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CCB ciclo História da Língua Portuguesa Moderna 2016 Garrett, Viagens na minha Terra, ed. crítica Ofélia Paiva Monteiro, Lisboa, INCM, 2010 Que viaje dentro à roda do seu quarto quem está na Russia ‒ de hy hinverno em San’Petersburgo, um Piemontez! > à beira dos Alpes, de inverno, em Turim, que é quási tão frio como San’Petersburgo ‒ intende-se. Mas com este clima, com este ar que Deus nos deu, onde a laranjeira cresce na horta, o myrtho onde o mato > e o mato é de murta, e al o próprio Xavier de Maistre, que aqui escrevesse, ao menos ia até o quintal. Eu muitas vezes, nestas sufocadas noites de Estio, viajo até à minha janela para ver uma nesguita de Tejo que está no fim da rua, e me inganar com uns verdes de árvores que ali vegetam sua laboriosamente infância nos entulhos do Cais do Sodré. Nunca > E nunca escrevi estas minhas viagens nem as suas impressões: pois tinham muito quê! > que ver! Foi sempre ambiciosa a minha pena: pobre e soberba, quer assunto mais largo. Pois hei-de dar-lho. Vou nada menos que a Santarém: e protesto que de quanto vir e ouvir se hade, de quanto eu pensar e sentir se há-de fazer crónica. !!! Veja as diferenças: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000012.pdf Camilo, Amor de Perdição, ed. crítica Ivo Castro, Lisboa, IN-CM, 2007 (fls. 242-4) Foi Manoel á cadeia, e abrindo os braços ao irmão teve uma correspondencia glacial. Perguntou-lhe Manoel a historia do seu desastre. − Consta do processo – respondeu Simão. − E tens > tem o mano esperanças de liberdade? – replicou Manoel. – Não penso n'isso. − Eu pouco posso offerecer -te > -lhe, por que vou para casa forçado pela falta de recursos; mas, se precisas > precisa de roupa, repartirei comtigo > consigo da minha. − Não preciso nada. Esmolas so as recebo d'aquella mulher. Ja Manoel tinha reparado em Marianna, e da bellesa da môça inferira conclusoens para formar falsos juizos. − E quem é esta menina? – tornou o irmão. − É um anjo... Não te > lhe sei dizer mais nada. Marianna sorriu-se, e disse: − Sou uma creada do snr. Simão, e de V. S.ª. − É ca do Porto? − Não, meu senhor, sou dos arrabaldes de Vizeu. − E tem feito sempre companhia a meu irmão. Simão atalhou assim á resposta balbuciante de Marianna: − A tua > sua curiosidade incommoda-me, mano Manoel. − Cuidei que não era offensiva – replicou o outro, tomando o chapeo – Quer alguma coisa para a mãe? − Nada.

CCB ciclo História da Língua Portuguesa Moderna 2016 · CCB ciclo História da Língua Portuguesa Moderna 2016 Garrett, Viagens na minha Terra, ed. crítica Ofélia Paiva Monteiro,

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Page 1: CCB ciclo História da Língua Portuguesa Moderna 2016 · CCB ciclo História da Língua Portuguesa Moderna 2016 Garrett, Viagens na minha Terra, ed. crítica Ofélia Paiva Monteiro,

CCB c ic lo Histór ia da L íngua Por tuguesa Moder na 2016

Garrett, Viagens na minha Terra, ed. crítica Ofélia Paiva Monteiro, Lisboa, INCM, 2010

Que viaje dentro ↑à roda do seu quarto quem está na Russia ‒ de hy hinverno em

San’Petersburgo, um Piemontez! > à beira dos Alpes, de inverno, em Turim, que é quási tão frio como

San’Petersburgo ‒ intende-se. Mas com este clima, com este ar que Deus nos deu, onde a laranjeira cresce

na horta, o myrtho onde o mato > e o mato é de murta, e al ↑o próprio Xavier de Maistre, que aqui

escrevesse, ao menos ia até o quintal.

Eu muitas vezes, nestas sufocadas noites de Estio, viajo até à minha janela para ver uma nesguita

de Tejo que está no fim da rua, e me inganar com uns verdes de árvores que ali vegetam ↑sua

laboriosamente ↑infância nos entulhos do Cais do Sodré. Nunca > E nunca escrevi estas ↑minhas viagens

nem as suas impressões: pois tinham muito quê! > que ver! Foi sempre ambiciosa a minha pena: pobre e

soberba, quer assunto mais largo. Pois hei-de dar-lho. Vou nada menos que a Santarém: e protesto que de

quanto vir e ouvir se hade, de quanto eu pensar e sentir se há-de fazer crónica.

!!! Veja as diferenças: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000012.pdf

Camilo, Amor de Perdição, ed. crítica Ivo Castro, Lisboa, IN-CM, 2007 (fls. 242-4)

Foi Manoel á cadeia, e abrindo os braços ao irmão teve uma correspondencia glacial.

Perguntou-lhe Manoel a historia do seu desastre.

− Consta do processo – respondeu Simão.

− E tens > tem o mano esperanças de liberdade? – replicou Manoel.

– Não penso n'isso.

− Eu pouco posso offerecer-te > -lhe, por que vou para casa forçado pela falta de recursos; mas, se precisas

> precisa de roupa, repartirei comtigo > consigo da minha.

− Não preciso nada. Esmolas so as recebo d'aquella mulher.

Ja Manoel tinha reparado em Marianna, e da bellesa da môça inferira conclusoens para formar falsos

juizos.

− E quem é esta menina? – tornou o irmão.

− É um anjo... Não te > lhe sei dizer mais nada.

Marianna sorriu-se, e disse:

− Sou uma creada do snr. Simão, e de V. S.ª.

− É ca do Porto?

− Não, meu senhor, sou dos arrabaldes de Vizeu.

− E tem feito sempre companhia a meu irmão.

Simão atalhou assim á resposta balbuciante de Marianna:

− A tua > sua curiosidade incommoda-me, mano Manoel.

− Cuidei que não era offensiva – replicou o outro, tomando o chapeo – Quer alguma coisa para a mãe?

− Nada.

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CCB c ic lo Histór ia da L íngua Por tuguesa Moder na 2016

Perdição (fl. 312)

onda lhe atirou aos braços. O commandante olhou para o sitio d’onde 1 se precipitara Mari

↑Marianna se atirara e viu, inleado no cordame o avental, e á flor d’agua um rolo de papeis que elle

conseguiu retirar cõ um balde ↑os marujos recolheram na lancha. Eram, como sabem, a correspondencia

de Thereza e Simão.

Da familia de Simão Botelho vive ainda em Villa Real, de Tras-os-montes, a snr.ª D. Rita Emilia da

Veiga Castello Branco, a irman predilecta delle. A ultima pessoa fallecida, ha 26 annos, foi Manoel

Joaquim Botelho, Castello Branco ↑ pai do author d’este livro.

Mais Perdição, fl. 5

filhos e quatro > 2 tres meninas. O mais velho era Manoel, o segundo Simão, das meninas não me

lembram os nomes d’↑uma era Maria, outra a segunda Octavia Anna, e a ultima respon tinha o nome de

sua mãe, e vestigios suf ↑alguns traços da formosur ↑bellesa d’ella.

Camilo, Maria Moisés, fl. 43

Esta familia era do Arco de Baulhe, gente nobre e antiga. Duas senhoras idosas ↑d’outros tempos

com seu irmão desembargador aposentado, homem erudito em historia patria, e não hospede no grego

↑sabendo de cor a Monarquia de Brito. Estava hospede na caza o conego de Braga João Correia Botelho,

ainda frescal, serio ↑grave, fallava mto no Pentateuco, e asseverava que o primeiro ↑e ms veridico histo-

riador do genero homano fora Moysés – asserto que ninguem lhe contestava , nem sequer se em tempo

↑de Moysés os israelitas possuiam o alphabet. D. ↑Maria Tiburcia e D. Feliciana Valladares ↑Ma Filippa

eram solteiras. Estavam na ↑Iam nos ↑Passavam dos cincoenta, idade em que o sexo principia a

descaracterizar-se, ↑periodo equivoco em q a mulher, se não tem filhos que a gratifiquem, chega a inspirar

receios que lhe assi affirmem uma serventia retrospectiva, perde toda a individualid chega a parece que

foi sempre assim, uma coisa seria ↑melancolica, embalsamada, e prêza ao vo á bisca sueca pelo espirito e á

caixa do esturrinho de 1813 pelo nariz.

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CCB c ic lo Histór ia da L íngua Por tuguesa Moder na 2016

Eça, A Correspondência de Fradique Mendes, ed. crítica Carlos Reis et al., Lisboa, INCM, 2014

A minha intimidade com Fradique Mendes começou em 1880, em Paris, pela Páscoa, ‒

justamente na semana em que ele regressara da sua viagem à África Austral. O meu conhecimento porém

com esse homem admirável datava de Lisboa, do ano remoto de 1867. Foi no verão desse ano, uma tarde,

no café Martinho, que encontrei, num número já amarrotado da Revolução de Setembro, este nome de C.

Fradique Mendes, em letras enormes, por baixo de versos que me maravilharam.

Eça, A Cidade e as Serras, fl. 1

O meu amigo Jacintho nasceu (tres mezes e tres dias depois da morte de seu pae tambem

Jacintho) n’um Palacio, com noventa contos de renda em ↑fartas terras de semeadura, de vinhedo, de

cortiça, e d’olival.

Pelo ↑No Alemtejo, na ↑pela Extremadura, atraves das duas Beiras, longas↑densas ondulando

por collina e valle, muros fortes ↑altos de boa pedra, rios ↑ribeiros, estradas...

!!! Veja as diferenças: http://www.citi.pt/e-books/a-cidade-e-as-serras-eca-queiros.pdf

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CCB c ic lo Histór ia da L íngua Por tuguesa Moder na 2016

Eça, A Tragédia da Rua das Flores, fl. 1 r/v

Era no theatro da Trindade, representava-se o Barba Azul.

Tinha começado o segundo acto e o coro dos Cortesãos sahia, recuando em semi-circulo com os

espinhaços vergados ‒ quando n’um camarote sobre o balcão, à esquerda, o ranger ferrugento d’uma

fechadura perra, uma cadeira arrastada, fizeram erguer aqui, alem, alguns olhares distrahidos. Uma

senhora alta, de pé, desapertava de vagar os fechos de prata d’uma longa capa de seda negra forrada de

pelles escuras: tinha ainda o capuz descido sobre o rosto a testa e os seus olhos negros e grandes que as

olheiras d’um lustre ligeiro, ou desenhadas

ou naturaes, faziam parecer mais profundos e mais sérios, destacavão n’um rosto aquilino e oval

levemente amaciado de pó d’arroz. Uma mulher esguia e secca, com um cordão d’ouro do relogio cahido

ao comprido do corpete de seda chato, desembaraçou-a da capa ‒ e ella, com um movimento delicado e

leve, sentou-se e ficou immovel de perfil, olhando o palco.

Fez logo sensação, no público amodorrado. binocula Binocularam-n’a à carga cerrada, como disse o

poeta Roma, auctor estimado dos Idillyos e Devaneios; mesmo um sujeito gordo, por baixo do camarote

d’ella, ao torcer o corpo n’um movimento brusco de curiosidade, escorregou no degrau do balcão, quasi

cahiu: houveram risadas; ella debruçou-se e — em quanto o sujeito gordo, muito vermelho, esfregava os

rins furioso — fallou, sorrindo á mulher esguia, que se conservava direita, sentada á beira da cadeira, com

um respeito d’aia e uma rigidez...

!!! Veja as diferenças: https://www.luso-livros.net/wp-content/uploads/2014/03/A-Tragédia-da-Rua-das-

Flores.pdf