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Integração dos metabolismos dos carbohidratos, gorduras e proteínas ao longo do dia; Rui Fontes Página 1 de 42 Integração dos metabolismos dos carbohidratos, gorduras e proteínas ao longo do dia e no jejum prolongado Índice 1 – Introdução ................................................................................................................................................... 3 2 – Metabolismo no período pós-prandial ...................................................................................................... 3 2.1 – A digestão e absorção dos hidratos de carbono .................................................................................... 4 2.2 – A homeostasia da glicemia no período pós-prandial ............................................................................ 4 2.2.a – O armazenamento de glicogénio e a degradação de glicose no período pós-prandial ................ 4 2.2.b – A via da glicogénese direta no fígado e músculos ........................................................................ 5 2.2.c – A via da glicogénese indireta e a síntese de glicogénio no fígado ................................................ 6 2.2.d – O papel dos hepatócitos periportais e perivenosos no armazenamento de glicogénio hepático .. 7 2.2.e – Mecanismos de regulação da glicogénese pela glicose e pela insulina no fígado e nos músculos7 2.2.f – Mecanismos envolvidos na estimulação da oxidação da glicose nos músculos no período pós- prandial..................................................................................................................................................... 9 2.2.g – Mecanismos envolvidos na estimulação da oxidação da glicose no fígado no período pós- prandial................................................................................................................................................... 10 2.2.g.1 – Indução da síntese de enzimas .................................................................................................................... 10 2.2.g.2 – A enzima bifuncional e a ação da frutose-2,6-bisfosfato na cínase 1 da frutose-6-fosfato ..................... 10 2.3 – A lipogénese de novo .......................................................................................................................... 11 2.3.a - A regulação da lipogénese de novo ............................................................................................. 12 2.4 – A diminuição da oxidação dos ácidos gordos no período pós-prandial e a sua regulação .................. 13 2.4.a – A diminuição da lipólise intracelular dos adipócitos no período pós-prandial.......................... 13 2.4.b – Fatores reguladores na diminuição da oxidação de ácidos gordos nos músculos ..................... 14 2.4.c – Fatores reguladores na diminuição da oxidação de ácidos gordos no fígado............................ 14 2.5 – Metabolismo das proteínas e dos aminoácidos no período pós-prandial ............................................ 14 2.5.a – A digestão das proteínas e a absorção dos produtos dessa digestão.......................................... 15 2.5.b – A estimulação da síntese proteica no período pós-prandial ....................................................... 15 2.5.c – Uma parte dos aminoácidos é diretamente oxidada a CO 2 ........................................................ 15 2.5.d – Uma parte dos aminoácidos é oxidada via conversão prévia em glicose: “oxidação indireta” 16 2.5.e – Alguns aminoácidos convertem-se noutros aminoácidos ............................................................ 17 2.5.f – Os aminoácidos ramificados são predominantemente captados nos músculos ........................... 17 2.5.g – A massa de aminoácidos oxidados é a que corresponde à ureia e amónio excretados .............. 18 2.6 – Metabolismo dos lipídeos no período pós-prandial ............................................................................ 19 2.6.a – A digestão e a absorção dos lipídeos e a formação dos quilomicra ........................................... 19 2.6.b – O papel da lípase de lipoproteínas do tecido adiposo no armazenamento de gordura .............. 20 2.6.c – A ação ativadora da insulina na hidrólise dos triacilgliceróis dos quilomicra e o aumento dos triacilgliceróis das VLDL no período pós-prandial ................................................................................ 20 2.6.d – A ação ativadora da insulina na captação e esterificação dos ácidos gordos nos adipócitos ... 21 2.6.e – A formação dos quilomicra remanescentes e a captação hepática ............................................. 21 3 – Metabolismo no período pós-absortivo................................................................................................... 22 3.1 – Metabolismo glicídico no período pós-absortivo................................................................................ 22 3.2 – A ativação da degradação do glicogénio hepático no período pós-absortivo ..................................... 23 3.3 – A gliconeogénese contribui para a produção endógena de glicose ..................................................... 24 3.3.a – A proteólise endógena no período pós-absortivo e o metabolismo dos aminoácidos libertados 24

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Integração dos metabolismos dos carbohidratos, gorduras e proteínas ao longo do dia; Rui Fontes

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Integração dos metabolismos dos carbohidratos, gorduras e proteínas ao longo do dia e no jejum prolongado

Índice

1 – Introdução ................................................................................................................................................... 3

2 – Metabolismo no período pós-prandial ...................................................................................................... 3

2.1 – A digestão e absorção dos hidratos de carbono .................................................................................... 4

2.2 – A homeostasia da glicemia no período pós-prandial ............................................................................ 4 2.2.a – O armazenamento de glicogénio e a degradação de glicose no período pós-prandial ................ 4

2.2.b – A via da glicogénese direta no fígado e músculos ........................................................................ 5 2.2.c – A via da glicogénese indireta e a síntese de glicogénio no fígado ................................................ 6 2.2.d – O papel dos hepatócitos periportais e perivenosos no armazenamento de glicogénio hepático .. 7

2.2.e – Mecanismos de regulação da glicogénese pela glicose e pela insulina no fígado e nos músculos 7

2.2.f – Mecanismos envolvidos na estimulação da oxidação da glicose nos músculos no período pós-prandial ..................................................................................................................................................... 9 2.2.g – Mecanismos envolvidos na estimulação da oxidação da glicose no fígado no período pós-prandial ................................................................................................................................................... 10

2.2.g.1 – Indução da síntese de enzimas .................................................................................................................... 10 2.2.g.2 – A enzima bifuncional e a ação da frutose-2,6-bisfosfato na cínase 1 da frutose-6-fosfato ..................... 10

2.3 – A lipogénese de novo .......................................................................................................................... 11 2.3.a - A regulação da lipogénese de novo ............................................................................................. 12

2.4 – A diminuição da oxidação dos ácidos gordos no período pós-prandial e a sua regulação .................. 13 2.4.a – A diminuição da lipólise intracelular dos adipócitos no período pós-prandial .......................... 13 2.4.b – Fatores reguladores na diminuição da oxidação de ácidos gordos nos músculos ..................... 14 2.4.c – Fatores reguladores na diminuição da oxidação de ácidos gordos no fígado............................ 14

2.5 – Metabolismo das proteínas e dos aminoácidos no período pós-prandial ............................................ 14 2.5.a – A digestão das proteínas e a absorção dos produtos dessa digestão .......................................... 15 2.5.b – A estimulação da síntese proteica no período pós-prandial ....................................................... 15 2.5.c – Uma parte dos aminoácidos é diretamente oxidada a CO2 ........................................................ 15 2.5.d – Uma parte dos aminoácidos é oxidada via conversão prévia em glicose: “oxidação indireta” 16

2.5.e – Alguns aminoácidos convertem-se noutros aminoácidos ............................................................ 17 2.5.f – Os aminoácidos ramificados são predominantemente captados nos músculos ........................... 17 2.5.g – A massa de aminoácidos oxidados é a que corresponde à ureia e amónio excretados .............. 18

2.6 – Metabolismo dos lipídeos no período pós-prandial ............................................................................ 19

2.6.a – A digestão e a absorção dos lipídeos e a formação dos quilomicra ........................................... 19 2.6.b – O papel da lípase de lipoproteínas do tecido adiposo no armazenamento de gordura .............. 20

2.6.c – A ação ativadora da insulina na hidrólise dos triacilgliceróis dos quilomicra e o aumento dos triacilgliceróis das VLDL no período pós-prandial ................................................................................ 20 2.6.d – A ação ativadora da insulina na captação e esterificação dos ácidos gordos nos adipócitos ... 21

2.6.e – A formação dos quilomicra remanescentes e a captação hepática ............................................. 21

3 – Metabolismo no período pós-absortivo ................................................................................................... 22

3.1 – Metabolismo glicídico no período pós-absortivo ................................................................................ 22

3.2 – A ativação da degradação do glicogénio hepático no período pós-absortivo ..................................... 23

3.3 – A gliconeogénese contribui para a produção endógena de glicose ..................................................... 24 3.3.a – A proteólise endógena no período pós-absortivo e o metabolismo dos aminoácidos libertados 24

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3.3.b – Os ciclos do lactato e da alanina ................................................................................................ 24

3.3.c – A gliconeogénese e a sua regulação ........................................................................................... 25

3.3.c.1 – O papel da oxidação dos ácidos gordos na regulação da gliconeogénese ................................................ 26 3.3.c.2 – O papel da insulina e da glicagina na síntese de “enzimas próprias da gliconeogénese” ....................... 26 3.3.c.3 – O papel da insulina e da glicagina na regulação da enzima bifuncional e papel desta enzima na regulação da gliconeogénese hepática ........................................................................................................................ 27 3.3.c.4 - O glicerol como substrato da gliconeogénese e a regulação da sua libertação pela diminuição da insulina ......................................................................................................................................................................... 27

3.4 – A seleção de nutrientes nos diferentes tecidos e órgãos no período pós-absortivo ............................. 28 3.4.a – No período pós-absortivo a oxidação dos ácidos gordos e, em muito menor grau, a de corpos cetónicos estão aumentadas .................................................................................................................... 28

3.4.b – Mecanismos envolvidos na estimulação da oxidação dos ácidos gordos e da síntese hepática de corpos cetónicos no período pós-absortivo. ........................................................................................... 29

3.4.b.1 – Fatores reguladores intracelulares que, no período pós-absortivo, estimulam a oxidação de ácidos gordos nos músculos.................................................................................................................................................... 29 3.4.b.2 – Fatores reguladores intracelulares que, no período pós-absortivo, estimulam a oxidação de ácidos gordos no fígado .......................................................................................................................................................... 30 3.4.b.3 – Fatores que, no período pós-absortivo, estimulam a síntese de corpos cetónicos no fígado .................. 30

3.4.c – Mecanismos envolvidos na diminuição da oxidação da glicose no período pós-absortivo ........ 31

3.4.c.1 – Fatores que, no período pós-absortivo, contribuem para a diminuição da oxidação da glicose nos músculos ....................................................................................................................................................................... 31 3.4.c.2 – Fatores que, no período pós-absortivo, contribuem para a diminuição da degradação e oxidação da glicose no fígado .......................................................................................................................................................... 31

4 – Metabolismo no jejum prolongado ......................................................................................................... 32

4.1 – A produção da glicose que é oxidada no cérebro no jejum prolongado: a gliconeogénese de novo ... 32

4.2 – A degradação da gordura, a oxidação em β, a produção e oxidação de corpos cetónicos e a excreção renal de amónio no jejum prolongado ......................................................................................................... 34

4.3 – O quociente respiratório no jejum prolongado ................................................................................... 35

5 – Anexos ....................................................................................................................................................... 35

5.1 – Anexo 1. Os aminoácidos podem contribuir para a síntese hepática de ATP de maneiras muito diversas ........................................................................................................................................................ 35

5.1.a – Exemplificando com a oxidação da glutamina ........................................................................... 36 5.1.b – Exemplificando com a oxidação da tirosina ............................................................................... 37 5.1.c – Exemplificando com a oxidação dos aminoácidos ramificados .................................................. 38

6 – Bibliografia................................................................................................................................................ 39

7 – Índice de Equações ................................................................................................................................... 40

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1 – Introdução Este texto tem por objetivo principal explicar as modificações que ocorrem no fluxo das

diversas vias metabólicas ao longo de um dia normal. Na civilização onde os potenciais leitores deste texto vivem é habitual haver 3-4 refeições ao longo do dia e fazer um intervalo de 11-13 horas entre o jantar e o pequeno-almoço em que a ingestão de nutrientes é mínima ou nula.

Para simplificar a exposição dividimos o texto em três grandes capítulos. O Capítulo 2 trata das modificações metabólicas induzidas por uma refeição que contém

hidratos de carbono, proteínas e gorduras, ou seja, o metabolismo no período pós-prandial. Entre o pequeno-almoço e o período que se segue ao jantar há 3-4 “períodos pós-prandiais” que, de facto, se fundem entre si e poderão ser vistos como um único período pós-prandial com eventuais “flutuações” condicionadas pelo intervalo de tempo entre as refeições, assim como pela composição e pela quantidade de nutrientes em cada refeição. Pensando num indivíduo que ingere ao longo do dia nutrientes cujo valor calórico é, por exemplo, de 2400 kcal, admitimos, neste texto, que um pouco mais de metade desse valor calórico é constituído por hidratos de carbono (300-350 g; 1200-1400 kcal), cerca de 30% por gorduras (70-90 g; 630-810 kcal) e cerca de 15-20% por proteínas (80-120 g; 320-480 kcal). Os processos oxidativos dos nutrientes são exotérmicos: a Equação 1 e a Equação 2 descrevem, respetivamente, o somatório dos processos reativos sofridos pelo amido e pelo palmitato no organismo humano e o calor que lhes corresponde a cada caso.

Equação 1 resíduo de glicose no amido (C6H10O5) + 6 O2 → 6 CO2 + 5 H2O + 669 kcal Equação 2 palmitato (C16H32O2) + 23 O2 → 16 CO2 + 16 H2O + 2413 kcal

No Capítulo 3 discute-se o metabolismo no período pós-absortivo, ou seja, o metabolismo

no período que antecede o pequeno-almoço depois de 10-14 horas de jejum. Este é um jejum de curta duração onde algumas características do metabolismo que são, nalguns livros de texto, habitualmente associadas à palavra “jejum” são ainda incipientes. Quando o jejum se prolonga algumas destas características acentuam-se. Apesar de o jejum prolongado não ser uma situação corrente no dia-a-dia da civilização ocidental, o facto de esta condição metabólica ser rica de ensinamentos justifica a existência do Capítulo 4.

O Capítulo 5 (Anexo) trata de aspetos particulares do metabolismo que consideramos serem pormenores dificilmente enquadráveis num dos outros capítulos.

2 – Metabolismo no período pós-prandial O período pós-prandial é, em geral, definido, como o período de 4-6 horas que se seguem a

uma refeição. Neste período ocorre a digestão e a absorção dos nutrientes da refeição e uma parte desses nutrientes é armazenada na forma de glicogénio no fígado e nos músculos e na forma de gordura no tecido adiposo. Há também um aumento da velocidade de oxidação dos hidratos de carbono e dos aminoácidos da dieta em detrimento da oxidação das gorduras. A baixa oxidação de ácidos gordos e a elevada oxidação de hidratos de carbono faz com que o coeficiente respiratório (a razão entre o número de moles de CO2 excretado e o número de moléculas de O2 consumido) seja próximo de 1. Se, por exemplo, a despesa energética do organismo estiver a ser suportada pela oxidação de glicose (85% da despesa total) e de aminoácidos (15%) o coeficiente respiratório será de 0,97. Admitindo estado de repouso e uma despesa energética de cerca de 70 kcal/hora, a velocidade de oxidação da glicose será, no período pós-prandial, da ordem de 16 g/hora, um valor que é cerca do dobro da que ocorre no período pós-absortivo.

Na génese das modificações que ocorrem no metabolismo durante o período pós-prandial está, em grande parte, um aumento da razão entre as concentrações plasmáticas de insulina e glicagina. O aumento da secreção de insulina e a diminuição da de glicagina são causados sobretudo pelo aumento da glicemia.

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2.1 – A digestão e absorção dos hidratos de carbono Na digestão dos hidratos de carbono participam amílases (salivar e pancreática) e

dissacarídases que são ectohidrólases ancoradas na membrana do polo apical dos enterócitos (isomaltase, maltase, lactase e sacarase). As amílases levam à formação de dextrinas limite e maltose que, por sua vez, sofrem a hidrólise da isomaltase e da maltase levando à libertação de glicose livre. Da ação da lactase na lactose resulta a formação de glicose e galactose e da ação sacarase na sacarose resulta a formação de glicose e frutose. A absorção dos monossacarídeos ocorre via ação de transportadores membranares. No polo apical dos enterócitos o SGLT1 (Sodium dependent glucose transporter 1) catalisa a captação (transporte ativo secundário dependente do Na+) da glicose e da galactose que atravessam a membrana basal através do GLUT2 (Glucose transporter 2). O transporte transmembranar da frutose ocorre sempre por transporte passivo (a favor do gradiente) que é mediado pelo GLUT5 no polo apical dos enterócitos e pelo GLUT2 no polo basal.

2.2 – A homeostasia da glicemia no período pós-prandial Quando se ingere uma refeição contendo glicose (ou hidratos de carbono que lhe possam

dar origem), a subida da glicemia é muito menos marcada do que uma análise superficial poderia fazer prever. A quantidade de glicose livre no organismo (plasma e líquido extracelular) de um adulto em jejum é apenas de cerca de 10-12 g. Na ausência de mecanismos homeostáticos que tendem a moderar a subida da glicemia, a ingestão de, por exemplo, 6 vezes essa quantidade poderia fazer subir a glicemia para valores várias vezes superiores ao valor de partida, mas não é isso que acontece. A ingestão de algo como 60-70 g de glicose apenas faz subir a glicemia para o dobro.

O aumento da glicemia provocado pela entrada de glicose do lúmen intestinal para o sangue tem efeitos homeostáticos que tendem a atenuar e, logo a seguir, a corrigir esse aumento fazendo voltar a glicemia a valores basais.

2.2.a – O armazenamento de glicogénio e a degradação de glicose no período pós-prandial

A subida da glicemia que ocorre após a absorção de glicose é atenuada porque a glicose (direta e indiretamente, via insulina) inibe a sua produção endógena e estimula o seu armazenamento e a sua degradação. A diminuição da produção endógena de glicose ocorre no fígado e deve-se sobretudo a uma diminuição na glicogenólise, ou seja, a uma diminuição da degradação do glicogénio e da consequente libertação de glicose para o sangue. O armazenamento de glicogénio ocorre quer no fígado quer nos músculos e deve-se quer à estimulação da glicogénese quer à diminuição da glicogenólise. Uma parte da glicose que entra para os hepatócitos e para os músculos é convertida em glicogénio, mas também ocorre aumento da sua degradação.

Em vários órgãos (como o fígado, músculos e intestinos), uma parte do piruvato formado a partir da glicose na glicólise (ver Equação 3) é reduzida a lactato (ver Equação 4) que sai para o plasma e é por isso que a concentração plasmática do lactato aumenta no período pós-prandial. (A equação soma que descreve a conversão da glicose em lactato (glicólise anaeróbia) é a Equação 5.)

Equação 3 glicose + 2 ADP + 2 Pi + 2 NAD+→ 2 piruvato + 2ATP + 2 H2O + 2 NADH Equação 4 piruvato + NADH ↔ lactato + NAD+ Equação 5 glicose + 2 ADP + 2 Pi → 2 lactato + 2ATP + 2 H2O

No entanto, a maior parte da glicose que se converte em piruvato na glicólise acaba por originar acetil-CoA que é oxidada a CO2 no ciclo de Krebs. Comparando com o período pós-absortivo, o consumo de glicose nas células pode, considerando o organismo como um todo,

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aumentar 4-5 vezes (de valores da ordem dos 8 g/h para valores da ordem dos 42 g/h) e grande parte deste aumento deve-se ao aumento da velocidade de oxidação da glicose que substitui os ácidos gordos: os ácidos gordos deixam de ser o principal combustível do organismo e passa a ser a glicose. Mais de 1/3 da glicose consumida pelo organismo no período pós-prandial corresponde a oxidação da glicose a CO2 (≈ 16 g/h). O restante (≈ 26g/h) distribui-se entre a glicose que é armazenada sobretudo no fígado e nos músculos como glicogénio e na glicose que é convertida em lactato por diversos tecidos, fígado e músculos incluídos.

No período pós-absortivo cerca de metade da glicose que estava a ser consumida no organismo como um todo era oxidada pelo cérebro (cerca de 4 g/h). A ingestão de uma refeição não provoca aumento na velocidade de oxidação da glicose no cérebro1, mas o aumento do consumo da glicose é muitíssimo marcado na maioria dos outros órgãos e tecidos e, por isso, o cérebro passa a ser responsável por apenas cerca de 10% da glicose consumida no organismo como um todo. No período pós-prandial, o fígado e os músculos são, no seu conjunto, responsáveis por mais de metade da glicose consumida pelo organismo no seu todo. Uma parte dessa glicose é armazenada como glicogénio, outra parte é oxidada e outra parte é convertida em lactato em diversos tecidos, em glicerol-3-fosfato no tecido adiposo, em palmitato no fígado e tecido adiposo e em alanina nos músculos. O aumento do consumo de glicose é muitíssimo marcado nos músculos e fígado que passam, no seu conjunto, a ser os responsáveis pelo consumo de mais de metade da glicose que é consumida pelo organismo no seu todo.

Assim, quer porque passa a haver uma captação líquida de glicose no fígado (o número de moléculas de glicose que entra para os hepatócitos passa a ser superior ao que sai para o plasma), quer porque, na maioria dos órgãos e tecidos, a cisão da glicose a lactato e a sua oxidação a CO2 aumentam e os músculos armazenam glicogénio, a glicemia acaba por, ao fim de algum tempo, descer para os valores do período pós-absortivo. Na génese destas modificações no metabolismo da glicose estão modificações na atividade de enzimas e transportadores membranares em grande parte dependentes do aumento da insulina (e da diminuição glicagina) mas, sobretudo no fígado, também à ação direta da própria glicose, cuja concentração aumenta nos hepatócitos em paralelo com o aumento da sua concentração na veia porta.

2.2.b– A via da glicogénese direta no fígado e músculos

Uma parte do glicogénio que se acumula no fígado forma-se através de uma via designada por glicogénese direta. Nesta via, a glicose entra para os hepatócitos por transporte passivo onde intervém o transportador membranar GLUT2, a glicose é fosforilada a glicose-6-fosfato por ação catalítica da hexocínase IV (ver Equação 6), a glicose-6-fosfato é isomerizada a glicose-1-fosfato por ação da fosfoglicomútase (ver Equação 7), a glicose-1-fosfato converte-se em UDP-glicose por ação da pirofosforílase da UDP-glicose (ver Equação 8) e, finalmente, a UDP-glicose é dador de resíduos de glicose ao glicogénio pré-existente fazendo aumentar o número de resíduos de glicose no polímero (ação da síntase do glicogénio com formação de ligações glicosídicas α-1,4; ver Equação 9). As Equações 10 e 11 referem-se, respetivamente, às ações da pirofosfátase inorgânica e da cínase dos nucleosídeos difosfatos e ajudam a compreender que, entendida na sua globalidade, a via da glicogénese direta seja descrita pela Equação 12 e envolva o gasto de duas ligações ricas em energia do ATP por resíduo de glicose acrescentado ao glicogénio pré-existente. O glicogénio tem uma estrutura ramificada e, na formação, dessas ramificações (a formação de ligações glicosídicas α-1,6) intervém uma enzima que se designa por enzima ramificante.

1 Na transição do período pós-absortivo para o período pós-prandial a oxidação da glicose aumenta na maioria dos tecidos mas não no cérebro. No entanto, se o jejum for mais prolongado que 10-14 horas, o cérebro começa a oxidar corpos cetónicos substituindo parte da glicose. Neste caso, a ingestão de uma refeição que contenha hidratos de carbono (interrupção do jejum prolongado) faz com que ocorra uma substituição inversa e consequentemente, haja um aumento na oxidação cerebral de glicose.

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No caso do músculo a síntese de glicogénio é igual ao descrito acima exceto que estão envolvidos produtos de genes distintos nos casos do transportador membranar (GLUT4 e não o GLUT2), da hexocínase (hexocínase II e não a hexocínase IV) e no caso da síntase de glicogénio (as síntases de glicogénio hepática e muscular são isoenzimas). Equação 6 glicose + ATP → glicose-6-fosfato + ADP Equação 7 glicose-6-fosfato ↔ glicose-1-fosfato Equação 8 glicose-1-fosfato + UTP → UDP-glicose + PPi Equação 9 UDP-glicose + glicogénio(n resíduos) →glicogénio(n+1 resíduos) + UDP Equação 10 PPi + H2O → 2 Pi Equação 11 ATP + UDP → ADP + UTP Equação 12 glicogénio(n resíduos) + glicose + 2 ATP → glicogénio(n+1 resíduos) + 2 ADP + 2 Pi

2.2.c – A via da glicogénese indireta e a síntese de glicogénio no fígado

Uma parte do glicogénio que se acumula no fígado não se forma diretamente a partir da glicose, mas sim a partir do lactato que se produz (via glicólise) em diversos tecidos/células (intestino, eritrócitos, músculos, rins, tecido adiposo, hepatócitos perivenosos, etc.) a partir da glicose. Esta via designa-se de glicogénese indireta e envolve enzimas da glicólise e da gliconeogénese. Como já referido, no período pós-prandial, a concentração plasmática de lactato aumenta mas, num processo que tende a corrigir este aumento, o lactato é captado pelos hepatócitos periportais que o convertem em piruvato (ação da desidrogénase do lactato; ver Equação 4). O piruvato vai ser depois, via gliconeogénese, convertido em glicose-6-fosfato que, através da ação de enzimas comuns à glicogénese direta (ver Equações 7-9), leva à síntese de glicogénio.

A sequência de conversões que permite, a partir de 2 moléculas de lactato formar uma de glicose-6-fosfato envolve enzimas da gliconeogénese (e comuns à glicólise e à gliconeogénese) e pode ser dividida em três etapas. Na primeira etapa duas moléculas de lactato convertem-se em duas de gliceraldeído-3-fosfato: 2 lactato → 2 piruvato → 2 oxalacetato → 2 fosfoenolpiruvato → 2 2-fosfoglicerato → 2 3-fosfoglicerato → 2 1,3-bisfosfoglicerato → 2 gliceraldeído-3-fosfato. Algumas etapas relevantes do processo são catalisadas pela carboxílase do piruvato (ver Equação 13), pela carboxicínase do fosfoenolpiruvato (ver Equação 14), pela cínase do 3-fosfoglicerato (ver Equação 15) e pela desidrogénase do gliceraldeído-3-fosfato (ver Equação 16). Na segunda etapa uma das duas moléculas de gliceraldeído-3-fosfato sofre isomerização a dihidroxiacetona-fosfato (ver Equação 17) e, por ação da aldólase, a molécula de gliceraldeído-3-fosfato sobrante reage com uma de dihidroxiacetona-fosfato gerando uma molécula de frutose-1,6-bisfosfato (ver Equação 18). Na última etapa (frutose-1,6-bisfosfato → frutose-6-fosfato → glicose-6-fosfato) ocorrem as ações sequenciadas da frutose-1,6-bisfosfátase (ver Equação 19) e da isomérase das hexoses-fosfato (ver Equação 20). Por sua vez, a sequência de conversões que levam à adição de um resíduo de glicose numa molécula de glicogénio a partir de glicose-6-fosfato é muito mais curta (glicose-6-fosfato → glicose-1-fosfato → UDP-glicose → glicogénio com mais um resíduo de glicose) e já foi abordada no Capítulo 2.2.b.

Equação 13 ATP + piruvato + CO2 → ADP + Pi + oxalacetato Equação 14 GTP + oxalacetato → GDP + fosfoenolpiruvato + CO2 Equação 15 3-fosfoglicerato + ATP ↔ 1,3-bisfosfoglicerato + ADP Equação 16 1,3-bisfosfoglicerato + NADH ↔ gliceraldeído-3-fosfato + Pi + NAD+ Equação 17 gliceraldeído-3-fosfato ↔ dihidroxiacetona-fosfato Equação 18 gliceraldeído-3-fosfato + dihidroxiacetona-fosfato ↔ frutose-1,6-bisfosfato Equação 19 frutose-1,6-bisfosfato + H2O → frutose-6-fosfato + Pi Equação 20 frutose-6-fosfato ↔ glicose-6-fosfato

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A equação soma que descreve o processo de conversão de duas moléculas de lactato numa

molécula de glicose-6-fosfato é a Equação 21. A Equação 22 corresponde à etapa anabólica da glicogénese indireta, a etapa que ocorre nos hepatócitos periportais; a etapa catabólica é a cisão da glicose em lactato que, como já referido, ocorre em vários tecidos e células (ver Equação 5). A Equação 22 mostra que a etapa anabólica da glicogénese indireta consume 7 ligações “ricas em energia” por cada resíduo de glicose adicionado ao glicogénio. Sabendo que a conversão de uma molécula de glicose em duas de lactato “rende” duas ligações “ricas em energia” (glicólise anaeróbia; ver Equação 5) é de concluir que a glicogénese indireta entendida como um todo tem um gasto líquido de 5 ligações “ricas em energia” por resíduo de glicose adicionado ao glicogénio. Equação 21 2 lactato + 2 GTP + 4 ATP + 5 H2O → glicose-6-fosfato + 2 GDP + 4 ADP + 5 Pi Equação 22 2 lactato + glicogénio(n resíduos)+ 2 GTP + 5 ATP + 5 H2O → glicogénio(n+1 resíduos) + 2 GDP + 5 ADP + 7 Pi

2.2.d – O papel dos hepatócitos periportais e perivenosos no armazenamento de glicogénio hepático

Referiu-se acima que a cisão da glicose em lactato ocorre em vários tecidos e células incluindo os hepatócitos perivenosos e que o processo de conversão de lactato em glicogénio ocorre nos hepatócitos periportais. Os hepatócitos perivenosos são os que ficam mais próximos do centro dos lóbulos hepáticos, o local onde os sinusoides hepáticos convergem em vénulas (centrolobulares) que drenam o sangue que irrigou o fígado e que vão convergir nas veias supra-hepáticas. Os hepatócitos periportais são os que ficam mais próximos da periferia dos lóbulos hepáticos, o local onde as vénulas derivadas da veia porta e as arteríolas derivadas das artérias hepáticas originam os sinusoides hepáticos. Ou seja, o sangue que irriga os hepatócitos perivenosos já perdeu parte do oxigénio para os hepatócitos periportais (por onde passou primeiro). No período pós-prandial o fígado é um órgão que, simultaneamente, capta glicose do sangue convertendo parte desta glicose diretamente em glicogénio e outra parte em lactato, mas que também capta lactato e o converte em glicogénio. Obviamente que esta captação de lactato é uma forma indireta de captar a glicose que cedeu parte do seu potencial gerador de ATP nas células que a converteram em lactato.

A etapa catabólica da glicogénese indireta e a glicogénese direta ocorrem predominantemente nos hepatócitos perivenosos que são mais ricos em enzimas glicolíticas; a etapa anabólica da glicogénese indireta ocorre predominante nos hepatócitos periportais que são mais ricos nas enzimas que são próprias da gliconeogénese (como a carboxílase do piruvato e a carboxicínase do fosfoenolpiruvato; ver Equações 13-14). Isto não significa que, nos hepatócitos perivenosos, não ocorra incorporação de átomos que pertenciam ao lactato na glicose e que, nos hepatócitos periportais, não ocorra incorporação de átomos que pertenciam à glicose no lactato. O que acontece é que os fluxos líquidos evoluem no sentido glicose → lactato nos hepatócitos perivenosos, e no sentido lactato → glicose nos periportais.

2.2.e – Mecanismos de regulação da glicogénese pela glicose e pela insulina no fígado e nos músculos

Os mecanismos que levam à acumulação de glicogénio no fígado envolvem a estimulação da glicogénese e a inibição da glicogenólise.

Um fator estimulador da glicogénese é a própria glicose que ativa a hexocínase IV. Esse efeito ativador direto da glicose resulta de dois mecanismos distintos, mas que são, em ambos os casos, uma consequência do aumento da concentração de glicose livre dentro dos hepatócitos. Um dos mecanismos de ativação da hexocínase IV está relacionado com o Km elevado da glicose o que torna a enzima sensível a variações da concentração deste substrato. O outro mecanismo envolve a

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dissociação da hexocínase IV de uma proteína inibidora, sendo que esta dissociação é induzida pela glicose.

A maioria dos processos reguladores que levam à estimulação da glicogénese e à inibição da glicogenólise estão relacionados com a modulação das atividades da síntase do glicogénio que é ativa na forma desfosforilada (síntase de glicogénio a) e inativa na forma fosforilada (síntase de glicogénio b) e da fosforílase do glicogénio que é ativa na forma fosforilada (fosforílase do glicogénio a) e inativa na forma desfosforilada (fosforílase do glicogénio b)2. A síntase do glicogénio (ver Equação 9) e a fosforílase do glicogénio têm atividade antagónicas. Enquanto a síntase “sintetiza” glicogénio, a fosforílase catalisa a fosforólise do glicogénio promovendo a remoção de resíduos de glicose com a consequente formação de glicose-1-fosfato (ver Equação 23).

Equação 23 glicogénio(n resíduos) + Pi → glicogénio(n-1 resíduos) + glicose-1-fosfato

Um dos mecanismos pelos quais a insulina ativa a síntase do glicogénio e inibe a fosforílase

envolve a ativação da fosfátase 1 de proteínas, uma fosfátase que promove a desfosforilação da síntase do glicogénio (ativando-a; ver Equação 24) e da fosforílase (inativando-a; ver Equação 25). Além disso, a fosfátase 1 de proteínas promove a inativação da cínase da fosforílase do glicogénio (ver Equação 26): a cínase do fosforílase do glicogénio é uma enzima que, quando ativa (ou seja, quando está fosforilada), catalisa a fosforilação quer da fosforílase do glicogénio quer da síntase do glicogénio (ver Equação 27 e Equação 28). Assim, a insulina, via ativação da fosfátase 1 de proteínas vai promover a glicogénese e inibir a glicogenólise mas, na ativação da glicogénese, a insulina também atua via inativação da cínase 3 da síntase do glicogénio. A cínase 3 da síntase do glicogénio inativa a síntase do glicogénio porque catalisa a sua fosforilação (ver Equação 28): a insulina, ao promover a inativação desta cínase favorece a forma desfosforilada (a forma ativa) da síntase do glicogénio.

Equação 24 síntase do glicogénio b + H2O → síntase do glicogénio a (desfosforilada) + Pi Equação 25 fosforílase do glicogénio a + H2O → fosforílase do glicogénio b (desfosforilada) + Pi Equação 26 cínase da fosforílase a + H2O → cínase da fosforílase b (desfosforilada) + Pi Equação 27 fosforílase do glicogénio b + ATP → fosforílase do glicogénio a (fosforilada) + ADP Equação 28 síntase do glicogénio a + ATP → síntase do glicogénio b (fosforilada) + ADP

A própria glicose também tem uma ação ativadora direta na atividade hidrolítica da

fosfátase 1 de proteínas relativamente à fosforílase do glicogénio e, portanto, participa no processo de inibição da fosforólise do glicogénio.

Nos músculos também há, no período pós-prandial, estimulação da síntese de glicogénio e, com exceção dos efeitos próprios da glicose na hexocínase IV (no músculo esta enzima não existe porque é substituída pela hexocínase II) e na ação da fosfátase 1 de proteínas relativamente à fosforílase do glicogénio, os mecanismos ilustrados são quase os mesmos. A insulina, cuja secreção aumenta no período pós-prandial, quer nos músculos, quer no fígado, promove a glicogénese e inibe a glicogenólise, via estimulação da fosfátase 1 de proteínas e inibição da cínase 3 da síntase do glicogénio.

Uma dissemelhança envolve o transporte transmembranar de glicose. Enquanto, no fígado, o GLUT2 não sofre variações de atividade ao longo do ciclo alimentação-jejum, a quantidade de moléculas de GLUT4 na membrana sarcoplasmática aumenta no período pós-prandial por efeito da insulina. A insulina estimula a migração de vesículas que contêm GLUT4 para a membrana celular das fibras musculares. Isto aumenta a velocidade de entrada de glicose para as fibras musculares

2 Classicamente as formas inativas da síntase do glicogénio, cínase da fosforílase e fosforílase tem associada a letra b e as formas ativas a letra a. Assim, a síntase do glicogénio a é a forma desfosforilada da enzima enquanto a cínase da fosforílase a e fosforílase a são formas fosforiladas.

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que, como será desenvolvido no Capítulo seguinte, para além de levar ao aumento do armazenamento de glicogénio também leva ao aumenta da oxidação da glicose.

2.2.f– Mecanismos envolvidos na estimulação da oxidação da glicose nos músculos no período pós-prandial

Como já referido, o período pós-prandial é caracterizado por uma estimulação da oxidação da glicose em vários órgãos e os músculos são responsáveis por uma parte importante da glicose que é oxidada pelo organismo. A insulina tem aqui um papel muito importante porque estimula a degradação da glicose pelos músculos em várias etapas do processo.

Como já referido, a insulina aumenta a velocidade de entrada de glicose para o sarcoplasma via estimulação da migração de GLUT4 para a membrana celular das fibras musculares. (Este efeito também ocorre nos adipócitos, mas os adipócitos não tem um papel tão relevante como o dos músculos na oxidação da glicose.) Esta glicose vai ser fosforilada por ação da hexocínase II (ver Equação 6); parte da glicose-6-fosfato formada é convertida em glicogénio (via glicogénese) e outra parte é, via glicólise, convertida em piruvato.

A oxidação do piruvato a acetil-CoA ocorre via ação catalítica da desidrogénase do piruvato (ver Equação 29). A atividade da desidrogénase do piruvato depende da percentagem de moléculas da enzima que estão na forma ativa (a forma desfosforilada) e na forma inativa (a forma fosforilada). Estas formas da desidrogénase do piruvato são interconvertíveis por ação da cínase da desidrogénase do piruvato que promove a sua inativação (ver Equação 30) e da fosfátase da desidrogénase do piruvato que promove a sua ativação (ver Equação 31). A insulina, via ativação da fosfátase da desidrogénase do piruvato e inibição da cínase da desidrogénase do piruvato aumenta a percentagem de moléculas de enzima que ficam na forma desfosforilada (a forma ativa) e, por isso, estimula a conversão do piruvato em acetil-CoA.

Equação 29 piruvato + CoA + NAD+ → acetil-CoA + CO2 + NADH Equação 30 ATP + desidrogénase do piruvato desfosforilada (ativa) → ADP + desidrogénase do piruvato fosforilada (inativa) Equação 31 desidrogénase do piruvato fosforilada (inativa) + H2O → desidrogénase do piruvato desfosforilada (ativa) + Pi

A acetil-CoA pode depois reagir com o oxalacetato formando citrato (ver Equação 32) e

“entrar” no ciclo de Krebs. Via ação catalítica das enzimas do ciclo de Krebs, o resíduo de acetato da acetil-CoA é oxidado a CO2 pelo NAD+ e pelo FAD (ver Equação 33) e, por ação das enzimas da cadeia respiratória, o NADH e o FADH2 formados são oxidados pelo O2 (ver Equação 34 e Equação 35). O processo oxidativo está acoplado com a síntese de ATP em que participa a síntase do ATP (ver Equação 36). (Admitindo acoplagem perfeita entre a oxidação do NADH e do FADH2 na cadeia respiratória e a síntese de ATP, a oxidação de um resíduo de acetato da acetil-CoA permite a síntese de 10 moléculas de ATP; ver Equação 37) Equação 32 oxalacetato + acetil-CoA + H2O → citrato + CoA Equação 33 acetil-CoA + 2 H2O + 3 NAD+ + FAD + ADP + Pi → 2 CO2 + CoA + 3 NADH + FADH2 + ATP Equação 34 NADH + H+ + ½ O2 + 10 H+ (matriz) → NAD+ + H2O + 10 H+ (fora da mitocôndria) Equação 35 FADH2 + ½ O2 + 6 H+ (matriz) → NAD+ + H2O + 6 H+ (fora da mitocôndria) Equação 36 ADP + Pi + 3 H+ (fora da mitocôndria) → ATP + H2O + 3 H+ (matriz)

Equação 37 acetil-CoA + 2 O2 + 10 ADP + 10 Pi → 2 CO2 + CoA + 10 ATP + 11 H2O

Dependendo da lançadeira operante no transporte dos equivalentes redutores que resultam da redução citoplasmática do NAD+ a NADH por ação catalítica da desidrogénase do gliceraldeído-

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3-fosfato (ver Equação 16), as equações soma que descrevem a oxidação completa da glicose e a síntese de ATP que lhe está acoplada podem ser a Equação 38 (ação da lançadeira do glicerol-3-fosfato) ou a Equação 39 (ação da lançadeira do malato).

Equação 38 glicose (C6H12O6) + 6 O2 + 30 ADP + 30 Pi → 6 CO2 + 30 ATP + 36 H2O Equação 39 glicose (C6H12O6)+ 6 O2 + 32 ADP + 32 Pi → 6 CO2 + 32 ATP + 38 H2O

2.2.g– Mecanismos envolvidos na estimulação da oxidação da glicose no fígado no período pós-prandial

2.2.g.1 – Indução da síntese de enzimas

Para além de captar glicose para a armazenar na forma de glicogénio, o fígado também participa na moderação da subida da glicemia e na sua normalização, via aumento da glicólise (ver Equação 3 e Equação 5) e da oxidação da glicose (ver Equação 38 e Equação 39). No entanto, os mecanismos envolvidos têm algumas diferenças relativamente aos músculos.

Um efeito comum ao fígado e aos músculos é a ativação da desidrogénase do piruvato pela insulina (via ativação da fosfátase e inibição da cínase da desidrogénase do piruvato). Uma dissemelhança envolve o transporte transmembranar de glicose que não é importante na regulação do processo no caso do fígado. Outras dissemelhanças envolvem a ação da insulina em atividades enzímicas que participam no processo glicolítico: a fosforilação da glicose a glicose-6-fosfato (catalisada, no fígado, pela hexocínase IV; ver Equação 6), a fosforilação da frutose-6-fosfato a frutose-1,6-bisfosfato (pela cínase 1 da frutose-6-fosfato; ver Equação 40) e a desfosforilação do fosfoenolpiruvato a piruvato (pela cínase do piruvato; ver Equação 41).

Como já referido, a atividade da hexocínase IV (a hexocínase hepática) é diretamente ativada pela glicose (ver Capítulo 2.2.e) mas, além disso, a insulina provoca indução da transcrição do gene codificador da hexocínase IV, ou seja, o aumento da síntese desta enzima.

A síntese da cínase do piruvato também é, no fígado, estimulada pela insulina e pela glicose, via xilulose-5-fosfato. O gene codificador da cínase do piruvato é estimulado por um fator de transcrição (o ChREBP; Carbohydrate response element-binding protein) que fica ativado quando a xilulose-5-fosfato aumenta de concentração nos hepatócitos. A xilulose-5-fosfato forma-se a partir da glicose na via das pentoses-fosfato e a sua concentração aumenta quando esta via fica ativada pela insulina e pela glicose.

A regulação da atividade da cínase 1 da frutose-6-fosfato tem, no fígado, particularidades que serão discutidas no Capítulo seguinte. Equação 40 frutose-6-fosfato + ATP → frutose-1,6-bisfosfato + ADP Equação 41 fosfoenolpiruvato + ADP → piruvato + ATP

2.2.g.2 – A enzima bifuncional e a ação da frutose-2,6-bisfosfato na cínase 1 da frutose-6-fosfato

No caso da cínase 1 da frutose-6-fosfato (ver Equação 40), o efeito da ação insulínica não se deve a aumento da síntese de moléculas da enzima. A ativação da cínase 1 da frutose-6-fosfato deve-se ao aumento da concentração intracelular de um composto (a frutose-2,6-bisfosfato) que é um ativador alostérico da cínase-1 da frutose-6-fosfato. Quer a síntese de frutose-2,6-bisfosfato (ver Equação 42), quer a sua hidrólise (ver Equação 43), são atividades de uma mesma enzima que se denomina enzima bifuncional (a atividade de síntese designa-se por cínase 2 da frutose-6-fosfato e a de hidrólise da frutose-2,6-bisfosfato, por frutose-2,6-bisfosfátase). A enzima bifuncional catalisa a síntese de frutose-2,6-bisfosfato quando está na forma desfosforilada e catalisa a sua hidrólise quando está na forma fosforilada. A insulina ativa a formação de frutose-2,6-fosfato (desta forma ativando a cínase 1 da frutose-6-fosfato) ativando uma fosfátase de proteínas que catalisa a

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desfosforilação da enzima bifuncional (ver Equação 44). Na forma desfosforilada a enzima bifuncional funciona como cínase 2 da frutose-6-fosfato catalisando a formação de frutose-2,6-bisfosfato. Equação 42 ATP + frutose-6-fosfato → ADP + frutose-2,6-bisfosfato Equação 43 frutose-2,6-bisfosfato + H2O → frutose-6-fosfato + Pi Equação 44 enzima bifuncional fosforilada (frutose-2,6-bisfosfátase) + H2O →

enzima bifuncional desfosforilada (cínase 2 da frutose-6-fosfato) + Pi

2.3 – A lipogénese de novo Nem toda a glicose que se converte em acetil-CoA é oxidada a CO2. Parte da acetil-CoA

formada a partir da glicose pode, no fígado e no tecido adiposo (mas não nos músculos), converter-se em ácidos gordos e em triacilgliceróis, via lipogénese de novo. A lipogénese de novo envolve a glicólise (ver Equação 3), a desidrogénase do piruvato (ver Equação 29), a carboxílase de acetil-CoA (ver Equação 45), a síntase de palmitato (ver Equação 46), a sintétase de acil-CoA (ver Equação 47), assim como enzimas da elongação (ver Equação 48) e dessaturação (ver Equação 49) de ácidos gordos e da esterificação. Equação 45 acetil-CoA + CO2 + ATP + H2O → malonil-CoA + ADP + Pi Equação 46 7 malonil-CoA + acetil-CoA + 14 NADPH →

palmitato + 6 H2O + 14 NADP+ + 7 CO2 + 8 CoASH Equação 47 ácido gordo + CoA + ATP → acil-CoA + AMP + PPi Equação 48 palmitil-CoA + malonil-CoA + 2 NADPH →

estearil-CoA + 2 NADP+ + CoA + H2O + CO2 Equação 49 estearil-CoA (ou palmitil-CoA) + O2 + NADH ou NADPH →

oleil-CoA (ou palmitoleil-CoA) + 2 H2O + NAD+ ou NADP+ Por ação da carboxílase de acetil-CoA, a acetil-CoA é ativada a malonil-CoA (ver Equação

45) e, quer a acetil-CoA (1 unidade), quer o malonil-CoA (7 unidades) são substratos num processo anabólico de redução (catalisado pela síntase do palmitato; ver Equação 46) que leva à formação do palmitato. A ação catalítica da síntase do palmitato envolve a oxidação de 14 moléculas de NADPH por molécula de palmitato sintetizada. Na sua maior parte, o NADPH é formado (por redução do NADP+) na via das pentoses fosfato3 ou, mais especificamente, nas ações das desidrogénases de glicose-6-fosfato (ver Equação 50) e do 6-fosfogliconato (ver Equação 51).

Equação 50 glicose-6-fosfato + NADP+ → 6-fosfogliconolactona + NADPH Equação 51 6-fosfogliconato + NADP+ → ribulose-5-fosfato + CO2 + NADPH

Na esmagadora maioria dos casos, os ácidos gordos (palmitato incluído) só são substratos

de enzimas quando estão na forma ativada (a forma esterificada com a coenzima A) e, por isso, o palmitato é primeiramente ativado a palmitil-CoA, por a ação de uma sintétase de acil-CoA (ver Equação 47). Uma parte do palmitil-CoA pode sofrer elongação (adição de 2 carbonos) convertendo-se em estearil-CoA (ver Equação 48). O sistema de dessaturação introduz duplas ligações entre o carbono 9 e o carbono 10 (dessatúrase ∆9) e pode converter parte do palmitil-CoA em palmitoleil-CoA e parte do estearil-CoA em oleil-CoA (ver Equação 49).

3 A via das pentoses-fosfato é uma via em que o oxidante é o NADP+ (que se reduz a NADPH) e onde a glicose-6-fosfato se oxida formando pentoses-fosfato e CO2. Uma das pentoses é a xilulose-5-fosfato que promove a glicólise e a lipogénese via ativação do fator de transcrição ChREBP. A xilulose-5-fosfato forma-se por isomerização da ribulose-5-fosfato.

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A equação soma que descreve a ação das enzimas da esterificação no fígado e no tecido adiposo (três transférases de acilo e a fosfátase de fosfatidato) é a Equação 52; a via de esterificação permite a formação de triacilgliceróis, ou seja a esterificação de três ácidos gordos com o glicerol. O glicerol-3-fosfato (substrato no processo de esterificação) pode, no caso do fígado, resultar da ação da cínase do glicerol (ver Equação 53) mas, no caso dos adipócitos, resulta da conversão da glicose (via glicólise) em dihidroxiacetona-fosfato e da redução deste composto por ação da desidrogénase da glicerol-3-fosfato (ver Equação 54).

Equação 52 glicerol-3-fosfato + 3 acil-CoA + H2O → triacilglicerol + 3 CoA + Pi Equação 53 ATP + glicerol → glicerol-3-fosfato + ADP Equação 54 dihidroxiacetona-fosfato + NADH ↔ glicerol-3-fosfato + NAD+

2.3.a - A regulação da lipogénese de novo

A lipogénese de novo define-se como o processo de conversão de compostos não lipídicos (como a glicose e o etanol) em ácidos gordos e em triacilgliceróis. A enzima com maior importância na regulação desta via é a carboxílase de acetil-CoA (ver Equação 45) que é ativada pela insulina e inibida (inibição alostérica) por ácidos gordos ativados (acis-CoA). Embora a fosforilação inativadora (catalisada pela AMPK; cínase de proteínas ativada pelo AMP) e a desfosforilação ativadora da carboxílase de acetil-CoA (ativada pela insulina) tenham importância na regulação desta enzima, a inibição alostérica pelos acis-CoA, a ativação alostérica pelo citrato (cuja concentração aumenta nas células quando se ingere glicose) e a indução/repressão da sua síntese também têm um papel importante na regulação da atividade desta enzima. Na realidade muitas enzimas que, de alguma forma, participam na lipogénese de novo são ativadas pela insulina via indução da síntese de um fator de transcrição (SREBP-1c; Sterol regulatory element-binding protein) que, por sua vez, promove a síntese dessas enzimas. Um outro fator de transcrição que tem um papel semelhante é o ChREBP (Carbohydrate response element-binding protein) que, como já referido, é ativado pela xilulose-5-fosfato que é formada a partir da glicose na via das pentoses-fosfato. A ativação plena da lipogénese de novo só ocorre quando as diferentes enzimas envolvidas no processo têm concentração aumentada porque a sua síntese foi estimulada pelo SREBP-1c e pelo ChREBP.

O facto de a ativação da lipogénese de novo ser induzida por mecanismos de instalação lenta (a síntese de enzimas é sempre um processo de regulação a longo prazo) e de a carboxílase de acetil-CoA ser inibida por acis-CoA (derivados ativados de ácidos gordos) explica que, nas condições das dietas habituais na civilização ocidental (relativamente ricas em gorduras e relativamente pobres em hidratos de carbono em comparação com outras civilizações), esta via esteja normalmente pouco ativa; em geral, a massa de palmitato formada endogenamente não chega a 5% da massa dos ácidos gordos provenientes da dieta. A lipogénese de novo permite a conversão de glicose em triacilgliceróis, mas não é comum haver lipogénese líquida (mais síntese de ácidos gordos que oxidação de ácidos gordos) usando uma “dieta de tipo ocidental”. No entanto, se a dieta for muito rica em hidratos de carbono numa série de dias seguidos (altos níveis de insulina no plasma e de citrato nas células) e pobre em ácidos gordos (baixos níveis intracelulares de acis-CoA) a lipogénese de novo pode passar a ser uma via metabólica relevante. Se estas condições se verificarem e houver, simultaneamente, balanço energético positivo, uma parte relevante dos ácidos gordos dos triacilgliceróis acumulados no tecido adiposo podem ter origem nos hidratos de carbono da dieta via lipogénese de novo.

De qualquer forma, a sintétase de acil-CoA (ver Equação 47), as enzimas da elongação (ver Equação 48), as dessatúrases (ver Equação 49) e as enzimas da esterificação (ver Equação 52) também atuam nos ácidos gordos provenientes da dieta promovendo a modificação destes ácidos gordos (elongação e dessaturação) e a sua conversão em triacilgliceróis.

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2.4 – A diminuição da oxidação dos ácidos gordos no período pós-prandial e a sua regulação

Após uma refeição que contenha glicose aumenta a oxidação da glicose mas, reciprocamente, diminui a oxidação de ácidos gordos. As razões que explicam o aumento da velocidade de oxidação da glicose no fígado e nos músculos já foram abordadas e relacionam-se com o aumento do número de moléculas do transportador GLUT4 na membrana sarcoplasmática (caso dos músculos), com o aumento da atividade da desidrogénase do piruvato (comum ao fígado e músculos) e com o aumento da atividade de enzimas envolvidas na conversão da glicose em piruvato (caso do fígado). Num quadro em que a oxidação da glicose aumenta e o consumo de ATP no organismo se mantém (ou varia pouco) é intuitivo prever que a oxidação dos ácidos gordos vai diminuir.

2.4.a – A diminuição da lipólise intracelular dos adipócitos no período pós-prandial

A diminuição da oxidação dos ácidos gordos é, em grande medida, uma consequência da diminuição das concentrações destes combustíveis no plasma sanguíneo. No período pós-absortivo (10-14 h de jejum) a concentração plasmática de ácidos gordos (designados por ácidos gordos livres; FFA; free fatty acids; ou ácidos gordos não esterificados do plasma; NEFA; non esterified fatty acids) é, em geral, superior a 0,5 mM, mas desce para valores que podem ser dez vezes mais baixos (cerca de 50 µM) no período pós-prandial. Quase todos os ácidos gordos livres que estão presentes no plasma provêm dos adipócitos e resultam da hidrólise dos triacilgliceróis que se acumularam formando uma ou mais gotículas no citoplasma dessas células.

A hidrólise dos triacilgliceróis é, na sua globalidade, descrita pela Equação 55 e nela participam três hidrólases: a lípase de triacilgliceróis do tecido adiposo, a lípase hormono-sensível e a lípase de monoacilgliceróis. Na regulação da velocidade da lipólise têm importância mecanismos de fosforilação/desfosforilação que implicam diretamente a lípase hormono-sensível (que é ativa na forma fosforilada) e uma proteína, designada por perilipina, que só permite o acesso da lípase de triacilgliceróis do tecido adiposo e da lípase hormono-sensível às gotículas de gordura quando está fosforilada. A fosforilação destas duas proteínas é catalisada pela PKA (cínase de proteínas dependente do AMP cíclico; ver Equação 56 e Equação 57) que fica ativa quando a concentração de AMP cíclico aumenta no citoplasma dos adipócitos. A concentração de AMP cíclico depende da ação antagónica das catecolaminas que estimulam a cíclase do adenilato (ver Equação 58) e da insulina que estimula a fosfodiestérase (ver Equação 59).

Equação 55 triacilglicerol + 3 H2O → glicerol + 3 ácido gordo Equação 56 lípase hormo-sensível(desfosforilada e inativa) + ATP →

lípase hormo-sensível(fosforilada e ativa) + ADP Equação 57 perilipina(desfosforilada) + ATP → perilipina(fosforilada) + ADP Equação 58 ATP → AMP cíclico + PPi Equação 59 AMP cíclico + H2O → AMP

Via aumento da concentração do AMP cíclico (e a consequente ativação da PKA), as

catecolaminas ativam a lipólise nos adipócitos mas, na ausência de situações de stress, a ação das catecolaminas mantém-se num nível basal. Na ausência de stress, a regulação passa a depender da variação dos níveis de insulina no plasma. A insulina inibe a lipólise intracelular porque, via ativação da fosfodiestérase, provoca diminuição da concentração do AMP cíclico. Ou seja, quando, no período pós-prandial, a insulina sobe diminui a hidrólise dos triacilgliceróis dos adipócitos e a libertação para o plasma de ácidos gordos livres. A ingestão de uma refeição que fez aumentar a concentração de insulina provoca uma diminuição marcadíssima na concentração plasmática de ácidos gordos livres e, consequentemente, do seu transporte para dentro das células.

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2.4.b– Fatores reguladores na diminuição da oxidação de ácidos gordos nos músculos

A diminuição da oxidação dos ácidos gordos (oxidação em β) que ocorre nos músculos no período pós-prandial também envolve a regulação de enzimas situadas no interior das fibras musculares. Após a entrada dos ácidos gordos para o citoplasma ocorre a sua ativação (ver Equação 47), mas a oxidação em β ocorre nas mitocôndrias e a membrana mitocondrial interna é impermeável aos acis-CoA formados.

O passo regulador da oxidação em β é o transporte de ácidos gordos para a matriz das mitocôndrias que depende da atividade da carnitina-palmitil transférase 1 (CPT1; ver Equação 60).

Equação 60 acil-CoA + carnitina → acil-carnitina + CoA

No período pós-prandial a diminuição da entrada de ácidos gordos para o sarcoplasma

provoca diminuição na concentração intracelular de acis-CoA que vai, direta e indiretamente, diminuir a atividade da carnitina-palmitil transférase 1 e, consequentemente, a oxidação em β. Os acis-CoA são substratos da carnitina-palmitil transférase 1 e isto ajuda a explicar que a diminuição das suas concentrações diminua a atividade da enzima. O efeito indireto dos acis-CoA na atividade da carnitina-palmitil transférase 1 envolve a ação de uma enzima a que já fizemos referência: a carboxílase de acetil-CoA (ver Equação 45). O malonil-CoA, produto da atividade da carboxílase de acetil-CoA, é um intermediário da lipogénese de novo mas, apesar desta via metabólica não existir nos músculos (a síntase do palmitato não existe nos músculos), a síntese de malonil-CoA tem um papel importante na regulação da oxidação em β porque o malonil-CoA inibe a atividade da carnitina-palmitil transférase 1. Para compreender que a diminuição da concentração de acis-CoA provoca diminuição na atividade da carnitina-palmitil transférase 1 há que relembrar que os acis-CoA são inibidores alostéricos da carboxílase de acetil-CoA. Por isso, quando os níveis intracelulares dos acis-CoA diminuem no período pós-prandial, há estimulação da síntese de malonil-CoA e, consequentemente, inibição da carnitina-palmitil transférase 1 e da oxidação em β. O facto de a concentração intracelular de citrato aumentar nas fibras musculares no período pós-prandial também contribui para explicar o aumento da atividade de síntese de malonil-CoA (o citrato é activador alostérico da carboxílase de acetil-CoA) e a consequente inibição da oxidação em β.

2.4.c– Fatores reguladores na diminuição da oxidação de ácidos gordos no fígado

No fígado, no estado pós-prandial, também há inibição da oxidação em β. Aqui, para além dos mecanismos discutidos para o caso dos músculos, também são relevantes a ativação da carboxílase de acetil-CoA (ver Equação 45) por mecanismos diferentes da ativação alostérica pelo citrato e a inibição alostérica pelos acis-CoA. No fígado, como já referido, a carboxílase de acetil-CoA é ativada por desfosforilação dependente da insulina e por indução da transcrição do seu gene (via SREBP-1c e CHREBP). No fígado todos os mecanismos de regulação da carboxílase de acetil-CoA são relevantes e, no estado pós-prandial, todos contribuem para estimular a síntese de malonil-CoA e, consequentemente, diminuir a velocidade da oxidação em β.

2.5– Metabolismo das proteínas e dos aminoácidos no período pós-prandial Os aminoácidos que resultam da digestão das proteínas da dieta vão servir como substratos

para a síntese de proteínas e de derivados aminoacídicos (como, por exemplo, o glutatião, as catecolaminas, a histamina, a serotonina, a creatina, etc.), mas também vão ser oxidados. O processo oxidativo acaba por levar, direta ou indiretamente (via conversão prévia em glicose através da gliconeogénese), à conversão do seu “esqueleto carbonado” em CO2 e H2O enquanto os átomos de azoto originam amónio e ureia.

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2.5.a – A digestão das proteínas e a absorção dos produtos dessa digestão

Uma refeição normal para além de carbohidratos e gordura contém proteínas que são digeridas no estômago por ação da pepsina e, no lúmen intestinal, por ação de protéases de origem pancreática (tripsina, quimotripsina e elástase) e por peptídases ancoradas na membrana apical dos enterócitos. Os produtos destas ações hidrolíticas são aminoácidos, assim como dipeptídeos e tripeptídeos que são absorvidos para o interior do enterócito. No caso dos aminoácidos o transporte é ativo secundário e dependente do Na+ existindo múltiplos transportadores com especificidades distintas. No caso dos dipeptídeos e dos tripeptídeos o transporte é dependente do H+ e o único transportador que existe no enterócitos designa-se por PEPT1. Os dipeptídeos e os tripeptídeos terminam a sua hidrólise no interior do enterócito e, desta forma, cria-se o gradiente que permite a sua captação do lúmen intestinal. A maioria dos aminoácidos acaba por passar para a veia porta através da membrana do polo basal dos enterócitos; no polo basal o transporte transmembranar é, na maioria dos casos, passivo mediado. Alguns aminoácidos não essenciais como a glutamina e o glutamato são extensamente metabolizados no interior dos enterócitos e são, nestas células, importantes compostos energéticos (ver Capítulos 2.5.e e 5.1.a).

2.5.b – A estimulação da síntese proteica no período pós-prandial

A conversão em derivados aminoacídicos é, quantitativamente, um destino minoritário dos aminoácidos. A seguir às refeições fica estimulada a síntese proteica, quer no fígado (por exemplo, a síntese de albumina, uma proteína plasmática), quer nos músculos (sobretudo a síntese das proteínas das miofibrilas). Esta estimulação da síntese proteica ocorre sobretudo ao nível da tradução e depende quer do aumento da insulina quer da ação direta de aminoácidos (nomeadamente da leucina). No período pós-prandial a velocidade da síntese proteica excede a velocidade de degradação, mas não é adequado dizer que existe “balanço azotado positivo” no período pós-prandial: neste período, a acumulação de proteínas endógenas apenas repõe as proteínas que se perderam durante o jejum noturno.

2.5.c – Uma parte dos aminoácidos é diretamente oxidada a CO2

A parte dos aminoácidos absorvidos que não é incorporada em proteínas fica na forma livre e, por isso, no período pós-prandial, a concentração de aminoácidos livres aumenta de concentração nas células. Na maioria dos casos, as enzimas que participam no catabolismo dos aminoácidos são sensíveis à sua concentração (têm valores de Km elevados) e, por isso, a velocidade da sua oxidação e a conversão do seu azoto em amónio e ureia podem aumentar após as refeições. Se excluirmos os aminoácidos ramificados (leucina, isoleucina e valina) que são predominantemente captados e transformados nos músculos, o órgão com maior importância no catabolismo dos aminoácidos é o fígado, admitindo-se que uma parte substancial da energia gerada no fígado provenha da oxidação de aminoácidos (ver Anexo 1; Capítulo 5.1). A maioria dos aminoácidos perde os átomos de azoto nas etapas iniciais do processo catabólico e o seu esqueleto carbonado acaba por gerar intermediários da glicólise ou do ciclo de Krebs. Um exemplo é a alanina que, por ação da transamínase da alanina (também designada de glutâmico-pirúvica), se converte em piruvato (ver Equação 61). Outro exemplo é o glutamato que, por transaminação (ver Equação 62) ou por ação da desidrogénase do glutamato (ver Equação 63), gera α-cetoglutarato. (Outros exemplos são apresentados no Capítulo 5.1.)

Equação 61 alanina + α-cetoglutarato ↔ piruvato + glutamato Equação 62 glutamato + α-cetoácido X → α-cetoglutarato + α-aminoácido X Equação 63 glutamato + NAD+ (ou NADP+) ↔ α-cetoglutarato + NADH (ou NADPH) + NH4

+

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Estes aminoácidos podem, via gliconeogénese, ser convertidos em glicose e serem oxidados indiretamente (ou seja, serem oxidados quando a glicose formada a partir deles sofrer oxidação nos tecidos do organismo), mas também podem ser convertidos a CO2 de um modo que se poderia designar de “direto”.

O piruvato que, numa dada célula, se forma a partir da alanina (ver Equação 61) pode ser, via desidrogénase do piruvato, convertido em acetil-CoA (ver Equação 29) e a acetil-CoA, via ciclo de Krebs e enzimas da cadeia respiratória, gera CO2, desta forma contribuindo para a síntese de ATP (ver Equação 37).

Os intermediários do ciclo de Krebs também podem ser oxidados “diretamente” (sem se converterem em glicose). O α-cetoglutarato (que se formar a partir do glutamato; ver Equações 62-63) é um intermediário do ciclo de Krebs que pode, neste ciclo, gerar oxalacetato que, por ação sequenciada da carboxicínase do fosfoenolpiruvato (ver Equação 14) e da cínase do piruvato (ver Equação 41), se converte em piruvato; como já referido (ver Capítulo 2.2.f), o piruvato pode ser convertido em acetil-CoA; no ciclo de Krebs, é o resíduo acetato do acetil-CoA que é oxidado a CO2.

No seu processo catabólico, alguns aminoácidos geram diretamente acetil-CoA, ou seja, convertem-se em acetil-CoA sem gerar primeiro intermediários do ciclo de Krebs e da glicólise. É o caso, por exemplo, da leucina que, no seu processo catabólico acaba por formar β-hidrometilglutaril-CoA que se cinde em acetil-CoA e acetoacetato. O acetil-CoA pode, como referido acima, ser diretamente oxidado no ciclo de Krebs (ver Equação 37). O acetoacetato é um corpo cetónico e, nos tecidos extra-hepáticos, é oxidado via ativação a acetoacetil-CoA que se cinde gerando duas moléculas de acetil-CoA (ver Capítulo 3.4.a).

2.5.d– Uma parte dos aminoácidos é oxidada via conversão prévia em glicose: “oxidação indireta”

Alguns aminoácidos são classicamente classificados como “glicogénicos”: são os casos da asparagina e do aspartato (que originam oxalacetato ou fumarato), da glutamina, do glutamato, da arginina, da ornitina, da prolina e da histidina (que originam α-cetoglutarato), da alanina, da serina, da glicina e da cisteína (que originam piruvato) e da metionina e da valina (que originam succinil-CoA). Outros são classicamente classificados como “simultaneamente glicogénicos e cetogénicos”: são os casos da tirosina e da fenilalanina (que originam fumarato e acetoacetato), do triptofano (que origina alanina e acetoacetil-CoA) e da isoleucina (que origina succinil-CoA e acetil-CoA). O caso da treonina é especial porque ainda persistem dúvidas acerca da importância de duas vias metabólicas alternativas. Há quem defenda que, nos seres humanos, a via predominante é a que leva à formação de succinil-CoA e, neste caso, a treonina deveria ser classificada no grupo dos aminoácidos glicogénicos. Em todos estes casos pelo menos um dos produtos é um intermediário do ciclo de Krebs ou da glicólise. (Só ficam de fora destas listas a leucina e a lisina que são classicamente classificados como “cetogénicos”.)

Com exceção do piruvato, os intermediários da glicólise são, simultaneamente, intermediários da gliconeogénese, mas o piruvato pode gerar oxalacetato (ação da carboxílase do piruvato; ver Equação 13). Além disso, todos os intermediários do ciclo de Krebs podem, via conversão do oxalacetato em fosfoenolpiruvato (ação da carboxicínase do fosfoenolpiruvato; ver Equação 14) gerar este intermediário da gliconeogénese. Ou seja, um aminoácido é glicogénico (ou que é “simultaneamente glicogénico e cetogénico”) quando pode, via gliconeogénese (uma via metabólica que ocorre no fígado e no rim), converter-se em glicose sendo completamente oxidado a CO2 aquando da oxidação da glicose gerada. Embora a oxidação indireta dos aminoácidos (via glicose) tenha maior relevância no jejum prolongado, mesmo no período pós-prandial pode ser este o destino dos esqueletos carbonados de algumas moléculas dos aminoácidos listados acima.

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2.5.e – Alguns aminoácidos convertem-se noutros aminoácidos

Um outro destino possível dos aminoácidos da dieta é converter-se noutros aminoácidos. Um exemplo simples é o caso da tirosina que se pode formar a partir da fenilalanina por ação catalítica da hidroxílase da fenilalanina (ver Equação 64). Outro exemplo é o caso da cisteína em que o seu grupo tiol tem origem na metionina e o esqueleto carbonado na serina. O processo envolve a síntase da cistationina em que um intermediário do catabolismo da metionina (a homocisteína) reage com a serina formando cistationina que a seguir se cinde libertando como um dos produtos a cisteína (ver Equação 65 e Equação 66). Outros exemplos são os casos da arginina, da prolina, da glutamina e da histidina cujos carbonos e um dos azotos estão na origem do glutamato.

Equação 64 fenilalanina + tetrahidrobiopterina + O2 → tirosina + dihidrobiopterina + H2O Equação 65 homocisteína + serina → cistationina Equação 66 cistationina → cisteína + NH4

+ + α-cetobutirato

Os aminoácidos não essenciais podem formar-se a partir da glicose porque o seu esqueleto

carbonado pode provir de intermediários da glicólise (casos da serina, glicina e alanina) ou de intermediários do ciclo de Krebs (o oxalacetato nos casos do aspartato e da asparagina, e do α-cetoglutarato nos casos do glutamato, glutamina, prolina e arginina). O azoto dos aminoácidos não essenciais pode, em última análise, provir de todos os outros aminoácidos essenciais ou não essenciais. Todos os aminoácidos podem, no seu catabolismo, gerar intermediários da glicólise ou do ciclo de Krebs ou, pelo menos, acetil-CoA que, via combinação com o oxalacetato (síntase do citrato; ver Equação 32), também contribui com carbonos do resíduo acetato para a síntese do citrato (um intermediário do ciclo de Krebs).

Assim, todos os aminoácidos podem, de alguma forma, contribuir para a formação, quer com os seus carbonos, quer com os seus grupos azotados, para a síntese de aminoácidos não essenciais.

Um exemplo é o que acontece à glutamina e ao glutamato da dieta nos enterócitos. A esmagadora maioria das moléculas destes aminoácidos que são absorvidas no intestino não passa para a veia porta sem antes ser convertida noutros aminoácidos e um dos destinos mais importantes é a sua conversão em alanina. A glutamina pode, por ação da glutamínase (ver Equação 67), converter-se em glutamato e o glutamato pode, por ação de transamínases (ou por ação da desidrogénase do glutamato) converter-se em α-cetoglutarato (ver Equações 62-63). O α-cetoglutarato pode, por sua vez, via ação de enzimas do ciclo de Krebs e por ação da carboxicínase do fosfoenolpiruvato (ver Equação 14) converter-se em piruvato que, por ação da transamínase da alanina (ver Equação 61), se pode converter em alanina. A sequência seria glutamina → glutamato → α-cetoglutarato → succinil-CoA → succinato → fumarato → malato → oxalacetato → fosfoenolpiruvato → piruvato → alanina. A alanina passa para o sangue podendo ser metabolizada noutros tecidos ou incorporada em proteínas em processo de síntese. Equação 67 glutamina + H2O → glutamato + NH4

+

2.5.f– Os aminoácidos ramificados são predominantemente captados nos músculos

Ao contrário do que acontece com todos os outros aminoácidos que podem ser captados e sofrer algum tipo de transformação no fígado (incluindo a sua incorporação em proteínas ou a sua oxidação), os aminoácidos ramificados (leucina, isoleucina e valina) só são captados neste órgão para serem usados na síntese proteica que aí ocorre. No caso da maioria dos aminoácidos, a sua concentração diminui no plasma sanguíneo quando o sangue atravessa o fígado, mas decresce muito menos no caso dos aminoácidos ramificados. Os aminoácidos ramificados são maioritariamente

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captados nos músculos onde, para além de poderem ser usados na síntese proteica, sofrem catabolismo. A razão desta captação preferencial nos músculos versus fígado deve-se ao facto de a primeira etapa do processo catabólico dos aminoácidos ramificados ser muito mais ativa nos músculos que no fígado. Esta primeira etapa é a perda do grupo α-amina em reações de transaminação que levam à formação de α-cetoácidos ramificados (ver Equações 68-70).

Equação 68 leucina + α-cetoglutarato → α-cetoisocaproato + glutamato Equação 69 isoleucina + α-cetoglutarato → α-ceto-β-metil-valerato + glutamato Equação 70 valina + α-cetoglutarato → α-cetoisovalerato + glutamato

Os músculos captam do sangue aminoácidos ramificados e libertam para o sangue vários

aminoácidos incluindo a glutamina (e alanina). A glutamina é o aminoácido que é libertado em maior quantidade no músculo e, por si só, representa 1/3 do total de azoto aminoacídico presente no plasma. Embora seja algo controverso, é provável que uma parte da glutamina libertada pelos músculos resulte, no que se refere ao esqueleto carbonado, do catabolismo da valina e da isoleucina (ver Capítulo 5.1.c). Os grupos azotados (amida e amina) da glutamina libertada nos músculos podem provir destes aminoácidos, mas também da leucina e doutros aminoácidos. Os músculos também podem libertar para o plasma sanguíneo os α-cetoácidos ramificados que resultam das reações de transaminação (ver Equações 68-70): assim, parte dos α-cetoácidos ramificados formados nos músculos podem chegar ao fígado e a outros órgãos e aí completarem o seu processo oxidativo a CO2. Para além do α-cetoisovalerato (ver Equação 70), um outro intermediário do metabolismo da valina (o β-hidroxi-isobutirato) pode ter um destino semelhante. Quando uma molécula de β-hidroxi-isobutirato (ou de α-cetoisovalerato) é libertada nos músculos e é, de seguida, captada e oxidada noutros órgãos faz com que o processo oxidativo da molécula de valina que lhe deu origem termine fora dos músculos (ver Capítulo 5.1.c).

Embora a oxidação e a interconversão de aminoácidos tenham, nos Capítulos 2.5.c-2.5.e e neste Capítulo, sido discutidos no contexto do metabolismo no período pós-prandial é de notar que estes processos também ocorrem no período pós-absortivo e no jejum prolongado.

2.5.g – A massa de aminoácidos oxidados é a que corresponde à ureia e amónio excretados

A massa de proteínas que corresponde a uma dada massa de azoto pode ser estimada admitindo que 16% da massa das proteínas é azoto. A massa de aminoácidos (ou de proteínas) que é oxidada num dado período de tempo é a que corresponde à massa de azoto da ureia e do amónio que é excretada mas, nem todo os azoto eliminado do organismo se converteu previamente em ureia e amónio. Uma parte (da ordem de 20%) da massa de azoto eliminada pelo organismo não corresponde a proteínas que sofreram oxidação. As proteínas inteiras presentes nas fezes (das bactérias e das proteínas que não foram digeridas) e as proteínas que se perdem nos cabelos, unhas, genitais e pele que descama não foram oxidadas; também o azoto da creatinina, do ácido úrico, da bilirrubina e dos catabolitos de neurotransmissores que derivam de aminácidos só em parte corresponde a oxidação de aminoácidos.

De qualquer forma a maior parte do azoto eliminado pelo organismo sai incorporado na ureia e no amónio da urina (na ordem de 80%). Num indivíduo em que as concentrações plasmáticas de ureia e amónio se mantêm constantes é de presumir que a massa de ureia e amónio eliminados corresponde à massa de aminoácidos que sofre oxidação. No entanto, pelo menos no caso da ureia (o mais importante produto azotada de excreção) existem flutuações na sua concentração plasmática porque a sua taxa de eliminação urinária é modulada por outros fatores para além da taxa de formação. Assim, só se se considerar um intervalo de tempo de vários dias (ou semanas) é que é legítimo considerar que a massa de ureia e amónio eliminados corresponde à massa de aminoácidos que foi oxidada nesse intervalo.

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Num indivíduo em balanço azotado nulo, a massa de azoto das proteínas que é ingerida num dado intervalo de tempo (vários dias) é igual à massa de azoto eliminada no mesmo intervalo. No entanto, como já referido, nem todo o azoto eliminado do organismo provém de aminoácidos (ou proteínas) que sofreram oxidação completa a CO2: por exemplo, as proteínas que são eliminadas intactas nas fezes não foram sequer hidrolisadas. Uma melhor estimativa da massa de proteínas que sofreu oxidação a CO2 pode ser feita se considerarmos que o processo oxidativo dos seus carbonos é concomitante com a conversão dos azotos a ureia e amónio (que são maioritariamente excretados na urina).

Se a quantidade de proteínas da dieta for da ordem das 70 g dia-1 ou superior é de prever que ocorram picos de concentração de aminoácidos livres nas células após as refeições e que, em média, a oxidação dos aminoácidos seja maior no período pós-prandial que durante o jejum. Num indivíduo em balanço azotado nulo, a massa de proteínas endógenas que se perde durante o jejum noturno (ou seja, que sofre hidrólise líquida, hidrólise subtraída da síntese) corresponde à massa proteínas que se acumulou após as refeições que decorreram durante o dia; as moléculas dos aminoácidos que correspondem à massa de proteínas endógenas que se perdeu são, na sua esmagadora maioria, oxidadas.

2.6– Metabolismo dos lipídeos no período pós-prandial Uma refeição normal, para além de hidratos de carbono e proteínas também contém

lipídeos e cerca de 95% dos lipídeos da dieta são triacilgliceróis (gorduras). O destino maioritário dos triacilgliceróis da dieta é sofrerem hidrólise no tubo digestivo e acabarem incorporados nos triacilgliceróis do tecido adiposo mas, durante o processo, os triacilgliceróis hidrolisados no lúmen intestinal são re-sintetizados nos enterócitos, passam para o sangue incorporados nos quilomicra, são novamente hidrolisados nos capilares do tecido adiposo e, já dentro dos adipócitos, volta a ocorrer re-síntese de triacilgliceróis.

2.6.a – A digestão e a absorção dos lipídeos e a formação dos quilomicra

A hidrólise dos triacilgliceróis da dieta ocorre por ação das lípases gástrica e pancreática. Porque estas lípases têm baixa atividade relativamente à ligação éster que liga o carbono 2 do glicerol ao ácido gordo, os produtos maioritários dessa hidrólise são o 2-monoacilglicerol e os ácidos gordos que se situavam nas posições 1 e 3 dos triacilgliceróis. A absorção dos ácidos gordos e do 2-monoacilglicerol é um processo passivo, em parte mediado por transportadores de membrana e em parte não mediado. A esmagadora maioria dos ácidos gordos da dieta são de cadeia longa (contêm mais de 10 carbonos) e, dentro dos enterócitos, estes ácidos gordos são ativados (convertidos em acis-CoA) por ação de sintétases de acil-CoA (ver Equação 47). Por ação de transférases de acilo situadas na membrana citoplasmática do retículo endoplasmático, os resíduos de ácidos gordos são transferidos para as posições 1 e 3 do 2-monoacilglicerol ocorrendo re-esterificação (ver Equação 71).

Os fosfolipídeos e o colesterol podem ser componentes da dieta, mas também são segregados na bile. Os fosfolipídeos e os ésteres de colesterol da dieta também sofrem hidrólise por ação de enzimas pancreáticas (fosfolípase A2 e estérase de ésteres de colesterol) e os produtos dessa hidrólise também são absorvidos ocorrendo re-síntese no interior dos enterócitos.

O colesterol, os fosfolipídeos, os triacilgliceróis e os ésteres de colesterol vão combinar-se com as apolipoproteínas B48 e A originado estruturas micelares lipoproteicas. Nesta fase, estas estruturas são designadas de quilomicra imaturos (ou nascentes) que são vertidos no polo basal dos enterócitos para o espaço extracelular por exocitose. Daí passam para os linfáticos e, via canal torácico, chegam ao sangue. É já no plasma sanguíneo que os quilomicra se vão converter em quilomicra maduros recebendo das HDL (high density lipoproteins, uma outra classe de lipoproteínas) apolipoproteínas C e E (apo C e apo E). O processo é lento, de tal forma que os

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quilomicra só começam a aparecer no plasma 1 hora após a refeição e só atingem a concentração máxima cerca de 3-4 h depois. Os ésteres de colesterol e os triacilgliceróis são compostos hidrofóbicos e constituem o miolo dos quilomicra enquanto o colesterol não esterificado e os fosfolipídeos formam uma monocamada na periferia. Os quilomicra são as lipoproteínas plasmáticas mais ricas em triacilgliceróis (mais de 80% da sua massa são triacilgliceróis) e também as de maior tamanho podendo ter 1 µm de diâmetro. (No entanto, como discutido no Capítulo 2.6.c, em nenhum momento, os triacilgliceróis plasmáticos estão maioritariamente ligados aos quilomicra.) Equação 71 2-monoacilglicerol + 2 acis-CoA → triacilglicerol + 2 CoA

2.6.b – O papel da lípase de lipoproteínas do tecido adiposo no armazenamento de gordura

A aquisição de apo C (ou, mais concretamente, de apo CII) faz com que os quilomicra passem a ser capazes de interagir com a lípase de lipoproteínas. A lípase de lipoproteínas é uma ectohidrólase do endotélio dos capilares dos tecidos adiposo e muscular e catalisa a hidrólise dos triacilgliceróis plasmáticos com a libertação de ácidos gordos e glicerol. No estado pós-prandial, o processo ocorre predominantemente no tecido adiposo e os ácidos gordos libertados pela ação da lípase de lipoproteínas do tecido adiposo entram para os adipócitos. O glicerol é o outro produto da ação da lípase de lipoproteínas (ver Equação 55), mas não é captado pelos adipócitos porque estas células não contêm nenhuma enzima que tenha o glicerol livre como substrato. (O glicerol vai ser captado no fígado e rim onde pode ser convertido em glicerol-3-fosfato pela ação da cínase do glicerol; ver Equação 53.)

Depois de captados pelos adipócitos, os ácidos gordos vão ser ativados pela ação de sintétases de acil-CoA (ver Equação 47). Os acis-CoA formados pela ação desta enzima e o glicerol-3-fosfato (formado predominantemente a partir da glicose, via redução da dihidroxiacetona-fosfato; ver Equação 54) vão ser os substratos do processo de esterificação que, novamente, leva à formação de triacilgliceróis. O somatório da ação das diferentes enzimas envolvidas no processo de esterificação é, como já referido, descrito pela Equação 52. O processo é diferente do que ocorre nos enterócitos, mas também envolve a ação de transférases de acilo. Os triacilgliceróis sintetizados formam uma ou mais gotículas de gordura no citoplasma dos adipócitos constituindo reservas com elevada densidade energética (9,5 kcal/g).

2.6.c– A ação ativadora da insulina na hidrólise dos triacilgliceróis dos quilomicra e o aumento dos triacilgliceróis das VLDL no período pós-prandial

No período pós-prandial, a lípase de lipoproteínas do tecido adiposo fica mais ativa porque a insulina vai estimular a sua síntese. (Não acontece o mesmo no caso da lípase de lipoproteínas dos músculos podendo, neste caso há uma ligeira inibição por ação da insulina.) A síntese da lípase de lipoproteínas do tecido adiposo ocorre nos adipócitos, mas a enzima é segregada acabando por migrar para a membrana das células endoteliais que fica voltava para o lúmen dos capilares em contacto direto com o sangue. Tal como a absorção das gorduras e o aparecimento de quilomicra no sangue também a síntese e a secreção da lípase de lipoproteínas induzidas pela insulina são processos lentos e, por isso, a atividade da lípase de lipoproteínas do tecido adiposo só atinge o máximo cerca de 4 h após a refeição.

A lípase de lipoproteínas, para além de atuar nos triacilgliceróis dos quilomicra, também atua nos triacilgliceróis das VLDL, mas tem maior afinidade para os quilomicra que para as VLDL. As VLDL (very low density lipoproteins) são lipoproteínas sintetizadas e segregadas no fígado sendo mais pequenas que os quilomicra e muito ricas em triacilgliceróis (mas menos que os quilomicra; 55 % da sua massa em vez de mais de 80%). A alta atividade da lípase de lipoproteínas

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relativamente aos quilomicra e a sua ativação pela insulina permite explicar que à medida que estes vão entrando no plasma os seus triacilgliceróis sofram hidrólise rápida. Por isto, explicando também porque é que os quilomicra nunca atingem altas concentrações plasmáticas mesmo quando a refeição é muito rica em gorduras, o tempo que uma dada partícula de quilomicra permanece no plasma é apenas de alguns minutos. Pelo contrário, as lípases de lipoproteínas são muito menos ativas relativamente aos triacilgliceróis das VLDL e admite-se que cada partícula de VLDL permanece no plasma durante algumas horas. Assim, a maior parte dos triacilgliceróis do plasma está, em todas as condições metabólicas, associada às VLDL e quando, no período pós-prandial, a concentração dos quilomicra aumenta, também aumenta a concentração plasmática dos triacilgliceróis das VLDL. A razão deste aumento está relacionada com a competição entre os quilomicra e as VLDL pelo mesmo local de ligação na lípase de lipoproteínas: o aumento da concentração dos triacilgliceróis dos quilomicra inibe a hidrólise dos triacilgliceróis das VLDL. Assim, apesar de a atividade da lípase de lipoproteínas do tecido adiposo estar aumentada no período pós-prandial, a concentração plasmática de triacilgliceróis (incluindo a dos triacilgliceróis ligados às VLDL) também está aumentada no mesmo período.

2.6.d– A ação ativadora da insulina na captação e esterificação dos ácidos gordos nos adipócitos

Apesar de a hidrólise dos triacilgliceróis pela lípase lipoproteínas do tecido adiposo ocorrer no plasma sanguíneo, os ácidos gordos que, no período pós-prandial, resultam dessa hidrólise não ficam no plasma sendo rapidamente captados pelos adipócitos. Essa rápida captação também é causada pelo aumento da insulina: a insulina estimula enzimas e transportadores membranares que criam condições para que os acis-CoA formados a partir dos ácidos gordos pela ação de sintétases de acil-CoA (ver Equação 47) sejam rapidamente consumidos no processo de esterificação.

Como já referido, o glicerol-3-fosfato é um dos substratos deste processo de esterificação (ver Equação 52) e é sintetizado a partir da glicose. Nos adipócitos, tal como acontece nos músculos, a insulina provoca a mobilização de vesículas contendo GLUT4 para a membrana, desta forma aumentando a entrada de glicose. A glicose, via glicólise, converte-se em dihidroxiacetona-fosfato que sobre redução a glicerol-3-fosfato por ação da desidrogénase do glicerol-3-fosfato (ver Equação 54). Assim, a estimulação da esterificação pela insulina envolve a estimulação indireta da formação de glicerol-3-fosfato.

Uma outra ação da insulina (mediada pelo fator de transcrição SREBP-1c) é a estimulação da síntese da acil-transférase do glicerol-3-fosfato, a enzima que catalisa a adição do primeiro ácido gordo ao glicerol-3-fosfato no processo de síntese de triacilgliceróis (ver Equação 72). O consumo intracelular dos ácidos gordos na síntese de triacilgliceróis cria o gradiente que permite a sua entrada contínua para os adipócitos: apesar de se formarem no lúmen dos capilares (ação da lípase de lipoproteínas) os ácidos gordos não permanecem no plasma e entram para os adipócitos. Equação 72 glicerol-3-fosfato + acil-CoA → 1-monoacilglicerol-3-fosfato + CoA

2.6.e– A formação dos quilomicra remanescentes e a captação hepática

À medida que a lípase de lipoproteínas vai atuando nos quilomicra, o miolo destas lipoproteínas vai-se esvaziando dos triacilgliceróis. Ao mesmo tempo, as apo C e as apo A, assim como fosfolipídeos e colesterol, que estavam na periferia dos quilomicra, vão passando para as HDL. Este processo leva à conversão dos quilomicra em “quilomicra remanescentes”, que vão ser captados pelo fígado (endocitose mediada por recetor). Os quilomicra remanescentes, para além de apo B48 e de uma parte dos triacilgliceróis e outros lipídeos (nomeadamente os ésteres de colesterol), conservam as apo E que são ligandos de dois tipos de recetores presentes nos hepatócitos: os recetores das LDL e as LRP (LDL recetor related protein). Da interação dos

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quilomicra remanescentes com os recetores hepáticos resulta a sua endocitose. Os recetores são “reciclados” regressando à membrana dos hepatócitos enquanto os componentes lipídicos e proteicos dos quilomicra remanescente sofrem hidrólise nos lisossomas. Os produtos dessa hidrólise podem ser usados em múltiplos processos incluindo a re-síntese de VLDL.

3– Metabolismo no período pós-absortivo Diz-se que um indivíduo se encontra no período pós-absortivo quando a absorção de

alimentos já terminou há algumas horas (há cerca de 4 a 8 horas). É um estado de jejum de curta duração (10-14 horas). Tendo em conta os hábitos mais comuns na população europeia, poderá dizer-se que um individuo se encontra neste estado quando jantou por volta das 20 h, não comeu nada antes de se deitar e por volta das 8 da manhã ainda não tomou o pequeno-almoço. Este estado é caracterizado pela ausência de alimentos no tubo digestivo e por existir mobilização das reservas de glicogénio do fígado e de gorduras do tecido adiposo. Relativamente ao estado pós-prandial a oxidação de ácidos gordos está aumentada e a de glicose diminuída.

No período pós-absortivo o coeficiente respiratório pode ser da ordem de 0,85 a 0,80. Admitindo que 10% da despesa energética do organismo é suportada pela oxidação de aminoácidos e que os restantes 90% estão igualmente distribuídos entre as gorduras e a glicose, o coeficiente respiratório seria de 0,85; se esta última distribuição for desigual e a despesa energética correspondente à oxidação de gorduras (60% da despesa) corresponder ao dobro da que corresponde à oxidação de glicose (30% da despesa) o coeficiente respiratório seria de 0,80.

No período pós-absortivo, a concentração plasmática de insulina está diminuída e a de glicagina aumentada (a razão [insulina]/[glicagina] está diminuída). A glicemia e os triacilgliceróis plasmáticos encontram-se em níveis basais e é neste período que, em geral, se colhe sangue para fazer análises na rotina clínica.

A glicemia varia relativamente pouco ao longo de um dia mas, no período pós-absortivo, quer a glicose quer a insulina plasmáticas atingem um mínimo. A síntese e a libertação de insulina nas células β dos ilhéus pancreáticos é estimulada pela glicose e, porque a glicemia está baixa, a concentração plasmática de insulina também está baixa. Pelo contrário, a concentração dos ácidos gordos livres plasmáticos (NEFA; non esterified fatty acids) têm, no período pós-absortivo, um valor elevado, um valor que pode ser cerca de 10 vezes superior ao do período pós-prandial.

3.1 – Metabolismo glicídico no período pós-absortivo No período pós-absortivo o organismo consome muito menos glicose que no período pós-

prandial, cerca de 8g/h. Isto resulta, em parte, da ausência de armazenamento de glicogénio, mas também de uma diminuição da oxidação da glicose e da sua conversão em lactato e noutros derivados. As conversões em glicerol-3-fosfato (que ocorria no tecido adiposo) e em palmitato (que podia ocorrer no fígado e tecido adiposo) são nulas no período pós-absortivo.

No período pós-absortivo, a oxidação da glicose é responsável por cerca de 30-40% da despesa energética do organismo o que corresponde, admitindo estado de repouso, a uma velocidade de oxidação de glicose da ordem das 6 g/h; ou seja, cerca de 75% da glicose que está a ser consumida no organismo está a ser oxidada a CO2. Cerca de metade da glicose consumida pelo organismo corresponde à oxidação completa da glicose a CO2 num único órgão: o cérebro (cerca de 4 g/h). O cérebro praticamente não oxida ácidos gordos e, ao contrário do que acontece no jejum prolongado, a síntese e a oxidação dos corpos cetónicos é ainda incipiente no período pós-absortivo representando cerca de 8% da despesa energética total; ver Capítulo 3.4.b.3. A parte da glicose consumida pelo organismo que não é oxidada no cérebro (cerca de 4 g/h) está a ser oxidada a CO2 noutros órgãos e a ser cindida a lactato, sobretudo nos eritrócitos e nos músculos; nos músculos parte da glicose não se converte em lactato: oxida-se a piruvato que, por transaminação, se converte em alanina.

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Apesar de o organismo estar a consumir glicose a uma velocidade de cerca de 8 g/hora e de não haver absorção de glicose no intestino, a glicemia mantêm-se estável porque uma quantidade igual está a ser produzida endogenamente. Cerca de ¾ da produção endógena de glicose está a ocorrer no fígado (cerca de 6 g/h) e ¼ (cerca de 2 g/h) está a ser produzida no rim. (O fígado e o rim são os órgãos que contêm glicose-6-fosfátase, a “última” enzima das vias da gliconeogénese e da glicogenólise; ver Equação 73.) No fígado, o contributo da glicogenólise (cerca de 4 g/h) pode corresponder a mais de metade da glicose aí produzida. A gliconeogénese é responsável por cerca de metade da produção global de glicose sendo que metade da glicose produzida por esta via ocorre no fígado (cerca de 2 g/h) e a outra metade no rim (também cerca de 2 g/h). (A glicogenólise renal é diminuta porque os rins quase não acumulam glicogénio.)

Os principais substratos da gliconeogénese hepática são o lactato que vem dos eritrócitos e dos músculos, a alanina que vem dos músculos e também do intestino (via conversão da glutamina que, por sua vez, vem dos músculos), outros aminoácidos que têm origem na proteólise que decorre em vários órgãos e tecidos e o glicerol que resulta da lipólise que decorre no tecido adiposo. Os principais substratos da gliconeogénese renal são a glutamina e outros aminoácidos que provêm principalmente dos músculos.

Equação 73 glicose-6-fosfato + H2O → glicose + Pi

3.2 – A ativação da degradação do glicogénio hepático no período pós-absortivo No período pós-absortivo, o fígado é, como já referido, o órgão que mais glicose produz

(cerca de 6 g/h) e cerca de 2/3 da glicose produzida no fígado provém da degradação do glicogénio (cerca de 4 g/hora). Ao contrário do que acontece no período pós-prandial, a glicogenólise está estimulada e a glicogénese inibida. No período pós-absortivo, sobretudo devido à baixa da insulina, a razão entre as concentrações de glicagina e de insulina sobe no plasma: assim, a insulina não pode contrariar as ações da glicagina e a glicogenólise fica estimulada.

Em concentrações fisiológicas, a glicagina só atua no fígado; o seu efeito resulta da sua ligação a recetores que se situam na face exterior da membrana dos hepatócitos e esta ligação provoca a ativação da cíclase do adenilato (ver Equação 58). Isto leva ao aumento da concentração celular de AMP cíclico que ativa a PKA que, por sua vez, vai ativar a cínase da fosforílase catalisando a sua fosforilação (ver Equação 74). Uma das ações da cínase da fosforílase é catalisar a fosforilação e consequente ativação da fosforílase do glicogénio (ver Equação 27). Nestes processos a PKA (ativada pelo AMP cíclico) promove, diretamente, a conversão cínase b da fosforílase → cínase a da fosforílase e, indiretamente, a conversão fosforílase b → fosforílase a.

Equação 74 cínase b da fosforílase + ATP → cínase a da fosforílase + ADP

A ação da fosforílase é a de catalisar a fosforólise do glicogénio, ou seja, a formação de

glicose-1-fosfato subtraindo um resíduo de glicose à estrutura do glicogénio (ver Equação 23). Os outros passos da glicogenólise hepática são a isomerização da glicose-1-fosfato a glicose-6-fosfato (ver Equação 7) e a hidrólise da glicose-6-fosfato (glicose-6-fosfátase; ver Equação 73); a glicose formada sai para o plasma via GLUT2. A sequência é glicogénio → glicose-1-fosfato → glicose-6-fosfato → glicose. (Uma outra enzima envolvida na glicogenólise e que completa a ação das enzimas referidas acima é a enzima desramificante.)

A PKA também catalisa a fosforilação (e, consequentemente, a inativação) da fosfátase 1 de proteínas (ver Equação 75) e da síntase do glicogénio (ver Equação 28) destas formas prejudicando a síntese de glicogénio e favorecendo a glicogenólise (ver Capítulo 2.2.e). A síntase do glicogénio fica predominantemente na sua forma fosforilada (e inativa) não só porque a atividade da fosfátase 1 de proteínas está baixa, mas também porque, para além da fosforílase, um

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dos substratos da cínase da fosforílase é a síntase do glicogénio (que fosforilada fica inativa; ver Equação 28).

Como referido no Capítulo 2.2.e, uma das ações da insulina era a de inativar a cínase 3 da síntase do glicogénio; no estado pós-absortivo a insulina está baixa e por isso a cínase 3 da síntase do glicogénio está ativa catalisando a fosforilação e consequente inativação da síntase do glicogénio (ver Equação 28). Equação 75 fosfátase 1 de proteínas ativa(desfosforilada) + ATP → fosfátase 1 de proteínas inativa(fosforilada) + ADP

3.3– A gliconeogénese contribui para a produção endógena de glicose A degradação do glicogénio hepático não é a única forma de produzir glicose. Como

referido acima, cerca de metade da glicose produzida endogenamente (no fígado e rim) durante o período pós-absortivo provém da gliconeogénese.

3.3.a – A proteólise endógena no período pós-absortivo e o metabolismo dos aminoácidos libertados

Já foi referido que, no período pós-prandial, os aminoácidos da dieta podem ser usados como substratos da gliconeogénese (ver Capítulo 2.5.d). Durante o período pós-absortivo, a massa de proteínas acumulada no período pós-prandial, vai degradar-se. Ou seja, no período pós-absortivo, o balanço entre a proteólise (aumentada) e a síntese proteica (diminuída) favorece a diminuição da massa de proteínas endógenas o que resulta na libertação de aminoácidos. Esses aminoácidos podem ser diretamente oxidados a CO2, mas os aminoácidos glicogénicos (e os “simultaneamente glicogénicos e cetogénicos”), porque são substratos da gliconeogénese, também podem contribuir para a produção endógena de glicose.

A insulina tem um efeito anabólico nas proteínas (aumenta a síntese e diminui a degradação) mas, no período pós-absortivo, porque a insulina está baixa, há perda na massa de proteínas endógenas, nomeadamente de proteínas musculares. A degradação líquida de proteínas musculares leva à libertação líquida de aminoácidos (dos músculos para o plasma) entre os quais se destaca quantitativamente a glutamina. Como referido no Capítulo 2.5.f, a glutamina pode, nos músculos resultar da transformação de outros aminoácidos, nomeadamente dos ácidos ramificados. A glutamina passa para o plasma sendo captada no intestino e no rim.

No rim, o esqueleto carbonado da glutamina pode acabar por converter-se em glicose porque a glutamina é, em última análise, um substrato da gliconeogénese (é um aminoácido glicogénico). Esta conversão ocorre via conversão da glutamina em glutamato (glutamínase; ver Equação 67), do glutamato em α-cetoglutarato (ver Equações 62-63), deste em oxalacetato (enzimas do ciclo de Krebs), do oxalacetato em fosfoenolpiruvato (ver Equação 14); o fosfoenolpiruvato é um intermediário da gliconeogénese.

No enterócitos, tal como acontece com a glutamina da dieta, a glutamina formada endogenamente converte-se em alanina (ver Capítulos 2.2.e e 5.1.a) que é substrato da gliconeogénese hepática.

3.3.b – Os ciclos do lactato e da alanina

Embora os aminoácidos resultantes da proteólise endógena sejam importantes substratos da gliconeogénese, a maior parte da glicose produzida via gliconeogénese hepática (que, por si só, representa metade da gliconeogénese do organismo) resulta de reciclagem dos carbonos da glicose nos ciclos do lactato (ou de Cori) e da alanina.

O ciclo de Cori envolve os eritrócitos, os músculos e o fígado. A fase catabólica do ciclo de Cori ocorre nos eritrócitos e nos músculos e consiste na cisão da glicose a lactato (ver Equação 5).

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Este lactato vai ser captado no fígado e, por ação da desidrogénase do lactato, converte-se em piruvato (ver Equação 4). Como já referido, duas moléculas de lactato podem originar uma de glicose-6-fosfato (ver Equação 21) e a glicose-6-fosfato pode ser hidrolisada formando glicose (glicose-6-fosfátase; ver Equação 73) que sai para o plasma. A conversão hepática do lactato em glicose (gliconeogénese) é a fase anabólica do ciclo de Cori (ver Equação 76). Visto na sua globalidade, o ciclo de Cori é um ciclo de substrato que consome ATP: por molécula de glicose convertida em lactato nos eritrócitos (ou nos músculos) formam-se duas “ligações ricas em energia” mas, no fígado, a formação de glicose gasta seis “ligações ricas em energia” (duas do GTP e quatro do ATP). A Equação 5 e a Equação 76 descrevem, respetivamente, os somatórios dos processos reativos que, nos eritrócitos e nos músculos, convertem uma molécula de glicose em 2 de lactato e que, no fígado, convertem 2 moléculas de lactato numa molécula de glicose. Globalmente o ciclo de Cori pode ser entendido como um ciclo de substrato4 que permite reciclar glicose poupando proteínas: a glicose que é cindida a lactato nos eritrócitos e nos músculos pode ser re-sintetizada a partir do lactato; ou seja, parte da glicose que é consumida pelos eritrócitos e pelos músculos não implica a conversão de aminoácidos em glicose.

Equação 76 2 lactato + 2 GTP + 4 ATP + 6 H2O → glicose + 2 GDP + 4 ADP + 6 Pi

Outro ciclo com características algo semelhantes ao ciclo de Cori é o ciclo da alanina, um

ciclo de substrato que envolve os músculos (fase catabólica) e o fígado (fase anabólica). Neste ciclo a glicose oxida-se a piruvato nos músculos e este, aceitando o grupo amina do glutamato (transamínase da alanina; ver Equação 61) converte-se em alanina que sai para o plasma; a alanina é captada no fígado, forma piruvato (ver Equação 61) e acaba convertendo-se em glicose (gliconeogénese hepática). A Equação 77 e a Equação 78 descrevem, respetivamente, os somatórios dos processos reativos que, nos músculos, convertem uma molécula de glicose em 2 de alanina e que, no fígado, convertem 2 moléculas de alanina numa molécula de glicose. Tal como o ciclo de Cori, o ciclo da alanina também recicla glicose e também consome mais “ligações ricas em energia” no fígado do que as que se formam nos músculos (ver nota de rodapé nº 4). (Diferentemente do ciclo de Cori, o ciclo da alanina permite o transporte de azoto do músculo para o fígado: no fígado, o grupo amina da alanina acaba por gerar ureia, via transferência prévia desse grupo para o α-cetoglutarato e a consequente formação de glutamato; ver Equação 61.)

Equação 77 glicose + 2 glutamato + 2 ADP + 2 Pi + 2 NAD+ → 2 alanina + 2 α-cetoglutarato + 2 ATP + 2 H2O + 2 NADH Equação 78 2 alanina + 2 α-cetoglutarato + 2 GTP + 4 ATP + 6 H2O + 2 NADH → glicose + 2 glutamato + 2 GDP + 4 ADP + 6 Pi + 2 NAD+

3.3.c – A gliconeogénese e a sua regulação

No período pós-absortivo, a gliconeogénese contribui para cerca de metade da glicose produzida endogenamente e quer o fígado quer o rim são igualmente relevantes na formação de glicose via gliconeogénese (cerca de 2 g/h cada um dos órgãos). No entanto, a regulação da gliconeogénese está muito melhor estudada no fígado que no rim. Na gliconeogénese existem 4 reações fisiologicamente irreversíveis cujas enzimas são ativadas pela glicagina e/ou inibidas pela insulina: estas reações são as que são catalisadas pela carboxílase do piruvato (ver Equação 13), pela carboxicínase do fosfoenolpiruvato (ver Equação 14), pela frutose-1,6-bisfosfátase (ver Equação 19) e pela glicose-6-fosfátase (ver Equação 73). Estas enzimas são frequentemente

4 Um ciclo de substrato é um ciclo em que o somatório de todas as reações é a hidrólise de “ligações ricas em energia”. De facto se somarmos as reações que ocorrem no fígado com as que ocorrem no músculo (ou nos eritrócitos) a equação soma dos ciclos de Cori e da alanina é, em ambos os casos: 2 GTP + 2 ATP + 4 H2O → 2 GDP + 2 ADP + 4 Pi.

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denominadas “enzimas próprias da gliconeogénese” porque, ao contrário de todas as outras que participam no processo de conversão do lactato em glicose, catalisam reações fisiologicamente irreversíveis, não são comuns à glicólise e é ao nível destas enzimas que a gliconeogénese é regulada.

As ações sequenciadas da carboxílase do piruvato e da carboxicínase do fosfoenolpiruvato convertem piruvato em fosfoenolpiruvato opondo-se à ação da cínase do piruvato que, na glicólise, converte fosfoenolpiruvato em piruvato (ver Equação 41). A frutose-1,6-bisfosfátase catalisa a conversão da frutose-1,6-bisfosfato em frutose-6-fosfato opondo-se à ação da cínase 1 da frutose-6-fosfato que, na glicólise, converte frutose-6-fosfato em frutose-1,6-bisfosfato (ver Equação 40). A glicose-6-fosfátase que, no último passo da gliconeogénese, catalisa a formação de glicose opõe-se à ação da hexocínase IV que catalisa a fosforilação da glicose a glicose-6-fosfato (ver Equação 6).

Quando a glicemia é baixa e a glicagina está aumentada, o fígado, em termos líquidos sintetiza glicose a partir de substratos da gliconeogénese. Embora continue a ocorrer entrada de glicose para os hepatócitos e incorporação de átomos que pertenciam à glicose no piruvato (glicólise), o processo contrário (a gliconeogénese) predomina quer nos hepatócitos perivenosos quer nos periportais. No período pós-absortivo, o balanço entre a degradação de glicose e a conversão anabólica de piruvato a glicose (gliconeogénese) favorece este último processo em todos os hepatócitos independentemente da sua localização no lóbulo hepático.

3.3.c.1 – O papel da oxidação dos ácidos gordos na regulação da gliconeogénese

A gliconeogénese é um processo anabólico e, se pensarmos na formação de uma molécula de glicose a partir de duas de lactato ou de alanina, gastam-se seis ligações ricas em energia por molécula de glicose formada: duas do ATP na ação da carboxílase do piruvato (ver Equação 13), duas do GTP5 na ação da carboxicínase do fosfoenolpiruvato (ver Equação 14) e duas do ATP na ação da cínase do 3-fosfoglicerato (ver Equação 15). Isto significa que é necessário oxidar combustíveis para que a gliconeogénese possa funcionar. No período pós-absortivo, a libertação de ácidos gordos está ativada no tecido adiposo e a sua oxidação está ativada no fígado sendo esta oxidação um importante contribuinte para a formação do ATP hepático. De facto, embora a oxidação de aminoácidos possa contribuir para fornecer energia para a gliconeogénese (ver Anexo; Capítulo 5.1), quando há défices congénitos na enzimas da oxidação em β, a síntese do ATP necessário para a gliconeogénese fica prejudicada havendo risco de hipoglicemia grave. A oxidação de ácidos gordos no fígado ativa a gliconeogénese e, para além do referido nas linhas anteriores, há outro fator que também pode ajudar a compreender esta ativação. A carboxílase do piruvato (ver Equação 13) é uma enzima mitocondrial que é ativada (ativação alostérica) pela acetil-CoA e a concentração intramitocondrial de acetil-CoA aumenta no período pós-absortivo quando a oxidação em β fica ativada. (A oxidação em β é um processo mitocondrial que converte acis-CoA em unidades de acetil-CoA; ver Capítulo 3.4.a). A esmagadora maioria dos ácidos gordos são de cadeia par e não são substratos da gliconeogénese, mas a sua oxidação estimula a gliconeogénese.

3.3.c.2 – O papel da insulina e da glicagina na síntese de “enzimas próprias da gliconeogénese”

Um outro fator que estimula a gliconeogénese é a síntese das enzimas glicose-6-fosfátase e de carboxicínase do fosfoenolpiruvato, duas das “enzimas próprias da gliconeogénese”. Quando a razão entre as concentrações plasmáticas de glicagina e de insulina está aumentada, estas enzimas são sintetizadas em maior quantidade porque, a glicagina, no fígado, estimula a sua síntese e a insulina, no fígado e no rim, tem o efeito contrário.

5 O GTP pode formar-se por ação da cínase de nucleosídeos difosfatos (ATP + NTP ↔ ADP + NDP) o que corresponde a dizer que o gasto de GTP corresponde, em última análise, a gasto de ATP. NTP e NDP significam, respetivamente, um qualquer nucleosídeo trifosfato e um qualquer nucleosídeo difosfato.

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3.3.c.3– O papel da insulina e da glicagina na regulação da enzima bifuncional e papel desta enzima na regulação da gliconeogénese hepática

A conversão da frutose-6-fosfato em frutose-1,6-fosfato pela ação da cínase 1 da frutose-6-fosfato (ver Equação 40) e a hidrólise da frutose-1,6-fosfato pela frutose-1,6-bisfosfátase (ver Equação 19) constituem um ciclo de substrato sendo que a conversão líquida de glicose em piruvato ou lactato (glicólise) ou a conversão dos substratos da gliconeogénese em glicose dependem das atividades destas duas enzimas. Quando a atividade da fosfátase é maior que a da cínase há formação líquida de glicose a partir de substratos da gliconeogénese; a condição contrária implica conversão líquida de glicose em lactato ou em CO2. Já foi referido que, no fígado, a atividade da cínase 1 da frutose-6-fosfato aumenta quando a enzima bifuncional está no estado desfosforilado e catalisa a formação de frutose-2,6-bisfosfato porque este composto é um ativador da cínase 1 da frutose-6-fosfato (ver Capítulo 2.2.g.2). No mesmo Capítulo foi também referido que a insulina favorece a desfosforilação da enzima bifuncional, desta forma ativando a glicólise hepática. Para além de ser um ativador da cínase 1 da frutose-6-fosfato, a frutose-2,6-bisfosfato é também um inibidor da frutose-1,6-bisfosfátase e por isso quando a sua concentração diminui fica ativada a conversão líquida dos substratos da gliconeogénese em glicose.

No fígado, a glicagina (via adenilcíclase e PKA) leva à fosforilação da enzima bifuncional que, no estado fosforilado, deixa de funcionar como cínase 2 da frutose-6-fosfato (deixa de sintetizar frutose-2,6-bisfosfato) e passa a funcionar como fosfátase da frutose-2,6-bisfosfato levando a diminuição da concentração intracelular de frutose-2,6-bisfosfato. Na ausência de frutose-2,6-bisfosfato, a fosfátase da frutose-1,6-bisfosfato deixa de estar inibida e a gliconeogénese fica estimulada.

3.3.c.4 - O glicerol como substrato da gliconeogénese e a regulação da sua libertação pela diminuição da insulina

Para além do lactato, da alanina e de outros aminoácidos, também o glicerol contribui como substrato para as gliconeogéneses hepática e renal. No período pós-absortivo, a lipólise que ocorre no citoplasma dos adipócitos está aumentada e o glicerol é, juntamente com os ácidos gordos, um dos produtos da hidrólise dos triacilgliceróis (ver Equação 55). Esta lipólise é negativamente regulada pela insulina e quando, no período pós-absortivo, a concentração plasmática de insulina baixa, a produção endógena de glicerol (e de ácidos gordos livres) aumenta. Ao contrário do que acontece nos adipócitos e noutras células do organismo, a cínase do glicerol está presente no fígado e rim, catalisando a fosforilação do glicerol a glicerol-3-fosfato (ver Equação 53). A ação desta enzima cria um gradiente entre o plasma e o interior dos hepatócitos e das células dos túbulos renais que favorece a entrada de glicerol. No fígado e rim, o glicerol-3-fosfato formado origina glicose numa gliconeogénese “mais curta” que a do lactato e a da alanina e dos outros aminoácidos. Neste processo intervém a desidrogénase do glicerol-3-fosfato (ver Equação 54) que catalisa a formação de dihidroxiacetona-fosfato, um intermediário da gliconeogénese.

Na conversão do glicerol em glicose a sequência de conversões pode ser descrita como ocorrendo em 3 etapas. A sequência da primeira etapa é a seguinte: 2 glicerol → 2 glicerol-3-fosfato → 2 dihidroxiacetona-fosfato. Na segunda etapa uma das duas moléculas de dihidroxiacetona-fosfato sofre isomerização a gliceraldeído-3-fosfato (ver Equação 17) e, por ação da aldólase, a molécula de dihidroxiacetona-fosfato sobrante reage com uma de gliceraldeído-3-fosfato gerando uma molécula de frutose-1,6-bisfosfato (ver Equação 18). A última etapa (frutose-1,6-bisfosfato → frutose-6-fosfato → glicose-6-fosfato → glicose) ocorrem as ações sequenciadas da frutose-1,6-bisfosfátase (ver Equação 19), da isomérase das hexoses-fosfato (ver Equação 20) e da glicose-6-fosfátase (ver Equação 73).

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3.4 – A seleção de nutrientes nos diferentes tecidos e órgãos no período pós-absortivo

No período pós-absortivo, o cérebro praticamente só consome glicose e oxida (a CO2) cerca de metade da glicose que está a ser consumida no organismo como um todo e 70% a 80% da que está a ser oxidada. Algumas células não têm ou são muito pobres em mitocôndrias e, nestes casos, a síntese de ATP é maioritariamente obtida através da glicólise anaeróbia (que não é globalmente um processo oxidativo). Os eritrócitos e a medula renal consomem glicose e libertam para o plasma sanguíneo o lactato formado; nos eritrócitos e nas células da medula renal a oxidação de nutrientes ou é inexistente (eritrócitos) ou não tem relevância (medula renal).

3.4.a – No período pós-absortivo a oxidação dos ácidos gordos e, em muito menor grau, a de corpos cetónicos estão aumentadas

No período pós-absortivo, os músculos, quer quando estão em repouso, quer quando os exercícios são aeróbicos e de baixa intensidade, obtêm a maior parte do ATP via oxidação dos ácidos gordos e, em muito menor grau, via oxidação de corpos cetónicos, o β-hidroxibutirato e o acetoacetato. No mesmo período, o fígado obtém a maior parte da energia via oxidação dos ácidos gordos, mas também pode oxidar aminoácidos que resultam da proteólise endógena. O fígado não contém a “enzima ativadora do acetoacetato” (a transférase de CoA do acetoacetato e do succinil-CoA; ver Equação 79) e, por isso, não oxida corpos cetónicos.

Equação 79 succinil-CoA + acetoacetato → succinato + acetoacetil-CoA

A equação que descreve o somatório dos processos reativos que correspondem à oxidação

em β mitocondrial do palmitil-CoA (escolhido como exemplo de um ácido gordo ativado) é a Equação 80. As equações que descrevem o somatório dos processos que correspondem à oxidação completa (a CO2) do palmitato, do β-hidroxibutirato e do acetoacetato, incluindo a oxidação das moléculas de acetil-CoA formadas (ciclo de Krebs) e a síntese de ATP que lhe está acoplada são, respetivamente, a Equação 81, a Equação 82 e a Equação 83.

Equação 80 palmitil-CoA + 7 FAD + 7 NAD+ + 7 CoA + 7 H2O →

8 acetil-CoA + 7 FADH2 + 7 NADH Equação 81 palmitato (C16H32O2) + 23 O2 + 106 ADP + 106 Pi →

16 CO2 + 106 ATP + 122 H2O Equação 82 β-hidroxibutirato (C4H8O3) + 4,5 O2 + 21,5 ADP + 21,5 Pi →

4 CO2 + 21,5 ATP + 25,5 H2O Equação 83 acetoacetato (C4H6O3) + 4 O2 + 19 ADP + 19 Pi → 4 CO2 + 19 ATP + 22 H2O

O coeficiente respiratório é a razão entre o número de moles de CO2 excretado e de O2

consumido no organismo e, como já referido, no período pós-abortivo pode ser da ordem de 0,8-0,85. Admitindo que 10-16% da despesa energética corresponde a oxidação de aminoácidos, coeficientes respiratórios desta ordem de grandeza significam que, na despesa energética sobrante (84-90% do total), a razão entre as despesas associadas à oxidação das gorduras e a de hidratos de carbono pode variar entre 2 e 1. Pode parecer estranho que, no período pós-absortivo, a oxidação da glicose possa chegar a representar 45% da despesa energética total, mas a razão é simples: quando o indivíduo está em repouso, o cérebro é responsável por cerca de 25% da despesa energética total e, no período pós-absortivo, o cérebro continua a oxidar quase exclusivamente glicose. De qualquer forma, a oxidação de ácidos gordos, que pode ser praticamente zero no período pós-prandial, aumenta no período pós-absortivo para valores que podem representar 40 a 60% da despesa energética total.

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Os corpos cetónicos são sintetizados (no fígado) a partir dos ácidos gordos e a sua oxidação é, em última análise, uma forma indireta de oxidar ácidos gordos. Por isso, os valores apontados no parágrafo anterior para a oxidação dos ácidos gordos é um somatório onde a oxidação dos corpos cetónicos já está incluída. Quando o jejum se prolonga, os corpos cetónicos β-hidroxibutirato e acetoacetato passam a ser importantes combustíveis em muitos órgãos (cérebro incluído) mas, quando o tempo de jejum é de apenas 10-14 horas, a produção e a oxidação de corpos é ainda pouco relevante. No período pós-absortivo a despesa energética associada à oxidação de corpos cetónicos pode ser da ordem de 8% do total; ou seja, cerca de 10-20% da despesa que atribuímos aos ácidos gordos poderão corresponder a oxidação direta de corpos cetónicos.

3.4.b – Mecanismos envolvidos na estimulação da oxidação dos ácidos gordos e da síntese hepática de corpos cetónicos no período pós-absortivo.

Um fator comum que, nos músculos esqueléticos, no músculo cardíaco e no fígado, explica o aumento da oxidação dos ácidos gordos (oxidação em β) no período pós-absortivo é o aumento da oferta de ácidos gordos aos tecidos. Já foi referido (ver Capítulo 2.4.a) que, aquando do jejum matinal, a concentração plasmática de ácidos gordos é geralmente superior a 0,5 mM, um valor cerca de 10 vezes superior ao que é observado no período pós-prandial. Também já foi mencionado (no mesmo Capítulo2.4.a) que a elevação da concentração de ácidos gordos livres pode ser explicada pela diminuição da concentração da insulina plasmática. Quando a insulina está baixa, o efeito estimulador das catecolaminas na lipólise que ocorre no citoplasma dos adipócitos (ver Equação 55) não é contrariado. A insulina prejudica a ação das catecolaminas porque estimula a fosfodiestérase (ver Equação 59) diminuindo a concentração de AMP cíclico e, consequentemente, as atividades da PKA que, via fosforilação da lípase hormono-sensível e da perilipina (ver Equação 56 e Equação 57), estimulam a hidrólise dos triacilgliceróis armazenados nos adipócitos; no período pós-absortivo, a baixa da insulina explica que essa hidrólise e a consequente formação de ácidos gordos estejam aceleradas. Por outro lado, uma outra classe de efeitos da insulina (estimulação da entrada de glicose para os adipócitos e estimulação da acil-transférase do glicerol-3-fosfato; ver Equação 72) leva ao aumento da esterificação dos ácidos gordos (ver Capítulo 2.6.d) e, neste caso, a baixa da insulina explica que este processo tenha pouca relevância no período pós-absortivo. Assim, neste período, o balanço dos dois processos antagónicos leva a um aumento da libertação de ácidos gordos livres para o plasma e a um aumento da sua concentração no sangue. Estes ácidos gordos vão entrar para as células do organismo, vão ser ativadas a acis-CoA por ação de sintétases de acil-CoA (ver Equação 47) e são substratos da carnitina-palmitil transférase 1 (ver Equação 60), a enzima com maior importância na regulação da oxidação em β.

3.4.b.1– Fatores reguladores intracelulares que, no período pós-absortivo, estimulam a oxidação de ácidos gordos nos músculos

Quando, no Capítulo 2.4.b, se abordaram os mecanismos que, nos músculos, fazem diminuir a oxidação dos ácidos gordos no período pós-prandial ficaram implícitos os mecanismos que, no período pós-absortivo, explicam a aceleração da sua oxidação. Resumidamente, estes mecanismos envolvem o aumento da oferta de acis-CoA para a atividade da carnitina-palmitil transférase 1 (ver Equação 60) e a inibição da carboxílase de acetil-CoA, a enzima que catalisa a formação de malonil-CoA (ver Equação 45), um potente inibidor alostérico da carnitina-palmitil transférase 1. No período pós-absortivo a concentração de malonil-CoA baixa no sarcoplasma e, por isso, a carnitina-palmitil transférase 1 e a oxidação em β ficam “desinibidas”. A diminuição de atividade da carboxílase de acetil-CoA pode ser explicada pela sua inibição alostérica pelos acis-CoA (que estão aumentados) e pela diminuição do citrato. No período pós-absortivo, o citrato diminui de concentração no sarcoplasma e, por isso, deixa de ativar (ativação alostérica) a carboxílase de acetil-CoA.

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3.4.b.2 – Fatores reguladores intracelulares que, no período pós-absortivo, estimulam a oxidação de ácidos gordos no fígado

Também quando, no Capítulo 2.4.c, se abordaram os mecanismos que, no fígado, fazem diminuir a oxidação dos ácidos gordos no período pós-prandial ficaram implícitos alguns dos mecanismos que, no período pós-absortivo, explicam a aceleração da sua oxidação. No entanto, alguns aspetos dessa regulação não foram ainda referidos e serão detalhados neste Capítulo.

No fígado, para além da diminuição do citrato e do aumento de acis-CoA que são comuns aos músculos (ver Capítulo 3.4.b.1), também contribuem para a estimulação da oxidação em β outros mecanismos que envolvem o aumento da glicagina (cadeia de fosforilação de enzimas), assim como a diminuição da insulina e da glicemia (regulação a longo prazo).

A glicagina, que está aumentada no período pós-absortivo, provoca, através de um complexo sistema de sinalização intracelular (que é uma cadeia de fosforilações de diversas enzimas), a fosforilação e a consequente ativação de uma enzima denominada cínase de proteínas ativada pelo AMP (AMPK); ver Equação 84. A AMPK catalisa a fosforilação da carboxílase de acetil-CoA que, no estado fosforilado, fica inativada (ver Equação 85).

Equação 84 AMPK desfosforilada (inativa) + ATP → AMPK fosforilada (ativa) + ADP Equação 85 carboxílase de acetil-CoA desfosforilada (ativa) + ATP →

carboxílase de acetil-CoA fosforilada (inativa) + ADP Além disso, a baixa da insulina (via diminuição da síntese de SREBP-1c) e da concentração

intracelular de glicose (via diminuição da síntese de xilulose-5-fosfato e diminuição da atividade do ChREBP) vão provocar diminuição da transcrição do gene da carboxílase de acetil-CoA.

Assim, quer a fosforilação (ver Equação 85) quer a diminuição da síntese da carboxílase de acetil-CoA levam à diminuição da concentração de malonil-CoA e à consequente “desinibição” da carnitina-palmitil transférase 1 e da oxidação em β.

3.4.b.3 – Fatores que, no período pós-absortivo, estimulam a síntese de corpos cetónicos no fígado

No fígado, tal como noutros órgãos, o acetil-CoA formado na oxidação em β dos ácidos gordos pode, via ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa, levar à síntese de ATP (ver Equação 37). No entanto, o acetil-CoA só pode ser oxidado a uma velocidade que seja adequada para substituir o ATP que vai sendo hidrolisado e, no período pós-absortivo, o quadro hormonal e as concentrações intracelulares de citrato, acis-CoA e glicose não favorecem a sua conversão em malonil-CoA e a síntese de palmitato (ver Capítulo 2.3.a). No período pós-absortivo, existe um excesso de formação de acetil-CoA relativamente às necessidades do fígado e o acetil-CoA “sobrante” vai ser, neste órgão, consumido no ciclo do hidroximetilglutaril-CoA (ou de Lynen; ver Equações 86-88). O somatório das atividades catalíticas das enzimas deste ciclo é expresso pela Equação 89 e leva à formação de acetoacetato. Parte do acetoacetato formado é reduzido a β-hidroxibutirato e, quer o acetoacetato, quer o β- β-hidroxibutirato abandonam o fígado sendo oxidados noutros tecidos.

Equação 86 2 acetil-CoA → acetoacetil-CoA + CoA Equação 87 acetil-CoA + acetoacetil-CoA + H2O → hidroximetilglutaril-CoA + CoA Equação 88 hidroximetilglutaril-CoA → acetil-CoA + acetoacetato Equação 89 2 acetil-CoA + H2O → acetoacetato + 2 CoA Equação 90 acetoacetato + NADH ↔ β-hidroxibutirato + NAD+

O passo com maior importância na regulação da síntese de corpos cetónicos é o que é

catalisado pela síntase do hidroximetilglutaril-CoA (ver Equação 87). A síntese desta enzima é

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ativada pela glicagina e inibida pela insulina e, por isso, a síntese de corpos cetónicos é ativada aquando do jejum. As condições hormonais que ativam a síntese de corpos cetónicos são as mesmas que ativam a oxidação hepática de ácidos gordos e diminuem a oxidação de glicose. Por isso, o acetil-CoA que é utilizado como substrato para a síntese de corpos cetónicos provém maioritariamente da oxidação em β, mas também pode resultar do metabolismo de aminoácidos, nomeadamente do catabolismo de aminoácidos “cetogénicos”. A síntese de corpos cetónicos é muito relevante se o jejum se prolongar mas, no período pós-absortivo, o tempo de jejum é ainda demasiado curto. Excetuando os casos dos eritrócitos e a da medula renal, os corpos cetónicos podem ser oxidados em todos os tecidos do organismo (ver Equação 82 e Equação 83) mas, no período pós-absortivo, o somatório das concentrações plasmáticas de β-hidroxibutirato e acetoacetato é ainda muito baixo (cerca de 0,2 mM) o seu contributo para despesa energética global é ainda pequeno (menos de 10%). De qualquer forma esse contributo não é nulo (como no período pós-prandial) e o somatório das concentrações plasmáticas de β-hidroxibutirato e acetoacetato já aumentou cerca de 10 vezes relativamente ao período pós-prandial.

3.4.c– Mecanismos envolvidos na diminuição da oxidação da glicose no período pós-absortivo

Relativamente ao que se passa no período pós-prandial, no período pós-absortivo, o aumento da oxidação dos ácidos gordos é concomitante com a diminuição da oxidação da glicose e o fenómeno ocorre quer nos músculos quer no fígado. Em grande parte, os mecanismos que provocam esta diminuição já foram abordados quando, nos Capítulos 2.2.f e 2.2.g, se discutiu o aumento da oxidação da glicose no período pós-prandial e, nos Capítulos 3.3.c.2 e 3.3.c.3, se discutiram aspetos da regulação da gliconeogénese hepática.

3.4.c.1– Fatores que, no período pós-absortivo, contribuem para a diminuição da oxidação da glicose nos músculos

O exercício, por um mecanismo independente da insulina, provoca mobilização de GLUT4 para a membrana sarcoplasmática, desta forma estimulando a entrada de glicose para o sarcoplasma. No entanto, quando os músculos estão em repouso e a insulina é baixa, o número de transportadores GLUT4 na membrana sarcoplasmática e, consequentemente, as velocidades de entrada de glicose para o sarcoplasma e de consumo de glicose são baixas. O exercício físico, também por um mecanismo independente da insulina (via Ca2+), estimula a fosfátase da desidrogénase do piruvato (ver Equação 31) e, por essa via, a própria desidrogénase do piruvato (ver Equação 29). No entanto, na ausência de exercício, a atividade da desidrogénase do piruvato está inibida no período pós-absortivo. A insulina favorece a forma ativa (desfosforilada) da desidrogénase do piruvato, quer porque ativa a fosfátase da desidrogénase do piruvato, quer porque inibe a cínase da desidrogénase do piruvato (ver Equação 30) mas, no período pós-absortivo, a concentração plasmática de insulina está baixa.

Por si só, os ácidos gordos ou, mais provavelmente, derivados dos ácidos gordos (como os acis-CoA ou ceramidas) diminuem a sensibilidade das células à insulina. Estes derivados dos ácidos gordos aumentam nas células quando a insulina está baixa, a lipólise está acelerada nos adipócitos e os ácidos gordos (aumentados no plasma) entram em maior quantidade para dentro das células. Crê-se que um das causas da diminuição da sensibilidade à insulina é a interferência negativa de derivados dos ácidos gordos nos sistemas de sinalização insulínica.

3.4.c.2 – Fatores que, no período pós-absortivo, contribuem para a diminuição da degradação e oxidação da glicose no fígado

Os estudos com substâncias com átomos marcados isotopicamente mostram que, pelo menos no fígado, os processos de conversão de glicose em piruvato (glicólise) e de piruvato em

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glicose (gliconeogénese) ocorrem simultaneamente. No entanto, no período pós-absortivo, o balanço líquido dos dois processos favorece a gliconeogénese; no período pós-absortivo, o fígado é um produtor líquido de glicose e parte da glicose que sai para o sangue provém da gliconeogénese. Como já discutido no Capítulo 3.3.c isso deve-se à ativação de enzimas próprias da gliconeogénese, mas é provável que o maior contributo para o balanço líquido a favor da formação da glicose não resulte dessa ativação, mas sim da diminuição da degradação e oxidação de glicose nos hepatócitos.

No Capítulo 2.2.g foram discutidos os mecanismos que levam à aceleração da glicólise e da oxidação hepática da glicose quando a glicemia e a insulinemia estão aumentadas. Todos os processos que explicam o aumento da velocidade da degradação e da oxidação da glicose no período pós-prandial estão diminuídos no período pós-absortivo. Assim a fosforilação da glicose (pela hexocínase IV; ver Equação 6), a fosforilação da frutose-6-fosfato (pela cínase 1 da frutose-6-fosfato; ver Equação 40) e a conversão de fosfoenolpiruvato em piruvato (pela cínase do piruvato; ver Equação 41) são passos cujas enzimas estão menos ativas e condicionam uma diminuição na velocidade da glicólise hepática no período pós-absortivo. Os mecanismos envolvem a diminuição da glicemia, da insulina, da síntese da hexocínase IV e da cínase do piruvato e a diminuição da concentração citoplasmática de frutose-2,6-bisfosfato (que é um ativador alostérico da cínase 1 da frutose-6-fosfato).

A glicagina também contribui para a diminuição do fluxo glicolítico no período pós-prandial. Via aumento da concentração do AMP cíclico, a PKA fica ativada e catalisa a fosforilação da enzima bifuncional e da cínase do piruvato (ver Equação 91 e Equação 92). A cínase do piruvato (hepática) é inibida por fosforilação e a enzima bifuncional deixa de funcionar como cínase 2 da frutose-6-fosfato e passa a funcionar como fosfátase da frutose-2,6-bisfosfato quando está no estado fosforilado. Equação 91 enzima bifuncional desfosforilada (cínase 2 da frutose-6-fosfato) + ATP →

enzima bifuncional fosforilada (fosfátase da frutose-2,6-bisfosfato) + ADP Equação 92 cínase do piruvato desfosforilada (ativa) + ATP → cínase do piruvato fosforilada (inativa) + ADP

4 – Metabolismo no jejum prolongado O jejum prolongado é uma situação muito rara na civilização ocidental, mas a discussão das

modificações que ocorrem nesta condição é rica de ensinamentos por, em múltiplos aspetos, levar ao extremo mecanismos e alterações metabólicas que apenas se começam a esboçar no período pós-absortivo.

No entanto, noutros aspetos, o jejum prolongado (mais de 3 dias) diferencia-se qualitativamente do período pós-absortivo. Um destes aspetos é a glicogenólise hepática que, no período pós-absortivo contribui para cerca de metade da glicose produzida endogenamente e que, no jejum prolongado, porque o glicogénio se esgota em pouco mais de 24 horas de jejum, deixa praticamente de existir. Ou seja, no jejum prolongado toda a produção endógena de glicose resulta da gliconeogénese (hepática e renal).

4.1 – A produção da glicose que é oxidada no cérebro no jejum prolongado: a gliconeogénese de novo

No jejum prolongado cerca de 2/3 da despesa energética do cérebro deixa de ser suprida pela oxidação da glicose e passa a ser suprida pela oxidação de corpos cetónicos (ver Equação 82 e Equação 83). Além disso, os outros órgãos deixam de oxidar glicose oxidando apenas ácidos gordos (ver Equação 81) e corpos cetónicos. (No fígado e no intestino continua a haver oxidação de aminoácidos mas, excluindo os casos da leucina e da lisina que são “aminoácidos exclusivamente

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cetogénicos”, supõe-se que a oxidação direta de aminoácidos é, no jejum prolongado, pouco relevante; na esmagadora maioria, as moléculas dos aminoácidos são oxidadas pela via indireta, ou seja, via conversão em glicose.)

De facto, os eritrócitos, a medula suprarrenal e os músculos continuam a produzir lactato, mas a cisão da glicose a lactato não é um processo oxidativo e todo o lactato produzido acaba reciclado a glicose no fígado (fase anabólica do ciclo de Cori; ver Equação 76). Também se continua a produzir alanina a partir de glicose que entra para os músculos, mas esta alanina também acaba por ser reciclada a glicose no fígado (fase anabólica do ciclo da alanina; ver Equação 78). No jejum prolongado, cerca de 1/3 da despesa energética do cérebro continua a ser suprida pela oxidação de glicose (cerca de 40 g dia-1 ≈ 1,7 g/h), mas a glicose que é oxidada no cérebro converte-se em CO2 que não pode ser reciclado a glicose (ver Equação 38 e Equação 39).

No início do jejum a glicemia baixa para valores (cerca de 70 mg/dL) que estão no limite inferior do normal mas, a partir de alguns dias de jejum, deixa de baixar e raramente atinge valores que provoquem a perda de consciência. Ou seja, a certa altura do processo atinge-se um estado estacionário em que a velocidade de consumo de glicose equivale à sua produção endógena. Se ignorarmos a glicose que é reciclada nos ciclos de Cori e da alanina (ver Capítulo 3.3.b) e consideramos apenas a glicose que é oxidada a CO2 no cérebro teremos que admitir que esta glicose terá que ser produzida de novo.

Quando se discute a produção de glicose via gliconeogénese não é costume separar a parte que corresponde a reciclagem de glicose da que verdadeiramente corresponde a síntese de glicose de novo. No entanto, esta separação conceptual pode ser útil e, no contexto desta discussão sobre o metabolismo no jejum prolongado, usaremos a expressão gliconeogénese de novo como a diferença entre a velocidade de produção endógena de glicose (no fígado e rim) subtraída da velocidade de produção de glicose que corresponde a reciclagem de glicose. No jejum prolongado a produção endógena de glicose provém exclusivamente da gliconeogénese e os substratos desta via metabólica são o lactato, o glicerol, a alanina e outros aminoácidos (nomeadamente a glutamina, no caso do rim). No entanto, como já referido, a gliconeogénese que corresponde à conversão do lactato em glicose e grande parte da que corresponde à conversão de alanina em glicose não podem ser incluídas na gliconeogénese de novo. Os ciclos de Cori e da alanina continuam operativos no jejum prolongado, mas não podem ser considerados contribuintes para a glicose oxidada no cérebro porque representam apenas reciclagem da glicose. Quando uma molécula de glicose que resultou da conversão de lactato em glicose é captada pelo cérebro, a manutenção da glicemia depende da substituição dessa molécula de glicose por uma outra que tenha sido sintetizada de novo.

Os substratos para a gliconeogénese de novo são o glicerol libertado na lipólise (hidrólise de gordura) que está a ocorrer nos adipócitos e os aminoácidos que correspondem à diferença entre a proteólise e a síntese proteica, ou seja, os aminoácidos que correspondem à perda líquida de proteínas endógenas.

Na ausência de ingestão de proteínas existe balanço proteico endógeno negativo, ou seja, a massa de proteínas do organismo (nomeadamente a massa de proteínas das miofibrilas) diminui e esse balanço é mais acentuado se, simultaneamente, houver balanço energético negativo. No jejum prolongado, a massa de proteínas que sofre degradação líquida é, nos primeiros dias de jejum, de cerca de 70 g dia-1. À mediada que o tempo de jejum se prolonga a massa de proteínas que sofre degradação líquida vai sofrendo alguma diminuição atingindo valores da ordem dos 50 g dia-1 ao fim de cerca de uma semana6. Ignorando os aminoácidos cetogénicos, a maior parte dos carbonos dos aminoácidos correspondentes às proteínas que vão desaparecendo do organismo no jejum prolongado são convertidos em glicose e a massa de glicose que pode ser produzida a partir de 1 g de proteínas é de cerca de 0,6 g. Ou seja, a uma degradação líquida de 70 g de proteínas endógenas

6 Uma das causas desta diminuição da velocidade da degradação das proteínas é a diminuição da secreção de TSH (hormona estimulante da tiroide) e de T3 (hormona tiroideia). Esta diminuição do T3 provoca diminuição do turnover proteico e diminuição da velocidade de perda de proteínas endógenas.

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(a degradação proteica nos primeiros dias de jejum) corresponderá a formação de cerca de 40 g de glicose e a uma degradação líquida de 50 g de proteínas a formação de cerca de 30 g de glicose.

A distribuição entre a gordura e as proteínas endógenas como fontes de substratos (glicerol e aminoácidos) para a gliconeogénese de novo depende da percentagem de massa gorda e de massa magra no indivíduo que está a jejuar: quanto maior a percentagem de gordura maior será o contributo do glicerol. Pode admitir-se, no entanto, que, em média e ao fim de 7-20 dias de jejum, dos 40 g de glicose que são produzidos de novo por dia (e é totalmente oxidada pelo cérebro), 10 g corresponderão a conversão de glicerol e 30 g a conversão de aminoácidos. A produção de 10 g de glicerol equivale à perda líquida de cerca de 100 g de gordura e para produzir 30 g de glicose há que degradar 50 g de proteínas. Os ácidos gordos que resultam da degradação dos 100 g de gordura serão oxidados direta ou indiretamente (via conversão em corpos cetónicos) no organismo.

4.2 – A degradação da gordura, a oxidação em β, a produção e oxidação de corpos cetónicos e a excreção renal de amónio no jejum prolongado

No jejum prolongado o cérebro consume apenas 1/3 da glicose que consume quer no período pós-prandial quer no período pós-absortivo e é o único órgão que continua a oxidar glicose a CO2.

No jejum prolongado, a lipólise dos adipócitos está a ocorrer a uma velocidade elevada e, apesar de a oxidação de ácidos gordos também estar a ocorrer a velocidade elevada, a concentração de ácidos gordos livres plasmáticos aumenta durante os primeiros dias estabilizando em torno de valores de cerca de 1,5 mM (2 a 3 vezes superiores aos que geralmente se registam no período pós-absortivo). A oxidação em β está ativada em todos os órgãos exceto no cérebro (porque os ácidos gordos, só muito lentamente podem penetrar no cérebro), nos eritrócitos (porque não têm mitocôndrias) e noutras células onde as mitocôndrias são muito escassas (células da medula renal, por exemplo). Os músculos deixam de oxidar glicose e passam a oxidar quase exclusivamente ácidos gordos. A esmagadora maioria dos aminoácidos que resultam da degradação das proteínas dos músculos não são oxidados nos músculos a CO2; na sua esmagadora maioria são direta ou indiretamente exportados para o fígado onde são convertidos em glicose (ver Capítulos 4.1 e 5.1). No fígado, por razões que já foram discutidas no Capítulo 3.4.b.3, a síntese de corpos cetónicos vai-se acentuando à medida que o jejum se prolonga e o somatório das concentrações plasmáticas do β-hidroxibutirato e do acetoacetato pode atingir valores da ordem dos 7 mM (cerca de 30 vezes superiores aos que geralmente se registam no período pós-absortivo).

Na oxidação em β mitocondrial hepática, os ácidos gordos geram acetil-CoA (ver Equação 80) e uma parte das moléculas de acetil-CoA formadas são, via ciclo de Lynen (ver Equação 89) e da desidrogénase do β-hidroxibutirato (ver Equação 90), convertidos em corpos cetónicos. Assim, ignorando os corpos cetónicos que se podem formar no catabolismo de alguns aminoácidos, é sensato considerar que oxidar corpos cetónicos (Equação 82 e Equação 83) é, em última análise, uma forma indireta de oxidar os ácidos gordos que estavam armazenados (na forma esterificada) na gordura do tecido adiposo. Admitindo que 20% da despesa energética total resulta da oxidação (predominantemente indireta) dos aminoácidos que se libertam das proteínas que estão a degradar-se, pode dizer-se que cerca de 80% da despesa energética passa, ao fim de uma semana de jejum, a ser suprida pela oxidação de ácidos gordos (ver Equação 81).

O β-hidroxibutirato e o acetoacetato são produzidos com os respetivos protões e, por isso, a produção de corpos cetónicos acompanha-se de acidose. (Sintetizamos, de facto, os ácidos β-hidroxibutírico e acetacético que se sofrem protólise ao pH do meio interno; ver Equação 93.) A acidose estimula, nos túbulos renais, a atividade da glutamínase e a excreção de amónio que se forma quer por ação da glutamínase (ver Equação 67) quer da desidrogénase do glutamato (ver Equação 63). A excreção de amónio é uma forma de excretar protões tamponados com amoníaco (ver Equação 94) e, no jejum prolongado, a quantidade de azoto urinário que sai na forma de amoníaco pode ser tão elevada como a que sai na forma de ureia. Se comprarmos a Equação 95

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(relativa ao somatório dos processos que correspondem à oxidação completa da glutamina com formação concomitante de ureia) com a Equação 96 (o mesmo, mas formação de amónio) fica evidente que a produção e excreção de amónio nos rins equivale a consumir protões no organismo.

Equação 93 ácido β-hidroxibutírico (ou acetacético) ↔ β-hidroxibutirato (ou acetoacetato) + H+ Equação 94 NH3 + H+ ↔ NH4

+

Equação 95 glutamina (C5N2H10O3) + 4,5 O2 → 4 CO2 + 3 H2O + ureia [CO(NH2)2] Equação 96 glutamina (C5N2H10O3) + 4,5 O2 + 2 H+ → 2 NH4

+ + 5 CO2 + 2 H2O

4.3 – O quociente respiratório no jejum prolongado Como já referido, o coeficiente respiratório é a razão molar entre o CO2 que está a ser

libertado e o O2 que está a ser consumido pelo organismo. Complementado com uma estimativa da velocidade de oxidação dos aminoácidos (através da medida do azoto urinário e, eventualmente, da acumulação de ureia no líquido extracelular) o valor do quociente respiratório pode ser usado para calcular as massas de glicose, de aminoácidos e de gordura que estão, num dado momento, a ser oxidadas pelo organismo.

Embora no jejum prolongado o cérebro ainda oxide glicose (cerca de 40 g dia-1 ou 1,7 g/h), esta glicose deriva, de facto, da conversão de aminoácidos resultantes da degradação de proteínas endógenas e do glicerol que resultou da lipólise. A Equação 82 e a Equação 83 mostram que a razão entre o CO2 produzido e o O2 consumido quando se oxida β-hidroxibutirato e acetoacetato é, respetivamente, 0,89 e 1. Dado que os corpos cetónicos são importantíssimos combustíveis durante o jejum prolongado, poder-se-ia pensar que o quociente respiratório tenderia, por esta razão, a ser superior a 0,9. No entanto, há que ter em conta que, considerando o metabolismo oxidativo na sua globalidade, a síntese e a oxidação dos corpos cetónicos são apenas etapas intermédias da oxidação dos ácidos gordos. Quando os corpos cetónicos estão a ser oxidados num dado órgão é porque, no fígado, está a ocorrer a oxidação em β dos ácidos gordos que originaram esses corpos cetónicos.

Em última análise, aquando do jejum prolongado, o organismo está a oxidar apenas gorduras e proteínas. Admitindo uma degradação de 100 g dia-1 de gordura e de 50 g dia-1 de proteínas, o coeficiente respiratório será de 0,73, um valor que é muito mais baixo que os que são habitualmente observados no período pós-absortivo (0,80-0,85).

5 – Anexos

5.1 – Anexo 1. Os aminoácidos podem contribuir para a síntese hepática de ATP de maneiras muito diversas

Se apenas considerarmos os aminoácidos que reagem com os respetivos tRNAs para formar aminoacil-tRNAs e participarem na síntese proteica há 20 aminoácidos distintos (ou 21 se considerarmos também a selenocisteína). De facto existem muitos outros aminoácidos nas proteínas que resultam de modificações pós-tradução (como, por exemplo, a metil-histidina, a trimetil-lisina, a hidroxilisina, a hidroxiprolina, o carboxiglutamato e a cistina) e outros aminoácidos que são intermediários do metabolismo (como, por exemplo, a ornitina, a citrulina e o α-aminoadipato) ou neurotransmissores (como, por exemplo, o ácido γ-aminobutírico).

O metabolismo dos aminoácidos é extremamente complexo. Cada um dos diferentes aminoácidos tem a sua via catabólica própria pelo menos até à formação de intermediários do ciclo de Krebs e da glicólise ou à formação de acetoacetato ou acetil-CoA. Além disso parte da via metabólica de um dado aminoácido pode ocorrer num órgão, um intermediário pode passar para o sangue e o processo catabólico acabar noutro órgão. Quando um dado aminoácido se converte noutro aminoácido poderá ser sensato considerar que a oxidação do segundo aminoácido

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corresponde à etapa final do catabolismo do primeiro aminoácido. Quando, como acontece, por exemplo, no jejum prolongado, a glicose que está a ser oxidada no cérebro foi formada a partir de um dado aminoácido também pode ser sensato considerar que a oxidação dessa glicose é apenas a etapa final do processo catabólico desse aminoácido. Além disso, algumas moléculas desse aminoácido podem ter sido oxidadas a CO2 no ciclo de Krebs fornecendo energia para a conversão anabólica do piruvato ou do oxalacetato formadas a partir de outras moléculas do mesmo aminoácido a glicose. Também pode acontecer que as etapas mais precoces do processo catabólico de um aminoácido possam levar à formação do ATP que é consumido parcial ou totalmente nas etapas anabólicas da sua conversão em glicose.

Tudo isto faz com que apresentações genéricas sobre o metabolismo dos aminoácidos sejam de formulação difícil e sujeitas a inúmeros equívocos. Frequentemente, a única forma de desfazer alguns desses equívocos é exemplificar, explicando o metabolismo de um aminoácido individual.

5.1.a – Exemplificando com a oxidação da glutamina

O metabolismo da glutamina já foi abordado extensamente nos Capítulos 2.5.d, 2.5.e, 2.5.f e 3.3.a, mas a afirmação de que a glutamina pode ser oxidada sequencialmente nos enterócitos e no fígado contribuindo para o ATP que se sintetiza nestes dois órgãos pode não ter para o leitor o significado que lhe queremos atribuir. Um dos destinos da glutamina nos enterócitos é a sua conversão em alanina. Essa conversão envolve as ações sequenciadas da glutamínase (ver Equação 67), de uma transamínase (ver Equação 62), da desidrogénase do α-cetoglutarato (Equação 97), da sintétase de succinil-CoA (Equação 98), da desidrogénase do succinato (Equação 99), da fumárase (ver Equação 100), da desidrogénase do malato (Equação 101), da carboxicínase do fosfoenolpiruvato (ver Equação 14), da cínase do piruvato (ver Equação 41) e da transamínase da alanina (ver Equação 61).

Como já referido no Capítulo 2.5.e, a sequência seria glutamina → glutamato → α-cetoglutarato → succinil-CoA → succinato → fumarato → malato → oxalacetato → fosfoenolpiruvato → piruvato → alanina. Neste processo ocorre a síntese de NADH nas reações catalisadas pela desidrogénase do α-cetoglutarato (Equação 97) e pela desidrogénase do malato (Equação 101), a síntese de FADH2 na reação catalisada pela desidrogénase do succinato (Equação 99) e a síntese de GTP e de ATP “a nível de substrato” nas reações catalisada pela sintétase de succinil-CoA (Equação 98) e pela cínase do piruvato (ver Equação 41). Tendo em conta que na ação da cínase do piruvato se forma 1 ATP e considerando que, na fosforilação oxidativa, a oxidação de uma molécula de NADH corresponde à síntese de 2,5 ATPs , que a oxidação de uma molécula de FADH2 corresponde à síntese de 1,5 ATPs e que o GTP formado na ação da sintétase de succinil-CoA (Equação 98) é consumido na ação da carboxicínase do fosfoenolpiruvato (ver Equação 14), a conversão de uma molécula de glutamina numa molécula de alanina num enterócito rende 7,5 moléculas de ATP. A equação soma que descreve o processo de conversão de glutamina em alanina incluindo o processo acoplado de síntese de ATP é a Equação 102.

Equação 97 α-cetoglutarato + NAD+ + CoA → succinil-CoA + NADH + CO2 Equação 98 succinil-CoA + GDP + Pi ↔ succinato + CoA + GTP Equação 99 succinato + FAD → fumarato + FADH2 Equação 100 fumarato + H2O ↔ malato Equação 101 malato + NAD+ ↔ oxalacetato + NADH Equação 102 glutamina (C5N2H10O3) + 1,5 O2 + 7,5 ADP + 7,5 Pi + H+ → alanina (C3NH7O2) + 2 CO2 + 7,5 ATP + 7,5 H2O + NH4

+ A alanina vai ser libertada para a veia porta e pode ser captada no fígado. Nos hepatócitos a

alanina pode voltar a formar piruvato (transamínase da alanina; ver Equação 61) e o piruvato pode ser oxidado a acetil-CoA (desidrogénase do piruvato; ver Equação 31). De seguida, no ciclo de

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Krebs, o resíduo de acetato do acetil-CoA pode ser oxidado a CO2 e contribuir para originar ATP (ver Equação 37). Assim, como consequência da oxidação da molécula da alanina (que resultou da oxidação parcial de uma molécula de glutamina no enterócito) podem formar-se no hepatócito 12,5 ATPs. No entanto, a síntese de ureia é um processo endergónico que, consumindo diretamente 4 ligações ricas em energia do ATP, também permite a formação de uma molécula de NADH por molécula de ureia formada se contabilizarmos a regeneração do aspartato a partir de fumarato. Ou seja, se incluirmos, o gasto líquido de 0,75 ATPs na formação de ½ molécula de ureia, a equação soma que descreve o processo de conversão de oxidação completa de alanina incluindo o processo acoplado de síntese de ATP é a Equação 103.

Equação 103 alanina (C3NH7O2) + 3 O2 + 11,75 ADP + 11,75 Pi → ½ ureia [½ CO(NH2)2] + 2,5 CO2 + 11,75 ATP + 14,25 H2O

Em vez de termos escrito que a glutamina “pode ser oxidada sequencialmente nos

enterócitos e no fígado contribuindo para o ATP que se sintetiza nestes dois órgãos” podíamos ter escrito uma frase semelhante em que em vez de “fígado” escrevíamos “cérebro”. No que se refere aos enterócitos a sequência de reações que explica esta frase já foi explicada acima mas, no fígado, a alanina aí captada pode não ser oxidada; em vez disso pode ser convertida em glicose num processo em que se consome NADH, ATP e GTP (gliconeogénese; ver Equação 78). A molécula de glicose que pode resultar da conversão hepática de duas moléculas de alanina pode ser oxidada no cérebro (ver Equação 38 e Equação 39) e, nesse caso, o ATP que se forma como consequência da oxidação desta glicose pode, em última análise, ser considerado como resultando da oxidação completa da glutamina. Ignorando a síntese e o consumo de ATP e a redução/oxidação do NAD+/NADH, as equações que descrevem a conversão de 2 moléculas de glutamina em 2 moléculas de alanina e 2 moléculas de amónio (nos enterócitos), de duas moléculas de alanina e duas de amónio numa molécula de glicose e duas de ureia (no fígado) e da molécula de glicose no cérebro são, respetivamente, a Equação 104, a Equação 105 e a Equação 106.

Equação 104 2 glutamina (2 C5N2H10O3) + 3 O2 + 2 H+→

2 alanina (2 C3NH7O2) + 4 CO2 + 2 NH4+

Equação 105 2 alanina (C3NH7O2) + 2 NH4+

+ 2 CO2 → glicose (C6H12O6) +2 ureia [2 CO(NH2)2] + 2 H+

Equação 106 glicose (C6H12O6) + 6 O2 → 6 CO2 + 6 H2O Independentemente das interconversões que a glutamina sofra no organismo e das etapas

que possa seguir, quando um indivíduo está em balanço energético e azotados nulos e ingere uma molécula de glutamina, essa molécula de glutamina vai acabar oxidada a CO2 e os 2 azotos que a constituem podem ser excretados na forma de ureia (ver Equação 95). Eventualmente, como acontece no rim em situações de acidose, os azotos da glutamina podem ser excretados na forma de amónio e, neste caso, a equação soma que descreve a oxidação completa da glutamina é a Equação 96.

5.1.b– Exemplificando com a oxidação da tirosina

A via catabólica da tirosina envolve como primeiro passo a ação da transamínase da tirosina (ver Equação 107) e, porque esta enzima só existe no fígado, é frequente afirmar-se que a oxidação da tirosina só ocorre no fígado. No entanto, talvez seja mais sensato dizer-se que, pelo menos em situações de jejum prolongado, a tirosina é degradada em duas etapas, sendo que a primeira ocorre no fígado e que a segunda pode ocorrer inteiramente no cérebro ou repartir-se entre o cérebro e outro órgão ou tecido extra-hepático e que só esta última etapa leva à formação líquida de ATP. As reações descritas pelas Equações 107-111 ocorrem inteiramente no fígado e, embora o processo de

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conversão da tirosina em fumarato e acetoacetato seja globalmente oxidativo, não tem como consequência a síntese de ATP. Equação 107 tirosina + α-cetoglutarato → p-hidroxifenilpiruvato + glutamato Equação 108 p-hidroxifenilpiruvato + O2 → homogentisato + CO2 Equação 109 homogentisato + O2 → maleilo-acetoacetato Equação 110 maleilo-acetoacetato ↔ fumaril-acetoacetato Equação 111 fumaril-acetoacetato + H2O → fumarato + acetoacetato

Se considerarmos que todas as moléculas de fumarato formadas se vão converter em

glicose é útil escrever as Equações que descrevem a oxidação de 2 moléculas de fumarato em 2 de oxalacetato (ver Equação 112), a conversão destas numa de glicose (ver Equação 113) e a Equação soma (ver Equação 114). A oxidação de uma molécula de glicose (obrigatoriamente no cérebro se o indivíduo estiver em jejum prolongado) leva à formação concomitante de 30 ou 32 moléculas de ATP (ver Equação 38 e Equação 39).

Equação 112 2 fumarato + 2 H2O + 2 NAD+→ 2 oxalacetato + 2 NADH Equação 113 2 oxalacetato + 2 GTP + 2 NADH + 2 ATP + 4 H2O →

glicose + 2 NAD+ + 2 GDP + 2 ADP + 4 Pi Equação 114 2 fumarato + 2 GTP + 2 ATP + 6 H2O → glicose + 2 GDP + 2 ADP + 4 Pi

O acetoacetato é, a par com o fumarato, o outro produto da hidrólise do fumaril-

acetoacetato e, sendo um corpo cetónico, não é oxidado no fígado, mas sim no cérebro ou nos músculos esqueléticos e cardíaco onde contribui para a síntese de ATP (ver Equação 83). De qualquer forma, ignorando a síntese de ATP, a equação global que descreve a oxidação da tirosina a CO2 e a formação concomitante de ureia é, independentemente dos passos intermédios, a Equação 115.

Equação 115 tirosina (C9H11O3N) + 9,5 O2 → 8,5 CO2 + 4,5 H2O + ½ ureia [½ CO(NH2)2]

5.1.c– Exemplificando com a oxidação dos aminoácidos ramificados

Já foi referido no Capítulo 2.5.f que as transamínases que catalisam a conversão dos aminoácidos ramificados são muito mais ativas nos músculos que noutros órgãos e que isso explica a sua captação preferencial nos músculos. Neste anexo pretendemos clarificar alguns aspetos abordados nesse Capítulo.

Uma molécula de isoleucina tem 6 átomos de carbonos e 1 de azoto e todos estes átomos da isoleucina podem, pelo menos teoricamente, formar os 5 carbonos e um dos azotos da glutamina que sai dos músculos. Na via metabólica que é própria da isoleucina forma-se num dos passos α-metil-acetoacetil-CoA que, por cisão tiolítica, leva à formação de acetil-CoA e propionil-CoA (ver Equação 116). O propionil-CoA pode originar o succinil-CoA (por ação da carboxílase do propionil-CoA e de duas isomérases; ver Equação 117). O succinil-CoA é um intermediário do ciclo de Krebs que pode converter-se em oxalacetato (via ação da sintétase de succinil-CoA, desidrogénase do succinato, fumárase e desidrogénase do malato; ver Equações 98-101). Por ação da síntase do citrato (ver Equação 32), o acetil-CoA (que resultou a tiólise do α-metil-acetoacetil-CoA) pode ligar-se ao oxalacetato e originar citrato. Por sua vez este citrato pode, por ação sequenciada da aconitase (ver Equação 118) e da desidrogénase do isocitrato (ver Equação 119), formar o α-cetoglutarato. De acordo com o descrito estamos a admitir que todos os carbonos que constituem este α-cetoglutarato podem ter origem numa mesma molécula de isoleucina. Na primeira reação do catabolismo da isoleucina (uma transaminação; ver Equação 69) o aceitador do grupo amina da isoleucina é exatamente o α-cetoglutarato; ou seja, uma molécula de α-cetoglutarato

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originada de uma molécula de isoleucina no seu processo catabólico pode ser o aceitador do grupo amina de outra molécula de isoleucina e, desta forma, converter-se em glutamato. O somatório dos processos em que uma molécula de isoleucina origina uma molécula de glutamato é descrito pela Equação 120; a formação de NADH e FADH2 permite compreender que esta conversão permite a formação de ATP no músculo (via oxidação do NADH e do FADH2 na cadeia respiratória e da síntase do ATP podem formar-se 15,5 ATPs). A formação da glutamina (que sai para o plasma) a partir do glutamato implica a ação de sintétase da glutamina (ver Equação 121) em que o NH4

+

consumido pode ter resultado da desaminação de um aminoácido qualquer ou da desamidação da asparagina. Equação 116 α-metil-acetoacetil-CoA + CoA → acetil-CoA + propionil-CoA Equação 117 propionil-CoA + CO2 + ATP → succinil-CoA + ADP + Pi Equação 118 citrato ↔ isocitrato Equação 119 isocitrato + NAD+ → α-cetoglutarato + NADH + CO2

Equação 120 isoleucina + 5 NAD+ + 2 FAD → glutamato + 5 NADH + 2 FADH2 + CO2

Equação 121 glutamato + NH4+ + ATP → glutamina + ADP + Pi

Como discutido no Capítulo 5.1.a, a glutamina pode ser libertada dos músculos para o

plasma e ser oxidada a CO2 noutros órgãos. Isto permite compreender que a oxidação completa (a CO2) da isoleucina pode envolver, de facto, envolver vários órgãos e não apenas o músculo.

Escrevemos no Capítulo 2.5.f que algumas moléculas dos α-cetoácidos ramificados formadas no primeiro passo do catabolismo dos aminoácidos ramificados podem, eventualmente, sair do músculo e, sendo captados noutros órgãos, serem aí completamente oxidadas. Para simplificar vamos apenas usar o exemplo da isoleucina. A isoleucina por transaminação gera o α-ceto-β-metilvalerato (ver Equação 69) que, como já referido, pode ser oxidado a α-metil-acetoacetil-CoA que se cinde acabando por gerar acetil-CoA e succinil-CoA. O succinil-CoA pode, via conversão em succinato → fumarato → malato → oxalacetato → fosfoelnolpiruvato → piruvato → acetil-CoA e enzimas do ciclo de Krebs, ser oxidado a CO2. Por outro lado, o acetil-CoA originado na cisão do α-metil-acetoacetil-CoA também se pode oxidar no ciclo de Krebs. Ignorando a síntese de ATP (e os processos de redução/oxidação do NAD+/NADH e do FAD/FADH2) a equação soma que descreve a oxidação completa da isoleucina é a Equação 122.

Equação 122 isoleucina (C6NH13O2) + 7,5 O2 → ½ ureia [½ CO(NH2)2] + 5,5 CO2 + 5,5 H2O

6– Bibliografia Baynes JW, Dominiczak MH.: Medical Biochemistry. 3rd. Ed. Elsevier Mosby. New York. 2009.

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7– Índice de Equações7 Equação 1 resíduo de glicose no amido (C6H10O5) + 6 O2 →→→→ 6 CO2 + 5 H2O + 669 kcal ....................... 3

Equação 2 palmitato (C16H32O2) + 23 O2 →→→→ 16 CO2 + 16 H2O + 2413 kcal ............................................ 3 Equação 3 glicose + 2 ADP + 2 Pi + 2 NAD+→→→→ 2 piruvato + 2ATP + 2 H2O + 2 NADH ....................... 4 Equação 4 piruvato + NADH ↔ lactato + NAD+ ...................................................................................... 4

Equação 5 glicose + 2 ADP + 2 Pi →→→→ 2 lactato + 2ATP + 2 H2O ............................................................. 4 Equação 6 glicose + ATP →→→→ glicose-6-fosfato + ADP ............................................................................... 6

Equação 7 glicose-6-fosfato ↔ glicose-1-fosfato ....................................................................................... 6 Equação 8 glicose-1-fosfato + UTP →→→→ UDP-glicose + PPi ........................................................................ 6

Equação 9 UDP-glicose + glicogénio(n resíduos) →→→→glicogénio(n+1 resíduos) + UDP ........................................... 6

Equação 10 PPi + H2O →→→→ 2 Pi ...................................................................................................................... 6 Equação 11 ATP + UDP →→→→ ADP + UTP ..................................................................................................... 6 Equação 12 glicogénio(n resíduos) + glicose + 2 ATP →→→→ glicogénio(n+1 resíduos) + 2 ADP + 2 Pi ....................... 6

Equação 13 ATP + piruvato + CO2 →→→→ ADP + Pi + oxalacetato ................................................................ 6

Equação 14 GTP + oxalacetato →→→→ GDP + fosfoenolpiruvato + CO2 ......................................................... 6 Equação 15 3-fosfoglicerato + ATP ↔ 1,3-bisfosfoglicerato + ADP ......................................................... 6

Equação 16 1,3-bisfosfoglicerato + NADH ↔ gliceraldeído-3-fosfato + Pi + NAD+ ................................ 6

Equação 17 gliceraldeído-3-fosfato ↔ dihidroxiacetona-fosfato ............................................................... 6

Equação 18 gliceraldeído-3-fosfato + dihidroxiacetona-fosfato ↔ frutose-1,6-bisfosfato ....................... 6

Equação 19 frutose-1,6-bisfosfato + H2O →→→→ frutose-6-fosfato + Pi ........................................................... 6

Equação 20 frutose-6-fosfato ↔ glicose-6-fosfato ....................................................................................... 6

7 Devido a limitações do Word, neste índice, não foi possível apresentar os produtos da equação quando, no texto, os produtos estavam numa linha distinta da dos reagentes. Nesses casos, a equação deste índice apenas contém os reagentes e termina com o símbolo “→”.

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Equação 21 2 lactato + 2 GTP + 4 ATP + 5 H2O →→→→ glicose-6-fosfato + 2 GDP + 4 ADP + 5 Pi ............. 7 Equação 22 2 lactato + glicogénio(n resíduos)+ 2 GTP + 5 ATP + 5 H2O →→→→ .................................................. 7

Equação 23 glicogénio(n resíduos) + Pi →→→→ glicogénio(n-1 resíduos) + glicose-1-fosfato ......................................... 8 Equação 24 síntase do glicogénio b + H2O →→→→ síntase do glicogénio a (desfosforilada) + Pi ............................. 8

Equação 25 fosforílase do glicogénio a + H2O →→→→ fosforílase do glicogénio b (desfosforilada) + Pi ................. 8 Equação 26 cínase da fosforílase a + H2O →→→→ cínase da fosforílase b (desfosforilada) + Pi .............................. 8

Equação 27 fosforílase do glicogénio b + ATP →→→→ fosforílase do glicogénio a (fosforilada) + ADP ................ 8 Equação 28 síntase do glicogénio a + ATP →→→→ síntase do glicogénio b (fosforilada) + ADP ............................ 8

Equação 29 piruvato + CoA + NAD+ →→→→ acetil-CoA + CO2 + NADH ........................................................ 9 Equação 30 ATP + desidrogénase do piruvato desfosforilada (ativa) →→→→ ..................................................... 9

Equação 31 desidrogénase do piruvato fosforilada (inativa) + H2O →→→→ ......................................................... 9 Equação 32 oxalacetato + acetil-CoA + H2O →→→→ citrato + CoA .................................................................. 9 Equação 33 acetil-CoA + 2 H2O + 3 NAD+ + FAD + ADP + Pi →→→→ ............................................................ 9 Equação 34 NADH + H+ + ½ O2 + 10 H+ (matriz) →→→→ NAD+ + H2O + 10 H+ (fora da mitocôndria) ......................... 9 Equação 35 FADH2 + ½ O2 + 6 H+ (matriz) →→→→ NAD+ + H2O + 6 H+ (fora da mitocôndria) .................................... 9

Equação 36 ADP + Pi + 3 H+ (fora da mitocôndria) →→→→ ATP + H2O + 3 H+ (matriz) ................................................ 9

Equação 37 acetil-CoA + 2 O2 + 10 ADP + 10 Pi →→→→ 2 CO2 + CoA + 10 ATP + 11 H2O .......................... 9 Equação 38 glicose (C6H12O6) + 6 O2 + 30 ADP + 30 Pi →→→→ 6 CO2 + 30 ATP + 36 H2O ......................... 10 Equação 39 glicose (C6H12O6)+ 6 O2 + 32 ADP + 32 Pi →→→→ 6 CO2 + 32 ATP + 38 H2O .......................... 10 Equação 40 frutose-6-fosfato + ATP →→→→ frutose-1,6-bisfosfato + ADP .................................................... 10

Equação 41 fosfoenolpiruvato + ADP →→→→ piruvato + ATP ....................................................................... 10

Equação 42 ATP + frutose-6-fosfato →→→→ ADP + frutose-2,6-bisfosfato .................................................... 11

Equação 43 frutose-2,6-bisfosfato + H2O →→→→ frutose-6-fosfato + Pi ......................................................... 11

Equação 44 enzima bifuncional fosforilada (frutose-2,6-bisfosfátase) + H2O →→→→ .................................................. 11

Equação 45 acetil-CoA + CO2 + ATP + H2O →→→→ malonil-CoA + ADP + Pi ............................................. 11 Equação 46 7 malonil-CoA + acetil-CoA + 14 NADPH →→→→ ....................................................................... 11 Equação 47 ácido gordo + CoA + ATP →→→→ acil-CoA + AMP + PPi ......................................................... 11 Equação 48 palmitil-CoA + malonil-CoA + 2 NADPH →→→→ ....................................................................... 11 Equação 49 estearil-CoA (ou palmitil-CoA) + O2 + NADH ou NADPH →→→→ ............................................ 11

Equação 50 glicose-6-fosfato + NADP+ →→→→ 6-fosfogliconolactona + NADPH .......................................... 11 Equação 51 6-fosfogliconato + NADP+ →→→→ ribulose-5-fosfato + CO2 + NADPH ..................................... 11

Equação 52 glicerol-3-fosfato + 3 acil-CoA + H2O →→→→ triacilglicerol + 3 CoA + Pi ................................ 12 Equação 53 ATP + glicerol →→→→ glicerol-3-fosfato + ADP .......................................................................... 12

Equação 54 dihidroxiacetona-fosfato + NADH ↔↔↔↔ glicerol-3-fosfato + NAD+ ....................................... 12

Equação 55 triacilglicerol + 3 H 2O →→→→ glicerol + 3 ácido gordo ............................................................... 13

Equação 56 lípase hormo-sensível(desfosforilada e inativa) + ATP →→→→ ................................................................. 13 Equação 57 perilipina (desfosforilada) + ATP →→→→ perilipina (fosforilada) + ADP .................................................... 13 Equação 58 ATP →→→→ AMP cíclico + PPi ..................................................................................................... 13 Equação 59 AMP cíclico + H2O →→→→ AMP ................................................................................................... 13 Equação 60 acil-CoA + carnitina →→→→ acil-carnitina + CoA ....................................................................... 14

Equação 61 alanina + α-cetoglutarato ↔ piruvato + glutamato ............................................................. 15

Equação 62 glutamato + α-cetoácido X →→→→ α-cetoglutarato + α-aminoácido X ...................................... 15

Equação 63 glutamato + NAD+ (ou NADP+) ↔ α-cetoglutarato + NADH (ou NADPH) + NH4+ ......... 15

Equação 64 fenilalanina + tetrahidrobiopterina + O2 →→→→ tirosina + dihidrobiopterina + H 2O ............. 17 Equação 65 homocisteína + serina →→→→ cistationina.................................................................................... 17

Equação 66 cistationina →→→→ cisteína + NH4+

+ α-cetobutirato................................................................... 17

Equação 67 glutamina + H2O →→→→ glutamato + NH4+ ................................................................................. 17

Equação 68 leucina + α-cetoglutarato →→→→ α-cetoisocaproato + glutamato .............................................. 18 Equação 69 isoleucina + α-cetoglutarato →→→→ α-ceto-β-metil-valerato + glutamato ................................. 18 Equação 70 valina + α-cetoglutarato →→→→ α-cetoisovalerato + glutamato ................................................. 18 Equação 71 2-monoacilglicerol + 2 acis-CoA →→→→ triacilglicerol + 2 CoA ................................................ 20 Equação 72 glicerol-3-fosfato + acil-CoA →→→→ 1-monoacilglicerol-3-fosfato + CoA ................................. 21 Equação 73 glicose-6-fosfato + H2O →→→→ glicose + Pi .................................................................................. 23

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Equação 74 cínase b da fosforílase + ATP →→→→ cínase a da fosforílase + ADP .......................................... 23 Equação 75 fosfátase 1 de proteínas ativa(desfosforilada) + ATP →→→→ ............................................................... 24 Equação 76 2 lactato + 2 GTP + 4 ATP + 6 H2O →→→→ glicose + 2 GDP + 4 ADP + 6 Pi ........................... 25 Equação 77 glicose + 2 glutamato + 2 ADP + 2 Pi + 2 NAD+ →→→→ .............................................................. 25 Equação 78 2 alanina + 2 α-cetoglutarato + 2 GTP + 4 ATP + 6 H2O + 2 NADH →→→→ ............................ 25

Equação 79 succinil-CoA + acetoacetato →→→→ succinato + acetoacetil-CoA .............................................. 28 Equação 80 palmitil-CoA + 7 FAD + 7 NAD+ + 7 CoA + 7 H2O →→→→......................................................... 28 Equação 81 palmitato (C16H32O2) + 23 O2 + 106 ADP + 106 Pi →→→→ .......................................................... 28 Equação 82 β-hidroxibutirato (C 4H8O3) + 4,5 O2 + 21,5 ADP + 21,5 Pi →→→→ ............................................ 28

Equação 83 acetoacetato (C4H6O3) + 4 O2 + 19 ADP + 19 Pi → 4 CO2 + 19 ATP + 22 H2O ................. 28 Equação 84 AMPK desfosforilada (inativa) + ATP →→→→ AMPK fosforilada (ativa) + ADP ............................. 30

Equação 85 carboxílase de acetil-CoA desfosforilada (ativa) + ATP →→→→ ..................................................... 30 Equação 86 2 acetil-CoA →→→→ acetoacetil-CoA + CoA ................................................................................ 30

Equação 87 acetil-CoA + acetoacetil-CoA + H2O →→→→ hidroximetilglutaril-CoA + CoA ......................... 30 Equação 88 hidroximetilglutaril-CoA →→→→ acetil-CoA + acetoacetato ...................................................... 30

Equação 89 2 acetil-CoA + H2O →→→→ acetoacetato + 2 CoA ....................................................................... 30

Equação 90 acetoacetato + NADH ↔ β-hidroxibutirato + NAD + ........................................................... 30 Equação 91 enzima bifuncional desfosforilada (cínase 2 da frutose-6-fosfato) + ATP →→→→ ...................................... 32

Equação 92 cínase do piruvato desfosforilada (ativa) + ATP →→→→ ................................................................. 32 Equação 93 ácido β-hidroxibutírico (ou acetacético) ↔ β-hidroxibutirato (ou acetoacetato) + H+ ..... 35 Equação 94 NH3 + H+ ↔ NH4

+ ................................................................................................................... 35 Equação 95 glutamina (C5N2H10O3) + 4,5 O2 →→→→ 4 CO2 + 3 H2O + ureia [CO(NH2)2] ............................ 35 Equação 96 glutamina (C5N2H10O3) + 4,5 O2 + 2 H+ →→→→ 2 NH4

+ + 5 CO2 + 2 H2O .................................. 35

Equação 97 α-cetoglutarato + NAD+ + CoA →→→→ succinil-CoA + NADH + CO2 ....................................... 36

Equação 98 succinil-CoA + GDP + Pi ↔ succinato + CoA + GTP.......................................................... 36

Equação 99 succinato + FAD →→→→ fumarato + FADH2 .............................................................................. 36

Equação 100 fumarato + H2O ↔ malato ..................................................................................................... 36 Equação 101 malato + NAD+ ↔ oxalacetato + NADH ............................................................................... 36

Equação 102 glutamina (C5N2H10O3) + 1,5 O2 + 7,5 ADP + 7,5 Pi + H+ →→→→ ............................................... 36

Equação 103 alanina (C3NH7O2) + 3 O2 + 11,75 ADP + 11,75 Pi →→→→ ......................................................... 37 Equação 104 2 glutamina (2 C5N2H10O3) + 3 O2 + 2 H+→→→→.......................................................................... 37 Equação 105 2 alanina (C3NH7O2) + 2 NH4

+ + 2 CO2 →→→→ ............................................................................ 37

Equação 106 glicose (C6H12O6) + 6 O2 →→→→ 6 CO2 + 6 H2O .......................................................................... 37 Equação 107 tirosina + α-cetoglutarato →→→→ p-hidroxifenilpiruvato + glutamato ...................................... 38 Equação 108 p-hidroxifenilpiruvato + O 2 →→→→ homogentisato + CO2.......................................................... 38 Equação 109 homogentisato + O2 →→→→ maleilo-acetoacetato ........................................................................ 38

Equação 110 maleilo-acetoacetato ↔ fumaril-acetoacetato ...................................................................... 38

Equação 111 fumaril-acetoacetato + H2O →→→→ fumarato + acetoacetato .................................................... 38 Equação 112 2 fumarato + 2 H2O + 2 NAD+→→→→ 2 oxalacetato + 2 NADH ................................................. 38 Equação 113 2 oxalacetato + 2 GTP + 2 NADH + 2 ATP + 4 H2O →→→→ ....................................................... 38 Equação 114 2 fumarato + 2 GTP + 2 ATP + 6 H2O →→→→ glicose + 2 GDP + 2 ADP + 4 Pi ....................... 38 Equação 115 tirosina (C9H11O3N) + 9,5 O2 →→→→ 8,5 CO2 + 4,5 H2O + ½ ureia [½ CO(NH2)2] ................... 38 Equação 116 α-metil-acetoacetil-CoA + CoA →→→→ acetil-CoA + propionil-CoA ......................................... 39 Equação 117 propionil-CoA + CO2 + ATP →→→→ succinil-CoA + ADP + Pi .................................................. 39 Equação 118 citrato ↔ isocitrato ................................................................................................................. 39 Equação 119 isocitrato + NAD+ →→→→ α-cetoglutarato + NADH + CO2 ........................................................ 39 Equação 120 isoleucina + 5 NAD+ + 2 FAD →→→→ glutamato + 5 NADH + 2 FADH2 + CO2 ....................... 39 Equação 121 glutamato + NH4

+ + ATP →→→→ glutamina + ADP + Pi ............................................................. 39

Equação 122 isoleucina (C6NH13O2) + 7,5 O2 →→→→ ½ ureia [½ CO(NH2)2] + 5,5 CO2 + 5,5 H2O ............... 39 Este texto acabou de ser escrito em maio de 2013 e foi corrigido em janeiro e maio de 2014. O autor

(Rui Fontes) agradece o excelente trabalho de revisão do estudante André Ferreira da FMUP.