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Chanel Antes de Chanel

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Livro da escritora Júlia Meirelles que conta a trajetória de Coco Chanel e sua influência na moda moderna.

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ÍNDICE

CAPÍTULO 1 – A VIDA DE COCO CHANEL........................................................... 4

O começo de tudo.............................................................................................. 11

A guerra e o sucesso ......................................................................................... 12

A ascensão ........................................................................................................ 14

A reclusão, o retorno e a glória .......................................................................... 17

CAPÍTULO 2 – CHANEL E O MERCADO POPULAR .......................................... 21

Homenagem, inspiração e cópia........................................................................ 24

Chanel e o repúdio as inspirações..................................................................... 25

O status de vestir uma grife – parte I ................................................................. 28

... E hoje em dia. ................................................................................................ 30

O mercado popular da moda.............................................................................. 34

Tamanhos especiais e a acessibilidade das marcas ......................................... 40

Chanel nos acessórios....................................................................................... 42

Os falsificados.................................................................................................... 45

Resumindo... ...................................................................................................... 47

CAPÍTULO 3 – CHANEL E O MERCADO DE LUXO............................................ 49

O mercado de luxo de Chanel............................................................................ 50

O conceito do mercado de luxo.......................................................................... 52

A publicidade e a comunicação no mercado de luxo ......................................... 55

Os novos ricos inseridos no mercado de luxo.................................................... 58

O impacto das falsificações no mercado de luxo ............................................... 59

A marca Chanel no mercado de luxo ................................................................. 60

O status de vestir uma peça Chanel (original) ................................................... 63

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CAPÍTULO 4 – CHANEL E LAGERFELD: A CONTINUIDADE DE UM TRABALHO.............................................................................................................................. 69

Prazer, Karl Lagerfeld! ....................................................................................... 70

A diferença básica entre as roupas do período Chanel e do período Lagerfeld 72

Chanel e suas it-girls.......................................................................................... 76

Karl Lagerfeld e suas it-girls............................................................................... 78

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CAPÍTULO 1 – A VIDA DE COCO CHANEL

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Prazer, Gabrielle Chanel!

Certamente se você está lendo esse livro, deve ser uma mulher ao menos

interessada por moda. Caso você seja um homem, aprecio a sua vontade de

descobrir um pouco mais sobre o universo feminino, mas já adianto que não

conseguirei te explicar o motivo pelo qual nós, mulheres, temos tantos sapatos e

bolsas no armário.

A questão é que, mesmo com tantos sapatos e bolsas no armário, nós sempre

sentimos que está faltando alguma coisa, um toque especial. Mesmo cada mulher

tendo seu próprio estilo, seja ele excêntrico, cool, romântico ou clássico, a maioria

de nós tem algumas peças básicas no guarda-roupa. Aquelas peças que, se

colocadas no momento certo, mudam todo o contexto da roupa e torna o visual

mais apropriado para a situação. Não sou Tim Gunn, Stacy Clinton, ou até mesmo

Glória Kalil, mas aprendi lendo seus livros, vendo seus programas e prestando

atenção em suas palavras, alguns dos principais itens que qualquer mulher deve

ter no armário. Inclusive, posso citá-los aqui:

- Camisa branca;

- Calça preta;

- Blazer preto;

- Vestido preto (ou o famoso "pretinho básico");

- Saia evasê;

- Acessórios (colares, braceletes, brincos);

Se fizermos uma pesquisa rápida pelo Google, vamos descobrir que dessas seis

invenções, todas foram criadas por Gabrielle Bonheur Chanel. Se você é uma

mulher que realmente gosta de moda, vai associar o último sobrenome com o da

marca Chanel, correto? Sim, você está certa.

Para falarmos dela, temos que tentar ao menos entender a sua história e a razão

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pela qual seu estilo seja ponto de referência até hoje.

Caricatura feita por Cecil Walter Hardy Beaton em 1953

FONTE: Reprodução

Gabrielle Bonheur Chanel nasceu em 19 de Agosto de 1883, na cidade de

Saumur, interior da França. Sinto lhe dizer, mas a história de Chanel é bonita até

aqui.

Após a morte de sua mãe em 1895, Gabrielle e sua irmã Julia foram abandonadas

pelo pai em um orfanato na cidade de Aubazine. O orfanato comportava um

internato gratuito para moças necessitadas, que era o caso das irmãs Chanel. Ou

seja: elas foram educadas e instruídas por caridade.

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Sobre a sua criação, Chanel dizia: “Tenho sido ingrata com minhas detestáveis

tias, afinal, devo a elas tudo o que tenho. Uma criança revoltada acaba se

tornando uma pessoa com couraça e força. Os beijos, os carinhos, as professoras

e as vitaminas transformam as crianças em adultos infelizes e doentios. As tias

malvadas criam vencedores, incutindo-lhes complexos de inferioridade, embora no

meu caso o resultado tenha sido um complexo de superioridade."

A partir dos 20 anos, Chanel começou a trabalhar como vendedora em uma das

lojas mais frequentadas da cidade de Moulins, que vendia luvas e meias. Foi

nessa loja que Chanel conheceu seu primeiro "amor": o afortunado general

Etienne Balsan. O "amor" que me refiro com certo tom de ironia, que será

compreendido mais a frente.

Depois de algum tempo, Chanel começou a trabalhar em um café-concerto de

Moulins, como poseuse. Uma poseuse tinha a função de distrair o público entre

uma dançarina e outra, cantando músicas alegres para, principalmente, valorizar o

estabelecimento. Gabrielle, que não tinha o mínimo talento para a música, sabia

cantar apenas duas canções: Ko-Ko-Ri-Ko e Qui qu'a vu Coco. Ficou conhecida

no café como Petite Coco, em referência a uma das únicas músicas que sabia

cantar razoavelmente. Não demorou muito tempo para que Chanel percebesse

que a vida como poseuse não lhe traria dinheiro e muito menos fama.

Foi nessa época que Chanel reencontrou sua tia Adrianne, irmã mais nova de sua

mãe. Adrianne também havia morado no orfanato onde Chanel foi criada e por

isso as duas, que tinham quase a mesma idade, eram praticamente irmãs.

Adrianne convidou Chanel para morar consigo na casa de sua amiga afortunada,

Maud que, além de ter dinheiro, também era muito próxima dos militares do 10º

Regimento de Cavalheiros-Caçadores. Esse foi o momento de reencontro de

Chanel e Etienne Balsan.

Etienne Balsan era tido como um jovem de boa fortuna, mesmo sendo órfão.

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Frequentava lugares da moda, ia aos melhores cafés da cidade e estava sempre

em companhia de prostitutas de luxo, como Èmilienne d'Alençon - que será

fundamental na ascensão de Chanel.

Balsan apaixona-se por Chanel e resolve convidá-la para morar no castelo de sua

família. Aqui poderíamos ter um final feliz, certo? Algo do tipo: "Com o apoio do

amado Balsan, Chanel descobre sua paixão pelas roupas, resolve abrir um ateliê,

torna-se famosa e vive feliz para sempre". Mas a história de Chanel é igual a sua

personalidade: volátil e muito, muito dramática.

Chanel não veio de uma família rica tampouco conhecida. Seu pai era vendedor

ambulante e sua mãe, sempre doente, cuidava da casa e dos filhos. Na sociedade

francesa do final do século 19, uma mulher sem família e fortuna era vista como

acompanhante, prostituta, mundana. Tudo, menos como mulher. E foi nessa

realidade que Chanel viveu durante todo o tempo que morou no castelo de

Etienne.

E você deve estar se perguntando: "Mas Etienne não fez nada para tornar Chanel

aceita pela alta-sociedade?" e minha resposta é não. Etienne tinha um carinho

especial por Chanel, é verdade, mas a via exatamente como uma acompanhante,

que deveria ser eternamente grata a ele por ter saído dos cabarés e cafés da

cidade.

Chanel, que já fazia suas próprias roupas, tornava-se cada vez mais diferente das

mulheres da época: ao invés de usar vestidos armados, com enormes caldas e

adereços no cabelo, vestia sobretudo masculino e chapéu de palha - ambos os

itens roubados do guarda-roupa de Balsan. Esse estilo de se vestir era, acima de

tudo, uma maneira desesperada de parecer diferente e não transmitir a ideia de

que era uma cortesã acompanhando Balsan.

Chanel roubava os chapéus de Balsan e, para dar um toque especial ao adereço,

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enrolava uma gravata da cúpula do chapéu, formando uma espécie de faixa. As

mulheres da época, que tinham suas cabeças e cinturas esmagadas por

espartilhos e apertadas por chapéus exageradamente grandes, enxergavam em

Chanel uma mulher diferente, mas incrivelmente confortável em suas vestimentas.

Coco Chanel jovem, representada pela atriz Audrey Tatou no filme Coco antes de Chanel. FONTE: Divulgação

Uma das mulheres que se interessaram pelo estilo excêntrico de Chanel foi a

prostituta de luxo Èmilienne d'Alençon, uma das principais acompanhantes de

Etienne Balsan. Èmilienne interessava-se pelos chapéus feitos por Chanel e ela,

vendo isso como uma maneira de se divertir, fazia chapéus de palha para

Èmilienne.

Os chapéus que Chanel fazia caíram nas graças de todas as outras amigas de

Èmilienne e por isso, Chanel era sempre requisitada para fazer novos modelos.

Além da simplicidade de suas peças (o que, na época, era um absurdo), Chanel

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chamava a atenção também dos amigos de Etienne. Um desses amigos era

Arthur Capel, mais conhecido como Boy. Boy era um inglês que trabalhava com

importação de carvão e tinha interesses muito parecidos com os de Etienne.

Principalmente por cavalos.

Ao passar uma temporada no castelo de Etienne, Boy conheceu Chanel e

encantou-se por sua simplicidade e pela maneira que ela havia encontrado para

ser diferente de todas as outras mulheres. Nessa mesma época, Chanel estava

pensando em abrir a sua própria loja, porque estava cansada de trabalhar para as

madames da região. Pensou em pedir ajuda para Etienne, mas sabia que ele não

ia gostar da ideia. Precisava de alguém para ajudá-la. E Boy era a melhor pessoa

para isso.

Convencido contra sua vontade, Balsan abre para Chanel uma loja em Paris com

a condição de que todo o valor investido no empreendimento fosse devolvido

integralmente para ele quando a loja fizesse sucesso - o que Balsan sinceramente

não acreditava que fosse ocorrer.

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Rue Cambon, endereço da Chanel Modes. FONTE: Reprodução

O começo de tudo...

Chanel muda-se para Paris junto com Boy Capel e inaugura a sua loja de

chapéus. As indicações eram tantas que o sucesso de Chanel não demorou muito

para chegar e por isso, após um curto período nesse pequeno estabelecimento,

Chanel resolve abrir uma loja maior, na Rue Cambon. Assim estava inaugurada,

em 1910, a Chanel Modes.

O estilo de Chanel, mesmo sem nenhuma formação em moda, chamava a

atenção das mulheres justamente pela sua simplicidade completamente contrária

as roupas exageradas da Belle Epóque.

As amigas de Etienne Balsan que foram as primeiras a usar as criações de Chanel

agora eram artistas de primeiro plano e seriam fundamentais para a ascensão de

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Chanel no restante da sociedade francesa. Suas criações começaram a aparecer

em publicações da época como a Les Modes e na cabeça de artistas como

Gabrielle Dorziat e Geneviève Vix.

Em decorrência do sucesso exagerado de seus chapéus, Chanel inaugura - com a

ajuda financeira de Boy Capel - sua segunda loja na região de Deauville, em

meados de 1913. Agora além dos chapéus, Chanel também começava a fazer

suas primeiras peças de roupa e sua tia Adrianne foi uma das primeiras modelos

das criações de Chanel.

Chanel começou a buscar no universo masculino, inspirações para a criação de

suas roupas. Uma das primeiras releituras feitas por Chanel foi a camiseta listrada

de azul e branco, que ela viu em uma de suas viagens românticas com Boy Capel

na costa da Normandia. Além de camisetas, saias menos amplas e com

modelagens mais simples, taiullers de corte reto e cores sóbrias faziam parte das

primeiras coleções de Chanel. Estava tudo bem, até a Primeira Guerra Mundial

estourar.

A guerra e o sucesso

Com o início da Primeira Guerra Mundial em 1914 as pessoas começam a fugir de

suas cidades e os estabelecimentos começam a fechar. Com um sexto sentido

aguçado, Boy convence Chanel a não fechar a loja de Deauville, sendo essa a

única loja aberta da região, mesmo com a guerra e o perigo iminentes.

Fugindo das províncias invadidas, os donos dos castelos de Paris e região

começam a fugir para suas casas de verão em Deauville. Suas mulheres, que

precisavam de roupas práticas e sem muitos adereços deparam-se com a única

loja aberta da cidade: a Chanel Modes. Na França em período de guerra, havia

três tipos de pessoas: as que sofriam, as que falavam e as que aproveitavam. No

caso da cidade de Biarritz, os enriquecidos diziam-se dispostos a comprar

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qualquer coisa. Em tempo de guerra, isso tinha um sentido precioso: o luxo.

Com a percepção aguçada, graças ao sucesso da loja de Deauville, Chanel e Boy

abrem em Biarritz uma Maison enorme com uma coleção de vestidos e roupas

que na época, só eram possíveis para as pessoas que estavam lá - e faziam de

tudo para ter um pouco de luxo. O local escolhido para essa abertura foi perfeito:

na frente do cassino da cidade. Além do lugar privilegiado, Biarritz ficava próxima

a Espanha, o que significava mais clientes.

Nessa mesma época, Chanel sentiu a necessidade de procurar outro tecido que

se assemelhasse ao tricô para poder continuar com as suas criações. O

empresário francês Jean Rodier apresentou à Chanel, sem esperanças, o jérsei. E

isso era exatamente o que ela procurava: um tecido extremamente maleável, que

permitisse criações mais flexíveis e que não ficasse grudado ao corpo. Depois de

comprar todo o estoque de Rodier, Chanel jurou ao próprio que este tecido

revolucionaria o mercado.

Com o avanço de vendas e o sucesso de suas roupas e acessórios, Chanel tinha

três lojas e comandava cerca de 300 operárias. Pagou tudo que devia para Boy

Capel e para Etienne Balsan, que nessa altura do campeonato era apenas uma

pessoa deixada no passado, e estava finalmente independente, pelo menos

financeiramente, já que Coco Chanel e Boy Capel estavam completamente

apaixonados. Com o uso do jérsei nas roupas, as vendas das lojas de Chanel

sobem vertiginosamente e suas criações fazem muito mais sucesso entre as

mulheres do que as criações de seu maior rival da época, Paul Poiret. Estava tudo

perfeitamente bem. Eu disse estava.

Em Dezembro de 1919, Arthur Boy Capel sofre um terrível acidente de carro e

morre. Essa é a primeira vez que Chanel fica desolada e visivelmente acabada.

Um fato interessante é que, mesmo depois de todo o seu sucesso e sendo

conhecida como a principal figura do século XX, Chanel nunca deixou de afirmar

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que com a morte de Boy Capel nunca mais amou nenhum outro homem, nem

mesmo o compositor Igor Stravinski, com quem Chanel teve um tórrido romance

tempos depois.

A ascensão

Chanel por Roger Schall

FONTE: Roger Schall/ Collection Schall

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Depois de algum tempo de isolamento, Chanel deposita sua tristeza e amargura

em suas criações e em 1920 cria uma de suas maiores invenções: o perfume

Chanel nº5. O perfume, produzido pelo químico Ernest Beaux é o primeiro

perfume que leva essências sintéticas de flores e o primeiro perfume de uma grife.

O número 5, segundo a lenda, deve-se ao fato de que, entre 10 amostras de

perfume, Chanel preferiu o quinto exemplar.

Além de manter suas lojas, Chanel também começa a participar de grandes

espetáculos como figurinista, sendo um deles o musical inspirado na Grécia antiga

chamado Antigone que além de Chanel, tinha cenários de Picasso e música de

Honegger.

Com a explosão do preto em decorrência do movimento Art-Déco, a Vogue

americana de 1926 publica em suas páginas, um vestido preto de Chanel, com as

mangas compridas e afirma que este era um uniforme que todas as mulheres

deveriam ter. É o início da padronização das roupas e o auge absoluto do

“pretinho básico”.

No final deste ano, Chanel muda-se para a Inglaterra para viver com seu novo

companheiro, o Duque de Westminster. Com essa mudança, Chanel encanta-se

com o tweed, com as boinas, com as jóias usadas durante o dia (principalmente

braceletes), com os colares de pérola e broche de pedrarias.

Com o advento da modernidade, Chanel inova mais uma vez e em 1929 lança a

calça feminina, diretamente inspirada na vestimenta masculina.

Em 1930, Chanel é convidada por Sam Goldwyn, grande magnata de Hollywood,

para vestir grandes estrelas da época com suas coleções. É o primeiro contrato

milionário de Chanel e, com a divulgação de sua marca através dos filmes, Chanel

chega à America do Norte.

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Chanel também foi a primeira estilista não-especializada em jóias que lançou uma

coleção de colar, pulseira e testeira de diamantes.

Em 1933, Chanel inicia um romance com o jornalista e artista plástico Paul Iribe.

Após a morte de Arthur Boy Capel, Iribe foi o único homem por quem Chanel

apaixonara-se. Com o casamento marcado, Chanel foi posta mais uma vez à

prova com o falecimento precoce de Paul Iribe, em 1935. Com isso, inicia-se um

longo período de solidão para Chanel.

Desde então, Chanel nunca tivera uma rival à altura. Essa condição muda com

uma reportagem da Vogue em 1937 – a mesma que anos atrás a colocara no

auge – que decreta que os tricôs de Elsa Schiaparelli eram a peça do ano.

Mesmo sendo completamente opostas, as criações de Chanel e Schiaparelli

agradavam e atraíam o mesmo tipo de mulher – mostrando a pluralidade do

guarda-roupa feminino e seus diversos estilos.

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A reclusão, o retorno e a glória

Chanel por Lipnitski e Roger-Viollet

FONTE: Chanel

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Com o início da Segunda Guerra Mundial em 1939, Chanel fecha as portas de sua

Maison e vive reclusa durante muitas semanas. Pouco tempo depois, Chanel

partiu para a Suíça e lá permaneceu por oito anos, voltando para a França em

breves temporadas.

Muitos escritores associam o sumiço de Chanel nessa época com a sua possível

colaboração com a Alemanha nazista de Adolf Hitler. Chanel era, segundo muitos

escritores, amante de Hans Gunther Von Dincklage e contribuía dando

informações preciosas aos generais nazistas. As informações desse período da

vida de Coco Chanel são muito desencontradas, o que dificulta uma verdadeira

definição sobre o que realmente aconteceu.

Com o seu sumiço inexplicável, o fechamento de seu ateliê e a criação do New

Look de Christian Dior, Coco Chanel e suas criações caíram no esquecimento.

Chanel em seu apartamento, na Rue Cambon.

FONTE: Reprodução

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A volta de Chanel ocorreu em 1954 com uma coleção polêmica, que foi criticada

na França por diversas revistas, que a zombaram pela sua idade e pelo

congelamento de suas ideias.

Em diversas entrevistas, a própria Chanel assumiu que os quinze anos de

inatividade fizeram-lhe perder a prática.

Chanel observa a manequim com uma de suas criações

FONTE: Reprodução

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Se na França suas criações eram uma catástrofe de venda, nos Estados Unidos

Coco Chanel se reerguia com uma coleção inovadora que a fez entrar

definitivamente no hall das grandes maisons. Era seu retorno triunfal.

A partir do seu retorno, Chanel reinou sobre a Alta Costura dos 79 aos 88 anos de

idade. Vivia apenas para o trabalho e a sua paixão pela moda podia ser vista pelo

seu empenho e perfeccionismo nas roupas que ela fazia questão de conferir

pessoalmente.

Chanel morreu em Janeiro de 1971 em sua suíte no Hotel Ritz, em Paris.

O motivo de tudo

Chanel não teve um marido e nem filhos, mas suas criações eram desenhadas

especialmente para mulheres que necessitavam de praticidade ao invés de

beleza. Mas qual seria o motivo disso?

Se sintetizarmos a história de Coco Chanel, podemos perceber que desde o início,

sua história não seguiu caminhos convencionais. Não para as mulheres daquela

época. Quando foi abandonada pelo pai em um orfanato ainda menina, Chanel

teve que aprender a conviver com as pessoas, gostando ou não delas. Quando

completou 18 anos, sabendo apenas remendar calças e fazer pequenos ajustes,

foi trabalhar em um café como cantora/garçonete e também teve que conviver

com os mais diversos tipos de pessoas. A vida, desde o começo, não foi fácil para

ela. Chanel não foi criada em um enorme castelo com inúmeros empregados para

satisfazer seus pedidos. Não tinha vestidos elaborados e sim duas ou três trocas

de roupas. No começo, Chanel dependia exclusivamente de seu trabalho para

comer e dormir em algum lugar aceitável.

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CAPÍTULO 2 – CHANEL E O MERCADO POPULAR

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Chanel observa sua biblioteca, em sua casa, na Rue Cambon.

FONTE: Chanel Inc.

Chanel conviveu com a burguesia, mas não fazendo parte dela e sim, divertindo-

lhes. Fazia questão de não pertencer. Mesmo sendo a petite de Balsan e

consequentemente, com a oportunidade óbvia de ingressar na burguesia, Chanel

preferia se esconder em um dos quartos para fazer chapéus, cortar algumas

camisas de Balsan e fazer experimentos com todos aqueles tecidos.

Provavelmente quando começou a recortar as primeiras camisas masculinas de

Balsan, Chanel não tinha ideia do que estava fazendo. Não tinha noção de que

aquelas camisas, décadas depois, seriam fundamentais na solidificação de sua

carreira como estilista à frente do seu tempo. Talvez essa tenha sido a magia de

toda sua trajetória: Chanel fazia roupas para a sua realidade.

A realidade que Chanel projetou há 90 anos atrás é a mesma de hoje e é por

causa de suas peças atemporais que ela é lembrada toda vez que alguém compra

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um colar de pérolas originais na França, um perfume nº5 nos Estados Unidos ou

uma bolsa falsificada com o logo Chanel no Brasil.

O motivo desse livro é mostrar a influência das invenções da estilista até os dias

de hoje em todos os sentidos de consumismo já que, com o aumento dos blogs de

moda, da influência de novas formadoras de opinião e da frequência de reposição

e criação das lojas fast-fashion, não é preciso comprar uma peça Chanel original

para vestir o estilo Chanel.

A marca Chanel com a direção artística de Karl Lagerfeld nos dias de hoje vai

bem, obrigada, mas o objetivo desse livro é mostrar que o estilo pulverizado por

Coco Chanel lá no começo dos anos 20, além de ainda fazer sentido e ser fonte

de inspiração de muitas mulheres, também é marco de uma revolução silenciosa,

feita ingenuamente por milhares de mulheres que, graças à Gabrielle Chanel (e

tantas outras anônimas), puderam afrouxar seus espartilhos apertados e

respirarem aliviadas.

Chanel em 1883.

FONTE: Reprodução

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Homenagem, inspiração e cópia

Agora que você já sabe um pouco sobre a história da vida de Gabrielle Chanel,

podemos ir um pouco mais adiante.

Ao invés de falar sobre o quão maravilhosa deve ser a sensação de ser

proprietária de uma bolsa Chanel 2.55, vamos falar sobre o estilo Chanel que

circula entre todas as classes sociais, independente do valor financeiro da peça.

Uma coisa que precisamos assumir é: boa parte das marcas que você usa hoje se

inspira nas roupas que Chanel criou, lá nos anos 20. Talvez não seja uma releitura

fiel, uma homenagem, mas em algum detalhe, sim, Chanel está no seu guarda-

roupa.

Antes de falarmos sobre a difusão do estilo de Chanel, temos que falar sobre as

diferenças básicas entre uma homenagem, uma inspiração e uma cópia.

A homenagem de uma roupa funciona como uma espécie de releitura do que já foi

feito. Não necessariamente segue os padrões da peça inspiradora, mas possui

características bem próximas: mesmo corte, mesmo tecido, mesma cor, mesmos

detalhes. Você pode encontrar esse tipo de roupa em lojas de departamento como

a C&A, a Renner e outras lojas do gênero.

A inspiração também é uma homenagem, mas ao invés de seguir características

próximas, se baseia no que já existe para criar algo novo. A diferença pode estar

justamente onde a releitura se baseia: na cor, no tecido ou no detalhe. Você

também pode encontrar essas roupas em lojas de departamento, mas também em

lojas especializadas.

A cópia é uma cópia, daquele jeito que conhecemos: a maioria das vezes mal-

feita, com mão de obra barata, sem qualidade, mas por um preço extremamente

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(ênfase no extremamente, por favor) tentador. Para termos o mínimo da sensação

de possuir algo muito caro, geralmente nos seduzimos por essas cópias, por mais

que, em uma conversa casual, repudiamos quem compra produtos falsificados.

Chanel e o repúdio as inspirações A questão não é o preço alto (que é um assunto que abordaremos no próximo

capítulo), mas sim o status (que é outro assunto que abordaremos no próximo

capítulo). Para nós, pobres mortais, ter uma bolsa Chanel original é como se fosse

um marco histórico do tipo “eu cheguei lá”. E quando chegamos lá, queremos

mostrar para todo mundo que nós podemos comprar uma bolsa cara, mesmo com

tantas contas no fim do mês para pagar. Talvez seja a primeira e única Chanel de

nossas vidas. Mas o que importa é o marco que isso representa na vida da

maioria das mulheres que gostam/se importam com moda.

Enquanto não chegamos lá, vamos nos aventurando entre bolsas falsificadas ou

inspiradas em Chanel. Quando digo “em Chanel” não me refiro á marca, mas sim

em Gabrielle Chanel, a pessoa “culpada” por tudo isso.

Falando nisso, em 2010 a empresa Chanel publicou uma nota de informação na

página do WWD (espécie de jornal especializado em moda) destinada a todos os

jornalistas e publicitários com os seguintes termos:

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Uma nota de informação e súplica para editores de moda, publicitários,

copywriters e outros usuários que usam o nome Chanel com boas intenções:

Chanel foi uma designer, uma mulher extraordinária que fez uma contribuição

atemporal para o mundo da moda. Chanel é um perfume.

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Chanel é a elegância moderna na alta costura, no ready-to-wear, acessórios,

relógios e jóias. Chanel é nossa marca registrada para fragrâncias, cosméticos,

roupas, acessórios e outras coisas adoráveis.

Apesar de nosso estilo ser famoso, uma jaqueta não é uma “jaqueta Chanel” a

não ser que seja nossa, e os cardigãs de outra pessoa (no caso, marca) não são

“Chanel por enquanto”.

E mesmo que fiquemos lisonjeados com tantas homenagens à nossa fama como

“Chanel-issime, Chanel-ed, Chanels e Chanel-ized”, POR FAVOR, NÃO. Nossos

advogados odeiam. Nós levamos nossa marca a sério.

Merci, Chanel Inc.

O aviso provocou bastante controvérsia no meio, porque dividiu opiniões e criou

uma série de dúvidas: será que a marca Chanel quer manter-se longe do conceito

de “luxo para as massas”?

Um exemplo desse “luxo para as massas” está na marca Marc Jacobs. Quando o

estilista da Louis Vuitton percebeu que o consumo de seus produtos (da sua

marca própria no caso) era agressivamente maior nos itens mais baratos, resolveu

abrir a marca Marc by Marc Jacobs – com uma série de produtos simpáticos

(chaveiro, chinelo, lápis, bloquinho, bolsas tiracolo...) a preços superacessíveis.

O interessante nisso é que não há motivos para alguém procurar algum produto

falsificado da marca, justamente porque há produtos originais custando quase a

mesma coisa das cópias vendidas na rua.

No caso de Chanel, por exemplo, o item mais acessível da marca é a linha de

esmaltes que, inclusive, foi um boom no mercado brasileiro. Um vidro de esmalte

original da marca custa cerca de R$100,00. É caro, pinta as unhas e dura

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praticamente a mesma coisa que um esmalte de R$2.00. Mas então qual é o

motivo dele ser tão vendido, mesmo sendo tão caro? O nome. Entramos de novo

naquela sensação de “possuir algo muito caro”.

Isso não acontece só com Chanel, mas com a maioria das marcas. A diferença de

preços de uma calça jeans sem marca (quando eu digo sem marca me refiro a

uma marca desconhecida) com uma calça Diesel, por exemplo, chega a ser de

200% ou mais. E porque as pessoas compram Diesel? Você pode me responder:

pela qualidade. E se eu te disser que a maioria das roupas das grifes caras são

feitas em países com mão de obra barata e que muitas vezes, a mesma oficina

que costura uma calça Levi’s, por exemplo, também costura uma calça da marca

“desconhecida”? E porque as pessoas continuam comprando calças de marca? Aí

está a resposta: pela marca.

O status de vestir uma grife – parte I

Vestir algo de uma grife conhecida passa a impressão de que você é uma pessoa

antenada nas tendências, vaidosa e que conhece de marcas. Não podemos mentir

sobre isso. O consumismo é exagerado, a globalização permite que conheçamos

o estilo de outras pessoas do mundo, a televisão faz com que desejamos ter

“aquela” peça de roupa, “aquele” carro, “aquele” celular. A internet nos aproxima

de outras realidades. Hoje em dia somos interativos, globalizados e conectados. E

as marcas estão no nosso cotidiano. Bebem o nosso café, usam o nosso carro e

nos acompanham para o trabalho.

Na moda, isso não poderia ser diferente. O filósofo francês Gilles Lipovetsky em

seu livro “O Império do Efêmero” afirma que desde o princípio dos tempos (isso lá

na Idade Média), o homem tem uma relação muito particular com o sistema da

moda: no princípio, as roupas serviam apenas para cobrir o corpo. Depois, com a

valorização da continuidade social, as roupas começaram a fazer parte de uma

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estrutura um pouco maior. Na Idade Média, por exemplo, era possível saber de

qual corte uma pessoa era de acordo com a cor das suas vestimentas.

Com o passar dos séculos, a moda deixou de ser apenas uma coadjuvante e as

mudanças não ocorreram mais acidentalmente, mas sim, tornaram-se uma regra

permanente. Apesar disso, as mudanças mais efêmeras ocorreram nos

ornamentos e nos acessórios. A estrutura das roupas pouco se modificou,

deixando as formas gerais estáveis.

As mudanças são causadas principalmente porque as pessoas preferem ter

semelhanças com as novidades do que com os antepassados. O antigo já não é

considerado nobre, e só o presente deve inspirar respeito.

Os trajes mudam em função das preferências na nobreza, tendem a simbolizar

uma personalidade, um estado de espírito, um sentimento individual.

Com isso, a alta sociedade passou a se interessar pelas novidades e últimos

achados, imitando as tendências em vigor. Esse consumismo torna-se marca da

excelência social, é preciso seguir “o que se faz”. Na moda, os extremos se

encontram, sustentados pela novidade.

Durante séculos, a moda respeitou a hierarquia das condições, causando um

consumo luxuoso e prestigioso, confinado às classes nobres. Existiam, inclusive,

decretos que proibiam as classes plebéias de copiar os tecidos e formas do

vestuário nobre. Contudo, a partir do século XIV, quando se desenvolviam o

comércio e os bancos, imensas fortunas burguesas e apareceu o grande novo-

rico, de padrão de vida faustoso, que se veste como os nobres, que se cobre de

jóias e de tecidos preciosos. A ascensão econômica da burguesia, por um lado, e

o crescimento do Estado moderno, por outro, puderam dar uma realidade e uma

legitimidade aos desejos de promoção social das classes sujeitas ao trabalho.

Page 30: Chanel Antes de Chanel

30

Os novos estilos são de início, aceitos pelos membros da classe alta e, aos

poucos, disseminam-se entre os membros das classes média e baixa. Quando um

novo estilo torna-se irrestritamente aceito, é posto de lado pela classe alta, em

favor de outro mais novo.

A moda burguesa cria-se aos moldes da moda nobre, mas seguindo outro

caminho: o caminho da sobriedade, da moderação. É a partir dessa moda sóbria

que se cria a maioria das peças que conhecemos hoje em dia, e também é partir

desse momento que surgem os primeiros estilistas da história do vestuário.

Alguns estilistas em especial tinham influência considerável sobre o modo com as

mulheres se vestiam no início do século XX, mas apesar disso, raramente

tentavam desafiar as convenções estéticas estabelecidas ou comentar as relações

sociais por meio do uso dos temas das roupas.

Dessa maneira, entramos novamente no tema central desse capítulo: Chanel foi a

principal contribuinte do vestuário das mulheres do século XX e produziu roupas

muito simples, sem detalhes e enfeites supérfluos, que podiam ser (e continuam

sendo) repetidas continuamente com poucas variações. Suas roupas foram

comparadas a uniformes e a produtos de linha de montagem, como carros. Suas

indumentárias visavam a mulheres de todos os níveis sociais, embora só as

clientes ricas tivessem dinheiro suficiente para pagar as roupas que ela vendia.

Fáceis de copiar, seus desenhos eram logo disponibilizados para uma clientela

muito variada.

... E hoje em dia.

A clientela muito variada do século XX transformou-se em grandes lojas de

departamento e grandes centros de comércio popular. Hoje em dia é possível

encontrar qualquer peça Chanel inspired em um desses estabelecimentos, apesar

da marca Chanel repudiar completamente esse tipo de homenagem.

Page 31: Chanel Antes de Chanel

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Mas porque o estilo Chanel é o mais copiado?

Chanel foi a primeira mulher estilista a ir contra a maré, ou seja: ao invés de criar

vestidos enormes, de cinco camadas e que levavam até madeira (isso mesmo,

madeira!) em sua formação, preferiu adaptar peças masculinas, cortando-as e

moldando-as de uma maneira jamais vista anteriormente: confortáveis, mas sem

abrir mão da elegância.

Um dia, Chanel decidiu que não vestiria uma malha do namorado (na época Arthur

“Boy” Capel), tipo suéter, pela cabeça: cortou-a na frente, improvisando uma gola

e um cinto com retalhos do mesmo tecido e, aplicou nessa invenção, dois

enormes bolsos "na altura exata em que as mãos gostam de descansar",

descrevia. "Todos me perguntavam onde eu o havia comprado e eu respondia:

"Se quiser, vendo um desses para você". Com isso, acabei vendendo dez

modelos iguais".

O vestido conhecido como pretinho básico, uma de suas mais notórias invenções,

foi criado a partir do vestuário das freiras com quem Chanel foi criada. A camiseta

azul e branca com listras finas foi inspirada nos pescadores da costa da

Normandia.

Praticamente todas as criações de Coco Chanel foram inspiradas em algum grupo

específico. Ou seja, eram peças já existentes, que Chanel adaptou para a sua

realidade e, posteriormente, para a realidade de suas clientes, que a procuravam

principalmente pela simplicidade, confortabilidade e elegância de suas roupas.

O estilo Chanel é o mais copiado porque é atemporal. Resistiu a um século de

inovações e tendências e continua arrancando suspiros das mulheres ao redor do

mundo, justamente por causa do seu minimalismo impactante e da sua

sobriedade. A grande maioria das mulheres opta por peças atemporais por dois

Page 32: Chanel Antes de Chanel

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motivos: são confortáveis (ninguém vai olhar assustada pra você na rua caso você

use uma camisa branca e uma calça preta, certo?) e são versáteis, vão de um dia

turbulento no trabalho para uma confraternização no final da noite. Peças

atemporais são feitas para mulheres de verdade. Que gostam de se vestir bem,

mas também querem conforto. Que querem uma peça de roupa versátil e durável,

sem gastar o salário do mês com isso.

A maior criadora de peças atemporais do nosso século, sem sombra de dúvidas,

foi Chanel. E é por isso que suas roupas são copiadas, porque são base de um

guarda-roupa básico, como eu disse no primeiro capítulo. Se listarmos todas as

suas criações no papel, é certeza que cerca de 80% das invenções estejam na

nossa lista de próximas compras ou no nosso armário.

A marca em si, desde o princípio, nunca foi acessível. Apesar de Chanel ter vindo

de origem pobre, ter sido criada caridosamente por freiras e ter tido que cantar em

cafés para sobreviver, a marca foi criada originalmente para agradar as mulheres

da nobreza, que Chanel observava com muita atenção na época que vivia sob o

mesmo teto que Etienne Balsan.

O produto mais acessível da marca foi, durante muito tempo, o perfume Chanel

nº5, criado em 1923. Você já chegou a consultar o preço de um perfume Chanel

nº5?

Page 33: Chanel Antes de Chanel

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Fonte: Júlia Meirelles

Fazendo uma pesquisa rápida pela Internet, encontramos várias ofertas do

produto e o preço médio de um frasco de 50 ml é R$260,00. Esse valor refere-se a

uma Eau de Toillete, ou seja, uma colônia de banho. Sim, uma colônia. Não

estamos falando nem do Eau de Parfum (que, a objeto de curiosidade, custa em

média R$500,00 para um frasco de 100 ml). Tudo bem, estamos falando sobre os

Page 34: Chanel Antes de Chanel

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preços no Brasil, que tem uma das maiores taxas de impostos do mundo. Mas,

ainda assim, o preço para ter alguma coisa Chanel é muito alto.

É principalmente por esses motivos que Chanel é uma das marcas mais copiadas

nos mercados populares: o primeiro porque são peças atemporais, básicas,

formadoras de guarda-roupas femininos ao redor do mundo. O segundo porque,

para ter uma peça Chanel original, é preciso ter muito dinheiro (sobrando, claro).

O mercado popular da moda

Foto: Júlia Meirelles

Quando entrevistei Vivian Whiteman (editora de moda do jornal Folha de São

Paulo), ela disse uma frase extremamente interessante, que resume basicamente

como funciona o mercado fast-fashion.

Page 35: Chanel Antes de Chanel

35

“A moda para as massas é feita a partir do gosto da elite, mesmo que a elite esteja

usando coisas que vieram da vestimenta popular. Então, a peça é criada e

desfilada em Paris. A cadeia espalha os looks via mídia, via celebridades etc. E

finalmente os fabricantes populares reproduzem isso para que mais gente possa

comprar. Quando chega na 25 de Março, a pessoa já perdeu a referência de

Chanel, Provavelmente ela terá visto algo similar numa atriz, numa cantora etc.

Não existe nada de novo nisso, o sistema é o mesmo há décadas. O que tem

mudado é a velocidade da cópia, cada vez mais rápida.”

Desde o dia que decidi escrever esse livro, pensei muito sobre a abordagem e o

caminho que iria seguir. E desde então, optei por escrever um livro para mulheres

como eu: que trabalham, pagam contas, gostam de moda, não abrem mão de

conforto e também não tem rios de dinheiro para gastar em roupas caras. Porque

para achar roupas caras, nós sabemos quais lojas devemos ir (mesmo se nunca

pisamos em uma delas). Mas e para achar roupas bonitas, atemporais, sem

acabamento mal feito e ainda por cima por um preço convidativo? As lojas de

departamento e os grandes centros populares. E eu não estou ficando doida!

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Foto: Júlia Meirelles

Page 37: Chanel Antes de Chanel

37

Muitas pessoas ainda têm a impressão e o preconceito de que roupas baratas são

descartáveis, que não prestam. É claro que, dependendo do lugar que você for,

essa é mesmo a realidade que você vai encontrar. Mas não podemos generalizar.

Não mesmo.

Para tomar prova desse tipo de afirmação, fui durante quatro sábados

consecutivos ao Bom Retiro, bairro central de São Paulo conhecido pelo comércio

de roupas e acessórios por preços indecentes de tão baixos. E, acredite em mim,

temos que rever nossos conceitos sobre qualidade atrelada a preço baixo.

Foto: Júlia Meirelles

É claro que eu entrei em lojas terrivelmente quentes, com vendedoras mal-

educadas e roupas mal-feitas. Mas o inferno não foi tão assombroso assim.

Page 38: Chanel Antes de Chanel

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Encontrei durante as minhas andanças, lojas bonitas, climatizadas, com

vendedoras atenciosas e, o mais importante, roupas lindíssimas, com tecidos

nobres, costuras bem feitas e caimentos perfeitos. Tudo isso inspirado no universo

Chanel!

Não é muito difícil encontrar cardigans, pretinhos básicos, camisas brancas,

camisetas listradas, calças sociais e tailleurs nessas lojas. Todos nitidamente

inspirados em Chanel e suas criações. Mas as releituras, ao invés de serem

cópias deslavadas, possuem atributos próprios, personalidade. São roupas

atemporais e básicas por um preço extremamente acessível, principalmente

levando em consideração os tecidos utilizados em sua confecção.

Foto: Júlia Meirelles

Page 39: Chanel Antes de Chanel

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Conversando com Joannes, proprietário e gerente do setor de estilo e produção

da Ginestra/Lanesi, percebi uma enorme preocupação com o processo de

confecção das roupas e com os tecidos utilizados. A Ginestra, além de ser uma

loja, também é fabricante – o que, segundo Joannes, facilita o acesso à

informação e possibilita que as coleções da loja sejam atualizadas

constantemente.

A maioria das lojas que estão na região do Bom Retiro também são fabricantes e

vendem diretamente para o consumidor final – o que barateia os custos do

produto, já que não há intermediários entre o fabricante e o consumidor.

Foto: Júlia Meirelles

Page 40: Chanel Antes de Chanel

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Tamanhos especiais e a acessibilidade das marcas

Foto: Júlia Meirelles

Page 41: Chanel Antes de Chanel

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Outro aspecto interessante que percebi durante os meus passeios investigativos

foi a variedade de tamanhos em uma mesma loja. No caso da Ginestra/Lanesi, por

exemplo, é possível comprar uma calça social tamanho 38 e encontrar o mesmo

modelo no tamanho 56. Sobre essa adequação das roupas, Joannes afirma “Cada

mulher tem o seu perfil e, como fazemos roupas para mulheres reais, é necessário

que haja uma variedade de números e tamanhos para que nossas roupas sejam

usadas pelo maior número de mulheres possível”.

A moda plus size, que inclusive, é bem variada nas ruas do Bom Retiro, está

tomando espaço no mercado da moda e já conta com eventos, blogs e colunas

específicas para esse público. Um mercado que antes era visto com preconceito,

hoje possui lojas especializadas e a maioria das marcas estão se adequando a

este público, que é cada vez mais rigoroso e seletivo.

Grifes como Chanel, Yves Saint Laurent e Alexander McQueen possuem

numerações especiais à venda em lojas como a Saks, em Nova York, por

exemplo. É claro que isso ainda não é o ideal, mas é interessante saber que as

grifes também se interessam em vestir as mulheres curvilíneas.

Page 42: Chanel Antes de Chanel

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Chanel nos acessórios

Foto: Júlia Meirelles

Outro grande exemplo de democratização da moda são as bolsas e sapatos

inspirados nas criações de Coco Chanel. Apesar da marca condenar esse tipo de

cultura popular, podemos encontrar esses produtos dando uma volta na Internet,

buscando pelo termo “bolsas Chanel inspired”. O resultado da busca nos traz

desde bolsas falsificadas a venda no Mercado Livre (falsificação é crime, viu?) até

marcas que fazem as suas versões das bolsas mais conhecidas de uma

determinada grife.

Foto: Júlia Meirelles

Page 43: Chanel Antes de Chanel

43

É o que acontece com a marca Fernanda Gregorin, por exemplo. A criadora da

marca (a própria Fernanda) é formada em Design de Moda com especialização

em Desenho de Acessórios no IED (Instituto Europeu de Design) de Madrid, na

Espanha. Após a sua especialização na Espanha, Fernanda voltou para o Brasil e

começou a desenhar bolsas e apresentá-las a suas amigas. O sucesso, segundo

ela, foi maior do que o imaginado.

Fernanda trabalha com materiais nobres como o couro e a camurça e suas bolsas

são fabricadas sob sua supervisão e ela faz questão de conferir de perto todos os

processos: “Toda a escolha de materiais é feita por mim, bem como o

desenvolvimento exclusivo de toda a coleção”.

A marca Fernanda Gregorin é conhecida principalmente pela linha Inspired, onde

ela se baseia em modelos já existentes para criar suas releituras das bolsas do

momento.

Diferente de uma bolsa falsificada, Fernanda imprime seu estilo nos produtos,

tornando-os uma homenagem aos modelos já existentes.

No caso de Chanel, Fernanda criou um modelo inspirado na Coco Cocoon (que

tem a Lily Allen como garota-propaganda) e, segundo ela, o produto foi um

sucesso de vendas: “Estou pensando até em fazer um repeteco do mesmo

modelo”, finaliza.

Além da linha Inspired, Fernanda também tem coleções próprias e se preocupa

em ouvir principalmente a necessidade de suas consumidoras – internautas em

sua maioria, já que maior ponto de venda da marca é a sua loja virtual. De acordo

com Fernanda, o próximo passo da marca é ampliar sua distribuição, criando

franquias em cidades estratégicas.

Page 44: Chanel Antes de Chanel

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Foto: Júlia Meirelles

Outras marcas conhecidas também se inspiram nas criações de Chanel para

aumentar sua variedade de produtos. A marca de sapatos paulista Shoestock

criou no Verão de 2010 uma coleção para comemorar o centenário da marca,

trazendo sapatos característicos da estilista com um toque tropical, principalmente

nos materiais utilizados (ráfia e palha).

Além dessa coleção específica, em quase toda nova coleção da marca, há uma

sapatilha de bicolor com a ponteira preta ou uma bolsa de correntes. Os preços,

assim como os praticados pela marca Fernanda Gregorin se adéquam ao bolso da

mulher brasileira e tornam acessível o sonho de ter um produto “de marca”.

Page 45: Chanel Antes de Chanel

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Os falsificados

Por outro lado, existem as falsificações, principalmente de acessórios. É possível

encontrar esses produtos em grandes centros de comércio como a 25 de Março

(em São Paulo), o Saara (no Rio de Janeiro) e o Mercado Central (em Belo

Horizonte).

Dizem que a falsificação é o termômetro da popularidade da marca, mas, além

dos prejuízos financeiros, há o abalo à imagem da marca, que deve ficar bastante

insatisfeita ao ver pelas ruas "sacolas malfeitas" com o logo da grife. Como o luxo,

por definição, é uma realização para poucas privilegiadas, a cópia de produtos de

grife ganha porte industrial.

Segundo o presidente executivo do FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e a

Ilegalidade), a pirataria gera, além de sonegação de impostos, perda de empregos

formais e desestímulo aos investimentos.

Em decorrência das falsificações, o setor privado deixa de faturar até R$900

bilhões de reais, o equivalente a 20% do PIB nacional, segundo dados divulgados

pela AMCHAM (Câmara Americana de Comércio Brasil-Estados Unidos).

Segundo um artigo publicado na revista Época NEGÓCIOS em 2009, as principais

características para identificar uma bolsa Chanel 2.55 são:

Verifique o número de série que garante a autenticidade da bolsa. Se for 9395451,

esse é o número que acompanha a maioria das cópias. Zíperes também devem

trazer o logotipo da Chanel, não apenas uma marca superficial, mas uma

gravação perfeita. Os botões de pressão também trazem o logo da grife francesa.

E, como sempre, não caia na tentação do preço, acreditando que é uma “oferta

imperdível”: uma bolsa Chanel clássica 2.55 não custa menos de US$ 1.100.

Page 46: Chanel Antes de Chanel

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Como sou a favor do jornalismo investigativo, fui até algumas lojas no centro de

São Paulo para apurar as informações e verificar de perto, se as falsificações são

tão mal-feitas assim. E são.

Além de mal-feitas, são cópias baratas, feitas com material de origem suspeita,

além de serem completamente diferente das bolsas originais. Fui a três lojas

diferentes em duas ruas conhecidas de São Paulo. Todas elas eram apertadas,

abafadas e com vendedores extremamente mal-humorados. Para embasar minha

pesquisa, procurei nas três lojas pelo mesmo modelo, a Chanel 2.55. Eis as

minhas considerações:

LOJA 1 => R$120,00. Extremamente mal feita, com partes descosturadas e metal

enferrujado. Perguntei sobre a procedência e a vendedora simplesmente

respondeu “Ah, sei lá. É falso, né?”.

LOJA 2 => R$150,00. Mal feita, a corrente estava puída e a costura irregular.

Sobre a procedência do produto: “Acho que é chinesa”.

LOJA 3 => R$159,00. O botão frontal tinha cor diferente das outras ferragens,

estava com o tecido interno descosturado e tinha um forte cheiro de mofo. A

procedência “Só Deus sabe!”

Ou seja: não compensa. Não somente pela questão de ser um produto falsificado

(isso já é um motivo suficientemente bom), mas não compensa porque o barato

não sai tão barato assim (pagar mais de R$100,00 em um produto falso chega até

a ser piada, sendo que há tantas outras bolsas lindíssimas de outras marcas por

um preço parecido ou ligeiramente maior), justamente pela qualidade do produto.

É visível que a mão de obra é desqualificada e as fábricas que produzem essa

bolsa não estão priorizando a qualidade do produto e sim a quantidade de bolsas

que uma única pessoa pode fazer. Melhor fazer bonito com uma bolsa de uma

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marca “não tão conhecida assim”, mas que seja adequada ao seu estilo de vida,

ao seu bolso e principalmente que não faça você pagar um mico por aí. As

fábricas podem até tentar copiar, mas nada melhor que um produto original, não

acha?

Resumindo...

Foto: Júlia Meirelles

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Tive a oportunidade de conversar com a autora americana Karen Karbo, do ótimo

livro “O Evangelho de Coco Chanel”, para discorrermos sobre o motivo pelo qual

tantas mulheres inspiram-se de alguma maneira em todo o legado deixado pela

estilista e em todas as tendências criadas pela marca até os dias de hoje.

Chegamos à conclusão de que todas nós buscamos opções, cópias, releituras,

homenagens sobre Chanel porque ela representa uma forma de vida que todas as

mulheres gostariam de chamar de sua.

Nem todas as mulheres possuem recursos financeiros para comprar uma jaqueta

de tweed Chanel, que custa em média ,R$10.000,00 em uma loja oficial da

marca (sim, você leu certo. É quase o preço do seu carro). Mas, ao comprar algo

inspirado, seja uma bolsa, uma camiseta, um colar de pérolas, ou até algum

produto Chanel (esmaltes ou alguma coisa da linha de maquiagem da marca) nós

nos sentimos inclusas no Universo Chanel que abrange não apenas uma marca,

mas um estilo de vida ditado por uma mulherzinha ranzinza lá em meados dos

anos 20 que serve de exemplo para muita gente até os dias de hoje: a elegância

está na simplicidade. A simplicidade é um luxo. E o luxo, que não está relacionado

com o dinheiro – mas com a maneira como você se enxerga e se exibe para o

mundo e isso, poucas pessoas possuem.

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CAPÍTULO 3 – CHANEL E O MERCADO DE LUXO

Page 50: Chanel Antes de Chanel

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O mercado de luxo de Chanel

Corner de maquiagem Chanel

FONTE: Getty Images

Page 51: Chanel Antes de Chanel

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A marca Chanel nunca foi (e nunca quis ser) acessível. Desde os primórdios de

sua criação, Coco Chanel sabia exatamente qual público gostaria de atingir: os

nobres.

Ao longo dos anos, Chanel entendeu o conceito do luxo e tornou a sua marca algo

necessário para a época porque trazia um conceito diferente cobrando

praticamente a mesma coisa dos alfaiates por uma peça padronizada, como

uniformes.

A diferença estava na simplicidade e na ousadia. Afinal, Chanel empregou em

suas roupas, o uso do jérsei – que, até então, era usado apenas para roupas de

baixo.

Chanel aproveitou a necessidade da época, com a eclosão da 1ª Guerra Mundial,

em 1914, e manteve sua loja de Deauville aberta enquanto todas as outras

fechavam. Como relatado no primeiro capítulo, Deauville era a região onde os

afortunados passavam as suas férias de verão. Com Paris invadida, houve uma

migração da nobreza para Deauville e com isso, Chanel pôde vender suas roupas

para as madames da região, que procuravam exatamente o tipo de moda que

Chanel vendia: simples, sem adereços. Uma roupa apropriada em época de

guerra. Chanel não poderia estar em lugar melhor.

Ou seja: a marca Chanel sempre esteve atrelada ao luxo, a nobreza. Desde o

começo Chanel deixou bastante claro o seu objetivo e foi atrás dele sem

pestanejar.

Para dar um pouco da essência de sua marca aos menos endinheirados, Chanel

criou o perfume Chanel nº5 que, comparado com os outros perfumes de outras

grifes, ainda tem um preço, digamos, salgado.

Page 52: Chanel Antes de Chanel

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Antes mesmo de falarmos sobre a Chanel no mercado de luxo, é necessário que

compreendamos o conceito do luxo e o motivo pelo qual as pessoas têm

disponibilidade de pagar muito caro em uma peça de roupa grifada.

O conceito do mercado de luxo

FONTE: Chanel Inc.

Segundo o professor de Mercadologia da FGV-EAESP Adalberto Belluomini, o

conceito do luxo é extremamente antigo e vem da época dos faraós egípcios, em

4.000 a.C, onde surge o conceito de Estado que conhecemos até hoje.

Page 53: Chanel Antes de Chanel

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Com o surgimento do conceito de Estado, surge também a separação social entre

os ricos e os pobres. O luxo nasceu para suprir a necessidade de diferenciar a

nobreza do restante do povo. Uma maneira de traduzir esse status foi a dedicação

de objetos de alto valor aos mortos, tornando o luxo um elo entre os vivos e os

mortos. Os soberanos deveriam se cercar de coisas belas para mostrar sua

superioridade.

Contextualizando-o da maneira que conhecemos hoje, o conceito de luxo nasceu

na França, no século 18, um pouco antes da Revolução Francesa. A ideia de luxo

já estava presente nos palácios franceses, nos aspectos de adorno, cuidados

estéticos e sofisticação.

Também é na França que surgem as pequenas lojas de comerciantes bem-

sucedidos que começam a expandir seus negócios voltados para uma elite que se

preocupava muito em estar perto da realeza.

Com o início da Revolução Industrial no século 19 esse conceito ganha força,

tanto que nessa época, surgem as primeiras marcas de luxo que conhecemos

hoje como a Mercedes, a Cartier e a Montblanc, por exemplo.

No início do século 20, com a ascensão das classes sócio-econômicas e com o

crescimento do consumismo por meio da produção em massa, os artefatos do

mercado de luxo começam a se tornar mais acessíveis para outros públicos, não

apenas para a realeza, mas também para as pessoas que dispunham de

pequenas fortunas para comprar itens específicos e exclusivos.

E qual o motivo de tudo isso? Segundo o professor Adalberto, os motivos estão

em vários aspectos, tanto psicológicos como, principalmente, sociais. Os objetos

de luxo trabalham nas três últimas camadas da escala de Maslow, que é uma

escala que enumera as necessidades básicas dos seres humanos: necessidade

social, de estima e pessoal.

Page 54: Chanel Antes de Chanel

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Segundo o filósofo Gilles Lipovetisky em seu livro A Felicidade Paradoxal, a partir

dos anos 1950, ter acesso a um modo de vida mais fácil e mais confortável, mais

livre e mais hedonista constituía já uma motivação muito importante dos

consumidores. Exalando os ideais da felicidade privada, os lazeres, as

publicidades e as mídias favoreceram condutos de consumo menos sujeitas ao

primado do julgamento do outro. Viver melhor, gozar os prazeres da vida, não se

privar, dispor do “supérfluo” apareceram cada vez mais como comportamentos

legítimos, finalidades em si.

De acordo com o professor Adalberto Belluomini, há alguns tipos específicos de

consumidor do mercado de luxo:

- O que gosta de ostentar;

- O que compra para sentir-se exclusivo;

- O que busca a perfeição, o valor da qualidade percebida;

- O que compra para demonstrar educação, já que ter produtos de luxo é um sinal

de elegância e educação (a ligação entre educação e consumismo vem de nossa

influência burguesa do século 18);

- O que compra para sentir prazer (experiência hedonista);

- O que compra pelo contexto global, para sentir-se globalizado e conectado com

seus iguais;

Page 55: Chanel Antes de Chanel

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Loja Chanel no Brasil

FONTE: Divulgação

A publicidade e a comunicação no mercado de luxo

Para atrair esses consumidores, as marcas de luxo possuem atributos especiais,

como a comunicação especializada e a publicidade, ambas com características

específicas.

De acordo com Adalberto Belluomini, os aspectos da propaganda e da

comunicação no mercado de luxo são:

- História: a maioria das marcas de luxo são antigas, tem história e um conceito

de exclusividade que atravessa séculos.

Page 56: Chanel Antes de Chanel

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- Logomarca: as cores são sóbrias, pertinentes, elegantes. As cores mais

utilizadas são o preto, o dourado, o bordô, o azul marinho e o prata. Há também a

imagem da coroa. Os nomes são charmosos.

- Qualidade: os produtos de luxo são feitos meticulosamente, em um processo

que agrega alta qualidade ao produto final, que causam aos consumidores, a

sensação dos atributos esperados.

- Design: geralmente rebuscado, diferenciado. Há uma preocupação muito visível

com o design do produto.

- Embalagem: única, destacada, elegante.

- Preço: sempre acima da média de mercado. Deve ser destacado, único e

exclusivo.

- Distribuição: selecionada, seletiva e exclusiva. Produtos encontrados apenas

em lojas escolhidas ou mesmo da própria marca, com pouquíssimos pontos de

venda, justamente para tornar-se exclusiva.

- Comunicação: todo aspecto da estratégia de comunicação permeia a elegância

e são extremamente diferenciados. Todas as propagandas têm um aspecto de

propaganda persuasiva, que trabalha com a questão do sonho, do desejo, da

psicologia do consumidor.

Page 57: Chanel Antes de Chanel

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Loja Chanel no Brasil

FONTE: Divulgação

Os ricos do século 21 procuram, além de produtos, o luxo das sensações.

Segundo Lipovetsky, os bilionários buscam o ultra-luxo, o investimento de paixão

como viagens de luxo, restaurantes de luxo e novas experiências. O conceito de

luxo está cada vez mais ligado a prestação de serviços.

Page 58: Chanel Antes de Chanel

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Os novos ricos inseridos no mercado de luxo

Loja Chanel no Brasil FONTE: Chanel News (Chanel Inc.)

Com a economia mundial aquecida (salvo as crises, que não foram tão sentidas

aqui no Brasil), surgem a todo tempo, os novos ricos. Pessoas que nasceram em

uma classe social inferior e acabam ascendendo para as classes sociais A, AA e

AAA.

Essas pessoas, principalmente jogadores de futebol, ganhadores de prêmios

lotéricos (!!!) ou pessoas que, simplesmente trabalharam muito, investiram

corretamente e hoje, estão colhendo os frutos de todo seu esforço.

Já que não possuem a predileção dos ricos “de berço”, os novos ricos adquirem

os produtos de luxo como uma espécie de uniforme, para mostrarem que são

iguais. Compram carros de luxo, jóias, roupas, freqüentam restaurantes de luxo e

viajam para lugares conhecidos.

Page 59: Chanel Antes de Chanel

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De acordo com o Lipovetsky no livro A Felicidade Paradoxal, não há o desejo no

produto em si, mas sim nas exigências de prestígio, de reconhecimento, de status

e de integração social.

O único problema disso tudo, segundo Adalberto, é que, por causa dessa fantasia,

muitos dos ‘novos ricos’ empobrecem rapidamente porque simplesmente

compram, mas não fazem a devida manutenção dos seus bens.

Ainda segundo Lipovetsky, “O esnobismo, o gosto de brilhar, de classificar-se e

diferenciar-se não desapareceram de modo algum, porém não é mais tanto o

desejo de reconhecimento social que serve de base ao tropismo em direção às

marcas superiores quanto o prazer narcísico de sentir uma distância em relação à

maioria, beneficiando-se de uma imagem positiva para si”.

O impacto das falsificações no mercado de luxo O fato das marcas de luxo serem extremamente falsificadas, de acordo com

Adalberto Belluomini, agrega um valor especial à marca porque mostra que a

marca é desejada, sonhada. E as pessoas que não possuem renda suficiente para

adquiri-las, ficam com as opções falsificadas, contrabandeadas ou copiadas:

“Quem pode ter, tem pra falar que tem”, finaliza.

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A marca Chanel no mercado de luxo

Loja Chanel no Brasil

FONTE: Divulgação

Como dito anteriormente, a marca Chanel desde o princípio foi destinada para a

nobreza. E até hoje ocupa um lugar consideravelmente alto na escala das

empresas de luxo.

Segundo uma pesquisa feita pela Interbrand em 2009, a marca Chanel aparece no

ranking das Cem Marcas Top do mundo, avaliada em $6040 milhões (dólares).

Em 1930, com a fama de Chanel sendo espalhada por toda a França, ela acabou

se tornando a costureira mais cara de Paris. Seu império era constituído por mais

de 2.400 costureiras e 26 ateliês. Naquela época, Chanel faturava cerca de 120

milhões de francos (antigos) por ano.

Page 61: Chanel Antes de Chanel

61

Chanel e suas vendedoras

FONTE: Reprodução

Chanel tinha uma mania particularmente curiosa: tinha por hábito contratar moças

ricas para serem ou suas vendedoras ou suas modelos – e não as pagava bem

por isso. Além disso, existia também o cargo de observadora de tendências, que

também era ocupado por pessoas da alta sociedade. Segundo a própria Chanel:

“Empreguei pessoas da alta sociedade não para alimentar minha vaidade ou para

humilhá-las, mas, como eu disse, porque me eram úteis e porque circulavam em

Paris fazendo o meu trabalho, enquanto eu descansava. Graças a elas, eu estava

a par de tudo, como Proust, no fundo de seu leito, sabia o que fora dito em todos

os jantares da véspera. Como eu saía pouco, era necessário que estivesse

informada do que se passava nas casas onde meus vestidos eram usados; adquiri

o hábito, então inédito, de cercar-me de pessoas influentes para fazer a ligação

entre mim e as pessoas ricas”.

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Segundo Edmonde Charles-Roux no livro “A Era Chanel”, o que à primeira vista

podia parecer uma besteira, na verdade era uma estratégia de marketing de uma

mulher perfeitamente consciente de suas lacunas. “A filha do vendedor ambulante

contava com os filhos da nobreza para uma prática que eles possuíam de

nascimento, e que ela não tinha”.

Linha de produção da bolsa Chanel 2.55

FONTE: Divulgação

A marca Chanel preocupa-se extremamente o atendimento de suas lojas e

controla a qualidade de seus serviços por meio de visitas secretas, onde algumas

clientes recebem a missão de comprar um produto específico da marca em um

ponto de venda também estipulado. O reembolso é feito depois que a

consumidora/compradora responde um questionário detalhado sobre o tempo de

espera, as impressões sobre a vendedora que lhe atendeu e até o odor do Chanel

nº5 presente no ambiente da loja.

Page 63: Chanel Antes de Chanel

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Hoje, o império da marca Chanel conta com lojas próprias espalhadas por todo o

mundo, inclusive no Brasil.

O status de vestir uma peça Chanel (original)

FONTE: Chanel News (Chanel Inc.)

Desde o princípio dos tempos (ou desde que a moda é moda), vestir Chanel está

relacionado a algo extremamente elegante. Significa que, em outras palavras,

você é uma pessoa preocupada com a sua imagem, além de também transmitir a

impressão de que você é uma pessoa que tem dinheiro e status.

Deixando de lado os aspectos psicológicos abordados pelo professor Adalberto

Belluomini e concentrando-se especialmente no entendimento desse fenômeno de

influência das marcas, fui conversar com uma pessoa que entende do assunto

justamente porque está inserida nele.

Page 64: Chanel Antes de Chanel

64

Tive a oportunidade de conviver um dia inteiro com uma socialite que, por motivos

pessoais preferiu não identificar-se. Para termos uma personagem e também para

facilitarmos a compreensão da história, vou chamá-la de Cristina.

Cristina é o protótipo ideal de uma socialite que imaginamos: cabelos platinados,

devidamente penteados e arrumados, unhas pintadas e maquiagem impecável –

até mesmo para receber uma jornalista desleixada para tomar um café em sua

casa (devo comentar que a tal jornalista sou eu?).

De uma polidez e educação impressionantes, Cristina me conta um pouco de sua

vida entre um gole e outro de café. Seu marido é sócio de um grupo de

comunicação bastante conhecido no Nordeste e escolheu São Paulo para ser sua

sede.

Mesmo com toda a conversa simpática de Cristina, não via a hora de entrar em

seu closet e ver suas roupas. Afinal, eu estava na casa de alguém que podia

comprar uma bolsa Chanel sem pensar nas contas do final do mês.

Assim que entrei na casa de Cristina, não pude deixar de reparar em suas roupas

e percebi que ela estava vestindo um tailleur Chanel original. Lindíssimo. Sabia

que havia mais relíquias ao decorrer do dia.

Perguntei á Cristina quais eram suas marcas preferidas e ela foi bastante

categórica “Chanel e Burberry. Gosto bastante de Dior também, apesar de achar

essas novas coleções muito moderninhas para o meu gosto”. Cristina tinha, no

máximo, 60 anos. No mesmo momento, emendei outra pergunta pertinente: “E por

que você gosta de Chanel?”. Ela pensou um pouco e respondeu: “Por que lembra

uma coisa chic, né? E tem aquela coisa da marca também. Qualquer mulher no

mundo reconhece uma 2.55 (a bolsa de matelassê e correntes mais conhecida da

marca). É legal saber que você tem algo histórico, algo que faz a diferença, que

Page 65: Chanel Antes de Chanel

65

transmita segurança para as pessoas”.

Nesse momento da conversa, lembrei de Lipovetsky e de sua teoria sobre o

motivo pelo qual as pessoas compram o luxo. E percebi que ele estava

completamente certo em sua afirmação.

“Em nossos dias, a mania pelas marcas alimenta-se do desejo narcísico de gozar

do sentimento íntimo de ser uma “pessoa de qualidade”, de se comparar

vantajosamente com os outros, de ser diferente da massa, sem que sejam

mobilizados, por isso, a corrida à consideração e o desejo de provocar inveja de

seus semelhantes” (A Felicidade Paradoxal)

E, falando sobre suas marcas preferidas, fomos andando em direção ao closet de

Cristina que, segundo a própria, foi feito no lugar de dois quartos do apartamento.

O closet é enorme. Parecido com aqueles de filmes. Inúmeras bolsas Chanel

enfileiradas, todas por cor e tamanho. Alguns armários de roupa, outros de

sapatos e uma enorme gaveta de acessórios. Cristina percebeu minha surpresa e

comentou “Gostou dos meus filhos? Tenho muito ciúme deles...”.

Realmente o closet de Cristina me impressionou não apenas pelo tamanho e pela

quantidade de roupas, mas sim pela quantidade de Chanel que eu conseguia

enxergar. Em canto do closet, eu podia reconhecer uma peça da marca. Estava

em frente a uma grande fã de Chanel.

Cristina me mostrou suas roupas e bolsas preferidas tal qual fazíamos quando

ganhávamos um presente muito legal no Natal. Fez questão de me falar quais

daquelas roupas eram “edição limitada” e onde as tinha comprado (Paris, Abu

Dhabi, Nova York...). Cristina me disse que só faz compras nas filiais de São

Paulo quando está “muito entediada com as suas roupas”.

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Perguntei para ela o motivo de sua obsessão pela marca e ela me respondeu sem

pestanejar “Porque todo mundo que é rico usa. Tem alguns lugares que, se você

não tem uma bolsa de marca, as pessoas mal olham pra você, sabia disso? É

terrível. Tem muita gente invejosa nos lugares que eu vou com o meu marido.

Tenho que estar sempre impecável, com as minhas melhores jóias e com as

minhas melhores roupas”.

Mais uma vez, os livros de Lipovetsky surgem na minha mente e constato mais

uma vez que todas aquelas teorias escritas pelo filósofo francês.

Depois de me mostrar suas roupas e falar de sua vida durante uma tarde de

quinta-feira, Cristina se despede elegantemente, informando que teria que ir ao

cabeleireiro arrumar o cabelo para ir a um jantar de negócios com o marido, em

Porto Alegre. “E dá tempo?”, perguntei desconfiada. “Sempre dá. Vamos com o

nosso jatinho particular”.

Mesmo com algumas afirmações, digamos, contestáveis, Cristina é uma

personagem interessantíssima para esse capítulo, justamente porque permitiu que

eu tivesse acesso ao seu acervo (ou “seus filhos”, como ela mesma se refere à

suas roupas) e à sua realidade. Pude perceber que os levantamentos feitos por

Lipovetsky, pelo professor Adalberto Belluomini e por uma série de outros

pensadores fazem sentido tanto no aspecto conceitual como também na realidade

das pessoas inseridas na alta sociedade.

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FONTE: Chanel News (Chanel Inc.)

Segundo Vivian Whiteman, a elegância de vestir uma marca está além da

etiqueta: “Marca só garante elegância no sentido opressor, ou seja, “eu tenho esse

original, posso pagar e por isso estou protegida pela marca”. E isso não é ilusão, é

assim que funciona no mundo capitalista. É claro que estamos falando de um

conceito deturpado de elegância, que seria mais bem definido como dominação

via grife. E às vezes a pessoa que usa e tem dinheiro pra isso ainda é humilhada

por aquelas que “usam melhor”. Sabe como? Os códigos do corpo, a questão de

ser socialite de família ou novo-rico. É uma guerra de egos e complexos, uma

questão de divã. E a elegância passa longe dessa briga”.

Também constatei (mais uma vez – e nunca será suficiente) que a marca Chanel

faz o sucesso que faz porque se preocupa com a estética da roupa e faz peças

que se encaixam em diversas situações. Mesmo com algumas invenções

exageradas de Lagerfeld, o estilo Chanel mantém-se ativo, seja pelos detalhes

impecáveis da costura, pelo caimento perfeito de um tailleur ou pelo impacto que

Page 68: Chanel Antes de Chanel

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uma bolsa modelo 2.55 causa aos nossos olhos. Chanel é sonho de consumo

porque é feita pra ser eterna, seja fisicamente ou psicologicamente. E as pessoas

que “chegam lá”, ou seja, que podem comprar a marca, sentem-se detentoras de

algo poderoso e sagrado, justamente porque é desejado por muitas mulheres ao

redor do mundo.

Sobre a elegância, Vivian finaliza com chave de ouro: “Elegância é Chanel ter tido

a iniciativa de botar uma calça pra montar um cavalo decentemente enquanto as

outras ficavam de ladinho com um vestido incômodo, feito tontas”.

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CAPÍTULO 4 – CHANEL E LAGERFELD: A

CONTINUIDADE DE UM TRABALHO

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Prazer, Karl Lagerfeld!

Karl Lagerfeld

FONTE: Divulgação

Após a morte de Coco Chanel, em 1971, houveram muitos rumores de uma

possível falência da marca; afinal, se a criadora de todas aquelas roupas havia

morrido e não tinha deixado herdeiros para prosseguir com o negócio, quem será

o escolhido?

A verdade é que, entre 1971 e 1983, a marca passou por uma série de mudanças

e trocou várias vezes de estilista: Gaston Berthelot (1971-1973), Jean Cazaubon e

Yvonne Dudel (1973-1978), Phillippe Guibourgé (1978), Ramone Esparza (1980)

e, finalmente, Karl Lagerfeld.

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Karl Otto Lagerfeld nasceu em Hamburgo, na Alemanha, em 1938. Mudou-se para

Paris aos 14 anos. Em 1955, com 17 anos de idade, começou seus estudos em

moda e fez um estágio com Pierre Balmain, após desenhar um casaco e ganhar

um concurso na International Wool Association. Depois trabalhou como estilista

independente em marcas como Jean Patou, Krizia e Valentino.

Algum tempo depois, Karl entra na Fendi e logo em seguida na Chloe e torna-se

diretor de criação da última, ficando na marca durante 10 anos.

É partir daí que Karl Lagerfeld torna-se conhecido e é convidado para ser o diretor

de criação de Chanel, após um longo período de inatividade da marca em

decorrência do falecimento de sua criadora. Sua fase áurea no mundo da moda

ocorre depois de uma frase publicada pela Vogue americana, em 1997: “Karl é um

intérprete inigualável do humor do momento”.

Diferente da (marca) Chanel, Karl Lagerfeld faz diversas contribuições para outras

marcas, inclusive para lojas populares, como a Macy’s em 2011. Além da Macy’s,

Karl também já fez coleções para a Hogan (italiana), para a Orrefords (suíça) e

também para a H&M. Perguntado sobre suas colaborações, Karl respondeu “A

colaboração é uma espécie de teste de como fazer esse tipo de roupa e nessa

faixa de preço. Como você sabe, eu amo fazer essas coisas. O que eu mais gosto

é fazer algo que eu nunca fiz antes”.

Em Junho de 2011, Karl foi homenageado pela Fundação Gordon Parks pela sua

contribuição ao mundo da moda e por ser um artista tão pluralizado – já que Karl,

além de estilista, também é cineasta e fotógrafo.

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A diferença básica entre as roupas do período Chanel e do período Lagerfeld

Desfile Chanel Verão 2012

FONTE: Chanel News (Chanel Inc.)

Assim que assumiu a criação da marca Chanel, Largefeld sabia o desafio que

vinha pela frente: todos os veículos de comunicação estavam ansiosos esperando

por uma nova coleção. Será que Karl fará uma coleção baseada nas criações de

Chanel ou terá a audácia de mudar completamente o perfil da marca?

A questão é que Lagerfeld, por ter passado por outras marcas antes de parar na

Chanel, apurou com o passar do tempo um estilo único, capaz de ser reconhecido

de longe. Não é a mesma coisa que o estilo de roupas de Coco Chanel, por

exemplo, porque ela primava pela simplicidade que seria resultante da equação

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cores sóbrias + cortes retos + poucos detalhes. Lagerfeld gosta de ousar, gosta de

misturar materiais inesperados e com eles, criar algo impactante, mas mesmo

assim, muito tradicional.

A jornalista americana Karen Karbo, do ótimo “O Evangelho de Coco Chanel”,

dedica boa parte do seu livro para explicar a diferença entre uma peça Chanel-

Chanel e Chanel-Lagerfeld. Vou copiá-lo integralmente, porque não encontrei

melhor jeito para explicar do que o que Karen já fez:

Chanel Clássico: é Chanel na sua forma pura, concentrada, do início até meados

do século XX. É o icônico tailleur de tweed, botões dourados e saia simples com

comprimento logo abaixo do joelho. São as falsas jóias, grandes e volumosas, os

colares de correntes e as bolsas quadradas de matelassê. O Chanel Clássico é o

Chanel colecionável. É o Chanel investimento. É vender no E-Bay e outros sites

de leilão para pagar as despesas com a faculdade do filho.

Chanel Lagerfeld: é a essência de Chanel passada pela peneira da sua própria

(e reconhecidamente atraente) visão “Eurotrash de luxo”. Os modelos práticos de

Chanel saltavam da realidade mutável da sua própria vida e da vida de outras

mulheres e a rodeavam, e os de Lagerfeld saltam da grife que é Chanel misturada

com qualquer outra coisa que esteja na moda e tem o espírito da época. Às vezes

seus modelos são práticos e às vezes não são, mas, se poderia dizer que cada

coleção é como uma versão do costureiro para uma sugestão de redação

apresentada a um aluno da 7ª série: para a primavera, crie uma coleção inspirada

no hip-hop que incorpore matelassê, casaquinhos e sapatos de dois tons”.

Ou seja: Lagerfeld mantém as formas criadas por Chanel, mas não segue à risca

os mandamentos dela. O que, para muitas pessoas, é algo a ser respeitado e

observado com mais atenção.

O último desfile de Chanel (Primavera Verão 2012) foi realizado em Paris (claro) e

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o cenário remetia ao fundo do mar: as modelos saiam de dentro de uma grande

concha, ao som de Florence and the Machine (outra queridinha de Lagerfeld) e

desfilaram peças em tons pastel, com detalhes em pérola, cortes impecáveis e

com muito tweed. Esse, por exemplo, seria um desfile do qual Chanel se

orgulharia. E muito.

Já no desfile de Primavera Verão de 2008 (perfeitamente lembrado por Karen

Karbo no seu livro), Lagerfeld resolveu mostrar “ao que veio” e fez uma coleção

que nada combinava com o estilo imposto por Chanel. As modelos saíam de

dentro de um laço de fita preto que cobria toda a passarela e desfilavam biquínis,

maiôs e casacos (?) feitos de jeans. Sim, de jeans.

Aí, no desfile de Outono Inverno de 2009, Lagerfeld nos surpreende com um

desfile completamente sóbrio (preto, preto e mais preto) e repleto de peças-

desejos, tais quais feitas por Chanel, lá no começo do século: blazers estruturados

na altura dos quadris, saias na altura do joelho com cortes retos e sem detalhes

extravagantes (detalhes apenas nos acessórios, como a meia-calça bicolor).

Lagerfeld parece gostar de, ora intimidar o público, ora surpreendê-lo. Cria uma

coleção de verão com peças extremamente, digamos, diferentes e no inverno – do

mesmo ano - revive todas as bem feitorias de Chanel e nos emociona com um

desfile digno de fila na porta da loja.

Segundo Vivian Whiteman, editora de moda do jornal Folha de São Paulo,

Lagerfeld é um hitmaker como poucos, que sabe manter o fio condutor de Chanel

mesmo quando faz coisas que ela certamente desaprovaria.

Em uma entrevista dada recentemente para a emissora de televisão CNN,

Lagerfeld afirmou que Coco Chanel não ficaria satisfeita ao ver o que ele tinha

feito com a marca: “Quando fui chamado para fazer isso, a Chanel não era nem

um pouco trendy. O dono me disse ‘Eu não estou orgulhoso dos negócios. Se

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você puder fazer alguma coisa, ok. Senão, vou vendê-la’. E nós fizemos algo a

partir dela, pois ele me deu liberdade total. A marca tem uma imagem. Cabe a

mim atualizá-la. O que eu fiz, (Coco Chanel) nunca fez, ela teria odiado”.

Modelos no backstage do desfile de Outono Inverno 2011.

FONTE: Chanel News (Chanel Inc.)

Vivian Whiteman acredita que, desde que o produto criado por Lagerfeld venha

embalado no conceito visual que acompanha a aura da marca, ele certamente

continuará vendendo: “Mesmo quando Lagerfeld se distancia de Chanel ele ainda

faz Chanel. E, claro, quando um nome se torna sinônimo de sofisticação, esse

nome pode ser aplicado a qualquer tipo de produto”, finaliza.

A questão é que Karl Lagerfeld tem feito um ótimo trabalho ao longo dos anos.

Tornou a marca Chanel uma das principais empresas de moda do mundo,

aproximou o público jovem de uma grife centenária com o advento da internet e

das it-girls (cada vez mais novas), continua repaginando clássicos e

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apresentando-os ao mundo em novas versões a cada desfile.

Chanel e suas it-girls

Karl Lagerfeld e Blake Lively, sua mais nova it-girl. FONTE: Reprodução

Em termos de propaganda e marketing, a marca Chanel nunca foi adepta do

convencional. Pelo contrário. E isso vem desde o começo, mesmo que Coco

Chanel tenha feito isso inocentemente (o que eu duvido muito).

Na época em Chanel era apenas a acompanhante de Etienne Balsan, seus

chapéus chamaram a atenção de uma das maiores cortesãs da época: Emilienne

D'Aleçon - que já foi mencionada no livro, lá no primeiro capítulo. Emilienne era,

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além de muito conhecida por seus dotes, digamos, íntimos, também era uma

pessoa muito influente.

Emilienne foi uma das primeiras garotas propaganda de Chanel, que reconhecia a

fama da cortesã e a patrocinava com novos modelos sempre que possível. Além

disso, Chanel também era a modelo de suas próprias criações. Com medo de

parecer a cortesã da vez de Etienne Balsan, Chanel fazia tudo para destacar-se

no meio de tantos vestidos longos e chapéus de 2 metros de altura. Quando ia

com Balsan ao hipódromo, Chanel estava sempre de sobretudo masculino de lã e

um chapéu canotier, com abas curtas e alguns detalhes discretos.

Além dos chapéus, Chanel começa a fazer alguns figurinos para as peças que

Emilienne era a atriz principal. Com isso, sua fama aumentava e as clientes a

procuravam com mais frequência. Chanel fazia chapéus para atrizes como

Gabrielle Dorziat e Geneviève Vix, além de também fazer chapéus para Adrianne,

sua tia que estava casada com um homem muito rico e por isso, tinha mais

contatos e clientes para Chanel. Adrienne desfilava as criações de Coco pelas

ruas, hipódromos, encontros e, sempre que perguntada de onde era sua roupa,

levava suas amigas a loja de Chanel.

Ao longo de sua carreira, Chanel se aproximou de pessoas extremamente

influentes, que fomentaram ainda mais sua marca e suas criações. Seu auge em

participações especiais foi em 1923 na peça de Jean Cocteau, Antigone, com

figurino de Chanel, cenários de Pablo Picasso e música de Honegger. Suas

criações foram aclamadas na Vogue e Cocteau declarava aos quatro ventos que

havia pedido os figurinos para Chanel porque ela era "a maior costureira de nosso

tempo".

Apresentada a Sam Goldwyn, grande magnata de Hollywood dos anos 30, Chanel

foi responsável por reformar o gosto das musas de Hollywood, fazendo com quem

todas elas vestissem Chanel nos filmes e também no cotidiano.

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Suas manequins de cabide eram seu orgulho. Segundo Edmonde Charles-Roux

em seu livro “A Era Chanel”, além das provas de roupa, eram elas que desfilavam

os modelos prontos para as clientes. Em 1955, um ano após sua reabertura,

formou um exército com jovens conhecidas, geralmente bem nascidas e

escolhidas tanto por seu charme quanto por sua personalidade.

Além de atrizes e cortesãs, uma das grandes modelos de Chanel foi, sem sombra

de dúvida, Jacqueline Kennedy. Que usou um conjunto rosa de tweed da marca

na noite do falecimento de seu marido, John Kennedy, em 1963.

Mas a modelo mais icônica de Chanel foi Marilyn Monroe que, em 1960,

perguntada sobre o que gostava de usar para dormir, respondeu uma das frases

mais conhecidas de sua vida: "algumas gotas de Chanel nº5". Após essa resposta,

as vendas do perfume aumentaram espantosamente e, desde então, um perfume

Chanel nº5 é vendido a cada um minuto em todo o mundo.

Karl Lagerfeld e suas it-girls

Se as modelos de Coco Chanel não eram as mais convencionais, Karl Lagerfeld

não poderia fugir da regra.

Desde 1983, ano em que ocupou a função de diretor de criação da Chanel, Karl

demonstra um gosto particular para escolher suas garotas propaganda de cada

coleção, assim como Coco Chanel.

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Emma Watson e Karl Lagerfeld

FONTE: Reprodução

Já passaram por suas mãos e lentes (porque Karl também é um ótimo fotógrafo),

Carole Bouquet, Vanessa Paradis, Estella Warren, Nicole Kidman, Kate Moss,

Keira Knightley e Audrey Tautou, que inclusive, participou do filme Coco antes de Chanel, (Warner Home) que esteve em cartaz nos cinemas brasileiros em

meados de 2009.

Hoje em dia, Karl divide-se em três principais it-girls: a cantora Lily Allen, a modelo

Freja Beha e a atriz Blake Lively - que, inclusive, é uma das mais queridinhas do

estilista.

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Blake Lively Chanel

FONTE: Divulgação

Apesar da marca Chanel ter completado 100 anos em 2010, Karl aproveita o

advento da Internet, da TV e da música para se aproximar mais do público jovem

e por isso, investe em propagandas com mulheres jovens, bem nascidas e

principalmente com uma personalidade marcante. Isso lhe soa familiar?

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Lily Allen

FONTE: Divulgação

A cantora Lily Allen, nascida em Londres, ganhou notoriedade após lançar na

Internet a música "Smile" em 2006. Com uma vida conturbada (dois abortos,

excessos, separações e músicas polêmicas), Lily conheceu Karl em uma festa da

Chanel depois de ter bebido algumas doses a mais e ter elogiado o trabalho do

estilista durante a festa. Uma semana depois, segundo Lily, ela estava tirando

fotos para a coleção de Inverno de Chanel e, desde então, a amizade dos dois é

linda e duradoura. Inclusive, Karl desenhou o vestido de noiva de Lily Allen,

exclusivo e completamente personalizado.

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Freja Beha

FONTE: Divulgação

Já a modelo dinamarquesa Freja Beha chama a atenção por seu visual andrógino,

suas 16 tatuagens e sua cara de poucos amigos. Além disso, Freja tem um estilo

próprio - corta os próprios cabelos, é bissexual assumida e é fã de rock'n'roll. Foi

descoberta nas ruas da Dinamarca por um olheiro que custou a convencê-la a ser

modelo. Perguntada sobre como é trabalhar com Karl Lagerfeld, Freja se derrete:

"Karl é incrível. Uma pessoa muito agradável, com quem eu me sinto à vontade de

trabalhar. Por isso fico lisonjeada, porque ele é um cara que sabe tudo de

qualquer coisa". Então tá.

A mais nova queridinha de Karl, sem dúvidas, é Blake Lively. A atriz conhecida

pela sua personagem Serena na série Gossip Girl conquistou o coração de

Lagerfeld e é uma das embaixadoras da marca no Mundo. Os dois foram

apresentados pela editora de moda Anna Wintour e desde então, não se

desgrudam. Segundo Karl, Blake é uma estrela em ascensão e também combina

perfeitamente com a marca.

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Nicole Kidman FONTE: Divulgação

Desde o princípio da marca, seja com Coco Chanel ou com Karl Lagerfeld, sempre

houve uma preocupação em destoar, impactar e diferenciar-se do normal, do

convencional. Além das roupas, as garotas propaganda são escolhidas a dedo

para abranger uma maior parcela de mulheres poderosas, it-girls e para,

principalmente, adequar a marca a um mercado cada vez mais conectado e

global.