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CLAacuteUDIA MANOEL RACHED FEacuteRAL
O AGON NA POEacuteTICA ARISTOFAcircNICA
DIVERSIDADE DA FORMA E DO CONTEUacuteDO
Araraquara
2009
CLAacuteUDIA MANOEL RACHED FEacuteRAL
O AGON NA POEacuteTICA ARISTOFAcircNICA
DIVERSIDADE DA FORMA E DO CONTEUacuteDO
Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em
Estudos Literaacuterios da Faculdade de Ciecircncias e Letras da
Universidade Estadual Paulista-UNESP Cacircmpus de
Araraquara para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em
Estudos Literaacuterios
Orientadora Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti
Araraquara
2009
A Lionel Antoine
e Louise
AGRADECIMENTOS
Meu muitiacutessimo obrigada agrave orientadora desta Tese Profa Dra Maria Celeste
Consolin Dezotti profissional exemplar e pessoa admiraacutevel que desde o princiacutepio muito me
ensinou com sua incansaacutevel boa vontade
Minha especial gratidatildeo agrave Profa Dra Daisi Malhadas (UNESP) orientadora de
minha Dissertaccedilatildeo de Mestrado que haacute exatamente dez anos me presenteou com a obra
LrsquoΑΓΩΝ dans la trageacutedie grecque de Jacqueline Duchemin Muito mais que um presente
esse livro foi um encorajamento para que eu continuasse a pesquisa nos Estudos Claacutessicos
Agradeccedilo aos colegas de aacuterea Prof Dr Fernando Brandatildeo dos Santos Profa Dra
Edvanda Bonavina da Rosa e Profa Dra Anise A G DlsquoOrange Ferreira pelo apoio
incondicional E tambeacutem estendo minha gratidatildeo aos colegas Prof Dr Joseacute Dejalma Dezotti
Prof Dr Joatildeo Batista Toledo Prado Prof Dr Brunno Viniacutecius G Vieira e Prof Dr Maacutercio
N Thamos
Pela leitura criteriosa agradeccedilo agrave Profa Dra Edvanda Bonavina da Rosa e agrave
Profa Dra Adriane da Silva Duarte (USP) membros da Banca Examinadora de Qualificaccedilatildeo
Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria de Faacutetima Silva (Coimbra) pelos comentaacuterios e
sugestotildees
Devo ainda meus agradecimentos ao Prof Dr Joseacute Pedro Antunes (UNESP) e agrave
Profa Dra Profa Maria Cristina Reckziegel G Evangelista (UNESP) pela traduccedilatildeo dos
textos em liacutengua alematilde
Aos colegas docentes do Departamento de Linguumliacutestica e tambeacutem ao secretaacuterio
James R R da Motta aos docentes do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Estudos Literaacuterios
aos servidores teacutecnico-administrativos da Seccedilatildeo de Poacutes-Graduaccedilatildeo e aos da Biblioteca da
UNESP-FCLCAr deixo minha gratidatildeo
Enfim a Lionel Antoine companheiro de todas as horas e meu primeiro leitor e agrave
Louise filha encantadora merci
νῦν γὰρ ἀγὼν σοφίας ὁ μέγας χωρεῖ πρὸς ἔργον ἤδη eacute agora que o grande debate de talento daacute iniacutecio nesse instante a sua execuccedilatildeo
(ARISTOacuteFANES Ratildes v 884)
FEacuteRAL C M R O agon na poeacutetica aristofacircnica diversidade da forma e do conteuacutedo
2009 303 f Tese (Doutorado em Estudos Literaacuterios) ndash Faculdade de Ciecircncias e Letras
Universidade Estadual Paulista Araraquara 2009
RESUMO
Esta pesquisa tem o objetivo de estudar nas onze comeacutedias supeacuterstites de Aristoacutefanes a
natureza do agon (ἀγών) O trabalho estaacute composto de apresentaccedilatildeo introduccedilatildeo cinco
capiacutetulos conclusatildeo referecircncias e anexo com traduccedilatildeo dos agones estudados A introduccedilatildeo
apresenta o tema define o objeto e delimita o corpus e por fim expotildee a revisatildeo criacutetica da
bibliografia especiacutefica O primeiro capiacutetulo aborda algumas consideraccedilotildees preliminares sobre
o percurso e a importacircncia da palavra agon da qual se derivou a expressatildeo civilizaccedilatildeo
agoniacutestica emblemaacutetica para a sociedade grega como uma cultura por essecircncia competitiva
Do segundo ao quinto capiacutetulo foram feitas anaacutelises de caraacuteter estrutural e temaacutetico dos
agones das comeacutedia em parelelo fez-se um estudo do papel do heroacutei cocircmico de acordo com
as seguintes classificaccedilotildees i) bomolochos bufatildeo ii) eiron irocircnico dissimulador iii) alazon
fanfarratildeo iv) poneros espertalhatildeo matreiro v) spoudaios soberbo
Palavras-chave Aristoacutefanes agon traduccedilatildeo bomolochos eiron alazon poneros
FEacuteRAL C M R Lrsquoagon dans la poeacutetique drsquoAristophane la diversiteacute de la forme et du
fond 2009 303 f Thegravese (Doctorat en Eacutetudes Litteacuteraires) ndash Faculteacute de Sciences et Lettres
UNESP Araraquara 2009
REacuteSUMEacute
Llsquoobjectif de ce travail est dlsquoeacutetudier la nature de lrsquoagocircn (ἀγών) dans les onzes comeacutedies
dlsquoAristophane qui nous sont parvenues Le travail est organiseacute autour dlsquoune introduction cinq
chapitres conclusion refeacuterence et traductions des agocircns Llsquointroduction nous preacutesente le
thegraveme deacutefinit llsquoobjet deacutelimite le corpus et fait une reacutevision critique de la bibliographie
speacutecifique Le premier chapitre traite du parcours et de llsquoimportance du mot agon qui est agrave
llsquoorigine de llsquoexpression civilisation agonistique embleacutematique de la socieacuteteacute grecque vue
comme une culture qui est par essence compeacutetitiveLes agocircns de chaque comeacutedie sont
ensuite analyseacutes du deuxiegraveme au cinquiegraveme chapitre Conjointement agrave ces analyses de
caractegravere structurale et theacutematique les rocircles du heacutero comique sont aussi eacutetudieacutees et sont
classeacutees en i) bomolochos bouffon ii) eiron dissimulateur iii) alazon fanfaron iv)
poneros ruseacute v) spoudaios seacuterieux
Mots-cleacutes Aristophane agocircn traduction bomolochos eiron alazon poneros
SUMAacuteRIO
Apresentaccedilatildeo 8
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 12
1 Apresentaccedilatildeo do tema 13
2 Definiccedilatildeo do objeto e delimitaccedilatildeo do corpus 20
3 Resenha criacutetica da bibliografia especiacutefica 30
Capiacutetulo I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 39
Capiacutetulo II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (Agon(es) inseridos(s)
num complexo agoniacutestico) 52
1 O agon em Cavaleiros a disputa a galope 53
2 O agon em Nuvens os confrontos tempestuosos 66
3 O agon em Vespas a discussatildeo a ferroadas 76
4 O agon em Ratildes os saltos do debate entre Euriacutepides e Eacutesquilo 88
Capiacutetulo III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 105
1 Acarnenses desafi(n)ando o coro (agon contaminatus e complexo agoniacutestico) 106
2 Tesmoforiantes mulheres em agoniaccedilatildeo (agon-logon e centro da accedilatildeo) 117
3 Paz a luta em missatildeo de paz (quasi-agon de reflexatildeo e acessoacuterio da accedilatildeo) 126
Capiacutetulo IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
Assembleacuteia de Mulheres 135
1 Aves a conversa levada no bico (agon de exposiccedilatildeo e ligado agrave accedilatildeo) 136
2 Lisiacutestrata o confronto entre coros (agon de exposiccedilatildeo inserido num complexo
agoniacutestico) 146
3 Assembleacuteia de mulheres falando de homem para homem (agon de exposiccedilatildeo e centro da
accedilatildeo) 155
Capiacutetulo V mdash O uacuteltimo agon 162
Pluto a riqueza do conflito (agon ad absurdum e centro da accedilatildeo) 163
Conclusatildeo 174
Referecircncias 182
Anexo mdash Agon traduccedilatildeo e notas 191
Iacutendice onomaacutestico 304
APRESENTACcedilAtildeO
9
Esta pesquisa pretende analisar nas onze comeacutedias supeacuterstites de Aristoacutefanes a
natureza do agon (ἀγών) O plano de trabalho prevecirc introduccedilatildeo cinco capiacutetulos conclusatildeo
referecircncias e anexo com traduccedilatildeo dos agones estudados
Na Introduccedilatildeo ―O agon na comeacutedia consta a apresentaccedilatildeo do tema a definiccedilatildeo
do objeto e a delimitaccedilatildeo do corpus e por fim uma exposiccedilatildeo da revisatildeo criacutetica da
bibliografia especiacutefica Toda esta pesquisa eacute norteada pelos trabalhos de Thomas Gelzer
(1960) ndash Der epirrhemastische Agon bei Aristophanes Untersuchngen zur Struktur der
Attischen Alten Komodie Jacqueline Duchemin (1968) ndash LrsquoΑΓΩΝ dans la trageacutedie grecque ndash
e Michael Lloyd (1992) ndash The Agon in Euriacutepides
O primeiro capiacutetulo ―A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes traz
algumas consideraccedilotildees preliminares sobre o percurso e a importacircncia da palavra agon da qual
se derivou a expressatildeo civilizaccedilatildeo agoniacutestica que emblemaacutetica para a sociedade grega como
uma cultura por essecircncia competitiva proveacutem da palavra agon que se refere a um conjunto de
atividades peculiares agrave vida grega tanto ao aspecto natildeo-verbal beacutelico quanto ao verbal
retoacuterico
No segundo capiacutetulo ―Agones modelares satildeo estudadas as comeacutedias Cavaleiros
Nuvens Vespas e Ratildes cujos agones satildeo exemplares para a anaacutelise dos demais Aleacutem disso o
exame deles demanda esclarecimentos para algumas questotildees de ordem metodoloacutegica Nessas
peccedilas o(s) agon(es) faz(em) parte de um complexo agoniacutestico por causa do desenvolvimento
progressivo da accedilatildeo que tem por natureza o conflito que se acentua gradativamente ao longo
da trama
Em ―A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz o terceiro
capiacutetulo discutem-se as dissidecircncias entre os helenistas no que se refere agrave legitimidade de
existecircncia de agon nessas peccedilas A proposta nesse capiacutetulo eacute mostrar primeiramente que em
Acarnenses a cena que cumpre a funccedilatildeo de agon eacute classificada quanto agrave dinacircmica da accedilatildeo
10
como um agon contaminatus que estaacute inserido num complexo agoniacutestico como nas comeacutedias
referidas no segundo capiacutetulo em que a accedilatildeo dramaacutetica vai num crescendo Em
Tesmoforiantes a cena que se localiza no lugar do agon eacute paratraacutegica porque a comeacutedia
como um todo eacute uma paratrageacutedia de peccedilas de Euriacutepides A cena em que estaacute o agon de Paz eacute
de natureza mais capciosa devido agraves inuacutemeras irregularidades tanto na forma quanto no
conteuacutedo sendo cabiacutevel dizer que se trata de um quasi-agon de natureza reflexiva cuja cena
funciona como um acessoacuterio da accedilatildeo
O quarto capiacutetulo ―O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral demonstra
que a natureza dos agones eacute expositiva e quanto agrave accedilatildeo eles podem estar no centro dela
como em Aves e Assembleacuteia de mulheres ou inserido num complexo agoniacutestico como em
Lisiacutestrata
O quinto capiacutetulo ―O uacuteltimo agon analisa o agon de Pluto caracterizado como
ad absurdum porque do ponto de vista dramaacutetico o resultado insoacutelito da discussatildeo natildeo eacute
saber qual dos litigantes tem razatildeo mas pocircr em relevo o valor da argumentaccedilatildeo Com a
diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do coro nessa peccedila a forma do agon fica bem reduzida e tudo
indica que assim como a paraacutebase jaacute desaparecera o agon epirremaacutetico tambeacutem estaria com
seus dias contados
Para manter o espiacuterito aristofacircnico o agon de cada comeacutedia em exame recebeu
um tiacutetulo A saber Cavaleiros a disputa a galope Vespas a discussatildeo a ferroadas Nuvens
os confrontos tempestuosos Ratildes os saltos do debate entre Eacutesquilo e Euriacutepides Acarnenses
desafi(n)ando o coro Tesmoforiantes mulheres em agoniaccedilatildeo Aves a conversa levada no
bico Lisiacutestrata o confronto entre coros Assembleacuteia de mulheres falando de homem para
homem e por fim Pluto a riqueza do conflito
Aleacutem de anaacutelises de caraacuteter estrutural e temaacutetico o agon foi estudado em
concomitacircncia com as funccedilotildees o heroacutei cocircmico em Aristoacutefanes porque a seccedilatildeo agon tem
11
implicaccedilotildees com o ecircxito ou o fracasso do porjeto do heroacutei Uma obra capital sobre o heroacutei
cocircmico eacute Aristophanes and the Comic Hero de Cedric Whitman (1964) um estudo sobre um
novo tipo de heroacutei o heroacutei cocircmico que aleacutem de parodiar os heroacuteis da trageacutedia e da epopeacuteia
expressa ao mesmo tempo aspiraccedilotildees humanas face aos problemas em que vive Uma parte
dessa obra comenta o heroiacutesmo cocircmico e nesse aspecto Whitman (1964) fez uma
investigaccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo do heroacutei e suas funccedilotildees na accedilatildeo como alazon eiron e poneros
a partir do trabalho de Francis Macdonald Cornford (1934) The origin of Attic Comedy1
Nessa mesma linha de anaacutelise estaacute o trabalho The Theatre of Aristophanes de
Kenneth McLeish (1980) em que haacute um estudo a respeito do heroacutei e seus adversaacuterios sob o
ponto de vista das seguintes funccedilotildees eiron alazon poneros bomolochos e spoudaios O
terceiro estudo fecundo eacute somado aos dois anteriores o de Pascal Thiercy (2007)
Aristophane Fiction et dramaturgie2 Na terceira parte dessa obra haacute um exame das relaccedilotildees
entre personagens centralizadas no heroacutei conforme as seguintes funccedilotildees eiron alazon e
poneros
Para facilitar a consulta ao corpus seguem em anexo as traduccedilotildees dos agones
com texto biliacutenguumle3 Das onze comeacutedias quatro delas tiveram emprestada a traduccedilatildeo de seus
agones A saber Nuvens traduccedilatildeo de Gilda Maria Reale Starzynski Aves e Lisiacutestrata por
Adriane da Silva Duarte e Ratildes segundo Anna Lia A A Prado e Silvia Sueli Milanezi Eacute de
minha responsabilidade o restante dos agones apresentados e traduzidos A traduccedilatildeo desse
corpus cujo texto eacute poesia com meacutetrica especiacutefica visa apenas a traduzir a forma do
conteuacutedo o que resultaraacute na liacutengua de chegada uma traduccedilatildeo acadecircmica portanto sem se
preocupar com a forma da expressatildeo
1 Utilizamos em nossa pesquisa o trabalho de F M Cornford publicado em 1968 2 A primeira ediccedilatildeo eacute de 1986 e ateacute onde pesquisamos essa nova ediccedilatildeo natildeo alterou os comentaacuterios sobre o
agon em relaccedilatildeo agrave ediccedilatildeo antiga 3 Adotamos a traduccedilatildeo biliacutenguumle gregoinglecircs de Alan H Sommerstein
INTRODUCcedilAtildeO
O AGON NA COMEacuteDIA
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 13
1 Apresentaccedilatildeo do tema
Meu propoacutesito eacute estudar a diversidade da forma e do conteuacutedo do agon na obra de
Aristoacutefanes Para se estabelecer os criteacuterios de anaacutelise colocaremos antes algumas questotildees
que tentaremos responder ao longo desta pesquisa i) o que eacute o agon na comeacutedia ii) toda cena
de disputa seja ela de natureza verbal ou natildeo-verbal eacute agon iii) eacute possiacutevel haver agon sem
conflito iv) sendo uma das seccedilotildees da estrutura da comeacutedia e por causa da meacutetrica proacutepria o
agon precisa apresentar todas suas partes v) as personagens que participam do agon
assumem quais funccedilotildees vi) o heroacutei e seu adversaacuterio satildeo as uacutenicas personagens envolvidas no
agon ou eacute possiacutevel um agon sem a participaccedilatildeo do heroacutei cocircmico
As respostas a essas questotildees esbarram na equaccedilatildeo formaconteuacutedo que cada agon
apresenta resultando numa diversidade formal e temaacutetica da obra aristofacircnica A minha
hipoacutetese eacute que Aristoacutefanes conhecendo bem a estrutura comum do agon manipulou as
convenccedilotildees estruturais de sua forma subjugando-a ao conteuacutedo ou seja o conteuacutedo
determinando a forma a ponto de esta se apresentar ora completa ora incompleta ora
reduzida ou extremamente modificada As investigaccedilotildees datildeo indiacutecios de que quanto agrave forma
o agon como uma seccedilatildeo da estrutura tende a desaparecer mas sobrevive na comeacutedia pelo
conteuacutedo
Esta pesquisa partiu do estudo do agon na trageacutedia feito por Jacqueline Duchemin
(1968) o qual nos serviu de paradigma para uma classificaccedilatildeo do agon quanto agrave sua evoluccedilatildeo
temaacutetica em relaccedilatildeo agrave accedilatildeo e agrave funccedilatildeo dramaacutetica Natildeo se trata neste estudo de fazer uma
colagem das classificaccedilotildees do agon da trageacutedia na comeacutedia porque na trageacutedia o agon eacute uma
discussatildeo que funciona como um elemento da accedilatildeo podendo ocorrer em qualquer instacircncia
do enredo enquanto que na comeacutedia ele eacute um componente da estrutura e como parte dela
tem lugar fixo e meacutetrica especiacutefica A relaccedilatildeo do trabalho de Duchemin (1968) com este
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 14
estudo encontra-se nos roacutetulos que de acordo com a descriccedilatildeo de cada um parecem tambeacutem
ser adequados agraves cenas de agon na comeacutedia mas com as devidas adequaccedilotildees pertinentes ao
gecircnero cocircmico
Do estudo de Duchemin (1968 p 124-144) aproveitaremos os criteacuterios segundo o
lugar do agon na accedilatildeo dos conjuntos agoniacutesticos complexos e do nuacutemero de participantes A
classificaccedilatildeo do agon na accedilatildeo implica trecircs posiccedilotildees i) o agon no centro da accedilatildeo (lrsquo ἀγών au
centre de lrsquoaction) ii) o agon que se desprende da accedilatildeo (lrsquo ἀγών se deacutetachant de lrsquoaction)
iii) o agon acessoacuterio da accedilatildeo (lrsquo ἀγών hors-drsquooeuvre)
Quanto ao lugar do agon na accedilatildeo ele eacute centro da accedilatildeo nas seguintes situaccedilotildees i) a
discussatildeo estaacute estritamente ligada ao andamento da accedilatildeo ii) o objeto da discussatildeo constitui o
assunto da peccedila iii) a discussatildeo representa um papel de impulsatildeo dramaacutetica ou iv) ou a
discussatildeo interveacutem para esclarecer uma situaccedilatildeo tornando-se uma conclusatildeo do drama
Duchemin (1968) considera que o agon se desprende da accedilatildeo4 quando ele assume
um valor de exposiccedilatildeo dramaacutetica Pode ocorrer por causa de uma persuasatildeo fracassada ou de
uma discussatildeo retrospectiva com assuntos do passado ou de uma discussatildeo cujo uacutenico
objetivo eacute deixar claro o antagonismo
Em muitas cenas de agon sobretudo em Euriacutepides que empregou as antilogiai
sofigravesticas e as formas antiteacuteticas o agon funciona como acessoacuterio da accedilatildeo quando a relaccedilatildeo
com a accedilatildeo pode ser vaga em que a discussatildeo natildeo tem nenhuma relaccedilatildeo com a situaccedilatildeo e os
assuntos satildeo de interesse dos atenienses ou pode antecipar a discussatildeo principal Nesse caso
trata-se de discussotildees que se justapotildeem
No que se refere aos conjuntos agoniacutesticos complexos a cena de agon que eacute
analisada do ponto de vista da accedilatildeo e de quem faz essa accedilatildeo pertence a um conjunto de cenas
que satildeo um prolongamento do conflito Trata-se de um pressuposto estrutural que contempla
4 Nenhum dos agones em Aristoacutefanes conforme anaacutelises feitas neste estudo enquadra-se na classificaccedilatildeo ―agon
que se desloca da accedilatildeo
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 15
o todo orgacircnico da peccedila As cenas estatildeo arranjadas por uma ordem de complexidade
crescente i) agones ligados por cenas que os intercalam ii) agones sucessivos isto eacute o
segundo nasce imediatamente do primeiro sem intervalo de cena iii) o agon no final
resultado de uma progressatildeo dramaacutetica de uma seacuterie de cenas
Por fim o nuacutemero de debatedores de um agon pode incluir duas personagens
duas personagens e um aacuterbitro trecircs personagens
Estabelecidas as classificaccedilotildees de Duchemin (1968) para o agon na trageacutedia
vejamos entatildeo o aproveitamento delas na obra de Aristoacutefanes
O agon centro da accedilatildeo estaacute presente em Aves Tesmoforiantes Assembleacuteia de
mulheres e Pluto Nessas comeacutedias o objeto em discussatildeo tambeacutem eacute assunto da peccedila a
discussatildeo se liga ao andamento da accedilatildeo tendo um papel de impulsatildeo dramaacutetica para as cenas
subsequumlentes que satildeo uma consequumlecircncia do agon Quanto agrave natureza do discurso do agon
Aves e Assembleacuteia de mulheres apresentam um discurso expositivo de caraacuteter persuasivo
trata-se portanto de um agon de exposiccedilatildeo Em Tesmoforiantes o discurso eacute um empreacutestimo
das trageacutedias de Euriacutepides trata-se portanto de um agon paratraacutegico Em Pluto o agon eacute ad
absurdum porque o discurso de defesa do heroacutei serve para esclarecer seu plano utoacutepico e o
jogo de persuasatildeo eacute completamente anulado pela inesperada reviravolta do desfecho da
contenda
Em Paz a cena que preenche a funccedilatildeo do agon eacute classificada como um acessoacuterio
da accedilatildeo porque a natureza do discurso de Hermes eacute um relato retrospectivo a propoacutesito da
origem da guerra que por sua vez eacute um assunto de interesse coletivo
Segundo Duchemin (1968) outra funccedilatildeo do agon acessoacuterio da accedilatildeo na trageacutedia eacute
preparar a cena para a discussatildeo principal Nesse sentido as cenas que antecedem o agon na
comeacutedia e que satildeo preparatoacuterias para o debate satildeo denominadas proagon portanto
entendemos que o proagon eacute um acessoacuterio da accedilatildeo
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 16
O agon quando faz parte de um complexo agoniacutestico eacute tambeacutem centro da accedilatildeo
porque os argumentos do agon e o da peccedila satildeo os mesmos Isso ocorre em Acarnenses
Cavaleiros Nuvens e Vespas Nesas comeacutedias haacute mais de um agon que sendo um deles o
principal estatildeo separados por outras seccedilotildees da peccedila cuja impulsatildeo dramaacutetica estaacute em
constante progressatildeo o que desencadeia uma sucessatildeo de cenas que quanto agrave forma natildeo satildeo
agon mas quanto ao conteuacutedo trata-se de um prolongamento do debate que se estende ateacute o
final da peccedila Nessas comeacutedias a fabulaccedilatildeo se alicerccedila sobre uma rede entrelaccedilada de cenas
com conteuacutedo comum o que resulta numa contaminatio entre as seccedilotildees da estrutura Por
exemplo o paacuterodo que antecedendo o agon na disposiccedilatildeo das partes da comeacutedia torna-se por
contaminaccedilatildeo um paacuterodo-agoniacutestico Acarnenses e Lisiacutestrata satildeo comeacutedias que melhor
representam essa categoria que estamos denominando contaminatio A razatildeo disso eacute a
participaccedilatildeo ativa do coro como antagonista na fabulaccedilatildeo Jaacute Ratildes possuem um uacutenico agon
sem separaccedilatildeo por cenas uma vez que o agon ocupa toda a segunda parte da comeacutedia Trata-
se de um agon exemplar que expotildee o desenvolvimento progressivo do conflito
De acordo com Duchemin (1968) ao se referir ao agon na trageacutedia o debate com
duas personagens eacute a forma mais comum e configura-se na disputa de duas partes diante de
um juacuteri ou de o juacuteri ser ao mesmo tempo uma das partes do debate Jaacute a querela com mais de
trecircs personagens eacute uma forma que natildeo constitui a forma normal de discussatildeo visto que a
noccedilatildeo de agon repousa sobre um antagonismo completo e parece excluir toda nuanccedila
Essa distribuiccedilatildeo pode ocorrer na comeacutedia que se permite no entanto certas
variaccedilotildees como no agon I de Cavaleiros em que quatro personagens se projetam agrave revelia na
contenda Em Acarnenses o coro eacute adversaacuterio e tem um representante que eacute o rival do heroacutei
Em Tesmoforiantes o oponente do heroacutei eacute o coro Ao contraacuterio no agon II de Cavaleiros o
heroacutei tem apoio do coro e de um escravo contra o concorrente e haacute tambeacutem um juiz Jaacute em
Aves o coro eacute a princiacutepio contraacuterio ao heroacutei mas depois se torna seu partidaacuterio Haacute uma
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 17
terceira personagem que eacute o mediador da contenda e uma quarta que estaacute do lado do heroacutei Jaacute
nos agones de Nuvens o agon I expotildee um debate entre duas personagens sem a participaccedilatildeo
do heroacutei que soacute estaraacute presente no segundo agon da comeacutedia No agon I de Vespas haacute trecircs
personagens uma das quais eacute o coro que toma partido de um dos lados jaacute no agon II a
contenda se limita a duas personagens Em Paz Lisiacutestrata Assembleacuteia de mulheres e Pluto o
conflito ocorre com duas personagens e com a ausecircncia de um juiz Em Ratildes a querela entre
duas personagens tem a presenccedila de um aacuterbitro
Para aleacutem de uma simples contagem dos litigantes envolvidos no conflito a
comeacutedia atribui funccedilotildees aos participantes da contenda Isso porque as personagens cocircmicas
assumem funccedilotildees na fabulaccedilatildeo consequumlentemente tambeacutem no agon E o uacutenico documento
que a Antiguumlidade nos legou a esse respeito foi o Tractatus Coislinianus XII em que satildeo
citadas as seguintes funccedilotildees (βωμολόχος) bomolochos bufatildeo (εἴρων) eiron irocircnico
dissimulador (ἀλαζών) alazon fanfarratildeo5 - sem qualquer desenvolvimento delas na
personagem cocircmica - Somente no seacuteculo XX esses termos vatildeo merecer um estudo dirigido agrave
personagem sobretudo no heroacutei e sua atuaccedilatildeo na comeacutedia em geral sem se restringir a uma
parte do texto
A funccedilatildeo bomolochos6 eacute mateacuteria no estudo pioneiro de W Suumlss
7 (1905 apud
GELZER 1960) em que o autor a interpreta como um interventor cujos comentaacuterios e
apartes prestam-se ao riso por meio de jogos de palavras chistes sem relevacircncia anedotas
obscenas enfim o que possa oferecer um suporte humoriacutestico agrave discussatildeo e
consequumlentemente agrave cena O bomolochos tem funccedilotildees diferentes (GELZER 1960 p 124-
125) no contexto da accedilatildeo ou eacute coadjuvante do heroacutei ou ao contraacuterio eacute juiz da contenda e
5 Reza o texto ἤθη κωμῳδίας τά τε βωμολόχα καὶ τὰ εἰρωνικὰ καὶ τὰ τῶν ἀλαζόνων 6 Literalmente o vocaacutebulo βωμολόχος significa ―aquele que fica agraves escondidas (λόχος) dos altares (βωμός)
para se aproveitar das oferendas ou para mendigaacute-las com mofas ou lisonjas 7 Gelzer (1991) aponta aleacutem do estudo pioneiro de W Suumlss (1905 p 68-70) os trabalhos de H J Newiger
(1957 p 33-49) e de M Landfesten (1967 p 48-78) publicados respectivamente em Bonn Munich e
Amsterdam
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 18
seus apartes tecircm um significado no contexto Como coadjuvante cujas intervenccedilotildees natildeo
servem para o desenvolvimento da accedilatildeo e natildeo fazem senatildeo dirigir-se ao puacuteblico com glosas eacute
possiacutevel em trecircs situaccedilotildees i) sozinho e interlocutor do puacuteblico ii) acompanhado com outra
personagem e co-orador iii) acompanhado com vaacuterias personagens e comentarista de um
diaacutelogo ou de uma accedilatildeo
Em seu livro The origin of Attic Comedy Cornford (1968 p 115-162) analisa as
funccedilotildees bomolochos eiron e alazon na personagem do heroacutei cocircmico que para esse autor estaacute
sempre enquadrado nas duas primeiras categorias Segundo Aristoacuteteles (Retoacuterica 318 1419 b
8-10) o bufatildeo (bomolochos) procura seu prazer zombando do outro enquanto que o irocircnico
(eiron) pelo riso procura o prazer para si mesmo Jaulin (2000 p 319) interpreta essa
evocaccedilatildeo de utilidade do riso como uma distinccedilatildeo entre duas formas da produccedilatildeo do risiacutevel o
irocircnico provoca o riso agraves custas dos outros enquanto que o bufatildeo provoca o riso nos outros a
suas custas
Na opiniatildeo de Whitman (1964 p 27) natildeo haacute um eiron autecircntico nas personagens
aristofacircnicas apenas uma variedade de alazones Jaacute para McLeish (1980 p 53-56) o eiron eacute
irocircnico finge e dissimula suas qualidades e habilidades e o alazon8 eacute espalhafatoso
fanfarratildeo e pretende ter habilidades que natildeo satildeo suas Em princiacutepio esses dois tipos podem
tambeacutem cobrir figuras secundaacuterias em Aristoacutefanes Mas o heroacutei tambeacutem pode representar o
eiron e nesse caso eacute dotado de habilidade para banir o alazon Este por sua vez num niacutevel
mais desenvolvido torna-se uma personagem maior da accedilatildeo geralmente o adversaacuterio do
heroacutei McLeish (1980) tambeacutem amplia essas funccedilotildees atribuindo ao heroacutei uma natureza
multiforme ou como spoudaios ndash personagem soberba seacuteria e sincera ndash ou como
bomolochos ndash bufatildeo ndash ou como poneros ndash espertalhatildeo matreiro Na opiniatildeo dele a natureza
multiforme do heroacutei facilita-lhe adaptar sempre uma resposta para perguntas de cada
8 A presenccedila desses dois tipos foi notada primeiramente por Aristoacuteteles afirma McLeish (1980 p 53)
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 19
confronto particular o que nos parece mais apropriado Nessa mesma linha de anaacutelise
Thiercy (2007) tambeacutem estabelece mais de uma ao heroacutei que satildeo resultados de uma mistura
complexa natildeo apenas segundo o caraacuteter do indiviacuteduo mas tambeacutem segundo suas
necessidades
O conceito de ironia (eironeia) admite muitas interpretaccedilotildees9 e sua etimologia natildeo
eacute satisfatoacuteria (CHANTRAINE 1999 p 326) Nenhuma ocorrecircncia desse termo eacute atestada
antes do periacuteodo da Guerra do Peloponeso quando Aristoacutefanes utiliza-o uma uacutenica vez em
Nuvens (v 449) Aristoacuteteles em seus tratados sobre a eacutetica jaacute chamava a atenccedilatildeo para a sutil
relaccedilatildeo entre os termos eiron e alazon Whitman (1964 p 26) McLeish (1980 p 53) e
Thiercy (2007 p 187) homologam essa capciosa relaccedilatildeo entre os termos apontada pelo
filoacutesofo grego Os termos eiron e alazon10
estatildeo estritamente ligados a ponto de
compartilharem a mesma noccedilatildeo de fingimento e dissimulaccedilatildeo o eiron finge ironicamente
suas verdadeiras qualidades e habilidades e o alazon finge demasiadamente ter qualidades e
habilidades que natildeo satildeo propriamente suas
As duas uacuteltimas categorias poneros e spoudaios satildeo antagocircnicas em seus
sentidos a primeira carrega todos os defeitos enquanto que a segunda todas as virtudes
Contrariamente aos valores da epopeacuteia e da trageacutedia a comeacutedia revira os valores correntes e
as personagens cocircmicas sobretudo o heroacutei triunfam graccedilas a sua poneria isto eacute uma mistura
de embuste de atrevimento e de torpeza Esses atributos que carregam um sentido negativo
fora da comeacutedia tornam-se positivos nela Como bem observou Whitman (1964 p 29) e
tambeacutem Thiercy (2007 p 187) Aristoacutefanes eacute capaz de reverter as implicaccedilotildees de sentido de
uma palavra como por exemplo πονηρός que vem a ser atributo a uma personagem
espertalhona astuciosa O poneros eacute engenhoso e na opiniatildeo de McLeish (1980 p 55 123)
9 De acordo com o artigo de Pavlovskis (1968 p 22) em que o autor expotildee as muitas interpretaccedilotildees do conceito
de ironia a partir de Aristoacutefanes passando por Platatildeo Aristoacuteteles Teofrasto ateacute chegar nos filoacutesofos ciacutenicos 10 Segundo Thiercy (2007) o vocaacutebulo alazṓn eacute empregado 16 vezes em Aristoacutefanes valor que natildeo confere com
Perseus Digital Library (2006) que constata 13 empregos
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 20
essa arguacutecia o torna invenciacutevel em qualquer situaccedilatildeo de confronto e ao contraacuterio do poneros
que tem total controle e domina a accedilatildeo em cena o bomolochos em geral reage com bufonaria
ao que acontece em sua volta
O termo spoudaios aparece na definiccedilatildeo de trageacutedia formulada por Aristoacuteteles11
(Po 49 b 24) e nos causa a princiacutepio um certo estranhamento quando o vemos tambeacutem
dirigido agrave comeacutedia Esse paradoxo se explica porque ndash embora o termo seja um predicativo de
accedilotildees nobres soberbas elevadas das personagens traacutegicas ndash as personagens cocircmicas natildeo satildeo
apenas dotadas de bomolochia poneria e alazoneiacutea mas tambeacutem na sua irreverecircncia satildeo
personagens que demonstram seriedade e elevaccedilatildeo nos seus propoacutesitos eacute louvaacutevel desejar a
paz ou beneficiar a humanidade ou ainda se preocupar com o futuro da polis O spoudaios natildeo
eacute tatildeo engraccedilado na sua maneira de ser e pensar Suas accedilotildees entretanto levam ao riso porque
as outras personagens reagem a elas com escaacuternio
Concordo com McLeish (1980) Thiercy (2007) e Whitman (1964) que essas
funccedilotildees se aplicam em grande parte agrave classificaccedilatildeo do heroacutei cocircmico e de seu adversaacuterio
Admite-se portanto que a natureza multiforme do heroacutei cocircmico cuja facilidade de adaptaccedilatildeo
eacute bastante grande porque o heroacutei cocircmico sempre tem conforme a situaccedilatildeo um discurso de
defesa pronto para cada confronto particular E assim sendo interpreto que a poneria estaacute por
traacutes desse caraacuteter flexiacutevel do heroacutei que lhe confere muita habilidade e astuacutecia Logo a funccedilatildeo
poneros aflora com nuanccedila de grau em todos os heroacuteis aristofacircnicos com seus projetos
mirabolantes
2 Definiccedilatildeo do objeto e delimitaccedilatildeo do corpus
O agon na sua akme (ἀκμή)12
segundo Duchemin (1969 p 47) compotildee-se
normalmente de duas ―tiradas opostas representando as situaccedilotildees ou as teses contraacuterias de
11 Diz o texto aristoteacutelico ἔστιν οὖν τραγῳδία μίμησις πράξεως σπουδαίας 12 Esse termo eacute entendido como ―o ponto culminante no caso no debate
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 21
duas personagens em confronto agraves vezes de uma maneira bastante excepcional haacute trecircs
personagens Essas ―tiradas satildeo seguidas de um tipo de resoluccedilatildeo do conflito em reacuteplicas
mais raacutepidas resultando numa esgrima de versos alternados conhecida sob o nome de
esticomitia Essas consideraccedilotildees que satildeo proacuteprias agrave trageacutedia podem ser ateacute certo ponto
aplicadas agrave comeacutedia embora natildeo se deva perder de vista que o agon cocircmico eacute muito mais
complexo e amplo porque se trata de uma das partes da comeacutedia portanto com uma estrutura
formal e meacutetrica especiacutefica
Corre-se um risco ao se definir o agon porque eacute preciso que se leve em conta sua
diversidade formal e temaacutetica Daiacute o(s) agon(nes) de algumas comeacutedias terem caracteriacutesticas
que estatildeo ausentes em outras peccedilas a ponto de se cogitar a ausecircncia de agon13
Das onze
comeacutedias oito possuem um ou dois agones quanto agraves trecircs comeacutedias restantes Acarnenses
Paz e Tesmoforiantes haacute uma discussatildeo da presenccedila ou natildeo de um agon Neste trabalho
partimos do pressuposto de que todas as comeacutedias de Aristoacutefanes possuem agon inclusive em
Acarnenses Paz e Tesmoforiantes porque nessas comeacutedias haacute cenas que estatildeo no lugar de
uma cena de agon e de certa forma cumprem tal funccedilatildeo
Tecnicamente o agon na comeacutedia eacute uma seccedilatildeo de natureza dialeacutetica14
debate
entre dois contendores com a presenccedila ou natildeo de um aacuterbitro e agraves vezes com a presenccedila de
uma terceira personagem ou mais Essa definiccedilatildeo stricto sensu eacute entretanto incapaz de dar
conta do objeto todo A definiccedilatildeo de agon pode ser mais bem entendida a partir de sua
etimologia pluralidade temaacutetica funccedilatildeo dramaacutetica estrutura formal (composiccedilatildeo meacutetrica) ndash
que passamos a expor -
13 Essa discussatildeo seraacute abordada no capiacutetulo III infra 14 O termo dialeacutetico eacute entendido neste estudo tanto na classe adjetiva quanto nominal Como adjetivo diz
respeito a ―algo que eacute proacuteprio da discussatildeo ou haacutebil na discussatildeo como nome entende-se ἡ διαλεκτική como ―a arte de raciocinar empregando a conversa
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 22
Quanto agrave ETIMOLOGIA o termo agon possui a princiacutepio o sentido de jogo
luta competiccedilatildeo e com esses significados estaacute documentado quatro vezes na obra de
Aristoacutefanes
i) Ἄνδρες τι πεισόμεσθα Νῦν ἀγὼν μέγας Paz (v 276)
Senhores o que vai nos acontecer Eacute chegada a hora da importante luta
ii) Ἔπειτrsquo ἀγῶνά γrsquoεὐθὺς ἐξέσται ποιεῖν Paz (v 894)
Em seguida vocecirc teraacute logo o direito de organizar os jogos
iii) πῶς ἅν ποιῶν τὸν Ὀλυμπικὸν αὐτὸς ἀγῶνα Pluto (v 584)
como pode ele proacuteprio organizar os jogos oliacutempicos
iv) ποιεῖν ἀγῶνας μουσικοὺς καὶ γυμνικούς Pluto (v 1163)
organizar competiccedilotildees de muacutesica e de ginaacutestica
A primeira passagem refere-se ao final do proacutelogo em que Trigeu faz comentaacuterios
e observa escondido a Guerra e seu ajudante Tumulto que preparam numa cena de fundo
―culinaacuterio a aniquilaccedilatildeo dos gregos Na segunda passagem trata-se de uma cena episoacutedica
em que Trigeu de regresso a sua casa inicia os preparativos para comemorar seu ecircxito A
terceira passagem encontra-se na cena do agon de Pluto Penia ao se enfrentar com Crecircmilo
justifica que Zeus tambeacutem eacute pobre porque nos jogos oliacutempicos os vencedores satildeo
contemplados com uma simples coroa de oliveira ao inveacutes de ouro O quarto emprego ocorre
na cena episoacutedica entre Hermes e Cariatildeo ξom a crise que se abateu no Olimpo Hermes tenta
se arranjar entre os mortais e sendo um deus de muitos epiacutetetos busca numa de suas
habilidades uma funccedilatildeo na casa de Crecircmilo
Nesses exemplos o termo agon estaacute empregado como um vocaacutebulo pertencente
ao leacutexico da liacutengua como qualquer outra palavra Entretanto seu emprego principal na obra de
Aristoacutefanes ocorre quando esse termo introduz uma nova seccedilatildeo da estrutura do texto de
natureza dialeacutetica que determina um debate Com esse sentido a palavra agon aparece oito
vezes no texto aristofacircnico
i) ὡς σκψιν ἁγὼν οὗτος οὐκ εἰσδέξεται Acarnenses (v 392)
jaacute que este debate natildeo pode admitir rodeio
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 23
ii) ἆρrsquo οἶσθα ὅσον τὸν ἀγῶνrsquo ἀγωνιεῖ τάχα Acarnenses (v 481)
por acaso vocecirc tem ideacuteia do tamanho do debate que vai ocorrer em breve
iii) ἧς πέρι τοἶς ἐμοῖς φίλοις ἐστὶν ἀγὼν μέγιστος Nuvens (v 958)
a respeito da qual estaacute para acontecer um super debate entre meus amigos
iv) ὁρᾷς γὰρ ὥς afinal vocecirc percebe que
σοι μέγας ἐστὶν ἁγὼν um importante debate estaacute para te acontecer
Vespas (v 533)
v) ἀγῶνα ποιεῖν αὐτίκα μάλα καὶ κρίσιν Ratildes (v 785)
organizar o mais raacutepido possiacutevel um debate e um juacuteri
vi) οὐκ ἐξ ἴσου γάρ ἐστιν ἁγὼν νν Ratildes (v 867)
pois o debate natildeo estaacute em peacute de igualdade para noacutes dois
vii) ἀγῶνα κρῖναι τόνδε μουσικώτατα Ratildes (v 873)
para julgar esse debate conforme as regras das Musas
viii) νῦν γὰρ ἀγὼν σοφίας ὁ μέγας χωρεῖ πρὸς ἔργον ἤδη Ratildes (v 884)
eacute agora que o grande debate de talento daacute iniacutecio nesse instante a sua execuccedilatildeo
Nessas passagens o termo agon estaacute presente ou em cenas preparatoacuterias
chamadas proagon ou na abertura do proacuteprio agon Na primeira passagem que se refere a
Acarnenses o vocaacutebulo eacute empregado nas cenas de introduccedilatildeo e corresponde ao
antikatakeleusmos em que o corifeu representando o coro chama a atenccedilatildeo de Diceoacutepolis Jaacute
na segunda passagem que tambeacutem aparece em Acarneneses o agon estaacute na iminecircncia de
comeccedilar E desse modo sob a forma de soliloacutequio Diceoacutepolis busca em suas forccedilas internas
o auto-encorajamento No terceiro fragmento o termo eacute empregado no final da ode do agon I
de Nuvens trata-se de uma evoluccedilatildeo coral em que o coro anuncia o debate que vai se
desenrolar entre os Raciociacutenios alegorias na peccedila O quarto extrato pertence a Vespas e o
termo tambeacutem eacute empregado na ode portanto iniacutecio do agon em que o canto do coro eacute
interrompido por Bdelicleatildeo quando o coro que se dirige a ele tenta abrir a discussatildeo que vai
ocorrer entre pai e filho A quinta citaccedilatildeo de Ratildes compotildee uma cena episoacutedica em que Eacuteaco e
Xacircntias comentam os barulhos vindos da mansatildeo de Hades onde estaacute ocorrendo uma disputa
entre Eacutesquilo e Euriacutepides natildeo se trata ainda do agon da peccedila porque essa querela se passa
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 24
por enquanto no espaccedilo extra-mimeacutetico o agon comeccedila a partir do momento em que a cena
se abre para a discussatildeo entre os tragedioacutegrafos e cabe a Hades organizar imediatamente um
debate entre os poetas com presenccedila de um juacuteri As trecircs menccedilotildees seguintes pertencem ao
proagon de Ratildes cena preparatoacuteria de tom provocativo entre as partes Na sexta citaccedilatildeo
Eacutesquilo protesta porque a disputa se faraacute em condiccedilotildees desiguais afinal sua poesia natildeo
morreu com ele como a de Euriacutepides Na seacutetima passagem Dioniso realiza o ritual
preparatoacuterio para as invocaccedilotildees E finalmente o coro anuncia que o agon estaacute em vias de
execuccedilatildeo
Esse caraacuteter apelativo das passagens acima tem como objetivo chamar a atenccedilatildeo
do puacuteblico situando-o no decorrer da accedilatildeo Nem sempre Aristoacutefanes se valeu dessa licenccedila
poeacutetica e nem sempre o agon estaacute apoacutes o paacuterodo como em Cavaleiros Vespas e Aves Pode
ocorrer de ele se localizar depois da paraacutebase como em Nuvens e Ratildes por exemplo Para
garantir o sucesso da comeacutedia no festival Aristoacutefanes soube rearranjar as seccedilotildees do texto de
acordo com seus interesses ou porque a fabulaccedilatildeo exigia ou por causa da conjuntura da
eacutepoca ou para assegurar a benevolecircncia do espectador num dos momentos mais esperados da
peccedila o agon cena de debate tatildeo cara aos atenienses amantes da retoacuterica
Quanto agrave PLURALIDADE temaacutetica nos agones de Cavaleiros cuja proposiccedilatildeo eacute
uma saacutetira ao governo do demagogo Cleatildeo portanto agrave poliacutetica interna de Atenas a caricatura
e a invectiva estatildeo em relevo no conteuacutedo poliacutetico dos agones em que o escravo Paflagocircnio
representando o estadista e Agoraacutecrito um salsicheiro representante do homem comum se
enfrentam numa discussatildeo elaborada segundo a equaccedilatildeo poliacuteticaculinaacuteria Nos agones de
Vespas Aristoacutefanes traz agrave cena uma paroacutedia dos tribunais de Atenas e tambeacutem faz uma criacutetica
agrave poliacutetica interna conduzida por Cleatildeo Nessa proposta da comeacutedia e dos agones fica bem
marcado o choque de geraccedilotildees entre pai e filho Filocleatildeo caricatura dos magistrados e
partidaacuterio de Cleatildeo e Bdelicleatildeo opositor a Cleatildeo respectivamente A temaacutetica de
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 25
Assembleacuteia de mulheres tambeacutem se refere agrave poliacutetica interna com enfoque na economia e pode
ser entendida por um silogismo distorcido que na opiniatildeo de Thiercy (2007 p 101-102) se
torna um paralogismo jaacute que Praxaacutegora emprega uma conjunccedilatildeo de falsos argumentos i) o
sexo masculino estaacute no poder ii) a poliacutetica interna vai mal iii) entatildeo que se decirc o poder agraves
mulheres iv) consequumlentemente a poliacutetica interna iraacute melhor Aves e Pluto satildeo comeacutedias que
tambeacutem criticam a poliacutetica interna Na primeira o heroacutei planeja fundar uma nova cidade no
mundo das aves e na segunda o plano do heroacutei eacute curar a cegueira do deus Pluto para que a
riqueza seja distribuiacuteda a todos e banir a pobreza da Greacutecia
Em Acarnenses Paz e Lisiacutestrata o que estaacute em discussatildeo eacute a poliacutetica externa
como causa da guerra e tambeacutem o oportunismo de alguns cidadatildeos favoraacuteveis ao conflito em
benefiacutecio proacuteprio e detrimento da populaccedilatildeo Na comeacutedia Acarnenses o heroacutei Diceoacutepolis se
volta contra isso e no agon cuja composiccedilatildeo empresta a cena agoniacutestica da trageacutedia
euripidiana Telefo ele se manifesta pela causa da paz se natildeo para os gregos ao menos para
si Em Paz Trigeu ao contraacuterio da treacutegua individual negociada por Diceoacutepolis quer a paz
pan-helecircnica e estando ela alegoria na peccedila aprisionada ele vai em seu socorro O heroacutei
depara-se entretanto com Hermes e o agon se dilui numa seacuterie de cenas irregulares ateacute que
felizmente a Paz eacute libertada e devolvida aos gregos Em Lisiacutestrata a heroiacutena de mesmo nome
tem um projeto muito parecido com o de Trigeu alcanccedilar a paz pan-helecircnica Essa empresa
todavia tambeacutem encontra oposiccedilatildeo E o agon vai se desenrolar natildeo apenas entre Lisiacutestrata e o
Conselheiro mas tambeacutem entre dois semi-coros
Nuvens fazem uma criacutetica agrave conjuntura educacional de Atenas no seacuteculo V
momento em que com o advento da sofiacutestica satildeo apresentados novos rumos para a paideacuteia
grega assunto do agon entre os Raciociacutenios Justo e Injusto esse representando a neacutea-paideacuteia
aquele a archaiacutea-paideacuteia A verve cocircmica do poeta estaacute voltada ao contexto cultural com Ratildes
e Tesmoforiantes cujas propostas natildeo diz respeito agrave educaccedilatildeo como em Nuvens mas agrave criacutetica
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 26
literaacuteria Nesse sentido o agon de Ratildes pode ser considerado um tratado de dramaturgia sobre
as poeacuteticas esquiliana e euripidiana Quanto agrave comeacutedia Tesmoforiantes num primeiro instante
trata-se de uma paroacutedia agrave assembleacuteia no entanto a proposta da peccedila eacute uma criacutetica literaacuteria
que com o recurso da paroacutedia discute a construccedilatildeo da personagem feminina nas trageacutedias de
Euriacutepides Assim estando o tema da peccedila em relevo na discussatildeo do agon e sendo ele uma
seccedilatildeo da comeacutedia o agon eacute uma ceacutelula importante no todo orgacircnico da composiccedilatildeo cocircmica
Do ponto de vista da FUNCcedilAtildeO DRAMAacuteTICA o agon como uma seccedilatildeo da
estrutura da comeacutedia quando anunciado certamente despertava as expectativas no auditoacuterio
As partes da comeacutedia que se sucedem em ordem fixa - proacutelogo paacuterodo agon paraacutebase
episoacutedios intercalados por interluacutedios e ecircxodo - oferecem ao poeta um controle sobre as
expectativas do puacuteblico ao sinalizar o curso da accedilatildeo Gelzer (1991 p 59) levanta a hipoacutetese
de que o espectador ateniense do seacuteculo V tinha um conhecimento sobre a praacutetica teatral pelo
menos quanto aos elementos estruturais fixos Tal conhecimento segundo esse autor eacute um
dos requisitos fundamentais para que o poeta possa utilizaacute-los na construccedilatildeo de sua comeacutedia
Com eles haacute a expectativa do puacuteblico no andamento da fala da accedilatildeo ou da representaccedilatildeo
Aristoacutefanes podia empregaacute-los ou para com eles despertar as respectivas expectativas ou para
conduzir ou para confundir o espectador no jogo teatral Gelzer (1991) conclui que o jogo
com esses elementos fixos sobretudo o agon apoacutes o paacuterodo eacute o jogo com as expectativas do
puacuteblico Entendemos portanto que as estruturas fixas como uma teacutecnica dramaacutetica
demonstram o sentido de utilizaccedilatildeo dessa teacutecnica por Aristoacutefanes e como ele a aplica pois o
agon eacute um instrumento nas matildeos do poeta cujo fim eacute atingir efeitos dramaacuteticos com os quais
ele poderia contar para o sucesso da peccedila no festival
Na estrutura formal do agon a presenccedila do epirrema ou um outro metro que o
substitua na equivalecircncia do conteuacutedo eacute o sema comum a todas as situaccedilotildees consideradas
agon Quanto agrave forma o agon estaacute dividido em partes identificadas pelos metros que estatildeo
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 27
nelas empregados A visatildeo desse sistema meacutetrico deveu-se a Zielinski (1885 apud GELZER
1960) que identificou que a siziacutegia epirremaacutetica ou ―parte coordenada eacute comum em trecircs
seccedilotildees da estrutura da comeacutedia paacuterodo agon e paraacutebase No que concerne ao agon esse se
caracteriza de maneira muito precisa pela introduccedilatildeo de partes codificadas diferenciadas pela
sua estrutura meacutetrica Trata-se de uma regularidade que toma as formas da chamada siziacutegia
epirremaacutetica isto eacute um par de discursos em tetracircmetros cada um introduzido por uma ode
coral em que eacute estabelecida a seguinte subdivisatildeo
i) odeantode partes corais cantadas em metro livre pelo coro e podem ser interrompidas por
versos em tetracircmetros dialogados pelas personagens
ii) katakeleusmos antikatakeleusmos satildeo exortaccedilotildees do coro a ambos os contendores para
dar iniacutecio agrave discussatildeo
iii) epirrema antepirrema15
partes recitadas em tetracircmetros trocaicos pelas personagens que
expotildeem suas teses se haacute interferecircncia natildeo eacute feita pelo coro salvo quando ele eacute uma das
partes na discussatildeo as objeccedilotildees vecircm do adversaacuterio ou de uma terceira personagem o
bomolochos
iv) pnigos antipnigos conclusatildeo dos epirremas composta de diacutemetros trocaicos e recitadas
rapidamente num soacute focirclego
v) sphragis16
o corifeu anuncia o vencedor do debate
Um agon duplo isto eacute com as partes simeacutetricas que compotildeem a siziacutegia
epirremaacutetica nem sempre estaacute presente no corpo de uma comeacutedia uma ou outra parte podem
estar ausentes conforme podemos constatar a seguir no quadro que expotildee o corpus a ser
analisado neste estudo
15 katakeleusmos e epirrema satildeo recitados em tetracircmetros do mesmo metro (jacircmbicos trocaicos ou anapeacutesticos) 16 Segundo Gelzer (1960 p 4 120-123) a sphragis eacute tatildeo esporaacutedica e raramente atestada que eacute questionaacutevel se
se trata de uma seccedilatildeo da estrutura agoniacutestica Como estamos seguindo tambeacutem as demarcaccedilotildees de Mazon
(1904) Pickard-Cambridge (1966) e Moumlllendorff (2002) quando a sphragis eacute indicada por um deles ou pelos
dois estamos considerando-a como uma seccedilatildeo do agon
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 28
Cavaleiros I Nuvens I Vespas I Ratildes ode 303-332 ode 949-958 ode 334-345 ode 895-904
katakeleusmos 333-334 katakeleusmos 959-960 katakeleusmos 346-347 katakeleusmos 905-906 epirrema 335-366 epirrema 961-1008 epirrema 348-357 epirrema 907-970
pnigos 367-381 pnigos 1009-1023 pnigos 358-364 pnigos 971-991 antode 382-406 antode 1024-1033 antode 365-379 antode 992-1003
antikata 407-408 antikata 1034-1035 antikata 380-381 antikata 1004-1005 antepirrema 409-440 antepirrema 1036-1084 antepirrema 382-402 antepirrema 1006-1076
antipnigos 441-456 antipnigos 1085-1104 antipnigos natildeo haacute antipnigos 1077-1098 sphragis 457-460 sphragis 402-414
Cavaleiros II Nuvens II Vespas II
ode 756-760 ode 1345-1350 ode 526-545 cenas iacircmbicas
intercaladas com
interluacutedios do
coro
1099-1499 katakeleusmos 761-762 katakeleusmos 1351-1352 katakeleusmos 546-547
epirrema 763-823 epirrema 1353-1385 epirrema 548-620 pnigos 824-835 pnigos 1386-1390 pnigos 621-630
antode 836-840 antode 1391-1396 antode 631-647 antikata 841-842 antikata 1397-1398 antikata 648-649
antepirrema 843-910 antepirrema 1399-1445 antepirrema 650-718 antipnigos 911-940 antipnigos 1446-1451 antipnigos 719-724
sphragis 941 sphragis 725-727
Aves Lisiacutestrata Tesmoforiantes Acarnenses
ode 451-459 ode 476-483 katakeleusmos 381-382 paacuterodo com estrutura
epirremaacutetica do agon 280-357 katakeleusmos 460-461 katakeleusmos 484-485 1 discurso iacircmbico 383-432
epirrema 462-522 epirrema 486-531 ode 433-442 ode 490-495 pnigos 523-538 pnigos 532-538 2 discurso iacircmbico 443-458 cena iacircmbica 496-565 antode 539-547 antode 539-548 interluacutedio liacuterico 459-465 antode 566-571
antikata 548-549 antikata 549-550 3 discurso iacircmbico 466-519 cena iacircmbica 572-625 antepirrema 550-610 antepirrema 551-597 antode 520-530 sphragis 626-627
antipnigos 611-626 antipnigos 598-607 cenas iacircmbicas 531-573 sphragis 627-638 sphragis 608-613
Pluto Assembleacuteia de Mulheres Paz
katakeleusmos 486-487 ode 571-580 katakeleusmos 601-602 epirrema 488-597 katakeleusmos 581-582 epirrema 603-650
pnigos 598-618 epirrema 583-688 pnigos 651-656 pnigos 689-709
De acordo com o quadro acima quatro comeacutedias possuem sua forma completa
Cavaleiros I e II Vespas II Aves e Lisiacutestrata Duas natildeo possuem sphragis Nuvens I e II Ratildes
O agon I de Vespas natildeo possui antipnigos Trecircs comeacutedias apresentam a forma bem reduzida
de agon Paz Assembleacuteia de mulheres e Pluto Essas duas uacuteltimas peccedilas que representam a
Comeacutedia Meacutedia jaacute sinalizam uma gradaccedilatildeo do agon o que levanta a hipoacutetese de seu
enfraquecimento progressivo ateacute seu desaparecimento (NAVARRE 1911 p 255) O caso de
Acarnenses e Tesmoforiantes eacute peculiar devido agrave forma extremamente modificada em que
apenas satildeo mantidas as seccedilotildees corais enquanto que a ausecircncia das partes epirremaacuteticas eacute
substituiacuteda por discursos iacircmbicos cujo conteuacutedo eacute muito proacuteximo do conteuacutedo epirremaacutetico
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 29
Na opiniatildeo de Mazon (1904 p 173-174) esse sistema duplicado ou simeacutetrico deu-
se porque o agon manifestou-se de duas formas o combate fiacutesico e o combate verbal que se
sucederam um ao outro Mazon propotildee entatildeo o que Duchemin (1968 p 31) tambeacutem aceita
como hipoacutetese no komos primitivo em que se constatam ataques com invectivas grosseiras
encontram-se duas formas de expressatildeo os combates fiacutesicos herdeiros de uma cena beacutelica e
os combates dialeacuteticos Dessas duas formas de conflito a primeira foi a mais antiga Por causa
desse fato a estrutura agoniacutestica que eacute tambeacutem parabaacutetica conforme proposta de Zielinski
(1885 apud GELZER 1960) se explica facilmente o canto guerreiro sugeriria o canto do
coro (ode) uma ordem de movimento inspiraria o encorajamento do corifeu (katakeleusmos)
a batalha proporcionaria o discurso explicativo entre as partes (epirrema) enfim o canto de
vitoacuteria inspiraria a exaltaccedilatildeo do vencedor num uacutenico focirclego (pnigos ou makron) Esse quadro
de luta foi desdobrado de maneira a dar ora a vitoacuteria a um ora a outro Talvez tenha sido isso
que sugeriu a ideacuteia de dois discursos de defesa adversos tal qual havia nos tribunais e de
guerreiro o agon tornou-se dialeacutetico
Nas comeacutedias de Aristoacutefanes eacute frequumlente o emprego de metaacuteforas militares que
parecem dar sustentaccedilatildeo agrave interpretaccedilatildeo de Mazon (1904) Vejamos alguns exemplos de
caraacuteter ilustrativo sem a pretensatildeo de esgotar o assunto17
em Cavaleiros (vv 14 339 416) o
emprego do verbo μάχομαι e seu derivado διαμάχομαι traduz a imagem de ―lutar
intensamente ou ―lutar com uma finalidade em Acarnenses (v 368) Diceoacutepolis estaacute
disposto a enfrentar o inimigo mesmo sem escudo (οὐχ ἐνασπιδώσομαι) ao contraacuterio em
Nuvens (v 1160-1161) a liacutengua passa a ser uma arma de guerra que Estrepsiacuteades deseja como
proteccedilatildeo eficaz πρόβολος que no contexto da peccedila tem o sentido de ―muralha para que
ele possa natildeo soacute se proteger mas tambeacutem se defender no tribunal o verbo ἐπαναστρέφω
17 A propoacutesito das imagens e metaacuteforas em Aristoacutefanes cf Taillardat (1965)
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 30
―contra-atacar portanto pertencente ao contexto militar estaacute presente em Ratildes (v 1102) e
Cavaleiros (v 244) ou seja a metaacutefora transforma palavras em armas
3 Resenha criacutetica da bibliografia especiacutefica
Natildeo se pretende fazer uma resenha exaustiva da bibliografia referente ao agon na
comeacutedia antiga mas discutir as convergecircncias e divergecircncias criacuteticas e assim estabelecer
diretrizes e criteacuterios para o estudo concernente aos capiacutetulos seguintes
Segundo Gelzer (1991 p 52-53) os gramaacuteticos da Antiguumlidade investigaram
apenas a paraacutebase Somente no seacuteculo XIX deu-se ecircnfase ao estudo do agon Uma fonte
bibliograacutefica que nos oferece um panorama histoacuterico desse comeccedilo de pesquisa sobre o agon
eacute o artigo de Humphreys (1887) The Agon of the Comedy De acordo com esse autor o
trabalho pioneiro no estudo do agon eacute de Rudolph Westphal e se intitula Metrik der Griechen
Esse estudo traz um claro relato da forma e natureza de uma parte principal da cena de
discussatildeo chamada de syntagma (com antisyntagma) Essa cena de conflito foi tratada como
uma passagem da epeisoidie e considerada uma seccedilatildeo da estrutura sem uma harmonia entre
ela e a importacircncia de uma subdivisatildeo precisa da peccedila Tratava-se portanto de um elemento
da estrutura desarticulado Alguns editores na eacutepoca como Kock e Teuffel julgaram
importante o trabalho de Westphal E jaacute no final do seacuteculo XIX helenistas fizeram um estudo
cuidadoso da obra de Aristoacutefanes e dos fragmentos dos poetas cocircmicos com o objetivo de
apurar a origem e traccedilar a histoacuteria do agon A primeira providecircncia foi substituir o termo agon
por syntagma proposto por Westphal e depois nomear suas partes Chegou-se a conclusatildeo de
que se tratava de uma seccedilatildeo importante da estrutura da comeacutedia e que trecircs delas ndash Acarnenses
Paz e Tesmoforiantes ndash eram desprovidas desse syntagma
Entretanto em 1885 Theodor Zielinski (apud GELZER 1960) escreve Die
Gliederung der atattischen Komoedie em que ele analisa natildeo soacute a Comeacutedia Antiga mas
tambeacutem o modo de toda performance das peccedilas e a relaccedilatildeo da comeacutedia com a trageacutedia no que
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 31
diz respeito agrave forma Ao inveacutes de syntagma termo proposto por Westphal ele adota o termo
agon Seu trabalho privilegia a anaacutelise de Vespas no qual se demonstra que a uacuteltima parte do
paacuterodo eacute uma introduccedilatildeo para o agon e agraves vezes forma-se uma cena separada um proagon
assim chamado por ele O segundo meacuterito do estudo de Zielinski estaacute na teoria sobre a
composiccedilatildeo epirremaacutetica da comeacutedia comparada com a epeisodie da trageacutedia Ele observa que
nessa composiccedilatildeo se alternam passagens cantadas e recitadas que em conjunccedilatildeo e
simetricamente duplicadas receberam o nome de siziacutegia epirremaacutetica Tal estrutura tambeacutem
estaacute presente na paraacutebase e no paacuterodo Assim Zielinski demonstra que atraveacutes dessa triacuteade
(paacuterodo agon paraacutebase) o agon natildeo era um elemento desarticulado da estrutura segundo
estudo de Westphal Ao analisar as cenas de confronto denominando-as de agon Zielinski
interpretou-as como um debate entre duas personagens que defendem pontos de vista
contraditoacuterios
No iniacutecio do seacuteculo XX helenistas franceses rebatem alguns pontos do trabalho
de Zielinski (1885 apud GELZER 1960) Segundo Navarre (1911 p 250-251) a falha de
Zielinski consiste no fato de ele crer que o agon natildeo tinha outro emprego Afinal nessa cena
de luta Aristoacutefanes inseriu tambeacutem contendas violentas grosseiras com ameaccedilas corporais
Quadros cecircnicos dessa natureza Mazon (1904) denominou scegravene de bataille Maurice Croiset
(1905 apud NAVARRE 1911) scegravenes de deacutefi e Navarre (1911) scegravene drsquoaltercation Para
Mazon (1904 p 173-174) o agon em Aristoacutefanes natildeo se restringe a discussatildeo apenas ―[] la
veacuteriteacute clsquoest que ce cadre de llsquoἀγών nlsquoest nullement reacuteserveacute agrave des discussions mais qulsquoil
accompagne aussi des combats veacuteritables des batailles des ἀγῶνες au sens concret du
mot E quando se trata de uma disputa verbal Mazon (1904 p 174) propotildee a expressatildeo
scegravene de deacutebat Na interpretaccedilatildeo de Croiset (1905 apud NAVARRE 1911 p 215) que
analisa o agon pela sua essecircncia e aparecircncia o agon natildeo eacute uma cena de debate em que estatildeo
em discussatildeo ideacuteias opostas Segundo Croiset o debate com pontos de vista opostos natildeo passa
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 32
de uma aparecircncia na comeacutedia pois o protagonista nunca encontra um adversaacuterio
verdadeiramente seacuterio O agon primitivo saiacutedo do komos interpreta Croiset devia sua
essecircncia natildeo a uma querela mas a uma ―demonstraccedilatildeo satiacuterica audaciosa empenhada por
uma uacutenica personagem o protagonista contra todos A esse respeito Navarre (1911) entende
que a expressatildeo ―demonstraccedilatildeo satiacuterica implica um desvio do debate primitivo e isso se
justifica atraveacutes de trecircs proposiccedilotildees i) que a forma primitiva do agon eacute sua estrutura
duplicada ii) que essa estrutura soacute tem razatildeo de ser segundo uma luta dialeacutetica com duas
personagens iii) que nessa estrutura manifesta-se um desacordo entre forma e conteuacutedo
Assim Aristoacutefanes submeteu o agon a trecircs funccedilotildees A primeira trata o agon como uma luta
dialeacutetica entre duas personagens com ou sem a presenccedila de uma terceira personagem A
segunda funccedilatildeo estabelece o agon como uma ameaccedila de luta corporal de agressatildeo fiacutesica E
por fim uma discussatildeo conduzida por uma uacutenica personagem
Whittaker (1935 p 181-191) escreve um ensaio em que ele analisa cinco seccedilotildees
fundamentais da comeacutedia proacutelogo paacuterodo agon paraacutebase e ecircxodo e discute a funccedilatildeo dessas
partes na estrutura da Comeacutedia Antiga em geral inclusive de alguns fragmentos Para
Whittaker (1935 p 84) quanto agrave forma o agon eacute um debate estritamente formal de estrutura
epirremaacutetica e estaacute precedido por um proagon cena curta em tetracircmetros iacircmbicos em que as
condiccedilotildees da disputa satildeo dispostas Nessa discussatildeo cabe ao coro as partes corais (ode
katakeleusmos sphragis) e aos agonistas as partes recitadas dos epirrhemata frequumlentemente
estaacute presente uma terceira personagem o bomolochos um bufatildeo que proporciona com suas
irrelevacircncias humoriacutesticas um realce cocircmico agrave cena Quanto ao conteuacutedo Whittaker
considera o agon uma importante ferramenta dramaacutetica nas matildeos de Aristoacutefanes porque o
heroacutei tem de lutar contra uma oposiccedilatildeo que geralmente se cristaliza no agon e torna-se o
ponto crucial da peccedila Nesse caso o agon eacute um verdadeiro debate natildeo apenas na forma mas
tambeacutem no conteuacutedo
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 33
O trabalho de Thomas Gelzer (1960) Der epirrhematische Agon bei
Aristophanes traz novo alento ao estudo do agon Pode-se reconhecer a importacircncia dessa
obra pelos seus comentadores (KOSTER 1961 p 253-258 DOVER 1961 p 120-122
NEWIGER 1965 JONES 1961 p 118-120 OSMUN 1963 p 42-48) O detalhado estudo
de Gelzer consiste em introduccedilatildeo e trecircs partes principais
Na introduccedilatildeo haacute uma discussatildeo para definir a terminologia a ser usada e um
exame da literatura antecedente sobre o assunto em que Gelzer comenta as pesquisas de
Rossbach Westphal Lettner e sobretudo Zielinski
Na primeira parte composta de cinco seccedilotildees o trabalho torna-se descritivo com
uma exposiccedilatildeo dos agones das comeacutedias existentes de Aristoacutefanes Na primeira seccedilatildeo haacute uma
anaacutelise da funccedilatildeo dramaacutetica do agon de acordo com suas partes e a relaccedilatildeo delas com a
funccedilatildeo do agon no todo A funccedilatildeo dramaacutetica do agon pode ser
i) marcar a transiccedilatildeo a partir do paacuterodo para o enredo principal da peccedila que estava disposto
no proacutelogo
ii) as odes natildeo interrompem o movimento dos discursos mas os dirigem
iii) inserccedilatildeo de diaacutelogos nas odes expandindo o epirrema e omitindo o pnigos
iv) mostrar como a forma impotildee o conteuacutedo ou como o conteuacutedo se adapta agrave estrutura os
versos que formam o antipnigos apesar do fato de que eles devam ter um efeito de
aceleraccedilatildeo tecircm no entanto um efeito apaziguador pelo menos no conteuacutedo
v) consideraccedilotildees sobre a posiccedilatildeo do agon na comeacutedia
A propoacutesito desse uacuteltimo toacutepico para Gelzer (1960) a localizaccedilatildeo da cena de agon
pode ocorrer em duas instacircncias Na primeira o agon pode estar como demonstrou Zielinski
(1885 apud GELZER 1960) apoacutes o paacuterodo respeitando uma sequumlecircncia determinada e uma
forma esquemaacutetica com conteuacutedo heterogecircneo Na segunda o agon se localiza apoacutes a
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 34
paraacutebase e a isso Gelzer deu o nome de diallage18
ou cena de reconciliaccedilatildeo ou acomodaccedilatildeo
que consiste de quatro elementos principais i) disputaargumentaccedilatildeo (Streit) ii) acordos por
meio de um juacuteri (Abmachungen uumlber ein Schiedesgericht) iii) negociaccedilatildeo (Verhandlung ndash o
agon propriamente dito) iv) julgamento (Urteil) Para Gelzer (1960) haacute comeacutedias em que
podem ocorrer agones que aparecem nessas duas categorias em outros casos como em
Lisiacutestrata pode-se detectar o que ele chamou de darlegungsagon ―agon de exposiccedilatildeo A
forma do agon epirremaacutetico na diallage eacute mais regular do que aquela apoacutes o paacuterodo
Na segunda seccedilatildeo da primeira parte discute-se individualmente cada parte do
agon epirremaacutetico A saber i) a funccedilatildeo da ode eacute introduzir o assunto dos discursos
epirremaacuteticos e provocar a expectativa do puacuteblico na antode (na diallage) o coro exalta o
primeiro contendor e encoraja o segundo a agir ii) os katakeleusmoi satildeo um convite ao
contendor (ou contendores) a falar e agraves vezes o assunto do debate eacute novamente repetido
assim haacute frequumlentemente uma continuaccedilatildeo das ideacuteias nas odes os epirremas satildeo discursos que
apresentam argumentos das partes e haacute uma anaacutelise de toda a parte epirremaacutetica em
Aristoacutefanes e o elo principal entre epirrema e antepirrema eacute o ponto de controveacutersia que eacute
fechado pelo pnigosantipnigos discute-se se a sphragis que conteacutem um elogio eacute de fato
uma parte do agon iii) haacute uma aplicaccedilatildeo dos resultados das investigaccedilotildees para a histoacuteria da
comeacutedia em geral
Na terceira seccedilatildeo da primeira parte destacam-se o estudo do bomolochos e a
influecircncia da retoacuterica cuja teacutecnica dialeacutetica eacute a sofiacutestica nas partes epirremaacuteticas O meacutetodo
pergunta-resposta (anakrisis) aparece no antepirrema porque a discussatildeo estaacute prestes a
acabar Na quarta seccedilatildeo Gelzer discute a relaccedilatildeo particular da forma e do conteuacutedo para uma
demarcaccedilatildeo de cenas semelhantes e estabelece elementos caracteriacutesticos essenciais Na quinta
18 Gelzer (1960) se apropria de uma personificaccedilatildeo criada por Aristoacutefanes cf Acarnenses (vv 989-999)
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 35
e uacuteltima seccedilatildeo da segunda parte discute-se a ausecircncia de agon em Acarnenses Paz e
Tesmoforiantes
Na terceira parte do livro haacute uma aplicaccedilatildeo dos resultados das investigaccedilotildees
anteriores para a histoacuteria da comeacutedia em geral i) breve anaacutelise dos fragmentos da comeacutedia
antiga nos predecessores de Aristoacutefanes a partir de Cratinos ii) discussatildeo concernente agrave
origem e aos aspectos tradicionais do agon epirremaacutetico iii) eacute improvaacutevel que a paraacutebase
embora parecida na forma com o agon seja proveniente dele No final Gelzer (1960) divide
as peccedilas de Aristoacutefanes em trecircs periacuteodos e discute o uso a funccedilatildeo e o desenvolvimento do
agon em cada periacuteodo
Dessas trecircs partes a segunda eacute certamente a de maior relevo porque Gelzer
(1960) vai aleacutem da investigaccedilatildeo do agon no que diz respeito agraves questotildees de divisotildees meacutetricas
e construccedilatildeo formal Na opiniatildeo de Jones Mervyn (1961 p 119) o estudo de Gelzer tende de
fato a trabalhar em termos de anaacutelise formal mais do que do drama porque seu plano de
trabalho daacute ecircnfase agrave discussatildeo dos agones como entidades separadas antes de examinaacute-los
num contexto mais amplo Jones Mervyn (1961 p 120) entretanto reconhece que a erudita e
meticulosa pesquisa de Gelzer eacute indispensaacutevel para os estudos sobre Aristoacutefanes O estudo de
Gelzer na deacutecada de 1960 volta agrave discussatildeo trinta anos depois num encontro sobre
Antiguumlidade Claacutessica promovido pela Fundaccedilatildeo Hardt em Genebra (1991) O professor
Gelzer (1991) retoma a questatildeo do agon no trabalho intitulado Feste Strukturen in der
Komoumldie des Aristophanes Trata-se de uma abordagem sobre as estruturas fixas (paraacutebase e
agon) como uma teacutecnica dramaacutetica e ateacute que ponto o poeta as emprega para atingir efeitos
dramaacuteticos que garantam o sucesso da comeacutedia O texto encerra com um debate a respeito do
tema entre Gelzer e outros renomados helenistas como Handley Dover Zimmermann e
Bremer
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 36
O estudo LrsquoΑΓΩΝ dans la trageacutedie grecque de Duchemin (1968) tambeacutem eacute uma
importante contribuiccedilatildeo ao tema O estudo subdivide-se em trecircs partes Na primeira parte haacute
uma tentativa de definiccedilatildeo de agon que eacute estudado fora da trageacutedia os primeiros sentidos da
palavra e como esse termo emprega-se na eacutepica na histoacuteria na filosofia na retoacuterica e na
comeacutedia Na segunda parte inicia-se a pesquisa do agon na trageacutedia com um cataacutelogo das
cenas agoniacutesticas em Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides tanto das peccedilas conservadas quanto das
peccedilas que se conservam fragmentadas No final dessa segunda parte estabelece-se uma
classificaccedilatildeo do agon de acordo com seu lugar na accedilatildeo Na terceira parte discutem-se as
formas do agon a partir do nuacutemero de personagens em seguida enfocam-se as partes do agon
e sua estrutura rhesis principal e secundaacuteria diaacutelogo cortado e esticomitia intervenccedilotildees do
coro introduccedilatildeo ao debate e conclusatildeo depois se estabelecem as estruturas dos discursos de
defesa aos moldes da retoacuterica E em seguida traccedilam-se um estudo da argumentaccedilatildeo uma
anaacutelise do diaacutelogo raacutepido e da esticomitia e o emprego de procedimentos e estilos
discursivos
Depois do estudo de Duchemin (1968) sobre o agon na trageacutedia na deacutecada de
1960 o proacuteximo trabalho importante sobre o agon no gecircnero traacutegico eacute o livro The Agon in
Euriacutepides de Lloyd (1992) os dois primeiros capiacutetulos tratam da natureza e funccedilatildeo do agon e
da influecircncia da retoacuterica da eacutepoca no estilo euripidiano Os capiacutetulos seguintes trazem uma
anaacutelise detalhada de treze agones e seu contexto dramaacutetico Lloyd (1992) tambeacutem estabelece
uma discussatildeo com seus predecessores Duchemin e Strohm
Timothy Long (1972) escreve o artigo Persuasion and the Aristophanic Agon
Para ele o agon eacute uma cena de debate e porque eacute uma discussatildeo e natildeo uma luta corporal ndash
scegravene de bataille segundo Mazon (1904) ndash espera-se que pelo jogo da persuasatildeo haja um
vencedor Long leva em consideraccedilatildeo a posiccedilatildeo do agon na comeacutedia depois do paacuterodo ndash
conforme jaacute havia demonstrado Zielinski (1885 apud GELZER 1960) ndash e apoacutes a paraacutebase ndash
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 37
na diallage segundo Gelzer (1960) Assim sob o ponto de vista da persuasatildeo eacute que se pode
classificar o que eacute agon ou natildeo Na opiniatildeo dele todos os agones aristofacircnicos parecem ter
sido usados epiditicamente Natildeo se trata de influenciar a trama mas pocircr em relevo os
propoacutesitos do poeta sem particular atenccedilatildeo para o efeito dramaacutetico desses propoacutesitos De um
modo geral Long (1972) conclui que o efeito persuasivo do agon em Aristoacutefanes eacute miacutenimo
seu efeito dramaacutetico no sentido de sua capacidade de alterar o curso da accedilatildeo praticamente
natildeo existe Os discursos agoniacutesticos da comeacutedia apenas exacerbam e ridicularizam Seu
propoacutesito eacute menos praacutetico do que aquele de um discurso de orador e na opiniatildeo dele que se
fundamenta no trabalho de Murphy (1938) eacute um equiacutevoco admitir que uma das concepccedilotildees
da natureza de um discurso num epirrema possa ser colorido por uma funccedilatildeo aparente de
agon na comeacutedia
Nas deacutecadas de 1970 e 1980 o estudo do agon manteacutem-se analiacutetico e descritivo
mas propotildee uma outra terminologia19
ao termo agon Dover (1972 p 67) ao discutir a
estrutura e o estilo nas comeacutedias aristofacircnicas apresenta contest20
como uma nova
nomenclatura Uma segunda proposta surge com McLeish (1980 p 51) que ao observar a
forma dramaacutetica refere-se a trecircs estruturas formais o que ele chama de elemento tripartido i)
choral entry ii) the argument iii) the parabasis Estes trecircs termos satildeo concernentes ao que
Zielinski (1885 apud GELZER 1960) jaacute havia levantado a respeito da estrutura meacutetrica
similar entre paacuterodo-agon-paraacutebase Como podemos observar o termo paraacutebase eacute mantido ao
contraacuterio do paacuterodo que se caracteriza pela entrada do coro e do agon que estabelece o jogo
argumentocontra-argumento
19 Neste trabalho evitarei a peculiaridade das palavras Na opiniatildeo de Kowzan (1992 p 8) em sua pesquisa
sobre a semiologia do teatro a profusatildeo terminoloacutegica eacute uma das graves doenccedilas das ciecircncias humanas de
nossa eacutepoca A tendecircncia terminoloacutegica de certos autores chega a tal ponto que eacute impossiacutevel segui-los sem ter
agrave disposiccedilatildeo seu leacutexico pessoal Adotarei o termo agon que a meu ver basta por si mesmo Eacute uma palavra
cujo rigor semacircntico (jogo competiccedilatildeo concurso debate discussatildeo) respeita uma loacutegica interna aleacutem de natildeo soacute ter sido empregado por Aristoacutefanes mas tambeacutem jaacute ser um termo consagrado na criacutetica teatral
encontrando-se dicionarizado (PAVIS 2001 p 11) 20 No texto de Dover (1972 p 67) lecirc-se ―A scene which has this structure is commonly designated nowadays by
the Greek term agon but there is no very good reason for not calling it by the English term contestlsquo
Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 38
Sifakis (1992) escreve o artigo The structure of Aristophanic comedy em que se
propotildee estudar as peccedilas aristofacircnicas segundo seu meacutetodo de anaacutelise que eacute trabalhar a
estrutura da comeacutedia como um conjunto de subsistemas interligados A ideacuteia eacute estabelecer a
estrutura narrativa do gecircnero da Comeacutedia Antiga a partir das peccedilas legadas pela tradiccedilatildeo
Aristoacuteteles e Propp (1992) satildeo sua fonte teoacuterica Sifakis (1992 p 131) descreve oito funccedilotildees
cocircmicas que mostram uma similaridade notaacutevel com as 31 funccedilotildees proppianas embora a
sexta funccedilatildeo cocircmica ndash persuasatildeo exercida no debate no caso o agon epirremaacutetico ndash natildeo esteja
entre as funccedilotildees-chave do esquema de Propp (1992)
O estudo mais recente sobre a obra de Aristoacutefanes data do final da deacutecada de 1990
com uma ediccedilatildeo que segue a ordem cronoloacutegica das onze comeacutedias aristofacircnicas traduzida e
comentada por Alan H Sommerstein No volume consagrado agrave comeacutedia Acarnenses
Sommerstein (1998) faz algumas consideraccedilotildees na introduccedilatildeo sobre a diversidade dos
agones i) Vespas eacute um exemplo tiacutepico de agon ii) em quase todos os casos o agon apresenta
para o puacuteblico um debate crucial da peccedila com argumentos de cada lado embora haja
normalmente duras e barulhentas tendecircncias em favor de um lado ou de outro iii) parece ser
uma regra invariaacutevel que no agon o primeiro a falar eacute perdedor final iv) algumas peccedilas natildeo
tecircm agon no seu sentido formal mas em cada caso podemos identificar uma cena que cumpre
uma funccedilatildeo similar Acarnenses vv 490-626 (defesa de Diceoacutepolis para sua paz privada)
Paz vv 459-549 (resgate da Paz) Tesmoforiantes vv 381-530 (a discussatildeo sobre os ―crimes
de Euriacutepides contra as mulheres) v) em Aves e Assembleacuteia natildeo haacute debate mas um jogo de
persuasatildeo por um uacutenico contendor vi) na uacuteltima peccedila Pluto haacute a ausecircncia da divisatildeo em
duas partes cada uma introduzida pelo coro
Essa breve revisatildeo da bibliografia relativa ao agon fica como suporte teoacuterico
conforme os estudos apresentados anteriormente para uma nova abordagem do tema e
tambeacutem auxilia nas anaacutelises dos agones que teratildeo iniacutecio nos proacuteximos capiacutetulos
CAPIacuteTULO I
A CIVILIZACcedilAtildeO DO AGON E A
COMEacuteDIA DE ARISTOacuteFANES
Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 40
Esta breve introduccedilatildeo tem o propoacutesito de esboccedilar algumas consideraccedilotildees
preliminares sobre o vocaacutebulo agon cujos significados abrangem os principais campos da
cultura grega da eacutepica agrave histoacuteria agrave filosofia agrave retoacuterica e por fim ao teatro claacutessico
sobretudo na comeacutedia antiga
Ao estudar a etimologia das palavras Benveniste (1995 p 277) escreve que o
grego antigo e outras liacutenguas como latim e sacircnscrito atestam uma heranccedila indo-europeacuteia
comum Trata-se de uma sociedade que foi hierarquizada e estruturada de acordo com trecircs
funccedilotildees fundamentais a do agricultor a do guerreiro e a do sacerdote O vocaacutebulo agon
embora natildeo esteja entre as palavras analisadas pelo autor relaciona-se agraves duas uacuteltimas
funccedilotildees beacutelica e religiosa
Jaacute em Homero 21
eacute encontrado o registro da palavra agon o que testemunha que
se trata de um vocaacutebulo muito antigo que foi empregado num tempo quando a literatura22
ainda era oral Com base na afirmaccedilatildeo de Havelock (1996 p 190) de que o alfabeto grego foi
usado para transcrever o que antes se tinha composto segundo as regras transmitidas
oralmente por meio de teacutecnicas mnemocircnicas eacute de se supor portanto que o vocaacutebulo agon
antes mesmo de fazer parte do registro escrito pertencera a um estaacutegio de oralidade da liacutengua
grega A importacircncia da palavra agon natildeo se refere ao fato originaacuterio de ela ter aparecido num
estaacutegio mnemocircnico da cultura cuja transmissatildeo oral passava de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo e soacute
mais tarde foi incorporada agrave escrita23
Mas o prestiacutegio linguumliacutestico da palavra agon refere-se a
sua permanecircncia desde sempre no leacutexico tornando-se uma palavra-chave da qual se derivou a
21 Os primeiros sentidos da palavra encontram-se na Iliacuteada i) reuniatildeo ou assembleacuteia dos deuses (VII vv 297-
298 XVIII v 376) ii) naus de guerra que navegam em conjunto (XVI v 239) iii) assembleacuteia para jogos
fuacutenebres (XXIII v 258 XXIV v 1) O vocaacutebulo agon aparece 29 vezes em Homero (PERSEUS 2006) 22 Antes de 700 aC a sociedade grega era natildeo-letrada e a transmissatildeo da cultura era oral Nesse contexto estatildeo
inseridos os poemas eacutepicos de Homero que natildeo constituem literatura no sentido moderno do termo diz Havelock (1996 p 244) mas experiecircncia oralmente armazenada de que o conteuacutedo daacute corpo agraves tradiccedilotildees de
um grupo cultural e cuja sintaxe obedece a leis mnemocircnicas por obra das quais essa tradiccedilatildeo eacute conservada e
transmitida 23 A propoacutesito da transcriccedilatildeo alfabeacutetica em Homero cf Havelock (1996 p 163-185)
Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 41
expressatildeo civilizaccedilatildeo agoniacutestica24
que traduz o modus vivendi dos gregos e evidencia a noccedilatildeo
de competiccedilatildeo na cultura grega antiga Segundo Chantraine (1999) o vocaacutebulo agon refere-
se originalmente a uma funccedilatildeo religiosa e diplomaacutetica porque Homero o empregou num
contexto religioso Entretanto os jogos fuacutenebres natildeo estatildeo ligados nem a um rito nem a um
santuaacuterio eles cumprem apenas uma homenagem em que homens valorosos se reuacutenem natildeo
como atletas mas como guerreiros e sobretudo como espectadores para prestar honras
fuacutenebres a um dos seus Por extensatildeo agrave imagem de jogos fuacutenebres a palavra agon assume o
sentido de espectador de jogos puacuteblicos e consequumlentemente esse vocaacutebulo passa a designar
arena espaccedilo de confronto luta ou combate corporal25
De acordo com Flaceliegravere (1962 p
38) ao comentar os jogos fuacutenebres em honra de Paacutetroclo esses grandes concursos de forccedila e
habilidade se instituiacuteram por ocasiatildeo de funerais de heroacuteis e de reis E esses jogos foram um
protoacutetipo daqueles que ocorreram mais tarde nos santuaacuterios pan-helecircnicos de Delfos e de
Oliacutempia26
nesta uacuteltima havia uma estaacutetua do deus Agon com halteres em punho
personificando as lutas e os jogos27
Ao longo das comeacutedias de Aristoacutefanes estatildeo empregados vaacuterios vocaacutebulos que
remetem agraves metaacuteforas esportivas No iniacutecio do agon II de Vespas os adversaacuterios satildeo
interpelados como atletas e esse espiacuterito competitivo dos ginaacutesios eacute resgatado pela palavra
γυμνάσιον28 (vv 526-527) que abrange os sentidos exerciacutecio fiacutesico escola de ginaacutestica
ginaacutesio e portanto remete agrave imagem de jogos Em Ratildes antes de comeccedilar o agon entre
Eacutesquilo e Euriacutepides haacute duas passagens que aventam a metaacutefora da competiccedilatildeo A primeira eacute
sugerida pela palavra ἔφεδρος (v 792) que dentre seus significados refere-se ao atleta
reserva No contexto dessa comeacutedia trata-se da personagem Soacutefocles que se mostra pronto
24 Segundo Curtius (1856 apud DEMONT 2005) 25 Iliacuteada (XXIII v 685) e Piacutendaro (Piacuteticas I 44 vv 84-85) 26 A propoacutesito dos Jogos Oliacutempicos e sua universalidade cf Huizinga (1951) 27 Segundo Pausacircnias em Descriccedilotildees da Greacutecia V 26 3 28 Essa palavra tambeacutem pode se referir agrave escola de Pitaacutegoras cf Platatildeo Goacutergias 493 d
Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 42
para substituir Eacutesquilo na discussatildeo com Euriacutepides A segunda aparece na palavra πάλαισμα
(v 878) que remetendo aos significados ―movimento de luta ―destreza ―estratagema
sugere a ideacuteia de competiccedilatildeo atleacutetica no debate entre os tragedioacutegrafos Em Cavaleiros na
passagem em que Agoraacutecrito eacute encorajado ao bate-boca com Plafagocircnio verificam-se os
seguintes termos i) προσβολή (vv 387 ss) cujo significado eacute ―ataque ―agressatildeo
―choque ―accedilatildeo de se lanccedilar contra algueacutem ii) ἀλείφω e ἐξολισθαίνω (vv 490 ss) que
significam ―preparar-se para a luta besuntando-se com oacuteleo e ―escapar de um golpe
escorregando respectivamente a metaacutefora construiacuteda com esses dois uacuteltimos vocaacutebulos se
refere ao conselho do coro e do escravo a Agoraacutecrito para que ele unte o pescoccedilo sugerindo a
imagem de preparaccedilatildeo da garganta para poder escorregando escapar das caluacutenias de
Paflagocircnio iii) λαβή (vv 841 847) e κεῖμαι (vv 571 ss) satildeo vocaacutebulos oriundos de um
contexto beacutelico mas por extensatildeo passam a representar metaacuteforas esportivas λαβή significa
―accedilatildeo de pegar ―de atracar ―de agarrar essa imagem sugerida pela palavra λαβή tambeacutem
aparece em Lisiacutestrata (v 671) Nuvens (v 551) e Pluto (vv 487 ss) o verbo κεῖμαι ndash que
significa ―ficar estendido ―deitado ―imoacutevel ndash tambeacutem aparece em Nuvens (vv 126 550)
Aristoacutefanes explora tambeacutem metaacuteforas que se referem agrave corrida como se os
antagonistas fossem atletas que se colocam na linha de partida Essa imagem estaacute presente em
Acarnenses (v 483) quando Diceoacutepolis se auto-encoraja antes de o agon comeccedilar em Vespas
(v 548 ss) em que Filocleatildeo sugere que o ponto de partida de seu discurso no agon traz a
imagem de uma linha de partida de uma corrida e por fim em Cavaleiros (vv 1159-1161)
em que Demos sinaliza o iniacutecio da disputa e (v 1353) em que estaacute empregado o verbo
παρατρέχω com o significado de ―ultrapassagem numa corrida que por extensatildeo toma o
significado de ―abordagem de uma questatildeo
Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 43
A palavra agon floresce de fato no seacuteculo V aC e estaacute projetado nos mais
variados campos da cultura grega que se expressa atraveacutes dos discursos a antilogia
(ἀντιλογία) presente na literatura dos historiadores Heroacutedoto e Tuciacutedides na luta eriacutestica
lanccedilada pela sofiacutestica nos exoacuterdios dos oradores na composiccedilatildeo dos dramas em Eacutesquilo
Soacutefocles e Euriacutepides e por fim na comeacutedia de Aristoacutefanes A cada uma dessas aacutereas da
cultura grega o agon reserva uma caracteriacutestica original que corresponde certamente a uma
tendecircncia profunda dessa civilizaccedilatildeo agoniacutestica
Quando referido ao gecircnero dramaacutetico o vocaacutebulo agon remete primeiramente a
uma competiccedilatildeo artiacutestica29
entre coros dramaturgos (510 aC) e atores (450-420 aC) Com o
sentido de concurso teatral o termo agon jaacute eacute empregado no texto aristofacircnico de acordo com
a passagem abaixo
αὐτοὶ γάρ ἐσμεν οὑπὶ Ληναίῳ τrsquoἀγών
estamos soacute entre noacutes no festival das Leneacuteias
Esse excerto aparece na comeacutedia Acarnenses (v 504) e estaacute inserido numa longa
rhesis (ῥσις) de Diceoacutepolis dirigida ao espectador Para aleacutem do contexto dessa comeacutedia
esse verso eacute uma informaccedilatildeo sobre a peccedila que foi encenada no festival das Leneacuteias concurso
dramaacutetico que privilegiava o gecircnero cocircmico
A ideacuteia de competiccedilatildeo artiacutestica remonta aos antecedentes do fenocircmeno teatral que
mais tarde transforma-se numa arte que organizada em festivais de dramaturgia ganha
espaccedilo na vida cultural da polis Gastaram-se muito papel e tinta no afatilde de se explicar a
relaccedilatildeo do agon enquanto disputa com as origens do gecircnero dramaacutetico as quais por sua vez
estatildeo ligadas agrave tradiccedilatildeo do komos cortejo primevo de cunho religioso de onde a comeacutedia
29 Sabe-se atraveacutes de Platatildeo (O Banquete 194 a) que o poeta e os atores subiam sobre um estrado para uma preacute-
apresentaccedilatildeo antes do concurso teatral agon Essa cerimocircnia preliminar chamava-se proagon
Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 44
teria procedido30
Apesar das diferentes teses os helenistas satildeo unacircnimes na questatildeo de o
agon se referir a um estaacutegio preacute-dramaacutetico isto eacute performaacutetico desse komos O elemento da
representaccedilatildeo dramaacutetica na opiniatildeo de Cornford (1968 p 30-31) jaacute estava presente desde o
rito religioso com praacuteticas ligadas agrave fertilidade em que se confrontavam os representantes de
forccedilas antagocircnicas como o veratildeo e o inverno a vida e a morte Segundo Adrados (1983 p 87)
devido agrave multiplicidade de funccedilotildees do komos31
primitivo a origem do teatro repousa em
celebraccedilotildees em que se alternam momentos de duelo e alegria Nessas celebraccedilotildees de acordo
com Saiumld Treacutedeacute e Boulluec (1997 p 169) o komos poderia se manifestar de duas maneiras
i) um bando de pacircndegos que mais ou menos embriagados iam de casa em casa e agrave saiacuteda de
cada banquete passeavam pelo vilarejo cantando danccedilando e zombando dos que passavam ii)
a palavra komos designava tambeacutem um tipo de charivari algazarra acompanhada de
violecircncias verbais e agraves vezes fiacutesica (Aristoacuteteles fr 558 Rose) A propoacutesito desses
comportamentos Navarre (1975 p 148-149) baseado em fatos narrados por Heroacutedoto
defende a hipoacutetese de que pouco a pouco essa forma desordenada do komos se disciplinou e
de que desse bate-boca surgiu um concurso com recompensa para o vencedor Na
interpretaccedilatildeo de Pickard-Cambridge (1966 p 156-158) alguma forma de komos aacutetico teria
incluiacutedo um tipo de agon cujo debate concluiacutedo com uma fala teria se desenrolado e se
tornado habitual sem duacutevida na parte satiacuterica e zombeteira da disputa que os primeiros poetas
cocircmicos desenvolveram
30 Aristoacuteteles (Poeacutetica 4 49 a 9-12) declara que a trageacutedia e a comeacutedia nasceram de um princiacutepio de
improvisaccedilatildeo e que a trageacutedia veio dos que conduziam o ditirambo e a comeacutedia dos que conduziam os cantos
faacutelicos Se por um lado nos dias de hoje pode-se ter um estudo mais bem detalhado sobre o ditirambo por
outro se sabe muito pouco sobre os cantos faacutelicos e seu real papel no nascimento da comeacutedia Em seu
princiacutepio a comeacutedia estaacute ligada ao culto de Dioniso agraacuterio em particular a uma de suas formas mais antigas
as Dionisiacuteacas Rurais que se organizavam em torno de uma manifestaccedilatildeo phallophorica em que se
transportavam os phallus siacutembolo de fertilidade e do deus E isso eacute constatado no proacuteprio texto da Comeacutedia Antiga v 261 de Acarnenses o heroacutei Diceoacutepolis apoacutes ter organizado a procissatildeo do phallus anuncia que vai
cantar o phallikon isto eacute um hino faacutelico Segundo Dupont-Roc e Lallot (1980 p 171) essa passagem ilustra
concretamente a ligaccedilatildeo que Aristoacuteteles estabelece entre os cantos faacutelicos e a comeacutedia 31 Sobre os vaacuterios sentidos e interpretaccedilotildees que a palavra komos assume cf Adrados (1983 p 78-82)
Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 45
O fato eacute que natildeo se sabe exatamente quando e como se deu a primeira forma
dramaacutetica ainda que proto-performaacutetica nem se tem uma vasta literatura a respeito desses
precursores do gecircnero cocircmico o que exixte satildeo alguns fragmentos e excertos em Aristoacutefanes
(Cavaleiros vv 517 ss) e Aristoacuteteles (Poeacutetica 5 49 b 5-9) Segundo a passagem do texto
aristofacircnico a comeacutedia herdou de Magnes a verve satiacuterica de Cratino a invectiva e de Crates
o refinamento Conforme suposiccedilotildees de Jones (1997 p 326) Magnes teria desenvolvido o
elemento cocircmico do komos que era entatildeo formado por homens fantasiados de animais
Sobre isso a arqueologia felizmente contribui para que se possa ter uma ideacuteia
dessa manifestaccedilatildeo performaacutetica do komos Em vasos e acircnforas aacuteticas que datam por volta do
ano 500 aC estatildeo gravadas figuras humanas que fantasiadas de paacutessaros ou de galos ou de
cavaleiros montados em cavalos avestruzes ou golfinhos e acompanhadas por um flautista
sugerem que se trate de danccedilarinos e cantores Pickard-Cambridge (1966 p 152) comenta a
possibilidade de esses objetos arqueoloacutegicos serem anteriores agrave performance mais antiga da
comeacutedia que data de 486 aC E ainda dessas pinturas pode-se ter uma noccedilatildeo da natureza
preacute-dramaacutetica desse komos representaccedilatildeo danccedila e canto Eacute dessa evidecircncia que na suposiccedilatildeo
de Pickard-Cambrigde (1966 p 159) a primeira forma de agon seria de um combate de
canccedilotildees solo para se ver quais dos participantes cantaria melhor A esse respeito Duchemin
(1969 p 252) escreveu um artigo sobre canccedilotildees populares e agraacuterias sobretudo na Siciacutelia
que teriam formas aparentadas ao agon dramaacutetico e levantou a hipoacutetese de que a forma de
literatura oral chamada ―cantos alternados32
parece ter sido uma das formas mais
elementares e mais arcaicas Esses cantos alterados teriam sido uma praacutetica pastoral33
individual que com o tempo transformou-se num concurso o que a autora chama de agon
pastoral Na opiniatildeo dela (DUCHEMIN 1969 p 258) estaacute claro que esse tipo de disputa
cantada se dirige progressivamente para o teatro e que tenha sido a primeira forma na
32 O termo teacutecnico francecircs para esses cantos alternados eacute ameacutebeacutees e corresponde ao termo portuguecircs amebeu 33 Em nossa cultura a ideacuteia de ―cantos alternados pode a meu ver ser resgatada no entanto em nossa literatura
de cordel com a praacutetica repentista
Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 46
execuccedilatildeo de formas arcaicas ou arcaizantes do teatro popular mais proacuteximo aliaacutes da
comeacutedia do que da trageacutedia
A funccedilatildeo do coro nesse komos parece portanto levar agrave natureza performaacutetica do
agon Em seu estudo Pickard-Cambridge (1966 p 161-162) propotildee trecircs situaccedilotildees i) coro e
exarkon ii) coro e antagonista iii) dois semi-coros cada um com seus exarkontes No
primeiro caso coro e exarkon o coro estabelece um combate verbal contra seu proacuteprio liacuteder
fato este que natildeo ocorre em nenhuma das comeacutedias conhecidas de Aristoacutefanes A segunda
situaccedilatildeo coro e antagonista pode ser ilustrada no agon de Tesmoforiantes em que Mnesiacuteloco
discute com o coro feminino e tambeacutem em Acarnenses em que Diceoacutepolis enfrenta o coro de
acarnenses E por uacuteltimo dois coros cada um com seu exarkon eacute uma situaccedilatildeo encontrado em
Lisiacutestrata em que haacute o confronto de dois semi-coros sexualmente opostos
As investigaccedilotildees sobre a importacircncia de um coro nesse komos tecircm implicaccedilotildees na
estrutura da comeacutedia e suas seccedilotildees fixas em que o coro eacute atuante Zielinski (1885 apud
GELZER 1960 p 2-10) demonstrou que o paacuterodo o agon e a paraacutebase seriam uma
reminiscecircncia do episoacutedio essencial do komos Navarre (1975 p 150-151) relaciona tambeacutem
o paacuterodo e o ecircxodo agraves evoluccedilotildees barulhentas e movimentadas de canto e danccedila dos komastai
na sua chegada e na sua partida respectivamente Segundo ele ainda ao komos a comeacutedia
deve quatro de seus elementos principais paacuterodoecircxodo agon e paraacutebase que juntos
formariam o germe do drama34
No exame de Pickard-Cambridge (1966 p 148-150) a forma
do agon estaacute mais sujeita agrave alteraccedilatildeo do que a forma da paraacutebase35
E por esse motivo
provavelmente a forma epirremaacutetica pertenceu originalmente agrave paraacutebase e depois teria sido
transferida ao agon Deve-se admitir que natildeo haacute uma evidecircncia direta da existecircncia de um
34 Haacute a hipoacutetese de que o komos outrora ambulante passa a um local fixo mantendo canto e danccedila no ritmo do
ditirambo e daiacute surgiria o teatro Eacute dessa uacuteltima fase que teria saiacutedo a comeacutedia Mas natildeo eacute tatildeo simples assim
adverte Navarre (1975 p 148) A comeacutedia aacutetica eacute uma combinaccedilatildeo de doses desiguais natildeo apenas do komos
aacutetico mas tambeacutem da farsa peloponesa da comeacutedia siciliana e da trageacutedia A cada um desses gecircneros ela deve alguma de suas formas
35 A paraacutebase modelo eacute composta por duas subdivisotildees i) a parte simples ou natildeo composta ii) siziacutegia
epirremaacutetica ou parte coordenada A primeira inclui kommaacutetion anapestos pnigos A segunda que eacute tambeacutem
comum agrave forma do agon inclui a siziacutegia epirremaacutetica
Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 47
komos que explique as partes epirremaacuteticas da comeacutedia Mas a constataccedilatildeo de uma forma
como a da estrutura triacuteplice paacuterodoagonparaacutebase cujas formas riacutetmicas precisas recorrem a
uma meacutetrica determinada e tambeacutem a da estrutura do ecircxodo pode ser tomada como
evidecircncia de que houve um modelo similar de komos
Zielinski (1885 apud GELZER 1960) num trabalho muito original e fecundo
identificou a siziacutegia epirremaacutetica36
Trata-se de uma estrutura em que se alternam passagens
cantadas e recitadas que estatildeo simetricamente duplicadas Eacute a siziacutegia epirremaacutetica que daacute o
tom ao agon como princiacutepio agoniacutestico isto eacute um confronto verbal O agon passa entatildeo a
caracterizar uma situaccedilatildeo cecircnica primeiramente na trageacutedia em que ocorre o chamado
princiacutepio agoniacutestico ou seja uma relaccedilatildeo conflitante protagonizada numa dialeacutetica de
discursoresposta (PAVIS 2001 p 11) Essa altercaccedilatildeo teve desdobramentos na comeacutedia e o
termo agon passa a nomear uma seccedilatildeo da estrutura cocircmica
O gosto cada vez mais acentuado dos atenienses pelos processos nos oferece uma
vasta literatura que influenciou o teatro num jogo discursivo de ataque e defesa Se por um
lado uma parte dos argumentos era prevista e o contendor podia preparar suas respostas
sabendo de cor seus desenvolvimentos por outro podemos supor que uma outra parte era
improvisada Esse vai-e-vem discursivo na opiniatildeo de Duchemin (1968 p 13) devia
aumentar o interesse dramaacutetico Essa reciprocidade entre teatro e retoacuterica37
pode ser
demonstrada nas cenas traacutegicas de debate que tecircm um sentido equivalente aos processos
judiciaacuterios atenienses A trageacutedia e a comeacutedia que satildeo formas de comunicaccedilatildeo social
manifestam em seus textos alicerccedilados numa estrutura agoniacutestica o uso racional e loacutegico dos
recursos retoacutericos E a cena eacute a grande oportunidade para o desenvolvimento da retoacuterica que
ocupou no periacuteodo claacutessico o centro da vida puacuteblica de Atenas
36 Cf item 2 infra do capiacutetulo anterior 37 Essa forte relaccedilatildeo entre retoacuterica e teatro tambeacutem foi assunto no Goacutergias de Platatildeo (502d) Um estudo
interessante sobre a retoacuterica em Aristoacutefanes pode ser encontrado no artigo de Murphy (1938)
Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 48
Com o advento da sofiacutestica38
por volta de 450 aC o agon estaacute projetado na luta
eriacutestica39
lanccedilada por Protaacutegoras Trata-se de um meacutetodo dito τέχνη ἐριστική ―a arte de
discutir O objetivo desse meacutetodo eacute confundir o adversaacuterio levando-o agrave contradiccedilatildeo e ser
capaz de manter indiferentemente os dois pontos de vistas opostos Duchemin (1969 p 247)
diz que os grandes poetas de trageacutedia atenienses como Soacutefocles e Euriacutepides quiseram igualar-
se a Protaacutegoras e a seus seguidores e por isso tiveram de aprender com eles a suprema
virtuosidade40
No caso da obra de Euriacutepides cujas peccedilas se compotildeem de uma arte dialeacutetica
bastante depurada a influecircncia da sofistica nos agones euripidianos segundo Lloyd (1992 p
13) evoca uma variedade de situaccedilotildees da vida ateniense do seacuteculo V em que os logoi se
disputavam mutuamente Euriacutepides e Aristoacutefanes que foram contemporacircneos assimilaram
amplamente essa cultura agoniacutestica em suas peccedilas o que explica uma contaminatio entre
gecircneros colocando em evidecircncia similitudes entre os dois poetas E devido agrave natureza
engajada da comeacutedia o movimento sofiacutestico e Euriacutepides foram alvo da verve cocircmica do
poeta41
Neste estudo natildeo se trata de estabelecer quanto agrave forma uma comparaccedilatildeo dos
agones de ambos os dramaturgos pois a estrutura formal do agon na comeacutedia eacute proacutepria a esse
gecircnero Mas quanto ao conteuacutedo podemos traccedilar como ilustraccedilatildeo um espelhamento42
de
ambos e ter uma dimensatildeo da influecircncia da obra de Euriacutepides na comeacutedia aristofacircnica
Se a natureza da comeacutedia eacute revelar um mundo agraves avessas Aristoacutefanes soube fazer
grande uso de um recurso bastante eficaz nesse sentido - a paroacutedia Em Acarnenses
Diceoacutepolis caracteriza-se de Teacutelefo heroacutei de uma trageacutedia de Euriacutepides de mesmo nome
38 Para um estudo aprofundado sobre a sofiacutestica e os sofistas cf Guthrie (1995) 39 Com base na observaccedilatildeo de Navarre (1975) - que interpreta a eriacutestica eacute filha legiacutetima ainda que degenerada
da dialeacutetica - Duchemin (1968 p 15-16) acrescenta que a diferenccedila entre a dialeacutetica e a eriacutestica eacute que esta eacute justamente a deformaccedilatildeo daquela Originariamente a dialeacutetica designa o gecircnero de discussatildeo que tem o
procedimento atraveacutes de perguntas e respostas e o exame da questatildeo ocorre ao longo de um diaacutelogo entre os
dois interlocutores 40 Segundo Dioacutegenes Laeacutercio (IX 54) a primeira obra de Protaacutegoras Sobre os deuses ndash περῖ θεῶν ndash teria sido
lida na casa de Euriacutepides A propoacutesito de Euriacutepides ter sido disciacutepulo do sofista Proacutedico cf Romilly (1995) 41 Um artigo interessante sobre Aristoacutefanes e a sofiacutestica eacute de Petruzzellis (1957 p 45-61) 42 Empregamos esse termo porque assim como o espelho reflete uma imagem invertida assim o faz a comeacutedia
por meio da paroacutedia em relaccedilatildeo agrave trageacutedia
Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 49
Essa personagem tragicocircmica vai estar presente na cena preparatoacuteria do agon e na cena de
quasi-agon No proagon assim como Teacutelefo que disfarccedilado de mendigo deve convencer de
sua causa os chefes gregos Diceoacutepolis faz exatamente o mesmo diante do coro de acarnenses
E no quasi-agon quando Diceoacutepolis estaacute frente a frente com seu rival Lacircmacos o contraste
de figurinos eacute um recurso cocircmico bastante eficiente De um lado Diceoacutepolis-Teacutelefo
maltrapilho de outro Lacircmacos garrido em penachos Dois anos depois de Acarnenses
Aristoacutefanes em Nuvens (423 aC) volta a se referir a Euriacutepides como o poeta que corrompe a
juventude (vv 1371-1376)
Uma outra evidecircncia de similaridade entre os agones da trageacutedia euripidiana e da
comeacutedia aristofacircnica estaacute em Vespas comeacutedia que melhor representa esse tipo de agon Tanto
Duchemin (1968 p 129) quanto Lloyd (1992 p 13) comentam que o julgamento eacute um tema
frequumlente nos agones euripidianos Quanto ao conteuacutedo portanto o agon pode se tornar um
processo aos moldes judiciais Tudo indica que essa categoria de agon-processo influenciou
Aristoacutefanes
O antagonismo bem marcado de dois pontos de vista eacute segundo Duchemin (1968
p 131) emblemaacutetico na obra de Euriacutepides Sob essa perspectiva podemos considerar o agon
de cinco comeacutedias Em Cavaleiros Agoraacutecrito e Paflagocircnio vatildeo se enfrentar na Assembleacuteia
diante de Demo o Povo Trata-se do segundo agon da comeacutedia que se divide em trecircs
momentos duelo de bajulaccedilatildeo num jogo de adulaccedilatildeo e lisonja duelo de oraacuteculos e um debate
no campo da arte culinaacuteria Em Nuvens o antagonismo eacute evidente em duas instacircncias
primeiramente nas defesas dos Raciociacutenios Justo e Injusto no que se refere agrave nea-paideia e
archaia-paideia respectivamente e tambeacutem no segundo agon entre pai e filho em que eacute claro
o choque de geraccedilotildees Em Tesmoforiantes Euriacutepides eacute novamente uma personagem
preocupada com sua reputaccedilatildeo artiacutestica diante das mulheres que sentindo-se ultrajadas por
causa da maacute iacutendole das personagens femininas euripidianas se reuacutenem para celebrar a festa
Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 50
das Tesmofoacuterias e deliberar uma puniccedilatildeo ao poeta O agon ocorre em plena assembleacuteia de
um lado o queixume do mulheril de outro o parente de Euriacutepides disfarccedilado com trajes
femininos advoga em favor do poeta Nessa cena do agon Aristoacutefanes novamente parodia43
uma cena euripidiana de Teacutelefo Em Ratildes a tekhne dramaacutetica entre dois estilos distintos de
poetas estaacute em discussatildeo Euriacutepides mais uma vez eacute personagem e vai disputar com Eacutesquilo o
assento da trageacutedia Em Pluto o antagonismo estaacute presente no projeto de Crecircmilo que espera
curar a cegueira de Pluto o deus da Riqueza e consequumlentemente banir Penia alegoria da
Pobreza da Greacutecia Em sua defesa Penia demonstra que ela eacute um bem para os gregos
Ao contraacuterio do antagonismo bem marcado Duchemim (1968 p 221-222)
comenta tambeacutem a categoria dos diaacutelogos com movimentos uniformes em alguns agones
euripidianos Esse tipo de diaacutelogo em que o movimento uniforme estaacute presente do comeccedilo ao
fim ocorre porque a personagem que conduz o jogo discursivo eacute a mesma Nessa categoria
destacam-se quatro comeacutedias Paz Aves Lisiacutestrata e Assembleacuteia de mulheres Isso porque os
agones dessas peccedilas satildeo classificados como uma ―demonstraccedilatildeo unilateral conforme
escreve Navarre (1911 p 253) ―[] dlsquoagones qui servent non agrave une discussion
contradictoire mais agrave une deacutemonstration unilateacuterale meneacutee par un seul personage
Aplicando a reflexiccedilatildeo de Navarre de que certos agones natildeo se prestam a uma discussatildeo
bilateral mas a uma demonstraccedilatildeo unilateral conduzida por uma uacutenica personagem
passemos agraves comeacutedias em questatildeo Em Paz quem conduz esse jogo eacute Trigeu em Aves eacute
Pisetero em Lisiacutestrata eacute Lisiacutestrata e em Assembleacuteia de mulheres eacute Praxaacutegora
Assim quanto ao conteuacutedo todas as comeacutedias conhecidas de Aristoacutefanes
conforme citadas acima sugerem similitudes com os agones euripidianos E a estreita relaccedilatildeo
no campo estiliacutestico entre ambos os poetas foi assunto de opiniotildees diversas a respeito de
43 Numa situaccedilatildeo de aporia o Parente simula o sequumlestro de um odre de vinho assim como o heroacutei traacutegico
Teacutelefo tomou Orestes ainda crianccedila como refeacutem
Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 51
Aristoacutefanes ter ou natildeo Euriacutepides na mais alta estima44
Para Guthrie (1995 p 50) Aristoacutefanes
via nas ideacuteias sofiacutesticas um sintoma de decliacutenio Isso porque os dramas euripidianos que
tratavam de adulteacuterios incestos jogos de palavras etc vinham dessa nova ciecircncia Em
revanche na opiniatildeo de Murray (1933 p 107-108) Aristoacutefanes era certamente fascinado pela
poesia euripidiana Esse testemunho pode ser encontrado em Cratinos (fr 307)45
que ao se
referir a Aristoacutefanes cria o termo euripidaristophaniacutezon46
Interpreto que a presenccedila de Euriacutepides em Aristoacutefanes eacute um traccedilo artiacutestico que
reforccedila a forccedila inventiva da verve cocircmica do poeta nas composiccedilotildees de seus agones tatildeo ricos
em diversidade formal e temaacutetica quanto os agones euripidianos Ambos colocaram em cena
os problemas da polis e do cidadatildeo e tiveram plena vivecircncia de uma vida poliacutetica ateniense
baseada em discursos e argumentos
44 E no que concerne agrave questatildeo Aristoacutefanes e Euriacutepides Snell (1994) discute sob o ponto de vista de trecircs grandes
filoacutesofos ndash Herder Schegel e Nietzsche ndash ateacute que ponto Aristoacutefanes eacute criacutetico ferino de Euriacutepides 45 Lecirc-se em Cratinos τίς δὲ σὺ κομψός ndash πᾶς ἄν τις ἔροιτο θεατής ndash ὑπολεπτολόγος γνωμοδιώκτης
Εὐριπιδαριστοφανίζων Voelke (2004 p 119) comenta que os dois adjetivos que precedem o particiacutepio ndash
ὑπολεπτολόγος que significa ―uma linguagem por demais sutil e γνωμοδιώκτης que significa ―caccedilador
de foacutermulas ndash sugerem um parentesco estiliacutestico 46 Na tentativa de traduccedilatildeo desse termo propotildee-se euripidaristofanizar
CAPIacuteTULO II
AGONES MODELARES
CAVALEIROS NUVENS VESPAS E RAtildeS
(AGON(ES) INSERIDOS(S) NUM COMPLEXO AGONIacuteSTICO)
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
53
1 O agon em Cavaleiros47
a disputa a galope
Em Cavaleiros a unidade de accedilatildeo eacute bem marcada O proacutelogo anuncia e prepara a
accedilatildeo que se direciona para um enfrentamento que vai se desenrolar em vaacuterios outros
confrontos Do proacutelogo ao ecircxodo a accedilatildeo se desenvolve numa constante tensatildeo que por sua
vez conduz a uma contenda progressiva cujo assunto eacute construiacutedo por uma metaacutefora
dominante a da culinaacuteria A peccedila toda eacute praticamente um imenso agon (THIERCY 2007 p
108)
Em sua estrutura haacute dois agones que satildeo seccedilotildees-chave no desenvolvimento da
fabulaccedilatildeo cuja accedilatildeo eacute projetada num constante conflito entre as duas personagens principais
Paflagocircnio e Agoraacutecrito aleacutem da participaccedilatildeo de um dos escravos e do coro que cede nome agrave
comeacutedia O primeiro agon eacute subsequumlente ao paacuterodo e o segundo ocorre entre as duas
paraacutebases
O diaacutelogo entre os dois escravos no proacutelogo expotildee a intriga da peccedila que eacute
descobrir um meio de dar um xeque-mate em Paflagocircnio que sendo o terceiro escravo da casa
e dotado de muita astuacutecia sobretudo no falar logra o patratildeo Demo
Δη οὗτος τῆ προτέρᾳ νουμηνίᾳ
ἐπρίατο δοῦλον βυρσοδέψην Παφλαγόνα
πανουργότατον καὶ διαβολώτατόν τινα (vv 43-45)
Demoacutestenes ele [Demo] na lua nova passada comprou um escravo paflagocircnio de origem e curtidor de profissatildeo
um tipo patife e caluniador ao extremo
47 Cavaleiros (425 aC) apresentam-se como uma potente comeacutedia poliacutetica de invectiva pessoal em que
Aristoacutefanes critica o demagogo Cleatildeo e a poliacutetica da eacutepoca O poeta natildeo faz uma investida direta mas cria uma engenhosa narrativa alegoacuterica tatildeo eficiente que natildeo restaraacute duacutevida ao espectador de que a casa eacute Atenas
o senhor dela eacute Demo representando o povo ateniense e os escravos que trabalham para ele representam os
estrategos Demoacutestenes Niacutecias e Cleatildeo Este eacute chamado na peccedila de Paflagocircnio adversaacuterio agrave altura do heroacutei
cocircmico salsicheiro de profissatildeo frequumlentador da aacutegora que atende pelo nome de Agoraacutecrito
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
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Fartos da condiccedilatildeo desfavorecida em que vivem por causa de Paflagocircnio os
escravos procuram por meio da consulta ao oraacuteculo dar um basta nessa situaccedilatildeo Segundo o
oraacuteculo a queda de Paflagocircnio depende da ascensatildeo de um outro igualmente dotado de
astuacutecia
Δη κρατεῖν ἔως ἕτερος ἀνὴρ βδελυρώτερος
αὐτοῦ γένοιτο (vv 134-135)
Demoacutestenes haacute de governar ateacute que um outro homem mais safado
que ele apareccedila
Nessas passagens o emprego dos graus dos adjetivos πανουργότατον
διαβολώτατόν e βδελυρώτερος evidencia a sagacidade da personagem o que outorga a
Paflagocircnio a funccedilatildeo poneros Portanto somente algueacutem tambeacutem dotado de poneria estaria em
condiccedilotildees de igualdade para enfrentaacute-lo Por causa de um quumliproquoacute na interpretaccedilatildeo oracular
(vv 195-202) os dois escravos se vecircem diante do candidato perfeito para tal empresa Trata-
se de um salsicheiro maroto de nome Agoraacutecrito cuja etimologia ndash ―o que domina a aacutegora ndash
delega a ele habilidade retoacuterica suficiente para vencer qualquer discussatildeo o que tambeacutem
confere agrave personagem a funccedilatildeo poneros (McLEISH 1890 p 55)
Δη ὁτιὴ πονηρός κὰξ ἀγορᾶς εἶ καὶ θρασύς (v 181)
Demoacutestenes porque vocecirc eacute canalha filho da aacutegora e tambeacutem atrevido
Assim a poneria vai pocircr agrave prova os dois rivais que vatildeo medir forccedilas em
ἀλαζονεία (embuste) βδελυρία (safadeza) ἀναιδεία (descaramento) πανουργία
(patifaria) (WHITMAN 1964 p 89 THIERCY 2007 p 248)
A entrada do coro de Cavaleiros define a narrativa dramaacutetica da comeacutedia uma vez
que o coro estaraacute presente nos sucessivos confrontos que jaacute tecircm iniacutecio no final do paacuterodo
ἀλλrsquoἐὰν μέντοι γε νικᾷς τῆ βοῆ τήνελλος εἶ
ἥν δrsquoἀναιδείᾳ παρέλθῃ σrsquo ἡμέτερος ὁ πυραμοῦς (vv 276-277)
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mas se vocecirc conseguir realmente vencecirc-lo no berroeacute aclamado vencedor ―hurra
mas se ele ultrapassar vocecirc em descaramento papamos a vitoacuteria
Apoacutes essas palavras do coro no final do paacuterodo ocorre o primeiro confronto entre
Agoraacutecrito e Paflagocircnio Natildeo se trata ainda de uma discussatildeo em que as partes vatildeo expor seus
pontos de vista mas de um enfrentamento cuja natureza eacute ganhar no grito
Αλ Τριπλάσιον κεκράξομαί σου
Πα Καταβοήσομαι βοῶν σε (vv 285-286)
Ag Trecircs vezes mais do que vocecirc eu vou gritar
Pa E eu berrando vou ganhar de vocecirc no grito
Isso gera um momento particularmente tenso da accedilatildeo que se desenvolve sob a
forma da esticomitia48
(vv 284-299) troca verbal bastante raacutepida cujo conteuacutedo se restringe
agraves provocaccedilotildees e agraves fanfarronices entre os rivais evidenciando a disputa de ambos ao meacuterito
da canalhice Paflagocircnio confessa seu lado biltre ndash ὁμολογῶ κλέπτειν (v 296) ndash enquanto
Agoraacutecrito atenta que fez escola na aacutegora ndash ἐν ἀγορᾷ κἀγὼ τέθραμμαι (v 293) O coro
tambeacutem se manifesta reforccedilando sua aversatildeo a Paflagocircnio que eacute injuriado de μιαρὲ καὶ
βδελυρὲ (soacuterdido e safado v 304) Pickard-Cambridge (1966 p 215) cogita que esse final
de paacuterodo tenha a funccedilatildeo de um proagon De fato desde o paacuterodo a accedilatildeo se desenrola numa
sequumlecircncia pelejadora que aleacutem de caracterizar um paacuterodo-agoniacutestico se manteacutem ancorada na
seccedilatildeo seguinte ao paacuterodo o primeiro agon da peccedila
Assim o agon I tem na conexatildeo entre as seccedilotildees da estrutura de Cavaleiros uma
posiccedilatildeo de prolongamento da accedilatildeo ofensiva ocorrida no paacuterodo49
(vv 242-332) Eacute sem
interrupccedilatildeo que do ponto de vista do conteuacutedo esse agon se liga agrave disputa precedente e
conduz agrave accedilatildeo principal gerando uma sucessatildeo de contendas Portanto do ponto de vista do
48 MacDowell (1995 p 98) natildeo concorda com a ediccedilatildeo de Sommerstein e Mastromarco de quebrar a esticomitia
atribuindo o v 298 a Agoraacutecrito e v 299 a Paflagocircnio 49 Gelzer (1960 p 37) e Moumlllendorff (2002 p 88) classificam o agon I de Cavaleiros como agon epirremaacutetico
apoacutes o paacuterodo E para Pickard-Cambridge (1966 p 215) esse final de paacuterodo cumpre a funccedilatildeo de um
proagon
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conteuacutedo esse agon I jaacute comeccedila no final do paacuterodo porque a ode que estaacute dividida e
intercalada por um proepirrema50
marca a transiccedilatildeo do teacutermino de uma seccedilatildeo ndash o paacuterodo ndash e
o iniacutecio de outra ndash o primeiro agon Na primeira parte da ode (vv 303-312) o coro manteacutem os
insultos a Paflagocircnio ateacute o momento do confronto com Agoraacutecrito Segundo Sommerstein
(1997a p 159) o metro empregado eacute o criacutetico peocircnio Pelo proacuteprio nome trata-se de um
metro originaacuterio do peatilde que era um canto destinado a encorajar os soldados (LAVEDAN
1931 p 734-735) Certamente Aristoacutefanes empregou tal metro para dar continuidade agrave
agitaccedilatildeo dos Cavaleiros na cena do paacuterodo Natildeo havendo mudanccedila no percurso da accedilatildeo que
se manteacutem em movimento contiacutenuo verifica-se nesse tipo de agon poacutes-paacuterodo uma extensatildeo
temaacutetica enquadrada numa nova forma no caso a siziacutegia epirremaacutetica marca do agon
epirremaacutetico Natildeo haacute dificuldade de classificaacute-lo como agon (vv 303-460) porque sua forma
regular contempla todas as partes abaixo discriminadas
ode (vv 303-332) antode (vv 382-406)
katakeleusmos (vv 333-334) antikatakeleusmos (vv 407-408)
epirrema (vv 335-366) antepirrema (vv 409-440)
pnigos (vv 367-381) antipnigos (vv 441-456)
sphragis (vv 457-460)51
Quanto ao conteuacutedo no entanto a disputa natildeo se caracteriza como uma discussatildeo
eriacutestica A natureza dessa querela eacute ―ganhar no grito onde se esperaria uma oposiccedilatildeo de
argumentos tem-se um contraste de vozes que se sobrepotildeem Haacute quatro personagens
envolvidos Paflagocircnio Agoraacutecrito Escravo Coro52
que se lanccedilam livremente no bate-boca
cujo assunto eacute saber quem entre Agoraacutecrito e Paflagocircnio eacute o mais haacutebil na arte da
embromaccedilatildeo
Tal conteuacutedo que eacute mostrar o mau caraacuteter de ambos os litigantes perpassa toda a
forma A ode eacute uma resposta do coro ao uacuteltimo xingamento desferido por Paflagocircnio que
50 Seguindo a divisatildeo proposta por Mazon (1904 p 38) ode A vv 303-313 proepirrema vv 314-321 ode Alsquo
vv 322-332) 51 Gelzer (1960 p xii) natildeo considera a sphragis Estamos levando em conta a demarcaccedilatildeo de Pickard-Cambridge
(1966 p 215) e Mazon (1904 p 48) 52 O coro estaacute sendo considerado um ator coletivo que participa da disputa com as estrofes da ode
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interrompe o canto coral Nessa interrupccedilatildeo haacute primeiramente a manifestaccedilatildeo de Paflagocircnio
em seguida o pronunciamento de Agoraacutecrito e depois o aparte jocoso do escravo cuja
funccedilatildeo bomolochos o caracteriza como um co-orador Esse conjunto de trecircs falas compreende
o proepirrema em prosa (vv 314-321) Segundo Gelzer (1960 p 43) em Cavaleiros a
inserccedilatildeo de versos falados na ode proveacutem do conteuacutedo Eacute com surpresa que Paflagocircnio
interrompe o coro e um proepirrema na ode corresponde para Gelzer a um verdadeiro chiste
dramaacutetico
No katakeleusmos o corifeu passa a palavra a Agoraacutecrito para que mostre que a
boa educaccedilatildeo de nada serve (vv 333-334) No epirrema Agoraacutecrito expotildee a proacutetase de seu
discurso que comeccedila pela desmoralizaccedilatildeo do adversaacuterio (v 335) Dessa maneira o tom da
discussatildeo eacute fixado nas provocaccedilotildees ao inveacutes de um confronto de ideacuteias Paflagocircnio por sua
vez se lanccedila na discussatildeo reclamando sua prioridade de falar (vv 336-341) O assunto que eacute
construiacutedo pela metaacutefora da culinaacuteria desenvolve-se de acordo com as prerrogativas de cada
adversaacuterio (vv 342-360) E assim a querela se realccedila pelo jogo da esticomitia (vv 361-381)
nas invectivas grosseiras
A simetria entre as partes desse agon I se manteacutem na antode que eacute tambeacutem
intercalada por um antiproepirrema53
Na antode o coro demonstra toda admiraccedilatildeo pelo
palavreado de Agoraacutecrito a ponto de no antikatakeleusmos natildeo conclamar Paflagocircnio agrave fala
embora ele tome a palavra declarando-se invenciacutevel (vv 409-410) A partir daiacute (vv 411-440)
os adversaacuterios se vangloriam da vida que levaram de acordo com a escola da patifaria Na
sequumlecircncia o bate-boca caminha ao estilo da esticomitia num jogo discursivo sob a metaacutefora
da culinaacuteria (vv 441-456) No antepirrema as provocaccedilotildees se estendem ateacute o antipnigos
reforccedilando o quanto Agoraacutecrito eacute de fato bom de laacutebia E pela segunda vez o coro elogia a
astuacutecia do salsicheiro mostrando na sphragis as vantagens do heroacutei sobre seu rival
53 De acordo com a distribuiccedilatildeo feita por Mazon (1904 p 38) antode A vv 382-390 antiproepirrema vv 391-
396 antode Arsquo vv 397-406
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A natureza agressiva desse primeiro agon eacute decorrecircncia da accedilatildeo ofensiva gerada
no paacuterodo com a entrada do coro formado por cavaleiros que gozando de um status-quo
elevado socialmente tecircm nessa comeacutedia a funccedilatildeo spoudaios O coro representa um papel
bem definido de mediador nas discussotildees mas sem imparcialidade porque eacute um partidaacuterio
incondicional do heroacutei cocircmico Natildeo eacute sem propoacutesito que Aristoacutefanes escolheu representar os
membros da cavalaria ateniense pois fatos histoacutericos denunciam que havia uma animosidade
entre Cleatildeo e a cavalaria de Atenas o que veio a calhar para o poeta que tambeacutem tinha suas
divergecircncias com o demagogo
Nas partes epirremaacuteticas os assaltos entre os adversaacuterios tornam-se evidentes na
medida em que as agressotildees verbais culminam numa agressatildeo fiacutesica marcada pela interjeiccedilatildeo
ἰού (v 451) aleacutem do encorajamento inflamado do escravo (vv 453-456) que na funccedilatildeo
bomolochos proporciona um tempero cocircmico a mais para a cena
Apoacutes o primeiro agon segue-se a paraacutebase I e uma cena de transiccedilatildeo (vv 461-
497) muito peculiar que chama a atenccedilatildeo pelo seu conteuacutedo agoniacutestico Paflagocircnio decide
levar a disputa diante do Conselho Tal enfrentamento ocorre fora de cena portanto no
espaccedilo extracecircnico54
Agoraacutecrito faz uma narrativa detalhada (vv 624-682) dessa disputa da
qual sai vitorioso Essa cena (vv 611-691) comeccedila com a forma de um agon Na ode o coro
encoraja Agoraacutecrito a falar e uma vez que Paflagocircnio estaacute ausente cabe ao pronunciamento
do heroacutei um uacutenico epirrema
54 Empregamos o termo extracecircnico com o sentido mais amplo possiacutevel Para um estudo aprofundado sobre o
assunto veja Rhem (2002 apud ROSA 20042005) Ubersfeld (2005) e Pavis (2001) De acordo com Rhem
(2002 apud ROSA 20042005 p 102-103) haacute seis categorias para o espaccedilo teatral espaccedilos teatral cecircnico
extracecircnico distante auto-referencial ou metateatral e por fim reflexivo Pavis (2001 p 132-138) tambeacutem estabelece seis categorias todavia nenhuma delas como espaccedilo extracecircnico Para esse autor haacute sempre riscos
teorizar sobre o espaccedilo no teatro mas propotildee as seguintes categorias espaccedilos dramaacutetico cecircnico cenograacutefico
ou teatral luacutedico ou gestual textual e interior Jaacute Ubersfeld (2005 p 113-116) discute os paradigmas
espaciais segundo os conceitos cecircnico e extracecircnico
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Χο ὦ καλὰ λέγων πολὺ δrsquoἀ-
μείνονrsquoἔτι τῶν λόγων
ἐργασάμενrsquo εἴθrsquoἐπέλθοις
ἅπαντά μοι σαφῶς (vv 617-619)
Co oacute vocecirc que eacute bom de laacutebia e que bem melhor ainda que suas palavras
foi batalhador que se aproxime
para me contar com clareza tudinho
Αλ καὶ μὴν ἀκοῦσαί γrsquoἄξιον τῶν πραγμάτων (v 625)
Ag E vale a pena ouvir os fatos
Assim Agoraacutecrito inicia sua narrativa triunfante de aproximadamente sessenta
versos (vv 625-682) e no final o Conselho o reconhece vitorioso com elogios e hurras
Αλ οἱ δrsquoὑπερεπῄνουν ὑπερεπύππαζον τέ με (ν 680)
Ag eles me elogiavam aleacutem da conta e me aclamavam
Como bem observaram Jong Nuumlnlist e Bowie (2004 p 282) ateacute essa passagem a
accedilatildeo em Cavaleiros tem uma seacuterie de cenas de confronto com discursos curtos e falas raacutepidas
Isso se confirma pelas esticomitias que apontamos anteriormente Percebe-se que a presenccedila
de uma cena de natureza narrativadescritiva desacelera a accedilatildeo que passa a ser um relato
cronoloacutegico dos fatos ligados por marcas temporais (ὁτε δή v 632 κᾆτα v 640 ou κᾆθrsquo
v 665 κἀγω v 647 e κἄγωγrsquo v 658 ἐπειδή γrsquo v 671 ἔπειτα v 678)
Na passagem ἐπέλθοις ἅπαντά μοι σαφῶς o coro deixa claro que haveraacute um
discurso extenso E tambeacutem em τῶν πραγμάτων Agoraacutecrito anuncia que vai fazer um
relato dos fatos Trata-se portanto de um agon-relato cuja forma se assemelha aos moldes
dos monoacutelogos narrativos dos mensageiros nas trageacutedias Eacute nesse sentido que na opiniatildeo de
Russo (1994 p 81) o relato ininterrupto de Agoraacutecrito eacute introduzido de maneira paratraacutegica
No entanto para Mazon (1904 p 42) esse tipo de cena narrada se refere agrave
dificuldade que o poeta teria de representar o Conselho embora houvesse a possibilidade de o
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Conselho ser representado por uma personagem alegoacuterica Mas Aristoacutefanes estaria se
repetindo natildeo soacute na construccedilatildeo de duas personagens alegoacutericas Demo e Conselho mas
tambeacutem na composiccedilatildeo de duas cenas similares em que Agoraacutecrito e Paflagocircnio se
enfrentariam diante de uma personagem alegoacuterica
Haacute um consenso entre Mazon (1904) Russo (1994) e Jong Nuumlnlist e Bowie
(2004) no que diz respeito agrave propriedade com que o poeta compotildee essa seccedilatildeo da comeacutedia
Mazon reconhece a verve poeacutetica aristofacircnica e a variaccedilatildeo dos recursos dramaacuteticos
empregados Jong Nuumlnlist e Bowie ressaltam a riqueza dos modos de narraccedilatildeo em
Aristoacutefanes e na opiniatildeo de Russo a conduccedilatildeo de um duelo fora do palco demonstra quatildeo
essenciais e bem planejados satildeo os agones de Cavaleiros
A cena seguinte eacute simetricamente engrenada agrave cena do agon-relato Na antode (v
690) o coro se rejubila com Agoraacutecrito e reforccedila seu apoio ao heroacutei Subsequumlentemente
comeccedila com a volta de Paflagocircnio o antepirrema que eacute fragmentado na forma de um
diaacutelogo55
entre ele e Agoraacutecrito em que Paflagocircnio quer uma revanche dessa vez diante de
Demo
οὐκ ὦγάθrsquo ἐν βουλῆ με δόξεις καθυβρίσαι
ἴωμεν εἰς τὸν δμον (νν 722-723)
natildeo vai pensando colega que vocecirc me esculhambou no Conselho
vamos agrave presenccedila de Demo
Toda narrativa dramaacutetica da comeacutedia tem ateacute aqui um eixo agoniacutestico que se
configura em constantes rixas que preparam para o combate mais importante o segundo agon
apoacutes a paraacutebase I e a cena de relato do agon-relato Isso nos leva a pensar que essa primeira
parte cumpre a funccedilatildeo de um imenso proagon de modo que o confronto entre os rivais
continuaraacute sendo tambeacutem objeto do agon II mantendo-se dessa forma uma discussatildeo sobre o
tema da comeacutedia
55 Esse artifiacutecio de fragmentar o antepirrema em diaacutelogo estaacute tambeacutem presente nos quasi-agon de Euriacutepides
denominados por Lloyd (1992 p 6-8 76) de near-agon
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Para Gelzer (1960 p 49) esse segundo agon se localiza na diallage a qual se
compotildee de quatro partes A primeira parte a disputa moldurada desde o iniacutecio no proacutelogo
quando essa disputa eclode em razatildeo de o oraacuteculo predizer o fim do poder de Paflagocircnio se
daacute abertamente pelo poder em Atenas a accedilatildeo teraacute continuidade no paacuterodo no agon I e nas
cenas de transiccedilatildeo sempre com a mesma temaacutetica qual dos dois adversaacuterios eacute eticamente o
pior E assim se estabelece o tema da negociaccedilatildeo a segunda parte numa cena que se desenha
num tiacutepico duelo de bajulaccedilatildeo (vv 732-940) Em seguida na terceira parte satildeo feitos os
acordos entre os litigantes e o juiz eacute Demo (vv 710 747-748) ambos os lados estatildeo
acordados em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees e reivindicam seus direitos (vv 730-745) e o objeto da
disputa (vv 746-748) eacute saber qual dos dois Paflagocircnio ou Agoraacutecrito eacute mais dedicado a
Demo Logo apoacutes eacute estabelecida a negociaccedilatildeo a quarta parte onde ocorre o agon II (vv 756-
940) e cada litigante apresenta as provas de sua fundamentaccedilatildeo A forma desse agon II eacute
regular poreacutem o conteuacutedo das partes apresenta aberraccedilotildees
ode (vv 756-760) antode (vv 836-840)
katakeleusmos (vv 761-762) antikatakeleusmos (vv 841-842)
epirrema (vv 763-823) antepirrema (vv 843-910)
pnigos (vv 824-835)56
antipnigos (vv 911-940)
sphragis (vv 941)57
Por razotildees meacutetricas na ode ocorre uma mudanccedila de tom ou ritmo em que o metro
natildeo eacute cantado e o corifeu segue o modo de recitaccedilatildeo denominado παπακαταλογή Na
interpretaccedilatildeo de Mazon (1904 p 43) esse modo de recitaccedilatildeo denominado παρακαταλογή
remeteria a uma cena comum entre os atletas que antes de entrar na competiccedilatildeo recebiam
apoio dos amigos e parentes O mesmo poderia se ver nesse momento da comeacutedia em que o
coro que eacute partidaacuterio do heroacutei cocircmico e interessado no desfecho da accedilatildeo lhe dirige em plena
voz os uacuteltimos conselhos Pickard-Cambridge (1966 p 216) a classifica de ―introduccedilatildeo Jaacute
56 A seccedilatildeo pnigosantipnigos eacute a mais longa de todos os agones aristofacircnicos pnigos (vv 824-835) sistema
anapeacutestico de 11 versos antipnigos (vv 911-940) sistema iacircmbico de trinta versos 57 Gelzer (1960 p xiii) natildeo considera esse verso como sphragis Seguimos a proposta de Mazon (1904 p 48)
Pickard-Cambridge (1966 p 215) e Moumlllendorff (2002 p 88)
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Gelzer (1960 p xiii) considera odeantode porque seus conteuacutedos satildeo compatiacuteveis com o
conteuacutedo tradicional das odes em que se constata uma mistura de elogios ao heroacutei com
alarmes de perigo que o esperam No katakeleusmos o coro passa a palavra a Agoraacutecrito mas
eacute Paflagocircnio que se anima a discursar em primeiro lugar Nas partes epirremaacuteticas haacute uma
conduccedilatildeo engenhosa do diaacutelogo construiacutedo por um jogo de refutaccedilotildees bem ao estilo do toma
laacute daacute caacute E para Gelzer (1960 p 69) Aristoacutefanes almeja um efeito dramaacutetico que durante o
agon se intensifica com os meios retoacutericos da discussatildeo
Ambos os adversaacuterios reforccedilam seu amor por Demo (vv 763-772) Em seguida
oferecem provas desse amor Nesse momento da discussatildeo o poeta traz agrave tona atraveacutes dos
ataques sofridos por Paflagocircnio a praacutetica poliacutetica de Cleatildeo em relaccedilatildeo ao povo ateniense a
sabotagem ao pacto de paz (vv 790-796) e o modo opulento de viver (vv 810-819) Demo
reconhece entatildeo a hipocrisia de Paflagocircnio (vv 820-823) O pnigos se encerra com insultos
reciacuteprocos e no final (vv 834-835) Agoraacutecrito expotildee com base nos subornos do rival a
proacutetase de seu discurso que vai ocorrer no antepirrema Na antode o coro ressalta a
eloquumlecircncia do salsicheiro e no antikatakeleusmos o encoraja a falar mas eacute Paflagocircnio quem
toma a palavra No antepirrema Agoraacutecrito rebate o oponente por meio de silogismos
(λαβὴv γὰρ ἐνδέδωκας ν 847) em que satildeo atacados isoladamente os pontos negativos de
Paflagocircnio Assim a cada prova de Paflagocircnio Agoraacutecrito contra-argumenta mostrando
inversamente os pontos negativos do adversaacuterio Se no agon I Agoraacutecrito agradou Demo com
uma almofada (vv 784-785) agora o bajula com um par de sapatos (vv 868-874) e uma
tuacutenica (vv 881-889) Paflagocircnio oferece por sua vez sua clacircmide (vv 890-893) que aliaacutes
fede a couro motivo suficiente para Agoraacutecrito acusaacute-lo de tentar asfixiar Demo Nesse
antepirrema o tom da contenda repleta de ameaccedilas e protestos se estende ao antipnigos
resultando num confronto fiacutesico evidenciado no texto pela interjeiccedilatildeo ἰαιβοῖ (v 891) Ateacute
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
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aqui o heroacutei cocircmico leva a melhor na disputa a ponto de Paflagocircnio ser demitido de seu cargo
de governante da casa devolvendo a Demo o anel que lhe dava o direito da funccedilatildeo (v 949)
A sphragis que natildeo respeita a meacutetrica encerra a contenda em prosa εὖ γε νή
τον Δία Segundo Sommerstein (1981 p 194) trata-se de uma foacutermula empregada por
Aristoacutefanes em circunstacircncias religiosas juriacutedicas ou no pronunciamento de um arauto
A posiccedilatildeo do segundo agon (vv 756-941) eacute por causa das duas paraacutebases na peccedila
inter-parabaacutetica Essa posiccedilatildeo sugere que ambas as paraacutebases reforccedilam a funccedilatildeo dramaacutetica
desse agon Embora a paraacutebase I seja de caraacuteter literaacuterio o poeta expotildee nela uma consciecircncia
de seu papel poliacutetico (DUARTE 2000 p 85) mantendo assim uma coerecircncia com o assunto
da peccedila cujo cliacutemax tatildeo esperado pelo puacuteblico eacute alcanccedilado no agon II E na paraacutebase II a
referecircncia ao mau caraacuteter dos litigantes (DUARTE 2000 p 105) nada mais eacute do que uma
projeccedilatildeo da poneria presente no segundo agon
A vitoacuteria de Agoraacutecrito eacute no entanto provisoacuteria jaacute que o termo da contenda eacute
adiado para as cenas seguintes cujas formas nada tecircm da estrutura do agon epirremaacutetico
senatildeo a natureza competitiva da accedilatildeo que se apresenta em dois momentos o confronto de
oraacuteculos (vv 997-1100) e o concurso culinaacuterio (vv 1151-1263) Tanto Moumlllendorff (2002 p
88) quanto Gelzer (1960 p 161) classificam essa cena de Agonales Szenen (cenas de agon)
No primeiro embate Demo solicita os oraacuteculos a Agoraacutecrito e Paflagocircnio que em seguida
devem comeccedilar a lecirc-los (vv 970 1011) A maneira como Paflagocircnio toma a frente sugere um
tom de katakeleusmos
Πα ἄκουε δή νυν καὶ πρόσεχε τὸν νοῦν ἐμοί (v 1014)
Pa Entatildeo ouccedila e preste atenccedilatildeo em mim
No discurso de cada oponente domina a simbologia animal Aproveitando-se de
que Demo natildeo entende a leitura que Paflagocircnio faz dos oraacuteculos Agoraacutecrito refuta entatildeo
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
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com uma releitura Se Paflagocircnio se enxerga como o catildeo de guarda58
que com dentes afiados
e latido ruidoso protege o dono (vv 1015-1020) Agoraacutecrito por sua vez contradiz as
pretensotildees de seu adversaacuterio interpretando a figura desse catildeo como o Ceacuterbero traiccediloeiro (vv
1030-1034) Em outro oraacuteculo Paflagocircnio se vecirc como um leatildeo que defendendo o Povo dos
mosquitos importunos deve ser protegido por numa muralha outra razatildeo para Agoraacutecrito se
opor e interpretar que o muro de madeira e ferro deveria prendecirc-lo ao inveacutes de abrigaacute-lo (vv
1037-1049) A contradiccedilatildeo eacute mantida no oraacuteculo que mostra o catildeo-raposa em que o poeta faz
uma criacutetica agrave poliacutetica da exploraccedilatildeo do aliados atraveacutes do aumento de impostos (vv 1067-
1077) Depois eacute a vez de o poeta investir contra a corrupccedilatildeo (vv 1080-1085) e por fim os
pressaacutegios pelo sonho (vv 1088-1095) Portanto os discursos tecircm um poder imageacutetico
construiacutedos por palavras que satildeo puro simbolismo o que garante uma caricatura dos oraacuteculos
recurso eficiente de que o poeta se aproveita para criticar a arte poliacutetica isto eacute o uso ambiacuteguo
das palavras e a sutileza da dialeacutetica
Demo adia mais uma vez a sentenccedila para a cena seguinte a uacuteltima prova para
Agoraacutecrito e Paflagocircnio em que a vitoacuteria seraacute dada agravequele que seduzir Demo pelo estocircmago
(vv 1107-1009) Essa cena em que se salienta a simbologia culinaacuteria estaacute configurada ao
moldes de um concurso de cozinha cuja abertura faz alusatildeo ao katakeleusmos
Αλ ἄφες ἀπὸ βαλβίδων ἐμέ τε καὶ τουτονί
ἵνα σlsquoεὖ ποιῶμεν ἐξ ἴσου
Αη δρᾶν ταῦτα χρή
ἄπιτον (vv 1158-1161)
Ag Me mande agora eu e tambeacutem esse fulano aiacute para a linha de partida Para que a gente te sirva em peacute de igualdade
De Eacute isso mesmo que se deve fazer
Vatildeo jaacute
A palavra de ordem eacute o verbo ἄπειμι que daacute a largada da competiccedilatildeo em que
tortas (μαζίσκη v 1166) patildeo para sopa (μυστίλη v 1168) purecirc de ervilhas (ἔτνος γε
58 A imagem do catildeo de guarda vai aparecer tambeacutem na cena do julgamento em Vespas cf infra
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
65
πίσινον v 1171) sopa (ζωμός v 1175) posta de peixe (τέμαχος v 1177) carne (κρέας
v 1178) tripas (χόλιξ v 1179) bebida (vv 1185-1188) entre outros regalos da gula
disputam entre si num jogo de persuasatildeo gastronocircmica o paladar de Demo
Segundo Gelzer (1960 p 161) as cenas dos oraacuteculos e do concurso culinaacuterio
compotildeem a quarta e uacuteltima parte da diallage a sentenccedila Ao arbitrar como juiz na diallage os
apartes de Demo conferem agrave personagem a funccedilatildeo bomolochos cuja fala natildeo somente realccedila
o tom humoriacutestico da accedilatildeo mas tambeacutem sentencia o desfecho da disputa Por tantas vezes
protelado o veredicto59
ao final dessas cenas Demo anuncia sua preferecircncia por Agoraacutecrito
Ἀγορακρίτῳ τοίνυν ἐμαυτὸν ἐπιτρέπω (v 1259)
Entatildeo confio a Agoraacutecrito que cuide de mim
Fecha-se portanto a narrativa dramaacutetica que teve iniacutecio com o vaticiacutenio
anunciado no proacutelogo
κοιλιοπώλῃσιν δὲ θεός μέγα κῦδος ὀπαζει (v 200)
aos salsicheiros a divindade reserva uma grande gloacuteria
como se o resultado da disputa jaacute estivesse deliberado antes mesmo de a contenda ter
comeccedilado o que mostra que a intenccedilatildeo dο poeta natildeo estava em quem ia ganhar mas como
ganharia mantendo ateacute o final da comeacutedia a expectativa do espectador que o poeta tem na
mais alta conta homenageando-o atraveacutes da personagem Demo Este na funccedilatildeo de juiz dessa
contenda se preocupa com a opiniatildeo do puacuteblico
Δη τ δτrsquo ἄν ὑμᾶς χρησάμενος τεκμηρίῳ
δόξαιμι κρίνειν τοῖς θεαταῖον σοφῶς (vv 1209-1210)
De Que criteacuterios usar no caso de vocecircs para que
aos olhos dos espectadores eu tenha escolhido com sabedoria
59 Esse tipo de adiamento da sentenccedila tambeacutem ocorre em Ratildes
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
66
Quanto agrave forma os agones I e II se compotildeem da siziacutegia epirremaacutetica regular em
suas partes E quanto ao conteuacutedo se completam entre si O primeiro agon que eacute poacutes-paacuterodo
tem a funccedilatildeo preparatoacuteria em que Agoraacutecrito eacute colocado agrave prova diante de seu adversaacuterio
uma espeacutecie de debate amistoso para o confronto final o agon II que eacute inter-parabaacutetico No
todo orgacircnico da comeacutedia a estrutura eacute contemplada por outras cenas anaacutelogas ao agon
desde o proacutelogo ateacute o confronto na cena dos oraacuteculos (vv 997-1110) e a disputa ―forno e
fogatildeo na cena da refeiccedilatildeo com Demo (vv 1151-1262) quase no final da peccedila
Na anaacutelise de Gelzer (1960 p 63-64) o litiacutegio que estaacute na base da diallage
domina a peccedila inteira e soacute encontra termo ao final a accedilatildeo se desenvolve na disputa enquanto
seu pano de fundo eacutetico eacute exaustivamente discutido na negociaccedilatildeo isto eacute no segundo agon
epirremaacutetico que eacute o objetivo e o ponto principal da diallage Neste estudo consideramos
agon inserido num complexo agoniacutestico o que Gelzer analisa segundo o que ele denominou
de diallage Assim sendo toda condensaccedilatildeo da accedilatildeo dramaacutetica gira em torno do agon
(SILVA 2000 p 12) Na interpretaccedilatildeo de Russo (1994 p 81) os agones de Cavaleiros satildeo
notaacuteveis por uma seacuterie de sistemas tensos raacutepidos e graduados que mantecircm o espectador em
correspondecircncia com niacuteveis de tensatildeo e emoccedilatildeo Portanto toda a accedilatildeo dramaacutetica tem por
natureza o conflito e vai num crescendo o que tambeacutem pode ser constatado nas comeacutedias
Nuvens Vespas e Ratildes
2 O agon em Nuvens60
os confrontos tempestuosos
No conjunto da obra de Aristoacutefanes a comeacutedia Nuvens foi a mais estudada desde
a Antiguumlidade ateacute nossos dias (THIERCY 2007 p 256) O texto que a tradiccedilatildeo nos deixou
60 A proposta de Nuvens (424 aC) eacute trazer agrave discussatildeo o papel da Educaccedilatildeo de acordo com as correntes
filosoacuteficas vigentes na formaccedilatildeo do indiviacuteduo Para isso a comeacutedia enfoca o conflito de valores entre pai e
filho num choque de geraccedilotildees
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
67
refere-se agrave segunda versatildeo61
o que eacute um fator complicador para a anaacutelise da peccedila porque no
que concerne agrave composiccedilatildeo62
do texto existente haacute particularidades que envolvem o paacuterodo o
agon e a paraacutebase63
O paacuterodo jaacute traz alguns embaraccedilos com relaccedilatildeo ao agon uma vez que
dependendo da demarcaccedilatildeo da entrada do coro pode ocorrer ou natildeo um agon a mais na
estrutura Navarre (1911 p 279) considera apenas a contenda entre os Raciociacutenios como o
agon de Nuvens Jaacute Mazon (1904 p 62) estabelece trecircs agones vv 358-475 (apoacutes o paacuterodo)
vv 889-1106 (apoacutes a paraacutebase I) e vv 1345-1452 (apoacutes a paraacutebase II) Nesta anaacutelise
adotamos a distribuiccedilatildeo de Pickard-Cambridge (1966 p 217-218) Gelzer (1960 p xiii) e
Moumlllendorff (2002 p 132) que estatildeo de acordo na divisatildeo dos versos e consideram dois
agones para a peccedila o primeiro entre os Raciociacutenios (apoacutes a paraacutebase I) o segundo entre pai e
filho (apoacutes a paraacutebase II)
Segundo Couat (1895 p 367) no texto de Nuvens misturam-se duas ediccedilotildees
incompletas o que torna difiacutecil uma reconstituiccedilatildeo exata do paacuterodo De acordo com Mazon
(1904 p 53-54) e Pickard-Cambridge (1966 p 217) o paacuterodo estaacute concluiacutedo no v 357 Daiacute
por diante se aplicarmos a sequumlecircncia tradicional das partes de uma comeacutedia ndash proacutelogo
paacuterodo agon paraacutebase ndash dos vv 358-475 se esperaria o agon Para Mazon nesses versos
ocorre o primeiro agon da peccedila enquanto Pickard-Cambridge classifica a passagem de quasi-
meio-agon64
Quanto a sua forma a estrutura estaacute muito mutilada65
natildeo haacute epirrema o
diaacutelogo estaacute em anapestos tetracircmetros (vv 364-438) em seguida haacute um pnigos (vv 439-456)
e por fim uma ode (vv 457-475) Na hipoacutetese de Mazon Aristoacutefanes teria escrito um agon
regular mas suprimiu suas partes deixando essa cena ligada ao paacuterodo Gelzer (1960 p 140)
natildeo descarta a hipoacutetese de que o excerto vv 365-377 poderia conter o que teria restado depois
61 Sobre os manuscritos preservados cf Sommerstein (1998 p 5-6) 62 Alguns estudos apontam para a natildeo encenaccedilatildeo dessa versatildeo por duas razotildees ou o texto foi reformulado natildeo
tendo em vista o espaccedilo cecircnico ou por se tratar de uma versatildeo apenas para a leitura A esse respeito cf Russo (1994 p 97-109)
63 A propoacutesito da anaacutelise da paacuterabase de Nuvens cf Duarte (2000 p 132-153) 64 O termo em inglecircs eacute quasi-half-agocircn 65 De acordo com esquema de Pickard-Cambridge (1966 p 217)
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
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da recomposiccedilatildeo da peccedila de um agon da primeira versatildeo Dos vv 365-411 a argumentaccedilatildeo
da tese de que as Nuvens satildeo deusas eacute muito similar agrave argumentaccedilatildeo nos agones
epirremaacuteticos sobretudo no antepirrema afirma Gelzer (1960 p 141) Ao que parece houve
uma imbricaccedilatildeo de forma e conteuacutedo entre as partes do texto cocircmico a ponto de se tratar de
uma extensatildeo do paacuterodo que assumindo proporccedilotildees de um quasi-agon entendemos como um
paacuterodo-agoniacutestico
O diaacutelogo entre Soacutecrates e Estrepsiacuteades que teve iniacutecio no proacutelogo eacute
interrompido parcialmente pela entrada do coro de Nuvens que entoa solenemente duas
estrofes liacutericas em meio aos comentaacuterios dos dois atenienses e depois os sauacuteda
χαῖρrsquo ὦ πρεσβῦτα παλαιογενές θηρατά φιλομούσω
σύ τε λεπτοτάτων λήρων ἱεροῦ [] (vv 358-359)
[a Estrepsiacuteades] Salve velho dos antigos tempos admirador de palavras queridas
[das Musas [a Soacutecrates] E vocecirc sacerdote de tolices sutiliacutessimas
66
Ao cumprimentar Soacutecrates o coro se dirige a ele como λήρων ―aquele que diz
asneiras e enfatiza a oratoacuteria do filoacutesofo empregando o superlativo de λεπτός
―minucioso ―meticuloso ―sutil o que delega agrave personagem tanto a funccedilatildeo poneros quanto
alazon
Como a personagem representa comicamente a imagem do filoacutesofo e de sua arte
que passava por um momento novo com o advento da sofiacutestica Soacutecrates pode ser visto
segundo a opiniatildeo de Whitman (1964 p 139) como mestre da poneria Mas eacute preciso ter o
cuidado de natildeo entender poneros no sentido ―mau-caraacuteter atributos de Agoraacutecrito e
Paflagocircnio em Cavaleiros mas algueacutem dotado de um palavreado ardiloso
Na opiniatildeo de Thiercy (2007 p 261) a intenccedilatildeo de Aristoacutefanes natildeo era fazer um
retrato ainda que monstruoso de Soacutecrates como o autor fez de Cleatildeo em Cavaleiros mas
66 Todas as passagens traduzidas de Nuvens satildeo de Gilda Maria Reale Starzynski
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
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encontrar um homem que representasse para o puacuteblico a nova retoacuterica da eacutepoca Thiercy
(2007 p 262) classifica entretanto a personagem de Soacutecrates como um alazon bem como
McLeish (1980 p 56) A alazoneiacutea em Soacutecrates estaria entatildeo relacionada agrave jactacircncia de seu
discurso que eacute um recurso cocircmico a serviccedilo da saacutetira agrave sofiacutestica e a seus seguidores
Quanto a Estrepsiacuteades por sua vez o coro o considera um θηρατής ―aquele que
persegue os discursos Portanto poneria eacute precisamente a arte que o heroacutei espera aprender
com Soacutecrates mas se mostra incapaz Conforme o estudo de Whitman (1964 p 120 121
122 129 135 139) Estrepsiacuteades natildeo possui nenhuma das qualidades de heroacutei que
caracterizam outros protagonistas falta-lhe uma verdadeira poneria e dimensotildees generosas do
grotesco Para esse autor o heroacutei de Nuvens eacute risiacutevel e pateacutetico ao mesmo tempo Aliaacutes natildeo
se trata de um verdadeiro heroacutei e a inversatildeo dos papeacuteis com seu filho eacute um ponto baacutesico da
estrutura a partir do momento em que Fidiacutepides vai agrave escola de Soacutecrates Whitman tambeacutem
interpreta que o heroacutei pende para a fanfarronice a alazoneiacutea Jaacute para McLeish (1980 p 56
123) Estrepsiacuteades tem a funccedilatildeo bomolochos enquanto que na anaacutelise de Thiercy (2007 p
256 259) Estrepsiacuteades eacute a personagem principal cuja funccedilatildeo spoudaios se explica pela sua
uniatildeo matrimonial com a sobrinha de Meacutegacles vinda de uma famiacutelia aristocraacutetica que natildeo o
teria certamente aceitado se ele fosse um homem de classe inferior
A personagem Estrepsiacuteades pode dependendo da accedilatildeo assumir essas trecircs funccedilotildees
Seu endividamento por causa dos caprichos do filho que eacute um amante de cavalos condiz com
seu status quo proveniente de uma condiccedilatildeo social elevada portanto lhe cabe a funccedilatildeo
spoudaios Ele gostaria de ser dotado de poneria para poder debater com os credores e
―inverter o discurso a seu favor aliaacutes uma atitude que faz jus agrave etimologia do nome
Estrepsiacuteades que estaacute ligado ao vocaacutebulo στρέψις ―accedilatildeo de virar Mas a natureza obtusa do
velho ateniense faz com que ele tenha a funccedilatildeo bomolochos ao agregar comentaacuterios jocosos
aos pontos de argumentaccedilatildeo do filoacutesofo conforme a citaccedilatildeo a seguir
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
70
Στ ταῦτrsquo ἄρα καὶ τὠνοματrsquo ἀλλήλοιν sbquoβροντὴ‛ καὶ sbquoπορδή‛ ὀμοίω (v 394)
Estr Ah entatildeo eacute por isso que ateacute os nomes satildeo parecidos trovatildeo e peidatildeo
[]
Σω καὶ τῶς ὦ μῶρε σὺ καὶ Κρονίων ὄζων καὶ βεκκεσέληνε (v 398)
Socr Mas como insensato velho tonto cheirando a mofo seu arcaico
O excerto acima exemplifica que o diaacutelogo entre Estrepsiacuteades e Soacutecrates se
constroacutei num jogo de pergunta e resposta mas natildeo se trata de exposiccedilatildeo de pontos de vista a
relaccedilatildeo argumentocontra-argumento eacute inexistente O heroacutei natildeo estaacute numa situaccedilatildeo de conflito
com seu adversaacuterio porque natildeo haacute antagonismo Estrepsiacuteades quer aprender e Soacutecrates potildee agrave
prova se seu candidato a disciacutepulo tem aptidatildeo ou natildeo O heroacutei eacute entatildeo submetido a um ritual
de iniciaccedilatildeo em que satildeo invocadas as Nuvens cuja entrada estabelece o final do proacutelogo e
iniacutecio do paacuterodo O diaacutelogo entre Estrepsiacuteades e Soacutecrates que teve iniacutecio no final do proacutelogo
se estende ateacute o paacuterodo com algumas intervenccedilotildees do coro Por essas razotildees interpretamos
que essa passagem ainda pertence ao paacuterodo
Assim sendo o primeiro agon de Nuvens (vv 949-1104) refere-se agrave cena entre os
Raciociacutenios que vai ocorrer depois da primeira paraacutebase (vv 510-626) o que resulta numa
inversatildeo da ordem esperada da estrutura cocircmica Na anaacutelise de Duarte (2000 p 137) a razatildeo
disso repousa sobre o status do heroacutei que ainda natildeo obteve ecircxito em seu plano o que justifica
a ausecircncia de conclusatildeo na paraacutebase
Como as personagens Raciociacutenios Justo e Injusto satildeo novas no enredo entrando
de suacutebito em cena67
antes de o agon comeccedilar haacute uma cena preparatoacuteria o proagon (vv 889-
948) em que ambas deixam claro ao puacuteblico quem representam e para que vieram Trava-se
um diaacutelogo raacutepido que num determinado ponto eacute revestido pela forma da esticomitia (vv
889-933)
67 O nuacutemero de participantes nesse agon I de acordo com o texto envolve os dois Raciociacutenios o coro e
Fidiacutepides que se manteacutem calado numa funccedilatildeo apenas de objeto da disputa Haacute controveacutersias entretanto na
questatildeo sobre a permanecircncia ou natildeo de Estrepsiacuteades e Soacutecrates nessa cena A esse respeito num artigo muito
interessante Sommerstein (1994 p 269-282) analisa a presenccedila ou ausecircncia de Soacutecrates e Estrepsiacuteades antes
durante e depois do agon entre os dois Raciociacutenios
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
71
Κρ ἀπολεῖς σύ τίς ὤν
Ητ λόφος
Κρ ἥττων γrsquoὤν
Ητ ἀλλά σε νικῶ τὸν ἐμοῦ κρείττω
φάσκοντrsquo εἶναι
Κρ τί σοφὸν ποιῶν
Ητ γνώμας καινὰς ἐξευρίσκων (νν 893-896)
[]
Jus Acabaraacute comigo E quem eacute vocecirc
Inj Um raciociacutenio Jus O fraco
Inj Mas eu vou vencecirc-lo a vocecirc que afirma que eacute mais forte do que eu
Jus Com que habilidades Inj Encontrando ideacuteias novas
A discussatildeo de caraacuteter provocativo se configura numa luta eriacutestica aos moldes da
sofistica e a partir desse momento os contendores jaacute datildeo sinais de sua poneria A partir do v
934 o corifeu potildee fim ao bate-boca e chama os dois adversaacuterios para o debate cuja temaacutetica eacute
o assunto da comeacutedia qual a melhor educaccedilatildeo a antiga ou a nova
Trata-se de uma cena de alegoria Nos comentaacuterios de Thiercy (2007 p 265)
esses dois Raciociacutenios segundo o escoliasta eram trazidos agrave cena numa gaiola como galos de
briga Infelizmente na versatildeo que possuiacutemos nenhuma imagem nem indicaccedilatildeo sugere tal
cena cujo antagonismo eacute bem marcado tanto no conteuacutedo quanto na forma de acordo com a
siziacutegia epirremaacutetica assim disposta
ode (vv 949-958) antode (vv 1024-1033)
katakeleusmos (vv 959-960) antikatakeleusmos (vv 1034-1035)
epirrema (vv 961-1008) antepirrema (vv 1036-1084)
pnigos (vv 1009-1023) antipnigos (vv 1085-1104)
Na ode o coro abre o debate No katakeleusmos o corifeu daacute a palavra ao
Raciociacutenio Justo que defende solenemente a educaccedilatildeo tradicional da muacutesica e da ginaacutestica a
justiccedila e a moderaccedilatildeo com um discurso bem estruturado no epirrema (vv 961-1008)
composto por trecircs rheseis A primeira se refere agrave ordem cronoloacutegica da formaccedilatildeo dos jovens
(vv 963-976) Em seguida ele expotildee a inversatildeo de valores daquilo que era evitado no
passado mas agora tolerado (vv 977-983) esses pontos satildeo refutados pelo Raciociacutenio Injusto
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
72
que alega anacronismo (vv 984-989) E por fim o Raciociacutenio Justo lista uma seacuterie de
condutas de mau comportamento que Fidiacutepides natildeo deveria seguir (vv 990-999) aqui
novamente o Raciociacutenio Injusto contra-argumenta protestando a defesa obsoleta de seu
oponente Essa refutaccedilatildeo conduz agrave conclusatildeo do Raciociacutenio Justo no pnigos em que ele
descreve o jovem atleacutetico ideal
Eacute a vez entatildeo de o Raciociacutenio Injusto se pronunciar Na antode (vv 1024-1033)
o coro o apresenta e lhe cede a palavra avisando-o no antikatakeleusmos (vv 1034-1035) o
ecircxito retoacuterico de seu rival Comeccedila o debate No antepirrema (vv 1036-1084) a discussatildeo eacute
entrecortada num jogo de argumento e contra-argumento de fundo sofiacutestico os versos que
cabem ao Raciociacutenio Injusto satildeo iacircmbicos cujo tom eacute bem irreverente Ele refuta de modo
silogiacutestico quatro pontos da argumentaccedilatildeo do adversaacuterio Primeiramente os banhos quentes
(vv 1043-1054) depois a vida na aacutegora (vv 1055-1057) em seguida o valor da dececircncia (vv
1058-1074) e por fim o poder da palavra para justificar uma vida prazerosa (vv 1075-1082)
No antipnigos (vv 1085-1104) ocorre um diaacutelogo raacutepido revestido pela forma da
esticomitia (vv 1090-1100) em que o Raciociacutenio Injusto demonstra que a maioria dos
cidadatildeos jaacute eacute adepta da nova educaccedilatildeo O Raciociacutenio Justo se daacute por vencido oferecendo seu
manto ao adversaacuterio (vv 1101-1104) gesto que sela a disputa dispensando a interferecircncia do
coro e portanto a ausecircncia da sphragis
Na opiniatildeo de Thiercy (2007 p 255-256) os Raciociacutenios satildeo personagens
episoacutedicas a quem eacute confiado o agon principal Thiercy (2007 p 265) entende que natildeo se
trata de opor dois raciociacutenios num simples jogo de antinomias mas aquilo que representam
neacutea-paideacuteia versus archaiacutea-paideacuteia Nessa mesma linha de interpretaccedilatildeo Whitman (1964 p
124) observa que o cliacutemax da peccedila comeccedila com o agon entre os dois Raciociacutenios e a accedilatildeo
envolve uma seacuterie de antinomias que caracteriza a divisatildeo entre a velha e a nova geraccedilatildeo
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
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A partir desse primeiro agon o desenvolvimento da accedilatildeo vai como em
Cavaleiros se acentuando progressivamente A importacircncia desse agon I estaacute na sua relaccedilatildeo
direta com a dinacircmica da accedilatildeo das cenas subsequumlentes em que o heroacutei passaraacute por trecircs provas
i) o enfrentamento com os credores (vv 1222-1300) cena em que ele se sai triunfante
aplicando os preceitos sofiacutesticos ii) o confronto com o filho que estabelece o segundo agon
da peccedila (vv 1345-1451) iii) o acerto de contas com Soacutecrates no ecircxodo (vv 1452-1510)
Antes de o segundo agon comeccedilar haacute uma curta cena (vv 1321-1344) de
passagem que sendo preparatoacuteria para o segundo agon estamos considerando-a como
proagon68
Trata-se de uma cena de confronto fiacutesico em que Estrepsiacuteades lamenta a proacutepria
sorte diante dos golpes que leva do filho que desafiando o pai para uma discussatildeo vai lhe
provar que eacute justo um filho bater no pai (vv 1330-1335)
Nessa cena eacute evidente o bem sucedido aprendizado do jovem que se torna ao
contraacuterio da torpeza de seu genitor haacutebil com as palavras um mestre em poneria conforme a
correspondecircncia dos versos
Κρ Καταπύγων εἶ κἀναίσχυντος (v 909)
Ητ ῥόδα μrsquoεἴρηκας
Κρ καὶ βωμολόχος (ν 910)
Ητ κρίνεσι στεφανοῖς
Κρ καὶ πατραλοίας (ν 911)
Jus E vocecirc um fresco um sem-vergonha
Inj Vocecirc me diz rosas
Jus palhaccedilo Inj Coroa-me de liacuterios
Jus parricida
[]
Στ ὦ λακκόπρωκτε
Φε τάττε πολλοῖς τοῖς ῥόδοις (ν 1330)
Estr Imundo Fid Vocecirc me polvilha com muitas rosas
68 Mazon (1904 p 62) e Pickard-Cambridge (1966 p 218) classificam-na de cena de introduccedilatildeo
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
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Fidiacutepides mostra que sabe a liccedilatildeo na ponta da liacutengua em seu discurso ecoa o
discurso do Raciociacutenio Injusto enquanto que o discurso de Estrepsiacuteades estaacute no mesmo tom
que o do Raciociacutenio Justo o que demonstra um espelhamento de conteuacutedo entre os agones e
portanto uma extensatildeo da contenda
A funccedilatildeo spoudaios presente na primeira parte da comeacutedia eacute suplantada pela
funccedilatildeo poneros que eacute realccedilada no segundo agon De acordo com McLeish (1980 p 56)
Fidiacutepides tem a funccedilatildeo spoudaios De fato trata-se de uma personagem de origem
aristocraacutetica amante dos cavalos qualidade reforccedilada pela proacutepria etimologia do nome No
entanto a funccedilatildeo de spoudaios restringe-se agrave primeira metade da comeacutedia porque a partir do
agon entre os Raciociacutenios quando o Injusto vence e passa entatildeo a ser o mestre de Fidiacutepides
este se transforma num poneros cuja funccedilatildeo ficaraacute evidente na cena do segundo agon Este
tem como o primeiro uma estrutura regular e manteacutem as mesmas caracteriacutesticas de
composiccedilatildeo de um agon duplo isto eacute com partes simeacutetricas da siziacutegia epirremaacutetica
ode (vv 1345-1350) antode (vv 1391-1396)
katakeleusmos (vv 1351-1352) antikatakeleusmos (vv 1397-1398)
epirrema (vv 1353-1385) antepirrema (vv 1399-1445)
pnigos (vv 1386-1390) antipnigos (vv 1446-1451)
Na ode (vv 1345-1350) o coro se dirige a Estrepsiacuteades e no katakeleusmos (vv
1351-1352) o encoraja No epirrema (vv 1353-1385) o discurso de Estrepsiacuteades se divide em
duas partes Primeiramente haacute uma descriccedilatildeo (vv 1354-1378) da cena de discussatildeo ocorrida
dentro da casa portanto no espaccedilo extracecircnico69
onde Fidiacutepides mostra preferecircncia pelos
versos de Euriacutepides que eacute na opiniatildeo de Estrepsiacuteades um corruptor da moral e da trageacutedia70
em detrimento dos versos de Simocircnides e de Eacutesquilo por julgaacute-los antiquados e pomposos
respectivamente Em seguida em decorrecircncia da discussatildeo Estrepsiacutedades questiona se eacute justo
um filho bater no pai (vv 1379-1385) E no pnigos Estrepsiacuteades expotildee justificando a
69 A respeito do espaccedilo no teatro cf nota 53 infra 70 Aristoacutefanes retomaraacute esse assunto no agon de Ratildes cf infra
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
75
injusticcedila de se bater no pai trecircs imagens71
referentes ao universo infantil como prova de seu
amor pelo filho βρῦν (ν 1382) μαμμᾶν (ν 1383) e κακκᾶν (v 1384) Na antode (vv
1391-1396) o coro estaacute apreensivo com as atitudes de Fidiacutepides mas o encoraja no
antikatakeleusmos (vv 1397-1398) No antepirrema (vv 1399-1445) Fidiacutepides apresenta
num jogo sofiacutestico trecircs pontos que justificam sua atitude de bater no pai i) o ato de bater no
pai eacute tambeacutem um ato de amor (vv 1408-1419) ii) a vulnerabilidade do direito paterno sobre o
filho (vv 1420-1429) iii) a questatildeo da dececircncia Diante dessa arguumliccedilatildeo Estrepsiacuteades daacute razatildeo
a Fidiacutepides (vv 1437-1439) que desafia o pai num ponto a mais nesse direito o de bater
tambeacutem na matildee (vv 1440-1445)
No antipnigos (vv 1446-1451) Estrepsiacuteades mostrando sinais de arrependimento
de um plano que se voltou contra si mesmo reage num final de agon bastante violento Para
Gelzer (1960 p 53-54) a funccedilatildeo desse segundo agon eacute por meio de um paralelismo da
construccedilatildeo com o primeiro agon e do ponto de vista dramaacutetico ad absurdum72
jaacute que o
violento desfecho da discussatildeo natildeo eacute para mostrar quem eacute o vencedor ou quem estaacute com a
razatildeo mas pocircr em evidecircncia esse tipo de argumentaccedilatildeo Ou seja eacute assim que Aristoacutefanes
lanccedila sua criacutetica aos novos horizontes da educaccedilatildeo grega se apropriando de um discurso muito
proacuteprio que eacute soacute dela a sofistica Na opiniatildeo de Romilly (1988 p 126-127) Aristoacutefanes
ilustrou de maneira concreta a arte de inversatildeo do discurso arte tatildeo cara a Protaacutegoras
Estrepsiacuteades para salvar seus interesses atraveacutes de sutilizas de argumentaccedilatildeo se vecirc viacutetima de
seu filho que se transformou num disciacutepulo dessa arte
O agon termina com a accedilatildeo ancorada no ecircxodo em que Estrepsiacuteades vai fazer um
acerto de contas com Soacutecrates pondo abaixo o phrontisterion Nas palavras do coro a
Estrepsiacuteades (―vocecirc eacute o responsaacutevel do que estaacute lhe acontecendo v 1455) fica evidente a
ironia cocircmica Segundo Thiercy (1997 p 1067-1068) Fidiacutepides cometeu crimes passiacuteveis de
71 A propoacutesito das duas primeiras imagens cf Taillardat (1965 p 93 258 respectivamente) 72 Essa natureza ad absurdum tambeacutem caracteriza o agon de Pluto cf cap VI infra
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
76
atimia ficando claro que a vitoacuteria eacute em uacuteltima instacircncia do Raciociacutenio Justo Esse final de
disputa corresponde bem ao que eacute proacuteprio da comeacutedia isto eacute a inversatildeo geral em que o
Injusto vence o Justo ainda que provisoriamente para que no final do segundo agon fique
latente pela reaccedilatildeo furiosa de Estrepsiacuteades o triunfo do Raciociacutenio Justo
Nuvens satildeo uma comeacutedia que conteacutem alguns componentes proacuteprios da trageacutedia
como por exemplo a natureza do coro a escolha do heroacutei que vai desencadear a ἀνάγκη
Na primeria parte da peccedila que vai o agon I haacute uma aparente situaccedilatildeo eufoacuterica para o heroacutei
porque na segunda parte sobretudo no agon II a accedilatildeo passa a ser disfoacuterica para o heroacutei o
que justifica a ausecircncia de happy end no ecircxodo No acircmbito da accedilatildeo ocorre entatildeo uma
metabole73
isto eacute uma conversatildeo que eacute responsaacutevel pela inserccedilatildeo dos agones num complexo
agoniacutestico Nesses agones forma e conteuacutedo estatildeo a serviccedilo da temaacutetica da comeacutedia que
propotildee uma saacutetira agrave Educaccedilatildeo a partir do choque de geraccedilotildees entre pai e filho o que estaacute
tambeacutem presente em Vespas mas desta vez a criacutetica seraacute feita ao poder judiciaacuterio de Atenas
3 O agon em Vespas74
a discussatildeo a ferroadas
A estrutura narrativa de Vespas estaacute dividida do ponto de vista temaacutetico em duas
partes bem distintas o que leva a uma interpretaccedilatildeo imediata de que a comeacutedia natildeo tem uma
unidade de accedilatildeo A respeito da accedilatildeo no gecircnero cocircmico Thiercy (2007 p 151-154) comenta
as posiccedilotildees de Mazon Pickard-Cambridge Handel Landfester e Denis estabelecendo as
seguintes linhas teoacutericas coerecircncia perfeita da accedilatildeo incoerecircncia total da accedilatildeo accedilatildeo coesa na
73 Nos comentaacuterios sobre a Poeacutetica Dupont-Roc e Lallot (1980 p 230) assinalam que o termo metabasis eacute
empregado nas passagens 52 a 16 e 18 55 b 29 e retomado por metabole em 52 a 23 e 31 e pelo verbo
correspondente metaballein em 52 b 34 A diferenccedila de sentidos se eacute que haacute alguma pode se referir ao
vocaacutebulo metabasis como sendo mais geral do que metabole englobando todos os tipos de ―virada de
fortuna que satildeo entendidos como uma ―mudanccedila E como bem observou Malhadas (2003 p 30) a mudanccedila
de fortuna do heroacutei traacutegico pode se dar passo a passo (basis) Isso tambeacutem ocorre com Estrepsiacuteades o heroacutei
cocircmico em Nuvens 74 A temaacutetica da comeacutedia Vespas (423 aC) eacute satirizar o gerenciamento da justiccedila ateniense ridicularizando a
mania pela chicana judicial o abuso de poder da magistratura e dos poliacuteticos e consequumlentemente a
arbitrariedade das sentenccedilas Essa proposta estaacute em consonacircncia com um enredo que nas tentativas de um
filho querer mudar o caraacuteter do pai mostra o choque de geraccedilotildees
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
77
primeira parte da peccedila e cenas supeacuterfluas na segunda Neste estudo entretanto tentaremos
demonstrar que a partir da anaacutelise dos agones e sua relaccedilatildeo com as outras seccedilotildees da comeacutedia
estaacute presente uma dinacircmica da accedilatildeo em Vespas Com base na interpretaccedilatildeo de Thiercy (2007
p 156) a accedilatildeo em Vespas natildeo se interrompe o que ocorre eacute uma mudanccedila da temaacutetica da
comeacutedia apoacutes a paraacutebase Em seu exame Thiercy (2007 p 175) propotildee entatildeo o que ele
chama de unidade de interesse75
A tardia localizaccedilatildeo da paraacutebase I na peccedila (vv 1009-1121) marca a conclusatildeo da
primeira parte (MAZON 1904 p 74) ndash proacutelogo paacuterodo agon I e II76
e paraacutebase I ndash cujo
assunto se estabelece por um choque de geraccedilotildees entre pai e filho Bdelicleatildeo eacute um dedicado
filho cuja preocupaccedilatildeo eacute curar a mania por processos judiciais de que o pai Filocleatildeo
padece77
O antagonismo presente nesses nomes Filocleatildeo e Bdelicleatildeo78
- que numa
traduccedilatildeo livre entendem-se como Proacutecleatildeo e Contracleatildeo respectivamente ndash reforccedila a
proposta da comeacutedia
A primeira parte do programa narrativo da peccedila ocorre em trecircs etapas (THIERCY
2007 p 173) daacute-se inicialmente o uso da forccedila pois Filocleatildeo estaacute encarcerado em sua casa
por vontade do filho depois usa-se persuasatildeo e acordo de um processo judicial domeacutestico e
por fim a realizaccedilatildeo do julgamento em que o reacuteu seraacute absolvido
Proacutelogo (vv 1-229) e paacuterodo (vv 230-316) compreendem a primeira das trecircs
etapas acima Desde o proacutelogo a ideacuteia de forccedila fiacutesica estaacute bem marcada pela accedilatildeo austera do
filho de aprisionar o pai em sua proacutepria casa e pela reaccedilatildeo furiosa do pai
75 Uniteacute drsquo inteacuterecirct Trata-se de colocar em evidecircncia o interesse humano e toda a atenccedilatildeo estaacute voltada para o
comportamento do heroacutei Sob esse aspecto Vespas eacute classificada como uma comeacutedia de caracteres na opiniatildeo
de Thiercy (2007 p 175) 76 Haacute divergecircncias na demarcaccedilatildeo dessas partes Para Pickard-Cambridge (1966 p 219) o paacuterodo se encerra no
v 316 a partir do v 317 ateacute o v 525 daacute-se o proagon e a comeacutedia teria um uacutenico agon (vv 526-727) Nesta
anaacutelise adotamos as sugestotildees de Mazon (1904) de Gelzer (1960) e de Moumlllendorff (2002) que estabelecem
dois agones intercalados com uma cena de hostilidade 77 φιληλιαστής ν 88 78 O prefixo philo- traduz uma ideacuteia de ―paixatildeo ―adoraccedilatildeo oposta ao termo bdely- do verbo bdelyacutessomai
odiar A onomaacutestica desses nomes que tecircm em comum o nome do demagogo ateniense Cleatildeo refere-se
agravequele que adora Cleatildeo e ao outro que odeia Cleatildeo
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
78
Φι εἰ μή μrsquoἐάσεθrsquo ἥσυχον μαχούμεθα (v 190)
Fil Se vocecirc natildeo me deixar tranquumlilo vamos brigar
Ao empregar o verbo μάχομαι Filocleatildeo deixa claro que natildeo se trata de um
ensejo que busca um acordo amigaacutevel senatildeo um enfrentamento mais pelo combate do que
pelo debate Nessa atmosfera de luta gera-se uma altercaccedilatildeo cujo conteuacutedo eacute realccedilado pelos
insultos de ambas as partes
Βδ πονηρὸς εἶ πόρρω τέχνης καὶ παράβολος (v 192)
Bd Vocecirc eacute um velhaco incompetente e tambeacutem um petulante
A poneria atribuiacuteda a Filocleatildeo nesse iniacutecio da comeacutedia torna-se expressiva ao
longo da trama em que fica evidente o caraacuteter polivalente de sua funccedilatildeo de poneros79
ligada a
uma imagem de velho ladino que longe de ter habilidades de heliasta natildeo soacute eacute corrompido
mas tambeacutem manipulado pelos poliacuteticos (vv 666-672)
No paacuterodo o coro de Vespas que satildeo companheiros de Filocleatildeo no tribunal
toma ciecircncia dos fatos e no final dessa seccedilatildeo e iniacutecio da seguinte quando ocorre o primeiro
agon Filocleatildeo responde ao coro com um canto lamurioso de socorro (vv 316-333) O coro
mostra-se por sua vez soliacutecito com seu camarada nas tentativas de fuga que devido ao
enfrentamento com Bdelicleatildeo e seus criados sentinelas natildeo tecircm sucesso Como bem
observou Gelzer (1960 p 39-40) a accedilatildeo anunciada no proacutelogo natildeo eacute interrompida pelo
paacuterodo ao contraacuterio ela se estende porque o conteuacutedo se prolonga ateacute o primeiro agon
A segunda etapa que implica persuasatildeo e acordo corresponde aos agones I e II
intercalados por uma curta cena episoacutedica No que se refere ao agon I (vv 333-414) que tem
a accedilatildeo apoiada no paacuterodo80
quanto ao conteuacutedo81
ele natildeo tem nada de agon natildeo fosse sua
forma que estaacute assim composta
79 Para McLeish (1980 p 55) Filocleatildeo eacute a personagem que melhor representa tal funccedilatildeo 80 Na anaacutelise de Gelzer (1960 p 37) trecircs peccedilas tecircm agones com lugar fixo isto eacute apoacutes o paacuterodo a saber
Cavaleiros (vv 303-456) Vespas (vv 334-402) e Aves (vv 327-399)
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
79
ode (vv 334-345) antode (vv 365-379)
katakeleusmos (vv 346-347) antikatakeleusmos (vv 380-381)
epirrema (vv 348-357) antepirrema (vv 382-402)
pnigos (vv 358-364) antipnigos natildeo haacute82
sphragis (vv 402-414)83
De acordo com as partes canocircnicas do agon epirremaacutetico natildeo haacute nenhum
equiacutevoco em classificar essa cena como um agon Entretanto sob a influecircncia do conteuacutedo a
forma sofre algumas adequaccedilotildees Para Gelzer (1960 p 40) a forma se adapta ao
prosseguimento da accedilatildeo a ponto de se opor ao conteuacutedo E tal adaptaccedilatildeo pode ser vista nas
seguintes partes descaracterizadas
i) no ―dialogismo da ode com a presenccedila de proepirremas falados Assim a ode que deveria
ser o canto do coro eacute substituiacuteda por um diaacutelogo melodramaacutetico84
entre o coro e
Filocleatildeo O coro no iniacutecio da ode em conexatildeo com o canto lamuriante de Filocleatildeo faz
uma pergunta (vv 334-335) e a resposta por Filocleatildeo conduz a um curto proepirrema (vv
336-341) Apoacutes respondida a questatildeo ocorre a segunda parte da ode (vv 342-345)
ii) nos dois versos do katakeleusmos que natildeo se distinguem dos versos seguintes nos
epirremas (GELZER 1960 p 7) Aristoacutefanes os insere discretamente a ponto de esses
dois versos terem uma conexatildeo com o epirrema que fica portanto ampliado
iii) no preterimento de um antipnigos Para Gelzer (1960 p 42) a ausecircncia de um antipnigos
eacute causada pela chamada de socorro de Filocleatildeo que provoca uma reaccedilatildeo irada do coro de
Vespas que entoa um canto de guerra (vv 403-414)
Esse agon fica comprometido em seu conteuacutedo devido agrave brevidade das partes
epirremaacuteticas porque epirrema e antepirrema natildeo desenvolvem um conflito de ideacuteias mas
81 Para Mazon (1904 p 69) trata-se de uma cena sob a forma de um agon ou talvez de um syntagma 82 Mazon (1904 p 70) interpreta que a ausecircncia de pnigos se deva agrave natureza da cena que eacute de muita
precipitaccedilatildeo cabendo apenas no final um canto do coro que corresponde agrave sphragis 83 Gelzer (1960 p XIII) Pickard-Cambridge (1966 p 219) e Moumlllendorff (2002 p 94) natildeo consideram esses
versos finais como sphragis 84 O paacuterodo de Vespas que apresenta um hibridismo de partes dialogadas configura-se num canto dialogado ou
num diaacutelogo melodramaacutetico E segundo Gelzer (1960 p 46) e Mazon (1904 p 67-68) muitas vezes haacute
composiccedilotildees simeacutetricas de estrofe e anti-estrofe da mesma forma como elas se configuram na ode e antode do
agon epirremaacutetico
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
80
simplesmente expotildeem uma cena cheia de accedilatildeo O epirrema conteacutem apenas um diaacutelogo que eacute
marcado pela regularidade com que Filocleatildeo e o coro conversam alternadamente
Primeiramente (vv 347-352) o coro propotildee que Filocleatildeo faccedila como Odisseu no episoacutedio em
que o heroacutei eacutepico foge da gruta do ciclope Mas esse ardil jaacute tinha sido tentado antes por
Filocleatildeo (vv 181-189) Na proposta seguinte (vv 353-356) o coro o anima a pular em
memoacuteria dos tempos de bravura Mas a velhice se sobrepotildee agrave juventude de outrora Com o
andamento da accedilatildeo no antepirrema ocorre a uacuteltima tentativa de fuga por uma corda (vv 382-
388) que teria sucesso natildeo fosse a reaccedilatildeo de Bdelicleatildeo surpreendendo o fugitivo e seus
cuacutemplices (vv 395-402)
Na cena seguinte85
(vv 415-525) que estaacute intercalada entre os agones I e II
apresenta em sua forma poucas semelhanccedilas com o agon epirremaacutetico entretanto a natureza
dessa cena eacute em seu conteuacutedo tipicamente agoniacutestica Segundo Gelzer (1960 p 155-156) no
que concerne agrave disposiccedilatildeo meacutetrica haacute uma prevalecircncia dos tetracircmetros trocaicos e tambeacutem
podem-se constatar duas partes simeacutetricas (vv 406-414 = 463-471) constituiacutedas por trecircs
trocaicos dois tetracircmetros peocircnios e por fim uma seacuterie mais longa de tetracircmetros trocaicos
Essas duas estrofes na anaacutelise de Gelzer poderiam ser vistas como odes e o restante como
epirrema aos moldes do agon epirremaacutetico Mas haacute alguns desvios como a ausecircncia de
katakeleusmos e pnigos A estrofe que na funccedilatildeo de sphragis encerra o agon I daacute sequumlecircncia agrave
proacutexima cena cujo conteuacutedo pode ser dividido em duas partes Na primeira o coro reage agrave
accedilatildeo precedente de Bdelicleatildeo sinalizando a iminecircncia de um confronto entre eles
85 O agon II daacute-se na diallage segundo Gelzer (1960 p 48) Na cena de transiccedilatildeo entre os agones I e II
encontram-se duas das quatro partes da diallage a disputa e o acordo
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
81
Χο καὶ σέ γrsquoαὐτοῖς ἐξολοῦμεν ἀλλrsquo ἅπας ἐπίστρεφε
δεῦρο κἀξείρας τὸ κέντρον εἶτrsquoἐπrsquoαὐτὸν ἴεσο
ξυσταλείς εὔτακτος ὀργς καὶ μένους ἐμπλήμενος
ὡς ἅν εὖ εἰδῆ τὸ λοιπὸν σμνος οἶον ὤργισεν (vv 422-425) []
Βδ παῖε παῖrsquo ὦ Ξανθία τοὺς σφκας ἀπὸ οἰκίας
Ξα ἀλλὰ ὁρῶ τοῦτrsquo
Βδ ἀλλὰ καὶ σὺ τῦφε πολλ τ καπν (vv 456-457)
Co E eacute com eles que vamos acabar com vocecirc Virem-se todos
para esse lado sacando o ferratildeo e em seguida ataquem-no em fileiras cerradas bem alinhadas com o coraccedilatildeo cheio de fuacuteria e raiva
para que ele saiba bem em que tipo de enxame ele mexeu
[] Bd Enxota enxota Xacircntias essas vespas pra longe da casa
Xa Mas eacute o que estou fazendo
Bd E vocecirc [para Soacutesias] sufoca-as com muita fumaccedila
Na segunda parte satildeo arrolados os acordos entre pai e filho em que ficam
estabelecidas as seguintes condiccedilotildees propostas das partes (vv 504-511) os fundamentos de
ambas as partes litigantes (vv 515-520) e o juiz que com sua sentenccedila deve deliberar qual
das soluccedilotildees propostas eacute a melhor (v 521) e tais condiccedilotildees devem ter a aprovaccedilatildeo de ambas
as partes para que a negociaccedilatildeo comece
Assim com a negociaccedilatildeo inicia-se o segundo agon (vv 526-727) em que se
discute se os juiacutezes governam ou apenas servem a cidade de Atenas Para Gelzer (1960 p
49) o exemplo dessa negociaccedilatildeo que estaacute em conexatildeo com o agon epirremaacutetico mostra
claramente a natureza da diallage uma vez que se trata de uma comeacutedia de tribunal
Quanto agrave forma esse segundo agon possui todas as seccedilotildees a seguir expostas
ode (vv 526-545) antode (vv 631-647)
katakeleusmos (vv 546-547) antikatakeleusmos (vv 648-649)
epirrema (vv 548-620) antepirrema (vv 650-718)
pnigos (vv 621-630) antipnigos (vv 719-724)
sphragis (vv 725-727)86
A ode eacute novamente dialogada a uacutenica diferenccedila eacute que o coro eacute interrompido pelas
personagens duas vezes ao inveacutes de uma Nas partes restantes natildeo haacute modificaccedilotildees No
86 Para Gelzer (1960 p XIII) o agon termina no v 724 jaacute Mazon (1904 p 72-73) estende o agon ateacute o v 759 e
Pickard-Cambrige (1966 p 219) e Moumlllendorff (2002 p 95) fazem a marcaccedilatildeo ateacute o v 727 que eacute o que
estamos considerando
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
82
katakeleusmos Filocleatildeo tem a licenccedila para falar Diante do coro de Vespas que estaacute na
funccedilatildeo de juiz as partes apresentam nas seccedilotildees epirremaacuteticas suas fundamentaccedilotildees
acompanhadas de provas No iniacutecio do epirrema Filocleatildeo expotildee a proacutetese de seu longo
discurso de defesa em que vai demonstrar o valor da magistratura O conteuacutedo do discurso de
Filocleatildeo pode ser pontuado conforme os apartes de Bdelicleatildeo que toma nota de cada ponto
para depois rebatecirc-los Primeiramente a situaccedilatildeo dos acusados na condiccedilatildeo de suplicantes (vv
550-559) em seguida o desprezo pela riqueza e o natildeo cumprimento das promessas (vv 560-
576) depois o abuso de poder a isenccedilatildeo de prestaccedilatildeo de contas (vv 577-589) e a supremacia
dos juiacutezes e a adulaccedilatildeo dos poliacuteticos (vv 590-604) e por fim Filocleatildeo descreve a recepccedilatildeo
prazerosa ao chegar em casa e a sensaccedilatildeo de soberania oliacutempica (vv 605-620)
Se no epirrema Filocleatildeo mostrou que os juiacutezes governam cabe a Bdelicleatildeo no
antepirrema comprovar que eles satildeo manipulados (vv 650-654) Para tanto Bdelicleatildeo se
apoacuteia em caacutelculos para mostrar que os juiacutezes natildeo recebem o que lhes eacute de direito (vv 655-
664) Em seguida ele demonstra que o dinheiro serve apenas para corromper a magistratura
e o preccedilo dessa submissatildeo e logro eacute de trecircs oacutebolos aleacutem de promessas e de alguns presentes
da classe poliacutetica
Devido agrave natureza dessas partes epirremaacuteticas87
esse agon eacute de fundo sereno
numa linguagem sem asperezas (McLEISH 1980 p 119) o que lhe confere um tom de
trageacutedia ou pelo menos melodramaacutetico Logo no iniacutecio dessa contenda Bdelicleatildeo emprega o
termo τρυγῳδοῖς (v 650) ―cantor de borra significando poeta cocircmico um vocaacutebulo
composto de τπςγ [τρύξ] e Ὠδή Por esse mesmo mecanismo Aristoacutefanes encerra a comeacutedia
Vespas com a palavra τπςγῳδῶν (v 1537) segundo Thiercy (1997 p 1005) esse termo seria
87 A retoacuterica desse debate eacute discutida por Harriot (1986 p 36-43 apud MAcDOWELL 1995 p 160)
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
83
paralelo agrave palavra τραγῳδία portanto τρυγῳδία seria um vocaacutebulo forjado daiacute em
algumas traduccedilotildees se tente resgatar tal hibridismo empregando-se o termo trigeacutedia88
Tudo leva a crer que a intenccedilatildeo de Aristoacutefanes eacute deixar claro que esse discurso
eleva-se acima do niacutevel normal da comeacutedia Nesse agon Bdelicleatildeo e Filocleatildeo deixam de ser
personagens apenas de comeacutedia para interiorizarem personagens tragicocircmicos tanto pelas
cenas de paroacutedia inspiradas na trageacutedia de Euriacutepides quanto pelas funccedilotildees que essas
personagens assumem Bdelicleatildeo que tem uma funccedilatildeo de spoudaios manteacutem a seriedade ndash o
que o torna uma personagem natildeo tatildeo engraccedilada ndash e por ser um tipo visionaacuterio (McLEISH
1980 p 54) E Filocleatildeo tem uma postura sisuda oposta agravequela no iniacutecio da comeacutedia
enfatizando a polivalecircncia de seu caraacuteter poneros Assim Bdelicleatildeo eacute na sua funccedilatildeo
spoudaios desprovido de jocosidade e sua seriedade se sobrepotildee a ponto de Filocleatildeo
ser em sua poneria haacutebil o suficiente para tambeacutem ser seacuterio e
melodramaacutetico (vv 696-697 713-714)
Se no pnigos o coro elogia a oratoacuteria de Filocleatildeo no antipnigos apoacutes o
pronunciamento de Bdelicleatildeo percebe-se uma mudanccedila de opiniatildeo do coro que na sphragis
sela a discussatildeo declarando a superioridade discursiva de Bdelicleatildeo Para que natildeo fracasse
sua empresa de corrigir a natureza intrataacutevel do pai Bdelicleatildeo lhe propotildee trocar o lugar do
tribunal que funcionava na praccedila Helieacuteia por um tribunal permanente na proacutepria casa
σὺ δrsquoοὖν ἐπειδή τοῦτο κεχάρηκας ποιῶν
ἐκεῖσε μὲν μηκέτι βάδιζrsquo ἀλλrsquo ἐνθάδε
αὐτοῦ μένων δίκαζε τοῖσιν οἰκέταις (νν 764-766)
Bem jaacute que vocecirc foi feliz fazendo isso nunca mais vaacute laacute mas fique aqui
e julgue os seus criados
Filocleatildeo eacute persuadido pelo filho Entretanto o velho heliasta natildeo renuncia agrave
condiccedilatildeo de juiz que eacute sua razatildeo de viver
88 A esse respeito Thiercy (1997) recomenda os artigos de Ghiron-Bistagne (1973) e de Taplin (1983)
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
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84
ἀνά τοί με πείθεις ἀλλrsquoἐκεῖνrsquoοὔπω λέγεις
τὸν μισθὸν ὁποθεν λήψομαι (νν 784-785)
Sem duacutevida vocecirc estaacute me convencendo Mas daquilo vocecirc ainda natildeo falou
de meu honoraacuterio de que lugar vou receber
Daacute-se entatildeo a terceira etapa com a cena de julgamento domiciliar que eacute uma
paroacutedia89
dos tribunais atenienses e portanto de fundo agoniacutestico pela sua proacutepria natureza
O teatro como uma manifestaccedilatildeo social se aproveita dessa natureza performaacutetica do tribunal
e na trageacutedia o julgamento torna-se um tema frequumlente Trata-se de um agon-processo
(ἀγών-procegraves) termo de classificaccedilatildeo de agon segundo Duchemin (1968 p 39) Nesse tipo
de agon podem ocorrer duas situaccedilotildees em torno do heroacutei da trageacutedia Na primeira o heroacutei eacute
submetido a um tribunal por causa de um crime que cometeu um bom exemplo estaacute em
Eumecircnides de Eacutesquilo em que Orestes eacute levado a juacuteri por ter derramado o sangue no interior
da philia ao matar a matildee Na segunda situaccedilatildeo o heroacutei eacute injustamente acusado de um crime
por exemplo Hipoacutelito de Euriacutepides em que Hipoacutelito eacute culpado por um delito que natildeo
cometeu e submetido agrave sentenccedila de seu pai que aleacutem de ser parte na causa eacute tambeacutem o juiz
No caso da comeacutedia Vespas satildeo o uacutenico exemplo da presenccedila de um agon-
processo na cena do julgamento dos catildees em que Aristoacutefanes natildeo faz paroacutedia de nenhum
agon-processo da trageacutedia mas dos tribunais atenienses alvo da criacutetica do poeta A cena
precedente (vv 760-890) eacute preparatoacuteria e nela se configura uma parte da cena de tribunal em
que o heroacutei ao inveacutes de reacuteu eacute persuadido a ser juiz O conteuacutedo dessa cena evidencia que vai
se tratar de um agon-processo com um esquema que segue bem proacuteximo as etapas judiciaacuterias
a escolha do jurado e a abertura do processo A partir disso comeccedila a cena do julgamento (vv
891-1008) em que ocorre uma continuaccedilatildeo das etapas judiciais o depoimento da testemunha
a arguumliccedilatildeo da acusaccedilatildeo a arguumliccedilatildeo da defesa e por fim a sentenccedila em que o juacuteri deposita o
sufraacutegio
89 Essa paroacutedia evoca um acontecimento da eacutepoca o estratego Laches eacute acusado de natildeo ter aceito o ouro dos
sicilianos e Cleatildeo eacute representado pelo outro catildeo Aristoacutefanes transfere um assunto de Estado para um assunto
do lar
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Aristoacutefanes engendra o mesmo recurso alegoacuterico aplicado na fabulaccedilatildeo de
Cavaleiros com as devidas acomodaccedilotildees ao enredo de Vespas o tribunal da Pnix eacute a casa de
Filocleatildeo o reacuteu eacute o catildeo Labes que por causa do roubo de um pedaccedilo de queijo siciliano
representa o comandante Laques acusado de peculato numa missatildeo agrave Siciacutelia o acusador eacute um
outro catildeo da casa cujo nome natildeo eacute dado embora esteja subtendido que seja o demagogo
Cleatildeo Participam tambeacutem da cena o escravo Xacircntias como testemunha Bdelicleatildeo como
advogado de defesa e Filocleatildeo como juiz
Embora Aristoacutefanes natildeo tenha feito dessa cena do julgamento domiciliar a cena
do agon epirremaacutetico a accedilatildeo se equipara em sua funccedilatildeo ao agon (GELZER 1960 p 160)
Levando-se em consideraccedilatildeo formaconteuacutedo do agon o conteuacutedo eacute abalizado pela discussatildeo
e na sua forma podem ser estabelecidas algumas correspondecircncias
Βδ σίγα κάθιζε σὺ δrsquoἀναβὰς κατηγόρει (v 905)
Bd Silecircncio Sentem-se Vocecirc suba e apresente sua acusaccedilatildeo
[]
Βδ ἀνάβαινrsquo ἀπολογοῦ τί σεσιώπηκας λέγε (v 944)
Bd Suba e apresente sua defesa Por que vocecirc estaacute calado Fale
As passagens citadas mostram que antes de cada pronunciamento o litigante eacute
incitado a falar primeiramente a acusaccedilatildeo e depois a defesa o que equivaleria ao
katakeleusmos Os dois discursos de acusaccedilatildeo e de defesa (vv 907-930 946-978
respectivamente) correspondem quanto ao conteuacutedo aos discursos do agon epirremaacutetico
Nos epirremas a linguagem parodia as formas legais e retoacutericas e oscila entre os
contextos humano e animal aleacutem de ocorrecircncia de imagens referentes agrave comida e agrave gula como
siacutembolo da corrupccedilatildeo poliacutetica que satildeo similares agravequela presente na cena do duelo forno e
fogatildeo de Cavaleiros Contudo por causa de seu nonsense (WHITMAN 1964 p 153-154) a
cena do julgamento eacute bem mais divertida O poeta se vale da plasticidade da liacutengua para criar
palavras cuja finalidade eacute congregar um conjunto de elementos disparatados em sua metaacutefora
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cecircnica O objetivo desse debate eacute mostrar os absurdos cometidos pelos demagogos e pelos
juiacutezes que natildeo datildeo a verdadeira atenccedilatildeo aos processos
O julgamento termina num quumliproquoacute em que Filocleatildeo decidido pela
condenaccedilatildeo ao lanccedilar o voto deposita-o na urna de absolviccedilatildeo Desesperado Bdelicleatildeo
consola o pai que cede aos argumentos do filho de que eacute preciso uma mudanccedila de haacutebito
tema para as cenas seguintes da segunda parte da comeacutedia
Encerra-se a primeira parte da peccedila que se estrutura num conjunto agoniacutestico
complexo devido agrave natureza das cenas e a dinacircmica da accedilatildeo A primeira paraacutebase90
marca natildeo
soacute a passagem para a segunda parte da fabulaccedilatildeo mas tambeacutem prenuncia um novo tema que
tem em comum com a temaacutetica da primeira parte o desafio de Bdelicleatildeo de reeducar os
haacutebitos de Filocleatildeo Sob esse ponto haacute uma inter-accedilatildeo entre essas personagens o que
estabelece um elo entre as duas partes da comeacutedia No proacutelogo o escravo Xacircntias ao expor o
assunto da peccedila refere-se ao caraacuteter de Filocleatildeo da seguinte maneira
ἔχων τρόπους φρυαγμοσεμνάκους τινάς (v 135)
tendo certos modos estrebuchados
Aristoacutefanes forja nessa passagem a palavra φρυαγμοσεμνάκους que traduz a
ideacuteia de algueacutem com um caraacuteter muito arrogante como o relincho de um puro-sangue91
Essa
natureza selvagem de Filocleatildeo eacute reconfirmada mais adiante no discurso parabaacutetico do coro
πρῶτα μὲν γὰρ οὑδὲν ἡμῶν ζον ἠρεθισμένον
μᾶλλον ὀξύθυμόν ἐστιν οὐδὲ δυσκολώτερον (νν 1104-1105)
em primeiro lugar nenhum outro animal quando provocado
eacute mais coleacuterico nem mais doloroso do que noacutes
90 Na opiniatildeo de Mazon (1904 p 75) a variedade do assunto nessa paraacutebase eacute uma reduccedilatildeo exata da comeacutedia
como um todo 91 Nos comentaacuterios de Sommerstein (1983 p 164) trata-se da seguinte composiccedilatildeo ―very (-ak) proud (semnos)
like a whinnying thoroughbred (phruattesthai whinnylsquo)
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Como Bdelicleatildeo natildeo desiste de reabilitar os modos do pai na segunda parte o
conflito entre eles permanece Dessa maneira as cenas seguintes ateacute o ecircxodo embora natildeo
tenham na sua forma o modelo do agon epirremaacutetico satildeo relevantes quanto ao conteuacutedo Se
Filocleatildeo na primeira metade da comeacutedia abdica de sua paixatildeo pela chicana judicial no
segundo momento da peccedila ele ainda eacute na sua aparecircncia fiacutesica um velho heliasta
De acordo com Kowzan (1977 p 71) a indumentaacuteria define externa e
convencionalmente o indiviacuteduo inclusive certos gostos e traccedilos do caraacuteter Desde o iniacutecio da
comeacutedia sabe-se que Filocleatildeo veste um manto surrado τριβώνιον (vv 33 116)
incomodando Bdelicleatildeo que tenta mudar essa mania do pai de se vestir como um homem
pobre (vv 341 503-507) Entatildeo na segunda metade da comeacutedia haacute uma cena (vv 1122-
1164) em que ocorre a troca de figurino e ao mesmo tempo uma inversatildeo de valores entre pai
e filho que permeia toda a discussatildeo num ritmo alternado Primeiramente os mantos (vv
1131-1132) e depois as botas (vv 1157-1158) Assim sendo a troca de traje se refere na
tentativa de Bdelicleatildeo de dar ao pai liccedilotildees de comportamento elegacircncia e bom gosto a uma
mudanccedila da physis de Filocleatildeo
Χο ζηλῶ γε τς εὐτυχίας
τὸν πρεσβύν οἷ μετέστη
ξηρῶν τρόπων καὶ βιοτς
ἔτερα δὲ νῦν ἀντιμαθὼν
ἦ μέγα τι μεταπεσεῖται
ἐπὶ τὸ τρυφῶν καὶ μαλακόν
τάχα δrsquo ἅν ἴσως οὐκ ἐθέλοι
τὸ γὰρ ἀποστναι χαλεπὸν
φύσεως ἣν ἔχοι τις ἀεί (vv 1450-1458)
Co Invejo pela boa sorte o velho a transformaccedilatildeo radical
de suas maneiras riacutegidas e de seu modo de viver
Agora tendo aprendido outras liccedilotildees ele teraacute uma grande mudanccedila
para o luxo e o conforto
Mas pode ser que natildeo queira
pois eacute difiacutecil deixar o caraacuteter que sempre se teve
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Bdelicleatildeo natildeo esperava uma inversatildeo do caraacuteter rigoroso do pai (vv 1292-1449)
para uma postura excessivamente libertina (vv 1474-1537) o que manteacutem o conflito entre pai
e filho a ponto de Bdelicleatildeo cogitar em prender o pai novamente em casa
Essas cenas soacute acentuam o caraacuteter indomaacutevel de Filocleatildeo em vaacuterios momentos
assinalados nesta anaacutelise e a natureza pelejadora do velho heliasta sempre pronto a novos
confrontos eacute uma constante do comeccedilo ao fim da peccedila
φέρε νυν ἀνείπω κἀνταγωνιστὰς καλῶ
εἴ τις τραγῳδός φησιν ὀρχεῖσθαι καλῶς
ἐμοὶ διορχησόμενος ἐνθάδrsquo εἰσίτω
Φησίν τις ἥ οὐδείς (νν 1497-1500)
Venham agora faccedilo uma proclamaccedilatildeo e invoco meus adversaacuterios se algum poeta traacutegico pretende danccedilar belamente
que venha aqui disputar comigo o precircmio da danccedila
Algueacutem aceita ou natildeo
Esses versos jaacute no final da comeacutedia tecircm um tom de katakeleumoacutes o que
demonstra que do proacutelogo ao ecircxodo o todo orgacircnico da peccedila eacute construiacutedo na base do agon
seja na formaconteuacutedo seja apenas na forma ou somente no conteuacutedo
Portanto a dinacircmica da accedilatildeo nas duas metades de Vespas tem como eixo comum
o empenho do filho em querer reeducar o modus vivendi do pai o que torna inevitaacutevel o
conflito entre ambos porque em Filocleatildeo a civilidade e o natural nomos e physis coexistem
(BOWIE A M 1995 p 83) ele conteacutem em si mesmo um lado humano e tambeacutem animal no
qual se destaca um status como vespa inseto que foi na Histoacuteria Natural Grega descrito
como politikon zoon e como um feroz combatente92
4 O agon em Ratildes os saltos do debate entre Euriacutepides e Eacutesquilo
A comeacutedia Ratildes que eacute um tributo ao Teatro vai explorar metateatralmente a
criacutetica ao drama antigo No enredo Dioniso patrono do Teatro inquieta-se com o futuro da
92 Sobre esse aspecto de a vespa ser um siacutembolo de coacutelera e luta cf Taillardat (1965 p 210-211 sect 380)
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arte dramaacutetica uma vez que os principais poetas que a representam Eacutesquilo Soacutefocles e
Euriacutepides jaacute se encontram no Hades de onde Dioniso pretende trazer de volta Euriacutepides A
preparaccedilatildeo para a descida agrave morada dos mortos eacute o enfoque da primeira metade da comeacutedia
Ao chegar ao submundo Dioniso e seu escravo Xacircntias presenciam uma discussatildeo entre
Euriacutepides e Eacutesquilo para saber quem tem de direito o assento da trageacutedia no banquete
oferecido por Hades Eacute nesse ambiente de debate que entre ambos os dramaturgos o gecircnero
traacutegico passaraacute por um pente-fino agrave luz da mise en scegravene da comeacutedia
No estudo do agon de Ratildes a primeira dificuldade eacute saber se toda a segunda
metade da peccedila eacute o agon ou se ele compreende apenas a seccedilatildeo que contempla a siziacutegia
epirremaacutetica Para Whitman (1964 p 230) o agon totaliza setecentos versos um pouco
menos do que Thiercy (1997 p 1263) estabelece 720 versos isto eacute comeccedilaria no v 830 e
terminaria no v 1500 Esse valor ultrapassa e muito a demarcaccedilatildeo feita por Mazon (1904 p
149) Gelzer (1960 p xiii) Pickard-Cambrigde (1966 p 228) Sommerstein (1997a p 235)
e Moumlllendorff (2002 p 156) que consideram agon os vv 895-1098 portanto 203 versos De
acordo com os esquemas de Mazon e Pickard-Cambridge o agon estaria intercalado por
cenas iacircmbicas e stasima Ocorre que salvo o proacutelogo da segunda metade da peccedila (vv 738-
813) que introduz o assunto e o canto coral (vv 814-29) a partir do v 830 jaacute se tem uma
introduccedilatildeo do agon (vv 830-894) que nesta anaacutelise eacute considerado de proagon93
Dos vv 895-
1098 se daacute o agon regular e completo na siziacutegia epirremaacutetica E a partir daiacute se desenrola uma
seacuterie de cenas iacircmbicas intercaladas por interluacutedios liacutericos que manteacutem a discussatildeo
prolongando-a ateacute o ecircxodo Percebe-se que nessas cenas posteriores o conteuacutedo estaacute
determinando a forma porque a estrutura natildeo eacute epirremaacutetica mas o conteuacutedo eacute uma extensatildeo
do que foi debatido nas partes epirremaacuteticas do agon Assim a narrativa dramaacutetica dessa
segunda metade da peccedila se constroacutei a meu ver por um complexo agoniacutestico haacute um proagon
93 Mazon (1904 p 149) denomina de introduction drsquoagon Optou-se pela denominaccedilatildeo de proagon porque se
trata de uma cena preparatoacuteria que tem a funccedilatildeo de apresentar os contendores uma vez que eles satildeo novos na
fabulaccedilatildeo como os Raciociacutenios em Nuvens por exemplo
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um agon e cenas de fundo agoniacutestico que expandem a discussatildeo que vai num crescendo como
vimos em Cavaleiros Nuvens e Vespas
A composiccedilatildeo de Ratildes eacute no conjunto da obra de Aristoacutefanes a comeacutedia que mais
inovou na disposiccedilatildeo da ordem habitual das partes94
Naturalmente esse assunto vem sendo
discutido e as opiniotildees divergem Para Mazon (1904 p 149) trata-se de uma composiccedilatildeo
incoerente com estrutura bipartida jaacute para Konstan (1995 p 62) que estabelece uma estrutura
tripartida a peccedila eacute coesa Haacute no entanto um consenso entre os especialistas como Whitman
(1964) Segal (1996) Dover (1993) e Thiercy (2007) que entendem que se trata de uma
unidade estrutural que eacute aparentemente dividida Essa estrutura exteriormente bipartida eacute
proposital porque Aristoacutefanes fez uma comeacutedia que eacute uma soma de dicotomias que comporta
um elemento unificador a personagem Dioniso bem como um tema uacutenico o Teatro a
primeira parte explora a natureza da Comeacutedia e a segunda a da Trageacutedia (WHITMAN 1964
p 235)
Ratildes satildeo portanto uma comeacutedia que auto-representa o Teatro no sentido mais
estrito do termo metateatro (PAVIS 2001 p 240) Nada mais oportuno que o Teatro examine
a si mesmo pelo vieacutes da Comeacutedia jaacute que essa possui entre suas seccedilotildees o que eacute de mais
congruente para uma discussatildeo o agon
A criacutetica literaacuteria eacute o tema do agon de Ratildes de um lado Eacutesquilo pai da trageacutedia
herdeiro da poesia eacutepica e liacuterica cujo estilo poeacutetico imitava a physis a natureza de outro
Euriacutepides que revolveu as estruturas desse gecircnero que o antecedera aproximadamente de um
seacuteculo e criou uma poesia fundamentada na tekhne95
cujos discursos possuiacuteam mecanismos
para produzir um efeito de realismo de situaccedilotildees atitudes sentimentos vivecircncias quotidianas
e sujeiccedilatildeo humana agrave gloacuteria e ao fracasso
94 A peccedila tem uma duplicaccedilatildeo do proacutelogo e do paacuterodo as cenas episoacutedicas se encontram na primeira parte e a
paraacutebase que estaacute desmembrada antecede o agon 95A respeito dessa terminologia cf Santos (19921993)
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A contenda entre os poetas se baseia em criteacuterios esteacuteticos e morais e estatildeo
atreladas a isso questotildees a respeito da influecircncia dessa arte sobre os cidadatildeos e de quais
conselhos lhes dar Por esse uacuteltimo toacutepico pode-se estabelecer uma conexatildeo entre a primeira
metade da peccedila com a segunda isto eacute a passagem da paraacutebase para o agon o que desfaz a
impressatildeo aparente de que Ratildes eacute uma comeacutedia fragmentada cuja estrutura se apresenta
bipartida
Na paraacutebase96
o coro aconselha o puacuteblico em assuntos poliacuteticos Por esse mesmo
mecanismo Dioniso que se vecirc num impasse para julgar os poetas elege como criteacuterio de
desempate o vencedor do debate que melhor aconselhar a cidade Do ponto de vista do
conteuacutedo o discurso do coro ecoa no agon pelo discurso de Eacutesquilo que vai ser vencedor no
final
Tambeacutem se pode traccedilar uma relaccedilatildeo natildeo tatildeo direta quanto agrave da paraacutebase entre o
proacutelogo e o desfecho do agon No iniacutecio da comeacutedia Dioniso vai agrave procura de Heacuteracles para
saber como chegar ao Hades porque quer trazer de volta o poeta Euriacutepides por quem tem em
alta estima O motivo dessa busca eacute sua insatisfaccedilatildeo com os dramaturgos vivos (vv 70-75)
Entretanto no final do agon apoacutes arguumliccedilatildeo de cada poeta a respeito da salvaccedilatildeo da cidade
Dioniso prefere Eacutesquilo a Euriacutepides Natildeo seria isso a grande ―piada da comeacutedia aquela que o
escravo deseja contar assim que abre o proacutelogo da peccedila
Ξα Εἴπω τι τῶν εἰωθόων ὦ δέσποτα
ἐφrsquo οἷς ἀεὶ γελῶσιν οἱ θεώμενοι (vv 1-2)
Xa Patratildeo posso contar uma piada
Uma daquelas com que sempre os espectadores riem97
Xacircntias pede ao mestre para dizer algo corriqueiro de que riem os espectadores
portanto uma anedota ou piada Considerando que um dos recursos da piada que joga com o
96 A propoacutesito da anaacutelise da paraacutebase em Ratildes cf Duarte (2000 p 203-217) 97 As passagens traduzidas de Ratildes satildeo de Anna Lia de Almeida Prado e Silvia Sueli Milanezi
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elemento surpresa eacute a inversatildeo de sentido o encerramento do agon marca uma metabole98
mudanccedila suacutebita e imprevista da situaccedilatildeo Quando se espera que Dioniso vaacute preferir Euriacutepides
a Eacutesquilo somos surpreendidos porque o projeto do deus anunciado no proacutelogo sofre uma
reviravolta nos instantes derradeiros da peccedila Pela ironia cocircmica se eacute que se pode chamar
assim por influecircncia da ironia traacutegica o resultado aponta Eacutesquilo como escolhido O final de
Ratildes eacute tambeacutem o final do agon o que unifica a estrutura da peccedila garantindo sua unidade natildeo
apenas quanto agrave estrutura mas tambeacutem quanto ao conteuacutedo
O agon epirremaacutetico se encontra intercalado por cenas de conteuacutedo agoniacutestico de
um lado o proacutelogo cena de iniacutecio da segunda metade da peccedila que tambeacutem assume a funccedilatildeo
de proagon e de outro as cenas seguintes que satildeo um prolongamento da discussatildeo o que
direciona toda a accedilatildeo para um complexo agoniacutestico em que o agon estaacute inserido
O iniacutecio da contenda ocorre no espaccedilo extracecircnico99
em que a cena da disputa
torna-se conhecida do puacuteblico no diaacutelogo que estabelece o proacutelogo da segunda parte da
comeacutedia entre Eacuteaco e Xacircntias (vv 738-813) Em seguida o coro de iniciados antecipa que
como uma briga de galo a discussatildeo vai ser acirrada
ἔσται δrsquo ὑψιλόφων τε λόγων κορυθαίολα νείκη
[]
φρίξας δrsquo αὐτοκόμου λοφιᾶς λασιαύχενα χαίταν (vv 818 820)
Haveraacute disputas faiscantes de palavras empenachadas []
Arrepiando os seus cabelos uma espessa crina
Nota-se que essa passagem cantada pelo coro exprime a ideacuteia de agon tanto no
sentido beacutelico de combate quanto no sentido retoacuterico de debate ao logos eacute atribuiacutedo o
predicativo ὑψίλοφος que por sua vez se conecta agraves expressotildees αὐτόκομος e λοφία
98 Sobre esse termo cf nota 73 99 A esse propoacutesito cf nota 54
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cabeleira e crina respectivamente Trata-se de termos que designados natildeo soacute ao universo
humano mas tambeacutem ao reino animal pertencem a contextos beacutelicos de tradiccedilatildeo eacutepica100
Logo no iniacutecio do segundo proacutelogo Eacuteaco explica que a disputa eacute decorrecircncia da
rixa entre o talento artiacutestico referente aos termos tekhne (vv 770 780 785 793 811) e
sophos (vv 766 776) de cada poeta Eacute exatamente em relaccedilatildeo agrave teacutecnica e agrave habilidade que
Euriacutepides abrindo o proagon (vv 830-894) afirma sua superioridade (v 831) As
preliminares dos pontos em debate no agon ficam jaacute estabelecidas no conteuacutedo do proagon
em que se coadunam enredo personagens figurino versificaccedilatildeo e sobretudo linguagem101
mostrando o distanciamento que haacute entre o estilo de cada poeta Essa disparidade de estilo
pode ser observada no emprego dos termos rhemata (discurso) e epe (palavra) com relaccedilatildeo ao
logos de cada poeta rhemata refere-se ao discurso de Eacutesquilo (vv 824 828 854 881 924
929 940 1004 1059 1060 1155 1367) enquanto que epe denomina as palavras de
Euriacutepides (vv 882 904 948 956 1181 1198 1388 1395 1407)102
Valendo-se da
plasticidade da liacutengua Aristoacutefanes recheia de provocaccedilotildees e insultos o conteuacutedo do proagon
que se constroacutei num ritmo esticomiacutetico que vai permanecer tambeacutem no agon
Dioniso tenta apaziguar os acircnimos dos litigantes ―porque natildeo conveacutem que poetas
discutam como padeiras (vv 857-858) Em seguida nos stasima apoacutes invocar as musas o
coro anuncia o debate νῦν γὰρ ἀγών σοφίας ὁ μέγας (v 884) Trata-se de um grande
concurso em que a inteligecircncia vai pocircr agrave prova a poneria de cada poeta Primeiramente
presta-se juramento Eacutesquilo nascido em Elecircusis faz voto a Demeacuteter (vv 886-887) enquanto
Euriacutepides adepto da sofiacutestica invoca como divindade tutelar a Liacutengua (v 893) manifestando
100 Iliacuteada XXIII 141 e VI 509 Odisseacuteia XIX 446 Esses termos resultaram mais tarde nos elmos enfeitados
com penachos (Plutarco Alexandre 16) 101 Euriacutepides foi um poeta de vanguarda para seu tempo A ele se deve a introduccedilatildeo no mundo da trageacutedia dos
princiacutepios esteacuteticos e retoacutericos da intelectualidade da eacutepoca em que a sofiacutestica modelo retoacuterico com profundo poder sobre as massas estava em voga ou seja a essecircncia da oratoacuteria sofiacutestica consistia no confronto de
teses portanto na possibilidade de defender com sucesso posiccedilotildees opostas ditas antilogias (v 775) 102 De acordo com Sommerstein (1996 p 228) pode haver inversotildees rhemata em Euriacutepides (v 1199) e epe em
Eacutesquilo (vv 1161 1387)
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claramente seu racionalismo face agrave aceitaccedilatildeo sem questionamento de um legado religioso103
Parece providencial que Aristoacutefanes promova a liacutengua ao Panteatildeo Oliacutempico justamente numa
seccedilatildeo da comeacutedia em que o sucesso de uma discussatildeo depende do espiacuterito criacutetico e da
capacidade de arguumliccedilatildeo
Bem aos moldes dos concursos de retoacuterica o agon epirremaacuterico estaacute equiparado
tanto no conteuacutedo quanto na forma as quais se dispotildee nas seguintes partes
ode (vv 895-904) antode (vv 992-1003)
katakeleusmos (vv 905-906) antikatakeleusmos (vv 1004-1005)
epirrema (vv 907-970) antepirrema (vv 1006-1076)
pnigos (vv 971-991) antipnigos (vv 1077-1098)
As partes corais fixam a vez de cada contendor as seccedilotildees epirremaacuteticas satildeo
simeacutetricas estabelecendo o jogo argumentocontra-argumento os tetracircmetros iacircmbicos
traduzem a irreverecircncia de Euriacutepides enquanto os tetracircmetros anapeacutesticos cujo tom mais
grave e solene satildeo reservados a Eacutesquilo E cabe a Dioniso a funccedilatildeo de aacuterbitro (vv 810-811)
Na ode o coro anuncia que a disputa vai mostrar dois tipos de dicccedilatildeo uma
espirituosa e refinada (ἀστεῖος κατερρινημένος respectivamente) a outra avassaladora
que com palavras rompe (συσκεδάννυμι) galhos e aacutervores Apoacutes o katakeleusmos
Euriacutepides se antecipa expondo no epirrema em tom de proacutetase sua dupla investida
Inicialmente a ofensiva eacute dirigida agraves personagens mudas e depois agrave linguagem indecifraacutevel
de seu adversaacuterio (vv 909-935)
O ataque agrave mudez de Eacutesquilo no proagon eacute retomado mas dessa vez referido natildeo
a seu criador mas agraves suas criaturas104
que apoacutes longa expectativa do puacuteblico rompem o
silecircncio com neologismos empolados e enigmaacuteticos toacutepicos que na sequumlecircncia das investidas
satildeo responsaacuteveis pela obesidade linguumliacutestica com que Eacutesquilo deixou a trageacutedia Assim
Euriacutepides herdeiro desse legado (v 931) vecirc o gecircnero traacutegico como um enfermo que padece
103 Lembrando que essa contestaccedilatildeo tambeacutem estaacute presente em Nuvens (vv 247 264 365 424 627 815) em que
se colocam os deuses como ―moeda fora de circulaccedilatildeo 104 A propoacutesito do silecircncio dramaacutetico na obra esquiliana cf Taplin (1978 p 101-121)
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
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de adiposidade Eacute justamente desse excesso que Euriacutepides quer curar a trageacutedia buscando
nos livros105
(vv 940-944) uma nova esteacutetica com a finalidade de ensinar o puacuteblico a falar (v
954) e atualizar a accedilatildeo dramaacutetica com assuntos familiares (vv 959-960)
Ao criticar a construccedilatildeo das personagens esquilianas Euriacutepides alega que as suas
tecircm participaccedilatildeo na accedilatildeo e voz ativa dotada de uma retoacuterica sofiacutestica de base nitidamente
agoniacutestica (SILVA 1987 p 203) Percebe-se que Euriacutepides inserindo na tekhne dramaacutetica
raciociacutenio e indagaccedilatildeo transfere para seus enredos o espiacuterito agoniacutestico que eacute o que na
opiniatildeo dele falta em Eacutesquilo acusado da formaccedilatildeo apaacutetica de seus disciacutepulos (vv 965-967)
Assim no pnigos Euriacutepides termina sua siacutentese dizendo que com a mais fiel convicccedilatildeo
sofiacutestica seus disciacutepulos foram instruiacutedos para pensar e ter ideacuteias (vv 971-978)
Na antode o coro abre o contra-ataque de Eacutesquilo aconselhando-o agrave prudecircncia
Nessa seccedilatildeo coral Aristoacutefanes tem o cuidado de conforme anaacutelise de Silva (1987 p 209)
pocircr em relevo imagens que representam o estilo esquiliano inspirado na poesia liacuterica de
descrever emoccedilotildees Em seguida a preferecircncia do coro por Eacutesquilo eacute evidente e no
katakeleusmos o corifeu o encoraja saudando-o como o primeiro arquiteto de falas ―solenes e
altaneiras como torres a impor ordem agrave tagarelice traacutegica (vv 1004-1005)
Na sua vez Eacutesquilo natildeo pronuncia logo no iniacutecio do antepirrema uma proacutetase
como fez Euriacutepides Mas comeccedila deixando clara sua aversatildeo ao rival (vv 1006-1007) E
depois passa diretamente agrave tese de que a funccedilatildeo do poeta eacute tornar os homens melhores
Assim a estrateacutegia de ataque eacute comeccedilar pelas questotildees fundamentais dirigindo-se a Dioniso a
respeito da importacircncia do poeta para a sociedade (vv 1008-1012) Mas a reacuteplica vem de
Euriacutepides que explicita duas importacircncias primeiro a habilidade poeacutetica e depois a
orientaccedilatildeo moral dos cidadatildeos (v 1010) exatamente no que falhou segundo Eacutesquilo seu
105 A respeito de Euriacutepides ter sido um biblioacutefilo cf Silva (1987 p 200)
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adversaacuterio que herdou personagens nobres (γενναῖος) elevados (τετράπηχυς)106
e natildeo
desertores (διαδρασιπολῖται vv 1013-1014) Moralmente Eacutesquilo industriou suas peccedilas
quanto agrave accedilatildeo com temas beacutelicos ensinando ao cidadatildeo como ser um guerreiro com sede de
vitoacuteria e jamais ceder agrave derrota (vv 1021-1027) porque sua arte tem como fonte Homero
cuja fama deu uacutetil ensinamento aos gregos (v 1035) As personagens esquilianas satildeo dignas
porque Eacutesquilo natildeo compocircs enredos indecentes (vv 1043-1051) ao passo que as personagens
euripidianas estatildeo envolvidas por temas eroacuteticos e incestuosos (vv 1079-1082) assuntos que
natildeo conveacutem ao poeta (vv 1043-1052) cuja funccedilatildeo na sociedade eacute instruir a juventude (vv
1054-1055) dizendo o que eacute uacutetil atraveacutes de proveacuterbios e reflexotildees com verossimilhanccedila que
exige que o discurso seja elevado e que as personagens tenham um figurino imponente (vv
1059-1061) e natildeo reis transformados em mendigos (vv 1062-1068) A liccedilatildeo de Euriacutepides
ataca Eacutesquilo ensina a falaccedilatildeo e esvazia as palestras (vv 1069-1070) No antipnigos Eacutesquilo
arremata seu discurso acusando de maleacutefica a arte euripidiana que deixou o povo agrave mercecirc de
escrivinhadores bufotildees e enganadores (vv 1083-1086) As seccedilotildees epirremaacuteticas se
contrapotildeem portanto dois discursos que comprovam exatamente o contraacuterio as objeccedilotildees
estatildeo ligadas ao argumento anterior que na anaacutelise de Gelzer (1960 p 96) trata-se de um
procedimento silogiacutestico em que satildeo empregados os mesmos fatos para diferentes
argumentaccedilotildees
Uma vez que cada um expocircs sua arguumliccedilatildeo cabe entatildeo a Dioniso dar a sentenccedila
mas seu comentaacuterio eacute de pura bufonaria (vv 1090-1098) Ao longo do debate eacute bem marcada
pelos apartes de Dioniso a funccedilatildeo bomolochos do deus Ao contraacuterio do agon de Cavaleiros
em que Agoraacutecrito e Paflagocircnio procuram conquistar Demo por meio do suborno oferecendo-
lhe almofada calccedilados e manto no agon de Ratildes Eacutesquilo e Euriacutepides buscam cair nas graccedilas
de Dioniso por meio de um questionamento sobre a arte que eacute exatamente o que o deus
106 Refere-se a medida de quatro cocircvados aproximadamente 2 m de altura Nesse contexto pode-se entender
que se trata de homens altos grandes que satildeo tambeacutem grandes homens
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
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representa a arte dramaacutetica Talvez isso explique o porquecirc das tiradas jocosas durante o
debate e da hesitaccedilatildeo de opiniatildeo para dar a sentenccedila
O agon se encerra com reticecircncias o que desencadeia uma seacuterie de cenas
iacircmbicas que no esquema proposto por Moumlllendorff (2002 p 156) estaacute classificada como
Agonale Szenen (cenas de agon) portanto como em Cavaleiros trata-se de uma continuaccedilatildeo
da discussatildeo natildeo mais na forma da siziacutegia epirremaacutetica O coro numa segunda ode deixa
clara a dificuldade de escolha e num segundo katakeleusmos aconselha os poetas a falarem
com sutileza (vv 1109-1111) e refinamentos linguumliacutesticos Para isso que cada um se valha de
seus livros (vv 1112-1114) afinal eles estatildeo diante de um puacuteblico seleto portanto que falem
o que eacute uacutetil e saacutebio porque saacutebio tambeacutem eacute o espectador (vv 1099-1119)
O ponto de discussatildeo volta-se para as comparaccedilotildees estiliacutesticas que explorando os
aspectos da teacutecnica dramaacutetica se equiparam ao jogo de perguntas e respostas como o ocorrido
nos antepirremas (GELZER 1960 p 162) Primeiramente os proacutelogos107
convenientes de
Eacutesquilo estatildeo na mira da criacutetica euripidiana (vv 1119-1176) que conduz de maneira
contextualizante seu ataque Eacutesquilo por sua vez contra-ataca no mesmo tom concluindo
com a expressatildeo ―perdeu o jarrinho (ληκύθιον ἀπώλεσεν) o final de cada verso
euripidiano para demonstrar sua inconsistecircncia (vv 1177-1247)
Essa passagem rendeu muita controveacutersia entre os helenistas108
no que se refere agrave
interpretaccedilatildeo e emprego da expressatildeo criada por Aristoacutefanes Nesta anaacutelise natildeo vamos entrar
em questotildees dissidentes Abre-se aqui um parecircnteses para um breve comentaacuterio da funccedilatildeo que
a expressatildeo ληκύθιον ἀπώλεσεν assume sob a perspectiva do agon no jogo esticomiacutetico
E tambeacutem da funccedilatildeo do papel de Dioniso na contenda
Tecnicamente a esticomitia eacute uma troca verbal raacutepida que pressupotildee um choque
entre contextos (PAVIS 2001 p 147) Nessa cena dos proacutelogos o choque entre contextos
107 Para um exame dos proacutelogos em Eacutesquilo e em Euriacutepides cf Silva (1987 p 229-250) 108 Muller (2004 p 42) lista uma dezena de estudos a respeito do assunto
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ocorre exatamente na contextualizaccedilatildeo entre a estrutura discursiva dos litigantes Para cada
excerto de versos euripidianos recitados Eacutesquilo encaixa109
sempre no final a mesma
expressatildeo ou seja a estrutura discursiva esquiliana propicia um confronto entre contextos se
contextualizando na estrutura discursiva do oponente110
O que tambeacutem chama a atenccedilatildeo nesse jogo do toma laacute daacute caacute eacute a interferecircncia de
uma terceira personagem que ao mesmo tempo assume a funccedilatildeo de aacuterbitro e participante
com seus apartes ao contraacuterio de romper a contextualizaccedilatildeo e consequumlentemente o ritmo
contribui para a dinacircmica da accedilatildeo (vv 1210 1214 1224 1235 ss) Dioniso se inquieta ao
perceber a eficiecircncia da estrateacutegia de Eacutesquilo e entatildeo inserindo apartes na troca verbal entre
os contendores aconselha e encoraja Euriacutepides
Das cenas subsequumlentes ao agon epirremaacutetico essa cena cujo assunto eacute a
composiccedilatildeo dos proacutelogos se sobressai no que concerne agrave criacutetica literaacuteria porque pelo vieacutes da
paroacutedia Aristoacutefanes confronta empregando versos traacutegicos em situaccedilotildees cocircmicas os
registros de linguagem e as noccedilotildees de trageacutedia e comeacutedia
O stasimon que intercala os aconselhamentos preliminares de Dioniso a
Euriacutepides vincula-se diretamente agrave discussatildeo precedente e conduz agrave seguinte (vv 1251-1260)
Passe-se entatildeo para questotildees sobre meacutetrica e melodia111
(vv 1248-1250) Chama a atenccedilatildeo
nesse momento o fato de Aristoacutefanes produzir falas cantadas dos dois poetas que fazem
paroacutedia dos versos do oponente112
Euriacutepides se propotildee a resumir todos os cantos de Eacutesquilo
num soacute (vv 1261-1295) natildeo fossem as interrupccedilotildees de Dioniso com suas glosas Na sua vez
Eacutesquilo faz sem entretanto se aproximar da proacutetase de Euriacutepides uma introduccedilatildeo em que a
109 Nessa cena haacute um total de sete assaltos que compreendem as seguintes passagens primeiro (vv 1206-1209)
segundo (vv 1210-1214) terceiro (vv 1215-1224) quarto e quinto (vv 1225-1236) sexto (vv 1237-1242) seacutetimo (vv 1243-1247) Para anaacutelise de cada um desses assaltos cf Muumlller (2004 p 45-51)
110 Na interpretaccedilatildeo de Muumlller (2004 p 44) essa cena ocorre em dois niacuteveis de um lado a coerecircncia semacircntica
entre a sequumlecircncia ληκύθιον ἀπώλεσεν e os proacutelogos recitados por Euriacutepides de outro entre o jogo que se
opera entre essa eventual coerecircncia que segundo esse autor pode ser tambeacutem interpretada como desarmocircnica e a accedilatildeo cocircmica que a expressatildeo suscita Muumlller (2004 p 53) conclui que assistimos a mise en
scegravene de significados traacutegicos como significantes cocircmicos 111 Sobre os cantos liacutericos esquilianos e euripidiansos cf Silva (1987 p 250-290) 112 Para uma anaacutelise precisa dessa paroacutedia cf Silva (1987 p 283-290)
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melodia e os metros euripidianos satildeo atacados por terem fonte estrangeira (vv 1300-1304) e
serem tiacutepicos das prostitutas (vv 1308-1327) Apoacutes uma longa saacutetira agraves monodias de
Euriacutepides (vv 1330 ss) Dioniso daacute um basta na cantoria Mas eacute Eacutesquilo quem propotildee a cena
da pesagem (vv 1364-1369) que eacute seguida de um curto stasimon (vv 1370-1377)
proporcionando um encadeamento da discussatildeo na cena seguinte a da balanccedila113
A proposta de Eacutesquilo confirma assim o que Eacuteaco em conversa com Xacircntias
anunciou no segundo proacutelogo
Οι κἀνταῦθα δὴ τὰ δεινὰ κινηθήσεται
καὶ γὰρ ταλάντῳ μουσικὴ σταθμήσεται ndash
Ξα τί δέ μειαγωγήσουσι τὴν τραγῳδίαν
Οι ndash καὶ κανόνας ἐξοίσουσι καὶ πήχεις ἐπῶν
καὶ πλαίσια ξύμπτυκτα ndash (νν 796-802)
Ea A briga terriacutevel vai ser aqui mesmo
A arte das musas seraacute pesada na balanccedila
Xaacute O quecirc Vatildeo pesar a trageacutedia
Ea E vatildeo trazer reacuteguas cocircvados de palavras e formas quadrilaacuteteras
Na opiniatildeo de Silva (1987 p 290) a cena da balanccedila eacute uma cena caracterizada
mais pelo conteuacutedo cocircmico do que pelo conteuacutedo criacutetico E de fato salta aos olhos a maneira
como Aristoacutefanes a serviccedilo do riso joga com os signos verbal e natildeo verbal do espetaacuteculo a
palavra e os objetos cecircnicos respectivamente Os versos de cada poeta vatildeo agrave pesagem num
jogo metafoacuterico e tambeacutem siacutegnico que pressupotildee a palavra tanto como arma quanto objeto
artesanal da liacutengua afirma Muumlller (2004 p 31)
A cena da balanccedila encerra um conjunto de cenas concebidas a partir da
materializaccedilatildeo de imagens que preenchem funccedilotildees diversas desde uma simples palavra ateacute
graccedilas ao talento da verve cocircmica que explora a plasticidade da liacutengua silogismos e palavras
edificantes Thiercy (2007 p 103) aborda a materializaccedilatildeo das imagens segundo o estudo de
Taillardat (1965) que demonstrou que certas cenas satildeo metaacuteforas concretizadas (meacutetaphore
113 Essa cena eacute certamente de inspiraccedilatildeo eacutepica (Iliacuteada XXII 209-213) episoacutedios em que Zeus pesa a sorte de
Aquiles e de Heitor
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
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reacutealiseacutee) aliaacutes designaccedilatildeo que jaacute apareceu em Whitman (1964) com o nome de realizable
metaphore Entretanto tudo indica que natildeo se trata apenas de uma teacutecnica que se limita agrave
simples metaacutefora diz Thiercy (2007) pois se encontram tambeacutem metoniacutemias locuccedilotildees
figuradas e ateacute paronomaacutesias Diante dessa diversidade de funccedilotildees que as imagens assumem
na comeacutedia Thiercy (2007 p 104) as denomina de acordo com uma concepccedilatildeo mais ampla
images dramatiseacutees
Ao todo satildeo trecircs pesagens114
em que Eacutesquilo leva a melhor Na primeira
Euriacutepides recita o primeiro verso de Medeia que sendo um verso alado na opiniatildeo de
Dioniso (v 1388) eacute vencido nos pratos pelo verso fluvial retirado de Filoctetes de Eacutesquilo
Na segunda pesagem Eacutesquilo recita um verso de Niacuteobe que carrega em si a Morte o mais
pesado dos Males contra a Persuasatildeo verso de Antiacutegona de Euriacutepides Por fim Euriacutepides
solta um verso de Meleagro onde sobressai o peso do ferro mas nada que supere o verso
esquiliano que descreve imagens da guerra na trageacutedia Glauco Potnieu
A balanccedila pende para os versos vigorosos de Eacutesquilo contra os versos
persuasivos e sutis como asas de Euriacutepides (vv 1380-1405) A situaccedilatildeo de Dioniso se
complica a cada contenda porque eacute grande a hesitaccedilatildeo de escolha (vv 1413-1434) Em ambas
as passagens haacute uma ambiguumlidade no modo como Dioniso se refere ao considerar um dos
poetas saacutebio e o outro de seu agrado ou ainda um fala com habilidade e o outro com
clareza115
Entatildeo um uacuteltimo teste eacute proposto aos litigantes O deus propotildee aos candidatos dois
quesitos um eacute bem direto e refere-se a Alcibiacuteades (vv 1422-1423) e as respostas satildeo
extremamente engenhosas de ambas as partes a decisatildeo torna-se ainda mais difiacutecil o outro
quesito que seraacute o desempate eacute mais geral e refere-se agrave seguranccedila da cidade As respostas
tanto no primeiro quesito quanto no segundo satildeo formuladas em termos antiteacuteticos de acordo
114 Na indicaccedilatildeo de Silva (1987 p 291-292) os versos referem-se aos seguintes fragmentos Filocteacutetes (fr 404
M) Niacuteobe (fr 279 cM) Antiacutegona (fr 170 N2) Meleagro (fr 531 N2) Glauco Potnieu (fr 446M) 115 Para Stanford (apud SILVA 1987 p 295) trata-se de um recurso de Aristoacutefanes para manter em suspense
por mais tempo o vencedor Entendemos portanto que esse recurso eacute um modo de estender o desfecho do
agon ateacute os versos finais da comeacutedia
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
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101
com o estilo gnocircmico Enquanto Euriacutepides daacute como soluccedilatildeo a alternacircncia de poliacuteticos no
poder (vv 1446-1450) Eacutesquilo defende ideacuteias poliacuteticas da eacutepoca de Peacutericles que murando a
cidade ateacute o Pireu garantiria sua seguranccedila (vv 1458-1465)
Plutatildeo exige de Dioniso uma decisatildeo e nesse momento ocorre uma reviravolta da
accedilatildeo Quando tudo leva a crer que Dioniso vai escolher Euriacutepides porque no comeccedilo da peccedila
o deus confessou seu afeto por ele e nesse final de agon anuncia que vai seguir seu coraccedilatildeo
(psyhke v 1469) parece claro quem seraacute eleito o vencedor Mas Dioniso escolhe Eacutesquilo
Consequumlentemente o perdedor sentindo-se traiacutedo reprova-lhe a decisatildeo O coro fecha o
debate saudando primeiramente a inteligecircncia em benefiacutecio dos cidadatildeos (vv 1483-1490) e
depois critica o haacutebito socraacutetico que ignora a grandeza da trageacutedia em favor da tagarelice (vv
1491-1499)
O impasse que se prolonga ateacute o resultado final mostra que ambos os poetas satildeo
mestres em poneria No iniacutecio do agon os poetas satildeo apresentados como ―artiacutefices o que daacute
a entender que nas arguumliccedilotildees o que estaacute valendo mais natildeo eacute o que dizem mas como o dizem
Conforme o debate ganha focirclego Dioniso e o coro classificam a competiccedilatildeo como uma
disputa entre formas concorrentes de virtuosidade (sophia sophismata vv 872 882 896
1104 1108 1519) e de destreza verbal (ta dexia vv 1009 1114 1370) o que dificulta a
arbitragem de Dioniso cuja funccedilatildeo bomolochos rebaixa seu status divino para elevaacute-lo em
comicidade Segundo Gelzer (1960 p 125) as glosas de Dioniso natildeo satildeo gratuitas apesar de
ele ter a funccedilatildeo de bomolochos porque elas expressam um significado no contexto como juiz
da contenda Trata-se de um co-orador que de maneira bufa comenta os diaacutelogos entre as
partes ativas e adversaacuterias
A temaacutetica do agon de Ratildes eacute a criacutetica ao drama mas se deve reconhecer tambeacutem
que o ofiacutecio do poeta que eacute a educaccedilatildeo116
surge como um componente importante A
116 A esse respeito vide artigo de Bouvier (2004 p 9-25) em que se discute a vocaccedilatildeo moral e pedagoacutegica da
comeacutedia
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proposta de Aristaacutefanes eacute ao que parece uma proposta que discute a arte da instruccedilatildeo ciacutevica
tema em comum com a paraacutebase da peccedila ligando as seccedilotildees da comeacutedia e dando-lhe uma
unidade O denominador comum entre o discurso parabaacutetico e o agoniacutestico eacute o puacuteblico que eacute
no agon interpelado em vaacuterios momentos (vv 959 960 965 967 972 1110 1475) afinal os
espectadores satildeo os ―disciacutepulos de ambos os dramaturgos (v 964) Assim podemos concluir
que esse agon eacute de natureza parabaacutetica E eacute para o espectador que Eacutesquilo e Euriacutepides devem
se dirigir a respeito da questatildeo a partir da qual os dois estatildeo sendo julgados o que podem
fazer em favor da cidade atraveacutes de uma orientaccedilatildeo moral e poliacutetica E embora as respostas
sejam completamente diferentes no emprego dos verbos didasko e ekdidasko (vv 1019 1026
1035 1054 1055 1069 1057) natildeo haacute como negar a funccedilatildeo didaacutetica desses poetas e a
poneria de cada um que em evidecircncia constante perpassa toda a segunda metade da comeacutedia
que se constroacutei por uma sucessatildeo de contendas que discutem o valor artiacutestico e moral da
Trageacutedia (THIERCY 2007 p 177)
Para Gelzer (1960 p 51) na segunda parte estaacute presente todas as seccedilotildees da
diallage antes mesmo de Eacutesquilo e Euriacutepides estarem em cena jaacute eacute desencadeada a disputa
cujo objeto eacute o assento da trageacutedia no banquete de Hades Natildeo haacute juiz mais indicado do que
Dioniso o patrono do Teatro para ser o aacuterbitro que potildee fim agraves provocaccedilotildees para estabelecer
os acordos aos quais ambos os poetas se declaram favoraacuteveis do debate Entatildeo haacute a
preparaccedilatildeo para a negociaccedilatildeo que segundo Gelzer se desenvolve no agon epirremaacutetico em
que os poetas apresentam provas de suas fundamentaccedilotildees e no final Dioniso pressionado por
Plutatildeo sentencia o vencedor Tomando por base a diallage desenvolvida por Gelzer (1960 p
164) pode-se dizer portanto que toda a segunda metade de Ratildes compreende um complexo
agoniacutestico
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num complexo agoniacutestico)
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Alle drei Szenen nach dem epirrhematischen Agon der Froumlsche bilden zusammen
einen fortlaufender Anhang der den gleichen Kampf mit anderen Mitteln
weiterfuumlhrt
Juntas as trecircs cenas depois do agon epirremaacutetico de Ratildes formam um apecircndice
contiacutenuo que com outros meios daacute prosseguimento agrave mesma disputa117
Amplificando essa reflexatildeo de Gelzer para as anaacutelises anteriores em Cavaleiros
Nuvens e Vespas apoacutes o agon epirremaacutetico principal uma vez que essas comeacutedias possuem
dois agones haacute um conjunto de cenas que prosseguem com o debate natildeo do ponto de vista da
forma respeitando a siziacutegia epirremaacutetica mas do conteuacutedo que estaacute em consonacircncia com a
proposiccedilatildeo de cada comeacutedia
Em Cavaleiros apoacutes o agon II ocorrem as cenas dos oraacuteculos (vv 997-1110) e a
do banquete com Demo (vv 1151-1262) Nas Nuvens apoacutes o agon I entre os Raciociacutenios
ocorrem a cena com os credores (vv 1222-1300) o segundo agon entre pai e filho (vv 1345-
1451) e a cena do acerto de contas com Soacutecrates (vv 1452-1510) Em Vespas depois do agon
II haacute a cena do julgamento dos catildees da casa (vv 891-1008) e as cenas de reeducaccedilatildeo do
modus vivendi de Filocleatildeo (vv 1292-1449 1474-1537) Trata-se portanto de comeacutedias que
tecircm em comum apesar de algumas particularidades singulares a extensatildeo da discussatildeo que
antecipada desde o paacuterodo perpassa toda a accedilatildeo dramaacutetica ateacute o ecircxodo Isso nos autoriza a
classificar quanto agrave forma os agones dessas comeacutedias de agones modelares e quanto ao
conteuacutedo de agones inseridos num complexo agoniacutestico
Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes satildeo exemplos da habilidade do poeta no que
concerne agrave apropriaccedilatildeo da estrutura do agon epirremaacutetico cuja forma eacute modelada em funccedilatildeo
do conteuacutedo das cenas e consequumlentemente das seccedilotildees que compotildeem as peccedilas Essa
competecircncia poeacutetica que insere o agon epirremaacutetico num complexo agoniacutestico eacute ainda mais
instigante em Acarnenses comeacutedia em que apesar de seacuterias restriccedilotildees a propoacutesito da presenccedila
117 Traduccedilatildeo do alematildeo para o portuguecircs de Joseacute Pedro Antunes
Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)
num complexo agoniacutestico)
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de agon epirremaacutetico tambeacutem apresenta nas suas seccedilotildees um prolongamento da accedilatildeo em
contiacutenuo conflito assunto de que trataremos a seguir
CAPIacuteTULO III
A PRESENCcedilA DE AGON EM ACARNENSES
TESMOFORIANTES E PAZ
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 106
1 Acarnenses118
desafi(n)ando o coro (agon contaminatus e complexo agoniacutestico)
A presenccedila ou ausecircncia de agon em Acarnenses eacute uma das dissidecircncias entre os
helenistas no que se refere agrave estrutura formal da peccedila Haacute poreacutem um consenso de que o
proacutelogo termina no v 203 As variaccedilotildees apresentam-se portanto a partir da delimitaccedilatildeo das
cenas que vatildeo do paacuterodo ateacute a paraacutebase
Navarre (1911 p 275) natildeo determina o agon em Acarnenses apenas propotildee apoacutes
o proacutelogo uma segunda parte bastante abrangente do paacuterodo ateacute a paraacutebase (vv 204-625) Jaacute
Couat (1895 p 363-364) interpreta esse paacuterodo como uma cena de confronto fiacutesico entre o
coro e Diceoacutepolis (vv 204-346) mas natildeo estabelece paracircmetros para um agon Contudo
Mazon (190 p 25-26) divide as cenas intermediaacuterias entre o paacuterodo e a paraacutebase uma cena
de confronto fiacutesico ndash scegravene de bataille ndash (vv 280-357) que pertenceria agrave segunda metade do
paacuterodo seguida de uma cena de debate ndash scegravene de deacutebat Jaacute Pickard-Cambridge (1966 p
213) e Moumlllendorff (2002 p 64) estabelecem duas cenas entre o paacuterodo e a paraacutebase a
primeira cena (vv 358-489) que eacute preparatoacuteria Pickard-Cambridge denomina proagon
enquanto Moumlllendorff chama Retardation no caso da segunda cena (vv 490-625) para
Pickard-Cambridge trata-se de um quasi-agon e na classificaccedilatildeo de Moumlllendorff Agonale
Szene (cena agoniacutestica) Para Gelzer (1960 p 166-169) Acarnenses natildeo tecircm um agon
epirremaacutetico inteiro (stuumlcke ohne ganze epirrhematische agone) uma vez que a cena que
corresponde agrave seccedilatildeo agon eacute desmembrada para outras seccedilotildees da estrutura do texto
comeccedilando pelo paacuterodo
Em seu artigo sobre os paacuterodos na comeacutedia Zimmermann (1984 p 17-18) diz
que em Acarnenses a disposiccedilatildeo da composiccedilatildeo epirremaacutetica estaacute a serviccedilo do conteuacutedo
118 O enredo de Acarnenses (425 aC) se passa em plena Guerra do Peloponeso e conta as peripeacutecias de
Diceoacutepolis homem do campo que solitaacuterio e resoluto vai defender a paz se natildeo para todos ao menos para si
proacuteprio na assembleacuteia do povo Para tanto o aldeatildeo enfrenta seus compatriotas os acarnenses que satildeo o coro
da comeacutedia
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 107
isto eacute o conteuacutedo determinando a forma E de fato o conteuacutedo do paacuterodo em Acarnenses eacute
de fundo agoniacutestico a accedilatildeo do coro desde sua entrada eacute hostil e dirigida para uma contenda
Primeiramente o coro invade a orquestra agrave procura de Anfiteo (vv 204-236) depois sua
agressividade se volta para Diceoacutepolis e a cena eacute desenhada numa luta (vv 237 ss)
desencadeada no momento em que Diceoacutepolis interrompe a evoluccedilatildeo do coro com uma
procissatildeo (vv 242-279) A partir daiacute a trama caminha para uma cena de batalha (vv 280-357)
cuja estrutura eacute muito similar agraves partes do agon
katakeleusmos (vv 280-283) sphragis (vv 347-357)119
ode (vv 284-301) antode (vv 335-346)
epirrema (vv 302-318) antepirrema (vv 319-334)
A questatildeo eacute identificar se no esquema acima o paacuterodo jaacute chegou a seu termo para
dar lugar agrave seccedilatildeo seguinte que eacute o agon ou se a accedilatildeo que se configura numa cena pelejadora
na forma e no conteuacutedo pertence agrave segunda parte do paacuterodo o que o torna um paacuterodo de
natureza agoniacutestica
No exame de Gelzer (1960 p 157) o intervalo que compreende os vv 280-346
possui algumas semelhanccedilas com os agones epirremaacuteticos depois do paacuterodo Duas partes que
se correspondem em versos cantados (vv 284-302 = 335-346) poderiam ser interpretadas
como odes enquanto o intervalo dos vv 303-334 poderia ser entendido como epirremas
O katakeleusmos que estaacute composto por versos trocaicos e peatilde eacute uma chamada
para um confronto fiacutesico em que o furor do coro eacute expresso pela accedilatildeo de atirar pedras e o alvo
eacute Diceoacutepolis que na visatildeo do coro acarniano eacute um traidor A partir da ode a defesa de
Diceoacutepolis eacute declamada em versos trocaicos enquanto que o ataque do coro eacute cantado em
anapestos e peatilde120
Ateacute aqui tudo indica que se trata de uma cena preparatoacuteria para o agon As
partes epirremaacuteticas divididas entre o discurso do heroacutei e o pronunciamento do coro se
119 Seguimos o esquema proposto por Pickard-Cambridge (1966 p 213) 120 De acordo com Zielinski (1885 apud MAZON 1904 p 19) eacute preciso escandir os anapestos como peatilde
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 108
configuram numa cena de ameaccedilas protestos injuacuterias e sobretudo um jogo de persuasatildeo em
que as suacuteplicas de Diceoacutepolis que deseja ser ouvido voltam-se ao coro
Χο σοῦ γrsquoἀκούσωμεν ἀπολεῖ κατά σε χώσομεν τοῦς λίθους
Δι Μηδαμῶς πρὶν ἄν γrsquoἀκούσητrsquo ἀλλrsquoἀνάσχεσθrsquo ὦγαθί (vv 295-296)
Co Vocecirc Ouvirmos Vocecirc estaacute ferrado Vamos cobrir vocecirc com pedras
Dic Natildeo vatildeo natildeo Antes vocecircs devem me ouvir Vamos gente boa parem
Na anaacutelise de Pickard-Cambridge (1966 p 205) haacute nessa segunda metade do
paacuterodo um modelo simeacutetrico da siziacutegia epirremaacutetica que se constroacutei na forma abblsquoalsquo A
hipoacutetese que se levanta nesta anaacutelise eacute de ter ocorrido uma contaminatio121
entre as partes do
texto Essa hipoacutetese se baseia na pesquisa de Zielinski (1885 apud MAZON 1904) que
demonstrou que paacuterodo agon e paraacutebase seguem modelos riacutetmicos com meacutetrica especiacutefica em
comum Assim a segunda parte do paacuterodo que eacute uma contenda teria sofrido uma
combinaccedilatildeo com a seccedilatildeo seguinte onde se esperaria o agon que no caso de Acarnenses vem
precedido por uma cena de proagon Estruturalmente essa parte do paacuterodo se compotildee com as
formas de um agon epirremaacutetico no entanto quanto ao fundo natildeo se trata de um debate mas
de um combate em que o coro armado de pedras estaacute propenso mais agrave luta do que agrave
discussatildeo (vv 280 285 319) Diante dessa situaccedilatildeo de aporia Diceoacutepolis consegue atraveacutes
de um meio coercivo um acordo com o coro A estrateacutegia do heroacutei na antode cuja estrutura eacute
a mesma da ode eacute transformar um cesto de carvatildeo tatildeo caro ao coro em refeacutem
Δι βάλλετrsquo εἰ βούλεσθrsquo ἐγὼ γὰρ τουτονὶ διαφθερῶ
εἴσομαι δrsquoὑμῶν τάχrsquoὅστις ἀνθτράκων τι κήδεται (vv 331-332)
Dic Atirem se quiserem Eu vou dar fim nisso aqui E entatildeo vou saber rapidamente qual de vocecircs tem algum afeto pelos carvotildees122
121 Por definiccedilatildeo esse termo se refere agrave combinaccedilatildeo na comeacutedia latina de dois enredos tomados a comeacutedias
gregas Neste trabalho entende-se contaminatio tambeacutem pelo sentido de combinaccedilatildeo cujo resultado eacute uma
mistura fusatildeo um amaacutelgama entre as seccedilotildees na estrutura da comeacutedia 122 Cf tambeacutem vv 326 335 em que Diceoacutepolis ameaccedila de morte seu refeacutem o saco de carvatildeo
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 109
Nesse momento de tensatildeo Aristoacutefanes se serve de um eficiente expediente a
paratrageacutedia123
cuja cena eacute um empreacutestimo da trageacutedia perdida Teacutelefo124
de Euriacutepides
Diceoacutepolis se coloca na condiccedilatildeo de reacuteu sob pena de morte e tambeacutem estabelece condiccedilotildees
adicionais como o desarmamento do coro (vv 341-342)
Demovida a hostilidade do coro que passa entatildeo a dar ouvidos a Diceoacutepolis a
cena se compotildee do seguinte esquema ode (vv 358-363) katakeleusmos (vv 364-365) cena
iacircmbica ndash discurso de Diceoacutepolis em triacutemetros iacircmbicos ndash (vv 366-384) antode (vv 385-
390) antikatakeleusmos (vv 391-392) Diceoacutepolis empolga-se com um longo discurso a
ponto de o coro no antikatakeleusmos cortar-lhe a palavra ὡς σκψιν ἁγὼν οὗτος οὐχὶ
δέξεται ―jaacute que este debate natildeo pode admitir rodeio Mas antes de o debate comeccedilar
ocorre a cena do disfarce ndash diaacutelogo em triacutemetros iacircmbicos ndash (vv 393-489) entre Diceoacutepolis e
Euriacutepides que lhe cede todo o figurino de Teacutelefo A mudanccedila de traje de Diceoacutepolis para
Teacutelefo acontece agrave vista do puacuteblico efeito cocircmico em que Aristoacutefanes recria agrave luz da mise en
scegravene da comeacutedia o heroacutei traacutegico Uma vez encarnado o heroacutei tragicocircmico Diceoacutepolis-Teacutelefo
numa espeacutecie de auto-encorajamento revela-se pronto para o debate
Gelzer (1960 p 166-167) que eacute mais riacutegido em relaccedilatildeo agraves anaacutelises das partes
fixas da comeacutedia entende que natildeo haacute nesse momento um agon epirremaacutetico inteiro apesar de
certas semelhanccedilas na forma embora a accedilatildeo ofereccedila algumas analogias com as quatro partes
da diallage disputa acordo negociaccedilatildeo e sentenccedila
123 Deve-se tomar cuidado para o emprego indiscriminado dos termos paratrageacutedia e paroacutedia porque esta
pressupotildee uma distorccedilatildeo do texto original para o texto de chegada enquanto que aquela natildeo Segundo Silk
(1993 p 494) essa passagem em Acarnenses eacute bem conhecida e agraves vezes referida como paroacutedia de Teacutelefo
de Euriacutepides embora na opiniatildeo dele natildeo se trata disso Silk eacute bem claro em seu ponto de vista ―[hellip] the
connection whith Telephus is not in doubt but if parody involves subversion of the tragic original this is not
parody 124 Trata-se da cena em que o heroacutei traacutegico Teacutelefo para se fazer ouvir pelo tribunal grego a quem vem pedir a
cura de seu ferimento causado por Aquiles toma Orestes ainda crianccedila como refeacutem desencadeando a fuacuteria
de Agamenatildeo e dos aqueus Satildeo treze anos de distanciamento de Teacutelefo (438 aC) para Acarnenses (421
aC)
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 110
A disputa jaacute se apresenta logo no paacuterodo entre o heroacutei cocircmico e seu primeiro
adversaacuterio o coro de carvoeiros A cena do agon pertence ao momento da negociaccedilatildeo que
ocorre em duas instacircncias com conteuacutedos diferentes No primeiro no iniacutecio do agon
Diceoacutepolis125
dirige-se aos espectadores o que confere ao agon um tom parabaacutetico com uma
longa rhesis (vv 496-556) sem replicador e isso descaracteriza a negociaccedilatildeo (GELZER
1960 p 166) porque natildeo haacute discussatildeo mas uma prestaccedilatildeo de contas unilateral Na opiniatildeo
de Gelzer (1960 p 168) o motivo pelo qual Aristoacutefanes reveste a cena inteira numa
paroacutedia126
e desvia a discussatildeo que deveria ser argumentativa em favor de um discurso seacuterio
repousa no assunto da comeacutedia Trata-se de um assunto contemporacircneo delicado e em Atenas
o ambiente natildeo parecia favoraacutevel a isso como o proacuteprio Diceoacutepolis confessa (vv 360-376
383-384 497-499) Na visatildeo de Gelzer o puacuteblico tem de ser preparado e assim que
Diceoacutepolis se potildee a falar ele deixa cair a ficccedilatildeo interpelando o espectador (v 497) e seu
discurso puramente poliacutetico eacute de uma uacutenica via Natildeo haacute discussatildeo apenas discurso
Todavia no segundo momento apoacutes o discurso do heroacutei e a manifestaccedilatildeo dos
dois semi-coros a cena eacute sinalizada para um agon epirremaacutetico se eacute que se pode chamar
assim pois a siziacutegia epirremaacutetica que estaacute ausente eacute substituiacuteda
ode (vv 490-495) antode (vv 566-571)
cena iacircmbica (vv 496-565) cena iacircmbica (vv 572-625)
sphragis (vv 626-627)
Quanto agrave forma trata-se de um agon irregular com estrutura bastante modificada
Para Gelzer (1960 p 166) no lugar da negociaccedilatildeo onde se esperaria um agon haacute um
discurso em triacutemetros iacircmbicos de Diceoacutepolis que natildeo encontra replicador Na anaacutelise de
Pickard-Cambridge (1966 p 213) trata-se de um quasi-agon cuja estrutura agoniacutestica eacute
composta por uma siziacutegia iacircmbica dividida que substitui a siziacutegia epirremaacutetica Como essa
125 Eacute de se supor porque natildeo haacute comprovaccedilatildeo que o papel de Diceoacutepolis ou do corifeu tenha sido interpretado
por Aristoacutefanes (DUARTE 2000 p 59 70) 126 Gelzer (1960) emprega indiscriminadamente os termos paroacutedia e paratrageacutedia
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 111
cena cumpre a funccedilatildeo de um agon (SOMMERSTEIN 1998 p 10) a classificaccedilatildeo dela natildeo eacute
de quasi-agon mas de agon que me parece foi desmembrado pela contaminatio jaacute que as
partes epirremaacuteticas ficaram na cena de batalha presente no paacuterodo
As duas cenas iacircmbicas teratildeo como veremos a seguir um conteuacutedo agoniacutestico em
que o heroacutei enfrentaraacute seus rivais na primeira cena iacircmbica o debate eacute com um dos semi-
coros na segunda cena iacircmbica com Lacircmacos
A ode coral e no uacuteltimo verso o coro anima Diceoacutepolis a discursar como fez
anteriormente no proagon ―bota aiacute o cepo e comeccedila a falar (v 365) Essa mesma forccedila
entusiaacutestica repete-se no final da ode do quasi-agon ―entatildeo vamos jaacute que eacute esse teu desejo
fala aiacute (v 495) O fato de Diceoacutepolis dirigir-se ao puacuteblico eacute um marcador de que haacute
novamente uma contaminatio ou confluecircncia entre as partes da estrutura do texto porque o
comeccedilo desse agon eacute muito proacuteximo da natureza da paraacutebase (vv 499-500) Para MacDowell
(1995 p 67) o final do agon em que o coro sela a vitoacuteria de Diceoacutepolis (vv 626-627) eacute uma
declaraccedilatildeo de que Diceoacutepolis convence natildeo apenas o coro mas tambeacutem o espectador cidadatildeo
ateniense
Na sentenccedila o coro acaba dividido A primeira cena iacircmbica configura-se no
discurso do heroacutei cocircmico e no diaacutelogo travado com o coro que se divide em dois semi-coros
O segundo semi-coro se declara convencido (vv 560-561) mas o primeiro conserva toda sua
raiva contra os que traiacuteram a causa do patriotismo (vv 557-559 562-563) e na antode (vv
566-571) apela por aquele capaz de defendecirc-lo Lacircmacos Inicia-se a segunda cena iacircmbica
construiacuteda sobre o diaacutelogo em triacutemetros iacircmbicos entre Diceoacutepolis o protagonista e
Lacircmacos o antagonista Entre ambos trava-se uma discussatildeo (vv 572-625) que segundo
Gelzer (1960 p 167) eacute uma cena de transiccedilatildeo para a paraacutebase porque termina com um
kommation anapeacutestico (vv 626-627) que se apresenta como uma espeacutecie de sphragis
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 112
Essa segunda cena iacircmbica (vv 572-625) eacute conforme esquema proposto por
Pickard-Cambridge (1966) a uacuteltima parte do quasi-agon De fato natildeo haacute uma discussatildeo
profunda entre os adversaacuterios em que cada um defende seu ponto de vista falta portanto a
siziacutegia epirremaacutetica Mas em seu lugar e seguindo o ponto de vista de Pickard-Cambridge
(1966 p 201) existe uma siziacutegia iacircmbica o que explica a estrutura de Acarnenses que eacute
construiacuteda por um conjunto de discursos expressos em triacutemetros iacircmbicos127
e a razatildeo disso
torna-se oacutebvia porque os discursos satildeo paroacutedias de discursos feitos nos tribunais e o triacutemetro
iacircmbico era o metro convencional apropriado para tais discursos desenvolvidos no palco
Diceoacutepolis insiste num discurso de defesa em favor da paz justificando sua treacutegua individual
com os Lacedemocircnios Megarenses e Beoacutecios (vv 623-625) Lacircmacos por sua vez defende o
estado de guerra (vv 620-622) No final (v 626) o corifeu confirma que Diceoacutepolis eacute o
vencedor com sua argumentaccedilatildeo porque converteu a opiniatildeo do povo no que diz respeito agrave
treacutegua do heroacutei Dessa maneira o corifeu valida a disputa anunciando o vencedor e esse
uacuteltimo verso corresponde antes que se comece a paraacutebase agrave sphragis
Em suma no acordo entre Diceoacutepolis e o coro a cena estaacute amparada na trageacutedia
Teacutelefo de Euriacutepides em que a accedilatildeo coerciva de Teacutelefo eacute imitada por Diceoacutepolis Na trageacutedia
Teacutelefo negocia com os gregos aqui a negociaccedilatildeo eacute entre Diceoacutepolis e o coro A accedilatildeo eacute
parodiada no sentido de ―canto paralelo e a apropriaccedilatildeo dos versos de Euriacutepides eacute
paratraacutegica Eacute evidente portanto que Aristoacutefanes transplantou um modelo traacutegico de agon
para o contexto cocircmico128
Embora tenhamos apenas alguns fragmentos da trageacutedia Teacutelefo e
apesar de a trageacutedia natildeo ter o agon como uma parte constituinte de seu texto o agon traacutegico
estaacute a serviccedilo de classificaccedilatildeo da cena E Euriacutepides desenvolveu o agon em seu mais alto grau
de sistematizaccedilatildeo (DUCHEMIN 1968 p 235) Tudo indica que Aristoacutefanes contemporacircneo
de Euriacutepides tenha se espelhado no tragedioacutegrafo De acordo com Duchemin (1968 p 103) a
127 Para um aprofundamento sobre o iambo cf o estudo de E Bowie (2002 p 33-50) 128 Haacute uma diferenccedila de 13 anos da representaccedilatildeo de Telefo (438) para a encenaccedilatildeo de Acarnenses (425) Na
opiniatildeo de MacDowell (1995 p 58) Aristoacutefanes teria tido acesso ao texto de Euriacutepides
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 113
ὑπoacuteθεσις de Acarnenses assinala que o discurso de Diceoacutepolis reproduz aquele de Teacutelefo e
os escoliastas comentam um grande nuacutemero de passagens transpostas de Euriacutepides Haacute uma
questatildeo polecircmica a respeito de Euriacutepides ter empregado o iambo de uma maneira muito
proacutexima ao iambo da comeacutedia Nesse caso segundo Steinruumlck (2004 p 59) do ponto de vista
meacutetrico o triacutemetro iacircmbico que veio do iambos arcaiacuteco natildeo se parece com o triacutemetro
cocircmico Entretanto na eacutepoca de Aristoacutefanes havia duas tradiccedilotildees riacutetmicas a antiga e a nova
E o poeta soube jogar com essas duas tradiccedilotildees para se apropriar de um ritmo ―traacutegico
proacuteprio do discurso cocircmico Do ponto de vista de Steinruumlck (2004 p 60) trata-se de uma
paratrageacutedia isto eacute a relaccedilatildeo que haacute entre o modo meacutetrico da comeacutedia e o modo meacutetrico da
trageacutedia Essa relaccedilatildeo de equivalecircncia requer uma apropriaccedilatildeo e nesse caso Goldhill (1991
p 205) afirma que a apropriaccedilatildeo da ―voz traacutegica eacute uma dinacircmica frequumlente em Aristoacutefanes
Afinal o proacuteprio poeta declara que a comeacutedia tambeacutem conhece ―as coisas justas (τὰ δίκαια
vv 500-501 645 655) pela voz de sua personagem cuja etimologia eacute propositalmente ―o
justo da cidade (δίκαιο ndash πόλις) Como bem observou Russo (1994 p 50) Diceoacutepolis eacute
apoacutes interiorizar a personagem Teacutelefo uma nova personagem seu modo de expressatildeo eacute novo
e tambeacutem sua maneira de agir ―[] he is not the actor of a κωμῳδία but of a τρυγῳδία
(the song of the must) of a tragi comedy Nessa mesma linha de interpretaccedilatildeo A M
Bowie (1995 p 27) entende que a atmosfera cocircmica ganha ares de trageacutedia O fato de
Aristoacutefanes empregar τρυγῳδία deixa claro para MacDowell (1995 p 60) que natildeo vai se
tratar de um discurso cocircmico porque o conteuacutedo que eacute seacuterio focaliza as questotildees da polis129
A respeito do termo τρυγῳδία Voelke (2004 p 125) que estabelece
semelhanccedilas natildeo apenas entre a arte de Euriacutepides e a de Aristoacutefanes mas tambeacutem entre a arte
do tragedioacutegrafo e a praacutexis do heroacutei cocircmico tem o seguinte ponto de vista
129 Vale lembrar que na anaacutelise de Vespas no capiacutetulo anterior τρυγῳδία eacute o vocaacutebulo que fecha a peccedila cuja
temaacutetica eacute voltada para uma criacutetica ao sistema judiciaacuterio de Atenas
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 114
Aliaacutes o termo τρυγῳδία pronunciado por uma personagem que estaacute vestida como
um heroacutei euripidiano natildeo visa soacute atribuir a autoridade do gecircnero traacutegico agrave
comeacutedia mas mais que isso ressaltar a trageacutedia euripidiana do resto do gecircnero
traacutegico ndash da τρaγῳδία ndash gugerindo seu parentesco com o gecircnero cocircmico130
O heroacutei passa entatildeo a assumir um caraacuteter tragicocircmico Natildeo eacute mais Diceoacutepolis
mas Diceoacuteplis-Teacutelefo131
e no confronto com seu segundo adversaacuterio estaacute pronto para pocircr em
praacutetica sua poneria ou melhor a poneria de Teacutelefo modelo de orador haacutebil Na opiniatildeo de
Silva (1987 p 126) porque estatildeo arriscando a proacutepria vida tanto a Teacutelefo quanto a
Diceoacutepolis cabe o conceito de ἀρετή segundo a proposta dos sofistas
A natureza do confronto verbal entre Diceoacutepolis e Lacircmacos eacute de pura bufonaria e
pode ser analisado atraveacutes da construccedilatildeo da personagem e os tipos que cada uma assume em
seu papel no drama
No que concerne ao heroacutei acarnense McLeish (1980 p 55) enquadra Diceoacutepolis
na categoria poneros espertalhatildeo vencedor de qualquer confronto pela sua engenhosidade e
dominador de qualquer situaccedilatildeo pela sua esperteza Tambeacutem possui um caraacuteter excessivo e se
vangloria de sua proacutepria astuacutecia daiacute tambeacutem ter traccedilos de um alazon Na anaacutelise de Thiercy
(2007 p 194 1997 p 983) ao longo de toda a cena com Euriacutepides no proagon Diceoacutepolis
vai mostrar todas as caracteriacutesticas de um tiacutepico alazon o parasito Esse autor interpreta que
no diaacutelogo entre Diceoacutepolis e Euriacutepides o heroacutei cocircmico vai enfrentar Euriacutepides no campo do
tragedioacutegrafo o das sutilezas retoacutericas e vai tambeacutem despojaacute-lo de seus figurinos juntamente
com sua trageacutedia ―homem vocecirc desfalca minha trageacutedia (v 464) Para Whitman (1964 p
68) Diceoacutepolis eacute uma variante do heroacutei cocircmico um cidadatildeo do povo que deixa o anonimato
130 Lecirc-se no original Agrave cet eacutegard le terme τρυγῳδία prononceacute par un personnage doteacute du costume dlsquoun heacuteros
euripideacuteen ne vise pas tant agrave attribuer agrave la comeacutedie llsquoautoriteacute du genre tragique mais bien plus agrave deacutemarquer la
trageacutedie euripideacuteene du reste du genre tragique ndash de la τρaγῳδία ndash pour suggeacuterer sa parenteacute avec le genre
comique 131 Essa apropriaccedilatildeo entre os gecircneros parece reforccedilar a ideacuteia de contaminatio que se estende nas mais variadas
instacircncias entre as seccedilotildees do texto na reproduccedilatildeo dos versos e na construccedilatildeo da personagem
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 115
para se tornar uacutenico na sua treacutegua em prol da paz Enfrenta como eiron seu adversaacuterio
Lacircmacos para se mostrar mais adiante como um alazon maior do que seu rival
A categoria alazon eacute bastante evidente na personagem Lacircmacos e nesse ponto
natildeo haacute divergecircncia entre os estudiosos A construccedilatildeo dessa personagem enquanto adversaacuterio
do heroacutei eacute montada toda ela sobre a perspectiva da fanfarronice que se manifesta em duas
instacircncias Primeiramente no niacutevel do discurso no que se refere agrave performance do discurso de
defesa Logo apoacutes a entrada de Lacircmacos em alto estilo diz o heroacutei ―Oacute Lacircmacos heroacutei dos
penachos e das legiotildees (v 575) E num segundo momento na caracterizaccedilatildeo do figurino por
exemplo quando Lacircmacos eacute interrompido por Diceoacutepolis no momento em que aquele
revelaria a procedecircncia da pluma de seu capacete certamente de uma ave rara e nobre (v
589)
Poneros parece ser a qualidade que a personagem Euriacutepides reconhece em
Diceoacutepolis
δὼσω πυκνῆ γὰρ λεπτὰ μηχανᾷ φρενί (v 445)
Eu darei pois vocecirc trama com densa inteligecircncia e sutis ideacuteias
Nessa passagem Euriacutepides faz uma aproximaccedilatildeo capciosa entre as palavras
πυκνῆ e λεπτὰ que satildeo antocircnimas no sentido proacuteprio mas sinocircnimas no sentido figurado
(THIERCY 1997 p 1004 SOMMERSTEIN 1998 p 178) Na anaacutelise de Voelke (2004 p
122) a partiacutecula γὰρ sugere que Euriacutepides aceita fazer a doaccedilatildeo dos trajes de Teacutelefo a
Diceoacutepolis na medida em que ele reconhece no heroacutei cocircmico qualidades que tambeacutem satildeo
presentes no heroacutei traacutegico no caso a habilidade retoacuterica o que reforccedila ainda mais o lado
poneros de Diceoacutepolis e sua legitimidade de vencedor nos conflitos que estatildeo presentes desde
o paacuterodo da peccedila Assim a narrativa dramaacutetica na primeira parte da peccedila ndash do paacuterodo agrave
paraacutebase ndash se dispotildee sobre um complexo agoniacutestico que abrange tambeacutem a segunda metade
da comeacutedia
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 116
Apoacutes a paraacutebase ateacute o ecircxodo sucede uma seacuterie de quadros cocircmicos que
interdependentes contrastam as vantagens do estado de paz e as desvantagens do estado de
guerra Na passagem dos vv 1095-1142132
ocorrem duas cenas paralelas de mesmo fundo
Diceoacutepolis e Lacircmacos comeccedilam seus preparativos se interpolando no jogo da esticomitia
lanccedilando alusotildees malevolentes um ao outro Esse jogo raacutepido de alternacircncia de versos ao
ritmo do toma laacute daacute caacute eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo das duas cenas concomitantes e assinala
a antiacutetese anteriormente presente no agon entre heroacutei e seu adversaacuterio paz e guerra
respectivamente O final dessa cena re-confirma a vitoacuteria do heroacutei sobre o rival fanfarratildeo e
garante o happy-end no ecircxodo O todo orgacircnico da peccedila eacute envolvido por um complexo
agoniacutestico das cenas tanto na primeira parte do enredo quanto na segunda
O estudo do agon em Acarnenses demonstra a flexibilidade das partes que
compotildeem a estrutura dessa comeacutedia que se organiza mais pelo conteuacutedo das cenas do que
pela sua forma Na opiniatildeo de Sommerstein (1998 p 10) algumas peccedilas natildeo possuem agon
em seu sentido formal mas em cada caso podemos identificar uma cena que cumpre uma
funccedilatildeo similar eacute o caso da defesa de Diceoacutepolis a respeito de sua treacutegua de paz privada (vv
490-626)
A ausecircncia de um agon epirremaacutetico inteiro tal qual aparece em Vespas e
Cavaleiros ocorre por causa de uma anomalia a siziacutegia iacircmbica presente no agon substitui a
siziacutegia epirremaacutetica que aparece no paacuterodo Tudo leva a crer que Aristoacutefanes natildeo soacute estava
ciente da existecircncia de uma estrutura comum de agon mas tambeacutem soube manipular as
convenccedilotildees estruturais da forma o que resultou no que se chamou nesta anaacutelise de
contaminatio entre as seccedilotildees do texto em que se observa um paacuterodo com natureza agoniacutestica e
um agon de natureza parabaacutetica
132 Para a anaacutelise desses versos Thiercy (1997 p 1024) indica o artigo de Harriot (1979) Acharnians 1095-
1142 Words and Actions
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 117
Aristoacutefanes optou por privilegiar o conteuacutedo em detrimento da forma e essa
receita poeacutetica vai se repetir 14 anos mais tarde em Tesmoforiantes (411 aC)
2 Tesmoforiantes133
mulheres em agoniaccedilatildeo (agon-logon e centro da accedilatildeo)
A estrutura da comeacutedia Tesmoforiantes estaacute organizada de acordo com a
sequumlecircncia proacutelogo paacuterodo134
agon e paraacutebase totalizando a primeira parte da comeacutedia que
se alonga nas cenas episoacutedicas seguintes organizadas em cenas paralelas (MAZON 1904 p
136-137) as quais estatildeo concebidas sobre o mesmo tema a caricatura de Euriacutepides e sua obra
Agrave exceccedilatildeo do proacutelogo a accedilatildeo se passa numa assembleacuteia em que mulheres
congregadas vatildeo se indispor com um dos membros da plenaacuteria Nada mais apropriado que
essa discussatildeo ocorra nas instacircncias do agon Ainda que essa cena natildeo se apresente em sua
forma como um agon epirremaacutetico seu conteuacutedo ratifica a presenccedila de um agon A razatildeo
disso estaacute no recurso utilizado por Aristoacutefanes a paroacutedia dos agones euripidianos que como
paradigma da circunstacircncia cecircnica satildeo transpostos para a execuccedilatildeo do agon cocircmico A
paroacutedia eacute portanto o grande recurso empregado por Aristoacutefanes a ponto de o modelo traacutegico
referido Euriacutepides e sua obra ocupar dois terccedilos da peccedila (RAU 1975 p 339 apud DUARTE
2000 p 190)
A intriga se estabelece em plena crise como na trageacutedia e a progressatildeo das cenas
leva a uma tensatildeo dramaacutetica em que a ideacuteia do travestismo planejada por Euriacutepides e
executada pelo Parente longe de ter ecircxito soacute lhes traz complicaccedilotildees ao longo da fabulaccedilatildeo e
133 A comeacutedia Tesmoforiantes (411 aC) eacute uma peccedila dedicada exclusivamente ao tema da criacutetica literaacuteria cujo
foco eacute a caricatura do tragedioacutegrafo Euriacutepides e sua obra Segundo a fabulaccedilatildeo as atenienses querem um
ajuste de contas com o poeta porque na opiniatildeo delas as personagens femininas euripipianas satildeo uma
difamaccedilatildeo agrave reputaccedilatildeo das mulheres Reunidas para celebrarem as Tesmofoacuterias elas pretendem deliberar
qual o melhor corretivo a ser aplicado ao poeta Para advogar a causa Euriacutepides envia um parente travestido
para a assembleacuteia 134 Parece haver um consenso de que natildeo haacute paacuterodo propriamente em Tesmoforiantes Cf Couat (1895 p 376)
Mazon (1904 p 129) Gelzer (1960 p 176) Zimmermann (1984) Trata-se de uma estrutura meacutetrica bem
lacunar e com a ausecircncia dos tetracircmetros o que caracteriza a entrada do coro que eacute por sua vez a definiccedilatildeo
de paacuterodo De acordo com o texto o coro jaacute estaacute na orquestra e natildeo temos indicaccedilotildees textuais de como
ocorreu em sua entrada
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 118
a primeira delas encontra-se na cena do agon em que eacute delegado (VOELKE 2004 p 128) ao
Parente Mnesiacuteloco o papel de heroacutei cocircmico o qual Euriacutepides retoma na uacuteltima parte da
peccedilas
Do final do paacuterodo (v 372) ateacute o iniacutecio da paraacutebase (v 784) o enredo comporta
trecircs situaccedilotildees i) a assembleacuteia das mulheres jaacute com o Parente infiltrado (vv 372-573) ii) a
descoberta de seu disfarce por causa de uma denuacutencia (vv 574-654) iii) a defesa do Parente e
a cena emprestada de Teacutelefo135
O agon (vv 381-530) que se encontra na primeira situaccedilatildeo estaacute tambeacutem
amplificado nas outras duas situaccedilotildees Percebe-se que houve uma confluecircncia entre as seccedilotildees
paacuterodo agon e cena iacircmbica posterior ao agon A entrada do coro funciona como uma
preparaccedilatildeo para o agon assumindo a funccedilatildeo de proagon136
e a cena iacircmbica subsequumlecircnte eacute
um prolongamento do debate que se iniciou na assembleacuteia terminando numa cena de combate
entre o coro e o Parente
Jaacute no final do paacuterodo a accedilatildeo sinaliza que um confronto verbal entre as mulheres e
o Parente estaacute em iminecircncia Aristoacutefanes parodia o protocolo de abertura de uma sessatildeo em
assembleacuteia Primeiramente anuncia-se a composiccedilatildeo dos membros cujos nomes carregam em
si a funccedilatildeo de cada um Timocleacuteia ―a ilustre preside Lisila ―a que resolve questotildees toma
nota e por fim Soacutestrata ―a salvadora de exeacutercito eacute a oradora (vv 373-374) Em seguida
Aristoacutefanes emprega uma foacutermula de abertura de debate nas assembleacuteias τίς ἀγορεύειν
βούλεται ―Quem quer falar em puacuteblico (vv 378-379) E antes do pronunciamento o
orador deve colocar uma coroa (v 380)
135 Satildeo 27 anos de distanciamento de uma peccedila para outra Teacutelefo (438 aC) e Tesmoforiantes (411 aC) 136 A natureza de um paacuterodo agoniacutestico tambeacutem se encontra no agon contaminatus de Acarnenses cf infra
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 119
Pelo andamento da accedilatildeo natildeo haacute duacutevidas de que quanto ao conteuacutedo vai se tratar
de uma discussatildeo com defesa de pontos de vista mas quanto agrave forma trata-se de um agon137
com estrutura bastante modificada
katakeleusmos (vv 381-382)
discurso iacircmbico 1 (vv 383-432)
ode (vv 433-442)
discurso iacircmbico 2 (vv 443-458)
interluacutedio liacuterico (vv 459-465)
discurso iacircmbico 3 (vv 466-519)
antode (vv 520-530)
Embora essa estrutura contemple minimamente as partes de um agon
epirremaacutetico podemos traccedilar algumas similitudes natildeo apenas entre as seccedilotildees de incumbecircncia
coral de um agon epirremaacutetico canocircnico conforme se viu em Cavaleiros e Vespas mas
tambeacutem pensar que o discurso iacircmbico que assume o lugar do epirrema formaria ao inveacutes
da siziacutegia epirremaacutetica a siziacutegia iacircmbica (PICKARD-CAMBRIDGE 1966 p 213)
fenocircmeno jaacute ocorrido em Acarnenses Gelzer (1960 p 166 176) destaca quatro pontos i) natildeo
haacute em Tesmoforiantes um agon epirremaacutetico inteiro poreacutem antes do primeiro discurso o coro
pronuncia dois tetracircmetros iacircmbicos cujo conteuacutedo se aproxima de um katakeleusmos (vv
381-382) ii) os conteuacutedos discursivos das duas primeiras mulheres (discurso iacircmbico 1 e 2) e
do Parente (discurso iacircmbico 3) satildeo similares ao conteuacutedo epirremaacutetico de um agon iii) as
duas estrofes que lhes vecircm em seguida (vv 433-442 520-530) satildeo idecircnticas na forma e no
conteuacutedo agraves odes dos agones epirremaacuteticos iv) e por fim todas as formas em
Tesmoforiantes inclusive a meacutetrica foram alteradas sob a influecircncia das paroacutedias das
trageacutedias de Euriacutepides o que explica nessa comeacutedia a presenccedila de um paacuterodo e de uma
137 Pickard-Cambrigde (1966 p 226) classifica como quasi-agon Seguimos Mazon (1904 p 136) que analisa
como agon
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 120
paraacutebase138
muito rudimentares e igualmente vestiacutegios da forma do agon epirremaacutetico
(GELZER 1960 p 176)
Com base nessas reflexotildees o conteuacutedo que se reporta agrave proposta da comeacutedia que
expotildee a obra de Euriacutepides num cenaacuterio que eacute uma paroacutedia agraves assembleacuteias atenienses
estabelece a forma desse agon No katakeleusmos o coro sinaliza que a natureza da discussatildeo
vai ocorrer aos moldes da oratoacuteria como fazem os oradores a primeira mulher escarra
(χρέμπτομαι v 381) o que significa que seu pronunciamento vai ser extenso
Cada um dos trecircs discursos eacute intercalado por dois cantos corais simeacutetricos
odeantode (vv 433-442 520-530) e um interluacutedio liacuterico (vv 459-465) A ode e o interluacutedio
satildeo de pura exaltaccedilatildeo aos primeiro (vv 383-432) e segundo (vv 443-458) discursos
femininos respectivamente enquanto que a antode eacute uma reprovaccedilatildeo ao terceiro discurso
pronunciado pelo Parente Se pela forma esse debate em Tesmoforiantes natildeo pode ser
classificado como um agon epirremaacutetico haacute de secirc-lo entatildeo pelo conteuacutedo os dois primerios
discursos tratam de uma discussatildeo eacutetica (GELZER 1960 p 174) No primeiro discurso a
indignaccedilatildeo maior estaacute nos ultrajes insultos e caluacutenias de que Euriacutepides natildeo poupou as
mulheres
Τὰς μοιχοτύπας τὰς ἀνδρεραστρίας καλῶν
τὰς οἰνοπίτας τὰς προδότιδας τὰς λάλους
τὰς οὐδὲν ὑγιές τὰς μέγrsquoἀνδράσιν κακόν (vv 392-394)
levianas taradas por homens beberronas traidoras tagarelas
um zero agrave esquerda flagelo para os homens
Ao analisar o discurso da primeira mulher Voelke (2004 p 130) faz um
comentaacuterio interessante a propoacutesito de Euriacutepides possuir uma verve de poeta cocircmico uma vez
que bebida sexo entre outros desvios morais que satildeo traccedilos recorrentes da figura feminina
na comeacutedia tambeacutem correspondem ao retrato das personagens femininas nas trageacutedias de
138 Sobre a anaacutelise da paraacutebase de Tesmoforiantes cf Duarte (2000 p 187-203)
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 121
Euriacutepides Ao direcionar a queixa contra Euriacutepides a primeira mulher tambeacutem demonstra
uma habilidade retoacuterica bem ao modo euripidiano a ponto de o coro saudaacute-la por sua
sagacidade (πολύπλοκος v 434) habilidade no falar (δεινότερον λεγούσης v 435)
prudecircncia (πυκνός v 438) e pelo emprego de palavras sutis e bem variadas (ποικiacuteλοι
λόγοι v 439)
A segunda mulher que eacute uma artesatilde de coroa de flores ao tomar a palavra
esclarece que seu discurso eacute uma queixa pessoal direcionado a responsabilizar Euriacutepides da
precariedade da vida dela e de seus filhos
νῦν δrsquoοὗτος ἐν ταῖσιν τραγῳδίαις ποιῶν
τοὺς ἄνδρας ἀναπέπεικεν οὐκ εἶναι θεούς
ὥστrsquo οὐκέτrsquo ἐμπολῶμεν οὐδrsquo εἰς ἥμισυ (vv 450-452)
Mas agora esse aiacute que em suas trageacutedias trabalha convenceu os homens de que os deuses natildeo existem
139
de modo que natildeo vendemos mais nem mesmo a metade
Segundo o coro trata-se de falas ainda mais engenhosas do que a da primeira mulher
(κομψότερον v 460) Os comentaacuterios do coro aos dois pronunciamentos femininos
reforccedilam a paroacutedia ao estilo euripidiano em cujos agones eacute caracteriacutestico segundo Lloyd
(1992 p 17) um jogo de discursos opostos Assim apoacutes os discursos femininos Mnesiacuteloco
toma a palavra em favor de Euriacutepides fazendo-o tambeacutem por meio de uma longa rhesis que eacute
concluiacuteda em tom extremamente provocativo
οὐδὲν παθοῦσαι μεῖζον ἥ δεδράκαμεν (v 519)
quando nem sofremos mais do que merecemos
139 Mais uma vez Aristoacutefanes toca na questatildeo do ateiacutesmo de Euriacutepides (cf Nuvens e Ratildes) Romilly (1988 p
208-209) tambeacutem faz um comentaacuterio sobre essa reputaccedilatildeo de Euriacutepides de natildeo crer nos deuses e de semear
em sua obra a impiedade
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 122
Na medida em que Mnesiacuteloco refuta os logoi femininos a configuraccedilatildeo do agon
se estabelece pelo jogo das ἀντιλογίαι que eacute uma marca da habilidade poeacutetica de Euriacutepides
conforme constataccedilatildeo em Ratildes
Οι οἱ δrsquoἀκροώμενοι τῶν ἀντιλογιῶν καὶ λυγισμῶν καὶ στροφῶν
ὑπερεμάνησαν κἀνόμισαν σοφώτατον (vv 774-776)
Ea E eles [ladrotildees parricidas] assistindo agraves discussotildees agraves negaccedilas e agraves viradas
ficaram completamente loucos por ele [Euriacutepides] que entatildeo foi considerado o mais haacutebil
Eacute fundamental para a estrutura do agon em Euriacutepides diz Lloyd (1992 p 5) que
haja uma oposiccedilatildeo de dois discursos de extensatildeo consideraacutevel separados por dois ou trecircs
triacutemetros iacircmbicos vindos do coro Nessa cena do agon de Tesmoforiantes o discurso da
primeira mulher eacute tatildeo longo quanto o de Mnesiacuteloco e entre um e outro encontra-se o
comentaacuterio do coro (vv 520-530) que se manifesta indignado com as falas de Mnesiacuteloco
Como observa Lloyd (1992 p 20) o estilo e o propoacutesito dos agones euripidianos
soacute podem ser entendidos a partir de um conhecimento da retoacuterica140
na eacutepoca e sua influecircncia
sobre a obra de Euriacutepides Ao longo de seu estudo sobre os grandes sofistas Romilly (1988)
comenta os debates ditos antilogies mostrando que seu uso eacute uma constante na obra de
Euriacutepides Considerando que Euriacutepides e Aristoacutefanes foram contemporacircneos o proacuteprio
Aristoacutefanes parece fornecer evidecircncias para o desenvolvimento da retoacuterica141
sobretudo
quando se tem como modelo o modelo traacutegico
Todos os trecircs discursos se constituem de longa rhesis o que os aproxima dos
discursos agoniacutesticos da trageacutedia em que o pronunciamento dos litigantes eacute manifestado pela
extensatildeo da rhesis Devido a isso Gelzer (1960 p 174) atribui agrave cena de Tesmoforiantes a
presenccedila de um agon oratoacuterio ou discursivo142
o que nos leva a considerar que nesse
140 Sobre esse assunto cf Lloyd (1992 p 20-36) 141 Cf o artigo de Petruzzellis (1957 p 38-61) 142 Em alematildeo o termo empregado eacute Redenagon
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 123
momento da peccedila haacute muito mais semelhanccedila real natildeo apenas alusiva com o agon da
trageacutedia Certamente a intenccedilatildeo de Aristoacutefanes foi reproduzir empregando o recurso
paroacutedico a assembleacuteia dos aqueus em Teacutelefo (SILVA 1987 p 124) preenchida por longas
rhesis em que a dissensatildeo entre Mnesiacuteloco e as mulheres toca numa pauta tatildeo delicada
quanto a de Teacutelefo diante dos gregos E ainda na arguumliccedilatildeo das partes o poeta se apropria de
citaccedilotildees e referecircncias das peccedilas de Euriacutepides v 403 (Belerofonte fr 664 N2) v 413 (Fecircnix
fr 804 N2) v 430 (referecircncia aos venenos de Medeacuteia na trageacutedia de mesmo nome) v 519
(Teacutelefo fr 711N2)
Tendo emprestado o modelo de agon euripidiano Aristoacutefanes carrega a forccedila
discursiva dos argumentos evidenciando a funccedilatildeo poneros dos litigantes as Mulheres versus
o Parente Por meios linguumliacutesticos Mnesiacuteloco interioriza o heroacutei traacutegico Teacutelefo que eacute dotado
de habilidade retoacuterica (DUCHEMIN 1968 p 103) E por meios fiacutesicos ele exterioriza a
figura feminina e consequumlentemente a funccedilatildeo alazon da personagem
Ao explorar as potencialidades da paroacutedia a serviccedilo da circunstacircncia cecircnica
Aristoacutefanes cria por meio da alazoneiacutea uma tensatildeo dramaacutetica cujo desfecho natildeo tatildeo bem
sucedido para o Parente culmina em uma cena de insultos e pancadaria que levam a
personagem ao desespero Sendo ameaccedilado de ter o sexo depilado (vv 536-540) e correndo
risco de vida Mnesiacuteloco assim como Teacutelefo refugia-se no altar tendo nos braccedilos ao lugar de
um bebecirc esperado um odre que eacute executado por ele como num sacrifiacutecio
Pela mimese143
Aristoacutefanes consegue evocar ao espectador a sequumlecircncia de cenas
do que estaacute sendo parodiado a trageacutedia euripidiana Teacutelefo com a ordem das cenas em
Tesmoforiantes i) disfarce mendigomulher e penetraccedilatildeo de TeacutelefoParente entre os
gregostesmoforiantes respectivamente ii) confronto verbal seguido de confronto fiacutesico com
TeacutelefoParente natildeo reconhecidos ainda iii) descoberta do disfarce de TeacutelefoParente o
143 Entende-se mimese por uma imitaccedilatildeo ou representaccedilatildeo de uma pessoa por meios fiacutesicos e linguumliacutesticos
(PAVIS 2001 p 241)
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 124
sequumlestro Orestesodre Constata-se portanto que o modelo mimetizado eacute a razatildeo pela qual
nesse agon o conteuacutedo estaacute determinando a forma em favor de um enredo de intrigas que se
amplifica na cena seguinte (vv 531-573) cujo discurso eacute o mesmo dos discursos
epirremaacuteticos apreciados no agon
Na interpretaccedilatildeo de Gelzer (1960 p 154-155) a passagem dos vv 531-532 que
se inicia com a partiacutecula ἀλλὰ assume o lugar de um katakeleusmos embora natildeo conduza a
forma de um epirrema
ἀλλrsquo οὐ γάρ ἐστι τῶν ἀναισχύντων φύσει γυναικῶν
οὐδὲν κάκιον εἰς ἅπαντα ndash πλὴν ἄρrsquo εἰ γυνή τις
mas natildeo haacute nada pior do que mulheres descaradas por natureza
no que diz respeito a tudo exceto isto eacute se for mulheres
Do ponto de vista do conteuacutedo essa cena iacircmbica compotildee um apecircndice agrave
discussatildeo precedente e tecircm como assunto o prosseguimento das teses expostas Esse
acoplamento144
diz Gelzer (1960) pode ser explicado como reminiscecircncia do agon
epirremaacutetico em que Aristoacutefanes teria se apoiado para a construccedilatildeo da cena Diante dessas
evidecircncias poderiacuteamos avaliar que quanto ao conteuacutedo a cena iacircmbica (vv 531-573)
subsequumlente ao agon deva ser tambeacutem reconhecida ainda que incipiente como um
prolongamento desse agon que se caracteriza pelo jogo esticomiacutetico numa cena de combate145
entre o coro de tesmoforiantes e o Parente
Μι ἀλλrsquoἐκποκιῶ σου τὰς ποκάδας
Κη οὔτοι μὰ Δία σύ γrsquoἄψει
Μι καὶ μήν ἰδού
Κη καὶ μήν ἰδού (vv 567-568)
M 1 eu vou te arrancar os cabelos Mn Por Zeus vocecirc natildeo vai me tocar
M 1 Entatildeo toma
Mn Toma vocecirc tambeacutem
144 Esse recurso tambeacutem vai ocorrer em Paz 145 Semelhante ao que ocorre em Acarnenses
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 125
Trata-se do ponto de vista do conteuacutedo de um debate regular um duelo
discursivo em que a palavra eacute tomada sucessivamente por cada uma das partes e os pontos de
vista satildeo defendidos ateacute um esgotamento dos argumentos que terminam no jogo esticomiacutetico
Podemos portanto relacionar o agon traacutegico ao agon de Tesmoforiantes de
acordo com Duchemin (1968 p 39-41) que classifica de agon-logon (ἀγὼν λόγων) o
agon que tem a fisionomia de um conjunto de um debate oratoacuterio
Claro que manteremos na medida do possiacutevel os termos de nossa definiccedilatildeo
quanto ao conteuacutedo processo ou ao menos debate quanto agrave forma discurso duplo
seguido frequumlentemente de esticomitia146
Em Tesmoforiantes o agon que adveacutem da cena do paacuterodo natildeo ultrapassa a
simetria de duas partes envolvidas na contenda o grupo de mulheres versus Mnesiacuteloco O
final do paacuterodo se estende agrave cena iacircmbica subsequumlente mantendo a simetria discursiva dos
dois litigantes e o uso da esticomitia direciona o debate ao combate sem um juiz para
sentenciar mas com um interventor da accedilatildeo o coro que potildee fim agrave disputa παύσασθε
λοιδορούμεναι (v 571)
Esse agon (vv 381-530) que eacute desenhado por uma cena de debate seguida de uma
cena de combate (vv 531-573) cujo final disfoacuterico para o Parente proporcionaraacute uma seacuterie de
novas paroacutedias de Euriacutepides funciona como eixo da engrenagem dramaacutetica da primeira parte
para a segunda parte do programa narrativo Portanto ele estaacute no centro da accedilatildeo E como um
todo a accedilatildeo da primeira parte que termina na paraacutebase cria uma situaccedilatildeo em que estando o
Parente prisioneiro se configura pelo vieacutes paroacutedico ou paratraacutegico147
a base para os
146 Lecirc-se no original Nous maintiendrons certes autant que possible les termes de notre deacutefinition procegraves ou
tout moins deacutebat pour le fond doubleacute discours souvent suivi de stichomythie pour la forme 147 Segundo as palavras textuais de Thiercy (2007 p 170) ―Les Thesmophories sont une vaste parodie
dlsquoEuripide et de sa trageacutedie si bien que llsquoaction elle mecircme est paratragique E seguindo essa mesma linha
para Silk (1993 p 479 494) ―[hellip] all Aristophanic parody of tragedy then is paratragic but not all
Aristophanic paratragedy is parodic [hellip] The extensive use of Euripidean drama in Thesmophoriazusae ndash
Helen Andromeda et al ndash is largely nonparodic Natildeo vamos entrar no meacuterito da discussatildeo empregamos o
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 126
pequenos quadros cecircnicos da segunda parte as tentativas de fuga para salvar o Parente (vv
846-1159) cujo pano de fundo satildeo cenas das peccedilas Helena e Androcircmeda148
de Euriacutepides
Esse tipo de programa narrativo em que a accedilatildeo da segunda parte eacute constituiacuteda por
uma sequumlecircncia de quadros cecircnicos que se concatenam pelo fato de a presenccedila do heroacutei ser
irrestrita tanto na primeira parte da peccedila quanto na segunda tambeacutem ocorre com algumas
nuanccedilas em Paz
3 Paz149
a luta em missatildeo de paz (quasi-agon de reflexatildeo e acessoacuterio da accedilatildeo)
Entre os helenistas haacute um consenso apesar de certas restriccedilotildees a propoacutesito da
tecircnue presenccedila de agon em Paz Se essa comeacutedia natildeo possui no entanto um agon regular
segundo Mazon (1904 p 86) que suspeita de sua natureza ou um agon epirremaacutetico
inteiro150
como diz Gelzer (1960 p 166) ou se possui um quasi-meio-agon151
na
classificaccedilatildeo de Pickard-Cambridge (1966 p 221) resta-nos verificar o que aparece em seu
lugar e que razotildees eventualmente se deixam entrever nas cenas do proacutelogo paacuterodo e
paraacutebase152
O proacutelogo (vv 1-300) desenvolve-se em dois planos primeiro no plano terrestre
com a preparaccedilatildeo do escaravelho gigante para a partida e depois no plano celeste onde o
termo paroacutedia em seu sentido mais amplo possiacutevel inclusive de ―canto paralelo que ao ser deslocado seja
nas instacircncias textuais ou cecircnicas sofre uma deformaccedilatildeo 148 A propoacutesito da paroacutedia dessas peccedilas cf Silva (1987 p 123-124 133) 149 Certamente Aristoacutefanes ao conjurar a composiccedilatildeo de Paz (421 aC) buscou na trageacutedia de Euriacutepides
Belerofonte cujo texto nos chegou fragmentado o modelo para seu heroacutei cocircmico (SILVA 1987 p 156-
157) Assim como Belerofonte montado sobre Peacutegaso vai ateacute o Olimpo assim Trigeu sobre um escaravelho
gigante alccedila vocirco ateacute a morada dos deuses Laacute chegando depara-se com uma terriacutevel vicissitude os deuses
abandonaram o Olimpo exceto Hermes e agora quem governa eacute Polemos o deus da Guerra depois de ter
aprisionado Irene a Paz Eacute com essa alegoria que o poeta critica mais uma vez as mazelas da guerra numa
fabulaccedilatildeo em que o grande desafio para o heroacutei cocircmico eacute libertar a Paz para que ela impere entre homens e
deuses O desenvolvimento da accedilatildeo na comeacutedia comporta duas partes bem distintas sobre o mesmo tema A
primeira parte eacute constituiacuteda de dois grandes ―atos (THIERCY 2007 p 162) inicialmente em terra com a
preparaccedilatildeo para a viagem ao Olimpo em seguida na morada de Zeus com a libertaccedilatildeo da Paz A segunda
parte da comeacutedia vai decorrer num uacutenico ―ato e o cenaacuterio eacute o ambiente terrestre junto agrave casa do heroacutei Trigeu
que estaacute de regresso 150 Lecirc-se no texto alematildeo stuumlcke ohne ganze epirrhematische agone 151 O termo empregado eacute quasi-half-agocircn 152 A propoacutesito da anaacutelise do proacutelogo e paacuterodo de Paz cf Irigoin (1997 p 23-27) Quanto agrave parabase indicamos
o estudo de Duarte (2000 p 120-130)
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 127
vinhateiro Trigeu descobre que quem reina na morada de Zeus eacute Poacutelemos a Guerra
responsaacutevel pela prisatildeo de Irene a Paz Dos oliacutempicos apenas Hermes se encontra e eacute quem
recebe o aldeatildeo O projeto do heroacutei que em princiacutepio era interrogar os deuses sobre o destino
dos gregos em relaccedilatildeo agrave guerra ganha outras proporccedilotildees diante dessa conjuntura e se torna
uma missatildeo de resgate quase impossiacutevel O proacutelogo cumpre portanto sua funccedilatildeo expondo o
assunto que se refere ao sucesso ou fracasso de Trigeu nessa empresa Tudo depende de o
heroacutei vencer os obstaacuteculos entre eles o enfrentamento com o deus Hermes que comeccedila na
segunda metade do proacutelogo
Ερ ὧν οὕνεκrsquo οὐκ οἶδrsquo εἴ ποτrsquo Εἰρήνην ἔτι
τὸ λοιπὸν ὄψεσθrsquo (vv 221-222)
Her Eis o motivo de eu natildeo saber se vocecircs
ainda vatildeo tornar a ver novamente a Paz
e se estende em todo o paacuterodo ateacute a cena do agon
Trigeu apela entatildeo para a colaboraccedilatildeo de todos os gregos Com a entrada dos
helenos comeccedila o paacuterodo153
(vv 301-345) que se encerra num pnigos (vv 339-345)
Transcorrem a partir desse momento quatro154
cenas curtas na uacuteltima cena desse conjunto se
destaca a presenccedila diminuta de um agon epirremaacutetico
A primeira cena se configura numa ode em que o coro na estrofe demonstra toda
confianccedila em Trigeu (vv 346-360) o que leva ao protesto de Hermes (vv 361-384) num jogo
esticomiacutetico com Trigeu ficando em evidecircncia o quanto seraacute difiacutecil para o heroacutei a realizaccedilatildeo
de seu plano
153 Na opiniatildeo de Couat (1895 p 371) o paacuterodo bastaria por si soacute porque ele expotildee o assunto e pode-se dizer
que conteacutem tambeacutem a peccedila inteira De fato a primeira metade da peccedila jaacute se bastaria natildeo apenas porque o
heroacutei jaacute alcanccedilou seu objetivo a libertaccedilatildeo da Paz mas tambeacutem porque a partir da primeira paraacutebase que
marca o iniacutecio da segunda metade da comeacutedia a narrativa dramaacutetica se constroacutei ateacute o ecircxodo com pequenas cenas de celebraccedilatildeo
154 Mazon (1904 p 83-84) estabelece uma uacutenica cena (vv 346-600) Seguimos a classificaccedilatildeo de Pickard-
Cambridge (1966 p 221) que analisa esse trecho como uma seacuterie de cenas irregulares subdividindo-o em
quatro cenas curtas vv 346-430 vv 431-519 vv 520-600 e por fim vv 601-656
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 128
Ερ ἆρrsquo οἶσθα θάνατον ὅτι προεῖφrsquo ὁ Ζευς ὅς ἄν
ταύτην ἀνορύττων εὑρεθῆ (vv 271-272)
Her Por acaso vocecirc jaacute ouviu falar da morte que Zeus decretou para
quem tentasse tiraacute-la do aterro
Na antode o coro que numa segunda estrofe (vv 385-399) dirige ao deus uma
suacuteplica natildeo consegue comovecirc-lo de que eacute necessaacuterio libertar a Paz Quando todos os outros
argumentos falham para a libertaccedilatildeo da Paz Trigeu que eacute dotado de uma argumentaccedilatildeo agrave
altura de um heroacutei traacutegico (SILVA 1987 p 164) potildee em praacutetica sua poneria (McLEISH
1980 p 55-56) que vai marcar o jogo cecircnico de caraacuteter persuasivo entre ele e o deus
Ερ ἴθι δὴ κατειπrsquo ἴσως γὰρ ἅν πείσαις ἐμέ (v 405)
Her Vamos diga entatildeo talvez vocecirc consiga me persuadir
Trigeu tem a dimensatildeo exata de seu oponente Trata-se de um deus divindade
tambeacutem por excelecircncia poneros155
consequumlentemente o aldeatildeo vai elaborar sua fala com
argumentos que pertenccedilam ao universo divino Para ter ecircxito ele promete a Hermes todas as
honras natildeo soacute nas Grandes Panateneacuteias mas tambeacutem em outras festas incluindo os
sacrifiacutecios E fazendo jus a sua sagacidade oferece a Hermes uma taccedila dourada
Τρ [] πρῶτον δέ σοι
δῶρον δίδωμι τήνδrsquo ἴνα σπένδειν ἔχῃς (vv 423-424)
Ερ οἴμrsquo ὠς ἐλεήμων εἴμrsquo ἀεὶ τῶν χρυσίδων (v 425)
Tr [] Em primeiro lugar a ti
eu te ofereccedilo esta taccedila dourada para que tu faccedilas libaccedilotildees
Her Ai ai ai Logo eu que sempre fui sensiacutevel agraves taccedilas de ouro
De acordo com Pickard-Cambridge156
(1966 p 200) nessa cena (vv 346-430)
caberia a funccedilatildeo de uma cena de agon porque quanto agrave forma haacute uma estrofe e uma
155 Dentre os vaacuterios epiacutetetos atribuiacutedos a Hermes o lado laraacutepio do deus eacute acentuado na comeacutedia (vv 401-402)
sendo um fator determinante na funccedilatildeo poneros do deus 156 Pickard-Cambridge (1966 p 200) faz a seguinte anaacutelise ―In an earlier scene (346-430) there is more of the
agocircn as regards the matter where Trygaeus persuades Hermes not to tell Zeus of the plan for raising Peace
and as regards form this scene give us a strofe and antistrofe each succeded by what but for its being in the
iambic trimester metre would be repectively an epirrhema and antepirrhema of almost equal length and the
whole conclude by a sphragis in trochaic tetrameters
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 129
antiacutestrofe em triacutemetros iacircmbicos que se equivalem na extensatildeo a um epirrema e antepirrema
e quanto ao conteuacutedo haacute um discurso persuasivo de Trigeu para convencer Hermes Ao
contraacuterio na interpretaccedilatildeo de Gelzer157
(1960 p 169-170) trata-se de uma accedilatildeo que natildeo vai
aleacutem de insinuaccedilotildees para a existecircncia de um agon A natureza da fala de Trigeu (vv 406-424)
ao inveacutes de ser argumentativa ou controversa a ponto de caracterizar o conteuacutedo
epirremaacutetico eacute persuasiva Como o deus aceita o suborno elimina-se a chance de haver uma
contenda ou negociaccedilatildeo e consequumlentemente uma sentenccedila Eacute aqui que se desfaz quanto ao
conteuacutedo a ideacuteia de agon Entretanto compete agraves cenas seguintes a funccedilatildeo de um proagon jaacute
que preparam a accedilatildeo para o agon
Na segunda cena (vv 431-519) as duas tentativas de libertaccedilatildeo fracassam E
somente apoacutes a eliminaccedilatildeo dos sabotadores os camponeses aacuteticos conseguem arrancar a Paz
da caverna Na cena seguinte (vv 520-581) a deusa eacute saudada ao surgir o que leva o coro no
epodo (vv 582-600) a fazer-lhe uma exortaccedilatildeo que do ponto de vista da forma e do conteuacutedo
se acopla ao katakeleusmos que inicia a quarta cena (vv 601-656) A partir daqui levanta-se a
hipoacutetese da presenccedila de um agon epirremaacutetico em Paz Contudo devido agraves irregularidades
apresentadas nessa passagem tanto na forma quanto no conteuacutedo questiona-se sua natureza
quanto agrave forma falta a simetria entre as seccedilotildees do agon quanto ao conteuacutedo no lugar de uma
discussatildeo haacute um simples diaacutelogo (MAZON 1904 p 86) entre trecircs personagens Trigeu
Hermes e o coro que estaacute sendo considerado como uma personagem coletiva Pode-se
mesmo assim atribuir agrave comeacutedia Paz um agon ou na melhor das hipoacuteteses um quasi-agon
Para Mazon (1904 p 86) a cena de agon compreende os vv 601-705 Jaacute Pickard-Cambridge
(1966 p 221) estabelece o que ele classifica de quasi-half-agon um pequeno trecho entre os
vv 601-656 os quais tambeacutem fazem parte do corpus analisado por Gelzer (1960 p 170) que
considera esse excerto de meio-agon (halben epirrhematischen Agons)
157 Para Gelzer (1960 p 169-170) Trigeu que eacute o respresentante do coro (357-360) natildeo ataca Hermes mas
com pedidos se contrapotildee agraves opiniotildees dele (383-399) Diante disso Trigeu quer convencer Hermes que se
deixa convencer (405) Esta eacute a uacutenica insinuaccedilatildeo de um acordo
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 130
A composiccedilatildeo se apresenta na seguinte forma158
katakeleusmos (vv 601-602)
epirrema (vv 603-560)
pnigos (vv 651-656)
Como se pode observar estaacute ausente a ode que completaria o conjunto da
primeira parte de um agon Contudo a passagem que antecede o katakeleusmos e que finaliza
a cena anterior eacute uma estrofe (vv 582-600) que pode desempenhar a funccedilatildeo de uma ode o
tom eacute de saudaccedilatildeo (χαῖρε) e no final o coro passa a palavra ao deus
Xo τοῦθrsquo ἡμᾶς δίδαξον ὦ θεῶν εὐνούστατε (v 602)
Co Explica- nos isso oacute o mais bonzinho dos deuses
Por um fenocircmeno de acoplamento diz Gelzer (1960 p 151) esse final do epodo
tem a natureza de um katakeleusmos o que confere agrave estrofe um valor de ode Dessa maneira
completa-se a primeira parte do agon epirremaacutetico o que delega a ele quanto agrave forma a
natureza de um agon epirremaacutetico pela metade ou quasi-agon com a seguinte composiccedilatildeo
ode (vv 582-600)
katakeleusmos (vv 601-602)
epirrema (vv 603-650)
pnigos (vv 651-656)
No katakeleusmos Hermes eacute encorajado pelo coro a explicar por onde tem andado
a Paz O coro emprega o verbo διδάσκω cujos sentidos ―ensinar ―instruir ―esclarecer
sugerem natildeo soacute que o discurso (rhema) de Hermes tem a natureza de um relato retrospectivo
em que ele expotildee as origens da guerra mas tambeacutem o emprego desse verbo daacute margem agrave
158 De acordo com Sommerstein (1990 p 159) o excerto (vv 601-656) estaacute composto por tetracircmetros trocaicos
terminando a partir do v 651 num pnigos trocaico
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 131
interpretaccedilatildeo de a personagem Hermes ser porta-voz do poeta o que outorga ao agon um tom
parabaacutetico159
porque seu discurso tambeacutem se dirige ao auditoacuterio τἀμὰ δὴ ξυνίετε ῥήματrsquo
ndash ―prestem atenccedilatildeo agraves minhas palavras Esse chamamento feito por Hermes antes de iniciar
seu discurso proporciona uma intenccedilatildeo didaacutetica160
da parte do poeta com relaccedilatildeo a seu
puacuteblico O discurso proferido por Hermes embora natildeo encontre um outro discurso de
oposiccedilatildeo a ele traz algumas marcas de um conteuacutedo epirremaacutetico isto eacute explicativo [] a
primeira causa foi (πρῶτα v 605) [] depois (κᾆτrsquoἐπειδὴ v 619) [] pois bem
(κἀνθάδrsquo v 632) de tal modo que (ὥστrsquo v 646)
Na interpretaccedilatildeo de Navarre (1911 p 253) a natureza explicativa do conteuacutedo
epirremaacutetico que se concentra no discurso de Hermes caracteriza esse agon de Paz
juntamente com os agones de Lisiacutestrata Aves e Assembleacuteia de mulheres como uma
demonstraccedilatildeo unilateral (deacutemonstration unilateacuterale) ou seja quanto ao conteuacutedo trata-se de
um agon expositivo e quanto agrave forma as partes epirremaacuteticas estatildeo na fala de uma uacutenica
personagem no caso o heroacutei ou a heroiacutena da comeacutedia Jaacute Gelzer (1960 p 171) analisa que
somente em Aves e Lisiacutestrata ocorre de as partes epirremaacuteticas estarem juntas nas falas de
Pisetero e Lisiacutestrata respectivamente No caso de Paz para o discurso de Hermes Aristoacutefanes
natildeo utilizou a forma de um agon de exposiccedilatildeo (Darlegungsagones) porque natildeo foram
empregadas na fala do deus as partes simeacutetricas do epirrema pois natildeo haacute a simetria uma vez
que conforme exposto anteriormente trata-se de um agon epirremaacutetico pela metade
A razatildeo pela qual Aristoacutefanes escolheu a forma de um quasi-agon epirremaacutetico
deve-se certamente a seu conteuacutedo o diaacutelogo transcorre subsequumlente agrave accedilatildeo (GELZER
159 A ideacuteia de predificar de ―parabaacutetico o agon parte da seguinte reflexatildeo de Duarte (2000 p33) ―o corifeu
representando o coro introduz explicitamente a nova seccedilatildeo da comeacutedia reforccedilando com palavras o movimento
que os danccedilarinos realizam na orquestra em direccedilatildeo ao puacuteblico (πρὸς τὸν θέατρον) Tanta ecircnfase tem como
funccedilatildeo chamar a atenccedilatildeo dos espectadores e situaacute-los na peccedila 160
De acordo com Duarte (2000 p 72-73) haacute uma progressatildeo gradual das funccedilotildees do poeta cocircmico em relaccedilatildeo
aos cidadatildeos de instrutor do coro (διδάσκαλος) passando por poeta (ποιητής) depois a conselheiro
(ξύμβουλον) e por fim professor (διδάσκων)
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 132
1960 p 170) Hermes oferece uma explicaccedilatildeo coerente tal como costuma aparecer nos
epirremas Poreacutem uma vez que nenhuma reacuteplica eacute pronunciada Aristoacutefanes elimina a
segunda parte do agon
Tudo leva a crer que Aristoacutefanes preferiu do ponto de vista dramaacutetico (GELZER
1960 p 171) a cena de salvaccedilatildeo da Paz como centro da accedilatildeo agrave cena de discussatildeo porque de
fato a peccedila traz uma proposiccedilatildeo paciacutefica num momento soacutecio-poliacutetico pelo qual Atenas
passava naquele ano de 421 aC quando houve uma treacutegua e esse periacuteodo ficou conhecido
como Paz de Niacutecias Coincidecircncia ou natildeo a questatildeo da treacutegua jaacute se apresenta na abordagem
da peccedila conforme explicaccedilatildeo de Hermes a Trigeu a respeito de os deuses terem se mudado
Ερ ὁτιὴ πολεμεῖον ᾑρεῖσθrsquo ἐκείνων πολλάκις
σπονδὰς ποιούντων (vv 211-212)
Her Porque vocecircs escolheram fazer a guerra tendo eles dado a vocecircs
muitas ocasiotildees de fazerem treacuteguas
Nesse sentido a comeacutedia pode ser entendida como uma crocircnica da eacutepoca Sob
esse aspecto natildeo seria paradoxal a presenccedila de um agon seccedilatildeo que carrega o sentido de luta
disputa ou discussatildeo numa peccedila que eacute um tributo agrave paz
Hermes pronuncia trecircs rhemata e apoacutes cada um deles haacute um aparte espirituoso do
coro e um comentaacuterio de Trigeu No primeiro pronunciamento Hermes explica as origens da
guerra entre Atenas e Esparta versatildeo que aliaacutes difere daquela em Acarnenses (vv 509-539)
As duas versotildees concordam apenas na menccedilatildeo ao decreto de Megara que foi o estopim da
guerra referente a uma proposta de Peacutericles por questotildees pessoais que natildeo tiveram a ver com
o interesse puacuteblico Na versatildeo de Paz (vv 605-610) o estadista Peacutericles estaria envolvido
num escacircndalo de superfaturamento por causa da construccedilatildeo da estaacutetua de Atena por Fiacutedias o
que levou a Assembleacuteia a condenar o arquiteto ao exiacutelio Como natildeo haacute reacuteplica ao discurso de
Hermes natildeo haacute chance de o coro ter a funccedilatildeo de aacuterbitro ou mediador e sua presenccedila eacute
marcada por breves apartes seguidos dos comentaacuterios de Trigeu apoacutes cada fala do deus
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 133
No segundo pronunciamento Hermes faz alusatildeo (vv 619-622) agrave coligaccedilatildeo de
cidades gregas que temiam um aumento de tributos sob a hegemonia de Atenas E por fim o
deus critica a ganacircncia dos lacedemocircnios que lucravam com a guerra enquanto os
agricultores sofriam com ela (vv 623-627) Eacute sutil a ironia dos comentaacuterios de Trigeu e do
coro Ao falar de Fiacutedias pode-se entender que Trigeu ou sabia que o escultor tinha
responsabilidade na questatildeo da paz ou que se tratava de uma questatildeo de criador-criatura jaacute
que no texto eacute sugerido que a Paz eacute uma obra de Fiacutedias (SILVA 1984 p 20) Apoacutes a
apologia dos agricultores feita por Hermes jaacute era esperado que Trigeu e o coro que
pertencem agrave classe de camponeses protestassem ἐν δίκῃ μὲν οὖν (v 628) ἐν δίκῃ γε δτrsquo
(v 630) Em seguida apoacutes o terceiro pronunciamento de Hermes o aparte de Trigeu finaliza o
agon com uma invectiva pessoal a Cleatildeo demagogo atacado acirradamente em Cavaleiros na
personagem de Paflagocircnio
A temaacutetica desse agon toca entatildeo em assuntos de interesse puacuteblico ndash a origem da
guerra a hegemonia de Atenas os prejudicados e os beneficiados com a guerra ndash todos
mateacuterias pertinentes ao conteuacutedo da competecircncia da paraacutebase No exame de Gelzer (1960 p
153) o discurso de Hermes no epirrema eacute um acreacutescimo que do ponto de vista do conteuacutedo
estaacute adequado ao contexto poreacutem do ponto de vista dramaacutetico natildeo eacute necessaacuterio e nem exerce
qualquer influecircncia sobre o prosseguimento da accedilatildeo Essa interpretaccedilatildeo torna o agon uma
seccedilatildeo deslocada da accedilatildeo quando na verdade natildeo estaacute porque a hipoacutetese que se levanta nesta
anaacutelise eacute de ter ocorrido uma compensaccedilatildeo entre as seccedilotildees do texto isto eacute a ausecircncia de
epirrema na paraacutebase principal de Paz (DUARTE 2000 p 128) parece estar compensada no
agon Daiacute considerarmos a natureza desse agon como acessoacuterio da accedilatildeo com uma natureza
de um agon de reflexatildeo161
Com a Paz livre o plano do heroacutei estaacute consumado mas natildeo a
161 Denominamos assim com base na anaacutelise de MacDowell (1995 p 186) que interpreta a cena como um
momento de reflexatildeo
Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 134
peccedila que eacute uma comeacutedia fecunda em discursos endereccedilados aos espectadores como bem
observou Russo (1994 p 49)
Em Paz para dar um exemplo o protagonista oferece de fato uma linda donzela
aos espectadores sentados na proedria deve-se notar que Paz eacute uma peccedila rica em
discursos enderessados especialmente aos espectadores162
Trata-se portanto de um agon sui generis que se destaca da natureza dos agones
ateacute agora analisados daiacute sua classificaccedilatildeo de quasi-agon jaacute que natildeo tem em sua physis a
forma de um agon epirremaacutetico inteiro faltando a ele a simetria No que concerne ao
conteuacutedo sua physis estaacute longe de ser uma discussatildeo porque Aristoacutefanes optou por um agon
de cunho parabaacutetico e um paacuterodo agoniacutestico restando ao agon uma natureza incompleta um
quasi-agon de reflexatildeo
162 Lecirc-se no original In Peace to give just one example the protagonist actually consigns a lovely maiden-extra
to the spectators seated in the proedria it should be noted moreover that Peace is the comedy richest in
speeches addressed explicitly to the spectators
CAPIacuteTULO IV
O AGON DESCARACTERIZADO
PELA DISCUSSAtildeO UNILATERAL
EM
AVES LISIacuteSTRATA E
ASSEMBLEacuteIA DE MULHERES
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
Assembleacuteia das Mulheres
136
1 Aves163
a conversa levada no bico (agon de exposiccedilatildeo e ligado agrave accedilatildeo)
A comeacutedia Aves tem uma unidade de accedilatildeo coesa e uma progressatildeo dramaacutetica
constante164
em que o agon como uma seccedilatildeo da estrutura se localiza na ordem esperada
proacutelogo paacuterodo agon paraacutebase I e II cenas episoacutedicas e ecircxodo O proacutelogo (vv 1-208)
cumpre sua funccedilatildeo de expor o assunto da peccedila a fundaccedilatildeo de uma cidade nas nuvens E o
paacuterodo (vv 209-450) marca o iniacutecio dessa empreitada feeacuterica cuja realizaccedilatildeo depende do
ecircxito que o heroacutei cocircmico teraacute no agon
Na passagem do proacutelogo para o paacuterodo (vv 206-208) Pisetero pede que a
personagem Poupa chame e reuacutena as aves que aparecem aos poucos na orquestra e satildeo
apresentadas a ele e a Eveacutelpides Assim que todas estatildeo congregadas a Poupa lhes explica a
razatildeo da presenccedila dos estrangeiros As aves se sentem traiacutedas e divididas em dois grupos
decidem punir os invasores que na defensiva se armam de panelas e espetos (vv 354-363) A
Poupa interveacutem e com o apaziguamento das partes as aves concordam em ouvir Pisetero
Como os acarnenses contra Diceoacutepolis em Acarnenses e as vespas-heliastas contra
Bdelicleatildeo em Vespas o coro de aves representa um papel ativo com suas intenccedilotildees hostis
contra o heroacutei Essas comeacutedias tecircm portanto em comum paacuterodos de natureza agoniacutestica
No estudo dos paacuterodos das comeacutedias de Aristoacutefanes Zimmermann (1984 p 16)
analisa que apoacutes a bem sucedida intervenccedilatildeo da Poupa ocorre a transiccedilatildeo (vv 406-433) para
um acordo (vv 434-447) que precede o agon epirremaacutetico Esse movimento da accedilatildeo
163 Com a leveza do riso Aristoacutefanes critica pesadamente a conjuntura da eacutepoca na comeacutedia Aves (414 aC)
cujo texto prima em alegoria e fantasia O enredo se constroacutei agraves voltas do projeto de Pisetero que
acompanhado de seu companheiro Eveacutelpides pretende fundar uma cidade nas nuvens Cuconuvolacircndia por
causa da situaccedilatildeo caoacutetica pela qual Atenas passava O ecircxito dessa empresa esbarra entretanto nos legiacutetimos habitantes desse espaccedilo aeacutereo as aves O conflito eacute inevitaacutevel e o agon da comeacutedia eacute uma seccedilatildeo-chave na
fabulaccedilatildeo para que o plano do heroacutei Pisetero tenha sucesso 164 O desenvolvimento progressivo natildeo eacute interrompido nem mesmo pela paraacutebase (THIERCY 2007 p 164)
Para uma anaacutelise mais detalhada cf Duarte (2000 p 153-166)
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
Assembleacuteia das Mulheres
137
conflitante no paacuterodo culmina no agon epirremaacutetico o que traz algumas divergecircncias entre os
estudiosos com relaccedilatildeo ao nuacutemero de agones em Aves
Gelzer (1960 p xiii) atribui a essa comeacutedia dois agones que satildeo denominados por
ele agones apoacutes o paacuterodo sendo o segundo o principal Jaacute Mazon (1904) Pickard-Cambridge
(1966) Sommerstein (1991) e Moumlllendorff (2002) fixam um uacutenico agon que corresponde ao
agon principal no exame de Gelzer E todos estatildeo acordados que esse agon principal comeccedila
no v 451
Neste estudo tentaremos demonstrar que a accedilatildeo agressiva do coro no paacuterodo que
na classificaccedilatildeo de Gelzer (1960 p 42) corresponde ao agon I funciona como um proagon
isto eacute uma cena preparatoacuteria para o agon Essa cena eacute um prolongamento da accedilatildeo do paacuterodo e
marca a transiccedilatildeo da accedilatildeo hostil das aves para um apaziguamento proporcionando uma
chance para Pisetero expor seus argumentos que por sua vez estaratildeo presentes no agon
epirremaacutetico cuja natureza eacute descaracterizada pela unilateralidade
No proagon o conteuacutedo eacute peculiar porque ambas as partes litigantes a dos
homens e a dos paacutessaros natildeo dialogam um com o outro mas falam de modo alternado numa
accedilatildeo que se configura numa cena de combate Sua forma contempla todavia a maioria das
seccedilotildees de um agon epirremaacutetico que estatildeo assim dispostas
ode (vv 327-335) antode (vv 343-351)
katakeleusmos (vv 336-338) antikatakeleusmos (vv 352-353)
epirrema (vv 338-342) antepirrema (vv 354-385)
pnigos natildeo haacute antipnigos (vv 386-399)
Na ode coro manifesta um canto hostil agrave personagem Poupa que eacute acusado de
traiccedilatildeo
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
Assembleacuteia das Mulheres
138
Χο ἔα ἔα
προδεδόμεθrsquo ἀνόσιά τrsquo ἐπάθομεν (vv 329-330)
Co Ui Ui
Fomos traiacutedos de impiedade viacutetimas165
O canto do coro jaacute eacute de entusiasmo o que torna o conteuacutedo do katakeleusmos que
eacute ameaccedilador um apecircndice da ode (GELZER 1960 p 43) A accedilatildeo se direciona para um
confronto fiacutesico
Χο ἀλλὰ πρὸς τοῦτον μὲν ἡμῖν ἐστιν ὕστερος λόγος
τὼ δὲ πρεσβύτα δοκεῖ μοι τώδε δοῦναι τὴν δίκην
διαφορηθναί θrsquo ὑφrsquoἡμῶν (vv 336-338)
Co Bem com ele [Poupa] acertaremos mais tarde
Na minha opiniatildeo devemos punir E estraccedilalhar os dois velhos [Pisetero e Eveacutelpide]
A aporia de Pisetero e Eveacutelpide eacute evidenciada no epirrema que distribuiacutedo num
curto diaacutelogo entre eles eacute interrompido pela antode que manteacutem o tom hostil da ode
Χο ἰὼ ἰώ
ἔπαγrsquoἐπιθrsquoἐπίφερε πολέμιον (v 344)
Co Ioacute Ioacute Vem Avanccedila assalta ataca o inimigo
O antikatakeleusmos tem em relaccedilatildeo agrave antode a mesma funccedilatildeo que o
katakeleusmos teve com a ode Pisetero e Eveacutelpides voltam a confabular no antepirrema ateacute
que recomeccedila a ameaccedila de ataque das aves sob as ordens do corifeu para avanccedilar e apontar o
bico (χώρει κάθες τὸ ῥύγχος v 364) Entatildeo como mediadora da situaccedilatildeo a Poupa se
interpotildee conseguindo que o coro aceite fazer uma treacutegua
Χο ἔστι μὲν λόγων ἀκοῦσαι πρῶτον ὡς ἡμῖν δοκεῖ
χρήσιμον μάθοι γὰρ ἄν τις κἀπὸ τῶν ἐχθρῶν σοφόν (vv 381-382)
Co Eacute talvez seja uacutetil ouvir primeiro os discursos Pode-se aprender algo saacutebio ateacute com os inimigos
165 Todas as passagens traduzidas satildeo de Adriane da Silva Duarte
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
Assembleacuteia das Mulheres
139
Depois de a Poupa ter se interposto as duas partes recomeccedilam de modo confuso
um breve diaacutelogo (vv 383-385) O antipnigos (vv 386-399) volta a pertencer inteiramente aos
homens Para Gelzer (1960 p 43) Aristoacutefanes emprega o antipnigos como conclusatildeo da
forma embora nele natildeo ocorra a aceleraccedilatildeo da fala Trata-se ao contraacuterio muito mais de um
apaziguamento do diaacutelogo ocorrido no antepirrema Assim Aristoacutefanes organiza agora a accedilatildeo
de tal maneira que a forma com antepirrema e antipnigos eacute conduzida pacificamente ateacute o
fim E no antipnigos com o furor do coro aplacado instaura-se uma treacutegua entre as aves e os
dois intrusos
Como a siziacutegia epirremaacutetica eacute comum ao paacuterodo e ao agon entendemos que estaacute
havendo um prolongamento do paacuterodo porque a ode realizada pela personagem Poupa se
manteacutem ligada pelo conteuacutedo ao diaacutelogo precedente ocorrido no paacuterodo166
entre Poupa
Pisetero e Eveacutelpide Conforme Pickard-Cambridge (1966 p 222-223) na segunda parte do
paacuterodo haacute uma cena de batalha que para Mazon (1904 p 109) natildeo pertence ao paacuterodo mas
se trata de uma cena independente que se configura num agon no sentido beacutelico da palavra
embora Mazon natildeo a classifique como o primeiro agon Para esse autor dos vv 326-434
encontra-se a cena de batalha (scegravene de bataille) seguida de uma cena que ele denominou de
introduction drsquoagon (vv 435-450)
Essa mesma foacutermula em que o comeccedilo do agon se funde agrave accedilatildeo ofensiva do final
do paacuterodo eacute observada tambeacutem em Acarnenses e Vespas Natildeo haacute portanto transiccedilatildeo
(GELZER 1960 p 39) desse final de paacuterodo para o que Gelzer considera como primeiro
agon da peccedila que entendemos funcionar como um proagon que se estende ateacute o v 450 e cuja
funccedilatildeo eacute preparar a cena do agon em que o plano do heroacutei seraacute exposto
166 Mazon (1904) e Pickard-Cambridge (1966) dividem o paacuterodo de Aves em duas partes mas sem
correspondecircncia de versos entre esses autores Para Pickard-Cambridge (1966 p 222-223) a primeira parte
compreende os vv 209-266 e a segunda os vv 267-351 Jaacute Mazon (1904 p 99-100) distribui o paacuterodo
primeiramente entre os vv 267-293 em que o coro natildeo entra em conjunto mas isoladamente e depois entre
os vv 294-326 em que o restante do coro penetra coletivamente na orquestra
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
Assembleacuteia das Mulheres
140
Com a treacutegua criam-se condiccedilotildees para que Pisetero possa apresentar seu plano Eacute
por isso que natildeo se trata ainda de um agon porque no niacutevel da accedilatildeo haacute uma preparaccedilatildeo
para a negociaccedilatildeo que vai ocorrer no agon em que o heroacutei faraacute a exposiccedilatildeo de seu plano criar
uma cidade nas nuvens junto aos paacutessaros
A Poupa de natureza hiacutebrida homempaacutessaro adianta o assunto sobre o qual
Pisetero quer falar (vv 412-415) e sua fundamentaccedilatildeo (vv 422-426) avocando o papel de
mediador entre coro e heroacutei Com isso haacute uma adesatildeo das aves que concordam em ouvir
Pisetero (vv 432-433) que por sua vez exige uma garantia de sua seguranccedila (vv 439-442) O
coro estaacute de acordo e presta juramento
Χο ὄμνυμrsquo ἐπὶ τούτοις πᾶσι νικᾶν τοῖς κριταῖς
kαὶ τοῖς θεαταῖς πᾶσιν (v 445)
Co Juro sob estas condiccedilotildees vencer com todos os jurados
e com os espectadores todos
Esse juramento soa com um tom parabaacutetico porque sugere uma quebra da ilusatildeo
cecircnica em que o coro assume o papel de uma personagem (SOMMERSTEIN 1987 p 225
SILVA 1989 p 90) da intriga e avoca para si a funccedilatildeo de antagonista do heroacutei Nesse agon
participam quatro personagens Pisetero Eveacutelpide Poupa e o Coro Natildeo haacute um juiz nem
mediador porque natildeo se trata de saber quem tem razatildeo mas de um jogo persuasivo de
convencimento e seduccedilatildeo conforme o que o corifeu deixa evidente ao empregar o verbo
ἀναπείθω
ἀλλrsquo ἐφrsquo ὅτῳπερ πράγματα τὴν σὴν ἤκεις γνώμην ἀναπείσας
λέγε θαρρήσας ὡς τὰς σπονδὰς οὐ μὴ πρότεροι παραβῶμεν(vv 460-461)
O motivo seja qual for que trouxe vocecirc aqui para nos convencer
Fale confiante A treacutegua natildeo seremos os primeiros a romper
Nada de muito difiacutecil ao heroacutei que segundo a Poupa eacute dotado de uma habilidade
ardilosa comparaacutevel a uma fera espertiacutessima (πυκνότατον κίναδος vv 429-430) Pisetero
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
Assembleacuteia das Mulheres
141
eacute por primazia poneros e em sua poneria encontram-se sapiecircncia (σόφισμα) maledicecircncia
(κύρμα) experiecircncia (τρῖμμα) e muita inteligecircncia (παιπάλημrsquo ὅλον) atributos que o
coro natildeo ignora em se tratando de um humano
δολερὸν μὲν ἀεὶ κατὰ πάντα δὴ τρόπον
πεφυκεν ἄνθρωπος σὺ δrsquoὅμως λέγε μοι (vv 451-452)
Traiccediloeiro em todas as coisas
eacute por natureza o homem Mas apesar disso fala
Essas palavras do coro que abrem o agon proporcionam um tom solene quase de
trageacutedia167
agrave ode e tambeacutem ao discurso de Pisetero que com a devida competecircncia
discursiva enfrentaraacute o coro e a Poupa para defender seu projeto expondo-o com
circunspeccedilatildeo num agon cuja forma eacute de um agon epirremaacutetico completo168
e estaacute assim
configurado
ode (vv 451-459) antode (vv 539-547)
katakeleusmos (vv 460-461) antikatakeleusmos (vv 548-549)
epirrema (vv 462-522) antepirrema (vv 550-610)
pnigos (vv 523-538) antipnigos (vv 611-626)
sphragis (vv 627-638)
167 Nessa passagem de Aves o coro exalta o poder da natureza humana o que nos sugere a alusatildeo ao primeiro
estaacutesimo de Antiacutegona de Soacutefocles
πολλὰ τὰ δεινὰ κοὐδὲν ἀν-
θρώπου δεινότερον πέλει (νν 332-333)
haacute muitas coisas temiacuteveis mas nada
mais temiacutevel do que o homem
A aproximaccedilatildeo dessas odes estaacute no campo semacircntico dos vocaacutebulos δολεπὸρ (peacuterfido enganador) e δεινόρ
(que inspira temor) Ambas as odes satildeo um canto agrave grandeza humana que em Aves tem um sentido negativo
e em Antiacutegona devido agrave ambiguumlidade de sentido pode ser interpretada como o que inspira temor eacute algo
traiccediloeiro E o elemento comum em ambas eacute a figura humana A propoacutesito de um estudo aprofundado sobre
essa passagem de Antiacutegona cf Riol (1969) 168 Na tabela de Gelzer (1960 p xiii) esse agon compreende os vv 451-626 com todas as partes simeacutetricas
exceto a sphragis distribuiacutedo da seguinte maneira estrofe (vv 451-459) katakeleusmos (vv 460-461)
epirrema (vv 462-538) antiacutestrofe (vv 539-547) antikatakeleusmos (vv 548-549) antepirrema (vv 560-
626) No entanto Pickard-Cambridge (1966 p 223) Mazon (1904 p 109) e Moumlllendorff (2002 p 105) estendem esse agon ateacute o v 638 Pickard-Cambridge natildeo marca o pnigos e o antipnigos mas a sphragis entre
os vv 627-638 Jaacute Mazon e Moumlllendorff elencam as partes do agon como Gelzer inclusive concebem a
sphragis como Pickard-Cambridge Jaacute Sommerstein (1987 p 226) delimita esse agon entre os vv 451-635
Nesta anaacutelise adotamos a configuraccedilatildeo segundo Mazon e Moumlllendorff
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
Assembleacuteia das Mulheres
142
Apresentando todas as partes da siziacutegia epirremaacutetica esse agon eacute perfeito na sua
forma mas totalmente descaracterizado em seu conteuacutedo Ao tomar a palavra Pisetero pede
uma coroa e aacutegua para lavar as matildeos (vv 463-464) gestos que se referem agrave figura dos
oradores na assembleacuteia Assim como a Primeira Mulher em Tesmoforiantes veste uma coroa
antes de seu pronunciamento agrave assembleacuteia de mulheres assim Pisetero tambeacutem coroado se
dirige agrave comunidade ornitoloacutegica reunida Natildeo haveraacute discussatildeo apenas discurso Trata-se de
um conteuacutedo unilateral em que as partes epirremaacuteticas pertencem inteiramente agraves falas do
heroacutei que no epirrema busca nas faacutebulas de Esopo (v 471 ss v 651 ss) provas de que no
princiacutepio antes mesmo da primeira geraccedilatildeo dos deuses exposta na Teogonia de Hesiacuteodo (v
609) as aves reinavam soberanas O discurso de Pisetero se alicerccedila em exemplos como o
galo da Peacutersia estabelecendo que a soberania delas foi usurpada pelos deuses oliacutempicos
Tambeacutem no antepirrema Pisetero manteacutem seu raciociacutenio descrevendo passo a
passo a decadecircncia das aves de sua posiccedilatildeo suprema agrave condiccedilatildeo de serem servidas nos
espetinhos assados ao molho Em seguida ele expotildee como elas podem reconquistar essa
soberania a ponto de deuses e homens se curvarem ao poder delas A proposta da construccedilatildeo
de uma cidade nas nuvens eacute estrateacutegica porque interceptaraacute as comunicaccedilotildees entre deuses e
homens Enquanto esses passaratildeo a oferecer sacrifiacutecios agraves aves aqueles privados dos odores
das libaccedilotildees e pressionados pela fome vatildeo se curvar a elas
Coro e Poupa colocam algumas objeccedilotildees questionando o lado divino das aves
Entretanto Pisetero sempre tem uma resposta pronta a essas contestaccedilotildees que ao inveacutes de
romper com a exposiccedilatildeo do plano do heroacutei contribuem para o desdobramento de suas
ideacuteias169
Com o poder as aves poderatildeo punir os desobedientes e para os que submeterem agrave
nova ordem encontraratildeo benesses e recompensas graccedilas agrave ornitomancia (vv 588-595) No
169 Esse procedimento da accedilatildeo tambeacutem ocorre em Assembleacuteia de mulheres cf infra
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
Assembleacuteia das Mulheres
143
pnigos e antipnigos o tema eacute um prolongamento do que foi dito na parte epirremaacutetica perda
e recuperaccedilatildeo de supremacia sobre homens e deuses respectivamente Como natildeo haacute
julgamento nem discussatildeo polarizada descarta-se a presenccedila de um aacuterbitro
consequumlentemente a sphragis cuja funccedilatildeo eacute dar a sentenccedila se apresenta de uma forma um
tanto peculiar o corifeu afirma a Pisetero que as aves estatildeo convencidas e estatildeo dispostas a
colaborar com plano do heroacutei O coro entatildeo pronuncia-se num canto de triunfo O corifeu
volta a se dirigir a Pisetero numa espeacutecie de katakeleusmos (MAZON 1904 p 103)
Embora na sua forma natildeo reste duacutevida de que se trata de um agon epirremaacutetico
quanto ao conteuacutedo fica descaracterizado o jogo do argumentocontra-argumento Pisetero
natildeo defende seu ponto de vista mas o expotildee num jogo de persuasatildeo que aliaacutes condiz agrave
etimologia de seu nome170
―aquele que persuade os companheiros Trata-se de um traccedilo que
caracteriza a personagem como poneros cuja poneria estaacute a serviccedilo de um discurso eficiente
e seacuterio ao contraacuterio das falas de Eveacutelpides que como co-orador (GELZER 1960 p 125)
apoacuteia o pronunciamento do companheiro lanccedilando volta e meia glosas ingecircnuas que trazem
como exemplo uma situaccedilatildeo vivida para tornar verdadeiro o que foi dito antes (vv 493-498
501-503) ou com comentaacuterios com duplo sentido das palavras conforme as passagens i) vv
506-507 em que os vocaacutebulos κριθάς e πεδίοις tanto podem se referir ao contexto agriacutecola
como ao sexo o primeiro com o sentido de ―gratildeo de cevada refere-se ao oacutergatildeo sexual
masculino enquanto que o segundo ―campo ao oacutergatildeo sexual feminino junta-se a esses dois
vocaacutebulos o nome da ave cuco e tambeacutem a palavra ψωλοί que tanto se refere aos circuncisos
quanto agrave excitaccedilatildeo sexual ii) no emprego da palavra κεφαλή (v 476) que pode ser tanto o
substantivo comum cabeccedila quanto o nome proacuteprio de um demos de Atenas ou com apartes
170 A propoacutesito da ortografia do nome do heroacutei Pistetero ou Pisetero Thiercy (1997 p 1161) discute a
problemaacutetica que existe em torno da significaccedilatildeo desses nomes Estamos nesta anaacutelise adotando o nome
Pisetero porque conforme a concepccedilatildeo que se tem da construccedilatildeo da personagem trata-se de algueacutem
astucioso e mestre em sofiacutestica De acordo com Whitman (1964 p 174 ss) a poneria presente em Pisetero eacute
um legado da sofiacutestica de Goacutergias
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
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zombeteiros em tom de ironia conforme se observa em (v 480) a rivalidade entre Zeus e o
pica-pau (δρυκολάπτης) (vv 486-487) o turbante da realeza persa κυρβασία tomado
como a crina do galo λόφος iii) (vv 511-513) alusatildeo aos proventos iliacutecitos iv) (v 521)
invectiva pessoal v) mofas com as divindades Zeus (vv 570 610) (v 581) Demeter e Apolo
(v 585) O tom jocoso dos apartes de Eveacutelpide faz com que ele assuma a funccedilatildeo de
bomolochos acrescentando um tempero cocircmico agrave cena Essas glosas ingecircnuas natildeo satildeo motivo
de refutaccedilatildeo por parte de Pisetero da Poupa e do Coro o que permite agrave accedilatildeo de seguir seu
curso apoacutes o agon expositivo e persuasivo
O conteuacutedo expositivo das partes epirremaacuteticas do agon que diz respeito agrave
ornitogonia se relaciona agrave paraacutebase I seccedilatildeo subsequumlente em que haacute um paralelismo entre a
exposiccedilatildeo do corifeu cujo assunto trata da cosmogonia ornito-oacuterfica Esse assunto eacute abordado
no estudo de Duarte (2000 p 156-162) que demonstra que nos anapestos da paraacutebase I (vv
685-722) Pisetero faz do direito de antiguumlidade a defesa de sua tese
A paraacutebase retoma portanto as ilustraccedilotildees da tese do heroacutei no agon cujo
principal argumento era elevar o status das aves ao status dos seres primordiais dos mitos
teogocircnicos Agon e paraacutebase se ligam pelo conteuacutedo funcionando como um eixo temaacutetico
central da narrativa dramaacutetica entre a primeira e a segunda parte da peccedila que traz cenas que
satildeo uma consequumlecircncia da realizaccedilatildeo do plano do heroacutei com a fundaccedilatildeo de Cuconuvolacircndia
A poneria do heroacutei vai marcar toda a segunda parte da comeacutedia em que o heroacutei
salvaguardando sua polis aeacuterea enfrenta os visitantes inoportunos que vecircm agraves portas da
cidade i) o poeta maltrapilho que a todo custo tenta sobreviver de sua arte (vv 903-954) ii)
o inteacuterprete de oraacuteculos que eacute um charlatatildeo (vv 959-990) iii) o geocircmetra Meacuteton que propotildee
um plano urbaniacutestico (vv 991-1019) iv) um inspetor e um comerciante de decretos carregado
de urnas e leis respectivamente (vv 1020-1057) v) o parricida (vv 1342-1471) vi) o poeta
Ceneacutesias (vv 1372-1410) e finalmente o sicofanta (vv 1411-1465)
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
Assembleacuteia das Mulheres
145
Para ter ecircxito absoluto em seu plano Pisetero precisaraacute sanar a questatildeo com os
deuses oliacutempicos
Πο περσβεύοντες ἡμεῖς ἥκομεν
παρὰ τῶν θεῶν περι πολέμου καταλλαγς (vv 1587-1588)
Poseidon Como embaixadores noacutes viemos
da parte dos deuses para negociar o fim da guerra
Nessa cena (vv 1583 ss) Aristoacutefanes poderia ter composto um agon jaacute que se
trata de um acordo Mas o poeta natildeo o fez porque se o fizesse quebraria a sequumlecircncia das
seccedilotildees da estrutura do texto pela qual pareceu zelar A esse respeito Gelzer (1996 p 207-
208) em seu artigo sobre alguns aspectos da arte dramaacutetica em Aves defende que o
espectador tinha conhecimento da sequumlecircncia da estrutura da comeacutedia Aproveitando-se disso
Aristoacutefanes joga com as expectativas do puacuteblico Primeiramente com um paacuterodo em que o
coro ainda ausente na orquestra se faz ouvir para num segundo momento fazer sua entrada
que natildeo se daacute coletivamente mas aos poucos depois no primeiro agon epirremaacutetico (vv
327-399) que nesta anaacutelise estaacute sendo considerado proagon cria uma atmosfera mais para o
combate do que para o debate em seguida no agon propriamente (vv 451-626) ao inveacutes de
uma discussatildeo polarizada ocorre uma exposiccedilatildeo unilateral feita pelo heroacutei E por fim na
paraacutebase (vv 676-800) em que se espera a ruptura da accedilatildeo para que o coro se pronuncie em
nome do poeta essa ruptura natildeo ocorre e o coro se manifesta em seu proacuteprio nome tornando
a paraacutebase uma seccedilatildeo em harmonia com a accedilatildeo
Proacutelogo paacuterodo agon e paraacutebases demonstram que a accedilatildeo linear se estende agraves
cenas episoacutedicas seguintes que ilustrando o surgimento de uma nova ordem inclusive para os
deuses satildeo a consequumlecircncia de que no agon o heroacutei foi ao defender seu projeto bem sucedido
Em suma no plano da accedilatildeo jaacute no proacutelogo Pisetero esclarece qual eacute seu plano e o
paacuterado bem como a cena seguinte que entendemos como proagon oferece um
prosseguimento da accedilatildeo Mas o coro natildeo estaacute ciente ainda da empresa do heroacutei apenas o vecirc
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
Assembleacuteia das Mulheres
146
como um intruso no mundo das aves e natildeo estaacute aberto ao diaacutelogo Entatildeo a Poupa se coloca
entre as partes e estabelece uma treacutegua ao heroacutei que tendo a garantia de seguranccedila apresenta
seu plano expondo-o no agon conseguindo reverter a situaccedilatildeo e de inimigas as aves passam a
aliadas Portanto na sequumlecircncia da accedilatildeo o que chamamos de proagon que para Gelzer (1996)
eacute o primeiro agon estabelece a treacutegua E o agon epirremaacutetico propriamente estabelece o
conflito que estaacute descaracterizado pela unilateralidade do discurso que tambeacutem ocorre com
algumas variantes nos agones de Lisiacutestrata e Assembleacuteia de mulheres
2 Lisiacutestrata171
o confronto entre coros (agon de exposiccedilatildeo inserido num complexo
agoniacutestico)
A composiccedilatildeo da comeacutedia Lisiacutestrata se divide em duas partes bem marcadas
estabelecidas entre o antes e o depois de a heroiacutena pocircr em praacutetica seu plano pacifista A accedilatildeo eacute
contiacutenua (MAZON 1904 p 124) e natildeo paacutera na paraacutebase mas se prolonga em cenas que
compondo a segunda metade da peccedila ilustram a operaccedilatildeo estrateacutegica do plano da heroiacutena a
greve de sexo das mulheres e a ocupaccedilatildeo da acroacutepole
No proacutelogo (vv 1-253) com a exposiccedilatildeo do assunto a respeito do complocirc das
mulheres contra a permanecircncia dos homens na guerra a accedilatildeo jaacute se configura natildeo pela forma
mas pelo conteuacutedo num agon O mentor dessa conspiraccedilatildeo eacute a ateniense Lisiacutestrata que
precisando do apoio das mulheres gregas expotildee a elas o plano de boicote Isso gera uma
discussatildeo entre a heroiacutena e as mulheres que no final acabam se convencendo e jurando
adesatildeo ao projeto
171 Lisiacutestrata (411 aC) eacute segundo as comeacutedias conservadas natildeo apenas tiacutetulo da peccedila mas tambeacutem o nome da
primeira personagem feminina na funccedilatildeo de heroacutei cocircmico ou melhor de heroiacutena cujo plano eacute tomar frente
agraves decisotildees poliacuteticas do Estado para pocircr fim a um assunto essencialmente masculino a guerra A estrateacutegia
empregada resume-se na mais poderosa arma feminina contra os homens o sexo
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
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Λυ εἰ γὰρ καθῄμεθrsquo ἔνδον ἐντετριμμέναι
κἀν τοῖς χιτωνίοισι τοῖς ἀμοργίνοις
γυμναὶ παρίοιμεν δέλτα παρατετιλμέναι
στύοιντο δrsquo ἄνδρες κἀπιθυμοῖεν σπλεκοῦν
ἡμεῖς δὲ μὴ προσίοιμεν αλλrsquo ἀπεχοίμεθα
σπονδάς ποιήσαιντrsquo ἅν ταχέως εὖ οἶδrsquo ὅτι (vv 149-154)
Lis Se ficaacutessemos dentro de casa maquiladas
e sob as tunicazinhas de Amorgos
nuas desfilaacutessemos o puacutebis depilado os maridos cheios de tesatildeo desejariam fazer sexo
mas se natildeo nos aproximaacutessemos se nos recusaacutessemos
negociariam a treacutegua rapidinho sei bem disso172
A situaccedilatildeo enfrentada por Lisiacutestrata eacute muito proacutexima da posiccedilatildeo de Pisetero em
Aves que precisou expor aos paacutessaros seu plano para que persuadindo-os pudesse tornaacute-lo
exequumliacutevel Assim Lisiacutestrata argumentando exibe sua empresa de maneira a convencer as
mulheres gregas agrave adesatildeo incondicional atraveacutes de um juramento (vv 209-240) Desde o
proacutelogo a accedilatildeo implica numa discussatildeo de cunho persuasivo que se acentua como veremos
mais adiante no compasso das seccedilotildees seguintes da estrutura da comeacutedia Apoacutes o juramento jaacute
no final do proacutelogo Lampito pergunta τίς Ὠλολυγά ―Por que este alvoroccedilo (v 240)
Segundo Sommerstein (1990 p 166-167) o vocaacutebulo ololuga significa um grito de triunfo
de vitoacuteria que eacute um sinal para Lisiacutestrata do sucesso da invasatildeo da acroacutepole pelas mulheres
Esse conflito eacute num primeiro momento ouvido e passa a ser visto isto eacute ganha proporccedilotildees
mimeacuteticas na seccedilatildeo seguinte no paacuterodo Trata-se da accedilatildeo de um lado do coro que estaacute
dividido no caso o semicoro de velhas que se confronta com o outro lado o semicoro de
velhos
De acordo com a anaacutelise de Zimmermann (1984 p 17-18) no paacuterodo (vv 254-
349) de Lisiacutestrata o conteuacutedo determina a forma que se dispotildee numa composiccedilatildeo
epirremaacutetica173
No katakeleusmos (vv 254-245) o corifeu daacute a palavra de ordem para que os
172 Todas as passagens traduzidas satildeo de Adriane da Silva Duarte 173 Seguimos a distribuiccedilatildeo das seccedilotildees do paacuterodo (vv 254-349) segundo Pickard-Cambridge (1966 p 224-225)
que o divide da seguinte maneira a primeira parte cuja estrutura se assenta na siziacutegia epirremaacutetica pertence
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
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coreutas avancem na orquestra Em seguida na ode (vv 256-265) o coro apresenta uma
queixa a respeito das incertezas da vida e especialmente da subordinaccedilatildeo das mulheres
assunto que se estende no epirrema (vv 266-270) Na antode (vv 271-280) satildeo lembrados os
dias de gloacuteria de uma saudosa juventude e no antepirrema (vv 281-285) a queixa se volta
para a ocupaccedilatildeo da acroacutepole pelas mulheres Na sequumlecircncia essa forma epirremaacutetica se repete
com a seguinte configuraccedilatildeo ode (vv 286-295) antode (vv 296-305) quasi-katakeleusmos
(v 306) epirrema (vv 307-312) e antepirrema (vv 313-318) O conteuacutedo dessa parte implica
na accedilatildeo do semicoro masculino que empunhando tochas estaacute decidido a incendiar a cidadela
ἀλλrsquoὡς τάχιστα ρπός πόλιν σπευσωμεν ὦ φιλοῦγε
ὅπως ἃν αὐταῖς ἐν κύκλῳ θέντες τὰ πρέμνα ταυτί
ὁσαι τὸ πρᾶγμα τοῦτrsquoἐνεστήσαντο καὶ μετλθον
μίαν πυρὰν νήσαντες ἐμπρήσωμεν αὐτόχειρες (vv 266-269)
Vamos raacutepido apressemo-nos para a cidadela Para que dispondo essa lenha ao redor delas
De quantas alavancaram esse negoacutecio e o levaram a diante
E uma uacutenica fogueira armando de proacutepria matildeo ateemos fogo
O enfrentamento dos dois semicoros ocorre na cena seguinte que na interpretaccedilatildeo
de Pickard-Cambridge (1966 p 225) se refere a um proagon (vv 350-386) Natildeo se trata
somente de uma cena preparatoacuteria para o agon mas do prolongamento da accedilatildeo hostil dos
semicoros comeccedilada no paacuterodo que nesse momento da peccedila se configura numa cena de
insultos e ameaccedilas Como bem observou Sommerstein (1990 p 171) os vv 350-363 satildeo
duplos para cada uma das partes e no intervalo dos vv 364-374 passa a ser simples e do v
375 em diante tornam-se meio-verso que se completam na fala seguinte Essa gradaccedilatildeo dois
um meio traz um ritmo de aceleraccedilatildeo bem ao estilo esticomiacutetico num jogo do toma laacute daacute caacute
entre os corifeus o que aumenta o niacutevel de tensatildeo da cena e prepara a accedilatildeo para uma contenda
agrave evoluccedilatildeo do coro de velhos a segunda parte que apresenta na forma apenas katakeleusmos ode e antode
pertence agrave evoluccedilatildeo do coro de velhas
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
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entre coros que se amplifica numa cena de batalha174
(vv 387-466) Nela temos a presenccedila de
Lisiacutestrata e do Conselheiro que contando como aliado o semicoro masculino se contrapotildee agrave
invasatildeo das mulheres na acroacutepole e com violecircncia procede contra elas (vv 426-430)
Lisiacutestrata por sua vez lhe pede para negociar (vv 430-432) mas ele recusa e novamente em
posiccedilatildeo de ataque investe contra elas (vv 450-451)
Onde se esperaria um debate em que as partes expotildeem seus pontos de vista ocorre
apenas uma cena jocosa e ao inveacutes de discussatildeo o agon epirremaacutetico se caracteriza numa
uacutenica exposiccedilatildeo a argumentaccedilatildeo da Lisiacutestrata
Quanto agrave forma175
esse agon epirremaacutetico se apresenta da seguinte maneira
ode (vv 476-483) antode (vv 539-548)
katakeleusmos (vv 484-485) antikatakeleusmos (vv 549-550)
epirrema (vv 486-531) antepirrema (vv 551-597)
pnigos (vv 532-538) antipnigos (vv 598-607)
sphragis (vv 608-613)
As partes apresentadas acima formatam um agon epirremaacutetico completo poreacutem
quanto ao conteuacutedo trata-se de um agon descaracterizado Segundo Mazon (1904 p 115) o
agon da comeacutedia Lisiacutestrata possui dois preluacutedios melodramaacuteticos que natildeo encontramos nos
outros agones um se refere ao iniacutecio do agon (vv 467-475) o outro agrave antode (vv 539-540) O
motivo disso se explica por causa da composiccedilatildeo do coro de Lisiacutestrata que dividido em dois
semicoros estaacute engajado tambeacutem na contenda Eacute natural portanto que o agon comece com
um breve diaacutelogo entre os dois corifeus o representante do coro feminino cuja audaacutecia
determina o movimento da cena aliado de Lisiacutestrata versus o representante do coro
masculino composto por anciatildeos atenienses favoraacuteveis ao Conselheiro
174 Segundo Mazon (1904 p 125) a curta cena de batalha natildeo estaacute ajustada musicalmente pelo ritmo como as
cenas de batalha dos coros de Acarnenses Cavaleiros Vespas e Aves Essa cena de batalha eacute um
surpreendente lance teatral (coup de thecircagravetre) que estaacute a serviccedilo da animaccedilatildeo cecircnica 175 Seguimos a distribuiccedilatildeo de Gelzer (1960 p xiii) exceto a sphragis que eacute marcada por Mazon (1904 p 115)
e Moumlllendorff (2002 p 81)
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
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No exame de Gelzer (1960 p 62 65-66) o coro bipartido eacute um co-orador de seus
aliados e as ampliaccedilotildees das odes por meio de proepirremas nos versos falados que o coro
profere antes das odes eacute um traccedilo das peculiaridades dessa comeacutedia porque se trata de um
coro partidaacuterio e interessado no desfecho da contenda como temos no agon I de Cavaleiros
O katakeleusmos eacute dirigido ao Conselheiro o que nos causa uma falsa ideacuteia de
que seja ele quem vai conduzir a discussatildeo pois eacute Lisiacutestrata quem toma a palavra no
epirrema Logo em seguida quando o antikatakeleusmos eacute dirigido a ela novamente a
heroiacutena se pronuncia no antepirrema Apoacutes o epirrema quando Lisiacutestrata cobre Conselheiro
com seu veacuteu o semicoro de velhos ameaccedila avanccedilar contra ela Imediatamente o corifeu das
mulheres daacute a ordem a seu coro que colocadas em posiccedilatildeo de defesa canta e danccedila na
antode Com essa configuraccedilatildeo de cena na opiniatildeo de Mazon (1904 p 116) a divisatildeo do
coro forccedilou Aristoacutefanes a compor um agon cujas partes corais simeacutetricas (odeantode
katakeleusmosantikatakeleusmos) estatildeo a serviccedilo da contenda entre os semicoros inimigos e
natildeo mais no encorajamento agrave personagem de falar no epirrema Talvez seja isso que natildeo
permitiu ao poeta consagrar um epirrema inteiro ao Conselheiro na defesa da causa
masculina
No epirrema Lisiacutestrata esclarece que a mesma competecircncia que as mulheres tecircm
na administraccedilatildeo da casa seraacute usada para a gestatildeo do dinheiro puacuteblico que natildeo mais financiaraacute
a guerra se natildeo a paz No antepirrema ela expotildee como o alcance da paz estaacute previsto em seu
plano Juntas essas partes epirremaacuteticas tratam pela narraccedilatildeo dos fatos do direito das
mulheres agrave ascensatildeo ao poder porque seus objetivos poliacuteticos satildeo mais bem intencionados do
que o dos homens E por fim Lisiacutestrata daacute provas de que as mulheres satildeo capazes dessa
empresa Argumentaccedilatildeo e raciociacutenio coesos conferem agrave heroiacutena a funccedilatildeo de poneros
(WHITMAN 1964 p 212 THIERCY 2007 p 220) que aliaacutes jaacute vinha sendo destacada
desde o proacutelogo quando ela invoca a Persuasatildeo e a Amizade (v 203) para a adesatildeo das
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
Assembleacuteia das Mulheres
151
mulheres em sua empresa Nesse agon o conteuacutedo de sua arguumliccedilatildeo eacute coerente agraves duas
estrateacutegias de seu plano alusotildees ao sexo e agrave capacidade de as mulheres governar a polis tatildeo
bem quanto o fazem nos assuntos domeacutesticos176
A concentraccedilatildeo dessas partes epirremaacuteticas no pronunciamento da heroiacutena
caracteriza a unilateralidade desse agon abrandando um confronto verbal e desfazendo o jogo
argumentocontra-argumento177
A funccedilatildeo do Conselheiro nesse agon eacute cobrar de Lisiacutestrata
esclarecimentos de seu plano (vv 486 493 497 502 506) No final esse agon se encerra
com um movimento de cena burlesco a caricatura fuacutenebre do Conselheiro A cena se constroacutei
por uma metaacutefora em que a refutaccedilatildeo dele eacute materializada pela imagem moacuterbida a que ele foi
resumido Nessa cena o discurso constroacutei a imagem No decorrer da discussatildeo entre Lisiacutestrata
e o Conselheiro ela com a ajuda das mulheres178
o envolve com acessoacuterios femininos (veacuteu
faixas corbelhas e coroa) que o caracterizam num defunto Trata-se de uma amostra do que
ocorre com sua natildeo-defesa o discurso da heroiacutena envolve o discurso de seu adversaacuterio por um
veacuteu de palavras as pequenas faixas em torno do corpo dele mostram uma imobilizaccedilatildeo
verbal na corbelha que ele segura caberiam os conselhos de Lisiacutestrata ao povo ateniense e a
coroa fuacutenebre na cabeccedila dele sela a discussatildeo
Λυ οῦ δεῖ τί ποθεῖς χώρει lsquoς τήν ναῦν
ὁ Χάρων σε καλεῖ
σύ δὲ κωλύεις ἀνάγεσθαι (vv 605-607)
Dissolvetropa Falta alguma coisa O que vocecirc deseja Vaacute para o barco Caronte estaacute chamando
vocecirc o impede de zarpar
176 A esse respeito cf Konstan (1993 p 434) 177 Para Mazon (1904 p 117) Aristoacutefanes estava passando pela mesma conjuntura de Acarnenses (425 aC) em
que o poeta natildeo podia abordar de frente a questatildeo da guerra Assim em 411 aC ele reduz quase a nada a
tese adversa agrave heroiacutena 178 Na ediccedilatildeo de Sommerstein (1990) natildeo haacute indicaccedilatildeo de quem seja as mulheres que participam do agon Jaacute na
ediccedilatildeo de Victor Coulon (1950) trata-se das personagens Cleonice e Mirrina Segundo Gelzer (1960 p 124-
125) Cleonice tem a funccedilatildeo de bomolochos porque eacute co-oradora no bate-boca aleacutem de co-adjuvante no
momento de caracterizaccedilatildeo do Conselheiro
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
Assembleacuteia das Mulheres
152
Portanto um discurso morto que estaacute materializado em cena Segundo Gelzer
(1960 p 53-54) o ponto principal desse agon eacute o conteuacutedo do discurso de Lisiacutestrata quanto agrave
figura de Conselheiro cuja funccedilatildeo estaacute proacutexima da de um bomolochos (GELZER 1960 p
125) serve apenas para dar a ela a oportunidade de proferi-lo No caso a cena ilustra o
conteuacutedo do que eacute dito de modo justamente dramaacutetico
Apoacutes essa cena eacute chegada a vez do enfrentamento dos dois semicoros na
paraacutebase Para Thiercy (1997 p 1223) como essa seccedilatildeo eacute irregular tanto na forma quanto no
conteuacutedo talvez essa passagem possa ser considerada como um quasi-agon devido agrave
hostilidade entre os coros Na anaacutelise de Sommerstein (1990 p 186) a paraacutebase apresenta a
siziacutegia epirremaacutetica duplicada que se explica pela divisatildeo do coro em dois semicoros que a
executam alternadamente com dois blocos cantados o que soma no total quatro blocos que
comeccedilam com o despojamento de uma parte do figurino e termina com uma ameaccedila de
violecircncia Nessa mesma linha interpretativa Russo (1994 p 168) comenta a natureza
agoniacutestica da paraacutebase
The agonistic parabasis of the two semi-choruses which begins directly afterwards
(lines 614-705) takes up from and is also profoundly influenced by the political
and feminist arguments aired by Lysistrata during her exposition of the motives for the occupation of the Acropolis
Proacutelogo paacuterodo agon e paraacutebase se amalgamam na forma e no conteuacutedo
evidenciando uma contaminatio entre essas seccedilotildees o proacutelogo anuncia o conflito que se realiza
no paacuterodo que por sua vez se estende no agon cuja tese eacute prorrogada na paraacutebase179
e nas
cenas episoacutedicas entre marido e mulher que potildeem em risco o plano da heroiacutena
A cena de juramento no proacutelogo estabelece a relaccedilatildeo direta com as cenas
conjugais em que o juramento agrave abstinecircncia sexual das mulheres eacute colocado agrave prova numa
179 De acordo com Duarte (2000 p 170-172) uma vez que a siziacutegia epirremaacutetica eacute comum ao paacuterodo agon e
paraacutebase alguns autores como Zielinsi Dover e Henderson hesitam na classificaccedilatildeo dos vv 614-705 de
paraacutebase E na interpretaccedilatildeo de Thiercy (2007 p 137) essa paraacutebase ainda que irregular na forma e no
conteuacutedo deva ser talvez considerada como um quasi-agon
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
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situaccedilatildeo conflitante com seus esposos Por causa de uma treacutegua os homens voltam as suas
casas o que provoca uma agitaccedilatildeo entre as mulheres que conjuradas na acroacutepole procuram
uma desculpa para estar em seus lares (vv 706-80) Na interpretaccedilatildeo de Mazon (1904 p
118) pode-se ver nessa cena uma peripeacutecia Lisiacutestrata previu que a continecircncia seria um
castigo para os homens mas ela natildeo supocircs que as mulheres tambeacutem sofreriam pondo em
risco seu plano A cena protagonizada por Cineacutesias e Mirrina (vv 829-1013) pode ser
entendida como uma metoniacutemia falofoacuterica o ateniense Cineacutesias eacute o exemplo do que se passa
com todos os homens gregos
Κη ὀρσὰ Λακεδαίμων πᾶά καὶ τοὶ σύμμαχοι
ἅπαντες ἐστύκαντι Πελλάνας δὲ δεῖ (vv 995-996)
Arauto Toda a Lacedemocircnia estaacute ereta e os aliados
todos com tesatildeo Precisamos de nossas ordenhadeiras
A conexatildeo entre as seccedilotildees da comeacutedia eacute mantida natildeo apenas pela accedilatildeo hostil entre
semicoros mas tambeacutem pelas pequenas cenas episoacutedicas que asseguram uma continuidade
temaacutetica e sistemaacutetica ou ―vinculaccedilatildeo de motivos180
conforme expressatildeo empregada por
Gelzer (1960 p 70-71) Trata-se da configuraccedilatildeo de modo conexo entre a primeira parte da
comeacutedia ou seja proacutelogo paacuterodo agon e paraacutebase com a segunda parte da peccedila que
compreende as cenas episoacutedicas e a adversidade dos interluacutedios entre os semicoros Isso
assegura agrave accedilatildeo uma continuidade sistemaacutetica que nesta anaacutelise se entende como um
complexo agoniacutestico no qual coadunam as outras seccedilotildees da peccedila que possibilitam o confronto
que sendo mais acentuado entre os semicoros do que entre personagens age como um fator
compensatoacuterio de um agon que se apresenta descaracterizado pela discussatildeo unilateral A
comeacutedia como um todo eacute praticamente um imenso agon
Em se tratando de um agon expositivo e unilateral tudo leva a crer que
Aristoacutefanes preferiu a unilateralidade agrave bilateralidade dos argumentos entre as partes por
180 A expressatildeo em alematildeo eacute motivische Verknuumlpfung Trata-se de uma motivaccedilatildeo no sentido de se fazer uma
exposiccedilatildeo de motivos ou causa
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
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conta de uma progressatildeo da accedilatildeo que estaacute amparada na contenda permanente entre os dois
semicoros que assumem de fato o papel de antagonistas bem mais do que a heroiacutena
Lisiacutestrata e seu opositor Conselheiro Dessa maneira o que faltou nesse agon que o
descaracteriza como discussatildeo unilateral eacute compensado no paacuterodo e tambeacutem na paraacutebase181
com o confronto entre os dois semicoros
Pickard-Cambridge (1966 p 226) e Adrados (1983 p 179-180) cogitam a
presenccedila de um outro agon (vv 1014-1042) entre os dois semicoros E Adrados vai ainda
mais longe em sua interpretaccedilatildeo considerando que a estrutura da comeacutedia comporta cinco
agones a comeccedilar pelo paacuterodo (vv 254-385) com o agon entre as partes do coro bipartido
como no paacuterodo de Acarnenses no segundo agon (vv 387-613) haacute o partidarismo dos
semicoros agraves personagens Lisiacutestrata e Conselheiro em que a heroiacutena explica seu projeto o
terceiro agon (vv 614-705) eacute muito semelhante ao primeiro pois os semicoros retomam a
disputa numa cena de ameaccedilas e escaacuternios no quarto agon (vv 781-828) a adversidade entre
os semicoros continua seguida da cena de Cineacutesias com Mirrina e da chegada do mensageiro
lacedemocircnio por fim no quinto agon (vv 1013 ss) haacute uma negociaccedilatildeo que culmina na
reconciliaccedilatildeo o que garante o final feliz da comeacutedia
Mas natildeo se trata de um novo conflito senatildeo a continuaccedilatildeo de uma contenda entre
coros que teve iniacutecio no paacuterodo e se manteacutem constante nas outras seccedilotildees da peccedila inclusive no
agon epirremaacutetico de natureza unilateral e expositiva que estaacute anexado a um complexo
agoniacutestico cujo desfecho eacute uma cena de reconciliaccedilatildeo jaacute no final da comeacutedia182
181 A respeito da anaacutelise da paraacutebase de Lisiacutestrata cf Duarte (2000 p 168-187) 182 Esses dois semicoros estatildeo presentes em dois terccedilos da peccedila e a reconciliaccedilatildeo entre eles soacute vai ocorrer no v
1036 numa comeacutedia de 1320 versos
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
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3 Assembleacuteia de mulheres183
falando de homem para homem (agon de exposiccedilatildeo e centro
da accedilatildeo)
O agon em Assembleacuteia de mulheres natildeo eacute a uacutenica seccedilatildeo que apresenta
peculiaridades dentro da estrutura narrativa da comeacutedia que eacute comparando com as outras
peccedilas que mantecircm a sequumlecircncia proacutelogo-paacuterodo-agon-paraacutebase bastante modificada
A narrativa dramaacutetica comeccedila in medias res em que o plano de Praacutexagora estaacute
sendo executado por ela e suas aliadas que disfarccediladas de homens se dirigem agrave Pnix para
votar a ginecocracia Nesse contexto proacutelogo e paacuterodo tecircm accedilotildees concomitantes por conta da
entrada e saiacuteda do coro feminino logo no iniacutecio o que vai resultar numa segunda entrada do
coro e consequumlentemente num segundo proacutelogo (vv 311-477) e num segundo paacuterodo (vv
478-519) (MAZON 1904 p 151-152 PICKARD-CAMBRIDGE 1966 p 229 RUSSO
1994 p 221) a paraacutebase estaacute ausente e o agon se apresenta simplificado na forma e
descaracterizado no conteuacutedo Com essa estrutura tatildeo particular a anaacutelise presente se propotildee
a demonstrar qual a funccedilatildeo e a natureza do agon em Assembleacuteia de mulheres focalizando a
relaccedilatildeo do agon com o final do proacutelogo com a ausecircncia de paraacutebase e com as cenas
episoacutedicas
Quanto agrave forma esse agon eacute desprovido da siziacutegia epirremaacutetica devido agrave
inexistecircncia das partes simeacutetricas Assim sua estrutura apresenta a seguinte composiccedilatildeo184
183 Assembleacuteia de mulheres (392 aC) eacute uma comeacutedia que tem pontos em comum com Lisiacutesitrata e
Tesmoforiantes O propoacutesito de Assembleacuteia de mulheres eacute como em Lisiacutestrata uma conspiraccedilatildeo feminina
num universo poliacutetico essencialmente masculino Entretanto em Lisiacutestrata a revoluccedilatildeo transpotildee as muralhas
da polis enquanto que em Assembleacuteia de mulheres a accedilatildeo das mulheres eacute direcionada para uma questatildeo
soacutecio-econocircmica interna da polis as atenienses lideradas por Praxaacutegora infiltram-se na assembleacuteia para votar
uma nova constituiccedilatildeo que concebida sobre a redistribuiccedilatildeo equumlitativa de bens assegura ao sexo feminino a
gestatildeo nos assuntos poliacuteticos Para a participaccedilatildeo na assembleacuteia as mulheres precisam de um disfarce que eacute
um traccedilo comum com Tesmoforiantes mas com a seguinte ressalva em Assembleacuteia de mulheres o disfarce eacute masculino em Tesmoforiantes eacute feminino
184 De acordo com Gelzer (1960 p xiii) Pickard-Cambridge (1966 p 229) e Sommerstein (1998 p 188) Jaacute
Moumlllendorff (2002 p 117) inclui a sphragis Poreacutem Mazon (1904 p 154) propotildee outra divisatildeo ode (vv
571-581) katakeleusmos (vv 582-583) epirrema (vv 584-588) pnigos (vv 589-709)
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
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ode (vv 571-580)
katakeleusmos (vv 581-582)
epirrema (vv 583-688)
pnigos (vv 689-709)
Haacute duas razotildees que parecem explicar o porquecirc de essa estrutura ser tatildeo reduzida
Uma eacute de caraacuteter externo agrave comeacutedia e a outra se refere agrave proacutepria estrutura da peccedila logo de
caraacuteter interno Quanto agrave primeira para Gelzer (1996 p 71) fica claro que ocorreu a
simplificaccedilatildeo da forma porque por razotildees conjunturais a comeacutedia sofre nesse periacuteodo um
recuo das funccedilotildees do coro185
No que concerne agrave segunda a cena de agon (vv 571-709) se
relaciona agrave cena anterior (vv 504-570) em que a accedilatildeo direciona-se para uma discussatildeo186
de
caraacuteter privado Mazon (1904 p 160) classificou-a de cena de introduccedilatildeo do agon que
poderia ser tambeacutem uma cena preparatoacuteria para o agon portanto se trataria de um proagon O
assunto da contenda nessa cena que antecede o agon eacute o destino da cidade (vv 558-559) em
cuja accedilatildeo estatildeo presentes trecircs personagens Praxaacutegora Bleacutepiros opositor e esposo e o
Vizinho que se interpotildee entre eles e se coloca do lado de Bleacutepiros Quando ambos comeccedilam
por agrave prova se Praxaacutegora tem ou natildeo razatildeo (vv 569-570) inicia-se o agon
Na ode o coro cumpre sua funccedilatildeo de conselheiro advertindo Praxaacutegora de que
ela deve elaborar um raciociacutenio prudente e saacutebio (πυκνήν φρένα καί φιλόσοφον) E no
katakeleusmos suas palavras satildeo de acircnimo Encorajada pelo coro a heroiacutena faz jus a seu
nome Praxaacutegora ―aquela que age na aacutegora o que delega a ela a funccedilatildeo de poneros cuja
habilidade retoacuterica eacute suficiente para expor seu ponto de vista (vv 624-625 644 662 680) que
eacute aceito pelos dois atenienses que se manifestam favoraacuteveis a ela no final do agon
Na parte epirremaacutetica Praxaacutegora comeccedila seu discurso por um exoacuterdio como
fazem os oradores (vv 583-585) pedindo a colaboraccedilatildeo dos ouvintes para natildeo ser
185 A propoacutesito das funccedilotildees do coro na comeacutedia do seacuteculo IV cf o artigo de Rothwell Jr (1995 p 99-118) 186 Gelzer (1960 p 52) classifica essa cena precedente ao agon como uma disputa portanto parte da diallage
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
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interrompida (vv 588-89) Entretanto a exposiccedilatildeo de seu programa de governo que prioriza
dinheiro (vv 590-610) sexo (vv 611-650 693-709) e comida (vv 599-652 675-690) para
todos se desenvolve em meio aos apartes e tiradas de Bleacutepiros e Vizinho187
que exercem a
funccedilatildeo de bomolochos Bleacutepiros no papel de marido da Praxaacutegora faz algumas objeccedilotildees mas
nada que caracterize o conflito nem a oposiccedilatildeo ao plano da heroiacutena que aliaacutes jaacute estaacute
consumado Diante das explicaccedilotildees e esclarecimentos de Praxaacutegora ele acrescenta a fala dela
algumas glosas (vv 596 630 648 650 687) que ganham comicidade com a participaccedilatildeo do
Vizinho (vv 647 649 668) que na condiccedilatildeo de acompanhante de Bleacutepiros compotildee com o
amigo uma dupla histriocircnica
Se na cena anterior ao agon Praxaacutegora natildeo teve a chance de expor sua plataforma
de governo eacute no agon que ela vai se pronunciar O uacutenico epirrema consagrado agrave fala dela estaacute
por conta desse conteuacutedo logo a forma estaacute adequada ao conteuacutedo
As anaacutelises a propoacutesito da classificaccedilatildeo desse agon se divergem em relaccedilatildeo a
consideraacute-lo como um agon de natureza persuasiva Para Sommerstein (1998 p 188) trata-se
de um exerciacutecio de persuasatildeo como em Aves Entretanto Pisetero tinha o coro como
adversaacuterio o que natildeo ocorre em Assembleacuteia de mulheres Jaacute no exame de Thiercy (1997 p
1290) Praxaacutegora natildeo precisa convencer quem quer que seja nem as mulheres que desde o
proacutelogo jaacute satildeo adeptas do plano nem mesmo os homens que soacute se datildeo conta da situaccedilatildeo
quando o plano jaacute estaacute alcanccedilado Eles natildeo tecircm a funccedilatildeo de adversaacuterios ao projeto da heroiacutena
como o Conselheiro e o semicoro de velhos em Lisiacutestrata Seguindo essa linha de raciociacutenio
Long (1972 p 291-292) entende que o jogo natildeo eacute de persuasatildeo mas de demonstraccedilatildeo this
use is therefore stlyled epideictic E ainda ele chama a atenccedilatildeo para a impropriedade da
palavra Verhandlung (negociaccedilatildeo) empregada por Gelzer (1960) ao analisar o agon de
Assembleacuteia de mulheres Segundo Long se se trata de uma demonstraccedilatildeo sem qualquer
187 De acordo com a ediccedilatildeo de Sommerstein (1998) Mas Thiercy (1997) por exemplo considera que a terceira
personagem nesse agon eacute Cremes
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
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nuanccedila de persuasatildeo entatildeo natildeo haacute negociaccedilatildeo De fato a negociaccedilatildeo natildeo existe porque o
plano da heroiacutena jaacute estaacute consumado desde o proacutelogo ela natildeo encontrou nenhum obstaacuteculo
para a execuccedilatildeo de sua empresa Uma vez realizado o projeto cabe a ela dar apenas
esclarecimentos O emprego do verbo ἀρέσκω (agradar parecer bom satisfazer) no final da
discussatildeo se refere mais a um sentido de fechamento conclusivo de uma exposiccedilatildeo de
natureza mais demonstrativa do que persuasiva Daiacute entendermos que essa natureza epidiacutetica
o torna um agon de exposiccedilatildeo
Πρ φέρε νυν φράσον μοι ταῦτrsquoἀρέσκει σφῶν
Βλ καὶ Γε πάνυ (v 710)
Pr Agora vamos Digam-me isso agrada aos dois
Bl e Cr Agrada sim
Jaacute no fim do proacutelogo Cremes traz ao voltar da assembleacuteia a notiacutecia de que na
sessatildeo se votou o decreto proposto por um orador referente agrave ascensatildeo das mulheres ao
poder
Χρ μετὰ τοῦτο τοίνυν εὐπρετὴς νεανίας
λευκός τις ἀνεπήδησrsquo ὅμοιος Νικίᾳ
δημηγορήσων κἀπεχείρησεν λέγειν
ὠς χρὴ παραδοῦναι ταῖς γυναιξὶ τὴν πόλιν (vv 427-430)
Cr Bom Apoacutes isso um belo rapaz com uma tez clara se lanccedilou como Niacutecias
para falar agrave assembleacuteia ele comeccedilou dizendo
que era preciso confiar a cidade agraves mulheres
No proacutelogo temos o plano da heroiacutena executado mas natildeo temos como foi seu
discurso na Pnix O discurso de Praxaacutegora parece ser no agon o discurso feito na assembleacuteia
Assim como a heroiacutena encarou a assembleacuteia ela enfrenta no agon Bleacutepiros e Cremes
explicando e demonstrando como a ginecocracia eacute mais eficiente que a androcracia Aliaacutes
natildeo eacute apenas aos homens que Praxaacutegora vai se dirigir mas tambeacutem ao puacuteblico (vv 584-585)
o que sugere que esse agon tem uma natureza parabaacutetica Nesse momento da peccedila o teatro
Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e
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enquanto espaccedilo fiacutesico passa a ser a assembleacuteia Trata-se de uma compensaccedilatildeo estrutural jaacute
que a comeacutedia natildeo tem paraacutebase
Essa questatildeo parabaacutetica eacute polecircmica E segundo Duarte (2000 p 226-228) o fato
de haver ruptura de ilusatildeo dramaacutetica quando Praxaacutegora dirige sua fala ao puacuteblico natildeo
classifica seu pronunciamento como parabaacutetico188
Contrariamente Van Daele (apud
DUARTE 2000 p 226) e Hubbard (apud DUARTE 2000 p 227) consideram que esse
agon nos vv 578-709 estaacute no lugar da paraacutebase e Henderson (apud DUARTE 2000 p 228)
comenta que o tom do discurso de Praxaacutegora no agon de Assembleacuteia de mulheres eacute muito
semelhante ao discurso de Lisiacutestrata no agon de Lisiacutestrata que eacute por alguns tido como
parabaacutetico
Considerando que essa cena de agon estaacute localizada no meio da estrutura da
comeacutedia ndash a ponto de se pensar que essa seccedilatildeo tivesse a funccedilatildeo de uma paraacutebase jaacute que em
tese eacute a paraacutebase que estabelece o fim da primeira parte e o comeccedilo da segunda na comeacutedia ndash
o agon se articula tanto com a primeira parte da peccedila em que o plano da heroiacutena que natildeo
encontra opositor necessita de uma exposiccedilatildeo quanto com a segunda metade da comeacutedia em
que aparecem as consequumlecircncias dessa empresa
No agon a exposiccedilatildeo do programa de Praxaacutegora se fundamenta particularmente
em trecircs plataformas i) econocircmico depoacutesito e divisatildeo comum de bens ii) sexual regimento
das atividades sexuais iii) alimentar comida para todos Durante a segunda parte da comeacutedia
o ―programa boca-livre fica subentendido no decorrer da accedilatildeo (vv 715-716 834-852 1112-
1183) Jaacute as outras duas plataformas satildeo assunto de cenas independentes em que a heroiacutena
estaacute ausente189
Diferentemente de Aves e Lisiacutestrata em que Pisetero e Lisiacutestrata encaram as
188 Para Duarte (2000) o puacuteblico passa a ser tambeacutem um ator porque o interlocutor do discurso de Praxaacutegora
como governante da polis satildeo os atenienses ―o teatro se transforma na Pnix diz a autora O espectador entra portanto no jogo teatral se auto-representando como cidadatildeo ateniense
189 Antes de a segunda parte comeccedilar Praacutexagora deixa definitivamente a cena Os manuscritos natildeo indicam quais
satildeo as personagens que participam das cenas subsequumlentes Para Thiercy (1997 p 1305-1306) a cena que se
refere aos bens eacute aberta com Cremes Mas o proacuteprio autor admite que possa ser um vizinho anocircnimo de
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consequumlecircncias de seus planos respectivamente Todavia tanto em Aves quanto em Lisiacutestrata
e Assembleacuteia de mulheres o agon de cada uma dessas comeacutedias tem consequumlecircncias nas cenas
episoacutedicas subsequumlentes
Haacute um reflexo direto entre a cena que expotildee a questatildeo dos bens (vv 730-833 853-
876) com o discurso de Praxaacutegora exposto no agon Essa cena (vv 730-876) eacute protagonizada
por dois atenienses com pontos de vistas completamente diferentes Um deles cumpre seu
dever de cidadatildeo respeitando o que foi votado enquanto que o outro eacute totalmente ceacuteptico agrave
nova ordem econocircmica
Γε μὰ Δί lsquo ἀλλrsquo ἀποφέρειν αυτὰ μέλλω τῆ πόλει
εἰς τὴν ἀγπρὰν κατὰ τοὺς δεδογμένος νόμος
Αν μέλλεις ἀποφέρειν
Γε πάνυ γε (vv 758-760)
Viz1 Natildeo por Zeus Mas tenho a intenccedilatildeo de levar essas coisas para a cidade em direccedilatildeo agrave Aacutegora conforme as leis votadas
Viz2 Vocecirc tem a intenccedilatildeo de levar
Viz1 Tenho
Ao longo da conversa as esticomitias e os chistes proporcionam dinamismo e
comicidade agrave conversaccedilatildeo em que se pode resgatar o conteuacutedo da exposiccedilatildeo do plano de
Praxaacutegora no agon Assim como essa cena ilustra a instituiccedilatildeo de bens para todos a proacutexima
cena (vv 877-1111) vai ilustrar a instituiccedilatildeo de sexo para todos portanto mais uma referecircncia
ao projeto da heroiacutena exposto no agon
Γρ καὶ δή σοι λέγω
ἔδοξε ταῖς γυναιξίν ἥν ἀνὴρ νέος
νέας ἐπιθυμῆ μὴ σποδεῖν αὐτὴν πρὶν ἅν
τὴν γραῦν προκρούσῃ πρῶτον ἥν δὲ μὴ θέλῃ
πρότερον προκρούειν ἀλλrsquo επιθυμῆ τς νέας
ταῖς πρεσβυτέραις γυναιξιν ἔστω τὸν νέον
ἕλκειν ἀνατεὶ λαβομένας τοῦ παττάλου (vv 1015-1020)
Blepiros e Praxaacutegora Essa interpretaccedilatildeo tambeacutem eacute de Sommerstein (1998 p 202-203) que atribui duas
personagens em cena um vizinho e um homem dissidente
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Assembleacuteia das Mulheres
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Velha Bom entatildeo eu te digo
Foi decretado pelas mulheres si um jovem
deseja uma jovem ele natildeo deve regaccedilaacute-la antes de primeiro ferrar uma velha E se ele recusar
ferraacute-la primeiro e desejar a jovem
as velhas teratildeo o direito de puxar sem doacute o jovem
pegando-o pela canela
Nessa passagem em discurso direto ecoa a exposiccedilatildeo de Praxaacutegora no agon (vv
617-618) e como bem observou Sommerstein (1998 p 225) essa passagem eacute uma paraacutefrase
dos vv 618 626-629 em que as pessoas feias teriam prioridades sobre aquelas privilegiadas
fisicamente
De acordo com Gelzer (1960 p 64) apesar de a comeacutedia natildeo ter nem paacuterodo no
sentido estrito nem paraacutebase a accedilatildeo se divide em duas partes sendo que na primeira se
produz uma situaccedilatildeo cujas consequumlecircncias satildeo apresentadas na segunda Por essa razatildeo o
agon em Assembleacuteia de mulheres estaacute no centro da accedilatildeo porque ele se liga tanto agrave primeira
metade em que no iniacutecio Praxaacutegora potildee em operaccedilatildeo seu plano para depois demonstrar que
seu programa eacute exequumliacutevel quanto agrave segunda metade em cujas cenas episoacutedicas subsequumlentes
ocorre uma decorrecircncia do projeto da heroiacutena
Essas cenas episoacutedicas mostram que se trata de uma empresa utoacutepica e absurda
Na interpretaccedilatildeo de Cartledge (2001 p 33) o ingrediente central no humor das personagens
femininas de Aristoacutefanes eacute a mistura do lugar-comum com o absurdo do miacutetico com o real
Lisiacutestrata e Praxaacutegora satildeo as representantes visionaacuterias das heroiacutenas cocircmicas em meio a um
elenco de heroacuteis que como Pisetero e os outros conforme vimos nos capiacutetulos anteriores
tambeacutem natildeo deixam de ter em diferentes graus suas utopias engendradas em planos
mirabolantes E o uacuteltimo que nos restou ndash como heroacutei excecircntrico ndash responde pelo nome de
Crecircmilo na comeacutedia Pluto
CAPIacuteTULO V
O UacuteLTIMO AGON
Cap V mdash O uacuteltimo agon 163
Pluto190
a riqueza do conflito (agon ad absurdum e centro da accedilatildeo)
Ao contraacuterio da comeacutedia Assembleacuteia de mulheres que possui uma estrutura
narrativa bastante peculiar a estrutura narrativa de Pluto se aproxima apesar da reduccedilatildeo do
papel do coro da maior parte das estruturas das comeacutedias de Aristoacutefanes191
accedilatildeo progressiva
ateacute a paraacutebase que estabelece a primeira parte da peccedila e em seguida ocorre uma seacuterie de
cenas episoacutedicas que ilustram as consequumlecircncias do plano do heroacutei Na fabulaccedilatildeo de Pluto natildeo
existe entretanto a paraacutebase o que confere ao agon a funccedilatildeo de divisor da peccedila e portanto
uma seccedilatildeo central no drama De acordo com Russo (1994 p 229-230) a primeira parte da
comeacutedia termina no agon porque em seguida onde se esperaria a paraacutebase iniciam-se as
cenas episoacutedicas que compotildeem a segunda parte da comeacutedia
A progressatildeo dramaacutetica eacute desde o proacutelogo movida por peripeacutecias No iniacutecio da
peccedila quando a accedilatildeo parece indicar que a temaacutetica da comeacutedia eacute a preocupaccedilatildeo de um pobre
velho agricultor que atende pelo nome de Crecircmilo com a educaccedilatildeo do filho haacute uma
mudanccedila de percurso e o assunto passa a ser a cura da cegueira de Pluto deus da riqueza A
partir disso fica estabelecido o projeto do heroacutei com a visatildeo Pluto poderaacute num primeiro
momento beneficiar as pessoas honestas como o proacuteprio Crecircmilo e depois banir a pobreza
da Greacutecia Mas esse projeto vai encontrar um opositor que surge inesperadamente em cena e
nesse momento haacute uma nova peripeacutecia porque nenhuma accedilatildeo antecedente prevecirc a apariccedilatildeo de
Penia alegoria que representa a pobreza Antes de o confronto comeccedilar haacute uma cena
190 Pluto (388 aC) comeacutedia que nos chegou na iacutentegra eacute a segunda versatildeo de uma outra peccedila de mesmo nome
(408 aC) A intriga se reduz a uma simples alegoria que satiriza a crise soacutecio-econocircmica pela qual Atenas passava e tambeacutem potildee em discussatildeo valores eacuteticos em relaccedilatildeo agrave riqueza e agrave pobreza assunto discutido no
agon da comeacutedia 191 Para Thiercy (2007 p 180) a progressatildeo dramaacutetica de Pluto se aproxima da progressatildeo de Acarnenses e Paz
com a divisatildeo da comeacutedia em dois grandes ―atos
Cap V mdash O uacuteltimo agon 164
preparatoacuteria192
(vv 415-486) cuja accedilatildeo gira em torno do reconhecimento do adversaacuterio que
revela sua identidade
Πε Πενία μὲν οὖν ἥ σφν ξυνοικῶ πόλλrsquoἔτη (v 437)
Pe A Pobreza isso sim Aquela que convive com vocecircs dois Crecircmilo e
Blepsidemo faz uns bons anos
Penia eacute um conceito abstrato com manifestaccedilotildees concretas (FERNAacuteNDEZ 2002
p 95) representando a personificaccedilatildeo de uma conjuntura social agrave qual o heroacutei pertence e da
qual ele natildeo quer mais fazer parte Ela representa na estrutura narrativa o obstaacuteculo
(SIFAKIS 1992 p 130-131) para o heroacutei realizar seu plano e como tal deve ser instalado na
seccedilatildeo da comeacutedia mais proacutepria a essa situaccedilatildeo o agon Em se tratando de uma personagem
nova ao enredo cabe ao proagon apresentar quem eacute o oponente de Crecircmilo para que em
seguida os adversaacuterios selem o acordo e estabeleccedilam a puniccedilatildeo para o perdedor (vv 480-
484) Assim feito a negociaccedilatildeo193
comeccedila e cada litigante vai expor sua tese que seraacute
defendia no agon cuja estrutura eacute assimeacutetrica e reduzida conforme se pode constatar a
seguir
katakeleusmos (vv 486-487)
epirrema (vv 488-597)
pnigos (vv 598-618)
A ausecircncia da ode se explica por causa da reduccedilatildeo do papel do coro na fabulaccedilatildeo
como ocorre com Assembleacuteia de mulheres No katakeleusmos o coro de agricultores que eacute
favoraacutevel ao heroacutei anima-o para a discussatildeo Essa eacute a uacutenica participaccedilatildeo do coro que embora
privado do papel de aacuterbitro mostra-se observador (FERNAacuteNDEZ 2002 p 59) da accedilatildeo ao
192 Mazon (1904 p 167) denomina essa cena de ―introduccedilatildeo do agon enquanto Pickard-Cambridge (1966 p
229) a chama de proagon Penia eacute uma personagem nova na fabulaccedilatildeo assim como os Raciociacutenios em Nuvens portanto eacute necessaacuterio que haja uma cena antecedente ao agon que a introduza na trama
193 Na anaacutelise de Gelzer (1960 p 52 64) das quatro partes da diallage ndash disputa acordo negociaccedilatildeo e sentenccedila
ndash as duas primeiras estatildeo no proagon a negociaccedilatildeo eacute o agon e natildeo haacute sentenccedila porque o acordo natildeo se
cumpre quando Penia eacute escorraccedilada o que compromete toda diallage
Cap V mdash O uacuteltimo agon 165
reconhecer que Penia eacute uma ameaccedila ao plano do heroacutei por isso o corifeu adverte o heroacutei de
que eacute preciso vencecirc-la com palavras saacutebias (τι λέγειν σοφόν) contradizendo-a nos discursos
(ἐν τοῖσι λόγοις ἀντιλέγοντες) O emprego do verbo ἀντιλέγω sinaliza a natureza
antiteacutetica desse agon em que para cada argumento haveraacute uma reacuteplica agrave altura num jogo bem
articulado de palavras ao gosto dos concursos de retoacuterica e dos princiacutepios da sofiacutestica No
debate haacute trecircs pontos capitais i) entre Pobreza e Riqueza qual delas eacute um bem na relaccedilatildeo
trabalho versus oacutecio (vv 532-534) ii) qual delas eacute mais saudaacutevel na relaccedilatildeo ao aspecto fiacutesico
(vv 557-651) iii) qual delas eacute mais eacutetica na relaccedilatildeo honestidade versus corrupccedilatildeo (vv 566-
570)
O epirrema inclui dois discursos antagocircnicos o de Crecircmilo (vv 489-506) e o de
Penia (vv 507-591) e os comentaacuterios jocosos de Blepsidemo cujas intervenccedilotildees natildeo trazem
prejuiacutezos ao andamento da discussatildeo porque sua funccedilatildeo de bomolochos funciona apenas
como suporte humoriacutestico ao discurso do protagonista como Eveacutelpides em Aves por exemplo
Apoacutes o katakeleusmos o heroacutei toma a palavra e faz um longo pronunciamento (vv
489-506) interrompido pelo aparte de Blepsidemo (v 499) em apoio ao heroacutei De acordo com
o plano de Crecircmilo quando Pluto vir primeiramente recompensaraacute os bons e virtuosos e
fugiraacute dos maus depois faraacute que todos se tornem bons ricos e religiosos (vv 494 ss)
Penia argumenta que se todos fossem ricos nem bens nem serviccedilos seriam
produzidos Segundo ela as atividades humanas criam condiccedilotildees indispensaacuteveis agrave existecircncia
da sociedade particularmente agrave atividade material agrave produccedilatildeo decorrente de um trabalho ou
de uma funccedilatildeo (vv 510-515) Crecircmilo responde que essas tarefas seratildeo feitas pelos escravos
mas ele eacute incapaz de explicar satisfatoriamente como haveraacute escravos num projeto em que
todos seratildeo beneficiados pela riqueza Assim Penia demonstra quatildeo contraditoacuterio e utoacutepico eacute
o plano do heroacutei e que a vida dele no futuro seraacute pior que a atual (vv 522-526)
Cap V mdash O uacuteltimo agon 166
Na opiniatildeo de Gelzer (1960 p 54) Long (1972 p 297) e Thiercy (2007 p 288)
o discurso de Penia eacute muito eloquumlente seus argumentos satildeo fortes e haveria uma tendecircncia de
lhe confiar a vitoacuteria Sommerstein (1996 p 273-274) natildeo interpreta contudo as
argumentaccedilotildees de Penia como mais fortes e loacutegicas que as de Crecircmilo Para esse autor as
miseacuterias descritas por Crecircmilo (fome vv 536 543-544 545-546 insalubridade v 537
privaccedilotildees de conforto vv 540-543) satildeo argumentos que expotildeem problemas sociais pelos
quais passam Atenas no periacuteodo poacutes-guerra A esse cataacutelogo de desgraccedilas sociais
apresentadas por Crecircmilo Penia faz sua reacuteplica empregando a teacutecnica da antilogia194
num
jogo de ambiguumlidade entre miseacuteria e pobreza (vv 548-549) Segundo Sommerstein (1996 p
275) Penia desmonta servindo-se de preceitos sofiacutesticos o discurso de Crecircmilo ao separar a
miseacuteria como uma categoria diferente da pobreza Para ela a miseacuteria eacute de fato um mal
enquanto a pobreza que eacute o que ela representa eacute um bem (vv 552-553) porque seu lema eacute
trabalho e temperanccedila
Em suas palavras Penia defende a vida austera que se concentra no trabalho uma
vida sem excesso nem falta Tenta provar que representa a moderaccedilatildeo e Pluto a desmedida E
argumenta tambeacutem que faz cidadatildeos melhores que Pluto tanto no caraacuteter quanto no fiacutesico
Fisicamente os obesos os reumaacuteticos e os barrigudos satildeo produtos de Pluto diferente dos
dela magros de cintura fina de vespas e incocircmodos aos inimigos (vv 557-561) Crecircmilo
refuta dizendo que satildeo assim porque passam fome (v 562)
Segundo Albini (1985 p 433) Penia define-se como uma heranccedila espiritual do
homem a condiccedilatildeo indispensaacutevel para a existecircncia enquanto Pluto significa corrupccedilatildeo ruiacutena
material e moral Penia toma como exemplo os oradores quando satildeo pobres satildeo justos com o
povo e com a polis Todavia quando enriquecem agrave custa do dinheiro puacuteblico tornam-se
194 Α antilogia ndash ἀντιλογίαndash baseia-se na teoria dos δισσοί λόγοι ndash palavras ambiacuteguas ndash e torna-se o fulcro da
retoacuterica sofiacutestica A esse respeito cf Silva (1988 p 49)
Cap V mdash O uacuteltimo agon 167
injustos e conspiram contra o povo e fazem a guerra (vv 566-570) Nesse ponto Crecircmilo
concorda com ela mas natildeo se deixa convencer (vv 571-573)
Penia insiste em se afirmar como um bem Crecircmilo quer saber entatildeo por que as
pessoas fogem dela Em sua refutaccedilatildeo que eacute novamente balizada nos fundamentos
sofiacutesticos a razatildeo de as pessoas fugirem dela eacute que ela torna essas pessoas melhores e
exemplifica com a atitude das crianccedilas que fogem de seus pais porque esses soacute querem o bem
delas (vv 576-578)195
O uacuteltimo ponto a ser debatido potildee em questatildeo as posses de Zeus (vv 581-586) Na
interpretaccedilatildeo de Sommerstein (1996 p 279) Penia se supera na arte sofiacutestica ao dizer que
Zeus eacute pobre pois se fosse rico como quer Crecircmilo teria de coroar os atletas com uma coroa
de ouro e natildeo de oliveira (vv 585-587) Crecircmilo consegue entretanto inverter o discurso ao
demonstrar que com essa atitude Zeus guarda o ouro para si ampliando sua riqueza o que eacute
outro ponto refutaacutevel por Penia que mina o discurso de Crecircmilo rebatendo as palavras dele
contra ele mesmo natildeo se trata de um acuacutemulo de riqueza mas de um lado mesquinho e
avarento de Zeus (v 591)
O encerramento desse agon eacute inusitado quando comparado ao desfecho dos outros
agones epirremaacuteticos de natureza debatedora em que ou uma das partes admite a derrota
(Nuvens v 1102) ou o aacuterbitro declara o vencedor (Cavaleiros vv 943-959 Vespas vv 725-
726 e Ratildes vv 1467-1471) Crecircmilo reconhece a forccedila argumentativa do adversaacuterio mesmo
assim ele natildeo se daacute por ―con-vencido (οὐ γὰρ πείσεις οὐδrsquo ἥν πείσῃς v 600) Trata-se
de um jogo de palavras com o verbo πείθω (―persuadir ―convencer) que na opiniatildeo de
Thiercy (1997 p 1327) se refere a uma maacutexima ao estilo de Euriacutepides Jaacute para Sommerstein
(2001 p 178) mesmo que Crecircmilo admita que ele natildeo pode encontrar qualquer falha na
195 Essa mesma teacutecnica discursiva estaacute tambeacutem presente em Nuvens (vv 1409-1410) passagem em que Fidiacutepides
justifica o ato de bater em Estrepsiacuteades Trata-se de o filho ter boas intenccedilotildees com o pai como esse tinha ao
bater no filho quando crianccedila cf Nuvens infra
Cap V mdash O uacuteltimo agon 168
loacutegica dos discursos de Penia ainda assim ele natildeo concorda com os pontos de vista dela Na
interpretaccedilatildeo de Fernaacutendez (2002 p 342) as palavras de Crecircmilo se referem a uma ―sanccedilatildeo
da irrefutabilidade dos argumentos de Penia
No momento em que Penia vai comeccedilar o pnigos Crecircmilo procura abafar sua voz
com injuacuterias e insultos E Penia eacute rechaccedilada da cena Se na sua origem o agon era o episoacutedio
central do antigo komos e como diz Navarre (1911 p 250) um combat de gueule no pnigos
Crecircmilo e Penia enfrentam-se ―num bate-boca em que ―ganhar no grito justifica a ausecircncia
da sphragis e tambeacutem de um aacuterbitro que sentencie o vencedor Para Konstan e Dillon (1981
p 387) Penia e Pluto satildeo dois lados de um mesmo problema196
Isso mostra um equiliacutebrio
discursivo entre as partes antagocircnicas Crecircmilo como porta-voz (THIERCY 2007 p 286) de
Pluto contra Penia
As opiniotildees se divergem no exame desse agon quanto agrave sua importacircncia para a
estrutura narrativa da peccedila Mazon (1904 p 168) e Duchemin (1968 p 35) consideram-no
artificial porque para esses autores a maneira como Aristoacutefanes comeccedilou a comeacutedia Pluto
natildeo necessitaria de um agon mas o poeta quis compor um e introduziu uma personagem nova
que interveacutem somente nesse momento e desaparece depois Tambeacutem Whitman (1964 p 11)
julga que o agon de Pluto natildeo eacute crucial para o enredo
Contraposto as essas anaacutelises estaacute o estudo de Gelzer (1960 p 99) em que foi
bem observada a relaccedilatildeo inversamente direta entre proacutelogo e agon Esse autor examina a
relaccedilatildeo entre as seccedilotildees conforme o conteuacutedo e a forma No que concerne ao conteuacutedo o
discurso de Crecircmilo que preenche uma cena de persuasatildeo197
para convencer Pluto de que ele
196 Para esses autores a sabedoria popular de Aristoacutefanes antecipa uma reflexatildeo de Aristoacuteteles que observa na
Poliacutetica que para tudo haacute um limite natural exceto para o dinheiro que eacute pura quantidade Desse modo Pluto
governa um mundo em que o dinheiro dissolve a relaccedilatildeo de troca baseada na produccedilatildeo Segundo as palavras
aristoteacutelicas ―[] o dinheiro fora feito somente para troca o interesse ao contraacuterio multiplica esse mesmo dinheiro [] a usura eacute de todos os meios de aquisiccedilatildeo o mais contraacuterio agrave natureza (Poliacutetica 1258 a)
197 Uma cena de persuasatildeo no proacutelogo estaacute presente em Cavaleiros (vv 147 ss) em que Agoraacutecrito deve ser
convencido de seu talento para a poliacutetica e em Aves (vv 1-208) quando Pisetero precisa convencer as aves
da soberania delas sobre homens e deuses Nesses casos estaacute presente a equaccedilatildeo crenccediladescrenccedila o
Cap V mdash O uacuteltimo agon 169
representa um bem maior tem correspondecircncias invertidas ao discurso de Penia Na
passagem dos vv 135-145 Crecircmilo demonstra que tudo inclusive o proacuteprio Zeus estaacute
submetido agrave riqueza enquanto no excerto dos vv 579-591 Penia apregoa a pobreza de Zeus
Em outra passagem dos vv 160-169 Crecircmilo argumenta que Pluto eacute o criador das artes
porque os artesatildeos buscam a riqueza jaacute Penia dos vv 527-534 potildee em cheque o
desaparecimento das profissotildees se todos forem ricos Quanto agrave forma a estrutura do proacutelogo
diz Gelzer (1960) eacute semelhante agrave de um antepirrema primeiramente eacute feita a proacutetase (vv
128-129) em que Crecircmilo anuncia que pode provar que Pluto eacute mais poderoso que Zeus
depois seguem os argumentos (vv 130-189) para demonstrar o poder de Pluto e em seguida
a conclusatildeo (vv 190-197) na forma de pnigos em que eacute listada uma seacuterie de coisas das quais
as pessoas se saciam exceto da riqueza Convencido dos propoacutesitos de Crecircmilo Pluto aceita
entrar na casa do aldeatildeo (v 249) Gelzer (1960) entatildeo conclui que essas seccedilotildees se
complementam por se tratar de um episoacutedio dramaacutetico sob a forma de um agon epirremaacutetico
o que outorga ao proacutelogo uma natureza agoniacutestica Olson (1990 p 237) tambeacutem analisa a
relaccedilatildeo proacutelogoagon e segundo ele no proacutelogo (vv 130-135) Zeus eacute o responsaacutevel pela
perversidade econocircmica do mundo porque manteacutem a Riqueza para si e envia a Penia para os
homens Assim sendo o heroacutei estabelece seu plano a cura da cegueira de Pluto Esse plano eacute
ameaccedilado no agon por Penia que tenta dissuadir o heroacutei de natildeo prosseguir na empresa
Instaura-se entatildeo a tensatildeo dramaacutetica por meio de um conflito verbal que se desenvolve num
uacutenico epirrema Outra anaacutelise que fortalece essa tese mas dessa vez a relaccedilatildeo eacute paacuterodoagon
estaacute no estudo de A M Bowie (1995 p 287-288) para quem o agon encontra
correspondecircncias com a primeira parte da comeacutedia sobretudo no paacuterodo Para esse autor
pode-se determinar um paralelismo entre o canto de entrada do coro e o discurso de Penia a
condiccedilatildeo anti-social do mundo dos ciclopes exemplifica o tipo de sociedade que Penia teme
vendedor de salsichas e os paacutessaros demonstram num primeiro momento incredulidade diante das palavras
do persuasor
Cap V mdash O uacuteltimo agon 170
para os homens e a figura de Circe que vive ilhada e rodeada de animais seria emblemaacutetica
para a vida humana anunciada por Penia
Essa tese em defesa do meacuterito desse agon se amplifica nos estudos de Albini
(1985) e Flashar (1996) que o consideram o nuacutecleo da peccedila Segundo Albini (1985 p 433) a
maneira desonrosa como a Penia eacute expulsa da cena mostra o quanto eacute utoacutepico o plano de
Crecircmilo Na opiniatildeo de Flashar (1996 p 320) a estrutura truncada do agon natildeo eacute nem
acidental nem inuacutetil porque natildeo se trata de equilibrar pontos de vista opostos mas de expor e
expandir o plano do heroacutei e demonstrar que elementos utoacutepicos satildeo proacuteprios da comeacutedia E
ainda pode-se juntar a essas posiccedilotildees o estudo de Cartledge (2001 p 66-69) em que a obra de
Aristoacutefanes eacute analisada sob o prisma do absurdo a grande ideacuteia de Crecircmilo eacute tatildeo original
quanto implausiacutevel como os planos de Praxaacutegora ou Trigeu acrescentando Pisetero e
Diceoacutepolis heroacuteis que em seus devaneios se propotildeem a encontrar soluccedilotildees irreais para
problemas reais de ordem soacutecio-econocircmica Em meio a essa discussatildeo Moumlllendorff (2002 p
129) encontrou a expressatildeo exata ad absurdum para traduzir a natureza do agon em Pluto
Tal expressatildeo jaacute havia sido empregada por Gelzer (1960 p 53) para categorizar o agon II de
Nuvens cuja funccedilatildeo nessa comeacutedia eacute por meio do paralelismo com o primeiro agon conduzir
ad absurdum os argumentos
Do ponto de vista dramaacutetico de acordo com Gelzer (1960 p 55) o final violento
em que Penia eacute escorraccedilada da cena mostra que natildeo estaacute em questatildeo o meacuterito da vitoacuteria na
discussatildeo mas pocircr em relevo o valor da argumentaccedilatildeo chamar a atenccedilatildeo para o peso dos
argumentos no agon Crecircmilo e Penia discutem em peacute de igualdade revelando um equiliacutebrio
na poneria de cada um
Como bem observou Arnott (apud FERNAacuteNDEZ 2002 p 218) nessa discussatildeo
entre o heroacutei e seu adversaacuterio a atuaccedilatildeo eacute retoacuterica e a oratoacuteria eacute histriocircnica Para Whitman
(1964 p 58) haacute duas funccedilotildees predominantes poneria e alazoneiacutea porque segundo esse
Cap V mdash O uacuteltimo agon 171
autor o heroacutei cocircmico tem poneria uma arma muito rica e por causa de sua astuacutecia bravata e uma
total imaginaccedilatildeo dissociaacutevel ele realiza sua busca
The comic hero has poneria a far more resourceful weapon and by craft bravado and a wholly dissociative imagination he achieves the quest and climbs the brazen
heaven
Todavia na opiniatildeo de Thiercy (1997 p 1312) Crecircmilo eacute totalmente desprovido
de poneria comparado agrave esperteza de seu escravo Cariatildeo Jaacute McLeish (1980 p 54) atribui a
Crecircmilo a funccedilatildeo spoudaios juntamente com Pisetero Lisiacutestrata e Praxaacutegora por serem
personagens visionaacuterias com pouco grau de comicidade Essas divergecircncias demonstram a
grandeza multiforme da natureza do heroacutei cocircmico e a sua alta capacidade de adequaccedilatildeo agrave
situaccedilatildeo No entanto a poneria torna-se conforme as palavras acima de Whitman (1964)
uma marca desse heroacutei
No proacutelogo Pluto reconhece a laacutebia de Crecircmilo e de Cariatildeo (εὖ τοι λέγειν
ἔμοιγε φαίνεσθον πάνυ v 198) a ponto de se deixar convencer de que sua soberania
depende da cura de sua cegueira e no final aceita entrar na casa do heroacutei que passa a
conviver com a Riqueza Com esse desfecho o nome Χρήμιλος ostenta como eacute frequumlente
em Aristoacutefanes uma designaccedilatildeo significativa que se liga ao vocaacutebulo χρματος que sugere
aleacutem das outras conotaccedilotildees semacircnticas a ideacuteia de bens tesouro valor de posse
(CARTLEDGE 2001 p 66) E ainda pode-se considerar o verbo χρηματίζω que traz o
sentido de ―enriquecer ―tirar proveito o que de fato ocorre com Crecircmilo cujo status quo
desprivilegiado sofre uma reviravolta apoacutes a consulta ao oraacuteculo tornando-se um cidadatildeo
abastado Nesse sentido a poneria do heroacutei refere-se a sua esperteza que tirando proveito da
situaccedilatildeo lhe assegura uma outra realidade de vida Entretanto essa poneria vai a cheque-mate
no agon Para Penia seu adversaacuterio eacute por causa de suas palavras disparatadas e soltas no ar
(vv 574-575) incapaz de provar o contraacuterio do que ela argumenta o que a promove agrave funccedilatildeo
Cap V mdash O uacuteltimo agon 172
de poneros Portanto os litigantes vatildeo se enfrentar de acordo com o grau de poneria de cada
um num equiliacutebrio de forccedilas em que como natildeo haacute aacuterbitro e nenhuma das partes cede a outra
o desfecho dessa discussatildeo sela sua natureza ad absurdum
O plano do heroacutei exposto no proacutelogo pretende beneficiar apenas os justos (vv 95-
96) Com a cena do agon o plano inicial se expande e todos seratildeo contemplados e natildeo
somente os justos Pluto passaraacute a reinar sozinho e Penia seraacute banida Dessa maneira a cena
do agon eacute ao contraacuterio uma parte coerente e interdependente de toda a peccedila porque o
surgimento de Penia determina e estrutura os episoacutedios seguintes que compondo a segunda
parte da comeacutedia demonstram o quanto o projeto do heroacutei eacute utoacutepico e reforccedilam a natureza ad
absurdum desse agon
As cenas episoacutedicas ateacute o ecircxodo que compotildeem a segunda parte da comeacutedia como
consequumlecircncia do sucesso do plano do heroacutei decorrem apoacutes a cena de cura de Pluto
protagonizada pelo escravo Cariatildeo Nem todos se tornam ricos bons e religiosos conforme o
discurso de Crecircmilo Pelo contraacuterio o Sicofanta aparece para queixar-se da ruiacutena (vv 850-
958) Em que o Jovem amante que explorava a Velha rica eacute bom e justo para merecer a
riqueza (vv 975-1096) E ainda nas uacuteltimas cenas os homens depois de enriquecer natildeo satildeo
mais religiosos Na ausecircncia de sacrifiacutecio Hermes pede ajuda na casa de Crecircmilo (vv 1100-
1170) e o Sacerdote de Zeus reclama que os altares estatildeo abandonados (vv 1178-1184)
O agon de Pluto eacute portanto quanto ao conteuacutedo um elo central que se liga natildeo soacute
ao iniacutecio proacutelogo e paacuterodo mas tambeacutem agrave disposiccedilatildeo dos episoacutedios na segunda metade da
comeacutedia E a sua forma um uacutenico epirrema eacute bastante significativa para o estudo da
trajetoacuteria do agon epirremaacutetico nas comeacutedias supeacuterstites de Aristoacutefanes Segundo Mazon
(1904 165) a presenccedila de um uacutenico epirrema jaacute eacute um indiacutecio de que as formas simeacutetricas ndash
epirrema e antepirrema ndash tendem a desaparecer Assembleacuteia de mulheres e Pluto
Cap V mdash O uacuteltimo agon 173
documentam a extinccedilatildeo da paraacutebase e prenunciam o mesmo fenocircmeno para o agon
epirremaacutetico
Embora a Comeacutedia Antiga tenha sofrido mudanccedilas esteacuteticas radicais referentes agraves
formas fixas a comeccedilar pelo desaparecimento da paraacutebase e tambeacutem pela reduccedilatildeo do papel
do coro o derradeiro agon aristofacircnico resiste marcando a genialidade da verve do poeta que
zelando pela comicidade manteacutem a comeacutedia Pluto como um poderoso veiacuteculo de
comunicaccedilatildeo social que conduz ad absurdum198
seus argumentos
198 De acordo com Bergson (1983 p 93) o absurdo natildeo cria a comicidade mas sim decorre dela
CONCLUSAtildeO
Conclusatildeo 175
Como parte do texto cocircmico o agon eacute uma seccedilatildeo que natildeo apenas representa o
espiacuterito da poeacutetica aristofacircnica mas tambeacutem exprime o princiacutepio da arte dramaacutetica que
evoluindo para um gecircnero literaacuterio se norteia pela mise en scegravene da palavra em conflito tatildeo
cara agrave trageacutedia quanto agrave comeacutedia
Devido agrave diversidade da forma e do conteuacutedo dos agones a noccedilatildeo teacutecnica de
agon como um debate entre antagonistas que ocorre numa das seccedilotildees do texto da comeacutedia eacute
muito fugaz para definir precisamente o termo Tanto a forma quanto o conteuacutedo estatildeo
sujeitos agrave diversidade No que concerne agrave forma a siziacutegia epirremaacutetica pode se apresentar
completa ou natildeo e essa instabilidade da forma do agon eacute decorrecircncia da sujeiccedilatildeo da forma ao
conteuacutedo que ligado agrave proposta de cada comeacutedia estaacute a serviccedilo da intenccedilatildeo do poeta e de sua
habilidade em orquestrar o agon com as outras seccedilotildees da peccedila
Os agones de Cavaleiros Nuvens Vespas Ratildes Lisiacutestrata e Aves trazem a siziacutegia
epirremaacutetica completa Todavia somente nas quatro primeiras comeacutedias o conflito se acentua
gradativamente ao longo da fabulaccedilatildeo inserindo o agon num ―complexo agoniacutestico em que
haacute um equiliacutebrio das partes epirremaacuteticas no debate entre os contendores por isso foram
denominados agones modelares
Jaacute em Lisiacutestrata e Aves embora o agon contemple sua forma canocircnica seu
conteuacutedo descaracteriza a siziacutegia epirremaacutetica porque as partes dos epirremas estatildeo presentes
somente na fala de um dos litigantes Em Aves o coro eacute o antagonista do heroacutei e natildeo haacute um
juiz mas um mediador na negociaccedilatildeo Em Lisiacutestrata a seccedilatildeo que corresponde ao agon
demonstra a preferecircncia do poeta pela unilateralidade dos argumentos Em revanche o
antagonismo bem marcado estaacute nas partes corais porque o coro que eacute partidaacuterio se divide
em dois semicoros que se confrontam ao longo da fabulaccedilatildeo
Conclusatildeo 176
Cavaleiros possuem trecircs agones dois em cena onde o coro eacute partidaacuterio do heroacutei
e um agon relato A natureza do agon I eacute uma sobreposiccedilatildeo de vozes sem qualquer oposiccedilatildeo
de argumentos porque o objetivo eacute mostrar qual dos adversaacuterios tem a pior iacutendole No agon
II que eacute o principal forma e conteuacutedo se equilibram apresentando o confronto entre o heroacutei e
seu rival diante de um juiz E por fim no agon relato a forma desaparece para pocircr em
evidecircncia o conteuacutedo que sendo uma narraccedilatildeo dos fatos eacute muito proacuteximo dos relatos dos
mensageiros da trageacutedia
Em Nuvens tambeacutem haacute dois agones e neles estaacute em relevo o antagonismo nas
partes epirremaacuteticas entre contendores no agon I Raciociacutenio Justo versus Raciociacutenio
Injusto e no agon II pai versus filho Ambos potildeem em discussatildeo a educaccedilatildeo e o choque de
geraccedilotildees natildeo haacute um juiz e o coro assume um papel passivo Vespas trazem tambeacutem dois
agones epirremaacuteticos Tendo o coro uma funccedilatildeo ativa o agon I estaacute ancorado na accedilatildeo
decorrente do paacuterodo e o agon II eacute uma extensatildeo do primeiro o que resulta em ambos
algumas adequaccedilotildees como por exemplo a presenccedila de proepirremas falados na ode O agon
de Ratildes eacute muito bem construiacutedo pela equiparaccedilatildeo formaconteuacutedo As partes corais gerenciam
a contenda na presenccedila de um juiz e nos epirremas haacute o jogo do argumentocontra-argumento
em que o antagonismo eacute bem marcado
Nas outras comeacutedias de Aristoacutefanes o comprometimento da forma com a siziacutegia
epirremaacutetica incompleta ou ausente nem sempre anula o caraacuteter debatedor do agon No que se
refere agrave siziacutegia epirremaacutetica incompleta em Pluto o uacutenico epirrema da estrutura se divide
entre os debatedores e garante o jogo do argumentocontra-argumento em cujo jogo retoacuterico
natildeo estaacute em questatildeo a superioridade de um dos contendores senatildeo o peso dos argumentos de
cada um
Por outro lado o agon em Assembleacuteia de mulheres possui um uacutenico epirrema
adequando a forma ao conteuacutedo epidiacutetico do agon Natildeo se trata de defender ou expor pontos
Conclusatildeo 177
de vista como em Pluto mas demonstrar que o plano da heroiacutena eacute exequumliacutevel E ainda o agon
de Paz que eacute o uacutenico que estamos considerando como quasi-agon o conteuacutedo tambeacutem estaacute
determinando a forma que se apresenta muito reduzida Em se tratando de uma comeacutedia rica
em discursos voltados ao espectador o uacutenico epirrema da estrutura do agon eacute de caraacuteter
explicativo que leva a uma reflexatildeo sobre o propoacutesito da comeacutedia que eacute um hino agrave paz A
presenccedila de um uacutenico epirrema nessas comeacutedias sinaliza que as partes epirremaacuteticas tendem a
desaparecer e consequumlentemente o agon epirremaacutetico
Acarnenses e Tesmoforiantes satildeo comeacutedias que demonstram a possibilidade de
um agon natildeo epirremaacutetico porque a siziacutegia epirremaacutetica cede lugar agrave siziacutegia iacircmbica Em
Acarnenses o conteuacutedo estaacute determinando a forma da maneira mais complexa possiacutevel a
ponto de ocorrer uma contaminatio entre as seccedilotildees do texto um agon de tom parabaacutetico e um
paacuterodo com estrutura epirremaacutetica de agon Em Tesmoforiantes o final do paacuterodo jaacute daacute
indiacutecios de que a accedilatildeo caminha para uma discussatildeo na qual Aristoacutefanes preferiu usando o
recurso da paratrageacutedia o conteuacutedo agrave forma uma vez que a estrutura do agon da trageacutedia
desconhece a siziacutegia epirremaacutetica
Vespas e Ratildes satildeo exemplos de que a ausecircncia da forma de um agon epirremaacutetico
natildeo impede que o conteuacutedo da cena natildeo seja de um agon Em Vespas a cena do jugamento
domiciliar dos catildees caracteriza-se como uma cena de agon-processo jaacute que se trata de uma
paroacutedia aos tribunais atenienses Em Ratildes cujo agon compreende toda a segunda parte da
peccedila haacute um hibridismo entre as formas epirremaacuteticas e iacircmbicas primeiramente o agon se
configura tanto na forma quanto no conteuacutedo como um agon epirremaacutetico ateacute o momento em
que a forma epirremaacutetica eacute suplantada pelas cenas iacircmbicas que manteacutem o mesmo conteuacutedo
do debate entre Eacutesquilo e Euriacutepides cujo desfecho soacute vai ocorrer nos uacuteltimos versos da
comeacutedia
Conclusatildeo 178
A forma se subjuga ao conteuacutedo porque os conteuacutedos dos agones estatildeo em
simbiose com a proposta de cada peccedila trazendo discussotildees de ordem poliacutetica como Cleatildeo e a
conduta dos demagogos em Cavaleiros e Acarnenses e a poliacutetica beacutelica em Paz e Lisiacutestrata
de ordem juriacutedica com a saacutetira agrave justiccedila aacutetica em Vespas de ordem social com o problema da
educaccedilatildeo e o choque de geraccedilotildees em Nuvens ou o desejo de se ter uma cidade perfeita em
Aves de ordem literaacuteria com a criacutetica literaacuteria em Tesmoforiantes e Ratildes e por fim de ordem
econocircmica em Assembleacuteia de mulheres e Pluto Por toda parte transparece a utilizaccedilatildeo de um
ideal contemporacircneo bastante cultivado
De acordo com Gelzer (1960 p 268) o desaparecimento da maioria das antigas
formas fixas corresponde agrave quase total diminuiccedilatildeo das funccedilotildees do coro que natildeo desempenha
mais nenhum papel na accedilatildeo E no caso do agon epirremaacutetico de Assembleacuteia de mulheres e
Pluto com a expressiva reduccedilatildeo das evoluccedilotildees corais a cena torna-se predominantemente
uma cena de atores Isso vai resultar tambeacutem na mudanccedila da composiccedilatildeo meacutetrica da comeacutedia
os tetracircmetros trocaicos seratildeo substituiacutedos pelo metro iacircmbico que se aproxima da prosoacutedia
da liacutengua comum de ritmo mais acelerado caracteriacutestica da Comeacutedia Nova (BENOIT 1854
p 170)
Tem-se a impressatildeo de que se trata de um fenocircmeno de efeito dominoacute ou seja
com a queda das funccedilotildees do coro caem juntamente as demais formas fixas da comeacutedia razatildeo
pela qual o agon epirremaacutetico que se manteacutem agrave pena na estrutura conteacutem apenas uma
forma simples que se apresenta num uacutenico epirrema o qual por sua vez estaacute condenado a
desaparecer pela meacutetrica
Natildeo se trata de uma supressatildeo mas de uma transformaccedilatildeo que responde pela
evoluccedilatildeo da Comeacutedia Antiga de Aristoacutefanes para a Comeacutedia Nova de Menandro E
certamente o principal motivo encontra-se na diversidade da funccedilatildeo dramaacutetica do coro no
agon A razatildeo de o coro assumir funccedilotildees diferentes em cada comeacutedia ocorre porque ele estaacute
Conclusatildeo 179
presente em todos os agones epirremaacuteticos Aleacutem de atuar nas partes a ele determinadas ode
e katakeleusmos ele pode tambeacutem participar excepcionalmente dos epirremas
Nas partes corais do agon ele assume quatro diferentes funccedilotildees dramaacuteticas
A primeira como observador passivo em que ele marca presenccedila nos dois agones
de Nuvens no extenso agon de Ratildes no agon de Assembleacuteia de mulheres e no agon de Pluto
A segunda funccedilatildeo tambeacutem manteacutem o coro como observador poreacutem como
observador ativo porque ele toma partido da situaccedilatildeo esse caso encontra-se no agon II de
Cavaleiros em que ele estaacute interessado no desfecho da contenda
Na terceira funccedilatildeo em que o coro participa com nuanccedila de grau como
antagonista destacam-se os agones cuja accedilatildeo pelejadora eacute oriunda desde o paacuterodo Satildeo eles
o agon de Acarnenses agon I de Cavaleiros o agon I de Vespas o agon de Aves199
o agon
de Tesmoforiantes e o agon de Lisiacutestrata em que haacute o enfrentamento dos dois semicoros que
falam e cantam cada um antes dos epirremas em favor de seus partidaacuterios
A quarta funccedilatildeo pode ser observada no agon II de Vespas em que o coro assume o
papel de juiz do debate entre os litigantes
Essa diversidade do papel do coro ao longo dos agones das comeacutedias existentes
de Aristoacutefanes tem portanto uma relaccedilatildeo imediata com as oscilaccedilotildees quanto agrave forma e ao
conteuacutedo dos agones epirremaacuteticos O derradeiro agon na obra de Aristoacutefanes eacute quanto ao
conteuacutedo um verdadeiro debate Esperar-se-ia entatildeo que Aristoacutefanes tivesse composto um
agon epirremaacutetico agrave luz dos agones modelares como em Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes O
poeta preferiu entretanto privilegiar o conteuacutedo em detrimento da forma compondo um agon
com um uacutenico epirrema como em Aves Lisiacutestrata e Assembleacuteia de mulheres embora natildeo se
trate de um agon unilateral presente nessas comeacutedias mas o poeta reduz a forma e num uacutenico
199
Em Aves a Poupa poderia representar o lado das aves mas essa personagem tem o papel especial de
mediador entre os contendores o heroacutei e as aves Por isso ela natildeo pode exercer no agon a funccedilatildeo de
antagonista
Conclusatildeo 180
epirrema o conteuacutedo eacute polarizado entre a arguumliccedilatildeo de Crecircmilo e de seu adversaacuterio200
Por traacutes
dessa discussatildeo ocultam-se ocasionalmente pensamentos sofiacutesticos pois duas posiccedilotildees
antiteacuteticas sobre o mesmo objeto satildeo em si uma tendecircncia caracteriacutestica da antilogia
sofiacutestica Trata-se da conduccedilatildeo do debate por meio de perguntas e respostas habilmente
colocadas Essa teacutecnica diz Gelzer (1960 p 129) eacute bem conhecida dos diaacutelogos de Platatildeo
sendo especificamente dialeacutetica os dois contendores propotildeem uma tese apoiada por um deles
e combatida pelo outro ateacute que um deles seja levado a admitir que natildeo tem razatildeo No agon de
Pluto a dialeacutetica quase perfeita natildeo fosse a resistecircncia de uma das partes admitir que a outra
estaacute com razatildeo (v 600) eacute responsaacutevel pela comicidade do debate cujo desfecho sela a
alogia201
desse agon
Isso visto o agon eacute uma seccedilatildeo da estrutura da comeacutedia e como tal pode vir
intercalado entre o paacuterodo e a paraacutebase ou apoacutes esta uacuteltima Em se tratando de uma das partes
do texto cocircmico o agon tem estrutura formal e meacutetrica especiacutefica Assim a presenccedila do
epirrema ndash como um componente da siziacutegia epirremaacutetica ndash eacute um sema comum nos agones
das comeacutedias de Aristoacutefanes202
O conteuacutedo desses agones que perfaz toda a forma estaacute
associado agrave proposta de cada comeacutedia Como o sucesso do plano do heroacutei depende da astuacutecia
desse heroacutei para transpor os obstaacuteculos o conteuacutedo do agon pode com ou sem um confronto
fiacutesico oscilar entre um debate polarizado e uma discussatildeo unilateral
O exame de todos os agones na poeacutetica aristofacircnica demonstra portanto a
engenhosidade do poeta na manipulaccedilatildeo das convenccedilotildees estruturais comum do agon sempre
200 O agon de Pluto apesar de reduzido manteacutem a mesma natureza debatedora dos agones em Acarnenses
(Diceoacutepolis versus Lacircmaco) Cavaleiros (Agoraacutecrito versus Paflagocircnio) Nuvens (Raciociacutenios Justo versus
Injusto) Vespas (Filocleatildeo versus Bdelicleatildeo) e Ratildes (Euriacutepides versus Eacutesquilo) Antes do minucioso estudo
de Gelzer (1960) Navarre (1911 p 252) jaacute tinha observado a divisatildeo do epirrema no agon de Pluto para
cada argumento de Crecircmilo um contra-argumento de Penia e vice-versa 201 Propp (1992 107) sugere como manifestaccedilatildeo do cocircmico o alogismo termo que se refere agravequele que profere
absurdidades e realiza accedilotildees insensatas No caso do agon de Pluto os contendores se atacam alegando o raciociacutenio disparatado do outro (vv 507-508 517) e quanto agrave accedilatildeo o desfecho da disputa estampa a natureza
no sense da praacutexis do heroacutei 202 Embora Acarnenses e Tesmoforiantes tenham uma estrutura iacircmbica em que o iambo substitui o epirrema (cf
Introduccedilatildeo ndash infra quadro) deve-se entender que o discurso iacircmbico presta-se agrave funccedilatildeo do epirrema
Conclusatildeo 181
sujeita ao conteuacutedo que associado agrave temaacutetica da comeacutedia expotildee um assunto que eacute do
interesse comum Assim sendo no que diz respeito agrave forma o agon epirremaacutetico tende a
desaparecer mas sobrevive na comeacutedia pelo conteuacutedo
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1984
ANEXO
AGON TRADUCcedilAtildeO E NOTAS
192lsquo
Cavaleiros ndash agon I (vv 303-460)
193lsquo
194lsquo
195lsquo
196lsquo
197lsquo
198lsquo
199lsquo
200lsquo
Cavaleiros ndash agon II (vv 756-941)
201lsquo
202lsquo
203lsquo
204lsquo
205lsquo
206lsquo
207lsquo
208lsquo
209lsquo
Nuvens ndash agon I (vv 949-1104)
210lsquo
211lsquo
212lsquo
213lsquo
214lsquo
Nuvens ndash agon II (vv 1345-1451)
215lsquo
216lsquo
217lsquo
218lsquo
Vespas ndash agon I (vv 334-414)
219lsquo
220lsquo
221lsquo
222lsquo
Vespas ndash agon II (vv 526-727)
223lsquo
224lsquo
225lsquo
226lsquo
227lsquo
228lsquo
229lsquo
230lsquo
231lsquo
232lsquo
Ratildes ndash agon (vv 895 a 1499)
233lsquo
234lsquo
235lsquo
236lsquo
237lsquo
238lsquo
239lsquo
240lsquo
241lsquo
242lsquo
243lsquo
244lsquo
245lsquo
246lsquo
247lsquo
248lsquo