento médico sobrenada nas áreas de mineração.

A informação mais confiável sobre o tema foi apre-sentada em 2003 por Olívia Maria de Paula Alves Bezerra,professora do departamento de Nutrição da UniversidadeFederal de Ouro Preto, e equipe, em um estudo sobre apneumoconiose na localidade de Mata dos Palmitos(*).As conclusões são aterradoras:

“O estudo da composição da poeira reve-lou a presença de fibras respiráveis de asbestodo grupo dos anfibólicos (tremolita-actinolita).Esses resultados sugerem a ocorrência de talco-asbestose entre os artesãos em pedra-sabão... Agravidade do problema e suas repercussões so-bre a saúde e a qualidade de vida dos artesãosem pedra-sabão, muitos deles, ainda crianças,exigem a adoção imediata de medidas de prote-ção e atenção à saúde desses trabalhadores”.

As “medidas de proteção e atenção” ainda não fo-ram tomadas. Talcoasbestose é uma espécie de pneu-moconiose turbinada, pois identifica a presença do com-posto químico asbesto, elemento altamente perigoso eque pode causar câncer de pulmão, da pleura e do peritô-nio. Já ouviu falar das famosas telhas e caixas d’água deamianto, proibidas em diversos países? É exatamente omesmo produto, pois asbesto nada mais é do que o ami-anto. O câncer provocado pelo asbesto pode levar 20 anospara se manifestar.

Pandora caiu em desgraça depois que abriu a cai-xa. Acabou morta por ordem de Zeus, que depois voltouatrás e a transformou na deusa da ressurreição. Desdeentão, todo mortal pode ressuscitar, mas para isso preci-sa cumprir, após a morte, uma tarefa delegada por Pan-dora. Como todos os desafios impostos por ela se mos-traram impossíveis de serem cumpridos desde que foi al-çada à condição divina, ninguém conseguiu ressuscitardepois que este dom lhe foi concedido. Não será Pando-ra, efetivamente, a responsável pela solução do problemade Mata dos Palmitos.

(*) BEZERRA, Olívia Maria de Paula Alves, DIAS,Elizabeth Costa, GALVAO, Márcio Antônio Moreira etal. Talcose entre artesãos em pedra-sabão em umalocalidade rural do Município de Ouro Preto, MinasGerais, Brasil. Cad. Saúde Pública, Nov./Dec. 2003,vol.19, no.6, p.1751-1759. ISSN 0102-311X.A médica Sílvia Almeida de Oliveira Martinez

Page 20: Caso Faber Castell

18

Capítulo 6– A responsabilidade

humanos, trabalho e meio ambi-ente. Participam do Global Com-pact governos, empresas, sindi-catos, ONGs e demais parceirosnecessários para a construção deum mercado global mais inclusi-vo e igualitário.

O Global Compact não éum instrumento regulatório ouobrigatório. A participação é volun-tária e procura fornecer uma es-trutura global para a promoção dodesenvolvimento sustentável e dacidadania. Por ser voluntária, au-

Os princípios de Responsa-bilidade Social Empresarial deter-minam que as empresas preocu-padas com o desenvolvimentosustentável e com as boas práti-cas comerciais não devem explo-rar a mão-de-obra infantil. Elastampouco devem comprar produ-tos de fornecedores que se bene-ficiem do trabalho de crianças, demaneira a não estimular esta prá-tica em nenhum elo da cadeia pro-dutiva.

Normas e convenções inter-nacionais fazem parte do esforçopela erradicação do trabalho infan-til. Um deles é o Global Compact,iniciativa desenvolvida pela Orga-nização das Nações Unidas como objetivo de mobilizar a comuni-dade empresarial internacionalpara a promoção de valores fun-damentais nas áreas de direitos

menta ainda mais a responsabili-dade das empresas que assu-mem a adoção de seus princípi-os. Quem adere se compromete,dentre outras ações, a abolir o tra-balho infantil em suas cadeiasprodutivas, não fazendo negócioscom empresas que tenham algumtipo de ligação com o trabalho decrianças. A proposta é sufocar aprática de cima para baixo, dasempresas maiores para as me-nores.

Nesta reportagem, três mul-tinacionais tem suas cadeias pro-dutivas envolvidas com o trabalhoinfantil: Basf (Suvinil), Faber-Cas-tell e ICI Paints (Tintas Coral). Asduas primeiras são signatárias doGlobal Compact. Destas, a ICI foique apresentou a resposta maislacônica sobre seu envolvimentocom o trabalho infantil, citandoconceitos de responsabilidadesocial. A única ação prática a quese refere é a que deveria ter feito,mas não fez: uma auditoria emseus fornecedores. A respostadas empresas pode ser conferi-da no capítulo 8.

O manual do Global Com-pact prevê a seguinte ação no

Crianças trabalham em minas de talco em Ouro Preto.Multinacionais compram o produto de empresas clandestinas.

Page 21: Caso Faber Castell

19

Orientação emonitoramento

No Brasil, a FundaçãoAbrinq pelos Direitos dasCriança e do Adolescente foipioneira na conscientizaçãodo empresariado, quandonas décadas de 1980 e 1990realizou uma série deiniciativas para erradicar otrabalho infantil em diversossetores da economia.Posteriormente, o InstitutoEthos de Empresas eResponsabilidade Social, quecongrega centenas deassociados em todo o país,passou a orientar oempresariado paradesenvolver ações que nãopermitissem esta prática nacadeia produtiva.O Instituto ObservatórioSocial, criado há sete anospor iniciativa da CUT(Central Única dosTrabalhadores), tem entreseus principais objetivosmonitorar o trabalho infantilem empresas nacionais emultinacionais, por meio deestudos das cadeiasprodutivas.

caso de ser detectado trabalho in-fantil na cadeia produtiva:

“... As crianças devem serseparadas do trabalho com o ob-jetivo de oferecer a elas uma al-ternativa viável. Entre as açõespossíveis das empresas, estão:ajudar a completar a escolariza-ção das crianças e oferecer alter-nativas geradoras de renda paraos pais e membros maiores de

idade da família. As empresas pre-cisam tomar consciência de quesem apoio as crianças podem serlevadas à prostituição e, em al-guns casos, quando as criançassão as únicas geradoras de ren-da, sua retirada imediata do tra-balho pode piorar, em lugar demelhorar, suas condições de mi-séria”.

Cabe agora conferir, ao lon-go dos próximos meses, se Basfe Faber-Castell estão dispostas afazer valer o pacto do qual fazemparte. Quanto à ICI, a expectativaé que reveja sua atuação e adoteações práticas, de maneira que aresponsabilidade social não se li-mite ao discurso do marketing so-cial.

A Faber-Castell também ésignatária da SA 8000, criada pelaSocial Accountability International.É uma norma auditável que per-mite verificação das práticas dasempresas. Dentre os elementosnormativos da SA 8000 está aaceitação, por parte da empresa,da Convenção das Nações Uni-das sobre o Direito da Criança.

Page 22: Caso Faber Castell

20

Capítulo 7– A farsa

As empresas que vendem tal-co para as multinacionais, além deexplorar a mão-de-obra infantil, ope-ram clandestinamente, pois não têma autorização de lavra que permita aatividade mineradora em Mata dosPalmitos. A irregularidade não párapor aí: em outubro de 2005, a jazidafoi arrendada, também de forma ile-gal, para uma empresa de fachada,usada para maquiar a participaçãode estrangeiros que vivem clandes-tinos no Brasil.

Minas Talco e Minas Serpenti-nito, que vendem para as multinaci-onais, pertencem a Nelson RibeiroVaz, Rodolpho Lima Vaz e GiovannaLima Vaz. Em outubro de 2005, osproprietários arrendaram a extraçãodo minério para a empresa de facha-da WB Mattos Transportes e Comér-cio ME. Como o próprio nome diz, onegócio da WB não tem nada a vercom mineração. A WB pertence aWilson Barbosa de Mattos, que porsua vez é sócio de dois alemães naempresa RC Minerais do Brasil. Osalemães operam clandestinamenteno Brasil, pois não têm visto de tra-balho concedido pelo governo, quelhes daria o direito de desenvolveratividade comercial. Os estrangeirossão Rainer Czeczor, passaporte ale-mão número 6649105740, e Marian-ne Kuss-Czeczor, passaporte6649C82342.

Page 23: Caso Faber Castell

21

No fim das contas, A RC Mine-rais do Brasil, de propriedade dosalemães clandestinos, é quem con-trola a exploração de talco em Matados Palmitos. A RC também exploratrabalho infantil na região de OuroPreto. Em 2005, o auto de infração010676996, assinado pela fiscal Ká-tia Vieira, do Ministério do Trabalho,joga por terra qualquer dúvida queainda possa restar sobre a explora-ção de crianças e adolescentes naextração de talco em Ouro Preto.

A RC foi autuada, segundo odocumento do Ministério do Traba-lho, por “manter empregado com ida-de inferior a 18 anos em atividadesnos locais e serviços insalubres ouperigosos”. No final do documento,a parte do laudo que solicita o ele-mento de convicção da fiscal, elaescreve: “Verificação física”.

O órgão do governo federalresponsável pela concessão de la-vra e pela fiscalização das minas éo Departamento Nacional de Produ-ção Mineral (DNPM), ligado ao Minis-tério das Minas e Energia. Sucatea-do e inoperante, o DNPM não tem re-cursos nem fiscais para acompanharo trabalho nas minas, não apenas emOuro Preto como em qualquer outraregião do país. Mamão com mel paramineradoras que não estão preocupa-das em cumprir normas elementaresde respeito aos direitos humanos.

Ao lado, notas fiscais da Minas Talcocomprovam a relação dela comatravessadores de Mata dos Palmitos

Abaixo, galpão, pátio e fachada da sededa empresa, em Conselheiro Lafayete

Page 24: Caso Faber Castell

22

Capítulo 8 – As versõesBasf, Faber-Castell, ICI, OPPS e Minas Talcoenviaram respostas à denúncia de exploração

do trabalho infantil na cadeia produtiva dotalco. Faber-Castell, multinacional de origemalemã, foi a empresa que apresentou a versão

mais contundente, declarando-se“estarrecida” com a denúncia e cortando deimediato sua relação comercial com a Minas

Talco.A Basf, também de origem alemã, disse

possuir um sistema de avaliação dequalificação dos fornecedores, que assumem

o compromisso de cumprir a legislaçãoreferente a mão-de-obra infantil. Afirmou

que, caso seja comprovada a denúncia, não vaimais comprar matéria-prima da Minas Talco.

A ICI (Imperial Chemical Industries, deorigem britânica), por intermédio da

assessoria de imprensa das Tintas Coral,disse que vai apurar os fatos e que não

comprará mais do fornecedor até a completaregularização do problema, caso seja

comprovado. A OPPS (Ouro Preto PedraSabão) disse que não usa trabalho infantil

“diretamente” e que vai averiguar adenúncia.

As empresas aqui citadas, que dizem terrígido controle sobre seus fornecedores,

cometeram dois erros graves. O primeiro foicomprar a matéria-prima de empresa que

explora trabalho infantil. O segundo foi nãoter aplicado suas próprias normas de conduta

no que diz respeito às boas práticasempresariais. Minas Talco e Minas

Serpentinito não têm o direito de explorartalco na região. Operam na clandestinidade

(ver capítulo 7). Bastaria ter verificado se asempresas estão autorizadas pelo Ministério

das Minas e Energia. Perceberiam, aoconstatar a ilegalidade da operação, que algo

muito podre se esconde por detrás dasmontanhas de talco de Minas Gerais.

Minas Talco está diretamente envolvida com aexploração da mão-de-obra infantil, pois

compra blocos de talco de atravessadores queexploram sua própria jazida e usam crianças

para empilhar pedra, conforme mostram fotose notas fiscais. A empresa garante que não

explora mão-de-obra infantil. Afirma queexistem pessoas trabalhando dentro de sua

jazida, mas que não tem nada a ver com elas,pois são invasoras.

Confira a íntegra da posição das empresas:

Page 25: Caso Faber Castell

23

A respeito da reportagem espe-cial “Trabalho infantil na mineração”, aser publicada na edição de janeiro de2006, da revista Observatório Social -pertencente ao Instituto ObservatórioSocial -, a Faber-Castell informa queestá suspendendo imediatamente osfornecimentos da empresa Minas Tal-co, por repudiar a exploração da mão-de-obra infantil no país.

Esclarecemos que o forneci-mento da referida empresa era res-trito a um dos ingredientes utilizadospara a produção do giz de cera, umdos 1.500 itens do portfólio da empre-sa.

Anualmente auditada por órgãosnacionais e internacionais, a Faber-Castell ressalta que mantém um fir-

Mediante o recebi-mento de denúncia sobreo envolvimento de um deseus fornecedores coma exploração de mão-de-obra infantil, a Basf es-clarece:

Por ser uma indús-tria química de grandeporte, a Basf possui cer-ca de 2.900 fornecedo-res ativos. Sendo assim,a empresa conta comum sistema de Avaliaçãoe Qualificação dos For-necedores, que procuraassegurar o cumprimen-to de regras claras base-adas em valores e prin-

Faber-Castell

Basf

me compromisso com todos os for-necedores baseado no seu Código deConduta – código este que prima pelorespeito ao ser humano e que avalia,entre outras questões, se o futuroparceiro(a) atua de acordo com a le-gislação vigente. A Faber-Castell ficouestarrecida com a denúncia apresen-tada pelo instituto.

A empresa informa ainda queadota as medidas previstas pelas nor-mas ISO 9000 e SA 8000 para a con-tratação de seus fornecedores. Essasnormas exigem o cumprimento daslegislações trabalhistas e ambientaisque, entre outros aspectos, prevêema não utilização de trabalho infantil ouforçado, o respeito aos padrões de se-gurança e de saúde no trabalho.

cípios da empresa.O fornecedor, ao

fechar um acordo co-mercial com a Basf, as-sume o compromissode veracidade das suasinformações e ciência deseu papel como empre-sa fornecedora, incluin-do o cumprimento inte-gral da legislação refe-rente a mão-de-obra in-fantil, objeto, inclusive,de cláusula essencial doacordo.

A Basf deixa claroàs empresas fornece-doras que, se comprova-

do o não cumprimentodessas obrigações es-senciais, o fornecedorserá desqualificado e ocontrato rescindido.

A Basf está entreas dez empresas consi-deradas modelo de boacidadania corporativapela revista Exame. Pelosegundo ano consecuti-vo, é a única indústriaquímica a participar des-te seleto grupo. A Basf écertificada pelo Progra-ma Empresa Amiga daCriança da FundaçãoAbrinq desde 1996.

Page 26: Caso Faber Castell

24

Realmente a nos-sa empresa dispõe deseis áreas de extraçãode pedra sabão, sendouma delas próxima àMata dos Palmitos, e láalugamos uma casa daD. Dionízia, onde sehospedam alguns funci-onários. A OPPS é umaempresa de mineraçãoe indústria com sede emCachoeira do Campo,no município de OuroPreto, com 35 anos deexistência, com aproxi-madamente 180 funcio-nários, distribuídos entresua unidade fabril emCachoeira e jazidas nosmunicípios de Ouro Pre-to, Mariana e Acaiaca.

Nossa posição éA B S O L U TA M E N T E

OPPS

CONTRÁRIA ao uso dotrabalho infantil em qual-quer atividade. Entende-mos que “ LUGAR DECRIANÇA É NA ESCO-LA” e NUNCA usamoscrianças em nossas ati-vidades de mineração efabril. No caso específi-co desta casa de Matados Palmitos, vamosaveriguar a informação,pois não temos conhe-cimento destes fatos.Desde já garantimos queesta intervenção não foiautorizada oficialmentepela empresa e se ocor-reu foi de uma maneirafortuita e orientada pelaproprietária do imóvel,que é a responsável pelotelhado de sua casa – aela cabia restaurá-lo.

Quanto a sua per-gunta sobre o que a em-presa faz para evitar otrabalho infantil, além denão usar este tipo de tra-balho diretamente, nósnão temos uma ação es-pecifica neste sentido,mas ficaríamos muitohonrados em poder co-laborar, utilizando a ori-entação deste Instituto.Estaremos sempre àsua disposição paraquaisquer outras infor-mações sobre estecaso específico ou deuma maneira genéricana área dos trabalhos depedra-sabão.

AtenciosamenteFlávio Orsini, diretorOPPS

A Tintas Coral informa que nãotinha conhecimento sobre o fato de aempresa Minas Talco usar mão-de-obra infantil no processo de extraçãoe beneficiamento de minério. Comoempresa socialmente responsável, aTintas Coral está apurando os fatose, caso a denúncia seja comprovada,não comprará mais nenhum tipo deproduto desse fornecedor, até a com-pleta regularização da situação, uma

ICI/Coral

vez que se preocupa com o cumpri-mento das boas práticas fiscais, am-bientais e trabalhistas em todos ossetores de sua cadeia produtiva. ATintas Coral ressalta, ainda, que rea-liza auditorias periódicas em seus for-necedores, para verificar o cumpri-mento dos pré-requisitos da ISO9001. Contudo, a empresa acima ci-tada ainda não havia sido contempla-da por essas auditorias.

Page 27: Caso Faber Castell

25

Minas Talco / Minas Serpentinito

A Minas Talco eMinas Serpentinito infor-mam que há um equívo-co por parte de quemmencionou o nome dasnossas empresas comobeneficiárias de mão-de-obra de menores.

Com efeito, nos-sas empresas mantêmuma conduta pautada naseriedade, agindo den-tro da mais rígida regraque comanda suas ati-vidades. Mormente noque se refere ao relaci-onamento empresas/tra-balhadores, temos con-sultores especializadosno setor, ainda que sejade nosso conhecimento,principalmente conside-rando a publicidade enotoriedade, do impedi-mento pela legislação,de uso de menores emcondições inadequadasde trabalho.

Não podemos falarpelos inúmeros e quasesempre pequenos su-perficiários, que por aca-so também exercem aatividade de artesanatoem suas propriedadessituadas dentro do nos-so Direito Minerário indi-cado, não obstante ter[sic] a concessão paratanto, de nossa titulari-dade. Nem tampoucopodemos responderpela operação ilegal deempresas invasoras donosso Direito Minerárioque por diversas vezesjá foram notificadas ofi-cialmente e denuncia-das aos órgãos compe-tentes (inclusive nova-mente denunciadas re-centemente no DNPM[Departamento Nacionalde Produção Mineral]).Em ambos os casos,lembramos que estas

operações não possu-em nenhum vinculocom nossas empresase constituem uma ilega-lidade conforme já men-cionado.

As nossas empre-sas encontram-se aber-tas e receptivas paraquaisquer tipos de visi-ta, auditoria ou fiscaliza-ção por parte da sua or-ganização, empresa ouqualquer outro órgão pú-blico ou privado a fim dedirimir dúvidas referen-tes a este assunto.

Engº Luiz Fernando -gerente geral - MinasTalco Ltda.Rita de CássiaPedrosa Santos –gerente técnica deprodução – MinasSerpentinito Ltda.