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CLÁUDIA MANOEL RACHED FÉRAL O AGON NA POÉTICA ARISTOFÂNICA: DIVERSIDADE DA FORMA E DO CONTEÚDO Araraquara 2009

CLÁUDIA MANOEL RACHED FÉRAL - Unesp

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Page 1: CLÁUDIA MANOEL RACHED FÉRAL - Unesp

CLAacuteUDIA MANOEL RACHED FEacuteRAL

O AGON NA POEacuteTICA ARISTOFAcircNICA

DIVERSIDADE DA FORMA E DO CONTEUacuteDO

Araraquara

2009

CLAacuteUDIA MANOEL RACHED FEacuteRAL

O AGON NA POEacuteTICA ARISTOFAcircNICA

DIVERSIDADE DA FORMA E DO CONTEUacuteDO

Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Estudos Literaacuterios da Faculdade de Ciecircncias e Letras da

Universidade Estadual Paulista-UNESP Cacircmpus de

Araraquara para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em

Estudos Literaacuterios

Orientadora Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti

Araraquara

2009

A Lionel Antoine

e Louise

AGRADECIMENTOS

Meu muitiacutessimo obrigada agrave orientadora desta Tese Profa Dra Maria Celeste

Consolin Dezotti profissional exemplar e pessoa admiraacutevel que desde o princiacutepio muito me

ensinou com sua incansaacutevel boa vontade

Minha especial gratidatildeo agrave Profa Dra Daisi Malhadas (UNESP) orientadora de

minha Dissertaccedilatildeo de Mestrado que haacute exatamente dez anos me presenteou com a obra

LrsquoΑΓΩΝ dans la trageacutedie grecque de Jacqueline Duchemin Muito mais que um presente

esse livro foi um encorajamento para que eu continuasse a pesquisa nos Estudos Claacutessicos

Agradeccedilo aos colegas de aacuterea Prof Dr Fernando Brandatildeo dos Santos Profa Dra

Edvanda Bonavina da Rosa e Profa Dra Anise A G DlsquoOrange Ferreira pelo apoio

incondicional E tambeacutem estendo minha gratidatildeo aos colegas Prof Dr Joseacute Dejalma Dezotti

Prof Dr Joatildeo Batista Toledo Prado Prof Dr Brunno Viniacutecius G Vieira e Prof Dr Maacutercio

N Thamos

Pela leitura criteriosa agradeccedilo agrave Profa Dra Edvanda Bonavina da Rosa e agrave

Profa Dra Adriane da Silva Duarte (USP) membros da Banca Examinadora de Qualificaccedilatildeo

Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria de Faacutetima Silva (Coimbra) pelos comentaacuterios e

sugestotildees

Devo ainda meus agradecimentos ao Prof Dr Joseacute Pedro Antunes (UNESP) e agrave

Profa Dra Profa Maria Cristina Reckziegel G Evangelista (UNESP) pela traduccedilatildeo dos

textos em liacutengua alematilde

Aos colegas docentes do Departamento de Linguumliacutestica e tambeacutem ao secretaacuterio

James R R da Motta aos docentes do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Estudos Literaacuterios

aos servidores teacutecnico-administrativos da Seccedilatildeo de Poacutes-Graduaccedilatildeo e aos da Biblioteca da

UNESP-FCLCAr deixo minha gratidatildeo

Enfim a Lionel Antoine companheiro de todas as horas e meu primeiro leitor e agrave

Louise filha encantadora merci

νῦν γὰρ ἀγὼν σοφίας ὁ μέγας χωρεῖ πρὸς ἔργον ἤδη eacute agora que o grande debate de talento daacute iniacutecio nesse instante a sua execuccedilatildeo

(ARISTOacuteFANES Ratildes v 884)

FEacuteRAL C M R O agon na poeacutetica aristofacircnica diversidade da forma e do conteuacutedo

2009 303 f Tese (Doutorado em Estudos Literaacuterios) ndash Faculdade de Ciecircncias e Letras

Universidade Estadual Paulista Araraquara 2009

RESUMO

Esta pesquisa tem o objetivo de estudar nas onze comeacutedias supeacuterstites de Aristoacutefanes a

natureza do agon (ἀγών) O trabalho estaacute composto de apresentaccedilatildeo introduccedilatildeo cinco

capiacutetulos conclusatildeo referecircncias e anexo com traduccedilatildeo dos agones estudados A introduccedilatildeo

apresenta o tema define o objeto e delimita o corpus e por fim expotildee a revisatildeo criacutetica da

bibliografia especiacutefica O primeiro capiacutetulo aborda algumas consideraccedilotildees preliminares sobre

o percurso e a importacircncia da palavra agon da qual se derivou a expressatildeo civilizaccedilatildeo

agoniacutestica emblemaacutetica para a sociedade grega como uma cultura por essecircncia competitiva

Do segundo ao quinto capiacutetulo foram feitas anaacutelises de caraacuteter estrutural e temaacutetico dos

agones das comeacutedia em parelelo fez-se um estudo do papel do heroacutei cocircmico de acordo com

as seguintes classificaccedilotildees i) bomolochos bufatildeo ii) eiron irocircnico dissimulador iii) alazon

fanfarratildeo iv) poneros espertalhatildeo matreiro v) spoudaios soberbo

Palavras-chave Aristoacutefanes agon traduccedilatildeo bomolochos eiron alazon poneros

FEacuteRAL C M R Lrsquoagon dans la poeacutetique drsquoAristophane la diversiteacute de la forme et du

fond 2009 303 f Thegravese (Doctorat en Eacutetudes Litteacuteraires) ndash Faculteacute de Sciences et Lettres

UNESP Araraquara 2009

REacuteSUMEacute

Llsquoobjectif de ce travail est dlsquoeacutetudier la nature de lrsquoagocircn (ἀγών) dans les onzes comeacutedies

dlsquoAristophane qui nous sont parvenues Le travail est organiseacute autour dlsquoune introduction cinq

chapitres conclusion refeacuterence et traductions des agocircns Llsquointroduction nous preacutesente le

thegraveme deacutefinit llsquoobjet deacutelimite le corpus et fait une reacutevision critique de la bibliographie

speacutecifique Le premier chapitre traite du parcours et de llsquoimportance du mot agon qui est agrave

llsquoorigine de llsquoexpression civilisation agonistique embleacutematique de la socieacuteteacute grecque vue

comme une culture qui est par essence compeacutetitiveLes agocircns de chaque comeacutedie sont

ensuite analyseacutes du deuxiegraveme au cinquiegraveme chapitre Conjointement agrave ces analyses de

caractegravere structurale et theacutematique les rocircles du heacutero comique sont aussi eacutetudieacutees et sont

classeacutees en i) bomolochos bouffon ii) eiron dissimulateur iii) alazon fanfaron iv)

poneros ruseacute v) spoudaios seacuterieux

Mots-cleacutes Aristophane agocircn traduction bomolochos eiron alazon poneros

SUMAacuteRIO

Apresentaccedilatildeo 8

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 12

1 Apresentaccedilatildeo do tema 13

2 Definiccedilatildeo do objeto e delimitaccedilatildeo do corpus 20

3 Resenha criacutetica da bibliografia especiacutefica 30

Capiacutetulo I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 39

Capiacutetulo II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (Agon(es) inseridos(s)

num complexo agoniacutestico) 52

1 O agon em Cavaleiros a disputa a galope 53

2 O agon em Nuvens os confrontos tempestuosos 66

3 O agon em Vespas a discussatildeo a ferroadas 76

4 O agon em Ratildes os saltos do debate entre Euriacutepides e Eacutesquilo 88

Capiacutetulo III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 105

1 Acarnenses desafi(n)ando o coro (agon contaminatus e complexo agoniacutestico) 106

2 Tesmoforiantes mulheres em agoniaccedilatildeo (agon-logon e centro da accedilatildeo) 117

3 Paz a luta em missatildeo de paz (quasi-agon de reflexatildeo e acessoacuterio da accedilatildeo) 126

Capiacutetulo IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia de Mulheres 135

1 Aves a conversa levada no bico (agon de exposiccedilatildeo e ligado agrave accedilatildeo) 136

2 Lisiacutestrata o confronto entre coros (agon de exposiccedilatildeo inserido num complexo

agoniacutestico) 146

3 Assembleacuteia de mulheres falando de homem para homem (agon de exposiccedilatildeo e centro da

accedilatildeo) 155

Capiacutetulo V mdash O uacuteltimo agon 162

Pluto a riqueza do conflito (agon ad absurdum e centro da accedilatildeo) 163

Conclusatildeo 174

Referecircncias 182

Anexo mdash Agon traduccedilatildeo e notas 191

Iacutendice onomaacutestico 304

APRESENTACcedilAtildeO

9

Esta pesquisa pretende analisar nas onze comeacutedias supeacuterstites de Aristoacutefanes a

natureza do agon (ἀγών) O plano de trabalho prevecirc introduccedilatildeo cinco capiacutetulos conclusatildeo

referecircncias e anexo com traduccedilatildeo dos agones estudados

Na Introduccedilatildeo ―O agon na comeacutedia consta a apresentaccedilatildeo do tema a definiccedilatildeo

do objeto e a delimitaccedilatildeo do corpus e por fim uma exposiccedilatildeo da revisatildeo criacutetica da

bibliografia especiacutefica Toda esta pesquisa eacute norteada pelos trabalhos de Thomas Gelzer

(1960) ndash Der epirrhemastische Agon bei Aristophanes Untersuchngen zur Struktur der

Attischen Alten Komodie Jacqueline Duchemin (1968) ndash LrsquoΑΓΩΝ dans la trageacutedie grecque ndash

e Michael Lloyd (1992) ndash The Agon in Euriacutepides

O primeiro capiacutetulo ―A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes traz

algumas consideraccedilotildees preliminares sobre o percurso e a importacircncia da palavra agon da qual

se derivou a expressatildeo civilizaccedilatildeo agoniacutestica que emblemaacutetica para a sociedade grega como

uma cultura por essecircncia competitiva proveacutem da palavra agon que se refere a um conjunto de

atividades peculiares agrave vida grega tanto ao aspecto natildeo-verbal beacutelico quanto ao verbal

retoacuterico

No segundo capiacutetulo ―Agones modelares satildeo estudadas as comeacutedias Cavaleiros

Nuvens Vespas e Ratildes cujos agones satildeo exemplares para a anaacutelise dos demais Aleacutem disso o

exame deles demanda esclarecimentos para algumas questotildees de ordem metodoloacutegica Nessas

peccedilas o(s) agon(es) faz(em) parte de um complexo agoniacutestico por causa do desenvolvimento

progressivo da accedilatildeo que tem por natureza o conflito que se acentua gradativamente ao longo

da trama

Em ―A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz o terceiro

capiacutetulo discutem-se as dissidecircncias entre os helenistas no que se refere agrave legitimidade de

existecircncia de agon nessas peccedilas A proposta nesse capiacutetulo eacute mostrar primeiramente que em

Acarnenses a cena que cumpre a funccedilatildeo de agon eacute classificada quanto agrave dinacircmica da accedilatildeo

10

como um agon contaminatus que estaacute inserido num complexo agoniacutestico como nas comeacutedias

referidas no segundo capiacutetulo em que a accedilatildeo dramaacutetica vai num crescendo Em

Tesmoforiantes a cena que se localiza no lugar do agon eacute paratraacutegica porque a comeacutedia

como um todo eacute uma paratrageacutedia de peccedilas de Euriacutepides A cena em que estaacute o agon de Paz eacute

de natureza mais capciosa devido agraves inuacutemeras irregularidades tanto na forma quanto no

conteuacutedo sendo cabiacutevel dizer que se trata de um quasi-agon de natureza reflexiva cuja cena

funciona como um acessoacuterio da accedilatildeo

O quarto capiacutetulo ―O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral demonstra

que a natureza dos agones eacute expositiva e quanto agrave accedilatildeo eles podem estar no centro dela

como em Aves e Assembleacuteia de mulheres ou inserido num complexo agoniacutestico como em

Lisiacutestrata

O quinto capiacutetulo ―O uacuteltimo agon analisa o agon de Pluto caracterizado como

ad absurdum porque do ponto de vista dramaacutetico o resultado insoacutelito da discussatildeo natildeo eacute

saber qual dos litigantes tem razatildeo mas pocircr em relevo o valor da argumentaccedilatildeo Com a

diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do coro nessa peccedila a forma do agon fica bem reduzida e tudo

indica que assim como a paraacutebase jaacute desaparecera o agon epirremaacutetico tambeacutem estaria com

seus dias contados

Para manter o espiacuterito aristofacircnico o agon de cada comeacutedia em exame recebeu

um tiacutetulo A saber Cavaleiros a disputa a galope Vespas a discussatildeo a ferroadas Nuvens

os confrontos tempestuosos Ratildes os saltos do debate entre Eacutesquilo e Euriacutepides Acarnenses

desafi(n)ando o coro Tesmoforiantes mulheres em agoniaccedilatildeo Aves a conversa levada no

bico Lisiacutestrata o confronto entre coros Assembleacuteia de mulheres falando de homem para

homem e por fim Pluto a riqueza do conflito

Aleacutem de anaacutelises de caraacuteter estrutural e temaacutetico o agon foi estudado em

concomitacircncia com as funccedilotildees o heroacutei cocircmico em Aristoacutefanes porque a seccedilatildeo agon tem

11

implicaccedilotildees com o ecircxito ou o fracasso do porjeto do heroacutei Uma obra capital sobre o heroacutei

cocircmico eacute Aristophanes and the Comic Hero de Cedric Whitman (1964) um estudo sobre um

novo tipo de heroacutei o heroacutei cocircmico que aleacutem de parodiar os heroacuteis da trageacutedia e da epopeacuteia

expressa ao mesmo tempo aspiraccedilotildees humanas face aos problemas em que vive Uma parte

dessa obra comenta o heroiacutesmo cocircmico e nesse aspecto Whitman (1964) fez uma

investigaccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo do heroacutei e suas funccedilotildees na accedilatildeo como alazon eiron e poneros

a partir do trabalho de Francis Macdonald Cornford (1934) The origin of Attic Comedy1

Nessa mesma linha de anaacutelise estaacute o trabalho The Theatre of Aristophanes de

Kenneth McLeish (1980) em que haacute um estudo a respeito do heroacutei e seus adversaacuterios sob o

ponto de vista das seguintes funccedilotildees eiron alazon poneros bomolochos e spoudaios O

terceiro estudo fecundo eacute somado aos dois anteriores o de Pascal Thiercy (2007)

Aristophane Fiction et dramaturgie2 Na terceira parte dessa obra haacute um exame das relaccedilotildees

entre personagens centralizadas no heroacutei conforme as seguintes funccedilotildees eiron alazon e

poneros

Para facilitar a consulta ao corpus seguem em anexo as traduccedilotildees dos agones

com texto biliacutenguumle3 Das onze comeacutedias quatro delas tiveram emprestada a traduccedilatildeo de seus

agones A saber Nuvens traduccedilatildeo de Gilda Maria Reale Starzynski Aves e Lisiacutestrata por

Adriane da Silva Duarte e Ratildes segundo Anna Lia A A Prado e Silvia Sueli Milanezi Eacute de

minha responsabilidade o restante dos agones apresentados e traduzidos A traduccedilatildeo desse

corpus cujo texto eacute poesia com meacutetrica especiacutefica visa apenas a traduzir a forma do

conteuacutedo o que resultaraacute na liacutengua de chegada uma traduccedilatildeo acadecircmica portanto sem se

preocupar com a forma da expressatildeo

1 Utilizamos em nossa pesquisa o trabalho de F M Cornford publicado em 1968 2 A primeira ediccedilatildeo eacute de 1986 e ateacute onde pesquisamos essa nova ediccedilatildeo natildeo alterou os comentaacuterios sobre o

agon em relaccedilatildeo agrave ediccedilatildeo antiga 3 Adotamos a traduccedilatildeo biliacutenguumle gregoinglecircs de Alan H Sommerstein

INTRODUCcedilAtildeO

O AGON NA COMEacuteDIA

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 13

1 Apresentaccedilatildeo do tema

Meu propoacutesito eacute estudar a diversidade da forma e do conteuacutedo do agon na obra de

Aristoacutefanes Para se estabelecer os criteacuterios de anaacutelise colocaremos antes algumas questotildees

que tentaremos responder ao longo desta pesquisa i) o que eacute o agon na comeacutedia ii) toda cena

de disputa seja ela de natureza verbal ou natildeo-verbal eacute agon iii) eacute possiacutevel haver agon sem

conflito iv) sendo uma das seccedilotildees da estrutura da comeacutedia e por causa da meacutetrica proacutepria o

agon precisa apresentar todas suas partes v) as personagens que participam do agon

assumem quais funccedilotildees vi) o heroacutei e seu adversaacuterio satildeo as uacutenicas personagens envolvidas no

agon ou eacute possiacutevel um agon sem a participaccedilatildeo do heroacutei cocircmico

As respostas a essas questotildees esbarram na equaccedilatildeo formaconteuacutedo que cada agon

apresenta resultando numa diversidade formal e temaacutetica da obra aristofacircnica A minha

hipoacutetese eacute que Aristoacutefanes conhecendo bem a estrutura comum do agon manipulou as

convenccedilotildees estruturais de sua forma subjugando-a ao conteuacutedo ou seja o conteuacutedo

determinando a forma a ponto de esta se apresentar ora completa ora incompleta ora

reduzida ou extremamente modificada As investigaccedilotildees datildeo indiacutecios de que quanto agrave forma

o agon como uma seccedilatildeo da estrutura tende a desaparecer mas sobrevive na comeacutedia pelo

conteuacutedo

Esta pesquisa partiu do estudo do agon na trageacutedia feito por Jacqueline Duchemin

(1968) o qual nos serviu de paradigma para uma classificaccedilatildeo do agon quanto agrave sua evoluccedilatildeo

temaacutetica em relaccedilatildeo agrave accedilatildeo e agrave funccedilatildeo dramaacutetica Natildeo se trata neste estudo de fazer uma

colagem das classificaccedilotildees do agon da trageacutedia na comeacutedia porque na trageacutedia o agon eacute uma

discussatildeo que funciona como um elemento da accedilatildeo podendo ocorrer em qualquer instacircncia

do enredo enquanto que na comeacutedia ele eacute um componente da estrutura e como parte dela

tem lugar fixo e meacutetrica especiacutefica A relaccedilatildeo do trabalho de Duchemin (1968) com este

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 14

estudo encontra-se nos roacutetulos que de acordo com a descriccedilatildeo de cada um parecem tambeacutem

ser adequados agraves cenas de agon na comeacutedia mas com as devidas adequaccedilotildees pertinentes ao

gecircnero cocircmico

Do estudo de Duchemin (1968 p 124-144) aproveitaremos os criteacuterios segundo o

lugar do agon na accedilatildeo dos conjuntos agoniacutesticos complexos e do nuacutemero de participantes A

classificaccedilatildeo do agon na accedilatildeo implica trecircs posiccedilotildees i) o agon no centro da accedilatildeo (lrsquo ἀγών au

centre de lrsquoaction) ii) o agon que se desprende da accedilatildeo (lrsquo ἀγών se deacutetachant de lrsquoaction)

iii) o agon acessoacuterio da accedilatildeo (lrsquo ἀγών hors-drsquooeuvre)

Quanto ao lugar do agon na accedilatildeo ele eacute centro da accedilatildeo nas seguintes situaccedilotildees i) a

discussatildeo estaacute estritamente ligada ao andamento da accedilatildeo ii) o objeto da discussatildeo constitui o

assunto da peccedila iii) a discussatildeo representa um papel de impulsatildeo dramaacutetica ou iv) ou a

discussatildeo interveacutem para esclarecer uma situaccedilatildeo tornando-se uma conclusatildeo do drama

Duchemin (1968) considera que o agon se desprende da accedilatildeo4 quando ele assume

um valor de exposiccedilatildeo dramaacutetica Pode ocorrer por causa de uma persuasatildeo fracassada ou de

uma discussatildeo retrospectiva com assuntos do passado ou de uma discussatildeo cujo uacutenico

objetivo eacute deixar claro o antagonismo

Em muitas cenas de agon sobretudo em Euriacutepides que empregou as antilogiai

sofigravesticas e as formas antiteacuteticas o agon funciona como acessoacuterio da accedilatildeo quando a relaccedilatildeo

com a accedilatildeo pode ser vaga em que a discussatildeo natildeo tem nenhuma relaccedilatildeo com a situaccedilatildeo e os

assuntos satildeo de interesse dos atenienses ou pode antecipar a discussatildeo principal Nesse caso

trata-se de discussotildees que se justapotildeem

No que se refere aos conjuntos agoniacutesticos complexos a cena de agon que eacute

analisada do ponto de vista da accedilatildeo e de quem faz essa accedilatildeo pertence a um conjunto de cenas

que satildeo um prolongamento do conflito Trata-se de um pressuposto estrutural que contempla

4 Nenhum dos agones em Aristoacutefanes conforme anaacutelises feitas neste estudo enquadra-se na classificaccedilatildeo ―agon

que se desloca da accedilatildeo

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 15

o todo orgacircnico da peccedila As cenas estatildeo arranjadas por uma ordem de complexidade

crescente i) agones ligados por cenas que os intercalam ii) agones sucessivos isto eacute o

segundo nasce imediatamente do primeiro sem intervalo de cena iii) o agon no final

resultado de uma progressatildeo dramaacutetica de uma seacuterie de cenas

Por fim o nuacutemero de debatedores de um agon pode incluir duas personagens

duas personagens e um aacuterbitro trecircs personagens

Estabelecidas as classificaccedilotildees de Duchemin (1968) para o agon na trageacutedia

vejamos entatildeo o aproveitamento delas na obra de Aristoacutefanes

O agon centro da accedilatildeo estaacute presente em Aves Tesmoforiantes Assembleacuteia de

mulheres e Pluto Nessas comeacutedias o objeto em discussatildeo tambeacutem eacute assunto da peccedila a

discussatildeo se liga ao andamento da accedilatildeo tendo um papel de impulsatildeo dramaacutetica para as cenas

subsequumlentes que satildeo uma consequumlecircncia do agon Quanto agrave natureza do discurso do agon

Aves e Assembleacuteia de mulheres apresentam um discurso expositivo de caraacuteter persuasivo

trata-se portanto de um agon de exposiccedilatildeo Em Tesmoforiantes o discurso eacute um empreacutestimo

das trageacutedias de Euriacutepides trata-se portanto de um agon paratraacutegico Em Pluto o agon eacute ad

absurdum porque o discurso de defesa do heroacutei serve para esclarecer seu plano utoacutepico e o

jogo de persuasatildeo eacute completamente anulado pela inesperada reviravolta do desfecho da

contenda

Em Paz a cena que preenche a funccedilatildeo do agon eacute classificada como um acessoacuterio

da accedilatildeo porque a natureza do discurso de Hermes eacute um relato retrospectivo a propoacutesito da

origem da guerra que por sua vez eacute um assunto de interesse coletivo

Segundo Duchemin (1968) outra funccedilatildeo do agon acessoacuterio da accedilatildeo na trageacutedia eacute

preparar a cena para a discussatildeo principal Nesse sentido as cenas que antecedem o agon na

comeacutedia e que satildeo preparatoacuterias para o debate satildeo denominadas proagon portanto

entendemos que o proagon eacute um acessoacuterio da accedilatildeo

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 16

O agon quando faz parte de um complexo agoniacutestico eacute tambeacutem centro da accedilatildeo

porque os argumentos do agon e o da peccedila satildeo os mesmos Isso ocorre em Acarnenses

Cavaleiros Nuvens e Vespas Nesas comeacutedias haacute mais de um agon que sendo um deles o

principal estatildeo separados por outras seccedilotildees da peccedila cuja impulsatildeo dramaacutetica estaacute em

constante progressatildeo o que desencadeia uma sucessatildeo de cenas que quanto agrave forma natildeo satildeo

agon mas quanto ao conteuacutedo trata-se de um prolongamento do debate que se estende ateacute o

final da peccedila Nessas comeacutedias a fabulaccedilatildeo se alicerccedila sobre uma rede entrelaccedilada de cenas

com conteuacutedo comum o que resulta numa contaminatio entre as seccedilotildees da estrutura Por

exemplo o paacuterodo que antecedendo o agon na disposiccedilatildeo das partes da comeacutedia torna-se por

contaminaccedilatildeo um paacuterodo-agoniacutestico Acarnenses e Lisiacutestrata satildeo comeacutedias que melhor

representam essa categoria que estamos denominando contaminatio A razatildeo disso eacute a

participaccedilatildeo ativa do coro como antagonista na fabulaccedilatildeo Jaacute Ratildes possuem um uacutenico agon

sem separaccedilatildeo por cenas uma vez que o agon ocupa toda a segunda parte da comeacutedia Trata-

se de um agon exemplar que expotildee o desenvolvimento progressivo do conflito

De acordo com Duchemin (1968) ao se referir ao agon na trageacutedia o debate com

duas personagens eacute a forma mais comum e configura-se na disputa de duas partes diante de

um juacuteri ou de o juacuteri ser ao mesmo tempo uma das partes do debate Jaacute a querela com mais de

trecircs personagens eacute uma forma que natildeo constitui a forma normal de discussatildeo visto que a

noccedilatildeo de agon repousa sobre um antagonismo completo e parece excluir toda nuanccedila

Essa distribuiccedilatildeo pode ocorrer na comeacutedia que se permite no entanto certas

variaccedilotildees como no agon I de Cavaleiros em que quatro personagens se projetam agrave revelia na

contenda Em Acarnenses o coro eacute adversaacuterio e tem um representante que eacute o rival do heroacutei

Em Tesmoforiantes o oponente do heroacutei eacute o coro Ao contraacuterio no agon II de Cavaleiros o

heroacutei tem apoio do coro e de um escravo contra o concorrente e haacute tambeacutem um juiz Jaacute em

Aves o coro eacute a princiacutepio contraacuterio ao heroacutei mas depois se torna seu partidaacuterio Haacute uma

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 17

terceira personagem que eacute o mediador da contenda e uma quarta que estaacute do lado do heroacutei Jaacute

nos agones de Nuvens o agon I expotildee um debate entre duas personagens sem a participaccedilatildeo

do heroacutei que soacute estaraacute presente no segundo agon da comeacutedia No agon I de Vespas haacute trecircs

personagens uma das quais eacute o coro que toma partido de um dos lados jaacute no agon II a

contenda se limita a duas personagens Em Paz Lisiacutestrata Assembleacuteia de mulheres e Pluto o

conflito ocorre com duas personagens e com a ausecircncia de um juiz Em Ratildes a querela entre

duas personagens tem a presenccedila de um aacuterbitro

Para aleacutem de uma simples contagem dos litigantes envolvidos no conflito a

comeacutedia atribui funccedilotildees aos participantes da contenda Isso porque as personagens cocircmicas

assumem funccedilotildees na fabulaccedilatildeo consequumlentemente tambeacutem no agon E o uacutenico documento

que a Antiguumlidade nos legou a esse respeito foi o Tractatus Coislinianus XII em que satildeo

citadas as seguintes funccedilotildees (βωμολόχος) bomolochos bufatildeo (εἴρων) eiron irocircnico

dissimulador (ἀλαζών) alazon fanfarratildeo5 - sem qualquer desenvolvimento delas na

personagem cocircmica - Somente no seacuteculo XX esses termos vatildeo merecer um estudo dirigido agrave

personagem sobretudo no heroacutei e sua atuaccedilatildeo na comeacutedia em geral sem se restringir a uma

parte do texto

A funccedilatildeo bomolochos6 eacute mateacuteria no estudo pioneiro de W Suumlss

7 (1905 apud

GELZER 1960) em que o autor a interpreta como um interventor cujos comentaacuterios e

apartes prestam-se ao riso por meio de jogos de palavras chistes sem relevacircncia anedotas

obscenas enfim o que possa oferecer um suporte humoriacutestico agrave discussatildeo e

consequumlentemente agrave cena O bomolochos tem funccedilotildees diferentes (GELZER 1960 p 124-

125) no contexto da accedilatildeo ou eacute coadjuvante do heroacutei ou ao contraacuterio eacute juiz da contenda e

5 Reza o texto ἤθη κωμῳδίας τά τε βωμολόχα καὶ τὰ εἰρωνικὰ καὶ τὰ τῶν ἀλαζόνων 6 Literalmente o vocaacutebulo βωμολόχος significa ―aquele que fica agraves escondidas (λόχος) dos altares (βωμός)

para se aproveitar das oferendas ou para mendigaacute-las com mofas ou lisonjas 7 Gelzer (1991) aponta aleacutem do estudo pioneiro de W Suumlss (1905 p 68-70) os trabalhos de H J Newiger

(1957 p 33-49) e de M Landfesten (1967 p 48-78) publicados respectivamente em Bonn Munich e

Amsterdam

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 18

seus apartes tecircm um significado no contexto Como coadjuvante cujas intervenccedilotildees natildeo

servem para o desenvolvimento da accedilatildeo e natildeo fazem senatildeo dirigir-se ao puacuteblico com glosas eacute

possiacutevel em trecircs situaccedilotildees i) sozinho e interlocutor do puacuteblico ii) acompanhado com outra

personagem e co-orador iii) acompanhado com vaacuterias personagens e comentarista de um

diaacutelogo ou de uma accedilatildeo

Em seu livro The origin of Attic Comedy Cornford (1968 p 115-162) analisa as

funccedilotildees bomolochos eiron e alazon na personagem do heroacutei cocircmico que para esse autor estaacute

sempre enquadrado nas duas primeiras categorias Segundo Aristoacuteteles (Retoacuterica 318 1419 b

8-10) o bufatildeo (bomolochos) procura seu prazer zombando do outro enquanto que o irocircnico

(eiron) pelo riso procura o prazer para si mesmo Jaulin (2000 p 319) interpreta essa

evocaccedilatildeo de utilidade do riso como uma distinccedilatildeo entre duas formas da produccedilatildeo do risiacutevel o

irocircnico provoca o riso agraves custas dos outros enquanto que o bufatildeo provoca o riso nos outros a

suas custas

Na opiniatildeo de Whitman (1964 p 27) natildeo haacute um eiron autecircntico nas personagens

aristofacircnicas apenas uma variedade de alazones Jaacute para McLeish (1980 p 53-56) o eiron eacute

irocircnico finge e dissimula suas qualidades e habilidades e o alazon8 eacute espalhafatoso

fanfarratildeo e pretende ter habilidades que natildeo satildeo suas Em princiacutepio esses dois tipos podem

tambeacutem cobrir figuras secundaacuterias em Aristoacutefanes Mas o heroacutei tambeacutem pode representar o

eiron e nesse caso eacute dotado de habilidade para banir o alazon Este por sua vez num niacutevel

mais desenvolvido torna-se uma personagem maior da accedilatildeo geralmente o adversaacuterio do

heroacutei McLeish (1980) tambeacutem amplia essas funccedilotildees atribuindo ao heroacutei uma natureza

multiforme ou como spoudaios ndash personagem soberba seacuteria e sincera ndash ou como

bomolochos ndash bufatildeo ndash ou como poneros ndash espertalhatildeo matreiro Na opiniatildeo dele a natureza

multiforme do heroacutei facilita-lhe adaptar sempre uma resposta para perguntas de cada

8 A presenccedila desses dois tipos foi notada primeiramente por Aristoacuteteles afirma McLeish (1980 p 53)

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 19

confronto particular o que nos parece mais apropriado Nessa mesma linha de anaacutelise

Thiercy (2007) tambeacutem estabelece mais de uma ao heroacutei que satildeo resultados de uma mistura

complexa natildeo apenas segundo o caraacuteter do indiviacuteduo mas tambeacutem segundo suas

necessidades

O conceito de ironia (eironeia) admite muitas interpretaccedilotildees9 e sua etimologia natildeo

eacute satisfatoacuteria (CHANTRAINE 1999 p 326) Nenhuma ocorrecircncia desse termo eacute atestada

antes do periacuteodo da Guerra do Peloponeso quando Aristoacutefanes utiliza-o uma uacutenica vez em

Nuvens (v 449) Aristoacuteteles em seus tratados sobre a eacutetica jaacute chamava a atenccedilatildeo para a sutil

relaccedilatildeo entre os termos eiron e alazon Whitman (1964 p 26) McLeish (1980 p 53) e

Thiercy (2007 p 187) homologam essa capciosa relaccedilatildeo entre os termos apontada pelo

filoacutesofo grego Os termos eiron e alazon10

estatildeo estritamente ligados a ponto de

compartilharem a mesma noccedilatildeo de fingimento e dissimulaccedilatildeo o eiron finge ironicamente

suas verdadeiras qualidades e habilidades e o alazon finge demasiadamente ter qualidades e

habilidades que natildeo satildeo propriamente suas

As duas uacuteltimas categorias poneros e spoudaios satildeo antagocircnicas em seus

sentidos a primeira carrega todos os defeitos enquanto que a segunda todas as virtudes

Contrariamente aos valores da epopeacuteia e da trageacutedia a comeacutedia revira os valores correntes e

as personagens cocircmicas sobretudo o heroacutei triunfam graccedilas a sua poneria isto eacute uma mistura

de embuste de atrevimento e de torpeza Esses atributos que carregam um sentido negativo

fora da comeacutedia tornam-se positivos nela Como bem observou Whitman (1964 p 29) e

tambeacutem Thiercy (2007 p 187) Aristoacutefanes eacute capaz de reverter as implicaccedilotildees de sentido de

uma palavra como por exemplo πονηρός que vem a ser atributo a uma personagem

espertalhona astuciosa O poneros eacute engenhoso e na opiniatildeo de McLeish (1980 p 55 123)

9 De acordo com o artigo de Pavlovskis (1968 p 22) em que o autor expotildee as muitas interpretaccedilotildees do conceito

de ironia a partir de Aristoacutefanes passando por Platatildeo Aristoacuteteles Teofrasto ateacute chegar nos filoacutesofos ciacutenicos 10 Segundo Thiercy (2007) o vocaacutebulo alazṓn eacute empregado 16 vezes em Aristoacutefanes valor que natildeo confere com

Perseus Digital Library (2006) que constata 13 empregos

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 20

essa arguacutecia o torna invenciacutevel em qualquer situaccedilatildeo de confronto e ao contraacuterio do poneros

que tem total controle e domina a accedilatildeo em cena o bomolochos em geral reage com bufonaria

ao que acontece em sua volta

O termo spoudaios aparece na definiccedilatildeo de trageacutedia formulada por Aristoacuteteles11

(Po 49 b 24) e nos causa a princiacutepio um certo estranhamento quando o vemos tambeacutem

dirigido agrave comeacutedia Esse paradoxo se explica porque ndash embora o termo seja um predicativo de

accedilotildees nobres soberbas elevadas das personagens traacutegicas ndash as personagens cocircmicas natildeo satildeo

apenas dotadas de bomolochia poneria e alazoneiacutea mas tambeacutem na sua irreverecircncia satildeo

personagens que demonstram seriedade e elevaccedilatildeo nos seus propoacutesitos eacute louvaacutevel desejar a

paz ou beneficiar a humanidade ou ainda se preocupar com o futuro da polis O spoudaios natildeo

eacute tatildeo engraccedilado na sua maneira de ser e pensar Suas accedilotildees entretanto levam ao riso porque

as outras personagens reagem a elas com escaacuternio

Concordo com McLeish (1980) Thiercy (2007) e Whitman (1964) que essas

funccedilotildees se aplicam em grande parte agrave classificaccedilatildeo do heroacutei cocircmico e de seu adversaacuterio

Admite-se portanto que a natureza multiforme do heroacutei cocircmico cuja facilidade de adaptaccedilatildeo

eacute bastante grande porque o heroacutei cocircmico sempre tem conforme a situaccedilatildeo um discurso de

defesa pronto para cada confronto particular E assim sendo interpreto que a poneria estaacute por

traacutes desse caraacuteter flexiacutevel do heroacutei que lhe confere muita habilidade e astuacutecia Logo a funccedilatildeo

poneros aflora com nuanccedila de grau em todos os heroacuteis aristofacircnicos com seus projetos

mirabolantes

2 Definiccedilatildeo do objeto e delimitaccedilatildeo do corpus

O agon na sua akme (ἀκμή)12

segundo Duchemin (1969 p 47) compotildee-se

normalmente de duas ―tiradas opostas representando as situaccedilotildees ou as teses contraacuterias de

11 Diz o texto aristoteacutelico ἔστιν οὖν τραγῳδία μίμησις πράξεως σπουδαίας 12 Esse termo eacute entendido como ―o ponto culminante no caso no debate

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 21

duas personagens em confronto agraves vezes de uma maneira bastante excepcional haacute trecircs

personagens Essas ―tiradas satildeo seguidas de um tipo de resoluccedilatildeo do conflito em reacuteplicas

mais raacutepidas resultando numa esgrima de versos alternados conhecida sob o nome de

esticomitia Essas consideraccedilotildees que satildeo proacuteprias agrave trageacutedia podem ser ateacute certo ponto

aplicadas agrave comeacutedia embora natildeo se deva perder de vista que o agon cocircmico eacute muito mais

complexo e amplo porque se trata de uma das partes da comeacutedia portanto com uma estrutura

formal e meacutetrica especiacutefica

Corre-se um risco ao se definir o agon porque eacute preciso que se leve em conta sua

diversidade formal e temaacutetica Daiacute o(s) agon(nes) de algumas comeacutedias terem caracteriacutesticas

que estatildeo ausentes em outras peccedilas a ponto de se cogitar a ausecircncia de agon13

Das onze

comeacutedias oito possuem um ou dois agones quanto agraves trecircs comeacutedias restantes Acarnenses

Paz e Tesmoforiantes haacute uma discussatildeo da presenccedila ou natildeo de um agon Neste trabalho

partimos do pressuposto de que todas as comeacutedias de Aristoacutefanes possuem agon inclusive em

Acarnenses Paz e Tesmoforiantes porque nessas comeacutedias haacute cenas que estatildeo no lugar de

uma cena de agon e de certa forma cumprem tal funccedilatildeo

Tecnicamente o agon na comeacutedia eacute uma seccedilatildeo de natureza dialeacutetica14

debate

entre dois contendores com a presenccedila ou natildeo de um aacuterbitro e agraves vezes com a presenccedila de

uma terceira personagem ou mais Essa definiccedilatildeo stricto sensu eacute entretanto incapaz de dar

conta do objeto todo A definiccedilatildeo de agon pode ser mais bem entendida a partir de sua

etimologia pluralidade temaacutetica funccedilatildeo dramaacutetica estrutura formal (composiccedilatildeo meacutetrica) ndash

que passamos a expor -

13 Essa discussatildeo seraacute abordada no capiacutetulo III infra 14 O termo dialeacutetico eacute entendido neste estudo tanto na classe adjetiva quanto nominal Como adjetivo diz

respeito a ―algo que eacute proacuteprio da discussatildeo ou haacutebil na discussatildeo como nome entende-se ἡ διαλεκτική como ―a arte de raciocinar empregando a conversa

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 22

Quanto agrave ETIMOLOGIA o termo agon possui a princiacutepio o sentido de jogo

luta competiccedilatildeo e com esses significados estaacute documentado quatro vezes na obra de

Aristoacutefanes

i) Ἄνδρες τι πεισόμεσθα Νῦν ἀγὼν μέγας Paz (v 276)

Senhores o que vai nos acontecer Eacute chegada a hora da importante luta

ii) Ἔπειτrsquo ἀγῶνά γrsquoεὐθὺς ἐξέσται ποιεῖν Paz (v 894)

Em seguida vocecirc teraacute logo o direito de organizar os jogos

iii) πῶς ἅν ποιῶν τὸν Ὀλυμπικὸν αὐτὸς ἀγῶνα Pluto (v 584)

como pode ele proacuteprio organizar os jogos oliacutempicos

iv) ποιεῖν ἀγῶνας μουσικοὺς καὶ γυμνικούς Pluto (v 1163)

organizar competiccedilotildees de muacutesica e de ginaacutestica

A primeira passagem refere-se ao final do proacutelogo em que Trigeu faz comentaacuterios

e observa escondido a Guerra e seu ajudante Tumulto que preparam numa cena de fundo

―culinaacuterio a aniquilaccedilatildeo dos gregos Na segunda passagem trata-se de uma cena episoacutedica

em que Trigeu de regresso a sua casa inicia os preparativos para comemorar seu ecircxito A

terceira passagem encontra-se na cena do agon de Pluto Penia ao se enfrentar com Crecircmilo

justifica que Zeus tambeacutem eacute pobre porque nos jogos oliacutempicos os vencedores satildeo

contemplados com uma simples coroa de oliveira ao inveacutes de ouro O quarto emprego ocorre

na cena episoacutedica entre Hermes e Cariatildeo ξom a crise que se abateu no Olimpo Hermes tenta

se arranjar entre os mortais e sendo um deus de muitos epiacutetetos busca numa de suas

habilidades uma funccedilatildeo na casa de Crecircmilo

Nesses exemplos o termo agon estaacute empregado como um vocaacutebulo pertencente

ao leacutexico da liacutengua como qualquer outra palavra Entretanto seu emprego principal na obra de

Aristoacutefanes ocorre quando esse termo introduz uma nova seccedilatildeo da estrutura do texto de

natureza dialeacutetica que determina um debate Com esse sentido a palavra agon aparece oito

vezes no texto aristofacircnico

i) ὡς σκψιν ἁγὼν οὗτος οὐκ εἰσδέξεται Acarnenses (v 392)

jaacute que este debate natildeo pode admitir rodeio

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 23

ii) ἆρrsquo οἶσθα ὅσον τὸν ἀγῶνrsquo ἀγωνιεῖ τάχα Acarnenses (v 481)

por acaso vocecirc tem ideacuteia do tamanho do debate que vai ocorrer em breve

iii) ἧς πέρι τοἶς ἐμοῖς φίλοις ἐστὶν ἀγὼν μέγιστος Nuvens (v 958)

a respeito da qual estaacute para acontecer um super debate entre meus amigos

iv) ὁρᾷς γὰρ ὥς afinal vocecirc percebe que

σοι μέγας ἐστὶν ἁγὼν um importante debate estaacute para te acontecer

Vespas (v 533)

v) ἀγῶνα ποιεῖν αὐτίκα μάλα καὶ κρίσιν Ratildes (v 785)

organizar o mais raacutepido possiacutevel um debate e um juacuteri

vi) οὐκ ἐξ ἴσου γάρ ἐστιν ἁγὼν νν Ratildes (v 867)

pois o debate natildeo estaacute em peacute de igualdade para noacutes dois

vii) ἀγῶνα κρῖναι τόνδε μουσικώτατα Ratildes (v 873)

para julgar esse debate conforme as regras das Musas

viii) νῦν γὰρ ἀγὼν σοφίας ὁ μέγας χωρεῖ πρὸς ἔργον ἤδη Ratildes (v 884)

eacute agora que o grande debate de talento daacute iniacutecio nesse instante a sua execuccedilatildeo

Nessas passagens o termo agon estaacute presente ou em cenas preparatoacuterias

chamadas proagon ou na abertura do proacuteprio agon Na primeira passagem que se refere a

Acarnenses o vocaacutebulo eacute empregado nas cenas de introduccedilatildeo e corresponde ao

antikatakeleusmos em que o corifeu representando o coro chama a atenccedilatildeo de Diceoacutepolis Jaacute

na segunda passagem que tambeacutem aparece em Acarneneses o agon estaacute na iminecircncia de

comeccedilar E desse modo sob a forma de soliloacutequio Diceoacutepolis busca em suas forccedilas internas

o auto-encorajamento No terceiro fragmento o termo eacute empregado no final da ode do agon I

de Nuvens trata-se de uma evoluccedilatildeo coral em que o coro anuncia o debate que vai se

desenrolar entre os Raciociacutenios alegorias na peccedila O quarto extrato pertence a Vespas e o

termo tambeacutem eacute empregado na ode portanto iniacutecio do agon em que o canto do coro eacute

interrompido por Bdelicleatildeo quando o coro que se dirige a ele tenta abrir a discussatildeo que vai

ocorrer entre pai e filho A quinta citaccedilatildeo de Ratildes compotildee uma cena episoacutedica em que Eacuteaco e

Xacircntias comentam os barulhos vindos da mansatildeo de Hades onde estaacute ocorrendo uma disputa

entre Eacutesquilo e Euriacutepides natildeo se trata ainda do agon da peccedila porque essa querela se passa

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 24

por enquanto no espaccedilo extra-mimeacutetico o agon comeccedila a partir do momento em que a cena

se abre para a discussatildeo entre os tragedioacutegrafos e cabe a Hades organizar imediatamente um

debate entre os poetas com presenccedila de um juacuteri As trecircs menccedilotildees seguintes pertencem ao

proagon de Ratildes cena preparatoacuteria de tom provocativo entre as partes Na sexta citaccedilatildeo

Eacutesquilo protesta porque a disputa se faraacute em condiccedilotildees desiguais afinal sua poesia natildeo

morreu com ele como a de Euriacutepides Na seacutetima passagem Dioniso realiza o ritual

preparatoacuterio para as invocaccedilotildees E finalmente o coro anuncia que o agon estaacute em vias de

execuccedilatildeo

Esse caraacuteter apelativo das passagens acima tem como objetivo chamar a atenccedilatildeo

do puacuteblico situando-o no decorrer da accedilatildeo Nem sempre Aristoacutefanes se valeu dessa licenccedila

poeacutetica e nem sempre o agon estaacute apoacutes o paacuterodo como em Cavaleiros Vespas e Aves Pode

ocorrer de ele se localizar depois da paraacutebase como em Nuvens e Ratildes por exemplo Para

garantir o sucesso da comeacutedia no festival Aristoacutefanes soube rearranjar as seccedilotildees do texto de

acordo com seus interesses ou porque a fabulaccedilatildeo exigia ou por causa da conjuntura da

eacutepoca ou para assegurar a benevolecircncia do espectador num dos momentos mais esperados da

peccedila o agon cena de debate tatildeo cara aos atenienses amantes da retoacuterica

Quanto agrave PLURALIDADE temaacutetica nos agones de Cavaleiros cuja proposiccedilatildeo eacute

uma saacutetira ao governo do demagogo Cleatildeo portanto agrave poliacutetica interna de Atenas a caricatura

e a invectiva estatildeo em relevo no conteuacutedo poliacutetico dos agones em que o escravo Paflagocircnio

representando o estadista e Agoraacutecrito um salsicheiro representante do homem comum se

enfrentam numa discussatildeo elaborada segundo a equaccedilatildeo poliacuteticaculinaacuteria Nos agones de

Vespas Aristoacutefanes traz agrave cena uma paroacutedia dos tribunais de Atenas e tambeacutem faz uma criacutetica

agrave poliacutetica interna conduzida por Cleatildeo Nessa proposta da comeacutedia e dos agones fica bem

marcado o choque de geraccedilotildees entre pai e filho Filocleatildeo caricatura dos magistrados e

partidaacuterio de Cleatildeo e Bdelicleatildeo opositor a Cleatildeo respectivamente A temaacutetica de

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 25

Assembleacuteia de mulheres tambeacutem se refere agrave poliacutetica interna com enfoque na economia e pode

ser entendida por um silogismo distorcido que na opiniatildeo de Thiercy (2007 p 101-102) se

torna um paralogismo jaacute que Praxaacutegora emprega uma conjunccedilatildeo de falsos argumentos i) o

sexo masculino estaacute no poder ii) a poliacutetica interna vai mal iii) entatildeo que se decirc o poder agraves

mulheres iv) consequumlentemente a poliacutetica interna iraacute melhor Aves e Pluto satildeo comeacutedias que

tambeacutem criticam a poliacutetica interna Na primeira o heroacutei planeja fundar uma nova cidade no

mundo das aves e na segunda o plano do heroacutei eacute curar a cegueira do deus Pluto para que a

riqueza seja distribuiacuteda a todos e banir a pobreza da Greacutecia

Em Acarnenses Paz e Lisiacutestrata o que estaacute em discussatildeo eacute a poliacutetica externa

como causa da guerra e tambeacutem o oportunismo de alguns cidadatildeos favoraacuteveis ao conflito em

benefiacutecio proacuteprio e detrimento da populaccedilatildeo Na comeacutedia Acarnenses o heroacutei Diceoacutepolis se

volta contra isso e no agon cuja composiccedilatildeo empresta a cena agoniacutestica da trageacutedia

euripidiana Telefo ele se manifesta pela causa da paz se natildeo para os gregos ao menos para

si Em Paz Trigeu ao contraacuterio da treacutegua individual negociada por Diceoacutepolis quer a paz

pan-helecircnica e estando ela alegoria na peccedila aprisionada ele vai em seu socorro O heroacutei

depara-se entretanto com Hermes e o agon se dilui numa seacuterie de cenas irregulares ateacute que

felizmente a Paz eacute libertada e devolvida aos gregos Em Lisiacutestrata a heroiacutena de mesmo nome

tem um projeto muito parecido com o de Trigeu alcanccedilar a paz pan-helecircnica Essa empresa

todavia tambeacutem encontra oposiccedilatildeo E o agon vai se desenrolar natildeo apenas entre Lisiacutestrata e o

Conselheiro mas tambeacutem entre dois semi-coros

Nuvens fazem uma criacutetica agrave conjuntura educacional de Atenas no seacuteculo V

momento em que com o advento da sofiacutestica satildeo apresentados novos rumos para a paideacuteia

grega assunto do agon entre os Raciociacutenios Justo e Injusto esse representando a neacutea-paideacuteia

aquele a archaiacutea-paideacuteia A verve cocircmica do poeta estaacute voltada ao contexto cultural com Ratildes

e Tesmoforiantes cujas propostas natildeo diz respeito agrave educaccedilatildeo como em Nuvens mas agrave criacutetica

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 26

literaacuteria Nesse sentido o agon de Ratildes pode ser considerado um tratado de dramaturgia sobre

as poeacuteticas esquiliana e euripidiana Quanto agrave comeacutedia Tesmoforiantes num primeiro instante

trata-se de uma paroacutedia agrave assembleacuteia no entanto a proposta da peccedila eacute uma criacutetica literaacuteria

que com o recurso da paroacutedia discute a construccedilatildeo da personagem feminina nas trageacutedias de

Euriacutepides Assim estando o tema da peccedila em relevo na discussatildeo do agon e sendo ele uma

seccedilatildeo da comeacutedia o agon eacute uma ceacutelula importante no todo orgacircnico da composiccedilatildeo cocircmica

Do ponto de vista da FUNCcedilAtildeO DRAMAacuteTICA o agon como uma seccedilatildeo da

estrutura da comeacutedia quando anunciado certamente despertava as expectativas no auditoacuterio

As partes da comeacutedia que se sucedem em ordem fixa - proacutelogo paacuterodo agon paraacutebase

episoacutedios intercalados por interluacutedios e ecircxodo - oferecem ao poeta um controle sobre as

expectativas do puacuteblico ao sinalizar o curso da accedilatildeo Gelzer (1991 p 59) levanta a hipoacutetese

de que o espectador ateniense do seacuteculo V tinha um conhecimento sobre a praacutetica teatral pelo

menos quanto aos elementos estruturais fixos Tal conhecimento segundo esse autor eacute um

dos requisitos fundamentais para que o poeta possa utilizaacute-los na construccedilatildeo de sua comeacutedia

Com eles haacute a expectativa do puacuteblico no andamento da fala da accedilatildeo ou da representaccedilatildeo

Aristoacutefanes podia empregaacute-los ou para com eles despertar as respectivas expectativas ou para

conduzir ou para confundir o espectador no jogo teatral Gelzer (1991) conclui que o jogo

com esses elementos fixos sobretudo o agon apoacutes o paacuterodo eacute o jogo com as expectativas do

puacuteblico Entendemos portanto que as estruturas fixas como uma teacutecnica dramaacutetica

demonstram o sentido de utilizaccedilatildeo dessa teacutecnica por Aristoacutefanes e como ele a aplica pois o

agon eacute um instrumento nas matildeos do poeta cujo fim eacute atingir efeitos dramaacuteticos com os quais

ele poderia contar para o sucesso da peccedila no festival

Na estrutura formal do agon a presenccedila do epirrema ou um outro metro que o

substitua na equivalecircncia do conteuacutedo eacute o sema comum a todas as situaccedilotildees consideradas

agon Quanto agrave forma o agon estaacute dividido em partes identificadas pelos metros que estatildeo

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 27

nelas empregados A visatildeo desse sistema meacutetrico deveu-se a Zielinski (1885 apud GELZER

1960) que identificou que a siziacutegia epirremaacutetica ou ―parte coordenada eacute comum em trecircs

seccedilotildees da estrutura da comeacutedia paacuterodo agon e paraacutebase No que concerne ao agon esse se

caracteriza de maneira muito precisa pela introduccedilatildeo de partes codificadas diferenciadas pela

sua estrutura meacutetrica Trata-se de uma regularidade que toma as formas da chamada siziacutegia

epirremaacutetica isto eacute um par de discursos em tetracircmetros cada um introduzido por uma ode

coral em que eacute estabelecida a seguinte subdivisatildeo

i) odeantode partes corais cantadas em metro livre pelo coro e podem ser interrompidas por

versos em tetracircmetros dialogados pelas personagens

ii) katakeleusmos antikatakeleusmos satildeo exortaccedilotildees do coro a ambos os contendores para

dar iniacutecio agrave discussatildeo

iii) epirrema antepirrema15

partes recitadas em tetracircmetros trocaicos pelas personagens que

expotildeem suas teses se haacute interferecircncia natildeo eacute feita pelo coro salvo quando ele eacute uma das

partes na discussatildeo as objeccedilotildees vecircm do adversaacuterio ou de uma terceira personagem o

bomolochos

iv) pnigos antipnigos conclusatildeo dos epirremas composta de diacutemetros trocaicos e recitadas

rapidamente num soacute focirclego

v) sphragis16

o corifeu anuncia o vencedor do debate

Um agon duplo isto eacute com as partes simeacutetricas que compotildeem a siziacutegia

epirremaacutetica nem sempre estaacute presente no corpo de uma comeacutedia uma ou outra parte podem

estar ausentes conforme podemos constatar a seguir no quadro que expotildee o corpus a ser

analisado neste estudo

15 katakeleusmos e epirrema satildeo recitados em tetracircmetros do mesmo metro (jacircmbicos trocaicos ou anapeacutesticos) 16 Segundo Gelzer (1960 p 4 120-123) a sphragis eacute tatildeo esporaacutedica e raramente atestada que eacute questionaacutevel se

se trata de uma seccedilatildeo da estrutura agoniacutestica Como estamos seguindo tambeacutem as demarcaccedilotildees de Mazon

(1904) Pickard-Cambridge (1966) e Moumlllendorff (2002) quando a sphragis eacute indicada por um deles ou pelos

dois estamos considerando-a como uma seccedilatildeo do agon

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 28

Cavaleiros I Nuvens I Vespas I Ratildes ode 303-332 ode 949-958 ode 334-345 ode 895-904

katakeleusmos 333-334 katakeleusmos 959-960 katakeleusmos 346-347 katakeleusmos 905-906 epirrema 335-366 epirrema 961-1008 epirrema 348-357 epirrema 907-970

pnigos 367-381 pnigos 1009-1023 pnigos 358-364 pnigos 971-991 antode 382-406 antode 1024-1033 antode 365-379 antode 992-1003

antikata 407-408 antikata 1034-1035 antikata 380-381 antikata 1004-1005 antepirrema 409-440 antepirrema 1036-1084 antepirrema 382-402 antepirrema 1006-1076

antipnigos 441-456 antipnigos 1085-1104 antipnigos natildeo haacute antipnigos 1077-1098 sphragis 457-460 sphragis 402-414

Cavaleiros II Nuvens II Vespas II

ode 756-760 ode 1345-1350 ode 526-545 cenas iacircmbicas

intercaladas com

interluacutedios do

coro

1099-1499 katakeleusmos 761-762 katakeleusmos 1351-1352 katakeleusmos 546-547

epirrema 763-823 epirrema 1353-1385 epirrema 548-620 pnigos 824-835 pnigos 1386-1390 pnigos 621-630

antode 836-840 antode 1391-1396 antode 631-647 antikata 841-842 antikata 1397-1398 antikata 648-649

antepirrema 843-910 antepirrema 1399-1445 antepirrema 650-718 antipnigos 911-940 antipnigos 1446-1451 antipnigos 719-724

sphragis 941 sphragis 725-727

Aves Lisiacutestrata Tesmoforiantes Acarnenses

ode 451-459 ode 476-483 katakeleusmos 381-382 paacuterodo com estrutura

epirremaacutetica do agon 280-357 katakeleusmos 460-461 katakeleusmos 484-485 1 discurso iacircmbico 383-432

epirrema 462-522 epirrema 486-531 ode 433-442 ode 490-495 pnigos 523-538 pnigos 532-538 2 discurso iacircmbico 443-458 cena iacircmbica 496-565 antode 539-547 antode 539-548 interluacutedio liacuterico 459-465 antode 566-571

antikata 548-549 antikata 549-550 3 discurso iacircmbico 466-519 cena iacircmbica 572-625 antepirrema 550-610 antepirrema 551-597 antode 520-530 sphragis 626-627

antipnigos 611-626 antipnigos 598-607 cenas iacircmbicas 531-573 sphragis 627-638 sphragis 608-613

Pluto Assembleacuteia de Mulheres Paz

katakeleusmos 486-487 ode 571-580 katakeleusmos 601-602 epirrema 488-597 katakeleusmos 581-582 epirrema 603-650

pnigos 598-618 epirrema 583-688 pnigos 651-656 pnigos 689-709

De acordo com o quadro acima quatro comeacutedias possuem sua forma completa

Cavaleiros I e II Vespas II Aves e Lisiacutestrata Duas natildeo possuem sphragis Nuvens I e II Ratildes

O agon I de Vespas natildeo possui antipnigos Trecircs comeacutedias apresentam a forma bem reduzida

de agon Paz Assembleacuteia de mulheres e Pluto Essas duas uacuteltimas peccedilas que representam a

Comeacutedia Meacutedia jaacute sinalizam uma gradaccedilatildeo do agon o que levanta a hipoacutetese de seu

enfraquecimento progressivo ateacute seu desaparecimento (NAVARRE 1911 p 255) O caso de

Acarnenses e Tesmoforiantes eacute peculiar devido agrave forma extremamente modificada em que

apenas satildeo mantidas as seccedilotildees corais enquanto que a ausecircncia das partes epirremaacuteticas eacute

substituiacuteda por discursos iacircmbicos cujo conteuacutedo eacute muito proacuteximo do conteuacutedo epirremaacutetico

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 29

Na opiniatildeo de Mazon (1904 p 173-174) esse sistema duplicado ou simeacutetrico deu-

se porque o agon manifestou-se de duas formas o combate fiacutesico e o combate verbal que se

sucederam um ao outro Mazon propotildee entatildeo o que Duchemin (1968 p 31) tambeacutem aceita

como hipoacutetese no komos primitivo em que se constatam ataques com invectivas grosseiras

encontram-se duas formas de expressatildeo os combates fiacutesicos herdeiros de uma cena beacutelica e

os combates dialeacuteticos Dessas duas formas de conflito a primeira foi a mais antiga Por causa

desse fato a estrutura agoniacutestica que eacute tambeacutem parabaacutetica conforme proposta de Zielinski

(1885 apud GELZER 1960) se explica facilmente o canto guerreiro sugeriria o canto do

coro (ode) uma ordem de movimento inspiraria o encorajamento do corifeu (katakeleusmos)

a batalha proporcionaria o discurso explicativo entre as partes (epirrema) enfim o canto de

vitoacuteria inspiraria a exaltaccedilatildeo do vencedor num uacutenico focirclego (pnigos ou makron) Esse quadro

de luta foi desdobrado de maneira a dar ora a vitoacuteria a um ora a outro Talvez tenha sido isso

que sugeriu a ideacuteia de dois discursos de defesa adversos tal qual havia nos tribunais e de

guerreiro o agon tornou-se dialeacutetico

Nas comeacutedias de Aristoacutefanes eacute frequumlente o emprego de metaacuteforas militares que

parecem dar sustentaccedilatildeo agrave interpretaccedilatildeo de Mazon (1904) Vejamos alguns exemplos de

caraacuteter ilustrativo sem a pretensatildeo de esgotar o assunto17

em Cavaleiros (vv 14 339 416) o

emprego do verbo μάχομαι e seu derivado διαμάχομαι traduz a imagem de ―lutar

intensamente ou ―lutar com uma finalidade em Acarnenses (v 368) Diceoacutepolis estaacute

disposto a enfrentar o inimigo mesmo sem escudo (οὐχ ἐνασπιδώσομαι) ao contraacuterio em

Nuvens (v 1160-1161) a liacutengua passa a ser uma arma de guerra que Estrepsiacuteades deseja como

proteccedilatildeo eficaz πρόβολος que no contexto da peccedila tem o sentido de ―muralha para que

ele possa natildeo soacute se proteger mas tambeacutem se defender no tribunal o verbo ἐπαναστρέφω

17 A propoacutesito das imagens e metaacuteforas em Aristoacutefanes cf Taillardat (1965)

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 30

―contra-atacar portanto pertencente ao contexto militar estaacute presente em Ratildes (v 1102) e

Cavaleiros (v 244) ou seja a metaacutefora transforma palavras em armas

3 Resenha criacutetica da bibliografia especiacutefica

Natildeo se pretende fazer uma resenha exaustiva da bibliografia referente ao agon na

comeacutedia antiga mas discutir as convergecircncias e divergecircncias criacuteticas e assim estabelecer

diretrizes e criteacuterios para o estudo concernente aos capiacutetulos seguintes

Segundo Gelzer (1991 p 52-53) os gramaacuteticos da Antiguumlidade investigaram

apenas a paraacutebase Somente no seacuteculo XIX deu-se ecircnfase ao estudo do agon Uma fonte

bibliograacutefica que nos oferece um panorama histoacuterico desse comeccedilo de pesquisa sobre o agon

eacute o artigo de Humphreys (1887) The Agon of the Comedy De acordo com esse autor o

trabalho pioneiro no estudo do agon eacute de Rudolph Westphal e se intitula Metrik der Griechen

Esse estudo traz um claro relato da forma e natureza de uma parte principal da cena de

discussatildeo chamada de syntagma (com antisyntagma) Essa cena de conflito foi tratada como

uma passagem da epeisoidie e considerada uma seccedilatildeo da estrutura sem uma harmonia entre

ela e a importacircncia de uma subdivisatildeo precisa da peccedila Tratava-se portanto de um elemento

da estrutura desarticulado Alguns editores na eacutepoca como Kock e Teuffel julgaram

importante o trabalho de Westphal E jaacute no final do seacuteculo XIX helenistas fizeram um estudo

cuidadoso da obra de Aristoacutefanes e dos fragmentos dos poetas cocircmicos com o objetivo de

apurar a origem e traccedilar a histoacuteria do agon A primeira providecircncia foi substituir o termo agon

por syntagma proposto por Westphal e depois nomear suas partes Chegou-se a conclusatildeo de

que se tratava de uma seccedilatildeo importante da estrutura da comeacutedia e que trecircs delas ndash Acarnenses

Paz e Tesmoforiantes ndash eram desprovidas desse syntagma

Entretanto em 1885 Theodor Zielinski (apud GELZER 1960) escreve Die

Gliederung der atattischen Komoedie em que ele analisa natildeo soacute a Comeacutedia Antiga mas

tambeacutem o modo de toda performance das peccedilas e a relaccedilatildeo da comeacutedia com a trageacutedia no que

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 31

diz respeito agrave forma Ao inveacutes de syntagma termo proposto por Westphal ele adota o termo

agon Seu trabalho privilegia a anaacutelise de Vespas no qual se demonstra que a uacuteltima parte do

paacuterodo eacute uma introduccedilatildeo para o agon e agraves vezes forma-se uma cena separada um proagon

assim chamado por ele O segundo meacuterito do estudo de Zielinski estaacute na teoria sobre a

composiccedilatildeo epirremaacutetica da comeacutedia comparada com a epeisodie da trageacutedia Ele observa que

nessa composiccedilatildeo se alternam passagens cantadas e recitadas que em conjunccedilatildeo e

simetricamente duplicadas receberam o nome de siziacutegia epirremaacutetica Tal estrutura tambeacutem

estaacute presente na paraacutebase e no paacuterodo Assim Zielinski demonstra que atraveacutes dessa triacuteade

(paacuterodo agon paraacutebase) o agon natildeo era um elemento desarticulado da estrutura segundo

estudo de Westphal Ao analisar as cenas de confronto denominando-as de agon Zielinski

interpretou-as como um debate entre duas personagens que defendem pontos de vista

contraditoacuterios

No iniacutecio do seacuteculo XX helenistas franceses rebatem alguns pontos do trabalho

de Zielinski (1885 apud GELZER 1960) Segundo Navarre (1911 p 250-251) a falha de

Zielinski consiste no fato de ele crer que o agon natildeo tinha outro emprego Afinal nessa cena

de luta Aristoacutefanes inseriu tambeacutem contendas violentas grosseiras com ameaccedilas corporais

Quadros cecircnicos dessa natureza Mazon (1904) denominou scegravene de bataille Maurice Croiset

(1905 apud NAVARRE 1911) scegravenes de deacutefi e Navarre (1911) scegravene drsquoaltercation Para

Mazon (1904 p 173-174) o agon em Aristoacutefanes natildeo se restringe a discussatildeo apenas ―[] la

veacuteriteacute clsquoest que ce cadre de llsquoἀγών nlsquoest nullement reacuteserveacute agrave des discussions mais qulsquoil

accompagne aussi des combats veacuteritables des batailles des ἀγῶνες au sens concret du

mot E quando se trata de uma disputa verbal Mazon (1904 p 174) propotildee a expressatildeo

scegravene de deacutebat Na interpretaccedilatildeo de Croiset (1905 apud NAVARRE 1911 p 215) que

analisa o agon pela sua essecircncia e aparecircncia o agon natildeo eacute uma cena de debate em que estatildeo

em discussatildeo ideacuteias opostas Segundo Croiset o debate com pontos de vista opostos natildeo passa

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 32

de uma aparecircncia na comeacutedia pois o protagonista nunca encontra um adversaacuterio

verdadeiramente seacuterio O agon primitivo saiacutedo do komos interpreta Croiset devia sua

essecircncia natildeo a uma querela mas a uma ―demonstraccedilatildeo satiacuterica audaciosa empenhada por

uma uacutenica personagem o protagonista contra todos A esse respeito Navarre (1911) entende

que a expressatildeo ―demonstraccedilatildeo satiacuterica implica um desvio do debate primitivo e isso se

justifica atraveacutes de trecircs proposiccedilotildees i) que a forma primitiva do agon eacute sua estrutura

duplicada ii) que essa estrutura soacute tem razatildeo de ser segundo uma luta dialeacutetica com duas

personagens iii) que nessa estrutura manifesta-se um desacordo entre forma e conteuacutedo

Assim Aristoacutefanes submeteu o agon a trecircs funccedilotildees A primeira trata o agon como uma luta

dialeacutetica entre duas personagens com ou sem a presenccedila de uma terceira personagem A

segunda funccedilatildeo estabelece o agon como uma ameaccedila de luta corporal de agressatildeo fiacutesica E

por fim uma discussatildeo conduzida por uma uacutenica personagem

Whittaker (1935 p 181-191) escreve um ensaio em que ele analisa cinco seccedilotildees

fundamentais da comeacutedia proacutelogo paacuterodo agon paraacutebase e ecircxodo e discute a funccedilatildeo dessas

partes na estrutura da Comeacutedia Antiga em geral inclusive de alguns fragmentos Para

Whittaker (1935 p 84) quanto agrave forma o agon eacute um debate estritamente formal de estrutura

epirremaacutetica e estaacute precedido por um proagon cena curta em tetracircmetros iacircmbicos em que as

condiccedilotildees da disputa satildeo dispostas Nessa discussatildeo cabe ao coro as partes corais (ode

katakeleusmos sphragis) e aos agonistas as partes recitadas dos epirrhemata frequumlentemente

estaacute presente uma terceira personagem o bomolochos um bufatildeo que proporciona com suas

irrelevacircncias humoriacutesticas um realce cocircmico agrave cena Quanto ao conteuacutedo Whittaker

considera o agon uma importante ferramenta dramaacutetica nas matildeos de Aristoacutefanes porque o

heroacutei tem de lutar contra uma oposiccedilatildeo que geralmente se cristaliza no agon e torna-se o

ponto crucial da peccedila Nesse caso o agon eacute um verdadeiro debate natildeo apenas na forma mas

tambeacutem no conteuacutedo

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 33

O trabalho de Thomas Gelzer (1960) Der epirrhematische Agon bei

Aristophanes traz novo alento ao estudo do agon Pode-se reconhecer a importacircncia dessa

obra pelos seus comentadores (KOSTER 1961 p 253-258 DOVER 1961 p 120-122

NEWIGER 1965 JONES 1961 p 118-120 OSMUN 1963 p 42-48) O detalhado estudo

de Gelzer consiste em introduccedilatildeo e trecircs partes principais

Na introduccedilatildeo haacute uma discussatildeo para definir a terminologia a ser usada e um

exame da literatura antecedente sobre o assunto em que Gelzer comenta as pesquisas de

Rossbach Westphal Lettner e sobretudo Zielinski

Na primeira parte composta de cinco seccedilotildees o trabalho torna-se descritivo com

uma exposiccedilatildeo dos agones das comeacutedias existentes de Aristoacutefanes Na primeira seccedilatildeo haacute uma

anaacutelise da funccedilatildeo dramaacutetica do agon de acordo com suas partes e a relaccedilatildeo delas com a

funccedilatildeo do agon no todo A funccedilatildeo dramaacutetica do agon pode ser

i) marcar a transiccedilatildeo a partir do paacuterodo para o enredo principal da peccedila que estava disposto

no proacutelogo

ii) as odes natildeo interrompem o movimento dos discursos mas os dirigem

iii) inserccedilatildeo de diaacutelogos nas odes expandindo o epirrema e omitindo o pnigos

iv) mostrar como a forma impotildee o conteuacutedo ou como o conteuacutedo se adapta agrave estrutura os

versos que formam o antipnigos apesar do fato de que eles devam ter um efeito de

aceleraccedilatildeo tecircm no entanto um efeito apaziguador pelo menos no conteuacutedo

v) consideraccedilotildees sobre a posiccedilatildeo do agon na comeacutedia

A propoacutesito desse uacuteltimo toacutepico para Gelzer (1960) a localizaccedilatildeo da cena de agon

pode ocorrer em duas instacircncias Na primeira o agon pode estar como demonstrou Zielinski

(1885 apud GELZER 1960) apoacutes o paacuterodo respeitando uma sequumlecircncia determinada e uma

forma esquemaacutetica com conteuacutedo heterogecircneo Na segunda o agon se localiza apoacutes a

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 34

paraacutebase e a isso Gelzer deu o nome de diallage18

ou cena de reconciliaccedilatildeo ou acomodaccedilatildeo

que consiste de quatro elementos principais i) disputaargumentaccedilatildeo (Streit) ii) acordos por

meio de um juacuteri (Abmachungen uumlber ein Schiedesgericht) iii) negociaccedilatildeo (Verhandlung ndash o

agon propriamente dito) iv) julgamento (Urteil) Para Gelzer (1960) haacute comeacutedias em que

podem ocorrer agones que aparecem nessas duas categorias em outros casos como em

Lisiacutestrata pode-se detectar o que ele chamou de darlegungsagon ―agon de exposiccedilatildeo A

forma do agon epirremaacutetico na diallage eacute mais regular do que aquela apoacutes o paacuterodo

Na segunda seccedilatildeo da primeira parte discute-se individualmente cada parte do

agon epirremaacutetico A saber i) a funccedilatildeo da ode eacute introduzir o assunto dos discursos

epirremaacuteticos e provocar a expectativa do puacuteblico na antode (na diallage) o coro exalta o

primeiro contendor e encoraja o segundo a agir ii) os katakeleusmoi satildeo um convite ao

contendor (ou contendores) a falar e agraves vezes o assunto do debate eacute novamente repetido

assim haacute frequumlentemente uma continuaccedilatildeo das ideacuteias nas odes os epirremas satildeo discursos que

apresentam argumentos das partes e haacute uma anaacutelise de toda a parte epirremaacutetica em

Aristoacutefanes e o elo principal entre epirrema e antepirrema eacute o ponto de controveacutersia que eacute

fechado pelo pnigosantipnigos discute-se se a sphragis que conteacutem um elogio eacute de fato

uma parte do agon iii) haacute uma aplicaccedilatildeo dos resultados das investigaccedilotildees para a histoacuteria da

comeacutedia em geral

Na terceira seccedilatildeo da primeira parte destacam-se o estudo do bomolochos e a

influecircncia da retoacuterica cuja teacutecnica dialeacutetica eacute a sofiacutestica nas partes epirremaacuteticas O meacutetodo

pergunta-resposta (anakrisis) aparece no antepirrema porque a discussatildeo estaacute prestes a

acabar Na quarta seccedilatildeo Gelzer discute a relaccedilatildeo particular da forma e do conteuacutedo para uma

demarcaccedilatildeo de cenas semelhantes e estabelece elementos caracteriacutesticos essenciais Na quinta

18 Gelzer (1960) se apropria de uma personificaccedilatildeo criada por Aristoacutefanes cf Acarnenses (vv 989-999)

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 35

e uacuteltima seccedilatildeo da segunda parte discute-se a ausecircncia de agon em Acarnenses Paz e

Tesmoforiantes

Na terceira parte do livro haacute uma aplicaccedilatildeo dos resultados das investigaccedilotildees

anteriores para a histoacuteria da comeacutedia em geral i) breve anaacutelise dos fragmentos da comeacutedia

antiga nos predecessores de Aristoacutefanes a partir de Cratinos ii) discussatildeo concernente agrave

origem e aos aspectos tradicionais do agon epirremaacutetico iii) eacute improvaacutevel que a paraacutebase

embora parecida na forma com o agon seja proveniente dele No final Gelzer (1960) divide

as peccedilas de Aristoacutefanes em trecircs periacuteodos e discute o uso a funccedilatildeo e o desenvolvimento do

agon em cada periacuteodo

Dessas trecircs partes a segunda eacute certamente a de maior relevo porque Gelzer

(1960) vai aleacutem da investigaccedilatildeo do agon no que diz respeito agraves questotildees de divisotildees meacutetricas

e construccedilatildeo formal Na opiniatildeo de Jones Mervyn (1961 p 119) o estudo de Gelzer tende de

fato a trabalhar em termos de anaacutelise formal mais do que do drama porque seu plano de

trabalho daacute ecircnfase agrave discussatildeo dos agones como entidades separadas antes de examinaacute-los

num contexto mais amplo Jones Mervyn (1961 p 120) entretanto reconhece que a erudita e

meticulosa pesquisa de Gelzer eacute indispensaacutevel para os estudos sobre Aristoacutefanes O estudo de

Gelzer na deacutecada de 1960 volta agrave discussatildeo trinta anos depois num encontro sobre

Antiguumlidade Claacutessica promovido pela Fundaccedilatildeo Hardt em Genebra (1991) O professor

Gelzer (1991) retoma a questatildeo do agon no trabalho intitulado Feste Strukturen in der

Komoumldie des Aristophanes Trata-se de uma abordagem sobre as estruturas fixas (paraacutebase e

agon) como uma teacutecnica dramaacutetica e ateacute que ponto o poeta as emprega para atingir efeitos

dramaacuteticos que garantam o sucesso da comeacutedia O texto encerra com um debate a respeito do

tema entre Gelzer e outros renomados helenistas como Handley Dover Zimmermann e

Bremer

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 36

O estudo LrsquoΑΓΩΝ dans la trageacutedie grecque de Duchemin (1968) tambeacutem eacute uma

importante contribuiccedilatildeo ao tema O estudo subdivide-se em trecircs partes Na primeira parte haacute

uma tentativa de definiccedilatildeo de agon que eacute estudado fora da trageacutedia os primeiros sentidos da

palavra e como esse termo emprega-se na eacutepica na histoacuteria na filosofia na retoacuterica e na

comeacutedia Na segunda parte inicia-se a pesquisa do agon na trageacutedia com um cataacutelogo das

cenas agoniacutesticas em Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides tanto das peccedilas conservadas quanto das

peccedilas que se conservam fragmentadas No final dessa segunda parte estabelece-se uma

classificaccedilatildeo do agon de acordo com seu lugar na accedilatildeo Na terceira parte discutem-se as

formas do agon a partir do nuacutemero de personagens em seguida enfocam-se as partes do agon

e sua estrutura rhesis principal e secundaacuteria diaacutelogo cortado e esticomitia intervenccedilotildees do

coro introduccedilatildeo ao debate e conclusatildeo depois se estabelecem as estruturas dos discursos de

defesa aos moldes da retoacuterica E em seguida traccedilam-se um estudo da argumentaccedilatildeo uma

anaacutelise do diaacutelogo raacutepido e da esticomitia e o emprego de procedimentos e estilos

discursivos

Depois do estudo de Duchemin (1968) sobre o agon na trageacutedia na deacutecada de

1960 o proacuteximo trabalho importante sobre o agon no gecircnero traacutegico eacute o livro The Agon in

Euriacutepides de Lloyd (1992) os dois primeiros capiacutetulos tratam da natureza e funccedilatildeo do agon e

da influecircncia da retoacuterica da eacutepoca no estilo euripidiano Os capiacutetulos seguintes trazem uma

anaacutelise detalhada de treze agones e seu contexto dramaacutetico Lloyd (1992) tambeacutem estabelece

uma discussatildeo com seus predecessores Duchemin e Strohm

Timothy Long (1972) escreve o artigo Persuasion and the Aristophanic Agon

Para ele o agon eacute uma cena de debate e porque eacute uma discussatildeo e natildeo uma luta corporal ndash

scegravene de bataille segundo Mazon (1904) ndash espera-se que pelo jogo da persuasatildeo haja um

vencedor Long leva em consideraccedilatildeo a posiccedilatildeo do agon na comeacutedia depois do paacuterodo ndash

conforme jaacute havia demonstrado Zielinski (1885 apud GELZER 1960) ndash e apoacutes a paraacutebase ndash

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 37

na diallage segundo Gelzer (1960) Assim sob o ponto de vista da persuasatildeo eacute que se pode

classificar o que eacute agon ou natildeo Na opiniatildeo dele todos os agones aristofacircnicos parecem ter

sido usados epiditicamente Natildeo se trata de influenciar a trama mas pocircr em relevo os

propoacutesitos do poeta sem particular atenccedilatildeo para o efeito dramaacutetico desses propoacutesitos De um

modo geral Long (1972) conclui que o efeito persuasivo do agon em Aristoacutefanes eacute miacutenimo

seu efeito dramaacutetico no sentido de sua capacidade de alterar o curso da accedilatildeo praticamente

natildeo existe Os discursos agoniacutesticos da comeacutedia apenas exacerbam e ridicularizam Seu

propoacutesito eacute menos praacutetico do que aquele de um discurso de orador e na opiniatildeo dele que se

fundamenta no trabalho de Murphy (1938) eacute um equiacutevoco admitir que uma das concepccedilotildees

da natureza de um discurso num epirrema possa ser colorido por uma funccedilatildeo aparente de

agon na comeacutedia

Nas deacutecadas de 1970 e 1980 o estudo do agon manteacutem-se analiacutetico e descritivo

mas propotildee uma outra terminologia19

ao termo agon Dover (1972 p 67) ao discutir a

estrutura e o estilo nas comeacutedias aristofacircnicas apresenta contest20

como uma nova

nomenclatura Uma segunda proposta surge com McLeish (1980 p 51) que ao observar a

forma dramaacutetica refere-se a trecircs estruturas formais o que ele chama de elemento tripartido i)

choral entry ii) the argument iii) the parabasis Estes trecircs termos satildeo concernentes ao que

Zielinski (1885 apud GELZER 1960) jaacute havia levantado a respeito da estrutura meacutetrica

similar entre paacuterodo-agon-paraacutebase Como podemos observar o termo paraacutebase eacute mantido ao

contraacuterio do paacuterodo que se caracteriza pela entrada do coro e do agon que estabelece o jogo

argumentocontra-argumento

19 Neste trabalho evitarei a peculiaridade das palavras Na opiniatildeo de Kowzan (1992 p 8) em sua pesquisa

sobre a semiologia do teatro a profusatildeo terminoloacutegica eacute uma das graves doenccedilas das ciecircncias humanas de

nossa eacutepoca A tendecircncia terminoloacutegica de certos autores chega a tal ponto que eacute impossiacutevel segui-los sem ter

agrave disposiccedilatildeo seu leacutexico pessoal Adotarei o termo agon que a meu ver basta por si mesmo Eacute uma palavra

cujo rigor semacircntico (jogo competiccedilatildeo concurso debate discussatildeo) respeita uma loacutegica interna aleacutem de natildeo soacute ter sido empregado por Aristoacutefanes mas tambeacutem jaacute ser um termo consagrado na criacutetica teatral

encontrando-se dicionarizado (PAVIS 2001 p 11) 20 No texto de Dover (1972 p 67) lecirc-se ―A scene which has this structure is commonly designated nowadays by

the Greek term agon but there is no very good reason for not calling it by the English term contestlsquo

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 38

Sifakis (1992) escreve o artigo The structure of Aristophanic comedy em que se

propotildee estudar as peccedilas aristofacircnicas segundo seu meacutetodo de anaacutelise que eacute trabalhar a

estrutura da comeacutedia como um conjunto de subsistemas interligados A ideacuteia eacute estabelecer a

estrutura narrativa do gecircnero da Comeacutedia Antiga a partir das peccedilas legadas pela tradiccedilatildeo

Aristoacuteteles e Propp (1992) satildeo sua fonte teoacuterica Sifakis (1992 p 131) descreve oito funccedilotildees

cocircmicas que mostram uma similaridade notaacutevel com as 31 funccedilotildees proppianas embora a

sexta funccedilatildeo cocircmica ndash persuasatildeo exercida no debate no caso o agon epirremaacutetico ndash natildeo esteja

entre as funccedilotildees-chave do esquema de Propp (1992)

O estudo mais recente sobre a obra de Aristoacutefanes data do final da deacutecada de 1990

com uma ediccedilatildeo que segue a ordem cronoloacutegica das onze comeacutedias aristofacircnicas traduzida e

comentada por Alan H Sommerstein No volume consagrado agrave comeacutedia Acarnenses

Sommerstein (1998) faz algumas consideraccedilotildees na introduccedilatildeo sobre a diversidade dos

agones i) Vespas eacute um exemplo tiacutepico de agon ii) em quase todos os casos o agon apresenta

para o puacuteblico um debate crucial da peccedila com argumentos de cada lado embora haja

normalmente duras e barulhentas tendecircncias em favor de um lado ou de outro iii) parece ser

uma regra invariaacutevel que no agon o primeiro a falar eacute perdedor final iv) algumas peccedilas natildeo

tecircm agon no seu sentido formal mas em cada caso podemos identificar uma cena que cumpre

uma funccedilatildeo similar Acarnenses vv 490-626 (defesa de Diceoacutepolis para sua paz privada)

Paz vv 459-549 (resgate da Paz) Tesmoforiantes vv 381-530 (a discussatildeo sobre os ―crimes

de Euriacutepides contra as mulheres) v) em Aves e Assembleacuteia natildeo haacute debate mas um jogo de

persuasatildeo por um uacutenico contendor vi) na uacuteltima peccedila Pluto haacute a ausecircncia da divisatildeo em

duas partes cada uma introduzida pelo coro

Essa breve revisatildeo da bibliografia relativa ao agon fica como suporte teoacuterico

conforme os estudos apresentados anteriormente para uma nova abordagem do tema e

tambeacutem auxilia nas anaacutelises dos agones que teratildeo iniacutecio nos proacuteximos capiacutetulos

CAPIacuteTULO I

A CIVILIZACcedilAtildeO DO AGON E A

COMEacuteDIA DE ARISTOacuteFANES

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 40

Esta breve introduccedilatildeo tem o propoacutesito de esboccedilar algumas consideraccedilotildees

preliminares sobre o vocaacutebulo agon cujos significados abrangem os principais campos da

cultura grega da eacutepica agrave histoacuteria agrave filosofia agrave retoacuterica e por fim ao teatro claacutessico

sobretudo na comeacutedia antiga

Ao estudar a etimologia das palavras Benveniste (1995 p 277) escreve que o

grego antigo e outras liacutenguas como latim e sacircnscrito atestam uma heranccedila indo-europeacuteia

comum Trata-se de uma sociedade que foi hierarquizada e estruturada de acordo com trecircs

funccedilotildees fundamentais a do agricultor a do guerreiro e a do sacerdote O vocaacutebulo agon

embora natildeo esteja entre as palavras analisadas pelo autor relaciona-se agraves duas uacuteltimas

funccedilotildees beacutelica e religiosa

Jaacute em Homero 21

eacute encontrado o registro da palavra agon o que testemunha que

se trata de um vocaacutebulo muito antigo que foi empregado num tempo quando a literatura22

ainda era oral Com base na afirmaccedilatildeo de Havelock (1996 p 190) de que o alfabeto grego foi

usado para transcrever o que antes se tinha composto segundo as regras transmitidas

oralmente por meio de teacutecnicas mnemocircnicas eacute de se supor portanto que o vocaacutebulo agon

antes mesmo de fazer parte do registro escrito pertencera a um estaacutegio de oralidade da liacutengua

grega A importacircncia da palavra agon natildeo se refere ao fato originaacuterio de ela ter aparecido num

estaacutegio mnemocircnico da cultura cuja transmissatildeo oral passava de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo e soacute

mais tarde foi incorporada agrave escrita23

Mas o prestiacutegio linguumliacutestico da palavra agon refere-se a

sua permanecircncia desde sempre no leacutexico tornando-se uma palavra-chave da qual se derivou a

21 Os primeiros sentidos da palavra encontram-se na Iliacuteada i) reuniatildeo ou assembleacuteia dos deuses (VII vv 297-

298 XVIII v 376) ii) naus de guerra que navegam em conjunto (XVI v 239) iii) assembleacuteia para jogos

fuacutenebres (XXIII v 258 XXIV v 1) O vocaacutebulo agon aparece 29 vezes em Homero (PERSEUS 2006) 22 Antes de 700 aC a sociedade grega era natildeo-letrada e a transmissatildeo da cultura era oral Nesse contexto estatildeo

inseridos os poemas eacutepicos de Homero que natildeo constituem literatura no sentido moderno do termo diz Havelock (1996 p 244) mas experiecircncia oralmente armazenada de que o conteuacutedo daacute corpo agraves tradiccedilotildees de

um grupo cultural e cuja sintaxe obedece a leis mnemocircnicas por obra das quais essa tradiccedilatildeo eacute conservada e

transmitida 23 A propoacutesito da transcriccedilatildeo alfabeacutetica em Homero cf Havelock (1996 p 163-185)

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 41

expressatildeo civilizaccedilatildeo agoniacutestica24

que traduz o modus vivendi dos gregos e evidencia a noccedilatildeo

de competiccedilatildeo na cultura grega antiga Segundo Chantraine (1999) o vocaacutebulo agon refere-

se originalmente a uma funccedilatildeo religiosa e diplomaacutetica porque Homero o empregou num

contexto religioso Entretanto os jogos fuacutenebres natildeo estatildeo ligados nem a um rito nem a um

santuaacuterio eles cumprem apenas uma homenagem em que homens valorosos se reuacutenem natildeo

como atletas mas como guerreiros e sobretudo como espectadores para prestar honras

fuacutenebres a um dos seus Por extensatildeo agrave imagem de jogos fuacutenebres a palavra agon assume o

sentido de espectador de jogos puacuteblicos e consequumlentemente esse vocaacutebulo passa a designar

arena espaccedilo de confronto luta ou combate corporal25

De acordo com Flaceliegravere (1962 p

38) ao comentar os jogos fuacutenebres em honra de Paacutetroclo esses grandes concursos de forccedila e

habilidade se instituiacuteram por ocasiatildeo de funerais de heroacuteis e de reis E esses jogos foram um

protoacutetipo daqueles que ocorreram mais tarde nos santuaacuterios pan-helecircnicos de Delfos e de

Oliacutempia26

nesta uacuteltima havia uma estaacutetua do deus Agon com halteres em punho

personificando as lutas e os jogos27

Ao longo das comeacutedias de Aristoacutefanes estatildeo empregados vaacuterios vocaacutebulos que

remetem agraves metaacuteforas esportivas No iniacutecio do agon II de Vespas os adversaacuterios satildeo

interpelados como atletas e esse espiacuterito competitivo dos ginaacutesios eacute resgatado pela palavra

γυμνάσιον28 (vv 526-527) que abrange os sentidos exerciacutecio fiacutesico escola de ginaacutestica

ginaacutesio e portanto remete agrave imagem de jogos Em Ratildes antes de comeccedilar o agon entre

Eacutesquilo e Euriacutepides haacute duas passagens que aventam a metaacutefora da competiccedilatildeo A primeira eacute

sugerida pela palavra ἔφεδρος (v 792) que dentre seus significados refere-se ao atleta

reserva No contexto dessa comeacutedia trata-se da personagem Soacutefocles que se mostra pronto

24 Segundo Curtius (1856 apud DEMONT 2005) 25 Iliacuteada (XXIII v 685) e Piacutendaro (Piacuteticas I 44 vv 84-85) 26 A propoacutesito dos Jogos Oliacutempicos e sua universalidade cf Huizinga (1951) 27 Segundo Pausacircnias em Descriccedilotildees da Greacutecia V 26 3 28 Essa palavra tambeacutem pode se referir agrave escola de Pitaacutegoras cf Platatildeo Goacutergias 493 d

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 42

para substituir Eacutesquilo na discussatildeo com Euriacutepides A segunda aparece na palavra πάλαισμα

(v 878) que remetendo aos significados ―movimento de luta ―destreza ―estratagema

sugere a ideacuteia de competiccedilatildeo atleacutetica no debate entre os tragedioacutegrafos Em Cavaleiros na

passagem em que Agoraacutecrito eacute encorajado ao bate-boca com Plafagocircnio verificam-se os

seguintes termos i) προσβολή (vv 387 ss) cujo significado eacute ―ataque ―agressatildeo

―choque ―accedilatildeo de se lanccedilar contra algueacutem ii) ἀλείφω e ἐξολισθαίνω (vv 490 ss) que

significam ―preparar-se para a luta besuntando-se com oacuteleo e ―escapar de um golpe

escorregando respectivamente a metaacutefora construiacuteda com esses dois uacuteltimos vocaacutebulos se

refere ao conselho do coro e do escravo a Agoraacutecrito para que ele unte o pescoccedilo sugerindo a

imagem de preparaccedilatildeo da garganta para poder escorregando escapar das caluacutenias de

Paflagocircnio iii) λαβή (vv 841 847) e κεῖμαι (vv 571 ss) satildeo vocaacutebulos oriundos de um

contexto beacutelico mas por extensatildeo passam a representar metaacuteforas esportivas λαβή significa

―accedilatildeo de pegar ―de atracar ―de agarrar essa imagem sugerida pela palavra λαβή tambeacutem

aparece em Lisiacutestrata (v 671) Nuvens (v 551) e Pluto (vv 487 ss) o verbo κεῖμαι ndash que

significa ―ficar estendido ―deitado ―imoacutevel ndash tambeacutem aparece em Nuvens (vv 126 550)

Aristoacutefanes explora tambeacutem metaacuteforas que se referem agrave corrida como se os

antagonistas fossem atletas que se colocam na linha de partida Essa imagem estaacute presente em

Acarnenses (v 483) quando Diceoacutepolis se auto-encoraja antes de o agon comeccedilar em Vespas

(v 548 ss) em que Filocleatildeo sugere que o ponto de partida de seu discurso no agon traz a

imagem de uma linha de partida de uma corrida e por fim em Cavaleiros (vv 1159-1161)

em que Demos sinaliza o iniacutecio da disputa e (v 1353) em que estaacute empregado o verbo

παρατρέχω com o significado de ―ultrapassagem numa corrida que por extensatildeo toma o

significado de ―abordagem de uma questatildeo

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 43

A palavra agon floresce de fato no seacuteculo V aC e estaacute projetado nos mais

variados campos da cultura grega que se expressa atraveacutes dos discursos a antilogia

(ἀντιλογία) presente na literatura dos historiadores Heroacutedoto e Tuciacutedides na luta eriacutestica

lanccedilada pela sofiacutestica nos exoacuterdios dos oradores na composiccedilatildeo dos dramas em Eacutesquilo

Soacutefocles e Euriacutepides e por fim na comeacutedia de Aristoacutefanes A cada uma dessas aacutereas da

cultura grega o agon reserva uma caracteriacutestica original que corresponde certamente a uma

tendecircncia profunda dessa civilizaccedilatildeo agoniacutestica

Quando referido ao gecircnero dramaacutetico o vocaacutebulo agon remete primeiramente a

uma competiccedilatildeo artiacutestica29

entre coros dramaturgos (510 aC) e atores (450-420 aC) Com o

sentido de concurso teatral o termo agon jaacute eacute empregado no texto aristofacircnico de acordo com

a passagem abaixo

αὐτοὶ γάρ ἐσμεν οὑπὶ Ληναίῳ τrsquoἀγών

estamos soacute entre noacutes no festival das Leneacuteias

Esse excerto aparece na comeacutedia Acarnenses (v 504) e estaacute inserido numa longa

rhesis (ῥσις) de Diceoacutepolis dirigida ao espectador Para aleacutem do contexto dessa comeacutedia

esse verso eacute uma informaccedilatildeo sobre a peccedila que foi encenada no festival das Leneacuteias concurso

dramaacutetico que privilegiava o gecircnero cocircmico

A ideacuteia de competiccedilatildeo artiacutestica remonta aos antecedentes do fenocircmeno teatral que

mais tarde transforma-se numa arte que organizada em festivais de dramaturgia ganha

espaccedilo na vida cultural da polis Gastaram-se muito papel e tinta no afatilde de se explicar a

relaccedilatildeo do agon enquanto disputa com as origens do gecircnero dramaacutetico as quais por sua vez

estatildeo ligadas agrave tradiccedilatildeo do komos cortejo primevo de cunho religioso de onde a comeacutedia

29 Sabe-se atraveacutes de Platatildeo (O Banquete 194 a) que o poeta e os atores subiam sobre um estrado para uma preacute-

apresentaccedilatildeo antes do concurso teatral agon Essa cerimocircnia preliminar chamava-se proagon

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 44

teria procedido30

Apesar das diferentes teses os helenistas satildeo unacircnimes na questatildeo de o

agon se referir a um estaacutegio preacute-dramaacutetico isto eacute performaacutetico desse komos O elemento da

representaccedilatildeo dramaacutetica na opiniatildeo de Cornford (1968 p 30-31) jaacute estava presente desde o

rito religioso com praacuteticas ligadas agrave fertilidade em que se confrontavam os representantes de

forccedilas antagocircnicas como o veratildeo e o inverno a vida e a morte Segundo Adrados (1983 p 87)

devido agrave multiplicidade de funccedilotildees do komos31

primitivo a origem do teatro repousa em

celebraccedilotildees em que se alternam momentos de duelo e alegria Nessas celebraccedilotildees de acordo

com Saiumld Treacutedeacute e Boulluec (1997 p 169) o komos poderia se manifestar de duas maneiras

i) um bando de pacircndegos que mais ou menos embriagados iam de casa em casa e agrave saiacuteda de

cada banquete passeavam pelo vilarejo cantando danccedilando e zombando dos que passavam ii)

a palavra komos designava tambeacutem um tipo de charivari algazarra acompanhada de

violecircncias verbais e agraves vezes fiacutesica (Aristoacuteteles fr 558 Rose) A propoacutesito desses

comportamentos Navarre (1975 p 148-149) baseado em fatos narrados por Heroacutedoto

defende a hipoacutetese de que pouco a pouco essa forma desordenada do komos se disciplinou e

de que desse bate-boca surgiu um concurso com recompensa para o vencedor Na

interpretaccedilatildeo de Pickard-Cambridge (1966 p 156-158) alguma forma de komos aacutetico teria

incluiacutedo um tipo de agon cujo debate concluiacutedo com uma fala teria se desenrolado e se

tornado habitual sem duacutevida na parte satiacuterica e zombeteira da disputa que os primeiros poetas

cocircmicos desenvolveram

30 Aristoacuteteles (Poeacutetica 4 49 a 9-12) declara que a trageacutedia e a comeacutedia nasceram de um princiacutepio de

improvisaccedilatildeo e que a trageacutedia veio dos que conduziam o ditirambo e a comeacutedia dos que conduziam os cantos

faacutelicos Se por um lado nos dias de hoje pode-se ter um estudo mais bem detalhado sobre o ditirambo por

outro se sabe muito pouco sobre os cantos faacutelicos e seu real papel no nascimento da comeacutedia Em seu

princiacutepio a comeacutedia estaacute ligada ao culto de Dioniso agraacuterio em particular a uma de suas formas mais antigas

as Dionisiacuteacas Rurais que se organizavam em torno de uma manifestaccedilatildeo phallophorica em que se

transportavam os phallus siacutembolo de fertilidade e do deus E isso eacute constatado no proacuteprio texto da Comeacutedia Antiga v 261 de Acarnenses o heroacutei Diceoacutepolis apoacutes ter organizado a procissatildeo do phallus anuncia que vai

cantar o phallikon isto eacute um hino faacutelico Segundo Dupont-Roc e Lallot (1980 p 171) essa passagem ilustra

concretamente a ligaccedilatildeo que Aristoacuteteles estabelece entre os cantos faacutelicos e a comeacutedia 31 Sobre os vaacuterios sentidos e interpretaccedilotildees que a palavra komos assume cf Adrados (1983 p 78-82)

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 45

O fato eacute que natildeo se sabe exatamente quando e como se deu a primeira forma

dramaacutetica ainda que proto-performaacutetica nem se tem uma vasta literatura a respeito desses

precursores do gecircnero cocircmico o que exixte satildeo alguns fragmentos e excertos em Aristoacutefanes

(Cavaleiros vv 517 ss) e Aristoacuteteles (Poeacutetica 5 49 b 5-9) Segundo a passagem do texto

aristofacircnico a comeacutedia herdou de Magnes a verve satiacuterica de Cratino a invectiva e de Crates

o refinamento Conforme suposiccedilotildees de Jones (1997 p 326) Magnes teria desenvolvido o

elemento cocircmico do komos que era entatildeo formado por homens fantasiados de animais

Sobre isso a arqueologia felizmente contribui para que se possa ter uma ideacuteia

dessa manifestaccedilatildeo performaacutetica do komos Em vasos e acircnforas aacuteticas que datam por volta do

ano 500 aC estatildeo gravadas figuras humanas que fantasiadas de paacutessaros ou de galos ou de

cavaleiros montados em cavalos avestruzes ou golfinhos e acompanhadas por um flautista

sugerem que se trate de danccedilarinos e cantores Pickard-Cambridge (1966 p 152) comenta a

possibilidade de esses objetos arqueoloacutegicos serem anteriores agrave performance mais antiga da

comeacutedia que data de 486 aC E ainda dessas pinturas pode-se ter uma noccedilatildeo da natureza

preacute-dramaacutetica desse komos representaccedilatildeo danccedila e canto Eacute dessa evidecircncia que na suposiccedilatildeo

de Pickard-Cambrigde (1966 p 159) a primeira forma de agon seria de um combate de

canccedilotildees solo para se ver quais dos participantes cantaria melhor A esse respeito Duchemin

(1969 p 252) escreveu um artigo sobre canccedilotildees populares e agraacuterias sobretudo na Siciacutelia

que teriam formas aparentadas ao agon dramaacutetico e levantou a hipoacutetese de que a forma de

literatura oral chamada ―cantos alternados32

parece ter sido uma das formas mais

elementares e mais arcaicas Esses cantos alterados teriam sido uma praacutetica pastoral33

individual que com o tempo transformou-se num concurso o que a autora chama de agon

pastoral Na opiniatildeo dela (DUCHEMIN 1969 p 258) estaacute claro que esse tipo de disputa

cantada se dirige progressivamente para o teatro e que tenha sido a primeira forma na

32 O termo teacutecnico francecircs para esses cantos alternados eacute ameacutebeacutees e corresponde ao termo portuguecircs amebeu 33 Em nossa cultura a ideacuteia de ―cantos alternados pode a meu ver ser resgatada no entanto em nossa literatura

de cordel com a praacutetica repentista

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 46

execuccedilatildeo de formas arcaicas ou arcaizantes do teatro popular mais proacuteximo aliaacutes da

comeacutedia do que da trageacutedia

A funccedilatildeo do coro nesse komos parece portanto levar agrave natureza performaacutetica do

agon Em seu estudo Pickard-Cambridge (1966 p 161-162) propotildee trecircs situaccedilotildees i) coro e

exarkon ii) coro e antagonista iii) dois semi-coros cada um com seus exarkontes No

primeiro caso coro e exarkon o coro estabelece um combate verbal contra seu proacuteprio liacuteder

fato este que natildeo ocorre em nenhuma das comeacutedias conhecidas de Aristoacutefanes A segunda

situaccedilatildeo coro e antagonista pode ser ilustrada no agon de Tesmoforiantes em que Mnesiacuteloco

discute com o coro feminino e tambeacutem em Acarnenses em que Diceoacutepolis enfrenta o coro de

acarnenses E por uacuteltimo dois coros cada um com seu exarkon eacute uma situaccedilatildeo encontrado em

Lisiacutestrata em que haacute o confronto de dois semi-coros sexualmente opostos

As investigaccedilotildees sobre a importacircncia de um coro nesse komos tecircm implicaccedilotildees na

estrutura da comeacutedia e suas seccedilotildees fixas em que o coro eacute atuante Zielinski (1885 apud

GELZER 1960 p 2-10) demonstrou que o paacuterodo o agon e a paraacutebase seriam uma

reminiscecircncia do episoacutedio essencial do komos Navarre (1975 p 150-151) relaciona tambeacutem

o paacuterodo e o ecircxodo agraves evoluccedilotildees barulhentas e movimentadas de canto e danccedila dos komastai

na sua chegada e na sua partida respectivamente Segundo ele ainda ao komos a comeacutedia

deve quatro de seus elementos principais paacuterodoecircxodo agon e paraacutebase que juntos

formariam o germe do drama34

No exame de Pickard-Cambridge (1966 p 148-150) a forma

do agon estaacute mais sujeita agrave alteraccedilatildeo do que a forma da paraacutebase35

E por esse motivo

provavelmente a forma epirremaacutetica pertenceu originalmente agrave paraacutebase e depois teria sido

transferida ao agon Deve-se admitir que natildeo haacute uma evidecircncia direta da existecircncia de um

34 Haacute a hipoacutetese de que o komos outrora ambulante passa a um local fixo mantendo canto e danccedila no ritmo do

ditirambo e daiacute surgiria o teatro Eacute dessa uacuteltima fase que teria saiacutedo a comeacutedia Mas natildeo eacute tatildeo simples assim

adverte Navarre (1975 p 148) A comeacutedia aacutetica eacute uma combinaccedilatildeo de doses desiguais natildeo apenas do komos

aacutetico mas tambeacutem da farsa peloponesa da comeacutedia siciliana e da trageacutedia A cada um desses gecircneros ela deve alguma de suas formas

35 A paraacutebase modelo eacute composta por duas subdivisotildees i) a parte simples ou natildeo composta ii) siziacutegia

epirremaacutetica ou parte coordenada A primeira inclui kommaacutetion anapestos pnigos A segunda que eacute tambeacutem

comum agrave forma do agon inclui a siziacutegia epirremaacutetica

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 47

komos que explique as partes epirremaacuteticas da comeacutedia Mas a constataccedilatildeo de uma forma

como a da estrutura triacuteplice paacuterodoagonparaacutebase cujas formas riacutetmicas precisas recorrem a

uma meacutetrica determinada e tambeacutem a da estrutura do ecircxodo pode ser tomada como

evidecircncia de que houve um modelo similar de komos

Zielinski (1885 apud GELZER 1960) num trabalho muito original e fecundo

identificou a siziacutegia epirremaacutetica36

Trata-se de uma estrutura em que se alternam passagens

cantadas e recitadas que estatildeo simetricamente duplicadas Eacute a siziacutegia epirremaacutetica que daacute o

tom ao agon como princiacutepio agoniacutestico isto eacute um confronto verbal O agon passa entatildeo a

caracterizar uma situaccedilatildeo cecircnica primeiramente na trageacutedia em que ocorre o chamado

princiacutepio agoniacutestico ou seja uma relaccedilatildeo conflitante protagonizada numa dialeacutetica de

discursoresposta (PAVIS 2001 p 11) Essa altercaccedilatildeo teve desdobramentos na comeacutedia e o

termo agon passa a nomear uma seccedilatildeo da estrutura cocircmica

O gosto cada vez mais acentuado dos atenienses pelos processos nos oferece uma

vasta literatura que influenciou o teatro num jogo discursivo de ataque e defesa Se por um

lado uma parte dos argumentos era prevista e o contendor podia preparar suas respostas

sabendo de cor seus desenvolvimentos por outro podemos supor que uma outra parte era

improvisada Esse vai-e-vem discursivo na opiniatildeo de Duchemin (1968 p 13) devia

aumentar o interesse dramaacutetico Essa reciprocidade entre teatro e retoacuterica37

pode ser

demonstrada nas cenas traacutegicas de debate que tecircm um sentido equivalente aos processos

judiciaacuterios atenienses A trageacutedia e a comeacutedia que satildeo formas de comunicaccedilatildeo social

manifestam em seus textos alicerccedilados numa estrutura agoniacutestica o uso racional e loacutegico dos

recursos retoacutericos E a cena eacute a grande oportunidade para o desenvolvimento da retoacuterica que

ocupou no periacuteodo claacutessico o centro da vida puacuteblica de Atenas

36 Cf item 2 infra do capiacutetulo anterior 37 Essa forte relaccedilatildeo entre retoacuterica e teatro tambeacutem foi assunto no Goacutergias de Platatildeo (502d) Um estudo

interessante sobre a retoacuterica em Aristoacutefanes pode ser encontrado no artigo de Murphy (1938)

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 48

Com o advento da sofiacutestica38

por volta de 450 aC o agon estaacute projetado na luta

eriacutestica39

lanccedilada por Protaacutegoras Trata-se de um meacutetodo dito τέχνη ἐριστική ―a arte de

discutir O objetivo desse meacutetodo eacute confundir o adversaacuterio levando-o agrave contradiccedilatildeo e ser

capaz de manter indiferentemente os dois pontos de vistas opostos Duchemin (1969 p 247)

diz que os grandes poetas de trageacutedia atenienses como Soacutefocles e Euriacutepides quiseram igualar-

se a Protaacutegoras e a seus seguidores e por isso tiveram de aprender com eles a suprema

virtuosidade40

No caso da obra de Euriacutepides cujas peccedilas se compotildeem de uma arte dialeacutetica

bastante depurada a influecircncia da sofistica nos agones euripidianos segundo Lloyd (1992 p

13) evoca uma variedade de situaccedilotildees da vida ateniense do seacuteculo V em que os logoi se

disputavam mutuamente Euriacutepides e Aristoacutefanes que foram contemporacircneos assimilaram

amplamente essa cultura agoniacutestica em suas peccedilas o que explica uma contaminatio entre

gecircneros colocando em evidecircncia similitudes entre os dois poetas E devido agrave natureza

engajada da comeacutedia o movimento sofiacutestico e Euriacutepides foram alvo da verve cocircmica do

poeta41

Neste estudo natildeo se trata de estabelecer quanto agrave forma uma comparaccedilatildeo dos

agones de ambos os dramaturgos pois a estrutura formal do agon na comeacutedia eacute proacutepria a esse

gecircnero Mas quanto ao conteuacutedo podemos traccedilar como ilustraccedilatildeo um espelhamento42

de

ambos e ter uma dimensatildeo da influecircncia da obra de Euriacutepides na comeacutedia aristofacircnica

Se a natureza da comeacutedia eacute revelar um mundo agraves avessas Aristoacutefanes soube fazer

grande uso de um recurso bastante eficaz nesse sentido - a paroacutedia Em Acarnenses

Diceoacutepolis caracteriza-se de Teacutelefo heroacutei de uma trageacutedia de Euriacutepides de mesmo nome

38 Para um estudo aprofundado sobre a sofiacutestica e os sofistas cf Guthrie (1995) 39 Com base na observaccedilatildeo de Navarre (1975) - que interpreta a eriacutestica eacute filha legiacutetima ainda que degenerada

da dialeacutetica - Duchemin (1968 p 15-16) acrescenta que a diferenccedila entre a dialeacutetica e a eriacutestica eacute que esta eacute justamente a deformaccedilatildeo daquela Originariamente a dialeacutetica designa o gecircnero de discussatildeo que tem o

procedimento atraveacutes de perguntas e respostas e o exame da questatildeo ocorre ao longo de um diaacutelogo entre os

dois interlocutores 40 Segundo Dioacutegenes Laeacutercio (IX 54) a primeira obra de Protaacutegoras Sobre os deuses ndash περῖ θεῶν ndash teria sido

lida na casa de Euriacutepides A propoacutesito de Euriacutepides ter sido disciacutepulo do sofista Proacutedico cf Romilly (1995) 41 Um artigo interessante sobre Aristoacutefanes e a sofiacutestica eacute de Petruzzellis (1957 p 45-61) 42 Empregamos esse termo porque assim como o espelho reflete uma imagem invertida assim o faz a comeacutedia

por meio da paroacutedia em relaccedilatildeo agrave trageacutedia

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 49

Essa personagem tragicocircmica vai estar presente na cena preparatoacuteria do agon e na cena de

quasi-agon No proagon assim como Teacutelefo que disfarccedilado de mendigo deve convencer de

sua causa os chefes gregos Diceoacutepolis faz exatamente o mesmo diante do coro de acarnenses

E no quasi-agon quando Diceoacutepolis estaacute frente a frente com seu rival Lacircmacos o contraste

de figurinos eacute um recurso cocircmico bastante eficiente De um lado Diceoacutepolis-Teacutelefo

maltrapilho de outro Lacircmacos garrido em penachos Dois anos depois de Acarnenses

Aristoacutefanes em Nuvens (423 aC) volta a se referir a Euriacutepides como o poeta que corrompe a

juventude (vv 1371-1376)

Uma outra evidecircncia de similaridade entre os agones da trageacutedia euripidiana e da

comeacutedia aristofacircnica estaacute em Vespas comeacutedia que melhor representa esse tipo de agon Tanto

Duchemin (1968 p 129) quanto Lloyd (1992 p 13) comentam que o julgamento eacute um tema

frequumlente nos agones euripidianos Quanto ao conteuacutedo portanto o agon pode se tornar um

processo aos moldes judiciais Tudo indica que essa categoria de agon-processo influenciou

Aristoacutefanes

O antagonismo bem marcado de dois pontos de vista eacute segundo Duchemin (1968

p 131) emblemaacutetico na obra de Euriacutepides Sob essa perspectiva podemos considerar o agon

de cinco comeacutedias Em Cavaleiros Agoraacutecrito e Paflagocircnio vatildeo se enfrentar na Assembleacuteia

diante de Demo o Povo Trata-se do segundo agon da comeacutedia que se divide em trecircs

momentos duelo de bajulaccedilatildeo num jogo de adulaccedilatildeo e lisonja duelo de oraacuteculos e um debate

no campo da arte culinaacuteria Em Nuvens o antagonismo eacute evidente em duas instacircncias

primeiramente nas defesas dos Raciociacutenios Justo e Injusto no que se refere agrave nea-paideia e

archaia-paideia respectivamente e tambeacutem no segundo agon entre pai e filho em que eacute claro

o choque de geraccedilotildees Em Tesmoforiantes Euriacutepides eacute novamente uma personagem

preocupada com sua reputaccedilatildeo artiacutestica diante das mulheres que sentindo-se ultrajadas por

causa da maacute iacutendole das personagens femininas euripidianas se reuacutenem para celebrar a festa

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 50

das Tesmofoacuterias e deliberar uma puniccedilatildeo ao poeta O agon ocorre em plena assembleacuteia de

um lado o queixume do mulheril de outro o parente de Euriacutepides disfarccedilado com trajes

femininos advoga em favor do poeta Nessa cena do agon Aristoacutefanes novamente parodia43

uma cena euripidiana de Teacutelefo Em Ratildes a tekhne dramaacutetica entre dois estilos distintos de

poetas estaacute em discussatildeo Euriacutepides mais uma vez eacute personagem e vai disputar com Eacutesquilo o

assento da trageacutedia Em Pluto o antagonismo estaacute presente no projeto de Crecircmilo que espera

curar a cegueira de Pluto o deus da Riqueza e consequumlentemente banir Penia alegoria da

Pobreza da Greacutecia Em sua defesa Penia demonstra que ela eacute um bem para os gregos

Ao contraacuterio do antagonismo bem marcado Duchemim (1968 p 221-222)

comenta tambeacutem a categoria dos diaacutelogos com movimentos uniformes em alguns agones

euripidianos Esse tipo de diaacutelogo em que o movimento uniforme estaacute presente do comeccedilo ao

fim ocorre porque a personagem que conduz o jogo discursivo eacute a mesma Nessa categoria

destacam-se quatro comeacutedias Paz Aves Lisiacutestrata e Assembleacuteia de mulheres Isso porque os

agones dessas peccedilas satildeo classificados como uma ―demonstraccedilatildeo unilateral conforme

escreve Navarre (1911 p 253) ―[] dlsquoagones qui servent non agrave une discussion

contradictoire mais agrave une deacutemonstration unilateacuterale meneacutee par un seul personage

Aplicando a reflexiccedilatildeo de Navarre de que certos agones natildeo se prestam a uma discussatildeo

bilateral mas a uma demonstraccedilatildeo unilateral conduzida por uma uacutenica personagem

passemos agraves comeacutedias em questatildeo Em Paz quem conduz esse jogo eacute Trigeu em Aves eacute

Pisetero em Lisiacutestrata eacute Lisiacutestrata e em Assembleacuteia de mulheres eacute Praxaacutegora

Assim quanto ao conteuacutedo todas as comeacutedias conhecidas de Aristoacutefanes

conforme citadas acima sugerem similitudes com os agones euripidianos E a estreita relaccedilatildeo

no campo estiliacutestico entre ambos os poetas foi assunto de opiniotildees diversas a respeito de

43 Numa situaccedilatildeo de aporia o Parente simula o sequumlestro de um odre de vinho assim como o heroacutei traacutegico

Teacutelefo tomou Orestes ainda crianccedila como refeacutem

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 51

Aristoacutefanes ter ou natildeo Euriacutepides na mais alta estima44

Para Guthrie (1995 p 50) Aristoacutefanes

via nas ideacuteias sofiacutesticas um sintoma de decliacutenio Isso porque os dramas euripidianos que

tratavam de adulteacuterios incestos jogos de palavras etc vinham dessa nova ciecircncia Em

revanche na opiniatildeo de Murray (1933 p 107-108) Aristoacutefanes era certamente fascinado pela

poesia euripidiana Esse testemunho pode ser encontrado em Cratinos (fr 307)45

que ao se

referir a Aristoacutefanes cria o termo euripidaristophaniacutezon46

Interpreto que a presenccedila de Euriacutepides em Aristoacutefanes eacute um traccedilo artiacutestico que

reforccedila a forccedila inventiva da verve cocircmica do poeta nas composiccedilotildees de seus agones tatildeo ricos

em diversidade formal e temaacutetica quanto os agones euripidianos Ambos colocaram em cena

os problemas da polis e do cidadatildeo e tiveram plena vivecircncia de uma vida poliacutetica ateniense

baseada em discursos e argumentos

44 E no que concerne agrave questatildeo Aristoacutefanes e Euriacutepides Snell (1994) discute sob o ponto de vista de trecircs grandes

filoacutesofos ndash Herder Schegel e Nietzsche ndash ateacute que ponto Aristoacutefanes eacute criacutetico ferino de Euriacutepides 45 Lecirc-se em Cratinos τίς δὲ σὺ κομψός ndash πᾶς ἄν τις ἔροιτο θεατής ndash ὑπολεπτολόγος γνωμοδιώκτης

Εὐριπιδαριστοφανίζων Voelke (2004 p 119) comenta que os dois adjetivos que precedem o particiacutepio ndash

ὑπολεπτολόγος que significa ―uma linguagem por demais sutil e γνωμοδιώκτης que significa ―caccedilador

de foacutermulas ndash sugerem um parentesco estiliacutestico 46 Na tentativa de traduccedilatildeo desse termo propotildee-se euripidaristofanizar

CAPIacuteTULO II

AGONES MODELARES

CAVALEIROS NUVENS VESPAS E RAtildeS

(AGON(ES) INSERIDOS(S) NUM COMPLEXO AGONIacuteSTICO)

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

53

1 O agon em Cavaleiros47

a disputa a galope

Em Cavaleiros a unidade de accedilatildeo eacute bem marcada O proacutelogo anuncia e prepara a

accedilatildeo que se direciona para um enfrentamento que vai se desenrolar em vaacuterios outros

confrontos Do proacutelogo ao ecircxodo a accedilatildeo se desenvolve numa constante tensatildeo que por sua

vez conduz a uma contenda progressiva cujo assunto eacute construiacutedo por uma metaacutefora

dominante a da culinaacuteria A peccedila toda eacute praticamente um imenso agon (THIERCY 2007 p

108)

Em sua estrutura haacute dois agones que satildeo seccedilotildees-chave no desenvolvimento da

fabulaccedilatildeo cuja accedilatildeo eacute projetada num constante conflito entre as duas personagens principais

Paflagocircnio e Agoraacutecrito aleacutem da participaccedilatildeo de um dos escravos e do coro que cede nome agrave

comeacutedia O primeiro agon eacute subsequumlente ao paacuterodo e o segundo ocorre entre as duas

paraacutebases

O diaacutelogo entre os dois escravos no proacutelogo expotildee a intriga da peccedila que eacute

descobrir um meio de dar um xeque-mate em Paflagocircnio que sendo o terceiro escravo da casa

e dotado de muita astuacutecia sobretudo no falar logra o patratildeo Demo

Δη οὗτος τῆ προτέρᾳ νουμηνίᾳ

ἐπρίατο δοῦλον βυρσοδέψην Παφλαγόνα

πανουργότατον καὶ διαβολώτατόν τινα (vv 43-45)

Demoacutestenes ele [Demo] na lua nova passada comprou um escravo paflagocircnio de origem e curtidor de profissatildeo

um tipo patife e caluniador ao extremo

47 Cavaleiros (425 aC) apresentam-se como uma potente comeacutedia poliacutetica de invectiva pessoal em que

Aristoacutefanes critica o demagogo Cleatildeo e a poliacutetica da eacutepoca O poeta natildeo faz uma investida direta mas cria uma engenhosa narrativa alegoacuterica tatildeo eficiente que natildeo restaraacute duacutevida ao espectador de que a casa eacute Atenas

o senhor dela eacute Demo representando o povo ateniense e os escravos que trabalham para ele representam os

estrategos Demoacutestenes Niacutecias e Cleatildeo Este eacute chamado na peccedila de Paflagocircnio adversaacuterio agrave altura do heroacutei

cocircmico salsicheiro de profissatildeo frequumlentador da aacutegora que atende pelo nome de Agoraacutecrito

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num complexo agoniacutestico)

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Fartos da condiccedilatildeo desfavorecida em que vivem por causa de Paflagocircnio os

escravos procuram por meio da consulta ao oraacuteculo dar um basta nessa situaccedilatildeo Segundo o

oraacuteculo a queda de Paflagocircnio depende da ascensatildeo de um outro igualmente dotado de

astuacutecia

Δη κρατεῖν ἔως ἕτερος ἀνὴρ βδελυρώτερος

αὐτοῦ γένοιτο (vv 134-135)

Demoacutestenes haacute de governar ateacute que um outro homem mais safado

que ele apareccedila

Nessas passagens o emprego dos graus dos adjetivos πανουργότατον

διαβολώτατόν e βδελυρώτερος evidencia a sagacidade da personagem o que outorga a

Paflagocircnio a funccedilatildeo poneros Portanto somente algueacutem tambeacutem dotado de poneria estaria em

condiccedilotildees de igualdade para enfrentaacute-lo Por causa de um quumliproquoacute na interpretaccedilatildeo oracular

(vv 195-202) os dois escravos se vecircem diante do candidato perfeito para tal empresa Trata-

se de um salsicheiro maroto de nome Agoraacutecrito cuja etimologia ndash ―o que domina a aacutegora ndash

delega a ele habilidade retoacuterica suficiente para vencer qualquer discussatildeo o que tambeacutem

confere agrave personagem a funccedilatildeo poneros (McLEISH 1890 p 55)

Δη ὁτιὴ πονηρός κὰξ ἀγορᾶς εἶ καὶ θρασύς (v 181)

Demoacutestenes porque vocecirc eacute canalha filho da aacutegora e tambeacutem atrevido

Assim a poneria vai pocircr agrave prova os dois rivais que vatildeo medir forccedilas em

ἀλαζονεία (embuste) βδελυρία (safadeza) ἀναιδεία (descaramento) πανουργία

(patifaria) (WHITMAN 1964 p 89 THIERCY 2007 p 248)

A entrada do coro de Cavaleiros define a narrativa dramaacutetica da comeacutedia uma vez

que o coro estaraacute presente nos sucessivos confrontos que jaacute tecircm iniacutecio no final do paacuterodo

ἀλλrsquoἐὰν μέντοι γε νικᾷς τῆ βοῆ τήνελλος εἶ

ἥν δrsquoἀναιδείᾳ παρέλθῃ σrsquo ἡμέτερος ὁ πυραμοῦς (vv 276-277)

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num complexo agoniacutestico)

55

mas se vocecirc conseguir realmente vencecirc-lo no berroeacute aclamado vencedor ―hurra

mas se ele ultrapassar vocecirc em descaramento papamos a vitoacuteria

Apoacutes essas palavras do coro no final do paacuterodo ocorre o primeiro confronto entre

Agoraacutecrito e Paflagocircnio Natildeo se trata ainda de uma discussatildeo em que as partes vatildeo expor seus

pontos de vista mas de um enfrentamento cuja natureza eacute ganhar no grito

Αλ Τριπλάσιον κεκράξομαί σου

Πα Καταβοήσομαι βοῶν σε (vv 285-286)

Ag Trecircs vezes mais do que vocecirc eu vou gritar

Pa E eu berrando vou ganhar de vocecirc no grito

Isso gera um momento particularmente tenso da accedilatildeo que se desenvolve sob a

forma da esticomitia48

(vv 284-299) troca verbal bastante raacutepida cujo conteuacutedo se restringe

agraves provocaccedilotildees e agraves fanfarronices entre os rivais evidenciando a disputa de ambos ao meacuterito

da canalhice Paflagocircnio confessa seu lado biltre ndash ὁμολογῶ κλέπτειν (v 296) ndash enquanto

Agoraacutecrito atenta que fez escola na aacutegora ndash ἐν ἀγορᾷ κἀγὼ τέθραμμαι (v 293) O coro

tambeacutem se manifesta reforccedilando sua aversatildeo a Paflagocircnio que eacute injuriado de μιαρὲ καὶ

βδελυρὲ (soacuterdido e safado v 304) Pickard-Cambridge (1966 p 215) cogita que esse final

de paacuterodo tenha a funccedilatildeo de um proagon De fato desde o paacuterodo a accedilatildeo se desenrola numa

sequumlecircncia pelejadora que aleacutem de caracterizar um paacuterodo-agoniacutestico se manteacutem ancorada na

seccedilatildeo seguinte ao paacuterodo o primeiro agon da peccedila

Assim o agon I tem na conexatildeo entre as seccedilotildees da estrutura de Cavaleiros uma

posiccedilatildeo de prolongamento da accedilatildeo ofensiva ocorrida no paacuterodo49

(vv 242-332) Eacute sem

interrupccedilatildeo que do ponto de vista do conteuacutedo esse agon se liga agrave disputa precedente e

conduz agrave accedilatildeo principal gerando uma sucessatildeo de contendas Portanto do ponto de vista do

48 MacDowell (1995 p 98) natildeo concorda com a ediccedilatildeo de Sommerstein e Mastromarco de quebrar a esticomitia

atribuindo o v 298 a Agoraacutecrito e v 299 a Paflagocircnio 49 Gelzer (1960 p 37) e Moumlllendorff (2002 p 88) classificam o agon I de Cavaleiros como agon epirremaacutetico

apoacutes o paacuterodo E para Pickard-Cambridge (1966 p 215) esse final de paacuterodo cumpre a funccedilatildeo de um

proagon

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num complexo agoniacutestico)

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conteuacutedo esse agon I jaacute comeccedila no final do paacuterodo porque a ode que estaacute dividida e

intercalada por um proepirrema50

marca a transiccedilatildeo do teacutermino de uma seccedilatildeo ndash o paacuterodo ndash e

o iniacutecio de outra ndash o primeiro agon Na primeira parte da ode (vv 303-312) o coro manteacutem os

insultos a Paflagocircnio ateacute o momento do confronto com Agoraacutecrito Segundo Sommerstein

(1997a p 159) o metro empregado eacute o criacutetico peocircnio Pelo proacuteprio nome trata-se de um

metro originaacuterio do peatilde que era um canto destinado a encorajar os soldados (LAVEDAN

1931 p 734-735) Certamente Aristoacutefanes empregou tal metro para dar continuidade agrave

agitaccedilatildeo dos Cavaleiros na cena do paacuterodo Natildeo havendo mudanccedila no percurso da accedilatildeo que

se manteacutem em movimento contiacutenuo verifica-se nesse tipo de agon poacutes-paacuterodo uma extensatildeo

temaacutetica enquadrada numa nova forma no caso a siziacutegia epirremaacutetica marca do agon

epirremaacutetico Natildeo haacute dificuldade de classificaacute-lo como agon (vv 303-460) porque sua forma

regular contempla todas as partes abaixo discriminadas

ode (vv 303-332) antode (vv 382-406)

katakeleusmos (vv 333-334) antikatakeleusmos (vv 407-408)

epirrema (vv 335-366) antepirrema (vv 409-440)

pnigos (vv 367-381) antipnigos (vv 441-456)

sphragis (vv 457-460)51

Quanto ao conteuacutedo no entanto a disputa natildeo se caracteriza como uma discussatildeo

eriacutestica A natureza dessa querela eacute ―ganhar no grito onde se esperaria uma oposiccedilatildeo de

argumentos tem-se um contraste de vozes que se sobrepotildeem Haacute quatro personagens

envolvidos Paflagocircnio Agoraacutecrito Escravo Coro52

que se lanccedilam livremente no bate-boca

cujo assunto eacute saber quem entre Agoraacutecrito e Paflagocircnio eacute o mais haacutebil na arte da

embromaccedilatildeo

Tal conteuacutedo que eacute mostrar o mau caraacuteter de ambos os litigantes perpassa toda a

forma A ode eacute uma resposta do coro ao uacuteltimo xingamento desferido por Paflagocircnio que

50 Seguindo a divisatildeo proposta por Mazon (1904 p 38) ode A vv 303-313 proepirrema vv 314-321 ode Alsquo

vv 322-332) 51 Gelzer (1960 p xii) natildeo considera a sphragis Estamos levando em conta a demarcaccedilatildeo de Pickard-Cambridge

(1966 p 215) e Mazon (1904 p 48) 52 O coro estaacute sendo considerado um ator coletivo que participa da disputa com as estrofes da ode

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interrompe o canto coral Nessa interrupccedilatildeo haacute primeiramente a manifestaccedilatildeo de Paflagocircnio

em seguida o pronunciamento de Agoraacutecrito e depois o aparte jocoso do escravo cuja

funccedilatildeo bomolochos o caracteriza como um co-orador Esse conjunto de trecircs falas compreende

o proepirrema em prosa (vv 314-321) Segundo Gelzer (1960 p 43) em Cavaleiros a

inserccedilatildeo de versos falados na ode proveacutem do conteuacutedo Eacute com surpresa que Paflagocircnio

interrompe o coro e um proepirrema na ode corresponde para Gelzer a um verdadeiro chiste

dramaacutetico

No katakeleusmos o corifeu passa a palavra a Agoraacutecrito para que mostre que a

boa educaccedilatildeo de nada serve (vv 333-334) No epirrema Agoraacutecrito expotildee a proacutetase de seu

discurso que comeccedila pela desmoralizaccedilatildeo do adversaacuterio (v 335) Dessa maneira o tom da

discussatildeo eacute fixado nas provocaccedilotildees ao inveacutes de um confronto de ideacuteias Paflagocircnio por sua

vez se lanccedila na discussatildeo reclamando sua prioridade de falar (vv 336-341) O assunto que eacute

construiacutedo pela metaacutefora da culinaacuteria desenvolve-se de acordo com as prerrogativas de cada

adversaacuterio (vv 342-360) E assim a querela se realccedila pelo jogo da esticomitia (vv 361-381)

nas invectivas grosseiras

A simetria entre as partes desse agon I se manteacutem na antode que eacute tambeacutem

intercalada por um antiproepirrema53

Na antode o coro demonstra toda admiraccedilatildeo pelo

palavreado de Agoraacutecrito a ponto de no antikatakeleusmos natildeo conclamar Paflagocircnio agrave fala

embora ele tome a palavra declarando-se invenciacutevel (vv 409-410) A partir daiacute (vv 411-440)

os adversaacuterios se vangloriam da vida que levaram de acordo com a escola da patifaria Na

sequumlecircncia o bate-boca caminha ao estilo da esticomitia num jogo discursivo sob a metaacutefora

da culinaacuteria (vv 441-456) No antepirrema as provocaccedilotildees se estendem ateacute o antipnigos

reforccedilando o quanto Agoraacutecrito eacute de fato bom de laacutebia E pela segunda vez o coro elogia a

astuacutecia do salsicheiro mostrando na sphragis as vantagens do heroacutei sobre seu rival

53 De acordo com a distribuiccedilatildeo feita por Mazon (1904 p 38) antode A vv 382-390 antiproepirrema vv 391-

396 antode Arsquo vv 397-406

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A natureza agressiva desse primeiro agon eacute decorrecircncia da accedilatildeo ofensiva gerada

no paacuterodo com a entrada do coro formado por cavaleiros que gozando de um status-quo

elevado socialmente tecircm nessa comeacutedia a funccedilatildeo spoudaios O coro representa um papel

bem definido de mediador nas discussotildees mas sem imparcialidade porque eacute um partidaacuterio

incondicional do heroacutei cocircmico Natildeo eacute sem propoacutesito que Aristoacutefanes escolheu representar os

membros da cavalaria ateniense pois fatos histoacutericos denunciam que havia uma animosidade

entre Cleatildeo e a cavalaria de Atenas o que veio a calhar para o poeta que tambeacutem tinha suas

divergecircncias com o demagogo

Nas partes epirremaacuteticas os assaltos entre os adversaacuterios tornam-se evidentes na

medida em que as agressotildees verbais culminam numa agressatildeo fiacutesica marcada pela interjeiccedilatildeo

ἰού (v 451) aleacutem do encorajamento inflamado do escravo (vv 453-456) que na funccedilatildeo

bomolochos proporciona um tempero cocircmico a mais para a cena

Apoacutes o primeiro agon segue-se a paraacutebase I e uma cena de transiccedilatildeo (vv 461-

497) muito peculiar que chama a atenccedilatildeo pelo seu conteuacutedo agoniacutestico Paflagocircnio decide

levar a disputa diante do Conselho Tal enfrentamento ocorre fora de cena portanto no

espaccedilo extracecircnico54

Agoraacutecrito faz uma narrativa detalhada (vv 624-682) dessa disputa da

qual sai vitorioso Essa cena (vv 611-691) comeccedila com a forma de um agon Na ode o coro

encoraja Agoraacutecrito a falar e uma vez que Paflagocircnio estaacute ausente cabe ao pronunciamento

do heroacutei um uacutenico epirrema

54 Empregamos o termo extracecircnico com o sentido mais amplo possiacutevel Para um estudo aprofundado sobre o

assunto veja Rhem (2002 apud ROSA 20042005) Ubersfeld (2005) e Pavis (2001) De acordo com Rhem

(2002 apud ROSA 20042005 p 102-103) haacute seis categorias para o espaccedilo teatral espaccedilos teatral cecircnico

extracecircnico distante auto-referencial ou metateatral e por fim reflexivo Pavis (2001 p 132-138) tambeacutem estabelece seis categorias todavia nenhuma delas como espaccedilo extracecircnico Para esse autor haacute sempre riscos

teorizar sobre o espaccedilo no teatro mas propotildee as seguintes categorias espaccedilos dramaacutetico cecircnico cenograacutefico

ou teatral luacutedico ou gestual textual e interior Jaacute Ubersfeld (2005 p 113-116) discute os paradigmas

espaciais segundo os conceitos cecircnico e extracecircnico

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Χο ὦ καλὰ λέγων πολὺ δrsquoἀ-

μείνονrsquoἔτι τῶν λόγων

ἐργασάμενrsquo εἴθrsquoἐπέλθοις

ἅπαντά μοι σαφῶς (vv 617-619)

Co oacute vocecirc que eacute bom de laacutebia e que bem melhor ainda que suas palavras

foi batalhador que se aproxime

para me contar com clareza tudinho

Αλ καὶ μὴν ἀκοῦσαί γrsquoἄξιον τῶν πραγμάτων (v 625)

Ag E vale a pena ouvir os fatos

Assim Agoraacutecrito inicia sua narrativa triunfante de aproximadamente sessenta

versos (vv 625-682) e no final o Conselho o reconhece vitorioso com elogios e hurras

Αλ οἱ δrsquoὑπερεπῄνουν ὑπερεπύππαζον τέ με (ν 680)

Ag eles me elogiavam aleacutem da conta e me aclamavam

Como bem observaram Jong Nuumlnlist e Bowie (2004 p 282) ateacute essa passagem a

accedilatildeo em Cavaleiros tem uma seacuterie de cenas de confronto com discursos curtos e falas raacutepidas

Isso se confirma pelas esticomitias que apontamos anteriormente Percebe-se que a presenccedila

de uma cena de natureza narrativadescritiva desacelera a accedilatildeo que passa a ser um relato

cronoloacutegico dos fatos ligados por marcas temporais (ὁτε δή v 632 κᾆτα v 640 ou κᾆθrsquo

v 665 κἀγω v 647 e κἄγωγrsquo v 658 ἐπειδή γrsquo v 671 ἔπειτα v 678)

Na passagem ἐπέλθοις ἅπαντά μοι σαφῶς o coro deixa claro que haveraacute um

discurso extenso E tambeacutem em τῶν πραγμάτων Agoraacutecrito anuncia que vai fazer um

relato dos fatos Trata-se portanto de um agon-relato cuja forma se assemelha aos moldes

dos monoacutelogos narrativos dos mensageiros nas trageacutedias Eacute nesse sentido que na opiniatildeo de

Russo (1994 p 81) o relato ininterrupto de Agoraacutecrito eacute introduzido de maneira paratraacutegica

No entanto para Mazon (1904 p 42) esse tipo de cena narrada se refere agrave

dificuldade que o poeta teria de representar o Conselho embora houvesse a possibilidade de o

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

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Conselho ser representado por uma personagem alegoacuterica Mas Aristoacutefanes estaria se

repetindo natildeo soacute na construccedilatildeo de duas personagens alegoacutericas Demo e Conselho mas

tambeacutem na composiccedilatildeo de duas cenas similares em que Agoraacutecrito e Paflagocircnio se

enfrentariam diante de uma personagem alegoacuterica

Haacute um consenso entre Mazon (1904) Russo (1994) e Jong Nuumlnlist e Bowie

(2004) no que diz respeito agrave propriedade com que o poeta compotildee essa seccedilatildeo da comeacutedia

Mazon reconhece a verve poeacutetica aristofacircnica e a variaccedilatildeo dos recursos dramaacuteticos

empregados Jong Nuumlnlist e Bowie ressaltam a riqueza dos modos de narraccedilatildeo em

Aristoacutefanes e na opiniatildeo de Russo a conduccedilatildeo de um duelo fora do palco demonstra quatildeo

essenciais e bem planejados satildeo os agones de Cavaleiros

A cena seguinte eacute simetricamente engrenada agrave cena do agon-relato Na antode (v

690) o coro se rejubila com Agoraacutecrito e reforccedila seu apoio ao heroacutei Subsequumlentemente

comeccedila com a volta de Paflagocircnio o antepirrema que eacute fragmentado na forma de um

diaacutelogo55

entre ele e Agoraacutecrito em que Paflagocircnio quer uma revanche dessa vez diante de

Demo

οὐκ ὦγάθrsquo ἐν βουλῆ με δόξεις καθυβρίσαι

ἴωμεν εἰς τὸν δμον (νν 722-723)

natildeo vai pensando colega que vocecirc me esculhambou no Conselho

vamos agrave presenccedila de Demo

Toda narrativa dramaacutetica da comeacutedia tem ateacute aqui um eixo agoniacutestico que se

configura em constantes rixas que preparam para o combate mais importante o segundo agon

apoacutes a paraacutebase I e a cena de relato do agon-relato Isso nos leva a pensar que essa primeira

parte cumpre a funccedilatildeo de um imenso proagon de modo que o confronto entre os rivais

continuaraacute sendo tambeacutem objeto do agon II mantendo-se dessa forma uma discussatildeo sobre o

tema da comeacutedia

55 Esse artifiacutecio de fragmentar o antepirrema em diaacutelogo estaacute tambeacutem presente nos quasi-agon de Euriacutepides

denominados por Lloyd (1992 p 6-8 76) de near-agon

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num complexo agoniacutestico)

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Para Gelzer (1960 p 49) esse segundo agon se localiza na diallage a qual se

compotildee de quatro partes A primeira parte a disputa moldurada desde o iniacutecio no proacutelogo

quando essa disputa eclode em razatildeo de o oraacuteculo predizer o fim do poder de Paflagocircnio se

daacute abertamente pelo poder em Atenas a accedilatildeo teraacute continuidade no paacuterodo no agon I e nas

cenas de transiccedilatildeo sempre com a mesma temaacutetica qual dos dois adversaacuterios eacute eticamente o

pior E assim se estabelece o tema da negociaccedilatildeo a segunda parte numa cena que se desenha

num tiacutepico duelo de bajulaccedilatildeo (vv 732-940) Em seguida na terceira parte satildeo feitos os

acordos entre os litigantes e o juiz eacute Demo (vv 710 747-748) ambos os lados estatildeo

acordados em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees e reivindicam seus direitos (vv 730-745) e o objeto da

disputa (vv 746-748) eacute saber qual dos dois Paflagocircnio ou Agoraacutecrito eacute mais dedicado a

Demo Logo apoacutes eacute estabelecida a negociaccedilatildeo a quarta parte onde ocorre o agon II (vv 756-

940) e cada litigante apresenta as provas de sua fundamentaccedilatildeo A forma desse agon II eacute

regular poreacutem o conteuacutedo das partes apresenta aberraccedilotildees

ode (vv 756-760) antode (vv 836-840)

katakeleusmos (vv 761-762) antikatakeleusmos (vv 841-842)

epirrema (vv 763-823) antepirrema (vv 843-910)

pnigos (vv 824-835)56

antipnigos (vv 911-940)

sphragis (vv 941)57

Por razotildees meacutetricas na ode ocorre uma mudanccedila de tom ou ritmo em que o metro

natildeo eacute cantado e o corifeu segue o modo de recitaccedilatildeo denominado παπακαταλογή Na

interpretaccedilatildeo de Mazon (1904 p 43) esse modo de recitaccedilatildeo denominado παρακαταλογή

remeteria a uma cena comum entre os atletas que antes de entrar na competiccedilatildeo recebiam

apoio dos amigos e parentes O mesmo poderia se ver nesse momento da comeacutedia em que o

coro que eacute partidaacuterio do heroacutei cocircmico e interessado no desfecho da accedilatildeo lhe dirige em plena

voz os uacuteltimos conselhos Pickard-Cambridge (1966 p 216) a classifica de ―introduccedilatildeo Jaacute

56 A seccedilatildeo pnigosantipnigos eacute a mais longa de todos os agones aristofacircnicos pnigos (vv 824-835) sistema

anapeacutestico de 11 versos antipnigos (vv 911-940) sistema iacircmbico de trinta versos 57 Gelzer (1960 p xiii) natildeo considera esse verso como sphragis Seguimos a proposta de Mazon (1904 p 48)

Pickard-Cambridge (1966 p 215) e Moumlllendorff (2002 p 88)

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

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Gelzer (1960 p xiii) considera odeantode porque seus conteuacutedos satildeo compatiacuteveis com o

conteuacutedo tradicional das odes em que se constata uma mistura de elogios ao heroacutei com

alarmes de perigo que o esperam No katakeleusmos o coro passa a palavra a Agoraacutecrito mas

eacute Paflagocircnio que se anima a discursar em primeiro lugar Nas partes epirremaacuteticas haacute uma

conduccedilatildeo engenhosa do diaacutelogo construiacutedo por um jogo de refutaccedilotildees bem ao estilo do toma

laacute daacute caacute E para Gelzer (1960 p 69) Aristoacutefanes almeja um efeito dramaacutetico que durante o

agon se intensifica com os meios retoacutericos da discussatildeo

Ambos os adversaacuterios reforccedilam seu amor por Demo (vv 763-772) Em seguida

oferecem provas desse amor Nesse momento da discussatildeo o poeta traz agrave tona atraveacutes dos

ataques sofridos por Paflagocircnio a praacutetica poliacutetica de Cleatildeo em relaccedilatildeo ao povo ateniense a

sabotagem ao pacto de paz (vv 790-796) e o modo opulento de viver (vv 810-819) Demo

reconhece entatildeo a hipocrisia de Paflagocircnio (vv 820-823) O pnigos se encerra com insultos

reciacuteprocos e no final (vv 834-835) Agoraacutecrito expotildee com base nos subornos do rival a

proacutetase de seu discurso que vai ocorrer no antepirrema Na antode o coro ressalta a

eloquumlecircncia do salsicheiro e no antikatakeleusmos o encoraja a falar mas eacute Paflagocircnio quem

toma a palavra No antepirrema Agoraacutecrito rebate o oponente por meio de silogismos

(λαβὴv γὰρ ἐνδέδωκας ν 847) em que satildeo atacados isoladamente os pontos negativos de

Paflagocircnio Assim a cada prova de Paflagocircnio Agoraacutecrito contra-argumenta mostrando

inversamente os pontos negativos do adversaacuterio Se no agon I Agoraacutecrito agradou Demo com

uma almofada (vv 784-785) agora o bajula com um par de sapatos (vv 868-874) e uma

tuacutenica (vv 881-889) Paflagocircnio oferece por sua vez sua clacircmide (vv 890-893) que aliaacutes

fede a couro motivo suficiente para Agoraacutecrito acusaacute-lo de tentar asfixiar Demo Nesse

antepirrema o tom da contenda repleta de ameaccedilas e protestos se estende ao antipnigos

resultando num confronto fiacutesico evidenciado no texto pela interjeiccedilatildeo ἰαιβοῖ (v 891) Ateacute

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

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aqui o heroacutei cocircmico leva a melhor na disputa a ponto de Paflagocircnio ser demitido de seu cargo

de governante da casa devolvendo a Demo o anel que lhe dava o direito da funccedilatildeo (v 949)

A sphragis que natildeo respeita a meacutetrica encerra a contenda em prosa εὖ γε νή

τον Δία Segundo Sommerstein (1981 p 194) trata-se de uma foacutermula empregada por

Aristoacutefanes em circunstacircncias religiosas juriacutedicas ou no pronunciamento de um arauto

A posiccedilatildeo do segundo agon (vv 756-941) eacute por causa das duas paraacutebases na peccedila

inter-parabaacutetica Essa posiccedilatildeo sugere que ambas as paraacutebases reforccedilam a funccedilatildeo dramaacutetica

desse agon Embora a paraacutebase I seja de caraacuteter literaacuterio o poeta expotildee nela uma consciecircncia

de seu papel poliacutetico (DUARTE 2000 p 85) mantendo assim uma coerecircncia com o assunto

da peccedila cujo cliacutemax tatildeo esperado pelo puacuteblico eacute alcanccedilado no agon II E na paraacutebase II a

referecircncia ao mau caraacuteter dos litigantes (DUARTE 2000 p 105) nada mais eacute do que uma

projeccedilatildeo da poneria presente no segundo agon

A vitoacuteria de Agoraacutecrito eacute no entanto provisoacuteria jaacute que o termo da contenda eacute

adiado para as cenas seguintes cujas formas nada tecircm da estrutura do agon epirremaacutetico

senatildeo a natureza competitiva da accedilatildeo que se apresenta em dois momentos o confronto de

oraacuteculos (vv 997-1100) e o concurso culinaacuterio (vv 1151-1263) Tanto Moumlllendorff (2002 p

88) quanto Gelzer (1960 p 161) classificam essa cena de Agonales Szenen (cenas de agon)

No primeiro embate Demo solicita os oraacuteculos a Agoraacutecrito e Paflagocircnio que em seguida

devem comeccedilar a lecirc-los (vv 970 1011) A maneira como Paflagocircnio toma a frente sugere um

tom de katakeleusmos

Πα ἄκουε δή νυν καὶ πρόσεχε τὸν νοῦν ἐμοί (v 1014)

Pa Entatildeo ouccedila e preste atenccedilatildeo em mim

No discurso de cada oponente domina a simbologia animal Aproveitando-se de

que Demo natildeo entende a leitura que Paflagocircnio faz dos oraacuteculos Agoraacutecrito refuta entatildeo

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

64

com uma releitura Se Paflagocircnio se enxerga como o catildeo de guarda58

que com dentes afiados

e latido ruidoso protege o dono (vv 1015-1020) Agoraacutecrito por sua vez contradiz as

pretensotildees de seu adversaacuterio interpretando a figura desse catildeo como o Ceacuterbero traiccediloeiro (vv

1030-1034) Em outro oraacuteculo Paflagocircnio se vecirc como um leatildeo que defendendo o Povo dos

mosquitos importunos deve ser protegido por numa muralha outra razatildeo para Agoraacutecrito se

opor e interpretar que o muro de madeira e ferro deveria prendecirc-lo ao inveacutes de abrigaacute-lo (vv

1037-1049) A contradiccedilatildeo eacute mantida no oraacuteculo que mostra o catildeo-raposa em que o poeta faz

uma criacutetica agrave poliacutetica da exploraccedilatildeo do aliados atraveacutes do aumento de impostos (vv 1067-

1077) Depois eacute a vez de o poeta investir contra a corrupccedilatildeo (vv 1080-1085) e por fim os

pressaacutegios pelo sonho (vv 1088-1095) Portanto os discursos tecircm um poder imageacutetico

construiacutedos por palavras que satildeo puro simbolismo o que garante uma caricatura dos oraacuteculos

recurso eficiente de que o poeta se aproveita para criticar a arte poliacutetica isto eacute o uso ambiacuteguo

das palavras e a sutileza da dialeacutetica

Demo adia mais uma vez a sentenccedila para a cena seguinte a uacuteltima prova para

Agoraacutecrito e Paflagocircnio em que a vitoacuteria seraacute dada agravequele que seduzir Demo pelo estocircmago

(vv 1107-1009) Essa cena em que se salienta a simbologia culinaacuteria estaacute configurada ao

moldes de um concurso de cozinha cuja abertura faz alusatildeo ao katakeleusmos

Αλ ἄφες ἀπὸ βαλβίδων ἐμέ τε καὶ τουτονί

ἵνα σlsquoεὖ ποιῶμεν ἐξ ἴσου

Αη δρᾶν ταῦτα χρή

ἄπιτον (vv 1158-1161)

Ag Me mande agora eu e tambeacutem esse fulano aiacute para a linha de partida Para que a gente te sirva em peacute de igualdade

De Eacute isso mesmo que se deve fazer

Vatildeo jaacute

A palavra de ordem eacute o verbo ἄπειμι que daacute a largada da competiccedilatildeo em que

tortas (μαζίσκη v 1166) patildeo para sopa (μυστίλη v 1168) purecirc de ervilhas (ἔτνος γε

58 A imagem do catildeo de guarda vai aparecer tambeacutem na cena do julgamento em Vespas cf infra

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

65

πίσινον v 1171) sopa (ζωμός v 1175) posta de peixe (τέμαχος v 1177) carne (κρέας

v 1178) tripas (χόλιξ v 1179) bebida (vv 1185-1188) entre outros regalos da gula

disputam entre si num jogo de persuasatildeo gastronocircmica o paladar de Demo

Segundo Gelzer (1960 p 161) as cenas dos oraacuteculos e do concurso culinaacuterio

compotildeem a quarta e uacuteltima parte da diallage a sentenccedila Ao arbitrar como juiz na diallage os

apartes de Demo conferem agrave personagem a funccedilatildeo bomolochos cuja fala natildeo somente realccedila

o tom humoriacutestico da accedilatildeo mas tambeacutem sentencia o desfecho da disputa Por tantas vezes

protelado o veredicto59

ao final dessas cenas Demo anuncia sua preferecircncia por Agoraacutecrito

Ἀγορακρίτῳ τοίνυν ἐμαυτὸν ἐπιτρέπω (v 1259)

Entatildeo confio a Agoraacutecrito que cuide de mim

Fecha-se portanto a narrativa dramaacutetica que teve iniacutecio com o vaticiacutenio

anunciado no proacutelogo

κοιλιοπώλῃσιν δὲ θεός μέγα κῦδος ὀπαζει (v 200)

aos salsicheiros a divindade reserva uma grande gloacuteria

como se o resultado da disputa jaacute estivesse deliberado antes mesmo de a contenda ter

comeccedilado o que mostra que a intenccedilatildeo dο poeta natildeo estava em quem ia ganhar mas como

ganharia mantendo ateacute o final da comeacutedia a expectativa do espectador que o poeta tem na

mais alta conta homenageando-o atraveacutes da personagem Demo Este na funccedilatildeo de juiz dessa

contenda se preocupa com a opiniatildeo do puacuteblico

Δη τ δτrsquo ἄν ὑμᾶς χρησάμενος τεκμηρίῳ

δόξαιμι κρίνειν τοῖς θεαταῖον σοφῶς (vv 1209-1210)

De Que criteacuterios usar no caso de vocecircs para que

aos olhos dos espectadores eu tenha escolhido com sabedoria

59 Esse tipo de adiamento da sentenccedila tambeacutem ocorre em Ratildes

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

66

Quanto agrave forma os agones I e II se compotildeem da siziacutegia epirremaacutetica regular em

suas partes E quanto ao conteuacutedo se completam entre si O primeiro agon que eacute poacutes-paacuterodo

tem a funccedilatildeo preparatoacuteria em que Agoraacutecrito eacute colocado agrave prova diante de seu adversaacuterio

uma espeacutecie de debate amistoso para o confronto final o agon II que eacute inter-parabaacutetico No

todo orgacircnico da comeacutedia a estrutura eacute contemplada por outras cenas anaacutelogas ao agon

desde o proacutelogo ateacute o confronto na cena dos oraacuteculos (vv 997-1110) e a disputa ―forno e

fogatildeo na cena da refeiccedilatildeo com Demo (vv 1151-1262) quase no final da peccedila

Na anaacutelise de Gelzer (1960 p 63-64) o litiacutegio que estaacute na base da diallage

domina a peccedila inteira e soacute encontra termo ao final a accedilatildeo se desenvolve na disputa enquanto

seu pano de fundo eacutetico eacute exaustivamente discutido na negociaccedilatildeo isto eacute no segundo agon

epirremaacutetico que eacute o objetivo e o ponto principal da diallage Neste estudo consideramos

agon inserido num complexo agoniacutestico o que Gelzer analisa segundo o que ele denominou

de diallage Assim sendo toda condensaccedilatildeo da accedilatildeo dramaacutetica gira em torno do agon

(SILVA 2000 p 12) Na interpretaccedilatildeo de Russo (1994 p 81) os agones de Cavaleiros satildeo

notaacuteveis por uma seacuterie de sistemas tensos raacutepidos e graduados que mantecircm o espectador em

correspondecircncia com niacuteveis de tensatildeo e emoccedilatildeo Portanto toda a accedilatildeo dramaacutetica tem por

natureza o conflito e vai num crescendo o que tambeacutem pode ser constatado nas comeacutedias

Nuvens Vespas e Ratildes

2 O agon em Nuvens60

os confrontos tempestuosos

No conjunto da obra de Aristoacutefanes a comeacutedia Nuvens foi a mais estudada desde

a Antiguumlidade ateacute nossos dias (THIERCY 2007 p 256) O texto que a tradiccedilatildeo nos deixou

60 A proposta de Nuvens (424 aC) eacute trazer agrave discussatildeo o papel da Educaccedilatildeo de acordo com as correntes

filosoacuteficas vigentes na formaccedilatildeo do indiviacuteduo Para isso a comeacutedia enfoca o conflito de valores entre pai e

filho num choque de geraccedilotildees

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

67

refere-se agrave segunda versatildeo61

o que eacute um fator complicador para a anaacutelise da peccedila porque no

que concerne agrave composiccedilatildeo62

do texto existente haacute particularidades que envolvem o paacuterodo o

agon e a paraacutebase63

O paacuterodo jaacute traz alguns embaraccedilos com relaccedilatildeo ao agon uma vez que

dependendo da demarcaccedilatildeo da entrada do coro pode ocorrer ou natildeo um agon a mais na

estrutura Navarre (1911 p 279) considera apenas a contenda entre os Raciociacutenios como o

agon de Nuvens Jaacute Mazon (1904 p 62) estabelece trecircs agones vv 358-475 (apoacutes o paacuterodo)

vv 889-1106 (apoacutes a paraacutebase I) e vv 1345-1452 (apoacutes a paraacutebase II) Nesta anaacutelise

adotamos a distribuiccedilatildeo de Pickard-Cambridge (1966 p 217-218) Gelzer (1960 p xiii) e

Moumlllendorff (2002 p 132) que estatildeo de acordo na divisatildeo dos versos e consideram dois

agones para a peccedila o primeiro entre os Raciociacutenios (apoacutes a paraacutebase I) o segundo entre pai e

filho (apoacutes a paraacutebase II)

Segundo Couat (1895 p 367) no texto de Nuvens misturam-se duas ediccedilotildees

incompletas o que torna difiacutecil uma reconstituiccedilatildeo exata do paacuterodo De acordo com Mazon

(1904 p 53-54) e Pickard-Cambridge (1966 p 217) o paacuterodo estaacute concluiacutedo no v 357 Daiacute

por diante se aplicarmos a sequumlecircncia tradicional das partes de uma comeacutedia ndash proacutelogo

paacuterodo agon paraacutebase ndash dos vv 358-475 se esperaria o agon Para Mazon nesses versos

ocorre o primeiro agon da peccedila enquanto Pickard-Cambridge classifica a passagem de quasi-

meio-agon64

Quanto a sua forma a estrutura estaacute muito mutilada65

natildeo haacute epirrema o

diaacutelogo estaacute em anapestos tetracircmetros (vv 364-438) em seguida haacute um pnigos (vv 439-456)

e por fim uma ode (vv 457-475) Na hipoacutetese de Mazon Aristoacutefanes teria escrito um agon

regular mas suprimiu suas partes deixando essa cena ligada ao paacuterodo Gelzer (1960 p 140)

natildeo descarta a hipoacutetese de que o excerto vv 365-377 poderia conter o que teria restado depois

61 Sobre os manuscritos preservados cf Sommerstein (1998 p 5-6) 62 Alguns estudos apontam para a natildeo encenaccedilatildeo dessa versatildeo por duas razotildees ou o texto foi reformulado natildeo

tendo em vista o espaccedilo cecircnico ou por se tratar de uma versatildeo apenas para a leitura A esse respeito cf Russo (1994 p 97-109)

63 A propoacutesito da anaacutelise da paacuterabase de Nuvens cf Duarte (2000 p 132-153) 64 O termo em inglecircs eacute quasi-half-agocircn 65 De acordo com esquema de Pickard-Cambridge (1966 p 217)

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da recomposiccedilatildeo da peccedila de um agon da primeira versatildeo Dos vv 365-411 a argumentaccedilatildeo

da tese de que as Nuvens satildeo deusas eacute muito similar agrave argumentaccedilatildeo nos agones

epirremaacuteticos sobretudo no antepirrema afirma Gelzer (1960 p 141) Ao que parece houve

uma imbricaccedilatildeo de forma e conteuacutedo entre as partes do texto cocircmico a ponto de se tratar de

uma extensatildeo do paacuterodo que assumindo proporccedilotildees de um quasi-agon entendemos como um

paacuterodo-agoniacutestico

O diaacutelogo entre Soacutecrates e Estrepsiacuteades que teve iniacutecio no proacutelogo eacute

interrompido parcialmente pela entrada do coro de Nuvens que entoa solenemente duas

estrofes liacutericas em meio aos comentaacuterios dos dois atenienses e depois os sauacuteda

χαῖρrsquo ὦ πρεσβῦτα παλαιογενές θηρατά φιλομούσω

σύ τε λεπτοτάτων λήρων ἱεροῦ [] (vv 358-359)

[a Estrepsiacuteades] Salve velho dos antigos tempos admirador de palavras queridas

[das Musas [a Soacutecrates] E vocecirc sacerdote de tolices sutiliacutessimas

66

Ao cumprimentar Soacutecrates o coro se dirige a ele como λήρων ―aquele que diz

asneiras e enfatiza a oratoacuteria do filoacutesofo empregando o superlativo de λεπτός

―minucioso ―meticuloso ―sutil o que delega agrave personagem tanto a funccedilatildeo poneros quanto

alazon

Como a personagem representa comicamente a imagem do filoacutesofo e de sua arte

que passava por um momento novo com o advento da sofiacutestica Soacutecrates pode ser visto

segundo a opiniatildeo de Whitman (1964 p 139) como mestre da poneria Mas eacute preciso ter o

cuidado de natildeo entender poneros no sentido ―mau-caraacuteter atributos de Agoraacutecrito e

Paflagocircnio em Cavaleiros mas algueacutem dotado de um palavreado ardiloso

Na opiniatildeo de Thiercy (2007 p 261) a intenccedilatildeo de Aristoacutefanes natildeo era fazer um

retrato ainda que monstruoso de Soacutecrates como o autor fez de Cleatildeo em Cavaleiros mas

66 Todas as passagens traduzidas de Nuvens satildeo de Gilda Maria Reale Starzynski

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

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encontrar um homem que representasse para o puacuteblico a nova retoacuterica da eacutepoca Thiercy

(2007 p 262) classifica entretanto a personagem de Soacutecrates como um alazon bem como

McLeish (1980 p 56) A alazoneiacutea em Soacutecrates estaria entatildeo relacionada agrave jactacircncia de seu

discurso que eacute um recurso cocircmico a serviccedilo da saacutetira agrave sofiacutestica e a seus seguidores

Quanto a Estrepsiacuteades por sua vez o coro o considera um θηρατής ―aquele que

persegue os discursos Portanto poneria eacute precisamente a arte que o heroacutei espera aprender

com Soacutecrates mas se mostra incapaz Conforme o estudo de Whitman (1964 p 120 121

122 129 135 139) Estrepsiacuteades natildeo possui nenhuma das qualidades de heroacutei que

caracterizam outros protagonistas falta-lhe uma verdadeira poneria e dimensotildees generosas do

grotesco Para esse autor o heroacutei de Nuvens eacute risiacutevel e pateacutetico ao mesmo tempo Aliaacutes natildeo

se trata de um verdadeiro heroacutei e a inversatildeo dos papeacuteis com seu filho eacute um ponto baacutesico da

estrutura a partir do momento em que Fidiacutepides vai agrave escola de Soacutecrates Whitman tambeacutem

interpreta que o heroacutei pende para a fanfarronice a alazoneiacutea Jaacute para McLeish (1980 p 56

123) Estrepsiacuteades tem a funccedilatildeo bomolochos enquanto que na anaacutelise de Thiercy (2007 p

256 259) Estrepsiacuteades eacute a personagem principal cuja funccedilatildeo spoudaios se explica pela sua

uniatildeo matrimonial com a sobrinha de Meacutegacles vinda de uma famiacutelia aristocraacutetica que natildeo o

teria certamente aceitado se ele fosse um homem de classe inferior

A personagem Estrepsiacuteades pode dependendo da accedilatildeo assumir essas trecircs funccedilotildees

Seu endividamento por causa dos caprichos do filho que eacute um amante de cavalos condiz com

seu status quo proveniente de uma condiccedilatildeo social elevada portanto lhe cabe a funccedilatildeo

spoudaios Ele gostaria de ser dotado de poneria para poder debater com os credores e

―inverter o discurso a seu favor aliaacutes uma atitude que faz jus agrave etimologia do nome

Estrepsiacuteades que estaacute ligado ao vocaacutebulo στρέψις ―accedilatildeo de virar Mas a natureza obtusa do

velho ateniense faz com que ele tenha a funccedilatildeo bomolochos ao agregar comentaacuterios jocosos

aos pontos de argumentaccedilatildeo do filoacutesofo conforme a citaccedilatildeo a seguir

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num complexo agoniacutestico)

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Στ ταῦτrsquo ἄρα καὶ τὠνοματrsquo ἀλλήλοιν sbquoβροντὴ‛ καὶ sbquoπορδή‛ ὀμοίω (v 394)

Estr Ah entatildeo eacute por isso que ateacute os nomes satildeo parecidos trovatildeo e peidatildeo

[]

Σω καὶ τῶς ὦ μῶρε σὺ καὶ Κρονίων ὄζων καὶ βεκκεσέληνε (v 398)

Socr Mas como insensato velho tonto cheirando a mofo seu arcaico

O excerto acima exemplifica que o diaacutelogo entre Estrepsiacuteades e Soacutecrates se

constroacutei num jogo de pergunta e resposta mas natildeo se trata de exposiccedilatildeo de pontos de vista a

relaccedilatildeo argumentocontra-argumento eacute inexistente O heroacutei natildeo estaacute numa situaccedilatildeo de conflito

com seu adversaacuterio porque natildeo haacute antagonismo Estrepsiacuteades quer aprender e Soacutecrates potildee agrave

prova se seu candidato a disciacutepulo tem aptidatildeo ou natildeo O heroacutei eacute entatildeo submetido a um ritual

de iniciaccedilatildeo em que satildeo invocadas as Nuvens cuja entrada estabelece o final do proacutelogo e

iniacutecio do paacuterodo O diaacutelogo entre Estrepsiacuteades e Soacutecrates que teve iniacutecio no final do proacutelogo

se estende ateacute o paacuterodo com algumas intervenccedilotildees do coro Por essas razotildees interpretamos

que essa passagem ainda pertence ao paacuterodo

Assim sendo o primeiro agon de Nuvens (vv 949-1104) refere-se agrave cena entre os

Raciociacutenios que vai ocorrer depois da primeira paraacutebase (vv 510-626) o que resulta numa

inversatildeo da ordem esperada da estrutura cocircmica Na anaacutelise de Duarte (2000 p 137) a razatildeo

disso repousa sobre o status do heroacutei que ainda natildeo obteve ecircxito em seu plano o que justifica

a ausecircncia de conclusatildeo na paraacutebase

Como as personagens Raciociacutenios Justo e Injusto satildeo novas no enredo entrando

de suacutebito em cena67

antes de o agon comeccedilar haacute uma cena preparatoacuteria o proagon (vv 889-

948) em que ambas deixam claro ao puacuteblico quem representam e para que vieram Trava-se

um diaacutelogo raacutepido que num determinado ponto eacute revestido pela forma da esticomitia (vv

889-933)

67 O nuacutemero de participantes nesse agon I de acordo com o texto envolve os dois Raciociacutenios o coro e

Fidiacutepides que se manteacutem calado numa funccedilatildeo apenas de objeto da disputa Haacute controveacutersias entretanto na

questatildeo sobre a permanecircncia ou natildeo de Estrepsiacuteades e Soacutecrates nessa cena A esse respeito num artigo muito

interessante Sommerstein (1994 p 269-282) analisa a presenccedila ou ausecircncia de Soacutecrates e Estrepsiacuteades antes

durante e depois do agon entre os dois Raciociacutenios

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num complexo agoniacutestico)

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Κρ ἀπολεῖς σύ τίς ὤν

Ητ λόφος

Κρ ἥττων γrsquoὤν

Ητ ἀλλά σε νικῶ τὸν ἐμοῦ κρείττω

φάσκοντrsquo εἶναι

Κρ τί σοφὸν ποιῶν

Ητ γνώμας καινὰς ἐξευρίσκων (νν 893-896)

[]

Jus Acabaraacute comigo E quem eacute vocecirc

Inj Um raciociacutenio Jus O fraco

Inj Mas eu vou vencecirc-lo a vocecirc que afirma que eacute mais forte do que eu

Jus Com que habilidades Inj Encontrando ideacuteias novas

A discussatildeo de caraacuteter provocativo se configura numa luta eriacutestica aos moldes da

sofistica e a partir desse momento os contendores jaacute datildeo sinais de sua poneria A partir do v

934 o corifeu potildee fim ao bate-boca e chama os dois adversaacuterios para o debate cuja temaacutetica eacute

o assunto da comeacutedia qual a melhor educaccedilatildeo a antiga ou a nova

Trata-se de uma cena de alegoria Nos comentaacuterios de Thiercy (2007 p 265)

esses dois Raciociacutenios segundo o escoliasta eram trazidos agrave cena numa gaiola como galos de

briga Infelizmente na versatildeo que possuiacutemos nenhuma imagem nem indicaccedilatildeo sugere tal

cena cujo antagonismo eacute bem marcado tanto no conteuacutedo quanto na forma de acordo com a

siziacutegia epirremaacutetica assim disposta

ode (vv 949-958) antode (vv 1024-1033)

katakeleusmos (vv 959-960) antikatakeleusmos (vv 1034-1035)

epirrema (vv 961-1008) antepirrema (vv 1036-1084)

pnigos (vv 1009-1023) antipnigos (vv 1085-1104)

Na ode o coro abre o debate No katakeleusmos o corifeu daacute a palavra ao

Raciociacutenio Justo que defende solenemente a educaccedilatildeo tradicional da muacutesica e da ginaacutestica a

justiccedila e a moderaccedilatildeo com um discurso bem estruturado no epirrema (vv 961-1008)

composto por trecircs rheseis A primeira se refere agrave ordem cronoloacutegica da formaccedilatildeo dos jovens

(vv 963-976) Em seguida ele expotildee a inversatildeo de valores daquilo que era evitado no

passado mas agora tolerado (vv 977-983) esses pontos satildeo refutados pelo Raciociacutenio Injusto

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num complexo agoniacutestico)

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que alega anacronismo (vv 984-989) E por fim o Raciociacutenio Justo lista uma seacuterie de

condutas de mau comportamento que Fidiacutepides natildeo deveria seguir (vv 990-999) aqui

novamente o Raciociacutenio Injusto contra-argumenta protestando a defesa obsoleta de seu

oponente Essa refutaccedilatildeo conduz agrave conclusatildeo do Raciociacutenio Justo no pnigos em que ele

descreve o jovem atleacutetico ideal

Eacute a vez entatildeo de o Raciociacutenio Injusto se pronunciar Na antode (vv 1024-1033)

o coro o apresenta e lhe cede a palavra avisando-o no antikatakeleusmos (vv 1034-1035) o

ecircxito retoacuterico de seu rival Comeccedila o debate No antepirrema (vv 1036-1084) a discussatildeo eacute

entrecortada num jogo de argumento e contra-argumento de fundo sofiacutestico os versos que

cabem ao Raciociacutenio Injusto satildeo iacircmbicos cujo tom eacute bem irreverente Ele refuta de modo

silogiacutestico quatro pontos da argumentaccedilatildeo do adversaacuterio Primeiramente os banhos quentes

(vv 1043-1054) depois a vida na aacutegora (vv 1055-1057) em seguida o valor da dececircncia (vv

1058-1074) e por fim o poder da palavra para justificar uma vida prazerosa (vv 1075-1082)

No antipnigos (vv 1085-1104) ocorre um diaacutelogo raacutepido revestido pela forma da

esticomitia (vv 1090-1100) em que o Raciociacutenio Injusto demonstra que a maioria dos

cidadatildeos jaacute eacute adepta da nova educaccedilatildeo O Raciociacutenio Justo se daacute por vencido oferecendo seu

manto ao adversaacuterio (vv 1101-1104) gesto que sela a disputa dispensando a interferecircncia do

coro e portanto a ausecircncia da sphragis

Na opiniatildeo de Thiercy (2007 p 255-256) os Raciociacutenios satildeo personagens

episoacutedicas a quem eacute confiado o agon principal Thiercy (2007 p 265) entende que natildeo se

trata de opor dois raciociacutenios num simples jogo de antinomias mas aquilo que representam

neacutea-paideacuteia versus archaiacutea-paideacuteia Nessa mesma linha de interpretaccedilatildeo Whitman (1964 p

124) observa que o cliacutemax da peccedila comeccedila com o agon entre os dois Raciociacutenios e a accedilatildeo

envolve uma seacuterie de antinomias que caracteriza a divisatildeo entre a velha e a nova geraccedilatildeo

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

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A partir desse primeiro agon o desenvolvimento da accedilatildeo vai como em

Cavaleiros se acentuando progressivamente A importacircncia desse agon I estaacute na sua relaccedilatildeo

direta com a dinacircmica da accedilatildeo das cenas subsequumlentes em que o heroacutei passaraacute por trecircs provas

i) o enfrentamento com os credores (vv 1222-1300) cena em que ele se sai triunfante

aplicando os preceitos sofiacutesticos ii) o confronto com o filho que estabelece o segundo agon

da peccedila (vv 1345-1451) iii) o acerto de contas com Soacutecrates no ecircxodo (vv 1452-1510)

Antes de o segundo agon comeccedilar haacute uma curta cena (vv 1321-1344) de

passagem que sendo preparatoacuteria para o segundo agon estamos considerando-a como

proagon68

Trata-se de uma cena de confronto fiacutesico em que Estrepsiacuteades lamenta a proacutepria

sorte diante dos golpes que leva do filho que desafiando o pai para uma discussatildeo vai lhe

provar que eacute justo um filho bater no pai (vv 1330-1335)

Nessa cena eacute evidente o bem sucedido aprendizado do jovem que se torna ao

contraacuterio da torpeza de seu genitor haacutebil com as palavras um mestre em poneria conforme a

correspondecircncia dos versos

Κρ Καταπύγων εἶ κἀναίσχυντος (v 909)

Ητ ῥόδα μrsquoεἴρηκας

Κρ καὶ βωμολόχος (ν 910)

Ητ κρίνεσι στεφανοῖς

Κρ καὶ πατραλοίας (ν 911)

Jus E vocecirc um fresco um sem-vergonha

Inj Vocecirc me diz rosas

Jus palhaccedilo Inj Coroa-me de liacuterios

Jus parricida

[]

Στ ὦ λακκόπρωκτε

Φε τάττε πολλοῖς τοῖς ῥόδοις (ν 1330)

Estr Imundo Fid Vocecirc me polvilha com muitas rosas

68 Mazon (1904 p 62) e Pickard-Cambridge (1966 p 218) classificam-na de cena de introduccedilatildeo

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

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Fidiacutepides mostra que sabe a liccedilatildeo na ponta da liacutengua em seu discurso ecoa o

discurso do Raciociacutenio Injusto enquanto que o discurso de Estrepsiacuteades estaacute no mesmo tom

que o do Raciociacutenio Justo o que demonstra um espelhamento de conteuacutedo entre os agones e

portanto uma extensatildeo da contenda

A funccedilatildeo spoudaios presente na primeira parte da comeacutedia eacute suplantada pela

funccedilatildeo poneros que eacute realccedilada no segundo agon De acordo com McLeish (1980 p 56)

Fidiacutepides tem a funccedilatildeo spoudaios De fato trata-se de uma personagem de origem

aristocraacutetica amante dos cavalos qualidade reforccedilada pela proacutepria etimologia do nome No

entanto a funccedilatildeo de spoudaios restringe-se agrave primeira metade da comeacutedia porque a partir do

agon entre os Raciociacutenios quando o Injusto vence e passa entatildeo a ser o mestre de Fidiacutepides

este se transforma num poneros cuja funccedilatildeo ficaraacute evidente na cena do segundo agon Este

tem como o primeiro uma estrutura regular e manteacutem as mesmas caracteriacutesticas de

composiccedilatildeo de um agon duplo isto eacute com partes simeacutetricas da siziacutegia epirremaacutetica

ode (vv 1345-1350) antode (vv 1391-1396)

katakeleusmos (vv 1351-1352) antikatakeleusmos (vv 1397-1398)

epirrema (vv 1353-1385) antepirrema (vv 1399-1445)

pnigos (vv 1386-1390) antipnigos (vv 1446-1451)

Na ode (vv 1345-1350) o coro se dirige a Estrepsiacuteades e no katakeleusmos (vv

1351-1352) o encoraja No epirrema (vv 1353-1385) o discurso de Estrepsiacuteades se divide em

duas partes Primeiramente haacute uma descriccedilatildeo (vv 1354-1378) da cena de discussatildeo ocorrida

dentro da casa portanto no espaccedilo extracecircnico69

onde Fidiacutepides mostra preferecircncia pelos

versos de Euriacutepides que eacute na opiniatildeo de Estrepsiacuteades um corruptor da moral e da trageacutedia70

em detrimento dos versos de Simocircnides e de Eacutesquilo por julgaacute-los antiquados e pomposos

respectivamente Em seguida em decorrecircncia da discussatildeo Estrepsiacutedades questiona se eacute justo

um filho bater no pai (vv 1379-1385) E no pnigos Estrepsiacuteades expotildee justificando a

69 A respeito do espaccedilo no teatro cf nota 53 infra 70 Aristoacutefanes retomaraacute esse assunto no agon de Ratildes cf infra

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

75

injusticcedila de se bater no pai trecircs imagens71

referentes ao universo infantil como prova de seu

amor pelo filho βρῦν (ν 1382) μαμμᾶν (ν 1383) e κακκᾶν (v 1384) Na antode (vv

1391-1396) o coro estaacute apreensivo com as atitudes de Fidiacutepides mas o encoraja no

antikatakeleusmos (vv 1397-1398) No antepirrema (vv 1399-1445) Fidiacutepides apresenta

num jogo sofiacutestico trecircs pontos que justificam sua atitude de bater no pai i) o ato de bater no

pai eacute tambeacutem um ato de amor (vv 1408-1419) ii) a vulnerabilidade do direito paterno sobre o

filho (vv 1420-1429) iii) a questatildeo da dececircncia Diante dessa arguumliccedilatildeo Estrepsiacuteades daacute razatildeo

a Fidiacutepides (vv 1437-1439) que desafia o pai num ponto a mais nesse direito o de bater

tambeacutem na matildee (vv 1440-1445)

No antipnigos (vv 1446-1451) Estrepsiacuteades mostrando sinais de arrependimento

de um plano que se voltou contra si mesmo reage num final de agon bastante violento Para

Gelzer (1960 p 53-54) a funccedilatildeo desse segundo agon eacute por meio de um paralelismo da

construccedilatildeo com o primeiro agon e do ponto de vista dramaacutetico ad absurdum72

jaacute que o

violento desfecho da discussatildeo natildeo eacute para mostrar quem eacute o vencedor ou quem estaacute com a

razatildeo mas pocircr em evidecircncia esse tipo de argumentaccedilatildeo Ou seja eacute assim que Aristoacutefanes

lanccedila sua criacutetica aos novos horizontes da educaccedilatildeo grega se apropriando de um discurso muito

proacuteprio que eacute soacute dela a sofistica Na opiniatildeo de Romilly (1988 p 126-127) Aristoacutefanes

ilustrou de maneira concreta a arte de inversatildeo do discurso arte tatildeo cara a Protaacutegoras

Estrepsiacuteades para salvar seus interesses atraveacutes de sutilizas de argumentaccedilatildeo se vecirc viacutetima de

seu filho que se transformou num disciacutepulo dessa arte

O agon termina com a accedilatildeo ancorada no ecircxodo em que Estrepsiacuteades vai fazer um

acerto de contas com Soacutecrates pondo abaixo o phrontisterion Nas palavras do coro a

Estrepsiacuteades (―vocecirc eacute o responsaacutevel do que estaacute lhe acontecendo v 1455) fica evidente a

ironia cocircmica Segundo Thiercy (1997 p 1067-1068) Fidiacutepides cometeu crimes passiacuteveis de

71 A propoacutesito das duas primeiras imagens cf Taillardat (1965 p 93 258 respectivamente) 72 Essa natureza ad absurdum tambeacutem caracteriza o agon de Pluto cf cap VI infra

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

76

atimia ficando claro que a vitoacuteria eacute em uacuteltima instacircncia do Raciociacutenio Justo Esse final de

disputa corresponde bem ao que eacute proacuteprio da comeacutedia isto eacute a inversatildeo geral em que o

Injusto vence o Justo ainda que provisoriamente para que no final do segundo agon fique

latente pela reaccedilatildeo furiosa de Estrepsiacuteades o triunfo do Raciociacutenio Justo

Nuvens satildeo uma comeacutedia que conteacutem alguns componentes proacuteprios da trageacutedia

como por exemplo a natureza do coro a escolha do heroacutei que vai desencadear a ἀνάγκη

Na primeria parte da peccedila que vai o agon I haacute uma aparente situaccedilatildeo eufoacuterica para o heroacutei

porque na segunda parte sobretudo no agon II a accedilatildeo passa a ser disfoacuterica para o heroacutei o

que justifica a ausecircncia de happy end no ecircxodo No acircmbito da accedilatildeo ocorre entatildeo uma

metabole73

isto eacute uma conversatildeo que eacute responsaacutevel pela inserccedilatildeo dos agones num complexo

agoniacutestico Nesses agones forma e conteuacutedo estatildeo a serviccedilo da temaacutetica da comeacutedia que

propotildee uma saacutetira agrave Educaccedilatildeo a partir do choque de geraccedilotildees entre pai e filho o que estaacute

tambeacutem presente em Vespas mas desta vez a criacutetica seraacute feita ao poder judiciaacuterio de Atenas

3 O agon em Vespas74

a discussatildeo a ferroadas

A estrutura narrativa de Vespas estaacute dividida do ponto de vista temaacutetico em duas

partes bem distintas o que leva a uma interpretaccedilatildeo imediata de que a comeacutedia natildeo tem uma

unidade de accedilatildeo A respeito da accedilatildeo no gecircnero cocircmico Thiercy (2007 p 151-154) comenta

as posiccedilotildees de Mazon Pickard-Cambridge Handel Landfester e Denis estabelecendo as

seguintes linhas teoacutericas coerecircncia perfeita da accedilatildeo incoerecircncia total da accedilatildeo accedilatildeo coesa na

73 Nos comentaacuterios sobre a Poeacutetica Dupont-Roc e Lallot (1980 p 230) assinalam que o termo metabasis eacute

empregado nas passagens 52 a 16 e 18 55 b 29 e retomado por metabole em 52 a 23 e 31 e pelo verbo

correspondente metaballein em 52 b 34 A diferenccedila de sentidos se eacute que haacute alguma pode se referir ao

vocaacutebulo metabasis como sendo mais geral do que metabole englobando todos os tipos de ―virada de

fortuna que satildeo entendidos como uma ―mudanccedila E como bem observou Malhadas (2003 p 30) a mudanccedila

de fortuna do heroacutei traacutegico pode se dar passo a passo (basis) Isso tambeacutem ocorre com Estrepsiacuteades o heroacutei

cocircmico em Nuvens 74 A temaacutetica da comeacutedia Vespas (423 aC) eacute satirizar o gerenciamento da justiccedila ateniense ridicularizando a

mania pela chicana judicial o abuso de poder da magistratura e dos poliacuteticos e consequumlentemente a

arbitrariedade das sentenccedilas Essa proposta estaacute em consonacircncia com um enredo que nas tentativas de um

filho querer mudar o caraacuteter do pai mostra o choque de geraccedilotildees

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

77

primeira parte da peccedila e cenas supeacuterfluas na segunda Neste estudo entretanto tentaremos

demonstrar que a partir da anaacutelise dos agones e sua relaccedilatildeo com as outras seccedilotildees da comeacutedia

estaacute presente uma dinacircmica da accedilatildeo em Vespas Com base na interpretaccedilatildeo de Thiercy (2007

p 156) a accedilatildeo em Vespas natildeo se interrompe o que ocorre eacute uma mudanccedila da temaacutetica da

comeacutedia apoacutes a paraacutebase Em seu exame Thiercy (2007 p 175) propotildee entatildeo o que ele

chama de unidade de interesse75

A tardia localizaccedilatildeo da paraacutebase I na peccedila (vv 1009-1121) marca a conclusatildeo da

primeira parte (MAZON 1904 p 74) ndash proacutelogo paacuterodo agon I e II76

e paraacutebase I ndash cujo

assunto se estabelece por um choque de geraccedilotildees entre pai e filho Bdelicleatildeo eacute um dedicado

filho cuja preocupaccedilatildeo eacute curar a mania por processos judiciais de que o pai Filocleatildeo

padece77

O antagonismo presente nesses nomes Filocleatildeo e Bdelicleatildeo78

- que numa

traduccedilatildeo livre entendem-se como Proacutecleatildeo e Contracleatildeo respectivamente ndash reforccedila a

proposta da comeacutedia

A primeira parte do programa narrativo da peccedila ocorre em trecircs etapas (THIERCY

2007 p 173) daacute-se inicialmente o uso da forccedila pois Filocleatildeo estaacute encarcerado em sua casa

por vontade do filho depois usa-se persuasatildeo e acordo de um processo judicial domeacutestico e

por fim a realizaccedilatildeo do julgamento em que o reacuteu seraacute absolvido

Proacutelogo (vv 1-229) e paacuterodo (vv 230-316) compreendem a primeira das trecircs

etapas acima Desde o proacutelogo a ideacuteia de forccedila fiacutesica estaacute bem marcada pela accedilatildeo austera do

filho de aprisionar o pai em sua proacutepria casa e pela reaccedilatildeo furiosa do pai

75 Uniteacute drsquo inteacuterecirct Trata-se de colocar em evidecircncia o interesse humano e toda a atenccedilatildeo estaacute voltada para o

comportamento do heroacutei Sob esse aspecto Vespas eacute classificada como uma comeacutedia de caracteres na opiniatildeo

de Thiercy (2007 p 175) 76 Haacute divergecircncias na demarcaccedilatildeo dessas partes Para Pickard-Cambridge (1966 p 219) o paacuterodo se encerra no

v 316 a partir do v 317 ateacute o v 525 daacute-se o proagon e a comeacutedia teria um uacutenico agon (vv 526-727) Nesta

anaacutelise adotamos as sugestotildees de Mazon (1904) de Gelzer (1960) e de Moumlllendorff (2002) que estabelecem

dois agones intercalados com uma cena de hostilidade 77 φιληλιαστής ν 88 78 O prefixo philo- traduz uma ideacuteia de ―paixatildeo ―adoraccedilatildeo oposta ao termo bdely- do verbo bdelyacutessomai

odiar A onomaacutestica desses nomes que tecircm em comum o nome do demagogo ateniense Cleatildeo refere-se

agravequele que adora Cleatildeo e ao outro que odeia Cleatildeo

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

78

Φι εἰ μή μrsquoἐάσεθrsquo ἥσυχον μαχούμεθα (v 190)

Fil Se vocecirc natildeo me deixar tranquumlilo vamos brigar

Ao empregar o verbo μάχομαι Filocleatildeo deixa claro que natildeo se trata de um

ensejo que busca um acordo amigaacutevel senatildeo um enfrentamento mais pelo combate do que

pelo debate Nessa atmosfera de luta gera-se uma altercaccedilatildeo cujo conteuacutedo eacute realccedilado pelos

insultos de ambas as partes

Βδ πονηρὸς εἶ πόρρω τέχνης καὶ παράβολος (v 192)

Bd Vocecirc eacute um velhaco incompetente e tambeacutem um petulante

A poneria atribuiacuteda a Filocleatildeo nesse iniacutecio da comeacutedia torna-se expressiva ao

longo da trama em que fica evidente o caraacuteter polivalente de sua funccedilatildeo de poneros79

ligada a

uma imagem de velho ladino que longe de ter habilidades de heliasta natildeo soacute eacute corrompido

mas tambeacutem manipulado pelos poliacuteticos (vv 666-672)

No paacuterodo o coro de Vespas que satildeo companheiros de Filocleatildeo no tribunal

toma ciecircncia dos fatos e no final dessa seccedilatildeo e iniacutecio da seguinte quando ocorre o primeiro

agon Filocleatildeo responde ao coro com um canto lamurioso de socorro (vv 316-333) O coro

mostra-se por sua vez soliacutecito com seu camarada nas tentativas de fuga que devido ao

enfrentamento com Bdelicleatildeo e seus criados sentinelas natildeo tecircm sucesso Como bem

observou Gelzer (1960 p 39-40) a accedilatildeo anunciada no proacutelogo natildeo eacute interrompida pelo

paacuterodo ao contraacuterio ela se estende porque o conteuacutedo se prolonga ateacute o primeiro agon

A segunda etapa que implica persuasatildeo e acordo corresponde aos agones I e II

intercalados por uma curta cena episoacutedica No que se refere ao agon I (vv 333-414) que tem

a accedilatildeo apoiada no paacuterodo80

quanto ao conteuacutedo81

ele natildeo tem nada de agon natildeo fosse sua

forma que estaacute assim composta

79 Para McLeish (1980 p 55) Filocleatildeo eacute a personagem que melhor representa tal funccedilatildeo 80 Na anaacutelise de Gelzer (1960 p 37) trecircs peccedilas tecircm agones com lugar fixo isto eacute apoacutes o paacuterodo a saber

Cavaleiros (vv 303-456) Vespas (vv 334-402) e Aves (vv 327-399)

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

79

ode (vv 334-345) antode (vv 365-379)

katakeleusmos (vv 346-347) antikatakeleusmos (vv 380-381)

epirrema (vv 348-357) antepirrema (vv 382-402)

pnigos (vv 358-364) antipnigos natildeo haacute82

sphragis (vv 402-414)83

De acordo com as partes canocircnicas do agon epirremaacutetico natildeo haacute nenhum

equiacutevoco em classificar essa cena como um agon Entretanto sob a influecircncia do conteuacutedo a

forma sofre algumas adequaccedilotildees Para Gelzer (1960 p 40) a forma se adapta ao

prosseguimento da accedilatildeo a ponto de se opor ao conteuacutedo E tal adaptaccedilatildeo pode ser vista nas

seguintes partes descaracterizadas

i) no ―dialogismo da ode com a presenccedila de proepirremas falados Assim a ode que deveria

ser o canto do coro eacute substituiacuteda por um diaacutelogo melodramaacutetico84

entre o coro e

Filocleatildeo O coro no iniacutecio da ode em conexatildeo com o canto lamuriante de Filocleatildeo faz

uma pergunta (vv 334-335) e a resposta por Filocleatildeo conduz a um curto proepirrema (vv

336-341) Apoacutes respondida a questatildeo ocorre a segunda parte da ode (vv 342-345)

ii) nos dois versos do katakeleusmos que natildeo se distinguem dos versos seguintes nos

epirremas (GELZER 1960 p 7) Aristoacutefanes os insere discretamente a ponto de esses

dois versos terem uma conexatildeo com o epirrema que fica portanto ampliado

iii) no preterimento de um antipnigos Para Gelzer (1960 p 42) a ausecircncia de um antipnigos

eacute causada pela chamada de socorro de Filocleatildeo que provoca uma reaccedilatildeo irada do coro de

Vespas que entoa um canto de guerra (vv 403-414)

Esse agon fica comprometido em seu conteuacutedo devido agrave brevidade das partes

epirremaacuteticas porque epirrema e antepirrema natildeo desenvolvem um conflito de ideacuteias mas

81 Para Mazon (1904 p 69) trata-se de uma cena sob a forma de um agon ou talvez de um syntagma 82 Mazon (1904 p 70) interpreta que a ausecircncia de pnigos se deva agrave natureza da cena que eacute de muita

precipitaccedilatildeo cabendo apenas no final um canto do coro que corresponde agrave sphragis 83 Gelzer (1960 p XIII) Pickard-Cambridge (1966 p 219) e Moumlllendorff (2002 p 94) natildeo consideram esses

versos finais como sphragis 84 O paacuterodo de Vespas que apresenta um hibridismo de partes dialogadas configura-se num canto dialogado ou

num diaacutelogo melodramaacutetico E segundo Gelzer (1960 p 46) e Mazon (1904 p 67-68) muitas vezes haacute

composiccedilotildees simeacutetricas de estrofe e anti-estrofe da mesma forma como elas se configuram na ode e antode do

agon epirremaacutetico

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

80

simplesmente expotildeem uma cena cheia de accedilatildeo O epirrema conteacutem apenas um diaacutelogo que eacute

marcado pela regularidade com que Filocleatildeo e o coro conversam alternadamente

Primeiramente (vv 347-352) o coro propotildee que Filocleatildeo faccedila como Odisseu no episoacutedio em

que o heroacutei eacutepico foge da gruta do ciclope Mas esse ardil jaacute tinha sido tentado antes por

Filocleatildeo (vv 181-189) Na proposta seguinte (vv 353-356) o coro o anima a pular em

memoacuteria dos tempos de bravura Mas a velhice se sobrepotildee agrave juventude de outrora Com o

andamento da accedilatildeo no antepirrema ocorre a uacuteltima tentativa de fuga por uma corda (vv 382-

388) que teria sucesso natildeo fosse a reaccedilatildeo de Bdelicleatildeo surpreendendo o fugitivo e seus

cuacutemplices (vv 395-402)

Na cena seguinte85

(vv 415-525) que estaacute intercalada entre os agones I e II

apresenta em sua forma poucas semelhanccedilas com o agon epirremaacutetico entretanto a natureza

dessa cena eacute em seu conteuacutedo tipicamente agoniacutestica Segundo Gelzer (1960 p 155-156) no

que concerne agrave disposiccedilatildeo meacutetrica haacute uma prevalecircncia dos tetracircmetros trocaicos e tambeacutem

podem-se constatar duas partes simeacutetricas (vv 406-414 = 463-471) constituiacutedas por trecircs

trocaicos dois tetracircmetros peocircnios e por fim uma seacuterie mais longa de tetracircmetros trocaicos

Essas duas estrofes na anaacutelise de Gelzer poderiam ser vistas como odes e o restante como

epirrema aos moldes do agon epirremaacutetico Mas haacute alguns desvios como a ausecircncia de

katakeleusmos e pnigos A estrofe que na funccedilatildeo de sphragis encerra o agon I daacute sequumlecircncia agrave

proacutexima cena cujo conteuacutedo pode ser dividido em duas partes Na primeira o coro reage agrave

accedilatildeo precedente de Bdelicleatildeo sinalizando a iminecircncia de um confronto entre eles

85 O agon II daacute-se na diallage segundo Gelzer (1960 p 48) Na cena de transiccedilatildeo entre os agones I e II

encontram-se duas das quatro partes da diallage a disputa e o acordo

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

81

Χο καὶ σέ γrsquoαὐτοῖς ἐξολοῦμεν ἀλλrsquo ἅπας ἐπίστρεφε

δεῦρο κἀξείρας τὸ κέντρον εἶτrsquoἐπrsquoαὐτὸν ἴεσο

ξυσταλείς εὔτακτος ὀργς καὶ μένους ἐμπλήμενος

ὡς ἅν εὖ εἰδῆ τὸ λοιπὸν σμνος οἶον ὤργισεν (vv 422-425) []

Βδ παῖε παῖrsquo ὦ Ξανθία τοὺς σφκας ἀπὸ οἰκίας

Ξα ἀλλὰ ὁρῶ τοῦτrsquo

Βδ ἀλλὰ καὶ σὺ τῦφε πολλ τ καπν (vv 456-457)

Co E eacute com eles que vamos acabar com vocecirc Virem-se todos

para esse lado sacando o ferratildeo e em seguida ataquem-no em fileiras cerradas bem alinhadas com o coraccedilatildeo cheio de fuacuteria e raiva

para que ele saiba bem em que tipo de enxame ele mexeu

[] Bd Enxota enxota Xacircntias essas vespas pra longe da casa

Xa Mas eacute o que estou fazendo

Bd E vocecirc [para Soacutesias] sufoca-as com muita fumaccedila

Na segunda parte satildeo arrolados os acordos entre pai e filho em que ficam

estabelecidas as seguintes condiccedilotildees propostas das partes (vv 504-511) os fundamentos de

ambas as partes litigantes (vv 515-520) e o juiz que com sua sentenccedila deve deliberar qual

das soluccedilotildees propostas eacute a melhor (v 521) e tais condiccedilotildees devem ter a aprovaccedilatildeo de ambas

as partes para que a negociaccedilatildeo comece

Assim com a negociaccedilatildeo inicia-se o segundo agon (vv 526-727) em que se

discute se os juiacutezes governam ou apenas servem a cidade de Atenas Para Gelzer (1960 p

49) o exemplo dessa negociaccedilatildeo que estaacute em conexatildeo com o agon epirremaacutetico mostra

claramente a natureza da diallage uma vez que se trata de uma comeacutedia de tribunal

Quanto agrave forma esse segundo agon possui todas as seccedilotildees a seguir expostas

ode (vv 526-545) antode (vv 631-647)

katakeleusmos (vv 546-547) antikatakeleusmos (vv 648-649)

epirrema (vv 548-620) antepirrema (vv 650-718)

pnigos (vv 621-630) antipnigos (vv 719-724)

sphragis (vv 725-727)86

A ode eacute novamente dialogada a uacutenica diferenccedila eacute que o coro eacute interrompido pelas

personagens duas vezes ao inveacutes de uma Nas partes restantes natildeo haacute modificaccedilotildees No

86 Para Gelzer (1960 p XIII) o agon termina no v 724 jaacute Mazon (1904 p 72-73) estende o agon ateacute o v 759 e

Pickard-Cambrige (1966 p 219) e Moumlllendorff (2002 p 95) fazem a marcaccedilatildeo ateacute o v 727 que eacute o que

estamos considerando

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

82

katakeleusmos Filocleatildeo tem a licenccedila para falar Diante do coro de Vespas que estaacute na

funccedilatildeo de juiz as partes apresentam nas seccedilotildees epirremaacuteticas suas fundamentaccedilotildees

acompanhadas de provas No iniacutecio do epirrema Filocleatildeo expotildee a proacutetese de seu longo

discurso de defesa em que vai demonstrar o valor da magistratura O conteuacutedo do discurso de

Filocleatildeo pode ser pontuado conforme os apartes de Bdelicleatildeo que toma nota de cada ponto

para depois rebatecirc-los Primeiramente a situaccedilatildeo dos acusados na condiccedilatildeo de suplicantes (vv

550-559) em seguida o desprezo pela riqueza e o natildeo cumprimento das promessas (vv 560-

576) depois o abuso de poder a isenccedilatildeo de prestaccedilatildeo de contas (vv 577-589) e a supremacia

dos juiacutezes e a adulaccedilatildeo dos poliacuteticos (vv 590-604) e por fim Filocleatildeo descreve a recepccedilatildeo

prazerosa ao chegar em casa e a sensaccedilatildeo de soberania oliacutempica (vv 605-620)

Se no epirrema Filocleatildeo mostrou que os juiacutezes governam cabe a Bdelicleatildeo no

antepirrema comprovar que eles satildeo manipulados (vv 650-654) Para tanto Bdelicleatildeo se

apoacuteia em caacutelculos para mostrar que os juiacutezes natildeo recebem o que lhes eacute de direito (vv 655-

664) Em seguida ele demonstra que o dinheiro serve apenas para corromper a magistratura

e o preccedilo dessa submissatildeo e logro eacute de trecircs oacutebolos aleacutem de promessas e de alguns presentes

da classe poliacutetica

Devido agrave natureza dessas partes epirremaacuteticas87

esse agon eacute de fundo sereno

numa linguagem sem asperezas (McLEISH 1980 p 119) o que lhe confere um tom de

trageacutedia ou pelo menos melodramaacutetico Logo no iniacutecio dessa contenda Bdelicleatildeo emprega o

termo τρυγῳδοῖς (v 650) ―cantor de borra significando poeta cocircmico um vocaacutebulo

composto de τπςγ [τρύξ] e Ὠδή Por esse mesmo mecanismo Aristoacutefanes encerra a comeacutedia

Vespas com a palavra τπςγῳδῶν (v 1537) segundo Thiercy (1997 p 1005) esse termo seria

87 A retoacuterica desse debate eacute discutida por Harriot (1986 p 36-43 apud MAcDOWELL 1995 p 160)

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

83

paralelo agrave palavra τραγῳδία portanto τρυγῳδία seria um vocaacutebulo forjado daiacute em

algumas traduccedilotildees se tente resgatar tal hibridismo empregando-se o termo trigeacutedia88

Tudo leva a crer que a intenccedilatildeo de Aristoacutefanes eacute deixar claro que esse discurso

eleva-se acima do niacutevel normal da comeacutedia Nesse agon Bdelicleatildeo e Filocleatildeo deixam de ser

personagens apenas de comeacutedia para interiorizarem personagens tragicocircmicos tanto pelas

cenas de paroacutedia inspiradas na trageacutedia de Euriacutepides quanto pelas funccedilotildees que essas

personagens assumem Bdelicleatildeo que tem uma funccedilatildeo de spoudaios manteacutem a seriedade ndash o

que o torna uma personagem natildeo tatildeo engraccedilada ndash e por ser um tipo visionaacuterio (McLEISH

1980 p 54) E Filocleatildeo tem uma postura sisuda oposta agravequela no iniacutecio da comeacutedia

enfatizando a polivalecircncia de seu caraacuteter poneros Assim Bdelicleatildeo eacute na sua funccedilatildeo

spoudaios desprovido de jocosidade e sua seriedade se sobrepotildee a ponto de Filocleatildeo

ser em sua poneria haacutebil o suficiente para tambeacutem ser seacuterio e

melodramaacutetico (vv 696-697 713-714)

Se no pnigos o coro elogia a oratoacuteria de Filocleatildeo no antipnigos apoacutes o

pronunciamento de Bdelicleatildeo percebe-se uma mudanccedila de opiniatildeo do coro que na sphragis

sela a discussatildeo declarando a superioridade discursiva de Bdelicleatildeo Para que natildeo fracasse

sua empresa de corrigir a natureza intrataacutevel do pai Bdelicleatildeo lhe propotildee trocar o lugar do

tribunal que funcionava na praccedila Helieacuteia por um tribunal permanente na proacutepria casa

σὺ δrsquoοὖν ἐπειδή τοῦτο κεχάρηκας ποιῶν

ἐκεῖσε μὲν μηκέτι βάδιζrsquo ἀλλrsquo ἐνθάδε

αὐτοῦ μένων δίκαζε τοῖσιν οἰκέταις (νν 764-766)

Bem jaacute que vocecirc foi feliz fazendo isso nunca mais vaacute laacute mas fique aqui

e julgue os seus criados

Filocleatildeo eacute persuadido pelo filho Entretanto o velho heliasta natildeo renuncia agrave

condiccedilatildeo de juiz que eacute sua razatildeo de viver

88 A esse respeito Thiercy (1997) recomenda os artigos de Ghiron-Bistagne (1973) e de Taplin (1983)

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

84

ἀνά τοί με πείθεις ἀλλrsquoἐκεῖνrsquoοὔπω λέγεις

τὸν μισθὸν ὁποθεν λήψομαι (νν 784-785)

Sem duacutevida vocecirc estaacute me convencendo Mas daquilo vocecirc ainda natildeo falou

de meu honoraacuterio de que lugar vou receber

Daacute-se entatildeo a terceira etapa com a cena de julgamento domiciliar que eacute uma

paroacutedia89

dos tribunais atenienses e portanto de fundo agoniacutestico pela sua proacutepria natureza

O teatro como uma manifestaccedilatildeo social se aproveita dessa natureza performaacutetica do tribunal

e na trageacutedia o julgamento torna-se um tema frequumlente Trata-se de um agon-processo

(ἀγών-procegraves) termo de classificaccedilatildeo de agon segundo Duchemin (1968 p 39) Nesse tipo

de agon podem ocorrer duas situaccedilotildees em torno do heroacutei da trageacutedia Na primeira o heroacutei eacute

submetido a um tribunal por causa de um crime que cometeu um bom exemplo estaacute em

Eumecircnides de Eacutesquilo em que Orestes eacute levado a juacuteri por ter derramado o sangue no interior

da philia ao matar a matildee Na segunda situaccedilatildeo o heroacutei eacute injustamente acusado de um crime

por exemplo Hipoacutelito de Euriacutepides em que Hipoacutelito eacute culpado por um delito que natildeo

cometeu e submetido agrave sentenccedila de seu pai que aleacutem de ser parte na causa eacute tambeacutem o juiz

No caso da comeacutedia Vespas satildeo o uacutenico exemplo da presenccedila de um agon-

processo na cena do julgamento dos catildees em que Aristoacutefanes natildeo faz paroacutedia de nenhum

agon-processo da trageacutedia mas dos tribunais atenienses alvo da criacutetica do poeta A cena

precedente (vv 760-890) eacute preparatoacuteria e nela se configura uma parte da cena de tribunal em

que o heroacutei ao inveacutes de reacuteu eacute persuadido a ser juiz O conteuacutedo dessa cena evidencia que vai

se tratar de um agon-processo com um esquema que segue bem proacuteximo as etapas judiciaacuterias

a escolha do jurado e a abertura do processo A partir disso comeccedila a cena do julgamento (vv

891-1008) em que ocorre uma continuaccedilatildeo das etapas judiciais o depoimento da testemunha

a arguumliccedilatildeo da acusaccedilatildeo a arguumliccedilatildeo da defesa e por fim a sentenccedila em que o juacuteri deposita o

sufraacutegio

89 Essa paroacutedia evoca um acontecimento da eacutepoca o estratego Laches eacute acusado de natildeo ter aceito o ouro dos

sicilianos e Cleatildeo eacute representado pelo outro catildeo Aristoacutefanes transfere um assunto de Estado para um assunto

do lar

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85

Aristoacutefanes engendra o mesmo recurso alegoacuterico aplicado na fabulaccedilatildeo de

Cavaleiros com as devidas acomodaccedilotildees ao enredo de Vespas o tribunal da Pnix eacute a casa de

Filocleatildeo o reacuteu eacute o catildeo Labes que por causa do roubo de um pedaccedilo de queijo siciliano

representa o comandante Laques acusado de peculato numa missatildeo agrave Siciacutelia o acusador eacute um

outro catildeo da casa cujo nome natildeo eacute dado embora esteja subtendido que seja o demagogo

Cleatildeo Participam tambeacutem da cena o escravo Xacircntias como testemunha Bdelicleatildeo como

advogado de defesa e Filocleatildeo como juiz

Embora Aristoacutefanes natildeo tenha feito dessa cena do julgamento domiciliar a cena

do agon epirremaacutetico a accedilatildeo se equipara em sua funccedilatildeo ao agon (GELZER 1960 p 160)

Levando-se em consideraccedilatildeo formaconteuacutedo do agon o conteuacutedo eacute abalizado pela discussatildeo

e na sua forma podem ser estabelecidas algumas correspondecircncias

Βδ σίγα κάθιζε σὺ δrsquoἀναβὰς κατηγόρει (v 905)

Bd Silecircncio Sentem-se Vocecirc suba e apresente sua acusaccedilatildeo

[]

Βδ ἀνάβαινrsquo ἀπολογοῦ τί σεσιώπηκας λέγε (v 944)

Bd Suba e apresente sua defesa Por que vocecirc estaacute calado Fale

As passagens citadas mostram que antes de cada pronunciamento o litigante eacute

incitado a falar primeiramente a acusaccedilatildeo e depois a defesa o que equivaleria ao

katakeleusmos Os dois discursos de acusaccedilatildeo e de defesa (vv 907-930 946-978

respectivamente) correspondem quanto ao conteuacutedo aos discursos do agon epirremaacutetico

Nos epirremas a linguagem parodia as formas legais e retoacutericas e oscila entre os

contextos humano e animal aleacutem de ocorrecircncia de imagens referentes agrave comida e agrave gula como

siacutembolo da corrupccedilatildeo poliacutetica que satildeo similares agravequela presente na cena do duelo forno e

fogatildeo de Cavaleiros Contudo por causa de seu nonsense (WHITMAN 1964 p 153-154) a

cena do julgamento eacute bem mais divertida O poeta se vale da plasticidade da liacutengua para criar

palavras cuja finalidade eacute congregar um conjunto de elementos disparatados em sua metaacutefora

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cecircnica O objetivo desse debate eacute mostrar os absurdos cometidos pelos demagogos e pelos

juiacutezes que natildeo datildeo a verdadeira atenccedilatildeo aos processos

O julgamento termina num quumliproquoacute em que Filocleatildeo decidido pela

condenaccedilatildeo ao lanccedilar o voto deposita-o na urna de absolviccedilatildeo Desesperado Bdelicleatildeo

consola o pai que cede aos argumentos do filho de que eacute preciso uma mudanccedila de haacutebito

tema para as cenas seguintes da segunda parte da comeacutedia

Encerra-se a primeira parte da peccedila que se estrutura num conjunto agoniacutestico

complexo devido agrave natureza das cenas e a dinacircmica da accedilatildeo A primeira paraacutebase90

marca natildeo

soacute a passagem para a segunda parte da fabulaccedilatildeo mas tambeacutem prenuncia um novo tema que

tem em comum com a temaacutetica da primeira parte o desafio de Bdelicleatildeo de reeducar os

haacutebitos de Filocleatildeo Sob esse ponto haacute uma inter-accedilatildeo entre essas personagens o que

estabelece um elo entre as duas partes da comeacutedia No proacutelogo o escravo Xacircntias ao expor o

assunto da peccedila refere-se ao caraacuteter de Filocleatildeo da seguinte maneira

ἔχων τρόπους φρυαγμοσεμνάκους τινάς (v 135)

tendo certos modos estrebuchados

Aristoacutefanes forja nessa passagem a palavra φρυαγμοσεμνάκους que traduz a

ideacuteia de algueacutem com um caraacuteter muito arrogante como o relincho de um puro-sangue91

Essa

natureza selvagem de Filocleatildeo eacute reconfirmada mais adiante no discurso parabaacutetico do coro

πρῶτα μὲν γὰρ οὑδὲν ἡμῶν ζον ἠρεθισμένον

μᾶλλον ὀξύθυμόν ἐστιν οὐδὲ δυσκολώτερον (νν 1104-1105)

em primeiro lugar nenhum outro animal quando provocado

eacute mais coleacuterico nem mais doloroso do que noacutes

90 Na opiniatildeo de Mazon (1904 p 75) a variedade do assunto nessa paraacutebase eacute uma reduccedilatildeo exata da comeacutedia

como um todo 91 Nos comentaacuterios de Sommerstein (1983 p 164) trata-se da seguinte composiccedilatildeo ―very (-ak) proud (semnos)

like a whinnying thoroughbred (phruattesthai whinnylsquo)

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Como Bdelicleatildeo natildeo desiste de reabilitar os modos do pai na segunda parte o

conflito entre eles permanece Dessa maneira as cenas seguintes ateacute o ecircxodo embora natildeo

tenham na sua forma o modelo do agon epirremaacutetico satildeo relevantes quanto ao conteuacutedo Se

Filocleatildeo na primeira metade da comeacutedia abdica de sua paixatildeo pela chicana judicial no

segundo momento da peccedila ele ainda eacute na sua aparecircncia fiacutesica um velho heliasta

De acordo com Kowzan (1977 p 71) a indumentaacuteria define externa e

convencionalmente o indiviacuteduo inclusive certos gostos e traccedilos do caraacuteter Desde o iniacutecio da

comeacutedia sabe-se que Filocleatildeo veste um manto surrado τριβώνιον (vv 33 116)

incomodando Bdelicleatildeo que tenta mudar essa mania do pai de se vestir como um homem

pobre (vv 341 503-507) Entatildeo na segunda metade da comeacutedia haacute uma cena (vv 1122-

1164) em que ocorre a troca de figurino e ao mesmo tempo uma inversatildeo de valores entre pai

e filho que permeia toda a discussatildeo num ritmo alternado Primeiramente os mantos (vv

1131-1132) e depois as botas (vv 1157-1158) Assim sendo a troca de traje se refere na

tentativa de Bdelicleatildeo de dar ao pai liccedilotildees de comportamento elegacircncia e bom gosto a uma

mudanccedila da physis de Filocleatildeo

Χο ζηλῶ γε τς εὐτυχίας

τὸν πρεσβύν οἷ μετέστη

ξηρῶν τρόπων καὶ βιοτς

ἔτερα δὲ νῦν ἀντιμαθὼν

ἦ μέγα τι μεταπεσεῖται

ἐπὶ τὸ τρυφῶν καὶ μαλακόν

τάχα δrsquo ἅν ἴσως οὐκ ἐθέλοι

τὸ γὰρ ἀποστναι χαλεπὸν

φύσεως ἣν ἔχοι τις ἀεί (vv 1450-1458)

Co Invejo pela boa sorte o velho a transformaccedilatildeo radical

de suas maneiras riacutegidas e de seu modo de viver

Agora tendo aprendido outras liccedilotildees ele teraacute uma grande mudanccedila

para o luxo e o conforto

Mas pode ser que natildeo queira

pois eacute difiacutecil deixar o caraacuteter que sempre se teve

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Bdelicleatildeo natildeo esperava uma inversatildeo do caraacuteter rigoroso do pai (vv 1292-1449)

para uma postura excessivamente libertina (vv 1474-1537) o que manteacutem o conflito entre pai

e filho a ponto de Bdelicleatildeo cogitar em prender o pai novamente em casa

Essas cenas soacute acentuam o caraacuteter indomaacutevel de Filocleatildeo em vaacuterios momentos

assinalados nesta anaacutelise e a natureza pelejadora do velho heliasta sempre pronto a novos

confrontos eacute uma constante do comeccedilo ao fim da peccedila

φέρε νυν ἀνείπω κἀνταγωνιστὰς καλῶ

εἴ τις τραγῳδός φησιν ὀρχεῖσθαι καλῶς

ἐμοὶ διορχησόμενος ἐνθάδrsquo εἰσίτω

Φησίν τις ἥ οὐδείς (νν 1497-1500)

Venham agora faccedilo uma proclamaccedilatildeo e invoco meus adversaacuterios se algum poeta traacutegico pretende danccedilar belamente

que venha aqui disputar comigo o precircmio da danccedila

Algueacutem aceita ou natildeo

Esses versos jaacute no final da comeacutedia tecircm um tom de katakeleumoacutes o que

demonstra que do proacutelogo ao ecircxodo o todo orgacircnico da peccedila eacute construiacutedo na base do agon

seja na formaconteuacutedo seja apenas na forma ou somente no conteuacutedo

Portanto a dinacircmica da accedilatildeo nas duas metades de Vespas tem como eixo comum

o empenho do filho em querer reeducar o modus vivendi do pai o que torna inevitaacutevel o

conflito entre ambos porque em Filocleatildeo a civilidade e o natural nomos e physis coexistem

(BOWIE A M 1995 p 83) ele conteacutem em si mesmo um lado humano e tambeacutem animal no

qual se destaca um status como vespa inseto que foi na Histoacuteria Natural Grega descrito

como politikon zoon e como um feroz combatente92

4 O agon em Ratildes os saltos do debate entre Euriacutepides e Eacutesquilo

A comeacutedia Ratildes que eacute um tributo ao Teatro vai explorar metateatralmente a

criacutetica ao drama antigo No enredo Dioniso patrono do Teatro inquieta-se com o futuro da

92 Sobre esse aspecto de a vespa ser um siacutembolo de coacutelera e luta cf Taillardat (1965 p 210-211 sect 380)

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arte dramaacutetica uma vez que os principais poetas que a representam Eacutesquilo Soacutefocles e

Euriacutepides jaacute se encontram no Hades de onde Dioniso pretende trazer de volta Euriacutepides A

preparaccedilatildeo para a descida agrave morada dos mortos eacute o enfoque da primeira metade da comeacutedia

Ao chegar ao submundo Dioniso e seu escravo Xacircntias presenciam uma discussatildeo entre

Euriacutepides e Eacutesquilo para saber quem tem de direito o assento da trageacutedia no banquete

oferecido por Hades Eacute nesse ambiente de debate que entre ambos os dramaturgos o gecircnero

traacutegico passaraacute por um pente-fino agrave luz da mise en scegravene da comeacutedia

No estudo do agon de Ratildes a primeira dificuldade eacute saber se toda a segunda

metade da peccedila eacute o agon ou se ele compreende apenas a seccedilatildeo que contempla a siziacutegia

epirremaacutetica Para Whitman (1964 p 230) o agon totaliza setecentos versos um pouco

menos do que Thiercy (1997 p 1263) estabelece 720 versos isto eacute comeccedilaria no v 830 e

terminaria no v 1500 Esse valor ultrapassa e muito a demarcaccedilatildeo feita por Mazon (1904 p

149) Gelzer (1960 p xiii) Pickard-Cambrigde (1966 p 228) Sommerstein (1997a p 235)

e Moumlllendorff (2002 p 156) que consideram agon os vv 895-1098 portanto 203 versos De

acordo com os esquemas de Mazon e Pickard-Cambridge o agon estaria intercalado por

cenas iacircmbicas e stasima Ocorre que salvo o proacutelogo da segunda metade da peccedila (vv 738-

813) que introduz o assunto e o canto coral (vv 814-29) a partir do v 830 jaacute se tem uma

introduccedilatildeo do agon (vv 830-894) que nesta anaacutelise eacute considerado de proagon93

Dos vv 895-

1098 se daacute o agon regular e completo na siziacutegia epirremaacutetica E a partir daiacute se desenrola uma

seacuterie de cenas iacircmbicas intercaladas por interluacutedios liacutericos que manteacutem a discussatildeo

prolongando-a ateacute o ecircxodo Percebe-se que nessas cenas posteriores o conteuacutedo estaacute

determinando a forma porque a estrutura natildeo eacute epirremaacutetica mas o conteuacutedo eacute uma extensatildeo

do que foi debatido nas partes epirremaacuteticas do agon Assim a narrativa dramaacutetica dessa

segunda metade da peccedila se constroacutei a meu ver por um complexo agoniacutestico haacute um proagon

93 Mazon (1904 p 149) denomina de introduction drsquoagon Optou-se pela denominaccedilatildeo de proagon porque se

trata de uma cena preparatoacuteria que tem a funccedilatildeo de apresentar os contendores uma vez que eles satildeo novos na

fabulaccedilatildeo como os Raciociacutenios em Nuvens por exemplo

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num complexo agoniacutestico)

90

um agon e cenas de fundo agoniacutestico que expandem a discussatildeo que vai num crescendo como

vimos em Cavaleiros Nuvens e Vespas

A composiccedilatildeo de Ratildes eacute no conjunto da obra de Aristoacutefanes a comeacutedia que mais

inovou na disposiccedilatildeo da ordem habitual das partes94

Naturalmente esse assunto vem sendo

discutido e as opiniotildees divergem Para Mazon (1904 p 149) trata-se de uma composiccedilatildeo

incoerente com estrutura bipartida jaacute para Konstan (1995 p 62) que estabelece uma estrutura

tripartida a peccedila eacute coesa Haacute no entanto um consenso entre os especialistas como Whitman

(1964) Segal (1996) Dover (1993) e Thiercy (2007) que entendem que se trata de uma

unidade estrutural que eacute aparentemente dividida Essa estrutura exteriormente bipartida eacute

proposital porque Aristoacutefanes fez uma comeacutedia que eacute uma soma de dicotomias que comporta

um elemento unificador a personagem Dioniso bem como um tema uacutenico o Teatro a

primeira parte explora a natureza da Comeacutedia e a segunda a da Trageacutedia (WHITMAN 1964

p 235)

Ratildes satildeo portanto uma comeacutedia que auto-representa o Teatro no sentido mais

estrito do termo metateatro (PAVIS 2001 p 240) Nada mais oportuno que o Teatro examine

a si mesmo pelo vieacutes da Comeacutedia jaacute que essa possui entre suas seccedilotildees o que eacute de mais

congruente para uma discussatildeo o agon

A criacutetica literaacuteria eacute o tema do agon de Ratildes de um lado Eacutesquilo pai da trageacutedia

herdeiro da poesia eacutepica e liacuterica cujo estilo poeacutetico imitava a physis a natureza de outro

Euriacutepides que revolveu as estruturas desse gecircnero que o antecedera aproximadamente de um

seacuteculo e criou uma poesia fundamentada na tekhne95

cujos discursos possuiacuteam mecanismos

para produzir um efeito de realismo de situaccedilotildees atitudes sentimentos vivecircncias quotidianas

e sujeiccedilatildeo humana agrave gloacuteria e ao fracasso

94 A peccedila tem uma duplicaccedilatildeo do proacutelogo e do paacuterodo as cenas episoacutedicas se encontram na primeira parte e a

paraacutebase que estaacute desmembrada antecede o agon 95A respeito dessa terminologia cf Santos (19921993)

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91

A contenda entre os poetas se baseia em criteacuterios esteacuteticos e morais e estatildeo

atreladas a isso questotildees a respeito da influecircncia dessa arte sobre os cidadatildeos e de quais

conselhos lhes dar Por esse uacuteltimo toacutepico pode-se estabelecer uma conexatildeo entre a primeira

metade da peccedila com a segunda isto eacute a passagem da paraacutebase para o agon o que desfaz a

impressatildeo aparente de que Ratildes eacute uma comeacutedia fragmentada cuja estrutura se apresenta

bipartida

Na paraacutebase96

o coro aconselha o puacuteblico em assuntos poliacuteticos Por esse mesmo

mecanismo Dioniso que se vecirc num impasse para julgar os poetas elege como criteacuterio de

desempate o vencedor do debate que melhor aconselhar a cidade Do ponto de vista do

conteuacutedo o discurso do coro ecoa no agon pelo discurso de Eacutesquilo que vai ser vencedor no

final

Tambeacutem se pode traccedilar uma relaccedilatildeo natildeo tatildeo direta quanto agrave da paraacutebase entre o

proacutelogo e o desfecho do agon No iniacutecio da comeacutedia Dioniso vai agrave procura de Heacuteracles para

saber como chegar ao Hades porque quer trazer de volta o poeta Euriacutepides por quem tem em

alta estima O motivo dessa busca eacute sua insatisfaccedilatildeo com os dramaturgos vivos (vv 70-75)

Entretanto no final do agon apoacutes arguumliccedilatildeo de cada poeta a respeito da salvaccedilatildeo da cidade

Dioniso prefere Eacutesquilo a Euriacutepides Natildeo seria isso a grande ―piada da comeacutedia aquela que o

escravo deseja contar assim que abre o proacutelogo da peccedila

Ξα Εἴπω τι τῶν εἰωθόων ὦ δέσποτα

ἐφrsquo οἷς ἀεὶ γελῶσιν οἱ θεώμενοι (vv 1-2)

Xa Patratildeo posso contar uma piada

Uma daquelas com que sempre os espectadores riem97

Xacircntias pede ao mestre para dizer algo corriqueiro de que riem os espectadores

portanto uma anedota ou piada Considerando que um dos recursos da piada que joga com o

96 A propoacutesito da anaacutelise da paraacutebase em Ratildes cf Duarte (2000 p 203-217) 97 As passagens traduzidas de Ratildes satildeo de Anna Lia de Almeida Prado e Silvia Sueli Milanezi

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92

elemento surpresa eacute a inversatildeo de sentido o encerramento do agon marca uma metabole98

mudanccedila suacutebita e imprevista da situaccedilatildeo Quando se espera que Dioniso vaacute preferir Euriacutepides

a Eacutesquilo somos surpreendidos porque o projeto do deus anunciado no proacutelogo sofre uma

reviravolta nos instantes derradeiros da peccedila Pela ironia cocircmica se eacute que se pode chamar

assim por influecircncia da ironia traacutegica o resultado aponta Eacutesquilo como escolhido O final de

Ratildes eacute tambeacutem o final do agon o que unifica a estrutura da peccedila garantindo sua unidade natildeo

apenas quanto agrave estrutura mas tambeacutem quanto ao conteuacutedo

O agon epirremaacutetico se encontra intercalado por cenas de conteuacutedo agoniacutestico de

um lado o proacutelogo cena de iniacutecio da segunda metade da peccedila que tambeacutem assume a funccedilatildeo

de proagon e de outro as cenas seguintes que satildeo um prolongamento da discussatildeo o que

direciona toda a accedilatildeo para um complexo agoniacutestico em que o agon estaacute inserido

O iniacutecio da contenda ocorre no espaccedilo extracecircnico99

em que a cena da disputa

torna-se conhecida do puacuteblico no diaacutelogo que estabelece o proacutelogo da segunda parte da

comeacutedia entre Eacuteaco e Xacircntias (vv 738-813) Em seguida o coro de iniciados antecipa que

como uma briga de galo a discussatildeo vai ser acirrada

ἔσται δrsquo ὑψιλόφων τε λόγων κορυθαίολα νείκη

[]

φρίξας δrsquo αὐτοκόμου λοφιᾶς λασιαύχενα χαίταν (vv 818 820)

Haveraacute disputas faiscantes de palavras empenachadas []

Arrepiando os seus cabelos uma espessa crina

Nota-se que essa passagem cantada pelo coro exprime a ideacuteia de agon tanto no

sentido beacutelico de combate quanto no sentido retoacuterico de debate ao logos eacute atribuiacutedo o

predicativo ὑψίλοφος que por sua vez se conecta agraves expressotildees αὐτόκομος e λοφία

98 Sobre esse termo cf nota 73 99 A esse propoacutesito cf nota 54

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cabeleira e crina respectivamente Trata-se de termos que designados natildeo soacute ao universo

humano mas tambeacutem ao reino animal pertencem a contextos beacutelicos de tradiccedilatildeo eacutepica100

Logo no iniacutecio do segundo proacutelogo Eacuteaco explica que a disputa eacute decorrecircncia da

rixa entre o talento artiacutestico referente aos termos tekhne (vv 770 780 785 793 811) e

sophos (vv 766 776) de cada poeta Eacute exatamente em relaccedilatildeo agrave teacutecnica e agrave habilidade que

Euriacutepides abrindo o proagon (vv 830-894) afirma sua superioridade (v 831) As

preliminares dos pontos em debate no agon ficam jaacute estabelecidas no conteuacutedo do proagon

em que se coadunam enredo personagens figurino versificaccedilatildeo e sobretudo linguagem101

mostrando o distanciamento que haacute entre o estilo de cada poeta Essa disparidade de estilo

pode ser observada no emprego dos termos rhemata (discurso) e epe (palavra) com relaccedilatildeo ao

logos de cada poeta rhemata refere-se ao discurso de Eacutesquilo (vv 824 828 854 881 924

929 940 1004 1059 1060 1155 1367) enquanto que epe denomina as palavras de

Euriacutepides (vv 882 904 948 956 1181 1198 1388 1395 1407)102

Valendo-se da

plasticidade da liacutengua Aristoacutefanes recheia de provocaccedilotildees e insultos o conteuacutedo do proagon

que se constroacutei num ritmo esticomiacutetico que vai permanecer tambeacutem no agon

Dioniso tenta apaziguar os acircnimos dos litigantes ―porque natildeo conveacutem que poetas

discutam como padeiras (vv 857-858) Em seguida nos stasima apoacutes invocar as musas o

coro anuncia o debate νῦν γὰρ ἀγών σοφίας ὁ μέγας (v 884) Trata-se de um grande

concurso em que a inteligecircncia vai pocircr agrave prova a poneria de cada poeta Primeiramente

presta-se juramento Eacutesquilo nascido em Elecircusis faz voto a Demeacuteter (vv 886-887) enquanto

Euriacutepides adepto da sofiacutestica invoca como divindade tutelar a Liacutengua (v 893) manifestando

100 Iliacuteada XXIII 141 e VI 509 Odisseacuteia XIX 446 Esses termos resultaram mais tarde nos elmos enfeitados

com penachos (Plutarco Alexandre 16) 101 Euriacutepides foi um poeta de vanguarda para seu tempo A ele se deve a introduccedilatildeo no mundo da trageacutedia dos

princiacutepios esteacuteticos e retoacutericos da intelectualidade da eacutepoca em que a sofiacutestica modelo retoacuterico com profundo poder sobre as massas estava em voga ou seja a essecircncia da oratoacuteria sofiacutestica consistia no confronto de

teses portanto na possibilidade de defender com sucesso posiccedilotildees opostas ditas antilogias (v 775) 102 De acordo com Sommerstein (1996 p 228) pode haver inversotildees rhemata em Euriacutepides (v 1199) e epe em

Eacutesquilo (vv 1161 1387)

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num complexo agoniacutestico)

94

claramente seu racionalismo face agrave aceitaccedilatildeo sem questionamento de um legado religioso103

Parece providencial que Aristoacutefanes promova a liacutengua ao Panteatildeo Oliacutempico justamente numa

seccedilatildeo da comeacutedia em que o sucesso de uma discussatildeo depende do espiacuterito criacutetico e da

capacidade de arguumliccedilatildeo

Bem aos moldes dos concursos de retoacuterica o agon epirremaacuterico estaacute equiparado

tanto no conteuacutedo quanto na forma as quais se dispotildee nas seguintes partes

ode (vv 895-904) antode (vv 992-1003)

katakeleusmos (vv 905-906) antikatakeleusmos (vv 1004-1005)

epirrema (vv 907-970) antepirrema (vv 1006-1076)

pnigos (vv 971-991) antipnigos (vv 1077-1098)

As partes corais fixam a vez de cada contendor as seccedilotildees epirremaacuteticas satildeo

simeacutetricas estabelecendo o jogo argumentocontra-argumento os tetracircmetros iacircmbicos

traduzem a irreverecircncia de Euriacutepides enquanto os tetracircmetros anapeacutesticos cujo tom mais

grave e solene satildeo reservados a Eacutesquilo E cabe a Dioniso a funccedilatildeo de aacuterbitro (vv 810-811)

Na ode o coro anuncia que a disputa vai mostrar dois tipos de dicccedilatildeo uma

espirituosa e refinada (ἀστεῖος κατερρινημένος respectivamente) a outra avassaladora

que com palavras rompe (συσκεδάννυμι) galhos e aacutervores Apoacutes o katakeleusmos

Euriacutepides se antecipa expondo no epirrema em tom de proacutetase sua dupla investida

Inicialmente a ofensiva eacute dirigida agraves personagens mudas e depois agrave linguagem indecifraacutevel

de seu adversaacuterio (vv 909-935)

O ataque agrave mudez de Eacutesquilo no proagon eacute retomado mas dessa vez referido natildeo

a seu criador mas agraves suas criaturas104

que apoacutes longa expectativa do puacuteblico rompem o

silecircncio com neologismos empolados e enigmaacuteticos toacutepicos que na sequumlecircncia das investidas

satildeo responsaacuteveis pela obesidade linguumliacutestica com que Eacutesquilo deixou a trageacutedia Assim

Euriacutepides herdeiro desse legado (v 931) vecirc o gecircnero traacutegico como um enfermo que padece

103 Lembrando que essa contestaccedilatildeo tambeacutem estaacute presente em Nuvens (vv 247 264 365 424 627 815) em que

se colocam os deuses como ―moeda fora de circulaccedilatildeo 104 A propoacutesito do silecircncio dramaacutetico na obra esquiliana cf Taplin (1978 p 101-121)

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de adiposidade Eacute justamente desse excesso que Euriacutepides quer curar a trageacutedia buscando

nos livros105

(vv 940-944) uma nova esteacutetica com a finalidade de ensinar o puacuteblico a falar (v

954) e atualizar a accedilatildeo dramaacutetica com assuntos familiares (vv 959-960)

Ao criticar a construccedilatildeo das personagens esquilianas Euriacutepides alega que as suas

tecircm participaccedilatildeo na accedilatildeo e voz ativa dotada de uma retoacuterica sofiacutestica de base nitidamente

agoniacutestica (SILVA 1987 p 203) Percebe-se que Euriacutepides inserindo na tekhne dramaacutetica

raciociacutenio e indagaccedilatildeo transfere para seus enredos o espiacuterito agoniacutestico que eacute o que na

opiniatildeo dele falta em Eacutesquilo acusado da formaccedilatildeo apaacutetica de seus disciacutepulos (vv 965-967)

Assim no pnigos Euriacutepides termina sua siacutentese dizendo que com a mais fiel convicccedilatildeo

sofiacutestica seus disciacutepulos foram instruiacutedos para pensar e ter ideacuteias (vv 971-978)

Na antode o coro abre o contra-ataque de Eacutesquilo aconselhando-o agrave prudecircncia

Nessa seccedilatildeo coral Aristoacutefanes tem o cuidado de conforme anaacutelise de Silva (1987 p 209)

pocircr em relevo imagens que representam o estilo esquiliano inspirado na poesia liacuterica de

descrever emoccedilotildees Em seguida a preferecircncia do coro por Eacutesquilo eacute evidente e no

katakeleusmos o corifeu o encoraja saudando-o como o primeiro arquiteto de falas ―solenes e

altaneiras como torres a impor ordem agrave tagarelice traacutegica (vv 1004-1005)

Na sua vez Eacutesquilo natildeo pronuncia logo no iniacutecio do antepirrema uma proacutetase

como fez Euriacutepides Mas comeccedila deixando clara sua aversatildeo ao rival (vv 1006-1007) E

depois passa diretamente agrave tese de que a funccedilatildeo do poeta eacute tornar os homens melhores

Assim a estrateacutegia de ataque eacute comeccedilar pelas questotildees fundamentais dirigindo-se a Dioniso a

respeito da importacircncia do poeta para a sociedade (vv 1008-1012) Mas a reacuteplica vem de

Euriacutepides que explicita duas importacircncias primeiro a habilidade poeacutetica e depois a

orientaccedilatildeo moral dos cidadatildeos (v 1010) exatamente no que falhou segundo Eacutesquilo seu

105 A respeito de Euriacutepides ter sido um biblioacutefilo cf Silva (1987 p 200)

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adversaacuterio que herdou personagens nobres (γενναῖος) elevados (τετράπηχυς)106

e natildeo

desertores (διαδρασιπολῖται vv 1013-1014) Moralmente Eacutesquilo industriou suas peccedilas

quanto agrave accedilatildeo com temas beacutelicos ensinando ao cidadatildeo como ser um guerreiro com sede de

vitoacuteria e jamais ceder agrave derrota (vv 1021-1027) porque sua arte tem como fonte Homero

cuja fama deu uacutetil ensinamento aos gregos (v 1035) As personagens esquilianas satildeo dignas

porque Eacutesquilo natildeo compocircs enredos indecentes (vv 1043-1051) ao passo que as personagens

euripidianas estatildeo envolvidas por temas eroacuteticos e incestuosos (vv 1079-1082) assuntos que

natildeo conveacutem ao poeta (vv 1043-1052) cuja funccedilatildeo na sociedade eacute instruir a juventude (vv

1054-1055) dizendo o que eacute uacutetil atraveacutes de proveacuterbios e reflexotildees com verossimilhanccedila que

exige que o discurso seja elevado e que as personagens tenham um figurino imponente (vv

1059-1061) e natildeo reis transformados em mendigos (vv 1062-1068) A liccedilatildeo de Euriacutepides

ataca Eacutesquilo ensina a falaccedilatildeo e esvazia as palestras (vv 1069-1070) No antipnigos Eacutesquilo

arremata seu discurso acusando de maleacutefica a arte euripidiana que deixou o povo agrave mercecirc de

escrivinhadores bufotildees e enganadores (vv 1083-1086) As seccedilotildees epirremaacuteticas se

contrapotildeem portanto dois discursos que comprovam exatamente o contraacuterio as objeccedilotildees

estatildeo ligadas ao argumento anterior que na anaacutelise de Gelzer (1960 p 96) trata-se de um

procedimento silogiacutestico em que satildeo empregados os mesmos fatos para diferentes

argumentaccedilotildees

Uma vez que cada um expocircs sua arguumliccedilatildeo cabe entatildeo a Dioniso dar a sentenccedila

mas seu comentaacuterio eacute de pura bufonaria (vv 1090-1098) Ao longo do debate eacute bem marcada

pelos apartes de Dioniso a funccedilatildeo bomolochos do deus Ao contraacuterio do agon de Cavaleiros

em que Agoraacutecrito e Paflagocircnio procuram conquistar Demo por meio do suborno oferecendo-

lhe almofada calccedilados e manto no agon de Ratildes Eacutesquilo e Euriacutepides buscam cair nas graccedilas

de Dioniso por meio de um questionamento sobre a arte que eacute exatamente o que o deus

106 Refere-se a medida de quatro cocircvados aproximadamente 2 m de altura Nesse contexto pode-se entender

que se trata de homens altos grandes que satildeo tambeacutem grandes homens

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97

representa a arte dramaacutetica Talvez isso explique o porquecirc das tiradas jocosas durante o

debate e da hesitaccedilatildeo de opiniatildeo para dar a sentenccedila

O agon se encerra com reticecircncias o que desencadeia uma seacuterie de cenas

iacircmbicas que no esquema proposto por Moumlllendorff (2002 p 156) estaacute classificada como

Agonale Szenen (cenas de agon) portanto como em Cavaleiros trata-se de uma continuaccedilatildeo

da discussatildeo natildeo mais na forma da siziacutegia epirremaacutetica O coro numa segunda ode deixa

clara a dificuldade de escolha e num segundo katakeleusmos aconselha os poetas a falarem

com sutileza (vv 1109-1111) e refinamentos linguumliacutesticos Para isso que cada um se valha de

seus livros (vv 1112-1114) afinal eles estatildeo diante de um puacuteblico seleto portanto que falem

o que eacute uacutetil e saacutebio porque saacutebio tambeacutem eacute o espectador (vv 1099-1119)

O ponto de discussatildeo volta-se para as comparaccedilotildees estiliacutesticas que explorando os

aspectos da teacutecnica dramaacutetica se equiparam ao jogo de perguntas e respostas como o ocorrido

nos antepirremas (GELZER 1960 p 162) Primeiramente os proacutelogos107

convenientes de

Eacutesquilo estatildeo na mira da criacutetica euripidiana (vv 1119-1176) que conduz de maneira

contextualizante seu ataque Eacutesquilo por sua vez contra-ataca no mesmo tom concluindo

com a expressatildeo ―perdeu o jarrinho (ληκύθιον ἀπώλεσεν) o final de cada verso

euripidiano para demonstrar sua inconsistecircncia (vv 1177-1247)

Essa passagem rendeu muita controveacutersia entre os helenistas108

no que se refere agrave

interpretaccedilatildeo e emprego da expressatildeo criada por Aristoacutefanes Nesta anaacutelise natildeo vamos entrar

em questotildees dissidentes Abre-se aqui um parecircnteses para um breve comentaacuterio da funccedilatildeo que

a expressatildeo ληκύθιον ἀπώλεσεν assume sob a perspectiva do agon no jogo esticomiacutetico

E tambeacutem da funccedilatildeo do papel de Dioniso na contenda

Tecnicamente a esticomitia eacute uma troca verbal raacutepida que pressupotildee um choque

entre contextos (PAVIS 2001 p 147) Nessa cena dos proacutelogos o choque entre contextos

107 Para um exame dos proacutelogos em Eacutesquilo e em Euriacutepides cf Silva (1987 p 229-250) 108 Muller (2004 p 42) lista uma dezena de estudos a respeito do assunto

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ocorre exatamente na contextualizaccedilatildeo entre a estrutura discursiva dos litigantes Para cada

excerto de versos euripidianos recitados Eacutesquilo encaixa109

sempre no final a mesma

expressatildeo ou seja a estrutura discursiva esquiliana propicia um confronto entre contextos se

contextualizando na estrutura discursiva do oponente110

O que tambeacutem chama a atenccedilatildeo nesse jogo do toma laacute daacute caacute eacute a interferecircncia de

uma terceira personagem que ao mesmo tempo assume a funccedilatildeo de aacuterbitro e participante

com seus apartes ao contraacuterio de romper a contextualizaccedilatildeo e consequumlentemente o ritmo

contribui para a dinacircmica da accedilatildeo (vv 1210 1214 1224 1235 ss) Dioniso se inquieta ao

perceber a eficiecircncia da estrateacutegia de Eacutesquilo e entatildeo inserindo apartes na troca verbal entre

os contendores aconselha e encoraja Euriacutepides

Das cenas subsequumlentes ao agon epirremaacutetico essa cena cujo assunto eacute a

composiccedilatildeo dos proacutelogos se sobressai no que concerne agrave criacutetica literaacuteria porque pelo vieacutes da

paroacutedia Aristoacutefanes confronta empregando versos traacutegicos em situaccedilotildees cocircmicas os

registros de linguagem e as noccedilotildees de trageacutedia e comeacutedia

O stasimon que intercala os aconselhamentos preliminares de Dioniso a

Euriacutepides vincula-se diretamente agrave discussatildeo precedente e conduz agrave seguinte (vv 1251-1260)

Passe-se entatildeo para questotildees sobre meacutetrica e melodia111

(vv 1248-1250) Chama a atenccedilatildeo

nesse momento o fato de Aristoacutefanes produzir falas cantadas dos dois poetas que fazem

paroacutedia dos versos do oponente112

Euriacutepides se propotildee a resumir todos os cantos de Eacutesquilo

num soacute (vv 1261-1295) natildeo fossem as interrupccedilotildees de Dioniso com suas glosas Na sua vez

Eacutesquilo faz sem entretanto se aproximar da proacutetase de Euriacutepides uma introduccedilatildeo em que a

109 Nessa cena haacute um total de sete assaltos que compreendem as seguintes passagens primeiro (vv 1206-1209)

segundo (vv 1210-1214) terceiro (vv 1215-1224) quarto e quinto (vv 1225-1236) sexto (vv 1237-1242) seacutetimo (vv 1243-1247) Para anaacutelise de cada um desses assaltos cf Muumlller (2004 p 45-51)

110 Na interpretaccedilatildeo de Muumlller (2004 p 44) essa cena ocorre em dois niacuteveis de um lado a coerecircncia semacircntica

entre a sequumlecircncia ληκύθιον ἀπώλεσεν e os proacutelogos recitados por Euriacutepides de outro entre o jogo que se

opera entre essa eventual coerecircncia que segundo esse autor pode ser tambeacutem interpretada como desarmocircnica e a accedilatildeo cocircmica que a expressatildeo suscita Muumlller (2004 p 53) conclui que assistimos a mise en

scegravene de significados traacutegicos como significantes cocircmicos 111 Sobre os cantos liacutericos esquilianos e euripidiansos cf Silva (1987 p 250-290) 112 Para uma anaacutelise precisa dessa paroacutedia cf Silva (1987 p 283-290)

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melodia e os metros euripidianos satildeo atacados por terem fonte estrangeira (vv 1300-1304) e

serem tiacutepicos das prostitutas (vv 1308-1327) Apoacutes uma longa saacutetira agraves monodias de

Euriacutepides (vv 1330 ss) Dioniso daacute um basta na cantoria Mas eacute Eacutesquilo quem propotildee a cena

da pesagem (vv 1364-1369) que eacute seguida de um curto stasimon (vv 1370-1377)

proporcionando um encadeamento da discussatildeo na cena seguinte a da balanccedila113

A proposta de Eacutesquilo confirma assim o que Eacuteaco em conversa com Xacircntias

anunciou no segundo proacutelogo

Οι κἀνταῦθα δὴ τὰ δεινὰ κινηθήσεται

καὶ γὰρ ταλάντῳ μουσικὴ σταθμήσεται ndash

Ξα τί δέ μειαγωγήσουσι τὴν τραγῳδίαν

Οι ndash καὶ κανόνας ἐξοίσουσι καὶ πήχεις ἐπῶν

καὶ πλαίσια ξύμπτυκτα ndash (νν 796-802)

Ea A briga terriacutevel vai ser aqui mesmo

A arte das musas seraacute pesada na balanccedila

Xaacute O quecirc Vatildeo pesar a trageacutedia

Ea E vatildeo trazer reacuteguas cocircvados de palavras e formas quadrilaacuteteras

Na opiniatildeo de Silva (1987 p 290) a cena da balanccedila eacute uma cena caracterizada

mais pelo conteuacutedo cocircmico do que pelo conteuacutedo criacutetico E de fato salta aos olhos a maneira

como Aristoacutefanes a serviccedilo do riso joga com os signos verbal e natildeo verbal do espetaacuteculo a

palavra e os objetos cecircnicos respectivamente Os versos de cada poeta vatildeo agrave pesagem num

jogo metafoacuterico e tambeacutem siacutegnico que pressupotildee a palavra tanto como arma quanto objeto

artesanal da liacutengua afirma Muumlller (2004 p 31)

A cena da balanccedila encerra um conjunto de cenas concebidas a partir da

materializaccedilatildeo de imagens que preenchem funccedilotildees diversas desde uma simples palavra ateacute

graccedilas ao talento da verve cocircmica que explora a plasticidade da liacutengua silogismos e palavras

edificantes Thiercy (2007 p 103) aborda a materializaccedilatildeo das imagens segundo o estudo de

Taillardat (1965) que demonstrou que certas cenas satildeo metaacuteforas concretizadas (meacutetaphore

113 Essa cena eacute certamente de inspiraccedilatildeo eacutepica (Iliacuteada XXII 209-213) episoacutedios em que Zeus pesa a sorte de

Aquiles e de Heitor

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100

reacutealiseacutee) aliaacutes designaccedilatildeo que jaacute apareceu em Whitman (1964) com o nome de realizable

metaphore Entretanto tudo indica que natildeo se trata apenas de uma teacutecnica que se limita agrave

simples metaacutefora diz Thiercy (2007) pois se encontram tambeacutem metoniacutemias locuccedilotildees

figuradas e ateacute paronomaacutesias Diante dessa diversidade de funccedilotildees que as imagens assumem

na comeacutedia Thiercy (2007 p 104) as denomina de acordo com uma concepccedilatildeo mais ampla

images dramatiseacutees

Ao todo satildeo trecircs pesagens114

em que Eacutesquilo leva a melhor Na primeira

Euriacutepides recita o primeiro verso de Medeia que sendo um verso alado na opiniatildeo de

Dioniso (v 1388) eacute vencido nos pratos pelo verso fluvial retirado de Filoctetes de Eacutesquilo

Na segunda pesagem Eacutesquilo recita um verso de Niacuteobe que carrega em si a Morte o mais

pesado dos Males contra a Persuasatildeo verso de Antiacutegona de Euriacutepides Por fim Euriacutepides

solta um verso de Meleagro onde sobressai o peso do ferro mas nada que supere o verso

esquiliano que descreve imagens da guerra na trageacutedia Glauco Potnieu

A balanccedila pende para os versos vigorosos de Eacutesquilo contra os versos

persuasivos e sutis como asas de Euriacutepides (vv 1380-1405) A situaccedilatildeo de Dioniso se

complica a cada contenda porque eacute grande a hesitaccedilatildeo de escolha (vv 1413-1434) Em ambas

as passagens haacute uma ambiguumlidade no modo como Dioniso se refere ao considerar um dos

poetas saacutebio e o outro de seu agrado ou ainda um fala com habilidade e o outro com

clareza115

Entatildeo um uacuteltimo teste eacute proposto aos litigantes O deus propotildee aos candidatos dois

quesitos um eacute bem direto e refere-se a Alcibiacuteades (vv 1422-1423) e as respostas satildeo

extremamente engenhosas de ambas as partes a decisatildeo torna-se ainda mais difiacutecil o outro

quesito que seraacute o desempate eacute mais geral e refere-se agrave seguranccedila da cidade As respostas

tanto no primeiro quesito quanto no segundo satildeo formuladas em termos antiteacuteticos de acordo

114 Na indicaccedilatildeo de Silva (1987 p 291-292) os versos referem-se aos seguintes fragmentos Filocteacutetes (fr 404

M) Niacuteobe (fr 279 cM) Antiacutegona (fr 170 N2) Meleagro (fr 531 N2) Glauco Potnieu (fr 446M) 115 Para Stanford (apud SILVA 1987 p 295) trata-se de um recurso de Aristoacutefanes para manter em suspense

por mais tempo o vencedor Entendemos portanto que esse recurso eacute um modo de estender o desfecho do

agon ateacute os versos finais da comeacutedia

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

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101

com o estilo gnocircmico Enquanto Euriacutepides daacute como soluccedilatildeo a alternacircncia de poliacuteticos no

poder (vv 1446-1450) Eacutesquilo defende ideacuteias poliacuteticas da eacutepoca de Peacutericles que murando a

cidade ateacute o Pireu garantiria sua seguranccedila (vv 1458-1465)

Plutatildeo exige de Dioniso uma decisatildeo e nesse momento ocorre uma reviravolta da

accedilatildeo Quando tudo leva a crer que Dioniso vai escolher Euriacutepides porque no comeccedilo da peccedila

o deus confessou seu afeto por ele e nesse final de agon anuncia que vai seguir seu coraccedilatildeo

(psyhke v 1469) parece claro quem seraacute eleito o vencedor Mas Dioniso escolhe Eacutesquilo

Consequumlentemente o perdedor sentindo-se traiacutedo reprova-lhe a decisatildeo O coro fecha o

debate saudando primeiramente a inteligecircncia em benefiacutecio dos cidadatildeos (vv 1483-1490) e

depois critica o haacutebito socraacutetico que ignora a grandeza da trageacutedia em favor da tagarelice (vv

1491-1499)

O impasse que se prolonga ateacute o resultado final mostra que ambos os poetas satildeo

mestres em poneria No iniacutecio do agon os poetas satildeo apresentados como ―artiacutefices o que daacute

a entender que nas arguumliccedilotildees o que estaacute valendo mais natildeo eacute o que dizem mas como o dizem

Conforme o debate ganha focirclego Dioniso e o coro classificam a competiccedilatildeo como uma

disputa entre formas concorrentes de virtuosidade (sophia sophismata vv 872 882 896

1104 1108 1519) e de destreza verbal (ta dexia vv 1009 1114 1370) o que dificulta a

arbitragem de Dioniso cuja funccedilatildeo bomolochos rebaixa seu status divino para elevaacute-lo em

comicidade Segundo Gelzer (1960 p 125) as glosas de Dioniso natildeo satildeo gratuitas apesar de

ele ter a funccedilatildeo de bomolochos porque elas expressam um significado no contexto como juiz

da contenda Trata-se de um co-orador que de maneira bufa comenta os diaacutelogos entre as

partes ativas e adversaacuterias

A temaacutetica do agon de Ratildes eacute a criacutetica ao drama mas se deve reconhecer tambeacutem

que o ofiacutecio do poeta que eacute a educaccedilatildeo116

surge como um componente importante A

116 A esse respeito vide artigo de Bouvier (2004 p 9-25) em que se discute a vocaccedilatildeo moral e pedagoacutegica da

comeacutedia

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102

proposta de Aristaacutefanes eacute ao que parece uma proposta que discute a arte da instruccedilatildeo ciacutevica

tema em comum com a paraacutebase da peccedila ligando as seccedilotildees da comeacutedia e dando-lhe uma

unidade O denominador comum entre o discurso parabaacutetico e o agoniacutestico eacute o puacuteblico que eacute

no agon interpelado em vaacuterios momentos (vv 959 960 965 967 972 1110 1475) afinal os

espectadores satildeo os ―disciacutepulos de ambos os dramaturgos (v 964) Assim podemos concluir

que esse agon eacute de natureza parabaacutetica E eacute para o espectador que Eacutesquilo e Euriacutepides devem

se dirigir a respeito da questatildeo a partir da qual os dois estatildeo sendo julgados o que podem

fazer em favor da cidade atraveacutes de uma orientaccedilatildeo moral e poliacutetica E embora as respostas

sejam completamente diferentes no emprego dos verbos didasko e ekdidasko (vv 1019 1026

1035 1054 1055 1069 1057) natildeo haacute como negar a funccedilatildeo didaacutetica desses poetas e a

poneria de cada um que em evidecircncia constante perpassa toda a segunda metade da comeacutedia

que se constroacutei por uma sucessatildeo de contendas que discutem o valor artiacutestico e moral da

Trageacutedia (THIERCY 2007 p 177)

Para Gelzer (1960 p 51) na segunda parte estaacute presente todas as seccedilotildees da

diallage antes mesmo de Eacutesquilo e Euriacutepides estarem em cena jaacute eacute desencadeada a disputa

cujo objeto eacute o assento da trageacutedia no banquete de Hades Natildeo haacute juiz mais indicado do que

Dioniso o patrono do Teatro para ser o aacuterbitro que potildee fim agraves provocaccedilotildees para estabelecer

os acordos aos quais ambos os poetas se declaram favoraacuteveis do debate Entatildeo haacute a

preparaccedilatildeo para a negociaccedilatildeo que segundo Gelzer se desenvolve no agon epirremaacutetico em

que os poetas apresentam provas de suas fundamentaccedilotildees e no final Dioniso pressionado por

Plutatildeo sentencia o vencedor Tomando por base a diallage desenvolvida por Gelzer (1960 p

164) pode-se dizer portanto que toda a segunda metade de Ratildes compreende um complexo

agoniacutestico

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

103

Alle drei Szenen nach dem epirrhematischen Agon der Froumlsche bilden zusammen

einen fortlaufender Anhang der den gleichen Kampf mit anderen Mitteln

weiterfuumlhrt

Juntas as trecircs cenas depois do agon epirremaacutetico de Ratildes formam um apecircndice

contiacutenuo que com outros meios daacute prosseguimento agrave mesma disputa117

Amplificando essa reflexatildeo de Gelzer para as anaacutelises anteriores em Cavaleiros

Nuvens e Vespas apoacutes o agon epirremaacutetico principal uma vez que essas comeacutedias possuem

dois agones haacute um conjunto de cenas que prosseguem com o debate natildeo do ponto de vista da

forma respeitando a siziacutegia epirremaacutetica mas do conteuacutedo que estaacute em consonacircncia com a

proposiccedilatildeo de cada comeacutedia

Em Cavaleiros apoacutes o agon II ocorrem as cenas dos oraacuteculos (vv 997-1110) e a

do banquete com Demo (vv 1151-1262) Nas Nuvens apoacutes o agon I entre os Raciociacutenios

ocorrem a cena com os credores (vv 1222-1300) o segundo agon entre pai e filho (vv 1345-

1451) e a cena do acerto de contas com Soacutecrates (vv 1452-1510) Em Vespas depois do agon

II haacute a cena do julgamento dos catildees da casa (vv 891-1008) e as cenas de reeducaccedilatildeo do

modus vivendi de Filocleatildeo (vv 1292-1449 1474-1537) Trata-se portanto de comeacutedias que

tecircm em comum apesar de algumas particularidades singulares a extensatildeo da discussatildeo que

antecipada desde o paacuterodo perpassa toda a accedilatildeo dramaacutetica ateacute o ecircxodo Isso nos autoriza a

classificar quanto agrave forma os agones dessas comeacutedias de agones modelares e quanto ao

conteuacutedo de agones inseridos num complexo agoniacutestico

Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes satildeo exemplos da habilidade do poeta no que

concerne agrave apropriaccedilatildeo da estrutura do agon epirremaacutetico cuja forma eacute modelada em funccedilatildeo

do conteuacutedo das cenas e consequumlentemente das seccedilotildees que compotildeem as peccedilas Essa

competecircncia poeacutetica que insere o agon epirremaacutetico num complexo agoniacutestico eacute ainda mais

instigante em Acarnenses comeacutedia em que apesar de seacuterias restriccedilotildees a propoacutesito da presenccedila

117 Traduccedilatildeo do alematildeo para o portuguecircs de Joseacute Pedro Antunes

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

104

de agon epirremaacutetico tambeacutem apresenta nas suas seccedilotildees um prolongamento da accedilatildeo em

contiacutenuo conflito assunto de que trataremos a seguir

CAPIacuteTULO III

A PRESENCcedilA DE AGON EM ACARNENSES

TESMOFORIANTES E PAZ

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 106

1 Acarnenses118

desafi(n)ando o coro (agon contaminatus e complexo agoniacutestico)

A presenccedila ou ausecircncia de agon em Acarnenses eacute uma das dissidecircncias entre os

helenistas no que se refere agrave estrutura formal da peccedila Haacute poreacutem um consenso de que o

proacutelogo termina no v 203 As variaccedilotildees apresentam-se portanto a partir da delimitaccedilatildeo das

cenas que vatildeo do paacuterodo ateacute a paraacutebase

Navarre (1911 p 275) natildeo determina o agon em Acarnenses apenas propotildee apoacutes

o proacutelogo uma segunda parte bastante abrangente do paacuterodo ateacute a paraacutebase (vv 204-625) Jaacute

Couat (1895 p 363-364) interpreta esse paacuterodo como uma cena de confronto fiacutesico entre o

coro e Diceoacutepolis (vv 204-346) mas natildeo estabelece paracircmetros para um agon Contudo

Mazon (190 p 25-26) divide as cenas intermediaacuterias entre o paacuterodo e a paraacutebase uma cena

de confronto fiacutesico ndash scegravene de bataille ndash (vv 280-357) que pertenceria agrave segunda metade do

paacuterodo seguida de uma cena de debate ndash scegravene de deacutebat Jaacute Pickard-Cambridge (1966 p

213) e Moumlllendorff (2002 p 64) estabelecem duas cenas entre o paacuterodo e a paraacutebase a

primeira cena (vv 358-489) que eacute preparatoacuteria Pickard-Cambridge denomina proagon

enquanto Moumlllendorff chama Retardation no caso da segunda cena (vv 490-625) para

Pickard-Cambridge trata-se de um quasi-agon e na classificaccedilatildeo de Moumlllendorff Agonale

Szene (cena agoniacutestica) Para Gelzer (1960 p 166-169) Acarnenses natildeo tecircm um agon

epirremaacutetico inteiro (stuumlcke ohne ganze epirrhematische agone) uma vez que a cena que

corresponde agrave seccedilatildeo agon eacute desmembrada para outras seccedilotildees da estrutura do texto

comeccedilando pelo paacuterodo

Em seu artigo sobre os paacuterodos na comeacutedia Zimmermann (1984 p 17-18) diz

que em Acarnenses a disposiccedilatildeo da composiccedilatildeo epirremaacutetica estaacute a serviccedilo do conteuacutedo

118 O enredo de Acarnenses (425 aC) se passa em plena Guerra do Peloponeso e conta as peripeacutecias de

Diceoacutepolis homem do campo que solitaacuterio e resoluto vai defender a paz se natildeo para todos ao menos para si

proacuteprio na assembleacuteia do povo Para tanto o aldeatildeo enfrenta seus compatriotas os acarnenses que satildeo o coro

da comeacutedia

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 107

isto eacute o conteuacutedo determinando a forma E de fato o conteuacutedo do paacuterodo em Acarnenses eacute

de fundo agoniacutestico a accedilatildeo do coro desde sua entrada eacute hostil e dirigida para uma contenda

Primeiramente o coro invade a orquestra agrave procura de Anfiteo (vv 204-236) depois sua

agressividade se volta para Diceoacutepolis e a cena eacute desenhada numa luta (vv 237 ss)

desencadeada no momento em que Diceoacutepolis interrompe a evoluccedilatildeo do coro com uma

procissatildeo (vv 242-279) A partir daiacute a trama caminha para uma cena de batalha (vv 280-357)

cuja estrutura eacute muito similar agraves partes do agon

katakeleusmos (vv 280-283) sphragis (vv 347-357)119

ode (vv 284-301) antode (vv 335-346)

epirrema (vv 302-318) antepirrema (vv 319-334)

A questatildeo eacute identificar se no esquema acima o paacuterodo jaacute chegou a seu termo para

dar lugar agrave seccedilatildeo seguinte que eacute o agon ou se a accedilatildeo que se configura numa cena pelejadora

na forma e no conteuacutedo pertence agrave segunda parte do paacuterodo o que o torna um paacuterodo de

natureza agoniacutestica

No exame de Gelzer (1960 p 157) o intervalo que compreende os vv 280-346

possui algumas semelhanccedilas com os agones epirremaacuteticos depois do paacuterodo Duas partes que

se correspondem em versos cantados (vv 284-302 = 335-346) poderiam ser interpretadas

como odes enquanto o intervalo dos vv 303-334 poderia ser entendido como epirremas

O katakeleusmos que estaacute composto por versos trocaicos e peatilde eacute uma chamada

para um confronto fiacutesico em que o furor do coro eacute expresso pela accedilatildeo de atirar pedras e o alvo

eacute Diceoacutepolis que na visatildeo do coro acarniano eacute um traidor A partir da ode a defesa de

Diceoacutepolis eacute declamada em versos trocaicos enquanto que o ataque do coro eacute cantado em

anapestos e peatilde120

Ateacute aqui tudo indica que se trata de uma cena preparatoacuteria para o agon As

partes epirremaacuteticas divididas entre o discurso do heroacutei e o pronunciamento do coro se

119 Seguimos o esquema proposto por Pickard-Cambridge (1966 p 213) 120 De acordo com Zielinski (1885 apud MAZON 1904 p 19) eacute preciso escandir os anapestos como peatilde

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 108

configuram numa cena de ameaccedilas protestos injuacuterias e sobretudo um jogo de persuasatildeo em

que as suacuteplicas de Diceoacutepolis que deseja ser ouvido voltam-se ao coro

Χο σοῦ γrsquoἀκούσωμεν ἀπολεῖ κατά σε χώσομεν τοῦς λίθους

Δι Μηδαμῶς πρὶν ἄν γrsquoἀκούσητrsquo ἀλλrsquoἀνάσχεσθrsquo ὦγαθί (vv 295-296)

Co Vocecirc Ouvirmos Vocecirc estaacute ferrado Vamos cobrir vocecirc com pedras

Dic Natildeo vatildeo natildeo Antes vocecircs devem me ouvir Vamos gente boa parem

Na anaacutelise de Pickard-Cambridge (1966 p 205) haacute nessa segunda metade do

paacuterodo um modelo simeacutetrico da siziacutegia epirremaacutetica que se constroacutei na forma abblsquoalsquo A

hipoacutetese que se levanta nesta anaacutelise eacute de ter ocorrido uma contaminatio121

entre as partes do

texto Essa hipoacutetese se baseia na pesquisa de Zielinski (1885 apud MAZON 1904) que

demonstrou que paacuterodo agon e paraacutebase seguem modelos riacutetmicos com meacutetrica especiacutefica em

comum Assim a segunda parte do paacuterodo que eacute uma contenda teria sofrido uma

combinaccedilatildeo com a seccedilatildeo seguinte onde se esperaria o agon que no caso de Acarnenses vem

precedido por uma cena de proagon Estruturalmente essa parte do paacuterodo se compotildee com as

formas de um agon epirremaacutetico no entanto quanto ao fundo natildeo se trata de um debate mas

de um combate em que o coro armado de pedras estaacute propenso mais agrave luta do que agrave

discussatildeo (vv 280 285 319) Diante dessa situaccedilatildeo de aporia Diceoacutepolis consegue atraveacutes

de um meio coercivo um acordo com o coro A estrateacutegia do heroacutei na antode cuja estrutura eacute

a mesma da ode eacute transformar um cesto de carvatildeo tatildeo caro ao coro em refeacutem

Δι βάλλετrsquo εἰ βούλεσθrsquo ἐγὼ γὰρ τουτονὶ διαφθερῶ

εἴσομαι δrsquoὑμῶν τάχrsquoὅστις ἀνθτράκων τι κήδεται (vv 331-332)

Dic Atirem se quiserem Eu vou dar fim nisso aqui E entatildeo vou saber rapidamente qual de vocecircs tem algum afeto pelos carvotildees122

121 Por definiccedilatildeo esse termo se refere agrave combinaccedilatildeo na comeacutedia latina de dois enredos tomados a comeacutedias

gregas Neste trabalho entende-se contaminatio tambeacutem pelo sentido de combinaccedilatildeo cujo resultado eacute uma

mistura fusatildeo um amaacutelgama entre as seccedilotildees na estrutura da comeacutedia 122 Cf tambeacutem vv 326 335 em que Diceoacutepolis ameaccedila de morte seu refeacutem o saco de carvatildeo

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 109

Nesse momento de tensatildeo Aristoacutefanes se serve de um eficiente expediente a

paratrageacutedia123

cuja cena eacute um empreacutestimo da trageacutedia perdida Teacutelefo124

de Euriacutepides

Diceoacutepolis se coloca na condiccedilatildeo de reacuteu sob pena de morte e tambeacutem estabelece condiccedilotildees

adicionais como o desarmamento do coro (vv 341-342)

Demovida a hostilidade do coro que passa entatildeo a dar ouvidos a Diceoacutepolis a

cena se compotildee do seguinte esquema ode (vv 358-363) katakeleusmos (vv 364-365) cena

iacircmbica ndash discurso de Diceoacutepolis em triacutemetros iacircmbicos ndash (vv 366-384) antode (vv 385-

390) antikatakeleusmos (vv 391-392) Diceoacutepolis empolga-se com um longo discurso a

ponto de o coro no antikatakeleusmos cortar-lhe a palavra ὡς σκψιν ἁγὼν οὗτος οὐχὶ

δέξεται ―jaacute que este debate natildeo pode admitir rodeio Mas antes de o debate comeccedilar

ocorre a cena do disfarce ndash diaacutelogo em triacutemetros iacircmbicos ndash (vv 393-489) entre Diceoacutepolis e

Euriacutepides que lhe cede todo o figurino de Teacutelefo A mudanccedila de traje de Diceoacutepolis para

Teacutelefo acontece agrave vista do puacuteblico efeito cocircmico em que Aristoacutefanes recria agrave luz da mise en

scegravene da comeacutedia o heroacutei traacutegico Uma vez encarnado o heroacutei tragicocircmico Diceoacutepolis-Teacutelefo

numa espeacutecie de auto-encorajamento revela-se pronto para o debate

Gelzer (1960 p 166-167) que eacute mais riacutegido em relaccedilatildeo agraves anaacutelises das partes

fixas da comeacutedia entende que natildeo haacute nesse momento um agon epirremaacutetico inteiro apesar de

certas semelhanccedilas na forma embora a accedilatildeo ofereccedila algumas analogias com as quatro partes

da diallage disputa acordo negociaccedilatildeo e sentenccedila

123 Deve-se tomar cuidado para o emprego indiscriminado dos termos paratrageacutedia e paroacutedia porque esta

pressupotildee uma distorccedilatildeo do texto original para o texto de chegada enquanto que aquela natildeo Segundo Silk

(1993 p 494) essa passagem em Acarnenses eacute bem conhecida e agraves vezes referida como paroacutedia de Teacutelefo

de Euriacutepides embora na opiniatildeo dele natildeo se trata disso Silk eacute bem claro em seu ponto de vista ―[hellip] the

connection whith Telephus is not in doubt but if parody involves subversion of the tragic original this is not

parody 124 Trata-se da cena em que o heroacutei traacutegico Teacutelefo para se fazer ouvir pelo tribunal grego a quem vem pedir a

cura de seu ferimento causado por Aquiles toma Orestes ainda crianccedila como refeacutem desencadeando a fuacuteria

de Agamenatildeo e dos aqueus Satildeo treze anos de distanciamento de Teacutelefo (438 aC) para Acarnenses (421

aC)

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 110

A disputa jaacute se apresenta logo no paacuterodo entre o heroacutei cocircmico e seu primeiro

adversaacuterio o coro de carvoeiros A cena do agon pertence ao momento da negociaccedilatildeo que

ocorre em duas instacircncias com conteuacutedos diferentes No primeiro no iniacutecio do agon

Diceoacutepolis125

dirige-se aos espectadores o que confere ao agon um tom parabaacutetico com uma

longa rhesis (vv 496-556) sem replicador e isso descaracteriza a negociaccedilatildeo (GELZER

1960 p 166) porque natildeo haacute discussatildeo mas uma prestaccedilatildeo de contas unilateral Na opiniatildeo

de Gelzer (1960 p 168) o motivo pelo qual Aristoacutefanes reveste a cena inteira numa

paroacutedia126

e desvia a discussatildeo que deveria ser argumentativa em favor de um discurso seacuterio

repousa no assunto da comeacutedia Trata-se de um assunto contemporacircneo delicado e em Atenas

o ambiente natildeo parecia favoraacutevel a isso como o proacuteprio Diceoacutepolis confessa (vv 360-376

383-384 497-499) Na visatildeo de Gelzer o puacuteblico tem de ser preparado e assim que

Diceoacutepolis se potildee a falar ele deixa cair a ficccedilatildeo interpelando o espectador (v 497) e seu

discurso puramente poliacutetico eacute de uma uacutenica via Natildeo haacute discussatildeo apenas discurso

Todavia no segundo momento apoacutes o discurso do heroacutei e a manifestaccedilatildeo dos

dois semi-coros a cena eacute sinalizada para um agon epirremaacutetico se eacute que se pode chamar

assim pois a siziacutegia epirremaacutetica que estaacute ausente eacute substituiacuteda

ode (vv 490-495) antode (vv 566-571)

cena iacircmbica (vv 496-565) cena iacircmbica (vv 572-625)

sphragis (vv 626-627)

Quanto agrave forma trata-se de um agon irregular com estrutura bastante modificada

Para Gelzer (1960 p 166) no lugar da negociaccedilatildeo onde se esperaria um agon haacute um

discurso em triacutemetros iacircmbicos de Diceoacutepolis que natildeo encontra replicador Na anaacutelise de

Pickard-Cambridge (1966 p 213) trata-se de um quasi-agon cuja estrutura agoniacutestica eacute

composta por uma siziacutegia iacircmbica dividida que substitui a siziacutegia epirremaacutetica Como essa

125 Eacute de se supor porque natildeo haacute comprovaccedilatildeo que o papel de Diceoacutepolis ou do corifeu tenha sido interpretado

por Aristoacutefanes (DUARTE 2000 p 59 70) 126 Gelzer (1960) emprega indiscriminadamente os termos paroacutedia e paratrageacutedia

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 111

cena cumpre a funccedilatildeo de um agon (SOMMERSTEIN 1998 p 10) a classificaccedilatildeo dela natildeo eacute

de quasi-agon mas de agon que me parece foi desmembrado pela contaminatio jaacute que as

partes epirremaacuteticas ficaram na cena de batalha presente no paacuterodo

As duas cenas iacircmbicas teratildeo como veremos a seguir um conteuacutedo agoniacutestico em

que o heroacutei enfrentaraacute seus rivais na primeira cena iacircmbica o debate eacute com um dos semi-

coros na segunda cena iacircmbica com Lacircmacos

A ode coral e no uacuteltimo verso o coro anima Diceoacutepolis a discursar como fez

anteriormente no proagon ―bota aiacute o cepo e comeccedila a falar (v 365) Essa mesma forccedila

entusiaacutestica repete-se no final da ode do quasi-agon ―entatildeo vamos jaacute que eacute esse teu desejo

fala aiacute (v 495) O fato de Diceoacutepolis dirigir-se ao puacuteblico eacute um marcador de que haacute

novamente uma contaminatio ou confluecircncia entre as partes da estrutura do texto porque o

comeccedilo desse agon eacute muito proacuteximo da natureza da paraacutebase (vv 499-500) Para MacDowell

(1995 p 67) o final do agon em que o coro sela a vitoacuteria de Diceoacutepolis (vv 626-627) eacute uma

declaraccedilatildeo de que Diceoacutepolis convence natildeo apenas o coro mas tambeacutem o espectador cidadatildeo

ateniense

Na sentenccedila o coro acaba dividido A primeira cena iacircmbica configura-se no

discurso do heroacutei cocircmico e no diaacutelogo travado com o coro que se divide em dois semi-coros

O segundo semi-coro se declara convencido (vv 560-561) mas o primeiro conserva toda sua

raiva contra os que traiacuteram a causa do patriotismo (vv 557-559 562-563) e na antode (vv

566-571) apela por aquele capaz de defendecirc-lo Lacircmacos Inicia-se a segunda cena iacircmbica

construiacuteda sobre o diaacutelogo em triacutemetros iacircmbicos entre Diceoacutepolis o protagonista e

Lacircmacos o antagonista Entre ambos trava-se uma discussatildeo (vv 572-625) que segundo

Gelzer (1960 p 167) eacute uma cena de transiccedilatildeo para a paraacutebase porque termina com um

kommation anapeacutestico (vv 626-627) que se apresenta como uma espeacutecie de sphragis

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 112

Essa segunda cena iacircmbica (vv 572-625) eacute conforme esquema proposto por

Pickard-Cambridge (1966) a uacuteltima parte do quasi-agon De fato natildeo haacute uma discussatildeo

profunda entre os adversaacuterios em que cada um defende seu ponto de vista falta portanto a

siziacutegia epirremaacutetica Mas em seu lugar e seguindo o ponto de vista de Pickard-Cambridge

(1966 p 201) existe uma siziacutegia iacircmbica o que explica a estrutura de Acarnenses que eacute

construiacuteda por um conjunto de discursos expressos em triacutemetros iacircmbicos127

e a razatildeo disso

torna-se oacutebvia porque os discursos satildeo paroacutedias de discursos feitos nos tribunais e o triacutemetro

iacircmbico era o metro convencional apropriado para tais discursos desenvolvidos no palco

Diceoacutepolis insiste num discurso de defesa em favor da paz justificando sua treacutegua individual

com os Lacedemocircnios Megarenses e Beoacutecios (vv 623-625) Lacircmacos por sua vez defende o

estado de guerra (vv 620-622) No final (v 626) o corifeu confirma que Diceoacutepolis eacute o

vencedor com sua argumentaccedilatildeo porque converteu a opiniatildeo do povo no que diz respeito agrave

treacutegua do heroacutei Dessa maneira o corifeu valida a disputa anunciando o vencedor e esse

uacuteltimo verso corresponde antes que se comece a paraacutebase agrave sphragis

Em suma no acordo entre Diceoacutepolis e o coro a cena estaacute amparada na trageacutedia

Teacutelefo de Euriacutepides em que a accedilatildeo coerciva de Teacutelefo eacute imitada por Diceoacutepolis Na trageacutedia

Teacutelefo negocia com os gregos aqui a negociaccedilatildeo eacute entre Diceoacutepolis e o coro A accedilatildeo eacute

parodiada no sentido de ―canto paralelo e a apropriaccedilatildeo dos versos de Euriacutepides eacute

paratraacutegica Eacute evidente portanto que Aristoacutefanes transplantou um modelo traacutegico de agon

para o contexto cocircmico128

Embora tenhamos apenas alguns fragmentos da trageacutedia Teacutelefo e

apesar de a trageacutedia natildeo ter o agon como uma parte constituinte de seu texto o agon traacutegico

estaacute a serviccedilo de classificaccedilatildeo da cena E Euriacutepides desenvolveu o agon em seu mais alto grau

de sistematizaccedilatildeo (DUCHEMIN 1968 p 235) Tudo indica que Aristoacutefanes contemporacircneo

de Euriacutepides tenha se espelhado no tragedioacutegrafo De acordo com Duchemin (1968 p 103) a

127 Para um aprofundamento sobre o iambo cf o estudo de E Bowie (2002 p 33-50) 128 Haacute uma diferenccedila de 13 anos da representaccedilatildeo de Telefo (438) para a encenaccedilatildeo de Acarnenses (425) Na

opiniatildeo de MacDowell (1995 p 58) Aristoacutefanes teria tido acesso ao texto de Euriacutepides

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 113

ὑπoacuteθεσις de Acarnenses assinala que o discurso de Diceoacutepolis reproduz aquele de Teacutelefo e

os escoliastas comentam um grande nuacutemero de passagens transpostas de Euriacutepides Haacute uma

questatildeo polecircmica a respeito de Euriacutepides ter empregado o iambo de uma maneira muito

proacutexima ao iambo da comeacutedia Nesse caso segundo Steinruumlck (2004 p 59) do ponto de vista

meacutetrico o triacutemetro iacircmbico que veio do iambos arcaiacuteco natildeo se parece com o triacutemetro

cocircmico Entretanto na eacutepoca de Aristoacutefanes havia duas tradiccedilotildees riacutetmicas a antiga e a nova

E o poeta soube jogar com essas duas tradiccedilotildees para se apropriar de um ritmo ―traacutegico

proacuteprio do discurso cocircmico Do ponto de vista de Steinruumlck (2004 p 60) trata-se de uma

paratrageacutedia isto eacute a relaccedilatildeo que haacute entre o modo meacutetrico da comeacutedia e o modo meacutetrico da

trageacutedia Essa relaccedilatildeo de equivalecircncia requer uma apropriaccedilatildeo e nesse caso Goldhill (1991

p 205) afirma que a apropriaccedilatildeo da ―voz traacutegica eacute uma dinacircmica frequumlente em Aristoacutefanes

Afinal o proacuteprio poeta declara que a comeacutedia tambeacutem conhece ―as coisas justas (τὰ δίκαια

vv 500-501 645 655) pela voz de sua personagem cuja etimologia eacute propositalmente ―o

justo da cidade (δίκαιο ndash πόλις) Como bem observou Russo (1994 p 50) Diceoacutepolis eacute

apoacutes interiorizar a personagem Teacutelefo uma nova personagem seu modo de expressatildeo eacute novo

e tambeacutem sua maneira de agir ―[] he is not the actor of a κωμῳδία but of a τρυγῳδία

(the song of the must) of a tragi comedy Nessa mesma linha de interpretaccedilatildeo A M

Bowie (1995 p 27) entende que a atmosfera cocircmica ganha ares de trageacutedia O fato de

Aristoacutefanes empregar τρυγῳδία deixa claro para MacDowell (1995 p 60) que natildeo vai se

tratar de um discurso cocircmico porque o conteuacutedo que eacute seacuterio focaliza as questotildees da polis129

A respeito do termo τρυγῳδία Voelke (2004 p 125) que estabelece

semelhanccedilas natildeo apenas entre a arte de Euriacutepides e a de Aristoacutefanes mas tambeacutem entre a arte

do tragedioacutegrafo e a praacutexis do heroacutei cocircmico tem o seguinte ponto de vista

129 Vale lembrar que na anaacutelise de Vespas no capiacutetulo anterior τρυγῳδία eacute o vocaacutebulo que fecha a peccedila cuja

temaacutetica eacute voltada para uma criacutetica ao sistema judiciaacuterio de Atenas

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 114

Aliaacutes o termo τρυγῳδία pronunciado por uma personagem que estaacute vestida como

um heroacutei euripidiano natildeo visa soacute atribuir a autoridade do gecircnero traacutegico agrave

comeacutedia mas mais que isso ressaltar a trageacutedia euripidiana do resto do gecircnero

traacutegico ndash da τρaγῳδία ndash gugerindo seu parentesco com o gecircnero cocircmico130

O heroacutei passa entatildeo a assumir um caraacuteter tragicocircmico Natildeo eacute mais Diceoacutepolis

mas Diceoacuteplis-Teacutelefo131

e no confronto com seu segundo adversaacuterio estaacute pronto para pocircr em

praacutetica sua poneria ou melhor a poneria de Teacutelefo modelo de orador haacutebil Na opiniatildeo de

Silva (1987 p 126) porque estatildeo arriscando a proacutepria vida tanto a Teacutelefo quanto a

Diceoacutepolis cabe o conceito de ἀρετή segundo a proposta dos sofistas

A natureza do confronto verbal entre Diceoacutepolis e Lacircmacos eacute de pura bufonaria e

pode ser analisado atraveacutes da construccedilatildeo da personagem e os tipos que cada uma assume em

seu papel no drama

No que concerne ao heroacutei acarnense McLeish (1980 p 55) enquadra Diceoacutepolis

na categoria poneros espertalhatildeo vencedor de qualquer confronto pela sua engenhosidade e

dominador de qualquer situaccedilatildeo pela sua esperteza Tambeacutem possui um caraacuteter excessivo e se

vangloria de sua proacutepria astuacutecia daiacute tambeacutem ter traccedilos de um alazon Na anaacutelise de Thiercy

(2007 p 194 1997 p 983) ao longo de toda a cena com Euriacutepides no proagon Diceoacutepolis

vai mostrar todas as caracteriacutesticas de um tiacutepico alazon o parasito Esse autor interpreta que

no diaacutelogo entre Diceoacutepolis e Euriacutepides o heroacutei cocircmico vai enfrentar Euriacutepides no campo do

tragedioacutegrafo o das sutilezas retoacutericas e vai tambeacutem despojaacute-lo de seus figurinos juntamente

com sua trageacutedia ―homem vocecirc desfalca minha trageacutedia (v 464) Para Whitman (1964 p

68) Diceoacutepolis eacute uma variante do heroacutei cocircmico um cidadatildeo do povo que deixa o anonimato

130 Lecirc-se no original Agrave cet eacutegard le terme τρυγῳδία prononceacute par un personnage doteacute du costume dlsquoun heacuteros

euripideacuteen ne vise pas tant agrave attribuer agrave la comeacutedie llsquoautoriteacute du genre tragique mais bien plus agrave deacutemarquer la

trageacutedie euripideacuteene du reste du genre tragique ndash de la τρaγῳδία ndash pour suggeacuterer sa parenteacute avec le genre

comique 131 Essa apropriaccedilatildeo entre os gecircneros parece reforccedilar a ideacuteia de contaminatio que se estende nas mais variadas

instacircncias entre as seccedilotildees do texto na reproduccedilatildeo dos versos e na construccedilatildeo da personagem

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 115

para se tornar uacutenico na sua treacutegua em prol da paz Enfrenta como eiron seu adversaacuterio

Lacircmacos para se mostrar mais adiante como um alazon maior do que seu rival

A categoria alazon eacute bastante evidente na personagem Lacircmacos e nesse ponto

natildeo haacute divergecircncia entre os estudiosos A construccedilatildeo dessa personagem enquanto adversaacuterio

do heroacutei eacute montada toda ela sobre a perspectiva da fanfarronice que se manifesta em duas

instacircncias Primeiramente no niacutevel do discurso no que se refere agrave performance do discurso de

defesa Logo apoacutes a entrada de Lacircmacos em alto estilo diz o heroacutei ―Oacute Lacircmacos heroacutei dos

penachos e das legiotildees (v 575) E num segundo momento na caracterizaccedilatildeo do figurino por

exemplo quando Lacircmacos eacute interrompido por Diceoacutepolis no momento em que aquele

revelaria a procedecircncia da pluma de seu capacete certamente de uma ave rara e nobre (v

589)

Poneros parece ser a qualidade que a personagem Euriacutepides reconhece em

Diceoacutepolis

δὼσω πυκνῆ γὰρ λεπτὰ μηχανᾷ φρενί (v 445)

Eu darei pois vocecirc trama com densa inteligecircncia e sutis ideacuteias

Nessa passagem Euriacutepides faz uma aproximaccedilatildeo capciosa entre as palavras

πυκνῆ e λεπτὰ que satildeo antocircnimas no sentido proacuteprio mas sinocircnimas no sentido figurado

(THIERCY 1997 p 1004 SOMMERSTEIN 1998 p 178) Na anaacutelise de Voelke (2004 p

122) a partiacutecula γὰρ sugere que Euriacutepides aceita fazer a doaccedilatildeo dos trajes de Teacutelefo a

Diceoacutepolis na medida em que ele reconhece no heroacutei cocircmico qualidades que tambeacutem satildeo

presentes no heroacutei traacutegico no caso a habilidade retoacuterica o que reforccedila ainda mais o lado

poneros de Diceoacutepolis e sua legitimidade de vencedor nos conflitos que estatildeo presentes desde

o paacuterodo da peccedila Assim a narrativa dramaacutetica na primeira parte da peccedila ndash do paacuterodo agrave

paraacutebase ndash se dispotildee sobre um complexo agoniacutestico que abrange tambeacutem a segunda metade

da comeacutedia

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 116

Apoacutes a paraacutebase ateacute o ecircxodo sucede uma seacuterie de quadros cocircmicos que

interdependentes contrastam as vantagens do estado de paz e as desvantagens do estado de

guerra Na passagem dos vv 1095-1142132

ocorrem duas cenas paralelas de mesmo fundo

Diceoacutepolis e Lacircmacos comeccedilam seus preparativos se interpolando no jogo da esticomitia

lanccedilando alusotildees malevolentes um ao outro Esse jogo raacutepido de alternacircncia de versos ao

ritmo do toma laacute daacute caacute eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo das duas cenas concomitantes e assinala

a antiacutetese anteriormente presente no agon entre heroacutei e seu adversaacuterio paz e guerra

respectivamente O final dessa cena re-confirma a vitoacuteria do heroacutei sobre o rival fanfarratildeo e

garante o happy-end no ecircxodo O todo orgacircnico da peccedila eacute envolvido por um complexo

agoniacutestico das cenas tanto na primeira parte do enredo quanto na segunda

O estudo do agon em Acarnenses demonstra a flexibilidade das partes que

compotildeem a estrutura dessa comeacutedia que se organiza mais pelo conteuacutedo das cenas do que

pela sua forma Na opiniatildeo de Sommerstein (1998 p 10) algumas peccedilas natildeo possuem agon

em seu sentido formal mas em cada caso podemos identificar uma cena que cumpre uma

funccedilatildeo similar eacute o caso da defesa de Diceoacutepolis a respeito de sua treacutegua de paz privada (vv

490-626)

A ausecircncia de um agon epirremaacutetico inteiro tal qual aparece em Vespas e

Cavaleiros ocorre por causa de uma anomalia a siziacutegia iacircmbica presente no agon substitui a

siziacutegia epirremaacutetica que aparece no paacuterodo Tudo leva a crer que Aristoacutefanes natildeo soacute estava

ciente da existecircncia de uma estrutura comum de agon mas tambeacutem soube manipular as

convenccedilotildees estruturais da forma o que resultou no que se chamou nesta anaacutelise de

contaminatio entre as seccedilotildees do texto em que se observa um paacuterodo com natureza agoniacutestica e

um agon de natureza parabaacutetica

132 Para a anaacutelise desses versos Thiercy (1997 p 1024) indica o artigo de Harriot (1979) Acharnians 1095-

1142 Words and Actions

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 117

Aristoacutefanes optou por privilegiar o conteuacutedo em detrimento da forma e essa

receita poeacutetica vai se repetir 14 anos mais tarde em Tesmoforiantes (411 aC)

2 Tesmoforiantes133

mulheres em agoniaccedilatildeo (agon-logon e centro da accedilatildeo)

A estrutura da comeacutedia Tesmoforiantes estaacute organizada de acordo com a

sequumlecircncia proacutelogo paacuterodo134

agon e paraacutebase totalizando a primeira parte da comeacutedia que

se alonga nas cenas episoacutedicas seguintes organizadas em cenas paralelas (MAZON 1904 p

136-137) as quais estatildeo concebidas sobre o mesmo tema a caricatura de Euriacutepides e sua obra

Agrave exceccedilatildeo do proacutelogo a accedilatildeo se passa numa assembleacuteia em que mulheres

congregadas vatildeo se indispor com um dos membros da plenaacuteria Nada mais apropriado que

essa discussatildeo ocorra nas instacircncias do agon Ainda que essa cena natildeo se apresente em sua

forma como um agon epirremaacutetico seu conteuacutedo ratifica a presenccedila de um agon A razatildeo

disso estaacute no recurso utilizado por Aristoacutefanes a paroacutedia dos agones euripidianos que como

paradigma da circunstacircncia cecircnica satildeo transpostos para a execuccedilatildeo do agon cocircmico A

paroacutedia eacute portanto o grande recurso empregado por Aristoacutefanes a ponto de o modelo traacutegico

referido Euriacutepides e sua obra ocupar dois terccedilos da peccedila (RAU 1975 p 339 apud DUARTE

2000 p 190)

A intriga se estabelece em plena crise como na trageacutedia e a progressatildeo das cenas

leva a uma tensatildeo dramaacutetica em que a ideacuteia do travestismo planejada por Euriacutepides e

executada pelo Parente longe de ter ecircxito soacute lhes traz complicaccedilotildees ao longo da fabulaccedilatildeo e

133 A comeacutedia Tesmoforiantes (411 aC) eacute uma peccedila dedicada exclusivamente ao tema da criacutetica literaacuteria cujo

foco eacute a caricatura do tragedioacutegrafo Euriacutepides e sua obra Segundo a fabulaccedilatildeo as atenienses querem um

ajuste de contas com o poeta porque na opiniatildeo delas as personagens femininas euripipianas satildeo uma

difamaccedilatildeo agrave reputaccedilatildeo das mulheres Reunidas para celebrarem as Tesmofoacuterias elas pretendem deliberar

qual o melhor corretivo a ser aplicado ao poeta Para advogar a causa Euriacutepides envia um parente travestido

para a assembleacuteia 134 Parece haver um consenso de que natildeo haacute paacuterodo propriamente em Tesmoforiantes Cf Couat (1895 p 376)

Mazon (1904 p 129) Gelzer (1960 p 176) Zimmermann (1984) Trata-se de uma estrutura meacutetrica bem

lacunar e com a ausecircncia dos tetracircmetros o que caracteriza a entrada do coro que eacute por sua vez a definiccedilatildeo

de paacuterodo De acordo com o texto o coro jaacute estaacute na orquestra e natildeo temos indicaccedilotildees textuais de como

ocorreu em sua entrada

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 118

a primeira delas encontra-se na cena do agon em que eacute delegado (VOELKE 2004 p 128) ao

Parente Mnesiacuteloco o papel de heroacutei cocircmico o qual Euriacutepides retoma na uacuteltima parte da

peccedilas

Do final do paacuterodo (v 372) ateacute o iniacutecio da paraacutebase (v 784) o enredo comporta

trecircs situaccedilotildees i) a assembleacuteia das mulheres jaacute com o Parente infiltrado (vv 372-573) ii) a

descoberta de seu disfarce por causa de uma denuacutencia (vv 574-654) iii) a defesa do Parente e

a cena emprestada de Teacutelefo135

O agon (vv 381-530) que se encontra na primeira situaccedilatildeo estaacute tambeacutem

amplificado nas outras duas situaccedilotildees Percebe-se que houve uma confluecircncia entre as seccedilotildees

paacuterodo agon e cena iacircmbica posterior ao agon A entrada do coro funciona como uma

preparaccedilatildeo para o agon assumindo a funccedilatildeo de proagon136

e a cena iacircmbica subsequumlecircnte eacute

um prolongamento do debate que se iniciou na assembleacuteia terminando numa cena de combate

entre o coro e o Parente

Jaacute no final do paacuterodo a accedilatildeo sinaliza que um confronto verbal entre as mulheres e

o Parente estaacute em iminecircncia Aristoacutefanes parodia o protocolo de abertura de uma sessatildeo em

assembleacuteia Primeiramente anuncia-se a composiccedilatildeo dos membros cujos nomes carregam em

si a funccedilatildeo de cada um Timocleacuteia ―a ilustre preside Lisila ―a que resolve questotildees toma

nota e por fim Soacutestrata ―a salvadora de exeacutercito eacute a oradora (vv 373-374) Em seguida

Aristoacutefanes emprega uma foacutermula de abertura de debate nas assembleacuteias τίς ἀγορεύειν

βούλεται ―Quem quer falar em puacuteblico (vv 378-379) E antes do pronunciamento o

orador deve colocar uma coroa (v 380)

135 Satildeo 27 anos de distanciamento de uma peccedila para outra Teacutelefo (438 aC) e Tesmoforiantes (411 aC) 136 A natureza de um paacuterodo agoniacutestico tambeacutem se encontra no agon contaminatus de Acarnenses cf infra

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 119

Pelo andamento da accedilatildeo natildeo haacute duacutevidas de que quanto ao conteuacutedo vai se tratar

de uma discussatildeo com defesa de pontos de vista mas quanto agrave forma trata-se de um agon137

com estrutura bastante modificada

katakeleusmos (vv 381-382)

discurso iacircmbico 1 (vv 383-432)

ode (vv 433-442)

discurso iacircmbico 2 (vv 443-458)

interluacutedio liacuterico (vv 459-465)

discurso iacircmbico 3 (vv 466-519)

antode (vv 520-530)

Embora essa estrutura contemple minimamente as partes de um agon

epirremaacutetico podemos traccedilar algumas similitudes natildeo apenas entre as seccedilotildees de incumbecircncia

coral de um agon epirremaacutetico canocircnico conforme se viu em Cavaleiros e Vespas mas

tambeacutem pensar que o discurso iacircmbico que assume o lugar do epirrema formaria ao inveacutes

da siziacutegia epirremaacutetica a siziacutegia iacircmbica (PICKARD-CAMBRIDGE 1966 p 213)

fenocircmeno jaacute ocorrido em Acarnenses Gelzer (1960 p 166 176) destaca quatro pontos i) natildeo

haacute em Tesmoforiantes um agon epirremaacutetico inteiro poreacutem antes do primeiro discurso o coro

pronuncia dois tetracircmetros iacircmbicos cujo conteuacutedo se aproxima de um katakeleusmos (vv

381-382) ii) os conteuacutedos discursivos das duas primeiras mulheres (discurso iacircmbico 1 e 2) e

do Parente (discurso iacircmbico 3) satildeo similares ao conteuacutedo epirremaacutetico de um agon iii) as

duas estrofes que lhes vecircm em seguida (vv 433-442 520-530) satildeo idecircnticas na forma e no

conteuacutedo agraves odes dos agones epirremaacuteticos iv) e por fim todas as formas em

Tesmoforiantes inclusive a meacutetrica foram alteradas sob a influecircncia das paroacutedias das

trageacutedias de Euriacutepides o que explica nessa comeacutedia a presenccedila de um paacuterodo e de uma

137 Pickard-Cambrigde (1966 p 226) classifica como quasi-agon Seguimos Mazon (1904 p 136) que analisa

como agon

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 120

paraacutebase138

muito rudimentares e igualmente vestiacutegios da forma do agon epirremaacutetico

(GELZER 1960 p 176)

Com base nessas reflexotildees o conteuacutedo que se reporta agrave proposta da comeacutedia que

expotildee a obra de Euriacutepides num cenaacuterio que eacute uma paroacutedia agraves assembleacuteias atenienses

estabelece a forma desse agon No katakeleusmos o coro sinaliza que a natureza da discussatildeo

vai ocorrer aos moldes da oratoacuteria como fazem os oradores a primeira mulher escarra

(χρέμπτομαι v 381) o que significa que seu pronunciamento vai ser extenso

Cada um dos trecircs discursos eacute intercalado por dois cantos corais simeacutetricos

odeantode (vv 433-442 520-530) e um interluacutedio liacuterico (vv 459-465) A ode e o interluacutedio

satildeo de pura exaltaccedilatildeo aos primeiro (vv 383-432) e segundo (vv 443-458) discursos

femininos respectivamente enquanto que a antode eacute uma reprovaccedilatildeo ao terceiro discurso

pronunciado pelo Parente Se pela forma esse debate em Tesmoforiantes natildeo pode ser

classificado como um agon epirremaacutetico haacute de secirc-lo entatildeo pelo conteuacutedo os dois primerios

discursos tratam de uma discussatildeo eacutetica (GELZER 1960 p 174) No primeiro discurso a

indignaccedilatildeo maior estaacute nos ultrajes insultos e caluacutenias de que Euriacutepides natildeo poupou as

mulheres

Τὰς μοιχοτύπας τὰς ἀνδρεραστρίας καλῶν

τὰς οἰνοπίτας τὰς προδότιδας τὰς λάλους

τὰς οὐδὲν ὑγιές τὰς μέγrsquoἀνδράσιν κακόν (vv 392-394)

levianas taradas por homens beberronas traidoras tagarelas

um zero agrave esquerda flagelo para os homens

Ao analisar o discurso da primeira mulher Voelke (2004 p 130) faz um

comentaacuterio interessante a propoacutesito de Euriacutepides possuir uma verve de poeta cocircmico uma vez

que bebida sexo entre outros desvios morais que satildeo traccedilos recorrentes da figura feminina

na comeacutedia tambeacutem correspondem ao retrato das personagens femininas nas trageacutedias de

138 Sobre a anaacutelise da paraacutebase de Tesmoforiantes cf Duarte (2000 p 187-203)

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 121

Euriacutepides Ao direcionar a queixa contra Euriacutepides a primeira mulher tambeacutem demonstra

uma habilidade retoacuterica bem ao modo euripidiano a ponto de o coro saudaacute-la por sua

sagacidade (πολύπλοκος v 434) habilidade no falar (δεινότερον λεγούσης v 435)

prudecircncia (πυκνός v 438) e pelo emprego de palavras sutis e bem variadas (ποικiacuteλοι

λόγοι v 439)

A segunda mulher que eacute uma artesatilde de coroa de flores ao tomar a palavra

esclarece que seu discurso eacute uma queixa pessoal direcionado a responsabilizar Euriacutepides da

precariedade da vida dela e de seus filhos

νῦν δrsquoοὗτος ἐν ταῖσιν τραγῳδίαις ποιῶν

τοὺς ἄνδρας ἀναπέπεικεν οὐκ εἶναι θεούς

ὥστrsquo οὐκέτrsquo ἐμπολῶμεν οὐδrsquo εἰς ἥμισυ (vv 450-452)

Mas agora esse aiacute que em suas trageacutedias trabalha convenceu os homens de que os deuses natildeo existem

139

de modo que natildeo vendemos mais nem mesmo a metade

Segundo o coro trata-se de falas ainda mais engenhosas do que a da primeira mulher

(κομψότερον v 460) Os comentaacuterios do coro aos dois pronunciamentos femininos

reforccedilam a paroacutedia ao estilo euripidiano em cujos agones eacute caracteriacutestico segundo Lloyd

(1992 p 17) um jogo de discursos opostos Assim apoacutes os discursos femininos Mnesiacuteloco

toma a palavra em favor de Euriacutepides fazendo-o tambeacutem por meio de uma longa rhesis que eacute

concluiacuteda em tom extremamente provocativo

οὐδὲν παθοῦσαι μεῖζον ἥ δεδράκαμεν (v 519)

quando nem sofremos mais do que merecemos

139 Mais uma vez Aristoacutefanes toca na questatildeo do ateiacutesmo de Euriacutepides (cf Nuvens e Ratildes) Romilly (1988 p

208-209) tambeacutem faz um comentaacuterio sobre essa reputaccedilatildeo de Euriacutepides de natildeo crer nos deuses e de semear

em sua obra a impiedade

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 122

Na medida em que Mnesiacuteloco refuta os logoi femininos a configuraccedilatildeo do agon

se estabelece pelo jogo das ἀντιλογίαι que eacute uma marca da habilidade poeacutetica de Euriacutepides

conforme constataccedilatildeo em Ratildes

Οι οἱ δrsquoἀκροώμενοι τῶν ἀντιλογιῶν καὶ λυγισμῶν καὶ στροφῶν

ὑπερεμάνησαν κἀνόμισαν σοφώτατον (vv 774-776)

Ea E eles [ladrotildees parricidas] assistindo agraves discussotildees agraves negaccedilas e agraves viradas

ficaram completamente loucos por ele [Euriacutepides] que entatildeo foi considerado o mais haacutebil

Eacute fundamental para a estrutura do agon em Euriacutepides diz Lloyd (1992 p 5) que

haja uma oposiccedilatildeo de dois discursos de extensatildeo consideraacutevel separados por dois ou trecircs

triacutemetros iacircmbicos vindos do coro Nessa cena do agon de Tesmoforiantes o discurso da

primeira mulher eacute tatildeo longo quanto o de Mnesiacuteloco e entre um e outro encontra-se o

comentaacuterio do coro (vv 520-530) que se manifesta indignado com as falas de Mnesiacuteloco

Como observa Lloyd (1992 p 20) o estilo e o propoacutesito dos agones euripidianos

soacute podem ser entendidos a partir de um conhecimento da retoacuterica140

na eacutepoca e sua influecircncia

sobre a obra de Euriacutepides Ao longo de seu estudo sobre os grandes sofistas Romilly (1988)

comenta os debates ditos antilogies mostrando que seu uso eacute uma constante na obra de

Euriacutepides Considerando que Euriacutepides e Aristoacutefanes foram contemporacircneos o proacuteprio

Aristoacutefanes parece fornecer evidecircncias para o desenvolvimento da retoacuterica141

sobretudo

quando se tem como modelo o modelo traacutegico

Todos os trecircs discursos se constituem de longa rhesis o que os aproxima dos

discursos agoniacutesticos da trageacutedia em que o pronunciamento dos litigantes eacute manifestado pela

extensatildeo da rhesis Devido a isso Gelzer (1960 p 174) atribui agrave cena de Tesmoforiantes a

presenccedila de um agon oratoacuterio ou discursivo142

o que nos leva a considerar que nesse

140 Sobre esse assunto cf Lloyd (1992 p 20-36) 141 Cf o artigo de Petruzzellis (1957 p 38-61) 142 Em alematildeo o termo empregado eacute Redenagon

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 123

momento da peccedila haacute muito mais semelhanccedila real natildeo apenas alusiva com o agon da

trageacutedia Certamente a intenccedilatildeo de Aristoacutefanes foi reproduzir empregando o recurso

paroacutedico a assembleacuteia dos aqueus em Teacutelefo (SILVA 1987 p 124) preenchida por longas

rhesis em que a dissensatildeo entre Mnesiacuteloco e as mulheres toca numa pauta tatildeo delicada

quanto a de Teacutelefo diante dos gregos E ainda na arguumliccedilatildeo das partes o poeta se apropria de

citaccedilotildees e referecircncias das peccedilas de Euriacutepides v 403 (Belerofonte fr 664 N2) v 413 (Fecircnix

fr 804 N2) v 430 (referecircncia aos venenos de Medeacuteia na trageacutedia de mesmo nome) v 519

(Teacutelefo fr 711N2)

Tendo emprestado o modelo de agon euripidiano Aristoacutefanes carrega a forccedila

discursiva dos argumentos evidenciando a funccedilatildeo poneros dos litigantes as Mulheres versus

o Parente Por meios linguumliacutesticos Mnesiacuteloco interioriza o heroacutei traacutegico Teacutelefo que eacute dotado

de habilidade retoacuterica (DUCHEMIN 1968 p 103) E por meios fiacutesicos ele exterioriza a

figura feminina e consequumlentemente a funccedilatildeo alazon da personagem

Ao explorar as potencialidades da paroacutedia a serviccedilo da circunstacircncia cecircnica

Aristoacutefanes cria por meio da alazoneiacutea uma tensatildeo dramaacutetica cujo desfecho natildeo tatildeo bem

sucedido para o Parente culmina em uma cena de insultos e pancadaria que levam a

personagem ao desespero Sendo ameaccedilado de ter o sexo depilado (vv 536-540) e correndo

risco de vida Mnesiacuteloco assim como Teacutelefo refugia-se no altar tendo nos braccedilos ao lugar de

um bebecirc esperado um odre que eacute executado por ele como num sacrifiacutecio

Pela mimese143

Aristoacutefanes consegue evocar ao espectador a sequumlecircncia de cenas

do que estaacute sendo parodiado a trageacutedia euripidiana Teacutelefo com a ordem das cenas em

Tesmoforiantes i) disfarce mendigomulher e penetraccedilatildeo de TeacutelefoParente entre os

gregostesmoforiantes respectivamente ii) confronto verbal seguido de confronto fiacutesico com

TeacutelefoParente natildeo reconhecidos ainda iii) descoberta do disfarce de TeacutelefoParente o

143 Entende-se mimese por uma imitaccedilatildeo ou representaccedilatildeo de uma pessoa por meios fiacutesicos e linguumliacutesticos

(PAVIS 2001 p 241)

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 124

sequumlestro Orestesodre Constata-se portanto que o modelo mimetizado eacute a razatildeo pela qual

nesse agon o conteuacutedo estaacute determinando a forma em favor de um enredo de intrigas que se

amplifica na cena seguinte (vv 531-573) cujo discurso eacute o mesmo dos discursos

epirremaacuteticos apreciados no agon

Na interpretaccedilatildeo de Gelzer (1960 p 154-155) a passagem dos vv 531-532 que

se inicia com a partiacutecula ἀλλὰ assume o lugar de um katakeleusmos embora natildeo conduza a

forma de um epirrema

ἀλλrsquo οὐ γάρ ἐστι τῶν ἀναισχύντων φύσει γυναικῶν

οὐδὲν κάκιον εἰς ἅπαντα ndash πλὴν ἄρrsquo εἰ γυνή τις

mas natildeo haacute nada pior do que mulheres descaradas por natureza

no que diz respeito a tudo exceto isto eacute se for mulheres

Do ponto de vista do conteuacutedo essa cena iacircmbica compotildee um apecircndice agrave

discussatildeo precedente e tecircm como assunto o prosseguimento das teses expostas Esse

acoplamento144

diz Gelzer (1960) pode ser explicado como reminiscecircncia do agon

epirremaacutetico em que Aristoacutefanes teria se apoiado para a construccedilatildeo da cena Diante dessas

evidecircncias poderiacuteamos avaliar que quanto ao conteuacutedo a cena iacircmbica (vv 531-573)

subsequumlente ao agon deva ser tambeacutem reconhecida ainda que incipiente como um

prolongamento desse agon que se caracteriza pelo jogo esticomiacutetico numa cena de combate145

entre o coro de tesmoforiantes e o Parente

Μι ἀλλrsquoἐκποκιῶ σου τὰς ποκάδας

Κη οὔτοι μὰ Δία σύ γrsquoἄψει

Μι καὶ μήν ἰδού

Κη καὶ μήν ἰδού (vv 567-568)

M 1 eu vou te arrancar os cabelos Mn Por Zeus vocecirc natildeo vai me tocar

M 1 Entatildeo toma

Mn Toma vocecirc tambeacutem

144 Esse recurso tambeacutem vai ocorrer em Paz 145 Semelhante ao que ocorre em Acarnenses

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 125

Trata-se do ponto de vista do conteuacutedo de um debate regular um duelo

discursivo em que a palavra eacute tomada sucessivamente por cada uma das partes e os pontos de

vista satildeo defendidos ateacute um esgotamento dos argumentos que terminam no jogo esticomiacutetico

Podemos portanto relacionar o agon traacutegico ao agon de Tesmoforiantes de

acordo com Duchemin (1968 p 39-41) que classifica de agon-logon (ἀγὼν λόγων) o

agon que tem a fisionomia de um conjunto de um debate oratoacuterio

Claro que manteremos na medida do possiacutevel os termos de nossa definiccedilatildeo

quanto ao conteuacutedo processo ou ao menos debate quanto agrave forma discurso duplo

seguido frequumlentemente de esticomitia146

Em Tesmoforiantes o agon que adveacutem da cena do paacuterodo natildeo ultrapassa a

simetria de duas partes envolvidas na contenda o grupo de mulheres versus Mnesiacuteloco O

final do paacuterodo se estende agrave cena iacircmbica subsequumlente mantendo a simetria discursiva dos

dois litigantes e o uso da esticomitia direciona o debate ao combate sem um juiz para

sentenciar mas com um interventor da accedilatildeo o coro que potildee fim agrave disputa παύσασθε

λοιδορούμεναι (v 571)

Esse agon (vv 381-530) que eacute desenhado por uma cena de debate seguida de uma

cena de combate (vv 531-573) cujo final disfoacuterico para o Parente proporcionaraacute uma seacuterie de

novas paroacutedias de Euriacutepides funciona como eixo da engrenagem dramaacutetica da primeira parte

para a segunda parte do programa narrativo Portanto ele estaacute no centro da accedilatildeo E como um

todo a accedilatildeo da primeira parte que termina na paraacutebase cria uma situaccedilatildeo em que estando o

Parente prisioneiro se configura pelo vieacutes paroacutedico ou paratraacutegico147

a base para os

146 Lecirc-se no original Nous maintiendrons certes autant que possible les termes de notre deacutefinition procegraves ou

tout moins deacutebat pour le fond doubleacute discours souvent suivi de stichomythie pour la forme 147 Segundo as palavras textuais de Thiercy (2007 p 170) ―Les Thesmophories sont une vaste parodie

dlsquoEuripide et de sa trageacutedie si bien que llsquoaction elle mecircme est paratragique E seguindo essa mesma linha

para Silk (1993 p 479 494) ―[hellip] all Aristophanic parody of tragedy then is paratragic but not all

Aristophanic paratragedy is parodic [hellip] The extensive use of Euripidean drama in Thesmophoriazusae ndash

Helen Andromeda et al ndash is largely nonparodic Natildeo vamos entrar no meacuterito da discussatildeo empregamos o

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 126

pequenos quadros cecircnicos da segunda parte as tentativas de fuga para salvar o Parente (vv

846-1159) cujo pano de fundo satildeo cenas das peccedilas Helena e Androcircmeda148

de Euriacutepides

Esse tipo de programa narrativo em que a accedilatildeo da segunda parte eacute constituiacuteda por

uma sequumlecircncia de quadros cecircnicos que se concatenam pelo fato de a presenccedila do heroacutei ser

irrestrita tanto na primeira parte da peccedila quanto na segunda tambeacutem ocorre com algumas

nuanccedilas em Paz

3 Paz149

a luta em missatildeo de paz (quasi-agon de reflexatildeo e acessoacuterio da accedilatildeo)

Entre os helenistas haacute um consenso apesar de certas restriccedilotildees a propoacutesito da

tecircnue presenccedila de agon em Paz Se essa comeacutedia natildeo possui no entanto um agon regular

segundo Mazon (1904 p 86) que suspeita de sua natureza ou um agon epirremaacutetico

inteiro150

como diz Gelzer (1960 p 166) ou se possui um quasi-meio-agon151

na

classificaccedilatildeo de Pickard-Cambridge (1966 p 221) resta-nos verificar o que aparece em seu

lugar e que razotildees eventualmente se deixam entrever nas cenas do proacutelogo paacuterodo e

paraacutebase152

O proacutelogo (vv 1-300) desenvolve-se em dois planos primeiro no plano terrestre

com a preparaccedilatildeo do escaravelho gigante para a partida e depois no plano celeste onde o

termo paroacutedia em seu sentido mais amplo possiacutevel inclusive de ―canto paralelo que ao ser deslocado seja

nas instacircncias textuais ou cecircnicas sofre uma deformaccedilatildeo 148 A propoacutesito da paroacutedia dessas peccedilas cf Silva (1987 p 123-124 133) 149 Certamente Aristoacutefanes ao conjurar a composiccedilatildeo de Paz (421 aC) buscou na trageacutedia de Euriacutepides

Belerofonte cujo texto nos chegou fragmentado o modelo para seu heroacutei cocircmico (SILVA 1987 p 156-

157) Assim como Belerofonte montado sobre Peacutegaso vai ateacute o Olimpo assim Trigeu sobre um escaravelho

gigante alccedila vocirco ateacute a morada dos deuses Laacute chegando depara-se com uma terriacutevel vicissitude os deuses

abandonaram o Olimpo exceto Hermes e agora quem governa eacute Polemos o deus da Guerra depois de ter

aprisionado Irene a Paz Eacute com essa alegoria que o poeta critica mais uma vez as mazelas da guerra numa

fabulaccedilatildeo em que o grande desafio para o heroacutei cocircmico eacute libertar a Paz para que ela impere entre homens e

deuses O desenvolvimento da accedilatildeo na comeacutedia comporta duas partes bem distintas sobre o mesmo tema A

primeira parte eacute constituiacuteda de dois grandes ―atos (THIERCY 2007 p 162) inicialmente em terra com a

preparaccedilatildeo para a viagem ao Olimpo em seguida na morada de Zeus com a libertaccedilatildeo da Paz A segunda

parte da comeacutedia vai decorrer num uacutenico ―ato e o cenaacuterio eacute o ambiente terrestre junto agrave casa do heroacutei Trigeu

que estaacute de regresso 150 Lecirc-se no texto alematildeo stuumlcke ohne ganze epirrhematische agone 151 O termo empregado eacute quasi-half-agocircn 152 A propoacutesito da anaacutelise do proacutelogo e paacuterodo de Paz cf Irigoin (1997 p 23-27) Quanto agrave parabase indicamos

o estudo de Duarte (2000 p 120-130)

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 127

vinhateiro Trigeu descobre que quem reina na morada de Zeus eacute Poacutelemos a Guerra

responsaacutevel pela prisatildeo de Irene a Paz Dos oliacutempicos apenas Hermes se encontra e eacute quem

recebe o aldeatildeo O projeto do heroacutei que em princiacutepio era interrogar os deuses sobre o destino

dos gregos em relaccedilatildeo agrave guerra ganha outras proporccedilotildees diante dessa conjuntura e se torna

uma missatildeo de resgate quase impossiacutevel O proacutelogo cumpre portanto sua funccedilatildeo expondo o

assunto que se refere ao sucesso ou fracasso de Trigeu nessa empresa Tudo depende de o

heroacutei vencer os obstaacuteculos entre eles o enfrentamento com o deus Hermes que comeccedila na

segunda metade do proacutelogo

Ερ ὧν οὕνεκrsquo οὐκ οἶδrsquo εἴ ποτrsquo Εἰρήνην ἔτι

τὸ λοιπὸν ὄψεσθrsquo (vv 221-222)

Her Eis o motivo de eu natildeo saber se vocecircs

ainda vatildeo tornar a ver novamente a Paz

e se estende em todo o paacuterodo ateacute a cena do agon

Trigeu apela entatildeo para a colaboraccedilatildeo de todos os gregos Com a entrada dos

helenos comeccedila o paacuterodo153

(vv 301-345) que se encerra num pnigos (vv 339-345)

Transcorrem a partir desse momento quatro154

cenas curtas na uacuteltima cena desse conjunto se

destaca a presenccedila diminuta de um agon epirremaacutetico

A primeira cena se configura numa ode em que o coro na estrofe demonstra toda

confianccedila em Trigeu (vv 346-360) o que leva ao protesto de Hermes (vv 361-384) num jogo

esticomiacutetico com Trigeu ficando em evidecircncia o quanto seraacute difiacutecil para o heroacutei a realizaccedilatildeo

de seu plano

153 Na opiniatildeo de Couat (1895 p 371) o paacuterodo bastaria por si soacute porque ele expotildee o assunto e pode-se dizer

que conteacutem tambeacutem a peccedila inteira De fato a primeira metade da peccedila jaacute se bastaria natildeo apenas porque o

heroacutei jaacute alcanccedilou seu objetivo a libertaccedilatildeo da Paz mas tambeacutem porque a partir da primeira paraacutebase que

marca o iniacutecio da segunda metade da comeacutedia a narrativa dramaacutetica se constroacutei ateacute o ecircxodo com pequenas cenas de celebraccedilatildeo

154 Mazon (1904 p 83-84) estabelece uma uacutenica cena (vv 346-600) Seguimos a classificaccedilatildeo de Pickard-

Cambridge (1966 p 221) que analisa esse trecho como uma seacuterie de cenas irregulares subdividindo-o em

quatro cenas curtas vv 346-430 vv 431-519 vv 520-600 e por fim vv 601-656

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 128

Ερ ἆρrsquo οἶσθα θάνατον ὅτι προεῖφrsquo ὁ Ζευς ὅς ἄν

ταύτην ἀνορύττων εὑρεθῆ (vv 271-272)

Her Por acaso vocecirc jaacute ouviu falar da morte que Zeus decretou para

quem tentasse tiraacute-la do aterro

Na antode o coro que numa segunda estrofe (vv 385-399) dirige ao deus uma

suacuteplica natildeo consegue comovecirc-lo de que eacute necessaacuterio libertar a Paz Quando todos os outros

argumentos falham para a libertaccedilatildeo da Paz Trigeu que eacute dotado de uma argumentaccedilatildeo agrave

altura de um heroacutei traacutegico (SILVA 1987 p 164) potildee em praacutetica sua poneria (McLEISH

1980 p 55-56) que vai marcar o jogo cecircnico de caraacuteter persuasivo entre ele e o deus

Ερ ἴθι δὴ κατειπrsquo ἴσως γὰρ ἅν πείσαις ἐμέ (v 405)

Her Vamos diga entatildeo talvez vocecirc consiga me persuadir

Trigeu tem a dimensatildeo exata de seu oponente Trata-se de um deus divindade

tambeacutem por excelecircncia poneros155

consequumlentemente o aldeatildeo vai elaborar sua fala com

argumentos que pertenccedilam ao universo divino Para ter ecircxito ele promete a Hermes todas as

honras natildeo soacute nas Grandes Panateneacuteias mas tambeacutem em outras festas incluindo os

sacrifiacutecios E fazendo jus a sua sagacidade oferece a Hermes uma taccedila dourada

Τρ [] πρῶτον δέ σοι

δῶρον δίδωμι τήνδrsquo ἴνα σπένδειν ἔχῃς (vv 423-424)

Ερ οἴμrsquo ὠς ἐλεήμων εἴμrsquo ἀεὶ τῶν χρυσίδων (v 425)

Tr [] Em primeiro lugar a ti

eu te ofereccedilo esta taccedila dourada para que tu faccedilas libaccedilotildees

Her Ai ai ai Logo eu que sempre fui sensiacutevel agraves taccedilas de ouro

De acordo com Pickard-Cambridge156

(1966 p 200) nessa cena (vv 346-430)

caberia a funccedilatildeo de uma cena de agon porque quanto agrave forma haacute uma estrofe e uma

155 Dentre os vaacuterios epiacutetetos atribuiacutedos a Hermes o lado laraacutepio do deus eacute acentuado na comeacutedia (vv 401-402)

sendo um fator determinante na funccedilatildeo poneros do deus 156 Pickard-Cambridge (1966 p 200) faz a seguinte anaacutelise ―In an earlier scene (346-430) there is more of the

agocircn as regards the matter where Trygaeus persuades Hermes not to tell Zeus of the plan for raising Peace

and as regards form this scene give us a strofe and antistrofe each succeded by what but for its being in the

iambic trimester metre would be repectively an epirrhema and antepirrhema of almost equal length and the

whole conclude by a sphragis in trochaic tetrameters

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 129

antiacutestrofe em triacutemetros iacircmbicos que se equivalem na extensatildeo a um epirrema e antepirrema

e quanto ao conteuacutedo haacute um discurso persuasivo de Trigeu para convencer Hermes Ao

contraacuterio na interpretaccedilatildeo de Gelzer157

(1960 p 169-170) trata-se de uma accedilatildeo que natildeo vai

aleacutem de insinuaccedilotildees para a existecircncia de um agon A natureza da fala de Trigeu (vv 406-424)

ao inveacutes de ser argumentativa ou controversa a ponto de caracterizar o conteuacutedo

epirremaacutetico eacute persuasiva Como o deus aceita o suborno elimina-se a chance de haver uma

contenda ou negociaccedilatildeo e consequumlentemente uma sentenccedila Eacute aqui que se desfaz quanto ao

conteuacutedo a ideacuteia de agon Entretanto compete agraves cenas seguintes a funccedilatildeo de um proagon jaacute

que preparam a accedilatildeo para o agon

Na segunda cena (vv 431-519) as duas tentativas de libertaccedilatildeo fracassam E

somente apoacutes a eliminaccedilatildeo dos sabotadores os camponeses aacuteticos conseguem arrancar a Paz

da caverna Na cena seguinte (vv 520-581) a deusa eacute saudada ao surgir o que leva o coro no

epodo (vv 582-600) a fazer-lhe uma exortaccedilatildeo que do ponto de vista da forma e do conteuacutedo

se acopla ao katakeleusmos que inicia a quarta cena (vv 601-656) A partir daqui levanta-se a

hipoacutetese da presenccedila de um agon epirremaacutetico em Paz Contudo devido agraves irregularidades

apresentadas nessa passagem tanto na forma quanto no conteuacutedo questiona-se sua natureza

quanto agrave forma falta a simetria entre as seccedilotildees do agon quanto ao conteuacutedo no lugar de uma

discussatildeo haacute um simples diaacutelogo (MAZON 1904 p 86) entre trecircs personagens Trigeu

Hermes e o coro que estaacute sendo considerado como uma personagem coletiva Pode-se

mesmo assim atribuir agrave comeacutedia Paz um agon ou na melhor das hipoacuteteses um quasi-agon

Para Mazon (1904 p 86) a cena de agon compreende os vv 601-705 Jaacute Pickard-Cambridge

(1966 p 221) estabelece o que ele classifica de quasi-half-agon um pequeno trecho entre os

vv 601-656 os quais tambeacutem fazem parte do corpus analisado por Gelzer (1960 p 170) que

considera esse excerto de meio-agon (halben epirrhematischen Agons)

157 Para Gelzer (1960 p 169-170) Trigeu que eacute o respresentante do coro (357-360) natildeo ataca Hermes mas

com pedidos se contrapotildee agraves opiniotildees dele (383-399) Diante disso Trigeu quer convencer Hermes que se

deixa convencer (405) Esta eacute a uacutenica insinuaccedilatildeo de um acordo

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 130

A composiccedilatildeo se apresenta na seguinte forma158

katakeleusmos (vv 601-602)

epirrema (vv 603-560)

pnigos (vv 651-656)

Como se pode observar estaacute ausente a ode que completaria o conjunto da

primeira parte de um agon Contudo a passagem que antecede o katakeleusmos e que finaliza

a cena anterior eacute uma estrofe (vv 582-600) que pode desempenhar a funccedilatildeo de uma ode o

tom eacute de saudaccedilatildeo (χαῖρε) e no final o coro passa a palavra ao deus

Xo τοῦθrsquo ἡμᾶς δίδαξον ὦ θεῶν εὐνούστατε (v 602)

Co Explica- nos isso oacute o mais bonzinho dos deuses

Por um fenocircmeno de acoplamento diz Gelzer (1960 p 151) esse final do epodo

tem a natureza de um katakeleusmos o que confere agrave estrofe um valor de ode Dessa maneira

completa-se a primeira parte do agon epirremaacutetico o que delega a ele quanto agrave forma a

natureza de um agon epirremaacutetico pela metade ou quasi-agon com a seguinte composiccedilatildeo

ode (vv 582-600)

katakeleusmos (vv 601-602)

epirrema (vv 603-650)

pnigos (vv 651-656)

No katakeleusmos Hermes eacute encorajado pelo coro a explicar por onde tem andado

a Paz O coro emprega o verbo διδάσκω cujos sentidos ―ensinar ―instruir ―esclarecer

sugerem natildeo soacute que o discurso (rhema) de Hermes tem a natureza de um relato retrospectivo

em que ele expotildee as origens da guerra mas tambeacutem o emprego desse verbo daacute margem agrave

158 De acordo com Sommerstein (1990 p 159) o excerto (vv 601-656) estaacute composto por tetracircmetros trocaicos

terminando a partir do v 651 num pnigos trocaico

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 131

interpretaccedilatildeo de a personagem Hermes ser porta-voz do poeta o que outorga ao agon um tom

parabaacutetico159

porque seu discurso tambeacutem se dirige ao auditoacuterio τἀμὰ δὴ ξυνίετε ῥήματrsquo

ndash ―prestem atenccedilatildeo agraves minhas palavras Esse chamamento feito por Hermes antes de iniciar

seu discurso proporciona uma intenccedilatildeo didaacutetica160

da parte do poeta com relaccedilatildeo a seu

puacuteblico O discurso proferido por Hermes embora natildeo encontre um outro discurso de

oposiccedilatildeo a ele traz algumas marcas de um conteuacutedo epirremaacutetico isto eacute explicativo [] a

primeira causa foi (πρῶτα v 605) [] depois (κᾆτrsquoἐπειδὴ v 619) [] pois bem

(κἀνθάδrsquo v 632) de tal modo que (ὥστrsquo v 646)

Na interpretaccedilatildeo de Navarre (1911 p 253) a natureza explicativa do conteuacutedo

epirremaacutetico que se concentra no discurso de Hermes caracteriza esse agon de Paz

juntamente com os agones de Lisiacutestrata Aves e Assembleacuteia de mulheres como uma

demonstraccedilatildeo unilateral (deacutemonstration unilateacuterale) ou seja quanto ao conteuacutedo trata-se de

um agon expositivo e quanto agrave forma as partes epirremaacuteticas estatildeo na fala de uma uacutenica

personagem no caso o heroacutei ou a heroiacutena da comeacutedia Jaacute Gelzer (1960 p 171) analisa que

somente em Aves e Lisiacutestrata ocorre de as partes epirremaacuteticas estarem juntas nas falas de

Pisetero e Lisiacutestrata respectivamente No caso de Paz para o discurso de Hermes Aristoacutefanes

natildeo utilizou a forma de um agon de exposiccedilatildeo (Darlegungsagones) porque natildeo foram

empregadas na fala do deus as partes simeacutetricas do epirrema pois natildeo haacute a simetria uma vez

que conforme exposto anteriormente trata-se de um agon epirremaacutetico pela metade

A razatildeo pela qual Aristoacutefanes escolheu a forma de um quasi-agon epirremaacutetico

deve-se certamente a seu conteuacutedo o diaacutelogo transcorre subsequumlente agrave accedilatildeo (GELZER

159 A ideacuteia de predificar de ―parabaacutetico o agon parte da seguinte reflexatildeo de Duarte (2000 p33) ―o corifeu

representando o coro introduz explicitamente a nova seccedilatildeo da comeacutedia reforccedilando com palavras o movimento

que os danccedilarinos realizam na orquestra em direccedilatildeo ao puacuteblico (πρὸς τὸν θέατρον) Tanta ecircnfase tem como

funccedilatildeo chamar a atenccedilatildeo dos espectadores e situaacute-los na peccedila 160

De acordo com Duarte (2000 p 72-73) haacute uma progressatildeo gradual das funccedilotildees do poeta cocircmico em relaccedilatildeo

aos cidadatildeos de instrutor do coro (διδάσκαλος) passando por poeta (ποιητής) depois a conselheiro

(ξύμβουλον) e por fim professor (διδάσκων)

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 132

1960 p 170) Hermes oferece uma explicaccedilatildeo coerente tal como costuma aparecer nos

epirremas Poreacutem uma vez que nenhuma reacuteplica eacute pronunciada Aristoacutefanes elimina a

segunda parte do agon

Tudo leva a crer que Aristoacutefanes preferiu do ponto de vista dramaacutetico (GELZER

1960 p 171) a cena de salvaccedilatildeo da Paz como centro da accedilatildeo agrave cena de discussatildeo porque de

fato a peccedila traz uma proposiccedilatildeo paciacutefica num momento soacutecio-poliacutetico pelo qual Atenas

passava naquele ano de 421 aC quando houve uma treacutegua e esse periacuteodo ficou conhecido

como Paz de Niacutecias Coincidecircncia ou natildeo a questatildeo da treacutegua jaacute se apresenta na abordagem

da peccedila conforme explicaccedilatildeo de Hermes a Trigeu a respeito de os deuses terem se mudado

Ερ ὁτιὴ πολεμεῖον ᾑρεῖσθrsquo ἐκείνων πολλάκις

σπονδὰς ποιούντων (vv 211-212)

Her Porque vocecircs escolheram fazer a guerra tendo eles dado a vocecircs

muitas ocasiotildees de fazerem treacuteguas

Nesse sentido a comeacutedia pode ser entendida como uma crocircnica da eacutepoca Sob

esse aspecto natildeo seria paradoxal a presenccedila de um agon seccedilatildeo que carrega o sentido de luta

disputa ou discussatildeo numa peccedila que eacute um tributo agrave paz

Hermes pronuncia trecircs rhemata e apoacutes cada um deles haacute um aparte espirituoso do

coro e um comentaacuterio de Trigeu No primeiro pronunciamento Hermes explica as origens da

guerra entre Atenas e Esparta versatildeo que aliaacutes difere daquela em Acarnenses (vv 509-539)

As duas versotildees concordam apenas na menccedilatildeo ao decreto de Megara que foi o estopim da

guerra referente a uma proposta de Peacutericles por questotildees pessoais que natildeo tiveram a ver com

o interesse puacuteblico Na versatildeo de Paz (vv 605-610) o estadista Peacutericles estaria envolvido

num escacircndalo de superfaturamento por causa da construccedilatildeo da estaacutetua de Atena por Fiacutedias o

que levou a Assembleacuteia a condenar o arquiteto ao exiacutelio Como natildeo haacute reacuteplica ao discurso de

Hermes natildeo haacute chance de o coro ter a funccedilatildeo de aacuterbitro ou mediador e sua presenccedila eacute

marcada por breves apartes seguidos dos comentaacuterios de Trigeu apoacutes cada fala do deus

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 133

No segundo pronunciamento Hermes faz alusatildeo (vv 619-622) agrave coligaccedilatildeo de

cidades gregas que temiam um aumento de tributos sob a hegemonia de Atenas E por fim o

deus critica a ganacircncia dos lacedemocircnios que lucravam com a guerra enquanto os

agricultores sofriam com ela (vv 623-627) Eacute sutil a ironia dos comentaacuterios de Trigeu e do

coro Ao falar de Fiacutedias pode-se entender que Trigeu ou sabia que o escultor tinha

responsabilidade na questatildeo da paz ou que se tratava de uma questatildeo de criador-criatura jaacute

que no texto eacute sugerido que a Paz eacute uma obra de Fiacutedias (SILVA 1984 p 20) Apoacutes a

apologia dos agricultores feita por Hermes jaacute era esperado que Trigeu e o coro que

pertencem agrave classe de camponeses protestassem ἐν δίκῃ μὲν οὖν (v 628) ἐν δίκῃ γε δτrsquo

(v 630) Em seguida apoacutes o terceiro pronunciamento de Hermes o aparte de Trigeu finaliza o

agon com uma invectiva pessoal a Cleatildeo demagogo atacado acirradamente em Cavaleiros na

personagem de Paflagocircnio

A temaacutetica desse agon toca entatildeo em assuntos de interesse puacuteblico ndash a origem da

guerra a hegemonia de Atenas os prejudicados e os beneficiados com a guerra ndash todos

mateacuterias pertinentes ao conteuacutedo da competecircncia da paraacutebase No exame de Gelzer (1960 p

153) o discurso de Hermes no epirrema eacute um acreacutescimo que do ponto de vista do conteuacutedo

estaacute adequado ao contexto poreacutem do ponto de vista dramaacutetico natildeo eacute necessaacuterio e nem exerce

qualquer influecircncia sobre o prosseguimento da accedilatildeo Essa interpretaccedilatildeo torna o agon uma

seccedilatildeo deslocada da accedilatildeo quando na verdade natildeo estaacute porque a hipoacutetese que se levanta nesta

anaacutelise eacute de ter ocorrido uma compensaccedilatildeo entre as seccedilotildees do texto isto eacute a ausecircncia de

epirrema na paraacutebase principal de Paz (DUARTE 2000 p 128) parece estar compensada no

agon Daiacute considerarmos a natureza desse agon como acessoacuterio da accedilatildeo com uma natureza

de um agon de reflexatildeo161

Com a Paz livre o plano do heroacutei estaacute consumado mas natildeo a

161 Denominamos assim com base na anaacutelise de MacDowell (1995 p 186) que interpreta a cena como um

momento de reflexatildeo

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 134

peccedila que eacute uma comeacutedia fecunda em discursos endereccedilados aos espectadores como bem

observou Russo (1994 p 49)

Em Paz para dar um exemplo o protagonista oferece de fato uma linda donzela

aos espectadores sentados na proedria deve-se notar que Paz eacute uma peccedila rica em

discursos enderessados especialmente aos espectadores162

Trata-se portanto de um agon sui generis que se destaca da natureza dos agones

ateacute agora analisados daiacute sua classificaccedilatildeo de quasi-agon jaacute que natildeo tem em sua physis a

forma de um agon epirremaacutetico inteiro faltando a ele a simetria No que concerne ao

conteuacutedo sua physis estaacute longe de ser uma discussatildeo porque Aristoacutefanes optou por um agon

de cunho parabaacutetico e um paacuterodo agoniacutestico restando ao agon uma natureza incompleta um

quasi-agon de reflexatildeo

162 Lecirc-se no original In Peace to give just one example the protagonist actually consigns a lovely maiden-extra

to the spectators seated in the proedria it should be noted moreover that Peace is the comedy richest in

speeches addressed explicitly to the spectators

CAPIacuteTULO IV

O AGON DESCARACTERIZADO

PELA DISCUSSAtildeO UNILATERAL

EM

AVES LISIacuteSTRATA E

ASSEMBLEacuteIA DE MULHERES

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

136

1 Aves163

a conversa levada no bico (agon de exposiccedilatildeo e ligado agrave accedilatildeo)

A comeacutedia Aves tem uma unidade de accedilatildeo coesa e uma progressatildeo dramaacutetica

constante164

em que o agon como uma seccedilatildeo da estrutura se localiza na ordem esperada

proacutelogo paacuterodo agon paraacutebase I e II cenas episoacutedicas e ecircxodo O proacutelogo (vv 1-208)

cumpre sua funccedilatildeo de expor o assunto da peccedila a fundaccedilatildeo de uma cidade nas nuvens E o

paacuterodo (vv 209-450) marca o iniacutecio dessa empreitada feeacuterica cuja realizaccedilatildeo depende do

ecircxito que o heroacutei cocircmico teraacute no agon

Na passagem do proacutelogo para o paacuterodo (vv 206-208) Pisetero pede que a

personagem Poupa chame e reuacutena as aves que aparecem aos poucos na orquestra e satildeo

apresentadas a ele e a Eveacutelpides Assim que todas estatildeo congregadas a Poupa lhes explica a

razatildeo da presenccedila dos estrangeiros As aves se sentem traiacutedas e divididas em dois grupos

decidem punir os invasores que na defensiva se armam de panelas e espetos (vv 354-363) A

Poupa interveacutem e com o apaziguamento das partes as aves concordam em ouvir Pisetero

Como os acarnenses contra Diceoacutepolis em Acarnenses e as vespas-heliastas contra

Bdelicleatildeo em Vespas o coro de aves representa um papel ativo com suas intenccedilotildees hostis

contra o heroacutei Essas comeacutedias tecircm portanto em comum paacuterodos de natureza agoniacutestica

No estudo dos paacuterodos das comeacutedias de Aristoacutefanes Zimmermann (1984 p 16)

analisa que apoacutes a bem sucedida intervenccedilatildeo da Poupa ocorre a transiccedilatildeo (vv 406-433) para

um acordo (vv 434-447) que precede o agon epirremaacutetico Esse movimento da accedilatildeo

163 Com a leveza do riso Aristoacutefanes critica pesadamente a conjuntura da eacutepoca na comeacutedia Aves (414 aC)

cujo texto prima em alegoria e fantasia O enredo se constroacutei agraves voltas do projeto de Pisetero que

acompanhado de seu companheiro Eveacutelpides pretende fundar uma cidade nas nuvens Cuconuvolacircndia por

causa da situaccedilatildeo caoacutetica pela qual Atenas passava O ecircxito dessa empresa esbarra entretanto nos legiacutetimos habitantes desse espaccedilo aeacutereo as aves O conflito eacute inevitaacutevel e o agon da comeacutedia eacute uma seccedilatildeo-chave na

fabulaccedilatildeo para que o plano do heroacutei Pisetero tenha sucesso 164 O desenvolvimento progressivo natildeo eacute interrompido nem mesmo pela paraacutebase (THIERCY 2007 p 164)

Para uma anaacutelise mais detalhada cf Duarte (2000 p 153-166)

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

137

conflitante no paacuterodo culmina no agon epirremaacutetico o que traz algumas divergecircncias entre os

estudiosos com relaccedilatildeo ao nuacutemero de agones em Aves

Gelzer (1960 p xiii) atribui a essa comeacutedia dois agones que satildeo denominados por

ele agones apoacutes o paacuterodo sendo o segundo o principal Jaacute Mazon (1904) Pickard-Cambridge

(1966) Sommerstein (1991) e Moumlllendorff (2002) fixam um uacutenico agon que corresponde ao

agon principal no exame de Gelzer E todos estatildeo acordados que esse agon principal comeccedila

no v 451

Neste estudo tentaremos demonstrar que a accedilatildeo agressiva do coro no paacuterodo que

na classificaccedilatildeo de Gelzer (1960 p 42) corresponde ao agon I funciona como um proagon

isto eacute uma cena preparatoacuteria para o agon Essa cena eacute um prolongamento da accedilatildeo do paacuterodo e

marca a transiccedilatildeo da accedilatildeo hostil das aves para um apaziguamento proporcionando uma

chance para Pisetero expor seus argumentos que por sua vez estaratildeo presentes no agon

epirremaacutetico cuja natureza eacute descaracterizada pela unilateralidade

No proagon o conteuacutedo eacute peculiar porque ambas as partes litigantes a dos

homens e a dos paacutessaros natildeo dialogam um com o outro mas falam de modo alternado numa

accedilatildeo que se configura numa cena de combate Sua forma contempla todavia a maioria das

seccedilotildees de um agon epirremaacutetico que estatildeo assim dispostas

ode (vv 327-335) antode (vv 343-351)

katakeleusmos (vv 336-338) antikatakeleusmos (vv 352-353)

epirrema (vv 338-342) antepirrema (vv 354-385)

pnigos natildeo haacute antipnigos (vv 386-399)

Na ode coro manifesta um canto hostil agrave personagem Poupa que eacute acusado de

traiccedilatildeo

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

138

Χο ἔα ἔα

προδεδόμεθrsquo ἀνόσιά τrsquo ἐπάθομεν (vv 329-330)

Co Ui Ui

Fomos traiacutedos de impiedade viacutetimas165

O canto do coro jaacute eacute de entusiasmo o que torna o conteuacutedo do katakeleusmos que

eacute ameaccedilador um apecircndice da ode (GELZER 1960 p 43) A accedilatildeo se direciona para um

confronto fiacutesico

Χο ἀλλὰ πρὸς τοῦτον μὲν ἡμῖν ἐστιν ὕστερος λόγος

τὼ δὲ πρεσβύτα δοκεῖ μοι τώδε δοῦναι τὴν δίκην

διαφορηθναί θrsquo ὑφrsquoἡμῶν (vv 336-338)

Co Bem com ele [Poupa] acertaremos mais tarde

Na minha opiniatildeo devemos punir E estraccedilalhar os dois velhos [Pisetero e Eveacutelpide]

A aporia de Pisetero e Eveacutelpide eacute evidenciada no epirrema que distribuiacutedo num

curto diaacutelogo entre eles eacute interrompido pela antode que manteacutem o tom hostil da ode

Χο ἰὼ ἰώ

ἔπαγrsquoἐπιθrsquoἐπίφερε πολέμιον (v 344)

Co Ioacute Ioacute Vem Avanccedila assalta ataca o inimigo

O antikatakeleusmos tem em relaccedilatildeo agrave antode a mesma funccedilatildeo que o

katakeleusmos teve com a ode Pisetero e Eveacutelpides voltam a confabular no antepirrema ateacute

que recomeccedila a ameaccedila de ataque das aves sob as ordens do corifeu para avanccedilar e apontar o

bico (χώρει κάθες τὸ ῥύγχος v 364) Entatildeo como mediadora da situaccedilatildeo a Poupa se

interpotildee conseguindo que o coro aceite fazer uma treacutegua

Χο ἔστι μὲν λόγων ἀκοῦσαι πρῶτον ὡς ἡμῖν δοκεῖ

χρήσιμον μάθοι γὰρ ἄν τις κἀπὸ τῶν ἐχθρῶν σοφόν (vv 381-382)

Co Eacute talvez seja uacutetil ouvir primeiro os discursos Pode-se aprender algo saacutebio ateacute com os inimigos

165 Todas as passagens traduzidas satildeo de Adriane da Silva Duarte

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

139

Depois de a Poupa ter se interposto as duas partes recomeccedilam de modo confuso

um breve diaacutelogo (vv 383-385) O antipnigos (vv 386-399) volta a pertencer inteiramente aos

homens Para Gelzer (1960 p 43) Aristoacutefanes emprega o antipnigos como conclusatildeo da

forma embora nele natildeo ocorra a aceleraccedilatildeo da fala Trata-se ao contraacuterio muito mais de um

apaziguamento do diaacutelogo ocorrido no antepirrema Assim Aristoacutefanes organiza agora a accedilatildeo

de tal maneira que a forma com antepirrema e antipnigos eacute conduzida pacificamente ateacute o

fim E no antipnigos com o furor do coro aplacado instaura-se uma treacutegua entre as aves e os

dois intrusos

Como a siziacutegia epirremaacutetica eacute comum ao paacuterodo e ao agon entendemos que estaacute

havendo um prolongamento do paacuterodo porque a ode realizada pela personagem Poupa se

manteacutem ligada pelo conteuacutedo ao diaacutelogo precedente ocorrido no paacuterodo166

entre Poupa

Pisetero e Eveacutelpide Conforme Pickard-Cambridge (1966 p 222-223) na segunda parte do

paacuterodo haacute uma cena de batalha que para Mazon (1904 p 109) natildeo pertence ao paacuterodo mas

se trata de uma cena independente que se configura num agon no sentido beacutelico da palavra

embora Mazon natildeo a classifique como o primeiro agon Para esse autor dos vv 326-434

encontra-se a cena de batalha (scegravene de bataille) seguida de uma cena que ele denominou de

introduction drsquoagon (vv 435-450)

Essa mesma foacutermula em que o comeccedilo do agon se funde agrave accedilatildeo ofensiva do final

do paacuterodo eacute observada tambeacutem em Acarnenses e Vespas Natildeo haacute portanto transiccedilatildeo

(GELZER 1960 p 39) desse final de paacuterodo para o que Gelzer considera como primeiro

agon da peccedila que entendemos funcionar como um proagon que se estende ateacute o v 450 e cuja

funccedilatildeo eacute preparar a cena do agon em que o plano do heroacutei seraacute exposto

166 Mazon (1904) e Pickard-Cambridge (1966) dividem o paacuterodo de Aves em duas partes mas sem

correspondecircncia de versos entre esses autores Para Pickard-Cambridge (1966 p 222-223) a primeira parte

compreende os vv 209-266 e a segunda os vv 267-351 Jaacute Mazon (1904 p 99-100) distribui o paacuterodo

primeiramente entre os vv 267-293 em que o coro natildeo entra em conjunto mas isoladamente e depois entre

os vv 294-326 em que o restante do coro penetra coletivamente na orquestra

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

140

Com a treacutegua criam-se condiccedilotildees para que Pisetero possa apresentar seu plano Eacute

por isso que natildeo se trata ainda de um agon porque no niacutevel da accedilatildeo haacute uma preparaccedilatildeo

para a negociaccedilatildeo que vai ocorrer no agon em que o heroacutei faraacute a exposiccedilatildeo de seu plano criar

uma cidade nas nuvens junto aos paacutessaros

A Poupa de natureza hiacutebrida homempaacutessaro adianta o assunto sobre o qual

Pisetero quer falar (vv 412-415) e sua fundamentaccedilatildeo (vv 422-426) avocando o papel de

mediador entre coro e heroacutei Com isso haacute uma adesatildeo das aves que concordam em ouvir

Pisetero (vv 432-433) que por sua vez exige uma garantia de sua seguranccedila (vv 439-442) O

coro estaacute de acordo e presta juramento

Χο ὄμνυμrsquo ἐπὶ τούτοις πᾶσι νικᾶν τοῖς κριταῖς

kαὶ τοῖς θεαταῖς πᾶσιν (v 445)

Co Juro sob estas condiccedilotildees vencer com todos os jurados

e com os espectadores todos

Esse juramento soa com um tom parabaacutetico porque sugere uma quebra da ilusatildeo

cecircnica em que o coro assume o papel de uma personagem (SOMMERSTEIN 1987 p 225

SILVA 1989 p 90) da intriga e avoca para si a funccedilatildeo de antagonista do heroacutei Nesse agon

participam quatro personagens Pisetero Eveacutelpide Poupa e o Coro Natildeo haacute um juiz nem

mediador porque natildeo se trata de saber quem tem razatildeo mas de um jogo persuasivo de

convencimento e seduccedilatildeo conforme o que o corifeu deixa evidente ao empregar o verbo

ἀναπείθω

ἀλλrsquo ἐφrsquo ὅτῳπερ πράγματα τὴν σὴν ἤκεις γνώμην ἀναπείσας

λέγε θαρρήσας ὡς τὰς σπονδὰς οὐ μὴ πρότεροι παραβῶμεν(vv 460-461)

O motivo seja qual for que trouxe vocecirc aqui para nos convencer

Fale confiante A treacutegua natildeo seremos os primeiros a romper

Nada de muito difiacutecil ao heroacutei que segundo a Poupa eacute dotado de uma habilidade

ardilosa comparaacutevel a uma fera espertiacutessima (πυκνότατον κίναδος vv 429-430) Pisetero

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

141

eacute por primazia poneros e em sua poneria encontram-se sapiecircncia (σόφισμα) maledicecircncia

(κύρμα) experiecircncia (τρῖμμα) e muita inteligecircncia (παιπάλημrsquo ὅλον) atributos que o

coro natildeo ignora em se tratando de um humano

δολερὸν μὲν ἀεὶ κατὰ πάντα δὴ τρόπον

πεφυκεν ἄνθρωπος σὺ δrsquoὅμως λέγε μοι (vv 451-452)

Traiccediloeiro em todas as coisas

eacute por natureza o homem Mas apesar disso fala

Essas palavras do coro que abrem o agon proporcionam um tom solene quase de

trageacutedia167

agrave ode e tambeacutem ao discurso de Pisetero que com a devida competecircncia

discursiva enfrentaraacute o coro e a Poupa para defender seu projeto expondo-o com

circunspeccedilatildeo num agon cuja forma eacute de um agon epirremaacutetico completo168

e estaacute assim

configurado

ode (vv 451-459) antode (vv 539-547)

katakeleusmos (vv 460-461) antikatakeleusmos (vv 548-549)

epirrema (vv 462-522) antepirrema (vv 550-610)

pnigos (vv 523-538) antipnigos (vv 611-626)

sphragis (vv 627-638)

167 Nessa passagem de Aves o coro exalta o poder da natureza humana o que nos sugere a alusatildeo ao primeiro

estaacutesimo de Antiacutegona de Soacutefocles

πολλὰ τὰ δεινὰ κοὐδὲν ἀν-

θρώπου δεινότερον πέλει (νν 332-333)

haacute muitas coisas temiacuteveis mas nada

mais temiacutevel do que o homem

A aproximaccedilatildeo dessas odes estaacute no campo semacircntico dos vocaacutebulos δολεπὸρ (peacuterfido enganador) e δεινόρ

(que inspira temor) Ambas as odes satildeo um canto agrave grandeza humana que em Aves tem um sentido negativo

e em Antiacutegona devido agrave ambiguumlidade de sentido pode ser interpretada como o que inspira temor eacute algo

traiccediloeiro E o elemento comum em ambas eacute a figura humana A propoacutesito de um estudo aprofundado sobre

essa passagem de Antiacutegona cf Riol (1969) 168 Na tabela de Gelzer (1960 p xiii) esse agon compreende os vv 451-626 com todas as partes simeacutetricas

exceto a sphragis distribuiacutedo da seguinte maneira estrofe (vv 451-459) katakeleusmos (vv 460-461)

epirrema (vv 462-538) antiacutestrofe (vv 539-547) antikatakeleusmos (vv 548-549) antepirrema (vv 560-

626) No entanto Pickard-Cambridge (1966 p 223) Mazon (1904 p 109) e Moumlllendorff (2002 p 105) estendem esse agon ateacute o v 638 Pickard-Cambridge natildeo marca o pnigos e o antipnigos mas a sphragis entre

os vv 627-638 Jaacute Mazon e Moumlllendorff elencam as partes do agon como Gelzer inclusive concebem a

sphragis como Pickard-Cambridge Jaacute Sommerstein (1987 p 226) delimita esse agon entre os vv 451-635

Nesta anaacutelise adotamos a configuraccedilatildeo segundo Mazon e Moumlllendorff

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

142

Apresentando todas as partes da siziacutegia epirremaacutetica esse agon eacute perfeito na sua

forma mas totalmente descaracterizado em seu conteuacutedo Ao tomar a palavra Pisetero pede

uma coroa e aacutegua para lavar as matildeos (vv 463-464) gestos que se referem agrave figura dos

oradores na assembleacuteia Assim como a Primeira Mulher em Tesmoforiantes veste uma coroa

antes de seu pronunciamento agrave assembleacuteia de mulheres assim Pisetero tambeacutem coroado se

dirige agrave comunidade ornitoloacutegica reunida Natildeo haveraacute discussatildeo apenas discurso Trata-se de

um conteuacutedo unilateral em que as partes epirremaacuteticas pertencem inteiramente agraves falas do

heroacutei que no epirrema busca nas faacutebulas de Esopo (v 471 ss v 651 ss) provas de que no

princiacutepio antes mesmo da primeira geraccedilatildeo dos deuses exposta na Teogonia de Hesiacuteodo (v

609) as aves reinavam soberanas O discurso de Pisetero se alicerccedila em exemplos como o

galo da Peacutersia estabelecendo que a soberania delas foi usurpada pelos deuses oliacutempicos

Tambeacutem no antepirrema Pisetero manteacutem seu raciociacutenio descrevendo passo a

passo a decadecircncia das aves de sua posiccedilatildeo suprema agrave condiccedilatildeo de serem servidas nos

espetinhos assados ao molho Em seguida ele expotildee como elas podem reconquistar essa

soberania a ponto de deuses e homens se curvarem ao poder delas A proposta da construccedilatildeo

de uma cidade nas nuvens eacute estrateacutegica porque interceptaraacute as comunicaccedilotildees entre deuses e

homens Enquanto esses passaratildeo a oferecer sacrifiacutecios agraves aves aqueles privados dos odores

das libaccedilotildees e pressionados pela fome vatildeo se curvar a elas

Coro e Poupa colocam algumas objeccedilotildees questionando o lado divino das aves

Entretanto Pisetero sempre tem uma resposta pronta a essas contestaccedilotildees que ao inveacutes de

romper com a exposiccedilatildeo do plano do heroacutei contribuem para o desdobramento de suas

ideacuteias169

Com o poder as aves poderatildeo punir os desobedientes e para os que submeterem agrave

nova ordem encontraratildeo benesses e recompensas graccedilas agrave ornitomancia (vv 588-595) No

169 Esse procedimento da accedilatildeo tambeacutem ocorre em Assembleacuteia de mulheres cf infra

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

143

pnigos e antipnigos o tema eacute um prolongamento do que foi dito na parte epirremaacutetica perda

e recuperaccedilatildeo de supremacia sobre homens e deuses respectivamente Como natildeo haacute

julgamento nem discussatildeo polarizada descarta-se a presenccedila de um aacuterbitro

consequumlentemente a sphragis cuja funccedilatildeo eacute dar a sentenccedila se apresenta de uma forma um

tanto peculiar o corifeu afirma a Pisetero que as aves estatildeo convencidas e estatildeo dispostas a

colaborar com plano do heroacutei O coro entatildeo pronuncia-se num canto de triunfo O corifeu

volta a se dirigir a Pisetero numa espeacutecie de katakeleusmos (MAZON 1904 p 103)

Embora na sua forma natildeo reste duacutevida de que se trata de um agon epirremaacutetico

quanto ao conteuacutedo fica descaracterizado o jogo do argumentocontra-argumento Pisetero

natildeo defende seu ponto de vista mas o expotildee num jogo de persuasatildeo que aliaacutes condiz agrave

etimologia de seu nome170

―aquele que persuade os companheiros Trata-se de um traccedilo que

caracteriza a personagem como poneros cuja poneria estaacute a serviccedilo de um discurso eficiente

e seacuterio ao contraacuterio das falas de Eveacutelpides que como co-orador (GELZER 1960 p 125)

apoacuteia o pronunciamento do companheiro lanccedilando volta e meia glosas ingecircnuas que trazem

como exemplo uma situaccedilatildeo vivida para tornar verdadeiro o que foi dito antes (vv 493-498

501-503) ou com comentaacuterios com duplo sentido das palavras conforme as passagens i) vv

506-507 em que os vocaacutebulos κριθάς e πεδίοις tanto podem se referir ao contexto agriacutecola

como ao sexo o primeiro com o sentido de ―gratildeo de cevada refere-se ao oacutergatildeo sexual

masculino enquanto que o segundo ―campo ao oacutergatildeo sexual feminino junta-se a esses dois

vocaacutebulos o nome da ave cuco e tambeacutem a palavra ψωλοί que tanto se refere aos circuncisos

quanto agrave excitaccedilatildeo sexual ii) no emprego da palavra κεφαλή (v 476) que pode ser tanto o

substantivo comum cabeccedila quanto o nome proacuteprio de um demos de Atenas ou com apartes

170 A propoacutesito da ortografia do nome do heroacutei Pistetero ou Pisetero Thiercy (1997 p 1161) discute a

problemaacutetica que existe em torno da significaccedilatildeo desses nomes Estamos nesta anaacutelise adotando o nome

Pisetero porque conforme a concepccedilatildeo que se tem da construccedilatildeo da personagem trata-se de algueacutem

astucioso e mestre em sofiacutestica De acordo com Whitman (1964 p 174 ss) a poneria presente em Pisetero eacute

um legado da sofiacutestica de Goacutergias

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

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144

zombeteiros em tom de ironia conforme se observa em (v 480) a rivalidade entre Zeus e o

pica-pau (δρυκολάπτης) (vv 486-487) o turbante da realeza persa κυρβασία tomado

como a crina do galo λόφος iii) (vv 511-513) alusatildeo aos proventos iliacutecitos iv) (v 521)

invectiva pessoal v) mofas com as divindades Zeus (vv 570 610) (v 581) Demeter e Apolo

(v 585) O tom jocoso dos apartes de Eveacutelpide faz com que ele assuma a funccedilatildeo de

bomolochos acrescentando um tempero cocircmico agrave cena Essas glosas ingecircnuas natildeo satildeo motivo

de refutaccedilatildeo por parte de Pisetero da Poupa e do Coro o que permite agrave accedilatildeo de seguir seu

curso apoacutes o agon expositivo e persuasivo

O conteuacutedo expositivo das partes epirremaacuteticas do agon que diz respeito agrave

ornitogonia se relaciona agrave paraacutebase I seccedilatildeo subsequumlente em que haacute um paralelismo entre a

exposiccedilatildeo do corifeu cujo assunto trata da cosmogonia ornito-oacuterfica Esse assunto eacute abordado

no estudo de Duarte (2000 p 156-162) que demonstra que nos anapestos da paraacutebase I (vv

685-722) Pisetero faz do direito de antiguumlidade a defesa de sua tese

A paraacutebase retoma portanto as ilustraccedilotildees da tese do heroacutei no agon cujo

principal argumento era elevar o status das aves ao status dos seres primordiais dos mitos

teogocircnicos Agon e paraacutebase se ligam pelo conteuacutedo funcionando como um eixo temaacutetico

central da narrativa dramaacutetica entre a primeira e a segunda parte da peccedila que traz cenas que

satildeo uma consequumlecircncia da realizaccedilatildeo do plano do heroacutei com a fundaccedilatildeo de Cuconuvolacircndia

A poneria do heroacutei vai marcar toda a segunda parte da comeacutedia em que o heroacutei

salvaguardando sua polis aeacuterea enfrenta os visitantes inoportunos que vecircm agraves portas da

cidade i) o poeta maltrapilho que a todo custo tenta sobreviver de sua arte (vv 903-954) ii)

o inteacuterprete de oraacuteculos que eacute um charlatatildeo (vv 959-990) iii) o geocircmetra Meacuteton que propotildee

um plano urbaniacutestico (vv 991-1019) iv) um inspetor e um comerciante de decretos carregado

de urnas e leis respectivamente (vv 1020-1057) v) o parricida (vv 1342-1471) vi) o poeta

Ceneacutesias (vv 1372-1410) e finalmente o sicofanta (vv 1411-1465)

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

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145

Para ter ecircxito absoluto em seu plano Pisetero precisaraacute sanar a questatildeo com os

deuses oliacutempicos

Πο περσβεύοντες ἡμεῖς ἥκομεν

παρὰ τῶν θεῶν περι πολέμου καταλλαγς (vv 1587-1588)

Poseidon Como embaixadores noacutes viemos

da parte dos deuses para negociar o fim da guerra

Nessa cena (vv 1583 ss) Aristoacutefanes poderia ter composto um agon jaacute que se

trata de um acordo Mas o poeta natildeo o fez porque se o fizesse quebraria a sequumlecircncia das

seccedilotildees da estrutura do texto pela qual pareceu zelar A esse respeito Gelzer (1996 p 207-

208) em seu artigo sobre alguns aspectos da arte dramaacutetica em Aves defende que o

espectador tinha conhecimento da sequumlecircncia da estrutura da comeacutedia Aproveitando-se disso

Aristoacutefanes joga com as expectativas do puacuteblico Primeiramente com um paacuterodo em que o

coro ainda ausente na orquestra se faz ouvir para num segundo momento fazer sua entrada

que natildeo se daacute coletivamente mas aos poucos depois no primeiro agon epirremaacutetico (vv

327-399) que nesta anaacutelise estaacute sendo considerado proagon cria uma atmosfera mais para o

combate do que para o debate em seguida no agon propriamente (vv 451-626) ao inveacutes de

uma discussatildeo polarizada ocorre uma exposiccedilatildeo unilateral feita pelo heroacutei E por fim na

paraacutebase (vv 676-800) em que se espera a ruptura da accedilatildeo para que o coro se pronuncie em

nome do poeta essa ruptura natildeo ocorre e o coro se manifesta em seu proacuteprio nome tornando

a paraacutebase uma seccedilatildeo em harmonia com a accedilatildeo

Proacutelogo paacuterodo agon e paraacutebases demonstram que a accedilatildeo linear se estende agraves

cenas episoacutedicas seguintes que ilustrando o surgimento de uma nova ordem inclusive para os

deuses satildeo a consequumlecircncia de que no agon o heroacutei foi ao defender seu projeto bem sucedido

Em suma no plano da accedilatildeo jaacute no proacutelogo Pisetero esclarece qual eacute seu plano e o

paacuterado bem como a cena seguinte que entendemos como proagon oferece um

prosseguimento da accedilatildeo Mas o coro natildeo estaacute ciente ainda da empresa do heroacutei apenas o vecirc

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Assembleacuteia das Mulheres

146

como um intruso no mundo das aves e natildeo estaacute aberto ao diaacutelogo Entatildeo a Poupa se coloca

entre as partes e estabelece uma treacutegua ao heroacutei que tendo a garantia de seguranccedila apresenta

seu plano expondo-o no agon conseguindo reverter a situaccedilatildeo e de inimigas as aves passam a

aliadas Portanto na sequumlecircncia da accedilatildeo o que chamamos de proagon que para Gelzer (1996)

eacute o primeiro agon estabelece a treacutegua E o agon epirremaacutetico propriamente estabelece o

conflito que estaacute descaracterizado pela unilateralidade do discurso que tambeacutem ocorre com

algumas variantes nos agones de Lisiacutestrata e Assembleacuteia de mulheres

2 Lisiacutestrata171

o confronto entre coros (agon de exposiccedilatildeo inserido num complexo

agoniacutestico)

A composiccedilatildeo da comeacutedia Lisiacutestrata se divide em duas partes bem marcadas

estabelecidas entre o antes e o depois de a heroiacutena pocircr em praacutetica seu plano pacifista A accedilatildeo eacute

contiacutenua (MAZON 1904 p 124) e natildeo paacutera na paraacutebase mas se prolonga em cenas que

compondo a segunda metade da peccedila ilustram a operaccedilatildeo estrateacutegica do plano da heroiacutena a

greve de sexo das mulheres e a ocupaccedilatildeo da acroacutepole

No proacutelogo (vv 1-253) com a exposiccedilatildeo do assunto a respeito do complocirc das

mulheres contra a permanecircncia dos homens na guerra a accedilatildeo jaacute se configura natildeo pela forma

mas pelo conteuacutedo num agon O mentor dessa conspiraccedilatildeo eacute a ateniense Lisiacutestrata que

precisando do apoio das mulheres gregas expotildee a elas o plano de boicote Isso gera uma

discussatildeo entre a heroiacutena e as mulheres que no final acabam se convencendo e jurando

adesatildeo ao projeto

171 Lisiacutestrata (411 aC) eacute segundo as comeacutedias conservadas natildeo apenas tiacutetulo da peccedila mas tambeacutem o nome da

primeira personagem feminina na funccedilatildeo de heroacutei cocircmico ou melhor de heroiacutena cujo plano eacute tomar frente

agraves decisotildees poliacuteticas do Estado para pocircr fim a um assunto essencialmente masculino a guerra A estrateacutegia

empregada resume-se na mais poderosa arma feminina contra os homens o sexo

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147

Λυ εἰ γὰρ καθῄμεθrsquo ἔνδον ἐντετριμμέναι

κἀν τοῖς χιτωνίοισι τοῖς ἀμοργίνοις

γυμναὶ παρίοιμεν δέλτα παρατετιλμέναι

στύοιντο δrsquo ἄνδρες κἀπιθυμοῖεν σπλεκοῦν

ἡμεῖς δὲ μὴ προσίοιμεν αλλrsquo ἀπεχοίμεθα

σπονδάς ποιήσαιντrsquo ἅν ταχέως εὖ οἶδrsquo ὅτι (vv 149-154)

Lis Se ficaacutessemos dentro de casa maquiladas

e sob as tunicazinhas de Amorgos

nuas desfilaacutessemos o puacutebis depilado os maridos cheios de tesatildeo desejariam fazer sexo

mas se natildeo nos aproximaacutessemos se nos recusaacutessemos

negociariam a treacutegua rapidinho sei bem disso172

A situaccedilatildeo enfrentada por Lisiacutestrata eacute muito proacutexima da posiccedilatildeo de Pisetero em

Aves que precisou expor aos paacutessaros seu plano para que persuadindo-os pudesse tornaacute-lo

exequumliacutevel Assim Lisiacutestrata argumentando exibe sua empresa de maneira a convencer as

mulheres gregas agrave adesatildeo incondicional atraveacutes de um juramento (vv 209-240) Desde o

proacutelogo a accedilatildeo implica numa discussatildeo de cunho persuasivo que se acentua como veremos

mais adiante no compasso das seccedilotildees seguintes da estrutura da comeacutedia Apoacutes o juramento jaacute

no final do proacutelogo Lampito pergunta τίς Ὠλολυγά ―Por que este alvoroccedilo (v 240)

Segundo Sommerstein (1990 p 166-167) o vocaacutebulo ololuga significa um grito de triunfo

de vitoacuteria que eacute um sinal para Lisiacutestrata do sucesso da invasatildeo da acroacutepole pelas mulheres

Esse conflito eacute num primeiro momento ouvido e passa a ser visto isto eacute ganha proporccedilotildees

mimeacuteticas na seccedilatildeo seguinte no paacuterodo Trata-se da accedilatildeo de um lado do coro que estaacute

dividido no caso o semicoro de velhas que se confronta com o outro lado o semicoro de

velhos

De acordo com a anaacutelise de Zimmermann (1984 p 17-18) no paacuterodo (vv 254-

349) de Lisiacutestrata o conteuacutedo determina a forma que se dispotildee numa composiccedilatildeo

epirremaacutetica173

No katakeleusmos (vv 254-245) o corifeu daacute a palavra de ordem para que os

172 Todas as passagens traduzidas satildeo de Adriane da Silva Duarte 173 Seguimos a distribuiccedilatildeo das seccedilotildees do paacuterodo (vv 254-349) segundo Pickard-Cambridge (1966 p 224-225)

que o divide da seguinte maneira a primeira parte cuja estrutura se assenta na siziacutegia epirremaacutetica pertence

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

148

coreutas avancem na orquestra Em seguida na ode (vv 256-265) o coro apresenta uma

queixa a respeito das incertezas da vida e especialmente da subordinaccedilatildeo das mulheres

assunto que se estende no epirrema (vv 266-270) Na antode (vv 271-280) satildeo lembrados os

dias de gloacuteria de uma saudosa juventude e no antepirrema (vv 281-285) a queixa se volta

para a ocupaccedilatildeo da acroacutepole pelas mulheres Na sequumlecircncia essa forma epirremaacutetica se repete

com a seguinte configuraccedilatildeo ode (vv 286-295) antode (vv 296-305) quasi-katakeleusmos

(v 306) epirrema (vv 307-312) e antepirrema (vv 313-318) O conteuacutedo dessa parte implica

na accedilatildeo do semicoro masculino que empunhando tochas estaacute decidido a incendiar a cidadela

ἀλλrsquoὡς τάχιστα ρπός πόλιν σπευσωμεν ὦ φιλοῦγε

ὅπως ἃν αὐταῖς ἐν κύκλῳ θέντες τὰ πρέμνα ταυτί

ὁσαι τὸ πρᾶγμα τοῦτrsquoἐνεστήσαντο καὶ μετλθον

μίαν πυρὰν νήσαντες ἐμπρήσωμεν αὐτόχειρες (vv 266-269)

Vamos raacutepido apressemo-nos para a cidadela Para que dispondo essa lenha ao redor delas

De quantas alavancaram esse negoacutecio e o levaram a diante

E uma uacutenica fogueira armando de proacutepria matildeo ateemos fogo

O enfrentamento dos dois semicoros ocorre na cena seguinte que na interpretaccedilatildeo

de Pickard-Cambridge (1966 p 225) se refere a um proagon (vv 350-386) Natildeo se trata

somente de uma cena preparatoacuteria para o agon mas do prolongamento da accedilatildeo hostil dos

semicoros comeccedilada no paacuterodo que nesse momento da peccedila se configura numa cena de

insultos e ameaccedilas Como bem observou Sommerstein (1990 p 171) os vv 350-363 satildeo

duplos para cada uma das partes e no intervalo dos vv 364-374 passa a ser simples e do v

375 em diante tornam-se meio-verso que se completam na fala seguinte Essa gradaccedilatildeo dois

um meio traz um ritmo de aceleraccedilatildeo bem ao estilo esticomiacutetico num jogo do toma laacute daacute caacute

entre os corifeus o que aumenta o niacutevel de tensatildeo da cena e prepara a accedilatildeo para uma contenda

agrave evoluccedilatildeo do coro de velhos a segunda parte que apresenta na forma apenas katakeleusmos ode e antode

pertence agrave evoluccedilatildeo do coro de velhas

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

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entre coros que se amplifica numa cena de batalha174

(vv 387-466) Nela temos a presenccedila de

Lisiacutestrata e do Conselheiro que contando como aliado o semicoro masculino se contrapotildee agrave

invasatildeo das mulheres na acroacutepole e com violecircncia procede contra elas (vv 426-430)

Lisiacutestrata por sua vez lhe pede para negociar (vv 430-432) mas ele recusa e novamente em

posiccedilatildeo de ataque investe contra elas (vv 450-451)

Onde se esperaria um debate em que as partes expotildeem seus pontos de vista ocorre

apenas uma cena jocosa e ao inveacutes de discussatildeo o agon epirremaacutetico se caracteriza numa

uacutenica exposiccedilatildeo a argumentaccedilatildeo da Lisiacutestrata

Quanto agrave forma175

esse agon epirremaacutetico se apresenta da seguinte maneira

ode (vv 476-483) antode (vv 539-548)

katakeleusmos (vv 484-485) antikatakeleusmos (vv 549-550)

epirrema (vv 486-531) antepirrema (vv 551-597)

pnigos (vv 532-538) antipnigos (vv 598-607)

sphragis (vv 608-613)

As partes apresentadas acima formatam um agon epirremaacutetico completo poreacutem

quanto ao conteuacutedo trata-se de um agon descaracterizado Segundo Mazon (1904 p 115) o

agon da comeacutedia Lisiacutestrata possui dois preluacutedios melodramaacuteticos que natildeo encontramos nos

outros agones um se refere ao iniacutecio do agon (vv 467-475) o outro agrave antode (vv 539-540) O

motivo disso se explica por causa da composiccedilatildeo do coro de Lisiacutestrata que dividido em dois

semicoros estaacute engajado tambeacutem na contenda Eacute natural portanto que o agon comece com

um breve diaacutelogo entre os dois corifeus o representante do coro feminino cuja audaacutecia

determina o movimento da cena aliado de Lisiacutestrata versus o representante do coro

masculino composto por anciatildeos atenienses favoraacuteveis ao Conselheiro

174 Segundo Mazon (1904 p 125) a curta cena de batalha natildeo estaacute ajustada musicalmente pelo ritmo como as

cenas de batalha dos coros de Acarnenses Cavaleiros Vespas e Aves Essa cena de batalha eacute um

surpreendente lance teatral (coup de thecircagravetre) que estaacute a serviccedilo da animaccedilatildeo cecircnica 175 Seguimos a distribuiccedilatildeo de Gelzer (1960 p xiii) exceto a sphragis que eacute marcada por Mazon (1904 p 115)

e Moumlllendorff (2002 p 81)

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150

No exame de Gelzer (1960 p 62 65-66) o coro bipartido eacute um co-orador de seus

aliados e as ampliaccedilotildees das odes por meio de proepirremas nos versos falados que o coro

profere antes das odes eacute um traccedilo das peculiaridades dessa comeacutedia porque se trata de um

coro partidaacuterio e interessado no desfecho da contenda como temos no agon I de Cavaleiros

O katakeleusmos eacute dirigido ao Conselheiro o que nos causa uma falsa ideacuteia de

que seja ele quem vai conduzir a discussatildeo pois eacute Lisiacutestrata quem toma a palavra no

epirrema Logo em seguida quando o antikatakeleusmos eacute dirigido a ela novamente a

heroiacutena se pronuncia no antepirrema Apoacutes o epirrema quando Lisiacutestrata cobre Conselheiro

com seu veacuteu o semicoro de velhos ameaccedila avanccedilar contra ela Imediatamente o corifeu das

mulheres daacute a ordem a seu coro que colocadas em posiccedilatildeo de defesa canta e danccedila na

antode Com essa configuraccedilatildeo de cena na opiniatildeo de Mazon (1904 p 116) a divisatildeo do

coro forccedilou Aristoacutefanes a compor um agon cujas partes corais simeacutetricas (odeantode

katakeleusmosantikatakeleusmos) estatildeo a serviccedilo da contenda entre os semicoros inimigos e

natildeo mais no encorajamento agrave personagem de falar no epirrema Talvez seja isso que natildeo

permitiu ao poeta consagrar um epirrema inteiro ao Conselheiro na defesa da causa

masculina

No epirrema Lisiacutestrata esclarece que a mesma competecircncia que as mulheres tecircm

na administraccedilatildeo da casa seraacute usada para a gestatildeo do dinheiro puacuteblico que natildeo mais financiaraacute

a guerra se natildeo a paz No antepirrema ela expotildee como o alcance da paz estaacute previsto em seu

plano Juntas essas partes epirremaacuteticas tratam pela narraccedilatildeo dos fatos do direito das

mulheres agrave ascensatildeo ao poder porque seus objetivos poliacuteticos satildeo mais bem intencionados do

que o dos homens E por fim Lisiacutestrata daacute provas de que as mulheres satildeo capazes dessa

empresa Argumentaccedilatildeo e raciociacutenio coesos conferem agrave heroiacutena a funccedilatildeo de poneros

(WHITMAN 1964 p 212 THIERCY 2007 p 220) que aliaacutes jaacute vinha sendo destacada

desde o proacutelogo quando ela invoca a Persuasatildeo e a Amizade (v 203) para a adesatildeo das

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

151

mulheres em sua empresa Nesse agon o conteuacutedo de sua arguumliccedilatildeo eacute coerente agraves duas

estrateacutegias de seu plano alusotildees ao sexo e agrave capacidade de as mulheres governar a polis tatildeo

bem quanto o fazem nos assuntos domeacutesticos176

A concentraccedilatildeo dessas partes epirremaacuteticas no pronunciamento da heroiacutena

caracteriza a unilateralidade desse agon abrandando um confronto verbal e desfazendo o jogo

argumentocontra-argumento177

A funccedilatildeo do Conselheiro nesse agon eacute cobrar de Lisiacutestrata

esclarecimentos de seu plano (vv 486 493 497 502 506) No final esse agon se encerra

com um movimento de cena burlesco a caricatura fuacutenebre do Conselheiro A cena se constroacutei

por uma metaacutefora em que a refutaccedilatildeo dele eacute materializada pela imagem moacuterbida a que ele foi

resumido Nessa cena o discurso constroacutei a imagem No decorrer da discussatildeo entre Lisiacutestrata

e o Conselheiro ela com a ajuda das mulheres178

o envolve com acessoacuterios femininos (veacuteu

faixas corbelhas e coroa) que o caracterizam num defunto Trata-se de uma amostra do que

ocorre com sua natildeo-defesa o discurso da heroiacutena envolve o discurso de seu adversaacuterio por um

veacuteu de palavras as pequenas faixas em torno do corpo dele mostram uma imobilizaccedilatildeo

verbal na corbelha que ele segura caberiam os conselhos de Lisiacutestrata ao povo ateniense e a

coroa fuacutenebre na cabeccedila dele sela a discussatildeo

Λυ οῦ δεῖ τί ποθεῖς χώρει lsquoς τήν ναῦν

ὁ Χάρων σε καλεῖ

σύ δὲ κωλύεις ἀνάγεσθαι (vv 605-607)

Dissolvetropa Falta alguma coisa O que vocecirc deseja Vaacute para o barco Caronte estaacute chamando

vocecirc o impede de zarpar

176 A esse respeito cf Konstan (1993 p 434) 177 Para Mazon (1904 p 117) Aristoacutefanes estava passando pela mesma conjuntura de Acarnenses (425 aC) em

que o poeta natildeo podia abordar de frente a questatildeo da guerra Assim em 411 aC ele reduz quase a nada a

tese adversa agrave heroiacutena 178 Na ediccedilatildeo de Sommerstein (1990) natildeo haacute indicaccedilatildeo de quem seja as mulheres que participam do agon Jaacute na

ediccedilatildeo de Victor Coulon (1950) trata-se das personagens Cleonice e Mirrina Segundo Gelzer (1960 p 124-

125) Cleonice tem a funccedilatildeo de bomolochos porque eacute co-oradora no bate-boca aleacutem de co-adjuvante no

momento de caracterizaccedilatildeo do Conselheiro

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

152

Portanto um discurso morto que estaacute materializado em cena Segundo Gelzer

(1960 p 53-54) o ponto principal desse agon eacute o conteuacutedo do discurso de Lisiacutestrata quanto agrave

figura de Conselheiro cuja funccedilatildeo estaacute proacutexima da de um bomolochos (GELZER 1960 p

125) serve apenas para dar a ela a oportunidade de proferi-lo No caso a cena ilustra o

conteuacutedo do que eacute dito de modo justamente dramaacutetico

Apoacutes essa cena eacute chegada a vez do enfrentamento dos dois semicoros na

paraacutebase Para Thiercy (1997 p 1223) como essa seccedilatildeo eacute irregular tanto na forma quanto no

conteuacutedo talvez essa passagem possa ser considerada como um quasi-agon devido agrave

hostilidade entre os coros Na anaacutelise de Sommerstein (1990 p 186) a paraacutebase apresenta a

siziacutegia epirremaacutetica duplicada que se explica pela divisatildeo do coro em dois semicoros que a

executam alternadamente com dois blocos cantados o que soma no total quatro blocos que

comeccedilam com o despojamento de uma parte do figurino e termina com uma ameaccedila de

violecircncia Nessa mesma linha interpretativa Russo (1994 p 168) comenta a natureza

agoniacutestica da paraacutebase

The agonistic parabasis of the two semi-choruses which begins directly afterwards

(lines 614-705) takes up from and is also profoundly influenced by the political

and feminist arguments aired by Lysistrata during her exposition of the motives for the occupation of the Acropolis

Proacutelogo paacuterodo agon e paraacutebase se amalgamam na forma e no conteuacutedo

evidenciando uma contaminatio entre essas seccedilotildees o proacutelogo anuncia o conflito que se realiza

no paacuterodo que por sua vez se estende no agon cuja tese eacute prorrogada na paraacutebase179

e nas

cenas episoacutedicas entre marido e mulher que potildeem em risco o plano da heroiacutena

A cena de juramento no proacutelogo estabelece a relaccedilatildeo direta com as cenas

conjugais em que o juramento agrave abstinecircncia sexual das mulheres eacute colocado agrave prova numa

179 De acordo com Duarte (2000 p 170-172) uma vez que a siziacutegia epirremaacutetica eacute comum ao paacuterodo agon e

paraacutebase alguns autores como Zielinsi Dover e Henderson hesitam na classificaccedilatildeo dos vv 614-705 de

paraacutebase E na interpretaccedilatildeo de Thiercy (2007 p 137) essa paraacutebase ainda que irregular na forma e no

conteuacutedo deva ser talvez considerada como um quasi-agon

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

153

situaccedilatildeo conflitante com seus esposos Por causa de uma treacutegua os homens voltam as suas

casas o que provoca uma agitaccedilatildeo entre as mulheres que conjuradas na acroacutepole procuram

uma desculpa para estar em seus lares (vv 706-80) Na interpretaccedilatildeo de Mazon (1904 p

118) pode-se ver nessa cena uma peripeacutecia Lisiacutestrata previu que a continecircncia seria um

castigo para os homens mas ela natildeo supocircs que as mulheres tambeacutem sofreriam pondo em

risco seu plano A cena protagonizada por Cineacutesias e Mirrina (vv 829-1013) pode ser

entendida como uma metoniacutemia falofoacuterica o ateniense Cineacutesias eacute o exemplo do que se passa

com todos os homens gregos

Κη ὀρσὰ Λακεδαίμων πᾶά καὶ τοὶ σύμμαχοι

ἅπαντες ἐστύκαντι Πελλάνας δὲ δεῖ (vv 995-996)

Arauto Toda a Lacedemocircnia estaacute ereta e os aliados

todos com tesatildeo Precisamos de nossas ordenhadeiras

A conexatildeo entre as seccedilotildees da comeacutedia eacute mantida natildeo apenas pela accedilatildeo hostil entre

semicoros mas tambeacutem pelas pequenas cenas episoacutedicas que asseguram uma continuidade

temaacutetica e sistemaacutetica ou ―vinculaccedilatildeo de motivos180

conforme expressatildeo empregada por

Gelzer (1960 p 70-71) Trata-se da configuraccedilatildeo de modo conexo entre a primeira parte da

comeacutedia ou seja proacutelogo paacuterodo agon e paraacutebase com a segunda parte da peccedila que

compreende as cenas episoacutedicas e a adversidade dos interluacutedios entre os semicoros Isso

assegura agrave accedilatildeo uma continuidade sistemaacutetica que nesta anaacutelise se entende como um

complexo agoniacutestico no qual coadunam as outras seccedilotildees da peccedila que possibilitam o confronto

que sendo mais acentuado entre os semicoros do que entre personagens age como um fator

compensatoacuterio de um agon que se apresenta descaracterizado pela discussatildeo unilateral A

comeacutedia como um todo eacute praticamente um imenso agon

Em se tratando de um agon expositivo e unilateral tudo leva a crer que

Aristoacutefanes preferiu a unilateralidade agrave bilateralidade dos argumentos entre as partes por

180 A expressatildeo em alematildeo eacute motivische Verknuumlpfung Trata-se de uma motivaccedilatildeo no sentido de se fazer uma

exposiccedilatildeo de motivos ou causa

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

154

conta de uma progressatildeo da accedilatildeo que estaacute amparada na contenda permanente entre os dois

semicoros que assumem de fato o papel de antagonistas bem mais do que a heroiacutena

Lisiacutestrata e seu opositor Conselheiro Dessa maneira o que faltou nesse agon que o

descaracteriza como discussatildeo unilateral eacute compensado no paacuterodo e tambeacutem na paraacutebase181

com o confronto entre os dois semicoros

Pickard-Cambridge (1966 p 226) e Adrados (1983 p 179-180) cogitam a

presenccedila de um outro agon (vv 1014-1042) entre os dois semicoros E Adrados vai ainda

mais longe em sua interpretaccedilatildeo considerando que a estrutura da comeacutedia comporta cinco

agones a comeccedilar pelo paacuterodo (vv 254-385) com o agon entre as partes do coro bipartido

como no paacuterodo de Acarnenses no segundo agon (vv 387-613) haacute o partidarismo dos

semicoros agraves personagens Lisiacutestrata e Conselheiro em que a heroiacutena explica seu projeto o

terceiro agon (vv 614-705) eacute muito semelhante ao primeiro pois os semicoros retomam a

disputa numa cena de ameaccedilas e escaacuternios no quarto agon (vv 781-828) a adversidade entre

os semicoros continua seguida da cena de Cineacutesias com Mirrina e da chegada do mensageiro

lacedemocircnio por fim no quinto agon (vv 1013 ss) haacute uma negociaccedilatildeo que culmina na

reconciliaccedilatildeo o que garante o final feliz da comeacutedia

Mas natildeo se trata de um novo conflito senatildeo a continuaccedilatildeo de uma contenda entre

coros que teve iniacutecio no paacuterodo e se manteacutem constante nas outras seccedilotildees da peccedila inclusive no

agon epirremaacutetico de natureza unilateral e expositiva que estaacute anexado a um complexo

agoniacutestico cujo desfecho eacute uma cena de reconciliaccedilatildeo jaacute no final da comeacutedia182

181 A respeito da anaacutelise da paraacutebase de Lisiacutestrata cf Duarte (2000 p 168-187) 182 Esses dois semicoros estatildeo presentes em dois terccedilos da peccedila e a reconciliaccedilatildeo entre eles soacute vai ocorrer no v

1036 numa comeacutedia de 1320 versos

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

155

3 Assembleacuteia de mulheres183

falando de homem para homem (agon de exposiccedilatildeo e centro

da accedilatildeo)

O agon em Assembleacuteia de mulheres natildeo eacute a uacutenica seccedilatildeo que apresenta

peculiaridades dentro da estrutura narrativa da comeacutedia que eacute comparando com as outras

peccedilas que mantecircm a sequumlecircncia proacutelogo-paacuterodo-agon-paraacutebase bastante modificada

A narrativa dramaacutetica comeccedila in medias res em que o plano de Praacutexagora estaacute

sendo executado por ela e suas aliadas que disfarccediladas de homens se dirigem agrave Pnix para

votar a ginecocracia Nesse contexto proacutelogo e paacuterodo tecircm accedilotildees concomitantes por conta da

entrada e saiacuteda do coro feminino logo no iniacutecio o que vai resultar numa segunda entrada do

coro e consequumlentemente num segundo proacutelogo (vv 311-477) e num segundo paacuterodo (vv

478-519) (MAZON 1904 p 151-152 PICKARD-CAMBRIDGE 1966 p 229 RUSSO

1994 p 221) a paraacutebase estaacute ausente e o agon se apresenta simplificado na forma e

descaracterizado no conteuacutedo Com essa estrutura tatildeo particular a anaacutelise presente se propotildee

a demonstrar qual a funccedilatildeo e a natureza do agon em Assembleacuteia de mulheres focalizando a

relaccedilatildeo do agon com o final do proacutelogo com a ausecircncia de paraacutebase e com as cenas

episoacutedicas

Quanto agrave forma esse agon eacute desprovido da siziacutegia epirremaacutetica devido agrave

inexistecircncia das partes simeacutetricas Assim sua estrutura apresenta a seguinte composiccedilatildeo184

183 Assembleacuteia de mulheres (392 aC) eacute uma comeacutedia que tem pontos em comum com Lisiacutesitrata e

Tesmoforiantes O propoacutesito de Assembleacuteia de mulheres eacute como em Lisiacutestrata uma conspiraccedilatildeo feminina

num universo poliacutetico essencialmente masculino Entretanto em Lisiacutestrata a revoluccedilatildeo transpotildee as muralhas

da polis enquanto que em Assembleacuteia de mulheres a accedilatildeo das mulheres eacute direcionada para uma questatildeo

soacutecio-econocircmica interna da polis as atenienses lideradas por Praxaacutegora infiltram-se na assembleacuteia para votar

uma nova constituiccedilatildeo que concebida sobre a redistribuiccedilatildeo equumlitativa de bens assegura ao sexo feminino a

gestatildeo nos assuntos poliacuteticos Para a participaccedilatildeo na assembleacuteia as mulheres precisam de um disfarce que eacute

um traccedilo comum com Tesmoforiantes mas com a seguinte ressalva em Assembleacuteia de mulheres o disfarce eacute masculino em Tesmoforiantes eacute feminino

184 De acordo com Gelzer (1960 p xiii) Pickard-Cambridge (1966 p 229) e Sommerstein (1998 p 188) Jaacute

Moumlllendorff (2002 p 117) inclui a sphragis Poreacutem Mazon (1904 p 154) propotildee outra divisatildeo ode (vv

571-581) katakeleusmos (vv 582-583) epirrema (vv 584-588) pnigos (vv 589-709)

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

156

ode (vv 571-580)

katakeleusmos (vv 581-582)

epirrema (vv 583-688)

pnigos (vv 689-709)

Haacute duas razotildees que parecem explicar o porquecirc de essa estrutura ser tatildeo reduzida

Uma eacute de caraacuteter externo agrave comeacutedia e a outra se refere agrave proacutepria estrutura da peccedila logo de

caraacuteter interno Quanto agrave primeira para Gelzer (1996 p 71) fica claro que ocorreu a

simplificaccedilatildeo da forma porque por razotildees conjunturais a comeacutedia sofre nesse periacuteodo um

recuo das funccedilotildees do coro185

No que concerne agrave segunda a cena de agon (vv 571-709) se

relaciona agrave cena anterior (vv 504-570) em que a accedilatildeo direciona-se para uma discussatildeo186

de

caraacuteter privado Mazon (1904 p 160) classificou-a de cena de introduccedilatildeo do agon que

poderia ser tambeacutem uma cena preparatoacuteria para o agon portanto se trataria de um proagon O

assunto da contenda nessa cena que antecede o agon eacute o destino da cidade (vv 558-559) em

cuja accedilatildeo estatildeo presentes trecircs personagens Praxaacutegora Bleacutepiros opositor e esposo e o

Vizinho que se interpotildee entre eles e se coloca do lado de Bleacutepiros Quando ambos comeccedilam

por agrave prova se Praxaacutegora tem ou natildeo razatildeo (vv 569-570) inicia-se o agon

Na ode o coro cumpre sua funccedilatildeo de conselheiro advertindo Praxaacutegora de que

ela deve elaborar um raciociacutenio prudente e saacutebio (πυκνήν φρένα καί φιλόσοφον) E no

katakeleusmos suas palavras satildeo de acircnimo Encorajada pelo coro a heroiacutena faz jus a seu

nome Praxaacutegora ―aquela que age na aacutegora o que delega a ela a funccedilatildeo de poneros cuja

habilidade retoacuterica eacute suficiente para expor seu ponto de vista (vv 624-625 644 662 680) que

eacute aceito pelos dois atenienses que se manifestam favoraacuteveis a ela no final do agon

Na parte epirremaacutetica Praxaacutegora comeccedila seu discurso por um exoacuterdio como

fazem os oradores (vv 583-585) pedindo a colaboraccedilatildeo dos ouvintes para natildeo ser

185 A propoacutesito das funccedilotildees do coro na comeacutedia do seacuteculo IV cf o artigo de Rothwell Jr (1995 p 99-118) 186 Gelzer (1960 p 52) classifica essa cena precedente ao agon como uma disputa portanto parte da diallage

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

157

interrompida (vv 588-89) Entretanto a exposiccedilatildeo de seu programa de governo que prioriza

dinheiro (vv 590-610) sexo (vv 611-650 693-709) e comida (vv 599-652 675-690) para

todos se desenvolve em meio aos apartes e tiradas de Bleacutepiros e Vizinho187

que exercem a

funccedilatildeo de bomolochos Bleacutepiros no papel de marido da Praxaacutegora faz algumas objeccedilotildees mas

nada que caracterize o conflito nem a oposiccedilatildeo ao plano da heroiacutena que aliaacutes jaacute estaacute

consumado Diante das explicaccedilotildees e esclarecimentos de Praxaacutegora ele acrescenta a fala dela

algumas glosas (vv 596 630 648 650 687) que ganham comicidade com a participaccedilatildeo do

Vizinho (vv 647 649 668) que na condiccedilatildeo de acompanhante de Bleacutepiros compotildee com o

amigo uma dupla histriocircnica

Se na cena anterior ao agon Praxaacutegora natildeo teve a chance de expor sua plataforma

de governo eacute no agon que ela vai se pronunciar O uacutenico epirrema consagrado agrave fala dela estaacute

por conta desse conteuacutedo logo a forma estaacute adequada ao conteuacutedo

As anaacutelises a propoacutesito da classificaccedilatildeo desse agon se divergem em relaccedilatildeo a

consideraacute-lo como um agon de natureza persuasiva Para Sommerstein (1998 p 188) trata-se

de um exerciacutecio de persuasatildeo como em Aves Entretanto Pisetero tinha o coro como

adversaacuterio o que natildeo ocorre em Assembleacuteia de mulheres Jaacute no exame de Thiercy (1997 p

1290) Praxaacutegora natildeo precisa convencer quem quer que seja nem as mulheres que desde o

proacutelogo jaacute satildeo adeptas do plano nem mesmo os homens que soacute se datildeo conta da situaccedilatildeo

quando o plano jaacute estaacute alcanccedilado Eles natildeo tecircm a funccedilatildeo de adversaacuterios ao projeto da heroiacutena

como o Conselheiro e o semicoro de velhos em Lisiacutestrata Seguindo essa linha de raciociacutenio

Long (1972 p 291-292) entende que o jogo natildeo eacute de persuasatildeo mas de demonstraccedilatildeo this

use is therefore stlyled epideictic E ainda ele chama a atenccedilatildeo para a impropriedade da

palavra Verhandlung (negociaccedilatildeo) empregada por Gelzer (1960) ao analisar o agon de

Assembleacuteia de mulheres Segundo Long se se trata de uma demonstraccedilatildeo sem qualquer

187 De acordo com a ediccedilatildeo de Sommerstein (1998) Mas Thiercy (1997) por exemplo considera que a terceira

personagem nesse agon eacute Cremes

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

158

nuanccedila de persuasatildeo entatildeo natildeo haacute negociaccedilatildeo De fato a negociaccedilatildeo natildeo existe porque o

plano da heroiacutena jaacute estaacute consumado desde o proacutelogo ela natildeo encontrou nenhum obstaacuteculo

para a execuccedilatildeo de sua empresa Uma vez realizado o projeto cabe a ela dar apenas

esclarecimentos O emprego do verbo ἀρέσκω (agradar parecer bom satisfazer) no final da

discussatildeo se refere mais a um sentido de fechamento conclusivo de uma exposiccedilatildeo de

natureza mais demonstrativa do que persuasiva Daiacute entendermos que essa natureza epidiacutetica

o torna um agon de exposiccedilatildeo

Πρ φέρε νυν φράσον μοι ταῦτrsquoἀρέσκει σφῶν

Βλ καὶ Γε πάνυ (v 710)

Pr Agora vamos Digam-me isso agrada aos dois

Bl e Cr Agrada sim

Jaacute no fim do proacutelogo Cremes traz ao voltar da assembleacuteia a notiacutecia de que na

sessatildeo se votou o decreto proposto por um orador referente agrave ascensatildeo das mulheres ao

poder

Χρ μετὰ τοῦτο τοίνυν εὐπρετὴς νεανίας

λευκός τις ἀνεπήδησrsquo ὅμοιος Νικίᾳ

δημηγορήσων κἀπεχείρησεν λέγειν

ὠς χρὴ παραδοῦναι ταῖς γυναιξὶ τὴν πόλιν (vv 427-430)

Cr Bom Apoacutes isso um belo rapaz com uma tez clara se lanccedilou como Niacutecias

para falar agrave assembleacuteia ele comeccedilou dizendo

que era preciso confiar a cidade agraves mulheres

No proacutelogo temos o plano da heroiacutena executado mas natildeo temos como foi seu

discurso na Pnix O discurso de Praxaacutegora parece ser no agon o discurso feito na assembleacuteia

Assim como a heroiacutena encarou a assembleacuteia ela enfrenta no agon Bleacutepiros e Cremes

explicando e demonstrando como a ginecocracia eacute mais eficiente que a androcracia Aliaacutes

natildeo eacute apenas aos homens que Praxaacutegora vai se dirigir mas tambeacutem ao puacuteblico (vv 584-585)

o que sugere que esse agon tem uma natureza parabaacutetica Nesse momento da peccedila o teatro

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

159

enquanto espaccedilo fiacutesico passa a ser a assembleacuteia Trata-se de uma compensaccedilatildeo estrutural jaacute

que a comeacutedia natildeo tem paraacutebase

Essa questatildeo parabaacutetica eacute polecircmica E segundo Duarte (2000 p 226-228) o fato

de haver ruptura de ilusatildeo dramaacutetica quando Praxaacutegora dirige sua fala ao puacuteblico natildeo

classifica seu pronunciamento como parabaacutetico188

Contrariamente Van Daele (apud

DUARTE 2000 p 226) e Hubbard (apud DUARTE 2000 p 227) consideram que esse

agon nos vv 578-709 estaacute no lugar da paraacutebase e Henderson (apud DUARTE 2000 p 228)

comenta que o tom do discurso de Praxaacutegora no agon de Assembleacuteia de mulheres eacute muito

semelhante ao discurso de Lisiacutestrata no agon de Lisiacutestrata que eacute por alguns tido como

parabaacutetico

Considerando que essa cena de agon estaacute localizada no meio da estrutura da

comeacutedia ndash a ponto de se pensar que essa seccedilatildeo tivesse a funccedilatildeo de uma paraacutebase jaacute que em

tese eacute a paraacutebase que estabelece o fim da primeira parte e o comeccedilo da segunda na comeacutedia ndash

o agon se articula tanto com a primeira parte da peccedila em que o plano da heroiacutena que natildeo

encontra opositor necessita de uma exposiccedilatildeo quanto com a segunda metade da comeacutedia em

que aparecem as consequumlecircncias dessa empresa

No agon a exposiccedilatildeo do programa de Praxaacutegora se fundamenta particularmente

em trecircs plataformas i) econocircmico depoacutesito e divisatildeo comum de bens ii) sexual regimento

das atividades sexuais iii) alimentar comida para todos Durante a segunda parte da comeacutedia

o ―programa boca-livre fica subentendido no decorrer da accedilatildeo (vv 715-716 834-852 1112-

1183) Jaacute as outras duas plataformas satildeo assunto de cenas independentes em que a heroiacutena

estaacute ausente189

Diferentemente de Aves e Lisiacutestrata em que Pisetero e Lisiacutestrata encaram as

188 Para Duarte (2000) o puacuteblico passa a ser tambeacutem um ator porque o interlocutor do discurso de Praxaacutegora

como governante da polis satildeo os atenienses ―o teatro se transforma na Pnix diz a autora O espectador entra portanto no jogo teatral se auto-representando como cidadatildeo ateniense

189 Antes de a segunda parte comeccedilar Praacutexagora deixa definitivamente a cena Os manuscritos natildeo indicam quais

satildeo as personagens que participam das cenas subsequumlentes Para Thiercy (1997 p 1305-1306) a cena que se

refere aos bens eacute aberta com Cremes Mas o proacuteprio autor admite que possa ser um vizinho anocircnimo de

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

160

consequumlecircncias de seus planos respectivamente Todavia tanto em Aves quanto em Lisiacutestrata

e Assembleacuteia de mulheres o agon de cada uma dessas comeacutedias tem consequumlecircncias nas cenas

episoacutedicas subsequumlentes

Haacute um reflexo direto entre a cena que expotildee a questatildeo dos bens (vv 730-833 853-

876) com o discurso de Praxaacutegora exposto no agon Essa cena (vv 730-876) eacute protagonizada

por dois atenienses com pontos de vistas completamente diferentes Um deles cumpre seu

dever de cidadatildeo respeitando o que foi votado enquanto que o outro eacute totalmente ceacuteptico agrave

nova ordem econocircmica

Γε μὰ Δί lsquo ἀλλrsquo ἀποφέρειν αυτὰ μέλλω τῆ πόλει

εἰς τὴν ἀγπρὰν κατὰ τοὺς δεδογμένος νόμος

Αν μέλλεις ἀποφέρειν

Γε πάνυ γε (vv 758-760)

Viz1 Natildeo por Zeus Mas tenho a intenccedilatildeo de levar essas coisas para a cidade em direccedilatildeo agrave Aacutegora conforme as leis votadas

Viz2 Vocecirc tem a intenccedilatildeo de levar

Viz1 Tenho

Ao longo da conversa as esticomitias e os chistes proporcionam dinamismo e

comicidade agrave conversaccedilatildeo em que se pode resgatar o conteuacutedo da exposiccedilatildeo do plano de

Praxaacutegora no agon Assim como essa cena ilustra a instituiccedilatildeo de bens para todos a proacutexima

cena (vv 877-1111) vai ilustrar a instituiccedilatildeo de sexo para todos portanto mais uma referecircncia

ao projeto da heroiacutena exposto no agon

Γρ καὶ δή σοι λέγω

ἔδοξε ταῖς γυναιξίν ἥν ἀνὴρ νέος

νέας ἐπιθυμῆ μὴ σποδεῖν αὐτὴν πρὶν ἅν

τὴν γραῦν προκρούσῃ πρῶτον ἥν δὲ μὴ θέλῃ

πρότερον προκρούειν ἀλλrsquo επιθυμῆ τς νέας

ταῖς πρεσβυτέραις γυναιξιν ἔστω τὸν νέον

ἕλκειν ἀνατεὶ λαβομένας τοῦ παττάλου (vv 1015-1020)

Blepiros e Praxaacutegora Essa interpretaccedilatildeo tambeacutem eacute de Sommerstein (1998 p 202-203) que atribui duas

personagens em cena um vizinho e um homem dissidente

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

161

Velha Bom entatildeo eu te digo

Foi decretado pelas mulheres si um jovem

deseja uma jovem ele natildeo deve regaccedilaacute-la antes de primeiro ferrar uma velha E se ele recusar

ferraacute-la primeiro e desejar a jovem

as velhas teratildeo o direito de puxar sem doacute o jovem

pegando-o pela canela

Nessa passagem em discurso direto ecoa a exposiccedilatildeo de Praxaacutegora no agon (vv

617-618) e como bem observou Sommerstein (1998 p 225) essa passagem eacute uma paraacutefrase

dos vv 618 626-629 em que as pessoas feias teriam prioridades sobre aquelas privilegiadas

fisicamente

De acordo com Gelzer (1960 p 64) apesar de a comeacutedia natildeo ter nem paacuterodo no

sentido estrito nem paraacutebase a accedilatildeo se divide em duas partes sendo que na primeira se

produz uma situaccedilatildeo cujas consequumlecircncias satildeo apresentadas na segunda Por essa razatildeo o

agon em Assembleacuteia de mulheres estaacute no centro da accedilatildeo porque ele se liga tanto agrave primeira

metade em que no iniacutecio Praxaacutegora potildee em operaccedilatildeo seu plano para depois demonstrar que

seu programa eacute exequumliacutevel quanto agrave segunda metade em cujas cenas episoacutedicas subsequumlentes

ocorre uma decorrecircncia do projeto da heroiacutena

Essas cenas episoacutedicas mostram que se trata de uma empresa utoacutepica e absurda

Na interpretaccedilatildeo de Cartledge (2001 p 33) o ingrediente central no humor das personagens

femininas de Aristoacutefanes eacute a mistura do lugar-comum com o absurdo do miacutetico com o real

Lisiacutestrata e Praxaacutegora satildeo as representantes visionaacuterias das heroiacutenas cocircmicas em meio a um

elenco de heroacuteis que como Pisetero e os outros conforme vimos nos capiacutetulos anteriores

tambeacutem natildeo deixam de ter em diferentes graus suas utopias engendradas em planos

mirabolantes E o uacuteltimo que nos restou ndash como heroacutei excecircntrico ndash responde pelo nome de

Crecircmilo na comeacutedia Pluto

CAPIacuteTULO V

O UacuteLTIMO AGON

Cap V mdash O uacuteltimo agon 163

Pluto190

a riqueza do conflito (agon ad absurdum e centro da accedilatildeo)

Ao contraacuterio da comeacutedia Assembleacuteia de mulheres que possui uma estrutura

narrativa bastante peculiar a estrutura narrativa de Pluto se aproxima apesar da reduccedilatildeo do

papel do coro da maior parte das estruturas das comeacutedias de Aristoacutefanes191

accedilatildeo progressiva

ateacute a paraacutebase que estabelece a primeira parte da peccedila e em seguida ocorre uma seacuterie de

cenas episoacutedicas que ilustram as consequumlecircncias do plano do heroacutei Na fabulaccedilatildeo de Pluto natildeo

existe entretanto a paraacutebase o que confere ao agon a funccedilatildeo de divisor da peccedila e portanto

uma seccedilatildeo central no drama De acordo com Russo (1994 p 229-230) a primeira parte da

comeacutedia termina no agon porque em seguida onde se esperaria a paraacutebase iniciam-se as

cenas episoacutedicas que compotildeem a segunda parte da comeacutedia

A progressatildeo dramaacutetica eacute desde o proacutelogo movida por peripeacutecias No iniacutecio da

peccedila quando a accedilatildeo parece indicar que a temaacutetica da comeacutedia eacute a preocupaccedilatildeo de um pobre

velho agricultor que atende pelo nome de Crecircmilo com a educaccedilatildeo do filho haacute uma

mudanccedila de percurso e o assunto passa a ser a cura da cegueira de Pluto deus da riqueza A

partir disso fica estabelecido o projeto do heroacutei com a visatildeo Pluto poderaacute num primeiro

momento beneficiar as pessoas honestas como o proacuteprio Crecircmilo e depois banir a pobreza

da Greacutecia Mas esse projeto vai encontrar um opositor que surge inesperadamente em cena e

nesse momento haacute uma nova peripeacutecia porque nenhuma accedilatildeo antecedente prevecirc a apariccedilatildeo de

Penia alegoria que representa a pobreza Antes de o confronto comeccedilar haacute uma cena

190 Pluto (388 aC) comeacutedia que nos chegou na iacutentegra eacute a segunda versatildeo de uma outra peccedila de mesmo nome

(408 aC) A intriga se reduz a uma simples alegoria que satiriza a crise soacutecio-econocircmica pela qual Atenas passava e tambeacutem potildee em discussatildeo valores eacuteticos em relaccedilatildeo agrave riqueza e agrave pobreza assunto discutido no

agon da comeacutedia 191 Para Thiercy (2007 p 180) a progressatildeo dramaacutetica de Pluto se aproxima da progressatildeo de Acarnenses e Paz

com a divisatildeo da comeacutedia em dois grandes ―atos

Cap V mdash O uacuteltimo agon 164

preparatoacuteria192

(vv 415-486) cuja accedilatildeo gira em torno do reconhecimento do adversaacuterio que

revela sua identidade

Πε Πενία μὲν οὖν ἥ σφν ξυνοικῶ πόλλrsquoἔτη (v 437)

Pe A Pobreza isso sim Aquela que convive com vocecircs dois Crecircmilo e

Blepsidemo faz uns bons anos

Penia eacute um conceito abstrato com manifestaccedilotildees concretas (FERNAacuteNDEZ 2002

p 95) representando a personificaccedilatildeo de uma conjuntura social agrave qual o heroacutei pertence e da

qual ele natildeo quer mais fazer parte Ela representa na estrutura narrativa o obstaacuteculo

(SIFAKIS 1992 p 130-131) para o heroacutei realizar seu plano e como tal deve ser instalado na

seccedilatildeo da comeacutedia mais proacutepria a essa situaccedilatildeo o agon Em se tratando de uma personagem

nova ao enredo cabe ao proagon apresentar quem eacute o oponente de Crecircmilo para que em

seguida os adversaacuterios selem o acordo e estabeleccedilam a puniccedilatildeo para o perdedor (vv 480-

484) Assim feito a negociaccedilatildeo193

comeccedila e cada litigante vai expor sua tese que seraacute

defendia no agon cuja estrutura eacute assimeacutetrica e reduzida conforme se pode constatar a

seguir

katakeleusmos (vv 486-487)

epirrema (vv 488-597)

pnigos (vv 598-618)

A ausecircncia da ode se explica por causa da reduccedilatildeo do papel do coro na fabulaccedilatildeo

como ocorre com Assembleacuteia de mulheres No katakeleusmos o coro de agricultores que eacute

favoraacutevel ao heroacutei anima-o para a discussatildeo Essa eacute a uacutenica participaccedilatildeo do coro que embora

privado do papel de aacuterbitro mostra-se observador (FERNAacuteNDEZ 2002 p 59) da accedilatildeo ao

192 Mazon (1904 p 167) denomina essa cena de ―introduccedilatildeo do agon enquanto Pickard-Cambridge (1966 p

229) a chama de proagon Penia eacute uma personagem nova na fabulaccedilatildeo assim como os Raciociacutenios em Nuvens portanto eacute necessaacuterio que haja uma cena antecedente ao agon que a introduza na trama

193 Na anaacutelise de Gelzer (1960 p 52 64) das quatro partes da diallage ndash disputa acordo negociaccedilatildeo e sentenccedila

ndash as duas primeiras estatildeo no proagon a negociaccedilatildeo eacute o agon e natildeo haacute sentenccedila porque o acordo natildeo se

cumpre quando Penia eacute escorraccedilada o que compromete toda diallage

Cap V mdash O uacuteltimo agon 165

reconhecer que Penia eacute uma ameaccedila ao plano do heroacutei por isso o corifeu adverte o heroacutei de

que eacute preciso vencecirc-la com palavras saacutebias (τι λέγειν σοφόν) contradizendo-a nos discursos

(ἐν τοῖσι λόγοις ἀντιλέγοντες) O emprego do verbo ἀντιλέγω sinaliza a natureza

antiteacutetica desse agon em que para cada argumento haveraacute uma reacuteplica agrave altura num jogo bem

articulado de palavras ao gosto dos concursos de retoacuterica e dos princiacutepios da sofiacutestica No

debate haacute trecircs pontos capitais i) entre Pobreza e Riqueza qual delas eacute um bem na relaccedilatildeo

trabalho versus oacutecio (vv 532-534) ii) qual delas eacute mais saudaacutevel na relaccedilatildeo ao aspecto fiacutesico

(vv 557-651) iii) qual delas eacute mais eacutetica na relaccedilatildeo honestidade versus corrupccedilatildeo (vv 566-

570)

O epirrema inclui dois discursos antagocircnicos o de Crecircmilo (vv 489-506) e o de

Penia (vv 507-591) e os comentaacuterios jocosos de Blepsidemo cujas intervenccedilotildees natildeo trazem

prejuiacutezos ao andamento da discussatildeo porque sua funccedilatildeo de bomolochos funciona apenas

como suporte humoriacutestico ao discurso do protagonista como Eveacutelpides em Aves por exemplo

Apoacutes o katakeleusmos o heroacutei toma a palavra e faz um longo pronunciamento (vv

489-506) interrompido pelo aparte de Blepsidemo (v 499) em apoio ao heroacutei De acordo com

o plano de Crecircmilo quando Pluto vir primeiramente recompensaraacute os bons e virtuosos e

fugiraacute dos maus depois faraacute que todos se tornem bons ricos e religiosos (vv 494 ss)

Penia argumenta que se todos fossem ricos nem bens nem serviccedilos seriam

produzidos Segundo ela as atividades humanas criam condiccedilotildees indispensaacuteveis agrave existecircncia

da sociedade particularmente agrave atividade material agrave produccedilatildeo decorrente de um trabalho ou

de uma funccedilatildeo (vv 510-515) Crecircmilo responde que essas tarefas seratildeo feitas pelos escravos

mas ele eacute incapaz de explicar satisfatoriamente como haveraacute escravos num projeto em que

todos seratildeo beneficiados pela riqueza Assim Penia demonstra quatildeo contraditoacuterio e utoacutepico eacute

o plano do heroacutei e que a vida dele no futuro seraacute pior que a atual (vv 522-526)

Cap V mdash O uacuteltimo agon 166

Na opiniatildeo de Gelzer (1960 p 54) Long (1972 p 297) e Thiercy (2007 p 288)

o discurso de Penia eacute muito eloquumlente seus argumentos satildeo fortes e haveria uma tendecircncia de

lhe confiar a vitoacuteria Sommerstein (1996 p 273-274) natildeo interpreta contudo as

argumentaccedilotildees de Penia como mais fortes e loacutegicas que as de Crecircmilo Para esse autor as

miseacuterias descritas por Crecircmilo (fome vv 536 543-544 545-546 insalubridade v 537

privaccedilotildees de conforto vv 540-543) satildeo argumentos que expotildeem problemas sociais pelos

quais passam Atenas no periacuteodo poacutes-guerra A esse cataacutelogo de desgraccedilas sociais

apresentadas por Crecircmilo Penia faz sua reacuteplica empregando a teacutecnica da antilogia194

num

jogo de ambiguumlidade entre miseacuteria e pobreza (vv 548-549) Segundo Sommerstein (1996 p

275) Penia desmonta servindo-se de preceitos sofiacutesticos o discurso de Crecircmilo ao separar a

miseacuteria como uma categoria diferente da pobreza Para ela a miseacuteria eacute de fato um mal

enquanto a pobreza que eacute o que ela representa eacute um bem (vv 552-553) porque seu lema eacute

trabalho e temperanccedila

Em suas palavras Penia defende a vida austera que se concentra no trabalho uma

vida sem excesso nem falta Tenta provar que representa a moderaccedilatildeo e Pluto a desmedida E

argumenta tambeacutem que faz cidadatildeos melhores que Pluto tanto no caraacuteter quanto no fiacutesico

Fisicamente os obesos os reumaacuteticos e os barrigudos satildeo produtos de Pluto diferente dos

dela magros de cintura fina de vespas e incocircmodos aos inimigos (vv 557-561) Crecircmilo

refuta dizendo que satildeo assim porque passam fome (v 562)

Segundo Albini (1985 p 433) Penia define-se como uma heranccedila espiritual do

homem a condiccedilatildeo indispensaacutevel para a existecircncia enquanto Pluto significa corrupccedilatildeo ruiacutena

material e moral Penia toma como exemplo os oradores quando satildeo pobres satildeo justos com o

povo e com a polis Todavia quando enriquecem agrave custa do dinheiro puacuteblico tornam-se

194 Α antilogia ndash ἀντιλογίαndash baseia-se na teoria dos δισσοί λόγοι ndash palavras ambiacuteguas ndash e torna-se o fulcro da

retoacuterica sofiacutestica A esse respeito cf Silva (1988 p 49)

Cap V mdash O uacuteltimo agon 167

injustos e conspiram contra o povo e fazem a guerra (vv 566-570) Nesse ponto Crecircmilo

concorda com ela mas natildeo se deixa convencer (vv 571-573)

Penia insiste em se afirmar como um bem Crecircmilo quer saber entatildeo por que as

pessoas fogem dela Em sua refutaccedilatildeo que eacute novamente balizada nos fundamentos

sofiacutesticos a razatildeo de as pessoas fugirem dela eacute que ela torna essas pessoas melhores e

exemplifica com a atitude das crianccedilas que fogem de seus pais porque esses soacute querem o bem

delas (vv 576-578)195

O uacuteltimo ponto a ser debatido potildee em questatildeo as posses de Zeus (vv 581-586) Na

interpretaccedilatildeo de Sommerstein (1996 p 279) Penia se supera na arte sofiacutestica ao dizer que

Zeus eacute pobre pois se fosse rico como quer Crecircmilo teria de coroar os atletas com uma coroa

de ouro e natildeo de oliveira (vv 585-587) Crecircmilo consegue entretanto inverter o discurso ao

demonstrar que com essa atitude Zeus guarda o ouro para si ampliando sua riqueza o que eacute

outro ponto refutaacutevel por Penia que mina o discurso de Crecircmilo rebatendo as palavras dele

contra ele mesmo natildeo se trata de um acuacutemulo de riqueza mas de um lado mesquinho e

avarento de Zeus (v 591)

O encerramento desse agon eacute inusitado quando comparado ao desfecho dos outros

agones epirremaacuteticos de natureza debatedora em que ou uma das partes admite a derrota

(Nuvens v 1102) ou o aacuterbitro declara o vencedor (Cavaleiros vv 943-959 Vespas vv 725-

726 e Ratildes vv 1467-1471) Crecircmilo reconhece a forccedila argumentativa do adversaacuterio mesmo

assim ele natildeo se daacute por ―con-vencido (οὐ γὰρ πείσεις οὐδrsquo ἥν πείσῃς v 600) Trata-se

de um jogo de palavras com o verbo πείθω (―persuadir ―convencer) que na opiniatildeo de

Thiercy (1997 p 1327) se refere a uma maacutexima ao estilo de Euriacutepides Jaacute para Sommerstein

(2001 p 178) mesmo que Crecircmilo admita que ele natildeo pode encontrar qualquer falha na

195 Essa mesma teacutecnica discursiva estaacute tambeacutem presente em Nuvens (vv 1409-1410) passagem em que Fidiacutepides

justifica o ato de bater em Estrepsiacuteades Trata-se de o filho ter boas intenccedilotildees com o pai como esse tinha ao

bater no filho quando crianccedila cf Nuvens infra

Cap V mdash O uacuteltimo agon 168

loacutegica dos discursos de Penia ainda assim ele natildeo concorda com os pontos de vista dela Na

interpretaccedilatildeo de Fernaacutendez (2002 p 342) as palavras de Crecircmilo se referem a uma ―sanccedilatildeo

da irrefutabilidade dos argumentos de Penia

No momento em que Penia vai comeccedilar o pnigos Crecircmilo procura abafar sua voz

com injuacuterias e insultos E Penia eacute rechaccedilada da cena Se na sua origem o agon era o episoacutedio

central do antigo komos e como diz Navarre (1911 p 250) um combat de gueule no pnigos

Crecircmilo e Penia enfrentam-se ―num bate-boca em que ―ganhar no grito justifica a ausecircncia

da sphragis e tambeacutem de um aacuterbitro que sentencie o vencedor Para Konstan e Dillon (1981

p 387) Penia e Pluto satildeo dois lados de um mesmo problema196

Isso mostra um equiliacutebrio

discursivo entre as partes antagocircnicas Crecircmilo como porta-voz (THIERCY 2007 p 286) de

Pluto contra Penia

As opiniotildees se divergem no exame desse agon quanto agrave sua importacircncia para a

estrutura narrativa da peccedila Mazon (1904 p 168) e Duchemin (1968 p 35) consideram-no

artificial porque para esses autores a maneira como Aristoacutefanes comeccedilou a comeacutedia Pluto

natildeo necessitaria de um agon mas o poeta quis compor um e introduziu uma personagem nova

que interveacutem somente nesse momento e desaparece depois Tambeacutem Whitman (1964 p 11)

julga que o agon de Pluto natildeo eacute crucial para o enredo

Contraposto as essas anaacutelises estaacute o estudo de Gelzer (1960 p 99) em que foi

bem observada a relaccedilatildeo inversamente direta entre proacutelogo e agon Esse autor examina a

relaccedilatildeo entre as seccedilotildees conforme o conteuacutedo e a forma No que concerne ao conteuacutedo o

discurso de Crecircmilo que preenche uma cena de persuasatildeo197

para convencer Pluto de que ele

196 Para esses autores a sabedoria popular de Aristoacutefanes antecipa uma reflexatildeo de Aristoacuteteles que observa na

Poliacutetica que para tudo haacute um limite natural exceto para o dinheiro que eacute pura quantidade Desse modo Pluto

governa um mundo em que o dinheiro dissolve a relaccedilatildeo de troca baseada na produccedilatildeo Segundo as palavras

aristoteacutelicas ―[] o dinheiro fora feito somente para troca o interesse ao contraacuterio multiplica esse mesmo dinheiro [] a usura eacute de todos os meios de aquisiccedilatildeo o mais contraacuterio agrave natureza (Poliacutetica 1258 a)

197 Uma cena de persuasatildeo no proacutelogo estaacute presente em Cavaleiros (vv 147 ss) em que Agoraacutecrito deve ser

convencido de seu talento para a poliacutetica e em Aves (vv 1-208) quando Pisetero precisa convencer as aves

da soberania delas sobre homens e deuses Nesses casos estaacute presente a equaccedilatildeo crenccediladescrenccedila o

Cap V mdash O uacuteltimo agon 169

representa um bem maior tem correspondecircncias invertidas ao discurso de Penia Na

passagem dos vv 135-145 Crecircmilo demonstra que tudo inclusive o proacuteprio Zeus estaacute

submetido agrave riqueza enquanto no excerto dos vv 579-591 Penia apregoa a pobreza de Zeus

Em outra passagem dos vv 160-169 Crecircmilo argumenta que Pluto eacute o criador das artes

porque os artesatildeos buscam a riqueza jaacute Penia dos vv 527-534 potildee em cheque o

desaparecimento das profissotildees se todos forem ricos Quanto agrave forma a estrutura do proacutelogo

diz Gelzer (1960) eacute semelhante agrave de um antepirrema primeiramente eacute feita a proacutetase (vv

128-129) em que Crecircmilo anuncia que pode provar que Pluto eacute mais poderoso que Zeus

depois seguem os argumentos (vv 130-189) para demonstrar o poder de Pluto e em seguida

a conclusatildeo (vv 190-197) na forma de pnigos em que eacute listada uma seacuterie de coisas das quais

as pessoas se saciam exceto da riqueza Convencido dos propoacutesitos de Crecircmilo Pluto aceita

entrar na casa do aldeatildeo (v 249) Gelzer (1960) entatildeo conclui que essas seccedilotildees se

complementam por se tratar de um episoacutedio dramaacutetico sob a forma de um agon epirremaacutetico

o que outorga ao proacutelogo uma natureza agoniacutestica Olson (1990 p 237) tambeacutem analisa a

relaccedilatildeo proacutelogoagon e segundo ele no proacutelogo (vv 130-135) Zeus eacute o responsaacutevel pela

perversidade econocircmica do mundo porque manteacutem a Riqueza para si e envia a Penia para os

homens Assim sendo o heroacutei estabelece seu plano a cura da cegueira de Pluto Esse plano eacute

ameaccedilado no agon por Penia que tenta dissuadir o heroacutei de natildeo prosseguir na empresa

Instaura-se entatildeo a tensatildeo dramaacutetica por meio de um conflito verbal que se desenvolve num

uacutenico epirrema Outra anaacutelise que fortalece essa tese mas dessa vez a relaccedilatildeo eacute paacuterodoagon

estaacute no estudo de A M Bowie (1995 p 287-288) para quem o agon encontra

correspondecircncias com a primeira parte da comeacutedia sobretudo no paacuterodo Para esse autor

pode-se determinar um paralelismo entre o canto de entrada do coro e o discurso de Penia a

condiccedilatildeo anti-social do mundo dos ciclopes exemplifica o tipo de sociedade que Penia teme

vendedor de salsichas e os paacutessaros demonstram num primeiro momento incredulidade diante das palavras

do persuasor

Cap V mdash O uacuteltimo agon 170

para os homens e a figura de Circe que vive ilhada e rodeada de animais seria emblemaacutetica

para a vida humana anunciada por Penia

Essa tese em defesa do meacuterito desse agon se amplifica nos estudos de Albini

(1985) e Flashar (1996) que o consideram o nuacutecleo da peccedila Segundo Albini (1985 p 433) a

maneira desonrosa como a Penia eacute expulsa da cena mostra o quanto eacute utoacutepico o plano de

Crecircmilo Na opiniatildeo de Flashar (1996 p 320) a estrutura truncada do agon natildeo eacute nem

acidental nem inuacutetil porque natildeo se trata de equilibrar pontos de vista opostos mas de expor e

expandir o plano do heroacutei e demonstrar que elementos utoacutepicos satildeo proacuteprios da comeacutedia E

ainda pode-se juntar a essas posiccedilotildees o estudo de Cartledge (2001 p 66-69) em que a obra de

Aristoacutefanes eacute analisada sob o prisma do absurdo a grande ideacuteia de Crecircmilo eacute tatildeo original

quanto implausiacutevel como os planos de Praxaacutegora ou Trigeu acrescentando Pisetero e

Diceoacutepolis heroacuteis que em seus devaneios se propotildeem a encontrar soluccedilotildees irreais para

problemas reais de ordem soacutecio-econocircmica Em meio a essa discussatildeo Moumlllendorff (2002 p

129) encontrou a expressatildeo exata ad absurdum para traduzir a natureza do agon em Pluto

Tal expressatildeo jaacute havia sido empregada por Gelzer (1960 p 53) para categorizar o agon II de

Nuvens cuja funccedilatildeo nessa comeacutedia eacute por meio do paralelismo com o primeiro agon conduzir

ad absurdum os argumentos

Do ponto de vista dramaacutetico de acordo com Gelzer (1960 p 55) o final violento

em que Penia eacute escorraccedilada da cena mostra que natildeo estaacute em questatildeo o meacuterito da vitoacuteria na

discussatildeo mas pocircr em relevo o valor da argumentaccedilatildeo chamar a atenccedilatildeo para o peso dos

argumentos no agon Crecircmilo e Penia discutem em peacute de igualdade revelando um equiliacutebrio

na poneria de cada um

Como bem observou Arnott (apud FERNAacuteNDEZ 2002 p 218) nessa discussatildeo

entre o heroacutei e seu adversaacuterio a atuaccedilatildeo eacute retoacuterica e a oratoacuteria eacute histriocircnica Para Whitman

(1964 p 58) haacute duas funccedilotildees predominantes poneria e alazoneiacutea porque segundo esse

Cap V mdash O uacuteltimo agon 171

autor o heroacutei cocircmico tem poneria uma arma muito rica e por causa de sua astuacutecia bravata e uma

total imaginaccedilatildeo dissociaacutevel ele realiza sua busca

The comic hero has poneria a far more resourceful weapon and by craft bravado and a wholly dissociative imagination he achieves the quest and climbs the brazen

heaven

Todavia na opiniatildeo de Thiercy (1997 p 1312) Crecircmilo eacute totalmente desprovido

de poneria comparado agrave esperteza de seu escravo Cariatildeo Jaacute McLeish (1980 p 54) atribui a

Crecircmilo a funccedilatildeo spoudaios juntamente com Pisetero Lisiacutestrata e Praxaacutegora por serem

personagens visionaacuterias com pouco grau de comicidade Essas divergecircncias demonstram a

grandeza multiforme da natureza do heroacutei cocircmico e a sua alta capacidade de adequaccedilatildeo agrave

situaccedilatildeo No entanto a poneria torna-se conforme as palavras acima de Whitman (1964)

uma marca desse heroacutei

No proacutelogo Pluto reconhece a laacutebia de Crecircmilo e de Cariatildeo (εὖ τοι λέγειν

ἔμοιγε φαίνεσθον πάνυ v 198) a ponto de se deixar convencer de que sua soberania

depende da cura de sua cegueira e no final aceita entrar na casa do heroacutei que passa a

conviver com a Riqueza Com esse desfecho o nome Χρήμιλος ostenta como eacute frequumlente

em Aristoacutefanes uma designaccedilatildeo significativa que se liga ao vocaacutebulo χρματος que sugere

aleacutem das outras conotaccedilotildees semacircnticas a ideacuteia de bens tesouro valor de posse

(CARTLEDGE 2001 p 66) E ainda pode-se considerar o verbo χρηματίζω que traz o

sentido de ―enriquecer ―tirar proveito o que de fato ocorre com Crecircmilo cujo status quo

desprivilegiado sofre uma reviravolta apoacutes a consulta ao oraacuteculo tornando-se um cidadatildeo

abastado Nesse sentido a poneria do heroacutei refere-se a sua esperteza que tirando proveito da

situaccedilatildeo lhe assegura uma outra realidade de vida Entretanto essa poneria vai a cheque-mate

no agon Para Penia seu adversaacuterio eacute por causa de suas palavras disparatadas e soltas no ar

(vv 574-575) incapaz de provar o contraacuterio do que ela argumenta o que a promove agrave funccedilatildeo

Cap V mdash O uacuteltimo agon 172

de poneros Portanto os litigantes vatildeo se enfrentar de acordo com o grau de poneria de cada

um num equiliacutebrio de forccedilas em que como natildeo haacute aacuterbitro e nenhuma das partes cede a outra

o desfecho dessa discussatildeo sela sua natureza ad absurdum

O plano do heroacutei exposto no proacutelogo pretende beneficiar apenas os justos (vv 95-

96) Com a cena do agon o plano inicial se expande e todos seratildeo contemplados e natildeo

somente os justos Pluto passaraacute a reinar sozinho e Penia seraacute banida Dessa maneira a cena

do agon eacute ao contraacuterio uma parte coerente e interdependente de toda a peccedila porque o

surgimento de Penia determina e estrutura os episoacutedios seguintes que compondo a segunda

parte da comeacutedia demonstram o quanto o projeto do heroacutei eacute utoacutepico e reforccedilam a natureza ad

absurdum desse agon

As cenas episoacutedicas ateacute o ecircxodo que compotildeem a segunda parte da comeacutedia como

consequumlecircncia do sucesso do plano do heroacutei decorrem apoacutes a cena de cura de Pluto

protagonizada pelo escravo Cariatildeo Nem todos se tornam ricos bons e religiosos conforme o

discurso de Crecircmilo Pelo contraacuterio o Sicofanta aparece para queixar-se da ruiacutena (vv 850-

958) Em que o Jovem amante que explorava a Velha rica eacute bom e justo para merecer a

riqueza (vv 975-1096) E ainda nas uacuteltimas cenas os homens depois de enriquecer natildeo satildeo

mais religiosos Na ausecircncia de sacrifiacutecio Hermes pede ajuda na casa de Crecircmilo (vv 1100-

1170) e o Sacerdote de Zeus reclama que os altares estatildeo abandonados (vv 1178-1184)

O agon de Pluto eacute portanto quanto ao conteuacutedo um elo central que se liga natildeo soacute

ao iniacutecio proacutelogo e paacuterodo mas tambeacutem agrave disposiccedilatildeo dos episoacutedios na segunda metade da

comeacutedia E a sua forma um uacutenico epirrema eacute bastante significativa para o estudo da

trajetoacuteria do agon epirremaacutetico nas comeacutedias supeacuterstites de Aristoacutefanes Segundo Mazon

(1904 165) a presenccedila de um uacutenico epirrema jaacute eacute um indiacutecio de que as formas simeacutetricas ndash

epirrema e antepirrema ndash tendem a desaparecer Assembleacuteia de mulheres e Pluto

Cap V mdash O uacuteltimo agon 173

documentam a extinccedilatildeo da paraacutebase e prenunciam o mesmo fenocircmeno para o agon

epirremaacutetico

Embora a Comeacutedia Antiga tenha sofrido mudanccedilas esteacuteticas radicais referentes agraves

formas fixas a comeccedilar pelo desaparecimento da paraacutebase e tambeacutem pela reduccedilatildeo do papel

do coro o derradeiro agon aristofacircnico resiste marcando a genialidade da verve do poeta que

zelando pela comicidade manteacutem a comeacutedia Pluto como um poderoso veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo social que conduz ad absurdum198

seus argumentos

198 De acordo com Bergson (1983 p 93) o absurdo natildeo cria a comicidade mas sim decorre dela

CONCLUSAtildeO

Conclusatildeo 175

Como parte do texto cocircmico o agon eacute uma seccedilatildeo que natildeo apenas representa o

espiacuterito da poeacutetica aristofacircnica mas tambeacutem exprime o princiacutepio da arte dramaacutetica que

evoluindo para um gecircnero literaacuterio se norteia pela mise en scegravene da palavra em conflito tatildeo

cara agrave trageacutedia quanto agrave comeacutedia

Devido agrave diversidade da forma e do conteuacutedo dos agones a noccedilatildeo teacutecnica de

agon como um debate entre antagonistas que ocorre numa das seccedilotildees do texto da comeacutedia eacute

muito fugaz para definir precisamente o termo Tanto a forma quanto o conteuacutedo estatildeo

sujeitos agrave diversidade No que concerne agrave forma a siziacutegia epirremaacutetica pode se apresentar

completa ou natildeo e essa instabilidade da forma do agon eacute decorrecircncia da sujeiccedilatildeo da forma ao

conteuacutedo que ligado agrave proposta de cada comeacutedia estaacute a serviccedilo da intenccedilatildeo do poeta e de sua

habilidade em orquestrar o agon com as outras seccedilotildees da peccedila

Os agones de Cavaleiros Nuvens Vespas Ratildes Lisiacutestrata e Aves trazem a siziacutegia

epirremaacutetica completa Todavia somente nas quatro primeiras comeacutedias o conflito se acentua

gradativamente ao longo da fabulaccedilatildeo inserindo o agon num ―complexo agoniacutestico em que

haacute um equiliacutebrio das partes epirremaacuteticas no debate entre os contendores por isso foram

denominados agones modelares

Jaacute em Lisiacutestrata e Aves embora o agon contemple sua forma canocircnica seu

conteuacutedo descaracteriza a siziacutegia epirremaacutetica porque as partes dos epirremas estatildeo presentes

somente na fala de um dos litigantes Em Aves o coro eacute o antagonista do heroacutei e natildeo haacute um

juiz mas um mediador na negociaccedilatildeo Em Lisiacutestrata a seccedilatildeo que corresponde ao agon

demonstra a preferecircncia do poeta pela unilateralidade dos argumentos Em revanche o

antagonismo bem marcado estaacute nas partes corais porque o coro que eacute partidaacuterio se divide

em dois semicoros que se confrontam ao longo da fabulaccedilatildeo

Conclusatildeo 176

Cavaleiros possuem trecircs agones dois em cena onde o coro eacute partidaacuterio do heroacutei

e um agon relato A natureza do agon I eacute uma sobreposiccedilatildeo de vozes sem qualquer oposiccedilatildeo

de argumentos porque o objetivo eacute mostrar qual dos adversaacuterios tem a pior iacutendole No agon

II que eacute o principal forma e conteuacutedo se equilibram apresentando o confronto entre o heroacutei e

seu rival diante de um juiz E por fim no agon relato a forma desaparece para pocircr em

evidecircncia o conteuacutedo que sendo uma narraccedilatildeo dos fatos eacute muito proacuteximo dos relatos dos

mensageiros da trageacutedia

Em Nuvens tambeacutem haacute dois agones e neles estaacute em relevo o antagonismo nas

partes epirremaacuteticas entre contendores no agon I Raciociacutenio Justo versus Raciociacutenio

Injusto e no agon II pai versus filho Ambos potildeem em discussatildeo a educaccedilatildeo e o choque de

geraccedilotildees natildeo haacute um juiz e o coro assume um papel passivo Vespas trazem tambeacutem dois

agones epirremaacuteticos Tendo o coro uma funccedilatildeo ativa o agon I estaacute ancorado na accedilatildeo

decorrente do paacuterodo e o agon II eacute uma extensatildeo do primeiro o que resulta em ambos

algumas adequaccedilotildees como por exemplo a presenccedila de proepirremas falados na ode O agon

de Ratildes eacute muito bem construiacutedo pela equiparaccedilatildeo formaconteuacutedo As partes corais gerenciam

a contenda na presenccedila de um juiz e nos epirremas haacute o jogo do argumentocontra-argumento

em que o antagonismo eacute bem marcado

Nas outras comeacutedias de Aristoacutefanes o comprometimento da forma com a siziacutegia

epirremaacutetica incompleta ou ausente nem sempre anula o caraacuteter debatedor do agon No que se

refere agrave siziacutegia epirremaacutetica incompleta em Pluto o uacutenico epirrema da estrutura se divide

entre os debatedores e garante o jogo do argumentocontra-argumento em cujo jogo retoacuterico

natildeo estaacute em questatildeo a superioridade de um dos contendores senatildeo o peso dos argumentos de

cada um

Por outro lado o agon em Assembleacuteia de mulheres possui um uacutenico epirrema

adequando a forma ao conteuacutedo epidiacutetico do agon Natildeo se trata de defender ou expor pontos

Conclusatildeo 177

de vista como em Pluto mas demonstrar que o plano da heroiacutena eacute exequumliacutevel E ainda o agon

de Paz que eacute o uacutenico que estamos considerando como quasi-agon o conteuacutedo tambeacutem estaacute

determinando a forma que se apresenta muito reduzida Em se tratando de uma comeacutedia rica

em discursos voltados ao espectador o uacutenico epirrema da estrutura do agon eacute de caraacuteter

explicativo que leva a uma reflexatildeo sobre o propoacutesito da comeacutedia que eacute um hino agrave paz A

presenccedila de um uacutenico epirrema nessas comeacutedias sinaliza que as partes epirremaacuteticas tendem a

desaparecer e consequumlentemente o agon epirremaacutetico

Acarnenses e Tesmoforiantes satildeo comeacutedias que demonstram a possibilidade de

um agon natildeo epirremaacutetico porque a siziacutegia epirremaacutetica cede lugar agrave siziacutegia iacircmbica Em

Acarnenses o conteuacutedo estaacute determinando a forma da maneira mais complexa possiacutevel a

ponto de ocorrer uma contaminatio entre as seccedilotildees do texto um agon de tom parabaacutetico e um

paacuterodo com estrutura epirremaacutetica de agon Em Tesmoforiantes o final do paacuterodo jaacute daacute

indiacutecios de que a accedilatildeo caminha para uma discussatildeo na qual Aristoacutefanes preferiu usando o

recurso da paratrageacutedia o conteuacutedo agrave forma uma vez que a estrutura do agon da trageacutedia

desconhece a siziacutegia epirremaacutetica

Vespas e Ratildes satildeo exemplos de que a ausecircncia da forma de um agon epirremaacutetico

natildeo impede que o conteuacutedo da cena natildeo seja de um agon Em Vespas a cena do jugamento

domiciliar dos catildees caracteriza-se como uma cena de agon-processo jaacute que se trata de uma

paroacutedia aos tribunais atenienses Em Ratildes cujo agon compreende toda a segunda parte da

peccedila haacute um hibridismo entre as formas epirremaacuteticas e iacircmbicas primeiramente o agon se

configura tanto na forma quanto no conteuacutedo como um agon epirremaacutetico ateacute o momento em

que a forma epirremaacutetica eacute suplantada pelas cenas iacircmbicas que manteacutem o mesmo conteuacutedo

do debate entre Eacutesquilo e Euriacutepides cujo desfecho soacute vai ocorrer nos uacuteltimos versos da

comeacutedia

Conclusatildeo 178

A forma se subjuga ao conteuacutedo porque os conteuacutedos dos agones estatildeo em

simbiose com a proposta de cada peccedila trazendo discussotildees de ordem poliacutetica como Cleatildeo e a

conduta dos demagogos em Cavaleiros e Acarnenses e a poliacutetica beacutelica em Paz e Lisiacutestrata

de ordem juriacutedica com a saacutetira agrave justiccedila aacutetica em Vespas de ordem social com o problema da

educaccedilatildeo e o choque de geraccedilotildees em Nuvens ou o desejo de se ter uma cidade perfeita em

Aves de ordem literaacuteria com a criacutetica literaacuteria em Tesmoforiantes e Ratildes e por fim de ordem

econocircmica em Assembleacuteia de mulheres e Pluto Por toda parte transparece a utilizaccedilatildeo de um

ideal contemporacircneo bastante cultivado

De acordo com Gelzer (1960 p 268) o desaparecimento da maioria das antigas

formas fixas corresponde agrave quase total diminuiccedilatildeo das funccedilotildees do coro que natildeo desempenha

mais nenhum papel na accedilatildeo E no caso do agon epirremaacutetico de Assembleacuteia de mulheres e

Pluto com a expressiva reduccedilatildeo das evoluccedilotildees corais a cena torna-se predominantemente

uma cena de atores Isso vai resultar tambeacutem na mudanccedila da composiccedilatildeo meacutetrica da comeacutedia

os tetracircmetros trocaicos seratildeo substituiacutedos pelo metro iacircmbico que se aproxima da prosoacutedia

da liacutengua comum de ritmo mais acelerado caracteriacutestica da Comeacutedia Nova (BENOIT 1854

p 170)

Tem-se a impressatildeo de que se trata de um fenocircmeno de efeito dominoacute ou seja

com a queda das funccedilotildees do coro caem juntamente as demais formas fixas da comeacutedia razatildeo

pela qual o agon epirremaacutetico que se manteacutem agrave pena na estrutura conteacutem apenas uma

forma simples que se apresenta num uacutenico epirrema o qual por sua vez estaacute condenado a

desaparecer pela meacutetrica

Natildeo se trata de uma supressatildeo mas de uma transformaccedilatildeo que responde pela

evoluccedilatildeo da Comeacutedia Antiga de Aristoacutefanes para a Comeacutedia Nova de Menandro E

certamente o principal motivo encontra-se na diversidade da funccedilatildeo dramaacutetica do coro no

agon A razatildeo de o coro assumir funccedilotildees diferentes em cada comeacutedia ocorre porque ele estaacute

Conclusatildeo 179

presente em todos os agones epirremaacuteticos Aleacutem de atuar nas partes a ele determinadas ode

e katakeleusmos ele pode tambeacutem participar excepcionalmente dos epirremas

Nas partes corais do agon ele assume quatro diferentes funccedilotildees dramaacuteticas

A primeira como observador passivo em que ele marca presenccedila nos dois agones

de Nuvens no extenso agon de Ratildes no agon de Assembleacuteia de mulheres e no agon de Pluto

A segunda funccedilatildeo tambeacutem manteacutem o coro como observador poreacutem como

observador ativo porque ele toma partido da situaccedilatildeo esse caso encontra-se no agon II de

Cavaleiros em que ele estaacute interessado no desfecho da contenda

Na terceira funccedilatildeo em que o coro participa com nuanccedila de grau como

antagonista destacam-se os agones cuja accedilatildeo pelejadora eacute oriunda desde o paacuterodo Satildeo eles

o agon de Acarnenses agon I de Cavaleiros o agon I de Vespas o agon de Aves199

o agon

de Tesmoforiantes e o agon de Lisiacutestrata em que haacute o enfrentamento dos dois semicoros que

falam e cantam cada um antes dos epirremas em favor de seus partidaacuterios

A quarta funccedilatildeo pode ser observada no agon II de Vespas em que o coro assume o

papel de juiz do debate entre os litigantes

Essa diversidade do papel do coro ao longo dos agones das comeacutedias existentes

de Aristoacutefanes tem portanto uma relaccedilatildeo imediata com as oscilaccedilotildees quanto agrave forma e ao

conteuacutedo dos agones epirremaacuteticos O derradeiro agon na obra de Aristoacutefanes eacute quanto ao

conteuacutedo um verdadeiro debate Esperar-se-ia entatildeo que Aristoacutefanes tivesse composto um

agon epirremaacutetico agrave luz dos agones modelares como em Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes O

poeta preferiu entretanto privilegiar o conteuacutedo em detrimento da forma compondo um agon

com um uacutenico epirrema como em Aves Lisiacutestrata e Assembleacuteia de mulheres embora natildeo se

trate de um agon unilateral presente nessas comeacutedias mas o poeta reduz a forma e num uacutenico

199

Em Aves a Poupa poderia representar o lado das aves mas essa personagem tem o papel especial de

mediador entre os contendores o heroacutei e as aves Por isso ela natildeo pode exercer no agon a funccedilatildeo de

antagonista

Conclusatildeo 180

epirrema o conteuacutedo eacute polarizado entre a arguumliccedilatildeo de Crecircmilo e de seu adversaacuterio200

Por traacutes

dessa discussatildeo ocultam-se ocasionalmente pensamentos sofiacutesticos pois duas posiccedilotildees

antiteacuteticas sobre o mesmo objeto satildeo em si uma tendecircncia caracteriacutestica da antilogia

sofiacutestica Trata-se da conduccedilatildeo do debate por meio de perguntas e respostas habilmente

colocadas Essa teacutecnica diz Gelzer (1960 p 129) eacute bem conhecida dos diaacutelogos de Platatildeo

sendo especificamente dialeacutetica os dois contendores propotildeem uma tese apoiada por um deles

e combatida pelo outro ateacute que um deles seja levado a admitir que natildeo tem razatildeo No agon de

Pluto a dialeacutetica quase perfeita natildeo fosse a resistecircncia de uma das partes admitir que a outra

estaacute com razatildeo (v 600) eacute responsaacutevel pela comicidade do debate cujo desfecho sela a

alogia201

desse agon

Isso visto o agon eacute uma seccedilatildeo da estrutura da comeacutedia e como tal pode vir

intercalado entre o paacuterodo e a paraacutebase ou apoacutes esta uacuteltima Em se tratando de uma das partes

do texto cocircmico o agon tem estrutura formal e meacutetrica especiacutefica Assim a presenccedila do

epirrema ndash como um componente da siziacutegia epirremaacutetica ndash eacute um sema comum nos agones

das comeacutedias de Aristoacutefanes202

O conteuacutedo desses agones que perfaz toda a forma estaacute

associado agrave proposta de cada comeacutedia Como o sucesso do plano do heroacutei depende da astuacutecia

desse heroacutei para transpor os obstaacuteculos o conteuacutedo do agon pode com ou sem um confronto

fiacutesico oscilar entre um debate polarizado e uma discussatildeo unilateral

O exame de todos os agones na poeacutetica aristofacircnica demonstra portanto a

engenhosidade do poeta na manipulaccedilatildeo das convenccedilotildees estruturais comum do agon sempre

200 O agon de Pluto apesar de reduzido manteacutem a mesma natureza debatedora dos agones em Acarnenses

(Diceoacutepolis versus Lacircmaco) Cavaleiros (Agoraacutecrito versus Paflagocircnio) Nuvens (Raciociacutenios Justo versus

Injusto) Vespas (Filocleatildeo versus Bdelicleatildeo) e Ratildes (Euriacutepides versus Eacutesquilo) Antes do minucioso estudo

de Gelzer (1960) Navarre (1911 p 252) jaacute tinha observado a divisatildeo do epirrema no agon de Pluto para

cada argumento de Crecircmilo um contra-argumento de Penia e vice-versa 201 Propp (1992 107) sugere como manifestaccedilatildeo do cocircmico o alogismo termo que se refere agravequele que profere

absurdidades e realiza accedilotildees insensatas No caso do agon de Pluto os contendores se atacam alegando o raciociacutenio disparatado do outro (vv 507-508 517) e quanto agrave accedilatildeo o desfecho da disputa estampa a natureza

no sense da praacutexis do heroacutei 202 Embora Acarnenses e Tesmoforiantes tenham uma estrutura iacircmbica em que o iambo substitui o epirrema (cf

Introduccedilatildeo ndash infra quadro) deve-se entender que o discurso iacircmbico presta-se agrave funccedilatildeo do epirrema

Conclusatildeo 181

sujeita ao conteuacutedo que associado agrave temaacutetica da comeacutedia expotildee um assunto que eacute do

interesse comum Assim sendo no que diz respeito agrave forma o agon epirremaacutetico tende a

desaparecer mas sobrevive na comeacutedia pelo conteuacutedo

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1984

ANEXO

AGON TRADUCcedilAtildeO E NOTAS

192lsquo

Cavaleiros ndash agon I (vv 303-460)

193lsquo

194lsquo

195lsquo

196lsquo

197lsquo

198lsquo

199lsquo

200lsquo

Cavaleiros ndash agon II (vv 756-941)

201lsquo

202lsquo

203lsquo

204lsquo

205lsquo

206lsquo

207lsquo

208lsquo

209lsquo

Nuvens ndash agon I (vv 949-1104)

210lsquo

211lsquo

212lsquo

213lsquo

214lsquo

Nuvens ndash agon II (vv 1345-1451)

215lsquo

216lsquo

217lsquo

218lsquo

Vespas ndash agon I (vv 334-414)

219lsquo

220lsquo

221lsquo

222lsquo

Vespas ndash agon II (vv 526-727)

223lsquo

224lsquo

225lsquo

226lsquo

227lsquo

228lsquo

229lsquo

230lsquo

231lsquo

232lsquo

Ratildes ndash agon (vv 895 a 1499)

233lsquo

234lsquo

235lsquo

236lsquo

237lsquo

238lsquo

239lsquo

240lsquo

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243lsquo

244lsquo

245lsquo

246lsquo

247lsquo

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250lsquo

251lsquo

252lsquo

253lsquo

254lsquo

255lsquo

256lsquo

Acarnenses ndash Agon ndash 490 a 627

257lsquo

258lsquo

259lsquo

260lsquo

261lsquo

262lsquo

263lsquo

Tesmoforiantes ndash agon (vv 381-530)

264lsquo

265lsquo

266lsquo

267lsquo

268lsquo

269lsquo

270lsquo

271lsquo

272lsquo

273lsquo

274lsquo

Paz ndash agon (vv 601-657)

275lsquo

276lsquo

277lsquo

278lsquo

Aves ndash agon (vv 451-638)

279lsquo

280lsquo

281lsquo

282lsquo

283lsquo

284lsquo

285lsquo

Lisiacutestrata ndash agon (vv 476-613)

286lsquo

287lsquo

288lsquo

289lsquo

290lsquo

291lsquo

292lsquo

293lsquo

Assembleacuteia de mulheres ndash agon (vv 671-710)

294lsquo

295lsquo

296lsquo

297lsquo

298lsquo

299lsquo

Pluto ndash agon (vv 486-618)

300lsquo

301lsquo

302lsquo

303lsquo

192

Cavaleiros ndash agon I (vv 303-460)

Co Canalha Gritador asqueroso Sua safadeza

invade toda a terra toda a assembleacuteia 305

os impostos os processos e os tribunais

nojento toda nossa cidade

estaacute de pernas pro ar 310

vocecirc que atormentou nossa Atenas burlando

e espreitando os tributos do alto dos rochedos como se

fossem atuns1

Pa Eu sei bem haacute tempos de onde esse negoacutecio eacute curtido 315

Ag Se vocecirc natildeo entende de couro entatildeo nem eu de salsichas

vocecirc que tinha o haacutebito de cortar de atravessado o couro de um pobre boi

para parecer espesso e depois vendecirc-lo aos agricultores

e antes de um dia de uso os sapatos deles estavam esgarccedilados uns dois palmos

Es Por Zeus ele me deu o mesmo golpe a ponto de eu

ter sido motivo de zombaria pro meu pessoal e amigos 320

Antes mesmo de estar em Peacutergaso2 eu jaacute nadava dentro dos sapatos

Co Seraacute que vocecirc desde o comeccedilo mostrou

o descaramento o uacutenico salvo-conduto dos oradores 325

Eacute nisso que vocecirc confia para arrancar frutos dos estrangeiros3

vocecirc que eacute o primeiro e o filho de Hipodamos4 derrete-se em laacutegrimas

[diante desse espetaacuteculo

entretanto apareceu um outro tipo bem mais

patife do que vocecirc para minha alegria

que vai dar um um basta e um chega pra laacute em vocecirc ndash eacute evidente ndash 330

com safadeza atrevimento

1 O rochedo eacute a Pnix E os que ficavam no rochedo tinham voz potente como Cleatildeo para anunciar aos

pescadores os cardumes de atuns 2 Peacutergaso era um vilarejo nos arredores de Atenas e tambeacutem proacuteximo de Acarnes 3 Aristoacutefanes se refere agrave praacutetica de extorsatildeo dos poliacuteticos 4 Hipodamos de Mileto era um famoso arquiteto e seu filho Archeptolemos se tornou um dos Quatrocentos

movimento oligaacuterquico contra Cleatildeo Com a queda desse regime Archeptolemos foi executado

193

e trapaccedila

Mas entatildeo vocecirc que fez a mesma escola de onde vecircm os grandes homens de hoje

eacute o momento de mostrar que a boa educaccedilatildeo natildeo serve pra nada

Ag Muito bem ouccedilam entatildeo que tipo de cidadatildeo eacute esse indiviacuteduo 335

Pa Natildeo eacute a minha vez

Ag Natildeo meu Zeus porque eu tambeacutem sou mau-caraacuteter

Es E se ele natildeo concordar com isso acrescenta ―de uma famiacutelia de mau-caraacuteter

Pa Natildeo eacute a minha vez

Ag Natildeo meu Zeus

Pa Eacute sim meu Zeus

Ag Natildeo meu Posidatildeo

Mas eacute por causa de falar primeiro que eu vou brigar pra valer

Pa Ai de mim vou me arrebentar

Ag Mas eu natildeo deixarei 340

Es Deixa deixa pelos deuses quanto a ele que se arrebente

Pa E o que te leva a crer que vocecirc estaacute agrave altura de discutir comigo

Ag Eacute que sou como vocecirc pra bater-boca e tambeacutem engrossar o caldo5

Pa Olha soacute bater-boca Muito bem se um negoacutecio caiacutesse sobre vocecirc

em pedacinhos crus vocecirc conseguiria preparaacute-lo nos trinques 345

Mas sabe o que acontece com vocecirc na minha opiniatildeo O mesmo

[que pra todo mundo

apoacutes ter se saiacutedo bem num processo qualquer contra um estrangeiro

5 O verbo καρυκκοποιεῖν significa preparar molhos suculentos e em sentido figurado criar uma confusatildeo

194

depois de resmungar e tagarelar agrave noite toda pelas ruas sozinho

beber uns goles dlsquoaacutegua6 de manobrar e importunar seus amigos

vocecirc jaacute se imagina capaz de ser um orador Insensato Tolice sua 350

Ag E vocecirc o que tem bebido para deixar a cidade nesse estado em que se encontra

[agora

calada depois de ter recebido de vocecirc um beijo profundo de liacutengua

Pa Entatildeo vocecirc encontrou o cara para me enfrentar A mim que imediatamente

depois de comer uns pedaccedilos de atum quentinhos e bebido por cima uma jarra

de puro vinho sou capaz de regaccedilar os generais em Pilos 355

Ag E eu Depois de traccedilar um bucho de boi e umas tripas de porco

e beber por cima o caldo sem me limpar

estou pronto para xingar os oradores e passar uma rasteira em Niacutecias7

Es Por um lado dizendo essas coisas fico satisfeito mas por outro natildeo me contento

com uma de suas atitudes que tome o caldo sozinho 360

Pa Natildeo eacute por ter comido um peixe que vai perturbar Miletos8

Ag E depois de me fartar de costelas poderei negociar as minas9

Pa E eu vou chacoalhar o Conselho virando-o de pernas pro ar

Ag E eu vou te encher o rabo como se fosse linguumliccedila

Pa E eu eu vou arrastar vocecirc laacute pra fora de cabeccedila pra baixo pelo rabo 365

Es Entatildeo meu Posidatildeo se vocecirc o arrastar me arrasta tambeacutem

6 Beber aacutegua era um haacutebito dos oradores 7 Aristoacutefanes se refere ao caso de Pilos onde Cleatildeo derrotou os oradores e Niacutecias 8 Segundo Sommerstein (1981 163) Aristoacutefanes estaria fazendo uma alusatildeo a um suborno que Cleatildeo tivesse

recebido em Miletos sem ter prestado o serviccedilo 9 Trata-se das minas de prata de Laacuteurion sudeste da Aacutetica

195

Pa Ah que eu vou eacute por vocecirc no tronco10

Ag E eu vou te processar por covardia

Pa E esse seu couro vai ser esticado na mesa

Ag E eu vou te esfolar para fazer um saco com pele de ladratildeo 370

Pa E vocecirc seraacute pregado ao chatildeo

Ag E eu vou dar uma temperada nesse seu perfil

Pa E eu vou te arrancar os olhos

Ag E eu vou arrancar esse seu papo

Es Ai meu Zeus Vamos cravar nele 375

a moda dos accedilougueiros um prego

na boca em seguida puxamos pra fora

sua liacutengua e examinamos de fio a pavio

sua boca bem aberta 380

e o rabo vai que tem lombriga

Co De fato haacute coisas mais quentes que o fogo e o falatoacuterio

mais descarado ainda do que o palavreado na cidade 385

e de fato esse negoacutecio natildeo era banal

entatildeo parte pra cima dele e o faccedila girar sem doacute

e nessas condiccedilotildees ele estaacute preso pela cintura

10 No texto grego aparece a palavra ξυλόν que era um instrumento de tortura feito de madeira Em portuguecircs o

tronco utilizado no Brasil colocircnia para castigar os escravos parece cobrir o mesmo sentido

196

e se agora mesmo vocecirc o deixa mole no golpe

descobriraacutes um covarde pois eu conheccedilo o tipo 390

Ag E no entanto como foi assim a vida toda

se fazendo passar por um homem de reputaccedilatildeo tirando proveito da colheita alheia

e agora essas espigas que ele trouxe de laacute

ele as amarrou e secou no tronco e quer vendecirc-las11

Pa Natildeo tenho medo de vocecircs enquanto vigorar o Conselho 395

e a cara de tonto do povo sentado

Co Quanto descaramento nisso tudo e sem

que mude sua cor de sempre

se natildeo eacute raiva que sinto por vocecirc que eu venha a ser pinico12

[na casa do Cratino13

400

e tenha de aprender a cantar numa trageacutedia de Moacutersimo14

oh vocecirc que sempre e em qualquer ocasiatildeo

se corrompe sentando em flores

oxalaacute vocecirc fosse capaz de vomitar facilmente o alimento

e entatildeo eu cantaria sozinho 405

―Beba beba na infelicidade

e eu imagino que Uacutelio velhote farinheiro15

alegremente se colocaria a cantar e a gritar ―Baco Baco

Pa Essa natildeo Vocecirc natildeo vai me ultrapassar em descaramento natildeo por Posidatildeo

11 De acordo com Sommerstein (1981 164) a metaacutefora se refere agrave tortura aplicada aos prisioneiros de guerra

como espigas eles eram amarrados e torturados Em alguns casos eram barganhados e Cleatildeo teria se

aproveitado dessa negociaccedilatildeo 12 Em grego κῴδιον pele de carneiro que servia de cobertor 13 Cratino comedioacutegrafo bem mais velho que Aristoacutefanes tinha a fama de beberratildeo e por isso urinava na cama 14 Moacutersimo foi sobrinho de Eacutesquilo e sem nenhum talento que chegasse a ser comparado com o do tio 15 Uacutelio era filho do general Cimatildeo e funcionaacuterio encarregado de controlar o comeacutercio de gratildeos (Sommertein

1981 165)

197

ou senatildeo que eu nunca seja excluiacutedo das libaccedilotildees a Zeus Agoreu16

410

Ag E eu pelas pancadas que tanta e tantas vezes

recebi desde menino e tambeacutem as facadas

tenho certeza de que vou ganhar de vocecirc nessas coisas ou seria em vatildeo

que eu nutrido a miolo de patildeo17

seja tatildeo forte

Pa Miolo de patildeo igual comida pra catildeo Ah coitadinho de que maneira entatildeo 415

criado com raccedilatildeo de catildeo vocecirc vai lutar com um gurilatildeo18

Ag Ai meu Zeus Desde menino mentir eacute comigo mesmo

Por exemplo enganava os accedilougueiros dizendo esse tipo de coisas

―Vejam crianccedilas natildeo estatildeo vendo Uma andorinha e nova estaccedilatildeo

Entatildeo eles olhavam e eu num zup roubava um pedaccedilo de carne 420

Es Puxa que pedaccedilo de carne ligeiro Vou ficar esperto

Jaacute antes das andorinhas vocecirc roubava como quem come urtigas19

Ag Essas coisas que se viam eu fazia na surdina E se um deles me visse

escondia entre as pernas e em nome dos deuses jurava inocecircncia

de maneira que me vendo fazer isso um dos poliacuteticos disse 425

―sem sombra de duacutevidas natildeo eacute que esse menino vai governar o povo

Es Presumiu bem E eacute evidente que se chegou a isso

jaacute que jurava falso apoacutes o furto e tinha a carne entre as cochas

Pa Vou dar um basta nessa tua arrogacircncia Pensando bem em vocecircs dois 430

parto jaacute e com tudo pra cima de vocecirc

e ao mesmo tempo revirando sem propoacutesito terra e mar

Ag E eu recolho as salsichas e depois irei agrave deriva

16 Haacute dois sentidos que se complementam para esse verso i) Zeus Agoreu ou Zeus da aacutegora lugar de onde se

falava portanto natildeo ser excluiacutedos das libaccedilotildees a Zeus agoreu implica natildeo ser excluiacutedo de falar ii) tratava-se

de um sacrifico puacuteblico uma das raras ocasiotildees para o cidadatildeo pobre comer carne 17 Nas refeiccedilotildees costumava-se limpar as matildeos com bolinhas de miolo de patildeo que depois eram jogadas aos catildees 18 Jogo de palavras entre catildeo (κυνὸς) e macaco com cara de catildeo espeacutecie de babuiacuteno (κυνοκέφαλος)

Sommertein (1981 166) aventa que tambeacutem poderia se tratar de um epiacuteteto para criaturas monstruosas e

miacuteticas como o catildeo Ceacuterbero Assim o texto insinuaria a comparaccedilatildeo de Cleatildeo com o monstro 19 O iniacutecio da primavera ocorria antes da chegada das andorinhas e era tambeacutem o tempo de se colher urtigas

planta com valor medicinal

198

numa onda com ventos favoraacuteveis e quanto a vocecirc que tal se for prlsquoaquele lugar

Es E quanto a mim se acontecer de entrar aacutegua ficarei de olho no poratildeo

Pa Ah Minha Demeacuteter O fulano escaparaacute assim Depois de tanto dinheiro 435

que vocecirc roubou dos atenienses

Es Atenccedilatildeo Alccedilar vela

que o vento do sudeste jaacute sopra ou eacute o vento do sicofanta

Ag E vocecirc sei muito bem que recebeu em Potideu20

dez talentos

Pa E daiacute Quer um deles pra calar o bico

Es Homem Eu aceitaria com prazer Soltar as cordas 440

O vento se acalma

Pa Vai sobrar processos pra vocecirc

Quatro de cem talentos cada um

Ag E vocecirc teraacute vinte por deserccedilatildeo

e mais mil por roubo

Pa E eu digo que vocecirc vem dessa gentalha 445

que cometeu sacrileacutegio contra a deusa21

Ag E eu digo que teu avocirc foi um

guarda-costas

Pa Fazendo o quecirc Diga

Ag da Corina mulher do Hiacutepias22

20 Potideu era colocircnia de Corinto situada na Caacutelcis sendo um ponto estrateacutegico para os atenienses 21 Aristoacutefanes faz alusatildeo ao episoacutedio em que Ciacutelon tentou dar um golpe de Estado com o fracasso ele e seus

partidaacuterios se refugiaram perto da estaacutetua de Atena onde foram massacrados a mando da famiacutelia dos

Alcmeocircnidas 22 Ao inveacutes de Mirrina nome da mulher de Hiacutepias e nora de Pisiacutestrato o poeta faz um jogo de palavras com

alusatildeo aos negoacutecios de couro de Cleatildeo

199

Pa Vocecirc eacute um trambiqueiro

Ag E vocecirc um trapaceiro 450

Es Pau nele Seja macho

Pa Ai Ai

Os conspiradores estatildeo me espancando

Es Pau nele Seja ainda mais macho

Daacute-lhe um soco no estocircmago bem nas tripas

e nas entranhas 455

de modo a machucar o homem

Co Oh a mais nobre das carnes De todas a mais valorosa

Vocecirc que se mostra salvador da cidade e dos cidadatildeos

com que habilidade dominou bem o homem no falatoacuterio

de que modo poderiacuteamos encontrar tantos elogios para exprimir a vocecirc nossa

[alegria 460

200

Cavaleiros ndash agon II (vv 756-941)

Co Nesse exato momento eacute preciso que vocecirc solte a liacutengua23

756

e traga uma coragem impetuosa e argumentos embaraccedilosos

para passar por cima desse aiacute24

Pois eacute um patife o homem

e (durante) na hora dos apuros eacute haacutebil em proporcionar saiacutedas

Por isso que vocecirc vaacute pra valer e impetuosamente contra o fulano 760

Mas fique de olho E antes que ele se agarre em vocecirc (agarre) vocecirc primeiro

e iccedila os golfinhos25

e emparelhe o barco

Pa Agrave padroeira Atena agrave protetora da cidade

faccedilo uma prece se entre o povo ateniense eu me mostrei

o melhor homem apoacutes Liacutesicles Cina e tambeacutem Salabaco26

765

23 Trata-se de um proveacuterbio ndash lanccedilar ou soltar todas as amarras todas as velas 24 Referecircncia a Plafagocircnio 25 Massa de chumbo em forma de golfinho utilizada como arma para afundar os navios inimigos (Lavedan

1931 319) 26 Liacutesicles era um mercador de ovelhas Cina e Salabaco eram duas cortesatildes (Coulon V e Van Daele H Les

Cavaliers 1967 113)

201

como agorinha sem ter nada feito que eu possa jantar no Pritaneu27

Mas se te odeio e por ti natildeo luto resistindo sozinho

que eu morrae seja cerrado ao meio e cortado em tiras

AgQuanto a mim Povo se natildeo te amo e nem te prezo que eu seja cortado em pedaccedilos

para ser acompanhado de um cozido Se vocecirc natildeo se convenceu dessas

[coisas 770

que eu seja cortado em pedaccedilos sobre isso aiacute28 num guisado de carne alho azeitonas

[pretas e queijo e com um gancho que eu seja arrastado pelo saco ateacute o Ceracircmico29

PaE de onde surgiria um cidadatildeo que te amasse mais do que eu Povo

De modo que em primeiro lugar quando eu deliberava designei a vocecirc muito [dinheiro

dos cofres puacuteblicos estrangulando uns sufocando outros e cobrando uma parte de

[outros 775

natildeo se preocupando com nenhum dos cidadatildeos humildes desde que eu te alegrasse

Ag Isso Povo natildeo eacute nada de extraordinaacuterio Pois eu tambeacutem posso te fazer isso

Passo a matildeo nos patildees dos outros para oferecer a vocecirc

Ele natildeo ama vocecirc nem eacute benevolente com vocecirc Eacute isso mesmo antes de mais nada

[vou provar a vocecirc

a natildeo ser por uma uacutenica razatildeo tirar proveito de seu forno30 780

Pois vocecirc que contra os Medos cruzou espadas em interesse do paiacutes em Maratona31

E com a vitoacuteria nos permitiu exaltar a liacutengua magnificamente Ele natildeo se preocupou com vocecirc sentado assim duramente sobre essas pedras

Natildeo eacute como eu que trago isso32 que costurei para vocecirc Entatildeo se levante

e em seguida sente-se no macio para que natildeo a raspe mais em Salamina33 785 Po Homem quem eacute vocecirc Eacute filho de algum daqueles dos Harmoacutedios34

Isso eacute sem duacutevida de sua parte uma atitude sinceramente nobre e amiga do povo

PaEacute assim a partir de pequenas bajulaccedilotildees que vocecirc mostra a ele sua benevolecircncia

AgE vocecirc que o persuadiu com engodos mais mediacuteocres do que esses Pa E com certeza se em algum lugar apareceu um homem que mais

[defendeu o povo 790

27 De acordo com Glotz (1980 15-16) o Pritaneu era um edifiacutecio onde estavam sediados o chefe ou os chefes da

cidade o priacutetane ou o comitecirc dos priacutetanes 28 Na interpretaccedilatildeo de Van Daele H (Les Cavaliers 1967 114) trata-se de uma mesa 29 O Ceracircmico era um territoacuterio situado a noroeste da agora fora das muralhas de Atenas cuja atividade era a

olaria Tornou-se o maior cemiteacuterio da polis e na parte interna das muralhas praticava-se a prostituiccedilatildeo

(Harvey 1998 109) 30 Expressatildeo que em portuguecircs equivale agrave expressatildeo viver agrave custa de algueacutem 31 Os persas povo indo-europeu cujo chefe substituiu o rei medo eram chamados de medos Maratona cidade

aacutetica a 35Km a noroeste de Atenas ficou famosa pela batalha em 490 aC contra os Persas (Harvey 1998

324) 32 Pelo contexto o pronome refere-se a uma almofada 33 Na interpretaccedilatildeo de Van Daele H (Les Cavaliers 1967 114) trata-se da naacutedega dolorida que remou na batalha

de Salamina Esta eacute uma ilha separada da costa sudoeste da Aacutetica por um canal estreito nas proximidades do

porto Pireu Nesse local em 480 aC os gregos derrotaram a frota de Xerxes rei persa (Harvey 1998 452) 34 Harmoacutedios juntamente com Aristogiacuteton matou Hiparco irmatildeo do tirano de Atenas Hiacutepias e foi condenado agrave

morte (Harvey 1998 260)

202

ou que mais amou vocecirc do que eu eu quero apostar minha cabeccedila AgVocecirc o ama de que maneira Eacute o oitavo ano que vocecirc o vecirc

[morar em barrisem pequenos ninhos de abutres e tambeacutem em torrinhas e nem tem doacute

E depois de apertaacute-lo vocecirc ainda o espreme E quando Archeptoacutelemo35

traz

a paz vocecirc dispensa e os embaixadores escorraccedila 795

da cidade a pontapeacutes por causa das treacuteguas que eles propotildeem PaEacute para que ele governe a todos os gregos Pois estaacute nos oraacuteculos

36

que ele deve se tornar um dia heliasta na Arcaacutedia por cinco oacutebolos

se tiver paciecircncia Em todo caso eu o alimentarei e cuidarei dele

descobrindo por bem ou por mal de onde ele vai ter o trioacutebolo37

800

AgPor Zeus natildeo eacute apenas para que ele governe a Arcaacutedia que vocecirc estaacute se precavendo

[mas tambeacutem para que agrave vontade

vocecirc possa pilhar e se corromper com presentes das cidades E que o Povo

com a guerra e com a fumaccedila natildeo se decirc conta de teus delitos

Mas por necessidade e ao mesmo tempo pelo uso do salaacuterio fique boquiaberto com

[vocecirc

Um dia ao partir para o campo possa ele38

passar o tempo em paz 805

comendo espigas de trigo assadas e possa retomar a confianccedila e avanccedilar na

[conversa (comendo) bagaccedilo de uva ou azeite

eacute que vai saber quantas coisas boas vocecirc rouba dele com o pagamento da tropa39

E depois um agricultor rude seguindo a pista de cascalho viraacute ateacute vocecirc e contra

[vocecirc

de modo que vocecirc sabendo isso engana-o com sonhos40

que teve com ele

Pa Mas natildeo eacute terriacutevel essas coisas que vocecirc diz a ponto de me difamar 810

35 Archeptoacutelemo era um oligarca e com a queda do regime oligaacuterquico foi condenado agrave morte (Glotz 1980

211) 36 O oraacuteculo (mantecircion) era a resposta dada por determinadas divindades geralmente por intermeacutedio de um

sacerdote ou sacerdotisa O pronunciamento oracular era quase sempre obscuro ambiacuteguo passiacutevel de

interpretaccedilatildeo conforme o interresse (Harvey 1998 364-365) 37 Peacutericles criou o pagamento aos juiacutezes (misthograves) que correspondia a trecircs oacutebolos diaacuterios(Mosseacute 1985 38) 38 Refere-se agrave personagem Povo 39 Atenas possuiacutea duas instituiccedilotildees importantes a Assembleacuteia (Ekklesia) e o Conselho (Boule) A primeira era

soberana tanto em mateacuteria de poliacutetica interna quanto poliacutetica externa Todas as questotildees militares e navais

eram discutidas e deliberadas pela Assembleacuteia A Boulecirc tambeacutem intervinha em assuntos financeiros de ordem

interna e externa sobretudo no que dizia respeito agrave cavalaria Tudo era submetido agrave aprovaccedilatildeo dos bouleutai votavam a lista de cavaleiros avaliavam a alimentaccedilatildeo dos cavalos por parte dos cavaleiros que poderiam

sofrer sanccedilotildees financeiras dispensava cavalos matreiros etc (Glotz 1980 135 160 161) 40 A traduccedilatildeo ao peacute da letra eacute engana-o e sonha com ele Segundo Sommerstein (1981 187) Cleatildeo dizia que

para justificar e defender sua poliacutetica na Assembleacuteia um sonho o aconselhou

203

diante dos atenienses e do Povo Eu que prestei mais serviccedilos ndash

ndash Por Demeacuteter ndash do que Temiacutestocles41 agrave cidade Sim muito mais ateacute hoje

AgOacute cidade de Argos estaacute ouvindo as coisas que ele diz Vocecirc estaacute se comparando a

[um Temiacutestocles

que tornou nossa cidade plena depois de encontraacute-la pela metade

Aleacutem disso no almoccedilo uniu o Pireu42 agrave cidade 815

e sem privaacute-la de nada de antigamente serviu-lhe peixes frescos43

E vocecirc procurou mostrar os atenienses como cidadatildeos de uma cidadezinha separando-os por um muro e pronunciando oraacuteculos e opondo-se a Temiacutestocles44

E ele45 estaacute exilado de nossa terra enquanto que vocecirc enxuga os dedos com patildeo de

[qualidade

PaMas natildeo eacute terriacutevel Povo que eu ouccedila essas coisas desse fulano 820

soacute porque te amo

Po Pare homem E natildeo o insulte com coisas inuacuteteis

Haacute muito e muito tempo e ainda hoje sem que eu percebesse vocecirc se manteacutem [escondido

Ag Eacute um salafraacuterio oacute querido povinho e fez inuacutemeras coisas perversas

Enquanto vocecirc fica boquiaberto

ele arranca ateacute o talo as prestaccedilotildees de contas dos magistrados46 825

e as devora E com as duas matildeos

ele toma de colherada as coisas puacuteblicas

PaNatildeo vai ficando alegrinho Mas que vocecirc roubou

trinta mil dracmas eu vou te provar AgPor que vocecirc daacute murro em ponta de faca e fala seco e estridente 830

Vocecirc que eacute o maior salafraacuterio quando o assunto eacute o povo

ateniense E vou te mostrarndash por Demeacuteter ndash nem que eu morra ndashque recebeu de Mitilene

41 Temiacutestocles era um homem puacuteblico estadista que exerceu a poliacutetica como arconte e depois como estratego

Em 483 a pedido de Temiacutestocles destinou-se o dinheiro proveniente das minas de prata do Laacuteurion para

equipar a esquadra ateniense a mesma que conquistaria a vitoacuteria de Salamina batalha naval entre gregos e

persas (Glotz 1980 169 278) 42 Porto principal de Atenas distante a 8 km ao sul da poleis (Harvey 1998 383 384) Esse fato de o Pireu ter

sido ligado agrave cidade estaacute documentado em Plutarco Vidas Paralelas II ndash Tuciacutedides 19 4 43 Aristoacutefanes emprega nesse trecho uma metaacutefora gastronocircmica Temiacutestocles foi o responsaacutevel pelo

aprimoramento da atividade naval beacutelica de Atenas atividade essa comparada agrave culinaacuteria no caso a atividade

de pesca Entende-se que como recurso cocircmico Aristoacutefanes se valeu da eficiecircncia dessa esquadra que

garantia aos atenienses aleacutem da defesa por mar tambeacutem as refeiccedilotildees tal esquadra natildeo soacute era eficiente na

guerra mas tambeacutem na pescaria 44 Considerando o recurso cocircmico da invectiva pessoal Aristoacutefanes ataca a poliacutetica de Cleatildeo que deveria ter sido

inversa agrave poliacutetica de Temiacutestocles Enquanto este defende a poleis aperfeiccediloando sua esquadra por exemplo

aquele ergue muralhas e se vale das respostas oraculares para lograr o povo 45 Temiacutestocles acusado de traiccedilatildeo por Leobotes do vilarejo de Agraule o ostracismo foi uma maneira que seus

adversaacuterios encontraram para acabar com seu prestiacutegio e autoridade Temiacutestocles foi expulso da cidade e exilado em Argos (Plutarco Vidas Paralelas II Them 22 23)

46 Cleatildeo era membro da Assembleacuteia e a esta cabia i) as relaccedilotildees exteriores ii) o poder legislativo iii) a parte

poliacutetica do poder judiciaacuterio iv) o controle do executivo isto eacute nomeaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de todos os

magistrados (Glotz 1980 135)

204

pelo menos quarenta minas47

835 CoOacute vocecirc que se mostrou um grande benfeitor para todos os homens

Eu te invejo a eloquumlecircncia Pois se vai atacar dessa maneiraseraacute o maior dentre os gregos e sozinho vai dominarna cidade dos aliados e vai governar com o tridente de Posidatildeo

com o qual vocecirc vai ganhar muito dinheiro tremendo e removendo a terra48

840

E que vocecirc natildeo deixe o homem escapar jaacute que ele te deu mole

Pois vocecirc vai arruinaacute-lo facilmente com essas suas costas Pa Natildeo gente boa as coisas ainda natildeo chegaram a isso por Posidatildeo

Pois haacute comigo quando trabalhei um tal negoacutecio a ponto defechar a boca de todos os meus inimigos juntos 845

enquanto restar algo dos escudos de Pilos Ag Mantenha o pensamento parado nos escudos Com certeza vocecirc me deu uma deixa

Pois natildeo precisava se eacute verdade que vocecirc ama o Povo de caso pensado

permitir que eles fossem suspensos por seus boldrieacutes

Mas isso Povo eacute um estratagema para que caso vocecirc queira 850

castigar o homem esse fulano aiacute49

que isso natildeo aconteccedila com vocecirc

Vocecirc estaacute vendo proacuteximo a ele uma multidatildeo de jovens

[comerciantes de curtume

e vivem em volta deles os comerciantes de mel

e de queijo Isso eacute um bando de conspiradores

De modo que se vocecirc rosnasse de raiva e condenasse ao ostracismo jogando cara ou

[coroa com conchas de ostra 855

agrave noite eles correriam para despregar os escudos

e impedir a entrada de nosso trigo Po Como sou desgraccedilado Entatildeo eles tecircm os boldrieacutes Desgraccedilado

Haacute quanto tempo vocecirc estava enganando a mim e ao povo dessa maneira Pa Oh gente boa natildeo ligue para o que ele fala nem pense 860

que vai encontrar em algum lugar um amigo melhor do que eu que fui o uacutenico

47 Os mitilenenses foram acusados de traiccedilatildeo e mereceram um castigo exemplar Primeiramente a assembleacuteia

decidiu que todos os homens e adultos seriam mortos e as mulheres e crianccedilas reduzidas agrave escravidatildeo Mas

posteriormente a proposiccedilatildeo do orador Dioacutedoto prevaleceu por iacutenfima maioria na Assembleacuteia e os habitantes

de Mitilene foram poupados Cleatildeo contudo conseguiu a divisatildeo do territoacuterio da cidade em lotes tornando os mitilecircnios arrendataacuterios da terra (Mosseacute 1979 69)

48 Aleacutem de deus do mar Posidatildeo tambeacutem era deus dos movimentos do solo deus da vegetaccedilatildeo e deus social e

poliacutetico Os golfinhos e o tridente satildeo seus siacutembolos (Lavedan 1931 778 976) 49 Refere-se a Plafagocircnio

205

que acalmou os conspiradores e nada me costumava escapar

na poleis quando fazia parte na assembleacuteia Entatildeo imediatamente eu gritava Ag Vocecirc sofre como os que pescam enguias

quando o lago estaacute calmo eles nada pegam 865

mas se remexem o lodo de baixo para cima

as agarram Vocecirc tambeacutem mete a matildeo quando revira a cidade

A propoacutesito me responda isso vendendo tanta pele de animal

vocecirc jaacute deu a esse aiacute50

um pedaccedilo de couro seu

para os sapatos dele Vocecirc que vive declarando que o ama 870 Po Claro que natildeo por Apolo Ag Sem duacutevida entatildeo vocecirc reconhece quem eacute ele Pois eu

estou dando a vocecirc esse par de sapatos que comprei para vocecirc pocircr Po Eu considero vocecirc de todos que conheci quando o assunto eacute o Povo o melhor

[homem

e o mais dedicado agrave cidade e aos meus dedos do peacute Pa Natildeo eacute revoltante ora essa que um par de sapatos tenha tanto poder 875

E quanto a mim nada de ter lembranccedila de quanto vocecirc sofria Eu que

reprimi a veadagem riscando Gritos da lista de cidadatildeos51

Ag Pois isso sim eacute revoltante Vocecirc deu para fiscalizar o rabo ―alheio

e acabar com a bichice Natildeo eacute possiacutevel que

sem ter inveja deles vocecirc os reprimiu para que natildeo se tornassem oradores 880

E este aqui vocecirc viu sem tuacutenica (estando) nessa idade

e nunca vocecirc julgou o Povo digno de uma tuacutenica com mangas

50 Refere-se ao Povo 51 Trata-se de um caso de atimiacutea ou degradaccedilatildeo ciacutevica Se condenado por atimiacutea o cidadatildeo era privado

provisoriamente ou definitivamente dos direitos ciacutevicos por exemplo participar da Assembleacuteia (Glotz 1980

127 211) Segundo Mosseacute (1985 30 31) o cidadatildeo aleacutem de ter a privaccedilatildeo dos direitos poliacuteticos era exilado e soacute voltaria ao final de dez anos para retomar seus direitos perante a polis O objetivo da lei era evitar que o

cidadatildeo em proveito proacuteprio se tornasse um tirano Homens como Xantipo ou Aristides ou Temiacutestocles todos

devotados agrave democracia foram penalizados com o ostracismo porque abusaram do poder poliacutetico a eles

confiado em nome do grande prestiacutegio e da confianccedila do povo

206

quando era inverno Mas eu te dou essa aquiPo Taiacute algo que Temiacutestocles nunca imaginou

E o Pireu Aquilo foi engenhoso com certeza Mas na minha opiniatildeo 885

nem eacute tatildeo grande quanto agrave invenccedilatildeo da tuacutenica que vocecircs mostram Pa Como sou infelizVocecirc estaacute me enrolando com essas micagens Ag Natildeo Mas como o homem beberratildeo que sofre cada vez que tem vontade de ir ao

[banheiro

empresto essas suas maneiras de se inclinar como as de se calccedilar as sandalinhas52

Pa Mas vocecirc natildeo vai me vencer com bajulaccedilotildees Pois eu 890

vou cobrir vocecirc com isso aqui53

Grita miseraacutevel Po Aiaiai

Por que vocecirc natildeo vai se danar Mas que cheiro horriacutevel de pele de couro Ag Isso eacute de propoacutesito era para te embrulhar e te sufocar

E mais de uma vez ele tramou contra vocecirc Vocecirc se lembra daquele tronco

de siacutelfio54

que apareceu com um preccedilo baratinho 895

Po Claro que lembro

Ag Foi de propoacutesito Esse aiacute queria que ele tivesse um preccedilo baratinho

para que vocecircs comprassem e comessem E depois no tribunal

os juiacutezes se matassem uns aos outros com os peidos Po Por Posidatildeo Um fulano de Peidoacutepolis

55 me disse isso

Ag Pois natildeo eacute entatildeo que vocecircs os peidorreiros eu suponhoficaram ruborizados 900 Po Por Zeus Isso era invenccedilatildeo do Ruivatildeo

56

Pa Ah malandro Vocecirc estaacute me perturbando com tais mexericos

52 Na Greacutecia Claacutessica durante o banquete os convivas faziam as refeiccedilotildees deitados sobre um tipo de divatilde

(Lavedan 1931 825) As figuras em vaso mostram que os convivas se deitavam descalccedilos Aristoacutefanes nessa

passagem ridiculariza a posiccedilatildeo de se pegar os calccedilados 53 Pelo contexto trata-se de um manto de couro 54 Era uma planta encontrada fora de Atenas oriunda de Cirene Seu caule era usado para fins nutricionais e

terapecircuticos (Teofrasto Historia de las plantas 612) 55 O vocaacutebulo grego κόπρειος tem dois significados i) excremento ii) vilarejo situado nas proximidades de

Elecircusis Para manter o jogo de sentido pensei em traduzir por Peidoacutepolis Merdoacutepolis ou qq coisa do tipo 56 No original Pirrandro era um nome proacuteprio comum em Atenas e possuiacutea uma etimologia composta de

πυρρος e ἀνήρ que significa homem vermelho ie de cabelos ruivos Segundo Coulon amp Daele (Les

Cavaliers 1967 119) presume-se apoacutes essa passagem que Cleatildeo era ruivo

207

Ag A deusa me encorajou para eu vencer vocecirc no falatoacuterio Pa Mas natildeo vai me vencer Pois eu digo que vou fornecer a vocecirc

Povo sem fazer nada uma tigela de salaacuterio para engolir 905 AgEu dou a vocecirc um potinho e tambeacutem remeacutedio

para passar nos machucados da canela Pa E eu arrancando seus cabelos grisalhos vou fazer de vocecirc um jovem Ag Toma Pegue o rabo da lebre para enxugar bem seus dois olhinhos Pa Depois de assoar o nariz Povo limpa na minha testa 910 Ag Natildeo na minha Pa Natildeo na minha

Eu farei vocecirc se tornar um trierarca57

gastando dinheiro

e o seu Com um barco velho

no qual vocecirc natildeo vai parar de gastar 915

nem de fazer reparaccedilotildees

E eu vou fazer de tudo para que

vocecirc receba um mastro podre Co O fulano estaacute fervendo Chega chega

Que estaacute transbordando Eacute preciso tirar 920

umas tochinhas e acabar

as ameaccedilas com isto aqui PaVai me pagar caro

Sendo esmagado pelos impostos

porque eu no meio dos ricos 925

57 O trierarca era o comandante de um trirremo navio de guerra Eram designados pelo estratego O trierarca

pertencia a instituiccedilatildeo da poleis chamada trierarquia (Lavedan 1931 976-978)

208

farei de tudo para que vocecirc seja inscrito [entre os ricos]58

Ag Entatildeo natildeo vou mais fazer ameaccedilas

mas peccedilo a vocecirc o seguinte

uma panela com lulas

coloque para fritar 930

e ndash estando vocecirc na condiccedilatildeo de pedir um julgamento a respeito

dos Mileacutesios59

para ganhar

um talento se conseguir ndash

vocecirc com vontade de se fartar ao maacuteximo de lulas

chegue ainda a tempo de 935

ir agrave assembleacuteia Depois

antes que vocecirc comece a comer que um fulano venha a sua procura

e vocecirc querendo receber o talento

e comendo ao mesmo tempo

engasgue 940 Co Muito bem Por Zeus por Apolo e por Demeacuteter

58 Cleatildeo teria aumentado os impostos a uma contribuiccedilatildeo de 200 talentos o que atingiu sua popularidade Trata-

se de um imposto com fins beacutelicos pago por fortunas atenienses (Lavedan 1931 538-539) 59 Os Mileacutesios eram habitantes da cidade de Miacuteletos Cidade iocircnica com o melhor porto da Asia Menor Os

Mileacutesios participaram decisivamente da revolta iocircnica contra a Peacutersia Em 494 aC sitiada pelos persas seus

habitantes foram levados para Susa Em 479 a cidade teve uma segunda fundaccedilatildeo e juntou-se a Confereraccedilatildeo

Deacutelia e revoltou-se contra Atenas em 412 Era um centro industrial de latilde considerada a melhor do mundo

antigo (Harvey 1998 340-341)

209

Nuvens ndash agon I (vv 949-1104)

CORO (Estrofe) Agora ambos vatildeo demonstrar confiados em raciociacutenios

habiliacutessimos [955] pensamentos e reflexotildees sentenciosas qual dos dois parece o melhor orador

Aqui se arrisca toda a sorte da sabedoria pela qual os meus dois amigos travam o combate supremo

Corifeu (Voltando-se para o Justo)

Mas vocecirc que coroou os antigos com tantos costumes honrados diga as palavras que lhe agradam [960] e fale

sobre a sua natureza

JUSTO Entatildeo vou contar como era a educaccedilatildeo antiga quando eu florescia dizendo o que eacute

justo e a prudecircncia era considerada Em primeiro lugar natildeo se devia ouvir um menino cochichar nem um a

depois os moradores de um mesmo bairro andavam pelas ruas bem disciplinados indo agrave casa do professor de

ciacutetara sem mantos e em fila ainda que nevasse neve farinhenta O professor por sua vez comeccedilava ensinando-

os a cantar com as coxas bem apartadas ou Palas terriacutevel destruidora de cidades ou um som longiacutefero

sustentando os acordes transmitidos pelos pais [970] E se algum deles se fazia de bobo ou modulava uma

modulaccedilatildeo de voz como essas de hoje agrave moda de Friacutenis tatildeo difiacuteceis de modular era moiacutedo de muitas pancadas

como se estivesse prejudicando as Musas Na casa do professor de ginaacutestica os meninos deviam sentar-se com

as pernas esticadas para a frente para natildeo mostrar nenhuma [975] indececircncia aos estranhos de outro lado ainda

quem se levantava devia aplainar a areia tomando a precauccedilatildeo de natildeo deixar aos amantes nenhum vestiacutegio de

sua mocidade Naquele tempo nenhum menino costumava untar-se debaixo do umbigo e assim sobre os

genitais florescia uma penugem orvalhada como num fruto e ningueacutem molhava e [980] amolecia a voz para

aproximar-se do amante prostituindo-se a si mesmo com os olhos Nos jantares natildeo era permitido servir-se da

cabeccedila do rabanete nem roubar a erva-doce ou selino dos velhos nem se devia comer gulodices dar gargalhadas

ou ficar de pernas cruzadas

INJUSTO Chi Satildeo velharias do tempo das Dipolias coisas cheias de cigarras de Cecides e de

Bufocircnias [985] Mas na realidade foi com essas coisas que a minha educaccedilatildeo criou os homens guerreiros de

Maratona Mas vocecirc desde logo ensina as crianccedilas de hoje a se embrulharem em mantos e eu sufoco de raiva

quando algueacutem precisando danccedilar nas Panateneacuteias segura o escudo diante do sexo sem respeitar a Tritogeneacuteia

(Voltando-se para Fidiacutepides) Em vista disso coragem meu rapaz

210

[990] Escolha-me a mim o raciociacutenio forte E

vocecirc aprenderaacute a detestar a agora a abster-se dos balneaacuterios a ter vergonha do que eacute vergonhoso e a pegar fogo

se algueacutem o insultar Aprenderaacute tambeacutem a erguer-se da cadeira quando se [995] aproximam os velhos a natildeo ser

estuacutepido com os seus pais e a natildeo fazer nenhuma outra accedilatildeo vergonhosa porque procura realizar a imagem do

pudor E natildeo iraacute correndo agrave casa de uma danccedilarina ficando de boca aberta diante do espetaacuteculo para receber

uma maccedilatilde de alguma rameirinha e ter a sua boa reputaccedilatildeo despedaccedilada Tambeacutem natildeo retrucaraacute ao seu pai

chamando-o de velho Japeto e censurando-o pela sua velhice graccedilas agrave qual vocecirc foi criado como um

filhotinho

INJUSTO ( A Fidiacutepides)

[1000] Meu rapaz se vocecirc lhe obedecer nisso sim por Dioniso pareceraacute aqueles porcos-filhos de Hipoacutecrates

e vatildeo chamaacute-lo de filhinho da mamatildee

JUSTO

Mas entatildeo esplecircndido como uma flor vocecirc passaraacute o tempo nos ginaacutesios natildeo ficaraacute parolando pela agora

a respeito de arguacutecias espinhosas como a mocidade de hoje arrastado aos tribunais por um negocinho cheio de

chicanas e contradiccedilotildees [1005] capciosas Descendo agrave Academia apostaraacute corrida debaixo das oliveiras

sagradas com um rapaz ajuizado e da mesma idade coroado com uma verde cana rescendendo a hera

serenidade e choupo branco no cair das borbulhas alegre na estaccedilatildeo primaveril quando o plaacutetano troca doces

murmuacuterios com o olmo

[1010] Se fizer o que eu digo e atentar nesses conselhos teraacute sempre peito robusto cores brilhantes ombros

largos liacutengua curta [1015] quadris grandes e membro pequeno

Mas se praticar os haacutebitos de hoje logo teraacute pele paacutelida ombros estreitos peito acanhado liacutengua grande quadris

pequenos membro comprido e longos decretos E ele persuadiraacute vocecirc a pensar que tudo que eacute [1020]

vergonhoso eacute belo e o belo vergonhoso

E aleacutem disso vai sujaacute-lo com a devassidatildeo de Antiacutemaco

211

CORO

[1025] (Antiacutestrofe) Cultor da gloriosa sabedoria de altivas tornes que doce e prudente flor repousa

em suas palavras Felizes sim os que viviam nos tempos de outrora Em resposta vocecirc que possui

[1030] uma arte de fina elegacircncia algo de novo deve dizer pois o homem se saiu muito bem

CORIFEU (A O Injusto)

Parece que contra ele vocecirc precisa de resoluccedilotildees terriacuteveis se pretende vencer o rival sem [1035] expor-se

ao ridiacuteculo

INJUSTO

E no entanto haacute bem tempo eu eacute que sufocava ateacute as entranhas e desejava revirar tudo isso com

argumentos contraacuterios Pois no meio dos pensadores chamaram-me o raciociacutenio fraco [1040] por isso

mesmo porque fui o primeiro a pensar em contradizer as leis e a justiccedila Eis aiacute o que vale muito dinheiro

escolher os raciociacutenios fracos e apesar disso vencer

( A Fidiacutepides) Observe como vou refutar essa educaccedilatildeo em que ele acredita ele que afirma em primeiro

lugar que vocecirc natildeo teraacute licenccedila de tomar banho quente (Volta-se para o Justo) [1045] Mas com que

fundamento vocecirc censura os banhos quentes

JUSTO

Porque satildeo uma coisa peacutessima e tornam o homem covarde

INJUSTO

Pare Pois jaacute o agarrei pela cintura e natildeo o deixo escapar Diga-me dentre os filhos de Zeus qual eacute o

homem que vocecirc julga de alma mais valorosa Diga-me quem suportou as maiores fadigas

JUSTO

[1050] Natildeo julgo nenhum homem superior a Heacutercules

INJUSTO

Pois entatildeo vocecirc jaacute viu alguma vez banhos de Heacutercules que sejam frios Ora quem era mais corajoso

JUSTO

Eacute isso eacute isso mesmo que enche os balneaacuterios de jovens que tagarelam sem cessar o dia inteiro enquanto as

palestras ficam vazias

212

INJUSTO

[1055] E depois vocecirc censura a discussatildeo na aacutegora e eu a elogio Se houvesse algum mal Homero nunca

teria feito de Nestor um discurseiro nem de todos os saacutebios Daiacute entatildeo passo para a liacutengua esse fulano diz que

os jovens natildeo devem exercitaacute-la e eu digo que sim De outro lado ele [1060] diz que se deve ser modesto Dois

grandes males Vocecirc jaacute viu algueacutem ganhar alguma coisa com a modeacutestia Fale refute-me com palavras

JUSTO

Muita gente Pois natildeo foi por isso que Peleu recebeu o seu cutelo

INJUSTO

Cutelo Grande lucro teve o desgraccedilado [1065] Hipeacuterbolo aquele das lamparinas ganhou com a sua

falta de vergonha mais do que muitos talentos e natildeo um cutelo por Zeus

JUSTO

E Peleu graccedilas agrave sua modeacutestia desposou Teacutetis

INJUSTO

E logo ela passou-o para traacutes e foi-se embora pois ele natildeo era nem fogoso e nem agradaacutevel para festejar as

noites debaixo das cobertas E [1070] uma mulher gosta de sofrer violecircncias Vocecirc eacute um velho sendeiro

( A Fidiacutepides) Meu rapaz observe tudo que existe na modeacutestia e de quantos prazeres vocecirc deve privar-se

meninos mulheres jogos de coacutetabo alimentos bebidas gargalhadas Ora de que lhe valeraacute a vida se [1075]

focircr privado de tudo isso Bem passarei agraves necessidades naturais Vocecirc agiu mal ficou apaixonado e praticou um

adulteacuterio mas foi apanhado Vocecirc estaacute perdido pois natildeo eacute capaz de falar Conviva comigo e goze a vida salte

ria e natildeo ache nada vergonhoso Pois se acaso focircr apanhado em flagrante adulteacuterio vocecirc diraacute ao marido [1080]

o seguinte que natildeo tem culpa nenhuma Depois trate de jogar a culpa em Zeus porque ele tambeacutem eacute mais fraco

do que o amor e que as mulheres Ora como eacute que vocecirc um mortal poderia ser mais forte do que um deus

JUSTO

Quecirc E se por ter acreditado em vocecirc lhe enfiarem um rabanete no rabo e o esfolarem com cinza Ele teraacute

algum argumento para afirmar que natildeo eacute um esculhambado

213

INJUSTO

[1085] E se focircr um esculhambado que haveraacute de mal

JUSTO

Pois que desgraccedila ainda maior do que essa ele poderia sofrer um dia

INJUSTO

E entatildeo que diraacute vocecirc se focircr derrotado por mim nesse particular

JUSTO Calarei a boca Que mais

INJUSTO

Entatildeo diga-me vamos os advogados puacuteblicos onde eacute que vamos buscaacute-los

JUSTO

[1090] Nos esculhambados

INJUSTO

Acredito E os traacutegicos onde

JUSTO

Nos esculhambados

INJUSTO

Tem razatildeo E os oradores

JUSTO

Nos esculhambados

INJUSTO

[1095] Estaacute aiacute entatildeo natildeo reconhece que diz tolices

Observe no meio dos espectadores qual eacute a maioria

JUSTO Sim estou observando

INJUSTO

E entatildeo que vecirc

JUSTO Pelos deuses os esculhambados satildeo mais numerosos (Mostrando ao acaso) Eis ali um bem [1 100] o conheccedilo e aquele ali e aquele

cabeludo que laacute estaacute

INJUSTO E entatildeo que diz vocecirc

JUSTO (Resignado) Fomos vencidos Oacute prostituiacutedos Pelos deuses recebam o meu manto que eu passo para seu lado (Entra no ―pensatoacuterio)

214

Nuvens ndash agon II (vv 1345-1451)

CORO

(Estrofe) Velho a sua tarefa eacute pensar em como sobrepujaacute-lo Se em algo ele natildeo confiasse tatildeo

atrevido natildeo haveria de ser Mas existe algo [1350] que lhe daacute coragem Bem visiacutevel eacute a sua

audaacutecia

CORIFEU

Mas por que comeccedilou a discussatildeo Eacute preciso dizecirc-lo diante do coro E vocecirc vai fazecirc-lo de qualquer maneira

ESTREPSIacuteADES

Bem vou contar por que comeccedilamos a discutir Pois enquanto banqueteaacutevamos como [1355] vocecircs sabem primeiro

mandei-o apanhar a lira para cantar uma poesia de Simocircnides sobre Crio e como foi tosquiado Ele disse-me que

era antiquado tocar ciacutetara e cantar na hora da bebida como uma mulher moendo cevada

FlDIacutePIDES

Pois nessa hora vocecirc natildeo merecia apanhar e ser pisado por mandar-me cantar como se tivesse [1360] convidado uma cigarra para jantar

ESTREPSIacuteADES

Ah eram essas mesmas as palavras que ele dizia laacute dentro afirmando que Simocircnides eacute mau poeta Eu embora a

custo apesar de tudo a princiacutepio contive-me Depois mandei-o apanhar ao menos um galho de mirto e recitar-

me alguma [1365] coisa de Eacutesquilo E ele logo disse Pois considero Eacutesquilo o maior poeta barulhento

incoerente empolado criador de palavras escarpadas Pensem entatildeo como o meu coraccedilatildeo palpitou de raiva

Todavia depois de engolir a coacutelera eu disse Bem cante alguma coisa desses modernos algumas dessas

belezas E ele logo cantou uma passagem de Euriacutepides ndash livre-nos Deus ndash sobre um irmatildeo que violentou a

proacutepria irmatilde Natildeo me contive mais e logo acometi com muitas palavras maacutes e injuriosas Daiacute [1375] entatildeo

como era natural opuacutenhamos palavra a palavra Depois ele daacute um salto fere-me espanca-me estrangula-me e

acaba comigo

215

FIDIacutePIDES

Entatildeo natildeo eacute justo jaacute que vocecirc natildeo elogia Euriacutepides o mais saacutebio

ESTREPSIacuteADES

O mais saacutebio Oacute de que chamar vocecirc Mas vou apanhar de novo

FlDIacutePIDES

Sim por Zeus e seraacute justo

ESTREPSIacuteADES

[1380] Justo E como Sem vergonha eu que o criei percebendo tudo que vocecirc queria dizer quando

balbuciava Se vocecirc dizia bru eu entendia e lhe oferecia de beber Quando pedia mamaacute aproximava-me para

dar-lhe comida Nem bem vocecirc dizia caca eu levava-o para fora da porta e segurava-o diante de mim Mas

vocecirc agora me estrangulava enquanto eu gritava e berrava que tinha vontade de aliviar-me [1390] Canalha nem

pensou em levar-me para fora e sufocado eu fiz a caca ali mesmo

CORO

(Antiacutestrofe) Creio eu datildeo saltos os coraccedilotildees [1395] dos jovens agrave espera do que ele vai dizer E se

ele que praticou esses crimes convencer o pai com suas tagarelices em troca da pele dos velhos eu

natildeo daria nem um gratildeo de bico

CORIFEU ( A Fidiacutepides)

Movimentador e sacudidor de palavras novas a sua tarefa eacute procurar um meio de convencer de que parece dizer

o que eacute justo

FIDIacutePIDES

Como eacute doce conviver com ideacuteias novas e [1400] engenhosas e poder desprezar as leis estabelecidas

Quando eu preocupava o meu espiacuterito soacute com a equitaccedilatildeo natildeo era capaz de dizer nem trecircs palavras sem errar Mas agora depois que ele em pessoa acabou com isso eu convivo com haacutebeis [1405] sentenccedilas palavras e

pensamentos e creio que posso provar que eacute justo castigar o pai

ESTREPSIacuteADES

Pois entatildeo por Zeus trate de andar agrave cavalo Que para mim eacute melhor sustentar uma quadriga de cavalos do

que apanhar e ser moiacutedo de pancadas

FIDIacutePIDES

Volto ao ponto em que vocecirc me cortou a palavra E antes vou dizer-lhe o seguinte quando eu era crianccedila

vocecirc me batia

ESTREPSIacuteADES

[1410] Sim porque tinha boas intenccedilotildees e cuidados por vocecirc

216

FlDIacutePIDES

Entatildeo diga-me natildeo eacute justo que eu tenha boas intenccedilotildees e da mesma forma lhe bata jaacute que ter boas

intenccedilotildees eacute bater Pois como eacute que o seu corpo deve sair ileso dos golpes e o meu natildeo E no entanto bem

que eu nasci livre As crianccedilas choram e pensas que um pai natildeo deve [1415] chorar Mas vocecirc diraacute que se

considera esse ato como proacuteprio das crianccedilas e eu responderei que os Velhos satildeo duas vezes crianccedilas e que eacute

natural que os velhos chorem mais do que os jovens tanto quanto eacute menos razoaacutevel que cometam erros

ESTREPSIacuteADES

[1420] Mas em lugar algum se admite que o pai sofra esse ultraje

FlDIacutePIDES

Acaso quem estabeleceu essa lei pela primeira vez natildeo foi um homem como vocecirc e eu que persuadiu aos antigos com suas palavras Entatildeo eacute menos razoaacutevel que eu de meu lado para o futuro estabeleccedila uma nova lei

para os filhos que [1425] por sua vez batam nos pais Todas as pancadas que costumaacutevamos receber antes de

ser estabelecida esta lei noacutes deixamos passar e lhes damos graacutetis para serem espancados Mas observe como

os galos e todos esses outros animais se vingam dos seus pais Ora em que diferem de noacutes senatildeo porque natildeo

redigem decretos

ESTREPSIacuteADES [1430] Jaacute que vocecirc imita os galos em tudo por que tambeacutem natildeo come esterco e natildeo dorme num poleiro

FIDIacutePIDES

Natildeo eacute a mesma coisa meu caro nem Soacutecrates aceitaria isso

ESTREPSIacuteADES

Se eacute assim natildeo me bata Senatildeo um dia vocecirc tambeacutem seraacute castigado

FIDIacutePIDES

Como

ESTREPSIacuteADES

Porque tenho direito de castigaacute-lo e vocecirc ao seu filho se o tiver

FlDIacutePIDES

[1435] E se eu natildeo tiver filhos Terei chorado em vatildeo e vocecirc jaacute estaraacute morto rindo diante do meu nariz

217

ESTREPSIacuteADES

Homens de minha idade penso que ele diz o que eacute justo Creio que se deve concordar com os filhos no que eacute

razoaacutevel Pois eacute natural que tambeacutem choremos se natildeo fazemos o que eacute justo

FlDIacutePIDES

Reflita ainda sobre um outro pensamento

ESTREPSIacuteADES [1440] Natildeo Pois vou morrer

FlDIacutePIDES

E provavelmente vocecirc natildeo ficaraacute com raiva depois de ter padecido o que estaacute padecendo agora

ESTREPSIacuteADES

Como Mostre-me qual o benefiacutecio que vocecirc poderaacute fazer-me

FlDIacutePIDES

Tambeacutem vou bater na minha matildee assim como lhe bati

ESTREPSIacuteADES

Que diz Que diz vocecirc Esse crime ainda eacute maior

FIDIacutePIDES

[1445] Por quecirc E se eu vencecirc-lo com palavras sustentando o raciociacutenio fraco de que se deve bater na matildee

ESTREPSIacuteADES

Que mais haacute de acontecer se vocecirc fizer isso [1450] Nada poderaacute impedi-lo de precipitar-se no Baacuteratro com

Soacutecrates e com esse tal raciociacutenio fraco (A o C o r o ) Nuvens eis o que estou sofrendo por vossa causa

porque vos confiei todos os meus problemas

CORO

Vocecirc mesmo foi o causador desses males [1455] quando se virou para a perversidade

ESTREPSIacuteADES

Por que entatildeo naquele tempo voacutes natildeo me dissestes isso e virastes a cabeccedila de um homem velho e ignorante

218

Vespas ndash agon I (vv 334 a 414)

Co Quem eacute o fulano que manteacutem vocecirc preso

agrave porta fechada Diga

pois vocecirc pode confiar nos amigos 335

Fi Meu proacuteprio filho Mas natildeo gritem Por acaso

ele estaacute dormindo aiacute na frente Abaixem a voz

Co Qual eacute a desculpa oh imprestaacutevel para ele querer te tratar assim

Que pretexto ele deu

Fi Ah senhores ele natildeo quer que eu seja juiz e nem que eu cometa injusticcedila 340

Em compensaccedilatildeo ele se dispotildee a me empanturrar mas eu natildeo quero

Co O perverso teve coragem de abrir a boca

esse demologocleatildeo60

porque vocecirc fala a verdade

sobre a questatildeo da frota

Natildeo seria permitido a esse fulano

de falar assim

natildeo fosse um assunto atual 345

Mas as coisas estando como estatildeo estaacute na hora de encontrar uma nova ideacuteia

que vai permitir vocecirc de descer daiacute sem o fulano perceber

Fi O que seria entatildeo Procurem vocecircs que eu farei qualquer coisa

tanto eacute o meu desejo de circular na frente da urna61

com as conchas de voto

Co Natildeo haacute um buraco aiacute dentro que vocecirc possa aumentar 350

para fugir disfarccedilado de mendigo como o sabichatildeo do Odisseus

Fi Estaacute tudo tampado Natildeo tem nem mesmo um furo suficiente pra deixar passar um

[mosquito

60 Nome forjado por Aristoacutefanes demologo era um nome pejorativo agrave maneira como os oradores se dirigiam ao

povo na Assembleacuteia e cleatildeo eacute a injuria dirigida a Cleatildeo ou tambeacutem a Bdelicleatildeo 61 Onde se depositavam os votos

219

Eacute preciso que vocecircs procurem um outro jeito Natildeo posso escorregar como um queijo

Co Vocecirc se lembra do dia em que no exeacutercito vocecirc roubou os obeliscos

e se serviu deles para descer rapidamente dos muros no momento

[da tomada de Naxos 355

Fi Claro Mas qual a relaccedilatildeo A situaccedilatildeo de hoje natildeo tem nada a ver com aquela

Eu era jovem capaz de roubar em pleno vigor

ningueacutem me vigiava e eu podia

fugir sem medo Enquanto que hoje

os homens com armas a postos 360

fazem sentinela em todas as saiacutedas

Haacute dois deles agrave porta que

como se eu fosse uma doninha que roubou a carne

ficam de olho com espeto na matildeo

Co Mas imagine agora

um jeito e sem demoras

pois eis a aurora zangatildeozinho 366

Fi Entatildeo o melhor pra mim eacute roer a corda

E que Aacutertremis me perdoe pela corda

Co Isso eacute que eacute um homem que luta pela sua salvaccedilatildeo

Vamos Leve para a boca 370

Fi Ela foi rompida Mas natildeo gritem

e fiquem atentos para natildeo acordar Bdelicleatildeo

Co Natildeo haacute nada a temer amigo nada

se algo se mexer eu o

farei roer o coraccedilatildeo 375

e lutar pela sua vida

para que saiba a natildeo mais violar

220

as leis das duas veneraacuteveis deusas62

Prenda a corda em volta da janela em seguida desccedila

apoacutes tecirc-la prendido em vocecirc e enchido a alma com feacute em Demeacuteter 380

Fi Sim e se nesse momento os dois perceberem e tentarem me repescar

e conseguirem me levar pra dentro o que vocecircs vatildeo fazer Digam hein

Co Viremos todos em seu socorro fazendo apelo ao nosso forte coraccedilatildeo

de modo que natildeo seraacute possiacutevel te trancarem Eacute isso que faremos

Fi Farei isso entatildeo e confiando em vocecircs Se me acontecer algo ruim tomem nota 385

me enterrem debaixo do tribunal depois de chorarem muito

Co Nada vai te acontecer Natildeo tenha medo de nada Vamos nosso melhor amigo desccedila

com confianccedila em vocecirc e invocando os deuses paacutetrios

Fi Oh Lico63

soberano heroacutei e vizinho vocecirc que fica feliz como eu

com as laacutegrimas e os prantos interminaacuteveis dos acusados 390

Escolheu certamente esse lugar para que natildeo os perdesse

pois vocecirc eacute o unido dos heroacuteis que escolheu ficar do lado dos desgraccedilados

Tenha piedade e salve agora aquele que eacute seu vizinho

E nunca mais ao peacute das grades vou mijar nem peidar

Bd Vocecirc Acorda

Es O que eacute que eacute

Bd Estou ouvindo algo parece voz 395

Seraacute que o velhote se escafedeu por aiacute

Es Natildeo por ZeusNatildeo eacute isso mas por uma corda estaacute descendo

62 Demeacuteter e Perseacutefone 63 A estaacutetua do heroacutei Lico filho de Pandion era situada proacuteximo ao tribunal e ao local onde os juiacutezes recebiam

seus salaacuterios

221

Bd Ei desgraccedilado O que estaacute fazendo Natildeo natildeo vai descer natildeo

Suba raacutepido pelo outro lado e bata nele com esses ramos secos

talvez ele volta pra traacutes e reme pra cima com esses galhos de oliveira

Fi Natildeo vatildeo me ajudar Vatildeo ter processos esse ano todos vocecircs 400

Smiciacutetion Tsiades Cremon e Feredipo64

Eacute agora ou nunca venham ao meu socorro antes que consigam me retrancar

Co Diga-me por que demoramos para rebelar nossa coacutelera

que nos vem quando algueacutem se irrita com nosso vespeiro

O momento eacute esse O momento eacute esse 405

de puni-lo e com nosso agressivo aguilhatildeo

pontudo dar-lhe uma ferroada

Rapazes tirem raacutepido o manto

corram gritem e anunciem isso a Cleatildeo

diga-lhe para vir 410

fazer frente ao homem que odeia a cidade

e que merece morrer porque

ele sustenta a ideacuteia de que

natildeo eacute mais preciso julgar os processos

64 Acredita-se que fossem sicofantas

222

Vespas ndash agon II (vv 526-727)

Co Agora eacute preciso que vocecirc que eacute do nosso

time diga algo

de novo para que se mostre

Bd Traga-me para caacute um cesto qualquer e depressa

Pois bem que que tipo de homem ele deve se mostrar se isso deve encorajaacute-lo 530

Co natildeo como esse jovem

no falar pois vocecirc estaacute vendo

que por sua causa acontece um grande debate

a respeito de tudo sem exceccedilatildeo 535

Se entatildeo natildeo conseguir

nesse momento ele estaacute decidido a levar a melhor

Bd Certamente e o que for dito anotarei sem rodeio e de memoacuteria

Fi E daiacute DigamSe esse aiacute me vencer no falatoacuterio

Co Natildeo mais a multidatildeo de velhos 540

seraacute sem sombra de duacutevida uacutetil

223

e zombando de noacutes

em todas as ruas

seriacuteamos chamados de porta-ramos65

e de sacos velhos 545

Mas vamos homem em vista de toda soberania e estando destinado a responder

eacute chegado o momento de com confianccedila colocar agrave prova toda sua liacutengua

Fi Pra comeccedilo de conversa vou comeccedilar provando

que da nossa parte nada eacute inferior agrave soberania

Pois quem eacute nos dias de hoje mais feliz e afortunado do que um juiz 550

criatura mais delicada e temiacutevel apesar de velho

Em primeiro lugar mal levanto da cama sou escoltado ateacute o tribunal

por homens grandes de quatro cocircvados Em seguida assim que chego

eacute colocada sobre mim a matildeo leve que se apropria do que eacute puacuteblico

Suplicam de joelhos inclinando-se e retratando-se com uma voz lamuriosa 555

piedade de mim pai eu te suplico se vocecirc mesmo nunca roubou

quando exerceu a magistratura ou quando fazia compras para os companheiros do

[exeacutercito

Esse aiacute nem teria sabido que eu existia se eu natildeo o absolvesse da primeira vez

Bd A questatildeo dos suplicantes que eu me lembre disso

Fi Em seguida quando jaacute me suplicaram e apaziguaram minha coacutelera entro 560

e laacute dentro nada faccedilo das coisas que prometi

mas escuto de todos os lados os argumentos para a absolviccedilatildeo

Vejam soacute o que natildeo eacute preciso ouvir de adulaccedilatildeo ao juiz nesse lugar

Uns se derramam em prantos por causa de sua pobreza e acrescentam

65 Nas Grandes Panateneacuteias os velhos levavam ramos de oliveira nas procissotildees

224

desgraccedilas a seus males ateacute que de tanto atormentar se tornem iguais aos meus 565

Outros nos contam faacutebulas outros ainda algo engraccedilado de Esopo66

haacute os que contam piadas para que eu ria e descarregue minha coacutelera

E se nem assim somos persuadidos logo sobe a filharada

meninas e meninos pela matildeo E eu entatildeo escuto

E eles curvando-se juntos comeccedilam a balir ao mesmo tempo E depois o pai deles 570

como a um deus suplica-me tremendo para livraacute-lo do processo de fraude

―Se vocecirc se comove com a voz de um carneiro tenha piedade com a voz de uma

[crianccedila

Aleacutem do mais se pareccedilo me comover com as porquinhas tenta me convencer pela voz

[da neta

Entatildeo em relaccedilatildeo a ele relaxamos um pouco a tensatildeo de nossa coacutelera

Por acaso isso natildeo eacute ter um grande poder e menosprezar a riqueza 575

Bd A segunda coisa que vou tomar nota o menosprezo da riqueza

Entatildeo me mencione as vantagens quando afirma ser o soberano da Greacutecia

Fi Bem quando os adolescentes se submetem a uma inspeccedilatildeo eacute de direito vecirc-los nus

E se Eagros67

ficar diante do tribunal como acusado natildeo se livra antes que

tenha recitado uma passagem de Niacuteobe68

e que escolha a mais bela 580

E se um flautista ganha o processo ele nos recompensa

tocando na forbeacuteia 69

a marcha de saiacuteda dos juiacutezes quando vatildeo embora

E se um pai ao morrer e deixando uma heranccedila designa um marido agrave filha sua

[uacutenica herdeira

noacutes que lamentamos profundamente defendemos a parte principal no testamento

e a concha que cobre tatildeo magnificamente os selos judiciais 585

e oferecemos a moccedila a quem pelas suacuteplicas nos corrompeu

E tudo isso fazemos sem dar satisfaccedilatildeo Nenhuma outra magistratura eacute assim

Bd Entre os que vocecirc cita esse eacute o uacutenico que eu te felicito

Mas no caso do testamento da herdeira vocecirc procede mal ao violar a concha

66 Fabulista que viveu na primeira metade do seacuteculo VI como escravo (Heroacutedoto II 34) 67 Ator traacutegico 68 Natildeo se sabe se a autoria dessa trageacutedia eacute de Eacutesquilo ou de Soacutefocles porque ambos escrevem uma peccedila de

mesmo nome 69 Acessoacuterio para abrandar o som da flauta feito de couro e fixado aos laacutebios

225

Fi E mais quando o Conselho e o povo hesitam julgar um negoacutecio importante 590

decidem que os acusados se apresentem aos juiacutezes

E entatildeo Evatlo70

e o grande Colacocircnimo71

aquele que lanccedilou longe seu escudo

afirmam que natildeo vatildeo nos trair e que vatildeo lutar em favor do povo

Assim na assembleacuteia do povo ningueacutem jamais fez prevalecer seu ponto de vista se natildeo

propuser que os juiacutezes possam fechar a sessatildeo depois de

julgar um processo 595

Somos os uacutenicos que o proacuteprio Cleatildeo o que ganha no grito natildeo atormenta

Ao contraacuterio nos protege tendo-nos no braccedilo e nos defende das moscas

Enquanto que vocecirc nunca fez nada do que quer que fosse a seu proacuteprio pai

Jaacute Teoro72

que natildeo eacute um homem menos importante do que Eufecircmio73

pega a esponja de sua bacia e lustra nossos calccedilados 600

Veja de quantas coisas boas vocecirc estaacute me excluindo e me impedindo

Vocecirc que afirmava conhecer o que eacute escravidatildeo e servidatildeo

Bd Fale o que quiser Em todo caso quanto a vocecirc esse seu rabo imperioso deveraacute

[sossegar um dia e revelar

no banho uma parte dessa sua majestosa magistratura

Fi E o que eacute mais prazeroso dessas coisas todas e que eu ia me esquecendo 605

eacute quando volto para casa com meu salaacuterio Assim que eu chego

me paparicam por causa do meu dinheiro Primeiro minha filha

lava meus dois peacutes e os massageia com oacuteleo e inclinando-se os beija

e me chama de ―paizinho ao mesmo tempo que pesca com a liacutengua um trioacutelobo

E minha mulher me bajula me trazendo bolinhos 610

e depois sentando-se a meu lado insiste ―come esse

e prova esse tambeacutem E eu me farto de felicidade com essas coisas

e natildeo precisarei ficar de olho em vocecirc e no criado quando ele for me servir o melhor

70 Evatlos aparece frequumlentemente nas comeacutedias como um sicofanta 71 Trata-se do poliacutetico Cleocircnimo com fama de glutatildeo E parece que ele num ato de covardia teria abandonado o

campo de batalha 72 Teoros eacute atacado nas comeacutedias como parasita e adulador de Cleatildeo de perjuacuterio adulteacuterio e glulodice 73 Desconhecido

226

me amaldiccediloando e resmungando e nem se me preparar uma massa rapidamente

E com isso adquiri uma armadura contra os males equipamento militar 615

[para escapar das flechas

E se vocecirc natildeo me oferece vinho para beber trago comigo essa taccedila74

cheia de vinho e em seguida me inclino e bebo Entatildeo minha taccedila de bocal grande

comeccedila a estralar com goladas enormes e valentes para desafiar a sua

Por acaso eu natildeo comando uma grande magistratura em nada inferior a de Zeus

Jaacute que falam de mim como de Zeus 620

E se tumultuamos

cada um dos presentes dizem

―como estrondeia o tribunal

Oh Zeus-soberano

E quando lanccedilo meus raios batem os dentes 625

e se borram de medo os ricos

e os mais importantes

E mesmo vocecirc tem muito medo de mim

Sim por Demeacuteter Vocecirc se borra E quanto a mim

que eu morra se tenho medo de vocecirc 630

Co Ateacute o momento desse modo tatildeo claro

natildeo ouvimos ningueacutem

que falasse com habilidade

Fi Eacute que ele pensava que sozinho poderia facilmente vindimar

Pois ele bem que sabia que nisso sou mais forte 635

Co Como ele atacou tudo

e nada omitiu de forma que eu

na medida em que ouvia

me sentia grande

e tive a impressatildeo de ser juiz nas Ilhas dos Bem-aventurados 640

74 Aristoacutefanes joga com o duplo significado da palavra ὄνος burro e vaso

227

tanto ele me encantou com sua fala

Fi Como esse fulano jaacute estaacute se retorcendo e natildeo se aguumlenta

de certo que hoje eu farei de vocecirc um cachorro enxotado

Co Eacute preciso que vocecirc trame todos os tipos

de artifiacutecios para se safar 645

Pois acalmar minha raiva

eacute difiacutecil

a natildeo ser que fale em meu favor

Entatildeo eacute o momento de vocecirc procurar uma boa pedra e bem afiada

se natildeo tem nada a dizer para que ela seja capaz de aplacar minha coacutelera

Bd Eacute difiacutecil a partir de uma potente inteligecircncia maior do que a dos poetas 650

[tragicocircmicos

curar uma antiga doenccedila gerada na cidade

Entretanto oh nosso pai filho de Cronos

Fi Chega E sem essa de ―invocar o pai

Se vocecirc natildeo me provar rapidamente porque sou escravo

natildeo haacute jeito que se decirc e vocecirc morreraacute ainda que eu seja afastado dos banquetes

Bd Agora ouccedila papai e esfria a cabeccedila um pouco 655

Primeiro calcule por alto natildeo com as pedrinhas mas com os dedos da matildeo

o tributo total enviado a noacutes pelas cidades

E estenderei esses resultados a muitos impostos de um por cento

as taxas do processo das minas dos mercados das locaccedilotildees dos confiscos

O total de todas essas coisas chega a quase dois mil talentos 660

228

Sobre isso coloque agora o salaacuterio anual pago aos juiacutezes

que satildeo seis mil ndash porque natildeo estabeleceram mais nesse paiacutes ndash

isso nos chega suponho a cento e cinquumlenta talentos

Fi Nosso salaacuterio natildeo chega nem a deacutecima parte dos rendimentos

Bd Natildeo por Zeus certamente que natildeo

Fi E pra onde vai entatildeo o restante do dinheiro 665

Bd Para aqueles que juram ―jamais vou trair a multidatildeo ateniense

e sempre lutarei a favor do povatildeo Pois vocecirc pai

enganado pelos belos discursos os escolhe para que governem

E ainda eles se deixam corromper por cinquumlenta talentos

vindos das cidades as aterrorizando e ameaccedilando 670

―vocecircs pagaratildeo os tributos ou com trovotildees sua cidade vou arruinar

E vocecirc se contenta com as sobras dessa sua magistratura

Os aliados quando se datildeo conta que a sua turma

nada come nem morde na urna

se preocupam com vocecirc como com as pedrinhas de voto do Connos75

entatildeo 675

[a essa gente oferecem

bacias de sardinhas vinho tapetes queijo mel gergelim almofadas

vasos clacircmides coroas colares taccedilas riqueza e sauacutede

E quanto a vocecirc daqueles sobre quem vocecirc governa ―apoacutes ter sofrido tanto

[na terra e no mar

nenhum deles te daraacute se quer um dente de alho para teu ensopado de peixe

Fi Ai meus Zeus Na casa do Eucarides76

eu proacuteprio mandei buscar trecircs dentes de alho

Mas vocecirc me irrita natildeo me mostrando tal escravidatildeo 681

75 Connos muacutesico vencedor nos Jogos Oliacutempicos que morreu na miseacuteria Sua reputaccedilatildeo de imbecilidade se

tornou proverbial thrion de Connos expressatildeo para marcar algo sem importacircncia O thrion era uma iguaria a

base de folha de figo Nesse contexto da comeacutedia Aristoacutefanes muda para voto de Connos 76 Natildeo muito conhecido mas certamente se trata de um feirante

229

Bd Pois natildeo eacute uma baita escravidatildeo ver todas essas pessoas sem exceccedilatildeo

na magistratura com seus aduladores que lhes extorquem dinheiro

Enquanto vocecirc vocecirc fica contente assim que algueacutem te daacute trecircs oacutebolos que conduzindo

[sozinho o exeacutercito

e combatendo por terra e sitiando cidades vocecirc ganhou sofrendo muito 685

Aleacutem disso o que mais me incomoda eacute que recebendo ordens vocecirc fica nesse vai e

[vem

Eacute quando um frangote um debochado como o filho de Quereas77

entra

com as pernas abertas assim rebolando com o corpo e com ar de efeminado

para dizer a vocecirc que esteja presente pela manhatilde e na hora para pronunciar uma

[sentenccedila pois se algueacutem de vocecircs

chega depois do sinal natildeo ganharaacute os trecircs oacutebolos 690

Mas ele recebe uma dracma com o honoraacuterio mesmo se chega atrasado

E fazendo conchavo com um ou outro dos arcontes que senta com ele

E se um dos acusados lhe oferece algo estando a dois eles combinam e tratam o

[negoacutecio 693

seriamente assim como serradores que um puxa e o outro deixa passar

enquanto vocecirc fica olhando boquiaberto o tesoureiro a negociaccedilatildeo lhe passa

[despercebida

Fi Eles fazem isso aiacute comigo Ai de mim o que vocecirc estaacute dizendo

Como vocecirc me inquieta profundamente E conduz meu pensamento e nem sei

[que efeito vocecirc me faz 697

Bd Considera entatildeo como vocecirc e todos os outros poderiam enriquecer

se vocecirc se deixasse corromper pelos populistas de sempre

Vocecirc que governa a maior parte das cidades do Ponto ateacute a Sardenha 700

E natildeo tira proveito exceto desse miserecirc que recebe E ainda eacute com um fiapo de latilde

[que sobre ti

como oacuteleo fazem pingar aos pouquinhos essa miseacuteria suficiente para viver

Pois querem que seja pobre e vou te dizer por causa de que

77 Nem pai nem filho satildeo conhecidos Mas Quereas foi atacado por Ecircupolis (fr80) e parece que seu filho foi um

procurador efeminado

230

para que conheccedila seu dono e entatildeo quando ele assoviar para vocecirc

vocecirc se excita contra um de seus inimigos e como uma fera salta sobre eles 705

Se eles quisessem dar ao povo do que viver seria faacutecil

Pois haacute mil cidades que agora nos pagam tributos

E se algueacutem ordenasse a cada uma delas de sustentar vinte atenienses

entatildeo vinte mil cidadatildeos viveriam na abundacircncia comendo lebres

tendo coroas de todos os tipos bebendo leite 710

gozando das coisas boas que merecem o paiacutes e os vitoriosos de Maratona

Mas agora como os colhedores de azeitona vocecircs seguem os que detecircm

[os salaacuterios de vocecircs

Fi Ai de mim O que aconteceu comigo Um tipo de dormecircncia se espalha ateacute minha matildeo

Natildeo consigo segurar minha espada jaacute estou sem forccedila

Bd Mas quando esses aiacute estatildeo com medo oferecem a Eubeacuteia 715

a vocecircs e se encarregam de produzir cerca de cinquumlenta medimnos de trigo

Eles que nunca deram nada a vocecirc exceto os cinco medimnos recentemente

e com dificuldade E sendo perseguido como estrangeiro passava a patildeo e aacutegua

Por causa dessas coisas eu lhe mantive preso

Porque queria alimentar vocecirc e que eles natildeo 720

caccediloassem de vocecirc ao falar

E agora quero dar a vocecirc absolutamente

aquilo que vocecirc quiser

exceto beber o leite78

do funcionaacuterio das financcedilas 724

Co Certamente era bem saacutebio aquele que dizia ―Antes de ter ouvido as duas partes

78 Refere-se ao trioacutebolo

231

natildeo julgue Pois agora me pareceu que vocecirc levou a melhor

De modo que agora com minha coacutelera apaziguada abaixo os bastotildees

232

Ratildes ndash agon (vv 895-1499)

CORO DE INICIADOS

Sim noacutes desejamos

ouvir de vocecircs homens saacutebios

que harmonia de palavras usaratildeo

que caminho na luta percorreratildeo

A liacutengua eacute rude Mas agrave coragem dos dois natildeo falta ousadia

Natural portanto eacute esperar 900

que um diga algo civilizado

e bem cinzelado

e que o outro com raiacutezes e tudo

arrancando as palavras

com elas desabe e espalhe

rolos e rolos de fa1as

Co Vamos eacute preciso falar o mais raacutepido possiacutevel 905

Cuidado Pronunciem palavras civilizadas Nada de caricaturas e

banalidades

Eu Bem Soacute no fim vou dizer qual eacute a minha relaccedilatildeo com a poesia

Primeiro vou

desmascaraacute-lo Eacute charlatatildeo e velhaco Mostrarei com que meios atraiu e

enganou os 910

espectadores tolos educados por Friacutenico Logo no inicio fazia que um

qualquer

ficasse sentado cobria-lhe a cabeccedila - um Aquiles uma Niacuteobe mdash natildeo lhe

mostrava o

rosto Eram fantoches da trageacutedia e natildeo diziam um a

Di Por Zeus Eacute claro que natildeo

Eu E o coro lanccedilava uma apoacutes outra quatro fileiras de cantos sem parar e

eles em 915

silecircncio

Di Eu gostava desse silecircncio e preferia isso aos tagarelas de agora

Eu Porque vocecirc era um bobo fique sabendo

Di Tambeacutem acho (pausa) Mas por que ele fazia isso

Eu Por charlatanice para que o espectador ficasse sentado esperando o

momento em

que a Niacuteobe ia dizer alguma coisa E assim a peccedila ia-se desenrolando920

233

Di Mas que canalha hein Como ele me enganava(a Eacutesquilo) Por que esses

bocejos

e esses sinais de mal-estar

Eu Porque estaacute sendo desmascarado E depois que falava essas bobagens e a

peccedila jaacute

estava no meio ele dizia uma duacutezia de palavras do tamanho de um boi

carrancudas 925

topetudas terriacuteveis umas palavras com cara de bicho papatildeo que ningueacutem

entendia

Eacutes Ai Coitado de mim

Di Cale a boca

Eu De claro natildeo falava nada

Di Pare de ranger os dentes

Eu Falava de Escamandros de fossos de grifos-aacuteguias dos escudos palavras

marciais

como guerreiros cavalgando em disparada Coisas difiacuteceis de

interpretar 930

Di Pelos deuses Veja eu uma noite jaacute passei muito tempo em claro tentando

descobrir que paacutessaro era o cavagalo dourado

Eacutes Eacute um emblema gravado nos navios oacute ignorantatildeo

Di E eu pensando que era Arroto o filho de Filoacutexeno

Eu Aleacutem do mais precisava pocircr um galo na trageacutedia como personagem 935

Eacutes E vocecirc homem odioso aos deuses Que tipo de personagem criava

Eu Natildeo eram como as suas cavagalos por Zeus nem veabodes que desenham

para

os tapetes persas

234

Mas assim que recebi a sua arte inchada de discursos empolados e

palavras pesadas 940

a primeira coisa que fiz foi enxugaacute-la diminuir-lhe o peso com

versinhos voltinhas

e beacutetulas brancas dando-lhe um chaacute de conversa fiada que extraiacute dos

livros

Depois alimentei-a com monoacutedias

Di Acrescentando-lhe Cefisofonte

Eu Aleacutem disso natildeo dizia o que me vinha agrave cabeccedila nem mudava de assunto

misturando 945

tudo A primeira personagem a entrar em cena jaacute falava sobre a famiacutelia

do meu

drama

Di Melhor para vocecirc Por Zeus Antes isso do que falar da sua

Eu E depois dos primeiros versos natildeo deixava ningueacutem sem accedilatildeo porque nos

meus

dramas todos falavam a mulher o escravo o patratildeo a virgem e a velha950

Eacutes E vocecirc natildeo merecia morrer por ter ousado fazer isso

Eu Natildeo Por Apolo Isso eu fazia de maneira democraacutetica

Di Deixe isso para laacute meu amigo Para vocecirc natildeo eacute bom ficar dando voltas

sobre este

assunto

Eu (apontando os espectadores) Depois eu ensinei esses daiacute a falar

Di Eu concordo Em vez de ensinar isso vocecirc deveria ter-se arrebentado pelo

meio 955

Eu Ensinei o ajuste com reacuteguas de precisatildeo esquadros de versos A

pensar a ver a

compreender a gostar de voltas a usar de artifiacutecios a desconfiar e a

discutir tudo

Eacutes Eu concordo

Eu introduzindo problemas familiares que enfrentamos com que

convivemos Em 960

consequumlecircncia estava exposto a criacuteticas pois conscientes esses aiacute

(mostrando os

espectadores) podiam criticar minha arte Natildeo natildeo falava pomposamente

deixando-

os embasbacados nem os perturbava pondo em cena Cicnos e Memnotildees de

cavalos-

com-arreios-tilintantes Vocecirc jaacute vai conhecer os meus disciacutepulos e os

dele Os deles 965

satildeo Formiacutesio e Megecircneto o Manes barbudos-de-lanccedila-e-trombeta

sarcaacutesticosndash

dobrandashpinheiros Os meus satildeo Clitofonte e o elegante Teracircmenes

235

Di Teracircmenes Aquele homem eacute astuto e terriacutevel em tudo Se por acaso

algueacutem caiu

em desgraccedila ou disso estaacute perto ele jaacute estaacute de fora pois natildeo eacute de

Quios mas de 970

Ceos

Eu Ora pensamentos como esses na cabeccedila deles (apontando os espectadores) eu pus

caacutelculo acrescentei agrave arte e exame tambeacutem Assim agora pensam em tudo

tudo 975

sabem Mais que tudo as casas administram melhor que antes e procuram

saber

Como estaacute isso Onde estaacute isso Quem pegou aquilo

Di Sim Pelos deuses Veja 980

Todo ateniense agora ao entrar em casa grita aos criados e pergunta

Onde estaacute a marmita Quem comeu a cabeccedila da sardinha 985

E o prato do ano passado

Estaacute morto Onde estaacute o alho de ontem Quem mordiscou minhas azeitonas990

Ateacute entatildeo muito sonsos de queixo caiacutedo filhinhos da mamatildee

como patetas ficavam sentados

CORO DE INICIADOS

Vecircs isso brilhante Aquiles

Vamos o que responderaacute vocecirc a isso Cuidado

Que o coraccedilatildeo natildeo o arrebate

levando-o para fora dos olivais 995

A acusaccedilatildeo eacute grave

Cuidado oacute homem de bem

natildeo refute com ira

Mas recolha as velas

usando soacute as do alto 1000

Entatildeo pouco a pouco seguiraacute adiante

indo com cuidado

ateacute que um vento suave

e constante vocecirc encontre

Co Vamos Entre os helenos vocecirc foi o primeiro a construir falas solenes

altaneiras

como torres a impocircr ordem agrave tagarelice traacutegica Coragem Deixe jorrar

sua fonte

236

Eacutes Estou irritado com esta situaccedilatildeo Minhas entranhas fervem por ter que

discutir com 1006

ele (a D I O N I S O ) Para que vocecirc natildeo diga que natildeo tenho o que dizer

responda-me

Por que se deve admirar um poeta

Eu Pela habilidade e pelos conselhos Noacutes nas cidades tornamos melhores os

cidadatildeos 1010

Eacutes E se natildeo fez isso Se transformou os mais nobres e os melhores em

perversos

Diga Que castigo merece

Di (interrompendo) Estar morto Nem deve perguntar a esse aiacute

Eacutes Pois bem Observe Que tipo de homens recebeu de mim Eram homens de

bem de

quatro cocircvados de estatura natildeo cidadatildeos omissos nem frequumlentadores das

praccedilas 1015

nem palhaccedilos nem canalhas como agora Eram homens que recendiam a

lanccedila e

dardos a elmos de penachos brancos e capacetes a cnecircmides e coragem de

sete

peles de boi

Eu Olhe aiacute A desgraccedila vem vindo mesmo Se ele ficar sempre forjando

elmos vai

esmagar-me

Di (a Eacutesquilo) E vocecirc o que fez para ensinaacute-los a serem tatildeo nobres assim

Fale

Eacutesquilo Natildeo se faccedila de rogado nem se irrite

Eacutes Criei um drama cheio de Ares 1021

Di Qual

Eacutes Os Sete Contra Tebas Todo e qualquer homem que assistisse a essa peccedila com

paixatildeo desejaria ser um destruidor

Di Aiacute estaacute o mal que vocecirc fez Tornou os tebanos ainda mais corajosos na

guerra E

por isso (fazendo um gesto na direccedilatildeo de Esquilo) laacute vai uma pancada

Eacutes Vocecircs podiam exercitar-se nisso mas natildeo foi a isso que se dedicaram

Depois 1025

encenando Os Persas com essa peccedila ensinei-os a desejar sempre a vitoacuteria

sobre os

adversaacuterios porque enalteci um feito notaacutevel

Di Veja Gostei quando ouvi falar da morte de Dario e o coro logo bateu

palmas

assim e gritou Ai Ai

237

Eacutes (Sem preocupar-se com a opiniatildeo de Dioniso) Eacute disso que os poetas devem tratar 1030

Observe que desde o princiacutepio foram uacuteteis os poetas nobres Orfeu

ensinou os

misteacuterios e como abstermdashnos de assassiacutenios Museu a cura das doenccedilas e

os

oraacuteculos Hesiacuteodo o traba1ho dos campos as estaccedilotildees dos frutos e o

preparo da 1035

terra E o divino Homero por que obteve honra e gloacuteria Natildeo foi por que

ensinou

coisas uacuteteis linha de combate virtudes e armas dos homens

Di Apesar disso a Pacircntacles aquele desajeitado ele natildeo ensinou nada

Veja

Ontem quando estava no cortejo ele primeiro colocou o elmo e depois ia

ajustar o

penacho

Eacutes Mas ensinou muitos outros bons inclusive o heroacutei Lacircmaco Foi daiacute que

a minha

cabeccedila tirou o modelo e pocircs em cena muitas virtudes dos Paacutetroclos dos

Teucros 1041

de coragem de leatildeo para incitar o cidadatildeo a tentar igualar-se a eles

quando ouvisse

a trombeta Mas por Zeus Natildeo punha em cena Fedras prostitutas nem

Estenobeacuteias1 e ningueacutem jamais soube que eu tivesse posto em cena uma

mulher

apaixonada

Eu Por Zeus Em vocecirc natildeo havia nada de Afrodite 1045

Eacutes Quem me dera continuar natildeo tendo A Afrodite que assediou vocecirc e suas

personagens era tatildeo grande que ateacute vocecirc ela derrubou

Di Derrubou sim Por Zeus Com os mesmos golpes que vocecirc preparou para as

mulheres dos outros vocecirc mesmo foi golpeado

Eu Mas em que miseraacutevel as minhas Estenobeacuteias prejudicam a cidade

Eacutes Nobres esposas de nobres homens vocecirc convenceu a beber cicuta

desonradas pelos

seus Belerofontes

Eu Era ou natildeo verdadeiro o enredo que compus para a Fedra 1052

238

Eacutes Por Zeus Era assim Mas o poeta deve esconder o mal natildeo trazecirc-lo agrave

cena nem

ensinaacute-lo Agraves crianccedilas quem fala eacute o professor e aos adolescentes os

poetas Eacute 1056

preciso portanto que digamos o que eacute uacutetil

Eu Vocecirc nos fala de Licabetos de montanhas do Parnaso Isso eacute ensinar o

que eacute uacutetil

Isso eacute linguagem de gente

Eacutes Mas infeliz eacute preciso criar falas aacute altura dos grandes proveacuterbios e

pensamentos

Aliaacutes eacute de esperar-se que os semideuses usem falas mais imponentes

pois tambeacutem

usam mantos muito mais imponentes que os nossos O que eu apresentei

como uacutetil 1062

vocecirc destruiu

Eu O que eu fiz

Eacutes Primeiro vestiu os reis com farrapos para que aos homens parecessem

dignos de 1064

piedade

Eu Fazendo isso que prejuiacutezo causei

Eacutes Ningueacutem quer ser trierarca mesmo sendo rico por causa disso Ao

contraacuterio

coberto de farrapos chora e diz que eacute pobre

Di Por Demeacuteter A tuacutenica de boa latilde ele usa por baixo E se consegue

enganar falando

assim logo reaparece junto das bancas de peixe

Eacutes Depois vocecirc ainda os ensinou a entregar-se agrave tagarelice e ao falatoacuterio

o que

esvaziou as palestras poliu a bunda dos mocinhos tagarelas e convenceu

o 1071

pessoal do porto a contestar os chefes Ora antigamente quando eu

estava vivo

eles soacute sabiam pedir patildeo e dizer Upa Pa Ih

Di Por Apolo E peidar na boca do remeiro do banco de traacutes emporcalhar 1074

o companheiro de mesa e jaacute em terra roubar a roupa dos outros Agora

soacute sabem

contestar Natildeo querem remar e navegar de caacute para laacute

239

Eacutes De que males natildeo eacute culpado Esse aiacute natildeo pocircs em cena alcoviteiras

mulheres 1080

que datildeo agrave luz nos templos que se unem com irmatildeos que dizem que viver

naco eacute

viver Eacute por isso que a cidade ficou cheia de escrevinhadores de

bufotildees macacos

do povo que ao povo estatildeo sempre enganando Tocha ningueacutem eacute capaz de

levar

hoje em dia por falta de exerciacutecio

Di Natildeo mesmo Por Zeus Eu nas Panateneacuteias quase morri de tanto rir

quando um

homem lerdo corria de cabeccedila baixa paacutelido balofo atraacutes de todos

fazendo esforccedilo

tremendo E natildeo era soacute isso O povo do Ceracircmico agraves portas nele batia

na panccedila

nas costas nos rins e na bunda Ele levando esses tapas soltando

peidinhos

soprando a tocha ia fugindo

CORO DE INICIADOS

Grave eacute o caso grande a disputa Duro o combate se aproxima

Difiacutecil decidir a luta 1100

quando um ataca violento

e o outro eacute capaz de revidar e esmurrar forte

Vamos natildeo fiquem parados no mesmo lugar

Haacute muitos truques diferentes para o ataque

O que quer que tenham para discutir falem 1105

Ataquem esfolem as obras novas e as velhas

Arrisquem-se a dizer algo sutil e saacutebio

Se vocecircs dois temem que tatildeo ignorantes sejam

os espectadores que natildeo entendam 1110

a sutileza de suas falas

natildeo se assustem com isso Natildeo eacute mais assim

Eles jaacute estiveram na guerra

e tendo livros todos aprendem habilidades

Por natureza satildeo muito bem dotados 1115

e agora estatildeo ainda mais afiados

Portanto natildeo temam Vamos

Tratem de todos os assuntos Os espectadores satildeo saacutebios

240

Eu Sim o que vou atacar satildeo os proacutelogos para jaacute de comeccedilo pocircr agrave prova a

primeira 1120

parte da trageacutedia desse homem haacutebil Ele eacute obscuro na exposiccedilatildeo dos

fatos

Di E qual dos proacutelogos dele vocecirc vai pocircr agrave prova

Eu Muitos muitos Primeiro recite-me o da Orestia

Di Vamos calem-se todos Fale Eacutesquilo 1125

Eacutes Hermes Ctocircnio que velais pelo poder paterno

sede meu salvador e aliado eu vos peccedilo

pois chego a esta terra e regresso

Di Quanto a esses versos vocecirc tem uma censura a fazer

Eu Mais de doze

Di Mas os versos natildeo chegam a isso Satildeo apenas trecircs 1130

Eu Cada um tem vinte falhas

Di Eacutesquilo acho bom vocecirc ficar calado Se natildeo ficaraacute evidente que natildeo satildeo

soacute esses

trecircs versos que vocecirc deve

Eacutes Eu ficar calado diante desse aiacute

Di Se seguir o meu conselho

Eu Jaacute de cara o erro dele vai daqui ateacute o ceacuteu 1135

241

Eacutes Vocecirc natildeo vecirc que estaacute dizendo bobagem

Di Pouco me importa

EacutesVocecirc diz que eu errei Como

Eu Recite de novo desde o comeccedilo

Eacutes Hermes Ctocircnio que velais pelo poder paterno

Eu Orestes natildeo diz isso no tuacutemulo do pai morto

Eacutes Natildeo estou dizendo outra coisa

Eu Seraacute que Orestes sabendo que seu pai teve morte 1141

violenta pela matildeo da esposa numa armadilha

disse que Hermes ―velou por tudo isso

Eacutes Natildeo Eacute claro Natildeo falou daquele Hermes Orestes chama o Hermes Benfeitor1145

de Hermes Ctocircnio e esclarece isso dizendo que o deus herdou do pai essa

funccedilatildeo

Eu O seu erro eacute ainda maior do que eu supunha se ele herdou do pai essa

funccedilatildeo ctocircnia

Eacutes Dioniso o vinho que vocecirc bebe natildeo tem buquecirc 1150

Di Recite-lhe outro verso (a Euriacutepides) E vocecirc fique de olho no defeito

Eacutes Sede meu salvador e aliado eu vos peccedilo

pois chego a esta terra e regresso

Eu Duas vezes nos diz a mesma coisa o saacutebio Eacutesquilo 1154

242

Di Como duas vezes

Eu Examine a frase e eu falo Ele diz pois eu chego a esta terra e

regresso

Ora chegar eacute o mesmo que regressar

Di Por Zeus Eacute como se algueacutem dissesse ao vizinho Empreste-me o rolo ou entatildeo se preferir o cilindro

Eacutes Natildeo Eacute claro que natildeo eacute a mesma coisa seu tagarela Os versos estatildeo

perfeitos 1160

Eu Como Diga-me por que faz essa afirmaccedilatildeo

Eacutes Vir agrave sua terra eacute para quem tem paacutetria Nada aconteceu e ele estaacute de

volta 1165

Se eacute um exilado o homem chega e regressa

Di Por Apolo Tem razatildeo E o que diz vocecirc Euriacutepides

Eu Digo que Orestes natildeo regressou agrave casa pois voltou escondido sem convencer as autoridades

Di Por Hermes Estaacute bem Mas natildeo estou entendendo o que vocecirc diz

Eu Entatildeo passe para outro verso 1170

Di Vamos passe vocecirc Depressa Eacutesquilo (a Euriacutepides)

E vocecirc fique de olho no erro

Eacutes Do alto desse tuacutemulo clamo

Pai ouvi-me e atendei-me

Eu Outra vez ele repete Ouvi-me e atendei-me evidentemente eacute o mesmo

243

Eacutes Ele estava falando a um morto patife a quem natildeo temos acesso mesmo

chamando 1175

trecircs vezes E vocecirc como fazia os seus proacutelogos

Eu Vou explicar Se por acaso eu disser duas vezes a mesma coisa

ou se vocecirc neles perceber um enchimento fora do assunto cuspa em mim

Di Vamos fale vocecirc O meu papel eacute soacute apreciar 1180

a correccedilatildeo dos versos de seus proacutelogos

Eu Eacutedipo a princiacutepio era um homem feliz

Di Por Zeus Natildeo era natildeo Era um homem infeliz por natureza Quem antes

mesmo 1185

de existir antes mesmo de nascer Apolo afirmou que mataria o pai como

poderia ser de

iniacutecio um homem feliz

Eu Depois tornou-se entre os mortais o mais infeliz

Eacutes Por Zeus Claro que natildeo De fato natildeo deixou de ser Como poderia Nem

bem 1190

nasceu durante o inverno foi exposto num vaso de barro para que homem

feito

natildeo viesse a ser o assassino do pai Depois arrastou-se ateacute Poacutelibo com

os peacutes inchados

Em seguida ainda jovem casou-se com uma velha que ainda por cima era

sua

proacutepria matildee E depois furou os proacuteprios olhos

Di Ah Feliz seria se tivesse sido estratego junto com Erasiacutenides 1196

Eu Conversa Eu faccedilo muito bem os meus proacutelogos

Eacutes Por Zeus Natildeo vou testar suas falas verso a verso mas com a ajuda

dos deuses 1200

com um jarrinho vou acabar com os seus proacutelogos

244

Eu Com um jarrinho Vocecirc Os meus proacutelogos

Eacutes Com um soacute Vocecirc compotildee de modo que tudo se encaixe nos seus jambos

Uma

latildezinha um jarrinho ou um saquinho Vou mostrar jaacute

Eu Ah eacute vai mostrar 1205

Eacutes Vou sim

Di (a Euriacutepides) Entatildeo vocecirc precisa recitar seus versos

Eu Egito mdash a notiacutecia Eacute muito divulgada -

com cinquumlenta filhos no seu navio

tendo aportado em Argos

Eacutes perdeu o jarrinho

Di Que jarrinho eacute esse aiacute E Egito vai ser castigado (a Euriacutepides) Recite-lhe

outro 1210

proacutelogo para que outra vez eu tambeacutem decirc a minha opiniatildeo

Eu Dioniso que com tirsos em peles de corccedila

envolto no meio de tochas no Parnaso

saltou danccedilando coros e

Eacutes perdeu o jarrinho

Di Ai Ai De novo sofremos o golpe do jarro

Eu Natildeo faz mal Neste proacutelogo natildeo poderaacute encaixar o jarro (Recita) 1215

Natildeo haacute homem que seja feliz em tudo

Se tem natureza nobre natildeo tem recursos se eacute de maacute famiacutelia

245

Eacutes perdeu o jarrinho

Di Euriacutepides

Eu O que eacute

Di Acho bom baixar as velas Desse jarrinho vai sair um vento 1221

Eu Por Demeacuteter Natildeo vou preocupar-me com isso

Jaacute jaacute o jarrinho vai cair da matildeo dele

Di (a Euriacutepides) Vamos recite outro e mantenha-se longe do jarro

Eu A cidade de Sidon tendo deixado Cadmo 1225

filho de Agenor

Eacutes perdeu o jarrinho

Di Oacute pobre homem compre o jarro para que ele natildeo estrague os nossos

proacutelogos

Eu (indignado) O quecirc Eu comprar dele

Di Sim se seguir meu conselho

Eu Natildeo eacute claro Posso recitar muitos proacutelogos onde esse aiacute natildeo poderaacute

encaixar o 1230

jarro (Recita com firmeza)

Peacutelops o filho de Tacircntalo chegando a Pisa

em eacuteguas raacutepidas

Eacutes perdeu o jarrinho

246

Di Estaacute vendo Ele encaixou de novo o jarro 1235

Vamos amigo agora vocecirc tem que pagar de qualquer jeito

Por um oacutebolo ganharaacute um jarro bom e ateacute bonito

Eu Por Zeus Ainda natildeo Ainda tenho uma seacuterie de proacute1ogos

Eneu um dia da sua terra

Eacutes perdeu o jarrinho

Eu Calma Espere eu dizer o verso inteiro

Eneu um dia da terra tendo tirado grande colheita 1240

ao sacrificar as primiacutecias

Eacutes perdeu o jarrinho

Di No meio do sacrifiacutecio E quem o roubou

Eu Deixa para laacute amigo Depois deste Vamos ver

Zeus como a proacutepria verdade diz

Di (a Euriacutepides) Ele vai acabar com vocecirc Jaacute vai dizer perdeu o jarrinho Esse 1245

jarrinho aiacute se encaixa nos seus proacutelogos como os tersoacuteis nos olhos

Vamos

Pelos deuses Passe para os cantos dele

Eu Sim posso mostrar que os cantos que ele faz satildeo maus e sempre iguais

CORO DE INICIADOS

Afinal o que vai acontecer

Fico pensando

que censura ainda faraacute

ao homem que mais versos

os mais belos criou 1255

dentre os que ateacute hoje temos

Eu acho estranho

Como censuraraacute ele este homem

o rei baacutequico

Temo por ele 1260

Eu Cantos admiraacuteveis O tempo mostraraacute Vou resumir todos os cantos dele

num soacute

247

Di E eu vou pegar pedrinhas para fazer o caacutelculo dos pontos (ouve-se um

acompanhamento de flauta)

Eu Oacute Aquiles da Ftia Ouvindo o assassino

ai o golpe Por que natildeo vindes em nosso auxiacutelio 1265

A Hermes ancestral da nossa raccedila

honramos noacutes os do lago

ai o golpe Natildeo vindes em nosso auxiacutelio

Di Dois golpes Eacutesquilo vocecirc jaacute tem aiacute

Eu Ilustriacutessimo aqueu oacute filhes de Atreu senhor de muitos homens ouvi-me

Ai o golpe Natildeo vindes em nosso auxiacutelio 1271

Di Esse Eacutesquilo jaacute eacute o terceiro golpe (Eacutesquilo manteacutem-se em silecircncio)

Eu Silecircncio As Melissas jaacute vatildeo abrir o templo de Aacutertemis

Ai o golpe Natildeo vindes em nosso auxiacutelio 1275

Eacute direito meu gritar aos poderosos heroacuteis ―Boa viagem

Ai o golpe Natildeo vindes em nosso auxiliacuteo

Oacute Zeus Rei Como eacute comprido esse negoacutecio de golpes

Di Eu quero ir ao banheiro porque jaacute estou com o saco cheio desses golpes1280

Eu Natildeo Natildeo antes de ouvir o outro estaacutesimo um composto segundo o nomo da

ciacutetara

Di Vamos Acabe com isso Natildeo me venha com mais golpes 1283

Eu (mudando de tom)

Como o poder dos aqueus de duplo trono a juventude da Heacute1ade 1285

toflatotrat tof1atotrat

A esfinge cadela que governa os dias funestos envia

tof1atotrat tof1atotrat 1290

com a lanccedila e a matildeo vingadora o impiedoso paacutessaro

tof1atotrat tof1atotrat

tendo permitido que cadelas impudentes vagando no ar

toflatotrat tof1atotrat

tivessem o que caiu sobre Ajax

toflatotrat toflatotrat 1295

248

Di O que eacute esse toflatotrat Veio de Maratona Onde eacute que vocecirc achou esses

cantos de

manivela de poccedilo

Eacutes Ora do belo para o belo eu os trouxe para que natildeo me vissem a ceifar o

prado

sagrado das Musas o mesmo que Friacutenico ceifou (Depois de pequena pausa 1300

aponta Euriacutepides) Esse aiacute de tudo tira cantos De prostitutas de escoacutelios de

Meleto de flautistas caacuterios de trenos de danccedilas Logo tudo seraacute

esclarecido

(Dirige-se aos escescravos de Plutatildeo) Tragam-me uma lira Ora por que uma lira 1305

para isso Onde estaacute aquela que toca castanholas Vem aqui Musa de

Euriacutepides eacute com ela que conveacutem entoar estes cantos

Di Mas ela natildeo eacute leacutesbia Natildeo eacute natildeo

Eacutes (comeccedila a cantar imitando Euriacutepides)

Alciacuteones que no mar arrulhais

nas impereciacuteveis ondas 1310

molhando as asas

cobertas de gotas de orvalho

E voacutes sob os tetos nos cantos

enrorororororolai com a ponta dos dedos

a trama do tear 1315

tarefa de cantante lanccediladeira

laacute onde o delfim amigo da flauta

entre proas de escuros esporotildees

fez saltar oraacuteculos e estaacutedios

Riso das vinhas em flor 1320

gavinhas de uva que acabam com o sofrimento

Envolve-me filho nos teus braccedilos

(a Dioniso) Estaacute vendo esse peacute

Di Estou

Eacutes O quecirc Estaacute vendo

Di Estou

249

Eacutes (a Euripides)

Vocecirc compotildee versos como esses 1325

mas ousa censurar os meus cantos

segundo as doze posiccedilotildees de Cirene

fazendo os seus

Os seus versos satildeo assim mas quero ainda examinar como satildeo as suas

monoacutedias 1330

oacute negra e brilhante

treva da noite

que sonho triste

a mim envias laacute do invisiacutevel

antecipando-me o Hades

Alma sem alma tem

arrepiante e terriacutevel visatildeo

filha da noite negra 1335

vestida de mortalha negra

com a morte com a morte nos olhos

e grandes garras

Vamos servas acendei-me a candeia

Com bilhas dos rios tirai o orvalho Aquecei a aacutegua

para eu lavar o divino sonho 1340

Ah divindade marinha

Eis aiacute Aconteceu Oacute de casa

Contemplai este prodiacutegio

Depois de roubar meu galo

Glice se foi

Ninfas nascidas nos montes

oacute Deliacuterio agarrai-a 1345

E eu coitada

cuidava de meus trabalhos

O fuso cheio de linho

enrororolando com as matildeos

fazia o novelo

para de madrugada ao mercado 1350

lavaacute-lo para vender

E ele voou voou para o eacuteter

com as pontas mui ligeiras de suas asa

e a mim deixou dores e mais dores

Laacutegrimas e mais laacutegrimas dos meus olhos

pobre de mim derramei derramei 1355

Vamos cretenses filhos do Ida

Pegai os arcos e assumi a defesa Movei raacutepidas as pernas cercai a

casa

Tambeacutem a menina Dictina a bela Aacutertemis

com suas cadelinhas ande por toda a casa 1360

E tu filha de Zeus ergue duas tochas

fachos brilhantes em tuas matildeos e acompanha me oacute Hecate

ateacute agrave casa de Glice

Laacute quero entrar e dar uma busca

250

Di Vocecircs dois parem com esses cantos

Eacutes Para mim tambeacutem jaacute chega (apontando Euriacutepides)

Agora quero levaacute-lo agrave balanccedila Soacute ela daraacute a 1365

conhecer a minha poesia e a dele pois atestaraacute o

peso de nossas falas

Di Venham aqui se eacute que ateacute isso eu devo fazer

Vender a arte dos poetas como se fossem queijos

CORO DE INICIADOS

Satildeo diligentes os que satildeo haacutebeis

Eis de novo outro prodiacutegio 1371

Recente cheio de estranhezas

Quem teria pensado nisso

Natildeo natildeo Se algueacutem

com que me encontrasse dissesse 1375

natildeo acreditaria Para mim

estaria dizendo bobagem

(Dioniso Euriacutepides e Eacutesquilo dirigem-se agrave balanccedila)

DiVamos vocecircs dois aproximem-se dos pratos

Eacutes e Eu Pronto

Di Cada um segure o prato e recite o verso Mas natildeo o soltem antes que eu

grite Cuco 1380

Eacutes e Eu (com os pratos nas matildeos)

Estamos segurando

Di Digam o verso para dentro da balanccedila

Eu (Adianta-se e recita)

Ah se a nau Argo natildeo tivesse alccedilado vocirco

Eacutes (solene)

Rio Espeacuterquio e pastagens de bois

Di Cuco Soltem os pratos (apontando para Eacute S Q U I L O ) O prato deste aqui desceu

muito 1385

mais

251

Eu Mas por quecirc

Di Ele colocou laacute dentro um rio molhando o verso como faz um mercador de latilde

E vocecirc colocou laacute dentro um verso com asas

Eu Vamos recite outro e enfrente-me

Di Pois bem segurem os pratos de novo

Eacutes e Eu Pronto

Di (apontando Euriacutepides) Recite

Eu De Persuasatildeo natildeo existe outro templo senatildeo a Palavra 1391

Eacutes pois dentre os deuses soacute a Morte natildeo ama as oferendas

Di Soltem os pratos Soltem Outra vez foi o prato deste aqui que mais

baixou pois

ele colocou dentro a Morte o mais pesado dos males

Eu E eu a Persuasatildeo Eacute um verso perfeito 1395

Di A Persuasatildeo eacute coisa vatilde e sem sentido Vamos procure algo mais pesado

que faccedila

descer a balanccedila em seu favor algo forte e grande

Eu Estaacute bem mas onde eacute que vou achar algo assim Onde

Di Jaacute digo Os lances de Aquiles foram dois ases e um quatro 1400

Recite por favor Para vocecircs esta eacute a uacuteltima pesagem

252

Eu (confiante)

Com a matildeo direita pegou a madeira pesada como o ferro

Eacutes (tranquumlilo)

carro sobre carro cadaacutever sobre cadaacutever

Di Agora ele enganou vocecirc de novo

Eu Como

Di Colocou laacute dentro dois carros e dois cadaacuteveres Cem egiacutepcios natildeo os

ergueriam 1405

Eacutes Eu natildeo quero mais verso por verso (apontando Euriacutepides) Que suba na balanccedila

ele

mesmo os filhos a mulher e Cefisofonte tambeacutem incluindo os

livros E eu recitarei apenas dois dos meus versos 1410

Di (Virando-se para Plutatildeo) Os homens satildeo meus amigos E eu natildeo vou julgaacute-los

Natildeo ficarei inimigo de nenhum dos dois a um considero saacutebio e o outro

me agrada

Pl Ah Vocecirc natildeo vai julgar Entatildeo para que veio

Di E se eu julgar 1415

Pl Iraacute embora com o que escolher para natildeo perder a viagem

Di Muito obrigado(aos poetas) Vamos Ouccedilam o que vou dizer

Desci em busca de um poeta

Eu Para quecirc

Di Para que a cidade livre de perigo celebre os coros Portanto ao que

aconselhar agrave 1420

cidade o que eacute uacutetil a esse levarei Eacute a minha decisatildeo Primeiro

portanto o que eacute

que pensam de Alcibiacuteades A cidade sofre as dores de um parto difiacutecil

Eu O que ela pensa a respeito dele

Di O que pensa Tem saudade dele odeia-o mas quer tecirc-lo Vamos digam o

que 1425

pensam dele

253

Eu Odeio o cidadatildeo que para socorrer a paacutetria eacute lento mas raacutepido para

prejudicaacute-la

muito cheio de saiacutedas para si mesmo mas para a cidade sem recursos

Di Estaacute bem Oacute Posidatildeo (a Eacutesquilo) E vocecirc o que pensa 1430

Eacutes Natildeo se deve alimentar na cidade um leatildeozinho Ou melhor natildeo se deve

alimentar

na cidade um leatildeo Se algueacutem o alimenta deve adaptar-se ao seu jeito

Di Por Zeus Salvador Acho difiacutecil decidir

Um fala com habilidade o outro com clareza Vamos que cada um decirc ainda

a sua 1435

opiniatildeo Para a cidade que salvaccedilatildeo vocecircs tem

Eu Se algueacutem amarrasse Cleoacutecrito a Cineacutesias e brisas os levassem para as

planiacutecies

marinhas

Di Seria ridiacuteculo Isso tem sentido

Eu se lutassem na batalha naval e tendo nas matildeos jarrinhos de vinagre

os 1440

espirrassem nos olhos dos inimigos (Pausa) Eu sei como e quero

explicar

Di Fale

Eu Quando julgarmos digno de feacute o que eacute indigno de feacute e indigno de feacute o

que eacute digno

de feacute

Di Como eacute Natildeo estou entendendo Fale de maneira mais simples e clara

254

Eu Talvez se aos cidadatildeos nos quais confiamos agora a esses natildeo deacutessemos

creacutedito

se daqueles de quem nos servimos destes natildeo nos serviacutessemos salvarnos-

iacuteamos

Se agora no meio deles somos infelizes fazendo o contraacuterio natildeo nos

salvariacuteamos 1445

Di Estaacute bem oacute Palamedes natureza habiliacutessima Isso aiacute foi vocecirc mesmo ou

Cefisofonte que descobriu

Eu Eu sozinho Os jarrinhos de vinagre foi Cefisofonte E vocecirc o que

diz

Eacutes Primeiro diga-me No presente de quem a cidade se serve Dos

melhores

Di De onde tirou isso Odeia-os profundamente

Eacutes Mas com os maus ela se apraz 1456

Di Ela Eacute claro que natildeo Soacute se serve deles porque natildeo tem escolha

Eacutes Haacute como salvar uma cidade para a qual nem manto de latilde nem de pele tem

utilidade

Di Por Zeus Descubra um jeito se eacute que vocecirc quer chegar laacute em cima de

novo 1460

255

(Dioniso e Eacutesquilo seguem Plutatildeo)

CORO DE INICIADOS Bem-aventurado o homem

que tem inteligecircncia precisa

Muitos exemplos haacute para aprendermos isso

Este homem mostrou que eacute sensato 1485

e volta para casa outra vez

para o bem dos cidadatildeos

para o bem dos seus

dos parentes dos amigos

porque eacute inteligente 1490

A alegria natildeo eacute ao lado de Soacutecrates

ficar sentado conversando

rejeitando o que eacute das Musas

deixando o que haacute de melhor

na arte da trageacutedia 1495

Com palavras pomposas

com sutilezas de tagarelice

gastar o tempo atoa

eacute proacuteprio do insensato

256

Acarnenses ndash Agon ndash (vv 490-627)

CoVai fazer e dizer o quecirc Veja bem heinVocecirc eacute um homem desavergonhado e inflexiacutevel 491

que ao oferecer seu pescoccedilo agrave cidade

estaacute destinado a falar sozinho na frente de todos

E o cara natildeo tem medo do negoacutecio Entatildeo vamosSe vocecirc assim o quer fala aiacute 496

Dic Natildeo se oponham a mim senhores espectadores

se eu um mendigo que sou devo entatildeo falar aos Ateniensesa respeito da cidade em plena comeacutedia

79 porque a comeacutedia tambeacutem conhece o que eacute justo 500

Entatildeo vou dizer coisas terriacuteveis mas justas

Pois desta vez Cleatildeo80

natildeo me acusaraacute de

eu falar mal da cidade na presenccedila de estrangeiros

Estamos soacute entre noacutes este eacute o concurso das Leneacuteias81

79 Trata-se de um jogo de palavras Ao inveacutes de τραγῳδια (trageacutedia) Aristoacutefanes cria o termo τρυγῳδια da

mesma famiacutelia de τρυγῳδὸς cantor de comeacutedias ou poeta cocircmico De acordo com Bailly (1950 1970) esse

termo eacute assim definido ou porque os atores primitivos cantavam (Ὠδή) com o rosto lambuzado com a borra

do vinho novo (τρύξ ou τρύγη) ou porque recebiam o vinho novo como forma de pagamento 80 Segundo Thiercy (Les Acharniens 1988 63) Diceoacutepolis nesse momento fala evidentemente em nome de

Aristoacutefanes A comeacutedia Babilocircnios encenada um ano antes de Acarnenses ridicularizou os magistrados

eleitos e tirados agrave sorte inclusive Cleatildeo que acusou o poeta de difamaccedilatildeo do Estado por insultar o povo e a bouleacute

81 As Leneacuteias era um dos cinco festivais atenienses em honra de Dioniso Tratava-se de uma festa dos toneacuteis de

vinho realizada no mecircs de janeiro Para essa festa realizavam-se sacrifiacutecios e procissotildees e em 450 aC

instituiu-se o primeiro concurso dramaacutetico

257

e os estrangeiros ainda natildeo estatildeo presentes nem os tributos 505

nem os aliados das cidades chegaram

Estamos sozinhos agora apenas o puro trigo82

pois digo que os metecos satildeo o joio dos cidadatildeos comuns

e eu odeio os Lacedemocircnios com toda a minha forccedila

E a eles que Posidatildeo o deus do Tenaacuterio 510

fazendo tremer a terra abale suas casas a todos sem exceccedilatildeo83

pois ateacute eu tive minhas vinhas cortadas ao meio

Entretanto os que estatildeo presentes satildeo amigos nessa conversa

Por que responsabilizamos os Lacocircnios dessas coisas

Pois entre noacutes havia uns caras - e eu natildeo estou falando da cidade 515

lembrem-se disso que natildeo estou falando da cidade ndash

mas de sujeitinhos sacanas mau caraacuteter

despreziacuteveis gente falsa e tambeacutem meio estrangeiros

que costumavam denunciar os pequenos mantos de latilde de Meacutegara

E se viam em algum lugar um pepino uma pequena lebre 520

um leitatildeozinho um dente de alho ou gratildeos de sal

declaravam que essas coisas eram de Meacutegara84

e vendidas no mesmo dia

Certamente isso era sem importacircncia e uma praacutetica nacional

E o caso da cortesatilde Simeta vatildeo agrave Meacutegara

rapazes que se embriagam no jogo de coacutetabo85

e sequumlestram-na 525

Em revanche os megarenses ―brigalhos bons de briga e de alho86

roubam duas cortesatildes de Aspaacutesia

E daiacute a origem da guerra que se abateu

sobre todos os gregos por causa de trecircs putas87

E entatildeo Peacutericles o oliacutempico encolerizado 530

lanccedilava raios trovejava transformava a Greacutecia

e estabelecia leis redigidas como musiquinhas

82 O sentido do verbo refere-se agrave ―elite da sociedade em que natildeo haacute mistura de classes Trata-se pois dos

―purificados 83 Diceoacutepolis faz menccedilatildeo a um terremoto que outrora abalou Esparta Tuciacutedides (I-128) documenta que os

Lacedemocircnios condenaram agrave morte hilotas que se refugiaram no santuaacuterio de Poseidon no cabo Tenaacuterio

Como puniccedilatildeo divina a cidade de Esparta foi arrasada por um cataclismo siacutesmico 84 Por causa do solo natildeo muito feacutertil Meacutegara se desenvolveu no comeacutercio por ser privilegiada com duas saiacutedas

para o mar uma pelo Golfo de Corintho a outra pelo Golfo Sarocircnico (Rachet 1992 155) 85 Jogo muito popular na Greacutecia entre os seacuteculos VI e IV 86 Aristoacutefanes constroacutei o verbo a partir da palavra alho produto oriundo de Meacutegara e que rendeu aos megarenses

por serem briguentos o apelido (Bailly 1950 2107) 87 Quando o poeta afirma que o motivo da guerra se deu por causa de trecircs cortesatildes Embora isso contextualize o

universo ficcional ele levanta de fato um escacircndalo histoacuterico Aspaacutesia meretriz famosa e concubina de

Peacutericles teria sido lograda em duas protegidas pelos megarenses Por este motivo ela convence Peacutericles de deferir o decreto que exclui dos mercados atenienses os produtos vindos de Meacutegara Esta levada ao colapso

econocircmico recorre aos Lacedemocircnios para a revogaccedilatildeo desse decreto Atenas natildeo retira o embargo e a

diplomacia entre Atenas e Esparta que jaacute estava abalada reforccedila a rivalidade entre elas a guerra eacute inevitaacutevel

(Plutarco Vidas Paralelas II-Peacutericles 24 30 31)

258

―que nem na terra nem na aacutegoranem no mar nem no ceacuteu conveacutem ficar os Megarenses

88

E daiacute quando a fome foi batendo aos poucos os cidadatildeos de Meacutegara 535

pediam aos Lacedemocircnios que revogassem

o decreto por causa das prostitutas

E noacutes noacutes frequumlentemente natildeo consentiacuteamos no que estava sendo pedido

E entatildeo nessas circunstacircncias comeccedilava o barulho dos escudos

Algueacutem vai dizer ―Natildeo era necessaacuterio Mas o que era necessaacuterio digam 540

Vejamos Se um dos Lacedemocircnios navegasse num barco

e tivesse achado e vendido um catildeozinho de Seriacutefios

vocecircs ficariam sentados em seus lares89

Entatildeo soacute falta essa

Mas com certeza vocecircs colocariam rapidamente no mar

trezentos navios e a cidade ficaria tomada 545

por causa do tumulto dos soldados do grito de guerra do trierarco90

da entrega do salaacuterio do banho de ouro de Palas Atena

do barulho do poacutertico da medida do trigo

das odres das alccedilas de couro onde se prende o remo das compras de jarros

de alhos de azeites de reacutestias de cebolas 550

de coroas de sardinhas de flautistas de briga

E mais no estaleiro remos satildeo aplainados

cavilhas ressoam buracos por onde passam os remos satildeo furados

toque de flautas dos chefes dos remadores dos apitos dos assovios

Sou testemunha de que vocecircs faziam essas coisas e Teacutelefo91

tambeacutem 555

Natildeo eacute o que pensamos Entatildeo natildeo temos razatildeo

Semi-coro 1Verdade Ordinaacuterio salafraacuterio

Vocecirc um mendigo ousa falar de noacutes dessa maneira

88 Aristoacutefanes se apropria de um pequeno excerto do decreto e transforma-o num refratildeo aos moldes das

canccedilonetas de Timocreonte de Rodes poeta bastante conhecido na Atenas do seacuteculo V aC (Sousa e Silva Os

Acarnenses 1988 120) 89 Serifo minuacutescula ilha pertencente ao arquipeacutelago das Ciacuteclades era aliada de Atenas Na interpretaccedilatildeo de

Sousa e Silva (Os Acarnenses 1988 120) a intenccedilatildeo do poeta eacute mostrar que a intoleracircncia ateniense estaacute nas

pequenas coisas 90 O trierarco era o comandante de um trirremo Em Atenas cabia-lhe a liturgia da trierarquia ie equipar um

navio de guerra para o Estado agrave sua custa Tratava-se portanto de um cidadatildeo abastado (Lavedan 1931

978) 91 De acordo com Thiercy (Les Acharniens 1988 85) este verso eacute tirado da trageacutedia euripidiana Teacutelefo (Fr710)

259

E se houvesse algum sicofanta92

vocecirc o insultariaSemi-coro 2 Por Posidatildeo o que ele estaacute dizendo e da maneira

[como diz 560

todas essas coisas satildeo justas e em nada disso ele estaacute mentindo

Semi-coro 1 Mesmo se satildeo justas era preciso que ele falasse essas coisas

Mas natildeo ousaraacute mais falar isso com alegria Semi-coro 2 Ei vocecirc aiacute Para onde estaacute correndo Natildeo vai ficar parado

[Se vocecirc for bater

nesse homem eacute vocecirc mesmo quem vai ser mandado rapidamente

[para os ares 565 Semi-coro 1Oh Lacircmacos lanccedilador de olhares fulminantes

Venha em socorro oh portador do capacete da cabeccedila da Goacutegona93

[apareccedila

Oh Lacircmacos oh amigo e companheiro

E se haacute aqui algum taxiarco ou estratego94

ou

ou um homem defensor de mulheres que venha em meu socorro 570

Raacutepido Pois eu estou sendo agarrado pela cintura Lam Escutei um grito de guerra de onde veio

Onde eacute preciso ajudar Onde eacute preciso lanccedilar o tumulto do combate

Quem provocou minha Goacutergona para fora de sua armadura Dic Oh Lacircmacos heroacutei dos penachos e das tropas de soldados 575 Semi-coro 1Lacircmaco natildeo eacute que esse homem haacute algum tempo

toda nossa cidade estaacute insultando Lam Ei fulano Vocecirc tem a coragem de dizer essas coisas sendo um mendigo

Dic Oh heroacutei Lacircmaco mas me perdoe

se eu um mendigo disse e falei algo demais

92 A palavra sicofanta tomou o sentido de ―denuciante ―delator Apesar de a etimologia ser duvidosa crecirc-se

que o vocaacutebulo eacute composto de σῦκον (figo) e φαίνω (ver descobrir) (Chantraine 1999 1069) No periacuteodo

claacutessico o comeacutercio de figo era proibido fora da Aacutetica e cabia aos cidadatildeos denunciar o contrabando Daiacute o

nome sicofanta associado ao cidadatildeo que fazia dessa praacutetica um meio de vida(Lavedan 1931 907) 93 Medusa era das trecircs Goacutergonas a uacutenica mortal A crenccedila popular de que quem fosse visado pelo olhar dela

seria transformado em pedra levou agrave representaccedilatildeo da cabeccedila ou gorgoneion como uma imagem protetora em

armaduras (Harvey 1998 250) 94 O taxiarco era o comandante da infantaria e o estratego o general ou chefe do exeacutercito

260

LamEntatildeo o que vocecirc disse a nosso respeito Natildeo vai dizer

Dic Eu nem sei mais 580

Fico zonzo de medo de tuas armas

E te suplico leve para longe de mim essa Mormona95

Lam Pronto Dic Agora a coloque de lado e de costas para mim

LamEstaacute colocado

DicVamos Agora decirc para mim a pluma do elmo

LamEsta pluminha aqui eacute para vocecirc

Dic Agora pega a minha cabeccedila 585

porque vou vomitar pois tenho horror a teus penachos LamOh homem o que vocecirc vai fazer Por causa dessa pluminha vocecirc estaacute prestes a

[vomitar

Dic Eacute uma pluminha Entatildeo me diga de qual

paacutessaro eacute Acaso eacute de um certo Parlapatatildeo96

Lam Ai que eu vou te matar

Dic De jeito nenhum Lacircmacos 590

Afinal natildeo eacute uma questatildeo de forccedila E se vocecirc eacute tatildeo forte

por que natildeo me regaccedilou Se vocecirc estaacute armado dos peacutes agrave cabeccedila LamVocecirc um mendigo falando assim com um general

Dic Eu Eu sou mendigo Lam Mas entatildeo quem eacute vocecirc

Dic Quem Um bom cidadatildeo e natildeo um ambicioso 595

Desde a guerra comeccedilou eu sou um batalhador

enquanto que vocecirc desde que a guerra comeccedilou eacute um mercenaacuterio97

95 Monstro imaginaacuterio do gecircnero feminino com que se fazia medo agraves crianccedilas gregas (Thiercy Les Acharniens

1988 87) 96 Diceoacutepolis interrompe Lacircmaco no momento em que este revelaria a procedecircncia da pluma certamente de

uma ave nobre Por conta do riso e da invectiva pessoal Aristoacutefanes inventa a palavra composta de κομπός

(fanfarratildeo parlapatatildeo) e o verbo λακέω (estrondear) 97 Aristoacutefanes emprega trecircs patroniacutemicos cocircmicos Espudarquides Estratonides e Mistarquides filho da

ambiccedilatildeo filho de general e filho de quem comanda o pagamento da tropa respectivamente

261

LamOra me elegeram

Dic os trecircs patetas

98

E entatildeo tendo aversatildeo a essas coisas fiz uma treacutegua

De um lado via homens grisalhos nos batalhotildees 600

de outro jovens como vocecirc dando no peacute

Os da Traacutecia estatildeo recebendo um pagamento de trecircs dracmas

uns Tisamenofenipos uns patifes de Hipaacuterquides

outros com Cares outros estatildeo na terra dos Caones

uns metade Geres metade Theodoro outros fanfarrotildees de Diomia 605

outros ainda em Camarina e tambeacutem em Gela e tambeacutem na Catagela99

Lam Mas foram eleitos

Dic E por que motivoSeja como for vocecircs sempre recebem um salaacuterio

e esses aqui nada Deveras oacute Mariacutelades

Vocecirc acarnense com esses cabelos grisalhos jaacute foi embaixador

[uma vez 610

Ele fez sinal negativo com a cabeccedila E no entanto eacute um homem prudente e

[trabalhador

Ei Antracilo Eufoacuterides ou Priacutenides

Algum de vocecircs viu Ecbaacutetanos ou Caocircnia101

Natildeo dizem Mas e o filho de Ceacutesira e o Lacircmacos

Para esses aiacute por causa das contribuiccedilotildees e das diacutevidas ainda ontem 615

da mesma maneira que os que derramam aacutegua suja do banho agrave noite

todos os amigos sem exceccedilatildeo aconselhavam ―Pra fora

Lam Oacute democracia Essas coisas (satildeo) assim toleraacuteveis Dic Eacute claro que natildeo a natildeo ser que Lacircmaco receba um salaacuterio

98 A cultura grega atribui ao cuco o siacutembolo da estupidez 99 Tisamenos Fenipo Hiparquides Cares Geres e Theodoro satildeo alvos da invectiva aristofacircnica Infelizmente

nos satildeo nomes desconhecidos mas certamente natildeo o eram para o puacuteblico Os Caones eram uma tribo do Epiro com quem Atenas esteve em guerra em 430 e 429 aC Diomia era um demos da Aacutetica Camarina e

Gela eram cidades sicilianas e o uacuteltimo termo eacute um topocircnimo forjado que repete a palavra anterior Gela e

sugere ao mesmo tempo o verbo γελάω (rir) (Sousa e Silva Os Acarnenses 1988 121-122) 100 Esses nomes fazem alusatildeo agrave atividade carvoeira Μαριλάδης eacute derivado de μαρίλη ndash fuligem ndash

Ανθράκυλλος de ἄνθραξ ndash carvatildeo ndash Εὐφορίδης significa ndash o bom carregador ndash e Πρινίδης refere-se a

πρῖνος ndash carvalho ndash mateacuteria prima para o carvatildeo 101 Ecbaacutetanos era uma cidade oriental siacutembolo de requinte e luxo (Sousa e Silva Os Acarnenses 1988 122)

262

Lam Pois bem eu a todos os Peloponeacutesios 620

sempre vou declarar guerra e aterrorizaacute-los em todo lugar

com minhas naus e tambeacutem com minhas infantarias usando a forccedila DicPois eu convoco os Peloponeacutesios

todos sem exceccedilatildeo os Megarenses e tambeacutem os Beoacutecios

para negociar e vir agrave praccedila comigo mas com Lacircmaco natildeo 625

Co Esse fulano triunfa graccedilas a seus argumentos e fez o povo mudar de opiniatildeo

a respeito das treacuteguas Bem tirando o manto vamos aos anapestos102

102 Esse verso encerra o agoacuten e anuncia a paraacutebase parte da comeacutedia em que o coro avanccedilava em direccedilatildeo ao

puacuteblico a fim de expor-lhe por intermeacutedio do corifeu os pontos de vista e as reclamaccedilotildees do autor e oferecer-

lhe conselhos

263

Tesmoforiantes ndash agon ndash (vv 381-530)

Co Silecircncio Silecircncio Atenccedilatildeo Pois agora ela comeccedilou a escarrar

como fazem os oradores Pelo jeito vai falar bastante

Mulher 1 Certamente natildeo foi por ambiccedilatildeo mas por Demeacuteter e Perseacutefone103

que me levantei para falar mulheres

Como sou infeliz jaacute haacute algum tempo suporto com dificuldade 385

sermos insultadas por Euriacutepides o filho da verdureira104

103 De acordo com o texto da comeacutedia pelas duas deusas Como se trata de Demeacuteter e Perseacutefone entatildeo estes

nomes foram inseridos agrave traduccedilatildeo Demeacuteter a matildee-terra eacute na mitologia grega a mais importante das

divindades da fecundidade encarnaccedilatildeo da terra que nutre Quanto agrave Perseacutefone filha de Demeacuteter esta deusa

tem seu culto ligado ao da matildee A este respeito cf Lavedan 1931 747-748) 104 O fato de a matildee de Euriacutepides ser uma verdureira talvez provenha de um fragmento da trageacutedia euripidiana A

saacutebia Melanipa em que a matildee de Melanipa era uma vendedora de hortaliccedila Daiacute a procedecircncia sobre a matildee

do tragedioacutegrafo (Euriacutepides Trageacutedias I ndash1999 14-15) Segundo Lesky (1995 392) Euriacutepides vem de uma

famiacutelia rica e foi a Comeacutedia que fez de seus progenitores um merceeiro e uma vendedora de hortaliccedila

264

e mais ainda de ouvirmos todo tipo de ultrajesDos insultos qual entatildeo esse aiacute natildeo nos cobreOnde ele natildeo nos caluniou Mesmo onde 390

haacute poucos espectadores atores e tambeacutem coros

caluniou-nos de levianas de taradas por homens

de beberronas de traidoras de tagarelas

de uns zero agrave esquerda de flagelo para os homens

De tal maneira que eles assim que retornam do teatro 395olham-nos com desconfianccedila e logo observam

se natildeo haacute em casa algum amante escondido

A noacutes nada mais eacute permitido fazer como antes

tais satildeo as coisas ruins que esse aiacute mostroua nossos maridos A ponto de se alguma mulher entrelaccedila 400

uma coroa apaixonada parece Se deixar cairalgum utensiacutelio na casa indo de um lado a outro

o marido pergunta ―por causa de quem a marmita foi quebrada105

―Soacute pode ser por causa do hoacutespede de Corinto106

Se alguma jovem fica doente logo o irmatildeo diz 405

―Essa cor da jovem natildeo me agrada

E ainda se alguma mulher esteacuteril de filhos quer prever um

nem isso estaacute em segredoPois agora seus maridos ficam de olhos bem abertos

E os velhos que antes sob influecircncia dele 410

desposavam as jovens ele caluniou de tal modo que nenhum velho

105 Segundo Sousa e Silva (As Mulheres que celebram as Tesmofoacuterias 1988 124) Aristoacutefanes estaria

parodiando cenas da trageacutedia de Euriacutepides mas que satildeo difiacuteceis de recuperaccedilatildeo A uacutenica cena parodiada que

se pode identificar eacute a que alude ao verso 404 (cf supra nota 9) 106 Pelo hoacutespede de Corinto foi a resposta de Estenebeia na peccedila euripidiana de mesmo nome a Belerofonte

265

quer casar com uma moccedila por causa desse conselho

para o velho noivo esposa eacute patroa107

E mais por causa dele que nos gineceus

agora colocam lacres e trancas 415para nos guardar e ainda criam

catildees molossos o terror dos amantes

Mas se por um lado essas coisas satildeo perdoaacuteveis por outro aquilo que antigamente

nos cabia administrar pegar farinha azeite e vinho

sem sermos percebidas nada disso agora 420eacute permitido Pois os maridos agora trazem

consigo trancas secretas detestaacuteveisalgumas laconianas

108 com trecircs dentes

Antigamente para abrir a porta era possiacutevelfazer um sinete por trecircs oacutebolos 425Mas agora esse arruinador de lares do Euriacutepides lhesensinou a ter chancelas de pau carunchosastrazidas ao corpo Consequumlentemente quanto a isso me pareceque de alguma maneira noacutes devemos tramar sua ruiacutena

ou com veneno ou com um artifiacutecio qualquer109

430

a fim de que ele desapareccedila Essas coisas eu publicamente digo

e o resto em companhia da redatora110

redigirei

Co Jamais ouvi mulher

mais sagaz do que esta

107 Segundo Coulon (Les Thesmophories1967 35) essa passagem faria alusatildeo agrave trageacutedia Feacutenix de Euriacutepides da

qual apenas nos chegaram fragmentos 108 Essas chaves recebiam o nome do lugar de onde provinham bem como sapatos e outros objetos (Cf

Chantraine 1999 614) 109 Alusatildeo agrave trama de Medeacuteia na trageacutedia euripidiana de mesmo nome 110 De acordo com Coulon (Les Thesmophories 1967 36) trata-se de uma foacutermula comum dos que acusavam

que preferiam registrar por escrito alguns fatos demasiadamente graves a deixarem registrados apenas

verbalmente

266

nem mais eloquumlente falando 435

pois as coisas que ela diz satildeo justas

Todos os aspectos examinou com cuidadoconsiderou tudo de modo prudente em sua reflexatildeo

encontrou palavras sutis e bem aprimoradas

De modo que se Xeacutenocles111

o filho de Carcino 440 falasse como ela a todas vocecircs ele pareceria penso eu

dizer absolutamente nadaMulher 2 Por causa de poucas palavras e do mesmo modo que ela avancei diante da

[assembleacuteia para falar

De um lado eacute sim verdade que essas coisas ela acusou bem

de outro quero falar das coisas que eu eu sofri 445

Pois quanto a mim meu marido morreu em Chipre

deixando cinco filhinhos que eu com muito custo

alimentava tranccedilando coroas no mercado de mirtos112

Durante todo esse tempo eacute que os alimentava bem ou mal

Mas agora esse aiacute que em suas trageacutedias113

trabalha 450

convenceu os homens de que os deuses114

natildeo existem

de modo que natildeo vendemos mais nem mesmo a metadeAgora de fato a todas sem exceccedilatildeo recomendo e digo

111 Xeacutenocles poeta traacutegico de maacute reputaccedilatildeo (Cf Bailly 1950 1341) Mais informaccedilotildees sobre a vida desse

poeta Sousa e Silva (As Mulheres que celebram as Tesmofoacuterias 1988 120) 112 Segundo Coulon (Les Thesmophories1967 p36) o mercado de flores ou mercado de mirtos era tambeacutem

chamado de mercado de coroas E de acordo com Lavedan (1931 303) Atenas e as principais polis gregas

possuiam um mercado de coroas 113 Para Coulon (Les Thesmophories 1967 36) trata-se de uma expressatildeo popular para a artesatilde de coroas de

flores Euriacutepides trabalha a trageacutedia como ela proacutepria trabalha as flores Eacute a aproximaccedilatildeo da atividade

intelectual com a manual que proporciona um efeito risiacutevel ao texto 114 Essa mesma acusaccedilatildeo de ateiacutesmo apareceraacute em As Ratildes (v889-894) No entanto a biografia de Euriacutepides natildeo

confirma essa acusaccedilatildeo Lesky (1995 374) informa-nos que a primeira obra que Protaacutegoras o fundador da

sofiacutestica leu em puacuteblico foi Sobre os deuses (Peri~ qew~n) e que a casa de Euriacutepides teria sido o lugar onde se

efetuou a leitura que rezava o seguinte Dos deuses natildeo me eacute dado saber se existem ou natildeo existem nem qual

eacute a sua forma Pois haacute muitas coisas que impedem sabecirc-lo a sua invisibilidade e a brevidade da vida do

homem) Por este fato Aristoacutefanes tenha talvez se aproveitado da simpatia que Euriacutepides mantinha pelo

movimento sofista e atribuiacutedo ao poeta traacutegico a descrenccedila nos deuses

267

para castigar esse homem por muitas razotildees

afinal a noacutes oacute mulheres ele nos afronta de maneira selvagem e ruim 455

assim como foi educado nos campos de legumes

Mas vou para a aacutegora porque eacute preciso entrelaccedilar

vinte coroas encomendadas por uns homens115

Co Novamente uma outra forccedila de vontade forccedila essa que

se mostrou mais engenhosa ainda que a primeira 460

Como tagarelounatildeo sem propoacutesito mas com bom senso

e de maneira bastante complexa pensada sem

sem ser incompreensiacutevel mas em tudo convincente116

Entatildeo eacute visivelmente necessaacuterio dar uma puniccedilatildeo ao autor 465

[desse ultraje contra noacutes

Mnesiacuteloco Que vocecircs mulheres irritarem-se pra valer

contra Euriacutepides ao ouvirem tais coisas ruins

natildeo eacute de admirar nem que a bile de vocecircs queime

Pois nessas condiccedilotildees pudesse ―euzinha ser feliz com meus filhos

Odeio esse homem a menos que eu seja louca 470

No entanto conveacutem darmos ―uma palavrinha entre noacutes

pois estamos agindo sozinhas sem divulgaccedilatildeo de nossa discussatildeoComo vamos acusaacute-lo com essas coisasEacute difiacutecil de suportarmos se eacute verdade duas ou trecircs das nossas

115 O uso de coroas poderia estar ligado agrave vida religiosa militar ou civil Se os negoacutecios de coroas estavam em

crise em relaccedilatildeo agrave religiatildeo certamente encontravam uma saiacuteda em atividades militar e civil 116 Na anaacutelise de Coulon (Les Thesmophories 1967 37) o discurso da Segunda Mulher eacute mais engenhoso que o

precedente porque ela tem razotildees pessoais contra Euriacutepides aleacutem de mais curto e mais simples e cheio de

bom senso o discurso eacute de fato faacutecil de entender e convincente

268

maldades que ele disse sabendo bem que as fazemos em grande nuacutemero 475

Pois eu proacutepria em primeiro lugar para que eu natildeo fale de uma outraeu eacute que bem sei de minhas coisas horriacuteveis e estas na verdade satildeo muitas

A mais terriacutevel foi quando eu estava casada haacute trecircs dias

e meu marido dormia do meu lado Entatildeo meu amante

que me desflorou estando eu com sete anos 480

veio ateacute mim por causa de um desejo amoroso e raspava a porta

Imediatamente entendi e em seguida desci secretamente

O meu marido perguntou ―Onde vocecirc estaacute descendo ―Onde

ndash Me deu uma dor de barriga marido e que dor

para a latrina entatildeo eu vou ndash ―Entatildeo vai 485

Enquanto ele esmagava117

o zimbro a erva-doce e a salva

eu derramava aacutegua na dobradiccedila118

e saiacute em direccedilatildeo a meu amante Em seguida me apoiava

ao peacute do Agieu119

com o corpo inclinado ao loureiro

Vejam bem isso jamais Euriacutepides disse 490e nem que levamos uns amaccedilos dos escravos e dos condutores de mulas

quando natildeo fazemos outra coisa Isso ele tambeacutem natildeo disse

Nem quando somos plenamente acaricidas por um qualquer

agrave noite e de manhatilde mascamos alho

para que o marido sinta ao voltar da muralha 495

e nem desconfie que faziacuteamos algo errado Isso veja bem

jamais ele falou Se ele insulta Fedra120

Para noacutes o que isso significa Ele jamais falou

117 Segundo Coulon (Les Thesmophories 1967 38) o marido preparava um remeacutedio para a esposa 118 Coulon (Les Thesmophories1967 38) observa que nessa passagem a mulher preferiu aacutegua ao oacuteleo para natildeo

deixar marcas no chatildeo 119 Agieu ( jAguia~) eacute um dos epiacutetetos de Apolo e significa protetor das ruas Era frequumlente ter agrave porta das casas

um pilar ou um altar em homenagem ao deus (Cf Bailly 1950 18 Lavedan 1931 73-81) 120 Diz o mito que Fedra foi uma princesa filha de Minos e Pasiacutefae que se casou com Teseu rei de Atenas e

apaixonou-se pelo enteado Hipoacutelito nome este tambeacutem da trageacutedia euripidiana Aristoacutefanes vecirc em Fedra o

exemplo da mulher sem escruacutepulos dado que na trageacutedia eacute marcado pelo amor natildeo correspondido A

repugnacircncia de Hipoacutelito pela madrasta leva-o agrave morte apoacutes Fedra tecirc-lo acusado falsmente a Teseu de uma

tentativa de ultraje

269

da mulher que ao mostrar ao marido o manto

para que ele veja como ele eacute agrave luz como eacute esconde 500

o amante e o faz escapar Isso tambeacutem ele natildeo falou

Eu conheccedilo uma outra mulher que dizia ter dores de parto

haacute dez dias ateacute que comprou uma criancinha

O marido corria pra laacute e pra caacute para comprar um remeacutedio que facilitasse o parto

E entatildeo uma velha trouxe a criancinha numa panela 505

e para que natildeo gritasse meteu-lhe um favo de cera121

Em seguida a um sinal imediatamente comeccedila a berrar

―Sai sai depressa homem acho que

vou dar agrave luz Pois a coisinha bateu com os peacutes no interior da panela

Enquanto o marido corria com alegria a velha arrancava o favo de cera 510

da boca da crianccedila que comeccedilou a gritar forteEm seguida a velha asquerosa que tinha trazido a crianccedila

corre sorrindo em direccedilatildeo ao homem e diz

―um leatildeo um leatildeo te nasceu o mesmo retrato teu

Em tudo puxou a vocecirc ateacute 515

naquilo se parece virado como um tufo florido de pinha

Essas coisas horriacuteveis natildeo fazemos Por Aacutertemis

fazemos sim E depois nos irritamos com Euriacutepides

quando nem sofremos mais do que merecemos122

Co Isso eacute sem duacutevida extraordinaacuterio 521

Onde foi achada essa coisa

121 Segundo interpretaccedilatildeo de Coulon (Les Thesmofories 1967 39) o favo era para a crianccedila chupar 122 Essa passagem eacute uma paroacutedia da peccedila Teacutelefo de Euriacutepides (frag 712) Na anaacutelise de Sousa e Silva (As

mulheres que celebram as Tesmofoacuterias1988 14) Teacutelefo e o seu discurso satildeo mais um exemplo da formaccedilatildeo sofiacutestica e retoacuterica de Euriacutepides do seu gosto sempre entusiasta por confrontos verbais e discussotildees

polecircmicas E Aristoacutefanes cria em As mulheres que celebram as Tesmofoacuterias uma reacuteplica da assembleacuteia dos

Aqueus em Teacutelefo preenchida por longos discursos em que Mnesiacuteloco e as mulheres se debatem num tema

particularmente delicado Euriacutepides o antifeminista

270

em que regiatildeo cresceu

essa aiacute atrevida assim

e dizer tais coisas a malandra

abertamente assim sem pudor 525Nunca imaginaria isso entre noacutes

nem que ousasse contra noacutes

Mas tudo pode acontecer a partir de agora

Concordo com o antigo proveacuterbio

―de baixo de toda pedra eacute preciso

olhar para que um orador natildeo morda123

530

123 Segundo Coulon (Les Thesmophories 1967 39) trata-se de uma paroacutedia de uma canccedilatildeo que dizia debaixo de

cada pedra um escorpiatildeo Amigo cuidado Aristoacutefanes faz uma paroacutedia da canccedilatildeo agraves circunstacircncias da comeacutedia

e alerta o perigo dos oradores para a sociedade

271

Tesmaforiantes ndash cena iacircmbica (vv 531-573)

Co Mas natildeo haacute nada pior do que mulheres descaradas por natureza

no que diz respeito a tudo exceto isto eacute se for mulheres

Mica Por Aglaura124

mulheres vocecircs natildeo estatildeo certamente pensando bem

ou vocecircs foram enfeiticcediladas ou outra coisa muito ruim vocecircs sofreram

para permitir esse flagelo de insultar dessa maneira 535

a todas noacutes Se haacute algueacutem que mas se natildeo haacute noacutes

mesmas e tambeacutem nossas criadinhas pegando cinza em algum lugar

depilaremos a ―xereca dessa aiacute para que aprenda

como mulher a natildeo falar mal das mulheres de agora em diante

Mnesiacuteloco Mulheres por favor Minha ―xereca natildeo Pois se haacute 540

liberdade de expressatildeo entatildeo que seja permitido falar agrave medida que cidadatildes que estatildeo

presentes

eu conhecia coisas justas sobre Euriacutepides e entatildeo eu disse

Por causa disso como puniccedilatildeo eacute necessaacuterio que eu seja depilada por vocecircs

Mulher 1 Entatildeo natildeo eacute necessaacuterio te dar um castigo Vocecirc que sozinha

teve a coragem de

falar a favor desse homem que nos fez tanta coisa ruim 545

encontrando de propoacutesito assuntos em que uma mulher perversa

apareceria representando Melanipas e Fedras Mas Peneacutelope125

jamais ele representou porque parecia ser uma mulher sensata

Mnesiacuteloco Eu bem sei a causa Mas natildeo se pode nomear uma uacutenica

Peneacutelope entre as mulheres hoje em dia satildeo todas Fedras sem exceccedilatildeo 550

Mulher 1Vocecircs estatildeo ouvindo mulheres o que disse a safada de noacutes todas outra vez

Mnesiacuteloco Por Zeus126

ainda natildeo

disse tudo o que eu sei querem que eu nessas condiccedilotildees fale mais

Mulher 1 Mas vocecirc natildeo teria mais Tudinho que vocecirc sabia vocecirc despejou

Mnesiacuteloco Por Zeus nem a mileacutesima parte do que fazemos 555

assim natildeo falei que veja bem pegando um raspador127

em seguida sugamos com um

sifatildeo o vinho

124Embora o registro do nome seja com ―o preferiu-se a forma com ―a pois trata-se do sexo feminino Aglaura

era uma das trecircs filhas de Ceacutecrops rei miacutetico de Atenas e considerada sacerdotisa de Atena (Para uma literatura

mais vasta cf Lavedan 1931 24) 125 Melanipa a matildee que abandona os filhos e Fedra a matildee que mata os filhos satildeo protagonistas da cena

euripidiana (Cf supra notas 3 e 24) e aos olhos da comeacutedia representam o modelo de mulheres perversas em

oposiccedilatildeo agrave Peneacutelope fiel esposa que espera a volta do marido Ulisses na Odisseacuteia 126 Zeus eacute o mais importante deus da mitologia grega (Cf Lavedan 1931 1025-1036) 127 O raspador (stleggiv) podia denominar dois tipos de objetos bem diferentes tipo de fivela em couro ou

metal que as mulheres usavam no penteado ou um raspador usado nos banhos e nos ginaacutesios que possuia um

cabo oco para coletar o suor (Cf Bailly 1950 1794) Eacute este segundo sentido que estaacute sendo utilizado por

272

Mulher 1Vai se danar

Mnesiacuteloco que ainda as carnes vindas das Apatuacuterias128

damos agraves prostitutas e depois

dizemos que a doninha129

Mulher 1 Pobre de mim Vocecirc estaacute dizendo besteiras

Mnesiacuteloco nem que uma outra matou o marido com um machado 560

eu natildeo disse Nem que uma outra enlouqueceu o marido com drogas

nem que outrora enterrou na banheira

Mulher 1 Vai se danar

Mnesiacuteloco uma acarnense130

o pai

Mulher 1 Pode-se essas coisas serem suportaacuteveis de ouvir

Mnesiacuteloco nem que vocecirc quando a criada deu agrave luz a um menino

se apropriou dele e para ela deixou sua filhinha131

565

Mulher 1 Quanto a vocecirc pelas duas deusas dizendo essas coisas vocecirc natildeo escaparaacute do

castigo

eu vou te arrancar os cabelos132

Mnesiacuteloco Por Zeus vocecirc natildeo vai me tocar

Mulher 1 Entatildeo toma

Mnesiacuteloco Toma vocecirc tambeacutem

Mulher 1 Pegue no meu manto amiga Filista133

Aristoacutefanes Trata-se de um raspador em cujo cabo oco era colocado vinho pelas mulheres para tomaacute-lo agraves

escondidas (Cf Coulon Les Thesmophories 1967 41) 128 Segundo Sousa e Silva (As mulheres que celebram as Tesmofoacuterias 1988 126) as Apatuacuterias eram um festival

anualmente realizado em homenagem a Zeus Fraacutetrio e Atena Fraacutetria pelos membros das fratias E de acordo

com Coulon (Les Tesmophories 1967 41) no terceiro dia desse festival os maridos traziam sobras de

comida a suas esposas 129 A galevh era um nome reservado a diversos animais tais como doninha mamiacutefero carniacutevoro fuinha gata

(Cf Bailly 1950 386) 130 Acarnenses refere-se agraves pessoas que vivem no demos de Acarnes onde se desenvolvia a atividade carvoeira

Esse lugar inspirou Aristoacutefanes na comeacutedia Os Acarnenses 131 Segundo Bonnard (1980 132) a uacutenica ocupaccedilatildeo da mullher eacute dar ao marido os filhos varotildees que ele deseja

e aos sete anos esses lhe satildeo tirados No caso de filhas a matildee fica com elas e as educa no gineceu Atraveacutes

dessa informaccedilatildeo pode-se imaginar que muitas mulheres que natildeo tinham a sorte de ter varotildees usassem de

estrateacutegias escusas para obter um 132 Aristoacutefanes faz aqui um jogo de palavras entre o vejkpokivzw forjado pelo poeta a partir do substantivo

pokav crina que nesse caso refere-se jocosamente aos cabelos humanos 133 Segundo Bailly (1950 2072) Fivlisth eacute um nome proacuteprio que remete a outro nome proacuteprio Fivlisto que

por sua vez remete a fivlo cujo significado eacute amigo amado querido etc Como foi feito com os outros nomes

(cf supra nota 1) para dar uma ideacuteia da etimologia do nome optou-se pelo aposto que nesse caso eacute o vocaacutebulo

amiga que natildeo estaacute presente no texto original

273

Mnesiacuteloco Daacute uma soacute e por Aacutertemis eu te

Mulher 1 O que vocecirc vai fazer

Mnesiacuteloco o bolo de seacutesamo que vocecirc devorou vou te fazer colocaacute-lo pra fora 570 Coro Parem com os insultos pois uma mulher em direccedilatildeo agrave noacutes

corre com todo esforccedilo Portanto antes de chegar aqui

silecircncio para que sem bagunccedila saibamos dela as coisas que vai dizer

274

Paz ndash agon (vv 601-657)

Co Mas onde durante todo esse tempo e longe de noacutes esteve

a Tal134

Conta isso pra gente oacute o mais bonzinho dos deuses

Her Pobres agricultores prestem bastante atenccedilatildeo

no que vai ser dito se querem saber como Ela desapareceu

Em primeiro lugar isso comeccedilou com Fiacutedias135

que agiu mal 605

Em seguida Peacutericles com medo de que participaria da mesma sorte

134 Refere-se agrave Paz 135 Aristoacutefenes faz menccedilatildeo a um escacircndalo em que o escultor Fiacutedias contratado por Peacutericles teria superfaturado

na construccedilatildeo da estaacutetua de Atena Isso levou a Assembleacuteia a condenaacute-lo ao exiacutelio

275

temendo a maneira de ser e o caraacuteter irasciacutevel de vocecircs

e antes de ele mesmo sofrer algo terriacutevel pocircs fogo na cidade

lanccedilando uma pequena fagulha no decreto de Meacutegara136

aticcedilando uma guerra de modo que a fumaccedila 610

fez chorar todos os gregos tanto os de laacute quanto os daqui

Entatildeo jaacute que Ela ouviu que uma videira estremeceu pela primeira vez

que um barril tinha se chocado com raiva com outro barril

e que natildeo havia ningueacutem que parasse isso Ela se escafedeu

Tr Ixe Por Apolo Eu natildeo ouvi da boca de ningueacutem essas coisas 615

E nem ouvi falar que Fiacutedias teria algo a ver com Ela

Co Nem eu soacute agora Por causa disso Ela era bonita

por ser obra dele Quanta coisa escapa ao nosso conhecimento

Her Em seguida quando as cidades submissas a vocecircs se deram conta

de que vocecircs brigavam uns com os outros e rangiam os dentes 620

e temendo os tributos maquinaram tudo contra vocecircs

e corrompiam com riquezas os mais importantes lacedemocircnios

Esses entatildeo que satildeo gananciosos e que enganam os estrangeiros

Baniram-na vergonhosamente e agarraram com ardor a Guerra

Entatildeo os lucros deles eram prejudiciais aos agricultores 625

pois as trirremes daqui tambeacutem por vinganccedila

consumiam as figueiras dos homens que natildeo tinham culpa

Tr Justiccedila seja feita Pois a minha figueira negra

a que eu plantei e cuidei eles derrubaram

136 Esse decreto teria sido o estopim para a rivalidade jaacute haacute muito existente entre Atenas e Esparta

276

Co Sim por Zeus meu caro Justiccedila seja feita pois no meu caso eles lanccedilaram pedras 630

e destruiacuteram um depoacutesito de trigo de seis medimnos137

Her Pois entatildeo quando o trabalhador veio em massa dos campos

natildeo compreendeu que estava sendo vendido da mesma maneira

e porque estava sem o bagaccedilo da uva e gostava de figos secos

recorreu aos oradores Esses entatildeo sabendo bem 635

que os coitados estavam cansados e necessitados de comida

expulsaram a deusa aos berros

Ela que muitas vezes apareceu espontaneamente por amor a esta terra

Entatildeo dos aliados os que eram fortes e ricos eles deram uma sacudida

declarando a seguinte acusaccedilatildeo ―eacute do partido do Brasidas138

640

Entatildeo vocecircs como catildees dilaceravam o acusado

Pois a cidade paacutelida e com medo das caluacutenias

que pudessem lanccedilar contra ela regalava-se com isso da maneira mais prazerosa

E eles os estrangeiros vendo que levavam porradas

enchiam de ouro a boca dos que faziam essas coisas 645

de tal modo que esses aiacute fizeram fortuna enquanto a Greacutecia

se subtraiacutea sem que vocecircs percebessem E o feitor de tudo isso era um curtidor139

Tr Pare pare Hermes soberano condutor dos mortos nem me fale

Mas deixe esse homem onde ele estaacute laacute embaixo

Pois natildeo eacute mais dos nossos esse fulano mas seu 650

Assim tudo o que vocecirc venha a dizer dele

Se era um patife quando vivo

137 Medida equivalente a 320 litros 138 Aristoacutefanes se refere agrave traiccedilatildeo de alguns atenienses na tomada de Atenas por Brasidas comandante dos

espartanos 139 Trata-se do demagogo Cleatildeo Nas primeiras peccedilas de Aristoacutefaens Acarnenses (425) Cavaleiros (424) e

Vespas (422) Cleatildeo era vivo Seu falecimento portanto deve ter sido entre 422 e 421 quando Paz foi

encenada

277

falador delator

embromador agitador

Todas essas coisas agora 655

atingem os da sua gente

Mas por que vocecirc estaacute calada oacute divina Diga-me

278

Aves ndash agon (vv 451-638)

CORO Traiccediloeiro em todas as coisas

eacute por natureza o homem Mas apesar disso fala

Revelarias talvez

Uma qualidade que percebes em mim ou uma forccedila maior 455

posta de lado por meu espiacuterito simploacuterio

Isto que vecircs traz a puacuteblico O que me proporcionares de bom

de todos seraacute

CORIFEU O motivo seja qual for que trouxe vocecirc aqui para nos convencer

fale confiante A treacutegua natildeo seremos os primeiros a romper 461

BOM DE LAacuteBIA

Por Zeus Estou louco para falar Eu jaacute preparei um discurso

o que natildeo impede de sovaacute-lo mais um pouco (a um escravo)

Rapaz traga uma coroa E para lavar as matildeos aacutegua por favor Raacutepido

TUDO AZUL (para BL) Vamos comer Ou o quecirc

BOM DE LAacuteBIA Natildeo por Zeus Mas haacute tempo procuro dizer algo uma fala grande

e gorda que lhes dilacere a alma (para o coro inspirado) 466

Eu sofro tanto por vocecircs que antes foram reis

CORIFEU

Noacutes reis De quem

BOM DE LAacuteBIA

Vocecircs sim

De tudo quanto haacute a comeccedilar de mim (apontando TA) dele e do proacuteprio Zeus Vocecircs satildeo mais antigos satildeo anteriores a Crono aos Titatildes e agrave Terra

CORIFEU

Agrave Terra

BOM DE LAacuteBIA

Sim por Apolo

CORIFEU

Por Zeus Isso eu nunca soube 470

279

BOM DE LAacuteBIA

Ignorante por natureza sem um pingo de curiosidade nunca leu Esopo Ele afirmava que de todas as aves a cotovia foi

a primeira a nascer anterior agrave terra Depois o seu pai morreu

doente a terra natildeo existia e ele ficou exposto por cinco dias

Entatildeo ela num impasse sem outro recurso sepultou o pai na cabeccedila 475

TUDO AZUL

E o pai da cotovia jaz agora em Cabeccedilas

BOM DE LAacuteBIA

Entatildeo se antes da Terra e antes dos deuses nasceram

por serem os mais antigos natildeo lhes cabe por direito a realeza

TUDO AZUL

Sim por Apolo Eacute melhor cuidar bem de seu bico daqui para frente

Zeus natildeo restituiraacute de pronto o cetro ao pica-pau 480

BOM DE LAacuteBIA

De que os deuses natildeo comandavam os homens no passado

nem eram reis mas sim as aves haacute muitas provas

Para comeccedilar eu mostrarei primeiro que o galo foi senhor e comandou os persas todos antes de Dario e Megaacutebazo

por causa desse comando eacute chamado de ave persa 485

TUDO AZUL

Por isso eacute que ainda hoje uacutenico entre as aves desfila

como o Grande Rei mantendo o turbante reto sobre a cabeccedila

BOM DE LAacuteBIA

Ele foi forte e poderoso um dia e muito Tanto que ainda hoje

devido ao poder passado soacute quando ele canta de madrugada saltam todos para o trabalho ferreiros oleiros curtidores 490

sapateiros criados moleiros fabricantes de liras e de armas

Outros calccedilam as sandaacutelias e se potildeem a caminho ainda de noite

TUDO AZUL

Eu eacute que sei

Um manto de latilde friacutegia perdi pobre de mim por causa dele Uma vez chamado para uma festa bebericava na cidade 494

e logo adormeci Antes que os outros jantassem esse aiacute cantou

E eu pensando que jaacute era madrugada parti para Halimonte e logo pus a cabeccedila para fora das muralhas e um salteador

me deu uma paulada nas costas

Eu caio e vou gritar mas ele jaacute surrupiou a minha roupinha

280

BOM DE LAacuteBIA

Tambeacutem o milhafre entre os helenos governava e reinava entatildeo

CORIFEU

Entre os helenos

BOM DE LAacuteBIA

Foi quem primeiro os ensinou quando era rei 500

a rolarem frente aos milhafres

TUDO AZUL

Por Dioniso eacute mesmo Eu por exemplo

rolei ao ver um milhafre Depois de costas e de boca aberta engoli o dinheiro entatildeo arrastei para casa a sacola vazia

BOM DE LAacuteBIA De todo o Egito e tambeacutem da Feniacutecia o cuco era rei

E cada vez que o cuco dizia ―cu-co entatildeo os feniacutecios 505

todos eles o trigo e a cevada ceifavam nos campos

TUDO AZUL

Ah Eacute esta a razatildeo daquele proveacuterbio ―Cu-co Circuncidados ao campo

BOM DE LAacuteBIA

Mantiveram com tanto vigor o comando que mesmo se um dos helenos

reinasse nas cidades Agamenatildeo ou Menelau sobre o seu cetro uma ave pousava partilhando os presentes que recebia 510

TUDO AZUL Ora isso aiacute eu natildeo sabia De fato ficava surpreso

quando nas trageacutedias entrava em cena um Priacuteamo com uma ave

Ela ficava parada espiando os presentes que certos poliacuteticos recebiam

BOM DE LAacuteBIA

E o mais impressionante eacute que Zeus agora reinante

fica postado com uma aacuteguia na cabeccedila ndash sendo ele rei ndash 515 sua filha com uma coruja Apolo como criado que eacute com um gaviatildeo

CORO

Por Demeacuteter bem notado E para que as trazem

BOM DE LAacuteBIA

Para que quando algueacutem sacrifica e entrega as entranhas nas matildeos deles como eacute costume elas peguem as entranhas antes de Zeus

Nenhum homem entatildeo jurava pelo deus todos juravam pelas aves 520

Lampatildeo jura ainda hoje pelos seus gansos quando engana algueacutem

281

Assim antes todos julgavam vocecircs grandes e sagrados

mas agora escravos estuacutepidos joatildeo-bobos Apedrejam vocecircs

como fazem com os loucos Ateacute nos templos 525

qualquer passarinheiro arma para vocecircs

armadilhas laccedilos redes arapucas malhas varas noacutes

Em seguida capturando-os vendem todos de uma soacute vez

os outros compram apalpando 530 E entatildeo se assim decidem

servem vocecircs sem assar

mas temperam com queijo azeite

siacutelfion vinagre e misturam um molho doce e gorduroso 535

e derramam-no quente

sobre vocecircs como se natildeo fossem mais do que carniccedila

CORO Muito tristes tristiacutessimas as palavras

que disseste homem Como chorei 540

a fraqueza de meus pais Estas honras

herdaram de seus ancestrais e na minha vez as perderam

Tu graccedilas a um deus e a uma conjuntura favoraacutevel

chegas como meu salvador 545 Depois de confiar a ti

meus filhotes e a mim mesmo fundarei uma cidade

CORIFEU

Mas o que eacute preciso fazer ensine jaacute que estaacute aqui

Para noacutes natildeo vale a pena viver

se natildeo recuperarmos de qualquer forma a nossa soberania

BOM DE LAacuteBIA

Pois bem a primeira liccedilatildeo eacute que haja uma soacute cidade das aves 550 Depois que ergam um muro com grandes tijolos cozidos

como Babilocircnia ao redor de todo o ar e do espaccedilo

POUPA Oh Cebriatildeo Oh Porfiriatildeo Que cidadela terriacutevel

BOM DE LAacuteBIA E quando ela estiver de peacute exijam de Zeus o comando

E caso ele natildeo conceda nem queira nem mude logo de ideacuteia 555

uma guerra santa declarem contra ele e proiacutebam os deuses

282

de atravessar em ereccedilatildeo o territoacuterio de vocecircs

como faziam antes para seduzir as Alcmenas Aacutelopes e Secircmeles E se eles vierem

lacrem o pau deles para que natildeo transem com elas 560

Ordeno que enviem aos homens outra ave que como arauto proclame

uma vez reis as aves agraves aves devem sacrificar daqui para frente e soacute depois aos deuses em segundo lugar

E que justamente atribuam aos deuses as aves que conveacutem a cada um

Se a Afrodite sacrificar gratildeos ao pinto ofereccedila 565 se a Poseidon algueacutem sacrificar uma ovelha ao pato trigo consagre

se a Heacuteracles sacrificar agrave gaivota bolos de mel ofereccedila

e se a Zeus Rei algueacutem sacrificar um carneiro rei eacute a ave culhatildeo

a quem antes do proacuteprio Zeus um mosquito bem colhudo deve-se imolar 569

TUDO AZUL

Gostei do mosquito imolado Que o grande Zeus troveje agrave vontade

CORIFEU

E como os homens nos tomaratildeo por deuses e natildeo por gralhas se voamos e temos asas

BOM DE LAacuteBIA

Que bobagem Zeus do ceacuteu Hermes que eacute deus voa e tem asas E tambeacutem outros deuses inuacutemeros

Por exemplo Vitoacuteria voa com asas de ouro e por Zeus Eros tambeacutem

Iacuteris afirma Homero eacute ―semelhante agrave tiacutemida pomba 575

TUDO AZUL

E Zeus natildeo vai trovejar e enviar sobre noacutes o raio alado

BOM DE LAacuteBIA (para o coro)

E se por ignoracircncia julgarem vocecircs um nada e deuses os que

estatildeo no Olimpo entatildeo eacute necessaacuterio que uma nuvem de pardais e tambeacutem de ajunta-gratildeos se levante e cate nos campos as sementes

Depois que Demeacuteter lhes decirc a raccedilatildeo quando tiverem fome 580

TUDO AZUL

Ela natildeo vai querer por Zeus Vocecirc a veraacute inventando mil desculpas

BOM DE LAacuteBIA Que os corvos por sua vez furem os olhos das juntas de bois

que lavram a terra e dos carneiros como exemplo

E entatildeo Apolo que eacute meacutedico que os cure Ele eacute pago para isso

TUDO AZUL (aflito)

Natildeo Natildeo antes que eu venda os meus boizinhos 585

283

BOM DE LAacuteBIA (para o coro)

Se acreditarem que vocecirc eacute deus que vocecirc eacute vida que vocecirc eacute a Matildee Terra que vocecirc eacute Crono que vocecirc eacute Poseidon

eles teratildeo tudo que eacute bom

POUPA Por exemplo

BOM DE LAacuteBIA Primeiro os gafanhotos natildeo devoraratildeo os brotos das vinhas

pois uma tropa de corujas e de roucaccedilos uma soacute os destruiraacute

E as formigas e os cupins natildeo mais atacaratildeo as figueiras 590

pois todas elas seratildeo varridas por um uacutenico bando de tordos

POUPA

Como lhes daremos riquezas Essa eacute a paixatildeo deles

BOM DE LAacuteBIA

Minas valiosas lhes daratildeo quando consultarem oraacuteculos e revelaratildeo ao adivinho como lucrar com o comeacutercio mariacutetimo

de modo que nenhum piloto pereceraacute

POUPA Como natildeo pereceraacute 595

BOM DE LAacuteBIA Uma ave prediraacute sempre ao consultante sobre navegaccedilatildeo

―natildeo navegue agora vai haver tempestade Navegue agora o lucro seraacute certo

TUDO AZUL

Compro um navio e viro piloto Eu natildeo ficaria com vocecircs

BOM DE LAacuteBIA Tesouros lhes mostraratildeo os de moedas de prata que os antigos

esconderam As aves os conhecem Todos dizem 600

―Soacute um passarinho do meu tesouro sabe o caminho

TUDO AZUL

Vendo o navio compro uma paacute e desenterro potes

POUPA

Como lhes daremos Sauacutede jaacute que ela estaacute laacute com os deuses

BOM DE LAacuteBIA

Se os negoacutecios vatildeo bem a sauacutede natildeo pode ir melhor

Eacute oacutebvio que ningueacutem tem sauacutede se os negoacutecios vatildeo mal 605

284

POUPA

E como alcanccedilaratildeo um dia a Velhice Tambeacutem ela estaacute no Olimpo

Seraacute que devem morrer crianccedilas

BOM DE LAacuteBIA

Natildeo por Zeus Mas trezentos anos

as aves lhes acrescentaratildeo

CORIFEU

Tirados de onde

BOM DE LAacuteBIA

De onde Delas mesmas

Natildeo sabe que ―cinco geraccedilotildees de homens vive o corvo gritador

TUDO AZUL

Puxa Para noacutes eacute bem melhor que elas reinem e natildeo Zeus 610

BOM DE LAacuteBIA

Bem melhor natildeo eacute mesmo Primeiro natildeo eacute preciso

templos de pedra edificar

nem provecirc-los com aacuteureos poacuterticos

elas sob arbustos e azinheiras habitaratildeo 615 Das aves veneraacuteveis

a aacutervore da oliva seraacute o templo Nem a Delfos

nem a Amon iremos para laacute sacrificar mas entre os medronheiros 620

e as oliveiras de peacute

com gratildeos de cevada e trigo lhes rogaremos erguendo ambas as matildeos

que nos decircem nossa parte nos bens

E isso imediatamente teremos 625

por uns poucos gratildeos

CORIFEU

Vocecirc de meu inimigo se transformou no mais adoraacutevel dos velhos Por mim de modo algum abandonaria as suas ideacuteias

CORO

Exaltado com as tuas palavras eu ameaccedilo e juro 630

se tu unindo palavras afinadas agraves minhas

justas leais e pias vais contra os deuses

em harmonia espiritual comigo

natildeo mais por muito tempo 635 os deuses usaratildeo o cetro o meu

CORIFEU

Bem em tudo que eacute preciso empregar a forccedila conte conosco E tudo quanto exigir deliberaccedilatildeo sensata seraacute tarefa sua

285

Lisiacutestrata ndash agon (vv 476-613)

CORO DE VELHOS Oacute Zeus o que aremos um dia

com estes animais

Isso natildeo eacute mais toleraacutevel eacute seu dever investigar

comigo o acontecido 480 com que intenccedilatildeo elas

tomaram a cidadela de Craacutenaos

a grande rocha Acroacutepole intransponiacutevel recinto sagrado

LIacuteDER DO CORO DE VELHOS

Vamos pergunte natildeo se deixe convencer refute-as de [todos os modos porque eacute uma vergonha deixarmos um assunto desses sem investigaccedilatildeo 485

DELEGADO Certamente tambeacutem eu desejo saber de viva voz primeiro por Zeus

com que intenccedilatildeo trancafiaram a ferrolhos a nossa cidade

DISSOLVETROPA

Para mantermos o dinheiro intacto e vocecircs natildeo guerrearem por ele

DELEGADO Por dinheiro guerreamos entatildeo

DlSSOLVETROPA E tudo o mais ficou de pernas para o ar

Para poder roubar Pisandro e os que ocupavam cargos 490

sempre promoviam algum tumulto E por isso que faccedilam o que quiserem Jamais vatildeo se apoderar deste dinheiro

Delegado

Mas o que vocecirc vai fazer

DlSSOLVETROPA

Vocecirc quer saber Noacutes vamos administraacute-lo

Delegado

Vocecircs Vatildeo administrar o dinheiro

DlSSOLVETROPA

Por que vocecirc acha isso tatildeo estranho

Noacutes natildeo administramos plenamente para vocecircs o orccedilamento domeacutestico 495

Delegado

Mas natildeo eacute a mesma coisa

286

DlSSOLVETROPA

Como natildeo

Delegado

Devemos ir agrave guerra com ele

DlSSOLVETROPA

Em primeiro lugar natildeo se deve ir agrave guerra

Delegado

E que outra salvaccedilatildeo teremos

DlSSOLVETROPA Noacutes vamos salvaacute-los

Delegado Vocecircs

DlSSOLVETROPA Sim noacutes

Delegado

Eacute sinistro

DISSOLVETROPA

Vocecirc seraacute salvo mesmo que natildeo queira

Delegado

Vocecirc exagera

Dissolvetropa

Vocecirc estaacute nervoso

mas de qualquer forma eacute nosso dever fazer isso

DELEGADO

Por Demeacuteter eacute totalmente injusto 500

DlSSOLVETROPA

Eacute nosso dever irmatildeo

Delegado

Mesmo que eu natildeo peccedila

287

DlSSOLVETROPA

Muito mais ainda por isso

Delegado

De onde veio seu interesse pela guerra e pela paz

DlSSOLVETROPA

Noacutes vamos explicar

Delegado

Diga raacutepido senatildeo vai se arrepender

DlSSOLVETROPA Escute entatildeo

e tente refrear suas matildeos

DELEGADO

Natildeo consigo

E difiacutecil contecirc-las por causa da raiva

Uma Velha

Entatildeo vai se arrepender mais ainda 505

Delegado

Possa vocecirc crocitar para si mesma velha Quanto a vocecirc diga-me

DlSSOLVETROPA

Farei isso

Num primeiro momento suportamos em silecircncio por prudecircncia tudo o que vocecircs homens faziam ndash

natildeo nos deixavam sequer grunhir ndash e natildeo estaacutevamos satisfeitas com vocecircs

Mas compreendiacuteamos vocecircs bem e muitas vezes em casa 510

escutamos quando deliberavam mal sobre um assunto importante E se no iacutentimo aflitas perguntaacutevamos sorrindo

―O que vocecircs decidiram anotar na coluna sobre as treacuteguas

na assembleacuteia de hoje ―E o que vocecirc tem a ver com isso o marido dizia ―Natildeo vai calar a boca E eu me calava

Uma Velha

Mas eu nunca me calava 515

Delegado

Com certeza se lamentaria se natildeo se calasse

288

DISSOLVETROPA

Por isso mesmo eu me calava entatildeo E em seguida eacuteramos de novo informadas de alguma outra decisatildeo de vocecircs ainda pior

Quando perguntaacutevamos ―Como levaram isso a cabo marido de uma forma tatildeo tola

Ele imediatamente me olhava de alto a baixo e afirmava que se eu natildeo fiasse uma trama

minha cabeccedila teria muito do que se queixar ―Da guerra cuidaratildeo os homens 520

Delegado

E ele falava com razatildeo por Zeus

DlSSOLVETROPA

Com que razatildeo desgraccedilado

se nem mesmo quando deliberavam mal podiacuteamos aconselhaacute-los Entatildeo quando agraves claras jaacute ouviacuteamos vocecircs nas ruas

―Natildeo haacute homem neste paiacutes ―Natildeo natildeo haacute mesmo por Zeus dizia um outro

Depois disso achamos melhor salvar logo a Greacutecia em conjunto 525 com as mulheres aqui reunidas Ateacute onde era preciso esperar

Se quando noacutes falarmos algo uacutetil vocecircs quiserem ouvir

e calar por sua vez como fizemos daremos um jeito em vocecircs

Delegado

Vocecircs Em noacutes Vocecirc exagera Natildeo posso suportar

DlSSOLVETROPA

Calado

DELEGADO

Eu Calar-me diante de uma peste como vocecirc que tem um veacuteu 530

ao redor da cabeccedila Que eu deixe a vida jaacute

DISSOLVATROPA

Se eacute esse o seu problema

pegue comigo este veacuteu segure-o e coloque-o ao redor da cabeccedila

e entatildeo fique calado

Uma Velha

E aqui estaacute a cestinha 535

DISSOLVETROPA E entatildeo cingindo-se carde

e mastigue favas

Da guerra cuidaratildeo as mulheres

Liacuteder do Coro de Mulheres

Ergam-se mulheres para longe das vasilhas para que possamos de nossa parte ajudar tambeacutem um pouco as nossas amigas 540

289

Coro de Mulheres

Jamais eu me cansaria de danccedilar e nem a fadiga penosa tomaria meus joelhos

Por sua virtude quero acompanhaacute-las

ateacute o fim do mundo Elas

tecircm dotes naturais tecircm encanto tecircm audaacutecia tecircm sabedoria e tecircm a virtude

de um patriotismo moderado

Liacuteder do Coro de Mulheres

Vamos mais viril das avoacutes e das mamatildees-urtigas

Avancem com raiva e natildeo amoleccedilam pois ateacute agora vocecircs tecircm o vento a seu favor 550

DlSSOLVETROPA

Mas se o doce Eros e a Ciprogecircnia Afrodite

insuflassem o desejo em nossos seios e coxas e entatildeo engendrassem tensatildeo prazerosa nos homens e tambeacutem pau-durismo

penso entre os gregos seriacuteamos chamadas Dissolvelutas

Delegado

Por terem feito o quecirc

DISSOLVETROPA Por impedirmos vocecircs primeiro de irem 555

armados ao mercado e de fazer loucuras

Uma Velha

Isso mesmo por Afrodite de Pafos

DISSOLVETROPA

Agora mesmo para comprar panelas e legumes

percorrem o mercado armados como Coribantes

Delegado

Por Zeus os corajosos devem fazecirc-lo

DlSSOLVETROPA

Mas com certeza eacute ridiacuteculo

sempre que um com escudo Goacutergona e tudo compra peixe 560

Uma Velha

Por Zeus eu mesma vi um comandante cabeludo a cavalo

jogar purecirc de legumes comprado de uma velha num gorro de bronze Um outro traacutecio sacudindo escudo e lanccedila como Tereu

amedrontava a vendedora de figos e devorava as azeitonas

290

Delegado

Como vocecircs seratildeo capazes de impedir as enormes revoltas 565 que assolam nosso paiacutes e nelas pocircr fim

DISSOLVETROPA

Muito simplesmente

Delegado

Como Demonstre

DISSOLVETROPA

Como quando uma meada estaacute revolta noacutes a pegamos assim

e com os fusos passamos um fio para caacute outro para laacute assim tambeacutem poremos fim a essa guerra se deixarem

separando os embaixadores um para caacute outro para laacute 570

Delegado

Entatildeo eacute com latildes meadas e fusos que vocecircs contam deter

negoacutecios terriacuteveis Que tolas

DISSOLVETROPA

Se ao menos um de vocecircs tivesse cabeccedila

teria administrado a cidade toda com as nossas latildes

Delegado

Como assim Quero ver

DlSSOLVETROPA

Em primeiro lugar como um tufo dela tendo lavado no banho a suarda da cidade sobre um leito

era preciso surrar os malandros eliminar os espinhos

cardar tanto esses que ficaram juntos quanto os que calcaram a si mesmos

em vista dos cargos e tirar a cabeccedila dos noacutes E entatildeo todos misturados em uma cestinha cardar

a boa vontade geral E os metecos se um estrangeiro for seu amigo 580

e se tiver obrigaccedilotildees com o Estado tambeacutem devia incluiacute-los e reconhecer tambeacutem por Zeus que as cidades quantas dessa terra satildeo habitadas

estatildeo dispostas para vocecircs como tufos

cada um agrave parte Em seguida disso tudo os montinhos pegando

devia ajuntaacute-los aqui e cerraacute-los em um uacutenico monte e depois fazer 585 um grande novelo e entatildeo com ele tecer um manto para o povo

Delegado Natildeo eacute mesmo demais que elas que natildeo tinham absolutamente nada a ver

com a guerra cardem e enovelem com a roca coisas tais

291

DlSSOLVETROPA

Seu ser repulsivo com certeza noacutes a suportamos duas ou mais vezes Em primeiriacutessimo lugar damos agrave luz

e enviamos nossas crianccedilas como soldados rasos

Delegado Cale-se natildeo seja ressentida 590

DlSSOLVETROPA Entatildeo quando deviacuteamos ser sedutoras e gozar a juventude

dormimos sozinhas por causa das campanhas militares A nossa parte deixo de lado

aflijo-me com a sorte das moccedilas que envelhecem em seus quartos

Delegado

Entatildeo os homens tambeacutem natildeo envelhecem

DlSSOLVETROPA

Por Zeus eacute claro Mas vocecirc natildeo comparou coisas iguais

Ele ao voltar apesar de grisalho logo desposa uma menina moccedila 595 mas para a mulher eacute breve a ocasiatildeo e se natildeo a aproveita

ningueacutem quer desposaacute-la e ela fica sentada a dar auguacuterios

Delegado Mas qualquer um ainda capaz de ter uma ereccedilatildeo

DlSSOLVETROPA Afinal por que vocecirc natildeo leva a seacuterio a ideacuteia de morrer

Haacute espaccedilo vocecirc vai comprar um caixatildeo 600

E eu vou preparar um bolo de mel Tome isso aqui e coroe-se

Delegado

Natildeo eacute terriacutevel o tratamento que recebo Por Zeus vou imediatamente e me mostrarei

aos delegados como estou 610

292

DlSSOLVETROPA

Seraacute que se queixa por natildeo o termos velado Bom no terceiro dia entatildeo bem cedo

receberaacute de nossa parte as oferendas prontinhas

293

Assembleacuteia de mulheres ndash agon (vv 571-710)

Coro

Agora eacute preciso que vocecirc elabore um raciociacutenio prudente e saacutebio

aplicando uma reflexatildeo

que defenda todas suas amigas

Pois para a felicidade da comunidade

a inteligecircncia de tua fala eacute dirigida

com a finalidade de agradar o cidadatildeo e o povo

agraves infinitas vantagens de vida 575

Estaacute na hora de vocecirc mostrar seu valor

Pois eu te digo nossa cidade precisa de um saacutebio propoacutesito

Mas soacute aconselhe

o que natildeo foi feito nem dito no passado

porque eles detestam que as coisas do passado sejam sempre vistas 580

Vamos natildeo demore Eacute preciso colocar em praacutetica seus projetos

de maneira que o que se faz prontamente faz parte do que mais agrada aos espectadores140

Praxaacutegora

Acredito que ensinarei coisas uacuteteis E quanto aos espectadores

acaso querem inovar e natildeo ficar muito presos aos costumes e

agraves praacuteticas do passado Isso eacute o que mais temo 585

Vizinha

Certamente no que diz respeito a que inovar natildeo tema porque isso para noacutes

estaacute no lugar de um outro princiacutepio negligenciar o antigo

Praxaacutegora

Entatildeo primeiramente que nenhum de vocecircs se oponha nem me interrompa

antes de conhecer minha ideacuteia e ouvir minha explicaccedilatildeo

Direi que eacute necessaacuterio que todos participem em comum de todas as coisas 590

que disso vivam e que natildeo haja nem rico nem miseraacutevel

140 Este momento marca a passagem da accedilatildeo para o debate fundamental na peccedila Esse debate eacute introduzido por

uma exortaccedilatildeo do corifeu em tetracircmetros anapeacutesticos como todo debate

294

nem latifundiaacuterio nem aquele que natildeo tem onde cair morto

nem o que tem agrave disposiccedilatildeo muitos escravos e o que nem mesmo tem um acompanhante

Bem estou procurando uma vida em comum e igual para todos

Bleacutepiros

Como seraacute comum para todos

Praxaacutegora

Vaacute agrave merda141 595

Bleacutepiros Tambeacutem a merda temos em comum

Praxaacutegora

Por Zeus vocecirc me interrompe se antecipando

Por causa disso eu devia dizer que primeiramente tornarei a terra

comum a todos e tambeacutem o dinheiro e tambeacutem tudo o que pertence a cada um

Entatildeo com esses recusrsos puacuteblicos noacutes sustentaremos vocecircs

administrando economizando e tambeacutem ficando atenta a nossa resoluccedilatildeo 600

Vizinha

Como fica entatildeo aquele que entre noacutes natildeo possui terra mas dinheiro

e tambeacutem moeda de ouro142 riqueza que natildeo se vecirc

Praxaacutegora A pessoa depositaraacute num ―fundo

Bleacutepiros

E se natildeo puser cometeraacute perjuacuterio Mas se os adquiriu graccedilas a isso143

Praxaacutegora

Acredite nada seraacute aproveitaacutevel de todas essas coisas

Bleacutepiros

Como assim

Praxaacutegora

Ningueacutem faraacute mais nada por causa da pobreza pois todos sem exceccedilatildeo vatildeo ter de tudo144 605

patildeo peixe farinha manto vinho coroa gratildeo-de-bico

Nessas condiccedilotildees qual a vantagem de natildeo entregar Se vocecirc souber mostre

Bleacutepiros

Mas natildeo eacute verdade que nos dias de hoje os que mais roubam satildeo os que possuem essas coisas

Vizinha

Antigamente sim meu caro quando sofriacuteamos por causa de leis de tempos passados

Mas agora haveraacute uma vida em comum qual a vantagem de natildeo depositar

Bleacutepiros

Se vendo uma garotinha algueacutem se apaixona e quer se divertir 611

tomando-a dos outros ele poderaacute devolvecirc-la e teraacute sua parte dos bens em comum

depois de dormir com ela

Praxaacutegora Mas natildeo apenas seraacute permitido a ele passar a noite gratuitamente

como tambeacutem as torno comum para se deitarem com os homens

BleacutepirosE natildeo eacute possiacutevel entatildeo todos irem 615

atraacutes da mais bela de todas tentando agarraacute-la

141 No original Vocecirc vai comer merda antes de mim Esta expressatildeo talvez seja de caraacuteter proverbial

Praxaacutegora quer simplesmente dizer a Bleacutepiro que ele estaacute se antecipando 142 Os daacutericos (δαρεικόι) eram moedas de ouro persa exatamente do mesmo valor que o estater aacutetico moeda

cujo valor era muacuteltiplo da dracma (cf Lavedan 1931 319 893 Jardeacute 1977 229-230) 143 O perjuacuterio era consequumlecircncia da corrupccedilatildeo nas instituiccedilotildees aacuteticas cf Lavedan (1931 873-874) 144 A proposta de erradicaccedilatildeo da pobreza estaacute tambeacutem em outra cena aristofacircnica (cf Pluto vv510-526)

295

Praxaacutegora

As mocreacuteias e de nariz achatado se sentam ao lado das gostosas

e entatildeo se algueacutem desejar uma delas teraacute de tocar antes uma feia

Bleacutepiros

E quanto a noacutes os velhos se transarmos com as feias 619 nosso membro natildeo nos abandonaraacute antes de chegarmos aiacute onde vocecirc estaacute falando

Praxaacutegora

Elas natildeo brigaratildeo por causa de vocecirc pode confiar Natildeo tenha medo Natildeo brigaratildeo mesmo

Bleacutepiros

Por causa de quecirc

Praxaacutegora

Por natildeo dormires com elas E para vocecirc isso eacute uma vantagem

Bleacutepiros

Muito bem pensado esse seu propoacutesito pois foi deliberado de tal maneira que

Natildeo ficou nenhuma brecha E o que seraacute dos homens 625

Pois elas fugiratildeo dos feios e iratildeo pra cima dos bonitotildees

Praxaacutegora

Mas os feiosos vigiaratildeo os bonitotildees que saem

apoacutes o jantar e ficaratildeo de olho neles nos lugares puacuteblicos

Natildeo seraacute permitido agraves mulheres passar a noite com os bonitotildees e tambeacutem com os fortotildees

antes de agradarem os feios e os baixinhos

Bleacutepiros

Agora eacute que o Lisiacutecrates com aquele nariz vai ter uma vida de garanhatildeo145 630

Praxaacutegora

Por Apolo O propoacutesito eacute democraacutetico e a zombaria

com os bonitotildees seraacute muita e tambeacutem com os ricos

quando um peacute de chinelo disser ―Primeiramente vocecirc cede e entatildeo espera

quando eu jaacute tiver chegado ao fim passo adiante para vocecirc desempenhar o segundo papel

Bleacutepiros

Como entatildeo nessas condiccedilotildees cada um de noacutes pode viver 635

e seraacute capaz de reconhecer os proacuteprios filhos

Praxaacutegora

Por quecirc Haacute necessidade Elas vatildeo considerar como pai todos

os que satildeo mais velhos entre eles conforme a idade

Bleacutepiros

Consequumlentemente as crianccedilas vatildeo estrangular cada velho pra valer um a um

graccedilas agrave ignoracircncia pois jaacute nos dias de hoje que conhecem quem eacute o pai

o estrangulam146 O que aconteceraacute eu te pergunto quando for desconhecido

Como dizer que nessas alturas dos acontecimentos natildeo vatildeo ter uma caganeira 640

Praxaacutegora Mas aquele que estiver perto natildeo permitiraacute Antes ningueacutem se preocupava com os pais

dos outros em quem se batia mas agora quando se ouve bater

145 Segundo Sousa e Silva (As Mulheres no Parlamneto 1988136) Lisiacutecrates possuiacutea aleacutem de um nariz

grotesco o cabelo tingido de preto que causava uma impressatildeo desagradaacutevel 146 Outras cenas aristofacircnicas em que os filhos maltratam os pais As Vespas vv 1037-1039 As Aves vv 757-

759 1347 As Ratildes v 274 e As Nuvens vv 1321-1451 Sousa e Silva (As Mulheres no Parlamento 1988 136-

137) cita Mac-Dowell e segundo este autor os pais estariam protegidos por lei em caso de maltratos pelos

filhos que perderiam seus direitos civis

296

em algueacutem eacute bem possiacutevel que o fulano com medo que seja ele proacuteprio o proacuteprio pai que se machuque lutaraacute

com os agressores

Bleacutepiros

Nada mal essas coisas que vocecirc estaacute dizendo mas se Epicuro se aproximar

ou Leucoacutelofo147 e me chamar de ―papai ouvir isso nessas circunstacircncias eacute terriacutevel 645 Vizinha Por outro lado bem mais terriacutevel do que isso eacute uma situaccedilatildeo embaraccedilosa

Bleacutepiros De que tipo

Vizinha Se Aristilo148 te beijasse pensando que vocecirc eacute pai dele

Bleacutepiros Ia se arrepender de levar tanta porrada

Vizinha A coisa ia feder pro seu lado149

Praxaacutegora

Mas esse fulano nasceu primeiro antes de aparecer o decreto

entatildeo natildeo haacute motivo para temer eacute bem possiacutevel que ele te lasque uma beijoca

Bleacutepiros Soacute me faltava essa agora 650

Mas e a terra quem a cultivaraacute

Praxaacutegora Os escravos Quanto a vocecirc vocecirc deve se preocupar

Quando estiver anoitecendo150 na hora de ir radiante pra janta

Bleacutepiros E para a roupa Qual sua proposta Isso eacute um problema que tem de ser discutido

Praxaacutegora No iniacutecio as coisas que pertencem a vocecircs estaratildeo agrave disposiccedilatildeo as outras restantes noacutes

teceremos

Bleacutepiros Mais uma pergunta e se algueacutem eacute condenado a pagar uma multa

diante dos magistrados 655

De que lugar vai tirar dinheiro para pagar a multa151 Do fundo comum Isso natildeo eacute justo

Praxaacutegora Mas em primeiro lugar natildeo vai haver nenhum julgamento

Bleacutepiros Essa tua fala aiacute vai te arruinar152

Vizinha Tambeacutem sou da mesma opiniatildeo

Praxaacutegora Por causa de quecirc infeliz haveraacute

Bleacutepiros

Por causa de muitas razotildees por Apolo Em primeiro lugar por causa desta certamente

Se algueacutem que eacute condenado se recusar a pagar a diacutevida 660

Praxaacutegora

Entatildeo onde o credor empresta dinheiro

se todas as coisas pertencem ao fundo comum Eacute evidente que ele rouba

Vizinha

Por Demeacuteter vocecirc explicou bemBleacutepiros

Ok entatildeo como ela me explica isto

como os que satildeo de briga vatildeo pagar a diacutevida se cada vez que

147 Epicuro e Leucoacutelofo satildeo personalidades desconhecidas Este uacuteltimo eacute por sua vez mencionado em As Ratildes

v 1517 148 Aristilo tambeacutem eacute mencionado em Pluto v 314 Tratava-se de um sujeito de maus haacutebitos 149 Aristoacutefanes faz nessa passagem um jogo de sentidos o vocaacutebulo καλαμiacuteνθη eacute composto de μiacuteνθη

hortelatilde palavra muito proacutexima de μiacuteνθος excremento 150 Literalmente ―quando a sombra sobre o reloacutegio solar for de dez peacutes Trata-se de um sistema para estabelecer

as horas atraveacutes de um reloacutegio solar em forma de disco cuja sombra projetada determinava a hora (Cf

Lavedan 1931529-530) 151 A receita da polis era obtida por rendimentos dos bens puacuteblicos dos impostos indiretos como alfacircndega

pedaacutegio vendas multas e custas judiciaacuterias (cf Jardeacute 1977 177-178) 152 A ideacuteia de Praxaacutegora em acabar com os julgamentos e por conseguinte com os tribunais tem laacute seus riscos

pois os tribunais eram uma das mais importantes instituiccedilotildees gregas natildeo somente era uma praacutetica da vida

cotidiana dos Atenienses mas tambeacutem bastante lucrativa (cf Mosseacute 1985 72-77 Jardeacute 1977 166-176)

297

festejam abusam Penso que isso vai te deixar em maus lenccediloacuteis Praxaacutegora Com a comida da qual se alimenta Se algueacutem ficar sem ela 665

natildeo abusaraacute facilmente Nessas condiccedilotildees eacute punido novamente pelo estocircmago

Bleacutepiros Entatildeo natildeo existiraacute mais nenhum ladratildeo

Praxaacutegora Como roubaraacute o que pertence a ele

Bleacutepiros em mesmo vatildeo roubar a roupa durante a noite153

Vizinha Natildeo se vocecirc dormir em casa

Praxaacutegora E nem se dormir fora de casa como antes Porque todos teratildeo do que viver

Se algueacutem quiser roubar sua roupa vocecirc mesmo lhe daraacute

Afinal por que lutar nessa circunstacircncia 670

Pois indo-se ao fundo uma outra roupa melhor do que aquela vocecirc conseguiraacute

Bleacutepiros E os homens natildeo vatildeo correr riscos154

Praxaacutegora Por causa do quecirc isso aconteceraacute

Bleacutepiros Que tipo de vida vocecirc vai estabelecer

Praxaacutegora Uma vida comum para todos E quanto agrave cidade

declaro fazer uma habitaccedilatildeo uacutenica destruindo por dentro cada sem exceccedilatildeo a ponto de passarmos das casas de uns para a dos outros155

Bleacutepiros E a comida onde vocecirc vai servir 675

Praxaacutegora Nos tribunais e nos poacuterticos156 eu vou transformar todos em restaurantes

Bleacutepiros E a tribuna157 para vocecirc qual seraacute sua utilidade

Praxaacutegora Colocarei jarras

e tambeacutem potes dlsquoaacutegua e seraacute possiacutevel agraves criancinhas recitar158

os feitos dos homens corajosos na guerra e se algum covarde aparecer

que a vergonha o empeccedila de comer

Vizinha Por Apolo nada mal 680

BleacutepirosE as urnas de sorteio159 onde vocecirc vai colocar

Praxaacutegora Na aacutegora colocarei

Depois coloco todos ao peacute do Harmoacutedio160 e os submeterei ao sorteio161 ateacute para saber qual ganhador que alegrando-se com a tiragem de cada letra vai jantar

O arauto proclamaraacute aos da letra ―beta se seguir ateacute o poacutertico 684

Baseleion para jantar jaacute os da letra ―teta seguem para o poacutertico ao lado

E vatildeo para o poacutertico onde se vende farinha os da letra ―kapa162

153 Bleacutepiros refere-se ironicamente agrave cena em que Praxaacutegora pegou dele o manto e outros pertences na calada da

noite (cf vv 510-512) 154 O verbo empregado eacute κυβεuacuteω cujo primeiro sentido eacute jogar dados portanto um jogo de azar Daiacute esse verbo

assumir o sentido de correr riscos 155 Essa proposta de Praxaacutegora eacute anaacuteloga agrave atitude dos plateus que ao saberem da invasatildeo dos tebanos juntaram-

se chegando agraves casas uns dos outros atraveacutes de fossos cavados ao longo das muralhas para natildeo serem vistos caminhando nas rua (cf Tuciacutedides 1986 II 3)

156 Certamente a escolha de Praxaacutegora deve-se ao fato de esses lugares assumirem importantes funccedilotildees puacuteblicas 157 Trata-se de uma plataforma com uma estaacutetua de Zeus Agoreu Neste lugar eram realizadas as sessotildees na

assembleacuteia presididas pelos priacutetanes 158 As letras compreendiam uma das trecircs partes da educaccedilatildeo ateniense O aluno aprendia de cor os versos de

Homero de Hesiacuteodo entre outras poesias de cunho moral e religioso Sobre a educaccedilatildeo ateniense cf Marrou

1969) Outras cenas aristofacircnicas em que presenciamos a recitaccedilatildeo As Nuvens vv 1354-1372 A Paz vv

1265-1304 159 As urnas de sorteio eram utilizadas pelo Conselho (βουλη) e pela magistratura para a escolha de funccedilotildees

puacuteblicas Sobre este assunto cf Jardeacute (1977 166-176) e Mosseacute (1985 49-77) 160 Trata-se da estaacutetua de Harmoacutedio libertador de Atenas do domiacutenio dos tiranos colocada na aacutegora 161 Praxaacutegora estabelece uma reparticcedilatildeo anaacuteloga agrave maneira como os juiacutezes eram escolhidos sorteio feito com as

dez primeiras letras do alfabeto de alfa a kapa e cada letra indicava o local de exerciacutecio de cada juiz 162 Segundo Sousa e Silva (As Mulheres no Parlamento 1988 139) a letra beta indica o βασιλειος Poacutertico

Real a letra teta se refere ao θησειος poacutertico vizinho em que havia um mural cuja decoraccedilatildeo representava

Teseu a Democracia e o Povo Jaacute a letra kapa natildeo faz referencia a nenhum lugar Trata-se de um jogo de

palavras com a inicial do verbo καπτω (engolir devorar) Na traduccedilatildeo tentou-se manter o jogo foneacutetico entre

a letra kapa do sorteio com a inicial do verbo em grego

298

Bleacutepiros

―Kaptei para comer o quanto quiser

Praxaacutegora

Por Zeus mas para que laacute se alimentem

Bleacutepiros

E para quem a letra

natildeo tenha sido sorteada o fulano vai comer Ou todos sem exceccedilatildeo seratildeo excluiacutedos dissoPraxaacutegora

Mas isso natildeo vai acontecer com a gente

pois a todos forneceremos tudo com abundacircncia 690

de modo que cada um (v692) apoacutes ter se embriagado

volte para casa com a mesma coroa e carregando tochas163

As mulheres nas ruas

ao encontrarem com os que estatildeo saindo da comilanccedila

assim vatildeo lhes dizer ―aqui em nossa casa 695

aqui mesmo haacute uma jovem na flor da idade

―e na minha casa haacute uma outra

algueacutem diraacute do alto da casa

―muito bela e tambeacutem com uma pele de porcelana

Antes dela entretanto eacute preciso que vocecirc durma comigo 700

E seguindo os bonitotildees

aos jovens os feiotildees

assim vatildeo lhes dizer ― Ei vocecirc aiacute para onde estaacute correndo

Vocecirc natildeo faraacute absolutamente nada indo laacute

pois para os de nariz chato e feios 705

foi decretado trepar em primeiro lugar

e vocecircs durante todo esse tempo pegando folhas

de duas espeacutecies de figo

masturbem-se na porta da frente

Agora vamos Digam-me isso agrada aos dois

Bleacutepiros e Vizinha

Agrada sim 710

163 A presenccedila de coroa durante as refeiccedilotildees e as tochas durante o cortejo se justifica porque na origem as

refeiccedilotildees eram um ato religioso (cf Lavedan 1931 302-303 824 963) Esta praacutetica se manteve com os

convivas coroados e com tochas percorrendo as ruas da polis em alegre cortejo

299

Pluto ndash agon (vv 486-618)

Co Eacute necessaacuterio que vocecircs digam imediatamente algo de saacutebio

com que vocecircs venceratildeo essa aiacute

contradizendo-a nos discursos sem dar moleza

Cr Creio que estaacute claro e todos concordam 489

que eacute justo que os homens honestos sejam felizes

e os maus e ateus sejam submetidos agrave sorte contraacuteria naturalmente

Noacutes entatildeo desejando ardentemente isso e para que se realize

encontramos com dificuldade

um plano belo nobre e praticaacutevel em todos os sentidos

Pois se Pluto vir agora mesmo e natildeo vagar como cego

vai se dirigir para a casa dos homens bons e natildeo os abandonaraacute 495

mas evitaraacute os maus e os ateus E depois vai transformar

todos em gente de bem e ricos natildeo eacute

E tambeacutem respeitadores das coisas divinas

Na verdade quem poderia descobrir coisa melhor para os homens

Bl Ningueacutem Eu lhe sou testemunha disso Natildeo faccedila mais perguntas natildeo a essa aiacute

Cr Como a vida eacute para noacutes homens Quem natildeo vai pensar que eacute loucura e ainda melhor

infortuacutenio 500

Afinal muitos homens que satildeo maus enriquecem

agrave custa de coisas injustamente adquiridas Enquanto muitos que satildeo bons

se datildeo mal e frequumlentemente passam fome estando em sua companhia

Natildeo declaro que se Pluto recuperar a visatildeo vai parar essa aiacute

Haveria um caminho pelo qual seguindo forneceria os maiores bens aos homens 506

Pe Oh de todos os homens vocecircs satildeo os que mais facilmente se deixaram levar pela

falta de bom senso

Dois velhotes companheiros da loucura e do deliacuterio

Se acontecesse isso que vocecircs querem digo aos dois que natildeo seria um bom negoacutecio

Se Pluto vir novamente e se repartisse por igual 510

Ningueacutem dentre os homens praticaria nem arte nem sabedoria

300

Para vocecircs dois essas coisas eliminadas

quem vai querer trabalhar o bronze construir navios costurar fabricar rodas

trabalhar o couro fazer tijolos ser tintureiro ou curtidor

ou colher o fruto de Demeacuteter da terra com arados tendo sulcado o chatildeo duro 515

se for permitido a vocecircs viverem ociosos despreocupados de tudo

Cr Estaacute dizendo bobagens Porque isso que vocecirc acaba de enumerar

os escravos vatildeo se encarregar

Pe De onde vocecirc vai conseguir escravos

Cr Compraremos com dinheiro sem duacutevida

Pe Pra comeccedilar quem seraacute o vendedor se esse tiver dinheiro

Cr Um traficante vindo da Tessaacutelia 520

paiacutes de inuacutemeros ladrotildees de escravos

PeMas antes de mais nada natildeo haveraacute nem um uacutenico traficante de escravos

segundo o raciociacutenio do qual vocecirc fala sem duacutevida Quem entatildeo vai querer

sendo rico arriscar a vida para fazer isso

Desse modo vocecirc mesmo seraacute forccedilado a arar cavar a terra e suportar 525

as demais tarefas Vai levar uma vida bem mais dolorosa do que agora

Cr Que isso cai sobre tua cabeccedila

Pe E mais vocecirc natildeo poderaacute dormir nem sobre um leito ndash jaacute que natildeo vai haver mais ndash

nem sobre tapetes ndash porque quem vai querer tececirc-los se tiver dinheiro

nem poderaacute perfumar com perfumes raros sua noiva durante o cortejo

nem enfeitaacute-la com mantos tingidos de muitas cores 530

Ora que vantagem vocecircs tecircm em serem ricos se estatildeo privados de tudo isso

Graccedilas a mim ao contraacuterio eacute faacutecil conseguir tudo o que falta a vocecircs porque

como uma patroa forccedilo o artesatildeo

atraveacutes da necessidade a procurar um meio de ganhar a vida

Cr Que bem vocecirc poderia proporcionar a natildeo ser queimaduras nos banhos

e um bando de criancinhas e velhinhas esfomeadas 536

E o nuacutemero de piolhos e mosquitos pulgas nem te falo

tamanha a quantidade que nos importunam zunindo em volta da cabeccedila

e nos despertando dizendo ―Levanta pra passar fome

301

E aleacutem disso ao inveacutes de se ter um manto teremos um trapo ao inveacutes de leito

esteira de junco cheia de percevejos que acordam os que tentam dormir 541

ao inveacutes de cobertor um pano podre ao inveacutes de travesseiro

uma pedra bem grande sob a cabeccedila ao inveacutes de comer patildeo

comeremos brotos de malva ao inveacutes de bolo folhas murchas de rabanetes

ao inveacutes de um banco uma tampa de pote quebrada ao inveacutes de uma tigela

um flanco de tonel tambeacutem esse quebrado Acaso 546

natildeo mostrei a quantidade de ―bens que vocecirc causa para todos os homens

Pe Vocecirc natildeo falou da minha vida mas fez alusatildeo agrave vida dos mendigos

Cr Entatildeo natildeo eacute verdade que dizemos ser a Pobreza irmatilde da mendicidade

Po Sim vocecircs que tambeacutem dizem ser Dionisio semelhante a Trasiacutebulo164

550

Mas a vida de mendigo da qual vocecirc estaacute falando eacute viver sem ter nada

A do pobre eacute viver poupando e se dedicando ao trabalho

Sem a ele sobrar nem certamente nada faltar

Cr Por Demeter Que vida feliz vocecirc nos descreve 555

poupar e penar sem ao menos ter recursos para o sepultamento

Pe Vocecirc estaacute tentando me gozar e me ridicularizar sem se preocupar em falar seacuterio

Vocecirc natildeo sabe que eu torno os homens melhores do que Pluto

tanto na mente quanto no fiacutesico Com ele os homens satildeo reumaacuteticos

barrigudos de pernas grossas e exageradamente gordos 560

Comigo eles satildeo magros com cintura de vespas e desagradaacuteveis ao inimigo

Cr Vai ver que eacute pela fome que vocecirc lhes obriga a ter cintura de vespa

Pe Vou falar agora sobre a discriccedilatildeo e provarei

que a dececircncia mora comigo e a desmedida com Pluto

Cr Quer dizer que discriccedilatildeo eacute roubar e arrombar muros 565165

164 Dionisio foi tirano de Siracusa e Trasiacutebulo foi um ateniense que expulsou os Trinta Tiranos no final de 404

aC 165 Segundo Sommerstein (2001 86176) o verso 566 seria uma fala de Blepsidemo ―Sim por Zeus Se o ladratildeo

deve agir escondido como dizer que ele natildeo eacute discreto Mas o texto foi corrompido e o verso estaacute fora da

meacutetrica

302

Pe Veja os oradores na cidade enquanto satildeo pobres satildeo honestos 567

com o povo e com a cidade mas uma vez enriquecidos agrave custa do

dinheiro puacuteblico imediatamente se tornam desonestos

e conspiram contra a multidatildeo e declaram guerra ao povo 570

Cr Nisso pelo menos vocecirc natildeo estaacute mentindo embora sendo completamente difamadora

Mas nem por isso vocecirc vai chorar menos E natildeo se orgulhe disso

jaacute que estaacute nos tentando convencer de que eacute melhor

a Pobreza do que a Riqueza

Pe Em todo caso vocecirc natildeo eacute capaz de me convencer nesse ponto

Vocecirc soacute diz asneiras e palavras soltas no ar166

Cr Entatildeo como todos sem exceccedilatildeo fogem de vocecirc 575

Pe Eacute porque os torno melhores Aliaacutes pode-se ver nas crianccedilas

Fogem dos pais porque eles pensam no melhor para elas

Assim eacute tarefa difiacutecil distinguir o que eacute justo

Cr E Zeus Vocecirc diria que ele natildeo sabe diferenciar o que eacute melhor

Pois ele tambeacutem possui a Riqueza

Bl E essa aiacute ele manda pra noacutes 580

Pe Ora vamos vocecircs dois tecircm eacute remela na mente remela do tempo de Cronos

Zeus eacute pobre Vou provar isso para vocecirc

Se fosse rico como eacute que nos jogos oliacutempicos

onde todos os gregos sempre se reuacutenem de quatro em quatro anos

apoacutes proclamar os vencedores coroa-os 585

com uma coroa de oliveira Pelo menos com uma de ouro se ele fosse rico

Cr Com isso ele natildeo demonstra que eacute preso agrave Riqueza

Ele poupa para natildeo gastar colocando uma ninharia

na cabeccedila dos vencedores e guardando a Riqueza para si

Pe Mais vergonhoso do que a Riqueza eacute o que vocecirc tenta lhe atribuir 590

Se sendo ele eacute rico eacute tatildeo avarento e mesquinho

Cr Oxalaacute Zeus te extermine apoacutes ter te coroado com uma coroa de oliveira

Pe E pensar que vocecircs ousam negar que todos os bens que vocecircs tecircm

natildeo vem da Pobreza

Cr Podemos ir perguntar isso agrave Heacutecate

166 A expressatildeo refere-se ao verbo πτερυγιacuteζειν ―bater as asas

303

se eacute melhor ser rico ou famigerado Afinal ela mesma diz que 595

aqueles que tecircm posses e satildeo ricos lhe tragam uma refeiccedilatildeo conforme a lua

mas os pobres a roubam antes mesmo que ela seja oferecida

Entatildeo vai se danar e nem mais um pio

Nem se vocecirc me persuadir natildeo vou ficar persuadido 600

Pe Oacute cidade de Argos Vocecircs ouviram o que ele estaacute dizendo

Cr Invoque o Paacuteuson seu companheiro de mesa

Pe O que eacute que vai ser de mim infeliz que sou

Cr Vai se danar bem longe de noacutes

Pe Mas pra onde irei nessa terra 605

Cr Que tal o tronco E vamos acabar com isso

Pe Um dia vocecircs dois ainda vatildeo me chamar de volta

Cr Quem sabe um dia vocecirc voltaraacute Mas agora vai se danar 610

Pra mim eacute melhor ser rico

Mesmo tendo que deixar vocecirc dar esses gritos batendo com as matildeos na cabeccedila

Bl Quanto a mim por Zeus quero ser rico

para viver bem com meus filhinhos

e com minha esposa e depois de tomar banho 615

sair limpiacutessimo do balneaacuterio

e peidar na cara dos artesatildeos

e na cara da Pobreza

IacuteNDICE

ONOMAacuteSTICO

305

Acarnenses 16 21 23 25 28 29 31 34

35 38 43 44 45 47 49 104 106 107

109 110 113 114 117 119 120 125

133 137 140 150 152 155 164 178

180 181

Assembleacuteia de mulheres 15 17 25 28

51 132 143 147 156 158 160 161

162 164 165 173 177 179 180

Aves 15 16 24 25 28 38 51 79 132

136 137 138 140 142 146 148 150

158 160 166 169 176 179 180

Cavaleiros 16 24 28 29 43 46 50 53

54 55 56 58 60 61 67 69 74 79 86

91 97 98 104 117 120 134 150 151

168 169 176 178 180

Lisiacutestrata 16 17 25 28 34 43 47 51

132 136 147 148 150 151 152 153

154 155 156 158 160 162 172 176

178 180

Nuvens 16 17 19 23 24 26 28 30 43

50 53 67 68 69 70 71 77 90 91 95

104 122 165 168 171 176 177 178

179 180

Paz 15 17 21 22 25 28 31 35 38 51

106 125 127 128 129 130 131 132

133 134 135 164 177 178

Pluto 15 17 22 25 28 38 43 51 76

162 164 166 167 169 171 172 173

174 177 179 180 181

Ratildes 16 17 23 24 26 28 30 42 51 53

66 67 75 89 90 91 92 93 97 102

103 104 122 123 168 176 177 178

179 180

Tesmoforiantes 15 16 21 26 28 29 31

35 38 47 50 106 118 119 120 121

123 124 126 143 156 178 179 180

181

Vespas 16 17 23 24 25 28 31 38 42

43 50 53 65 67 77 78 79 80 83 85

86 89 91 104 114 117 120 137 140

150 168 176 177 178 180

Page 2: CLÁUDIA MANOEL RACHED FÉRAL - Unesp

CLAacuteUDIA MANOEL RACHED FEacuteRAL

O AGON NA POEacuteTICA ARISTOFAcircNICA

DIVERSIDADE DA FORMA E DO CONTEUacuteDO

Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Estudos Literaacuterios da Faculdade de Ciecircncias e Letras da

Universidade Estadual Paulista-UNESP Cacircmpus de

Araraquara para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em

Estudos Literaacuterios

Orientadora Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti

Araraquara

2009

A Lionel Antoine

e Louise

AGRADECIMENTOS

Meu muitiacutessimo obrigada agrave orientadora desta Tese Profa Dra Maria Celeste

Consolin Dezotti profissional exemplar e pessoa admiraacutevel que desde o princiacutepio muito me

ensinou com sua incansaacutevel boa vontade

Minha especial gratidatildeo agrave Profa Dra Daisi Malhadas (UNESP) orientadora de

minha Dissertaccedilatildeo de Mestrado que haacute exatamente dez anos me presenteou com a obra

LrsquoΑΓΩΝ dans la trageacutedie grecque de Jacqueline Duchemin Muito mais que um presente

esse livro foi um encorajamento para que eu continuasse a pesquisa nos Estudos Claacutessicos

Agradeccedilo aos colegas de aacuterea Prof Dr Fernando Brandatildeo dos Santos Profa Dra

Edvanda Bonavina da Rosa e Profa Dra Anise A G DlsquoOrange Ferreira pelo apoio

incondicional E tambeacutem estendo minha gratidatildeo aos colegas Prof Dr Joseacute Dejalma Dezotti

Prof Dr Joatildeo Batista Toledo Prado Prof Dr Brunno Viniacutecius G Vieira e Prof Dr Maacutercio

N Thamos

Pela leitura criteriosa agradeccedilo agrave Profa Dra Edvanda Bonavina da Rosa e agrave

Profa Dra Adriane da Silva Duarte (USP) membros da Banca Examinadora de Qualificaccedilatildeo

Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria de Faacutetima Silva (Coimbra) pelos comentaacuterios e

sugestotildees

Devo ainda meus agradecimentos ao Prof Dr Joseacute Pedro Antunes (UNESP) e agrave

Profa Dra Profa Maria Cristina Reckziegel G Evangelista (UNESP) pela traduccedilatildeo dos

textos em liacutengua alematilde

Aos colegas docentes do Departamento de Linguumliacutestica e tambeacutem ao secretaacuterio

James R R da Motta aos docentes do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Estudos Literaacuterios

aos servidores teacutecnico-administrativos da Seccedilatildeo de Poacutes-Graduaccedilatildeo e aos da Biblioteca da

UNESP-FCLCAr deixo minha gratidatildeo

Enfim a Lionel Antoine companheiro de todas as horas e meu primeiro leitor e agrave

Louise filha encantadora merci

νῦν γὰρ ἀγὼν σοφίας ὁ μέγας χωρεῖ πρὸς ἔργον ἤδη eacute agora que o grande debate de talento daacute iniacutecio nesse instante a sua execuccedilatildeo

(ARISTOacuteFANES Ratildes v 884)

FEacuteRAL C M R O agon na poeacutetica aristofacircnica diversidade da forma e do conteuacutedo

2009 303 f Tese (Doutorado em Estudos Literaacuterios) ndash Faculdade de Ciecircncias e Letras

Universidade Estadual Paulista Araraquara 2009

RESUMO

Esta pesquisa tem o objetivo de estudar nas onze comeacutedias supeacuterstites de Aristoacutefanes a

natureza do agon (ἀγών) O trabalho estaacute composto de apresentaccedilatildeo introduccedilatildeo cinco

capiacutetulos conclusatildeo referecircncias e anexo com traduccedilatildeo dos agones estudados A introduccedilatildeo

apresenta o tema define o objeto e delimita o corpus e por fim expotildee a revisatildeo criacutetica da

bibliografia especiacutefica O primeiro capiacutetulo aborda algumas consideraccedilotildees preliminares sobre

o percurso e a importacircncia da palavra agon da qual se derivou a expressatildeo civilizaccedilatildeo

agoniacutestica emblemaacutetica para a sociedade grega como uma cultura por essecircncia competitiva

Do segundo ao quinto capiacutetulo foram feitas anaacutelises de caraacuteter estrutural e temaacutetico dos

agones das comeacutedia em parelelo fez-se um estudo do papel do heroacutei cocircmico de acordo com

as seguintes classificaccedilotildees i) bomolochos bufatildeo ii) eiron irocircnico dissimulador iii) alazon

fanfarratildeo iv) poneros espertalhatildeo matreiro v) spoudaios soberbo

Palavras-chave Aristoacutefanes agon traduccedilatildeo bomolochos eiron alazon poneros

FEacuteRAL C M R Lrsquoagon dans la poeacutetique drsquoAristophane la diversiteacute de la forme et du

fond 2009 303 f Thegravese (Doctorat en Eacutetudes Litteacuteraires) ndash Faculteacute de Sciences et Lettres

UNESP Araraquara 2009

REacuteSUMEacute

Llsquoobjectif de ce travail est dlsquoeacutetudier la nature de lrsquoagocircn (ἀγών) dans les onzes comeacutedies

dlsquoAristophane qui nous sont parvenues Le travail est organiseacute autour dlsquoune introduction cinq

chapitres conclusion refeacuterence et traductions des agocircns Llsquointroduction nous preacutesente le

thegraveme deacutefinit llsquoobjet deacutelimite le corpus et fait une reacutevision critique de la bibliographie

speacutecifique Le premier chapitre traite du parcours et de llsquoimportance du mot agon qui est agrave

llsquoorigine de llsquoexpression civilisation agonistique embleacutematique de la socieacuteteacute grecque vue

comme une culture qui est par essence compeacutetitiveLes agocircns de chaque comeacutedie sont

ensuite analyseacutes du deuxiegraveme au cinquiegraveme chapitre Conjointement agrave ces analyses de

caractegravere structurale et theacutematique les rocircles du heacutero comique sont aussi eacutetudieacutees et sont

classeacutees en i) bomolochos bouffon ii) eiron dissimulateur iii) alazon fanfaron iv)

poneros ruseacute v) spoudaios seacuterieux

Mots-cleacutes Aristophane agocircn traduction bomolochos eiron alazon poneros

SUMAacuteRIO

Apresentaccedilatildeo 8

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 12

1 Apresentaccedilatildeo do tema 13

2 Definiccedilatildeo do objeto e delimitaccedilatildeo do corpus 20

3 Resenha criacutetica da bibliografia especiacutefica 30

Capiacutetulo I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 39

Capiacutetulo II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (Agon(es) inseridos(s)

num complexo agoniacutestico) 52

1 O agon em Cavaleiros a disputa a galope 53

2 O agon em Nuvens os confrontos tempestuosos 66

3 O agon em Vespas a discussatildeo a ferroadas 76

4 O agon em Ratildes os saltos do debate entre Euriacutepides e Eacutesquilo 88

Capiacutetulo III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 105

1 Acarnenses desafi(n)ando o coro (agon contaminatus e complexo agoniacutestico) 106

2 Tesmoforiantes mulheres em agoniaccedilatildeo (agon-logon e centro da accedilatildeo) 117

3 Paz a luta em missatildeo de paz (quasi-agon de reflexatildeo e acessoacuterio da accedilatildeo) 126

Capiacutetulo IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia de Mulheres 135

1 Aves a conversa levada no bico (agon de exposiccedilatildeo e ligado agrave accedilatildeo) 136

2 Lisiacutestrata o confronto entre coros (agon de exposiccedilatildeo inserido num complexo

agoniacutestico) 146

3 Assembleacuteia de mulheres falando de homem para homem (agon de exposiccedilatildeo e centro da

accedilatildeo) 155

Capiacutetulo V mdash O uacuteltimo agon 162

Pluto a riqueza do conflito (agon ad absurdum e centro da accedilatildeo) 163

Conclusatildeo 174

Referecircncias 182

Anexo mdash Agon traduccedilatildeo e notas 191

Iacutendice onomaacutestico 304

APRESENTACcedilAtildeO

9

Esta pesquisa pretende analisar nas onze comeacutedias supeacuterstites de Aristoacutefanes a

natureza do agon (ἀγών) O plano de trabalho prevecirc introduccedilatildeo cinco capiacutetulos conclusatildeo

referecircncias e anexo com traduccedilatildeo dos agones estudados

Na Introduccedilatildeo ―O agon na comeacutedia consta a apresentaccedilatildeo do tema a definiccedilatildeo

do objeto e a delimitaccedilatildeo do corpus e por fim uma exposiccedilatildeo da revisatildeo criacutetica da

bibliografia especiacutefica Toda esta pesquisa eacute norteada pelos trabalhos de Thomas Gelzer

(1960) ndash Der epirrhemastische Agon bei Aristophanes Untersuchngen zur Struktur der

Attischen Alten Komodie Jacqueline Duchemin (1968) ndash LrsquoΑΓΩΝ dans la trageacutedie grecque ndash

e Michael Lloyd (1992) ndash The Agon in Euriacutepides

O primeiro capiacutetulo ―A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes traz

algumas consideraccedilotildees preliminares sobre o percurso e a importacircncia da palavra agon da qual

se derivou a expressatildeo civilizaccedilatildeo agoniacutestica que emblemaacutetica para a sociedade grega como

uma cultura por essecircncia competitiva proveacutem da palavra agon que se refere a um conjunto de

atividades peculiares agrave vida grega tanto ao aspecto natildeo-verbal beacutelico quanto ao verbal

retoacuterico

No segundo capiacutetulo ―Agones modelares satildeo estudadas as comeacutedias Cavaleiros

Nuvens Vespas e Ratildes cujos agones satildeo exemplares para a anaacutelise dos demais Aleacutem disso o

exame deles demanda esclarecimentos para algumas questotildees de ordem metodoloacutegica Nessas

peccedilas o(s) agon(es) faz(em) parte de um complexo agoniacutestico por causa do desenvolvimento

progressivo da accedilatildeo que tem por natureza o conflito que se acentua gradativamente ao longo

da trama

Em ―A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz o terceiro

capiacutetulo discutem-se as dissidecircncias entre os helenistas no que se refere agrave legitimidade de

existecircncia de agon nessas peccedilas A proposta nesse capiacutetulo eacute mostrar primeiramente que em

Acarnenses a cena que cumpre a funccedilatildeo de agon eacute classificada quanto agrave dinacircmica da accedilatildeo

10

como um agon contaminatus que estaacute inserido num complexo agoniacutestico como nas comeacutedias

referidas no segundo capiacutetulo em que a accedilatildeo dramaacutetica vai num crescendo Em

Tesmoforiantes a cena que se localiza no lugar do agon eacute paratraacutegica porque a comeacutedia

como um todo eacute uma paratrageacutedia de peccedilas de Euriacutepides A cena em que estaacute o agon de Paz eacute

de natureza mais capciosa devido agraves inuacutemeras irregularidades tanto na forma quanto no

conteuacutedo sendo cabiacutevel dizer que se trata de um quasi-agon de natureza reflexiva cuja cena

funciona como um acessoacuterio da accedilatildeo

O quarto capiacutetulo ―O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral demonstra

que a natureza dos agones eacute expositiva e quanto agrave accedilatildeo eles podem estar no centro dela

como em Aves e Assembleacuteia de mulheres ou inserido num complexo agoniacutestico como em

Lisiacutestrata

O quinto capiacutetulo ―O uacuteltimo agon analisa o agon de Pluto caracterizado como

ad absurdum porque do ponto de vista dramaacutetico o resultado insoacutelito da discussatildeo natildeo eacute

saber qual dos litigantes tem razatildeo mas pocircr em relevo o valor da argumentaccedilatildeo Com a

diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do coro nessa peccedila a forma do agon fica bem reduzida e tudo

indica que assim como a paraacutebase jaacute desaparecera o agon epirremaacutetico tambeacutem estaria com

seus dias contados

Para manter o espiacuterito aristofacircnico o agon de cada comeacutedia em exame recebeu

um tiacutetulo A saber Cavaleiros a disputa a galope Vespas a discussatildeo a ferroadas Nuvens

os confrontos tempestuosos Ratildes os saltos do debate entre Eacutesquilo e Euriacutepides Acarnenses

desafi(n)ando o coro Tesmoforiantes mulheres em agoniaccedilatildeo Aves a conversa levada no

bico Lisiacutestrata o confronto entre coros Assembleacuteia de mulheres falando de homem para

homem e por fim Pluto a riqueza do conflito

Aleacutem de anaacutelises de caraacuteter estrutural e temaacutetico o agon foi estudado em

concomitacircncia com as funccedilotildees o heroacutei cocircmico em Aristoacutefanes porque a seccedilatildeo agon tem

11

implicaccedilotildees com o ecircxito ou o fracasso do porjeto do heroacutei Uma obra capital sobre o heroacutei

cocircmico eacute Aristophanes and the Comic Hero de Cedric Whitman (1964) um estudo sobre um

novo tipo de heroacutei o heroacutei cocircmico que aleacutem de parodiar os heroacuteis da trageacutedia e da epopeacuteia

expressa ao mesmo tempo aspiraccedilotildees humanas face aos problemas em que vive Uma parte

dessa obra comenta o heroiacutesmo cocircmico e nesse aspecto Whitman (1964) fez uma

investigaccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo do heroacutei e suas funccedilotildees na accedilatildeo como alazon eiron e poneros

a partir do trabalho de Francis Macdonald Cornford (1934) The origin of Attic Comedy1

Nessa mesma linha de anaacutelise estaacute o trabalho The Theatre of Aristophanes de

Kenneth McLeish (1980) em que haacute um estudo a respeito do heroacutei e seus adversaacuterios sob o

ponto de vista das seguintes funccedilotildees eiron alazon poneros bomolochos e spoudaios O

terceiro estudo fecundo eacute somado aos dois anteriores o de Pascal Thiercy (2007)

Aristophane Fiction et dramaturgie2 Na terceira parte dessa obra haacute um exame das relaccedilotildees

entre personagens centralizadas no heroacutei conforme as seguintes funccedilotildees eiron alazon e

poneros

Para facilitar a consulta ao corpus seguem em anexo as traduccedilotildees dos agones

com texto biliacutenguumle3 Das onze comeacutedias quatro delas tiveram emprestada a traduccedilatildeo de seus

agones A saber Nuvens traduccedilatildeo de Gilda Maria Reale Starzynski Aves e Lisiacutestrata por

Adriane da Silva Duarte e Ratildes segundo Anna Lia A A Prado e Silvia Sueli Milanezi Eacute de

minha responsabilidade o restante dos agones apresentados e traduzidos A traduccedilatildeo desse

corpus cujo texto eacute poesia com meacutetrica especiacutefica visa apenas a traduzir a forma do

conteuacutedo o que resultaraacute na liacutengua de chegada uma traduccedilatildeo acadecircmica portanto sem se

preocupar com a forma da expressatildeo

1 Utilizamos em nossa pesquisa o trabalho de F M Cornford publicado em 1968 2 A primeira ediccedilatildeo eacute de 1986 e ateacute onde pesquisamos essa nova ediccedilatildeo natildeo alterou os comentaacuterios sobre o

agon em relaccedilatildeo agrave ediccedilatildeo antiga 3 Adotamos a traduccedilatildeo biliacutenguumle gregoinglecircs de Alan H Sommerstein

INTRODUCcedilAtildeO

O AGON NA COMEacuteDIA

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 13

1 Apresentaccedilatildeo do tema

Meu propoacutesito eacute estudar a diversidade da forma e do conteuacutedo do agon na obra de

Aristoacutefanes Para se estabelecer os criteacuterios de anaacutelise colocaremos antes algumas questotildees

que tentaremos responder ao longo desta pesquisa i) o que eacute o agon na comeacutedia ii) toda cena

de disputa seja ela de natureza verbal ou natildeo-verbal eacute agon iii) eacute possiacutevel haver agon sem

conflito iv) sendo uma das seccedilotildees da estrutura da comeacutedia e por causa da meacutetrica proacutepria o

agon precisa apresentar todas suas partes v) as personagens que participam do agon

assumem quais funccedilotildees vi) o heroacutei e seu adversaacuterio satildeo as uacutenicas personagens envolvidas no

agon ou eacute possiacutevel um agon sem a participaccedilatildeo do heroacutei cocircmico

As respostas a essas questotildees esbarram na equaccedilatildeo formaconteuacutedo que cada agon

apresenta resultando numa diversidade formal e temaacutetica da obra aristofacircnica A minha

hipoacutetese eacute que Aristoacutefanes conhecendo bem a estrutura comum do agon manipulou as

convenccedilotildees estruturais de sua forma subjugando-a ao conteuacutedo ou seja o conteuacutedo

determinando a forma a ponto de esta se apresentar ora completa ora incompleta ora

reduzida ou extremamente modificada As investigaccedilotildees datildeo indiacutecios de que quanto agrave forma

o agon como uma seccedilatildeo da estrutura tende a desaparecer mas sobrevive na comeacutedia pelo

conteuacutedo

Esta pesquisa partiu do estudo do agon na trageacutedia feito por Jacqueline Duchemin

(1968) o qual nos serviu de paradigma para uma classificaccedilatildeo do agon quanto agrave sua evoluccedilatildeo

temaacutetica em relaccedilatildeo agrave accedilatildeo e agrave funccedilatildeo dramaacutetica Natildeo se trata neste estudo de fazer uma

colagem das classificaccedilotildees do agon da trageacutedia na comeacutedia porque na trageacutedia o agon eacute uma

discussatildeo que funciona como um elemento da accedilatildeo podendo ocorrer em qualquer instacircncia

do enredo enquanto que na comeacutedia ele eacute um componente da estrutura e como parte dela

tem lugar fixo e meacutetrica especiacutefica A relaccedilatildeo do trabalho de Duchemin (1968) com este

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 14

estudo encontra-se nos roacutetulos que de acordo com a descriccedilatildeo de cada um parecem tambeacutem

ser adequados agraves cenas de agon na comeacutedia mas com as devidas adequaccedilotildees pertinentes ao

gecircnero cocircmico

Do estudo de Duchemin (1968 p 124-144) aproveitaremos os criteacuterios segundo o

lugar do agon na accedilatildeo dos conjuntos agoniacutesticos complexos e do nuacutemero de participantes A

classificaccedilatildeo do agon na accedilatildeo implica trecircs posiccedilotildees i) o agon no centro da accedilatildeo (lrsquo ἀγών au

centre de lrsquoaction) ii) o agon que se desprende da accedilatildeo (lrsquo ἀγών se deacutetachant de lrsquoaction)

iii) o agon acessoacuterio da accedilatildeo (lrsquo ἀγών hors-drsquooeuvre)

Quanto ao lugar do agon na accedilatildeo ele eacute centro da accedilatildeo nas seguintes situaccedilotildees i) a

discussatildeo estaacute estritamente ligada ao andamento da accedilatildeo ii) o objeto da discussatildeo constitui o

assunto da peccedila iii) a discussatildeo representa um papel de impulsatildeo dramaacutetica ou iv) ou a

discussatildeo interveacutem para esclarecer uma situaccedilatildeo tornando-se uma conclusatildeo do drama

Duchemin (1968) considera que o agon se desprende da accedilatildeo4 quando ele assume

um valor de exposiccedilatildeo dramaacutetica Pode ocorrer por causa de uma persuasatildeo fracassada ou de

uma discussatildeo retrospectiva com assuntos do passado ou de uma discussatildeo cujo uacutenico

objetivo eacute deixar claro o antagonismo

Em muitas cenas de agon sobretudo em Euriacutepides que empregou as antilogiai

sofigravesticas e as formas antiteacuteticas o agon funciona como acessoacuterio da accedilatildeo quando a relaccedilatildeo

com a accedilatildeo pode ser vaga em que a discussatildeo natildeo tem nenhuma relaccedilatildeo com a situaccedilatildeo e os

assuntos satildeo de interesse dos atenienses ou pode antecipar a discussatildeo principal Nesse caso

trata-se de discussotildees que se justapotildeem

No que se refere aos conjuntos agoniacutesticos complexos a cena de agon que eacute

analisada do ponto de vista da accedilatildeo e de quem faz essa accedilatildeo pertence a um conjunto de cenas

que satildeo um prolongamento do conflito Trata-se de um pressuposto estrutural que contempla

4 Nenhum dos agones em Aristoacutefanes conforme anaacutelises feitas neste estudo enquadra-se na classificaccedilatildeo ―agon

que se desloca da accedilatildeo

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 15

o todo orgacircnico da peccedila As cenas estatildeo arranjadas por uma ordem de complexidade

crescente i) agones ligados por cenas que os intercalam ii) agones sucessivos isto eacute o

segundo nasce imediatamente do primeiro sem intervalo de cena iii) o agon no final

resultado de uma progressatildeo dramaacutetica de uma seacuterie de cenas

Por fim o nuacutemero de debatedores de um agon pode incluir duas personagens

duas personagens e um aacuterbitro trecircs personagens

Estabelecidas as classificaccedilotildees de Duchemin (1968) para o agon na trageacutedia

vejamos entatildeo o aproveitamento delas na obra de Aristoacutefanes

O agon centro da accedilatildeo estaacute presente em Aves Tesmoforiantes Assembleacuteia de

mulheres e Pluto Nessas comeacutedias o objeto em discussatildeo tambeacutem eacute assunto da peccedila a

discussatildeo se liga ao andamento da accedilatildeo tendo um papel de impulsatildeo dramaacutetica para as cenas

subsequumlentes que satildeo uma consequumlecircncia do agon Quanto agrave natureza do discurso do agon

Aves e Assembleacuteia de mulheres apresentam um discurso expositivo de caraacuteter persuasivo

trata-se portanto de um agon de exposiccedilatildeo Em Tesmoforiantes o discurso eacute um empreacutestimo

das trageacutedias de Euriacutepides trata-se portanto de um agon paratraacutegico Em Pluto o agon eacute ad

absurdum porque o discurso de defesa do heroacutei serve para esclarecer seu plano utoacutepico e o

jogo de persuasatildeo eacute completamente anulado pela inesperada reviravolta do desfecho da

contenda

Em Paz a cena que preenche a funccedilatildeo do agon eacute classificada como um acessoacuterio

da accedilatildeo porque a natureza do discurso de Hermes eacute um relato retrospectivo a propoacutesito da

origem da guerra que por sua vez eacute um assunto de interesse coletivo

Segundo Duchemin (1968) outra funccedilatildeo do agon acessoacuterio da accedilatildeo na trageacutedia eacute

preparar a cena para a discussatildeo principal Nesse sentido as cenas que antecedem o agon na

comeacutedia e que satildeo preparatoacuterias para o debate satildeo denominadas proagon portanto

entendemos que o proagon eacute um acessoacuterio da accedilatildeo

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 16

O agon quando faz parte de um complexo agoniacutestico eacute tambeacutem centro da accedilatildeo

porque os argumentos do agon e o da peccedila satildeo os mesmos Isso ocorre em Acarnenses

Cavaleiros Nuvens e Vespas Nesas comeacutedias haacute mais de um agon que sendo um deles o

principal estatildeo separados por outras seccedilotildees da peccedila cuja impulsatildeo dramaacutetica estaacute em

constante progressatildeo o que desencadeia uma sucessatildeo de cenas que quanto agrave forma natildeo satildeo

agon mas quanto ao conteuacutedo trata-se de um prolongamento do debate que se estende ateacute o

final da peccedila Nessas comeacutedias a fabulaccedilatildeo se alicerccedila sobre uma rede entrelaccedilada de cenas

com conteuacutedo comum o que resulta numa contaminatio entre as seccedilotildees da estrutura Por

exemplo o paacuterodo que antecedendo o agon na disposiccedilatildeo das partes da comeacutedia torna-se por

contaminaccedilatildeo um paacuterodo-agoniacutestico Acarnenses e Lisiacutestrata satildeo comeacutedias que melhor

representam essa categoria que estamos denominando contaminatio A razatildeo disso eacute a

participaccedilatildeo ativa do coro como antagonista na fabulaccedilatildeo Jaacute Ratildes possuem um uacutenico agon

sem separaccedilatildeo por cenas uma vez que o agon ocupa toda a segunda parte da comeacutedia Trata-

se de um agon exemplar que expotildee o desenvolvimento progressivo do conflito

De acordo com Duchemin (1968) ao se referir ao agon na trageacutedia o debate com

duas personagens eacute a forma mais comum e configura-se na disputa de duas partes diante de

um juacuteri ou de o juacuteri ser ao mesmo tempo uma das partes do debate Jaacute a querela com mais de

trecircs personagens eacute uma forma que natildeo constitui a forma normal de discussatildeo visto que a

noccedilatildeo de agon repousa sobre um antagonismo completo e parece excluir toda nuanccedila

Essa distribuiccedilatildeo pode ocorrer na comeacutedia que se permite no entanto certas

variaccedilotildees como no agon I de Cavaleiros em que quatro personagens se projetam agrave revelia na

contenda Em Acarnenses o coro eacute adversaacuterio e tem um representante que eacute o rival do heroacutei

Em Tesmoforiantes o oponente do heroacutei eacute o coro Ao contraacuterio no agon II de Cavaleiros o

heroacutei tem apoio do coro e de um escravo contra o concorrente e haacute tambeacutem um juiz Jaacute em

Aves o coro eacute a princiacutepio contraacuterio ao heroacutei mas depois se torna seu partidaacuterio Haacute uma

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 17

terceira personagem que eacute o mediador da contenda e uma quarta que estaacute do lado do heroacutei Jaacute

nos agones de Nuvens o agon I expotildee um debate entre duas personagens sem a participaccedilatildeo

do heroacutei que soacute estaraacute presente no segundo agon da comeacutedia No agon I de Vespas haacute trecircs

personagens uma das quais eacute o coro que toma partido de um dos lados jaacute no agon II a

contenda se limita a duas personagens Em Paz Lisiacutestrata Assembleacuteia de mulheres e Pluto o

conflito ocorre com duas personagens e com a ausecircncia de um juiz Em Ratildes a querela entre

duas personagens tem a presenccedila de um aacuterbitro

Para aleacutem de uma simples contagem dos litigantes envolvidos no conflito a

comeacutedia atribui funccedilotildees aos participantes da contenda Isso porque as personagens cocircmicas

assumem funccedilotildees na fabulaccedilatildeo consequumlentemente tambeacutem no agon E o uacutenico documento

que a Antiguumlidade nos legou a esse respeito foi o Tractatus Coislinianus XII em que satildeo

citadas as seguintes funccedilotildees (βωμολόχος) bomolochos bufatildeo (εἴρων) eiron irocircnico

dissimulador (ἀλαζών) alazon fanfarratildeo5 - sem qualquer desenvolvimento delas na

personagem cocircmica - Somente no seacuteculo XX esses termos vatildeo merecer um estudo dirigido agrave

personagem sobretudo no heroacutei e sua atuaccedilatildeo na comeacutedia em geral sem se restringir a uma

parte do texto

A funccedilatildeo bomolochos6 eacute mateacuteria no estudo pioneiro de W Suumlss

7 (1905 apud

GELZER 1960) em que o autor a interpreta como um interventor cujos comentaacuterios e

apartes prestam-se ao riso por meio de jogos de palavras chistes sem relevacircncia anedotas

obscenas enfim o que possa oferecer um suporte humoriacutestico agrave discussatildeo e

consequumlentemente agrave cena O bomolochos tem funccedilotildees diferentes (GELZER 1960 p 124-

125) no contexto da accedilatildeo ou eacute coadjuvante do heroacutei ou ao contraacuterio eacute juiz da contenda e

5 Reza o texto ἤθη κωμῳδίας τά τε βωμολόχα καὶ τὰ εἰρωνικὰ καὶ τὰ τῶν ἀλαζόνων 6 Literalmente o vocaacutebulo βωμολόχος significa ―aquele que fica agraves escondidas (λόχος) dos altares (βωμός)

para se aproveitar das oferendas ou para mendigaacute-las com mofas ou lisonjas 7 Gelzer (1991) aponta aleacutem do estudo pioneiro de W Suumlss (1905 p 68-70) os trabalhos de H J Newiger

(1957 p 33-49) e de M Landfesten (1967 p 48-78) publicados respectivamente em Bonn Munich e

Amsterdam

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 18

seus apartes tecircm um significado no contexto Como coadjuvante cujas intervenccedilotildees natildeo

servem para o desenvolvimento da accedilatildeo e natildeo fazem senatildeo dirigir-se ao puacuteblico com glosas eacute

possiacutevel em trecircs situaccedilotildees i) sozinho e interlocutor do puacuteblico ii) acompanhado com outra

personagem e co-orador iii) acompanhado com vaacuterias personagens e comentarista de um

diaacutelogo ou de uma accedilatildeo

Em seu livro The origin of Attic Comedy Cornford (1968 p 115-162) analisa as

funccedilotildees bomolochos eiron e alazon na personagem do heroacutei cocircmico que para esse autor estaacute

sempre enquadrado nas duas primeiras categorias Segundo Aristoacuteteles (Retoacuterica 318 1419 b

8-10) o bufatildeo (bomolochos) procura seu prazer zombando do outro enquanto que o irocircnico

(eiron) pelo riso procura o prazer para si mesmo Jaulin (2000 p 319) interpreta essa

evocaccedilatildeo de utilidade do riso como uma distinccedilatildeo entre duas formas da produccedilatildeo do risiacutevel o

irocircnico provoca o riso agraves custas dos outros enquanto que o bufatildeo provoca o riso nos outros a

suas custas

Na opiniatildeo de Whitman (1964 p 27) natildeo haacute um eiron autecircntico nas personagens

aristofacircnicas apenas uma variedade de alazones Jaacute para McLeish (1980 p 53-56) o eiron eacute

irocircnico finge e dissimula suas qualidades e habilidades e o alazon8 eacute espalhafatoso

fanfarratildeo e pretende ter habilidades que natildeo satildeo suas Em princiacutepio esses dois tipos podem

tambeacutem cobrir figuras secundaacuterias em Aristoacutefanes Mas o heroacutei tambeacutem pode representar o

eiron e nesse caso eacute dotado de habilidade para banir o alazon Este por sua vez num niacutevel

mais desenvolvido torna-se uma personagem maior da accedilatildeo geralmente o adversaacuterio do

heroacutei McLeish (1980) tambeacutem amplia essas funccedilotildees atribuindo ao heroacutei uma natureza

multiforme ou como spoudaios ndash personagem soberba seacuteria e sincera ndash ou como

bomolochos ndash bufatildeo ndash ou como poneros ndash espertalhatildeo matreiro Na opiniatildeo dele a natureza

multiforme do heroacutei facilita-lhe adaptar sempre uma resposta para perguntas de cada

8 A presenccedila desses dois tipos foi notada primeiramente por Aristoacuteteles afirma McLeish (1980 p 53)

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 19

confronto particular o que nos parece mais apropriado Nessa mesma linha de anaacutelise

Thiercy (2007) tambeacutem estabelece mais de uma ao heroacutei que satildeo resultados de uma mistura

complexa natildeo apenas segundo o caraacuteter do indiviacuteduo mas tambeacutem segundo suas

necessidades

O conceito de ironia (eironeia) admite muitas interpretaccedilotildees9 e sua etimologia natildeo

eacute satisfatoacuteria (CHANTRAINE 1999 p 326) Nenhuma ocorrecircncia desse termo eacute atestada

antes do periacuteodo da Guerra do Peloponeso quando Aristoacutefanes utiliza-o uma uacutenica vez em

Nuvens (v 449) Aristoacuteteles em seus tratados sobre a eacutetica jaacute chamava a atenccedilatildeo para a sutil

relaccedilatildeo entre os termos eiron e alazon Whitman (1964 p 26) McLeish (1980 p 53) e

Thiercy (2007 p 187) homologam essa capciosa relaccedilatildeo entre os termos apontada pelo

filoacutesofo grego Os termos eiron e alazon10

estatildeo estritamente ligados a ponto de

compartilharem a mesma noccedilatildeo de fingimento e dissimulaccedilatildeo o eiron finge ironicamente

suas verdadeiras qualidades e habilidades e o alazon finge demasiadamente ter qualidades e

habilidades que natildeo satildeo propriamente suas

As duas uacuteltimas categorias poneros e spoudaios satildeo antagocircnicas em seus

sentidos a primeira carrega todos os defeitos enquanto que a segunda todas as virtudes

Contrariamente aos valores da epopeacuteia e da trageacutedia a comeacutedia revira os valores correntes e

as personagens cocircmicas sobretudo o heroacutei triunfam graccedilas a sua poneria isto eacute uma mistura

de embuste de atrevimento e de torpeza Esses atributos que carregam um sentido negativo

fora da comeacutedia tornam-se positivos nela Como bem observou Whitman (1964 p 29) e

tambeacutem Thiercy (2007 p 187) Aristoacutefanes eacute capaz de reverter as implicaccedilotildees de sentido de

uma palavra como por exemplo πονηρός que vem a ser atributo a uma personagem

espertalhona astuciosa O poneros eacute engenhoso e na opiniatildeo de McLeish (1980 p 55 123)

9 De acordo com o artigo de Pavlovskis (1968 p 22) em que o autor expotildee as muitas interpretaccedilotildees do conceito

de ironia a partir de Aristoacutefanes passando por Platatildeo Aristoacuteteles Teofrasto ateacute chegar nos filoacutesofos ciacutenicos 10 Segundo Thiercy (2007) o vocaacutebulo alazṓn eacute empregado 16 vezes em Aristoacutefanes valor que natildeo confere com

Perseus Digital Library (2006) que constata 13 empregos

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 20

essa arguacutecia o torna invenciacutevel em qualquer situaccedilatildeo de confronto e ao contraacuterio do poneros

que tem total controle e domina a accedilatildeo em cena o bomolochos em geral reage com bufonaria

ao que acontece em sua volta

O termo spoudaios aparece na definiccedilatildeo de trageacutedia formulada por Aristoacuteteles11

(Po 49 b 24) e nos causa a princiacutepio um certo estranhamento quando o vemos tambeacutem

dirigido agrave comeacutedia Esse paradoxo se explica porque ndash embora o termo seja um predicativo de

accedilotildees nobres soberbas elevadas das personagens traacutegicas ndash as personagens cocircmicas natildeo satildeo

apenas dotadas de bomolochia poneria e alazoneiacutea mas tambeacutem na sua irreverecircncia satildeo

personagens que demonstram seriedade e elevaccedilatildeo nos seus propoacutesitos eacute louvaacutevel desejar a

paz ou beneficiar a humanidade ou ainda se preocupar com o futuro da polis O spoudaios natildeo

eacute tatildeo engraccedilado na sua maneira de ser e pensar Suas accedilotildees entretanto levam ao riso porque

as outras personagens reagem a elas com escaacuternio

Concordo com McLeish (1980) Thiercy (2007) e Whitman (1964) que essas

funccedilotildees se aplicam em grande parte agrave classificaccedilatildeo do heroacutei cocircmico e de seu adversaacuterio

Admite-se portanto que a natureza multiforme do heroacutei cocircmico cuja facilidade de adaptaccedilatildeo

eacute bastante grande porque o heroacutei cocircmico sempre tem conforme a situaccedilatildeo um discurso de

defesa pronto para cada confronto particular E assim sendo interpreto que a poneria estaacute por

traacutes desse caraacuteter flexiacutevel do heroacutei que lhe confere muita habilidade e astuacutecia Logo a funccedilatildeo

poneros aflora com nuanccedila de grau em todos os heroacuteis aristofacircnicos com seus projetos

mirabolantes

2 Definiccedilatildeo do objeto e delimitaccedilatildeo do corpus

O agon na sua akme (ἀκμή)12

segundo Duchemin (1969 p 47) compotildee-se

normalmente de duas ―tiradas opostas representando as situaccedilotildees ou as teses contraacuterias de

11 Diz o texto aristoteacutelico ἔστιν οὖν τραγῳδία μίμησις πράξεως σπουδαίας 12 Esse termo eacute entendido como ―o ponto culminante no caso no debate

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 21

duas personagens em confronto agraves vezes de uma maneira bastante excepcional haacute trecircs

personagens Essas ―tiradas satildeo seguidas de um tipo de resoluccedilatildeo do conflito em reacuteplicas

mais raacutepidas resultando numa esgrima de versos alternados conhecida sob o nome de

esticomitia Essas consideraccedilotildees que satildeo proacuteprias agrave trageacutedia podem ser ateacute certo ponto

aplicadas agrave comeacutedia embora natildeo se deva perder de vista que o agon cocircmico eacute muito mais

complexo e amplo porque se trata de uma das partes da comeacutedia portanto com uma estrutura

formal e meacutetrica especiacutefica

Corre-se um risco ao se definir o agon porque eacute preciso que se leve em conta sua

diversidade formal e temaacutetica Daiacute o(s) agon(nes) de algumas comeacutedias terem caracteriacutesticas

que estatildeo ausentes em outras peccedilas a ponto de se cogitar a ausecircncia de agon13

Das onze

comeacutedias oito possuem um ou dois agones quanto agraves trecircs comeacutedias restantes Acarnenses

Paz e Tesmoforiantes haacute uma discussatildeo da presenccedila ou natildeo de um agon Neste trabalho

partimos do pressuposto de que todas as comeacutedias de Aristoacutefanes possuem agon inclusive em

Acarnenses Paz e Tesmoforiantes porque nessas comeacutedias haacute cenas que estatildeo no lugar de

uma cena de agon e de certa forma cumprem tal funccedilatildeo

Tecnicamente o agon na comeacutedia eacute uma seccedilatildeo de natureza dialeacutetica14

debate

entre dois contendores com a presenccedila ou natildeo de um aacuterbitro e agraves vezes com a presenccedila de

uma terceira personagem ou mais Essa definiccedilatildeo stricto sensu eacute entretanto incapaz de dar

conta do objeto todo A definiccedilatildeo de agon pode ser mais bem entendida a partir de sua

etimologia pluralidade temaacutetica funccedilatildeo dramaacutetica estrutura formal (composiccedilatildeo meacutetrica) ndash

que passamos a expor -

13 Essa discussatildeo seraacute abordada no capiacutetulo III infra 14 O termo dialeacutetico eacute entendido neste estudo tanto na classe adjetiva quanto nominal Como adjetivo diz

respeito a ―algo que eacute proacuteprio da discussatildeo ou haacutebil na discussatildeo como nome entende-se ἡ διαλεκτική como ―a arte de raciocinar empregando a conversa

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 22

Quanto agrave ETIMOLOGIA o termo agon possui a princiacutepio o sentido de jogo

luta competiccedilatildeo e com esses significados estaacute documentado quatro vezes na obra de

Aristoacutefanes

i) Ἄνδρες τι πεισόμεσθα Νῦν ἀγὼν μέγας Paz (v 276)

Senhores o que vai nos acontecer Eacute chegada a hora da importante luta

ii) Ἔπειτrsquo ἀγῶνά γrsquoεὐθὺς ἐξέσται ποιεῖν Paz (v 894)

Em seguida vocecirc teraacute logo o direito de organizar os jogos

iii) πῶς ἅν ποιῶν τὸν Ὀλυμπικὸν αὐτὸς ἀγῶνα Pluto (v 584)

como pode ele proacuteprio organizar os jogos oliacutempicos

iv) ποιεῖν ἀγῶνας μουσικοὺς καὶ γυμνικούς Pluto (v 1163)

organizar competiccedilotildees de muacutesica e de ginaacutestica

A primeira passagem refere-se ao final do proacutelogo em que Trigeu faz comentaacuterios

e observa escondido a Guerra e seu ajudante Tumulto que preparam numa cena de fundo

―culinaacuterio a aniquilaccedilatildeo dos gregos Na segunda passagem trata-se de uma cena episoacutedica

em que Trigeu de regresso a sua casa inicia os preparativos para comemorar seu ecircxito A

terceira passagem encontra-se na cena do agon de Pluto Penia ao se enfrentar com Crecircmilo

justifica que Zeus tambeacutem eacute pobre porque nos jogos oliacutempicos os vencedores satildeo

contemplados com uma simples coroa de oliveira ao inveacutes de ouro O quarto emprego ocorre

na cena episoacutedica entre Hermes e Cariatildeo ξom a crise que se abateu no Olimpo Hermes tenta

se arranjar entre os mortais e sendo um deus de muitos epiacutetetos busca numa de suas

habilidades uma funccedilatildeo na casa de Crecircmilo

Nesses exemplos o termo agon estaacute empregado como um vocaacutebulo pertencente

ao leacutexico da liacutengua como qualquer outra palavra Entretanto seu emprego principal na obra de

Aristoacutefanes ocorre quando esse termo introduz uma nova seccedilatildeo da estrutura do texto de

natureza dialeacutetica que determina um debate Com esse sentido a palavra agon aparece oito

vezes no texto aristofacircnico

i) ὡς σκψιν ἁγὼν οὗτος οὐκ εἰσδέξεται Acarnenses (v 392)

jaacute que este debate natildeo pode admitir rodeio

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 23

ii) ἆρrsquo οἶσθα ὅσον τὸν ἀγῶνrsquo ἀγωνιεῖ τάχα Acarnenses (v 481)

por acaso vocecirc tem ideacuteia do tamanho do debate que vai ocorrer em breve

iii) ἧς πέρι τοἶς ἐμοῖς φίλοις ἐστὶν ἀγὼν μέγιστος Nuvens (v 958)

a respeito da qual estaacute para acontecer um super debate entre meus amigos

iv) ὁρᾷς γὰρ ὥς afinal vocecirc percebe que

σοι μέγας ἐστὶν ἁγὼν um importante debate estaacute para te acontecer

Vespas (v 533)

v) ἀγῶνα ποιεῖν αὐτίκα μάλα καὶ κρίσιν Ratildes (v 785)

organizar o mais raacutepido possiacutevel um debate e um juacuteri

vi) οὐκ ἐξ ἴσου γάρ ἐστιν ἁγὼν νν Ratildes (v 867)

pois o debate natildeo estaacute em peacute de igualdade para noacutes dois

vii) ἀγῶνα κρῖναι τόνδε μουσικώτατα Ratildes (v 873)

para julgar esse debate conforme as regras das Musas

viii) νῦν γὰρ ἀγὼν σοφίας ὁ μέγας χωρεῖ πρὸς ἔργον ἤδη Ratildes (v 884)

eacute agora que o grande debate de talento daacute iniacutecio nesse instante a sua execuccedilatildeo

Nessas passagens o termo agon estaacute presente ou em cenas preparatoacuterias

chamadas proagon ou na abertura do proacuteprio agon Na primeira passagem que se refere a

Acarnenses o vocaacutebulo eacute empregado nas cenas de introduccedilatildeo e corresponde ao

antikatakeleusmos em que o corifeu representando o coro chama a atenccedilatildeo de Diceoacutepolis Jaacute

na segunda passagem que tambeacutem aparece em Acarneneses o agon estaacute na iminecircncia de

comeccedilar E desse modo sob a forma de soliloacutequio Diceoacutepolis busca em suas forccedilas internas

o auto-encorajamento No terceiro fragmento o termo eacute empregado no final da ode do agon I

de Nuvens trata-se de uma evoluccedilatildeo coral em que o coro anuncia o debate que vai se

desenrolar entre os Raciociacutenios alegorias na peccedila O quarto extrato pertence a Vespas e o

termo tambeacutem eacute empregado na ode portanto iniacutecio do agon em que o canto do coro eacute

interrompido por Bdelicleatildeo quando o coro que se dirige a ele tenta abrir a discussatildeo que vai

ocorrer entre pai e filho A quinta citaccedilatildeo de Ratildes compotildee uma cena episoacutedica em que Eacuteaco e

Xacircntias comentam os barulhos vindos da mansatildeo de Hades onde estaacute ocorrendo uma disputa

entre Eacutesquilo e Euriacutepides natildeo se trata ainda do agon da peccedila porque essa querela se passa

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 24

por enquanto no espaccedilo extra-mimeacutetico o agon comeccedila a partir do momento em que a cena

se abre para a discussatildeo entre os tragedioacutegrafos e cabe a Hades organizar imediatamente um

debate entre os poetas com presenccedila de um juacuteri As trecircs menccedilotildees seguintes pertencem ao

proagon de Ratildes cena preparatoacuteria de tom provocativo entre as partes Na sexta citaccedilatildeo

Eacutesquilo protesta porque a disputa se faraacute em condiccedilotildees desiguais afinal sua poesia natildeo

morreu com ele como a de Euriacutepides Na seacutetima passagem Dioniso realiza o ritual

preparatoacuterio para as invocaccedilotildees E finalmente o coro anuncia que o agon estaacute em vias de

execuccedilatildeo

Esse caraacuteter apelativo das passagens acima tem como objetivo chamar a atenccedilatildeo

do puacuteblico situando-o no decorrer da accedilatildeo Nem sempre Aristoacutefanes se valeu dessa licenccedila

poeacutetica e nem sempre o agon estaacute apoacutes o paacuterodo como em Cavaleiros Vespas e Aves Pode

ocorrer de ele se localizar depois da paraacutebase como em Nuvens e Ratildes por exemplo Para

garantir o sucesso da comeacutedia no festival Aristoacutefanes soube rearranjar as seccedilotildees do texto de

acordo com seus interesses ou porque a fabulaccedilatildeo exigia ou por causa da conjuntura da

eacutepoca ou para assegurar a benevolecircncia do espectador num dos momentos mais esperados da

peccedila o agon cena de debate tatildeo cara aos atenienses amantes da retoacuterica

Quanto agrave PLURALIDADE temaacutetica nos agones de Cavaleiros cuja proposiccedilatildeo eacute

uma saacutetira ao governo do demagogo Cleatildeo portanto agrave poliacutetica interna de Atenas a caricatura

e a invectiva estatildeo em relevo no conteuacutedo poliacutetico dos agones em que o escravo Paflagocircnio

representando o estadista e Agoraacutecrito um salsicheiro representante do homem comum se

enfrentam numa discussatildeo elaborada segundo a equaccedilatildeo poliacuteticaculinaacuteria Nos agones de

Vespas Aristoacutefanes traz agrave cena uma paroacutedia dos tribunais de Atenas e tambeacutem faz uma criacutetica

agrave poliacutetica interna conduzida por Cleatildeo Nessa proposta da comeacutedia e dos agones fica bem

marcado o choque de geraccedilotildees entre pai e filho Filocleatildeo caricatura dos magistrados e

partidaacuterio de Cleatildeo e Bdelicleatildeo opositor a Cleatildeo respectivamente A temaacutetica de

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 25

Assembleacuteia de mulheres tambeacutem se refere agrave poliacutetica interna com enfoque na economia e pode

ser entendida por um silogismo distorcido que na opiniatildeo de Thiercy (2007 p 101-102) se

torna um paralogismo jaacute que Praxaacutegora emprega uma conjunccedilatildeo de falsos argumentos i) o

sexo masculino estaacute no poder ii) a poliacutetica interna vai mal iii) entatildeo que se decirc o poder agraves

mulheres iv) consequumlentemente a poliacutetica interna iraacute melhor Aves e Pluto satildeo comeacutedias que

tambeacutem criticam a poliacutetica interna Na primeira o heroacutei planeja fundar uma nova cidade no

mundo das aves e na segunda o plano do heroacutei eacute curar a cegueira do deus Pluto para que a

riqueza seja distribuiacuteda a todos e banir a pobreza da Greacutecia

Em Acarnenses Paz e Lisiacutestrata o que estaacute em discussatildeo eacute a poliacutetica externa

como causa da guerra e tambeacutem o oportunismo de alguns cidadatildeos favoraacuteveis ao conflito em

benefiacutecio proacuteprio e detrimento da populaccedilatildeo Na comeacutedia Acarnenses o heroacutei Diceoacutepolis se

volta contra isso e no agon cuja composiccedilatildeo empresta a cena agoniacutestica da trageacutedia

euripidiana Telefo ele se manifesta pela causa da paz se natildeo para os gregos ao menos para

si Em Paz Trigeu ao contraacuterio da treacutegua individual negociada por Diceoacutepolis quer a paz

pan-helecircnica e estando ela alegoria na peccedila aprisionada ele vai em seu socorro O heroacutei

depara-se entretanto com Hermes e o agon se dilui numa seacuterie de cenas irregulares ateacute que

felizmente a Paz eacute libertada e devolvida aos gregos Em Lisiacutestrata a heroiacutena de mesmo nome

tem um projeto muito parecido com o de Trigeu alcanccedilar a paz pan-helecircnica Essa empresa

todavia tambeacutem encontra oposiccedilatildeo E o agon vai se desenrolar natildeo apenas entre Lisiacutestrata e o

Conselheiro mas tambeacutem entre dois semi-coros

Nuvens fazem uma criacutetica agrave conjuntura educacional de Atenas no seacuteculo V

momento em que com o advento da sofiacutestica satildeo apresentados novos rumos para a paideacuteia

grega assunto do agon entre os Raciociacutenios Justo e Injusto esse representando a neacutea-paideacuteia

aquele a archaiacutea-paideacuteia A verve cocircmica do poeta estaacute voltada ao contexto cultural com Ratildes

e Tesmoforiantes cujas propostas natildeo diz respeito agrave educaccedilatildeo como em Nuvens mas agrave criacutetica

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 26

literaacuteria Nesse sentido o agon de Ratildes pode ser considerado um tratado de dramaturgia sobre

as poeacuteticas esquiliana e euripidiana Quanto agrave comeacutedia Tesmoforiantes num primeiro instante

trata-se de uma paroacutedia agrave assembleacuteia no entanto a proposta da peccedila eacute uma criacutetica literaacuteria

que com o recurso da paroacutedia discute a construccedilatildeo da personagem feminina nas trageacutedias de

Euriacutepides Assim estando o tema da peccedila em relevo na discussatildeo do agon e sendo ele uma

seccedilatildeo da comeacutedia o agon eacute uma ceacutelula importante no todo orgacircnico da composiccedilatildeo cocircmica

Do ponto de vista da FUNCcedilAtildeO DRAMAacuteTICA o agon como uma seccedilatildeo da

estrutura da comeacutedia quando anunciado certamente despertava as expectativas no auditoacuterio

As partes da comeacutedia que se sucedem em ordem fixa - proacutelogo paacuterodo agon paraacutebase

episoacutedios intercalados por interluacutedios e ecircxodo - oferecem ao poeta um controle sobre as

expectativas do puacuteblico ao sinalizar o curso da accedilatildeo Gelzer (1991 p 59) levanta a hipoacutetese

de que o espectador ateniense do seacuteculo V tinha um conhecimento sobre a praacutetica teatral pelo

menos quanto aos elementos estruturais fixos Tal conhecimento segundo esse autor eacute um

dos requisitos fundamentais para que o poeta possa utilizaacute-los na construccedilatildeo de sua comeacutedia

Com eles haacute a expectativa do puacuteblico no andamento da fala da accedilatildeo ou da representaccedilatildeo

Aristoacutefanes podia empregaacute-los ou para com eles despertar as respectivas expectativas ou para

conduzir ou para confundir o espectador no jogo teatral Gelzer (1991) conclui que o jogo

com esses elementos fixos sobretudo o agon apoacutes o paacuterodo eacute o jogo com as expectativas do

puacuteblico Entendemos portanto que as estruturas fixas como uma teacutecnica dramaacutetica

demonstram o sentido de utilizaccedilatildeo dessa teacutecnica por Aristoacutefanes e como ele a aplica pois o

agon eacute um instrumento nas matildeos do poeta cujo fim eacute atingir efeitos dramaacuteticos com os quais

ele poderia contar para o sucesso da peccedila no festival

Na estrutura formal do agon a presenccedila do epirrema ou um outro metro que o

substitua na equivalecircncia do conteuacutedo eacute o sema comum a todas as situaccedilotildees consideradas

agon Quanto agrave forma o agon estaacute dividido em partes identificadas pelos metros que estatildeo

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 27

nelas empregados A visatildeo desse sistema meacutetrico deveu-se a Zielinski (1885 apud GELZER

1960) que identificou que a siziacutegia epirremaacutetica ou ―parte coordenada eacute comum em trecircs

seccedilotildees da estrutura da comeacutedia paacuterodo agon e paraacutebase No que concerne ao agon esse se

caracteriza de maneira muito precisa pela introduccedilatildeo de partes codificadas diferenciadas pela

sua estrutura meacutetrica Trata-se de uma regularidade que toma as formas da chamada siziacutegia

epirremaacutetica isto eacute um par de discursos em tetracircmetros cada um introduzido por uma ode

coral em que eacute estabelecida a seguinte subdivisatildeo

i) odeantode partes corais cantadas em metro livre pelo coro e podem ser interrompidas por

versos em tetracircmetros dialogados pelas personagens

ii) katakeleusmos antikatakeleusmos satildeo exortaccedilotildees do coro a ambos os contendores para

dar iniacutecio agrave discussatildeo

iii) epirrema antepirrema15

partes recitadas em tetracircmetros trocaicos pelas personagens que

expotildeem suas teses se haacute interferecircncia natildeo eacute feita pelo coro salvo quando ele eacute uma das

partes na discussatildeo as objeccedilotildees vecircm do adversaacuterio ou de uma terceira personagem o

bomolochos

iv) pnigos antipnigos conclusatildeo dos epirremas composta de diacutemetros trocaicos e recitadas

rapidamente num soacute focirclego

v) sphragis16

o corifeu anuncia o vencedor do debate

Um agon duplo isto eacute com as partes simeacutetricas que compotildeem a siziacutegia

epirremaacutetica nem sempre estaacute presente no corpo de uma comeacutedia uma ou outra parte podem

estar ausentes conforme podemos constatar a seguir no quadro que expotildee o corpus a ser

analisado neste estudo

15 katakeleusmos e epirrema satildeo recitados em tetracircmetros do mesmo metro (jacircmbicos trocaicos ou anapeacutesticos) 16 Segundo Gelzer (1960 p 4 120-123) a sphragis eacute tatildeo esporaacutedica e raramente atestada que eacute questionaacutevel se

se trata de uma seccedilatildeo da estrutura agoniacutestica Como estamos seguindo tambeacutem as demarcaccedilotildees de Mazon

(1904) Pickard-Cambridge (1966) e Moumlllendorff (2002) quando a sphragis eacute indicada por um deles ou pelos

dois estamos considerando-a como uma seccedilatildeo do agon

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 28

Cavaleiros I Nuvens I Vespas I Ratildes ode 303-332 ode 949-958 ode 334-345 ode 895-904

katakeleusmos 333-334 katakeleusmos 959-960 katakeleusmos 346-347 katakeleusmos 905-906 epirrema 335-366 epirrema 961-1008 epirrema 348-357 epirrema 907-970

pnigos 367-381 pnigos 1009-1023 pnigos 358-364 pnigos 971-991 antode 382-406 antode 1024-1033 antode 365-379 antode 992-1003

antikata 407-408 antikata 1034-1035 antikata 380-381 antikata 1004-1005 antepirrema 409-440 antepirrema 1036-1084 antepirrema 382-402 antepirrema 1006-1076

antipnigos 441-456 antipnigos 1085-1104 antipnigos natildeo haacute antipnigos 1077-1098 sphragis 457-460 sphragis 402-414

Cavaleiros II Nuvens II Vespas II

ode 756-760 ode 1345-1350 ode 526-545 cenas iacircmbicas

intercaladas com

interluacutedios do

coro

1099-1499 katakeleusmos 761-762 katakeleusmos 1351-1352 katakeleusmos 546-547

epirrema 763-823 epirrema 1353-1385 epirrema 548-620 pnigos 824-835 pnigos 1386-1390 pnigos 621-630

antode 836-840 antode 1391-1396 antode 631-647 antikata 841-842 antikata 1397-1398 antikata 648-649

antepirrema 843-910 antepirrema 1399-1445 antepirrema 650-718 antipnigos 911-940 antipnigos 1446-1451 antipnigos 719-724

sphragis 941 sphragis 725-727

Aves Lisiacutestrata Tesmoforiantes Acarnenses

ode 451-459 ode 476-483 katakeleusmos 381-382 paacuterodo com estrutura

epirremaacutetica do agon 280-357 katakeleusmos 460-461 katakeleusmos 484-485 1 discurso iacircmbico 383-432

epirrema 462-522 epirrema 486-531 ode 433-442 ode 490-495 pnigos 523-538 pnigos 532-538 2 discurso iacircmbico 443-458 cena iacircmbica 496-565 antode 539-547 antode 539-548 interluacutedio liacuterico 459-465 antode 566-571

antikata 548-549 antikata 549-550 3 discurso iacircmbico 466-519 cena iacircmbica 572-625 antepirrema 550-610 antepirrema 551-597 antode 520-530 sphragis 626-627

antipnigos 611-626 antipnigos 598-607 cenas iacircmbicas 531-573 sphragis 627-638 sphragis 608-613

Pluto Assembleacuteia de Mulheres Paz

katakeleusmos 486-487 ode 571-580 katakeleusmos 601-602 epirrema 488-597 katakeleusmos 581-582 epirrema 603-650

pnigos 598-618 epirrema 583-688 pnigos 651-656 pnigos 689-709

De acordo com o quadro acima quatro comeacutedias possuem sua forma completa

Cavaleiros I e II Vespas II Aves e Lisiacutestrata Duas natildeo possuem sphragis Nuvens I e II Ratildes

O agon I de Vespas natildeo possui antipnigos Trecircs comeacutedias apresentam a forma bem reduzida

de agon Paz Assembleacuteia de mulheres e Pluto Essas duas uacuteltimas peccedilas que representam a

Comeacutedia Meacutedia jaacute sinalizam uma gradaccedilatildeo do agon o que levanta a hipoacutetese de seu

enfraquecimento progressivo ateacute seu desaparecimento (NAVARRE 1911 p 255) O caso de

Acarnenses e Tesmoforiantes eacute peculiar devido agrave forma extremamente modificada em que

apenas satildeo mantidas as seccedilotildees corais enquanto que a ausecircncia das partes epirremaacuteticas eacute

substituiacuteda por discursos iacircmbicos cujo conteuacutedo eacute muito proacuteximo do conteuacutedo epirremaacutetico

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 29

Na opiniatildeo de Mazon (1904 p 173-174) esse sistema duplicado ou simeacutetrico deu-

se porque o agon manifestou-se de duas formas o combate fiacutesico e o combate verbal que se

sucederam um ao outro Mazon propotildee entatildeo o que Duchemin (1968 p 31) tambeacutem aceita

como hipoacutetese no komos primitivo em que se constatam ataques com invectivas grosseiras

encontram-se duas formas de expressatildeo os combates fiacutesicos herdeiros de uma cena beacutelica e

os combates dialeacuteticos Dessas duas formas de conflito a primeira foi a mais antiga Por causa

desse fato a estrutura agoniacutestica que eacute tambeacutem parabaacutetica conforme proposta de Zielinski

(1885 apud GELZER 1960) se explica facilmente o canto guerreiro sugeriria o canto do

coro (ode) uma ordem de movimento inspiraria o encorajamento do corifeu (katakeleusmos)

a batalha proporcionaria o discurso explicativo entre as partes (epirrema) enfim o canto de

vitoacuteria inspiraria a exaltaccedilatildeo do vencedor num uacutenico focirclego (pnigos ou makron) Esse quadro

de luta foi desdobrado de maneira a dar ora a vitoacuteria a um ora a outro Talvez tenha sido isso

que sugeriu a ideacuteia de dois discursos de defesa adversos tal qual havia nos tribunais e de

guerreiro o agon tornou-se dialeacutetico

Nas comeacutedias de Aristoacutefanes eacute frequumlente o emprego de metaacuteforas militares que

parecem dar sustentaccedilatildeo agrave interpretaccedilatildeo de Mazon (1904) Vejamos alguns exemplos de

caraacuteter ilustrativo sem a pretensatildeo de esgotar o assunto17

em Cavaleiros (vv 14 339 416) o

emprego do verbo μάχομαι e seu derivado διαμάχομαι traduz a imagem de ―lutar

intensamente ou ―lutar com uma finalidade em Acarnenses (v 368) Diceoacutepolis estaacute

disposto a enfrentar o inimigo mesmo sem escudo (οὐχ ἐνασπιδώσομαι) ao contraacuterio em

Nuvens (v 1160-1161) a liacutengua passa a ser uma arma de guerra que Estrepsiacuteades deseja como

proteccedilatildeo eficaz πρόβολος que no contexto da peccedila tem o sentido de ―muralha para que

ele possa natildeo soacute se proteger mas tambeacutem se defender no tribunal o verbo ἐπαναστρέφω

17 A propoacutesito das imagens e metaacuteforas em Aristoacutefanes cf Taillardat (1965)

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 30

―contra-atacar portanto pertencente ao contexto militar estaacute presente em Ratildes (v 1102) e

Cavaleiros (v 244) ou seja a metaacutefora transforma palavras em armas

3 Resenha criacutetica da bibliografia especiacutefica

Natildeo se pretende fazer uma resenha exaustiva da bibliografia referente ao agon na

comeacutedia antiga mas discutir as convergecircncias e divergecircncias criacuteticas e assim estabelecer

diretrizes e criteacuterios para o estudo concernente aos capiacutetulos seguintes

Segundo Gelzer (1991 p 52-53) os gramaacuteticos da Antiguumlidade investigaram

apenas a paraacutebase Somente no seacuteculo XIX deu-se ecircnfase ao estudo do agon Uma fonte

bibliograacutefica que nos oferece um panorama histoacuterico desse comeccedilo de pesquisa sobre o agon

eacute o artigo de Humphreys (1887) The Agon of the Comedy De acordo com esse autor o

trabalho pioneiro no estudo do agon eacute de Rudolph Westphal e se intitula Metrik der Griechen

Esse estudo traz um claro relato da forma e natureza de uma parte principal da cena de

discussatildeo chamada de syntagma (com antisyntagma) Essa cena de conflito foi tratada como

uma passagem da epeisoidie e considerada uma seccedilatildeo da estrutura sem uma harmonia entre

ela e a importacircncia de uma subdivisatildeo precisa da peccedila Tratava-se portanto de um elemento

da estrutura desarticulado Alguns editores na eacutepoca como Kock e Teuffel julgaram

importante o trabalho de Westphal E jaacute no final do seacuteculo XIX helenistas fizeram um estudo

cuidadoso da obra de Aristoacutefanes e dos fragmentos dos poetas cocircmicos com o objetivo de

apurar a origem e traccedilar a histoacuteria do agon A primeira providecircncia foi substituir o termo agon

por syntagma proposto por Westphal e depois nomear suas partes Chegou-se a conclusatildeo de

que se tratava de uma seccedilatildeo importante da estrutura da comeacutedia e que trecircs delas ndash Acarnenses

Paz e Tesmoforiantes ndash eram desprovidas desse syntagma

Entretanto em 1885 Theodor Zielinski (apud GELZER 1960) escreve Die

Gliederung der atattischen Komoedie em que ele analisa natildeo soacute a Comeacutedia Antiga mas

tambeacutem o modo de toda performance das peccedilas e a relaccedilatildeo da comeacutedia com a trageacutedia no que

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 31

diz respeito agrave forma Ao inveacutes de syntagma termo proposto por Westphal ele adota o termo

agon Seu trabalho privilegia a anaacutelise de Vespas no qual se demonstra que a uacuteltima parte do

paacuterodo eacute uma introduccedilatildeo para o agon e agraves vezes forma-se uma cena separada um proagon

assim chamado por ele O segundo meacuterito do estudo de Zielinski estaacute na teoria sobre a

composiccedilatildeo epirremaacutetica da comeacutedia comparada com a epeisodie da trageacutedia Ele observa que

nessa composiccedilatildeo se alternam passagens cantadas e recitadas que em conjunccedilatildeo e

simetricamente duplicadas receberam o nome de siziacutegia epirremaacutetica Tal estrutura tambeacutem

estaacute presente na paraacutebase e no paacuterodo Assim Zielinski demonstra que atraveacutes dessa triacuteade

(paacuterodo agon paraacutebase) o agon natildeo era um elemento desarticulado da estrutura segundo

estudo de Westphal Ao analisar as cenas de confronto denominando-as de agon Zielinski

interpretou-as como um debate entre duas personagens que defendem pontos de vista

contraditoacuterios

No iniacutecio do seacuteculo XX helenistas franceses rebatem alguns pontos do trabalho

de Zielinski (1885 apud GELZER 1960) Segundo Navarre (1911 p 250-251) a falha de

Zielinski consiste no fato de ele crer que o agon natildeo tinha outro emprego Afinal nessa cena

de luta Aristoacutefanes inseriu tambeacutem contendas violentas grosseiras com ameaccedilas corporais

Quadros cecircnicos dessa natureza Mazon (1904) denominou scegravene de bataille Maurice Croiset

(1905 apud NAVARRE 1911) scegravenes de deacutefi e Navarre (1911) scegravene drsquoaltercation Para

Mazon (1904 p 173-174) o agon em Aristoacutefanes natildeo se restringe a discussatildeo apenas ―[] la

veacuteriteacute clsquoest que ce cadre de llsquoἀγών nlsquoest nullement reacuteserveacute agrave des discussions mais qulsquoil

accompagne aussi des combats veacuteritables des batailles des ἀγῶνες au sens concret du

mot E quando se trata de uma disputa verbal Mazon (1904 p 174) propotildee a expressatildeo

scegravene de deacutebat Na interpretaccedilatildeo de Croiset (1905 apud NAVARRE 1911 p 215) que

analisa o agon pela sua essecircncia e aparecircncia o agon natildeo eacute uma cena de debate em que estatildeo

em discussatildeo ideacuteias opostas Segundo Croiset o debate com pontos de vista opostos natildeo passa

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 32

de uma aparecircncia na comeacutedia pois o protagonista nunca encontra um adversaacuterio

verdadeiramente seacuterio O agon primitivo saiacutedo do komos interpreta Croiset devia sua

essecircncia natildeo a uma querela mas a uma ―demonstraccedilatildeo satiacuterica audaciosa empenhada por

uma uacutenica personagem o protagonista contra todos A esse respeito Navarre (1911) entende

que a expressatildeo ―demonstraccedilatildeo satiacuterica implica um desvio do debate primitivo e isso se

justifica atraveacutes de trecircs proposiccedilotildees i) que a forma primitiva do agon eacute sua estrutura

duplicada ii) que essa estrutura soacute tem razatildeo de ser segundo uma luta dialeacutetica com duas

personagens iii) que nessa estrutura manifesta-se um desacordo entre forma e conteuacutedo

Assim Aristoacutefanes submeteu o agon a trecircs funccedilotildees A primeira trata o agon como uma luta

dialeacutetica entre duas personagens com ou sem a presenccedila de uma terceira personagem A

segunda funccedilatildeo estabelece o agon como uma ameaccedila de luta corporal de agressatildeo fiacutesica E

por fim uma discussatildeo conduzida por uma uacutenica personagem

Whittaker (1935 p 181-191) escreve um ensaio em que ele analisa cinco seccedilotildees

fundamentais da comeacutedia proacutelogo paacuterodo agon paraacutebase e ecircxodo e discute a funccedilatildeo dessas

partes na estrutura da Comeacutedia Antiga em geral inclusive de alguns fragmentos Para

Whittaker (1935 p 84) quanto agrave forma o agon eacute um debate estritamente formal de estrutura

epirremaacutetica e estaacute precedido por um proagon cena curta em tetracircmetros iacircmbicos em que as

condiccedilotildees da disputa satildeo dispostas Nessa discussatildeo cabe ao coro as partes corais (ode

katakeleusmos sphragis) e aos agonistas as partes recitadas dos epirrhemata frequumlentemente

estaacute presente uma terceira personagem o bomolochos um bufatildeo que proporciona com suas

irrelevacircncias humoriacutesticas um realce cocircmico agrave cena Quanto ao conteuacutedo Whittaker

considera o agon uma importante ferramenta dramaacutetica nas matildeos de Aristoacutefanes porque o

heroacutei tem de lutar contra uma oposiccedilatildeo que geralmente se cristaliza no agon e torna-se o

ponto crucial da peccedila Nesse caso o agon eacute um verdadeiro debate natildeo apenas na forma mas

tambeacutem no conteuacutedo

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 33

O trabalho de Thomas Gelzer (1960) Der epirrhematische Agon bei

Aristophanes traz novo alento ao estudo do agon Pode-se reconhecer a importacircncia dessa

obra pelos seus comentadores (KOSTER 1961 p 253-258 DOVER 1961 p 120-122

NEWIGER 1965 JONES 1961 p 118-120 OSMUN 1963 p 42-48) O detalhado estudo

de Gelzer consiste em introduccedilatildeo e trecircs partes principais

Na introduccedilatildeo haacute uma discussatildeo para definir a terminologia a ser usada e um

exame da literatura antecedente sobre o assunto em que Gelzer comenta as pesquisas de

Rossbach Westphal Lettner e sobretudo Zielinski

Na primeira parte composta de cinco seccedilotildees o trabalho torna-se descritivo com

uma exposiccedilatildeo dos agones das comeacutedias existentes de Aristoacutefanes Na primeira seccedilatildeo haacute uma

anaacutelise da funccedilatildeo dramaacutetica do agon de acordo com suas partes e a relaccedilatildeo delas com a

funccedilatildeo do agon no todo A funccedilatildeo dramaacutetica do agon pode ser

i) marcar a transiccedilatildeo a partir do paacuterodo para o enredo principal da peccedila que estava disposto

no proacutelogo

ii) as odes natildeo interrompem o movimento dos discursos mas os dirigem

iii) inserccedilatildeo de diaacutelogos nas odes expandindo o epirrema e omitindo o pnigos

iv) mostrar como a forma impotildee o conteuacutedo ou como o conteuacutedo se adapta agrave estrutura os

versos que formam o antipnigos apesar do fato de que eles devam ter um efeito de

aceleraccedilatildeo tecircm no entanto um efeito apaziguador pelo menos no conteuacutedo

v) consideraccedilotildees sobre a posiccedilatildeo do agon na comeacutedia

A propoacutesito desse uacuteltimo toacutepico para Gelzer (1960) a localizaccedilatildeo da cena de agon

pode ocorrer em duas instacircncias Na primeira o agon pode estar como demonstrou Zielinski

(1885 apud GELZER 1960) apoacutes o paacuterodo respeitando uma sequumlecircncia determinada e uma

forma esquemaacutetica com conteuacutedo heterogecircneo Na segunda o agon se localiza apoacutes a

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 34

paraacutebase e a isso Gelzer deu o nome de diallage18

ou cena de reconciliaccedilatildeo ou acomodaccedilatildeo

que consiste de quatro elementos principais i) disputaargumentaccedilatildeo (Streit) ii) acordos por

meio de um juacuteri (Abmachungen uumlber ein Schiedesgericht) iii) negociaccedilatildeo (Verhandlung ndash o

agon propriamente dito) iv) julgamento (Urteil) Para Gelzer (1960) haacute comeacutedias em que

podem ocorrer agones que aparecem nessas duas categorias em outros casos como em

Lisiacutestrata pode-se detectar o que ele chamou de darlegungsagon ―agon de exposiccedilatildeo A

forma do agon epirremaacutetico na diallage eacute mais regular do que aquela apoacutes o paacuterodo

Na segunda seccedilatildeo da primeira parte discute-se individualmente cada parte do

agon epirremaacutetico A saber i) a funccedilatildeo da ode eacute introduzir o assunto dos discursos

epirremaacuteticos e provocar a expectativa do puacuteblico na antode (na diallage) o coro exalta o

primeiro contendor e encoraja o segundo a agir ii) os katakeleusmoi satildeo um convite ao

contendor (ou contendores) a falar e agraves vezes o assunto do debate eacute novamente repetido

assim haacute frequumlentemente uma continuaccedilatildeo das ideacuteias nas odes os epirremas satildeo discursos que

apresentam argumentos das partes e haacute uma anaacutelise de toda a parte epirremaacutetica em

Aristoacutefanes e o elo principal entre epirrema e antepirrema eacute o ponto de controveacutersia que eacute

fechado pelo pnigosantipnigos discute-se se a sphragis que conteacutem um elogio eacute de fato

uma parte do agon iii) haacute uma aplicaccedilatildeo dos resultados das investigaccedilotildees para a histoacuteria da

comeacutedia em geral

Na terceira seccedilatildeo da primeira parte destacam-se o estudo do bomolochos e a

influecircncia da retoacuterica cuja teacutecnica dialeacutetica eacute a sofiacutestica nas partes epirremaacuteticas O meacutetodo

pergunta-resposta (anakrisis) aparece no antepirrema porque a discussatildeo estaacute prestes a

acabar Na quarta seccedilatildeo Gelzer discute a relaccedilatildeo particular da forma e do conteuacutedo para uma

demarcaccedilatildeo de cenas semelhantes e estabelece elementos caracteriacutesticos essenciais Na quinta

18 Gelzer (1960) se apropria de uma personificaccedilatildeo criada por Aristoacutefanes cf Acarnenses (vv 989-999)

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 35

e uacuteltima seccedilatildeo da segunda parte discute-se a ausecircncia de agon em Acarnenses Paz e

Tesmoforiantes

Na terceira parte do livro haacute uma aplicaccedilatildeo dos resultados das investigaccedilotildees

anteriores para a histoacuteria da comeacutedia em geral i) breve anaacutelise dos fragmentos da comeacutedia

antiga nos predecessores de Aristoacutefanes a partir de Cratinos ii) discussatildeo concernente agrave

origem e aos aspectos tradicionais do agon epirremaacutetico iii) eacute improvaacutevel que a paraacutebase

embora parecida na forma com o agon seja proveniente dele No final Gelzer (1960) divide

as peccedilas de Aristoacutefanes em trecircs periacuteodos e discute o uso a funccedilatildeo e o desenvolvimento do

agon em cada periacuteodo

Dessas trecircs partes a segunda eacute certamente a de maior relevo porque Gelzer

(1960) vai aleacutem da investigaccedilatildeo do agon no que diz respeito agraves questotildees de divisotildees meacutetricas

e construccedilatildeo formal Na opiniatildeo de Jones Mervyn (1961 p 119) o estudo de Gelzer tende de

fato a trabalhar em termos de anaacutelise formal mais do que do drama porque seu plano de

trabalho daacute ecircnfase agrave discussatildeo dos agones como entidades separadas antes de examinaacute-los

num contexto mais amplo Jones Mervyn (1961 p 120) entretanto reconhece que a erudita e

meticulosa pesquisa de Gelzer eacute indispensaacutevel para os estudos sobre Aristoacutefanes O estudo de

Gelzer na deacutecada de 1960 volta agrave discussatildeo trinta anos depois num encontro sobre

Antiguumlidade Claacutessica promovido pela Fundaccedilatildeo Hardt em Genebra (1991) O professor

Gelzer (1991) retoma a questatildeo do agon no trabalho intitulado Feste Strukturen in der

Komoumldie des Aristophanes Trata-se de uma abordagem sobre as estruturas fixas (paraacutebase e

agon) como uma teacutecnica dramaacutetica e ateacute que ponto o poeta as emprega para atingir efeitos

dramaacuteticos que garantam o sucesso da comeacutedia O texto encerra com um debate a respeito do

tema entre Gelzer e outros renomados helenistas como Handley Dover Zimmermann e

Bremer

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 36

O estudo LrsquoΑΓΩΝ dans la trageacutedie grecque de Duchemin (1968) tambeacutem eacute uma

importante contribuiccedilatildeo ao tema O estudo subdivide-se em trecircs partes Na primeira parte haacute

uma tentativa de definiccedilatildeo de agon que eacute estudado fora da trageacutedia os primeiros sentidos da

palavra e como esse termo emprega-se na eacutepica na histoacuteria na filosofia na retoacuterica e na

comeacutedia Na segunda parte inicia-se a pesquisa do agon na trageacutedia com um cataacutelogo das

cenas agoniacutesticas em Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides tanto das peccedilas conservadas quanto das

peccedilas que se conservam fragmentadas No final dessa segunda parte estabelece-se uma

classificaccedilatildeo do agon de acordo com seu lugar na accedilatildeo Na terceira parte discutem-se as

formas do agon a partir do nuacutemero de personagens em seguida enfocam-se as partes do agon

e sua estrutura rhesis principal e secundaacuteria diaacutelogo cortado e esticomitia intervenccedilotildees do

coro introduccedilatildeo ao debate e conclusatildeo depois se estabelecem as estruturas dos discursos de

defesa aos moldes da retoacuterica E em seguida traccedilam-se um estudo da argumentaccedilatildeo uma

anaacutelise do diaacutelogo raacutepido e da esticomitia e o emprego de procedimentos e estilos

discursivos

Depois do estudo de Duchemin (1968) sobre o agon na trageacutedia na deacutecada de

1960 o proacuteximo trabalho importante sobre o agon no gecircnero traacutegico eacute o livro The Agon in

Euriacutepides de Lloyd (1992) os dois primeiros capiacutetulos tratam da natureza e funccedilatildeo do agon e

da influecircncia da retoacuterica da eacutepoca no estilo euripidiano Os capiacutetulos seguintes trazem uma

anaacutelise detalhada de treze agones e seu contexto dramaacutetico Lloyd (1992) tambeacutem estabelece

uma discussatildeo com seus predecessores Duchemin e Strohm

Timothy Long (1972) escreve o artigo Persuasion and the Aristophanic Agon

Para ele o agon eacute uma cena de debate e porque eacute uma discussatildeo e natildeo uma luta corporal ndash

scegravene de bataille segundo Mazon (1904) ndash espera-se que pelo jogo da persuasatildeo haja um

vencedor Long leva em consideraccedilatildeo a posiccedilatildeo do agon na comeacutedia depois do paacuterodo ndash

conforme jaacute havia demonstrado Zielinski (1885 apud GELZER 1960) ndash e apoacutes a paraacutebase ndash

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 37

na diallage segundo Gelzer (1960) Assim sob o ponto de vista da persuasatildeo eacute que se pode

classificar o que eacute agon ou natildeo Na opiniatildeo dele todos os agones aristofacircnicos parecem ter

sido usados epiditicamente Natildeo se trata de influenciar a trama mas pocircr em relevo os

propoacutesitos do poeta sem particular atenccedilatildeo para o efeito dramaacutetico desses propoacutesitos De um

modo geral Long (1972) conclui que o efeito persuasivo do agon em Aristoacutefanes eacute miacutenimo

seu efeito dramaacutetico no sentido de sua capacidade de alterar o curso da accedilatildeo praticamente

natildeo existe Os discursos agoniacutesticos da comeacutedia apenas exacerbam e ridicularizam Seu

propoacutesito eacute menos praacutetico do que aquele de um discurso de orador e na opiniatildeo dele que se

fundamenta no trabalho de Murphy (1938) eacute um equiacutevoco admitir que uma das concepccedilotildees

da natureza de um discurso num epirrema possa ser colorido por uma funccedilatildeo aparente de

agon na comeacutedia

Nas deacutecadas de 1970 e 1980 o estudo do agon manteacutem-se analiacutetico e descritivo

mas propotildee uma outra terminologia19

ao termo agon Dover (1972 p 67) ao discutir a

estrutura e o estilo nas comeacutedias aristofacircnicas apresenta contest20

como uma nova

nomenclatura Uma segunda proposta surge com McLeish (1980 p 51) que ao observar a

forma dramaacutetica refere-se a trecircs estruturas formais o que ele chama de elemento tripartido i)

choral entry ii) the argument iii) the parabasis Estes trecircs termos satildeo concernentes ao que

Zielinski (1885 apud GELZER 1960) jaacute havia levantado a respeito da estrutura meacutetrica

similar entre paacuterodo-agon-paraacutebase Como podemos observar o termo paraacutebase eacute mantido ao

contraacuterio do paacuterodo que se caracteriza pela entrada do coro e do agon que estabelece o jogo

argumentocontra-argumento

19 Neste trabalho evitarei a peculiaridade das palavras Na opiniatildeo de Kowzan (1992 p 8) em sua pesquisa

sobre a semiologia do teatro a profusatildeo terminoloacutegica eacute uma das graves doenccedilas das ciecircncias humanas de

nossa eacutepoca A tendecircncia terminoloacutegica de certos autores chega a tal ponto que eacute impossiacutevel segui-los sem ter

agrave disposiccedilatildeo seu leacutexico pessoal Adotarei o termo agon que a meu ver basta por si mesmo Eacute uma palavra

cujo rigor semacircntico (jogo competiccedilatildeo concurso debate discussatildeo) respeita uma loacutegica interna aleacutem de natildeo soacute ter sido empregado por Aristoacutefanes mas tambeacutem jaacute ser um termo consagrado na criacutetica teatral

encontrando-se dicionarizado (PAVIS 2001 p 11) 20 No texto de Dover (1972 p 67) lecirc-se ―A scene which has this structure is commonly designated nowadays by

the Greek term agon but there is no very good reason for not calling it by the English term contestlsquo

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 38

Sifakis (1992) escreve o artigo The structure of Aristophanic comedy em que se

propotildee estudar as peccedilas aristofacircnicas segundo seu meacutetodo de anaacutelise que eacute trabalhar a

estrutura da comeacutedia como um conjunto de subsistemas interligados A ideacuteia eacute estabelecer a

estrutura narrativa do gecircnero da Comeacutedia Antiga a partir das peccedilas legadas pela tradiccedilatildeo

Aristoacuteteles e Propp (1992) satildeo sua fonte teoacuterica Sifakis (1992 p 131) descreve oito funccedilotildees

cocircmicas que mostram uma similaridade notaacutevel com as 31 funccedilotildees proppianas embora a

sexta funccedilatildeo cocircmica ndash persuasatildeo exercida no debate no caso o agon epirremaacutetico ndash natildeo esteja

entre as funccedilotildees-chave do esquema de Propp (1992)

O estudo mais recente sobre a obra de Aristoacutefanes data do final da deacutecada de 1990

com uma ediccedilatildeo que segue a ordem cronoloacutegica das onze comeacutedias aristofacircnicas traduzida e

comentada por Alan H Sommerstein No volume consagrado agrave comeacutedia Acarnenses

Sommerstein (1998) faz algumas consideraccedilotildees na introduccedilatildeo sobre a diversidade dos

agones i) Vespas eacute um exemplo tiacutepico de agon ii) em quase todos os casos o agon apresenta

para o puacuteblico um debate crucial da peccedila com argumentos de cada lado embora haja

normalmente duras e barulhentas tendecircncias em favor de um lado ou de outro iii) parece ser

uma regra invariaacutevel que no agon o primeiro a falar eacute perdedor final iv) algumas peccedilas natildeo

tecircm agon no seu sentido formal mas em cada caso podemos identificar uma cena que cumpre

uma funccedilatildeo similar Acarnenses vv 490-626 (defesa de Diceoacutepolis para sua paz privada)

Paz vv 459-549 (resgate da Paz) Tesmoforiantes vv 381-530 (a discussatildeo sobre os ―crimes

de Euriacutepides contra as mulheres) v) em Aves e Assembleacuteia natildeo haacute debate mas um jogo de

persuasatildeo por um uacutenico contendor vi) na uacuteltima peccedila Pluto haacute a ausecircncia da divisatildeo em

duas partes cada uma introduzida pelo coro

Essa breve revisatildeo da bibliografia relativa ao agon fica como suporte teoacuterico

conforme os estudos apresentados anteriormente para uma nova abordagem do tema e

tambeacutem auxilia nas anaacutelises dos agones que teratildeo iniacutecio nos proacuteximos capiacutetulos

CAPIacuteTULO I

A CIVILIZACcedilAtildeO DO AGON E A

COMEacuteDIA DE ARISTOacuteFANES

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 40

Esta breve introduccedilatildeo tem o propoacutesito de esboccedilar algumas consideraccedilotildees

preliminares sobre o vocaacutebulo agon cujos significados abrangem os principais campos da

cultura grega da eacutepica agrave histoacuteria agrave filosofia agrave retoacuterica e por fim ao teatro claacutessico

sobretudo na comeacutedia antiga

Ao estudar a etimologia das palavras Benveniste (1995 p 277) escreve que o

grego antigo e outras liacutenguas como latim e sacircnscrito atestam uma heranccedila indo-europeacuteia

comum Trata-se de uma sociedade que foi hierarquizada e estruturada de acordo com trecircs

funccedilotildees fundamentais a do agricultor a do guerreiro e a do sacerdote O vocaacutebulo agon

embora natildeo esteja entre as palavras analisadas pelo autor relaciona-se agraves duas uacuteltimas

funccedilotildees beacutelica e religiosa

Jaacute em Homero 21

eacute encontrado o registro da palavra agon o que testemunha que

se trata de um vocaacutebulo muito antigo que foi empregado num tempo quando a literatura22

ainda era oral Com base na afirmaccedilatildeo de Havelock (1996 p 190) de que o alfabeto grego foi

usado para transcrever o que antes se tinha composto segundo as regras transmitidas

oralmente por meio de teacutecnicas mnemocircnicas eacute de se supor portanto que o vocaacutebulo agon

antes mesmo de fazer parte do registro escrito pertencera a um estaacutegio de oralidade da liacutengua

grega A importacircncia da palavra agon natildeo se refere ao fato originaacuterio de ela ter aparecido num

estaacutegio mnemocircnico da cultura cuja transmissatildeo oral passava de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo e soacute

mais tarde foi incorporada agrave escrita23

Mas o prestiacutegio linguumliacutestico da palavra agon refere-se a

sua permanecircncia desde sempre no leacutexico tornando-se uma palavra-chave da qual se derivou a

21 Os primeiros sentidos da palavra encontram-se na Iliacuteada i) reuniatildeo ou assembleacuteia dos deuses (VII vv 297-

298 XVIII v 376) ii) naus de guerra que navegam em conjunto (XVI v 239) iii) assembleacuteia para jogos

fuacutenebres (XXIII v 258 XXIV v 1) O vocaacutebulo agon aparece 29 vezes em Homero (PERSEUS 2006) 22 Antes de 700 aC a sociedade grega era natildeo-letrada e a transmissatildeo da cultura era oral Nesse contexto estatildeo

inseridos os poemas eacutepicos de Homero que natildeo constituem literatura no sentido moderno do termo diz Havelock (1996 p 244) mas experiecircncia oralmente armazenada de que o conteuacutedo daacute corpo agraves tradiccedilotildees de

um grupo cultural e cuja sintaxe obedece a leis mnemocircnicas por obra das quais essa tradiccedilatildeo eacute conservada e

transmitida 23 A propoacutesito da transcriccedilatildeo alfabeacutetica em Homero cf Havelock (1996 p 163-185)

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 41

expressatildeo civilizaccedilatildeo agoniacutestica24

que traduz o modus vivendi dos gregos e evidencia a noccedilatildeo

de competiccedilatildeo na cultura grega antiga Segundo Chantraine (1999) o vocaacutebulo agon refere-

se originalmente a uma funccedilatildeo religiosa e diplomaacutetica porque Homero o empregou num

contexto religioso Entretanto os jogos fuacutenebres natildeo estatildeo ligados nem a um rito nem a um

santuaacuterio eles cumprem apenas uma homenagem em que homens valorosos se reuacutenem natildeo

como atletas mas como guerreiros e sobretudo como espectadores para prestar honras

fuacutenebres a um dos seus Por extensatildeo agrave imagem de jogos fuacutenebres a palavra agon assume o

sentido de espectador de jogos puacuteblicos e consequumlentemente esse vocaacutebulo passa a designar

arena espaccedilo de confronto luta ou combate corporal25

De acordo com Flaceliegravere (1962 p

38) ao comentar os jogos fuacutenebres em honra de Paacutetroclo esses grandes concursos de forccedila e

habilidade se instituiacuteram por ocasiatildeo de funerais de heroacuteis e de reis E esses jogos foram um

protoacutetipo daqueles que ocorreram mais tarde nos santuaacuterios pan-helecircnicos de Delfos e de

Oliacutempia26

nesta uacuteltima havia uma estaacutetua do deus Agon com halteres em punho

personificando as lutas e os jogos27

Ao longo das comeacutedias de Aristoacutefanes estatildeo empregados vaacuterios vocaacutebulos que

remetem agraves metaacuteforas esportivas No iniacutecio do agon II de Vespas os adversaacuterios satildeo

interpelados como atletas e esse espiacuterito competitivo dos ginaacutesios eacute resgatado pela palavra

γυμνάσιον28 (vv 526-527) que abrange os sentidos exerciacutecio fiacutesico escola de ginaacutestica

ginaacutesio e portanto remete agrave imagem de jogos Em Ratildes antes de comeccedilar o agon entre

Eacutesquilo e Euriacutepides haacute duas passagens que aventam a metaacutefora da competiccedilatildeo A primeira eacute

sugerida pela palavra ἔφεδρος (v 792) que dentre seus significados refere-se ao atleta

reserva No contexto dessa comeacutedia trata-se da personagem Soacutefocles que se mostra pronto

24 Segundo Curtius (1856 apud DEMONT 2005) 25 Iliacuteada (XXIII v 685) e Piacutendaro (Piacuteticas I 44 vv 84-85) 26 A propoacutesito dos Jogos Oliacutempicos e sua universalidade cf Huizinga (1951) 27 Segundo Pausacircnias em Descriccedilotildees da Greacutecia V 26 3 28 Essa palavra tambeacutem pode se referir agrave escola de Pitaacutegoras cf Platatildeo Goacutergias 493 d

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 42

para substituir Eacutesquilo na discussatildeo com Euriacutepides A segunda aparece na palavra πάλαισμα

(v 878) que remetendo aos significados ―movimento de luta ―destreza ―estratagema

sugere a ideacuteia de competiccedilatildeo atleacutetica no debate entre os tragedioacutegrafos Em Cavaleiros na

passagem em que Agoraacutecrito eacute encorajado ao bate-boca com Plafagocircnio verificam-se os

seguintes termos i) προσβολή (vv 387 ss) cujo significado eacute ―ataque ―agressatildeo

―choque ―accedilatildeo de se lanccedilar contra algueacutem ii) ἀλείφω e ἐξολισθαίνω (vv 490 ss) que

significam ―preparar-se para a luta besuntando-se com oacuteleo e ―escapar de um golpe

escorregando respectivamente a metaacutefora construiacuteda com esses dois uacuteltimos vocaacutebulos se

refere ao conselho do coro e do escravo a Agoraacutecrito para que ele unte o pescoccedilo sugerindo a

imagem de preparaccedilatildeo da garganta para poder escorregando escapar das caluacutenias de

Paflagocircnio iii) λαβή (vv 841 847) e κεῖμαι (vv 571 ss) satildeo vocaacutebulos oriundos de um

contexto beacutelico mas por extensatildeo passam a representar metaacuteforas esportivas λαβή significa

―accedilatildeo de pegar ―de atracar ―de agarrar essa imagem sugerida pela palavra λαβή tambeacutem

aparece em Lisiacutestrata (v 671) Nuvens (v 551) e Pluto (vv 487 ss) o verbo κεῖμαι ndash que

significa ―ficar estendido ―deitado ―imoacutevel ndash tambeacutem aparece em Nuvens (vv 126 550)

Aristoacutefanes explora tambeacutem metaacuteforas que se referem agrave corrida como se os

antagonistas fossem atletas que se colocam na linha de partida Essa imagem estaacute presente em

Acarnenses (v 483) quando Diceoacutepolis se auto-encoraja antes de o agon comeccedilar em Vespas

(v 548 ss) em que Filocleatildeo sugere que o ponto de partida de seu discurso no agon traz a

imagem de uma linha de partida de uma corrida e por fim em Cavaleiros (vv 1159-1161)

em que Demos sinaliza o iniacutecio da disputa e (v 1353) em que estaacute empregado o verbo

παρατρέχω com o significado de ―ultrapassagem numa corrida que por extensatildeo toma o

significado de ―abordagem de uma questatildeo

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 43

A palavra agon floresce de fato no seacuteculo V aC e estaacute projetado nos mais

variados campos da cultura grega que se expressa atraveacutes dos discursos a antilogia

(ἀντιλογία) presente na literatura dos historiadores Heroacutedoto e Tuciacutedides na luta eriacutestica

lanccedilada pela sofiacutestica nos exoacuterdios dos oradores na composiccedilatildeo dos dramas em Eacutesquilo

Soacutefocles e Euriacutepides e por fim na comeacutedia de Aristoacutefanes A cada uma dessas aacutereas da

cultura grega o agon reserva uma caracteriacutestica original que corresponde certamente a uma

tendecircncia profunda dessa civilizaccedilatildeo agoniacutestica

Quando referido ao gecircnero dramaacutetico o vocaacutebulo agon remete primeiramente a

uma competiccedilatildeo artiacutestica29

entre coros dramaturgos (510 aC) e atores (450-420 aC) Com o

sentido de concurso teatral o termo agon jaacute eacute empregado no texto aristofacircnico de acordo com

a passagem abaixo

αὐτοὶ γάρ ἐσμεν οὑπὶ Ληναίῳ τrsquoἀγών

estamos soacute entre noacutes no festival das Leneacuteias

Esse excerto aparece na comeacutedia Acarnenses (v 504) e estaacute inserido numa longa

rhesis (ῥσις) de Diceoacutepolis dirigida ao espectador Para aleacutem do contexto dessa comeacutedia

esse verso eacute uma informaccedilatildeo sobre a peccedila que foi encenada no festival das Leneacuteias concurso

dramaacutetico que privilegiava o gecircnero cocircmico

A ideacuteia de competiccedilatildeo artiacutestica remonta aos antecedentes do fenocircmeno teatral que

mais tarde transforma-se numa arte que organizada em festivais de dramaturgia ganha

espaccedilo na vida cultural da polis Gastaram-se muito papel e tinta no afatilde de se explicar a

relaccedilatildeo do agon enquanto disputa com as origens do gecircnero dramaacutetico as quais por sua vez

estatildeo ligadas agrave tradiccedilatildeo do komos cortejo primevo de cunho religioso de onde a comeacutedia

29 Sabe-se atraveacutes de Platatildeo (O Banquete 194 a) que o poeta e os atores subiam sobre um estrado para uma preacute-

apresentaccedilatildeo antes do concurso teatral agon Essa cerimocircnia preliminar chamava-se proagon

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 44

teria procedido30

Apesar das diferentes teses os helenistas satildeo unacircnimes na questatildeo de o

agon se referir a um estaacutegio preacute-dramaacutetico isto eacute performaacutetico desse komos O elemento da

representaccedilatildeo dramaacutetica na opiniatildeo de Cornford (1968 p 30-31) jaacute estava presente desde o

rito religioso com praacuteticas ligadas agrave fertilidade em que se confrontavam os representantes de

forccedilas antagocircnicas como o veratildeo e o inverno a vida e a morte Segundo Adrados (1983 p 87)

devido agrave multiplicidade de funccedilotildees do komos31

primitivo a origem do teatro repousa em

celebraccedilotildees em que se alternam momentos de duelo e alegria Nessas celebraccedilotildees de acordo

com Saiumld Treacutedeacute e Boulluec (1997 p 169) o komos poderia se manifestar de duas maneiras

i) um bando de pacircndegos que mais ou menos embriagados iam de casa em casa e agrave saiacuteda de

cada banquete passeavam pelo vilarejo cantando danccedilando e zombando dos que passavam ii)

a palavra komos designava tambeacutem um tipo de charivari algazarra acompanhada de

violecircncias verbais e agraves vezes fiacutesica (Aristoacuteteles fr 558 Rose) A propoacutesito desses

comportamentos Navarre (1975 p 148-149) baseado em fatos narrados por Heroacutedoto

defende a hipoacutetese de que pouco a pouco essa forma desordenada do komos se disciplinou e

de que desse bate-boca surgiu um concurso com recompensa para o vencedor Na

interpretaccedilatildeo de Pickard-Cambridge (1966 p 156-158) alguma forma de komos aacutetico teria

incluiacutedo um tipo de agon cujo debate concluiacutedo com uma fala teria se desenrolado e se

tornado habitual sem duacutevida na parte satiacuterica e zombeteira da disputa que os primeiros poetas

cocircmicos desenvolveram

30 Aristoacuteteles (Poeacutetica 4 49 a 9-12) declara que a trageacutedia e a comeacutedia nasceram de um princiacutepio de

improvisaccedilatildeo e que a trageacutedia veio dos que conduziam o ditirambo e a comeacutedia dos que conduziam os cantos

faacutelicos Se por um lado nos dias de hoje pode-se ter um estudo mais bem detalhado sobre o ditirambo por

outro se sabe muito pouco sobre os cantos faacutelicos e seu real papel no nascimento da comeacutedia Em seu

princiacutepio a comeacutedia estaacute ligada ao culto de Dioniso agraacuterio em particular a uma de suas formas mais antigas

as Dionisiacuteacas Rurais que se organizavam em torno de uma manifestaccedilatildeo phallophorica em que se

transportavam os phallus siacutembolo de fertilidade e do deus E isso eacute constatado no proacuteprio texto da Comeacutedia Antiga v 261 de Acarnenses o heroacutei Diceoacutepolis apoacutes ter organizado a procissatildeo do phallus anuncia que vai

cantar o phallikon isto eacute um hino faacutelico Segundo Dupont-Roc e Lallot (1980 p 171) essa passagem ilustra

concretamente a ligaccedilatildeo que Aristoacuteteles estabelece entre os cantos faacutelicos e a comeacutedia 31 Sobre os vaacuterios sentidos e interpretaccedilotildees que a palavra komos assume cf Adrados (1983 p 78-82)

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 45

O fato eacute que natildeo se sabe exatamente quando e como se deu a primeira forma

dramaacutetica ainda que proto-performaacutetica nem se tem uma vasta literatura a respeito desses

precursores do gecircnero cocircmico o que exixte satildeo alguns fragmentos e excertos em Aristoacutefanes

(Cavaleiros vv 517 ss) e Aristoacuteteles (Poeacutetica 5 49 b 5-9) Segundo a passagem do texto

aristofacircnico a comeacutedia herdou de Magnes a verve satiacuterica de Cratino a invectiva e de Crates

o refinamento Conforme suposiccedilotildees de Jones (1997 p 326) Magnes teria desenvolvido o

elemento cocircmico do komos que era entatildeo formado por homens fantasiados de animais

Sobre isso a arqueologia felizmente contribui para que se possa ter uma ideacuteia

dessa manifestaccedilatildeo performaacutetica do komos Em vasos e acircnforas aacuteticas que datam por volta do

ano 500 aC estatildeo gravadas figuras humanas que fantasiadas de paacutessaros ou de galos ou de

cavaleiros montados em cavalos avestruzes ou golfinhos e acompanhadas por um flautista

sugerem que se trate de danccedilarinos e cantores Pickard-Cambridge (1966 p 152) comenta a

possibilidade de esses objetos arqueoloacutegicos serem anteriores agrave performance mais antiga da

comeacutedia que data de 486 aC E ainda dessas pinturas pode-se ter uma noccedilatildeo da natureza

preacute-dramaacutetica desse komos representaccedilatildeo danccedila e canto Eacute dessa evidecircncia que na suposiccedilatildeo

de Pickard-Cambrigde (1966 p 159) a primeira forma de agon seria de um combate de

canccedilotildees solo para se ver quais dos participantes cantaria melhor A esse respeito Duchemin

(1969 p 252) escreveu um artigo sobre canccedilotildees populares e agraacuterias sobretudo na Siciacutelia

que teriam formas aparentadas ao agon dramaacutetico e levantou a hipoacutetese de que a forma de

literatura oral chamada ―cantos alternados32

parece ter sido uma das formas mais

elementares e mais arcaicas Esses cantos alterados teriam sido uma praacutetica pastoral33

individual que com o tempo transformou-se num concurso o que a autora chama de agon

pastoral Na opiniatildeo dela (DUCHEMIN 1969 p 258) estaacute claro que esse tipo de disputa

cantada se dirige progressivamente para o teatro e que tenha sido a primeira forma na

32 O termo teacutecnico francecircs para esses cantos alternados eacute ameacutebeacutees e corresponde ao termo portuguecircs amebeu 33 Em nossa cultura a ideacuteia de ―cantos alternados pode a meu ver ser resgatada no entanto em nossa literatura

de cordel com a praacutetica repentista

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 46

execuccedilatildeo de formas arcaicas ou arcaizantes do teatro popular mais proacuteximo aliaacutes da

comeacutedia do que da trageacutedia

A funccedilatildeo do coro nesse komos parece portanto levar agrave natureza performaacutetica do

agon Em seu estudo Pickard-Cambridge (1966 p 161-162) propotildee trecircs situaccedilotildees i) coro e

exarkon ii) coro e antagonista iii) dois semi-coros cada um com seus exarkontes No

primeiro caso coro e exarkon o coro estabelece um combate verbal contra seu proacuteprio liacuteder

fato este que natildeo ocorre em nenhuma das comeacutedias conhecidas de Aristoacutefanes A segunda

situaccedilatildeo coro e antagonista pode ser ilustrada no agon de Tesmoforiantes em que Mnesiacuteloco

discute com o coro feminino e tambeacutem em Acarnenses em que Diceoacutepolis enfrenta o coro de

acarnenses E por uacuteltimo dois coros cada um com seu exarkon eacute uma situaccedilatildeo encontrado em

Lisiacutestrata em que haacute o confronto de dois semi-coros sexualmente opostos

As investigaccedilotildees sobre a importacircncia de um coro nesse komos tecircm implicaccedilotildees na

estrutura da comeacutedia e suas seccedilotildees fixas em que o coro eacute atuante Zielinski (1885 apud

GELZER 1960 p 2-10) demonstrou que o paacuterodo o agon e a paraacutebase seriam uma

reminiscecircncia do episoacutedio essencial do komos Navarre (1975 p 150-151) relaciona tambeacutem

o paacuterodo e o ecircxodo agraves evoluccedilotildees barulhentas e movimentadas de canto e danccedila dos komastai

na sua chegada e na sua partida respectivamente Segundo ele ainda ao komos a comeacutedia

deve quatro de seus elementos principais paacuterodoecircxodo agon e paraacutebase que juntos

formariam o germe do drama34

No exame de Pickard-Cambridge (1966 p 148-150) a forma

do agon estaacute mais sujeita agrave alteraccedilatildeo do que a forma da paraacutebase35

E por esse motivo

provavelmente a forma epirremaacutetica pertenceu originalmente agrave paraacutebase e depois teria sido

transferida ao agon Deve-se admitir que natildeo haacute uma evidecircncia direta da existecircncia de um

34 Haacute a hipoacutetese de que o komos outrora ambulante passa a um local fixo mantendo canto e danccedila no ritmo do

ditirambo e daiacute surgiria o teatro Eacute dessa uacuteltima fase que teria saiacutedo a comeacutedia Mas natildeo eacute tatildeo simples assim

adverte Navarre (1975 p 148) A comeacutedia aacutetica eacute uma combinaccedilatildeo de doses desiguais natildeo apenas do komos

aacutetico mas tambeacutem da farsa peloponesa da comeacutedia siciliana e da trageacutedia A cada um desses gecircneros ela deve alguma de suas formas

35 A paraacutebase modelo eacute composta por duas subdivisotildees i) a parte simples ou natildeo composta ii) siziacutegia

epirremaacutetica ou parte coordenada A primeira inclui kommaacutetion anapestos pnigos A segunda que eacute tambeacutem

comum agrave forma do agon inclui a siziacutegia epirremaacutetica

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 47

komos que explique as partes epirremaacuteticas da comeacutedia Mas a constataccedilatildeo de uma forma

como a da estrutura triacuteplice paacuterodoagonparaacutebase cujas formas riacutetmicas precisas recorrem a

uma meacutetrica determinada e tambeacutem a da estrutura do ecircxodo pode ser tomada como

evidecircncia de que houve um modelo similar de komos

Zielinski (1885 apud GELZER 1960) num trabalho muito original e fecundo

identificou a siziacutegia epirremaacutetica36

Trata-se de uma estrutura em que se alternam passagens

cantadas e recitadas que estatildeo simetricamente duplicadas Eacute a siziacutegia epirremaacutetica que daacute o

tom ao agon como princiacutepio agoniacutestico isto eacute um confronto verbal O agon passa entatildeo a

caracterizar uma situaccedilatildeo cecircnica primeiramente na trageacutedia em que ocorre o chamado

princiacutepio agoniacutestico ou seja uma relaccedilatildeo conflitante protagonizada numa dialeacutetica de

discursoresposta (PAVIS 2001 p 11) Essa altercaccedilatildeo teve desdobramentos na comeacutedia e o

termo agon passa a nomear uma seccedilatildeo da estrutura cocircmica

O gosto cada vez mais acentuado dos atenienses pelos processos nos oferece uma

vasta literatura que influenciou o teatro num jogo discursivo de ataque e defesa Se por um

lado uma parte dos argumentos era prevista e o contendor podia preparar suas respostas

sabendo de cor seus desenvolvimentos por outro podemos supor que uma outra parte era

improvisada Esse vai-e-vem discursivo na opiniatildeo de Duchemin (1968 p 13) devia

aumentar o interesse dramaacutetico Essa reciprocidade entre teatro e retoacuterica37

pode ser

demonstrada nas cenas traacutegicas de debate que tecircm um sentido equivalente aos processos

judiciaacuterios atenienses A trageacutedia e a comeacutedia que satildeo formas de comunicaccedilatildeo social

manifestam em seus textos alicerccedilados numa estrutura agoniacutestica o uso racional e loacutegico dos

recursos retoacutericos E a cena eacute a grande oportunidade para o desenvolvimento da retoacuterica que

ocupou no periacuteodo claacutessico o centro da vida puacuteblica de Atenas

36 Cf item 2 infra do capiacutetulo anterior 37 Essa forte relaccedilatildeo entre retoacuterica e teatro tambeacutem foi assunto no Goacutergias de Platatildeo (502d) Um estudo

interessante sobre a retoacuterica em Aristoacutefanes pode ser encontrado no artigo de Murphy (1938)

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 48

Com o advento da sofiacutestica38

por volta de 450 aC o agon estaacute projetado na luta

eriacutestica39

lanccedilada por Protaacutegoras Trata-se de um meacutetodo dito τέχνη ἐριστική ―a arte de

discutir O objetivo desse meacutetodo eacute confundir o adversaacuterio levando-o agrave contradiccedilatildeo e ser

capaz de manter indiferentemente os dois pontos de vistas opostos Duchemin (1969 p 247)

diz que os grandes poetas de trageacutedia atenienses como Soacutefocles e Euriacutepides quiseram igualar-

se a Protaacutegoras e a seus seguidores e por isso tiveram de aprender com eles a suprema

virtuosidade40

No caso da obra de Euriacutepides cujas peccedilas se compotildeem de uma arte dialeacutetica

bastante depurada a influecircncia da sofistica nos agones euripidianos segundo Lloyd (1992 p

13) evoca uma variedade de situaccedilotildees da vida ateniense do seacuteculo V em que os logoi se

disputavam mutuamente Euriacutepides e Aristoacutefanes que foram contemporacircneos assimilaram

amplamente essa cultura agoniacutestica em suas peccedilas o que explica uma contaminatio entre

gecircneros colocando em evidecircncia similitudes entre os dois poetas E devido agrave natureza

engajada da comeacutedia o movimento sofiacutestico e Euriacutepides foram alvo da verve cocircmica do

poeta41

Neste estudo natildeo se trata de estabelecer quanto agrave forma uma comparaccedilatildeo dos

agones de ambos os dramaturgos pois a estrutura formal do agon na comeacutedia eacute proacutepria a esse

gecircnero Mas quanto ao conteuacutedo podemos traccedilar como ilustraccedilatildeo um espelhamento42

de

ambos e ter uma dimensatildeo da influecircncia da obra de Euriacutepides na comeacutedia aristofacircnica

Se a natureza da comeacutedia eacute revelar um mundo agraves avessas Aristoacutefanes soube fazer

grande uso de um recurso bastante eficaz nesse sentido - a paroacutedia Em Acarnenses

Diceoacutepolis caracteriza-se de Teacutelefo heroacutei de uma trageacutedia de Euriacutepides de mesmo nome

38 Para um estudo aprofundado sobre a sofiacutestica e os sofistas cf Guthrie (1995) 39 Com base na observaccedilatildeo de Navarre (1975) - que interpreta a eriacutestica eacute filha legiacutetima ainda que degenerada

da dialeacutetica - Duchemin (1968 p 15-16) acrescenta que a diferenccedila entre a dialeacutetica e a eriacutestica eacute que esta eacute justamente a deformaccedilatildeo daquela Originariamente a dialeacutetica designa o gecircnero de discussatildeo que tem o

procedimento atraveacutes de perguntas e respostas e o exame da questatildeo ocorre ao longo de um diaacutelogo entre os

dois interlocutores 40 Segundo Dioacutegenes Laeacutercio (IX 54) a primeira obra de Protaacutegoras Sobre os deuses ndash περῖ θεῶν ndash teria sido

lida na casa de Euriacutepides A propoacutesito de Euriacutepides ter sido disciacutepulo do sofista Proacutedico cf Romilly (1995) 41 Um artigo interessante sobre Aristoacutefanes e a sofiacutestica eacute de Petruzzellis (1957 p 45-61) 42 Empregamos esse termo porque assim como o espelho reflete uma imagem invertida assim o faz a comeacutedia

por meio da paroacutedia em relaccedilatildeo agrave trageacutedia

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 49

Essa personagem tragicocircmica vai estar presente na cena preparatoacuteria do agon e na cena de

quasi-agon No proagon assim como Teacutelefo que disfarccedilado de mendigo deve convencer de

sua causa os chefes gregos Diceoacutepolis faz exatamente o mesmo diante do coro de acarnenses

E no quasi-agon quando Diceoacutepolis estaacute frente a frente com seu rival Lacircmacos o contraste

de figurinos eacute um recurso cocircmico bastante eficiente De um lado Diceoacutepolis-Teacutelefo

maltrapilho de outro Lacircmacos garrido em penachos Dois anos depois de Acarnenses

Aristoacutefanes em Nuvens (423 aC) volta a se referir a Euriacutepides como o poeta que corrompe a

juventude (vv 1371-1376)

Uma outra evidecircncia de similaridade entre os agones da trageacutedia euripidiana e da

comeacutedia aristofacircnica estaacute em Vespas comeacutedia que melhor representa esse tipo de agon Tanto

Duchemin (1968 p 129) quanto Lloyd (1992 p 13) comentam que o julgamento eacute um tema

frequumlente nos agones euripidianos Quanto ao conteuacutedo portanto o agon pode se tornar um

processo aos moldes judiciais Tudo indica que essa categoria de agon-processo influenciou

Aristoacutefanes

O antagonismo bem marcado de dois pontos de vista eacute segundo Duchemin (1968

p 131) emblemaacutetico na obra de Euriacutepides Sob essa perspectiva podemos considerar o agon

de cinco comeacutedias Em Cavaleiros Agoraacutecrito e Paflagocircnio vatildeo se enfrentar na Assembleacuteia

diante de Demo o Povo Trata-se do segundo agon da comeacutedia que se divide em trecircs

momentos duelo de bajulaccedilatildeo num jogo de adulaccedilatildeo e lisonja duelo de oraacuteculos e um debate

no campo da arte culinaacuteria Em Nuvens o antagonismo eacute evidente em duas instacircncias

primeiramente nas defesas dos Raciociacutenios Justo e Injusto no que se refere agrave nea-paideia e

archaia-paideia respectivamente e tambeacutem no segundo agon entre pai e filho em que eacute claro

o choque de geraccedilotildees Em Tesmoforiantes Euriacutepides eacute novamente uma personagem

preocupada com sua reputaccedilatildeo artiacutestica diante das mulheres que sentindo-se ultrajadas por

causa da maacute iacutendole das personagens femininas euripidianas se reuacutenem para celebrar a festa

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 50

das Tesmofoacuterias e deliberar uma puniccedilatildeo ao poeta O agon ocorre em plena assembleacuteia de

um lado o queixume do mulheril de outro o parente de Euriacutepides disfarccedilado com trajes

femininos advoga em favor do poeta Nessa cena do agon Aristoacutefanes novamente parodia43

uma cena euripidiana de Teacutelefo Em Ratildes a tekhne dramaacutetica entre dois estilos distintos de

poetas estaacute em discussatildeo Euriacutepides mais uma vez eacute personagem e vai disputar com Eacutesquilo o

assento da trageacutedia Em Pluto o antagonismo estaacute presente no projeto de Crecircmilo que espera

curar a cegueira de Pluto o deus da Riqueza e consequumlentemente banir Penia alegoria da

Pobreza da Greacutecia Em sua defesa Penia demonstra que ela eacute um bem para os gregos

Ao contraacuterio do antagonismo bem marcado Duchemim (1968 p 221-222)

comenta tambeacutem a categoria dos diaacutelogos com movimentos uniformes em alguns agones

euripidianos Esse tipo de diaacutelogo em que o movimento uniforme estaacute presente do comeccedilo ao

fim ocorre porque a personagem que conduz o jogo discursivo eacute a mesma Nessa categoria

destacam-se quatro comeacutedias Paz Aves Lisiacutestrata e Assembleacuteia de mulheres Isso porque os

agones dessas peccedilas satildeo classificados como uma ―demonstraccedilatildeo unilateral conforme

escreve Navarre (1911 p 253) ―[] dlsquoagones qui servent non agrave une discussion

contradictoire mais agrave une deacutemonstration unilateacuterale meneacutee par un seul personage

Aplicando a reflexiccedilatildeo de Navarre de que certos agones natildeo se prestam a uma discussatildeo

bilateral mas a uma demonstraccedilatildeo unilateral conduzida por uma uacutenica personagem

passemos agraves comeacutedias em questatildeo Em Paz quem conduz esse jogo eacute Trigeu em Aves eacute

Pisetero em Lisiacutestrata eacute Lisiacutestrata e em Assembleacuteia de mulheres eacute Praxaacutegora

Assim quanto ao conteuacutedo todas as comeacutedias conhecidas de Aristoacutefanes

conforme citadas acima sugerem similitudes com os agones euripidianos E a estreita relaccedilatildeo

no campo estiliacutestico entre ambos os poetas foi assunto de opiniotildees diversas a respeito de

43 Numa situaccedilatildeo de aporia o Parente simula o sequumlestro de um odre de vinho assim como o heroacutei traacutegico

Teacutelefo tomou Orestes ainda crianccedila como refeacutem

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 51

Aristoacutefanes ter ou natildeo Euriacutepides na mais alta estima44

Para Guthrie (1995 p 50) Aristoacutefanes

via nas ideacuteias sofiacutesticas um sintoma de decliacutenio Isso porque os dramas euripidianos que

tratavam de adulteacuterios incestos jogos de palavras etc vinham dessa nova ciecircncia Em

revanche na opiniatildeo de Murray (1933 p 107-108) Aristoacutefanes era certamente fascinado pela

poesia euripidiana Esse testemunho pode ser encontrado em Cratinos (fr 307)45

que ao se

referir a Aristoacutefanes cria o termo euripidaristophaniacutezon46

Interpreto que a presenccedila de Euriacutepides em Aristoacutefanes eacute um traccedilo artiacutestico que

reforccedila a forccedila inventiva da verve cocircmica do poeta nas composiccedilotildees de seus agones tatildeo ricos

em diversidade formal e temaacutetica quanto os agones euripidianos Ambos colocaram em cena

os problemas da polis e do cidadatildeo e tiveram plena vivecircncia de uma vida poliacutetica ateniense

baseada em discursos e argumentos

44 E no que concerne agrave questatildeo Aristoacutefanes e Euriacutepides Snell (1994) discute sob o ponto de vista de trecircs grandes

filoacutesofos ndash Herder Schegel e Nietzsche ndash ateacute que ponto Aristoacutefanes eacute criacutetico ferino de Euriacutepides 45 Lecirc-se em Cratinos τίς δὲ σὺ κομψός ndash πᾶς ἄν τις ἔροιτο θεατής ndash ὑπολεπτολόγος γνωμοδιώκτης

Εὐριπιδαριστοφανίζων Voelke (2004 p 119) comenta que os dois adjetivos que precedem o particiacutepio ndash

ὑπολεπτολόγος que significa ―uma linguagem por demais sutil e γνωμοδιώκτης que significa ―caccedilador

de foacutermulas ndash sugerem um parentesco estiliacutestico 46 Na tentativa de traduccedilatildeo desse termo propotildee-se euripidaristofanizar

CAPIacuteTULO II

AGONES MODELARES

CAVALEIROS NUVENS VESPAS E RAtildeS

(AGON(ES) INSERIDOS(S) NUM COMPLEXO AGONIacuteSTICO)

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

53

1 O agon em Cavaleiros47

a disputa a galope

Em Cavaleiros a unidade de accedilatildeo eacute bem marcada O proacutelogo anuncia e prepara a

accedilatildeo que se direciona para um enfrentamento que vai se desenrolar em vaacuterios outros

confrontos Do proacutelogo ao ecircxodo a accedilatildeo se desenvolve numa constante tensatildeo que por sua

vez conduz a uma contenda progressiva cujo assunto eacute construiacutedo por uma metaacutefora

dominante a da culinaacuteria A peccedila toda eacute praticamente um imenso agon (THIERCY 2007 p

108)

Em sua estrutura haacute dois agones que satildeo seccedilotildees-chave no desenvolvimento da

fabulaccedilatildeo cuja accedilatildeo eacute projetada num constante conflito entre as duas personagens principais

Paflagocircnio e Agoraacutecrito aleacutem da participaccedilatildeo de um dos escravos e do coro que cede nome agrave

comeacutedia O primeiro agon eacute subsequumlente ao paacuterodo e o segundo ocorre entre as duas

paraacutebases

O diaacutelogo entre os dois escravos no proacutelogo expotildee a intriga da peccedila que eacute

descobrir um meio de dar um xeque-mate em Paflagocircnio que sendo o terceiro escravo da casa

e dotado de muita astuacutecia sobretudo no falar logra o patratildeo Demo

Δη οὗτος τῆ προτέρᾳ νουμηνίᾳ

ἐπρίατο δοῦλον βυρσοδέψην Παφλαγόνα

πανουργότατον καὶ διαβολώτατόν τινα (vv 43-45)

Demoacutestenes ele [Demo] na lua nova passada comprou um escravo paflagocircnio de origem e curtidor de profissatildeo

um tipo patife e caluniador ao extremo

47 Cavaleiros (425 aC) apresentam-se como uma potente comeacutedia poliacutetica de invectiva pessoal em que

Aristoacutefanes critica o demagogo Cleatildeo e a poliacutetica da eacutepoca O poeta natildeo faz uma investida direta mas cria uma engenhosa narrativa alegoacuterica tatildeo eficiente que natildeo restaraacute duacutevida ao espectador de que a casa eacute Atenas

o senhor dela eacute Demo representando o povo ateniense e os escravos que trabalham para ele representam os

estrategos Demoacutestenes Niacutecias e Cleatildeo Este eacute chamado na peccedila de Paflagocircnio adversaacuterio agrave altura do heroacutei

cocircmico salsicheiro de profissatildeo frequumlentador da aacutegora que atende pelo nome de Agoraacutecrito

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

54

Fartos da condiccedilatildeo desfavorecida em que vivem por causa de Paflagocircnio os

escravos procuram por meio da consulta ao oraacuteculo dar um basta nessa situaccedilatildeo Segundo o

oraacuteculo a queda de Paflagocircnio depende da ascensatildeo de um outro igualmente dotado de

astuacutecia

Δη κρατεῖν ἔως ἕτερος ἀνὴρ βδελυρώτερος

αὐτοῦ γένοιτο (vv 134-135)

Demoacutestenes haacute de governar ateacute que um outro homem mais safado

que ele apareccedila

Nessas passagens o emprego dos graus dos adjetivos πανουργότατον

διαβολώτατόν e βδελυρώτερος evidencia a sagacidade da personagem o que outorga a

Paflagocircnio a funccedilatildeo poneros Portanto somente algueacutem tambeacutem dotado de poneria estaria em

condiccedilotildees de igualdade para enfrentaacute-lo Por causa de um quumliproquoacute na interpretaccedilatildeo oracular

(vv 195-202) os dois escravos se vecircem diante do candidato perfeito para tal empresa Trata-

se de um salsicheiro maroto de nome Agoraacutecrito cuja etimologia ndash ―o que domina a aacutegora ndash

delega a ele habilidade retoacuterica suficiente para vencer qualquer discussatildeo o que tambeacutem

confere agrave personagem a funccedilatildeo poneros (McLEISH 1890 p 55)

Δη ὁτιὴ πονηρός κὰξ ἀγορᾶς εἶ καὶ θρασύς (v 181)

Demoacutestenes porque vocecirc eacute canalha filho da aacutegora e tambeacutem atrevido

Assim a poneria vai pocircr agrave prova os dois rivais que vatildeo medir forccedilas em

ἀλαζονεία (embuste) βδελυρία (safadeza) ἀναιδεία (descaramento) πανουργία

(patifaria) (WHITMAN 1964 p 89 THIERCY 2007 p 248)

A entrada do coro de Cavaleiros define a narrativa dramaacutetica da comeacutedia uma vez

que o coro estaraacute presente nos sucessivos confrontos que jaacute tecircm iniacutecio no final do paacuterodo

ἀλλrsquoἐὰν μέντοι γε νικᾷς τῆ βοῆ τήνελλος εἶ

ἥν δrsquoἀναιδείᾳ παρέλθῃ σrsquo ἡμέτερος ὁ πυραμοῦς (vv 276-277)

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

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mas se vocecirc conseguir realmente vencecirc-lo no berroeacute aclamado vencedor ―hurra

mas se ele ultrapassar vocecirc em descaramento papamos a vitoacuteria

Apoacutes essas palavras do coro no final do paacuterodo ocorre o primeiro confronto entre

Agoraacutecrito e Paflagocircnio Natildeo se trata ainda de uma discussatildeo em que as partes vatildeo expor seus

pontos de vista mas de um enfrentamento cuja natureza eacute ganhar no grito

Αλ Τριπλάσιον κεκράξομαί σου

Πα Καταβοήσομαι βοῶν σε (vv 285-286)

Ag Trecircs vezes mais do que vocecirc eu vou gritar

Pa E eu berrando vou ganhar de vocecirc no grito

Isso gera um momento particularmente tenso da accedilatildeo que se desenvolve sob a

forma da esticomitia48

(vv 284-299) troca verbal bastante raacutepida cujo conteuacutedo se restringe

agraves provocaccedilotildees e agraves fanfarronices entre os rivais evidenciando a disputa de ambos ao meacuterito

da canalhice Paflagocircnio confessa seu lado biltre ndash ὁμολογῶ κλέπτειν (v 296) ndash enquanto

Agoraacutecrito atenta que fez escola na aacutegora ndash ἐν ἀγορᾷ κἀγὼ τέθραμμαι (v 293) O coro

tambeacutem se manifesta reforccedilando sua aversatildeo a Paflagocircnio que eacute injuriado de μιαρὲ καὶ

βδελυρὲ (soacuterdido e safado v 304) Pickard-Cambridge (1966 p 215) cogita que esse final

de paacuterodo tenha a funccedilatildeo de um proagon De fato desde o paacuterodo a accedilatildeo se desenrola numa

sequumlecircncia pelejadora que aleacutem de caracterizar um paacuterodo-agoniacutestico se manteacutem ancorada na

seccedilatildeo seguinte ao paacuterodo o primeiro agon da peccedila

Assim o agon I tem na conexatildeo entre as seccedilotildees da estrutura de Cavaleiros uma

posiccedilatildeo de prolongamento da accedilatildeo ofensiva ocorrida no paacuterodo49

(vv 242-332) Eacute sem

interrupccedilatildeo que do ponto de vista do conteuacutedo esse agon se liga agrave disputa precedente e

conduz agrave accedilatildeo principal gerando uma sucessatildeo de contendas Portanto do ponto de vista do

48 MacDowell (1995 p 98) natildeo concorda com a ediccedilatildeo de Sommerstein e Mastromarco de quebrar a esticomitia

atribuindo o v 298 a Agoraacutecrito e v 299 a Paflagocircnio 49 Gelzer (1960 p 37) e Moumlllendorff (2002 p 88) classificam o agon I de Cavaleiros como agon epirremaacutetico

apoacutes o paacuterodo E para Pickard-Cambridge (1966 p 215) esse final de paacuterodo cumpre a funccedilatildeo de um

proagon

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

56

conteuacutedo esse agon I jaacute comeccedila no final do paacuterodo porque a ode que estaacute dividida e

intercalada por um proepirrema50

marca a transiccedilatildeo do teacutermino de uma seccedilatildeo ndash o paacuterodo ndash e

o iniacutecio de outra ndash o primeiro agon Na primeira parte da ode (vv 303-312) o coro manteacutem os

insultos a Paflagocircnio ateacute o momento do confronto com Agoraacutecrito Segundo Sommerstein

(1997a p 159) o metro empregado eacute o criacutetico peocircnio Pelo proacuteprio nome trata-se de um

metro originaacuterio do peatilde que era um canto destinado a encorajar os soldados (LAVEDAN

1931 p 734-735) Certamente Aristoacutefanes empregou tal metro para dar continuidade agrave

agitaccedilatildeo dos Cavaleiros na cena do paacuterodo Natildeo havendo mudanccedila no percurso da accedilatildeo que

se manteacutem em movimento contiacutenuo verifica-se nesse tipo de agon poacutes-paacuterodo uma extensatildeo

temaacutetica enquadrada numa nova forma no caso a siziacutegia epirremaacutetica marca do agon

epirremaacutetico Natildeo haacute dificuldade de classificaacute-lo como agon (vv 303-460) porque sua forma

regular contempla todas as partes abaixo discriminadas

ode (vv 303-332) antode (vv 382-406)

katakeleusmos (vv 333-334) antikatakeleusmos (vv 407-408)

epirrema (vv 335-366) antepirrema (vv 409-440)

pnigos (vv 367-381) antipnigos (vv 441-456)

sphragis (vv 457-460)51

Quanto ao conteuacutedo no entanto a disputa natildeo se caracteriza como uma discussatildeo

eriacutestica A natureza dessa querela eacute ―ganhar no grito onde se esperaria uma oposiccedilatildeo de

argumentos tem-se um contraste de vozes que se sobrepotildeem Haacute quatro personagens

envolvidos Paflagocircnio Agoraacutecrito Escravo Coro52

que se lanccedilam livremente no bate-boca

cujo assunto eacute saber quem entre Agoraacutecrito e Paflagocircnio eacute o mais haacutebil na arte da

embromaccedilatildeo

Tal conteuacutedo que eacute mostrar o mau caraacuteter de ambos os litigantes perpassa toda a

forma A ode eacute uma resposta do coro ao uacuteltimo xingamento desferido por Paflagocircnio que

50 Seguindo a divisatildeo proposta por Mazon (1904 p 38) ode A vv 303-313 proepirrema vv 314-321 ode Alsquo

vv 322-332) 51 Gelzer (1960 p xii) natildeo considera a sphragis Estamos levando em conta a demarcaccedilatildeo de Pickard-Cambridge

(1966 p 215) e Mazon (1904 p 48) 52 O coro estaacute sendo considerado um ator coletivo que participa da disputa com as estrofes da ode

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

57

interrompe o canto coral Nessa interrupccedilatildeo haacute primeiramente a manifestaccedilatildeo de Paflagocircnio

em seguida o pronunciamento de Agoraacutecrito e depois o aparte jocoso do escravo cuja

funccedilatildeo bomolochos o caracteriza como um co-orador Esse conjunto de trecircs falas compreende

o proepirrema em prosa (vv 314-321) Segundo Gelzer (1960 p 43) em Cavaleiros a

inserccedilatildeo de versos falados na ode proveacutem do conteuacutedo Eacute com surpresa que Paflagocircnio

interrompe o coro e um proepirrema na ode corresponde para Gelzer a um verdadeiro chiste

dramaacutetico

No katakeleusmos o corifeu passa a palavra a Agoraacutecrito para que mostre que a

boa educaccedilatildeo de nada serve (vv 333-334) No epirrema Agoraacutecrito expotildee a proacutetase de seu

discurso que comeccedila pela desmoralizaccedilatildeo do adversaacuterio (v 335) Dessa maneira o tom da

discussatildeo eacute fixado nas provocaccedilotildees ao inveacutes de um confronto de ideacuteias Paflagocircnio por sua

vez se lanccedila na discussatildeo reclamando sua prioridade de falar (vv 336-341) O assunto que eacute

construiacutedo pela metaacutefora da culinaacuteria desenvolve-se de acordo com as prerrogativas de cada

adversaacuterio (vv 342-360) E assim a querela se realccedila pelo jogo da esticomitia (vv 361-381)

nas invectivas grosseiras

A simetria entre as partes desse agon I se manteacutem na antode que eacute tambeacutem

intercalada por um antiproepirrema53

Na antode o coro demonstra toda admiraccedilatildeo pelo

palavreado de Agoraacutecrito a ponto de no antikatakeleusmos natildeo conclamar Paflagocircnio agrave fala

embora ele tome a palavra declarando-se invenciacutevel (vv 409-410) A partir daiacute (vv 411-440)

os adversaacuterios se vangloriam da vida que levaram de acordo com a escola da patifaria Na

sequumlecircncia o bate-boca caminha ao estilo da esticomitia num jogo discursivo sob a metaacutefora

da culinaacuteria (vv 441-456) No antepirrema as provocaccedilotildees se estendem ateacute o antipnigos

reforccedilando o quanto Agoraacutecrito eacute de fato bom de laacutebia E pela segunda vez o coro elogia a

astuacutecia do salsicheiro mostrando na sphragis as vantagens do heroacutei sobre seu rival

53 De acordo com a distribuiccedilatildeo feita por Mazon (1904 p 38) antode A vv 382-390 antiproepirrema vv 391-

396 antode Arsquo vv 397-406

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58

A natureza agressiva desse primeiro agon eacute decorrecircncia da accedilatildeo ofensiva gerada

no paacuterodo com a entrada do coro formado por cavaleiros que gozando de um status-quo

elevado socialmente tecircm nessa comeacutedia a funccedilatildeo spoudaios O coro representa um papel

bem definido de mediador nas discussotildees mas sem imparcialidade porque eacute um partidaacuterio

incondicional do heroacutei cocircmico Natildeo eacute sem propoacutesito que Aristoacutefanes escolheu representar os

membros da cavalaria ateniense pois fatos histoacutericos denunciam que havia uma animosidade

entre Cleatildeo e a cavalaria de Atenas o que veio a calhar para o poeta que tambeacutem tinha suas

divergecircncias com o demagogo

Nas partes epirremaacuteticas os assaltos entre os adversaacuterios tornam-se evidentes na

medida em que as agressotildees verbais culminam numa agressatildeo fiacutesica marcada pela interjeiccedilatildeo

ἰού (v 451) aleacutem do encorajamento inflamado do escravo (vv 453-456) que na funccedilatildeo

bomolochos proporciona um tempero cocircmico a mais para a cena

Apoacutes o primeiro agon segue-se a paraacutebase I e uma cena de transiccedilatildeo (vv 461-

497) muito peculiar que chama a atenccedilatildeo pelo seu conteuacutedo agoniacutestico Paflagocircnio decide

levar a disputa diante do Conselho Tal enfrentamento ocorre fora de cena portanto no

espaccedilo extracecircnico54

Agoraacutecrito faz uma narrativa detalhada (vv 624-682) dessa disputa da

qual sai vitorioso Essa cena (vv 611-691) comeccedila com a forma de um agon Na ode o coro

encoraja Agoraacutecrito a falar e uma vez que Paflagocircnio estaacute ausente cabe ao pronunciamento

do heroacutei um uacutenico epirrema

54 Empregamos o termo extracecircnico com o sentido mais amplo possiacutevel Para um estudo aprofundado sobre o

assunto veja Rhem (2002 apud ROSA 20042005) Ubersfeld (2005) e Pavis (2001) De acordo com Rhem

(2002 apud ROSA 20042005 p 102-103) haacute seis categorias para o espaccedilo teatral espaccedilos teatral cecircnico

extracecircnico distante auto-referencial ou metateatral e por fim reflexivo Pavis (2001 p 132-138) tambeacutem estabelece seis categorias todavia nenhuma delas como espaccedilo extracecircnico Para esse autor haacute sempre riscos

teorizar sobre o espaccedilo no teatro mas propotildee as seguintes categorias espaccedilos dramaacutetico cecircnico cenograacutefico

ou teatral luacutedico ou gestual textual e interior Jaacute Ubersfeld (2005 p 113-116) discute os paradigmas

espaciais segundo os conceitos cecircnico e extracecircnico

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59

Χο ὦ καλὰ λέγων πολὺ δrsquoἀ-

μείνονrsquoἔτι τῶν λόγων

ἐργασάμενrsquo εἴθrsquoἐπέλθοις

ἅπαντά μοι σαφῶς (vv 617-619)

Co oacute vocecirc que eacute bom de laacutebia e que bem melhor ainda que suas palavras

foi batalhador que se aproxime

para me contar com clareza tudinho

Αλ καὶ μὴν ἀκοῦσαί γrsquoἄξιον τῶν πραγμάτων (v 625)

Ag E vale a pena ouvir os fatos

Assim Agoraacutecrito inicia sua narrativa triunfante de aproximadamente sessenta

versos (vv 625-682) e no final o Conselho o reconhece vitorioso com elogios e hurras

Αλ οἱ δrsquoὑπερεπῄνουν ὑπερεπύππαζον τέ με (ν 680)

Ag eles me elogiavam aleacutem da conta e me aclamavam

Como bem observaram Jong Nuumlnlist e Bowie (2004 p 282) ateacute essa passagem a

accedilatildeo em Cavaleiros tem uma seacuterie de cenas de confronto com discursos curtos e falas raacutepidas

Isso se confirma pelas esticomitias que apontamos anteriormente Percebe-se que a presenccedila

de uma cena de natureza narrativadescritiva desacelera a accedilatildeo que passa a ser um relato

cronoloacutegico dos fatos ligados por marcas temporais (ὁτε δή v 632 κᾆτα v 640 ou κᾆθrsquo

v 665 κἀγω v 647 e κἄγωγrsquo v 658 ἐπειδή γrsquo v 671 ἔπειτα v 678)

Na passagem ἐπέλθοις ἅπαντά μοι σαφῶς o coro deixa claro que haveraacute um

discurso extenso E tambeacutem em τῶν πραγμάτων Agoraacutecrito anuncia que vai fazer um

relato dos fatos Trata-se portanto de um agon-relato cuja forma se assemelha aos moldes

dos monoacutelogos narrativos dos mensageiros nas trageacutedias Eacute nesse sentido que na opiniatildeo de

Russo (1994 p 81) o relato ininterrupto de Agoraacutecrito eacute introduzido de maneira paratraacutegica

No entanto para Mazon (1904 p 42) esse tipo de cena narrada se refere agrave

dificuldade que o poeta teria de representar o Conselho embora houvesse a possibilidade de o

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60

Conselho ser representado por uma personagem alegoacuterica Mas Aristoacutefanes estaria se

repetindo natildeo soacute na construccedilatildeo de duas personagens alegoacutericas Demo e Conselho mas

tambeacutem na composiccedilatildeo de duas cenas similares em que Agoraacutecrito e Paflagocircnio se

enfrentariam diante de uma personagem alegoacuterica

Haacute um consenso entre Mazon (1904) Russo (1994) e Jong Nuumlnlist e Bowie

(2004) no que diz respeito agrave propriedade com que o poeta compotildee essa seccedilatildeo da comeacutedia

Mazon reconhece a verve poeacutetica aristofacircnica e a variaccedilatildeo dos recursos dramaacuteticos

empregados Jong Nuumlnlist e Bowie ressaltam a riqueza dos modos de narraccedilatildeo em

Aristoacutefanes e na opiniatildeo de Russo a conduccedilatildeo de um duelo fora do palco demonstra quatildeo

essenciais e bem planejados satildeo os agones de Cavaleiros

A cena seguinte eacute simetricamente engrenada agrave cena do agon-relato Na antode (v

690) o coro se rejubila com Agoraacutecrito e reforccedila seu apoio ao heroacutei Subsequumlentemente

comeccedila com a volta de Paflagocircnio o antepirrema que eacute fragmentado na forma de um

diaacutelogo55

entre ele e Agoraacutecrito em que Paflagocircnio quer uma revanche dessa vez diante de

Demo

οὐκ ὦγάθrsquo ἐν βουλῆ με δόξεις καθυβρίσαι

ἴωμεν εἰς τὸν δμον (νν 722-723)

natildeo vai pensando colega que vocecirc me esculhambou no Conselho

vamos agrave presenccedila de Demo

Toda narrativa dramaacutetica da comeacutedia tem ateacute aqui um eixo agoniacutestico que se

configura em constantes rixas que preparam para o combate mais importante o segundo agon

apoacutes a paraacutebase I e a cena de relato do agon-relato Isso nos leva a pensar que essa primeira

parte cumpre a funccedilatildeo de um imenso proagon de modo que o confronto entre os rivais

continuaraacute sendo tambeacutem objeto do agon II mantendo-se dessa forma uma discussatildeo sobre o

tema da comeacutedia

55 Esse artifiacutecio de fragmentar o antepirrema em diaacutelogo estaacute tambeacutem presente nos quasi-agon de Euriacutepides

denominados por Lloyd (1992 p 6-8 76) de near-agon

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Para Gelzer (1960 p 49) esse segundo agon se localiza na diallage a qual se

compotildee de quatro partes A primeira parte a disputa moldurada desde o iniacutecio no proacutelogo

quando essa disputa eclode em razatildeo de o oraacuteculo predizer o fim do poder de Paflagocircnio se

daacute abertamente pelo poder em Atenas a accedilatildeo teraacute continuidade no paacuterodo no agon I e nas

cenas de transiccedilatildeo sempre com a mesma temaacutetica qual dos dois adversaacuterios eacute eticamente o

pior E assim se estabelece o tema da negociaccedilatildeo a segunda parte numa cena que se desenha

num tiacutepico duelo de bajulaccedilatildeo (vv 732-940) Em seguida na terceira parte satildeo feitos os

acordos entre os litigantes e o juiz eacute Demo (vv 710 747-748) ambos os lados estatildeo

acordados em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees e reivindicam seus direitos (vv 730-745) e o objeto da

disputa (vv 746-748) eacute saber qual dos dois Paflagocircnio ou Agoraacutecrito eacute mais dedicado a

Demo Logo apoacutes eacute estabelecida a negociaccedilatildeo a quarta parte onde ocorre o agon II (vv 756-

940) e cada litigante apresenta as provas de sua fundamentaccedilatildeo A forma desse agon II eacute

regular poreacutem o conteuacutedo das partes apresenta aberraccedilotildees

ode (vv 756-760) antode (vv 836-840)

katakeleusmos (vv 761-762) antikatakeleusmos (vv 841-842)

epirrema (vv 763-823) antepirrema (vv 843-910)

pnigos (vv 824-835)56

antipnigos (vv 911-940)

sphragis (vv 941)57

Por razotildees meacutetricas na ode ocorre uma mudanccedila de tom ou ritmo em que o metro

natildeo eacute cantado e o corifeu segue o modo de recitaccedilatildeo denominado παπακαταλογή Na

interpretaccedilatildeo de Mazon (1904 p 43) esse modo de recitaccedilatildeo denominado παρακαταλογή

remeteria a uma cena comum entre os atletas que antes de entrar na competiccedilatildeo recebiam

apoio dos amigos e parentes O mesmo poderia se ver nesse momento da comeacutedia em que o

coro que eacute partidaacuterio do heroacutei cocircmico e interessado no desfecho da accedilatildeo lhe dirige em plena

voz os uacuteltimos conselhos Pickard-Cambridge (1966 p 216) a classifica de ―introduccedilatildeo Jaacute

56 A seccedilatildeo pnigosantipnigos eacute a mais longa de todos os agones aristofacircnicos pnigos (vv 824-835) sistema

anapeacutestico de 11 versos antipnigos (vv 911-940) sistema iacircmbico de trinta versos 57 Gelzer (1960 p xiii) natildeo considera esse verso como sphragis Seguimos a proposta de Mazon (1904 p 48)

Pickard-Cambridge (1966 p 215) e Moumlllendorff (2002 p 88)

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Gelzer (1960 p xiii) considera odeantode porque seus conteuacutedos satildeo compatiacuteveis com o

conteuacutedo tradicional das odes em que se constata uma mistura de elogios ao heroacutei com

alarmes de perigo que o esperam No katakeleusmos o coro passa a palavra a Agoraacutecrito mas

eacute Paflagocircnio que se anima a discursar em primeiro lugar Nas partes epirremaacuteticas haacute uma

conduccedilatildeo engenhosa do diaacutelogo construiacutedo por um jogo de refutaccedilotildees bem ao estilo do toma

laacute daacute caacute E para Gelzer (1960 p 69) Aristoacutefanes almeja um efeito dramaacutetico que durante o

agon se intensifica com os meios retoacutericos da discussatildeo

Ambos os adversaacuterios reforccedilam seu amor por Demo (vv 763-772) Em seguida

oferecem provas desse amor Nesse momento da discussatildeo o poeta traz agrave tona atraveacutes dos

ataques sofridos por Paflagocircnio a praacutetica poliacutetica de Cleatildeo em relaccedilatildeo ao povo ateniense a

sabotagem ao pacto de paz (vv 790-796) e o modo opulento de viver (vv 810-819) Demo

reconhece entatildeo a hipocrisia de Paflagocircnio (vv 820-823) O pnigos se encerra com insultos

reciacuteprocos e no final (vv 834-835) Agoraacutecrito expotildee com base nos subornos do rival a

proacutetase de seu discurso que vai ocorrer no antepirrema Na antode o coro ressalta a

eloquumlecircncia do salsicheiro e no antikatakeleusmos o encoraja a falar mas eacute Paflagocircnio quem

toma a palavra No antepirrema Agoraacutecrito rebate o oponente por meio de silogismos

(λαβὴv γὰρ ἐνδέδωκας ν 847) em que satildeo atacados isoladamente os pontos negativos de

Paflagocircnio Assim a cada prova de Paflagocircnio Agoraacutecrito contra-argumenta mostrando

inversamente os pontos negativos do adversaacuterio Se no agon I Agoraacutecrito agradou Demo com

uma almofada (vv 784-785) agora o bajula com um par de sapatos (vv 868-874) e uma

tuacutenica (vv 881-889) Paflagocircnio oferece por sua vez sua clacircmide (vv 890-893) que aliaacutes

fede a couro motivo suficiente para Agoraacutecrito acusaacute-lo de tentar asfixiar Demo Nesse

antepirrema o tom da contenda repleta de ameaccedilas e protestos se estende ao antipnigos

resultando num confronto fiacutesico evidenciado no texto pela interjeiccedilatildeo ἰαιβοῖ (v 891) Ateacute

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num complexo agoniacutestico)

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aqui o heroacutei cocircmico leva a melhor na disputa a ponto de Paflagocircnio ser demitido de seu cargo

de governante da casa devolvendo a Demo o anel que lhe dava o direito da funccedilatildeo (v 949)

A sphragis que natildeo respeita a meacutetrica encerra a contenda em prosa εὖ γε νή

τον Δία Segundo Sommerstein (1981 p 194) trata-se de uma foacutermula empregada por

Aristoacutefanes em circunstacircncias religiosas juriacutedicas ou no pronunciamento de um arauto

A posiccedilatildeo do segundo agon (vv 756-941) eacute por causa das duas paraacutebases na peccedila

inter-parabaacutetica Essa posiccedilatildeo sugere que ambas as paraacutebases reforccedilam a funccedilatildeo dramaacutetica

desse agon Embora a paraacutebase I seja de caraacuteter literaacuterio o poeta expotildee nela uma consciecircncia

de seu papel poliacutetico (DUARTE 2000 p 85) mantendo assim uma coerecircncia com o assunto

da peccedila cujo cliacutemax tatildeo esperado pelo puacuteblico eacute alcanccedilado no agon II E na paraacutebase II a

referecircncia ao mau caraacuteter dos litigantes (DUARTE 2000 p 105) nada mais eacute do que uma

projeccedilatildeo da poneria presente no segundo agon

A vitoacuteria de Agoraacutecrito eacute no entanto provisoacuteria jaacute que o termo da contenda eacute

adiado para as cenas seguintes cujas formas nada tecircm da estrutura do agon epirremaacutetico

senatildeo a natureza competitiva da accedilatildeo que se apresenta em dois momentos o confronto de

oraacuteculos (vv 997-1100) e o concurso culinaacuterio (vv 1151-1263) Tanto Moumlllendorff (2002 p

88) quanto Gelzer (1960 p 161) classificam essa cena de Agonales Szenen (cenas de agon)

No primeiro embate Demo solicita os oraacuteculos a Agoraacutecrito e Paflagocircnio que em seguida

devem comeccedilar a lecirc-los (vv 970 1011) A maneira como Paflagocircnio toma a frente sugere um

tom de katakeleusmos

Πα ἄκουε δή νυν καὶ πρόσεχε τὸν νοῦν ἐμοί (v 1014)

Pa Entatildeo ouccedila e preste atenccedilatildeo em mim

No discurso de cada oponente domina a simbologia animal Aproveitando-se de

que Demo natildeo entende a leitura que Paflagocircnio faz dos oraacuteculos Agoraacutecrito refuta entatildeo

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num complexo agoniacutestico)

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com uma releitura Se Paflagocircnio se enxerga como o catildeo de guarda58

que com dentes afiados

e latido ruidoso protege o dono (vv 1015-1020) Agoraacutecrito por sua vez contradiz as

pretensotildees de seu adversaacuterio interpretando a figura desse catildeo como o Ceacuterbero traiccediloeiro (vv

1030-1034) Em outro oraacuteculo Paflagocircnio se vecirc como um leatildeo que defendendo o Povo dos

mosquitos importunos deve ser protegido por numa muralha outra razatildeo para Agoraacutecrito se

opor e interpretar que o muro de madeira e ferro deveria prendecirc-lo ao inveacutes de abrigaacute-lo (vv

1037-1049) A contradiccedilatildeo eacute mantida no oraacuteculo que mostra o catildeo-raposa em que o poeta faz

uma criacutetica agrave poliacutetica da exploraccedilatildeo do aliados atraveacutes do aumento de impostos (vv 1067-

1077) Depois eacute a vez de o poeta investir contra a corrupccedilatildeo (vv 1080-1085) e por fim os

pressaacutegios pelo sonho (vv 1088-1095) Portanto os discursos tecircm um poder imageacutetico

construiacutedos por palavras que satildeo puro simbolismo o que garante uma caricatura dos oraacuteculos

recurso eficiente de que o poeta se aproveita para criticar a arte poliacutetica isto eacute o uso ambiacuteguo

das palavras e a sutileza da dialeacutetica

Demo adia mais uma vez a sentenccedila para a cena seguinte a uacuteltima prova para

Agoraacutecrito e Paflagocircnio em que a vitoacuteria seraacute dada agravequele que seduzir Demo pelo estocircmago

(vv 1107-1009) Essa cena em que se salienta a simbologia culinaacuteria estaacute configurada ao

moldes de um concurso de cozinha cuja abertura faz alusatildeo ao katakeleusmos

Αλ ἄφες ἀπὸ βαλβίδων ἐμέ τε καὶ τουτονί

ἵνα σlsquoεὖ ποιῶμεν ἐξ ἴσου

Αη δρᾶν ταῦτα χρή

ἄπιτον (vv 1158-1161)

Ag Me mande agora eu e tambeacutem esse fulano aiacute para a linha de partida Para que a gente te sirva em peacute de igualdade

De Eacute isso mesmo que se deve fazer

Vatildeo jaacute

A palavra de ordem eacute o verbo ἄπειμι que daacute a largada da competiccedilatildeo em que

tortas (μαζίσκη v 1166) patildeo para sopa (μυστίλη v 1168) purecirc de ervilhas (ἔτνος γε

58 A imagem do catildeo de guarda vai aparecer tambeacutem na cena do julgamento em Vespas cf infra

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num complexo agoniacutestico)

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πίσινον v 1171) sopa (ζωμός v 1175) posta de peixe (τέμαχος v 1177) carne (κρέας

v 1178) tripas (χόλιξ v 1179) bebida (vv 1185-1188) entre outros regalos da gula

disputam entre si num jogo de persuasatildeo gastronocircmica o paladar de Demo

Segundo Gelzer (1960 p 161) as cenas dos oraacuteculos e do concurso culinaacuterio

compotildeem a quarta e uacuteltima parte da diallage a sentenccedila Ao arbitrar como juiz na diallage os

apartes de Demo conferem agrave personagem a funccedilatildeo bomolochos cuja fala natildeo somente realccedila

o tom humoriacutestico da accedilatildeo mas tambeacutem sentencia o desfecho da disputa Por tantas vezes

protelado o veredicto59

ao final dessas cenas Demo anuncia sua preferecircncia por Agoraacutecrito

Ἀγορακρίτῳ τοίνυν ἐμαυτὸν ἐπιτρέπω (v 1259)

Entatildeo confio a Agoraacutecrito que cuide de mim

Fecha-se portanto a narrativa dramaacutetica que teve iniacutecio com o vaticiacutenio

anunciado no proacutelogo

κοιλιοπώλῃσιν δὲ θεός μέγα κῦδος ὀπαζει (v 200)

aos salsicheiros a divindade reserva uma grande gloacuteria

como se o resultado da disputa jaacute estivesse deliberado antes mesmo de a contenda ter

comeccedilado o que mostra que a intenccedilatildeo dο poeta natildeo estava em quem ia ganhar mas como

ganharia mantendo ateacute o final da comeacutedia a expectativa do espectador que o poeta tem na

mais alta conta homenageando-o atraveacutes da personagem Demo Este na funccedilatildeo de juiz dessa

contenda se preocupa com a opiniatildeo do puacuteblico

Δη τ δτrsquo ἄν ὑμᾶς χρησάμενος τεκμηρίῳ

δόξαιμι κρίνειν τοῖς θεαταῖον σοφῶς (vv 1209-1210)

De Que criteacuterios usar no caso de vocecircs para que

aos olhos dos espectadores eu tenha escolhido com sabedoria

59 Esse tipo de adiamento da sentenccedila tambeacutem ocorre em Ratildes

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num complexo agoniacutestico)

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Quanto agrave forma os agones I e II se compotildeem da siziacutegia epirremaacutetica regular em

suas partes E quanto ao conteuacutedo se completam entre si O primeiro agon que eacute poacutes-paacuterodo

tem a funccedilatildeo preparatoacuteria em que Agoraacutecrito eacute colocado agrave prova diante de seu adversaacuterio

uma espeacutecie de debate amistoso para o confronto final o agon II que eacute inter-parabaacutetico No

todo orgacircnico da comeacutedia a estrutura eacute contemplada por outras cenas anaacutelogas ao agon

desde o proacutelogo ateacute o confronto na cena dos oraacuteculos (vv 997-1110) e a disputa ―forno e

fogatildeo na cena da refeiccedilatildeo com Demo (vv 1151-1262) quase no final da peccedila

Na anaacutelise de Gelzer (1960 p 63-64) o litiacutegio que estaacute na base da diallage

domina a peccedila inteira e soacute encontra termo ao final a accedilatildeo se desenvolve na disputa enquanto

seu pano de fundo eacutetico eacute exaustivamente discutido na negociaccedilatildeo isto eacute no segundo agon

epirremaacutetico que eacute o objetivo e o ponto principal da diallage Neste estudo consideramos

agon inserido num complexo agoniacutestico o que Gelzer analisa segundo o que ele denominou

de diallage Assim sendo toda condensaccedilatildeo da accedilatildeo dramaacutetica gira em torno do agon

(SILVA 2000 p 12) Na interpretaccedilatildeo de Russo (1994 p 81) os agones de Cavaleiros satildeo

notaacuteveis por uma seacuterie de sistemas tensos raacutepidos e graduados que mantecircm o espectador em

correspondecircncia com niacuteveis de tensatildeo e emoccedilatildeo Portanto toda a accedilatildeo dramaacutetica tem por

natureza o conflito e vai num crescendo o que tambeacutem pode ser constatado nas comeacutedias

Nuvens Vespas e Ratildes

2 O agon em Nuvens60

os confrontos tempestuosos

No conjunto da obra de Aristoacutefanes a comeacutedia Nuvens foi a mais estudada desde

a Antiguumlidade ateacute nossos dias (THIERCY 2007 p 256) O texto que a tradiccedilatildeo nos deixou

60 A proposta de Nuvens (424 aC) eacute trazer agrave discussatildeo o papel da Educaccedilatildeo de acordo com as correntes

filosoacuteficas vigentes na formaccedilatildeo do indiviacuteduo Para isso a comeacutedia enfoca o conflito de valores entre pai e

filho num choque de geraccedilotildees

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num complexo agoniacutestico)

67

refere-se agrave segunda versatildeo61

o que eacute um fator complicador para a anaacutelise da peccedila porque no

que concerne agrave composiccedilatildeo62

do texto existente haacute particularidades que envolvem o paacuterodo o

agon e a paraacutebase63

O paacuterodo jaacute traz alguns embaraccedilos com relaccedilatildeo ao agon uma vez que

dependendo da demarcaccedilatildeo da entrada do coro pode ocorrer ou natildeo um agon a mais na

estrutura Navarre (1911 p 279) considera apenas a contenda entre os Raciociacutenios como o

agon de Nuvens Jaacute Mazon (1904 p 62) estabelece trecircs agones vv 358-475 (apoacutes o paacuterodo)

vv 889-1106 (apoacutes a paraacutebase I) e vv 1345-1452 (apoacutes a paraacutebase II) Nesta anaacutelise

adotamos a distribuiccedilatildeo de Pickard-Cambridge (1966 p 217-218) Gelzer (1960 p xiii) e

Moumlllendorff (2002 p 132) que estatildeo de acordo na divisatildeo dos versos e consideram dois

agones para a peccedila o primeiro entre os Raciociacutenios (apoacutes a paraacutebase I) o segundo entre pai e

filho (apoacutes a paraacutebase II)

Segundo Couat (1895 p 367) no texto de Nuvens misturam-se duas ediccedilotildees

incompletas o que torna difiacutecil uma reconstituiccedilatildeo exata do paacuterodo De acordo com Mazon

(1904 p 53-54) e Pickard-Cambridge (1966 p 217) o paacuterodo estaacute concluiacutedo no v 357 Daiacute

por diante se aplicarmos a sequumlecircncia tradicional das partes de uma comeacutedia ndash proacutelogo

paacuterodo agon paraacutebase ndash dos vv 358-475 se esperaria o agon Para Mazon nesses versos

ocorre o primeiro agon da peccedila enquanto Pickard-Cambridge classifica a passagem de quasi-

meio-agon64

Quanto a sua forma a estrutura estaacute muito mutilada65

natildeo haacute epirrema o

diaacutelogo estaacute em anapestos tetracircmetros (vv 364-438) em seguida haacute um pnigos (vv 439-456)

e por fim uma ode (vv 457-475) Na hipoacutetese de Mazon Aristoacutefanes teria escrito um agon

regular mas suprimiu suas partes deixando essa cena ligada ao paacuterodo Gelzer (1960 p 140)

natildeo descarta a hipoacutetese de que o excerto vv 365-377 poderia conter o que teria restado depois

61 Sobre os manuscritos preservados cf Sommerstein (1998 p 5-6) 62 Alguns estudos apontam para a natildeo encenaccedilatildeo dessa versatildeo por duas razotildees ou o texto foi reformulado natildeo

tendo em vista o espaccedilo cecircnico ou por se tratar de uma versatildeo apenas para a leitura A esse respeito cf Russo (1994 p 97-109)

63 A propoacutesito da anaacutelise da paacuterabase de Nuvens cf Duarte (2000 p 132-153) 64 O termo em inglecircs eacute quasi-half-agocircn 65 De acordo com esquema de Pickard-Cambridge (1966 p 217)

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num complexo agoniacutestico)

68

da recomposiccedilatildeo da peccedila de um agon da primeira versatildeo Dos vv 365-411 a argumentaccedilatildeo

da tese de que as Nuvens satildeo deusas eacute muito similar agrave argumentaccedilatildeo nos agones

epirremaacuteticos sobretudo no antepirrema afirma Gelzer (1960 p 141) Ao que parece houve

uma imbricaccedilatildeo de forma e conteuacutedo entre as partes do texto cocircmico a ponto de se tratar de

uma extensatildeo do paacuterodo que assumindo proporccedilotildees de um quasi-agon entendemos como um

paacuterodo-agoniacutestico

O diaacutelogo entre Soacutecrates e Estrepsiacuteades que teve iniacutecio no proacutelogo eacute

interrompido parcialmente pela entrada do coro de Nuvens que entoa solenemente duas

estrofes liacutericas em meio aos comentaacuterios dos dois atenienses e depois os sauacuteda

χαῖρrsquo ὦ πρεσβῦτα παλαιογενές θηρατά φιλομούσω

σύ τε λεπτοτάτων λήρων ἱεροῦ [] (vv 358-359)

[a Estrepsiacuteades] Salve velho dos antigos tempos admirador de palavras queridas

[das Musas [a Soacutecrates] E vocecirc sacerdote de tolices sutiliacutessimas

66

Ao cumprimentar Soacutecrates o coro se dirige a ele como λήρων ―aquele que diz

asneiras e enfatiza a oratoacuteria do filoacutesofo empregando o superlativo de λεπτός

―minucioso ―meticuloso ―sutil o que delega agrave personagem tanto a funccedilatildeo poneros quanto

alazon

Como a personagem representa comicamente a imagem do filoacutesofo e de sua arte

que passava por um momento novo com o advento da sofiacutestica Soacutecrates pode ser visto

segundo a opiniatildeo de Whitman (1964 p 139) como mestre da poneria Mas eacute preciso ter o

cuidado de natildeo entender poneros no sentido ―mau-caraacuteter atributos de Agoraacutecrito e

Paflagocircnio em Cavaleiros mas algueacutem dotado de um palavreado ardiloso

Na opiniatildeo de Thiercy (2007 p 261) a intenccedilatildeo de Aristoacutefanes natildeo era fazer um

retrato ainda que monstruoso de Soacutecrates como o autor fez de Cleatildeo em Cavaleiros mas

66 Todas as passagens traduzidas de Nuvens satildeo de Gilda Maria Reale Starzynski

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

69

encontrar um homem que representasse para o puacuteblico a nova retoacuterica da eacutepoca Thiercy

(2007 p 262) classifica entretanto a personagem de Soacutecrates como um alazon bem como

McLeish (1980 p 56) A alazoneiacutea em Soacutecrates estaria entatildeo relacionada agrave jactacircncia de seu

discurso que eacute um recurso cocircmico a serviccedilo da saacutetira agrave sofiacutestica e a seus seguidores

Quanto a Estrepsiacuteades por sua vez o coro o considera um θηρατής ―aquele que

persegue os discursos Portanto poneria eacute precisamente a arte que o heroacutei espera aprender

com Soacutecrates mas se mostra incapaz Conforme o estudo de Whitman (1964 p 120 121

122 129 135 139) Estrepsiacuteades natildeo possui nenhuma das qualidades de heroacutei que

caracterizam outros protagonistas falta-lhe uma verdadeira poneria e dimensotildees generosas do

grotesco Para esse autor o heroacutei de Nuvens eacute risiacutevel e pateacutetico ao mesmo tempo Aliaacutes natildeo

se trata de um verdadeiro heroacutei e a inversatildeo dos papeacuteis com seu filho eacute um ponto baacutesico da

estrutura a partir do momento em que Fidiacutepides vai agrave escola de Soacutecrates Whitman tambeacutem

interpreta que o heroacutei pende para a fanfarronice a alazoneiacutea Jaacute para McLeish (1980 p 56

123) Estrepsiacuteades tem a funccedilatildeo bomolochos enquanto que na anaacutelise de Thiercy (2007 p

256 259) Estrepsiacuteades eacute a personagem principal cuja funccedilatildeo spoudaios se explica pela sua

uniatildeo matrimonial com a sobrinha de Meacutegacles vinda de uma famiacutelia aristocraacutetica que natildeo o

teria certamente aceitado se ele fosse um homem de classe inferior

A personagem Estrepsiacuteades pode dependendo da accedilatildeo assumir essas trecircs funccedilotildees

Seu endividamento por causa dos caprichos do filho que eacute um amante de cavalos condiz com

seu status quo proveniente de uma condiccedilatildeo social elevada portanto lhe cabe a funccedilatildeo

spoudaios Ele gostaria de ser dotado de poneria para poder debater com os credores e

―inverter o discurso a seu favor aliaacutes uma atitude que faz jus agrave etimologia do nome

Estrepsiacuteades que estaacute ligado ao vocaacutebulo στρέψις ―accedilatildeo de virar Mas a natureza obtusa do

velho ateniense faz com que ele tenha a funccedilatildeo bomolochos ao agregar comentaacuterios jocosos

aos pontos de argumentaccedilatildeo do filoacutesofo conforme a citaccedilatildeo a seguir

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

70

Στ ταῦτrsquo ἄρα καὶ τὠνοματrsquo ἀλλήλοιν sbquoβροντὴ‛ καὶ sbquoπορδή‛ ὀμοίω (v 394)

Estr Ah entatildeo eacute por isso que ateacute os nomes satildeo parecidos trovatildeo e peidatildeo

[]

Σω καὶ τῶς ὦ μῶρε σὺ καὶ Κρονίων ὄζων καὶ βεκκεσέληνε (v 398)

Socr Mas como insensato velho tonto cheirando a mofo seu arcaico

O excerto acima exemplifica que o diaacutelogo entre Estrepsiacuteades e Soacutecrates se

constroacutei num jogo de pergunta e resposta mas natildeo se trata de exposiccedilatildeo de pontos de vista a

relaccedilatildeo argumentocontra-argumento eacute inexistente O heroacutei natildeo estaacute numa situaccedilatildeo de conflito

com seu adversaacuterio porque natildeo haacute antagonismo Estrepsiacuteades quer aprender e Soacutecrates potildee agrave

prova se seu candidato a disciacutepulo tem aptidatildeo ou natildeo O heroacutei eacute entatildeo submetido a um ritual

de iniciaccedilatildeo em que satildeo invocadas as Nuvens cuja entrada estabelece o final do proacutelogo e

iniacutecio do paacuterodo O diaacutelogo entre Estrepsiacuteades e Soacutecrates que teve iniacutecio no final do proacutelogo

se estende ateacute o paacuterodo com algumas intervenccedilotildees do coro Por essas razotildees interpretamos

que essa passagem ainda pertence ao paacuterodo

Assim sendo o primeiro agon de Nuvens (vv 949-1104) refere-se agrave cena entre os

Raciociacutenios que vai ocorrer depois da primeira paraacutebase (vv 510-626) o que resulta numa

inversatildeo da ordem esperada da estrutura cocircmica Na anaacutelise de Duarte (2000 p 137) a razatildeo

disso repousa sobre o status do heroacutei que ainda natildeo obteve ecircxito em seu plano o que justifica

a ausecircncia de conclusatildeo na paraacutebase

Como as personagens Raciociacutenios Justo e Injusto satildeo novas no enredo entrando

de suacutebito em cena67

antes de o agon comeccedilar haacute uma cena preparatoacuteria o proagon (vv 889-

948) em que ambas deixam claro ao puacuteblico quem representam e para que vieram Trava-se

um diaacutelogo raacutepido que num determinado ponto eacute revestido pela forma da esticomitia (vv

889-933)

67 O nuacutemero de participantes nesse agon I de acordo com o texto envolve os dois Raciociacutenios o coro e

Fidiacutepides que se manteacutem calado numa funccedilatildeo apenas de objeto da disputa Haacute controveacutersias entretanto na

questatildeo sobre a permanecircncia ou natildeo de Estrepsiacuteades e Soacutecrates nessa cena A esse respeito num artigo muito

interessante Sommerstein (1994 p 269-282) analisa a presenccedila ou ausecircncia de Soacutecrates e Estrepsiacuteades antes

durante e depois do agon entre os dois Raciociacutenios

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

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71

Κρ ἀπολεῖς σύ τίς ὤν

Ητ λόφος

Κρ ἥττων γrsquoὤν

Ητ ἀλλά σε νικῶ τὸν ἐμοῦ κρείττω

φάσκοντrsquo εἶναι

Κρ τί σοφὸν ποιῶν

Ητ γνώμας καινὰς ἐξευρίσκων (νν 893-896)

[]

Jus Acabaraacute comigo E quem eacute vocecirc

Inj Um raciociacutenio Jus O fraco

Inj Mas eu vou vencecirc-lo a vocecirc que afirma que eacute mais forte do que eu

Jus Com que habilidades Inj Encontrando ideacuteias novas

A discussatildeo de caraacuteter provocativo se configura numa luta eriacutestica aos moldes da

sofistica e a partir desse momento os contendores jaacute datildeo sinais de sua poneria A partir do v

934 o corifeu potildee fim ao bate-boca e chama os dois adversaacuterios para o debate cuja temaacutetica eacute

o assunto da comeacutedia qual a melhor educaccedilatildeo a antiga ou a nova

Trata-se de uma cena de alegoria Nos comentaacuterios de Thiercy (2007 p 265)

esses dois Raciociacutenios segundo o escoliasta eram trazidos agrave cena numa gaiola como galos de

briga Infelizmente na versatildeo que possuiacutemos nenhuma imagem nem indicaccedilatildeo sugere tal

cena cujo antagonismo eacute bem marcado tanto no conteuacutedo quanto na forma de acordo com a

siziacutegia epirremaacutetica assim disposta

ode (vv 949-958) antode (vv 1024-1033)

katakeleusmos (vv 959-960) antikatakeleusmos (vv 1034-1035)

epirrema (vv 961-1008) antepirrema (vv 1036-1084)

pnigos (vv 1009-1023) antipnigos (vv 1085-1104)

Na ode o coro abre o debate No katakeleusmos o corifeu daacute a palavra ao

Raciociacutenio Justo que defende solenemente a educaccedilatildeo tradicional da muacutesica e da ginaacutestica a

justiccedila e a moderaccedilatildeo com um discurso bem estruturado no epirrema (vv 961-1008)

composto por trecircs rheseis A primeira se refere agrave ordem cronoloacutegica da formaccedilatildeo dos jovens

(vv 963-976) Em seguida ele expotildee a inversatildeo de valores daquilo que era evitado no

passado mas agora tolerado (vv 977-983) esses pontos satildeo refutados pelo Raciociacutenio Injusto

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72

que alega anacronismo (vv 984-989) E por fim o Raciociacutenio Justo lista uma seacuterie de

condutas de mau comportamento que Fidiacutepides natildeo deveria seguir (vv 990-999) aqui

novamente o Raciociacutenio Injusto contra-argumenta protestando a defesa obsoleta de seu

oponente Essa refutaccedilatildeo conduz agrave conclusatildeo do Raciociacutenio Justo no pnigos em que ele

descreve o jovem atleacutetico ideal

Eacute a vez entatildeo de o Raciociacutenio Injusto se pronunciar Na antode (vv 1024-1033)

o coro o apresenta e lhe cede a palavra avisando-o no antikatakeleusmos (vv 1034-1035) o

ecircxito retoacuterico de seu rival Comeccedila o debate No antepirrema (vv 1036-1084) a discussatildeo eacute

entrecortada num jogo de argumento e contra-argumento de fundo sofiacutestico os versos que

cabem ao Raciociacutenio Injusto satildeo iacircmbicos cujo tom eacute bem irreverente Ele refuta de modo

silogiacutestico quatro pontos da argumentaccedilatildeo do adversaacuterio Primeiramente os banhos quentes

(vv 1043-1054) depois a vida na aacutegora (vv 1055-1057) em seguida o valor da dececircncia (vv

1058-1074) e por fim o poder da palavra para justificar uma vida prazerosa (vv 1075-1082)

No antipnigos (vv 1085-1104) ocorre um diaacutelogo raacutepido revestido pela forma da

esticomitia (vv 1090-1100) em que o Raciociacutenio Injusto demonstra que a maioria dos

cidadatildeos jaacute eacute adepta da nova educaccedilatildeo O Raciociacutenio Justo se daacute por vencido oferecendo seu

manto ao adversaacuterio (vv 1101-1104) gesto que sela a disputa dispensando a interferecircncia do

coro e portanto a ausecircncia da sphragis

Na opiniatildeo de Thiercy (2007 p 255-256) os Raciociacutenios satildeo personagens

episoacutedicas a quem eacute confiado o agon principal Thiercy (2007 p 265) entende que natildeo se

trata de opor dois raciociacutenios num simples jogo de antinomias mas aquilo que representam

neacutea-paideacuteia versus archaiacutea-paideacuteia Nessa mesma linha de interpretaccedilatildeo Whitman (1964 p

124) observa que o cliacutemax da peccedila comeccedila com o agon entre os dois Raciociacutenios e a accedilatildeo

envolve uma seacuterie de antinomias que caracteriza a divisatildeo entre a velha e a nova geraccedilatildeo

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73

A partir desse primeiro agon o desenvolvimento da accedilatildeo vai como em

Cavaleiros se acentuando progressivamente A importacircncia desse agon I estaacute na sua relaccedilatildeo

direta com a dinacircmica da accedilatildeo das cenas subsequumlentes em que o heroacutei passaraacute por trecircs provas

i) o enfrentamento com os credores (vv 1222-1300) cena em que ele se sai triunfante

aplicando os preceitos sofiacutesticos ii) o confronto com o filho que estabelece o segundo agon

da peccedila (vv 1345-1451) iii) o acerto de contas com Soacutecrates no ecircxodo (vv 1452-1510)

Antes de o segundo agon comeccedilar haacute uma curta cena (vv 1321-1344) de

passagem que sendo preparatoacuteria para o segundo agon estamos considerando-a como

proagon68

Trata-se de uma cena de confronto fiacutesico em que Estrepsiacuteades lamenta a proacutepria

sorte diante dos golpes que leva do filho que desafiando o pai para uma discussatildeo vai lhe

provar que eacute justo um filho bater no pai (vv 1330-1335)

Nessa cena eacute evidente o bem sucedido aprendizado do jovem que se torna ao

contraacuterio da torpeza de seu genitor haacutebil com as palavras um mestre em poneria conforme a

correspondecircncia dos versos

Κρ Καταπύγων εἶ κἀναίσχυντος (v 909)

Ητ ῥόδα μrsquoεἴρηκας

Κρ καὶ βωμολόχος (ν 910)

Ητ κρίνεσι στεφανοῖς

Κρ καὶ πατραλοίας (ν 911)

Jus E vocecirc um fresco um sem-vergonha

Inj Vocecirc me diz rosas

Jus palhaccedilo Inj Coroa-me de liacuterios

Jus parricida

[]

Στ ὦ λακκόπρωκτε

Φε τάττε πολλοῖς τοῖς ῥόδοις (ν 1330)

Estr Imundo Fid Vocecirc me polvilha com muitas rosas

68 Mazon (1904 p 62) e Pickard-Cambridge (1966 p 218) classificam-na de cena de introduccedilatildeo

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Fidiacutepides mostra que sabe a liccedilatildeo na ponta da liacutengua em seu discurso ecoa o

discurso do Raciociacutenio Injusto enquanto que o discurso de Estrepsiacuteades estaacute no mesmo tom

que o do Raciociacutenio Justo o que demonstra um espelhamento de conteuacutedo entre os agones e

portanto uma extensatildeo da contenda

A funccedilatildeo spoudaios presente na primeira parte da comeacutedia eacute suplantada pela

funccedilatildeo poneros que eacute realccedilada no segundo agon De acordo com McLeish (1980 p 56)

Fidiacutepides tem a funccedilatildeo spoudaios De fato trata-se de uma personagem de origem

aristocraacutetica amante dos cavalos qualidade reforccedilada pela proacutepria etimologia do nome No

entanto a funccedilatildeo de spoudaios restringe-se agrave primeira metade da comeacutedia porque a partir do

agon entre os Raciociacutenios quando o Injusto vence e passa entatildeo a ser o mestre de Fidiacutepides

este se transforma num poneros cuja funccedilatildeo ficaraacute evidente na cena do segundo agon Este

tem como o primeiro uma estrutura regular e manteacutem as mesmas caracteriacutesticas de

composiccedilatildeo de um agon duplo isto eacute com partes simeacutetricas da siziacutegia epirremaacutetica

ode (vv 1345-1350) antode (vv 1391-1396)

katakeleusmos (vv 1351-1352) antikatakeleusmos (vv 1397-1398)

epirrema (vv 1353-1385) antepirrema (vv 1399-1445)

pnigos (vv 1386-1390) antipnigos (vv 1446-1451)

Na ode (vv 1345-1350) o coro se dirige a Estrepsiacuteades e no katakeleusmos (vv

1351-1352) o encoraja No epirrema (vv 1353-1385) o discurso de Estrepsiacuteades se divide em

duas partes Primeiramente haacute uma descriccedilatildeo (vv 1354-1378) da cena de discussatildeo ocorrida

dentro da casa portanto no espaccedilo extracecircnico69

onde Fidiacutepides mostra preferecircncia pelos

versos de Euriacutepides que eacute na opiniatildeo de Estrepsiacuteades um corruptor da moral e da trageacutedia70

em detrimento dos versos de Simocircnides e de Eacutesquilo por julgaacute-los antiquados e pomposos

respectivamente Em seguida em decorrecircncia da discussatildeo Estrepsiacutedades questiona se eacute justo

um filho bater no pai (vv 1379-1385) E no pnigos Estrepsiacuteades expotildee justificando a

69 A respeito do espaccedilo no teatro cf nota 53 infra 70 Aristoacutefanes retomaraacute esse assunto no agon de Ratildes cf infra

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injusticcedila de se bater no pai trecircs imagens71

referentes ao universo infantil como prova de seu

amor pelo filho βρῦν (ν 1382) μαμμᾶν (ν 1383) e κακκᾶν (v 1384) Na antode (vv

1391-1396) o coro estaacute apreensivo com as atitudes de Fidiacutepides mas o encoraja no

antikatakeleusmos (vv 1397-1398) No antepirrema (vv 1399-1445) Fidiacutepides apresenta

num jogo sofiacutestico trecircs pontos que justificam sua atitude de bater no pai i) o ato de bater no

pai eacute tambeacutem um ato de amor (vv 1408-1419) ii) a vulnerabilidade do direito paterno sobre o

filho (vv 1420-1429) iii) a questatildeo da dececircncia Diante dessa arguumliccedilatildeo Estrepsiacuteades daacute razatildeo

a Fidiacutepides (vv 1437-1439) que desafia o pai num ponto a mais nesse direito o de bater

tambeacutem na matildee (vv 1440-1445)

No antipnigos (vv 1446-1451) Estrepsiacuteades mostrando sinais de arrependimento

de um plano que se voltou contra si mesmo reage num final de agon bastante violento Para

Gelzer (1960 p 53-54) a funccedilatildeo desse segundo agon eacute por meio de um paralelismo da

construccedilatildeo com o primeiro agon e do ponto de vista dramaacutetico ad absurdum72

jaacute que o

violento desfecho da discussatildeo natildeo eacute para mostrar quem eacute o vencedor ou quem estaacute com a

razatildeo mas pocircr em evidecircncia esse tipo de argumentaccedilatildeo Ou seja eacute assim que Aristoacutefanes

lanccedila sua criacutetica aos novos horizontes da educaccedilatildeo grega se apropriando de um discurso muito

proacuteprio que eacute soacute dela a sofistica Na opiniatildeo de Romilly (1988 p 126-127) Aristoacutefanes

ilustrou de maneira concreta a arte de inversatildeo do discurso arte tatildeo cara a Protaacutegoras

Estrepsiacuteades para salvar seus interesses atraveacutes de sutilizas de argumentaccedilatildeo se vecirc viacutetima de

seu filho que se transformou num disciacutepulo dessa arte

O agon termina com a accedilatildeo ancorada no ecircxodo em que Estrepsiacuteades vai fazer um

acerto de contas com Soacutecrates pondo abaixo o phrontisterion Nas palavras do coro a

Estrepsiacuteades (―vocecirc eacute o responsaacutevel do que estaacute lhe acontecendo v 1455) fica evidente a

ironia cocircmica Segundo Thiercy (1997 p 1067-1068) Fidiacutepides cometeu crimes passiacuteveis de

71 A propoacutesito das duas primeiras imagens cf Taillardat (1965 p 93 258 respectivamente) 72 Essa natureza ad absurdum tambeacutem caracteriza o agon de Pluto cf cap VI infra

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76

atimia ficando claro que a vitoacuteria eacute em uacuteltima instacircncia do Raciociacutenio Justo Esse final de

disputa corresponde bem ao que eacute proacuteprio da comeacutedia isto eacute a inversatildeo geral em que o

Injusto vence o Justo ainda que provisoriamente para que no final do segundo agon fique

latente pela reaccedilatildeo furiosa de Estrepsiacuteades o triunfo do Raciociacutenio Justo

Nuvens satildeo uma comeacutedia que conteacutem alguns componentes proacuteprios da trageacutedia

como por exemplo a natureza do coro a escolha do heroacutei que vai desencadear a ἀνάγκη

Na primeria parte da peccedila que vai o agon I haacute uma aparente situaccedilatildeo eufoacuterica para o heroacutei

porque na segunda parte sobretudo no agon II a accedilatildeo passa a ser disfoacuterica para o heroacutei o

que justifica a ausecircncia de happy end no ecircxodo No acircmbito da accedilatildeo ocorre entatildeo uma

metabole73

isto eacute uma conversatildeo que eacute responsaacutevel pela inserccedilatildeo dos agones num complexo

agoniacutestico Nesses agones forma e conteuacutedo estatildeo a serviccedilo da temaacutetica da comeacutedia que

propotildee uma saacutetira agrave Educaccedilatildeo a partir do choque de geraccedilotildees entre pai e filho o que estaacute

tambeacutem presente em Vespas mas desta vez a criacutetica seraacute feita ao poder judiciaacuterio de Atenas

3 O agon em Vespas74

a discussatildeo a ferroadas

A estrutura narrativa de Vespas estaacute dividida do ponto de vista temaacutetico em duas

partes bem distintas o que leva a uma interpretaccedilatildeo imediata de que a comeacutedia natildeo tem uma

unidade de accedilatildeo A respeito da accedilatildeo no gecircnero cocircmico Thiercy (2007 p 151-154) comenta

as posiccedilotildees de Mazon Pickard-Cambridge Handel Landfester e Denis estabelecendo as

seguintes linhas teoacutericas coerecircncia perfeita da accedilatildeo incoerecircncia total da accedilatildeo accedilatildeo coesa na

73 Nos comentaacuterios sobre a Poeacutetica Dupont-Roc e Lallot (1980 p 230) assinalam que o termo metabasis eacute

empregado nas passagens 52 a 16 e 18 55 b 29 e retomado por metabole em 52 a 23 e 31 e pelo verbo

correspondente metaballein em 52 b 34 A diferenccedila de sentidos se eacute que haacute alguma pode se referir ao

vocaacutebulo metabasis como sendo mais geral do que metabole englobando todos os tipos de ―virada de

fortuna que satildeo entendidos como uma ―mudanccedila E como bem observou Malhadas (2003 p 30) a mudanccedila

de fortuna do heroacutei traacutegico pode se dar passo a passo (basis) Isso tambeacutem ocorre com Estrepsiacuteades o heroacutei

cocircmico em Nuvens 74 A temaacutetica da comeacutedia Vespas (423 aC) eacute satirizar o gerenciamento da justiccedila ateniense ridicularizando a

mania pela chicana judicial o abuso de poder da magistratura e dos poliacuteticos e consequumlentemente a

arbitrariedade das sentenccedilas Essa proposta estaacute em consonacircncia com um enredo que nas tentativas de um

filho querer mudar o caraacuteter do pai mostra o choque de geraccedilotildees

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77

primeira parte da peccedila e cenas supeacuterfluas na segunda Neste estudo entretanto tentaremos

demonstrar que a partir da anaacutelise dos agones e sua relaccedilatildeo com as outras seccedilotildees da comeacutedia

estaacute presente uma dinacircmica da accedilatildeo em Vespas Com base na interpretaccedilatildeo de Thiercy (2007

p 156) a accedilatildeo em Vespas natildeo se interrompe o que ocorre eacute uma mudanccedila da temaacutetica da

comeacutedia apoacutes a paraacutebase Em seu exame Thiercy (2007 p 175) propotildee entatildeo o que ele

chama de unidade de interesse75

A tardia localizaccedilatildeo da paraacutebase I na peccedila (vv 1009-1121) marca a conclusatildeo da

primeira parte (MAZON 1904 p 74) ndash proacutelogo paacuterodo agon I e II76

e paraacutebase I ndash cujo

assunto se estabelece por um choque de geraccedilotildees entre pai e filho Bdelicleatildeo eacute um dedicado

filho cuja preocupaccedilatildeo eacute curar a mania por processos judiciais de que o pai Filocleatildeo

padece77

O antagonismo presente nesses nomes Filocleatildeo e Bdelicleatildeo78

- que numa

traduccedilatildeo livre entendem-se como Proacutecleatildeo e Contracleatildeo respectivamente ndash reforccedila a

proposta da comeacutedia

A primeira parte do programa narrativo da peccedila ocorre em trecircs etapas (THIERCY

2007 p 173) daacute-se inicialmente o uso da forccedila pois Filocleatildeo estaacute encarcerado em sua casa

por vontade do filho depois usa-se persuasatildeo e acordo de um processo judicial domeacutestico e

por fim a realizaccedilatildeo do julgamento em que o reacuteu seraacute absolvido

Proacutelogo (vv 1-229) e paacuterodo (vv 230-316) compreendem a primeira das trecircs

etapas acima Desde o proacutelogo a ideacuteia de forccedila fiacutesica estaacute bem marcada pela accedilatildeo austera do

filho de aprisionar o pai em sua proacutepria casa e pela reaccedilatildeo furiosa do pai

75 Uniteacute drsquo inteacuterecirct Trata-se de colocar em evidecircncia o interesse humano e toda a atenccedilatildeo estaacute voltada para o

comportamento do heroacutei Sob esse aspecto Vespas eacute classificada como uma comeacutedia de caracteres na opiniatildeo

de Thiercy (2007 p 175) 76 Haacute divergecircncias na demarcaccedilatildeo dessas partes Para Pickard-Cambridge (1966 p 219) o paacuterodo se encerra no

v 316 a partir do v 317 ateacute o v 525 daacute-se o proagon e a comeacutedia teria um uacutenico agon (vv 526-727) Nesta

anaacutelise adotamos as sugestotildees de Mazon (1904) de Gelzer (1960) e de Moumlllendorff (2002) que estabelecem

dois agones intercalados com uma cena de hostilidade 77 φιληλιαστής ν 88 78 O prefixo philo- traduz uma ideacuteia de ―paixatildeo ―adoraccedilatildeo oposta ao termo bdely- do verbo bdelyacutessomai

odiar A onomaacutestica desses nomes que tecircm em comum o nome do demagogo ateniense Cleatildeo refere-se

agravequele que adora Cleatildeo e ao outro que odeia Cleatildeo

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78

Φι εἰ μή μrsquoἐάσεθrsquo ἥσυχον μαχούμεθα (v 190)

Fil Se vocecirc natildeo me deixar tranquumlilo vamos brigar

Ao empregar o verbo μάχομαι Filocleatildeo deixa claro que natildeo se trata de um

ensejo que busca um acordo amigaacutevel senatildeo um enfrentamento mais pelo combate do que

pelo debate Nessa atmosfera de luta gera-se uma altercaccedilatildeo cujo conteuacutedo eacute realccedilado pelos

insultos de ambas as partes

Βδ πονηρὸς εἶ πόρρω τέχνης καὶ παράβολος (v 192)

Bd Vocecirc eacute um velhaco incompetente e tambeacutem um petulante

A poneria atribuiacuteda a Filocleatildeo nesse iniacutecio da comeacutedia torna-se expressiva ao

longo da trama em que fica evidente o caraacuteter polivalente de sua funccedilatildeo de poneros79

ligada a

uma imagem de velho ladino que longe de ter habilidades de heliasta natildeo soacute eacute corrompido

mas tambeacutem manipulado pelos poliacuteticos (vv 666-672)

No paacuterodo o coro de Vespas que satildeo companheiros de Filocleatildeo no tribunal

toma ciecircncia dos fatos e no final dessa seccedilatildeo e iniacutecio da seguinte quando ocorre o primeiro

agon Filocleatildeo responde ao coro com um canto lamurioso de socorro (vv 316-333) O coro

mostra-se por sua vez soliacutecito com seu camarada nas tentativas de fuga que devido ao

enfrentamento com Bdelicleatildeo e seus criados sentinelas natildeo tecircm sucesso Como bem

observou Gelzer (1960 p 39-40) a accedilatildeo anunciada no proacutelogo natildeo eacute interrompida pelo

paacuterodo ao contraacuterio ela se estende porque o conteuacutedo se prolonga ateacute o primeiro agon

A segunda etapa que implica persuasatildeo e acordo corresponde aos agones I e II

intercalados por uma curta cena episoacutedica No que se refere ao agon I (vv 333-414) que tem

a accedilatildeo apoiada no paacuterodo80

quanto ao conteuacutedo81

ele natildeo tem nada de agon natildeo fosse sua

forma que estaacute assim composta

79 Para McLeish (1980 p 55) Filocleatildeo eacute a personagem que melhor representa tal funccedilatildeo 80 Na anaacutelise de Gelzer (1960 p 37) trecircs peccedilas tecircm agones com lugar fixo isto eacute apoacutes o paacuterodo a saber

Cavaleiros (vv 303-456) Vespas (vv 334-402) e Aves (vv 327-399)

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79

ode (vv 334-345) antode (vv 365-379)

katakeleusmos (vv 346-347) antikatakeleusmos (vv 380-381)

epirrema (vv 348-357) antepirrema (vv 382-402)

pnigos (vv 358-364) antipnigos natildeo haacute82

sphragis (vv 402-414)83

De acordo com as partes canocircnicas do agon epirremaacutetico natildeo haacute nenhum

equiacutevoco em classificar essa cena como um agon Entretanto sob a influecircncia do conteuacutedo a

forma sofre algumas adequaccedilotildees Para Gelzer (1960 p 40) a forma se adapta ao

prosseguimento da accedilatildeo a ponto de se opor ao conteuacutedo E tal adaptaccedilatildeo pode ser vista nas

seguintes partes descaracterizadas

i) no ―dialogismo da ode com a presenccedila de proepirremas falados Assim a ode que deveria

ser o canto do coro eacute substituiacuteda por um diaacutelogo melodramaacutetico84

entre o coro e

Filocleatildeo O coro no iniacutecio da ode em conexatildeo com o canto lamuriante de Filocleatildeo faz

uma pergunta (vv 334-335) e a resposta por Filocleatildeo conduz a um curto proepirrema (vv

336-341) Apoacutes respondida a questatildeo ocorre a segunda parte da ode (vv 342-345)

ii) nos dois versos do katakeleusmos que natildeo se distinguem dos versos seguintes nos

epirremas (GELZER 1960 p 7) Aristoacutefanes os insere discretamente a ponto de esses

dois versos terem uma conexatildeo com o epirrema que fica portanto ampliado

iii) no preterimento de um antipnigos Para Gelzer (1960 p 42) a ausecircncia de um antipnigos

eacute causada pela chamada de socorro de Filocleatildeo que provoca uma reaccedilatildeo irada do coro de

Vespas que entoa um canto de guerra (vv 403-414)

Esse agon fica comprometido em seu conteuacutedo devido agrave brevidade das partes

epirremaacuteticas porque epirrema e antepirrema natildeo desenvolvem um conflito de ideacuteias mas

81 Para Mazon (1904 p 69) trata-se de uma cena sob a forma de um agon ou talvez de um syntagma 82 Mazon (1904 p 70) interpreta que a ausecircncia de pnigos se deva agrave natureza da cena que eacute de muita

precipitaccedilatildeo cabendo apenas no final um canto do coro que corresponde agrave sphragis 83 Gelzer (1960 p XIII) Pickard-Cambridge (1966 p 219) e Moumlllendorff (2002 p 94) natildeo consideram esses

versos finais como sphragis 84 O paacuterodo de Vespas que apresenta um hibridismo de partes dialogadas configura-se num canto dialogado ou

num diaacutelogo melodramaacutetico E segundo Gelzer (1960 p 46) e Mazon (1904 p 67-68) muitas vezes haacute

composiccedilotildees simeacutetricas de estrofe e anti-estrofe da mesma forma como elas se configuram na ode e antode do

agon epirremaacutetico

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80

simplesmente expotildeem uma cena cheia de accedilatildeo O epirrema conteacutem apenas um diaacutelogo que eacute

marcado pela regularidade com que Filocleatildeo e o coro conversam alternadamente

Primeiramente (vv 347-352) o coro propotildee que Filocleatildeo faccedila como Odisseu no episoacutedio em

que o heroacutei eacutepico foge da gruta do ciclope Mas esse ardil jaacute tinha sido tentado antes por

Filocleatildeo (vv 181-189) Na proposta seguinte (vv 353-356) o coro o anima a pular em

memoacuteria dos tempos de bravura Mas a velhice se sobrepotildee agrave juventude de outrora Com o

andamento da accedilatildeo no antepirrema ocorre a uacuteltima tentativa de fuga por uma corda (vv 382-

388) que teria sucesso natildeo fosse a reaccedilatildeo de Bdelicleatildeo surpreendendo o fugitivo e seus

cuacutemplices (vv 395-402)

Na cena seguinte85

(vv 415-525) que estaacute intercalada entre os agones I e II

apresenta em sua forma poucas semelhanccedilas com o agon epirremaacutetico entretanto a natureza

dessa cena eacute em seu conteuacutedo tipicamente agoniacutestica Segundo Gelzer (1960 p 155-156) no

que concerne agrave disposiccedilatildeo meacutetrica haacute uma prevalecircncia dos tetracircmetros trocaicos e tambeacutem

podem-se constatar duas partes simeacutetricas (vv 406-414 = 463-471) constituiacutedas por trecircs

trocaicos dois tetracircmetros peocircnios e por fim uma seacuterie mais longa de tetracircmetros trocaicos

Essas duas estrofes na anaacutelise de Gelzer poderiam ser vistas como odes e o restante como

epirrema aos moldes do agon epirremaacutetico Mas haacute alguns desvios como a ausecircncia de

katakeleusmos e pnigos A estrofe que na funccedilatildeo de sphragis encerra o agon I daacute sequumlecircncia agrave

proacutexima cena cujo conteuacutedo pode ser dividido em duas partes Na primeira o coro reage agrave

accedilatildeo precedente de Bdelicleatildeo sinalizando a iminecircncia de um confronto entre eles

85 O agon II daacute-se na diallage segundo Gelzer (1960 p 48) Na cena de transiccedilatildeo entre os agones I e II

encontram-se duas das quatro partes da diallage a disputa e o acordo

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81

Χο καὶ σέ γrsquoαὐτοῖς ἐξολοῦμεν ἀλλrsquo ἅπας ἐπίστρεφε

δεῦρο κἀξείρας τὸ κέντρον εἶτrsquoἐπrsquoαὐτὸν ἴεσο

ξυσταλείς εὔτακτος ὀργς καὶ μένους ἐμπλήμενος

ὡς ἅν εὖ εἰδῆ τὸ λοιπὸν σμνος οἶον ὤργισεν (vv 422-425) []

Βδ παῖε παῖrsquo ὦ Ξανθία τοὺς σφκας ἀπὸ οἰκίας

Ξα ἀλλὰ ὁρῶ τοῦτrsquo

Βδ ἀλλὰ καὶ σὺ τῦφε πολλ τ καπν (vv 456-457)

Co E eacute com eles que vamos acabar com vocecirc Virem-se todos

para esse lado sacando o ferratildeo e em seguida ataquem-no em fileiras cerradas bem alinhadas com o coraccedilatildeo cheio de fuacuteria e raiva

para que ele saiba bem em que tipo de enxame ele mexeu

[] Bd Enxota enxota Xacircntias essas vespas pra longe da casa

Xa Mas eacute o que estou fazendo

Bd E vocecirc [para Soacutesias] sufoca-as com muita fumaccedila

Na segunda parte satildeo arrolados os acordos entre pai e filho em que ficam

estabelecidas as seguintes condiccedilotildees propostas das partes (vv 504-511) os fundamentos de

ambas as partes litigantes (vv 515-520) e o juiz que com sua sentenccedila deve deliberar qual

das soluccedilotildees propostas eacute a melhor (v 521) e tais condiccedilotildees devem ter a aprovaccedilatildeo de ambas

as partes para que a negociaccedilatildeo comece

Assim com a negociaccedilatildeo inicia-se o segundo agon (vv 526-727) em que se

discute se os juiacutezes governam ou apenas servem a cidade de Atenas Para Gelzer (1960 p

49) o exemplo dessa negociaccedilatildeo que estaacute em conexatildeo com o agon epirremaacutetico mostra

claramente a natureza da diallage uma vez que se trata de uma comeacutedia de tribunal

Quanto agrave forma esse segundo agon possui todas as seccedilotildees a seguir expostas

ode (vv 526-545) antode (vv 631-647)

katakeleusmos (vv 546-547) antikatakeleusmos (vv 648-649)

epirrema (vv 548-620) antepirrema (vv 650-718)

pnigos (vv 621-630) antipnigos (vv 719-724)

sphragis (vv 725-727)86

A ode eacute novamente dialogada a uacutenica diferenccedila eacute que o coro eacute interrompido pelas

personagens duas vezes ao inveacutes de uma Nas partes restantes natildeo haacute modificaccedilotildees No

86 Para Gelzer (1960 p XIII) o agon termina no v 724 jaacute Mazon (1904 p 72-73) estende o agon ateacute o v 759 e

Pickard-Cambrige (1966 p 219) e Moumlllendorff (2002 p 95) fazem a marcaccedilatildeo ateacute o v 727 que eacute o que

estamos considerando

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82

katakeleusmos Filocleatildeo tem a licenccedila para falar Diante do coro de Vespas que estaacute na

funccedilatildeo de juiz as partes apresentam nas seccedilotildees epirremaacuteticas suas fundamentaccedilotildees

acompanhadas de provas No iniacutecio do epirrema Filocleatildeo expotildee a proacutetese de seu longo

discurso de defesa em que vai demonstrar o valor da magistratura O conteuacutedo do discurso de

Filocleatildeo pode ser pontuado conforme os apartes de Bdelicleatildeo que toma nota de cada ponto

para depois rebatecirc-los Primeiramente a situaccedilatildeo dos acusados na condiccedilatildeo de suplicantes (vv

550-559) em seguida o desprezo pela riqueza e o natildeo cumprimento das promessas (vv 560-

576) depois o abuso de poder a isenccedilatildeo de prestaccedilatildeo de contas (vv 577-589) e a supremacia

dos juiacutezes e a adulaccedilatildeo dos poliacuteticos (vv 590-604) e por fim Filocleatildeo descreve a recepccedilatildeo

prazerosa ao chegar em casa e a sensaccedilatildeo de soberania oliacutempica (vv 605-620)

Se no epirrema Filocleatildeo mostrou que os juiacutezes governam cabe a Bdelicleatildeo no

antepirrema comprovar que eles satildeo manipulados (vv 650-654) Para tanto Bdelicleatildeo se

apoacuteia em caacutelculos para mostrar que os juiacutezes natildeo recebem o que lhes eacute de direito (vv 655-

664) Em seguida ele demonstra que o dinheiro serve apenas para corromper a magistratura

e o preccedilo dessa submissatildeo e logro eacute de trecircs oacutebolos aleacutem de promessas e de alguns presentes

da classe poliacutetica

Devido agrave natureza dessas partes epirremaacuteticas87

esse agon eacute de fundo sereno

numa linguagem sem asperezas (McLEISH 1980 p 119) o que lhe confere um tom de

trageacutedia ou pelo menos melodramaacutetico Logo no iniacutecio dessa contenda Bdelicleatildeo emprega o

termo τρυγῳδοῖς (v 650) ―cantor de borra significando poeta cocircmico um vocaacutebulo

composto de τπςγ [τρύξ] e Ὠδή Por esse mesmo mecanismo Aristoacutefanes encerra a comeacutedia

Vespas com a palavra τπςγῳδῶν (v 1537) segundo Thiercy (1997 p 1005) esse termo seria

87 A retoacuterica desse debate eacute discutida por Harriot (1986 p 36-43 apud MAcDOWELL 1995 p 160)

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83

paralelo agrave palavra τραγῳδία portanto τρυγῳδία seria um vocaacutebulo forjado daiacute em

algumas traduccedilotildees se tente resgatar tal hibridismo empregando-se o termo trigeacutedia88

Tudo leva a crer que a intenccedilatildeo de Aristoacutefanes eacute deixar claro que esse discurso

eleva-se acima do niacutevel normal da comeacutedia Nesse agon Bdelicleatildeo e Filocleatildeo deixam de ser

personagens apenas de comeacutedia para interiorizarem personagens tragicocircmicos tanto pelas

cenas de paroacutedia inspiradas na trageacutedia de Euriacutepides quanto pelas funccedilotildees que essas

personagens assumem Bdelicleatildeo que tem uma funccedilatildeo de spoudaios manteacutem a seriedade ndash o

que o torna uma personagem natildeo tatildeo engraccedilada ndash e por ser um tipo visionaacuterio (McLEISH

1980 p 54) E Filocleatildeo tem uma postura sisuda oposta agravequela no iniacutecio da comeacutedia

enfatizando a polivalecircncia de seu caraacuteter poneros Assim Bdelicleatildeo eacute na sua funccedilatildeo

spoudaios desprovido de jocosidade e sua seriedade se sobrepotildee a ponto de Filocleatildeo

ser em sua poneria haacutebil o suficiente para tambeacutem ser seacuterio e

melodramaacutetico (vv 696-697 713-714)

Se no pnigos o coro elogia a oratoacuteria de Filocleatildeo no antipnigos apoacutes o

pronunciamento de Bdelicleatildeo percebe-se uma mudanccedila de opiniatildeo do coro que na sphragis

sela a discussatildeo declarando a superioridade discursiva de Bdelicleatildeo Para que natildeo fracasse

sua empresa de corrigir a natureza intrataacutevel do pai Bdelicleatildeo lhe propotildee trocar o lugar do

tribunal que funcionava na praccedila Helieacuteia por um tribunal permanente na proacutepria casa

σὺ δrsquoοὖν ἐπειδή τοῦτο κεχάρηκας ποιῶν

ἐκεῖσε μὲν μηκέτι βάδιζrsquo ἀλλrsquo ἐνθάδε

αὐτοῦ μένων δίκαζε τοῖσιν οἰκέταις (νν 764-766)

Bem jaacute que vocecirc foi feliz fazendo isso nunca mais vaacute laacute mas fique aqui

e julgue os seus criados

Filocleatildeo eacute persuadido pelo filho Entretanto o velho heliasta natildeo renuncia agrave

condiccedilatildeo de juiz que eacute sua razatildeo de viver

88 A esse respeito Thiercy (1997) recomenda os artigos de Ghiron-Bistagne (1973) e de Taplin (1983)

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84

ἀνά τοί με πείθεις ἀλλrsquoἐκεῖνrsquoοὔπω λέγεις

τὸν μισθὸν ὁποθεν λήψομαι (νν 784-785)

Sem duacutevida vocecirc estaacute me convencendo Mas daquilo vocecirc ainda natildeo falou

de meu honoraacuterio de que lugar vou receber

Daacute-se entatildeo a terceira etapa com a cena de julgamento domiciliar que eacute uma

paroacutedia89

dos tribunais atenienses e portanto de fundo agoniacutestico pela sua proacutepria natureza

O teatro como uma manifestaccedilatildeo social se aproveita dessa natureza performaacutetica do tribunal

e na trageacutedia o julgamento torna-se um tema frequumlente Trata-se de um agon-processo

(ἀγών-procegraves) termo de classificaccedilatildeo de agon segundo Duchemin (1968 p 39) Nesse tipo

de agon podem ocorrer duas situaccedilotildees em torno do heroacutei da trageacutedia Na primeira o heroacutei eacute

submetido a um tribunal por causa de um crime que cometeu um bom exemplo estaacute em

Eumecircnides de Eacutesquilo em que Orestes eacute levado a juacuteri por ter derramado o sangue no interior

da philia ao matar a matildee Na segunda situaccedilatildeo o heroacutei eacute injustamente acusado de um crime

por exemplo Hipoacutelito de Euriacutepides em que Hipoacutelito eacute culpado por um delito que natildeo

cometeu e submetido agrave sentenccedila de seu pai que aleacutem de ser parte na causa eacute tambeacutem o juiz

No caso da comeacutedia Vespas satildeo o uacutenico exemplo da presenccedila de um agon-

processo na cena do julgamento dos catildees em que Aristoacutefanes natildeo faz paroacutedia de nenhum

agon-processo da trageacutedia mas dos tribunais atenienses alvo da criacutetica do poeta A cena

precedente (vv 760-890) eacute preparatoacuteria e nela se configura uma parte da cena de tribunal em

que o heroacutei ao inveacutes de reacuteu eacute persuadido a ser juiz O conteuacutedo dessa cena evidencia que vai

se tratar de um agon-processo com um esquema que segue bem proacuteximo as etapas judiciaacuterias

a escolha do jurado e a abertura do processo A partir disso comeccedila a cena do julgamento (vv

891-1008) em que ocorre uma continuaccedilatildeo das etapas judiciais o depoimento da testemunha

a arguumliccedilatildeo da acusaccedilatildeo a arguumliccedilatildeo da defesa e por fim a sentenccedila em que o juacuteri deposita o

sufraacutegio

89 Essa paroacutedia evoca um acontecimento da eacutepoca o estratego Laches eacute acusado de natildeo ter aceito o ouro dos

sicilianos e Cleatildeo eacute representado pelo outro catildeo Aristoacutefanes transfere um assunto de Estado para um assunto

do lar

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85

Aristoacutefanes engendra o mesmo recurso alegoacuterico aplicado na fabulaccedilatildeo de

Cavaleiros com as devidas acomodaccedilotildees ao enredo de Vespas o tribunal da Pnix eacute a casa de

Filocleatildeo o reacuteu eacute o catildeo Labes que por causa do roubo de um pedaccedilo de queijo siciliano

representa o comandante Laques acusado de peculato numa missatildeo agrave Siciacutelia o acusador eacute um

outro catildeo da casa cujo nome natildeo eacute dado embora esteja subtendido que seja o demagogo

Cleatildeo Participam tambeacutem da cena o escravo Xacircntias como testemunha Bdelicleatildeo como

advogado de defesa e Filocleatildeo como juiz

Embora Aristoacutefanes natildeo tenha feito dessa cena do julgamento domiciliar a cena

do agon epirremaacutetico a accedilatildeo se equipara em sua funccedilatildeo ao agon (GELZER 1960 p 160)

Levando-se em consideraccedilatildeo formaconteuacutedo do agon o conteuacutedo eacute abalizado pela discussatildeo

e na sua forma podem ser estabelecidas algumas correspondecircncias

Βδ σίγα κάθιζε σὺ δrsquoἀναβὰς κατηγόρει (v 905)

Bd Silecircncio Sentem-se Vocecirc suba e apresente sua acusaccedilatildeo

[]

Βδ ἀνάβαινrsquo ἀπολογοῦ τί σεσιώπηκας λέγε (v 944)

Bd Suba e apresente sua defesa Por que vocecirc estaacute calado Fale

As passagens citadas mostram que antes de cada pronunciamento o litigante eacute

incitado a falar primeiramente a acusaccedilatildeo e depois a defesa o que equivaleria ao

katakeleusmos Os dois discursos de acusaccedilatildeo e de defesa (vv 907-930 946-978

respectivamente) correspondem quanto ao conteuacutedo aos discursos do agon epirremaacutetico

Nos epirremas a linguagem parodia as formas legais e retoacutericas e oscila entre os

contextos humano e animal aleacutem de ocorrecircncia de imagens referentes agrave comida e agrave gula como

siacutembolo da corrupccedilatildeo poliacutetica que satildeo similares agravequela presente na cena do duelo forno e

fogatildeo de Cavaleiros Contudo por causa de seu nonsense (WHITMAN 1964 p 153-154) a

cena do julgamento eacute bem mais divertida O poeta se vale da plasticidade da liacutengua para criar

palavras cuja finalidade eacute congregar um conjunto de elementos disparatados em sua metaacutefora

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86

cecircnica O objetivo desse debate eacute mostrar os absurdos cometidos pelos demagogos e pelos

juiacutezes que natildeo datildeo a verdadeira atenccedilatildeo aos processos

O julgamento termina num quumliproquoacute em que Filocleatildeo decidido pela

condenaccedilatildeo ao lanccedilar o voto deposita-o na urna de absolviccedilatildeo Desesperado Bdelicleatildeo

consola o pai que cede aos argumentos do filho de que eacute preciso uma mudanccedila de haacutebito

tema para as cenas seguintes da segunda parte da comeacutedia

Encerra-se a primeira parte da peccedila que se estrutura num conjunto agoniacutestico

complexo devido agrave natureza das cenas e a dinacircmica da accedilatildeo A primeira paraacutebase90

marca natildeo

soacute a passagem para a segunda parte da fabulaccedilatildeo mas tambeacutem prenuncia um novo tema que

tem em comum com a temaacutetica da primeira parte o desafio de Bdelicleatildeo de reeducar os

haacutebitos de Filocleatildeo Sob esse ponto haacute uma inter-accedilatildeo entre essas personagens o que

estabelece um elo entre as duas partes da comeacutedia No proacutelogo o escravo Xacircntias ao expor o

assunto da peccedila refere-se ao caraacuteter de Filocleatildeo da seguinte maneira

ἔχων τρόπους φρυαγμοσεμνάκους τινάς (v 135)

tendo certos modos estrebuchados

Aristoacutefanes forja nessa passagem a palavra φρυαγμοσεμνάκους que traduz a

ideacuteia de algueacutem com um caraacuteter muito arrogante como o relincho de um puro-sangue91

Essa

natureza selvagem de Filocleatildeo eacute reconfirmada mais adiante no discurso parabaacutetico do coro

πρῶτα μὲν γὰρ οὑδὲν ἡμῶν ζον ἠρεθισμένον

μᾶλλον ὀξύθυμόν ἐστιν οὐδὲ δυσκολώτερον (νν 1104-1105)

em primeiro lugar nenhum outro animal quando provocado

eacute mais coleacuterico nem mais doloroso do que noacutes

90 Na opiniatildeo de Mazon (1904 p 75) a variedade do assunto nessa paraacutebase eacute uma reduccedilatildeo exata da comeacutedia

como um todo 91 Nos comentaacuterios de Sommerstein (1983 p 164) trata-se da seguinte composiccedilatildeo ―very (-ak) proud (semnos)

like a whinnying thoroughbred (phruattesthai whinnylsquo)

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87

Como Bdelicleatildeo natildeo desiste de reabilitar os modos do pai na segunda parte o

conflito entre eles permanece Dessa maneira as cenas seguintes ateacute o ecircxodo embora natildeo

tenham na sua forma o modelo do agon epirremaacutetico satildeo relevantes quanto ao conteuacutedo Se

Filocleatildeo na primeira metade da comeacutedia abdica de sua paixatildeo pela chicana judicial no

segundo momento da peccedila ele ainda eacute na sua aparecircncia fiacutesica um velho heliasta

De acordo com Kowzan (1977 p 71) a indumentaacuteria define externa e

convencionalmente o indiviacuteduo inclusive certos gostos e traccedilos do caraacuteter Desde o iniacutecio da

comeacutedia sabe-se que Filocleatildeo veste um manto surrado τριβώνιον (vv 33 116)

incomodando Bdelicleatildeo que tenta mudar essa mania do pai de se vestir como um homem

pobre (vv 341 503-507) Entatildeo na segunda metade da comeacutedia haacute uma cena (vv 1122-

1164) em que ocorre a troca de figurino e ao mesmo tempo uma inversatildeo de valores entre pai

e filho que permeia toda a discussatildeo num ritmo alternado Primeiramente os mantos (vv

1131-1132) e depois as botas (vv 1157-1158) Assim sendo a troca de traje se refere na

tentativa de Bdelicleatildeo de dar ao pai liccedilotildees de comportamento elegacircncia e bom gosto a uma

mudanccedila da physis de Filocleatildeo

Χο ζηλῶ γε τς εὐτυχίας

τὸν πρεσβύν οἷ μετέστη

ξηρῶν τρόπων καὶ βιοτς

ἔτερα δὲ νῦν ἀντιμαθὼν

ἦ μέγα τι μεταπεσεῖται

ἐπὶ τὸ τρυφῶν καὶ μαλακόν

τάχα δrsquo ἅν ἴσως οὐκ ἐθέλοι

τὸ γὰρ ἀποστναι χαλεπὸν

φύσεως ἣν ἔχοι τις ἀεί (vv 1450-1458)

Co Invejo pela boa sorte o velho a transformaccedilatildeo radical

de suas maneiras riacutegidas e de seu modo de viver

Agora tendo aprendido outras liccedilotildees ele teraacute uma grande mudanccedila

para o luxo e o conforto

Mas pode ser que natildeo queira

pois eacute difiacutecil deixar o caraacuteter que sempre se teve

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88

Bdelicleatildeo natildeo esperava uma inversatildeo do caraacuteter rigoroso do pai (vv 1292-1449)

para uma postura excessivamente libertina (vv 1474-1537) o que manteacutem o conflito entre pai

e filho a ponto de Bdelicleatildeo cogitar em prender o pai novamente em casa

Essas cenas soacute acentuam o caraacuteter indomaacutevel de Filocleatildeo em vaacuterios momentos

assinalados nesta anaacutelise e a natureza pelejadora do velho heliasta sempre pronto a novos

confrontos eacute uma constante do comeccedilo ao fim da peccedila

φέρε νυν ἀνείπω κἀνταγωνιστὰς καλῶ

εἴ τις τραγῳδός φησιν ὀρχεῖσθαι καλῶς

ἐμοὶ διορχησόμενος ἐνθάδrsquo εἰσίτω

Φησίν τις ἥ οὐδείς (νν 1497-1500)

Venham agora faccedilo uma proclamaccedilatildeo e invoco meus adversaacuterios se algum poeta traacutegico pretende danccedilar belamente

que venha aqui disputar comigo o precircmio da danccedila

Algueacutem aceita ou natildeo

Esses versos jaacute no final da comeacutedia tecircm um tom de katakeleumoacutes o que

demonstra que do proacutelogo ao ecircxodo o todo orgacircnico da peccedila eacute construiacutedo na base do agon

seja na formaconteuacutedo seja apenas na forma ou somente no conteuacutedo

Portanto a dinacircmica da accedilatildeo nas duas metades de Vespas tem como eixo comum

o empenho do filho em querer reeducar o modus vivendi do pai o que torna inevitaacutevel o

conflito entre ambos porque em Filocleatildeo a civilidade e o natural nomos e physis coexistem

(BOWIE A M 1995 p 83) ele conteacutem em si mesmo um lado humano e tambeacutem animal no

qual se destaca um status como vespa inseto que foi na Histoacuteria Natural Grega descrito

como politikon zoon e como um feroz combatente92

4 O agon em Ratildes os saltos do debate entre Euriacutepides e Eacutesquilo

A comeacutedia Ratildes que eacute um tributo ao Teatro vai explorar metateatralmente a

criacutetica ao drama antigo No enredo Dioniso patrono do Teatro inquieta-se com o futuro da

92 Sobre esse aspecto de a vespa ser um siacutembolo de coacutelera e luta cf Taillardat (1965 p 210-211 sect 380)

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arte dramaacutetica uma vez que os principais poetas que a representam Eacutesquilo Soacutefocles e

Euriacutepides jaacute se encontram no Hades de onde Dioniso pretende trazer de volta Euriacutepides A

preparaccedilatildeo para a descida agrave morada dos mortos eacute o enfoque da primeira metade da comeacutedia

Ao chegar ao submundo Dioniso e seu escravo Xacircntias presenciam uma discussatildeo entre

Euriacutepides e Eacutesquilo para saber quem tem de direito o assento da trageacutedia no banquete

oferecido por Hades Eacute nesse ambiente de debate que entre ambos os dramaturgos o gecircnero

traacutegico passaraacute por um pente-fino agrave luz da mise en scegravene da comeacutedia

No estudo do agon de Ratildes a primeira dificuldade eacute saber se toda a segunda

metade da peccedila eacute o agon ou se ele compreende apenas a seccedilatildeo que contempla a siziacutegia

epirremaacutetica Para Whitman (1964 p 230) o agon totaliza setecentos versos um pouco

menos do que Thiercy (1997 p 1263) estabelece 720 versos isto eacute comeccedilaria no v 830 e

terminaria no v 1500 Esse valor ultrapassa e muito a demarcaccedilatildeo feita por Mazon (1904 p

149) Gelzer (1960 p xiii) Pickard-Cambrigde (1966 p 228) Sommerstein (1997a p 235)

e Moumlllendorff (2002 p 156) que consideram agon os vv 895-1098 portanto 203 versos De

acordo com os esquemas de Mazon e Pickard-Cambridge o agon estaria intercalado por

cenas iacircmbicas e stasima Ocorre que salvo o proacutelogo da segunda metade da peccedila (vv 738-

813) que introduz o assunto e o canto coral (vv 814-29) a partir do v 830 jaacute se tem uma

introduccedilatildeo do agon (vv 830-894) que nesta anaacutelise eacute considerado de proagon93

Dos vv 895-

1098 se daacute o agon regular e completo na siziacutegia epirremaacutetica E a partir daiacute se desenrola uma

seacuterie de cenas iacircmbicas intercaladas por interluacutedios liacutericos que manteacutem a discussatildeo

prolongando-a ateacute o ecircxodo Percebe-se que nessas cenas posteriores o conteuacutedo estaacute

determinando a forma porque a estrutura natildeo eacute epirremaacutetica mas o conteuacutedo eacute uma extensatildeo

do que foi debatido nas partes epirremaacuteticas do agon Assim a narrativa dramaacutetica dessa

segunda metade da peccedila se constroacutei a meu ver por um complexo agoniacutestico haacute um proagon

93 Mazon (1904 p 149) denomina de introduction drsquoagon Optou-se pela denominaccedilatildeo de proagon porque se

trata de uma cena preparatoacuteria que tem a funccedilatildeo de apresentar os contendores uma vez que eles satildeo novos na

fabulaccedilatildeo como os Raciociacutenios em Nuvens por exemplo

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um agon e cenas de fundo agoniacutestico que expandem a discussatildeo que vai num crescendo como

vimos em Cavaleiros Nuvens e Vespas

A composiccedilatildeo de Ratildes eacute no conjunto da obra de Aristoacutefanes a comeacutedia que mais

inovou na disposiccedilatildeo da ordem habitual das partes94

Naturalmente esse assunto vem sendo

discutido e as opiniotildees divergem Para Mazon (1904 p 149) trata-se de uma composiccedilatildeo

incoerente com estrutura bipartida jaacute para Konstan (1995 p 62) que estabelece uma estrutura

tripartida a peccedila eacute coesa Haacute no entanto um consenso entre os especialistas como Whitman

(1964) Segal (1996) Dover (1993) e Thiercy (2007) que entendem que se trata de uma

unidade estrutural que eacute aparentemente dividida Essa estrutura exteriormente bipartida eacute

proposital porque Aristoacutefanes fez uma comeacutedia que eacute uma soma de dicotomias que comporta

um elemento unificador a personagem Dioniso bem como um tema uacutenico o Teatro a

primeira parte explora a natureza da Comeacutedia e a segunda a da Trageacutedia (WHITMAN 1964

p 235)

Ratildes satildeo portanto uma comeacutedia que auto-representa o Teatro no sentido mais

estrito do termo metateatro (PAVIS 2001 p 240) Nada mais oportuno que o Teatro examine

a si mesmo pelo vieacutes da Comeacutedia jaacute que essa possui entre suas seccedilotildees o que eacute de mais

congruente para uma discussatildeo o agon

A criacutetica literaacuteria eacute o tema do agon de Ratildes de um lado Eacutesquilo pai da trageacutedia

herdeiro da poesia eacutepica e liacuterica cujo estilo poeacutetico imitava a physis a natureza de outro

Euriacutepides que revolveu as estruturas desse gecircnero que o antecedera aproximadamente de um

seacuteculo e criou uma poesia fundamentada na tekhne95

cujos discursos possuiacuteam mecanismos

para produzir um efeito de realismo de situaccedilotildees atitudes sentimentos vivecircncias quotidianas

e sujeiccedilatildeo humana agrave gloacuteria e ao fracasso

94 A peccedila tem uma duplicaccedilatildeo do proacutelogo e do paacuterodo as cenas episoacutedicas se encontram na primeira parte e a

paraacutebase que estaacute desmembrada antecede o agon 95A respeito dessa terminologia cf Santos (19921993)

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A contenda entre os poetas se baseia em criteacuterios esteacuteticos e morais e estatildeo

atreladas a isso questotildees a respeito da influecircncia dessa arte sobre os cidadatildeos e de quais

conselhos lhes dar Por esse uacuteltimo toacutepico pode-se estabelecer uma conexatildeo entre a primeira

metade da peccedila com a segunda isto eacute a passagem da paraacutebase para o agon o que desfaz a

impressatildeo aparente de que Ratildes eacute uma comeacutedia fragmentada cuja estrutura se apresenta

bipartida

Na paraacutebase96

o coro aconselha o puacuteblico em assuntos poliacuteticos Por esse mesmo

mecanismo Dioniso que se vecirc num impasse para julgar os poetas elege como criteacuterio de

desempate o vencedor do debate que melhor aconselhar a cidade Do ponto de vista do

conteuacutedo o discurso do coro ecoa no agon pelo discurso de Eacutesquilo que vai ser vencedor no

final

Tambeacutem se pode traccedilar uma relaccedilatildeo natildeo tatildeo direta quanto agrave da paraacutebase entre o

proacutelogo e o desfecho do agon No iniacutecio da comeacutedia Dioniso vai agrave procura de Heacuteracles para

saber como chegar ao Hades porque quer trazer de volta o poeta Euriacutepides por quem tem em

alta estima O motivo dessa busca eacute sua insatisfaccedilatildeo com os dramaturgos vivos (vv 70-75)

Entretanto no final do agon apoacutes arguumliccedilatildeo de cada poeta a respeito da salvaccedilatildeo da cidade

Dioniso prefere Eacutesquilo a Euriacutepides Natildeo seria isso a grande ―piada da comeacutedia aquela que o

escravo deseja contar assim que abre o proacutelogo da peccedila

Ξα Εἴπω τι τῶν εἰωθόων ὦ δέσποτα

ἐφrsquo οἷς ἀεὶ γελῶσιν οἱ θεώμενοι (vv 1-2)

Xa Patratildeo posso contar uma piada

Uma daquelas com que sempre os espectadores riem97

Xacircntias pede ao mestre para dizer algo corriqueiro de que riem os espectadores

portanto uma anedota ou piada Considerando que um dos recursos da piada que joga com o

96 A propoacutesito da anaacutelise da paraacutebase em Ratildes cf Duarte (2000 p 203-217) 97 As passagens traduzidas de Ratildes satildeo de Anna Lia de Almeida Prado e Silvia Sueli Milanezi

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elemento surpresa eacute a inversatildeo de sentido o encerramento do agon marca uma metabole98

mudanccedila suacutebita e imprevista da situaccedilatildeo Quando se espera que Dioniso vaacute preferir Euriacutepides

a Eacutesquilo somos surpreendidos porque o projeto do deus anunciado no proacutelogo sofre uma

reviravolta nos instantes derradeiros da peccedila Pela ironia cocircmica se eacute que se pode chamar

assim por influecircncia da ironia traacutegica o resultado aponta Eacutesquilo como escolhido O final de

Ratildes eacute tambeacutem o final do agon o que unifica a estrutura da peccedila garantindo sua unidade natildeo

apenas quanto agrave estrutura mas tambeacutem quanto ao conteuacutedo

O agon epirremaacutetico se encontra intercalado por cenas de conteuacutedo agoniacutestico de

um lado o proacutelogo cena de iniacutecio da segunda metade da peccedila que tambeacutem assume a funccedilatildeo

de proagon e de outro as cenas seguintes que satildeo um prolongamento da discussatildeo o que

direciona toda a accedilatildeo para um complexo agoniacutestico em que o agon estaacute inserido

O iniacutecio da contenda ocorre no espaccedilo extracecircnico99

em que a cena da disputa

torna-se conhecida do puacuteblico no diaacutelogo que estabelece o proacutelogo da segunda parte da

comeacutedia entre Eacuteaco e Xacircntias (vv 738-813) Em seguida o coro de iniciados antecipa que

como uma briga de galo a discussatildeo vai ser acirrada

ἔσται δrsquo ὑψιλόφων τε λόγων κορυθαίολα νείκη

[]

φρίξας δrsquo αὐτοκόμου λοφιᾶς λασιαύχενα χαίταν (vv 818 820)

Haveraacute disputas faiscantes de palavras empenachadas []

Arrepiando os seus cabelos uma espessa crina

Nota-se que essa passagem cantada pelo coro exprime a ideacuteia de agon tanto no

sentido beacutelico de combate quanto no sentido retoacuterico de debate ao logos eacute atribuiacutedo o

predicativo ὑψίλοφος que por sua vez se conecta agraves expressotildees αὐτόκομος e λοφία

98 Sobre esse termo cf nota 73 99 A esse propoacutesito cf nota 54

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cabeleira e crina respectivamente Trata-se de termos que designados natildeo soacute ao universo

humano mas tambeacutem ao reino animal pertencem a contextos beacutelicos de tradiccedilatildeo eacutepica100

Logo no iniacutecio do segundo proacutelogo Eacuteaco explica que a disputa eacute decorrecircncia da

rixa entre o talento artiacutestico referente aos termos tekhne (vv 770 780 785 793 811) e

sophos (vv 766 776) de cada poeta Eacute exatamente em relaccedilatildeo agrave teacutecnica e agrave habilidade que

Euriacutepides abrindo o proagon (vv 830-894) afirma sua superioridade (v 831) As

preliminares dos pontos em debate no agon ficam jaacute estabelecidas no conteuacutedo do proagon

em que se coadunam enredo personagens figurino versificaccedilatildeo e sobretudo linguagem101

mostrando o distanciamento que haacute entre o estilo de cada poeta Essa disparidade de estilo

pode ser observada no emprego dos termos rhemata (discurso) e epe (palavra) com relaccedilatildeo ao

logos de cada poeta rhemata refere-se ao discurso de Eacutesquilo (vv 824 828 854 881 924

929 940 1004 1059 1060 1155 1367) enquanto que epe denomina as palavras de

Euriacutepides (vv 882 904 948 956 1181 1198 1388 1395 1407)102

Valendo-se da

plasticidade da liacutengua Aristoacutefanes recheia de provocaccedilotildees e insultos o conteuacutedo do proagon

que se constroacutei num ritmo esticomiacutetico que vai permanecer tambeacutem no agon

Dioniso tenta apaziguar os acircnimos dos litigantes ―porque natildeo conveacutem que poetas

discutam como padeiras (vv 857-858) Em seguida nos stasima apoacutes invocar as musas o

coro anuncia o debate νῦν γὰρ ἀγών σοφίας ὁ μέγας (v 884) Trata-se de um grande

concurso em que a inteligecircncia vai pocircr agrave prova a poneria de cada poeta Primeiramente

presta-se juramento Eacutesquilo nascido em Elecircusis faz voto a Demeacuteter (vv 886-887) enquanto

Euriacutepides adepto da sofiacutestica invoca como divindade tutelar a Liacutengua (v 893) manifestando

100 Iliacuteada XXIII 141 e VI 509 Odisseacuteia XIX 446 Esses termos resultaram mais tarde nos elmos enfeitados

com penachos (Plutarco Alexandre 16) 101 Euriacutepides foi um poeta de vanguarda para seu tempo A ele se deve a introduccedilatildeo no mundo da trageacutedia dos

princiacutepios esteacuteticos e retoacutericos da intelectualidade da eacutepoca em que a sofiacutestica modelo retoacuterico com profundo poder sobre as massas estava em voga ou seja a essecircncia da oratoacuteria sofiacutestica consistia no confronto de

teses portanto na possibilidade de defender com sucesso posiccedilotildees opostas ditas antilogias (v 775) 102 De acordo com Sommerstein (1996 p 228) pode haver inversotildees rhemata em Euriacutepides (v 1199) e epe em

Eacutesquilo (vv 1161 1387)

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claramente seu racionalismo face agrave aceitaccedilatildeo sem questionamento de um legado religioso103

Parece providencial que Aristoacutefanes promova a liacutengua ao Panteatildeo Oliacutempico justamente numa

seccedilatildeo da comeacutedia em que o sucesso de uma discussatildeo depende do espiacuterito criacutetico e da

capacidade de arguumliccedilatildeo

Bem aos moldes dos concursos de retoacuterica o agon epirremaacuterico estaacute equiparado

tanto no conteuacutedo quanto na forma as quais se dispotildee nas seguintes partes

ode (vv 895-904) antode (vv 992-1003)

katakeleusmos (vv 905-906) antikatakeleusmos (vv 1004-1005)

epirrema (vv 907-970) antepirrema (vv 1006-1076)

pnigos (vv 971-991) antipnigos (vv 1077-1098)

As partes corais fixam a vez de cada contendor as seccedilotildees epirremaacuteticas satildeo

simeacutetricas estabelecendo o jogo argumentocontra-argumento os tetracircmetros iacircmbicos

traduzem a irreverecircncia de Euriacutepides enquanto os tetracircmetros anapeacutesticos cujo tom mais

grave e solene satildeo reservados a Eacutesquilo E cabe a Dioniso a funccedilatildeo de aacuterbitro (vv 810-811)

Na ode o coro anuncia que a disputa vai mostrar dois tipos de dicccedilatildeo uma

espirituosa e refinada (ἀστεῖος κατερρινημένος respectivamente) a outra avassaladora

que com palavras rompe (συσκεδάννυμι) galhos e aacutervores Apoacutes o katakeleusmos

Euriacutepides se antecipa expondo no epirrema em tom de proacutetase sua dupla investida

Inicialmente a ofensiva eacute dirigida agraves personagens mudas e depois agrave linguagem indecifraacutevel

de seu adversaacuterio (vv 909-935)

O ataque agrave mudez de Eacutesquilo no proagon eacute retomado mas dessa vez referido natildeo

a seu criador mas agraves suas criaturas104

que apoacutes longa expectativa do puacuteblico rompem o

silecircncio com neologismos empolados e enigmaacuteticos toacutepicos que na sequumlecircncia das investidas

satildeo responsaacuteveis pela obesidade linguumliacutestica com que Eacutesquilo deixou a trageacutedia Assim

Euriacutepides herdeiro desse legado (v 931) vecirc o gecircnero traacutegico como um enfermo que padece

103 Lembrando que essa contestaccedilatildeo tambeacutem estaacute presente em Nuvens (vv 247 264 365 424 627 815) em que

se colocam os deuses como ―moeda fora de circulaccedilatildeo 104 A propoacutesito do silecircncio dramaacutetico na obra esquiliana cf Taplin (1978 p 101-121)

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de adiposidade Eacute justamente desse excesso que Euriacutepides quer curar a trageacutedia buscando

nos livros105

(vv 940-944) uma nova esteacutetica com a finalidade de ensinar o puacuteblico a falar (v

954) e atualizar a accedilatildeo dramaacutetica com assuntos familiares (vv 959-960)

Ao criticar a construccedilatildeo das personagens esquilianas Euriacutepides alega que as suas

tecircm participaccedilatildeo na accedilatildeo e voz ativa dotada de uma retoacuterica sofiacutestica de base nitidamente

agoniacutestica (SILVA 1987 p 203) Percebe-se que Euriacutepides inserindo na tekhne dramaacutetica

raciociacutenio e indagaccedilatildeo transfere para seus enredos o espiacuterito agoniacutestico que eacute o que na

opiniatildeo dele falta em Eacutesquilo acusado da formaccedilatildeo apaacutetica de seus disciacutepulos (vv 965-967)

Assim no pnigos Euriacutepides termina sua siacutentese dizendo que com a mais fiel convicccedilatildeo

sofiacutestica seus disciacutepulos foram instruiacutedos para pensar e ter ideacuteias (vv 971-978)

Na antode o coro abre o contra-ataque de Eacutesquilo aconselhando-o agrave prudecircncia

Nessa seccedilatildeo coral Aristoacutefanes tem o cuidado de conforme anaacutelise de Silva (1987 p 209)

pocircr em relevo imagens que representam o estilo esquiliano inspirado na poesia liacuterica de

descrever emoccedilotildees Em seguida a preferecircncia do coro por Eacutesquilo eacute evidente e no

katakeleusmos o corifeu o encoraja saudando-o como o primeiro arquiteto de falas ―solenes e

altaneiras como torres a impor ordem agrave tagarelice traacutegica (vv 1004-1005)

Na sua vez Eacutesquilo natildeo pronuncia logo no iniacutecio do antepirrema uma proacutetase

como fez Euriacutepides Mas comeccedila deixando clara sua aversatildeo ao rival (vv 1006-1007) E

depois passa diretamente agrave tese de que a funccedilatildeo do poeta eacute tornar os homens melhores

Assim a estrateacutegia de ataque eacute comeccedilar pelas questotildees fundamentais dirigindo-se a Dioniso a

respeito da importacircncia do poeta para a sociedade (vv 1008-1012) Mas a reacuteplica vem de

Euriacutepides que explicita duas importacircncias primeiro a habilidade poeacutetica e depois a

orientaccedilatildeo moral dos cidadatildeos (v 1010) exatamente no que falhou segundo Eacutesquilo seu

105 A respeito de Euriacutepides ter sido um biblioacutefilo cf Silva (1987 p 200)

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adversaacuterio que herdou personagens nobres (γενναῖος) elevados (τετράπηχυς)106

e natildeo

desertores (διαδρασιπολῖται vv 1013-1014) Moralmente Eacutesquilo industriou suas peccedilas

quanto agrave accedilatildeo com temas beacutelicos ensinando ao cidadatildeo como ser um guerreiro com sede de

vitoacuteria e jamais ceder agrave derrota (vv 1021-1027) porque sua arte tem como fonte Homero

cuja fama deu uacutetil ensinamento aos gregos (v 1035) As personagens esquilianas satildeo dignas

porque Eacutesquilo natildeo compocircs enredos indecentes (vv 1043-1051) ao passo que as personagens

euripidianas estatildeo envolvidas por temas eroacuteticos e incestuosos (vv 1079-1082) assuntos que

natildeo conveacutem ao poeta (vv 1043-1052) cuja funccedilatildeo na sociedade eacute instruir a juventude (vv

1054-1055) dizendo o que eacute uacutetil atraveacutes de proveacuterbios e reflexotildees com verossimilhanccedila que

exige que o discurso seja elevado e que as personagens tenham um figurino imponente (vv

1059-1061) e natildeo reis transformados em mendigos (vv 1062-1068) A liccedilatildeo de Euriacutepides

ataca Eacutesquilo ensina a falaccedilatildeo e esvazia as palestras (vv 1069-1070) No antipnigos Eacutesquilo

arremata seu discurso acusando de maleacutefica a arte euripidiana que deixou o povo agrave mercecirc de

escrivinhadores bufotildees e enganadores (vv 1083-1086) As seccedilotildees epirremaacuteticas se

contrapotildeem portanto dois discursos que comprovam exatamente o contraacuterio as objeccedilotildees

estatildeo ligadas ao argumento anterior que na anaacutelise de Gelzer (1960 p 96) trata-se de um

procedimento silogiacutestico em que satildeo empregados os mesmos fatos para diferentes

argumentaccedilotildees

Uma vez que cada um expocircs sua arguumliccedilatildeo cabe entatildeo a Dioniso dar a sentenccedila

mas seu comentaacuterio eacute de pura bufonaria (vv 1090-1098) Ao longo do debate eacute bem marcada

pelos apartes de Dioniso a funccedilatildeo bomolochos do deus Ao contraacuterio do agon de Cavaleiros

em que Agoraacutecrito e Paflagocircnio procuram conquistar Demo por meio do suborno oferecendo-

lhe almofada calccedilados e manto no agon de Ratildes Eacutesquilo e Euriacutepides buscam cair nas graccedilas

de Dioniso por meio de um questionamento sobre a arte que eacute exatamente o que o deus

106 Refere-se a medida de quatro cocircvados aproximadamente 2 m de altura Nesse contexto pode-se entender

que se trata de homens altos grandes que satildeo tambeacutem grandes homens

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representa a arte dramaacutetica Talvez isso explique o porquecirc das tiradas jocosas durante o

debate e da hesitaccedilatildeo de opiniatildeo para dar a sentenccedila

O agon se encerra com reticecircncias o que desencadeia uma seacuterie de cenas

iacircmbicas que no esquema proposto por Moumlllendorff (2002 p 156) estaacute classificada como

Agonale Szenen (cenas de agon) portanto como em Cavaleiros trata-se de uma continuaccedilatildeo

da discussatildeo natildeo mais na forma da siziacutegia epirremaacutetica O coro numa segunda ode deixa

clara a dificuldade de escolha e num segundo katakeleusmos aconselha os poetas a falarem

com sutileza (vv 1109-1111) e refinamentos linguumliacutesticos Para isso que cada um se valha de

seus livros (vv 1112-1114) afinal eles estatildeo diante de um puacuteblico seleto portanto que falem

o que eacute uacutetil e saacutebio porque saacutebio tambeacutem eacute o espectador (vv 1099-1119)

O ponto de discussatildeo volta-se para as comparaccedilotildees estiliacutesticas que explorando os

aspectos da teacutecnica dramaacutetica se equiparam ao jogo de perguntas e respostas como o ocorrido

nos antepirremas (GELZER 1960 p 162) Primeiramente os proacutelogos107

convenientes de

Eacutesquilo estatildeo na mira da criacutetica euripidiana (vv 1119-1176) que conduz de maneira

contextualizante seu ataque Eacutesquilo por sua vez contra-ataca no mesmo tom concluindo

com a expressatildeo ―perdeu o jarrinho (ληκύθιον ἀπώλεσεν) o final de cada verso

euripidiano para demonstrar sua inconsistecircncia (vv 1177-1247)

Essa passagem rendeu muita controveacutersia entre os helenistas108

no que se refere agrave

interpretaccedilatildeo e emprego da expressatildeo criada por Aristoacutefanes Nesta anaacutelise natildeo vamos entrar

em questotildees dissidentes Abre-se aqui um parecircnteses para um breve comentaacuterio da funccedilatildeo que

a expressatildeo ληκύθιον ἀπώλεσεν assume sob a perspectiva do agon no jogo esticomiacutetico

E tambeacutem da funccedilatildeo do papel de Dioniso na contenda

Tecnicamente a esticomitia eacute uma troca verbal raacutepida que pressupotildee um choque

entre contextos (PAVIS 2001 p 147) Nessa cena dos proacutelogos o choque entre contextos

107 Para um exame dos proacutelogos em Eacutesquilo e em Euriacutepides cf Silva (1987 p 229-250) 108 Muller (2004 p 42) lista uma dezena de estudos a respeito do assunto

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ocorre exatamente na contextualizaccedilatildeo entre a estrutura discursiva dos litigantes Para cada

excerto de versos euripidianos recitados Eacutesquilo encaixa109

sempre no final a mesma

expressatildeo ou seja a estrutura discursiva esquiliana propicia um confronto entre contextos se

contextualizando na estrutura discursiva do oponente110

O que tambeacutem chama a atenccedilatildeo nesse jogo do toma laacute daacute caacute eacute a interferecircncia de

uma terceira personagem que ao mesmo tempo assume a funccedilatildeo de aacuterbitro e participante

com seus apartes ao contraacuterio de romper a contextualizaccedilatildeo e consequumlentemente o ritmo

contribui para a dinacircmica da accedilatildeo (vv 1210 1214 1224 1235 ss) Dioniso se inquieta ao

perceber a eficiecircncia da estrateacutegia de Eacutesquilo e entatildeo inserindo apartes na troca verbal entre

os contendores aconselha e encoraja Euriacutepides

Das cenas subsequumlentes ao agon epirremaacutetico essa cena cujo assunto eacute a

composiccedilatildeo dos proacutelogos se sobressai no que concerne agrave criacutetica literaacuteria porque pelo vieacutes da

paroacutedia Aristoacutefanes confronta empregando versos traacutegicos em situaccedilotildees cocircmicas os

registros de linguagem e as noccedilotildees de trageacutedia e comeacutedia

O stasimon que intercala os aconselhamentos preliminares de Dioniso a

Euriacutepides vincula-se diretamente agrave discussatildeo precedente e conduz agrave seguinte (vv 1251-1260)

Passe-se entatildeo para questotildees sobre meacutetrica e melodia111

(vv 1248-1250) Chama a atenccedilatildeo

nesse momento o fato de Aristoacutefanes produzir falas cantadas dos dois poetas que fazem

paroacutedia dos versos do oponente112

Euriacutepides se propotildee a resumir todos os cantos de Eacutesquilo

num soacute (vv 1261-1295) natildeo fossem as interrupccedilotildees de Dioniso com suas glosas Na sua vez

Eacutesquilo faz sem entretanto se aproximar da proacutetase de Euriacutepides uma introduccedilatildeo em que a

109 Nessa cena haacute um total de sete assaltos que compreendem as seguintes passagens primeiro (vv 1206-1209)

segundo (vv 1210-1214) terceiro (vv 1215-1224) quarto e quinto (vv 1225-1236) sexto (vv 1237-1242) seacutetimo (vv 1243-1247) Para anaacutelise de cada um desses assaltos cf Muumlller (2004 p 45-51)

110 Na interpretaccedilatildeo de Muumlller (2004 p 44) essa cena ocorre em dois niacuteveis de um lado a coerecircncia semacircntica

entre a sequumlecircncia ληκύθιον ἀπώλεσεν e os proacutelogos recitados por Euriacutepides de outro entre o jogo que se

opera entre essa eventual coerecircncia que segundo esse autor pode ser tambeacutem interpretada como desarmocircnica e a accedilatildeo cocircmica que a expressatildeo suscita Muumlller (2004 p 53) conclui que assistimos a mise en

scegravene de significados traacutegicos como significantes cocircmicos 111 Sobre os cantos liacutericos esquilianos e euripidiansos cf Silva (1987 p 250-290) 112 Para uma anaacutelise precisa dessa paroacutedia cf Silva (1987 p 283-290)

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num complexo agoniacutestico)

99

melodia e os metros euripidianos satildeo atacados por terem fonte estrangeira (vv 1300-1304) e

serem tiacutepicos das prostitutas (vv 1308-1327) Apoacutes uma longa saacutetira agraves monodias de

Euriacutepides (vv 1330 ss) Dioniso daacute um basta na cantoria Mas eacute Eacutesquilo quem propotildee a cena

da pesagem (vv 1364-1369) que eacute seguida de um curto stasimon (vv 1370-1377)

proporcionando um encadeamento da discussatildeo na cena seguinte a da balanccedila113

A proposta de Eacutesquilo confirma assim o que Eacuteaco em conversa com Xacircntias

anunciou no segundo proacutelogo

Οι κἀνταῦθα δὴ τὰ δεινὰ κινηθήσεται

καὶ γὰρ ταλάντῳ μουσικὴ σταθμήσεται ndash

Ξα τί δέ μειαγωγήσουσι τὴν τραγῳδίαν

Οι ndash καὶ κανόνας ἐξοίσουσι καὶ πήχεις ἐπῶν

καὶ πλαίσια ξύμπτυκτα ndash (νν 796-802)

Ea A briga terriacutevel vai ser aqui mesmo

A arte das musas seraacute pesada na balanccedila

Xaacute O quecirc Vatildeo pesar a trageacutedia

Ea E vatildeo trazer reacuteguas cocircvados de palavras e formas quadrilaacuteteras

Na opiniatildeo de Silva (1987 p 290) a cena da balanccedila eacute uma cena caracterizada

mais pelo conteuacutedo cocircmico do que pelo conteuacutedo criacutetico E de fato salta aos olhos a maneira

como Aristoacutefanes a serviccedilo do riso joga com os signos verbal e natildeo verbal do espetaacuteculo a

palavra e os objetos cecircnicos respectivamente Os versos de cada poeta vatildeo agrave pesagem num

jogo metafoacuterico e tambeacutem siacutegnico que pressupotildee a palavra tanto como arma quanto objeto

artesanal da liacutengua afirma Muumlller (2004 p 31)

A cena da balanccedila encerra um conjunto de cenas concebidas a partir da

materializaccedilatildeo de imagens que preenchem funccedilotildees diversas desde uma simples palavra ateacute

graccedilas ao talento da verve cocircmica que explora a plasticidade da liacutengua silogismos e palavras

edificantes Thiercy (2007 p 103) aborda a materializaccedilatildeo das imagens segundo o estudo de

Taillardat (1965) que demonstrou que certas cenas satildeo metaacuteforas concretizadas (meacutetaphore

113 Essa cena eacute certamente de inspiraccedilatildeo eacutepica (Iliacuteada XXII 209-213) episoacutedios em que Zeus pesa a sorte de

Aquiles e de Heitor

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

100

reacutealiseacutee) aliaacutes designaccedilatildeo que jaacute apareceu em Whitman (1964) com o nome de realizable

metaphore Entretanto tudo indica que natildeo se trata apenas de uma teacutecnica que se limita agrave

simples metaacutefora diz Thiercy (2007) pois se encontram tambeacutem metoniacutemias locuccedilotildees

figuradas e ateacute paronomaacutesias Diante dessa diversidade de funccedilotildees que as imagens assumem

na comeacutedia Thiercy (2007 p 104) as denomina de acordo com uma concepccedilatildeo mais ampla

images dramatiseacutees

Ao todo satildeo trecircs pesagens114

em que Eacutesquilo leva a melhor Na primeira

Euriacutepides recita o primeiro verso de Medeia que sendo um verso alado na opiniatildeo de

Dioniso (v 1388) eacute vencido nos pratos pelo verso fluvial retirado de Filoctetes de Eacutesquilo

Na segunda pesagem Eacutesquilo recita um verso de Niacuteobe que carrega em si a Morte o mais

pesado dos Males contra a Persuasatildeo verso de Antiacutegona de Euriacutepides Por fim Euriacutepides

solta um verso de Meleagro onde sobressai o peso do ferro mas nada que supere o verso

esquiliano que descreve imagens da guerra na trageacutedia Glauco Potnieu

A balanccedila pende para os versos vigorosos de Eacutesquilo contra os versos

persuasivos e sutis como asas de Euriacutepides (vv 1380-1405) A situaccedilatildeo de Dioniso se

complica a cada contenda porque eacute grande a hesitaccedilatildeo de escolha (vv 1413-1434) Em ambas

as passagens haacute uma ambiguumlidade no modo como Dioniso se refere ao considerar um dos

poetas saacutebio e o outro de seu agrado ou ainda um fala com habilidade e o outro com

clareza115

Entatildeo um uacuteltimo teste eacute proposto aos litigantes O deus propotildee aos candidatos dois

quesitos um eacute bem direto e refere-se a Alcibiacuteades (vv 1422-1423) e as respostas satildeo

extremamente engenhosas de ambas as partes a decisatildeo torna-se ainda mais difiacutecil o outro

quesito que seraacute o desempate eacute mais geral e refere-se agrave seguranccedila da cidade As respostas

tanto no primeiro quesito quanto no segundo satildeo formuladas em termos antiteacuteticos de acordo

114 Na indicaccedilatildeo de Silva (1987 p 291-292) os versos referem-se aos seguintes fragmentos Filocteacutetes (fr 404

M) Niacuteobe (fr 279 cM) Antiacutegona (fr 170 N2) Meleagro (fr 531 N2) Glauco Potnieu (fr 446M) 115 Para Stanford (apud SILVA 1987 p 295) trata-se de um recurso de Aristoacutefanes para manter em suspense

por mais tempo o vencedor Entendemos portanto que esse recurso eacute um modo de estender o desfecho do

agon ateacute os versos finais da comeacutedia

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

101

com o estilo gnocircmico Enquanto Euriacutepides daacute como soluccedilatildeo a alternacircncia de poliacuteticos no

poder (vv 1446-1450) Eacutesquilo defende ideacuteias poliacuteticas da eacutepoca de Peacutericles que murando a

cidade ateacute o Pireu garantiria sua seguranccedila (vv 1458-1465)

Plutatildeo exige de Dioniso uma decisatildeo e nesse momento ocorre uma reviravolta da

accedilatildeo Quando tudo leva a crer que Dioniso vai escolher Euriacutepides porque no comeccedilo da peccedila

o deus confessou seu afeto por ele e nesse final de agon anuncia que vai seguir seu coraccedilatildeo

(psyhke v 1469) parece claro quem seraacute eleito o vencedor Mas Dioniso escolhe Eacutesquilo

Consequumlentemente o perdedor sentindo-se traiacutedo reprova-lhe a decisatildeo O coro fecha o

debate saudando primeiramente a inteligecircncia em benefiacutecio dos cidadatildeos (vv 1483-1490) e

depois critica o haacutebito socraacutetico que ignora a grandeza da trageacutedia em favor da tagarelice (vv

1491-1499)

O impasse que se prolonga ateacute o resultado final mostra que ambos os poetas satildeo

mestres em poneria No iniacutecio do agon os poetas satildeo apresentados como ―artiacutefices o que daacute

a entender que nas arguumliccedilotildees o que estaacute valendo mais natildeo eacute o que dizem mas como o dizem

Conforme o debate ganha focirclego Dioniso e o coro classificam a competiccedilatildeo como uma

disputa entre formas concorrentes de virtuosidade (sophia sophismata vv 872 882 896

1104 1108 1519) e de destreza verbal (ta dexia vv 1009 1114 1370) o que dificulta a

arbitragem de Dioniso cuja funccedilatildeo bomolochos rebaixa seu status divino para elevaacute-lo em

comicidade Segundo Gelzer (1960 p 125) as glosas de Dioniso natildeo satildeo gratuitas apesar de

ele ter a funccedilatildeo de bomolochos porque elas expressam um significado no contexto como juiz

da contenda Trata-se de um co-orador que de maneira bufa comenta os diaacutelogos entre as

partes ativas e adversaacuterias

A temaacutetica do agon de Ratildes eacute a criacutetica ao drama mas se deve reconhecer tambeacutem

que o ofiacutecio do poeta que eacute a educaccedilatildeo116

surge como um componente importante A

116 A esse respeito vide artigo de Bouvier (2004 p 9-25) em que se discute a vocaccedilatildeo moral e pedagoacutegica da

comeacutedia

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

102

proposta de Aristaacutefanes eacute ao que parece uma proposta que discute a arte da instruccedilatildeo ciacutevica

tema em comum com a paraacutebase da peccedila ligando as seccedilotildees da comeacutedia e dando-lhe uma

unidade O denominador comum entre o discurso parabaacutetico e o agoniacutestico eacute o puacuteblico que eacute

no agon interpelado em vaacuterios momentos (vv 959 960 965 967 972 1110 1475) afinal os

espectadores satildeo os ―disciacutepulos de ambos os dramaturgos (v 964) Assim podemos concluir

que esse agon eacute de natureza parabaacutetica E eacute para o espectador que Eacutesquilo e Euriacutepides devem

se dirigir a respeito da questatildeo a partir da qual os dois estatildeo sendo julgados o que podem

fazer em favor da cidade atraveacutes de uma orientaccedilatildeo moral e poliacutetica E embora as respostas

sejam completamente diferentes no emprego dos verbos didasko e ekdidasko (vv 1019 1026

1035 1054 1055 1069 1057) natildeo haacute como negar a funccedilatildeo didaacutetica desses poetas e a

poneria de cada um que em evidecircncia constante perpassa toda a segunda metade da comeacutedia

que se constroacutei por uma sucessatildeo de contendas que discutem o valor artiacutestico e moral da

Trageacutedia (THIERCY 2007 p 177)

Para Gelzer (1960 p 51) na segunda parte estaacute presente todas as seccedilotildees da

diallage antes mesmo de Eacutesquilo e Euriacutepides estarem em cena jaacute eacute desencadeada a disputa

cujo objeto eacute o assento da trageacutedia no banquete de Hades Natildeo haacute juiz mais indicado do que

Dioniso o patrono do Teatro para ser o aacuterbitro que potildee fim agraves provocaccedilotildees para estabelecer

os acordos aos quais ambos os poetas se declaram favoraacuteveis do debate Entatildeo haacute a

preparaccedilatildeo para a negociaccedilatildeo que segundo Gelzer se desenvolve no agon epirremaacutetico em

que os poetas apresentam provas de suas fundamentaccedilotildees e no final Dioniso pressionado por

Plutatildeo sentencia o vencedor Tomando por base a diallage desenvolvida por Gelzer (1960 p

164) pode-se dizer portanto que toda a segunda metade de Ratildes compreende um complexo

agoniacutestico

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

103

Alle drei Szenen nach dem epirrhematischen Agon der Froumlsche bilden zusammen

einen fortlaufender Anhang der den gleichen Kampf mit anderen Mitteln

weiterfuumlhrt

Juntas as trecircs cenas depois do agon epirremaacutetico de Ratildes formam um apecircndice

contiacutenuo que com outros meios daacute prosseguimento agrave mesma disputa117

Amplificando essa reflexatildeo de Gelzer para as anaacutelises anteriores em Cavaleiros

Nuvens e Vespas apoacutes o agon epirremaacutetico principal uma vez que essas comeacutedias possuem

dois agones haacute um conjunto de cenas que prosseguem com o debate natildeo do ponto de vista da

forma respeitando a siziacutegia epirremaacutetica mas do conteuacutedo que estaacute em consonacircncia com a

proposiccedilatildeo de cada comeacutedia

Em Cavaleiros apoacutes o agon II ocorrem as cenas dos oraacuteculos (vv 997-1110) e a

do banquete com Demo (vv 1151-1262) Nas Nuvens apoacutes o agon I entre os Raciociacutenios

ocorrem a cena com os credores (vv 1222-1300) o segundo agon entre pai e filho (vv 1345-

1451) e a cena do acerto de contas com Soacutecrates (vv 1452-1510) Em Vespas depois do agon

II haacute a cena do julgamento dos catildees da casa (vv 891-1008) e as cenas de reeducaccedilatildeo do

modus vivendi de Filocleatildeo (vv 1292-1449 1474-1537) Trata-se portanto de comeacutedias que

tecircm em comum apesar de algumas particularidades singulares a extensatildeo da discussatildeo que

antecipada desde o paacuterodo perpassa toda a accedilatildeo dramaacutetica ateacute o ecircxodo Isso nos autoriza a

classificar quanto agrave forma os agones dessas comeacutedias de agones modelares e quanto ao

conteuacutedo de agones inseridos num complexo agoniacutestico

Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes satildeo exemplos da habilidade do poeta no que

concerne agrave apropriaccedilatildeo da estrutura do agon epirremaacutetico cuja forma eacute modelada em funccedilatildeo

do conteuacutedo das cenas e consequumlentemente das seccedilotildees que compotildeem as peccedilas Essa

competecircncia poeacutetica que insere o agon epirremaacutetico num complexo agoniacutestico eacute ainda mais

instigante em Acarnenses comeacutedia em que apesar de seacuterias restriccedilotildees a propoacutesito da presenccedila

117 Traduccedilatildeo do alematildeo para o portuguecircs de Joseacute Pedro Antunes

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

104

de agon epirremaacutetico tambeacutem apresenta nas suas seccedilotildees um prolongamento da accedilatildeo em

contiacutenuo conflito assunto de que trataremos a seguir

CAPIacuteTULO III

A PRESENCcedilA DE AGON EM ACARNENSES

TESMOFORIANTES E PAZ

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 106

1 Acarnenses118

desafi(n)ando o coro (agon contaminatus e complexo agoniacutestico)

A presenccedila ou ausecircncia de agon em Acarnenses eacute uma das dissidecircncias entre os

helenistas no que se refere agrave estrutura formal da peccedila Haacute poreacutem um consenso de que o

proacutelogo termina no v 203 As variaccedilotildees apresentam-se portanto a partir da delimitaccedilatildeo das

cenas que vatildeo do paacuterodo ateacute a paraacutebase

Navarre (1911 p 275) natildeo determina o agon em Acarnenses apenas propotildee apoacutes

o proacutelogo uma segunda parte bastante abrangente do paacuterodo ateacute a paraacutebase (vv 204-625) Jaacute

Couat (1895 p 363-364) interpreta esse paacuterodo como uma cena de confronto fiacutesico entre o

coro e Diceoacutepolis (vv 204-346) mas natildeo estabelece paracircmetros para um agon Contudo

Mazon (190 p 25-26) divide as cenas intermediaacuterias entre o paacuterodo e a paraacutebase uma cena

de confronto fiacutesico ndash scegravene de bataille ndash (vv 280-357) que pertenceria agrave segunda metade do

paacuterodo seguida de uma cena de debate ndash scegravene de deacutebat Jaacute Pickard-Cambridge (1966 p

213) e Moumlllendorff (2002 p 64) estabelecem duas cenas entre o paacuterodo e a paraacutebase a

primeira cena (vv 358-489) que eacute preparatoacuteria Pickard-Cambridge denomina proagon

enquanto Moumlllendorff chama Retardation no caso da segunda cena (vv 490-625) para

Pickard-Cambridge trata-se de um quasi-agon e na classificaccedilatildeo de Moumlllendorff Agonale

Szene (cena agoniacutestica) Para Gelzer (1960 p 166-169) Acarnenses natildeo tecircm um agon

epirremaacutetico inteiro (stuumlcke ohne ganze epirrhematische agone) uma vez que a cena que

corresponde agrave seccedilatildeo agon eacute desmembrada para outras seccedilotildees da estrutura do texto

comeccedilando pelo paacuterodo

Em seu artigo sobre os paacuterodos na comeacutedia Zimmermann (1984 p 17-18) diz

que em Acarnenses a disposiccedilatildeo da composiccedilatildeo epirremaacutetica estaacute a serviccedilo do conteuacutedo

118 O enredo de Acarnenses (425 aC) se passa em plena Guerra do Peloponeso e conta as peripeacutecias de

Diceoacutepolis homem do campo que solitaacuterio e resoluto vai defender a paz se natildeo para todos ao menos para si

proacuteprio na assembleacuteia do povo Para tanto o aldeatildeo enfrenta seus compatriotas os acarnenses que satildeo o coro

da comeacutedia

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 107

isto eacute o conteuacutedo determinando a forma E de fato o conteuacutedo do paacuterodo em Acarnenses eacute

de fundo agoniacutestico a accedilatildeo do coro desde sua entrada eacute hostil e dirigida para uma contenda

Primeiramente o coro invade a orquestra agrave procura de Anfiteo (vv 204-236) depois sua

agressividade se volta para Diceoacutepolis e a cena eacute desenhada numa luta (vv 237 ss)

desencadeada no momento em que Diceoacutepolis interrompe a evoluccedilatildeo do coro com uma

procissatildeo (vv 242-279) A partir daiacute a trama caminha para uma cena de batalha (vv 280-357)

cuja estrutura eacute muito similar agraves partes do agon

katakeleusmos (vv 280-283) sphragis (vv 347-357)119

ode (vv 284-301) antode (vv 335-346)

epirrema (vv 302-318) antepirrema (vv 319-334)

A questatildeo eacute identificar se no esquema acima o paacuterodo jaacute chegou a seu termo para

dar lugar agrave seccedilatildeo seguinte que eacute o agon ou se a accedilatildeo que se configura numa cena pelejadora

na forma e no conteuacutedo pertence agrave segunda parte do paacuterodo o que o torna um paacuterodo de

natureza agoniacutestica

No exame de Gelzer (1960 p 157) o intervalo que compreende os vv 280-346

possui algumas semelhanccedilas com os agones epirremaacuteticos depois do paacuterodo Duas partes que

se correspondem em versos cantados (vv 284-302 = 335-346) poderiam ser interpretadas

como odes enquanto o intervalo dos vv 303-334 poderia ser entendido como epirremas

O katakeleusmos que estaacute composto por versos trocaicos e peatilde eacute uma chamada

para um confronto fiacutesico em que o furor do coro eacute expresso pela accedilatildeo de atirar pedras e o alvo

eacute Diceoacutepolis que na visatildeo do coro acarniano eacute um traidor A partir da ode a defesa de

Diceoacutepolis eacute declamada em versos trocaicos enquanto que o ataque do coro eacute cantado em

anapestos e peatilde120

Ateacute aqui tudo indica que se trata de uma cena preparatoacuteria para o agon As

partes epirremaacuteticas divididas entre o discurso do heroacutei e o pronunciamento do coro se

119 Seguimos o esquema proposto por Pickard-Cambridge (1966 p 213) 120 De acordo com Zielinski (1885 apud MAZON 1904 p 19) eacute preciso escandir os anapestos como peatilde

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 108

configuram numa cena de ameaccedilas protestos injuacuterias e sobretudo um jogo de persuasatildeo em

que as suacuteplicas de Diceoacutepolis que deseja ser ouvido voltam-se ao coro

Χο σοῦ γrsquoἀκούσωμεν ἀπολεῖ κατά σε χώσομεν τοῦς λίθους

Δι Μηδαμῶς πρὶν ἄν γrsquoἀκούσητrsquo ἀλλrsquoἀνάσχεσθrsquo ὦγαθί (vv 295-296)

Co Vocecirc Ouvirmos Vocecirc estaacute ferrado Vamos cobrir vocecirc com pedras

Dic Natildeo vatildeo natildeo Antes vocecircs devem me ouvir Vamos gente boa parem

Na anaacutelise de Pickard-Cambridge (1966 p 205) haacute nessa segunda metade do

paacuterodo um modelo simeacutetrico da siziacutegia epirremaacutetica que se constroacutei na forma abblsquoalsquo A

hipoacutetese que se levanta nesta anaacutelise eacute de ter ocorrido uma contaminatio121

entre as partes do

texto Essa hipoacutetese se baseia na pesquisa de Zielinski (1885 apud MAZON 1904) que

demonstrou que paacuterodo agon e paraacutebase seguem modelos riacutetmicos com meacutetrica especiacutefica em

comum Assim a segunda parte do paacuterodo que eacute uma contenda teria sofrido uma

combinaccedilatildeo com a seccedilatildeo seguinte onde se esperaria o agon que no caso de Acarnenses vem

precedido por uma cena de proagon Estruturalmente essa parte do paacuterodo se compotildee com as

formas de um agon epirremaacutetico no entanto quanto ao fundo natildeo se trata de um debate mas

de um combate em que o coro armado de pedras estaacute propenso mais agrave luta do que agrave

discussatildeo (vv 280 285 319) Diante dessa situaccedilatildeo de aporia Diceoacutepolis consegue atraveacutes

de um meio coercivo um acordo com o coro A estrateacutegia do heroacutei na antode cuja estrutura eacute

a mesma da ode eacute transformar um cesto de carvatildeo tatildeo caro ao coro em refeacutem

Δι βάλλετrsquo εἰ βούλεσθrsquo ἐγὼ γὰρ τουτονὶ διαφθερῶ

εἴσομαι δrsquoὑμῶν τάχrsquoὅστις ἀνθτράκων τι κήδεται (vv 331-332)

Dic Atirem se quiserem Eu vou dar fim nisso aqui E entatildeo vou saber rapidamente qual de vocecircs tem algum afeto pelos carvotildees122

121 Por definiccedilatildeo esse termo se refere agrave combinaccedilatildeo na comeacutedia latina de dois enredos tomados a comeacutedias

gregas Neste trabalho entende-se contaminatio tambeacutem pelo sentido de combinaccedilatildeo cujo resultado eacute uma

mistura fusatildeo um amaacutelgama entre as seccedilotildees na estrutura da comeacutedia 122 Cf tambeacutem vv 326 335 em que Diceoacutepolis ameaccedila de morte seu refeacutem o saco de carvatildeo

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 109

Nesse momento de tensatildeo Aristoacutefanes se serve de um eficiente expediente a

paratrageacutedia123

cuja cena eacute um empreacutestimo da trageacutedia perdida Teacutelefo124

de Euriacutepides

Diceoacutepolis se coloca na condiccedilatildeo de reacuteu sob pena de morte e tambeacutem estabelece condiccedilotildees

adicionais como o desarmamento do coro (vv 341-342)

Demovida a hostilidade do coro que passa entatildeo a dar ouvidos a Diceoacutepolis a

cena se compotildee do seguinte esquema ode (vv 358-363) katakeleusmos (vv 364-365) cena

iacircmbica ndash discurso de Diceoacutepolis em triacutemetros iacircmbicos ndash (vv 366-384) antode (vv 385-

390) antikatakeleusmos (vv 391-392) Diceoacutepolis empolga-se com um longo discurso a

ponto de o coro no antikatakeleusmos cortar-lhe a palavra ὡς σκψιν ἁγὼν οὗτος οὐχὶ

δέξεται ―jaacute que este debate natildeo pode admitir rodeio Mas antes de o debate comeccedilar

ocorre a cena do disfarce ndash diaacutelogo em triacutemetros iacircmbicos ndash (vv 393-489) entre Diceoacutepolis e

Euriacutepides que lhe cede todo o figurino de Teacutelefo A mudanccedila de traje de Diceoacutepolis para

Teacutelefo acontece agrave vista do puacuteblico efeito cocircmico em que Aristoacutefanes recria agrave luz da mise en

scegravene da comeacutedia o heroacutei traacutegico Uma vez encarnado o heroacutei tragicocircmico Diceoacutepolis-Teacutelefo

numa espeacutecie de auto-encorajamento revela-se pronto para o debate

Gelzer (1960 p 166-167) que eacute mais riacutegido em relaccedilatildeo agraves anaacutelises das partes

fixas da comeacutedia entende que natildeo haacute nesse momento um agon epirremaacutetico inteiro apesar de

certas semelhanccedilas na forma embora a accedilatildeo ofereccedila algumas analogias com as quatro partes

da diallage disputa acordo negociaccedilatildeo e sentenccedila

123 Deve-se tomar cuidado para o emprego indiscriminado dos termos paratrageacutedia e paroacutedia porque esta

pressupotildee uma distorccedilatildeo do texto original para o texto de chegada enquanto que aquela natildeo Segundo Silk

(1993 p 494) essa passagem em Acarnenses eacute bem conhecida e agraves vezes referida como paroacutedia de Teacutelefo

de Euriacutepides embora na opiniatildeo dele natildeo se trata disso Silk eacute bem claro em seu ponto de vista ―[hellip] the

connection whith Telephus is not in doubt but if parody involves subversion of the tragic original this is not

parody 124 Trata-se da cena em que o heroacutei traacutegico Teacutelefo para se fazer ouvir pelo tribunal grego a quem vem pedir a

cura de seu ferimento causado por Aquiles toma Orestes ainda crianccedila como refeacutem desencadeando a fuacuteria

de Agamenatildeo e dos aqueus Satildeo treze anos de distanciamento de Teacutelefo (438 aC) para Acarnenses (421

aC)

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 110

A disputa jaacute se apresenta logo no paacuterodo entre o heroacutei cocircmico e seu primeiro

adversaacuterio o coro de carvoeiros A cena do agon pertence ao momento da negociaccedilatildeo que

ocorre em duas instacircncias com conteuacutedos diferentes No primeiro no iniacutecio do agon

Diceoacutepolis125

dirige-se aos espectadores o que confere ao agon um tom parabaacutetico com uma

longa rhesis (vv 496-556) sem replicador e isso descaracteriza a negociaccedilatildeo (GELZER

1960 p 166) porque natildeo haacute discussatildeo mas uma prestaccedilatildeo de contas unilateral Na opiniatildeo

de Gelzer (1960 p 168) o motivo pelo qual Aristoacutefanes reveste a cena inteira numa

paroacutedia126

e desvia a discussatildeo que deveria ser argumentativa em favor de um discurso seacuterio

repousa no assunto da comeacutedia Trata-se de um assunto contemporacircneo delicado e em Atenas

o ambiente natildeo parecia favoraacutevel a isso como o proacuteprio Diceoacutepolis confessa (vv 360-376

383-384 497-499) Na visatildeo de Gelzer o puacuteblico tem de ser preparado e assim que

Diceoacutepolis se potildee a falar ele deixa cair a ficccedilatildeo interpelando o espectador (v 497) e seu

discurso puramente poliacutetico eacute de uma uacutenica via Natildeo haacute discussatildeo apenas discurso

Todavia no segundo momento apoacutes o discurso do heroacutei e a manifestaccedilatildeo dos

dois semi-coros a cena eacute sinalizada para um agon epirremaacutetico se eacute que se pode chamar

assim pois a siziacutegia epirremaacutetica que estaacute ausente eacute substituiacuteda

ode (vv 490-495) antode (vv 566-571)

cena iacircmbica (vv 496-565) cena iacircmbica (vv 572-625)

sphragis (vv 626-627)

Quanto agrave forma trata-se de um agon irregular com estrutura bastante modificada

Para Gelzer (1960 p 166) no lugar da negociaccedilatildeo onde se esperaria um agon haacute um

discurso em triacutemetros iacircmbicos de Diceoacutepolis que natildeo encontra replicador Na anaacutelise de

Pickard-Cambridge (1966 p 213) trata-se de um quasi-agon cuja estrutura agoniacutestica eacute

composta por uma siziacutegia iacircmbica dividida que substitui a siziacutegia epirremaacutetica Como essa

125 Eacute de se supor porque natildeo haacute comprovaccedilatildeo que o papel de Diceoacutepolis ou do corifeu tenha sido interpretado

por Aristoacutefanes (DUARTE 2000 p 59 70) 126 Gelzer (1960) emprega indiscriminadamente os termos paroacutedia e paratrageacutedia

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 111

cena cumpre a funccedilatildeo de um agon (SOMMERSTEIN 1998 p 10) a classificaccedilatildeo dela natildeo eacute

de quasi-agon mas de agon que me parece foi desmembrado pela contaminatio jaacute que as

partes epirremaacuteticas ficaram na cena de batalha presente no paacuterodo

As duas cenas iacircmbicas teratildeo como veremos a seguir um conteuacutedo agoniacutestico em

que o heroacutei enfrentaraacute seus rivais na primeira cena iacircmbica o debate eacute com um dos semi-

coros na segunda cena iacircmbica com Lacircmacos

A ode coral e no uacuteltimo verso o coro anima Diceoacutepolis a discursar como fez

anteriormente no proagon ―bota aiacute o cepo e comeccedila a falar (v 365) Essa mesma forccedila

entusiaacutestica repete-se no final da ode do quasi-agon ―entatildeo vamos jaacute que eacute esse teu desejo

fala aiacute (v 495) O fato de Diceoacutepolis dirigir-se ao puacuteblico eacute um marcador de que haacute

novamente uma contaminatio ou confluecircncia entre as partes da estrutura do texto porque o

comeccedilo desse agon eacute muito proacuteximo da natureza da paraacutebase (vv 499-500) Para MacDowell

(1995 p 67) o final do agon em que o coro sela a vitoacuteria de Diceoacutepolis (vv 626-627) eacute uma

declaraccedilatildeo de que Diceoacutepolis convence natildeo apenas o coro mas tambeacutem o espectador cidadatildeo

ateniense

Na sentenccedila o coro acaba dividido A primeira cena iacircmbica configura-se no

discurso do heroacutei cocircmico e no diaacutelogo travado com o coro que se divide em dois semi-coros

O segundo semi-coro se declara convencido (vv 560-561) mas o primeiro conserva toda sua

raiva contra os que traiacuteram a causa do patriotismo (vv 557-559 562-563) e na antode (vv

566-571) apela por aquele capaz de defendecirc-lo Lacircmacos Inicia-se a segunda cena iacircmbica

construiacuteda sobre o diaacutelogo em triacutemetros iacircmbicos entre Diceoacutepolis o protagonista e

Lacircmacos o antagonista Entre ambos trava-se uma discussatildeo (vv 572-625) que segundo

Gelzer (1960 p 167) eacute uma cena de transiccedilatildeo para a paraacutebase porque termina com um

kommation anapeacutestico (vv 626-627) que se apresenta como uma espeacutecie de sphragis

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 112

Essa segunda cena iacircmbica (vv 572-625) eacute conforme esquema proposto por

Pickard-Cambridge (1966) a uacuteltima parte do quasi-agon De fato natildeo haacute uma discussatildeo

profunda entre os adversaacuterios em que cada um defende seu ponto de vista falta portanto a

siziacutegia epirremaacutetica Mas em seu lugar e seguindo o ponto de vista de Pickard-Cambridge

(1966 p 201) existe uma siziacutegia iacircmbica o que explica a estrutura de Acarnenses que eacute

construiacuteda por um conjunto de discursos expressos em triacutemetros iacircmbicos127

e a razatildeo disso

torna-se oacutebvia porque os discursos satildeo paroacutedias de discursos feitos nos tribunais e o triacutemetro

iacircmbico era o metro convencional apropriado para tais discursos desenvolvidos no palco

Diceoacutepolis insiste num discurso de defesa em favor da paz justificando sua treacutegua individual

com os Lacedemocircnios Megarenses e Beoacutecios (vv 623-625) Lacircmacos por sua vez defende o

estado de guerra (vv 620-622) No final (v 626) o corifeu confirma que Diceoacutepolis eacute o

vencedor com sua argumentaccedilatildeo porque converteu a opiniatildeo do povo no que diz respeito agrave

treacutegua do heroacutei Dessa maneira o corifeu valida a disputa anunciando o vencedor e esse

uacuteltimo verso corresponde antes que se comece a paraacutebase agrave sphragis

Em suma no acordo entre Diceoacutepolis e o coro a cena estaacute amparada na trageacutedia

Teacutelefo de Euriacutepides em que a accedilatildeo coerciva de Teacutelefo eacute imitada por Diceoacutepolis Na trageacutedia

Teacutelefo negocia com os gregos aqui a negociaccedilatildeo eacute entre Diceoacutepolis e o coro A accedilatildeo eacute

parodiada no sentido de ―canto paralelo e a apropriaccedilatildeo dos versos de Euriacutepides eacute

paratraacutegica Eacute evidente portanto que Aristoacutefanes transplantou um modelo traacutegico de agon

para o contexto cocircmico128

Embora tenhamos apenas alguns fragmentos da trageacutedia Teacutelefo e

apesar de a trageacutedia natildeo ter o agon como uma parte constituinte de seu texto o agon traacutegico

estaacute a serviccedilo de classificaccedilatildeo da cena E Euriacutepides desenvolveu o agon em seu mais alto grau

de sistematizaccedilatildeo (DUCHEMIN 1968 p 235) Tudo indica que Aristoacutefanes contemporacircneo

de Euriacutepides tenha se espelhado no tragedioacutegrafo De acordo com Duchemin (1968 p 103) a

127 Para um aprofundamento sobre o iambo cf o estudo de E Bowie (2002 p 33-50) 128 Haacute uma diferenccedila de 13 anos da representaccedilatildeo de Telefo (438) para a encenaccedilatildeo de Acarnenses (425) Na

opiniatildeo de MacDowell (1995 p 58) Aristoacutefanes teria tido acesso ao texto de Euriacutepides

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 113

ὑπoacuteθεσις de Acarnenses assinala que o discurso de Diceoacutepolis reproduz aquele de Teacutelefo e

os escoliastas comentam um grande nuacutemero de passagens transpostas de Euriacutepides Haacute uma

questatildeo polecircmica a respeito de Euriacutepides ter empregado o iambo de uma maneira muito

proacutexima ao iambo da comeacutedia Nesse caso segundo Steinruumlck (2004 p 59) do ponto de vista

meacutetrico o triacutemetro iacircmbico que veio do iambos arcaiacuteco natildeo se parece com o triacutemetro

cocircmico Entretanto na eacutepoca de Aristoacutefanes havia duas tradiccedilotildees riacutetmicas a antiga e a nova

E o poeta soube jogar com essas duas tradiccedilotildees para se apropriar de um ritmo ―traacutegico

proacuteprio do discurso cocircmico Do ponto de vista de Steinruumlck (2004 p 60) trata-se de uma

paratrageacutedia isto eacute a relaccedilatildeo que haacute entre o modo meacutetrico da comeacutedia e o modo meacutetrico da

trageacutedia Essa relaccedilatildeo de equivalecircncia requer uma apropriaccedilatildeo e nesse caso Goldhill (1991

p 205) afirma que a apropriaccedilatildeo da ―voz traacutegica eacute uma dinacircmica frequumlente em Aristoacutefanes

Afinal o proacuteprio poeta declara que a comeacutedia tambeacutem conhece ―as coisas justas (τὰ δίκαια

vv 500-501 645 655) pela voz de sua personagem cuja etimologia eacute propositalmente ―o

justo da cidade (δίκαιο ndash πόλις) Como bem observou Russo (1994 p 50) Diceoacutepolis eacute

apoacutes interiorizar a personagem Teacutelefo uma nova personagem seu modo de expressatildeo eacute novo

e tambeacutem sua maneira de agir ―[] he is not the actor of a κωμῳδία but of a τρυγῳδία

(the song of the must) of a tragi comedy Nessa mesma linha de interpretaccedilatildeo A M

Bowie (1995 p 27) entende que a atmosfera cocircmica ganha ares de trageacutedia O fato de

Aristoacutefanes empregar τρυγῳδία deixa claro para MacDowell (1995 p 60) que natildeo vai se

tratar de um discurso cocircmico porque o conteuacutedo que eacute seacuterio focaliza as questotildees da polis129

A respeito do termo τρυγῳδία Voelke (2004 p 125) que estabelece

semelhanccedilas natildeo apenas entre a arte de Euriacutepides e a de Aristoacutefanes mas tambeacutem entre a arte

do tragedioacutegrafo e a praacutexis do heroacutei cocircmico tem o seguinte ponto de vista

129 Vale lembrar que na anaacutelise de Vespas no capiacutetulo anterior τρυγῳδία eacute o vocaacutebulo que fecha a peccedila cuja

temaacutetica eacute voltada para uma criacutetica ao sistema judiciaacuterio de Atenas

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 114

Aliaacutes o termo τρυγῳδία pronunciado por uma personagem que estaacute vestida como

um heroacutei euripidiano natildeo visa soacute atribuir a autoridade do gecircnero traacutegico agrave

comeacutedia mas mais que isso ressaltar a trageacutedia euripidiana do resto do gecircnero

traacutegico ndash da τρaγῳδία ndash gugerindo seu parentesco com o gecircnero cocircmico130

O heroacutei passa entatildeo a assumir um caraacuteter tragicocircmico Natildeo eacute mais Diceoacutepolis

mas Diceoacuteplis-Teacutelefo131

e no confronto com seu segundo adversaacuterio estaacute pronto para pocircr em

praacutetica sua poneria ou melhor a poneria de Teacutelefo modelo de orador haacutebil Na opiniatildeo de

Silva (1987 p 126) porque estatildeo arriscando a proacutepria vida tanto a Teacutelefo quanto a

Diceoacutepolis cabe o conceito de ἀρετή segundo a proposta dos sofistas

A natureza do confronto verbal entre Diceoacutepolis e Lacircmacos eacute de pura bufonaria e

pode ser analisado atraveacutes da construccedilatildeo da personagem e os tipos que cada uma assume em

seu papel no drama

No que concerne ao heroacutei acarnense McLeish (1980 p 55) enquadra Diceoacutepolis

na categoria poneros espertalhatildeo vencedor de qualquer confronto pela sua engenhosidade e

dominador de qualquer situaccedilatildeo pela sua esperteza Tambeacutem possui um caraacuteter excessivo e se

vangloria de sua proacutepria astuacutecia daiacute tambeacutem ter traccedilos de um alazon Na anaacutelise de Thiercy

(2007 p 194 1997 p 983) ao longo de toda a cena com Euriacutepides no proagon Diceoacutepolis

vai mostrar todas as caracteriacutesticas de um tiacutepico alazon o parasito Esse autor interpreta que

no diaacutelogo entre Diceoacutepolis e Euriacutepides o heroacutei cocircmico vai enfrentar Euriacutepides no campo do

tragedioacutegrafo o das sutilezas retoacutericas e vai tambeacutem despojaacute-lo de seus figurinos juntamente

com sua trageacutedia ―homem vocecirc desfalca minha trageacutedia (v 464) Para Whitman (1964 p

68) Diceoacutepolis eacute uma variante do heroacutei cocircmico um cidadatildeo do povo que deixa o anonimato

130 Lecirc-se no original Agrave cet eacutegard le terme τρυγῳδία prononceacute par un personnage doteacute du costume dlsquoun heacuteros

euripideacuteen ne vise pas tant agrave attribuer agrave la comeacutedie llsquoautoriteacute du genre tragique mais bien plus agrave deacutemarquer la

trageacutedie euripideacuteene du reste du genre tragique ndash de la τρaγῳδία ndash pour suggeacuterer sa parenteacute avec le genre

comique 131 Essa apropriaccedilatildeo entre os gecircneros parece reforccedilar a ideacuteia de contaminatio que se estende nas mais variadas

instacircncias entre as seccedilotildees do texto na reproduccedilatildeo dos versos e na construccedilatildeo da personagem

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 115

para se tornar uacutenico na sua treacutegua em prol da paz Enfrenta como eiron seu adversaacuterio

Lacircmacos para se mostrar mais adiante como um alazon maior do que seu rival

A categoria alazon eacute bastante evidente na personagem Lacircmacos e nesse ponto

natildeo haacute divergecircncia entre os estudiosos A construccedilatildeo dessa personagem enquanto adversaacuterio

do heroacutei eacute montada toda ela sobre a perspectiva da fanfarronice que se manifesta em duas

instacircncias Primeiramente no niacutevel do discurso no que se refere agrave performance do discurso de

defesa Logo apoacutes a entrada de Lacircmacos em alto estilo diz o heroacutei ―Oacute Lacircmacos heroacutei dos

penachos e das legiotildees (v 575) E num segundo momento na caracterizaccedilatildeo do figurino por

exemplo quando Lacircmacos eacute interrompido por Diceoacutepolis no momento em que aquele

revelaria a procedecircncia da pluma de seu capacete certamente de uma ave rara e nobre (v

589)

Poneros parece ser a qualidade que a personagem Euriacutepides reconhece em

Diceoacutepolis

δὼσω πυκνῆ γὰρ λεπτὰ μηχανᾷ φρενί (v 445)

Eu darei pois vocecirc trama com densa inteligecircncia e sutis ideacuteias

Nessa passagem Euriacutepides faz uma aproximaccedilatildeo capciosa entre as palavras

πυκνῆ e λεπτὰ que satildeo antocircnimas no sentido proacuteprio mas sinocircnimas no sentido figurado

(THIERCY 1997 p 1004 SOMMERSTEIN 1998 p 178) Na anaacutelise de Voelke (2004 p

122) a partiacutecula γὰρ sugere que Euriacutepides aceita fazer a doaccedilatildeo dos trajes de Teacutelefo a

Diceoacutepolis na medida em que ele reconhece no heroacutei cocircmico qualidades que tambeacutem satildeo

presentes no heroacutei traacutegico no caso a habilidade retoacuterica o que reforccedila ainda mais o lado

poneros de Diceoacutepolis e sua legitimidade de vencedor nos conflitos que estatildeo presentes desde

o paacuterodo da peccedila Assim a narrativa dramaacutetica na primeira parte da peccedila ndash do paacuterodo agrave

paraacutebase ndash se dispotildee sobre um complexo agoniacutestico que abrange tambeacutem a segunda metade

da comeacutedia

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 116

Apoacutes a paraacutebase ateacute o ecircxodo sucede uma seacuterie de quadros cocircmicos que

interdependentes contrastam as vantagens do estado de paz e as desvantagens do estado de

guerra Na passagem dos vv 1095-1142132

ocorrem duas cenas paralelas de mesmo fundo

Diceoacutepolis e Lacircmacos comeccedilam seus preparativos se interpolando no jogo da esticomitia

lanccedilando alusotildees malevolentes um ao outro Esse jogo raacutepido de alternacircncia de versos ao

ritmo do toma laacute daacute caacute eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo das duas cenas concomitantes e assinala

a antiacutetese anteriormente presente no agon entre heroacutei e seu adversaacuterio paz e guerra

respectivamente O final dessa cena re-confirma a vitoacuteria do heroacutei sobre o rival fanfarratildeo e

garante o happy-end no ecircxodo O todo orgacircnico da peccedila eacute envolvido por um complexo

agoniacutestico das cenas tanto na primeira parte do enredo quanto na segunda

O estudo do agon em Acarnenses demonstra a flexibilidade das partes que

compotildeem a estrutura dessa comeacutedia que se organiza mais pelo conteuacutedo das cenas do que

pela sua forma Na opiniatildeo de Sommerstein (1998 p 10) algumas peccedilas natildeo possuem agon

em seu sentido formal mas em cada caso podemos identificar uma cena que cumpre uma

funccedilatildeo similar eacute o caso da defesa de Diceoacutepolis a respeito de sua treacutegua de paz privada (vv

490-626)

A ausecircncia de um agon epirremaacutetico inteiro tal qual aparece em Vespas e

Cavaleiros ocorre por causa de uma anomalia a siziacutegia iacircmbica presente no agon substitui a

siziacutegia epirremaacutetica que aparece no paacuterodo Tudo leva a crer que Aristoacutefanes natildeo soacute estava

ciente da existecircncia de uma estrutura comum de agon mas tambeacutem soube manipular as

convenccedilotildees estruturais da forma o que resultou no que se chamou nesta anaacutelise de

contaminatio entre as seccedilotildees do texto em que se observa um paacuterodo com natureza agoniacutestica e

um agon de natureza parabaacutetica

132 Para a anaacutelise desses versos Thiercy (1997 p 1024) indica o artigo de Harriot (1979) Acharnians 1095-

1142 Words and Actions

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 117

Aristoacutefanes optou por privilegiar o conteuacutedo em detrimento da forma e essa

receita poeacutetica vai se repetir 14 anos mais tarde em Tesmoforiantes (411 aC)

2 Tesmoforiantes133

mulheres em agoniaccedilatildeo (agon-logon e centro da accedilatildeo)

A estrutura da comeacutedia Tesmoforiantes estaacute organizada de acordo com a

sequumlecircncia proacutelogo paacuterodo134

agon e paraacutebase totalizando a primeira parte da comeacutedia que

se alonga nas cenas episoacutedicas seguintes organizadas em cenas paralelas (MAZON 1904 p

136-137) as quais estatildeo concebidas sobre o mesmo tema a caricatura de Euriacutepides e sua obra

Agrave exceccedilatildeo do proacutelogo a accedilatildeo se passa numa assembleacuteia em que mulheres

congregadas vatildeo se indispor com um dos membros da plenaacuteria Nada mais apropriado que

essa discussatildeo ocorra nas instacircncias do agon Ainda que essa cena natildeo se apresente em sua

forma como um agon epirremaacutetico seu conteuacutedo ratifica a presenccedila de um agon A razatildeo

disso estaacute no recurso utilizado por Aristoacutefanes a paroacutedia dos agones euripidianos que como

paradigma da circunstacircncia cecircnica satildeo transpostos para a execuccedilatildeo do agon cocircmico A

paroacutedia eacute portanto o grande recurso empregado por Aristoacutefanes a ponto de o modelo traacutegico

referido Euriacutepides e sua obra ocupar dois terccedilos da peccedila (RAU 1975 p 339 apud DUARTE

2000 p 190)

A intriga se estabelece em plena crise como na trageacutedia e a progressatildeo das cenas

leva a uma tensatildeo dramaacutetica em que a ideacuteia do travestismo planejada por Euriacutepides e

executada pelo Parente longe de ter ecircxito soacute lhes traz complicaccedilotildees ao longo da fabulaccedilatildeo e

133 A comeacutedia Tesmoforiantes (411 aC) eacute uma peccedila dedicada exclusivamente ao tema da criacutetica literaacuteria cujo

foco eacute a caricatura do tragedioacutegrafo Euriacutepides e sua obra Segundo a fabulaccedilatildeo as atenienses querem um

ajuste de contas com o poeta porque na opiniatildeo delas as personagens femininas euripipianas satildeo uma

difamaccedilatildeo agrave reputaccedilatildeo das mulheres Reunidas para celebrarem as Tesmofoacuterias elas pretendem deliberar

qual o melhor corretivo a ser aplicado ao poeta Para advogar a causa Euriacutepides envia um parente travestido

para a assembleacuteia 134 Parece haver um consenso de que natildeo haacute paacuterodo propriamente em Tesmoforiantes Cf Couat (1895 p 376)

Mazon (1904 p 129) Gelzer (1960 p 176) Zimmermann (1984) Trata-se de uma estrutura meacutetrica bem

lacunar e com a ausecircncia dos tetracircmetros o que caracteriza a entrada do coro que eacute por sua vez a definiccedilatildeo

de paacuterodo De acordo com o texto o coro jaacute estaacute na orquestra e natildeo temos indicaccedilotildees textuais de como

ocorreu em sua entrada

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 118

a primeira delas encontra-se na cena do agon em que eacute delegado (VOELKE 2004 p 128) ao

Parente Mnesiacuteloco o papel de heroacutei cocircmico o qual Euriacutepides retoma na uacuteltima parte da

peccedilas

Do final do paacuterodo (v 372) ateacute o iniacutecio da paraacutebase (v 784) o enredo comporta

trecircs situaccedilotildees i) a assembleacuteia das mulheres jaacute com o Parente infiltrado (vv 372-573) ii) a

descoberta de seu disfarce por causa de uma denuacutencia (vv 574-654) iii) a defesa do Parente e

a cena emprestada de Teacutelefo135

O agon (vv 381-530) que se encontra na primeira situaccedilatildeo estaacute tambeacutem

amplificado nas outras duas situaccedilotildees Percebe-se que houve uma confluecircncia entre as seccedilotildees

paacuterodo agon e cena iacircmbica posterior ao agon A entrada do coro funciona como uma

preparaccedilatildeo para o agon assumindo a funccedilatildeo de proagon136

e a cena iacircmbica subsequumlecircnte eacute

um prolongamento do debate que se iniciou na assembleacuteia terminando numa cena de combate

entre o coro e o Parente

Jaacute no final do paacuterodo a accedilatildeo sinaliza que um confronto verbal entre as mulheres e

o Parente estaacute em iminecircncia Aristoacutefanes parodia o protocolo de abertura de uma sessatildeo em

assembleacuteia Primeiramente anuncia-se a composiccedilatildeo dos membros cujos nomes carregam em

si a funccedilatildeo de cada um Timocleacuteia ―a ilustre preside Lisila ―a que resolve questotildees toma

nota e por fim Soacutestrata ―a salvadora de exeacutercito eacute a oradora (vv 373-374) Em seguida

Aristoacutefanes emprega uma foacutermula de abertura de debate nas assembleacuteias τίς ἀγορεύειν

βούλεται ―Quem quer falar em puacuteblico (vv 378-379) E antes do pronunciamento o

orador deve colocar uma coroa (v 380)

135 Satildeo 27 anos de distanciamento de uma peccedila para outra Teacutelefo (438 aC) e Tesmoforiantes (411 aC) 136 A natureza de um paacuterodo agoniacutestico tambeacutem se encontra no agon contaminatus de Acarnenses cf infra

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 119

Pelo andamento da accedilatildeo natildeo haacute duacutevidas de que quanto ao conteuacutedo vai se tratar

de uma discussatildeo com defesa de pontos de vista mas quanto agrave forma trata-se de um agon137

com estrutura bastante modificada

katakeleusmos (vv 381-382)

discurso iacircmbico 1 (vv 383-432)

ode (vv 433-442)

discurso iacircmbico 2 (vv 443-458)

interluacutedio liacuterico (vv 459-465)

discurso iacircmbico 3 (vv 466-519)

antode (vv 520-530)

Embora essa estrutura contemple minimamente as partes de um agon

epirremaacutetico podemos traccedilar algumas similitudes natildeo apenas entre as seccedilotildees de incumbecircncia

coral de um agon epirremaacutetico canocircnico conforme se viu em Cavaleiros e Vespas mas

tambeacutem pensar que o discurso iacircmbico que assume o lugar do epirrema formaria ao inveacutes

da siziacutegia epirremaacutetica a siziacutegia iacircmbica (PICKARD-CAMBRIDGE 1966 p 213)

fenocircmeno jaacute ocorrido em Acarnenses Gelzer (1960 p 166 176) destaca quatro pontos i) natildeo

haacute em Tesmoforiantes um agon epirremaacutetico inteiro poreacutem antes do primeiro discurso o coro

pronuncia dois tetracircmetros iacircmbicos cujo conteuacutedo se aproxima de um katakeleusmos (vv

381-382) ii) os conteuacutedos discursivos das duas primeiras mulheres (discurso iacircmbico 1 e 2) e

do Parente (discurso iacircmbico 3) satildeo similares ao conteuacutedo epirremaacutetico de um agon iii) as

duas estrofes que lhes vecircm em seguida (vv 433-442 520-530) satildeo idecircnticas na forma e no

conteuacutedo agraves odes dos agones epirremaacuteticos iv) e por fim todas as formas em

Tesmoforiantes inclusive a meacutetrica foram alteradas sob a influecircncia das paroacutedias das

trageacutedias de Euriacutepides o que explica nessa comeacutedia a presenccedila de um paacuterodo e de uma

137 Pickard-Cambrigde (1966 p 226) classifica como quasi-agon Seguimos Mazon (1904 p 136) que analisa

como agon

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 120

paraacutebase138

muito rudimentares e igualmente vestiacutegios da forma do agon epirremaacutetico

(GELZER 1960 p 176)

Com base nessas reflexotildees o conteuacutedo que se reporta agrave proposta da comeacutedia que

expotildee a obra de Euriacutepides num cenaacuterio que eacute uma paroacutedia agraves assembleacuteias atenienses

estabelece a forma desse agon No katakeleusmos o coro sinaliza que a natureza da discussatildeo

vai ocorrer aos moldes da oratoacuteria como fazem os oradores a primeira mulher escarra

(χρέμπτομαι v 381) o que significa que seu pronunciamento vai ser extenso

Cada um dos trecircs discursos eacute intercalado por dois cantos corais simeacutetricos

odeantode (vv 433-442 520-530) e um interluacutedio liacuterico (vv 459-465) A ode e o interluacutedio

satildeo de pura exaltaccedilatildeo aos primeiro (vv 383-432) e segundo (vv 443-458) discursos

femininos respectivamente enquanto que a antode eacute uma reprovaccedilatildeo ao terceiro discurso

pronunciado pelo Parente Se pela forma esse debate em Tesmoforiantes natildeo pode ser

classificado como um agon epirremaacutetico haacute de secirc-lo entatildeo pelo conteuacutedo os dois primerios

discursos tratam de uma discussatildeo eacutetica (GELZER 1960 p 174) No primeiro discurso a

indignaccedilatildeo maior estaacute nos ultrajes insultos e caluacutenias de que Euriacutepides natildeo poupou as

mulheres

Τὰς μοιχοτύπας τὰς ἀνδρεραστρίας καλῶν

τὰς οἰνοπίτας τὰς προδότιδας τὰς λάλους

τὰς οὐδὲν ὑγιές τὰς μέγrsquoἀνδράσιν κακόν (vv 392-394)

levianas taradas por homens beberronas traidoras tagarelas

um zero agrave esquerda flagelo para os homens

Ao analisar o discurso da primeira mulher Voelke (2004 p 130) faz um

comentaacuterio interessante a propoacutesito de Euriacutepides possuir uma verve de poeta cocircmico uma vez

que bebida sexo entre outros desvios morais que satildeo traccedilos recorrentes da figura feminina

na comeacutedia tambeacutem correspondem ao retrato das personagens femininas nas trageacutedias de

138 Sobre a anaacutelise da paraacutebase de Tesmoforiantes cf Duarte (2000 p 187-203)

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 121

Euriacutepides Ao direcionar a queixa contra Euriacutepides a primeira mulher tambeacutem demonstra

uma habilidade retoacuterica bem ao modo euripidiano a ponto de o coro saudaacute-la por sua

sagacidade (πολύπλοκος v 434) habilidade no falar (δεινότερον λεγούσης v 435)

prudecircncia (πυκνός v 438) e pelo emprego de palavras sutis e bem variadas (ποικiacuteλοι

λόγοι v 439)

A segunda mulher que eacute uma artesatilde de coroa de flores ao tomar a palavra

esclarece que seu discurso eacute uma queixa pessoal direcionado a responsabilizar Euriacutepides da

precariedade da vida dela e de seus filhos

νῦν δrsquoοὗτος ἐν ταῖσιν τραγῳδίαις ποιῶν

τοὺς ἄνδρας ἀναπέπεικεν οὐκ εἶναι θεούς

ὥστrsquo οὐκέτrsquo ἐμπολῶμεν οὐδrsquo εἰς ἥμισυ (vv 450-452)

Mas agora esse aiacute que em suas trageacutedias trabalha convenceu os homens de que os deuses natildeo existem

139

de modo que natildeo vendemos mais nem mesmo a metade

Segundo o coro trata-se de falas ainda mais engenhosas do que a da primeira mulher

(κομψότερον v 460) Os comentaacuterios do coro aos dois pronunciamentos femininos

reforccedilam a paroacutedia ao estilo euripidiano em cujos agones eacute caracteriacutestico segundo Lloyd

(1992 p 17) um jogo de discursos opostos Assim apoacutes os discursos femininos Mnesiacuteloco

toma a palavra em favor de Euriacutepides fazendo-o tambeacutem por meio de uma longa rhesis que eacute

concluiacuteda em tom extremamente provocativo

οὐδὲν παθοῦσαι μεῖζον ἥ δεδράκαμεν (v 519)

quando nem sofremos mais do que merecemos

139 Mais uma vez Aristoacutefanes toca na questatildeo do ateiacutesmo de Euriacutepides (cf Nuvens e Ratildes) Romilly (1988 p

208-209) tambeacutem faz um comentaacuterio sobre essa reputaccedilatildeo de Euriacutepides de natildeo crer nos deuses e de semear

em sua obra a impiedade

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 122

Na medida em que Mnesiacuteloco refuta os logoi femininos a configuraccedilatildeo do agon

se estabelece pelo jogo das ἀντιλογίαι que eacute uma marca da habilidade poeacutetica de Euriacutepides

conforme constataccedilatildeo em Ratildes

Οι οἱ δrsquoἀκροώμενοι τῶν ἀντιλογιῶν καὶ λυγισμῶν καὶ στροφῶν

ὑπερεμάνησαν κἀνόμισαν σοφώτατον (vv 774-776)

Ea E eles [ladrotildees parricidas] assistindo agraves discussotildees agraves negaccedilas e agraves viradas

ficaram completamente loucos por ele [Euriacutepides] que entatildeo foi considerado o mais haacutebil

Eacute fundamental para a estrutura do agon em Euriacutepides diz Lloyd (1992 p 5) que

haja uma oposiccedilatildeo de dois discursos de extensatildeo consideraacutevel separados por dois ou trecircs

triacutemetros iacircmbicos vindos do coro Nessa cena do agon de Tesmoforiantes o discurso da

primeira mulher eacute tatildeo longo quanto o de Mnesiacuteloco e entre um e outro encontra-se o

comentaacuterio do coro (vv 520-530) que se manifesta indignado com as falas de Mnesiacuteloco

Como observa Lloyd (1992 p 20) o estilo e o propoacutesito dos agones euripidianos

soacute podem ser entendidos a partir de um conhecimento da retoacuterica140

na eacutepoca e sua influecircncia

sobre a obra de Euriacutepides Ao longo de seu estudo sobre os grandes sofistas Romilly (1988)

comenta os debates ditos antilogies mostrando que seu uso eacute uma constante na obra de

Euriacutepides Considerando que Euriacutepides e Aristoacutefanes foram contemporacircneos o proacuteprio

Aristoacutefanes parece fornecer evidecircncias para o desenvolvimento da retoacuterica141

sobretudo

quando se tem como modelo o modelo traacutegico

Todos os trecircs discursos se constituem de longa rhesis o que os aproxima dos

discursos agoniacutesticos da trageacutedia em que o pronunciamento dos litigantes eacute manifestado pela

extensatildeo da rhesis Devido a isso Gelzer (1960 p 174) atribui agrave cena de Tesmoforiantes a

presenccedila de um agon oratoacuterio ou discursivo142

o que nos leva a considerar que nesse

140 Sobre esse assunto cf Lloyd (1992 p 20-36) 141 Cf o artigo de Petruzzellis (1957 p 38-61) 142 Em alematildeo o termo empregado eacute Redenagon

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 123

momento da peccedila haacute muito mais semelhanccedila real natildeo apenas alusiva com o agon da

trageacutedia Certamente a intenccedilatildeo de Aristoacutefanes foi reproduzir empregando o recurso

paroacutedico a assembleacuteia dos aqueus em Teacutelefo (SILVA 1987 p 124) preenchida por longas

rhesis em que a dissensatildeo entre Mnesiacuteloco e as mulheres toca numa pauta tatildeo delicada

quanto a de Teacutelefo diante dos gregos E ainda na arguumliccedilatildeo das partes o poeta se apropria de

citaccedilotildees e referecircncias das peccedilas de Euriacutepides v 403 (Belerofonte fr 664 N2) v 413 (Fecircnix

fr 804 N2) v 430 (referecircncia aos venenos de Medeacuteia na trageacutedia de mesmo nome) v 519

(Teacutelefo fr 711N2)

Tendo emprestado o modelo de agon euripidiano Aristoacutefanes carrega a forccedila

discursiva dos argumentos evidenciando a funccedilatildeo poneros dos litigantes as Mulheres versus

o Parente Por meios linguumliacutesticos Mnesiacuteloco interioriza o heroacutei traacutegico Teacutelefo que eacute dotado

de habilidade retoacuterica (DUCHEMIN 1968 p 103) E por meios fiacutesicos ele exterioriza a

figura feminina e consequumlentemente a funccedilatildeo alazon da personagem

Ao explorar as potencialidades da paroacutedia a serviccedilo da circunstacircncia cecircnica

Aristoacutefanes cria por meio da alazoneiacutea uma tensatildeo dramaacutetica cujo desfecho natildeo tatildeo bem

sucedido para o Parente culmina em uma cena de insultos e pancadaria que levam a

personagem ao desespero Sendo ameaccedilado de ter o sexo depilado (vv 536-540) e correndo

risco de vida Mnesiacuteloco assim como Teacutelefo refugia-se no altar tendo nos braccedilos ao lugar de

um bebecirc esperado um odre que eacute executado por ele como num sacrifiacutecio

Pela mimese143

Aristoacutefanes consegue evocar ao espectador a sequumlecircncia de cenas

do que estaacute sendo parodiado a trageacutedia euripidiana Teacutelefo com a ordem das cenas em

Tesmoforiantes i) disfarce mendigomulher e penetraccedilatildeo de TeacutelefoParente entre os

gregostesmoforiantes respectivamente ii) confronto verbal seguido de confronto fiacutesico com

TeacutelefoParente natildeo reconhecidos ainda iii) descoberta do disfarce de TeacutelefoParente o

143 Entende-se mimese por uma imitaccedilatildeo ou representaccedilatildeo de uma pessoa por meios fiacutesicos e linguumliacutesticos

(PAVIS 2001 p 241)

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 124

sequumlestro Orestesodre Constata-se portanto que o modelo mimetizado eacute a razatildeo pela qual

nesse agon o conteuacutedo estaacute determinando a forma em favor de um enredo de intrigas que se

amplifica na cena seguinte (vv 531-573) cujo discurso eacute o mesmo dos discursos

epirremaacuteticos apreciados no agon

Na interpretaccedilatildeo de Gelzer (1960 p 154-155) a passagem dos vv 531-532 que

se inicia com a partiacutecula ἀλλὰ assume o lugar de um katakeleusmos embora natildeo conduza a

forma de um epirrema

ἀλλrsquo οὐ γάρ ἐστι τῶν ἀναισχύντων φύσει γυναικῶν

οὐδὲν κάκιον εἰς ἅπαντα ndash πλὴν ἄρrsquo εἰ γυνή τις

mas natildeo haacute nada pior do que mulheres descaradas por natureza

no que diz respeito a tudo exceto isto eacute se for mulheres

Do ponto de vista do conteuacutedo essa cena iacircmbica compotildee um apecircndice agrave

discussatildeo precedente e tecircm como assunto o prosseguimento das teses expostas Esse

acoplamento144

diz Gelzer (1960) pode ser explicado como reminiscecircncia do agon

epirremaacutetico em que Aristoacutefanes teria se apoiado para a construccedilatildeo da cena Diante dessas

evidecircncias poderiacuteamos avaliar que quanto ao conteuacutedo a cena iacircmbica (vv 531-573)

subsequumlente ao agon deva ser tambeacutem reconhecida ainda que incipiente como um

prolongamento desse agon que se caracteriza pelo jogo esticomiacutetico numa cena de combate145

entre o coro de tesmoforiantes e o Parente

Μι ἀλλrsquoἐκποκιῶ σου τὰς ποκάδας

Κη οὔτοι μὰ Δία σύ γrsquoἄψει

Μι καὶ μήν ἰδού

Κη καὶ μήν ἰδού (vv 567-568)

M 1 eu vou te arrancar os cabelos Mn Por Zeus vocecirc natildeo vai me tocar

M 1 Entatildeo toma

Mn Toma vocecirc tambeacutem

144 Esse recurso tambeacutem vai ocorrer em Paz 145 Semelhante ao que ocorre em Acarnenses

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 125

Trata-se do ponto de vista do conteuacutedo de um debate regular um duelo

discursivo em que a palavra eacute tomada sucessivamente por cada uma das partes e os pontos de

vista satildeo defendidos ateacute um esgotamento dos argumentos que terminam no jogo esticomiacutetico

Podemos portanto relacionar o agon traacutegico ao agon de Tesmoforiantes de

acordo com Duchemin (1968 p 39-41) que classifica de agon-logon (ἀγὼν λόγων) o

agon que tem a fisionomia de um conjunto de um debate oratoacuterio

Claro que manteremos na medida do possiacutevel os termos de nossa definiccedilatildeo

quanto ao conteuacutedo processo ou ao menos debate quanto agrave forma discurso duplo

seguido frequumlentemente de esticomitia146

Em Tesmoforiantes o agon que adveacutem da cena do paacuterodo natildeo ultrapassa a

simetria de duas partes envolvidas na contenda o grupo de mulheres versus Mnesiacuteloco O

final do paacuterodo se estende agrave cena iacircmbica subsequumlente mantendo a simetria discursiva dos

dois litigantes e o uso da esticomitia direciona o debate ao combate sem um juiz para

sentenciar mas com um interventor da accedilatildeo o coro que potildee fim agrave disputa παύσασθε

λοιδορούμεναι (v 571)

Esse agon (vv 381-530) que eacute desenhado por uma cena de debate seguida de uma

cena de combate (vv 531-573) cujo final disfoacuterico para o Parente proporcionaraacute uma seacuterie de

novas paroacutedias de Euriacutepides funciona como eixo da engrenagem dramaacutetica da primeira parte

para a segunda parte do programa narrativo Portanto ele estaacute no centro da accedilatildeo E como um

todo a accedilatildeo da primeira parte que termina na paraacutebase cria uma situaccedilatildeo em que estando o

Parente prisioneiro se configura pelo vieacutes paroacutedico ou paratraacutegico147

a base para os

146 Lecirc-se no original Nous maintiendrons certes autant que possible les termes de notre deacutefinition procegraves ou

tout moins deacutebat pour le fond doubleacute discours souvent suivi de stichomythie pour la forme 147 Segundo as palavras textuais de Thiercy (2007 p 170) ―Les Thesmophories sont une vaste parodie

dlsquoEuripide et de sa trageacutedie si bien que llsquoaction elle mecircme est paratragique E seguindo essa mesma linha

para Silk (1993 p 479 494) ―[hellip] all Aristophanic parody of tragedy then is paratragic but not all

Aristophanic paratragedy is parodic [hellip] The extensive use of Euripidean drama in Thesmophoriazusae ndash

Helen Andromeda et al ndash is largely nonparodic Natildeo vamos entrar no meacuterito da discussatildeo empregamos o

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 126

pequenos quadros cecircnicos da segunda parte as tentativas de fuga para salvar o Parente (vv

846-1159) cujo pano de fundo satildeo cenas das peccedilas Helena e Androcircmeda148

de Euriacutepides

Esse tipo de programa narrativo em que a accedilatildeo da segunda parte eacute constituiacuteda por

uma sequumlecircncia de quadros cecircnicos que se concatenam pelo fato de a presenccedila do heroacutei ser

irrestrita tanto na primeira parte da peccedila quanto na segunda tambeacutem ocorre com algumas

nuanccedilas em Paz

3 Paz149

a luta em missatildeo de paz (quasi-agon de reflexatildeo e acessoacuterio da accedilatildeo)

Entre os helenistas haacute um consenso apesar de certas restriccedilotildees a propoacutesito da

tecircnue presenccedila de agon em Paz Se essa comeacutedia natildeo possui no entanto um agon regular

segundo Mazon (1904 p 86) que suspeita de sua natureza ou um agon epirremaacutetico

inteiro150

como diz Gelzer (1960 p 166) ou se possui um quasi-meio-agon151

na

classificaccedilatildeo de Pickard-Cambridge (1966 p 221) resta-nos verificar o que aparece em seu

lugar e que razotildees eventualmente se deixam entrever nas cenas do proacutelogo paacuterodo e

paraacutebase152

O proacutelogo (vv 1-300) desenvolve-se em dois planos primeiro no plano terrestre

com a preparaccedilatildeo do escaravelho gigante para a partida e depois no plano celeste onde o

termo paroacutedia em seu sentido mais amplo possiacutevel inclusive de ―canto paralelo que ao ser deslocado seja

nas instacircncias textuais ou cecircnicas sofre uma deformaccedilatildeo 148 A propoacutesito da paroacutedia dessas peccedilas cf Silva (1987 p 123-124 133) 149 Certamente Aristoacutefanes ao conjurar a composiccedilatildeo de Paz (421 aC) buscou na trageacutedia de Euriacutepides

Belerofonte cujo texto nos chegou fragmentado o modelo para seu heroacutei cocircmico (SILVA 1987 p 156-

157) Assim como Belerofonte montado sobre Peacutegaso vai ateacute o Olimpo assim Trigeu sobre um escaravelho

gigante alccedila vocirco ateacute a morada dos deuses Laacute chegando depara-se com uma terriacutevel vicissitude os deuses

abandonaram o Olimpo exceto Hermes e agora quem governa eacute Polemos o deus da Guerra depois de ter

aprisionado Irene a Paz Eacute com essa alegoria que o poeta critica mais uma vez as mazelas da guerra numa

fabulaccedilatildeo em que o grande desafio para o heroacutei cocircmico eacute libertar a Paz para que ela impere entre homens e

deuses O desenvolvimento da accedilatildeo na comeacutedia comporta duas partes bem distintas sobre o mesmo tema A

primeira parte eacute constituiacuteda de dois grandes ―atos (THIERCY 2007 p 162) inicialmente em terra com a

preparaccedilatildeo para a viagem ao Olimpo em seguida na morada de Zeus com a libertaccedilatildeo da Paz A segunda

parte da comeacutedia vai decorrer num uacutenico ―ato e o cenaacuterio eacute o ambiente terrestre junto agrave casa do heroacutei Trigeu

que estaacute de regresso 150 Lecirc-se no texto alematildeo stuumlcke ohne ganze epirrhematische agone 151 O termo empregado eacute quasi-half-agocircn 152 A propoacutesito da anaacutelise do proacutelogo e paacuterodo de Paz cf Irigoin (1997 p 23-27) Quanto agrave parabase indicamos

o estudo de Duarte (2000 p 120-130)

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 127

vinhateiro Trigeu descobre que quem reina na morada de Zeus eacute Poacutelemos a Guerra

responsaacutevel pela prisatildeo de Irene a Paz Dos oliacutempicos apenas Hermes se encontra e eacute quem

recebe o aldeatildeo O projeto do heroacutei que em princiacutepio era interrogar os deuses sobre o destino

dos gregos em relaccedilatildeo agrave guerra ganha outras proporccedilotildees diante dessa conjuntura e se torna

uma missatildeo de resgate quase impossiacutevel O proacutelogo cumpre portanto sua funccedilatildeo expondo o

assunto que se refere ao sucesso ou fracasso de Trigeu nessa empresa Tudo depende de o

heroacutei vencer os obstaacuteculos entre eles o enfrentamento com o deus Hermes que comeccedila na

segunda metade do proacutelogo

Ερ ὧν οὕνεκrsquo οὐκ οἶδrsquo εἴ ποτrsquo Εἰρήνην ἔτι

τὸ λοιπὸν ὄψεσθrsquo (vv 221-222)

Her Eis o motivo de eu natildeo saber se vocecircs

ainda vatildeo tornar a ver novamente a Paz

e se estende em todo o paacuterodo ateacute a cena do agon

Trigeu apela entatildeo para a colaboraccedilatildeo de todos os gregos Com a entrada dos

helenos comeccedila o paacuterodo153

(vv 301-345) que se encerra num pnigos (vv 339-345)

Transcorrem a partir desse momento quatro154

cenas curtas na uacuteltima cena desse conjunto se

destaca a presenccedila diminuta de um agon epirremaacutetico

A primeira cena se configura numa ode em que o coro na estrofe demonstra toda

confianccedila em Trigeu (vv 346-360) o que leva ao protesto de Hermes (vv 361-384) num jogo

esticomiacutetico com Trigeu ficando em evidecircncia o quanto seraacute difiacutecil para o heroacutei a realizaccedilatildeo

de seu plano

153 Na opiniatildeo de Couat (1895 p 371) o paacuterodo bastaria por si soacute porque ele expotildee o assunto e pode-se dizer

que conteacutem tambeacutem a peccedila inteira De fato a primeira metade da peccedila jaacute se bastaria natildeo apenas porque o

heroacutei jaacute alcanccedilou seu objetivo a libertaccedilatildeo da Paz mas tambeacutem porque a partir da primeira paraacutebase que

marca o iniacutecio da segunda metade da comeacutedia a narrativa dramaacutetica se constroacutei ateacute o ecircxodo com pequenas cenas de celebraccedilatildeo

154 Mazon (1904 p 83-84) estabelece uma uacutenica cena (vv 346-600) Seguimos a classificaccedilatildeo de Pickard-

Cambridge (1966 p 221) que analisa esse trecho como uma seacuterie de cenas irregulares subdividindo-o em

quatro cenas curtas vv 346-430 vv 431-519 vv 520-600 e por fim vv 601-656

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 128

Ερ ἆρrsquo οἶσθα θάνατον ὅτι προεῖφrsquo ὁ Ζευς ὅς ἄν

ταύτην ἀνορύττων εὑρεθῆ (vv 271-272)

Her Por acaso vocecirc jaacute ouviu falar da morte que Zeus decretou para

quem tentasse tiraacute-la do aterro

Na antode o coro que numa segunda estrofe (vv 385-399) dirige ao deus uma

suacuteplica natildeo consegue comovecirc-lo de que eacute necessaacuterio libertar a Paz Quando todos os outros

argumentos falham para a libertaccedilatildeo da Paz Trigeu que eacute dotado de uma argumentaccedilatildeo agrave

altura de um heroacutei traacutegico (SILVA 1987 p 164) potildee em praacutetica sua poneria (McLEISH

1980 p 55-56) que vai marcar o jogo cecircnico de caraacuteter persuasivo entre ele e o deus

Ερ ἴθι δὴ κατειπrsquo ἴσως γὰρ ἅν πείσαις ἐμέ (v 405)

Her Vamos diga entatildeo talvez vocecirc consiga me persuadir

Trigeu tem a dimensatildeo exata de seu oponente Trata-se de um deus divindade

tambeacutem por excelecircncia poneros155

consequumlentemente o aldeatildeo vai elaborar sua fala com

argumentos que pertenccedilam ao universo divino Para ter ecircxito ele promete a Hermes todas as

honras natildeo soacute nas Grandes Panateneacuteias mas tambeacutem em outras festas incluindo os

sacrifiacutecios E fazendo jus a sua sagacidade oferece a Hermes uma taccedila dourada

Τρ [] πρῶτον δέ σοι

δῶρον δίδωμι τήνδrsquo ἴνα σπένδειν ἔχῃς (vv 423-424)

Ερ οἴμrsquo ὠς ἐλεήμων εἴμrsquo ἀεὶ τῶν χρυσίδων (v 425)

Tr [] Em primeiro lugar a ti

eu te ofereccedilo esta taccedila dourada para que tu faccedilas libaccedilotildees

Her Ai ai ai Logo eu que sempre fui sensiacutevel agraves taccedilas de ouro

De acordo com Pickard-Cambridge156

(1966 p 200) nessa cena (vv 346-430)

caberia a funccedilatildeo de uma cena de agon porque quanto agrave forma haacute uma estrofe e uma

155 Dentre os vaacuterios epiacutetetos atribuiacutedos a Hermes o lado laraacutepio do deus eacute acentuado na comeacutedia (vv 401-402)

sendo um fator determinante na funccedilatildeo poneros do deus 156 Pickard-Cambridge (1966 p 200) faz a seguinte anaacutelise ―In an earlier scene (346-430) there is more of the

agocircn as regards the matter where Trygaeus persuades Hermes not to tell Zeus of the plan for raising Peace

and as regards form this scene give us a strofe and antistrofe each succeded by what but for its being in the

iambic trimester metre would be repectively an epirrhema and antepirrhema of almost equal length and the

whole conclude by a sphragis in trochaic tetrameters

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 129

antiacutestrofe em triacutemetros iacircmbicos que se equivalem na extensatildeo a um epirrema e antepirrema

e quanto ao conteuacutedo haacute um discurso persuasivo de Trigeu para convencer Hermes Ao

contraacuterio na interpretaccedilatildeo de Gelzer157

(1960 p 169-170) trata-se de uma accedilatildeo que natildeo vai

aleacutem de insinuaccedilotildees para a existecircncia de um agon A natureza da fala de Trigeu (vv 406-424)

ao inveacutes de ser argumentativa ou controversa a ponto de caracterizar o conteuacutedo

epirremaacutetico eacute persuasiva Como o deus aceita o suborno elimina-se a chance de haver uma

contenda ou negociaccedilatildeo e consequumlentemente uma sentenccedila Eacute aqui que se desfaz quanto ao

conteuacutedo a ideacuteia de agon Entretanto compete agraves cenas seguintes a funccedilatildeo de um proagon jaacute

que preparam a accedilatildeo para o agon

Na segunda cena (vv 431-519) as duas tentativas de libertaccedilatildeo fracassam E

somente apoacutes a eliminaccedilatildeo dos sabotadores os camponeses aacuteticos conseguem arrancar a Paz

da caverna Na cena seguinte (vv 520-581) a deusa eacute saudada ao surgir o que leva o coro no

epodo (vv 582-600) a fazer-lhe uma exortaccedilatildeo que do ponto de vista da forma e do conteuacutedo

se acopla ao katakeleusmos que inicia a quarta cena (vv 601-656) A partir daqui levanta-se a

hipoacutetese da presenccedila de um agon epirremaacutetico em Paz Contudo devido agraves irregularidades

apresentadas nessa passagem tanto na forma quanto no conteuacutedo questiona-se sua natureza

quanto agrave forma falta a simetria entre as seccedilotildees do agon quanto ao conteuacutedo no lugar de uma

discussatildeo haacute um simples diaacutelogo (MAZON 1904 p 86) entre trecircs personagens Trigeu

Hermes e o coro que estaacute sendo considerado como uma personagem coletiva Pode-se

mesmo assim atribuir agrave comeacutedia Paz um agon ou na melhor das hipoacuteteses um quasi-agon

Para Mazon (1904 p 86) a cena de agon compreende os vv 601-705 Jaacute Pickard-Cambridge

(1966 p 221) estabelece o que ele classifica de quasi-half-agon um pequeno trecho entre os

vv 601-656 os quais tambeacutem fazem parte do corpus analisado por Gelzer (1960 p 170) que

considera esse excerto de meio-agon (halben epirrhematischen Agons)

157 Para Gelzer (1960 p 169-170) Trigeu que eacute o respresentante do coro (357-360) natildeo ataca Hermes mas

com pedidos se contrapotildee agraves opiniotildees dele (383-399) Diante disso Trigeu quer convencer Hermes que se

deixa convencer (405) Esta eacute a uacutenica insinuaccedilatildeo de um acordo

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 130

A composiccedilatildeo se apresenta na seguinte forma158

katakeleusmos (vv 601-602)

epirrema (vv 603-560)

pnigos (vv 651-656)

Como se pode observar estaacute ausente a ode que completaria o conjunto da

primeira parte de um agon Contudo a passagem que antecede o katakeleusmos e que finaliza

a cena anterior eacute uma estrofe (vv 582-600) que pode desempenhar a funccedilatildeo de uma ode o

tom eacute de saudaccedilatildeo (χαῖρε) e no final o coro passa a palavra ao deus

Xo τοῦθrsquo ἡμᾶς δίδαξον ὦ θεῶν εὐνούστατε (v 602)

Co Explica- nos isso oacute o mais bonzinho dos deuses

Por um fenocircmeno de acoplamento diz Gelzer (1960 p 151) esse final do epodo

tem a natureza de um katakeleusmos o que confere agrave estrofe um valor de ode Dessa maneira

completa-se a primeira parte do agon epirremaacutetico o que delega a ele quanto agrave forma a

natureza de um agon epirremaacutetico pela metade ou quasi-agon com a seguinte composiccedilatildeo

ode (vv 582-600)

katakeleusmos (vv 601-602)

epirrema (vv 603-650)

pnigos (vv 651-656)

No katakeleusmos Hermes eacute encorajado pelo coro a explicar por onde tem andado

a Paz O coro emprega o verbo διδάσκω cujos sentidos ―ensinar ―instruir ―esclarecer

sugerem natildeo soacute que o discurso (rhema) de Hermes tem a natureza de um relato retrospectivo

em que ele expotildee as origens da guerra mas tambeacutem o emprego desse verbo daacute margem agrave

158 De acordo com Sommerstein (1990 p 159) o excerto (vv 601-656) estaacute composto por tetracircmetros trocaicos

terminando a partir do v 651 num pnigos trocaico

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 131

interpretaccedilatildeo de a personagem Hermes ser porta-voz do poeta o que outorga ao agon um tom

parabaacutetico159

porque seu discurso tambeacutem se dirige ao auditoacuterio τἀμὰ δὴ ξυνίετε ῥήματrsquo

ndash ―prestem atenccedilatildeo agraves minhas palavras Esse chamamento feito por Hermes antes de iniciar

seu discurso proporciona uma intenccedilatildeo didaacutetica160

da parte do poeta com relaccedilatildeo a seu

puacuteblico O discurso proferido por Hermes embora natildeo encontre um outro discurso de

oposiccedilatildeo a ele traz algumas marcas de um conteuacutedo epirremaacutetico isto eacute explicativo [] a

primeira causa foi (πρῶτα v 605) [] depois (κᾆτrsquoἐπειδὴ v 619) [] pois bem

(κἀνθάδrsquo v 632) de tal modo que (ὥστrsquo v 646)

Na interpretaccedilatildeo de Navarre (1911 p 253) a natureza explicativa do conteuacutedo

epirremaacutetico que se concentra no discurso de Hermes caracteriza esse agon de Paz

juntamente com os agones de Lisiacutestrata Aves e Assembleacuteia de mulheres como uma

demonstraccedilatildeo unilateral (deacutemonstration unilateacuterale) ou seja quanto ao conteuacutedo trata-se de

um agon expositivo e quanto agrave forma as partes epirremaacuteticas estatildeo na fala de uma uacutenica

personagem no caso o heroacutei ou a heroiacutena da comeacutedia Jaacute Gelzer (1960 p 171) analisa que

somente em Aves e Lisiacutestrata ocorre de as partes epirremaacuteticas estarem juntas nas falas de

Pisetero e Lisiacutestrata respectivamente No caso de Paz para o discurso de Hermes Aristoacutefanes

natildeo utilizou a forma de um agon de exposiccedilatildeo (Darlegungsagones) porque natildeo foram

empregadas na fala do deus as partes simeacutetricas do epirrema pois natildeo haacute a simetria uma vez

que conforme exposto anteriormente trata-se de um agon epirremaacutetico pela metade

A razatildeo pela qual Aristoacutefanes escolheu a forma de um quasi-agon epirremaacutetico

deve-se certamente a seu conteuacutedo o diaacutelogo transcorre subsequumlente agrave accedilatildeo (GELZER

159 A ideacuteia de predificar de ―parabaacutetico o agon parte da seguinte reflexatildeo de Duarte (2000 p33) ―o corifeu

representando o coro introduz explicitamente a nova seccedilatildeo da comeacutedia reforccedilando com palavras o movimento

que os danccedilarinos realizam na orquestra em direccedilatildeo ao puacuteblico (πρὸς τὸν θέατρον) Tanta ecircnfase tem como

funccedilatildeo chamar a atenccedilatildeo dos espectadores e situaacute-los na peccedila 160

De acordo com Duarte (2000 p 72-73) haacute uma progressatildeo gradual das funccedilotildees do poeta cocircmico em relaccedilatildeo

aos cidadatildeos de instrutor do coro (διδάσκαλος) passando por poeta (ποιητής) depois a conselheiro

(ξύμβουλον) e por fim professor (διδάσκων)

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 132

1960 p 170) Hermes oferece uma explicaccedilatildeo coerente tal como costuma aparecer nos

epirremas Poreacutem uma vez que nenhuma reacuteplica eacute pronunciada Aristoacutefanes elimina a

segunda parte do agon

Tudo leva a crer que Aristoacutefanes preferiu do ponto de vista dramaacutetico (GELZER

1960 p 171) a cena de salvaccedilatildeo da Paz como centro da accedilatildeo agrave cena de discussatildeo porque de

fato a peccedila traz uma proposiccedilatildeo paciacutefica num momento soacutecio-poliacutetico pelo qual Atenas

passava naquele ano de 421 aC quando houve uma treacutegua e esse periacuteodo ficou conhecido

como Paz de Niacutecias Coincidecircncia ou natildeo a questatildeo da treacutegua jaacute se apresenta na abordagem

da peccedila conforme explicaccedilatildeo de Hermes a Trigeu a respeito de os deuses terem se mudado

Ερ ὁτιὴ πολεμεῖον ᾑρεῖσθrsquo ἐκείνων πολλάκις

σπονδὰς ποιούντων (vv 211-212)

Her Porque vocecircs escolheram fazer a guerra tendo eles dado a vocecircs

muitas ocasiotildees de fazerem treacuteguas

Nesse sentido a comeacutedia pode ser entendida como uma crocircnica da eacutepoca Sob

esse aspecto natildeo seria paradoxal a presenccedila de um agon seccedilatildeo que carrega o sentido de luta

disputa ou discussatildeo numa peccedila que eacute um tributo agrave paz

Hermes pronuncia trecircs rhemata e apoacutes cada um deles haacute um aparte espirituoso do

coro e um comentaacuterio de Trigeu No primeiro pronunciamento Hermes explica as origens da

guerra entre Atenas e Esparta versatildeo que aliaacutes difere daquela em Acarnenses (vv 509-539)

As duas versotildees concordam apenas na menccedilatildeo ao decreto de Megara que foi o estopim da

guerra referente a uma proposta de Peacutericles por questotildees pessoais que natildeo tiveram a ver com

o interesse puacuteblico Na versatildeo de Paz (vv 605-610) o estadista Peacutericles estaria envolvido

num escacircndalo de superfaturamento por causa da construccedilatildeo da estaacutetua de Atena por Fiacutedias o

que levou a Assembleacuteia a condenar o arquiteto ao exiacutelio Como natildeo haacute reacuteplica ao discurso de

Hermes natildeo haacute chance de o coro ter a funccedilatildeo de aacuterbitro ou mediador e sua presenccedila eacute

marcada por breves apartes seguidos dos comentaacuterios de Trigeu apoacutes cada fala do deus

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 133

No segundo pronunciamento Hermes faz alusatildeo (vv 619-622) agrave coligaccedilatildeo de

cidades gregas que temiam um aumento de tributos sob a hegemonia de Atenas E por fim o

deus critica a ganacircncia dos lacedemocircnios que lucravam com a guerra enquanto os

agricultores sofriam com ela (vv 623-627) Eacute sutil a ironia dos comentaacuterios de Trigeu e do

coro Ao falar de Fiacutedias pode-se entender que Trigeu ou sabia que o escultor tinha

responsabilidade na questatildeo da paz ou que se tratava de uma questatildeo de criador-criatura jaacute

que no texto eacute sugerido que a Paz eacute uma obra de Fiacutedias (SILVA 1984 p 20) Apoacutes a

apologia dos agricultores feita por Hermes jaacute era esperado que Trigeu e o coro que

pertencem agrave classe de camponeses protestassem ἐν δίκῃ μὲν οὖν (v 628) ἐν δίκῃ γε δτrsquo

(v 630) Em seguida apoacutes o terceiro pronunciamento de Hermes o aparte de Trigeu finaliza o

agon com uma invectiva pessoal a Cleatildeo demagogo atacado acirradamente em Cavaleiros na

personagem de Paflagocircnio

A temaacutetica desse agon toca entatildeo em assuntos de interesse puacuteblico ndash a origem da

guerra a hegemonia de Atenas os prejudicados e os beneficiados com a guerra ndash todos

mateacuterias pertinentes ao conteuacutedo da competecircncia da paraacutebase No exame de Gelzer (1960 p

153) o discurso de Hermes no epirrema eacute um acreacutescimo que do ponto de vista do conteuacutedo

estaacute adequado ao contexto poreacutem do ponto de vista dramaacutetico natildeo eacute necessaacuterio e nem exerce

qualquer influecircncia sobre o prosseguimento da accedilatildeo Essa interpretaccedilatildeo torna o agon uma

seccedilatildeo deslocada da accedilatildeo quando na verdade natildeo estaacute porque a hipoacutetese que se levanta nesta

anaacutelise eacute de ter ocorrido uma compensaccedilatildeo entre as seccedilotildees do texto isto eacute a ausecircncia de

epirrema na paraacutebase principal de Paz (DUARTE 2000 p 128) parece estar compensada no

agon Daiacute considerarmos a natureza desse agon como acessoacuterio da accedilatildeo com uma natureza

de um agon de reflexatildeo161

Com a Paz livre o plano do heroacutei estaacute consumado mas natildeo a

161 Denominamos assim com base na anaacutelise de MacDowell (1995 p 186) que interpreta a cena como um

momento de reflexatildeo

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 134

peccedila que eacute uma comeacutedia fecunda em discursos endereccedilados aos espectadores como bem

observou Russo (1994 p 49)

Em Paz para dar um exemplo o protagonista oferece de fato uma linda donzela

aos espectadores sentados na proedria deve-se notar que Paz eacute uma peccedila rica em

discursos enderessados especialmente aos espectadores162

Trata-se portanto de um agon sui generis que se destaca da natureza dos agones

ateacute agora analisados daiacute sua classificaccedilatildeo de quasi-agon jaacute que natildeo tem em sua physis a

forma de um agon epirremaacutetico inteiro faltando a ele a simetria No que concerne ao

conteuacutedo sua physis estaacute longe de ser uma discussatildeo porque Aristoacutefanes optou por um agon

de cunho parabaacutetico e um paacuterodo agoniacutestico restando ao agon uma natureza incompleta um

quasi-agon de reflexatildeo

162 Lecirc-se no original In Peace to give just one example the protagonist actually consigns a lovely maiden-extra

to the spectators seated in the proedria it should be noted moreover that Peace is the comedy richest in

speeches addressed explicitly to the spectators

CAPIacuteTULO IV

O AGON DESCARACTERIZADO

PELA DISCUSSAtildeO UNILATERAL

EM

AVES LISIacuteSTRATA E

ASSEMBLEacuteIA DE MULHERES

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

136

1 Aves163

a conversa levada no bico (agon de exposiccedilatildeo e ligado agrave accedilatildeo)

A comeacutedia Aves tem uma unidade de accedilatildeo coesa e uma progressatildeo dramaacutetica

constante164

em que o agon como uma seccedilatildeo da estrutura se localiza na ordem esperada

proacutelogo paacuterodo agon paraacutebase I e II cenas episoacutedicas e ecircxodo O proacutelogo (vv 1-208)

cumpre sua funccedilatildeo de expor o assunto da peccedila a fundaccedilatildeo de uma cidade nas nuvens E o

paacuterodo (vv 209-450) marca o iniacutecio dessa empreitada feeacuterica cuja realizaccedilatildeo depende do

ecircxito que o heroacutei cocircmico teraacute no agon

Na passagem do proacutelogo para o paacuterodo (vv 206-208) Pisetero pede que a

personagem Poupa chame e reuacutena as aves que aparecem aos poucos na orquestra e satildeo

apresentadas a ele e a Eveacutelpides Assim que todas estatildeo congregadas a Poupa lhes explica a

razatildeo da presenccedila dos estrangeiros As aves se sentem traiacutedas e divididas em dois grupos

decidem punir os invasores que na defensiva se armam de panelas e espetos (vv 354-363) A

Poupa interveacutem e com o apaziguamento das partes as aves concordam em ouvir Pisetero

Como os acarnenses contra Diceoacutepolis em Acarnenses e as vespas-heliastas contra

Bdelicleatildeo em Vespas o coro de aves representa um papel ativo com suas intenccedilotildees hostis

contra o heroacutei Essas comeacutedias tecircm portanto em comum paacuterodos de natureza agoniacutestica

No estudo dos paacuterodos das comeacutedias de Aristoacutefanes Zimmermann (1984 p 16)

analisa que apoacutes a bem sucedida intervenccedilatildeo da Poupa ocorre a transiccedilatildeo (vv 406-433) para

um acordo (vv 434-447) que precede o agon epirremaacutetico Esse movimento da accedilatildeo

163 Com a leveza do riso Aristoacutefanes critica pesadamente a conjuntura da eacutepoca na comeacutedia Aves (414 aC)

cujo texto prima em alegoria e fantasia O enredo se constroacutei agraves voltas do projeto de Pisetero que

acompanhado de seu companheiro Eveacutelpides pretende fundar uma cidade nas nuvens Cuconuvolacircndia por

causa da situaccedilatildeo caoacutetica pela qual Atenas passava O ecircxito dessa empresa esbarra entretanto nos legiacutetimos habitantes desse espaccedilo aeacutereo as aves O conflito eacute inevitaacutevel e o agon da comeacutedia eacute uma seccedilatildeo-chave na

fabulaccedilatildeo para que o plano do heroacutei Pisetero tenha sucesso 164 O desenvolvimento progressivo natildeo eacute interrompido nem mesmo pela paraacutebase (THIERCY 2007 p 164)

Para uma anaacutelise mais detalhada cf Duarte (2000 p 153-166)

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

137

conflitante no paacuterodo culmina no agon epirremaacutetico o que traz algumas divergecircncias entre os

estudiosos com relaccedilatildeo ao nuacutemero de agones em Aves

Gelzer (1960 p xiii) atribui a essa comeacutedia dois agones que satildeo denominados por

ele agones apoacutes o paacuterodo sendo o segundo o principal Jaacute Mazon (1904) Pickard-Cambridge

(1966) Sommerstein (1991) e Moumlllendorff (2002) fixam um uacutenico agon que corresponde ao

agon principal no exame de Gelzer E todos estatildeo acordados que esse agon principal comeccedila

no v 451

Neste estudo tentaremos demonstrar que a accedilatildeo agressiva do coro no paacuterodo que

na classificaccedilatildeo de Gelzer (1960 p 42) corresponde ao agon I funciona como um proagon

isto eacute uma cena preparatoacuteria para o agon Essa cena eacute um prolongamento da accedilatildeo do paacuterodo e

marca a transiccedilatildeo da accedilatildeo hostil das aves para um apaziguamento proporcionando uma

chance para Pisetero expor seus argumentos que por sua vez estaratildeo presentes no agon

epirremaacutetico cuja natureza eacute descaracterizada pela unilateralidade

No proagon o conteuacutedo eacute peculiar porque ambas as partes litigantes a dos

homens e a dos paacutessaros natildeo dialogam um com o outro mas falam de modo alternado numa

accedilatildeo que se configura numa cena de combate Sua forma contempla todavia a maioria das

seccedilotildees de um agon epirremaacutetico que estatildeo assim dispostas

ode (vv 327-335) antode (vv 343-351)

katakeleusmos (vv 336-338) antikatakeleusmos (vv 352-353)

epirrema (vv 338-342) antepirrema (vv 354-385)

pnigos natildeo haacute antipnigos (vv 386-399)

Na ode coro manifesta um canto hostil agrave personagem Poupa que eacute acusado de

traiccedilatildeo

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

138

Χο ἔα ἔα

προδεδόμεθrsquo ἀνόσιά τrsquo ἐπάθομεν (vv 329-330)

Co Ui Ui

Fomos traiacutedos de impiedade viacutetimas165

O canto do coro jaacute eacute de entusiasmo o que torna o conteuacutedo do katakeleusmos que

eacute ameaccedilador um apecircndice da ode (GELZER 1960 p 43) A accedilatildeo se direciona para um

confronto fiacutesico

Χο ἀλλὰ πρὸς τοῦτον μὲν ἡμῖν ἐστιν ὕστερος λόγος

τὼ δὲ πρεσβύτα δοκεῖ μοι τώδε δοῦναι τὴν δίκην

διαφορηθναί θrsquo ὑφrsquoἡμῶν (vv 336-338)

Co Bem com ele [Poupa] acertaremos mais tarde

Na minha opiniatildeo devemos punir E estraccedilalhar os dois velhos [Pisetero e Eveacutelpide]

A aporia de Pisetero e Eveacutelpide eacute evidenciada no epirrema que distribuiacutedo num

curto diaacutelogo entre eles eacute interrompido pela antode que manteacutem o tom hostil da ode

Χο ἰὼ ἰώ

ἔπαγrsquoἐπιθrsquoἐπίφερε πολέμιον (v 344)

Co Ioacute Ioacute Vem Avanccedila assalta ataca o inimigo

O antikatakeleusmos tem em relaccedilatildeo agrave antode a mesma funccedilatildeo que o

katakeleusmos teve com a ode Pisetero e Eveacutelpides voltam a confabular no antepirrema ateacute

que recomeccedila a ameaccedila de ataque das aves sob as ordens do corifeu para avanccedilar e apontar o

bico (χώρει κάθες τὸ ῥύγχος v 364) Entatildeo como mediadora da situaccedilatildeo a Poupa se

interpotildee conseguindo que o coro aceite fazer uma treacutegua

Χο ἔστι μὲν λόγων ἀκοῦσαι πρῶτον ὡς ἡμῖν δοκεῖ

χρήσιμον μάθοι γὰρ ἄν τις κἀπὸ τῶν ἐχθρῶν σοφόν (vv 381-382)

Co Eacute talvez seja uacutetil ouvir primeiro os discursos Pode-se aprender algo saacutebio ateacute com os inimigos

165 Todas as passagens traduzidas satildeo de Adriane da Silva Duarte

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

139

Depois de a Poupa ter se interposto as duas partes recomeccedilam de modo confuso

um breve diaacutelogo (vv 383-385) O antipnigos (vv 386-399) volta a pertencer inteiramente aos

homens Para Gelzer (1960 p 43) Aristoacutefanes emprega o antipnigos como conclusatildeo da

forma embora nele natildeo ocorra a aceleraccedilatildeo da fala Trata-se ao contraacuterio muito mais de um

apaziguamento do diaacutelogo ocorrido no antepirrema Assim Aristoacutefanes organiza agora a accedilatildeo

de tal maneira que a forma com antepirrema e antipnigos eacute conduzida pacificamente ateacute o

fim E no antipnigos com o furor do coro aplacado instaura-se uma treacutegua entre as aves e os

dois intrusos

Como a siziacutegia epirremaacutetica eacute comum ao paacuterodo e ao agon entendemos que estaacute

havendo um prolongamento do paacuterodo porque a ode realizada pela personagem Poupa se

manteacutem ligada pelo conteuacutedo ao diaacutelogo precedente ocorrido no paacuterodo166

entre Poupa

Pisetero e Eveacutelpide Conforme Pickard-Cambridge (1966 p 222-223) na segunda parte do

paacuterodo haacute uma cena de batalha que para Mazon (1904 p 109) natildeo pertence ao paacuterodo mas

se trata de uma cena independente que se configura num agon no sentido beacutelico da palavra

embora Mazon natildeo a classifique como o primeiro agon Para esse autor dos vv 326-434

encontra-se a cena de batalha (scegravene de bataille) seguida de uma cena que ele denominou de

introduction drsquoagon (vv 435-450)

Essa mesma foacutermula em que o comeccedilo do agon se funde agrave accedilatildeo ofensiva do final

do paacuterodo eacute observada tambeacutem em Acarnenses e Vespas Natildeo haacute portanto transiccedilatildeo

(GELZER 1960 p 39) desse final de paacuterodo para o que Gelzer considera como primeiro

agon da peccedila que entendemos funcionar como um proagon que se estende ateacute o v 450 e cuja

funccedilatildeo eacute preparar a cena do agon em que o plano do heroacutei seraacute exposto

166 Mazon (1904) e Pickard-Cambridge (1966) dividem o paacuterodo de Aves em duas partes mas sem

correspondecircncia de versos entre esses autores Para Pickard-Cambridge (1966 p 222-223) a primeira parte

compreende os vv 209-266 e a segunda os vv 267-351 Jaacute Mazon (1904 p 99-100) distribui o paacuterodo

primeiramente entre os vv 267-293 em que o coro natildeo entra em conjunto mas isoladamente e depois entre

os vv 294-326 em que o restante do coro penetra coletivamente na orquestra

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

140

Com a treacutegua criam-se condiccedilotildees para que Pisetero possa apresentar seu plano Eacute

por isso que natildeo se trata ainda de um agon porque no niacutevel da accedilatildeo haacute uma preparaccedilatildeo

para a negociaccedilatildeo que vai ocorrer no agon em que o heroacutei faraacute a exposiccedilatildeo de seu plano criar

uma cidade nas nuvens junto aos paacutessaros

A Poupa de natureza hiacutebrida homempaacutessaro adianta o assunto sobre o qual

Pisetero quer falar (vv 412-415) e sua fundamentaccedilatildeo (vv 422-426) avocando o papel de

mediador entre coro e heroacutei Com isso haacute uma adesatildeo das aves que concordam em ouvir

Pisetero (vv 432-433) que por sua vez exige uma garantia de sua seguranccedila (vv 439-442) O

coro estaacute de acordo e presta juramento

Χο ὄμνυμrsquo ἐπὶ τούτοις πᾶσι νικᾶν τοῖς κριταῖς

kαὶ τοῖς θεαταῖς πᾶσιν (v 445)

Co Juro sob estas condiccedilotildees vencer com todos os jurados

e com os espectadores todos

Esse juramento soa com um tom parabaacutetico porque sugere uma quebra da ilusatildeo

cecircnica em que o coro assume o papel de uma personagem (SOMMERSTEIN 1987 p 225

SILVA 1989 p 90) da intriga e avoca para si a funccedilatildeo de antagonista do heroacutei Nesse agon

participam quatro personagens Pisetero Eveacutelpide Poupa e o Coro Natildeo haacute um juiz nem

mediador porque natildeo se trata de saber quem tem razatildeo mas de um jogo persuasivo de

convencimento e seduccedilatildeo conforme o que o corifeu deixa evidente ao empregar o verbo

ἀναπείθω

ἀλλrsquo ἐφrsquo ὅτῳπερ πράγματα τὴν σὴν ἤκεις γνώμην ἀναπείσας

λέγε θαρρήσας ὡς τὰς σπονδὰς οὐ μὴ πρότεροι παραβῶμεν(vv 460-461)

O motivo seja qual for que trouxe vocecirc aqui para nos convencer

Fale confiante A treacutegua natildeo seremos os primeiros a romper

Nada de muito difiacutecil ao heroacutei que segundo a Poupa eacute dotado de uma habilidade

ardilosa comparaacutevel a uma fera espertiacutessima (πυκνότατον κίναδος vv 429-430) Pisetero

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

141

eacute por primazia poneros e em sua poneria encontram-se sapiecircncia (σόφισμα) maledicecircncia

(κύρμα) experiecircncia (τρῖμμα) e muita inteligecircncia (παιπάλημrsquo ὅλον) atributos que o

coro natildeo ignora em se tratando de um humano

δολερὸν μὲν ἀεὶ κατὰ πάντα δὴ τρόπον

πεφυκεν ἄνθρωπος σὺ δrsquoὅμως λέγε μοι (vv 451-452)

Traiccediloeiro em todas as coisas

eacute por natureza o homem Mas apesar disso fala

Essas palavras do coro que abrem o agon proporcionam um tom solene quase de

trageacutedia167

agrave ode e tambeacutem ao discurso de Pisetero que com a devida competecircncia

discursiva enfrentaraacute o coro e a Poupa para defender seu projeto expondo-o com

circunspeccedilatildeo num agon cuja forma eacute de um agon epirremaacutetico completo168

e estaacute assim

configurado

ode (vv 451-459) antode (vv 539-547)

katakeleusmos (vv 460-461) antikatakeleusmos (vv 548-549)

epirrema (vv 462-522) antepirrema (vv 550-610)

pnigos (vv 523-538) antipnigos (vv 611-626)

sphragis (vv 627-638)

167 Nessa passagem de Aves o coro exalta o poder da natureza humana o que nos sugere a alusatildeo ao primeiro

estaacutesimo de Antiacutegona de Soacutefocles

πολλὰ τὰ δεινὰ κοὐδὲν ἀν-

θρώπου δεινότερον πέλει (νν 332-333)

haacute muitas coisas temiacuteveis mas nada

mais temiacutevel do que o homem

A aproximaccedilatildeo dessas odes estaacute no campo semacircntico dos vocaacutebulos δολεπὸρ (peacuterfido enganador) e δεινόρ

(que inspira temor) Ambas as odes satildeo um canto agrave grandeza humana que em Aves tem um sentido negativo

e em Antiacutegona devido agrave ambiguumlidade de sentido pode ser interpretada como o que inspira temor eacute algo

traiccediloeiro E o elemento comum em ambas eacute a figura humana A propoacutesito de um estudo aprofundado sobre

essa passagem de Antiacutegona cf Riol (1969) 168 Na tabela de Gelzer (1960 p xiii) esse agon compreende os vv 451-626 com todas as partes simeacutetricas

exceto a sphragis distribuiacutedo da seguinte maneira estrofe (vv 451-459) katakeleusmos (vv 460-461)

epirrema (vv 462-538) antiacutestrofe (vv 539-547) antikatakeleusmos (vv 548-549) antepirrema (vv 560-

626) No entanto Pickard-Cambridge (1966 p 223) Mazon (1904 p 109) e Moumlllendorff (2002 p 105) estendem esse agon ateacute o v 638 Pickard-Cambridge natildeo marca o pnigos e o antipnigos mas a sphragis entre

os vv 627-638 Jaacute Mazon e Moumlllendorff elencam as partes do agon como Gelzer inclusive concebem a

sphragis como Pickard-Cambridge Jaacute Sommerstein (1987 p 226) delimita esse agon entre os vv 451-635

Nesta anaacutelise adotamos a configuraccedilatildeo segundo Mazon e Moumlllendorff

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

142

Apresentando todas as partes da siziacutegia epirremaacutetica esse agon eacute perfeito na sua

forma mas totalmente descaracterizado em seu conteuacutedo Ao tomar a palavra Pisetero pede

uma coroa e aacutegua para lavar as matildeos (vv 463-464) gestos que se referem agrave figura dos

oradores na assembleacuteia Assim como a Primeira Mulher em Tesmoforiantes veste uma coroa

antes de seu pronunciamento agrave assembleacuteia de mulheres assim Pisetero tambeacutem coroado se

dirige agrave comunidade ornitoloacutegica reunida Natildeo haveraacute discussatildeo apenas discurso Trata-se de

um conteuacutedo unilateral em que as partes epirremaacuteticas pertencem inteiramente agraves falas do

heroacutei que no epirrema busca nas faacutebulas de Esopo (v 471 ss v 651 ss) provas de que no

princiacutepio antes mesmo da primeira geraccedilatildeo dos deuses exposta na Teogonia de Hesiacuteodo (v

609) as aves reinavam soberanas O discurso de Pisetero se alicerccedila em exemplos como o

galo da Peacutersia estabelecendo que a soberania delas foi usurpada pelos deuses oliacutempicos

Tambeacutem no antepirrema Pisetero manteacutem seu raciociacutenio descrevendo passo a

passo a decadecircncia das aves de sua posiccedilatildeo suprema agrave condiccedilatildeo de serem servidas nos

espetinhos assados ao molho Em seguida ele expotildee como elas podem reconquistar essa

soberania a ponto de deuses e homens se curvarem ao poder delas A proposta da construccedilatildeo

de uma cidade nas nuvens eacute estrateacutegica porque interceptaraacute as comunicaccedilotildees entre deuses e

homens Enquanto esses passaratildeo a oferecer sacrifiacutecios agraves aves aqueles privados dos odores

das libaccedilotildees e pressionados pela fome vatildeo se curvar a elas

Coro e Poupa colocam algumas objeccedilotildees questionando o lado divino das aves

Entretanto Pisetero sempre tem uma resposta pronta a essas contestaccedilotildees que ao inveacutes de

romper com a exposiccedilatildeo do plano do heroacutei contribuem para o desdobramento de suas

ideacuteias169

Com o poder as aves poderatildeo punir os desobedientes e para os que submeterem agrave

nova ordem encontraratildeo benesses e recompensas graccedilas agrave ornitomancia (vv 588-595) No

169 Esse procedimento da accedilatildeo tambeacutem ocorre em Assembleacuteia de mulheres cf infra

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

143

pnigos e antipnigos o tema eacute um prolongamento do que foi dito na parte epirremaacutetica perda

e recuperaccedilatildeo de supremacia sobre homens e deuses respectivamente Como natildeo haacute

julgamento nem discussatildeo polarizada descarta-se a presenccedila de um aacuterbitro

consequumlentemente a sphragis cuja funccedilatildeo eacute dar a sentenccedila se apresenta de uma forma um

tanto peculiar o corifeu afirma a Pisetero que as aves estatildeo convencidas e estatildeo dispostas a

colaborar com plano do heroacutei O coro entatildeo pronuncia-se num canto de triunfo O corifeu

volta a se dirigir a Pisetero numa espeacutecie de katakeleusmos (MAZON 1904 p 103)

Embora na sua forma natildeo reste duacutevida de que se trata de um agon epirremaacutetico

quanto ao conteuacutedo fica descaracterizado o jogo do argumentocontra-argumento Pisetero

natildeo defende seu ponto de vista mas o expotildee num jogo de persuasatildeo que aliaacutes condiz agrave

etimologia de seu nome170

―aquele que persuade os companheiros Trata-se de um traccedilo que

caracteriza a personagem como poneros cuja poneria estaacute a serviccedilo de um discurso eficiente

e seacuterio ao contraacuterio das falas de Eveacutelpides que como co-orador (GELZER 1960 p 125)

apoacuteia o pronunciamento do companheiro lanccedilando volta e meia glosas ingecircnuas que trazem

como exemplo uma situaccedilatildeo vivida para tornar verdadeiro o que foi dito antes (vv 493-498

501-503) ou com comentaacuterios com duplo sentido das palavras conforme as passagens i) vv

506-507 em que os vocaacutebulos κριθάς e πεδίοις tanto podem se referir ao contexto agriacutecola

como ao sexo o primeiro com o sentido de ―gratildeo de cevada refere-se ao oacutergatildeo sexual

masculino enquanto que o segundo ―campo ao oacutergatildeo sexual feminino junta-se a esses dois

vocaacutebulos o nome da ave cuco e tambeacutem a palavra ψωλοί que tanto se refere aos circuncisos

quanto agrave excitaccedilatildeo sexual ii) no emprego da palavra κεφαλή (v 476) que pode ser tanto o

substantivo comum cabeccedila quanto o nome proacuteprio de um demos de Atenas ou com apartes

170 A propoacutesito da ortografia do nome do heroacutei Pistetero ou Pisetero Thiercy (1997 p 1161) discute a

problemaacutetica que existe em torno da significaccedilatildeo desses nomes Estamos nesta anaacutelise adotando o nome

Pisetero porque conforme a concepccedilatildeo que se tem da construccedilatildeo da personagem trata-se de algueacutem

astucioso e mestre em sofiacutestica De acordo com Whitman (1964 p 174 ss) a poneria presente em Pisetero eacute

um legado da sofiacutestica de Goacutergias

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

144

zombeteiros em tom de ironia conforme se observa em (v 480) a rivalidade entre Zeus e o

pica-pau (δρυκολάπτης) (vv 486-487) o turbante da realeza persa κυρβασία tomado

como a crina do galo λόφος iii) (vv 511-513) alusatildeo aos proventos iliacutecitos iv) (v 521)

invectiva pessoal v) mofas com as divindades Zeus (vv 570 610) (v 581) Demeter e Apolo

(v 585) O tom jocoso dos apartes de Eveacutelpide faz com que ele assuma a funccedilatildeo de

bomolochos acrescentando um tempero cocircmico agrave cena Essas glosas ingecircnuas natildeo satildeo motivo

de refutaccedilatildeo por parte de Pisetero da Poupa e do Coro o que permite agrave accedilatildeo de seguir seu

curso apoacutes o agon expositivo e persuasivo

O conteuacutedo expositivo das partes epirremaacuteticas do agon que diz respeito agrave

ornitogonia se relaciona agrave paraacutebase I seccedilatildeo subsequumlente em que haacute um paralelismo entre a

exposiccedilatildeo do corifeu cujo assunto trata da cosmogonia ornito-oacuterfica Esse assunto eacute abordado

no estudo de Duarte (2000 p 156-162) que demonstra que nos anapestos da paraacutebase I (vv

685-722) Pisetero faz do direito de antiguumlidade a defesa de sua tese

A paraacutebase retoma portanto as ilustraccedilotildees da tese do heroacutei no agon cujo

principal argumento era elevar o status das aves ao status dos seres primordiais dos mitos

teogocircnicos Agon e paraacutebase se ligam pelo conteuacutedo funcionando como um eixo temaacutetico

central da narrativa dramaacutetica entre a primeira e a segunda parte da peccedila que traz cenas que

satildeo uma consequumlecircncia da realizaccedilatildeo do plano do heroacutei com a fundaccedilatildeo de Cuconuvolacircndia

A poneria do heroacutei vai marcar toda a segunda parte da comeacutedia em que o heroacutei

salvaguardando sua polis aeacuterea enfrenta os visitantes inoportunos que vecircm agraves portas da

cidade i) o poeta maltrapilho que a todo custo tenta sobreviver de sua arte (vv 903-954) ii)

o inteacuterprete de oraacuteculos que eacute um charlatatildeo (vv 959-990) iii) o geocircmetra Meacuteton que propotildee

um plano urbaniacutestico (vv 991-1019) iv) um inspetor e um comerciante de decretos carregado

de urnas e leis respectivamente (vv 1020-1057) v) o parricida (vv 1342-1471) vi) o poeta

Ceneacutesias (vv 1372-1410) e finalmente o sicofanta (vv 1411-1465)

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

145

Para ter ecircxito absoluto em seu plano Pisetero precisaraacute sanar a questatildeo com os

deuses oliacutempicos

Πο περσβεύοντες ἡμεῖς ἥκομεν

παρὰ τῶν θεῶν περι πολέμου καταλλαγς (vv 1587-1588)

Poseidon Como embaixadores noacutes viemos

da parte dos deuses para negociar o fim da guerra

Nessa cena (vv 1583 ss) Aristoacutefanes poderia ter composto um agon jaacute que se

trata de um acordo Mas o poeta natildeo o fez porque se o fizesse quebraria a sequumlecircncia das

seccedilotildees da estrutura do texto pela qual pareceu zelar A esse respeito Gelzer (1996 p 207-

208) em seu artigo sobre alguns aspectos da arte dramaacutetica em Aves defende que o

espectador tinha conhecimento da sequumlecircncia da estrutura da comeacutedia Aproveitando-se disso

Aristoacutefanes joga com as expectativas do puacuteblico Primeiramente com um paacuterodo em que o

coro ainda ausente na orquestra se faz ouvir para num segundo momento fazer sua entrada

que natildeo se daacute coletivamente mas aos poucos depois no primeiro agon epirremaacutetico (vv

327-399) que nesta anaacutelise estaacute sendo considerado proagon cria uma atmosfera mais para o

combate do que para o debate em seguida no agon propriamente (vv 451-626) ao inveacutes de

uma discussatildeo polarizada ocorre uma exposiccedilatildeo unilateral feita pelo heroacutei E por fim na

paraacutebase (vv 676-800) em que se espera a ruptura da accedilatildeo para que o coro se pronuncie em

nome do poeta essa ruptura natildeo ocorre e o coro se manifesta em seu proacuteprio nome tornando

a paraacutebase uma seccedilatildeo em harmonia com a accedilatildeo

Proacutelogo paacuterodo agon e paraacutebases demonstram que a accedilatildeo linear se estende agraves

cenas episoacutedicas seguintes que ilustrando o surgimento de uma nova ordem inclusive para os

deuses satildeo a consequumlecircncia de que no agon o heroacutei foi ao defender seu projeto bem sucedido

Em suma no plano da accedilatildeo jaacute no proacutelogo Pisetero esclarece qual eacute seu plano e o

paacuterado bem como a cena seguinte que entendemos como proagon oferece um

prosseguimento da accedilatildeo Mas o coro natildeo estaacute ciente ainda da empresa do heroacutei apenas o vecirc

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

146

como um intruso no mundo das aves e natildeo estaacute aberto ao diaacutelogo Entatildeo a Poupa se coloca

entre as partes e estabelece uma treacutegua ao heroacutei que tendo a garantia de seguranccedila apresenta

seu plano expondo-o no agon conseguindo reverter a situaccedilatildeo e de inimigas as aves passam a

aliadas Portanto na sequumlecircncia da accedilatildeo o que chamamos de proagon que para Gelzer (1996)

eacute o primeiro agon estabelece a treacutegua E o agon epirremaacutetico propriamente estabelece o

conflito que estaacute descaracterizado pela unilateralidade do discurso que tambeacutem ocorre com

algumas variantes nos agones de Lisiacutestrata e Assembleacuteia de mulheres

2 Lisiacutestrata171

o confronto entre coros (agon de exposiccedilatildeo inserido num complexo

agoniacutestico)

A composiccedilatildeo da comeacutedia Lisiacutestrata se divide em duas partes bem marcadas

estabelecidas entre o antes e o depois de a heroiacutena pocircr em praacutetica seu plano pacifista A accedilatildeo eacute

contiacutenua (MAZON 1904 p 124) e natildeo paacutera na paraacutebase mas se prolonga em cenas que

compondo a segunda metade da peccedila ilustram a operaccedilatildeo estrateacutegica do plano da heroiacutena a

greve de sexo das mulheres e a ocupaccedilatildeo da acroacutepole

No proacutelogo (vv 1-253) com a exposiccedilatildeo do assunto a respeito do complocirc das

mulheres contra a permanecircncia dos homens na guerra a accedilatildeo jaacute se configura natildeo pela forma

mas pelo conteuacutedo num agon O mentor dessa conspiraccedilatildeo eacute a ateniense Lisiacutestrata que

precisando do apoio das mulheres gregas expotildee a elas o plano de boicote Isso gera uma

discussatildeo entre a heroiacutena e as mulheres que no final acabam se convencendo e jurando

adesatildeo ao projeto

171 Lisiacutestrata (411 aC) eacute segundo as comeacutedias conservadas natildeo apenas tiacutetulo da peccedila mas tambeacutem o nome da

primeira personagem feminina na funccedilatildeo de heroacutei cocircmico ou melhor de heroiacutena cujo plano eacute tomar frente

agraves decisotildees poliacuteticas do Estado para pocircr fim a um assunto essencialmente masculino a guerra A estrateacutegia

empregada resume-se na mais poderosa arma feminina contra os homens o sexo

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

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147

Λυ εἰ γὰρ καθῄμεθrsquo ἔνδον ἐντετριμμέναι

κἀν τοῖς χιτωνίοισι τοῖς ἀμοργίνοις

γυμναὶ παρίοιμεν δέλτα παρατετιλμέναι

στύοιντο δrsquo ἄνδρες κἀπιθυμοῖεν σπλεκοῦν

ἡμεῖς δὲ μὴ προσίοιμεν αλλrsquo ἀπεχοίμεθα

σπονδάς ποιήσαιντrsquo ἅν ταχέως εὖ οἶδrsquo ὅτι (vv 149-154)

Lis Se ficaacutessemos dentro de casa maquiladas

e sob as tunicazinhas de Amorgos

nuas desfilaacutessemos o puacutebis depilado os maridos cheios de tesatildeo desejariam fazer sexo

mas se natildeo nos aproximaacutessemos se nos recusaacutessemos

negociariam a treacutegua rapidinho sei bem disso172

A situaccedilatildeo enfrentada por Lisiacutestrata eacute muito proacutexima da posiccedilatildeo de Pisetero em

Aves que precisou expor aos paacutessaros seu plano para que persuadindo-os pudesse tornaacute-lo

exequumliacutevel Assim Lisiacutestrata argumentando exibe sua empresa de maneira a convencer as

mulheres gregas agrave adesatildeo incondicional atraveacutes de um juramento (vv 209-240) Desde o

proacutelogo a accedilatildeo implica numa discussatildeo de cunho persuasivo que se acentua como veremos

mais adiante no compasso das seccedilotildees seguintes da estrutura da comeacutedia Apoacutes o juramento jaacute

no final do proacutelogo Lampito pergunta τίς Ὠλολυγά ―Por que este alvoroccedilo (v 240)

Segundo Sommerstein (1990 p 166-167) o vocaacutebulo ololuga significa um grito de triunfo

de vitoacuteria que eacute um sinal para Lisiacutestrata do sucesso da invasatildeo da acroacutepole pelas mulheres

Esse conflito eacute num primeiro momento ouvido e passa a ser visto isto eacute ganha proporccedilotildees

mimeacuteticas na seccedilatildeo seguinte no paacuterodo Trata-se da accedilatildeo de um lado do coro que estaacute

dividido no caso o semicoro de velhas que se confronta com o outro lado o semicoro de

velhos

De acordo com a anaacutelise de Zimmermann (1984 p 17-18) no paacuterodo (vv 254-

349) de Lisiacutestrata o conteuacutedo determina a forma que se dispotildee numa composiccedilatildeo

epirremaacutetica173

No katakeleusmos (vv 254-245) o corifeu daacute a palavra de ordem para que os

172 Todas as passagens traduzidas satildeo de Adriane da Silva Duarte 173 Seguimos a distribuiccedilatildeo das seccedilotildees do paacuterodo (vv 254-349) segundo Pickard-Cambridge (1966 p 224-225)

que o divide da seguinte maneira a primeira parte cuja estrutura se assenta na siziacutegia epirremaacutetica pertence

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

148

coreutas avancem na orquestra Em seguida na ode (vv 256-265) o coro apresenta uma

queixa a respeito das incertezas da vida e especialmente da subordinaccedilatildeo das mulheres

assunto que se estende no epirrema (vv 266-270) Na antode (vv 271-280) satildeo lembrados os

dias de gloacuteria de uma saudosa juventude e no antepirrema (vv 281-285) a queixa se volta

para a ocupaccedilatildeo da acroacutepole pelas mulheres Na sequumlecircncia essa forma epirremaacutetica se repete

com a seguinte configuraccedilatildeo ode (vv 286-295) antode (vv 296-305) quasi-katakeleusmos

(v 306) epirrema (vv 307-312) e antepirrema (vv 313-318) O conteuacutedo dessa parte implica

na accedilatildeo do semicoro masculino que empunhando tochas estaacute decidido a incendiar a cidadela

ἀλλrsquoὡς τάχιστα ρπός πόλιν σπευσωμεν ὦ φιλοῦγε

ὅπως ἃν αὐταῖς ἐν κύκλῳ θέντες τὰ πρέμνα ταυτί

ὁσαι τὸ πρᾶγμα τοῦτrsquoἐνεστήσαντο καὶ μετλθον

μίαν πυρὰν νήσαντες ἐμπρήσωμεν αὐτόχειρες (vv 266-269)

Vamos raacutepido apressemo-nos para a cidadela Para que dispondo essa lenha ao redor delas

De quantas alavancaram esse negoacutecio e o levaram a diante

E uma uacutenica fogueira armando de proacutepria matildeo ateemos fogo

O enfrentamento dos dois semicoros ocorre na cena seguinte que na interpretaccedilatildeo

de Pickard-Cambridge (1966 p 225) se refere a um proagon (vv 350-386) Natildeo se trata

somente de uma cena preparatoacuteria para o agon mas do prolongamento da accedilatildeo hostil dos

semicoros comeccedilada no paacuterodo que nesse momento da peccedila se configura numa cena de

insultos e ameaccedilas Como bem observou Sommerstein (1990 p 171) os vv 350-363 satildeo

duplos para cada uma das partes e no intervalo dos vv 364-374 passa a ser simples e do v

375 em diante tornam-se meio-verso que se completam na fala seguinte Essa gradaccedilatildeo dois

um meio traz um ritmo de aceleraccedilatildeo bem ao estilo esticomiacutetico num jogo do toma laacute daacute caacute

entre os corifeus o que aumenta o niacutevel de tensatildeo da cena e prepara a accedilatildeo para uma contenda

agrave evoluccedilatildeo do coro de velhos a segunda parte que apresenta na forma apenas katakeleusmos ode e antode

pertence agrave evoluccedilatildeo do coro de velhas

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

149

entre coros que se amplifica numa cena de batalha174

(vv 387-466) Nela temos a presenccedila de

Lisiacutestrata e do Conselheiro que contando como aliado o semicoro masculino se contrapotildee agrave

invasatildeo das mulheres na acroacutepole e com violecircncia procede contra elas (vv 426-430)

Lisiacutestrata por sua vez lhe pede para negociar (vv 430-432) mas ele recusa e novamente em

posiccedilatildeo de ataque investe contra elas (vv 450-451)

Onde se esperaria um debate em que as partes expotildeem seus pontos de vista ocorre

apenas uma cena jocosa e ao inveacutes de discussatildeo o agon epirremaacutetico se caracteriza numa

uacutenica exposiccedilatildeo a argumentaccedilatildeo da Lisiacutestrata

Quanto agrave forma175

esse agon epirremaacutetico se apresenta da seguinte maneira

ode (vv 476-483) antode (vv 539-548)

katakeleusmos (vv 484-485) antikatakeleusmos (vv 549-550)

epirrema (vv 486-531) antepirrema (vv 551-597)

pnigos (vv 532-538) antipnigos (vv 598-607)

sphragis (vv 608-613)

As partes apresentadas acima formatam um agon epirremaacutetico completo poreacutem

quanto ao conteuacutedo trata-se de um agon descaracterizado Segundo Mazon (1904 p 115) o

agon da comeacutedia Lisiacutestrata possui dois preluacutedios melodramaacuteticos que natildeo encontramos nos

outros agones um se refere ao iniacutecio do agon (vv 467-475) o outro agrave antode (vv 539-540) O

motivo disso se explica por causa da composiccedilatildeo do coro de Lisiacutestrata que dividido em dois

semicoros estaacute engajado tambeacutem na contenda Eacute natural portanto que o agon comece com

um breve diaacutelogo entre os dois corifeus o representante do coro feminino cuja audaacutecia

determina o movimento da cena aliado de Lisiacutestrata versus o representante do coro

masculino composto por anciatildeos atenienses favoraacuteveis ao Conselheiro

174 Segundo Mazon (1904 p 125) a curta cena de batalha natildeo estaacute ajustada musicalmente pelo ritmo como as

cenas de batalha dos coros de Acarnenses Cavaleiros Vespas e Aves Essa cena de batalha eacute um

surpreendente lance teatral (coup de thecircagravetre) que estaacute a serviccedilo da animaccedilatildeo cecircnica 175 Seguimos a distribuiccedilatildeo de Gelzer (1960 p xiii) exceto a sphragis que eacute marcada por Mazon (1904 p 115)

e Moumlllendorff (2002 p 81)

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

150

No exame de Gelzer (1960 p 62 65-66) o coro bipartido eacute um co-orador de seus

aliados e as ampliaccedilotildees das odes por meio de proepirremas nos versos falados que o coro

profere antes das odes eacute um traccedilo das peculiaridades dessa comeacutedia porque se trata de um

coro partidaacuterio e interessado no desfecho da contenda como temos no agon I de Cavaleiros

O katakeleusmos eacute dirigido ao Conselheiro o que nos causa uma falsa ideacuteia de

que seja ele quem vai conduzir a discussatildeo pois eacute Lisiacutestrata quem toma a palavra no

epirrema Logo em seguida quando o antikatakeleusmos eacute dirigido a ela novamente a

heroiacutena se pronuncia no antepirrema Apoacutes o epirrema quando Lisiacutestrata cobre Conselheiro

com seu veacuteu o semicoro de velhos ameaccedila avanccedilar contra ela Imediatamente o corifeu das

mulheres daacute a ordem a seu coro que colocadas em posiccedilatildeo de defesa canta e danccedila na

antode Com essa configuraccedilatildeo de cena na opiniatildeo de Mazon (1904 p 116) a divisatildeo do

coro forccedilou Aristoacutefanes a compor um agon cujas partes corais simeacutetricas (odeantode

katakeleusmosantikatakeleusmos) estatildeo a serviccedilo da contenda entre os semicoros inimigos e

natildeo mais no encorajamento agrave personagem de falar no epirrema Talvez seja isso que natildeo

permitiu ao poeta consagrar um epirrema inteiro ao Conselheiro na defesa da causa

masculina

No epirrema Lisiacutestrata esclarece que a mesma competecircncia que as mulheres tecircm

na administraccedilatildeo da casa seraacute usada para a gestatildeo do dinheiro puacuteblico que natildeo mais financiaraacute

a guerra se natildeo a paz No antepirrema ela expotildee como o alcance da paz estaacute previsto em seu

plano Juntas essas partes epirremaacuteticas tratam pela narraccedilatildeo dos fatos do direito das

mulheres agrave ascensatildeo ao poder porque seus objetivos poliacuteticos satildeo mais bem intencionados do

que o dos homens E por fim Lisiacutestrata daacute provas de que as mulheres satildeo capazes dessa

empresa Argumentaccedilatildeo e raciociacutenio coesos conferem agrave heroiacutena a funccedilatildeo de poneros

(WHITMAN 1964 p 212 THIERCY 2007 p 220) que aliaacutes jaacute vinha sendo destacada

desde o proacutelogo quando ela invoca a Persuasatildeo e a Amizade (v 203) para a adesatildeo das

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

151

mulheres em sua empresa Nesse agon o conteuacutedo de sua arguumliccedilatildeo eacute coerente agraves duas

estrateacutegias de seu plano alusotildees ao sexo e agrave capacidade de as mulheres governar a polis tatildeo

bem quanto o fazem nos assuntos domeacutesticos176

A concentraccedilatildeo dessas partes epirremaacuteticas no pronunciamento da heroiacutena

caracteriza a unilateralidade desse agon abrandando um confronto verbal e desfazendo o jogo

argumentocontra-argumento177

A funccedilatildeo do Conselheiro nesse agon eacute cobrar de Lisiacutestrata

esclarecimentos de seu plano (vv 486 493 497 502 506) No final esse agon se encerra

com um movimento de cena burlesco a caricatura fuacutenebre do Conselheiro A cena se constroacutei

por uma metaacutefora em que a refutaccedilatildeo dele eacute materializada pela imagem moacuterbida a que ele foi

resumido Nessa cena o discurso constroacutei a imagem No decorrer da discussatildeo entre Lisiacutestrata

e o Conselheiro ela com a ajuda das mulheres178

o envolve com acessoacuterios femininos (veacuteu

faixas corbelhas e coroa) que o caracterizam num defunto Trata-se de uma amostra do que

ocorre com sua natildeo-defesa o discurso da heroiacutena envolve o discurso de seu adversaacuterio por um

veacuteu de palavras as pequenas faixas em torno do corpo dele mostram uma imobilizaccedilatildeo

verbal na corbelha que ele segura caberiam os conselhos de Lisiacutestrata ao povo ateniense e a

coroa fuacutenebre na cabeccedila dele sela a discussatildeo

Λυ οῦ δεῖ τί ποθεῖς χώρει lsquoς τήν ναῦν

ὁ Χάρων σε καλεῖ

σύ δὲ κωλύεις ἀνάγεσθαι (vv 605-607)

Dissolvetropa Falta alguma coisa O que vocecirc deseja Vaacute para o barco Caronte estaacute chamando

vocecirc o impede de zarpar

176 A esse respeito cf Konstan (1993 p 434) 177 Para Mazon (1904 p 117) Aristoacutefanes estava passando pela mesma conjuntura de Acarnenses (425 aC) em

que o poeta natildeo podia abordar de frente a questatildeo da guerra Assim em 411 aC ele reduz quase a nada a

tese adversa agrave heroiacutena 178 Na ediccedilatildeo de Sommerstein (1990) natildeo haacute indicaccedilatildeo de quem seja as mulheres que participam do agon Jaacute na

ediccedilatildeo de Victor Coulon (1950) trata-se das personagens Cleonice e Mirrina Segundo Gelzer (1960 p 124-

125) Cleonice tem a funccedilatildeo de bomolochos porque eacute co-oradora no bate-boca aleacutem de co-adjuvante no

momento de caracterizaccedilatildeo do Conselheiro

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

152

Portanto um discurso morto que estaacute materializado em cena Segundo Gelzer

(1960 p 53-54) o ponto principal desse agon eacute o conteuacutedo do discurso de Lisiacutestrata quanto agrave

figura de Conselheiro cuja funccedilatildeo estaacute proacutexima da de um bomolochos (GELZER 1960 p

125) serve apenas para dar a ela a oportunidade de proferi-lo No caso a cena ilustra o

conteuacutedo do que eacute dito de modo justamente dramaacutetico

Apoacutes essa cena eacute chegada a vez do enfrentamento dos dois semicoros na

paraacutebase Para Thiercy (1997 p 1223) como essa seccedilatildeo eacute irregular tanto na forma quanto no

conteuacutedo talvez essa passagem possa ser considerada como um quasi-agon devido agrave

hostilidade entre os coros Na anaacutelise de Sommerstein (1990 p 186) a paraacutebase apresenta a

siziacutegia epirremaacutetica duplicada que se explica pela divisatildeo do coro em dois semicoros que a

executam alternadamente com dois blocos cantados o que soma no total quatro blocos que

comeccedilam com o despojamento de uma parte do figurino e termina com uma ameaccedila de

violecircncia Nessa mesma linha interpretativa Russo (1994 p 168) comenta a natureza

agoniacutestica da paraacutebase

The agonistic parabasis of the two semi-choruses which begins directly afterwards

(lines 614-705) takes up from and is also profoundly influenced by the political

and feminist arguments aired by Lysistrata during her exposition of the motives for the occupation of the Acropolis

Proacutelogo paacuterodo agon e paraacutebase se amalgamam na forma e no conteuacutedo

evidenciando uma contaminatio entre essas seccedilotildees o proacutelogo anuncia o conflito que se realiza

no paacuterodo que por sua vez se estende no agon cuja tese eacute prorrogada na paraacutebase179

e nas

cenas episoacutedicas entre marido e mulher que potildeem em risco o plano da heroiacutena

A cena de juramento no proacutelogo estabelece a relaccedilatildeo direta com as cenas

conjugais em que o juramento agrave abstinecircncia sexual das mulheres eacute colocado agrave prova numa

179 De acordo com Duarte (2000 p 170-172) uma vez que a siziacutegia epirremaacutetica eacute comum ao paacuterodo agon e

paraacutebase alguns autores como Zielinsi Dover e Henderson hesitam na classificaccedilatildeo dos vv 614-705 de

paraacutebase E na interpretaccedilatildeo de Thiercy (2007 p 137) essa paraacutebase ainda que irregular na forma e no

conteuacutedo deva ser talvez considerada como um quasi-agon

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

153

situaccedilatildeo conflitante com seus esposos Por causa de uma treacutegua os homens voltam as suas

casas o que provoca uma agitaccedilatildeo entre as mulheres que conjuradas na acroacutepole procuram

uma desculpa para estar em seus lares (vv 706-80) Na interpretaccedilatildeo de Mazon (1904 p

118) pode-se ver nessa cena uma peripeacutecia Lisiacutestrata previu que a continecircncia seria um

castigo para os homens mas ela natildeo supocircs que as mulheres tambeacutem sofreriam pondo em

risco seu plano A cena protagonizada por Cineacutesias e Mirrina (vv 829-1013) pode ser

entendida como uma metoniacutemia falofoacuterica o ateniense Cineacutesias eacute o exemplo do que se passa

com todos os homens gregos

Κη ὀρσὰ Λακεδαίμων πᾶά καὶ τοὶ σύμμαχοι

ἅπαντες ἐστύκαντι Πελλάνας δὲ δεῖ (vv 995-996)

Arauto Toda a Lacedemocircnia estaacute ereta e os aliados

todos com tesatildeo Precisamos de nossas ordenhadeiras

A conexatildeo entre as seccedilotildees da comeacutedia eacute mantida natildeo apenas pela accedilatildeo hostil entre

semicoros mas tambeacutem pelas pequenas cenas episoacutedicas que asseguram uma continuidade

temaacutetica e sistemaacutetica ou ―vinculaccedilatildeo de motivos180

conforme expressatildeo empregada por

Gelzer (1960 p 70-71) Trata-se da configuraccedilatildeo de modo conexo entre a primeira parte da

comeacutedia ou seja proacutelogo paacuterodo agon e paraacutebase com a segunda parte da peccedila que

compreende as cenas episoacutedicas e a adversidade dos interluacutedios entre os semicoros Isso

assegura agrave accedilatildeo uma continuidade sistemaacutetica que nesta anaacutelise se entende como um

complexo agoniacutestico no qual coadunam as outras seccedilotildees da peccedila que possibilitam o confronto

que sendo mais acentuado entre os semicoros do que entre personagens age como um fator

compensatoacuterio de um agon que se apresenta descaracterizado pela discussatildeo unilateral A

comeacutedia como um todo eacute praticamente um imenso agon

Em se tratando de um agon expositivo e unilateral tudo leva a crer que

Aristoacutefanes preferiu a unilateralidade agrave bilateralidade dos argumentos entre as partes por

180 A expressatildeo em alematildeo eacute motivische Verknuumlpfung Trata-se de uma motivaccedilatildeo no sentido de se fazer uma

exposiccedilatildeo de motivos ou causa

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

154

conta de uma progressatildeo da accedilatildeo que estaacute amparada na contenda permanente entre os dois

semicoros que assumem de fato o papel de antagonistas bem mais do que a heroiacutena

Lisiacutestrata e seu opositor Conselheiro Dessa maneira o que faltou nesse agon que o

descaracteriza como discussatildeo unilateral eacute compensado no paacuterodo e tambeacutem na paraacutebase181

com o confronto entre os dois semicoros

Pickard-Cambridge (1966 p 226) e Adrados (1983 p 179-180) cogitam a

presenccedila de um outro agon (vv 1014-1042) entre os dois semicoros E Adrados vai ainda

mais longe em sua interpretaccedilatildeo considerando que a estrutura da comeacutedia comporta cinco

agones a comeccedilar pelo paacuterodo (vv 254-385) com o agon entre as partes do coro bipartido

como no paacuterodo de Acarnenses no segundo agon (vv 387-613) haacute o partidarismo dos

semicoros agraves personagens Lisiacutestrata e Conselheiro em que a heroiacutena explica seu projeto o

terceiro agon (vv 614-705) eacute muito semelhante ao primeiro pois os semicoros retomam a

disputa numa cena de ameaccedilas e escaacuternios no quarto agon (vv 781-828) a adversidade entre

os semicoros continua seguida da cena de Cineacutesias com Mirrina e da chegada do mensageiro

lacedemocircnio por fim no quinto agon (vv 1013 ss) haacute uma negociaccedilatildeo que culmina na

reconciliaccedilatildeo o que garante o final feliz da comeacutedia

Mas natildeo se trata de um novo conflito senatildeo a continuaccedilatildeo de uma contenda entre

coros que teve iniacutecio no paacuterodo e se manteacutem constante nas outras seccedilotildees da peccedila inclusive no

agon epirremaacutetico de natureza unilateral e expositiva que estaacute anexado a um complexo

agoniacutestico cujo desfecho eacute uma cena de reconciliaccedilatildeo jaacute no final da comeacutedia182

181 A respeito da anaacutelise da paraacutebase de Lisiacutestrata cf Duarte (2000 p 168-187) 182 Esses dois semicoros estatildeo presentes em dois terccedilos da peccedila e a reconciliaccedilatildeo entre eles soacute vai ocorrer no v

1036 numa comeacutedia de 1320 versos

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

155

3 Assembleacuteia de mulheres183

falando de homem para homem (agon de exposiccedilatildeo e centro

da accedilatildeo)

O agon em Assembleacuteia de mulheres natildeo eacute a uacutenica seccedilatildeo que apresenta

peculiaridades dentro da estrutura narrativa da comeacutedia que eacute comparando com as outras

peccedilas que mantecircm a sequumlecircncia proacutelogo-paacuterodo-agon-paraacutebase bastante modificada

A narrativa dramaacutetica comeccedila in medias res em que o plano de Praacutexagora estaacute

sendo executado por ela e suas aliadas que disfarccediladas de homens se dirigem agrave Pnix para

votar a ginecocracia Nesse contexto proacutelogo e paacuterodo tecircm accedilotildees concomitantes por conta da

entrada e saiacuteda do coro feminino logo no iniacutecio o que vai resultar numa segunda entrada do

coro e consequumlentemente num segundo proacutelogo (vv 311-477) e num segundo paacuterodo (vv

478-519) (MAZON 1904 p 151-152 PICKARD-CAMBRIDGE 1966 p 229 RUSSO

1994 p 221) a paraacutebase estaacute ausente e o agon se apresenta simplificado na forma e

descaracterizado no conteuacutedo Com essa estrutura tatildeo particular a anaacutelise presente se propotildee

a demonstrar qual a funccedilatildeo e a natureza do agon em Assembleacuteia de mulheres focalizando a

relaccedilatildeo do agon com o final do proacutelogo com a ausecircncia de paraacutebase e com as cenas

episoacutedicas

Quanto agrave forma esse agon eacute desprovido da siziacutegia epirremaacutetica devido agrave

inexistecircncia das partes simeacutetricas Assim sua estrutura apresenta a seguinte composiccedilatildeo184

183 Assembleacuteia de mulheres (392 aC) eacute uma comeacutedia que tem pontos em comum com Lisiacutesitrata e

Tesmoforiantes O propoacutesito de Assembleacuteia de mulheres eacute como em Lisiacutestrata uma conspiraccedilatildeo feminina

num universo poliacutetico essencialmente masculino Entretanto em Lisiacutestrata a revoluccedilatildeo transpotildee as muralhas

da polis enquanto que em Assembleacuteia de mulheres a accedilatildeo das mulheres eacute direcionada para uma questatildeo

soacutecio-econocircmica interna da polis as atenienses lideradas por Praxaacutegora infiltram-se na assembleacuteia para votar

uma nova constituiccedilatildeo que concebida sobre a redistribuiccedilatildeo equumlitativa de bens assegura ao sexo feminino a

gestatildeo nos assuntos poliacuteticos Para a participaccedilatildeo na assembleacuteia as mulheres precisam de um disfarce que eacute

um traccedilo comum com Tesmoforiantes mas com a seguinte ressalva em Assembleacuteia de mulheres o disfarce eacute masculino em Tesmoforiantes eacute feminino

184 De acordo com Gelzer (1960 p xiii) Pickard-Cambridge (1966 p 229) e Sommerstein (1998 p 188) Jaacute

Moumlllendorff (2002 p 117) inclui a sphragis Poreacutem Mazon (1904 p 154) propotildee outra divisatildeo ode (vv

571-581) katakeleusmos (vv 582-583) epirrema (vv 584-588) pnigos (vv 589-709)

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

156

ode (vv 571-580)

katakeleusmos (vv 581-582)

epirrema (vv 583-688)

pnigos (vv 689-709)

Haacute duas razotildees que parecem explicar o porquecirc de essa estrutura ser tatildeo reduzida

Uma eacute de caraacuteter externo agrave comeacutedia e a outra se refere agrave proacutepria estrutura da peccedila logo de

caraacuteter interno Quanto agrave primeira para Gelzer (1996 p 71) fica claro que ocorreu a

simplificaccedilatildeo da forma porque por razotildees conjunturais a comeacutedia sofre nesse periacuteodo um

recuo das funccedilotildees do coro185

No que concerne agrave segunda a cena de agon (vv 571-709) se

relaciona agrave cena anterior (vv 504-570) em que a accedilatildeo direciona-se para uma discussatildeo186

de

caraacuteter privado Mazon (1904 p 160) classificou-a de cena de introduccedilatildeo do agon que

poderia ser tambeacutem uma cena preparatoacuteria para o agon portanto se trataria de um proagon O

assunto da contenda nessa cena que antecede o agon eacute o destino da cidade (vv 558-559) em

cuja accedilatildeo estatildeo presentes trecircs personagens Praxaacutegora Bleacutepiros opositor e esposo e o

Vizinho que se interpotildee entre eles e se coloca do lado de Bleacutepiros Quando ambos comeccedilam

por agrave prova se Praxaacutegora tem ou natildeo razatildeo (vv 569-570) inicia-se o agon

Na ode o coro cumpre sua funccedilatildeo de conselheiro advertindo Praxaacutegora de que

ela deve elaborar um raciociacutenio prudente e saacutebio (πυκνήν φρένα καί φιλόσοφον) E no

katakeleusmos suas palavras satildeo de acircnimo Encorajada pelo coro a heroiacutena faz jus a seu

nome Praxaacutegora ―aquela que age na aacutegora o que delega a ela a funccedilatildeo de poneros cuja

habilidade retoacuterica eacute suficiente para expor seu ponto de vista (vv 624-625 644 662 680) que

eacute aceito pelos dois atenienses que se manifestam favoraacuteveis a ela no final do agon

Na parte epirremaacutetica Praxaacutegora comeccedila seu discurso por um exoacuterdio como

fazem os oradores (vv 583-585) pedindo a colaboraccedilatildeo dos ouvintes para natildeo ser

185 A propoacutesito das funccedilotildees do coro na comeacutedia do seacuteculo IV cf o artigo de Rothwell Jr (1995 p 99-118) 186 Gelzer (1960 p 52) classifica essa cena precedente ao agon como uma disputa portanto parte da diallage

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

157

interrompida (vv 588-89) Entretanto a exposiccedilatildeo de seu programa de governo que prioriza

dinheiro (vv 590-610) sexo (vv 611-650 693-709) e comida (vv 599-652 675-690) para

todos se desenvolve em meio aos apartes e tiradas de Bleacutepiros e Vizinho187

que exercem a

funccedilatildeo de bomolochos Bleacutepiros no papel de marido da Praxaacutegora faz algumas objeccedilotildees mas

nada que caracterize o conflito nem a oposiccedilatildeo ao plano da heroiacutena que aliaacutes jaacute estaacute

consumado Diante das explicaccedilotildees e esclarecimentos de Praxaacutegora ele acrescenta a fala dela

algumas glosas (vv 596 630 648 650 687) que ganham comicidade com a participaccedilatildeo do

Vizinho (vv 647 649 668) que na condiccedilatildeo de acompanhante de Bleacutepiros compotildee com o

amigo uma dupla histriocircnica

Se na cena anterior ao agon Praxaacutegora natildeo teve a chance de expor sua plataforma

de governo eacute no agon que ela vai se pronunciar O uacutenico epirrema consagrado agrave fala dela estaacute

por conta desse conteuacutedo logo a forma estaacute adequada ao conteuacutedo

As anaacutelises a propoacutesito da classificaccedilatildeo desse agon se divergem em relaccedilatildeo a

consideraacute-lo como um agon de natureza persuasiva Para Sommerstein (1998 p 188) trata-se

de um exerciacutecio de persuasatildeo como em Aves Entretanto Pisetero tinha o coro como

adversaacuterio o que natildeo ocorre em Assembleacuteia de mulheres Jaacute no exame de Thiercy (1997 p

1290) Praxaacutegora natildeo precisa convencer quem quer que seja nem as mulheres que desde o

proacutelogo jaacute satildeo adeptas do plano nem mesmo os homens que soacute se datildeo conta da situaccedilatildeo

quando o plano jaacute estaacute alcanccedilado Eles natildeo tecircm a funccedilatildeo de adversaacuterios ao projeto da heroiacutena

como o Conselheiro e o semicoro de velhos em Lisiacutestrata Seguindo essa linha de raciociacutenio

Long (1972 p 291-292) entende que o jogo natildeo eacute de persuasatildeo mas de demonstraccedilatildeo this

use is therefore stlyled epideictic E ainda ele chama a atenccedilatildeo para a impropriedade da

palavra Verhandlung (negociaccedilatildeo) empregada por Gelzer (1960) ao analisar o agon de

Assembleacuteia de mulheres Segundo Long se se trata de uma demonstraccedilatildeo sem qualquer

187 De acordo com a ediccedilatildeo de Sommerstein (1998) Mas Thiercy (1997) por exemplo considera que a terceira

personagem nesse agon eacute Cremes

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

158

nuanccedila de persuasatildeo entatildeo natildeo haacute negociaccedilatildeo De fato a negociaccedilatildeo natildeo existe porque o

plano da heroiacutena jaacute estaacute consumado desde o proacutelogo ela natildeo encontrou nenhum obstaacuteculo

para a execuccedilatildeo de sua empresa Uma vez realizado o projeto cabe a ela dar apenas

esclarecimentos O emprego do verbo ἀρέσκω (agradar parecer bom satisfazer) no final da

discussatildeo se refere mais a um sentido de fechamento conclusivo de uma exposiccedilatildeo de

natureza mais demonstrativa do que persuasiva Daiacute entendermos que essa natureza epidiacutetica

o torna um agon de exposiccedilatildeo

Πρ φέρε νυν φράσον μοι ταῦτrsquoἀρέσκει σφῶν

Βλ καὶ Γε πάνυ (v 710)

Pr Agora vamos Digam-me isso agrada aos dois

Bl e Cr Agrada sim

Jaacute no fim do proacutelogo Cremes traz ao voltar da assembleacuteia a notiacutecia de que na

sessatildeo se votou o decreto proposto por um orador referente agrave ascensatildeo das mulheres ao

poder

Χρ μετὰ τοῦτο τοίνυν εὐπρετὴς νεανίας

λευκός τις ἀνεπήδησrsquo ὅμοιος Νικίᾳ

δημηγορήσων κἀπεχείρησεν λέγειν

ὠς χρὴ παραδοῦναι ταῖς γυναιξὶ τὴν πόλιν (vv 427-430)

Cr Bom Apoacutes isso um belo rapaz com uma tez clara se lanccedilou como Niacutecias

para falar agrave assembleacuteia ele comeccedilou dizendo

que era preciso confiar a cidade agraves mulheres

No proacutelogo temos o plano da heroiacutena executado mas natildeo temos como foi seu

discurso na Pnix O discurso de Praxaacutegora parece ser no agon o discurso feito na assembleacuteia

Assim como a heroiacutena encarou a assembleacuteia ela enfrenta no agon Bleacutepiros e Cremes

explicando e demonstrando como a ginecocracia eacute mais eficiente que a androcracia Aliaacutes

natildeo eacute apenas aos homens que Praxaacutegora vai se dirigir mas tambeacutem ao puacuteblico (vv 584-585)

o que sugere que esse agon tem uma natureza parabaacutetica Nesse momento da peccedila o teatro

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

159

enquanto espaccedilo fiacutesico passa a ser a assembleacuteia Trata-se de uma compensaccedilatildeo estrutural jaacute

que a comeacutedia natildeo tem paraacutebase

Essa questatildeo parabaacutetica eacute polecircmica E segundo Duarte (2000 p 226-228) o fato

de haver ruptura de ilusatildeo dramaacutetica quando Praxaacutegora dirige sua fala ao puacuteblico natildeo

classifica seu pronunciamento como parabaacutetico188

Contrariamente Van Daele (apud

DUARTE 2000 p 226) e Hubbard (apud DUARTE 2000 p 227) consideram que esse

agon nos vv 578-709 estaacute no lugar da paraacutebase e Henderson (apud DUARTE 2000 p 228)

comenta que o tom do discurso de Praxaacutegora no agon de Assembleacuteia de mulheres eacute muito

semelhante ao discurso de Lisiacutestrata no agon de Lisiacutestrata que eacute por alguns tido como

parabaacutetico

Considerando que essa cena de agon estaacute localizada no meio da estrutura da

comeacutedia ndash a ponto de se pensar que essa seccedilatildeo tivesse a funccedilatildeo de uma paraacutebase jaacute que em

tese eacute a paraacutebase que estabelece o fim da primeira parte e o comeccedilo da segunda na comeacutedia ndash

o agon se articula tanto com a primeira parte da peccedila em que o plano da heroiacutena que natildeo

encontra opositor necessita de uma exposiccedilatildeo quanto com a segunda metade da comeacutedia em

que aparecem as consequumlecircncias dessa empresa

No agon a exposiccedilatildeo do programa de Praxaacutegora se fundamenta particularmente

em trecircs plataformas i) econocircmico depoacutesito e divisatildeo comum de bens ii) sexual regimento

das atividades sexuais iii) alimentar comida para todos Durante a segunda parte da comeacutedia

o ―programa boca-livre fica subentendido no decorrer da accedilatildeo (vv 715-716 834-852 1112-

1183) Jaacute as outras duas plataformas satildeo assunto de cenas independentes em que a heroiacutena

estaacute ausente189

Diferentemente de Aves e Lisiacutestrata em que Pisetero e Lisiacutestrata encaram as

188 Para Duarte (2000) o puacuteblico passa a ser tambeacutem um ator porque o interlocutor do discurso de Praxaacutegora

como governante da polis satildeo os atenienses ―o teatro se transforma na Pnix diz a autora O espectador entra portanto no jogo teatral se auto-representando como cidadatildeo ateniense

189 Antes de a segunda parte comeccedilar Praacutexagora deixa definitivamente a cena Os manuscritos natildeo indicam quais

satildeo as personagens que participam das cenas subsequumlentes Para Thiercy (1997 p 1305-1306) a cena que se

refere aos bens eacute aberta com Cremes Mas o proacuteprio autor admite que possa ser um vizinho anocircnimo de

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

160

consequumlecircncias de seus planos respectivamente Todavia tanto em Aves quanto em Lisiacutestrata

e Assembleacuteia de mulheres o agon de cada uma dessas comeacutedias tem consequumlecircncias nas cenas

episoacutedicas subsequumlentes

Haacute um reflexo direto entre a cena que expotildee a questatildeo dos bens (vv 730-833 853-

876) com o discurso de Praxaacutegora exposto no agon Essa cena (vv 730-876) eacute protagonizada

por dois atenienses com pontos de vistas completamente diferentes Um deles cumpre seu

dever de cidadatildeo respeitando o que foi votado enquanto que o outro eacute totalmente ceacuteptico agrave

nova ordem econocircmica

Γε μὰ Δί lsquo ἀλλrsquo ἀποφέρειν αυτὰ μέλλω τῆ πόλει

εἰς τὴν ἀγπρὰν κατὰ τοὺς δεδογμένος νόμος

Αν μέλλεις ἀποφέρειν

Γε πάνυ γε (vv 758-760)

Viz1 Natildeo por Zeus Mas tenho a intenccedilatildeo de levar essas coisas para a cidade em direccedilatildeo agrave Aacutegora conforme as leis votadas

Viz2 Vocecirc tem a intenccedilatildeo de levar

Viz1 Tenho

Ao longo da conversa as esticomitias e os chistes proporcionam dinamismo e

comicidade agrave conversaccedilatildeo em que se pode resgatar o conteuacutedo da exposiccedilatildeo do plano de

Praxaacutegora no agon Assim como essa cena ilustra a instituiccedilatildeo de bens para todos a proacutexima

cena (vv 877-1111) vai ilustrar a instituiccedilatildeo de sexo para todos portanto mais uma referecircncia

ao projeto da heroiacutena exposto no agon

Γρ καὶ δή σοι λέγω

ἔδοξε ταῖς γυναιξίν ἥν ἀνὴρ νέος

νέας ἐπιθυμῆ μὴ σποδεῖν αὐτὴν πρὶν ἅν

τὴν γραῦν προκρούσῃ πρῶτον ἥν δὲ μὴ θέλῃ

πρότερον προκρούειν ἀλλrsquo επιθυμῆ τς νέας

ταῖς πρεσβυτέραις γυναιξιν ἔστω τὸν νέον

ἕλκειν ἀνατεὶ λαβομένας τοῦ παττάλου (vv 1015-1020)

Blepiros e Praxaacutegora Essa interpretaccedilatildeo tambeacutem eacute de Sommerstein (1998 p 202-203) que atribui duas

personagens em cena um vizinho e um homem dissidente

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

161

Velha Bom entatildeo eu te digo

Foi decretado pelas mulheres si um jovem

deseja uma jovem ele natildeo deve regaccedilaacute-la antes de primeiro ferrar uma velha E se ele recusar

ferraacute-la primeiro e desejar a jovem

as velhas teratildeo o direito de puxar sem doacute o jovem

pegando-o pela canela

Nessa passagem em discurso direto ecoa a exposiccedilatildeo de Praxaacutegora no agon (vv

617-618) e como bem observou Sommerstein (1998 p 225) essa passagem eacute uma paraacutefrase

dos vv 618 626-629 em que as pessoas feias teriam prioridades sobre aquelas privilegiadas

fisicamente

De acordo com Gelzer (1960 p 64) apesar de a comeacutedia natildeo ter nem paacuterodo no

sentido estrito nem paraacutebase a accedilatildeo se divide em duas partes sendo que na primeira se

produz uma situaccedilatildeo cujas consequumlecircncias satildeo apresentadas na segunda Por essa razatildeo o

agon em Assembleacuteia de mulheres estaacute no centro da accedilatildeo porque ele se liga tanto agrave primeira

metade em que no iniacutecio Praxaacutegora potildee em operaccedilatildeo seu plano para depois demonstrar que

seu programa eacute exequumliacutevel quanto agrave segunda metade em cujas cenas episoacutedicas subsequumlentes

ocorre uma decorrecircncia do projeto da heroiacutena

Essas cenas episoacutedicas mostram que se trata de uma empresa utoacutepica e absurda

Na interpretaccedilatildeo de Cartledge (2001 p 33) o ingrediente central no humor das personagens

femininas de Aristoacutefanes eacute a mistura do lugar-comum com o absurdo do miacutetico com o real

Lisiacutestrata e Praxaacutegora satildeo as representantes visionaacuterias das heroiacutenas cocircmicas em meio a um

elenco de heroacuteis que como Pisetero e os outros conforme vimos nos capiacutetulos anteriores

tambeacutem natildeo deixam de ter em diferentes graus suas utopias engendradas em planos

mirabolantes E o uacuteltimo que nos restou ndash como heroacutei excecircntrico ndash responde pelo nome de

Crecircmilo na comeacutedia Pluto

CAPIacuteTULO V

O UacuteLTIMO AGON

Cap V mdash O uacuteltimo agon 163

Pluto190

a riqueza do conflito (agon ad absurdum e centro da accedilatildeo)

Ao contraacuterio da comeacutedia Assembleacuteia de mulheres que possui uma estrutura

narrativa bastante peculiar a estrutura narrativa de Pluto se aproxima apesar da reduccedilatildeo do

papel do coro da maior parte das estruturas das comeacutedias de Aristoacutefanes191

accedilatildeo progressiva

ateacute a paraacutebase que estabelece a primeira parte da peccedila e em seguida ocorre uma seacuterie de

cenas episoacutedicas que ilustram as consequumlecircncias do plano do heroacutei Na fabulaccedilatildeo de Pluto natildeo

existe entretanto a paraacutebase o que confere ao agon a funccedilatildeo de divisor da peccedila e portanto

uma seccedilatildeo central no drama De acordo com Russo (1994 p 229-230) a primeira parte da

comeacutedia termina no agon porque em seguida onde se esperaria a paraacutebase iniciam-se as

cenas episoacutedicas que compotildeem a segunda parte da comeacutedia

A progressatildeo dramaacutetica eacute desde o proacutelogo movida por peripeacutecias No iniacutecio da

peccedila quando a accedilatildeo parece indicar que a temaacutetica da comeacutedia eacute a preocupaccedilatildeo de um pobre

velho agricultor que atende pelo nome de Crecircmilo com a educaccedilatildeo do filho haacute uma

mudanccedila de percurso e o assunto passa a ser a cura da cegueira de Pluto deus da riqueza A

partir disso fica estabelecido o projeto do heroacutei com a visatildeo Pluto poderaacute num primeiro

momento beneficiar as pessoas honestas como o proacuteprio Crecircmilo e depois banir a pobreza

da Greacutecia Mas esse projeto vai encontrar um opositor que surge inesperadamente em cena e

nesse momento haacute uma nova peripeacutecia porque nenhuma accedilatildeo antecedente prevecirc a apariccedilatildeo de

Penia alegoria que representa a pobreza Antes de o confronto comeccedilar haacute uma cena

190 Pluto (388 aC) comeacutedia que nos chegou na iacutentegra eacute a segunda versatildeo de uma outra peccedila de mesmo nome

(408 aC) A intriga se reduz a uma simples alegoria que satiriza a crise soacutecio-econocircmica pela qual Atenas passava e tambeacutem potildee em discussatildeo valores eacuteticos em relaccedilatildeo agrave riqueza e agrave pobreza assunto discutido no

agon da comeacutedia 191 Para Thiercy (2007 p 180) a progressatildeo dramaacutetica de Pluto se aproxima da progressatildeo de Acarnenses e Paz

com a divisatildeo da comeacutedia em dois grandes ―atos

Cap V mdash O uacuteltimo agon 164

preparatoacuteria192

(vv 415-486) cuja accedilatildeo gira em torno do reconhecimento do adversaacuterio que

revela sua identidade

Πε Πενία μὲν οὖν ἥ σφν ξυνοικῶ πόλλrsquoἔτη (v 437)

Pe A Pobreza isso sim Aquela que convive com vocecircs dois Crecircmilo e

Blepsidemo faz uns bons anos

Penia eacute um conceito abstrato com manifestaccedilotildees concretas (FERNAacuteNDEZ 2002

p 95) representando a personificaccedilatildeo de uma conjuntura social agrave qual o heroacutei pertence e da

qual ele natildeo quer mais fazer parte Ela representa na estrutura narrativa o obstaacuteculo

(SIFAKIS 1992 p 130-131) para o heroacutei realizar seu plano e como tal deve ser instalado na

seccedilatildeo da comeacutedia mais proacutepria a essa situaccedilatildeo o agon Em se tratando de uma personagem

nova ao enredo cabe ao proagon apresentar quem eacute o oponente de Crecircmilo para que em

seguida os adversaacuterios selem o acordo e estabeleccedilam a puniccedilatildeo para o perdedor (vv 480-

484) Assim feito a negociaccedilatildeo193

comeccedila e cada litigante vai expor sua tese que seraacute

defendia no agon cuja estrutura eacute assimeacutetrica e reduzida conforme se pode constatar a

seguir

katakeleusmos (vv 486-487)

epirrema (vv 488-597)

pnigos (vv 598-618)

A ausecircncia da ode se explica por causa da reduccedilatildeo do papel do coro na fabulaccedilatildeo

como ocorre com Assembleacuteia de mulheres No katakeleusmos o coro de agricultores que eacute

favoraacutevel ao heroacutei anima-o para a discussatildeo Essa eacute a uacutenica participaccedilatildeo do coro que embora

privado do papel de aacuterbitro mostra-se observador (FERNAacuteNDEZ 2002 p 59) da accedilatildeo ao

192 Mazon (1904 p 167) denomina essa cena de ―introduccedilatildeo do agon enquanto Pickard-Cambridge (1966 p

229) a chama de proagon Penia eacute uma personagem nova na fabulaccedilatildeo assim como os Raciociacutenios em Nuvens portanto eacute necessaacuterio que haja uma cena antecedente ao agon que a introduza na trama

193 Na anaacutelise de Gelzer (1960 p 52 64) das quatro partes da diallage ndash disputa acordo negociaccedilatildeo e sentenccedila

ndash as duas primeiras estatildeo no proagon a negociaccedilatildeo eacute o agon e natildeo haacute sentenccedila porque o acordo natildeo se

cumpre quando Penia eacute escorraccedilada o que compromete toda diallage

Cap V mdash O uacuteltimo agon 165

reconhecer que Penia eacute uma ameaccedila ao plano do heroacutei por isso o corifeu adverte o heroacutei de

que eacute preciso vencecirc-la com palavras saacutebias (τι λέγειν σοφόν) contradizendo-a nos discursos

(ἐν τοῖσι λόγοις ἀντιλέγοντες) O emprego do verbo ἀντιλέγω sinaliza a natureza

antiteacutetica desse agon em que para cada argumento haveraacute uma reacuteplica agrave altura num jogo bem

articulado de palavras ao gosto dos concursos de retoacuterica e dos princiacutepios da sofiacutestica No

debate haacute trecircs pontos capitais i) entre Pobreza e Riqueza qual delas eacute um bem na relaccedilatildeo

trabalho versus oacutecio (vv 532-534) ii) qual delas eacute mais saudaacutevel na relaccedilatildeo ao aspecto fiacutesico

(vv 557-651) iii) qual delas eacute mais eacutetica na relaccedilatildeo honestidade versus corrupccedilatildeo (vv 566-

570)

O epirrema inclui dois discursos antagocircnicos o de Crecircmilo (vv 489-506) e o de

Penia (vv 507-591) e os comentaacuterios jocosos de Blepsidemo cujas intervenccedilotildees natildeo trazem

prejuiacutezos ao andamento da discussatildeo porque sua funccedilatildeo de bomolochos funciona apenas

como suporte humoriacutestico ao discurso do protagonista como Eveacutelpides em Aves por exemplo

Apoacutes o katakeleusmos o heroacutei toma a palavra e faz um longo pronunciamento (vv

489-506) interrompido pelo aparte de Blepsidemo (v 499) em apoio ao heroacutei De acordo com

o plano de Crecircmilo quando Pluto vir primeiramente recompensaraacute os bons e virtuosos e

fugiraacute dos maus depois faraacute que todos se tornem bons ricos e religiosos (vv 494 ss)

Penia argumenta que se todos fossem ricos nem bens nem serviccedilos seriam

produzidos Segundo ela as atividades humanas criam condiccedilotildees indispensaacuteveis agrave existecircncia

da sociedade particularmente agrave atividade material agrave produccedilatildeo decorrente de um trabalho ou

de uma funccedilatildeo (vv 510-515) Crecircmilo responde que essas tarefas seratildeo feitas pelos escravos

mas ele eacute incapaz de explicar satisfatoriamente como haveraacute escravos num projeto em que

todos seratildeo beneficiados pela riqueza Assim Penia demonstra quatildeo contraditoacuterio e utoacutepico eacute

o plano do heroacutei e que a vida dele no futuro seraacute pior que a atual (vv 522-526)

Cap V mdash O uacuteltimo agon 166

Na opiniatildeo de Gelzer (1960 p 54) Long (1972 p 297) e Thiercy (2007 p 288)

o discurso de Penia eacute muito eloquumlente seus argumentos satildeo fortes e haveria uma tendecircncia de

lhe confiar a vitoacuteria Sommerstein (1996 p 273-274) natildeo interpreta contudo as

argumentaccedilotildees de Penia como mais fortes e loacutegicas que as de Crecircmilo Para esse autor as

miseacuterias descritas por Crecircmilo (fome vv 536 543-544 545-546 insalubridade v 537

privaccedilotildees de conforto vv 540-543) satildeo argumentos que expotildeem problemas sociais pelos

quais passam Atenas no periacuteodo poacutes-guerra A esse cataacutelogo de desgraccedilas sociais

apresentadas por Crecircmilo Penia faz sua reacuteplica empregando a teacutecnica da antilogia194

num

jogo de ambiguumlidade entre miseacuteria e pobreza (vv 548-549) Segundo Sommerstein (1996 p

275) Penia desmonta servindo-se de preceitos sofiacutesticos o discurso de Crecircmilo ao separar a

miseacuteria como uma categoria diferente da pobreza Para ela a miseacuteria eacute de fato um mal

enquanto a pobreza que eacute o que ela representa eacute um bem (vv 552-553) porque seu lema eacute

trabalho e temperanccedila

Em suas palavras Penia defende a vida austera que se concentra no trabalho uma

vida sem excesso nem falta Tenta provar que representa a moderaccedilatildeo e Pluto a desmedida E

argumenta tambeacutem que faz cidadatildeos melhores que Pluto tanto no caraacuteter quanto no fiacutesico

Fisicamente os obesos os reumaacuteticos e os barrigudos satildeo produtos de Pluto diferente dos

dela magros de cintura fina de vespas e incocircmodos aos inimigos (vv 557-561) Crecircmilo

refuta dizendo que satildeo assim porque passam fome (v 562)

Segundo Albini (1985 p 433) Penia define-se como uma heranccedila espiritual do

homem a condiccedilatildeo indispensaacutevel para a existecircncia enquanto Pluto significa corrupccedilatildeo ruiacutena

material e moral Penia toma como exemplo os oradores quando satildeo pobres satildeo justos com o

povo e com a polis Todavia quando enriquecem agrave custa do dinheiro puacuteblico tornam-se

194 Α antilogia ndash ἀντιλογίαndash baseia-se na teoria dos δισσοί λόγοι ndash palavras ambiacuteguas ndash e torna-se o fulcro da

retoacuterica sofiacutestica A esse respeito cf Silva (1988 p 49)

Cap V mdash O uacuteltimo agon 167

injustos e conspiram contra o povo e fazem a guerra (vv 566-570) Nesse ponto Crecircmilo

concorda com ela mas natildeo se deixa convencer (vv 571-573)

Penia insiste em se afirmar como um bem Crecircmilo quer saber entatildeo por que as

pessoas fogem dela Em sua refutaccedilatildeo que eacute novamente balizada nos fundamentos

sofiacutesticos a razatildeo de as pessoas fugirem dela eacute que ela torna essas pessoas melhores e

exemplifica com a atitude das crianccedilas que fogem de seus pais porque esses soacute querem o bem

delas (vv 576-578)195

O uacuteltimo ponto a ser debatido potildee em questatildeo as posses de Zeus (vv 581-586) Na

interpretaccedilatildeo de Sommerstein (1996 p 279) Penia se supera na arte sofiacutestica ao dizer que

Zeus eacute pobre pois se fosse rico como quer Crecircmilo teria de coroar os atletas com uma coroa

de ouro e natildeo de oliveira (vv 585-587) Crecircmilo consegue entretanto inverter o discurso ao

demonstrar que com essa atitude Zeus guarda o ouro para si ampliando sua riqueza o que eacute

outro ponto refutaacutevel por Penia que mina o discurso de Crecircmilo rebatendo as palavras dele

contra ele mesmo natildeo se trata de um acuacutemulo de riqueza mas de um lado mesquinho e

avarento de Zeus (v 591)

O encerramento desse agon eacute inusitado quando comparado ao desfecho dos outros

agones epirremaacuteticos de natureza debatedora em que ou uma das partes admite a derrota

(Nuvens v 1102) ou o aacuterbitro declara o vencedor (Cavaleiros vv 943-959 Vespas vv 725-

726 e Ratildes vv 1467-1471) Crecircmilo reconhece a forccedila argumentativa do adversaacuterio mesmo

assim ele natildeo se daacute por ―con-vencido (οὐ γὰρ πείσεις οὐδrsquo ἥν πείσῃς v 600) Trata-se

de um jogo de palavras com o verbo πείθω (―persuadir ―convencer) que na opiniatildeo de

Thiercy (1997 p 1327) se refere a uma maacutexima ao estilo de Euriacutepides Jaacute para Sommerstein

(2001 p 178) mesmo que Crecircmilo admita que ele natildeo pode encontrar qualquer falha na

195 Essa mesma teacutecnica discursiva estaacute tambeacutem presente em Nuvens (vv 1409-1410) passagem em que Fidiacutepides

justifica o ato de bater em Estrepsiacuteades Trata-se de o filho ter boas intenccedilotildees com o pai como esse tinha ao

bater no filho quando crianccedila cf Nuvens infra

Cap V mdash O uacuteltimo agon 168

loacutegica dos discursos de Penia ainda assim ele natildeo concorda com os pontos de vista dela Na

interpretaccedilatildeo de Fernaacutendez (2002 p 342) as palavras de Crecircmilo se referem a uma ―sanccedilatildeo

da irrefutabilidade dos argumentos de Penia

No momento em que Penia vai comeccedilar o pnigos Crecircmilo procura abafar sua voz

com injuacuterias e insultos E Penia eacute rechaccedilada da cena Se na sua origem o agon era o episoacutedio

central do antigo komos e como diz Navarre (1911 p 250) um combat de gueule no pnigos

Crecircmilo e Penia enfrentam-se ―num bate-boca em que ―ganhar no grito justifica a ausecircncia

da sphragis e tambeacutem de um aacuterbitro que sentencie o vencedor Para Konstan e Dillon (1981

p 387) Penia e Pluto satildeo dois lados de um mesmo problema196

Isso mostra um equiliacutebrio

discursivo entre as partes antagocircnicas Crecircmilo como porta-voz (THIERCY 2007 p 286) de

Pluto contra Penia

As opiniotildees se divergem no exame desse agon quanto agrave sua importacircncia para a

estrutura narrativa da peccedila Mazon (1904 p 168) e Duchemin (1968 p 35) consideram-no

artificial porque para esses autores a maneira como Aristoacutefanes comeccedilou a comeacutedia Pluto

natildeo necessitaria de um agon mas o poeta quis compor um e introduziu uma personagem nova

que interveacutem somente nesse momento e desaparece depois Tambeacutem Whitman (1964 p 11)

julga que o agon de Pluto natildeo eacute crucial para o enredo

Contraposto as essas anaacutelises estaacute o estudo de Gelzer (1960 p 99) em que foi

bem observada a relaccedilatildeo inversamente direta entre proacutelogo e agon Esse autor examina a

relaccedilatildeo entre as seccedilotildees conforme o conteuacutedo e a forma No que concerne ao conteuacutedo o

discurso de Crecircmilo que preenche uma cena de persuasatildeo197

para convencer Pluto de que ele

196 Para esses autores a sabedoria popular de Aristoacutefanes antecipa uma reflexatildeo de Aristoacuteteles que observa na

Poliacutetica que para tudo haacute um limite natural exceto para o dinheiro que eacute pura quantidade Desse modo Pluto

governa um mundo em que o dinheiro dissolve a relaccedilatildeo de troca baseada na produccedilatildeo Segundo as palavras

aristoteacutelicas ―[] o dinheiro fora feito somente para troca o interesse ao contraacuterio multiplica esse mesmo dinheiro [] a usura eacute de todos os meios de aquisiccedilatildeo o mais contraacuterio agrave natureza (Poliacutetica 1258 a)

197 Uma cena de persuasatildeo no proacutelogo estaacute presente em Cavaleiros (vv 147 ss) em que Agoraacutecrito deve ser

convencido de seu talento para a poliacutetica e em Aves (vv 1-208) quando Pisetero precisa convencer as aves

da soberania delas sobre homens e deuses Nesses casos estaacute presente a equaccedilatildeo crenccediladescrenccedila o

Cap V mdash O uacuteltimo agon 169

representa um bem maior tem correspondecircncias invertidas ao discurso de Penia Na

passagem dos vv 135-145 Crecircmilo demonstra que tudo inclusive o proacuteprio Zeus estaacute

submetido agrave riqueza enquanto no excerto dos vv 579-591 Penia apregoa a pobreza de Zeus

Em outra passagem dos vv 160-169 Crecircmilo argumenta que Pluto eacute o criador das artes

porque os artesatildeos buscam a riqueza jaacute Penia dos vv 527-534 potildee em cheque o

desaparecimento das profissotildees se todos forem ricos Quanto agrave forma a estrutura do proacutelogo

diz Gelzer (1960) eacute semelhante agrave de um antepirrema primeiramente eacute feita a proacutetase (vv

128-129) em que Crecircmilo anuncia que pode provar que Pluto eacute mais poderoso que Zeus

depois seguem os argumentos (vv 130-189) para demonstrar o poder de Pluto e em seguida

a conclusatildeo (vv 190-197) na forma de pnigos em que eacute listada uma seacuterie de coisas das quais

as pessoas se saciam exceto da riqueza Convencido dos propoacutesitos de Crecircmilo Pluto aceita

entrar na casa do aldeatildeo (v 249) Gelzer (1960) entatildeo conclui que essas seccedilotildees se

complementam por se tratar de um episoacutedio dramaacutetico sob a forma de um agon epirremaacutetico

o que outorga ao proacutelogo uma natureza agoniacutestica Olson (1990 p 237) tambeacutem analisa a

relaccedilatildeo proacutelogoagon e segundo ele no proacutelogo (vv 130-135) Zeus eacute o responsaacutevel pela

perversidade econocircmica do mundo porque manteacutem a Riqueza para si e envia a Penia para os

homens Assim sendo o heroacutei estabelece seu plano a cura da cegueira de Pluto Esse plano eacute

ameaccedilado no agon por Penia que tenta dissuadir o heroacutei de natildeo prosseguir na empresa

Instaura-se entatildeo a tensatildeo dramaacutetica por meio de um conflito verbal que se desenvolve num

uacutenico epirrema Outra anaacutelise que fortalece essa tese mas dessa vez a relaccedilatildeo eacute paacuterodoagon

estaacute no estudo de A M Bowie (1995 p 287-288) para quem o agon encontra

correspondecircncias com a primeira parte da comeacutedia sobretudo no paacuterodo Para esse autor

pode-se determinar um paralelismo entre o canto de entrada do coro e o discurso de Penia a

condiccedilatildeo anti-social do mundo dos ciclopes exemplifica o tipo de sociedade que Penia teme

vendedor de salsichas e os paacutessaros demonstram num primeiro momento incredulidade diante das palavras

do persuasor

Cap V mdash O uacuteltimo agon 170

para os homens e a figura de Circe que vive ilhada e rodeada de animais seria emblemaacutetica

para a vida humana anunciada por Penia

Essa tese em defesa do meacuterito desse agon se amplifica nos estudos de Albini

(1985) e Flashar (1996) que o consideram o nuacutecleo da peccedila Segundo Albini (1985 p 433) a

maneira desonrosa como a Penia eacute expulsa da cena mostra o quanto eacute utoacutepico o plano de

Crecircmilo Na opiniatildeo de Flashar (1996 p 320) a estrutura truncada do agon natildeo eacute nem

acidental nem inuacutetil porque natildeo se trata de equilibrar pontos de vista opostos mas de expor e

expandir o plano do heroacutei e demonstrar que elementos utoacutepicos satildeo proacuteprios da comeacutedia E

ainda pode-se juntar a essas posiccedilotildees o estudo de Cartledge (2001 p 66-69) em que a obra de

Aristoacutefanes eacute analisada sob o prisma do absurdo a grande ideacuteia de Crecircmilo eacute tatildeo original

quanto implausiacutevel como os planos de Praxaacutegora ou Trigeu acrescentando Pisetero e

Diceoacutepolis heroacuteis que em seus devaneios se propotildeem a encontrar soluccedilotildees irreais para

problemas reais de ordem soacutecio-econocircmica Em meio a essa discussatildeo Moumlllendorff (2002 p

129) encontrou a expressatildeo exata ad absurdum para traduzir a natureza do agon em Pluto

Tal expressatildeo jaacute havia sido empregada por Gelzer (1960 p 53) para categorizar o agon II de

Nuvens cuja funccedilatildeo nessa comeacutedia eacute por meio do paralelismo com o primeiro agon conduzir

ad absurdum os argumentos

Do ponto de vista dramaacutetico de acordo com Gelzer (1960 p 55) o final violento

em que Penia eacute escorraccedilada da cena mostra que natildeo estaacute em questatildeo o meacuterito da vitoacuteria na

discussatildeo mas pocircr em relevo o valor da argumentaccedilatildeo chamar a atenccedilatildeo para o peso dos

argumentos no agon Crecircmilo e Penia discutem em peacute de igualdade revelando um equiliacutebrio

na poneria de cada um

Como bem observou Arnott (apud FERNAacuteNDEZ 2002 p 218) nessa discussatildeo

entre o heroacutei e seu adversaacuterio a atuaccedilatildeo eacute retoacuterica e a oratoacuteria eacute histriocircnica Para Whitman

(1964 p 58) haacute duas funccedilotildees predominantes poneria e alazoneiacutea porque segundo esse

Cap V mdash O uacuteltimo agon 171

autor o heroacutei cocircmico tem poneria uma arma muito rica e por causa de sua astuacutecia bravata e uma

total imaginaccedilatildeo dissociaacutevel ele realiza sua busca

The comic hero has poneria a far more resourceful weapon and by craft bravado and a wholly dissociative imagination he achieves the quest and climbs the brazen

heaven

Todavia na opiniatildeo de Thiercy (1997 p 1312) Crecircmilo eacute totalmente desprovido

de poneria comparado agrave esperteza de seu escravo Cariatildeo Jaacute McLeish (1980 p 54) atribui a

Crecircmilo a funccedilatildeo spoudaios juntamente com Pisetero Lisiacutestrata e Praxaacutegora por serem

personagens visionaacuterias com pouco grau de comicidade Essas divergecircncias demonstram a

grandeza multiforme da natureza do heroacutei cocircmico e a sua alta capacidade de adequaccedilatildeo agrave

situaccedilatildeo No entanto a poneria torna-se conforme as palavras acima de Whitman (1964)

uma marca desse heroacutei

No proacutelogo Pluto reconhece a laacutebia de Crecircmilo e de Cariatildeo (εὖ τοι λέγειν

ἔμοιγε φαίνεσθον πάνυ v 198) a ponto de se deixar convencer de que sua soberania

depende da cura de sua cegueira e no final aceita entrar na casa do heroacutei que passa a

conviver com a Riqueza Com esse desfecho o nome Χρήμιλος ostenta como eacute frequumlente

em Aristoacutefanes uma designaccedilatildeo significativa que se liga ao vocaacutebulo χρματος que sugere

aleacutem das outras conotaccedilotildees semacircnticas a ideacuteia de bens tesouro valor de posse

(CARTLEDGE 2001 p 66) E ainda pode-se considerar o verbo χρηματίζω que traz o

sentido de ―enriquecer ―tirar proveito o que de fato ocorre com Crecircmilo cujo status quo

desprivilegiado sofre uma reviravolta apoacutes a consulta ao oraacuteculo tornando-se um cidadatildeo

abastado Nesse sentido a poneria do heroacutei refere-se a sua esperteza que tirando proveito da

situaccedilatildeo lhe assegura uma outra realidade de vida Entretanto essa poneria vai a cheque-mate

no agon Para Penia seu adversaacuterio eacute por causa de suas palavras disparatadas e soltas no ar

(vv 574-575) incapaz de provar o contraacuterio do que ela argumenta o que a promove agrave funccedilatildeo

Cap V mdash O uacuteltimo agon 172

de poneros Portanto os litigantes vatildeo se enfrentar de acordo com o grau de poneria de cada

um num equiliacutebrio de forccedilas em que como natildeo haacute aacuterbitro e nenhuma das partes cede a outra

o desfecho dessa discussatildeo sela sua natureza ad absurdum

O plano do heroacutei exposto no proacutelogo pretende beneficiar apenas os justos (vv 95-

96) Com a cena do agon o plano inicial se expande e todos seratildeo contemplados e natildeo

somente os justos Pluto passaraacute a reinar sozinho e Penia seraacute banida Dessa maneira a cena

do agon eacute ao contraacuterio uma parte coerente e interdependente de toda a peccedila porque o

surgimento de Penia determina e estrutura os episoacutedios seguintes que compondo a segunda

parte da comeacutedia demonstram o quanto o projeto do heroacutei eacute utoacutepico e reforccedilam a natureza ad

absurdum desse agon

As cenas episoacutedicas ateacute o ecircxodo que compotildeem a segunda parte da comeacutedia como

consequumlecircncia do sucesso do plano do heroacutei decorrem apoacutes a cena de cura de Pluto

protagonizada pelo escravo Cariatildeo Nem todos se tornam ricos bons e religiosos conforme o

discurso de Crecircmilo Pelo contraacuterio o Sicofanta aparece para queixar-se da ruiacutena (vv 850-

958) Em que o Jovem amante que explorava a Velha rica eacute bom e justo para merecer a

riqueza (vv 975-1096) E ainda nas uacuteltimas cenas os homens depois de enriquecer natildeo satildeo

mais religiosos Na ausecircncia de sacrifiacutecio Hermes pede ajuda na casa de Crecircmilo (vv 1100-

1170) e o Sacerdote de Zeus reclama que os altares estatildeo abandonados (vv 1178-1184)

O agon de Pluto eacute portanto quanto ao conteuacutedo um elo central que se liga natildeo soacute

ao iniacutecio proacutelogo e paacuterodo mas tambeacutem agrave disposiccedilatildeo dos episoacutedios na segunda metade da

comeacutedia E a sua forma um uacutenico epirrema eacute bastante significativa para o estudo da

trajetoacuteria do agon epirremaacutetico nas comeacutedias supeacuterstites de Aristoacutefanes Segundo Mazon

(1904 165) a presenccedila de um uacutenico epirrema jaacute eacute um indiacutecio de que as formas simeacutetricas ndash

epirrema e antepirrema ndash tendem a desaparecer Assembleacuteia de mulheres e Pluto

Cap V mdash O uacuteltimo agon 173

documentam a extinccedilatildeo da paraacutebase e prenunciam o mesmo fenocircmeno para o agon

epirremaacutetico

Embora a Comeacutedia Antiga tenha sofrido mudanccedilas esteacuteticas radicais referentes agraves

formas fixas a comeccedilar pelo desaparecimento da paraacutebase e tambeacutem pela reduccedilatildeo do papel

do coro o derradeiro agon aristofacircnico resiste marcando a genialidade da verve do poeta que

zelando pela comicidade manteacutem a comeacutedia Pluto como um poderoso veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo social que conduz ad absurdum198

seus argumentos

198 De acordo com Bergson (1983 p 93) o absurdo natildeo cria a comicidade mas sim decorre dela

CONCLUSAtildeO

Conclusatildeo 175

Como parte do texto cocircmico o agon eacute uma seccedilatildeo que natildeo apenas representa o

espiacuterito da poeacutetica aristofacircnica mas tambeacutem exprime o princiacutepio da arte dramaacutetica que

evoluindo para um gecircnero literaacuterio se norteia pela mise en scegravene da palavra em conflito tatildeo

cara agrave trageacutedia quanto agrave comeacutedia

Devido agrave diversidade da forma e do conteuacutedo dos agones a noccedilatildeo teacutecnica de

agon como um debate entre antagonistas que ocorre numa das seccedilotildees do texto da comeacutedia eacute

muito fugaz para definir precisamente o termo Tanto a forma quanto o conteuacutedo estatildeo

sujeitos agrave diversidade No que concerne agrave forma a siziacutegia epirremaacutetica pode se apresentar

completa ou natildeo e essa instabilidade da forma do agon eacute decorrecircncia da sujeiccedilatildeo da forma ao

conteuacutedo que ligado agrave proposta de cada comeacutedia estaacute a serviccedilo da intenccedilatildeo do poeta e de sua

habilidade em orquestrar o agon com as outras seccedilotildees da peccedila

Os agones de Cavaleiros Nuvens Vespas Ratildes Lisiacutestrata e Aves trazem a siziacutegia

epirremaacutetica completa Todavia somente nas quatro primeiras comeacutedias o conflito se acentua

gradativamente ao longo da fabulaccedilatildeo inserindo o agon num ―complexo agoniacutestico em que

haacute um equiliacutebrio das partes epirremaacuteticas no debate entre os contendores por isso foram

denominados agones modelares

Jaacute em Lisiacutestrata e Aves embora o agon contemple sua forma canocircnica seu

conteuacutedo descaracteriza a siziacutegia epirremaacutetica porque as partes dos epirremas estatildeo presentes

somente na fala de um dos litigantes Em Aves o coro eacute o antagonista do heroacutei e natildeo haacute um

juiz mas um mediador na negociaccedilatildeo Em Lisiacutestrata a seccedilatildeo que corresponde ao agon

demonstra a preferecircncia do poeta pela unilateralidade dos argumentos Em revanche o

antagonismo bem marcado estaacute nas partes corais porque o coro que eacute partidaacuterio se divide

em dois semicoros que se confrontam ao longo da fabulaccedilatildeo

Conclusatildeo 176

Cavaleiros possuem trecircs agones dois em cena onde o coro eacute partidaacuterio do heroacutei

e um agon relato A natureza do agon I eacute uma sobreposiccedilatildeo de vozes sem qualquer oposiccedilatildeo

de argumentos porque o objetivo eacute mostrar qual dos adversaacuterios tem a pior iacutendole No agon

II que eacute o principal forma e conteuacutedo se equilibram apresentando o confronto entre o heroacutei e

seu rival diante de um juiz E por fim no agon relato a forma desaparece para pocircr em

evidecircncia o conteuacutedo que sendo uma narraccedilatildeo dos fatos eacute muito proacuteximo dos relatos dos

mensageiros da trageacutedia

Em Nuvens tambeacutem haacute dois agones e neles estaacute em relevo o antagonismo nas

partes epirremaacuteticas entre contendores no agon I Raciociacutenio Justo versus Raciociacutenio

Injusto e no agon II pai versus filho Ambos potildeem em discussatildeo a educaccedilatildeo e o choque de

geraccedilotildees natildeo haacute um juiz e o coro assume um papel passivo Vespas trazem tambeacutem dois

agones epirremaacuteticos Tendo o coro uma funccedilatildeo ativa o agon I estaacute ancorado na accedilatildeo

decorrente do paacuterodo e o agon II eacute uma extensatildeo do primeiro o que resulta em ambos

algumas adequaccedilotildees como por exemplo a presenccedila de proepirremas falados na ode O agon

de Ratildes eacute muito bem construiacutedo pela equiparaccedilatildeo formaconteuacutedo As partes corais gerenciam

a contenda na presenccedila de um juiz e nos epirremas haacute o jogo do argumentocontra-argumento

em que o antagonismo eacute bem marcado

Nas outras comeacutedias de Aristoacutefanes o comprometimento da forma com a siziacutegia

epirremaacutetica incompleta ou ausente nem sempre anula o caraacuteter debatedor do agon No que se

refere agrave siziacutegia epirremaacutetica incompleta em Pluto o uacutenico epirrema da estrutura se divide

entre os debatedores e garante o jogo do argumentocontra-argumento em cujo jogo retoacuterico

natildeo estaacute em questatildeo a superioridade de um dos contendores senatildeo o peso dos argumentos de

cada um

Por outro lado o agon em Assembleacuteia de mulheres possui um uacutenico epirrema

adequando a forma ao conteuacutedo epidiacutetico do agon Natildeo se trata de defender ou expor pontos

Conclusatildeo 177

de vista como em Pluto mas demonstrar que o plano da heroiacutena eacute exequumliacutevel E ainda o agon

de Paz que eacute o uacutenico que estamos considerando como quasi-agon o conteuacutedo tambeacutem estaacute

determinando a forma que se apresenta muito reduzida Em se tratando de uma comeacutedia rica

em discursos voltados ao espectador o uacutenico epirrema da estrutura do agon eacute de caraacuteter

explicativo que leva a uma reflexatildeo sobre o propoacutesito da comeacutedia que eacute um hino agrave paz A

presenccedila de um uacutenico epirrema nessas comeacutedias sinaliza que as partes epirremaacuteticas tendem a

desaparecer e consequumlentemente o agon epirremaacutetico

Acarnenses e Tesmoforiantes satildeo comeacutedias que demonstram a possibilidade de

um agon natildeo epirremaacutetico porque a siziacutegia epirremaacutetica cede lugar agrave siziacutegia iacircmbica Em

Acarnenses o conteuacutedo estaacute determinando a forma da maneira mais complexa possiacutevel a

ponto de ocorrer uma contaminatio entre as seccedilotildees do texto um agon de tom parabaacutetico e um

paacuterodo com estrutura epirremaacutetica de agon Em Tesmoforiantes o final do paacuterodo jaacute daacute

indiacutecios de que a accedilatildeo caminha para uma discussatildeo na qual Aristoacutefanes preferiu usando o

recurso da paratrageacutedia o conteuacutedo agrave forma uma vez que a estrutura do agon da trageacutedia

desconhece a siziacutegia epirremaacutetica

Vespas e Ratildes satildeo exemplos de que a ausecircncia da forma de um agon epirremaacutetico

natildeo impede que o conteuacutedo da cena natildeo seja de um agon Em Vespas a cena do jugamento

domiciliar dos catildees caracteriza-se como uma cena de agon-processo jaacute que se trata de uma

paroacutedia aos tribunais atenienses Em Ratildes cujo agon compreende toda a segunda parte da

peccedila haacute um hibridismo entre as formas epirremaacuteticas e iacircmbicas primeiramente o agon se

configura tanto na forma quanto no conteuacutedo como um agon epirremaacutetico ateacute o momento em

que a forma epirremaacutetica eacute suplantada pelas cenas iacircmbicas que manteacutem o mesmo conteuacutedo

do debate entre Eacutesquilo e Euriacutepides cujo desfecho soacute vai ocorrer nos uacuteltimos versos da

comeacutedia

Conclusatildeo 178

A forma se subjuga ao conteuacutedo porque os conteuacutedos dos agones estatildeo em

simbiose com a proposta de cada peccedila trazendo discussotildees de ordem poliacutetica como Cleatildeo e a

conduta dos demagogos em Cavaleiros e Acarnenses e a poliacutetica beacutelica em Paz e Lisiacutestrata

de ordem juriacutedica com a saacutetira agrave justiccedila aacutetica em Vespas de ordem social com o problema da

educaccedilatildeo e o choque de geraccedilotildees em Nuvens ou o desejo de se ter uma cidade perfeita em

Aves de ordem literaacuteria com a criacutetica literaacuteria em Tesmoforiantes e Ratildes e por fim de ordem

econocircmica em Assembleacuteia de mulheres e Pluto Por toda parte transparece a utilizaccedilatildeo de um

ideal contemporacircneo bastante cultivado

De acordo com Gelzer (1960 p 268) o desaparecimento da maioria das antigas

formas fixas corresponde agrave quase total diminuiccedilatildeo das funccedilotildees do coro que natildeo desempenha

mais nenhum papel na accedilatildeo E no caso do agon epirremaacutetico de Assembleacuteia de mulheres e

Pluto com a expressiva reduccedilatildeo das evoluccedilotildees corais a cena torna-se predominantemente

uma cena de atores Isso vai resultar tambeacutem na mudanccedila da composiccedilatildeo meacutetrica da comeacutedia

os tetracircmetros trocaicos seratildeo substituiacutedos pelo metro iacircmbico que se aproxima da prosoacutedia

da liacutengua comum de ritmo mais acelerado caracteriacutestica da Comeacutedia Nova (BENOIT 1854

p 170)

Tem-se a impressatildeo de que se trata de um fenocircmeno de efeito dominoacute ou seja

com a queda das funccedilotildees do coro caem juntamente as demais formas fixas da comeacutedia razatildeo

pela qual o agon epirremaacutetico que se manteacutem agrave pena na estrutura conteacutem apenas uma

forma simples que se apresenta num uacutenico epirrema o qual por sua vez estaacute condenado a

desaparecer pela meacutetrica

Natildeo se trata de uma supressatildeo mas de uma transformaccedilatildeo que responde pela

evoluccedilatildeo da Comeacutedia Antiga de Aristoacutefanes para a Comeacutedia Nova de Menandro E

certamente o principal motivo encontra-se na diversidade da funccedilatildeo dramaacutetica do coro no

agon A razatildeo de o coro assumir funccedilotildees diferentes em cada comeacutedia ocorre porque ele estaacute

Conclusatildeo 179

presente em todos os agones epirremaacuteticos Aleacutem de atuar nas partes a ele determinadas ode

e katakeleusmos ele pode tambeacutem participar excepcionalmente dos epirremas

Nas partes corais do agon ele assume quatro diferentes funccedilotildees dramaacuteticas

A primeira como observador passivo em que ele marca presenccedila nos dois agones

de Nuvens no extenso agon de Ratildes no agon de Assembleacuteia de mulheres e no agon de Pluto

A segunda funccedilatildeo tambeacutem manteacutem o coro como observador poreacutem como

observador ativo porque ele toma partido da situaccedilatildeo esse caso encontra-se no agon II de

Cavaleiros em que ele estaacute interessado no desfecho da contenda

Na terceira funccedilatildeo em que o coro participa com nuanccedila de grau como

antagonista destacam-se os agones cuja accedilatildeo pelejadora eacute oriunda desde o paacuterodo Satildeo eles

o agon de Acarnenses agon I de Cavaleiros o agon I de Vespas o agon de Aves199

o agon

de Tesmoforiantes e o agon de Lisiacutestrata em que haacute o enfrentamento dos dois semicoros que

falam e cantam cada um antes dos epirremas em favor de seus partidaacuterios

A quarta funccedilatildeo pode ser observada no agon II de Vespas em que o coro assume o

papel de juiz do debate entre os litigantes

Essa diversidade do papel do coro ao longo dos agones das comeacutedias existentes

de Aristoacutefanes tem portanto uma relaccedilatildeo imediata com as oscilaccedilotildees quanto agrave forma e ao

conteuacutedo dos agones epirremaacuteticos O derradeiro agon na obra de Aristoacutefanes eacute quanto ao

conteuacutedo um verdadeiro debate Esperar-se-ia entatildeo que Aristoacutefanes tivesse composto um

agon epirremaacutetico agrave luz dos agones modelares como em Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes O

poeta preferiu entretanto privilegiar o conteuacutedo em detrimento da forma compondo um agon

com um uacutenico epirrema como em Aves Lisiacutestrata e Assembleacuteia de mulheres embora natildeo se

trate de um agon unilateral presente nessas comeacutedias mas o poeta reduz a forma e num uacutenico

199

Em Aves a Poupa poderia representar o lado das aves mas essa personagem tem o papel especial de

mediador entre os contendores o heroacutei e as aves Por isso ela natildeo pode exercer no agon a funccedilatildeo de

antagonista

Conclusatildeo 180

epirrema o conteuacutedo eacute polarizado entre a arguumliccedilatildeo de Crecircmilo e de seu adversaacuterio200

Por traacutes

dessa discussatildeo ocultam-se ocasionalmente pensamentos sofiacutesticos pois duas posiccedilotildees

antiteacuteticas sobre o mesmo objeto satildeo em si uma tendecircncia caracteriacutestica da antilogia

sofiacutestica Trata-se da conduccedilatildeo do debate por meio de perguntas e respostas habilmente

colocadas Essa teacutecnica diz Gelzer (1960 p 129) eacute bem conhecida dos diaacutelogos de Platatildeo

sendo especificamente dialeacutetica os dois contendores propotildeem uma tese apoiada por um deles

e combatida pelo outro ateacute que um deles seja levado a admitir que natildeo tem razatildeo No agon de

Pluto a dialeacutetica quase perfeita natildeo fosse a resistecircncia de uma das partes admitir que a outra

estaacute com razatildeo (v 600) eacute responsaacutevel pela comicidade do debate cujo desfecho sela a

alogia201

desse agon

Isso visto o agon eacute uma seccedilatildeo da estrutura da comeacutedia e como tal pode vir

intercalado entre o paacuterodo e a paraacutebase ou apoacutes esta uacuteltima Em se tratando de uma das partes

do texto cocircmico o agon tem estrutura formal e meacutetrica especiacutefica Assim a presenccedila do

epirrema ndash como um componente da siziacutegia epirremaacutetica ndash eacute um sema comum nos agones

das comeacutedias de Aristoacutefanes202

O conteuacutedo desses agones que perfaz toda a forma estaacute

associado agrave proposta de cada comeacutedia Como o sucesso do plano do heroacutei depende da astuacutecia

desse heroacutei para transpor os obstaacuteculos o conteuacutedo do agon pode com ou sem um confronto

fiacutesico oscilar entre um debate polarizado e uma discussatildeo unilateral

O exame de todos os agones na poeacutetica aristofacircnica demonstra portanto a

engenhosidade do poeta na manipulaccedilatildeo das convenccedilotildees estruturais comum do agon sempre

200 O agon de Pluto apesar de reduzido manteacutem a mesma natureza debatedora dos agones em Acarnenses

(Diceoacutepolis versus Lacircmaco) Cavaleiros (Agoraacutecrito versus Paflagocircnio) Nuvens (Raciociacutenios Justo versus

Injusto) Vespas (Filocleatildeo versus Bdelicleatildeo) e Ratildes (Euriacutepides versus Eacutesquilo) Antes do minucioso estudo

de Gelzer (1960) Navarre (1911 p 252) jaacute tinha observado a divisatildeo do epirrema no agon de Pluto para

cada argumento de Crecircmilo um contra-argumento de Penia e vice-versa 201 Propp (1992 107) sugere como manifestaccedilatildeo do cocircmico o alogismo termo que se refere agravequele que profere

absurdidades e realiza accedilotildees insensatas No caso do agon de Pluto os contendores se atacam alegando o raciociacutenio disparatado do outro (vv 507-508 517) e quanto agrave accedilatildeo o desfecho da disputa estampa a natureza

no sense da praacutexis do heroacutei 202 Embora Acarnenses e Tesmoforiantes tenham uma estrutura iacircmbica em que o iambo substitui o epirrema (cf

Introduccedilatildeo ndash infra quadro) deve-se entender que o discurso iacircmbico presta-se agrave funccedilatildeo do epirrema

Conclusatildeo 181

sujeita ao conteuacutedo que associado agrave temaacutetica da comeacutedia expotildee um assunto que eacute do

interesse comum Assim sendo no que diz respeito agrave forma o agon epirremaacutetico tende a

desaparecer mas sobrevive na comeacutedia pelo conteuacutedo

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ANEXO

AGON TRADUCcedilAtildeO E NOTAS

192lsquo

Cavaleiros ndash agon I (vv 303-460)

193lsquo

194lsquo

195lsquo

196lsquo

197lsquo

198lsquo

199lsquo

200lsquo

Cavaleiros ndash agon II (vv 756-941)

201lsquo

202lsquo

203lsquo

204lsquo

205lsquo

206lsquo

207lsquo

208lsquo

209lsquo

Nuvens ndash agon I (vv 949-1104)

210lsquo

211lsquo

212lsquo

213lsquo

214lsquo

Nuvens ndash agon II (vv 1345-1451)

215lsquo

216lsquo

217lsquo

218lsquo

Vespas ndash agon I (vv 334-414)

219lsquo

220lsquo

221lsquo

222lsquo

Vespas ndash agon II (vv 526-727)

223lsquo

224lsquo

225lsquo

226lsquo

227lsquo

228lsquo

229lsquo

230lsquo

231lsquo

232lsquo

Ratildes ndash agon (vv 895 a 1499)

233lsquo

234lsquo

235lsquo

236lsquo

237lsquo

238lsquo

239lsquo

240lsquo

241lsquo

242lsquo

243lsquo

244lsquo

245lsquo

246lsquo

247lsquo

248lsquo

249lsquo

250lsquo

251lsquo

252lsquo

253lsquo

254lsquo

255lsquo

256lsquo

Acarnenses ndash Agon ndash 490 a 627

257lsquo

258lsquo

259lsquo

260lsquo

261lsquo

262lsquo

263lsquo

Tesmoforiantes ndash agon (vv 381-530)

264lsquo

265lsquo

266lsquo

267lsquo

268lsquo

269lsquo

270lsquo

271lsquo

272lsquo

273lsquo

274lsquo

Paz ndash agon (vv 601-657)

275lsquo

276lsquo

277lsquo

278lsquo

Aves ndash agon (vv 451-638)

279lsquo

280lsquo

281lsquo

282lsquo

283lsquo

284lsquo

285lsquo

Lisiacutestrata ndash agon (vv 476-613)

286lsquo

287lsquo

288lsquo

289lsquo

290lsquo

291lsquo

292lsquo

293lsquo

Assembleacuteia de mulheres ndash agon (vv 671-710)

294lsquo

295lsquo

296lsquo

297lsquo

298lsquo

299lsquo

Pluto ndash agon (vv 486-618)

300lsquo

301lsquo

302lsquo

303lsquo

192

Cavaleiros ndash agon I (vv 303-460)

Co Canalha Gritador asqueroso Sua safadeza

invade toda a terra toda a assembleacuteia 305

os impostos os processos e os tribunais

nojento toda nossa cidade

estaacute de pernas pro ar 310

vocecirc que atormentou nossa Atenas burlando

e espreitando os tributos do alto dos rochedos como se

fossem atuns1

Pa Eu sei bem haacute tempos de onde esse negoacutecio eacute curtido 315

Ag Se vocecirc natildeo entende de couro entatildeo nem eu de salsichas

vocecirc que tinha o haacutebito de cortar de atravessado o couro de um pobre boi

para parecer espesso e depois vendecirc-lo aos agricultores

e antes de um dia de uso os sapatos deles estavam esgarccedilados uns dois palmos

Es Por Zeus ele me deu o mesmo golpe a ponto de eu

ter sido motivo de zombaria pro meu pessoal e amigos 320

Antes mesmo de estar em Peacutergaso2 eu jaacute nadava dentro dos sapatos

Co Seraacute que vocecirc desde o comeccedilo mostrou

o descaramento o uacutenico salvo-conduto dos oradores 325

Eacute nisso que vocecirc confia para arrancar frutos dos estrangeiros3

vocecirc que eacute o primeiro e o filho de Hipodamos4 derrete-se em laacutegrimas

[diante desse espetaacuteculo

entretanto apareceu um outro tipo bem mais

patife do que vocecirc para minha alegria

que vai dar um um basta e um chega pra laacute em vocecirc ndash eacute evidente ndash 330

com safadeza atrevimento

1 O rochedo eacute a Pnix E os que ficavam no rochedo tinham voz potente como Cleatildeo para anunciar aos

pescadores os cardumes de atuns 2 Peacutergaso era um vilarejo nos arredores de Atenas e tambeacutem proacuteximo de Acarnes 3 Aristoacutefanes se refere agrave praacutetica de extorsatildeo dos poliacuteticos 4 Hipodamos de Mileto era um famoso arquiteto e seu filho Archeptolemos se tornou um dos Quatrocentos

movimento oligaacuterquico contra Cleatildeo Com a queda desse regime Archeptolemos foi executado

193

e trapaccedila

Mas entatildeo vocecirc que fez a mesma escola de onde vecircm os grandes homens de hoje

eacute o momento de mostrar que a boa educaccedilatildeo natildeo serve pra nada

Ag Muito bem ouccedilam entatildeo que tipo de cidadatildeo eacute esse indiviacuteduo 335

Pa Natildeo eacute a minha vez

Ag Natildeo meu Zeus porque eu tambeacutem sou mau-caraacuteter

Es E se ele natildeo concordar com isso acrescenta ―de uma famiacutelia de mau-caraacuteter

Pa Natildeo eacute a minha vez

Ag Natildeo meu Zeus

Pa Eacute sim meu Zeus

Ag Natildeo meu Posidatildeo

Mas eacute por causa de falar primeiro que eu vou brigar pra valer

Pa Ai de mim vou me arrebentar

Ag Mas eu natildeo deixarei 340

Es Deixa deixa pelos deuses quanto a ele que se arrebente

Pa E o que te leva a crer que vocecirc estaacute agrave altura de discutir comigo

Ag Eacute que sou como vocecirc pra bater-boca e tambeacutem engrossar o caldo5

Pa Olha soacute bater-boca Muito bem se um negoacutecio caiacutesse sobre vocecirc

em pedacinhos crus vocecirc conseguiria preparaacute-lo nos trinques 345

Mas sabe o que acontece com vocecirc na minha opiniatildeo O mesmo

[que pra todo mundo

apoacutes ter se saiacutedo bem num processo qualquer contra um estrangeiro

5 O verbo καρυκκοποιεῖν significa preparar molhos suculentos e em sentido figurado criar uma confusatildeo

194

depois de resmungar e tagarelar agrave noite toda pelas ruas sozinho

beber uns goles dlsquoaacutegua6 de manobrar e importunar seus amigos

vocecirc jaacute se imagina capaz de ser um orador Insensato Tolice sua 350

Ag E vocecirc o que tem bebido para deixar a cidade nesse estado em que se encontra

[agora

calada depois de ter recebido de vocecirc um beijo profundo de liacutengua

Pa Entatildeo vocecirc encontrou o cara para me enfrentar A mim que imediatamente

depois de comer uns pedaccedilos de atum quentinhos e bebido por cima uma jarra

de puro vinho sou capaz de regaccedilar os generais em Pilos 355

Ag E eu Depois de traccedilar um bucho de boi e umas tripas de porco

e beber por cima o caldo sem me limpar

estou pronto para xingar os oradores e passar uma rasteira em Niacutecias7

Es Por um lado dizendo essas coisas fico satisfeito mas por outro natildeo me contento

com uma de suas atitudes que tome o caldo sozinho 360

Pa Natildeo eacute por ter comido um peixe que vai perturbar Miletos8

Ag E depois de me fartar de costelas poderei negociar as minas9

Pa E eu vou chacoalhar o Conselho virando-o de pernas pro ar

Ag E eu vou te encher o rabo como se fosse linguumliccedila

Pa E eu eu vou arrastar vocecirc laacute pra fora de cabeccedila pra baixo pelo rabo 365

Es Entatildeo meu Posidatildeo se vocecirc o arrastar me arrasta tambeacutem

6 Beber aacutegua era um haacutebito dos oradores 7 Aristoacutefanes se refere ao caso de Pilos onde Cleatildeo derrotou os oradores e Niacutecias 8 Segundo Sommerstein (1981 163) Aristoacutefanes estaria fazendo uma alusatildeo a um suborno que Cleatildeo tivesse

recebido em Miletos sem ter prestado o serviccedilo 9 Trata-se das minas de prata de Laacuteurion sudeste da Aacutetica

195

Pa Ah que eu vou eacute por vocecirc no tronco10

Ag E eu vou te processar por covardia

Pa E esse seu couro vai ser esticado na mesa

Ag E eu vou te esfolar para fazer um saco com pele de ladratildeo 370

Pa E vocecirc seraacute pregado ao chatildeo

Ag E eu vou dar uma temperada nesse seu perfil

Pa E eu vou te arrancar os olhos

Ag E eu vou arrancar esse seu papo

Es Ai meu Zeus Vamos cravar nele 375

a moda dos accedilougueiros um prego

na boca em seguida puxamos pra fora

sua liacutengua e examinamos de fio a pavio

sua boca bem aberta 380

e o rabo vai que tem lombriga

Co De fato haacute coisas mais quentes que o fogo e o falatoacuterio

mais descarado ainda do que o palavreado na cidade 385

e de fato esse negoacutecio natildeo era banal

entatildeo parte pra cima dele e o faccedila girar sem doacute

e nessas condiccedilotildees ele estaacute preso pela cintura

10 No texto grego aparece a palavra ξυλόν que era um instrumento de tortura feito de madeira Em portuguecircs o

tronco utilizado no Brasil colocircnia para castigar os escravos parece cobrir o mesmo sentido

196

e se agora mesmo vocecirc o deixa mole no golpe

descobriraacutes um covarde pois eu conheccedilo o tipo 390

Ag E no entanto como foi assim a vida toda

se fazendo passar por um homem de reputaccedilatildeo tirando proveito da colheita alheia

e agora essas espigas que ele trouxe de laacute

ele as amarrou e secou no tronco e quer vendecirc-las11

Pa Natildeo tenho medo de vocecircs enquanto vigorar o Conselho 395

e a cara de tonto do povo sentado

Co Quanto descaramento nisso tudo e sem

que mude sua cor de sempre

se natildeo eacute raiva que sinto por vocecirc que eu venha a ser pinico12

[na casa do Cratino13

400

e tenha de aprender a cantar numa trageacutedia de Moacutersimo14

oh vocecirc que sempre e em qualquer ocasiatildeo

se corrompe sentando em flores

oxalaacute vocecirc fosse capaz de vomitar facilmente o alimento

e entatildeo eu cantaria sozinho 405

―Beba beba na infelicidade

e eu imagino que Uacutelio velhote farinheiro15

alegremente se colocaria a cantar e a gritar ―Baco Baco

Pa Essa natildeo Vocecirc natildeo vai me ultrapassar em descaramento natildeo por Posidatildeo

11 De acordo com Sommerstein (1981 164) a metaacutefora se refere agrave tortura aplicada aos prisioneiros de guerra

como espigas eles eram amarrados e torturados Em alguns casos eram barganhados e Cleatildeo teria se

aproveitado dessa negociaccedilatildeo 12 Em grego κῴδιον pele de carneiro que servia de cobertor 13 Cratino comedioacutegrafo bem mais velho que Aristoacutefanes tinha a fama de beberratildeo e por isso urinava na cama 14 Moacutersimo foi sobrinho de Eacutesquilo e sem nenhum talento que chegasse a ser comparado com o do tio 15 Uacutelio era filho do general Cimatildeo e funcionaacuterio encarregado de controlar o comeacutercio de gratildeos (Sommertein

1981 165)

197

ou senatildeo que eu nunca seja excluiacutedo das libaccedilotildees a Zeus Agoreu16

410

Ag E eu pelas pancadas que tanta e tantas vezes

recebi desde menino e tambeacutem as facadas

tenho certeza de que vou ganhar de vocecirc nessas coisas ou seria em vatildeo

que eu nutrido a miolo de patildeo17

seja tatildeo forte

Pa Miolo de patildeo igual comida pra catildeo Ah coitadinho de que maneira entatildeo 415

criado com raccedilatildeo de catildeo vocecirc vai lutar com um gurilatildeo18

Ag Ai meu Zeus Desde menino mentir eacute comigo mesmo

Por exemplo enganava os accedilougueiros dizendo esse tipo de coisas

―Vejam crianccedilas natildeo estatildeo vendo Uma andorinha e nova estaccedilatildeo

Entatildeo eles olhavam e eu num zup roubava um pedaccedilo de carne 420

Es Puxa que pedaccedilo de carne ligeiro Vou ficar esperto

Jaacute antes das andorinhas vocecirc roubava como quem come urtigas19

Ag Essas coisas que se viam eu fazia na surdina E se um deles me visse

escondia entre as pernas e em nome dos deuses jurava inocecircncia

de maneira que me vendo fazer isso um dos poliacuteticos disse 425

―sem sombra de duacutevidas natildeo eacute que esse menino vai governar o povo

Es Presumiu bem E eacute evidente que se chegou a isso

jaacute que jurava falso apoacutes o furto e tinha a carne entre as cochas

Pa Vou dar um basta nessa tua arrogacircncia Pensando bem em vocecircs dois 430

parto jaacute e com tudo pra cima de vocecirc

e ao mesmo tempo revirando sem propoacutesito terra e mar

Ag E eu recolho as salsichas e depois irei agrave deriva

16 Haacute dois sentidos que se complementam para esse verso i) Zeus Agoreu ou Zeus da aacutegora lugar de onde se

falava portanto natildeo ser excluiacutedos das libaccedilotildees a Zeus agoreu implica natildeo ser excluiacutedo de falar ii) tratava-se

de um sacrifico puacuteblico uma das raras ocasiotildees para o cidadatildeo pobre comer carne 17 Nas refeiccedilotildees costumava-se limpar as matildeos com bolinhas de miolo de patildeo que depois eram jogadas aos catildees 18 Jogo de palavras entre catildeo (κυνὸς) e macaco com cara de catildeo espeacutecie de babuiacuteno (κυνοκέφαλος)

Sommertein (1981 166) aventa que tambeacutem poderia se tratar de um epiacuteteto para criaturas monstruosas e

miacuteticas como o catildeo Ceacuterbero Assim o texto insinuaria a comparaccedilatildeo de Cleatildeo com o monstro 19 O iniacutecio da primavera ocorria antes da chegada das andorinhas e era tambeacutem o tempo de se colher urtigas

planta com valor medicinal

198

numa onda com ventos favoraacuteveis e quanto a vocecirc que tal se for prlsquoaquele lugar

Es E quanto a mim se acontecer de entrar aacutegua ficarei de olho no poratildeo

Pa Ah Minha Demeacuteter O fulano escaparaacute assim Depois de tanto dinheiro 435

que vocecirc roubou dos atenienses

Es Atenccedilatildeo Alccedilar vela

que o vento do sudeste jaacute sopra ou eacute o vento do sicofanta

Ag E vocecirc sei muito bem que recebeu em Potideu20

dez talentos

Pa E daiacute Quer um deles pra calar o bico

Es Homem Eu aceitaria com prazer Soltar as cordas 440

O vento se acalma

Pa Vai sobrar processos pra vocecirc

Quatro de cem talentos cada um

Ag E vocecirc teraacute vinte por deserccedilatildeo

e mais mil por roubo

Pa E eu digo que vocecirc vem dessa gentalha 445

que cometeu sacrileacutegio contra a deusa21

Ag E eu digo que teu avocirc foi um

guarda-costas

Pa Fazendo o quecirc Diga

Ag da Corina mulher do Hiacutepias22

20 Potideu era colocircnia de Corinto situada na Caacutelcis sendo um ponto estrateacutegico para os atenienses 21 Aristoacutefanes faz alusatildeo ao episoacutedio em que Ciacutelon tentou dar um golpe de Estado com o fracasso ele e seus

partidaacuterios se refugiaram perto da estaacutetua de Atena onde foram massacrados a mando da famiacutelia dos

Alcmeocircnidas 22 Ao inveacutes de Mirrina nome da mulher de Hiacutepias e nora de Pisiacutestrato o poeta faz um jogo de palavras com

alusatildeo aos negoacutecios de couro de Cleatildeo

199

Pa Vocecirc eacute um trambiqueiro

Ag E vocecirc um trapaceiro 450

Es Pau nele Seja macho

Pa Ai Ai

Os conspiradores estatildeo me espancando

Es Pau nele Seja ainda mais macho

Daacute-lhe um soco no estocircmago bem nas tripas

e nas entranhas 455

de modo a machucar o homem

Co Oh a mais nobre das carnes De todas a mais valorosa

Vocecirc que se mostra salvador da cidade e dos cidadatildeos

com que habilidade dominou bem o homem no falatoacuterio

de que modo poderiacuteamos encontrar tantos elogios para exprimir a vocecirc nossa

[alegria 460

200

Cavaleiros ndash agon II (vv 756-941)

Co Nesse exato momento eacute preciso que vocecirc solte a liacutengua23

756

e traga uma coragem impetuosa e argumentos embaraccedilosos

para passar por cima desse aiacute24

Pois eacute um patife o homem

e (durante) na hora dos apuros eacute haacutebil em proporcionar saiacutedas

Por isso que vocecirc vaacute pra valer e impetuosamente contra o fulano 760

Mas fique de olho E antes que ele se agarre em vocecirc (agarre) vocecirc primeiro

e iccedila os golfinhos25

e emparelhe o barco

Pa Agrave padroeira Atena agrave protetora da cidade

faccedilo uma prece se entre o povo ateniense eu me mostrei

o melhor homem apoacutes Liacutesicles Cina e tambeacutem Salabaco26

765

23 Trata-se de um proveacuterbio ndash lanccedilar ou soltar todas as amarras todas as velas 24 Referecircncia a Plafagocircnio 25 Massa de chumbo em forma de golfinho utilizada como arma para afundar os navios inimigos (Lavedan

1931 319) 26 Liacutesicles era um mercador de ovelhas Cina e Salabaco eram duas cortesatildes (Coulon V e Van Daele H Les

Cavaliers 1967 113)

201

como agorinha sem ter nada feito que eu possa jantar no Pritaneu27

Mas se te odeio e por ti natildeo luto resistindo sozinho

que eu morrae seja cerrado ao meio e cortado em tiras

AgQuanto a mim Povo se natildeo te amo e nem te prezo que eu seja cortado em pedaccedilos

para ser acompanhado de um cozido Se vocecirc natildeo se convenceu dessas

[coisas 770

que eu seja cortado em pedaccedilos sobre isso aiacute28 num guisado de carne alho azeitonas

[pretas e queijo e com um gancho que eu seja arrastado pelo saco ateacute o Ceracircmico29

PaE de onde surgiria um cidadatildeo que te amasse mais do que eu Povo

De modo que em primeiro lugar quando eu deliberava designei a vocecirc muito [dinheiro

dos cofres puacuteblicos estrangulando uns sufocando outros e cobrando uma parte de

[outros 775

natildeo se preocupando com nenhum dos cidadatildeos humildes desde que eu te alegrasse

Ag Isso Povo natildeo eacute nada de extraordinaacuterio Pois eu tambeacutem posso te fazer isso

Passo a matildeo nos patildees dos outros para oferecer a vocecirc

Ele natildeo ama vocecirc nem eacute benevolente com vocecirc Eacute isso mesmo antes de mais nada

[vou provar a vocecirc

a natildeo ser por uma uacutenica razatildeo tirar proveito de seu forno30 780

Pois vocecirc que contra os Medos cruzou espadas em interesse do paiacutes em Maratona31

E com a vitoacuteria nos permitiu exaltar a liacutengua magnificamente Ele natildeo se preocupou com vocecirc sentado assim duramente sobre essas pedras

Natildeo eacute como eu que trago isso32 que costurei para vocecirc Entatildeo se levante

e em seguida sente-se no macio para que natildeo a raspe mais em Salamina33 785 Po Homem quem eacute vocecirc Eacute filho de algum daqueles dos Harmoacutedios34

Isso eacute sem duacutevida de sua parte uma atitude sinceramente nobre e amiga do povo

PaEacute assim a partir de pequenas bajulaccedilotildees que vocecirc mostra a ele sua benevolecircncia

AgE vocecirc que o persuadiu com engodos mais mediacuteocres do que esses Pa E com certeza se em algum lugar apareceu um homem que mais

[defendeu o povo 790

27 De acordo com Glotz (1980 15-16) o Pritaneu era um edifiacutecio onde estavam sediados o chefe ou os chefes da

cidade o priacutetane ou o comitecirc dos priacutetanes 28 Na interpretaccedilatildeo de Van Daele H (Les Cavaliers 1967 114) trata-se de uma mesa 29 O Ceracircmico era um territoacuterio situado a noroeste da agora fora das muralhas de Atenas cuja atividade era a

olaria Tornou-se o maior cemiteacuterio da polis e na parte interna das muralhas praticava-se a prostituiccedilatildeo

(Harvey 1998 109) 30 Expressatildeo que em portuguecircs equivale agrave expressatildeo viver agrave custa de algueacutem 31 Os persas povo indo-europeu cujo chefe substituiu o rei medo eram chamados de medos Maratona cidade

aacutetica a 35Km a noroeste de Atenas ficou famosa pela batalha em 490 aC contra os Persas (Harvey 1998

324) 32 Pelo contexto o pronome refere-se a uma almofada 33 Na interpretaccedilatildeo de Van Daele H (Les Cavaliers 1967 114) trata-se da naacutedega dolorida que remou na batalha

de Salamina Esta eacute uma ilha separada da costa sudoeste da Aacutetica por um canal estreito nas proximidades do

porto Pireu Nesse local em 480 aC os gregos derrotaram a frota de Xerxes rei persa (Harvey 1998 452) 34 Harmoacutedios juntamente com Aristogiacuteton matou Hiparco irmatildeo do tirano de Atenas Hiacutepias e foi condenado agrave

morte (Harvey 1998 260)

202

ou que mais amou vocecirc do que eu eu quero apostar minha cabeccedila AgVocecirc o ama de que maneira Eacute o oitavo ano que vocecirc o vecirc

[morar em barrisem pequenos ninhos de abutres e tambeacutem em torrinhas e nem tem doacute

E depois de apertaacute-lo vocecirc ainda o espreme E quando Archeptoacutelemo35

traz

a paz vocecirc dispensa e os embaixadores escorraccedila 795

da cidade a pontapeacutes por causa das treacuteguas que eles propotildeem PaEacute para que ele governe a todos os gregos Pois estaacute nos oraacuteculos

36

que ele deve se tornar um dia heliasta na Arcaacutedia por cinco oacutebolos

se tiver paciecircncia Em todo caso eu o alimentarei e cuidarei dele

descobrindo por bem ou por mal de onde ele vai ter o trioacutebolo37

800

AgPor Zeus natildeo eacute apenas para que ele governe a Arcaacutedia que vocecirc estaacute se precavendo

[mas tambeacutem para que agrave vontade

vocecirc possa pilhar e se corromper com presentes das cidades E que o Povo

com a guerra e com a fumaccedila natildeo se decirc conta de teus delitos

Mas por necessidade e ao mesmo tempo pelo uso do salaacuterio fique boquiaberto com

[vocecirc

Um dia ao partir para o campo possa ele38

passar o tempo em paz 805

comendo espigas de trigo assadas e possa retomar a confianccedila e avanccedilar na

[conversa (comendo) bagaccedilo de uva ou azeite

eacute que vai saber quantas coisas boas vocecirc rouba dele com o pagamento da tropa39

E depois um agricultor rude seguindo a pista de cascalho viraacute ateacute vocecirc e contra

[vocecirc

de modo que vocecirc sabendo isso engana-o com sonhos40

que teve com ele

Pa Mas natildeo eacute terriacutevel essas coisas que vocecirc diz a ponto de me difamar 810

35 Archeptoacutelemo era um oligarca e com a queda do regime oligaacuterquico foi condenado agrave morte (Glotz 1980

211) 36 O oraacuteculo (mantecircion) era a resposta dada por determinadas divindades geralmente por intermeacutedio de um

sacerdote ou sacerdotisa O pronunciamento oracular era quase sempre obscuro ambiacuteguo passiacutevel de

interpretaccedilatildeo conforme o interresse (Harvey 1998 364-365) 37 Peacutericles criou o pagamento aos juiacutezes (misthograves) que correspondia a trecircs oacutebolos diaacuterios(Mosseacute 1985 38) 38 Refere-se agrave personagem Povo 39 Atenas possuiacutea duas instituiccedilotildees importantes a Assembleacuteia (Ekklesia) e o Conselho (Boule) A primeira era

soberana tanto em mateacuteria de poliacutetica interna quanto poliacutetica externa Todas as questotildees militares e navais

eram discutidas e deliberadas pela Assembleacuteia A Boulecirc tambeacutem intervinha em assuntos financeiros de ordem

interna e externa sobretudo no que dizia respeito agrave cavalaria Tudo era submetido agrave aprovaccedilatildeo dos bouleutai votavam a lista de cavaleiros avaliavam a alimentaccedilatildeo dos cavalos por parte dos cavaleiros que poderiam

sofrer sanccedilotildees financeiras dispensava cavalos matreiros etc (Glotz 1980 135 160 161) 40 A traduccedilatildeo ao peacute da letra eacute engana-o e sonha com ele Segundo Sommerstein (1981 187) Cleatildeo dizia que

para justificar e defender sua poliacutetica na Assembleacuteia um sonho o aconselhou

203

diante dos atenienses e do Povo Eu que prestei mais serviccedilos ndash

ndash Por Demeacuteter ndash do que Temiacutestocles41 agrave cidade Sim muito mais ateacute hoje

AgOacute cidade de Argos estaacute ouvindo as coisas que ele diz Vocecirc estaacute se comparando a

[um Temiacutestocles

que tornou nossa cidade plena depois de encontraacute-la pela metade

Aleacutem disso no almoccedilo uniu o Pireu42 agrave cidade 815

e sem privaacute-la de nada de antigamente serviu-lhe peixes frescos43

E vocecirc procurou mostrar os atenienses como cidadatildeos de uma cidadezinha separando-os por um muro e pronunciando oraacuteculos e opondo-se a Temiacutestocles44

E ele45 estaacute exilado de nossa terra enquanto que vocecirc enxuga os dedos com patildeo de

[qualidade

PaMas natildeo eacute terriacutevel Povo que eu ouccedila essas coisas desse fulano 820

soacute porque te amo

Po Pare homem E natildeo o insulte com coisas inuacuteteis

Haacute muito e muito tempo e ainda hoje sem que eu percebesse vocecirc se manteacutem [escondido

Ag Eacute um salafraacuterio oacute querido povinho e fez inuacutemeras coisas perversas

Enquanto vocecirc fica boquiaberto

ele arranca ateacute o talo as prestaccedilotildees de contas dos magistrados46 825

e as devora E com as duas matildeos

ele toma de colherada as coisas puacuteblicas

PaNatildeo vai ficando alegrinho Mas que vocecirc roubou

trinta mil dracmas eu vou te provar AgPor que vocecirc daacute murro em ponta de faca e fala seco e estridente 830

Vocecirc que eacute o maior salafraacuterio quando o assunto eacute o povo

ateniense E vou te mostrarndash por Demeacuteter ndash nem que eu morra ndashque recebeu de Mitilene

41 Temiacutestocles era um homem puacuteblico estadista que exerceu a poliacutetica como arconte e depois como estratego

Em 483 a pedido de Temiacutestocles destinou-se o dinheiro proveniente das minas de prata do Laacuteurion para

equipar a esquadra ateniense a mesma que conquistaria a vitoacuteria de Salamina batalha naval entre gregos e

persas (Glotz 1980 169 278) 42 Porto principal de Atenas distante a 8 km ao sul da poleis (Harvey 1998 383 384) Esse fato de o Pireu ter

sido ligado agrave cidade estaacute documentado em Plutarco Vidas Paralelas II ndash Tuciacutedides 19 4 43 Aristoacutefanes emprega nesse trecho uma metaacutefora gastronocircmica Temiacutestocles foi o responsaacutevel pelo

aprimoramento da atividade naval beacutelica de Atenas atividade essa comparada agrave culinaacuteria no caso a atividade

de pesca Entende-se que como recurso cocircmico Aristoacutefanes se valeu da eficiecircncia dessa esquadra que

garantia aos atenienses aleacutem da defesa por mar tambeacutem as refeiccedilotildees tal esquadra natildeo soacute era eficiente na

guerra mas tambeacutem na pescaria 44 Considerando o recurso cocircmico da invectiva pessoal Aristoacutefanes ataca a poliacutetica de Cleatildeo que deveria ter sido

inversa agrave poliacutetica de Temiacutestocles Enquanto este defende a poleis aperfeiccediloando sua esquadra por exemplo

aquele ergue muralhas e se vale das respostas oraculares para lograr o povo 45 Temiacutestocles acusado de traiccedilatildeo por Leobotes do vilarejo de Agraule o ostracismo foi uma maneira que seus

adversaacuterios encontraram para acabar com seu prestiacutegio e autoridade Temiacutestocles foi expulso da cidade e exilado em Argos (Plutarco Vidas Paralelas II Them 22 23)

46 Cleatildeo era membro da Assembleacuteia e a esta cabia i) as relaccedilotildees exteriores ii) o poder legislativo iii) a parte

poliacutetica do poder judiciaacuterio iv) o controle do executivo isto eacute nomeaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de todos os

magistrados (Glotz 1980 135)

204

pelo menos quarenta minas47

835 CoOacute vocecirc que se mostrou um grande benfeitor para todos os homens

Eu te invejo a eloquumlecircncia Pois se vai atacar dessa maneiraseraacute o maior dentre os gregos e sozinho vai dominarna cidade dos aliados e vai governar com o tridente de Posidatildeo

com o qual vocecirc vai ganhar muito dinheiro tremendo e removendo a terra48

840

E que vocecirc natildeo deixe o homem escapar jaacute que ele te deu mole

Pois vocecirc vai arruinaacute-lo facilmente com essas suas costas Pa Natildeo gente boa as coisas ainda natildeo chegaram a isso por Posidatildeo

Pois haacute comigo quando trabalhei um tal negoacutecio a ponto defechar a boca de todos os meus inimigos juntos 845

enquanto restar algo dos escudos de Pilos Ag Mantenha o pensamento parado nos escudos Com certeza vocecirc me deu uma deixa

Pois natildeo precisava se eacute verdade que vocecirc ama o Povo de caso pensado

permitir que eles fossem suspensos por seus boldrieacutes

Mas isso Povo eacute um estratagema para que caso vocecirc queira 850

castigar o homem esse fulano aiacute49

que isso natildeo aconteccedila com vocecirc

Vocecirc estaacute vendo proacuteximo a ele uma multidatildeo de jovens

[comerciantes de curtume

e vivem em volta deles os comerciantes de mel

e de queijo Isso eacute um bando de conspiradores

De modo que se vocecirc rosnasse de raiva e condenasse ao ostracismo jogando cara ou

[coroa com conchas de ostra 855

agrave noite eles correriam para despregar os escudos

e impedir a entrada de nosso trigo Po Como sou desgraccedilado Entatildeo eles tecircm os boldrieacutes Desgraccedilado

Haacute quanto tempo vocecirc estava enganando a mim e ao povo dessa maneira Pa Oh gente boa natildeo ligue para o que ele fala nem pense 860

que vai encontrar em algum lugar um amigo melhor do que eu que fui o uacutenico

47 Os mitilenenses foram acusados de traiccedilatildeo e mereceram um castigo exemplar Primeiramente a assembleacuteia

decidiu que todos os homens e adultos seriam mortos e as mulheres e crianccedilas reduzidas agrave escravidatildeo Mas

posteriormente a proposiccedilatildeo do orador Dioacutedoto prevaleceu por iacutenfima maioria na Assembleacuteia e os habitantes

de Mitilene foram poupados Cleatildeo contudo conseguiu a divisatildeo do territoacuterio da cidade em lotes tornando os mitilecircnios arrendataacuterios da terra (Mosseacute 1979 69)

48 Aleacutem de deus do mar Posidatildeo tambeacutem era deus dos movimentos do solo deus da vegetaccedilatildeo e deus social e

poliacutetico Os golfinhos e o tridente satildeo seus siacutembolos (Lavedan 1931 778 976) 49 Refere-se a Plafagocircnio

205

que acalmou os conspiradores e nada me costumava escapar

na poleis quando fazia parte na assembleacuteia Entatildeo imediatamente eu gritava Ag Vocecirc sofre como os que pescam enguias

quando o lago estaacute calmo eles nada pegam 865

mas se remexem o lodo de baixo para cima

as agarram Vocecirc tambeacutem mete a matildeo quando revira a cidade

A propoacutesito me responda isso vendendo tanta pele de animal

vocecirc jaacute deu a esse aiacute50

um pedaccedilo de couro seu

para os sapatos dele Vocecirc que vive declarando que o ama 870 Po Claro que natildeo por Apolo Ag Sem duacutevida entatildeo vocecirc reconhece quem eacute ele Pois eu

estou dando a vocecirc esse par de sapatos que comprei para vocecirc pocircr Po Eu considero vocecirc de todos que conheci quando o assunto eacute o Povo o melhor

[homem

e o mais dedicado agrave cidade e aos meus dedos do peacute Pa Natildeo eacute revoltante ora essa que um par de sapatos tenha tanto poder 875

E quanto a mim nada de ter lembranccedila de quanto vocecirc sofria Eu que

reprimi a veadagem riscando Gritos da lista de cidadatildeos51

Ag Pois isso sim eacute revoltante Vocecirc deu para fiscalizar o rabo ―alheio

e acabar com a bichice Natildeo eacute possiacutevel que

sem ter inveja deles vocecirc os reprimiu para que natildeo se tornassem oradores 880

E este aqui vocecirc viu sem tuacutenica (estando) nessa idade

e nunca vocecirc julgou o Povo digno de uma tuacutenica com mangas

50 Refere-se ao Povo 51 Trata-se de um caso de atimiacutea ou degradaccedilatildeo ciacutevica Se condenado por atimiacutea o cidadatildeo era privado

provisoriamente ou definitivamente dos direitos ciacutevicos por exemplo participar da Assembleacuteia (Glotz 1980

127 211) Segundo Mosseacute (1985 30 31) o cidadatildeo aleacutem de ter a privaccedilatildeo dos direitos poliacuteticos era exilado e soacute voltaria ao final de dez anos para retomar seus direitos perante a polis O objetivo da lei era evitar que o

cidadatildeo em proveito proacuteprio se tornasse um tirano Homens como Xantipo ou Aristides ou Temiacutestocles todos

devotados agrave democracia foram penalizados com o ostracismo porque abusaram do poder poliacutetico a eles

confiado em nome do grande prestiacutegio e da confianccedila do povo

206

quando era inverno Mas eu te dou essa aquiPo Taiacute algo que Temiacutestocles nunca imaginou

E o Pireu Aquilo foi engenhoso com certeza Mas na minha opiniatildeo 885

nem eacute tatildeo grande quanto agrave invenccedilatildeo da tuacutenica que vocecircs mostram Pa Como sou infelizVocecirc estaacute me enrolando com essas micagens Ag Natildeo Mas como o homem beberratildeo que sofre cada vez que tem vontade de ir ao

[banheiro

empresto essas suas maneiras de se inclinar como as de se calccedilar as sandalinhas52

Pa Mas vocecirc natildeo vai me vencer com bajulaccedilotildees Pois eu 890

vou cobrir vocecirc com isso aqui53

Grita miseraacutevel Po Aiaiai

Por que vocecirc natildeo vai se danar Mas que cheiro horriacutevel de pele de couro Ag Isso eacute de propoacutesito era para te embrulhar e te sufocar

E mais de uma vez ele tramou contra vocecirc Vocecirc se lembra daquele tronco

de siacutelfio54

que apareceu com um preccedilo baratinho 895

Po Claro que lembro

Ag Foi de propoacutesito Esse aiacute queria que ele tivesse um preccedilo baratinho

para que vocecircs comprassem e comessem E depois no tribunal

os juiacutezes se matassem uns aos outros com os peidos Po Por Posidatildeo Um fulano de Peidoacutepolis

55 me disse isso

Ag Pois natildeo eacute entatildeo que vocecircs os peidorreiros eu suponhoficaram ruborizados 900 Po Por Zeus Isso era invenccedilatildeo do Ruivatildeo

56

Pa Ah malandro Vocecirc estaacute me perturbando com tais mexericos

52 Na Greacutecia Claacutessica durante o banquete os convivas faziam as refeiccedilotildees deitados sobre um tipo de divatilde

(Lavedan 1931 825) As figuras em vaso mostram que os convivas se deitavam descalccedilos Aristoacutefanes nessa

passagem ridiculariza a posiccedilatildeo de se pegar os calccedilados 53 Pelo contexto trata-se de um manto de couro 54 Era uma planta encontrada fora de Atenas oriunda de Cirene Seu caule era usado para fins nutricionais e

terapecircuticos (Teofrasto Historia de las plantas 612) 55 O vocaacutebulo grego κόπρειος tem dois significados i) excremento ii) vilarejo situado nas proximidades de

Elecircusis Para manter o jogo de sentido pensei em traduzir por Peidoacutepolis Merdoacutepolis ou qq coisa do tipo 56 No original Pirrandro era um nome proacuteprio comum em Atenas e possuiacutea uma etimologia composta de

πυρρος e ἀνήρ que significa homem vermelho ie de cabelos ruivos Segundo Coulon amp Daele (Les

Cavaliers 1967 119) presume-se apoacutes essa passagem que Cleatildeo era ruivo

207

Ag A deusa me encorajou para eu vencer vocecirc no falatoacuterio Pa Mas natildeo vai me vencer Pois eu digo que vou fornecer a vocecirc

Povo sem fazer nada uma tigela de salaacuterio para engolir 905 AgEu dou a vocecirc um potinho e tambeacutem remeacutedio

para passar nos machucados da canela Pa E eu arrancando seus cabelos grisalhos vou fazer de vocecirc um jovem Ag Toma Pegue o rabo da lebre para enxugar bem seus dois olhinhos Pa Depois de assoar o nariz Povo limpa na minha testa 910 Ag Natildeo na minha Pa Natildeo na minha

Eu farei vocecirc se tornar um trierarca57

gastando dinheiro

e o seu Com um barco velho

no qual vocecirc natildeo vai parar de gastar 915

nem de fazer reparaccedilotildees

E eu vou fazer de tudo para que

vocecirc receba um mastro podre Co O fulano estaacute fervendo Chega chega

Que estaacute transbordando Eacute preciso tirar 920

umas tochinhas e acabar

as ameaccedilas com isto aqui PaVai me pagar caro

Sendo esmagado pelos impostos

porque eu no meio dos ricos 925

57 O trierarca era o comandante de um trirremo navio de guerra Eram designados pelo estratego O trierarca

pertencia a instituiccedilatildeo da poleis chamada trierarquia (Lavedan 1931 976-978)

208

farei de tudo para que vocecirc seja inscrito [entre os ricos]58

Ag Entatildeo natildeo vou mais fazer ameaccedilas

mas peccedilo a vocecirc o seguinte

uma panela com lulas

coloque para fritar 930

e ndash estando vocecirc na condiccedilatildeo de pedir um julgamento a respeito

dos Mileacutesios59

para ganhar

um talento se conseguir ndash

vocecirc com vontade de se fartar ao maacuteximo de lulas

chegue ainda a tempo de 935

ir agrave assembleacuteia Depois

antes que vocecirc comece a comer que um fulano venha a sua procura

e vocecirc querendo receber o talento

e comendo ao mesmo tempo

engasgue 940 Co Muito bem Por Zeus por Apolo e por Demeacuteter

58 Cleatildeo teria aumentado os impostos a uma contribuiccedilatildeo de 200 talentos o que atingiu sua popularidade Trata-

se de um imposto com fins beacutelicos pago por fortunas atenienses (Lavedan 1931 538-539) 59 Os Mileacutesios eram habitantes da cidade de Miacuteletos Cidade iocircnica com o melhor porto da Asia Menor Os

Mileacutesios participaram decisivamente da revolta iocircnica contra a Peacutersia Em 494 aC sitiada pelos persas seus

habitantes foram levados para Susa Em 479 a cidade teve uma segunda fundaccedilatildeo e juntou-se a Confereraccedilatildeo

Deacutelia e revoltou-se contra Atenas em 412 Era um centro industrial de latilde considerada a melhor do mundo

antigo (Harvey 1998 340-341)

209

Nuvens ndash agon I (vv 949-1104)

CORO (Estrofe) Agora ambos vatildeo demonstrar confiados em raciociacutenios

habiliacutessimos [955] pensamentos e reflexotildees sentenciosas qual dos dois parece o melhor orador

Aqui se arrisca toda a sorte da sabedoria pela qual os meus dois amigos travam o combate supremo

Corifeu (Voltando-se para o Justo)

Mas vocecirc que coroou os antigos com tantos costumes honrados diga as palavras que lhe agradam [960] e fale

sobre a sua natureza

JUSTO Entatildeo vou contar como era a educaccedilatildeo antiga quando eu florescia dizendo o que eacute

justo e a prudecircncia era considerada Em primeiro lugar natildeo se devia ouvir um menino cochichar nem um a

depois os moradores de um mesmo bairro andavam pelas ruas bem disciplinados indo agrave casa do professor de

ciacutetara sem mantos e em fila ainda que nevasse neve farinhenta O professor por sua vez comeccedilava ensinando-

os a cantar com as coxas bem apartadas ou Palas terriacutevel destruidora de cidades ou um som longiacutefero

sustentando os acordes transmitidos pelos pais [970] E se algum deles se fazia de bobo ou modulava uma

modulaccedilatildeo de voz como essas de hoje agrave moda de Friacutenis tatildeo difiacuteceis de modular era moiacutedo de muitas pancadas

como se estivesse prejudicando as Musas Na casa do professor de ginaacutestica os meninos deviam sentar-se com

as pernas esticadas para a frente para natildeo mostrar nenhuma [975] indececircncia aos estranhos de outro lado ainda

quem se levantava devia aplainar a areia tomando a precauccedilatildeo de natildeo deixar aos amantes nenhum vestiacutegio de

sua mocidade Naquele tempo nenhum menino costumava untar-se debaixo do umbigo e assim sobre os

genitais florescia uma penugem orvalhada como num fruto e ningueacutem molhava e [980] amolecia a voz para

aproximar-se do amante prostituindo-se a si mesmo com os olhos Nos jantares natildeo era permitido servir-se da

cabeccedila do rabanete nem roubar a erva-doce ou selino dos velhos nem se devia comer gulodices dar gargalhadas

ou ficar de pernas cruzadas

INJUSTO Chi Satildeo velharias do tempo das Dipolias coisas cheias de cigarras de Cecides e de

Bufocircnias [985] Mas na realidade foi com essas coisas que a minha educaccedilatildeo criou os homens guerreiros de

Maratona Mas vocecirc desde logo ensina as crianccedilas de hoje a se embrulharem em mantos e eu sufoco de raiva

quando algueacutem precisando danccedilar nas Panateneacuteias segura o escudo diante do sexo sem respeitar a Tritogeneacuteia

(Voltando-se para Fidiacutepides) Em vista disso coragem meu rapaz

210

[990] Escolha-me a mim o raciociacutenio forte E

vocecirc aprenderaacute a detestar a agora a abster-se dos balneaacuterios a ter vergonha do que eacute vergonhoso e a pegar fogo

se algueacutem o insultar Aprenderaacute tambeacutem a erguer-se da cadeira quando se [995] aproximam os velhos a natildeo ser

estuacutepido com os seus pais e a natildeo fazer nenhuma outra accedilatildeo vergonhosa porque procura realizar a imagem do

pudor E natildeo iraacute correndo agrave casa de uma danccedilarina ficando de boca aberta diante do espetaacuteculo para receber

uma maccedilatilde de alguma rameirinha e ter a sua boa reputaccedilatildeo despedaccedilada Tambeacutem natildeo retrucaraacute ao seu pai

chamando-o de velho Japeto e censurando-o pela sua velhice graccedilas agrave qual vocecirc foi criado como um

filhotinho

INJUSTO ( A Fidiacutepides)

[1000] Meu rapaz se vocecirc lhe obedecer nisso sim por Dioniso pareceraacute aqueles porcos-filhos de Hipoacutecrates

e vatildeo chamaacute-lo de filhinho da mamatildee

JUSTO

Mas entatildeo esplecircndido como uma flor vocecirc passaraacute o tempo nos ginaacutesios natildeo ficaraacute parolando pela agora

a respeito de arguacutecias espinhosas como a mocidade de hoje arrastado aos tribunais por um negocinho cheio de

chicanas e contradiccedilotildees [1005] capciosas Descendo agrave Academia apostaraacute corrida debaixo das oliveiras

sagradas com um rapaz ajuizado e da mesma idade coroado com uma verde cana rescendendo a hera

serenidade e choupo branco no cair das borbulhas alegre na estaccedilatildeo primaveril quando o plaacutetano troca doces

murmuacuterios com o olmo

[1010] Se fizer o que eu digo e atentar nesses conselhos teraacute sempre peito robusto cores brilhantes ombros

largos liacutengua curta [1015] quadris grandes e membro pequeno

Mas se praticar os haacutebitos de hoje logo teraacute pele paacutelida ombros estreitos peito acanhado liacutengua grande quadris

pequenos membro comprido e longos decretos E ele persuadiraacute vocecirc a pensar que tudo que eacute [1020]

vergonhoso eacute belo e o belo vergonhoso

E aleacutem disso vai sujaacute-lo com a devassidatildeo de Antiacutemaco

211

CORO

[1025] (Antiacutestrofe) Cultor da gloriosa sabedoria de altivas tornes que doce e prudente flor repousa

em suas palavras Felizes sim os que viviam nos tempos de outrora Em resposta vocecirc que possui

[1030] uma arte de fina elegacircncia algo de novo deve dizer pois o homem se saiu muito bem

CORIFEU (A O Injusto)

Parece que contra ele vocecirc precisa de resoluccedilotildees terriacuteveis se pretende vencer o rival sem [1035] expor-se

ao ridiacuteculo

INJUSTO

E no entanto haacute bem tempo eu eacute que sufocava ateacute as entranhas e desejava revirar tudo isso com

argumentos contraacuterios Pois no meio dos pensadores chamaram-me o raciociacutenio fraco [1040] por isso

mesmo porque fui o primeiro a pensar em contradizer as leis e a justiccedila Eis aiacute o que vale muito dinheiro

escolher os raciociacutenios fracos e apesar disso vencer

( A Fidiacutepides) Observe como vou refutar essa educaccedilatildeo em que ele acredita ele que afirma em primeiro

lugar que vocecirc natildeo teraacute licenccedila de tomar banho quente (Volta-se para o Justo) [1045] Mas com que

fundamento vocecirc censura os banhos quentes

JUSTO

Porque satildeo uma coisa peacutessima e tornam o homem covarde

INJUSTO

Pare Pois jaacute o agarrei pela cintura e natildeo o deixo escapar Diga-me dentre os filhos de Zeus qual eacute o

homem que vocecirc julga de alma mais valorosa Diga-me quem suportou as maiores fadigas

JUSTO

[1050] Natildeo julgo nenhum homem superior a Heacutercules

INJUSTO

Pois entatildeo vocecirc jaacute viu alguma vez banhos de Heacutercules que sejam frios Ora quem era mais corajoso

JUSTO

Eacute isso eacute isso mesmo que enche os balneaacuterios de jovens que tagarelam sem cessar o dia inteiro enquanto as

palestras ficam vazias

212

INJUSTO

[1055] E depois vocecirc censura a discussatildeo na aacutegora e eu a elogio Se houvesse algum mal Homero nunca

teria feito de Nestor um discurseiro nem de todos os saacutebios Daiacute entatildeo passo para a liacutengua esse fulano diz que

os jovens natildeo devem exercitaacute-la e eu digo que sim De outro lado ele [1060] diz que se deve ser modesto Dois

grandes males Vocecirc jaacute viu algueacutem ganhar alguma coisa com a modeacutestia Fale refute-me com palavras

JUSTO

Muita gente Pois natildeo foi por isso que Peleu recebeu o seu cutelo

INJUSTO

Cutelo Grande lucro teve o desgraccedilado [1065] Hipeacuterbolo aquele das lamparinas ganhou com a sua

falta de vergonha mais do que muitos talentos e natildeo um cutelo por Zeus

JUSTO

E Peleu graccedilas agrave sua modeacutestia desposou Teacutetis

INJUSTO

E logo ela passou-o para traacutes e foi-se embora pois ele natildeo era nem fogoso e nem agradaacutevel para festejar as

noites debaixo das cobertas E [1070] uma mulher gosta de sofrer violecircncias Vocecirc eacute um velho sendeiro

( A Fidiacutepides) Meu rapaz observe tudo que existe na modeacutestia e de quantos prazeres vocecirc deve privar-se

meninos mulheres jogos de coacutetabo alimentos bebidas gargalhadas Ora de que lhe valeraacute a vida se [1075]

focircr privado de tudo isso Bem passarei agraves necessidades naturais Vocecirc agiu mal ficou apaixonado e praticou um

adulteacuterio mas foi apanhado Vocecirc estaacute perdido pois natildeo eacute capaz de falar Conviva comigo e goze a vida salte

ria e natildeo ache nada vergonhoso Pois se acaso focircr apanhado em flagrante adulteacuterio vocecirc diraacute ao marido [1080]

o seguinte que natildeo tem culpa nenhuma Depois trate de jogar a culpa em Zeus porque ele tambeacutem eacute mais fraco

do que o amor e que as mulheres Ora como eacute que vocecirc um mortal poderia ser mais forte do que um deus

JUSTO

Quecirc E se por ter acreditado em vocecirc lhe enfiarem um rabanete no rabo e o esfolarem com cinza Ele teraacute

algum argumento para afirmar que natildeo eacute um esculhambado

213

INJUSTO

[1085] E se focircr um esculhambado que haveraacute de mal

JUSTO

Pois que desgraccedila ainda maior do que essa ele poderia sofrer um dia

INJUSTO

E entatildeo que diraacute vocecirc se focircr derrotado por mim nesse particular

JUSTO Calarei a boca Que mais

INJUSTO

Entatildeo diga-me vamos os advogados puacuteblicos onde eacute que vamos buscaacute-los

JUSTO

[1090] Nos esculhambados

INJUSTO

Acredito E os traacutegicos onde

JUSTO

Nos esculhambados

INJUSTO

Tem razatildeo E os oradores

JUSTO

Nos esculhambados

INJUSTO

[1095] Estaacute aiacute entatildeo natildeo reconhece que diz tolices

Observe no meio dos espectadores qual eacute a maioria

JUSTO Sim estou observando

INJUSTO

E entatildeo que vecirc

JUSTO Pelos deuses os esculhambados satildeo mais numerosos (Mostrando ao acaso) Eis ali um bem [1 100] o conheccedilo e aquele ali e aquele

cabeludo que laacute estaacute

INJUSTO E entatildeo que diz vocecirc

JUSTO (Resignado) Fomos vencidos Oacute prostituiacutedos Pelos deuses recebam o meu manto que eu passo para seu lado (Entra no ―pensatoacuterio)

214

Nuvens ndash agon II (vv 1345-1451)

CORO

(Estrofe) Velho a sua tarefa eacute pensar em como sobrepujaacute-lo Se em algo ele natildeo confiasse tatildeo

atrevido natildeo haveria de ser Mas existe algo [1350] que lhe daacute coragem Bem visiacutevel eacute a sua

audaacutecia

CORIFEU

Mas por que comeccedilou a discussatildeo Eacute preciso dizecirc-lo diante do coro E vocecirc vai fazecirc-lo de qualquer maneira

ESTREPSIacuteADES

Bem vou contar por que comeccedilamos a discutir Pois enquanto banqueteaacutevamos como [1355] vocecircs sabem primeiro

mandei-o apanhar a lira para cantar uma poesia de Simocircnides sobre Crio e como foi tosquiado Ele disse-me que

era antiquado tocar ciacutetara e cantar na hora da bebida como uma mulher moendo cevada

FlDIacutePIDES

Pois nessa hora vocecirc natildeo merecia apanhar e ser pisado por mandar-me cantar como se tivesse [1360] convidado uma cigarra para jantar

ESTREPSIacuteADES

Ah eram essas mesmas as palavras que ele dizia laacute dentro afirmando que Simocircnides eacute mau poeta Eu embora a

custo apesar de tudo a princiacutepio contive-me Depois mandei-o apanhar ao menos um galho de mirto e recitar-

me alguma [1365] coisa de Eacutesquilo E ele logo disse Pois considero Eacutesquilo o maior poeta barulhento

incoerente empolado criador de palavras escarpadas Pensem entatildeo como o meu coraccedilatildeo palpitou de raiva

Todavia depois de engolir a coacutelera eu disse Bem cante alguma coisa desses modernos algumas dessas

belezas E ele logo cantou uma passagem de Euriacutepides ndash livre-nos Deus ndash sobre um irmatildeo que violentou a

proacutepria irmatilde Natildeo me contive mais e logo acometi com muitas palavras maacutes e injuriosas Daiacute [1375] entatildeo

como era natural opuacutenhamos palavra a palavra Depois ele daacute um salto fere-me espanca-me estrangula-me e

acaba comigo

215

FIDIacutePIDES

Entatildeo natildeo eacute justo jaacute que vocecirc natildeo elogia Euriacutepides o mais saacutebio

ESTREPSIacuteADES

O mais saacutebio Oacute de que chamar vocecirc Mas vou apanhar de novo

FlDIacutePIDES

Sim por Zeus e seraacute justo

ESTREPSIacuteADES

[1380] Justo E como Sem vergonha eu que o criei percebendo tudo que vocecirc queria dizer quando

balbuciava Se vocecirc dizia bru eu entendia e lhe oferecia de beber Quando pedia mamaacute aproximava-me para

dar-lhe comida Nem bem vocecirc dizia caca eu levava-o para fora da porta e segurava-o diante de mim Mas

vocecirc agora me estrangulava enquanto eu gritava e berrava que tinha vontade de aliviar-me [1390] Canalha nem

pensou em levar-me para fora e sufocado eu fiz a caca ali mesmo

CORO

(Antiacutestrofe) Creio eu datildeo saltos os coraccedilotildees [1395] dos jovens agrave espera do que ele vai dizer E se

ele que praticou esses crimes convencer o pai com suas tagarelices em troca da pele dos velhos eu

natildeo daria nem um gratildeo de bico

CORIFEU ( A Fidiacutepides)

Movimentador e sacudidor de palavras novas a sua tarefa eacute procurar um meio de convencer de que parece dizer

o que eacute justo

FIDIacutePIDES

Como eacute doce conviver com ideacuteias novas e [1400] engenhosas e poder desprezar as leis estabelecidas

Quando eu preocupava o meu espiacuterito soacute com a equitaccedilatildeo natildeo era capaz de dizer nem trecircs palavras sem errar Mas agora depois que ele em pessoa acabou com isso eu convivo com haacutebeis [1405] sentenccedilas palavras e

pensamentos e creio que posso provar que eacute justo castigar o pai

ESTREPSIacuteADES

Pois entatildeo por Zeus trate de andar agrave cavalo Que para mim eacute melhor sustentar uma quadriga de cavalos do

que apanhar e ser moiacutedo de pancadas

FIDIacutePIDES

Volto ao ponto em que vocecirc me cortou a palavra E antes vou dizer-lhe o seguinte quando eu era crianccedila

vocecirc me batia

ESTREPSIacuteADES

[1410] Sim porque tinha boas intenccedilotildees e cuidados por vocecirc

216

FlDIacutePIDES

Entatildeo diga-me natildeo eacute justo que eu tenha boas intenccedilotildees e da mesma forma lhe bata jaacute que ter boas

intenccedilotildees eacute bater Pois como eacute que o seu corpo deve sair ileso dos golpes e o meu natildeo E no entanto bem

que eu nasci livre As crianccedilas choram e pensas que um pai natildeo deve [1415] chorar Mas vocecirc diraacute que se

considera esse ato como proacuteprio das crianccedilas e eu responderei que os Velhos satildeo duas vezes crianccedilas e que eacute

natural que os velhos chorem mais do que os jovens tanto quanto eacute menos razoaacutevel que cometam erros

ESTREPSIacuteADES

[1420] Mas em lugar algum se admite que o pai sofra esse ultraje

FlDIacutePIDES

Acaso quem estabeleceu essa lei pela primeira vez natildeo foi um homem como vocecirc e eu que persuadiu aos antigos com suas palavras Entatildeo eacute menos razoaacutevel que eu de meu lado para o futuro estabeleccedila uma nova lei

para os filhos que [1425] por sua vez batam nos pais Todas as pancadas que costumaacutevamos receber antes de

ser estabelecida esta lei noacutes deixamos passar e lhes damos graacutetis para serem espancados Mas observe como

os galos e todos esses outros animais se vingam dos seus pais Ora em que diferem de noacutes senatildeo porque natildeo

redigem decretos

ESTREPSIacuteADES [1430] Jaacute que vocecirc imita os galos em tudo por que tambeacutem natildeo come esterco e natildeo dorme num poleiro

FIDIacutePIDES

Natildeo eacute a mesma coisa meu caro nem Soacutecrates aceitaria isso

ESTREPSIacuteADES

Se eacute assim natildeo me bata Senatildeo um dia vocecirc tambeacutem seraacute castigado

FIDIacutePIDES

Como

ESTREPSIacuteADES

Porque tenho direito de castigaacute-lo e vocecirc ao seu filho se o tiver

FlDIacutePIDES

[1435] E se eu natildeo tiver filhos Terei chorado em vatildeo e vocecirc jaacute estaraacute morto rindo diante do meu nariz

217

ESTREPSIacuteADES

Homens de minha idade penso que ele diz o que eacute justo Creio que se deve concordar com os filhos no que eacute

razoaacutevel Pois eacute natural que tambeacutem choremos se natildeo fazemos o que eacute justo

FlDIacutePIDES

Reflita ainda sobre um outro pensamento

ESTREPSIacuteADES [1440] Natildeo Pois vou morrer

FlDIacutePIDES

E provavelmente vocecirc natildeo ficaraacute com raiva depois de ter padecido o que estaacute padecendo agora

ESTREPSIacuteADES

Como Mostre-me qual o benefiacutecio que vocecirc poderaacute fazer-me

FlDIacutePIDES

Tambeacutem vou bater na minha matildee assim como lhe bati

ESTREPSIacuteADES

Que diz Que diz vocecirc Esse crime ainda eacute maior

FIDIacutePIDES

[1445] Por quecirc E se eu vencecirc-lo com palavras sustentando o raciociacutenio fraco de que se deve bater na matildee

ESTREPSIacuteADES

Que mais haacute de acontecer se vocecirc fizer isso [1450] Nada poderaacute impedi-lo de precipitar-se no Baacuteratro com

Soacutecrates e com esse tal raciociacutenio fraco (A o C o r o ) Nuvens eis o que estou sofrendo por vossa causa

porque vos confiei todos os meus problemas

CORO

Vocecirc mesmo foi o causador desses males [1455] quando se virou para a perversidade

ESTREPSIacuteADES

Por que entatildeo naquele tempo voacutes natildeo me dissestes isso e virastes a cabeccedila de um homem velho e ignorante

218

Vespas ndash agon I (vv 334 a 414)

Co Quem eacute o fulano que manteacutem vocecirc preso

agrave porta fechada Diga

pois vocecirc pode confiar nos amigos 335

Fi Meu proacuteprio filho Mas natildeo gritem Por acaso

ele estaacute dormindo aiacute na frente Abaixem a voz

Co Qual eacute a desculpa oh imprestaacutevel para ele querer te tratar assim

Que pretexto ele deu

Fi Ah senhores ele natildeo quer que eu seja juiz e nem que eu cometa injusticcedila 340

Em compensaccedilatildeo ele se dispotildee a me empanturrar mas eu natildeo quero

Co O perverso teve coragem de abrir a boca

esse demologocleatildeo60

porque vocecirc fala a verdade

sobre a questatildeo da frota

Natildeo seria permitido a esse fulano

de falar assim

natildeo fosse um assunto atual 345

Mas as coisas estando como estatildeo estaacute na hora de encontrar uma nova ideacuteia

que vai permitir vocecirc de descer daiacute sem o fulano perceber

Fi O que seria entatildeo Procurem vocecircs que eu farei qualquer coisa

tanto eacute o meu desejo de circular na frente da urna61

com as conchas de voto

Co Natildeo haacute um buraco aiacute dentro que vocecirc possa aumentar 350

para fugir disfarccedilado de mendigo como o sabichatildeo do Odisseus

Fi Estaacute tudo tampado Natildeo tem nem mesmo um furo suficiente pra deixar passar um

[mosquito

60 Nome forjado por Aristoacutefanes demologo era um nome pejorativo agrave maneira como os oradores se dirigiam ao

povo na Assembleacuteia e cleatildeo eacute a injuria dirigida a Cleatildeo ou tambeacutem a Bdelicleatildeo 61 Onde se depositavam os votos

219

Eacute preciso que vocecircs procurem um outro jeito Natildeo posso escorregar como um queijo

Co Vocecirc se lembra do dia em que no exeacutercito vocecirc roubou os obeliscos

e se serviu deles para descer rapidamente dos muros no momento

[da tomada de Naxos 355

Fi Claro Mas qual a relaccedilatildeo A situaccedilatildeo de hoje natildeo tem nada a ver com aquela

Eu era jovem capaz de roubar em pleno vigor

ningueacutem me vigiava e eu podia

fugir sem medo Enquanto que hoje

os homens com armas a postos 360

fazem sentinela em todas as saiacutedas

Haacute dois deles agrave porta que

como se eu fosse uma doninha que roubou a carne

ficam de olho com espeto na matildeo

Co Mas imagine agora

um jeito e sem demoras

pois eis a aurora zangatildeozinho 366

Fi Entatildeo o melhor pra mim eacute roer a corda

E que Aacutertremis me perdoe pela corda

Co Isso eacute que eacute um homem que luta pela sua salvaccedilatildeo

Vamos Leve para a boca 370

Fi Ela foi rompida Mas natildeo gritem

e fiquem atentos para natildeo acordar Bdelicleatildeo

Co Natildeo haacute nada a temer amigo nada

se algo se mexer eu o

farei roer o coraccedilatildeo 375

e lutar pela sua vida

para que saiba a natildeo mais violar

220

as leis das duas veneraacuteveis deusas62

Prenda a corda em volta da janela em seguida desccedila

apoacutes tecirc-la prendido em vocecirc e enchido a alma com feacute em Demeacuteter 380

Fi Sim e se nesse momento os dois perceberem e tentarem me repescar

e conseguirem me levar pra dentro o que vocecircs vatildeo fazer Digam hein

Co Viremos todos em seu socorro fazendo apelo ao nosso forte coraccedilatildeo

de modo que natildeo seraacute possiacutevel te trancarem Eacute isso que faremos

Fi Farei isso entatildeo e confiando em vocecircs Se me acontecer algo ruim tomem nota 385

me enterrem debaixo do tribunal depois de chorarem muito

Co Nada vai te acontecer Natildeo tenha medo de nada Vamos nosso melhor amigo desccedila

com confianccedila em vocecirc e invocando os deuses paacutetrios

Fi Oh Lico63

soberano heroacutei e vizinho vocecirc que fica feliz como eu

com as laacutegrimas e os prantos interminaacuteveis dos acusados 390

Escolheu certamente esse lugar para que natildeo os perdesse

pois vocecirc eacute o unido dos heroacuteis que escolheu ficar do lado dos desgraccedilados

Tenha piedade e salve agora aquele que eacute seu vizinho

E nunca mais ao peacute das grades vou mijar nem peidar

Bd Vocecirc Acorda

Es O que eacute que eacute

Bd Estou ouvindo algo parece voz 395

Seraacute que o velhote se escafedeu por aiacute

Es Natildeo por ZeusNatildeo eacute isso mas por uma corda estaacute descendo

62 Demeacuteter e Perseacutefone 63 A estaacutetua do heroacutei Lico filho de Pandion era situada proacuteximo ao tribunal e ao local onde os juiacutezes recebiam

seus salaacuterios

221

Bd Ei desgraccedilado O que estaacute fazendo Natildeo natildeo vai descer natildeo

Suba raacutepido pelo outro lado e bata nele com esses ramos secos

talvez ele volta pra traacutes e reme pra cima com esses galhos de oliveira

Fi Natildeo vatildeo me ajudar Vatildeo ter processos esse ano todos vocecircs 400

Smiciacutetion Tsiades Cremon e Feredipo64

Eacute agora ou nunca venham ao meu socorro antes que consigam me retrancar

Co Diga-me por que demoramos para rebelar nossa coacutelera

que nos vem quando algueacutem se irrita com nosso vespeiro

O momento eacute esse O momento eacute esse 405

de puni-lo e com nosso agressivo aguilhatildeo

pontudo dar-lhe uma ferroada

Rapazes tirem raacutepido o manto

corram gritem e anunciem isso a Cleatildeo

diga-lhe para vir 410

fazer frente ao homem que odeia a cidade

e que merece morrer porque

ele sustenta a ideacuteia de que

natildeo eacute mais preciso julgar os processos

64 Acredita-se que fossem sicofantas

222

Vespas ndash agon II (vv 526-727)

Co Agora eacute preciso que vocecirc que eacute do nosso

time diga algo

de novo para que se mostre

Bd Traga-me para caacute um cesto qualquer e depressa

Pois bem que que tipo de homem ele deve se mostrar se isso deve encorajaacute-lo 530

Co natildeo como esse jovem

no falar pois vocecirc estaacute vendo

que por sua causa acontece um grande debate

a respeito de tudo sem exceccedilatildeo 535

Se entatildeo natildeo conseguir

nesse momento ele estaacute decidido a levar a melhor

Bd Certamente e o que for dito anotarei sem rodeio e de memoacuteria

Fi E daiacute DigamSe esse aiacute me vencer no falatoacuterio

Co Natildeo mais a multidatildeo de velhos 540

seraacute sem sombra de duacutevida uacutetil

223

e zombando de noacutes

em todas as ruas

seriacuteamos chamados de porta-ramos65

e de sacos velhos 545

Mas vamos homem em vista de toda soberania e estando destinado a responder

eacute chegado o momento de com confianccedila colocar agrave prova toda sua liacutengua

Fi Pra comeccedilo de conversa vou comeccedilar provando

que da nossa parte nada eacute inferior agrave soberania

Pois quem eacute nos dias de hoje mais feliz e afortunado do que um juiz 550

criatura mais delicada e temiacutevel apesar de velho

Em primeiro lugar mal levanto da cama sou escoltado ateacute o tribunal

por homens grandes de quatro cocircvados Em seguida assim que chego

eacute colocada sobre mim a matildeo leve que se apropria do que eacute puacuteblico

Suplicam de joelhos inclinando-se e retratando-se com uma voz lamuriosa 555

piedade de mim pai eu te suplico se vocecirc mesmo nunca roubou

quando exerceu a magistratura ou quando fazia compras para os companheiros do

[exeacutercito

Esse aiacute nem teria sabido que eu existia se eu natildeo o absolvesse da primeira vez

Bd A questatildeo dos suplicantes que eu me lembre disso

Fi Em seguida quando jaacute me suplicaram e apaziguaram minha coacutelera entro 560

e laacute dentro nada faccedilo das coisas que prometi

mas escuto de todos os lados os argumentos para a absolviccedilatildeo

Vejam soacute o que natildeo eacute preciso ouvir de adulaccedilatildeo ao juiz nesse lugar

Uns se derramam em prantos por causa de sua pobreza e acrescentam

65 Nas Grandes Panateneacuteias os velhos levavam ramos de oliveira nas procissotildees

224

desgraccedilas a seus males ateacute que de tanto atormentar se tornem iguais aos meus 565

Outros nos contam faacutebulas outros ainda algo engraccedilado de Esopo66

haacute os que contam piadas para que eu ria e descarregue minha coacutelera

E se nem assim somos persuadidos logo sobe a filharada

meninas e meninos pela matildeo E eu entatildeo escuto

E eles curvando-se juntos comeccedilam a balir ao mesmo tempo E depois o pai deles 570

como a um deus suplica-me tremendo para livraacute-lo do processo de fraude

―Se vocecirc se comove com a voz de um carneiro tenha piedade com a voz de uma

[crianccedila

Aleacutem do mais se pareccedilo me comover com as porquinhas tenta me convencer pela voz

[da neta

Entatildeo em relaccedilatildeo a ele relaxamos um pouco a tensatildeo de nossa coacutelera

Por acaso isso natildeo eacute ter um grande poder e menosprezar a riqueza 575

Bd A segunda coisa que vou tomar nota o menosprezo da riqueza

Entatildeo me mencione as vantagens quando afirma ser o soberano da Greacutecia

Fi Bem quando os adolescentes se submetem a uma inspeccedilatildeo eacute de direito vecirc-los nus

E se Eagros67

ficar diante do tribunal como acusado natildeo se livra antes que

tenha recitado uma passagem de Niacuteobe68

e que escolha a mais bela 580

E se um flautista ganha o processo ele nos recompensa

tocando na forbeacuteia 69

a marcha de saiacuteda dos juiacutezes quando vatildeo embora

E se um pai ao morrer e deixando uma heranccedila designa um marido agrave filha sua

[uacutenica herdeira

noacutes que lamentamos profundamente defendemos a parte principal no testamento

e a concha que cobre tatildeo magnificamente os selos judiciais 585

e oferecemos a moccedila a quem pelas suacuteplicas nos corrompeu

E tudo isso fazemos sem dar satisfaccedilatildeo Nenhuma outra magistratura eacute assim

Bd Entre os que vocecirc cita esse eacute o uacutenico que eu te felicito

Mas no caso do testamento da herdeira vocecirc procede mal ao violar a concha

66 Fabulista que viveu na primeira metade do seacuteculo VI como escravo (Heroacutedoto II 34) 67 Ator traacutegico 68 Natildeo se sabe se a autoria dessa trageacutedia eacute de Eacutesquilo ou de Soacutefocles porque ambos escrevem uma peccedila de

mesmo nome 69 Acessoacuterio para abrandar o som da flauta feito de couro e fixado aos laacutebios

225

Fi E mais quando o Conselho e o povo hesitam julgar um negoacutecio importante 590

decidem que os acusados se apresentem aos juiacutezes

E entatildeo Evatlo70

e o grande Colacocircnimo71

aquele que lanccedilou longe seu escudo

afirmam que natildeo vatildeo nos trair e que vatildeo lutar em favor do povo

Assim na assembleacuteia do povo ningueacutem jamais fez prevalecer seu ponto de vista se natildeo

propuser que os juiacutezes possam fechar a sessatildeo depois de

julgar um processo 595

Somos os uacutenicos que o proacuteprio Cleatildeo o que ganha no grito natildeo atormenta

Ao contraacuterio nos protege tendo-nos no braccedilo e nos defende das moscas

Enquanto que vocecirc nunca fez nada do que quer que fosse a seu proacuteprio pai

Jaacute Teoro72

que natildeo eacute um homem menos importante do que Eufecircmio73

pega a esponja de sua bacia e lustra nossos calccedilados 600

Veja de quantas coisas boas vocecirc estaacute me excluindo e me impedindo

Vocecirc que afirmava conhecer o que eacute escravidatildeo e servidatildeo

Bd Fale o que quiser Em todo caso quanto a vocecirc esse seu rabo imperioso deveraacute

[sossegar um dia e revelar

no banho uma parte dessa sua majestosa magistratura

Fi E o que eacute mais prazeroso dessas coisas todas e que eu ia me esquecendo 605

eacute quando volto para casa com meu salaacuterio Assim que eu chego

me paparicam por causa do meu dinheiro Primeiro minha filha

lava meus dois peacutes e os massageia com oacuteleo e inclinando-se os beija

e me chama de ―paizinho ao mesmo tempo que pesca com a liacutengua um trioacutelobo

E minha mulher me bajula me trazendo bolinhos 610

e depois sentando-se a meu lado insiste ―come esse

e prova esse tambeacutem E eu me farto de felicidade com essas coisas

e natildeo precisarei ficar de olho em vocecirc e no criado quando ele for me servir o melhor

70 Evatlos aparece frequumlentemente nas comeacutedias como um sicofanta 71 Trata-se do poliacutetico Cleocircnimo com fama de glutatildeo E parece que ele num ato de covardia teria abandonado o

campo de batalha 72 Teoros eacute atacado nas comeacutedias como parasita e adulador de Cleatildeo de perjuacuterio adulteacuterio e glulodice 73 Desconhecido

226

me amaldiccediloando e resmungando e nem se me preparar uma massa rapidamente

E com isso adquiri uma armadura contra os males equipamento militar 615

[para escapar das flechas

E se vocecirc natildeo me oferece vinho para beber trago comigo essa taccedila74

cheia de vinho e em seguida me inclino e bebo Entatildeo minha taccedila de bocal grande

comeccedila a estralar com goladas enormes e valentes para desafiar a sua

Por acaso eu natildeo comando uma grande magistratura em nada inferior a de Zeus

Jaacute que falam de mim como de Zeus 620

E se tumultuamos

cada um dos presentes dizem

―como estrondeia o tribunal

Oh Zeus-soberano

E quando lanccedilo meus raios batem os dentes 625

e se borram de medo os ricos

e os mais importantes

E mesmo vocecirc tem muito medo de mim

Sim por Demeacuteter Vocecirc se borra E quanto a mim

que eu morra se tenho medo de vocecirc 630

Co Ateacute o momento desse modo tatildeo claro

natildeo ouvimos ningueacutem

que falasse com habilidade

Fi Eacute que ele pensava que sozinho poderia facilmente vindimar

Pois ele bem que sabia que nisso sou mais forte 635

Co Como ele atacou tudo

e nada omitiu de forma que eu

na medida em que ouvia

me sentia grande

e tive a impressatildeo de ser juiz nas Ilhas dos Bem-aventurados 640

74 Aristoacutefanes joga com o duplo significado da palavra ὄνος burro e vaso

227

tanto ele me encantou com sua fala

Fi Como esse fulano jaacute estaacute se retorcendo e natildeo se aguumlenta

de certo que hoje eu farei de vocecirc um cachorro enxotado

Co Eacute preciso que vocecirc trame todos os tipos

de artifiacutecios para se safar 645

Pois acalmar minha raiva

eacute difiacutecil

a natildeo ser que fale em meu favor

Entatildeo eacute o momento de vocecirc procurar uma boa pedra e bem afiada

se natildeo tem nada a dizer para que ela seja capaz de aplacar minha coacutelera

Bd Eacute difiacutecil a partir de uma potente inteligecircncia maior do que a dos poetas 650

[tragicocircmicos

curar uma antiga doenccedila gerada na cidade

Entretanto oh nosso pai filho de Cronos

Fi Chega E sem essa de ―invocar o pai

Se vocecirc natildeo me provar rapidamente porque sou escravo

natildeo haacute jeito que se decirc e vocecirc morreraacute ainda que eu seja afastado dos banquetes

Bd Agora ouccedila papai e esfria a cabeccedila um pouco 655

Primeiro calcule por alto natildeo com as pedrinhas mas com os dedos da matildeo

o tributo total enviado a noacutes pelas cidades

E estenderei esses resultados a muitos impostos de um por cento

as taxas do processo das minas dos mercados das locaccedilotildees dos confiscos

O total de todas essas coisas chega a quase dois mil talentos 660

228

Sobre isso coloque agora o salaacuterio anual pago aos juiacutezes

que satildeo seis mil ndash porque natildeo estabeleceram mais nesse paiacutes ndash

isso nos chega suponho a cento e cinquumlenta talentos

Fi Nosso salaacuterio natildeo chega nem a deacutecima parte dos rendimentos

Bd Natildeo por Zeus certamente que natildeo

Fi E pra onde vai entatildeo o restante do dinheiro 665

Bd Para aqueles que juram ―jamais vou trair a multidatildeo ateniense

e sempre lutarei a favor do povatildeo Pois vocecirc pai

enganado pelos belos discursos os escolhe para que governem

E ainda eles se deixam corromper por cinquumlenta talentos

vindos das cidades as aterrorizando e ameaccedilando 670

―vocecircs pagaratildeo os tributos ou com trovotildees sua cidade vou arruinar

E vocecirc se contenta com as sobras dessa sua magistratura

Os aliados quando se datildeo conta que a sua turma

nada come nem morde na urna

se preocupam com vocecirc como com as pedrinhas de voto do Connos75

entatildeo 675

[a essa gente oferecem

bacias de sardinhas vinho tapetes queijo mel gergelim almofadas

vasos clacircmides coroas colares taccedilas riqueza e sauacutede

E quanto a vocecirc daqueles sobre quem vocecirc governa ―apoacutes ter sofrido tanto

[na terra e no mar

nenhum deles te daraacute se quer um dente de alho para teu ensopado de peixe

Fi Ai meus Zeus Na casa do Eucarides76

eu proacuteprio mandei buscar trecircs dentes de alho

Mas vocecirc me irrita natildeo me mostrando tal escravidatildeo 681

75 Connos muacutesico vencedor nos Jogos Oliacutempicos que morreu na miseacuteria Sua reputaccedilatildeo de imbecilidade se

tornou proverbial thrion de Connos expressatildeo para marcar algo sem importacircncia O thrion era uma iguaria a

base de folha de figo Nesse contexto da comeacutedia Aristoacutefanes muda para voto de Connos 76 Natildeo muito conhecido mas certamente se trata de um feirante

229

Bd Pois natildeo eacute uma baita escravidatildeo ver todas essas pessoas sem exceccedilatildeo

na magistratura com seus aduladores que lhes extorquem dinheiro

Enquanto vocecirc vocecirc fica contente assim que algueacutem te daacute trecircs oacutebolos que conduzindo

[sozinho o exeacutercito

e combatendo por terra e sitiando cidades vocecirc ganhou sofrendo muito 685

Aleacutem disso o que mais me incomoda eacute que recebendo ordens vocecirc fica nesse vai e

[vem

Eacute quando um frangote um debochado como o filho de Quereas77

entra

com as pernas abertas assim rebolando com o corpo e com ar de efeminado

para dizer a vocecirc que esteja presente pela manhatilde e na hora para pronunciar uma

[sentenccedila pois se algueacutem de vocecircs

chega depois do sinal natildeo ganharaacute os trecircs oacutebolos 690

Mas ele recebe uma dracma com o honoraacuterio mesmo se chega atrasado

E fazendo conchavo com um ou outro dos arcontes que senta com ele

E se um dos acusados lhe oferece algo estando a dois eles combinam e tratam o

[negoacutecio 693

seriamente assim como serradores que um puxa e o outro deixa passar

enquanto vocecirc fica olhando boquiaberto o tesoureiro a negociaccedilatildeo lhe passa

[despercebida

Fi Eles fazem isso aiacute comigo Ai de mim o que vocecirc estaacute dizendo

Como vocecirc me inquieta profundamente E conduz meu pensamento e nem sei

[que efeito vocecirc me faz 697

Bd Considera entatildeo como vocecirc e todos os outros poderiam enriquecer

se vocecirc se deixasse corromper pelos populistas de sempre

Vocecirc que governa a maior parte das cidades do Ponto ateacute a Sardenha 700

E natildeo tira proveito exceto desse miserecirc que recebe E ainda eacute com um fiapo de latilde

[que sobre ti

como oacuteleo fazem pingar aos pouquinhos essa miseacuteria suficiente para viver

Pois querem que seja pobre e vou te dizer por causa de que

77 Nem pai nem filho satildeo conhecidos Mas Quereas foi atacado por Ecircupolis (fr80) e parece que seu filho foi um

procurador efeminado

230

para que conheccedila seu dono e entatildeo quando ele assoviar para vocecirc

vocecirc se excita contra um de seus inimigos e como uma fera salta sobre eles 705

Se eles quisessem dar ao povo do que viver seria faacutecil

Pois haacute mil cidades que agora nos pagam tributos

E se algueacutem ordenasse a cada uma delas de sustentar vinte atenienses

entatildeo vinte mil cidadatildeos viveriam na abundacircncia comendo lebres

tendo coroas de todos os tipos bebendo leite 710

gozando das coisas boas que merecem o paiacutes e os vitoriosos de Maratona

Mas agora como os colhedores de azeitona vocecircs seguem os que detecircm

[os salaacuterios de vocecircs

Fi Ai de mim O que aconteceu comigo Um tipo de dormecircncia se espalha ateacute minha matildeo

Natildeo consigo segurar minha espada jaacute estou sem forccedila

Bd Mas quando esses aiacute estatildeo com medo oferecem a Eubeacuteia 715

a vocecircs e se encarregam de produzir cerca de cinquumlenta medimnos de trigo

Eles que nunca deram nada a vocecirc exceto os cinco medimnos recentemente

e com dificuldade E sendo perseguido como estrangeiro passava a patildeo e aacutegua

Por causa dessas coisas eu lhe mantive preso

Porque queria alimentar vocecirc e que eles natildeo 720

caccediloassem de vocecirc ao falar

E agora quero dar a vocecirc absolutamente

aquilo que vocecirc quiser

exceto beber o leite78

do funcionaacuterio das financcedilas 724

Co Certamente era bem saacutebio aquele que dizia ―Antes de ter ouvido as duas partes

78 Refere-se ao trioacutebolo

231

natildeo julgue Pois agora me pareceu que vocecirc levou a melhor

De modo que agora com minha coacutelera apaziguada abaixo os bastotildees

232

Ratildes ndash agon (vv 895-1499)

CORO DE INICIADOS

Sim noacutes desejamos

ouvir de vocecircs homens saacutebios

que harmonia de palavras usaratildeo

que caminho na luta percorreratildeo

A liacutengua eacute rude Mas agrave coragem dos dois natildeo falta ousadia

Natural portanto eacute esperar 900

que um diga algo civilizado

e bem cinzelado

e que o outro com raiacutezes e tudo

arrancando as palavras

com elas desabe e espalhe

rolos e rolos de fa1as

Co Vamos eacute preciso falar o mais raacutepido possiacutevel 905

Cuidado Pronunciem palavras civilizadas Nada de caricaturas e

banalidades

Eu Bem Soacute no fim vou dizer qual eacute a minha relaccedilatildeo com a poesia

Primeiro vou

desmascaraacute-lo Eacute charlatatildeo e velhaco Mostrarei com que meios atraiu e

enganou os 910

espectadores tolos educados por Friacutenico Logo no inicio fazia que um

qualquer

ficasse sentado cobria-lhe a cabeccedila - um Aquiles uma Niacuteobe mdash natildeo lhe

mostrava o

rosto Eram fantoches da trageacutedia e natildeo diziam um a

Di Por Zeus Eacute claro que natildeo

Eu E o coro lanccedilava uma apoacutes outra quatro fileiras de cantos sem parar e

eles em 915

silecircncio

Di Eu gostava desse silecircncio e preferia isso aos tagarelas de agora

Eu Porque vocecirc era um bobo fique sabendo

Di Tambeacutem acho (pausa) Mas por que ele fazia isso

Eu Por charlatanice para que o espectador ficasse sentado esperando o

momento em

que a Niacuteobe ia dizer alguma coisa E assim a peccedila ia-se desenrolando920

233

Di Mas que canalha hein Como ele me enganava(a Eacutesquilo) Por que esses

bocejos

e esses sinais de mal-estar

Eu Porque estaacute sendo desmascarado E depois que falava essas bobagens e a

peccedila jaacute

estava no meio ele dizia uma duacutezia de palavras do tamanho de um boi

carrancudas 925

topetudas terriacuteveis umas palavras com cara de bicho papatildeo que ningueacutem

entendia

Eacutes Ai Coitado de mim

Di Cale a boca

Eu De claro natildeo falava nada

Di Pare de ranger os dentes

Eu Falava de Escamandros de fossos de grifos-aacuteguias dos escudos palavras

marciais

como guerreiros cavalgando em disparada Coisas difiacuteceis de

interpretar 930

Di Pelos deuses Veja eu uma noite jaacute passei muito tempo em claro tentando

descobrir que paacutessaro era o cavagalo dourado

Eacutes Eacute um emblema gravado nos navios oacute ignorantatildeo

Di E eu pensando que era Arroto o filho de Filoacutexeno

Eu Aleacutem do mais precisava pocircr um galo na trageacutedia como personagem 935

Eacutes E vocecirc homem odioso aos deuses Que tipo de personagem criava

Eu Natildeo eram como as suas cavagalos por Zeus nem veabodes que desenham

para

os tapetes persas

234

Mas assim que recebi a sua arte inchada de discursos empolados e

palavras pesadas 940

a primeira coisa que fiz foi enxugaacute-la diminuir-lhe o peso com

versinhos voltinhas

e beacutetulas brancas dando-lhe um chaacute de conversa fiada que extraiacute dos

livros

Depois alimentei-a com monoacutedias

Di Acrescentando-lhe Cefisofonte

Eu Aleacutem disso natildeo dizia o que me vinha agrave cabeccedila nem mudava de assunto

misturando 945

tudo A primeira personagem a entrar em cena jaacute falava sobre a famiacutelia

do meu

drama

Di Melhor para vocecirc Por Zeus Antes isso do que falar da sua

Eu E depois dos primeiros versos natildeo deixava ningueacutem sem accedilatildeo porque nos

meus

dramas todos falavam a mulher o escravo o patratildeo a virgem e a velha950

Eacutes E vocecirc natildeo merecia morrer por ter ousado fazer isso

Eu Natildeo Por Apolo Isso eu fazia de maneira democraacutetica

Di Deixe isso para laacute meu amigo Para vocecirc natildeo eacute bom ficar dando voltas

sobre este

assunto

Eu (apontando os espectadores) Depois eu ensinei esses daiacute a falar

Di Eu concordo Em vez de ensinar isso vocecirc deveria ter-se arrebentado pelo

meio 955

Eu Ensinei o ajuste com reacuteguas de precisatildeo esquadros de versos A

pensar a ver a

compreender a gostar de voltas a usar de artifiacutecios a desconfiar e a

discutir tudo

Eacutes Eu concordo

Eu introduzindo problemas familiares que enfrentamos com que

convivemos Em 960

consequumlecircncia estava exposto a criacuteticas pois conscientes esses aiacute

(mostrando os

espectadores) podiam criticar minha arte Natildeo natildeo falava pomposamente

deixando-

os embasbacados nem os perturbava pondo em cena Cicnos e Memnotildees de

cavalos-

com-arreios-tilintantes Vocecirc jaacute vai conhecer os meus disciacutepulos e os

dele Os deles 965

satildeo Formiacutesio e Megecircneto o Manes barbudos-de-lanccedila-e-trombeta

sarcaacutesticosndash

dobrandashpinheiros Os meus satildeo Clitofonte e o elegante Teracircmenes

235

Di Teracircmenes Aquele homem eacute astuto e terriacutevel em tudo Se por acaso

algueacutem caiu

em desgraccedila ou disso estaacute perto ele jaacute estaacute de fora pois natildeo eacute de

Quios mas de 970

Ceos

Eu Ora pensamentos como esses na cabeccedila deles (apontando os espectadores) eu pus

caacutelculo acrescentei agrave arte e exame tambeacutem Assim agora pensam em tudo

tudo 975

sabem Mais que tudo as casas administram melhor que antes e procuram

saber

Como estaacute isso Onde estaacute isso Quem pegou aquilo

Di Sim Pelos deuses Veja 980

Todo ateniense agora ao entrar em casa grita aos criados e pergunta

Onde estaacute a marmita Quem comeu a cabeccedila da sardinha 985

E o prato do ano passado

Estaacute morto Onde estaacute o alho de ontem Quem mordiscou minhas azeitonas990

Ateacute entatildeo muito sonsos de queixo caiacutedo filhinhos da mamatildee

como patetas ficavam sentados

CORO DE INICIADOS

Vecircs isso brilhante Aquiles

Vamos o que responderaacute vocecirc a isso Cuidado

Que o coraccedilatildeo natildeo o arrebate

levando-o para fora dos olivais 995

A acusaccedilatildeo eacute grave

Cuidado oacute homem de bem

natildeo refute com ira

Mas recolha as velas

usando soacute as do alto 1000

Entatildeo pouco a pouco seguiraacute adiante

indo com cuidado

ateacute que um vento suave

e constante vocecirc encontre

Co Vamos Entre os helenos vocecirc foi o primeiro a construir falas solenes

altaneiras

como torres a impocircr ordem agrave tagarelice traacutegica Coragem Deixe jorrar

sua fonte

236

Eacutes Estou irritado com esta situaccedilatildeo Minhas entranhas fervem por ter que

discutir com 1006

ele (a D I O N I S O ) Para que vocecirc natildeo diga que natildeo tenho o que dizer

responda-me

Por que se deve admirar um poeta

Eu Pela habilidade e pelos conselhos Noacutes nas cidades tornamos melhores os

cidadatildeos 1010

Eacutes E se natildeo fez isso Se transformou os mais nobres e os melhores em

perversos

Diga Que castigo merece

Di (interrompendo) Estar morto Nem deve perguntar a esse aiacute

Eacutes Pois bem Observe Que tipo de homens recebeu de mim Eram homens de

bem de

quatro cocircvados de estatura natildeo cidadatildeos omissos nem frequumlentadores das

praccedilas 1015

nem palhaccedilos nem canalhas como agora Eram homens que recendiam a

lanccedila e

dardos a elmos de penachos brancos e capacetes a cnecircmides e coragem de

sete

peles de boi

Eu Olhe aiacute A desgraccedila vem vindo mesmo Se ele ficar sempre forjando

elmos vai

esmagar-me

Di (a Eacutesquilo) E vocecirc o que fez para ensinaacute-los a serem tatildeo nobres assim

Fale

Eacutesquilo Natildeo se faccedila de rogado nem se irrite

Eacutes Criei um drama cheio de Ares 1021

Di Qual

Eacutes Os Sete Contra Tebas Todo e qualquer homem que assistisse a essa peccedila com

paixatildeo desejaria ser um destruidor

Di Aiacute estaacute o mal que vocecirc fez Tornou os tebanos ainda mais corajosos na

guerra E

por isso (fazendo um gesto na direccedilatildeo de Esquilo) laacute vai uma pancada

Eacutes Vocecircs podiam exercitar-se nisso mas natildeo foi a isso que se dedicaram

Depois 1025

encenando Os Persas com essa peccedila ensinei-os a desejar sempre a vitoacuteria

sobre os

adversaacuterios porque enalteci um feito notaacutevel

Di Veja Gostei quando ouvi falar da morte de Dario e o coro logo bateu

palmas

assim e gritou Ai Ai

237

Eacutes (Sem preocupar-se com a opiniatildeo de Dioniso) Eacute disso que os poetas devem tratar 1030

Observe que desde o princiacutepio foram uacuteteis os poetas nobres Orfeu

ensinou os

misteacuterios e como abstermdashnos de assassiacutenios Museu a cura das doenccedilas e

os

oraacuteculos Hesiacuteodo o traba1ho dos campos as estaccedilotildees dos frutos e o

preparo da 1035

terra E o divino Homero por que obteve honra e gloacuteria Natildeo foi por que

ensinou

coisas uacuteteis linha de combate virtudes e armas dos homens

Di Apesar disso a Pacircntacles aquele desajeitado ele natildeo ensinou nada

Veja

Ontem quando estava no cortejo ele primeiro colocou o elmo e depois ia

ajustar o

penacho

Eacutes Mas ensinou muitos outros bons inclusive o heroacutei Lacircmaco Foi daiacute que

a minha

cabeccedila tirou o modelo e pocircs em cena muitas virtudes dos Paacutetroclos dos

Teucros 1041

de coragem de leatildeo para incitar o cidadatildeo a tentar igualar-se a eles

quando ouvisse

a trombeta Mas por Zeus Natildeo punha em cena Fedras prostitutas nem

Estenobeacuteias1 e ningueacutem jamais soube que eu tivesse posto em cena uma

mulher

apaixonada

Eu Por Zeus Em vocecirc natildeo havia nada de Afrodite 1045

Eacutes Quem me dera continuar natildeo tendo A Afrodite que assediou vocecirc e suas

personagens era tatildeo grande que ateacute vocecirc ela derrubou

Di Derrubou sim Por Zeus Com os mesmos golpes que vocecirc preparou para as

mulheres dos outros vocecirc mesmo foi golpeado

Eu Mas em que miseraacutevel as minhas Estenobeacuteias prejudicam a cidade

Eacutes Nobres esposas de nobres homens vocecirc convenceu a beber cicuta

desonradas pelos

seus Belerofontes

Eu Era ou natildeo verdadeiro o enredo que compus para a Fedra 1052

238

Eacutes Por Zeus Era assim Mas o poeta deve esconder o mal natildeo trazecirc-lo agrave

cena nem

ensinaacute-lo Agraves crianccedilas quem fala eacute o professor e aos adolescentes os

poetas Eacute 1056

preciso portanto que digamos o que eacute uacutetil

Eu Vocecirc nos fala de Licabetos de montanhas do Parnaso Isso eacute ensinar o

que eacute uacutetil

Isso eacute linguagem de gente

Eacutes Mas infeliz eacute preciso criar falas aacute altura dos grandes proveacuterbios e

pensamentos

Aliaacutes eacute de esperar-se que os semideuses usem falas mais imponentes

pois tambeacutem

usam mantos muito mais imponentes que os nossos O que eu apresentei

como uacutetil 1062

vocecirc destruiu

Eu O que eu fiz

Eacutes Primeiro vestiu os reis com farrapos para que aos homens parecessem

dignos de 1064

piedade

Eu Fazendo isso que prejuiacutezo causei

Eacutes Ningueacutem quer ser trierarca mesmo sendo rico por causa disso Ao

contraacuterio

coberto de farrapos chora e diz que eacute pobre

Di Por Demeacuteter A tuacutenica de boa latilde ele usa por baixo E se consegue

enganar falando

assim logo reaparece junto das bancas de peixe

Eacutes Depois vocecirc ainda os ensinou a entregar-se agrave tagarelice e ao falatoacuterio

o que

esvaziou as palestras poliu a bunda dos mocinhos tagarelas e convenceu

o 1071

pessoal do porto a contestar os chefes Ora antigamente quando eu

estava vivo

eles soacute sabiam pedir patildeo e dizer Upa Pa Ih

Di Por Apolo E peidar na boca do remeiro do banco de traacutes emporcalhar 1074

o companheiro de mesa e jaacute em terra roubar a roupa dos outros Agora

soacute sabem

contestar Natildeo querem remar e navegar de caacute para laacute

239

Eacutes De que males natildeo eacute culpado Esse aiacute natildeo pocircs em cena alcoviteiras

mulheres 1080

que datildeo agrave luz nos templos que se unem com irmatildeos que dizem que viver

naco eacute

viver Eacute por isso que a cidade ficou cheia de escrevinhadores de

bufotildees macacos

do povo que ao povo estatildeo sempre enganando Tocha ningueacutem eacute capaz de

levar

hoje em dia por falta de exerciacutecio

Di Natildeo mesmo Por Zeus Eu nas Panateneacuteias quase morri de tanto rir

quando um

homem lerdo corria de cabeccedila baixa paacutelido balofo atraacutes de todos

fazendo esforccedilo

tremendo E natildeo era soacute isso O povo do Ceracircmico agraves portas nele batia

na panccedila

nas costas nos rins e na bunda Ele levando esses tapas soltando

peidinhos

soprando a tocha ia fugindo

CORO DE INICIADOS

Grave eacute o caso grande a disputa Duro o combate se aproxima

Difiacutecil decidir a luta 1100

quando um ataca violento

e o outro eacute capaz de revidar e esmurrar forte

Vamos natildeo fiquem parados no mesmo lugar

Haacute muitos truques diferentes para o ataque

O que quer que tenham para discutir falem 1105

Ataquem esfolem as obras novas e as velhas

Arrisquem-se a dizer algo sutil e saacutebio

Se vocecircs dois temem que tatildeo ignorantes sejam

os espectadores que natildeo entendam 1110

a sutileza de suas falas

natildeo se assustem com isso Natildeo eacute mais assim

Eles jaacute estiveram na guerra

e tendo livros todos aprendem habilidades

Por natureza satildeo muito bem dotados 1115

e agora estatildeo ainda mais afiados

Portanto natildeo temam Vamos

Tratem de todos os assuntos Os espectadores satildeo saacutebios

240

Eu Sim o que vou atacar satildeo os proacutelogos para jaacute de comeccedilo pocircr agrave prova a

primeira 1120

parte da trageacutedia desse homem haacutebil Ele eacute obscuro na exposiccedilatildeo dos

fatos

Di E qual dos proacutelogos dele vocecirc vai pocircr agrave prova

Eu Muitos muitos Primeiro recite-me o da Orestia

Di Vamos calem-se todos Fale Eacutesquilo 1125

Eacutes Hermes Ctocircnio que velais pelo poder paterno

sede meu salvador e aliado eu vos peccedilo

pois chego a esta terra e regresso

Di Quanto a esses versos vocecirc tem uma censura a fazer

Eu Mais de doze

Di Mas os versos natildeo chegam a isso Satildeo apenas trecircs 1130

Eu Cada um tem vinte falhas

Di Eacutesquilo acho bom vocecirc ficar calado Se natildeo ficaraacute evidente que natildeo satildeo

soacute esses

trecircs versos que vocecirc deve

Eacutes Eu ficar calado diante desse aiacute

Di Se seguir o meu conselho

Eu Jaacute de cara o erro dele vai daqui ateacute o ceacuteu 1135

241

Eacutes Vocecirc natildeo vecirc que estaacute dizendo bobagem

Di Pouco me importa

EacutesVocecirc diz que eu errei Como

Eu Recite de novo desde o comeccedilo

Eacutes Hermes Ctocircnio que velais pelo poder paterno

Eu Orestes natildeo diz isso no tuacutemulo do pai morto

Eacutes Natildeo estou dizendo outra coisa

Eu Seraacute que Orestes sabendo que seu pai teve morte 1141

violenta pela matildeo da esposa numa armadilha

disse que Hermes ―velou por tudo isso

Eacutes Natildeo Eacute claro Natildeo falou daquele Hermes Orestes chama o Hermes Benfeitor1145

de Hermes Ctocircnio e esclarece isso dizendo que o deus herdou do pai essa

funccedilatildeo

Eu O seu erro eacute ainda maior do que eu supunha se ele herdou do pai essa

funccedilatildeo ctocircnia

Eacutes Dioniso o vinho que vocecirc bebe natildeo tem buquecirc 1150

Di Recite-lhe outro verso (a Euriacutepides) E vocecirc fique de olho no defeito

Eacutes Sede meu salvador e aliado eu vos peccedilo

pois chego a esta terra e regresso

Eu Duas vezes nos diz a mesma coisa o saacutebio Eacutesquilo 1154

242

Di Como duas vezes

Eu Examine a frase e eu falo Ele diz pois eu chego a esta terra e

regresso

Ora chegar eacute o mesmo que regressar

Di Por Zeus Eacute como se algueacutem dissesse ao vizinho Empreste-me o rolo ou entatildeo se preferir o cilindro

Eacutes Natildeo Eacute claro que natildeo eacute a mesma coisa seu tagarela Os versos estatildeo

perfeitos 1160

Eu Como Diga-me por que faz essa afirmaccedilatildeo

Eacutes Vir agrave sua terra eacute para quem tem paacutetria Nada aconteceu e ele estaacute de

volta 1165

Se eacute um exilado o homem chega e regressa

Di Por Apolo Tem razatildeo E o que diz vocecirc Euriacutepides

Eu Digo que Orestes natildeo regressou agrave casa pois voltou escondido sem convencer as autoridades

Di Por Hermes Estaacute bem Mas natildeo estou entendendo o que vocecirc diz

Eu Entatildeo passe para outro verso 1170

Di Vamos passe vocecirc Depressa Eacutesquilo (a Euriacutepides)

E vocecirc fique de olho no erro

Eacutes Do alto desse tuacutemulo clamo

Pai ouvi-me e atendei-me

Eu Outra vez ele repete Ouvi-me e atendei-me evidentemente eacute o mesmo

243

Eacutes Ele estava falando a um morto patife a quem natildeo temos acesso mesmo

chamando 1175

trecircs vezes E vocecirc como fazia os seus proacutelogos

Eu Vou explicar Se por acaso eu disser duas vezes a mesma coisa

ou se vocecirc neles perceber um enchimento fora do assunto cuspa em mim

Di Vamos fale vocecirc O meu papel eacute soacute apreciar 1180

a correccedilatildeo dos versos de seus proacutelogos

Eu Eacutedipo a princiacutepio era um homem feliz

Di Por Zeus Natildeo era natildeo Era um homem infeliz por natureza Quem antes

mesmo 1185

de existir antes mesmo de nascer Apolo afirmou que mataria o pai como

poderia ser de

iniacutecio um homem feliz

Eu Depois tornou-se entre os mortais o mais infeliz

Eacutes Por Zeus Claro que natildeo De fato natildeo deixou de ser Como poderia Nem

bem 1190

nasceu durante o inverno foi exposto num vaso de barro para que homem

feito

natildeo viesse a ser o assassino do pai Depois arrastou-se ateacute Poacutelibo com

os peacutes inchados

Em seguida ainda jovem casou-se com uma velha que ainda por cima era

sua

proacutepria matildee E depois furou os proacuteprios olhos

Di Ah Feliz seria se tivesse sido estratego junto com Erasiacutenides 1196

Eu Conversa Eu faccedilo muito bem os meus proacutelogos

Eacutes Por Zeus Natildeo vou testar suas falas verso a verso mas com a ajuda

dos deuses 1200

com um jarrinho vou acabar com os seus proacutelogos

244

Eu Com um jarrinho Vocecirc Os meus proacutelogos

Eacutes Com um soacute Vocecirc compotildee de modo que tudo se encaixe nos seus jambos

Uma

latildezinha um jarrinho ou um saquinho Vou mostrar jaacute

Eu Ah eacute vai mostrar 1205

Eacutes Vou sim

Di (a Euriacutepides) Entatildeo vocecirc precisa recitar seus versos

Eu Egito mdash a notiacutecia Eacute muito divulgada -

com cinquumlenta filhos no seu navio

tendo aportado em Argos

Eacutes perdeu o jarrinho

Di Que jarrinho eacute esse aiacute E Egito vai ser castigado (a Euriacutepides) Recite-lhe

outro 1210

proacutelogo para que outra vez eu tambeacutem decirc a minha opiniatildeo

Eu Dioniso que com tirsos em peles de corccedila

envolto no meio de tochas no Parnaso

saltou danccedilando coros e

Eacutes perdeu o jarrinho

Di Ai Ai De novo sofremos o golpe do jarro

Eu Natildeo faz mal Neste proacutelogo natildeo poderaacute encaixar o jarro (Recita) 1215

Natildeo haacute homem que seja feliz em tudo

Se tem natureza nobre natildeo tem recursos se eacute de maacute famiacutelia

245

Eacutes perdeu o jarrinho

Di Euriacutepides

Eu O que eacute

Di Acho bom baixar as velas Desse jarrinho vai sair um vento 1221

Eu Por Demeacuteter Natildeo vou preocupar-me com isso

Jaacute jaacute o jarrinho vai cair da matildeo dele

Di (a Euriacutepides) Vamos recite outro e mantenha-se longe do jarro

Eu A cidade de Sidon tendo deixado Cadmo 1225

filho de Agenor

Eacutes perdeu o jarrinho

Di Oacute pobre homem compre o jarro para que ele natildeo estrague os nossos

proacutelogos

Eu (indignado) O quecirc Eu comprar dele

Di Sim se seguir meu conselho

Eu Natildeo eacute claro Posso recitar muitos proacutelogos onde esse aiacute natildeo poderaacute

encaixar o 1230

jarro (Recita com firmeza)

Peacutelops o filho de Tacircntalo chegando a Pisa

em eacuteguas raacutepidas

Eacutes perdeu o jarrinho

246

Di Estaacute vendo Ele encaixou de novo o jarro 1235

Vamos amigo agora vocecirc tem que pagar de qualquer jeito

Por um oacutebolo ganharaacute um jarro bom e ateacute bonito

Eu Por Zeus Ainda natildeo Ainda tenho uma seacuterie de proacute1ogos

Eneu um dia da sua terra

Eacutes perdeu o jarrinho

Eu Calma Espere eu dizer o verso inteiro

Eneu um dia da terra tendo tirado grande colheita 1240

ao sacrificar as primiacutecias

Eacutes perdeu o jarrinho

Di No meio do sacrifiacutecio E quem o roubou

Eu Deixa para laacute amigo Depois deste Vamos ver

Zeus como a proacutepria verdade diz

Di (a Euriacutepides) Ele vai acabar com vocecirc Jaacute vai dizer perdeu o jarrinho Esse 1245

jarrinho aiacute se encaixa nos seus proacutelogos como os tersoacuteis nos olhos

Vamos

Pelos deuses Passe para os cantos dele

Eu Sim posso mostrar que os cantos que ele faz satildeo maus e sempre iguais

CORO DE INICIADOS

Afinal o que vai acontecer

Fico pensando

que censura ainda faraacute

ao homem que mais versos

os mais belos criou 1255

dentre os que ateacute hoje temos

Eu acho estranho

Como censuraraacute ele este homem

o rei baacutequico

Temo por ele 1260

Eu Cantos admiraacuteveis O tempo mostraraacute Vou resumir todos os cantos dele

num soacute

247

Di E eu vou pegar pedrinhas para fazer o caacutelculo dos pontos (ouve-se um

acompanhamento de flauta)

Eu Oacute Aquiles da Ftia Ouvindo o assassino

ai o golpe Por que natildeo vindes em nosso auxiacutelio 1265

A Hermes ancestral da nossa raccedila

honramos noacutes os do lago

ai o golpe Natildeo vindes em nosso auxiacutelio

Di Dois golpes Eacutesquilo vocecirc jaacute tem aiacute

Eu Ilustriacutessimo aqueu oacute filhes de Atreu senhor de muitos homens ouvi-me

Ai o golpe Natildeo vindes em nosso auxiacutelio 1271

Di Esse Eacutesquilo jaacute eacute o terceiro golpe (Eacutesquilo manteacutem-se em silecircncio)

Eu Silecircncio As Melissas jaacute vatildeo abrir o templo de Aacutertemis

Ai o golpe Natildeo vindes em nosso auxiacutelio 1275

Eacute direito meu gritar aos poderosos heroacuteis ―Boa viagem

Ai o golpe Natildeo vindes em nosso auxiliacuteo

Oacute Zeus Rei Como eacute comprido esse negoacutecio de golpes

Di Eu quero ir ao banheiro porque jaacute estou com o saco cheio desses golpes1280

Eu Natildeo Natildeo antes de ouvir o outro estaacutesimo um composto segundo o nomo da

ciacutetara

Di Vamos Acabe com isso Natildeo me venha com mais golpes 1283

Eu (mudando de tom)

Como o poder dos aqueus de duplo trono a juventude da Heacute1ade 1285

toflatotrat tof1atotrat

A esfinge cadela que governa os dias funestos envia

tof1atotrat tof1atotrat 1290

com a lanccedila e a matildeo vingadora o impiedoso paacutessaro

tof1atotrat tof1atotrat

tendo permitido que cadelas impudentes vagando no ar

toflatotrat tof1atotrat

tivessem o que caiu sobre Ajax

toflatotrat toflatotrat 1295

248

Di O que eacute esse toflatotrat Veio de Maratona Onde eacute que vocecirc achou esses

cantos de

manivela de poccedilo

Eacutes Ora do belo para o belo eu os trouxe para que natildeo me vissem a ceifar o

prado

sagrado das Musas o mesmo que Friacutenico ceifou (Depois de pequena pausa 1300

aponta Euriacutepides) Esse aiacute de tudo tira cantos De prostitutas de escoacutelios de

Meleto de flautistas caacuterios de trenos de danccedilas Logo tudo seraacute

esclarecido

(Dirige-se aos escescravos de Plutatildeo) Tragam-me uma lira Ora por que uma lira 1305

para isso Onde estaacute aquela que toca castanholas Vem aqui Musa de

Euriacutepides eacute com ela que conveacutem entoar estes cantos

Di Mas ela natildeo eacute leacutesbia Natildeo eacute natildeo

Eacutes (comeccedila a cantar imitando Euriacutepides)

Alciacuteones que no mar arrulhais

nas impereciacuteveis ondas 1310

molhando as asas

cobertas de gotas de orvalho

E voacutes sob os tetos nos cantos

enrorororororolai com a ponta dos dedos

a trama do tear 1315

tarefa de cantante lanccediladeira

laacute onde o delfim amigo da flauta

entre proas de escuros esporotildees

fez saltar oraacuteculos e estaacutedios

Riso das vinhas em flor 1320

gavinhas de uva que acabam com o sofrimento

Envolve-me filho nos teus braccedilos

(a Dioniso) Estaacute vendo esse peacute

Di Estou

Eacutes O quecirc Estaacute vendo

Di Estou

249

Eacutes (a Euripides)

Vocecirc compotildee versos como esses 1325

mas ousa censurar os meus cantos

segundo as doze posiccedilotildees de Cirene

fazendo os seus

Os seus versos satildeo assim mas quero ainda examinar como satildeo as suas

monoacutedias 1330

oacute negra e brilhante

treva da noite

que sonho triste

a mim envias laacute do invisiacutevel

antecipando-me o Hades

Alma sem alma tem

arrepiante e terriacutevel visatildeo

filha da noite negra 1335

vestida de mortalha negra

com a morte com a morte nos olhos

e grandes garras

Vamos servas acendei-me a candeia

Com bilhas dos rios tirai o orvalho Aquecei a aacutegua

para eu lavar o divino sonho 1340

Ah divindade marinha

Eis aiacute Aconteceu Oacute de casa

Contemplai este prodiacutegio

Depois de roubar meu galo

Glice se foi

Ninfas nascidas nos montes

oacute Deliacuterio agarrai-a 1345

E eu coitada

cuidava de meus trabalhos

O fuso cheio de linho

enrororolando com as matildeos

fazia o novelo

para de madrugada ao mercado 1350

lavaacute-lo para vender

E ele voou voou para o eacuteter

com as pontas mui ligeiras de suas asa

e a mim deixou dores e mais dores

Laacutegrimas e mais laacutegrimas dos meus olhos

pobre de mim derramei derramei 1355

Vamos cretenses filhos do Ida

Pegai os arcos e assumi a defesa Movei raacutepidas as pernas cercai a

casa

Tambeacutem a menina Dictina a bela Aacutertemis

com suas cadelinhas ande por toda a casa 1360

E tu filha de Zeus ergue duas tochas

fachos brilhantes em tuas matildeos e acompanha me oacute Hecate

ateacute agrave casa de Glice

Laacute quero entrar e dar uma busca

250

Di Vocecircs dois parem com esses cantos

Eacutes Para mim tambeacutem jaacute chega (apontando Euriacutepides)

Agora quero levaacute-lo agrave balanccedila Soacute ela daraacute a 1365

conhecer a minha poesia e a dele pois atestaraacute o

peso de nossas falas

Di Venham aqui se eacute que ateacute isso eu devo fazer

Vender a arte dos poetas como se fossem queijos

CORO DE INICIADOS

Satildeo diligentes os que satildeo haacutebeis

Eis de novo outro prodiacutegio 1371

Recente cheio de estranhezas

Quem teria pensado nisso

Natildeo natildeo Se algueacutem

com que me encontrasse dissesse 1375

natildeo acreditaria Para mim

estaria dizendo bobagem

(Dioniso Euriacutepides e Eacutesquilo dirigem-se agrave balanccedila)

DiVamos vocecircs dois aproximem-se dos pratos

Eacutes e Eu Pronto

Di Cada um segure o prato e recite o verso Mas natildeo o soltem antes que eu

grite Cuco 1380

Eacutes e Eu (com os pratos nas matildeos)

Estamos segurando

Di Digam o verso para dentro da balanccedila

Eu (Adianta-se e recita)

Ah se a nau Argo natildeo tivesse alccedilado vocirco

Eacutes (solene)

Rio Espeacuterquio e pastagens de bois

Di Cuco Soltem os pratos (apontando para Eacute S Q U I L O ) O prato deste aqui desceu

muito 1385

mais

251

Eu Mas por quecirc

Di Ele colocou laacute dentro um rio molhando o verso como faz um mercador de latilde

E vocecirc colocou laacute dentro um verso com asas

Eu Vamos recite outro e enfrente-me

Di Pois bem segurem os pratos de novo

Eacutes e Eu Pronto

Di (apontando Euriacutepides) Recite

Eu De Persuasatildeo natildeo existe outro templo senatildeo a Palavra 1391

Eacutes pois dentre os deuses soacute a Morte natildeo ama as oferendas

Di Soltem os pratos Soltem Outra vez foi o prato deste aqui que mais

baixou pois

ele colocou dentro a Morte o mais pesado dos males

Eu E eu a Persuasatildeo Eacute um verso perfeito 1395

Di A Persuasatildeo eacute coisa vatilde e sem sentido Vamos procure algo mais pesado

que faccedila

descer a balanccedila em seu favor algo forte e grande

Eu Estaacute bem mas onde eacute que vou achar algo assim Onde

Di Jaacute digo Os lances de Aquiles foram dois ases e um quatro 1400

Recite por favor Para vocecircs esta eacute a uacuteltima pesagem

252

Eu (confiante)

Com a matildeo direita pegou a madeira pesada como o ferro

Eacutes (tranquumlilo)

carro sobre carro cadaacutever sobre cadaacutever

Di Agora ele enganou vocecirc de novo

Eu Como

Di Colocou laacute dentro dois carros e dois cadaacuteveres Cem egiacutepcios natildeo os

ergueriam 1405

Eacutes Eu natildeo quero mais verso por verso (apontando Euriacutepides) Que suba na balanccedila

ele

mesmo os filhos a mulher e Cefisofonte tambeacutem incluindo os

livros E eu recitarei apenas dois dos meus versos 1410

Di (Virando-se para Plutatildeo) Os homens satildeo meus amigos E eu natildeo vou julgaacute-los

Natildeo ficarei inimigo de nenhum dos dois a um considero saacutebio e o outro

me agrada

Pl Ah Vocecirc natildeo vai julgar Entatildeo para que veio

Di E se eu julgar 1415

Pl Iraacute embora com o que escolher para natildeo perder a viagem

Di Muito obrigado(aos poetas) Vamos Ouccedilam o que vou dizer

Desci em busca de um poeta

Eu Para quecirc

Di Para que a cidade livre de perigo celebre os coros Portanto ao que

aconselhar agrave 1420

cidade o que eacute uacutetil a esse levarei Eacute a minha decisatildeo Primeiro

portanto o que eacute

que pensam de Alcibiacuteades A cidade sofre as dores de um parto difiacutecil

Eu O que ela pensa a respeito dele

Di O que pensa Tem saudade dele odeia-o mas quer tecirc-lo Vamos digam o

que 1425

pensam dele

253

Eu Odeio o cidadatildeo que para socorrer a paacutetria eacute lento mas raacutepido para

prejudicaacute-la

muito cheio de saiacutedas para si mesmo mas para a cidade sem recursos

Di Estaacute bem Oacute Posidatildeo (a Eacutesquilo) E vocecirc o que pensa 1430

Eacutes Natildeo se deve alimentar na cidade um leatildeozinho Ou melhor natildeo se deve

alimentar

na cidade um leatildeo Se algueacutem o alimenta deve adaptar-se ao seu jeito

Di Por Zeus Salvador Acho difiacutecil decidir

Um fala com habilidade o outro com clareza Vamos que cada um decirc ainda

a sua 1435

opiniatildeo Para a cidade que salvaccedilatildeo vocecircs tem

Eu Se algueacutem amarrasse Cleoacutecrito a Cineacutesias e brisas os levassem para as

planiacutecies

marinhas

Di Seria ridiacuteculo Isso tem sentido

Eu se lutassem na batalha naval e tendo nas matildeos jarrinhos de vinagre

os 1440

espirrassem nos olhos dos inimigos (Pausa) Eu sei como e quero

explicar

Di Fale

Eu Quando julgarmos digno de feacute o que eacute indigno de feacute e indigno de feacute o

que eacute digno

de feacute

Di Como eacute Natildeo estou entendendo Fale de maneira mais simples e clara

254

Eu Talvez se aos cidadatildeos nos quais confiamos agora a esses natildeo deacutessemos

creacutedito

se daqueles de quem nos servimos destes natildeo nos serviacutessemos salvarnos-

iacuteamos

Se agora no meio deles somos infelizes fazendo o contraacuterio natildeo nos

salvariacuteamos 1445

Di Estaacute bem oacute Palamedes natureza habiliacutessima Isso aiacute foi vocecirc mesmo ou

Cefisofonte que descobriu

Eu Eu sozinho Os jarrinhos de vinagre foi Cefisofonte E vocecirc o que

diz

Eacutes Primeiro diga-me No presente de quem a cidade se serve Dos

melhores

Di De onde tirou isso Odeia-os profundamente

Eacutes Mas com os maus ela se apraz 1456

Di Ela Eacute claro que natildeo Soacute se serve deles porque natildeo tem escolha

Eacutes Haacute como salvar uma cidade para a qual nem manto de latilde nem de pele tem

utilidade

Di Por Zeus Descubra um jeito se eacute que vocecirc quer chegar laacute em cima de

novo 1460

255

(Dioniso e Eacutesquilo seguem Plutatildeo)

CORO DE INICIADOS Bem-aventurado o homem

que tem inteligecircncia precisa

Muitos exemplos haacute para aprendermos isso

Este homem mostrou que eacute sensato 1485

e volta para casa outra vez

para o bem dos cidadatildeos

para o bem dos seus

dos parentes dos amigos

porque eacute inteligente 1490

A alegria natildeo eacute ao lado de Soacutecrates

ficar sentado conversando

rejeitando o que eacute das Musas

deixando o que haacute de melhor

na arte da trageacutedia 1495

Com palavras pomposas

com sutilezas de tagarelice

gastar o tempo atoa

eacute proacuteprio do insensato

256

Acarnenses ndash Agon ndash (vv 490-627)

CoVai fazer e dizer o quecirc Veja bem heinVocecirc eacute um homem desavergonhado e inflexiacutevel 491

que ao oferecer seu pescoccedilo agrave cidade

estaacute destinado a falar sozinho na frente de todos

E o cara natildeo tem medo do negoacutecio Entatildeo vamosSe vocecirc assim o quer fala aiacute 496

Dic Natildeo se oponham a mim senhores espectadores

se eu um mendigo que sou devo entatildeo falar aos Ateniensesa respeito da cidade em plena comeacutedia

79 porque a comeacutedia tambeacutem conhece o que eacute justo 500

Entatildeo vou dizer coisas terriacuteveis mas justas

Pois desta vez Cleatildeo80

natildeo me acusaraacute de

eu falar mal da cidade na presenccedila de estrangeiros

Estamos soacute entre noacutes este eacute o concurso das Leneacuteias81

79 Trata-se de um jogo de palavras Ao inveacutes de τραγῳδια (trageacutedia) Aristoacutefanes cria o termo τρυγῳδια da

mesma famiacutelia de τρυγῳδὸς cantor de comeacutedias ou poeta cocircmico De acordo com Bailly (1950 1970) esse

termo eacute assim definido ou porque os atores primitivos cantavam (Ὠδή) com o rosto lambuzado com a borra

do vinho novo (τρύξ ou τρύγη) ou porque recebiam o vinho novo como forma de pagamento 80 Segundo Thiercy (Les Acharniens 1988 63) Diceoacutepolis nesse momento fala evidentemente em nome de

Aristoacutefanes A comeacutedia Babilocircnios encenada um ano antes de Acarnenses ridicularizou os magistrados

eleitos e tirados agrave sorte inclusive Cleatildeo que acusou o poeta de difamaccedilatildeo do Estado por insultar o povo e a bouleacute

81 As Leneacuteias era um dos cinco festivais atenienses em honra de Dioniso Tratava-se de uma festa dos toneacuteis de

vinho realizada no mecircs de janeiro Para essa festa realizavam-se sacrifiacutecios e procissotildees e em 450 aC

instituiu-se o primeiro concurso dramaacutetico

257

e os estrangeiros ainda natildeo estatildeo presentes nem os tributos 505

nem os aliados das cidades chegaram

Estamos sozinhos agora apenas o puro trigo82

pois digo que os metecos satildeo o joio dos cidadatildeos comuns

e eu odeio os Lacedemocircnios com toda a minha forccedila

E a eles que Posidatildeo o deus do Tenaacuterio 510

fazendo tremer a terra abale suas casas a todos sem exceccedilatildeo83

pois ateacute eu tive minhas vinhas cortadas ao meio

Entretanto os que estatildeo presentes satildeo amigos nessa conversa

Por que responsabilizamos os Lacocircnios dessas coisas

Pois entre noacutes havia uns caras - e eu natildeo estou falando da cidade 515

lembrem-se disso que natildeo estou falando da cidade ndash

mas de sujeitinhos sacanas mau caraacuteter

despreziacuteveis gente falsa e tambeacutem meio estrangeiros

que costumavam denunciar os pequenos mantos de latilde de Meacutegara

E se viam em algum lugar um pepino uma pequena lebre 520

um leitatildeozinho um dente de alho ou gratildeos de sal

declaravam que essas coisas eram de Meacutegara84

e vendidas no mesmo dia

Certamente isso era sem importacircncia e uma praacutetica nacional

E o caso da cortesatilde Simeta vatildeo agrave Meacutegara

rapazes que se embriagam no jogo de coacutetabo85

e sequumlestram-na 525

Em revanche os megarenses ―brigalhos bons de briga e de alho86

roubam duas cortesatildes de Aspaacutesia

E daiacute a origem da guerra que se abateu

sobre todos os gregos por causa de trecircs putas87

E entatildeo Peacutericles o oliacutempico encolerizado 530

lanccedilava raios trovejava transformava a Greacutecia

e estabelecia leis redigidas como musiquinhas

82 O sentido do verbo refere-se agrave ―elite da sociedade em que natildeo haacute mistura de classes Trata-se pois dos

―purificados 83 Diceoacutepolis faz menccedilatildeo a um terremoto que outrora abalou Esparta Tuciacutedides (I-128) documenta que os

Lacedemocircnios condenaram agrave morte hilotas que se refugiaram no santuaacuterio de Poseidon no cabo Tenaacuterio

Como puniccedilatildeo divina a cidade de Esparta foi arrasada por um cataclismo siacutesmico 84 Por causa do solo natildeo muito feacutertil Meacutegara se desenvolveu no comeacutercio por ser privilegiada com duas saiacutedas

para o mar uma pelo Golfo de Corintho a outra pelo Golfo Sarocircnico (Rachet 1992 155) 85 Jogo muito popular na Greacutecia entre os seacuteculos VI e IV 86 Aristoacutefanes constroacutei o verbo a partir da palavra alho produto oriundo de Meacutegara e que rendeu aos megarenses

por serem briguentos o apelido (Bailly 1950 2107) 87 Quando o poeta afirma que o motivo da guerra se deu por causa de trecircs cortesatildes Embora isso contextualize o

universo ficcional ele levanta de fato um escacircndalo histoacuterico Aspaacutesia meretriz famosa e concubina de

Peacutericles teria sido lograda em duas protegidas pelos megarenses Por este motivo ela convence Peacutericles de deferir o decreto que exclui dos mercados atenienses os produtos vindos de Meacutegara Esta levada ao colapso

econocircmico recorre aos Lacedemocircnios para a revogaccedilatildeo desse decreto Atenas natildeo retira o embargo e a

diplomacia entre Atenas e Esparta que jaacute estava abalada reforccedila a rivalidade entre elas a guerra eacute inevitaacutevel

(Plutarco Vidas Paralelas II-Peacutericles 24 30 31)

258

―que nem na terra nem na aacutegoranem no mar nem no ceacuteu conveacutem ficar os Megarenses

88

E daiacute quando a fome foi batendo aos poucos os cidadatildeos de Meacutegara 535

pediam aos Lacedemocircnios que revogassem

o decreto por causa das prostitutas

E noacutes noacutes frequumlentemente natildeo consentiacuteamos no que estava sendo pedido

E entatildeo nessas circunstacircncias comeccedilava o barulho dos escudos

Algueacutem vai dizer ―Natildeo era necessaacuterio Mas o que era necessaacuterio digam 540

Vejamos Se um dos Lacedemocircnios navegasse num barco

e tivesse achado e vendido um catildeozinho de Seriacutefios

vocecircs ficariam sentados em seus lares89

Entatildeo soacute falta essa

Mas com certeza vocecircs colocariam rapidamente no mar

trezentos navios e a cidade ficaria tomada 545

por causa do tumulto dos soldados do grito de guerra do trierarco90

da entrega do salaacuterio do banho de ouro de Palas Atena

do barulho do poacutertico da medida do trigo

das odres das alccedilas de couro onde se prende o remo das compras de jarros

de alhos de azeites de reacutestias de cebolas 550

de coroas de sardinhas de flautistas de briga

E mais no estaleiro remos satildeo aplainados

cavilhas ressoam buracos por onde passam os remos satildeo furados

toque de flautas dos chefes dos remadores dos apitos dos assovios

Sou testemunha de que vocecircs faziam essas coisas e Teacutelefo91

tambeacutem 555

Natildeo eacute o que pensamos Entatildeo natildeo temos razatildeo

Semi-coro 1Verdade Ordinaacuterio salafraacuterio

Vocecirc um mendigo ousa falar de noacutes dessa maneira

88 Aristoacutefanes se apropria de um pequeno excerto do decreto e transforma-o num refratildeo aos moldes das

canccedilonetas de Timocreonte de Rodes poeta bastante conhecido na Atenas do seacuteculo V aC (Sousa e Silva Os

Acarnenses 1988 120) 89 Serifo minuacutescula ilha pertencente ao arquipeacutelago das Ciacuteclades era aliada de Atenas Na interpretaccedilatildeo de

Sousa e Silva (Os Acarnenses 1988 120) a intenccedilatildeo do poeta eacute mostrar que a intoleracircncia ateniense estaacute nas

pequenas coisas 90 O trierarco era o comandante de um trirremo Em Atenas cabia-lhe a liturgia da trierarquia ie equipar um

navio de guerra para o Estado agrave sua custa Tratava-se portanto de um cidadatildeo abastado (Lavedan 1931

978) 91 De acordo com Thiercy (Les Acharniens 1988 85) este verso eacute tirado da trageacutedia euripidiana Teacutelefo (Fr710)

259

E se houvesse algum sicofanta92

vocecirc o insultariaSemi-coro 2 Por Posidatildeo o que ele estaacute dizendo e da maneira

[como diz 560

todas essas coisas satildeo justas e em nada disso ele estaacute mentindo

Semi-coro 1 Mesmo se satildeo justas era preciso que ele falasse essas coisas

Mas natildeo ousaraacute mais falar isso com alegria Semi-coro 2 Ei vocecirc aiacute Para onde estaacute correndo Natildeo vai ficar parado

[Se vocecirc for bater

nesse homem eacute vocecirc mesmo quem vai ser mandado rapidamente

[para os ares 565 Semi-coro 1Oh Lacircmacos lanccedilador de olhares fulminantes

Venha em socorro oh portador do capacete da cabeccedila da Goacutegona93

[apareccedila

Oh Lacircmacos oh amigo e companheiro

E se haacute aqui algum taxiarco ou estratego94

ou

ou um homem defensor de mulheres que venha em meu socorro 570

Raacutepido Pois eu estou sendo agarrado pela cintura Lam Escutei um grito de guerra de onde veio

Onde eacute preciso ajudar Onde eacute preciso lanccedilar o tumulto do combate

Quem provocou minha Goacutergona para fora de sua armadura Dic Oh Lacircmacos heroacutei dos penachos e das tropas de soldados 575 Semi-coro 1Lacircmaco natildeo eacute que esse homem haacute algum tempo

toda nossa cidade estaacute insultando Lam Ei fulano Vocecirc tem a coragem de dizer essas coisas sendo um mendigo

Dic Oh heroacutei Lacircmaco mas me perdoe

se eu um mendigo disse e falei algo demais

92 A palavra sicofanta tomou o sentido de ―denuciante ―delator Apesar de a etimologia ser duvidosa crecirc-se

que o vocaacutebulo eacute composto de σῦκον (figo) e φαίνω (ver descobrir) (Chantraine 1999 1069) No periacuteodo

claacutessico o comeacutercio de figo era proibido fora da Aacutetica e cabia aos cidadatildeos denunciar o contrabando Daiacute o

nome sicofanta associado ao cidadatildeo que fazia dessa praacutetica um meio de vida(Lavedan 1931 907) 93 Medusa era das trecircs Goacutergonas a uacutenica mortal A crenccedila popular de que quem fosse visado pelo olhar dela

seria transformado em pedra levou agrave representaccedilatildeo da cabeccedila ou gorgoneion como uma imagem protetora em

armaduras (Harvey 1998 250) 94 O taxiarco era o comandante da infantaria e o estratego o general ou chefe do exeacutercito

260

LamEntatildeo o que vocecirc disse a nosso respeito Natildeo vai dizer

Dic Eu nem sei mais 580

Fico zonzo de medo de tuas armas

E te suplico leve para longe de mim essa Mormona95

Lam Pronto Dic Agora a coloque de lado e de costas para mim

LamEstaacute colocado

DicVamos Agora decirc para mim a pluma do elmo

LamEsta pluminha aqui eacute para vocecirc

Dic Agora pega a minha cabeccedila 585

porque vou vomitar pois tenho horror a teus penachos LamOh homem o que vocecirc vai fazer Por causa dessa pluminha vocecirc estaacute prestes a

[vomitar

Dic Eacute uma pluminha Entatildeo me diga de qual

paacutessaro eacute Acaso eacute de um certo Parlapatatildeo96

Lam Ai que eu vou te matar

Dic De jeito nenhum Lacircmacos 590

Afinal natildeo eacute uma questatildeo de forccedila E se vocecirc eacute tatildeo forte

por que natildeo me regaccedilou Se vocecirc estaacute armado dos peacutes agrave cabeccedila LamVocecirc um mendigo falando assim com um general

Dic Eu Eu sou mendigo Lam Mas entatildeo quem eacute vocecirc

Dic Quem Um bom cidadatildeo e natildeo um ambicioso 595

Desde a guerra comeccedilou eu sou um batalhador

enquanto que vocecirc desde que a guerra comeccedilou eacute um mercenaacuterio97

95 Monstro imaginaacuterio do gecircnero feminino com que se fazia medo agraves crianccedilas gregas (Thiercy Les Acharniens

1988 87) 96 Diceoacutepolis interrompe Lacircmaco no momento em que este revelaria a procedecircncia da pluma certamente de

uma ave nobre Por conta do riso e da invectiva pessoal Aristoacutefanes inventa a palavra composta de κομπός

(fanfarratildeo parlapatatildeo) e o verbo λακέω (estrondear) 97 Aristoacutefanes emprega trecircs patroniacutemicos cocircmicos Espudarquides Estratonides e Mistarquides filho da

ambiccedilatildeo filho de general e filho de quem comanda o pagamento da tropa respectivamente

261

LamOra me elegeram

Dic os trecircs patetas

98

E entatildeo tendo aversatildeo a essas coisas fiz uma treacutegua

De um lado via homens grisalhos nos batalhotildees 600

de outro jovens como vocecirc dando no peacute

Os da Traacutecia estatildeo recebendo um pagamento de trecircs dracmas

uns Tisamenofenipos uns patifes de Hipaacuterquides

outros com Cares outros estatildeo na terra dos Caones

uns metade Geres metade Theodoro outros fanfarrotildees de Diomia 605

outros ainda em Camarina e tambeacutem em Gela e tambeacutem na Catagela99

Lam Mas foram eleitos

Dic E por que motivoSeja como for vocecircs sempre recebem um salaacuterio

e esses aqui nada Deveras oacute Mariacutelades

Vocecirc acarnense com esses cabelos grisalhos jaacute foi embaixador

[uma vez 610

Ele fez sinal negativo com a cabeccedila E no entanto eacute um homem prudente e

[trabalhador

Ei Antracilo Eufoacuterides ou Priacutenides

Algum de vocecircs viu Ecbaacutetanos ou Caocircnia101

Natildeo dizem Mas e o filho de Ceacutesira e o Lacircmacos

Para esses aiacute por causa das contribuiccedilotildees e das diacutevidas ainda ontem 615

da mesma maneira que os que derramam aacutegua suja do banho agrave noite

todos os amigos sem exceccedilatildeo aconselhavam ―Pra fora

Lam Oacute democracia Essas coisas (satildeo) assim toleraacuteveis Dic Eacute claro que natildeo a natildeo ser que Lacircmaco receba um salaacuterio

98 A cultura grega atribui ao cuco o siacutembolo da estupidez 99 Tisamenos Fenipo Hiparquides Cares Geres e Theodoro satildeo alvos da invectiva aristofacircnica Infelizmente

nos satildeo nomes desconhecidos mas certamente natildeo o eram para o puacuteblico Os Caones eram uma tribo do Epiro com quem Atenas esteve em guerra em 430 e 429 aC Diomia era um demos da Aacutetica Camarina e

Gela eram cidades sicilianas e o uacuteltimo termo eacute um topocircnimo forjado que repete a palavra anterior Gela e

sugere ao mesmo tempo o verbo γελάω (rir) (Sousa e Silva Os Acarnenses 1988 121-122) 100 Esses nomes fazem alusatildeo agrave atividade carvoeira Μαριλάδης eacute derivado de μαρίλη ndash fuligem ndash

Ανθράκυλλος de ἄνθραξ ndash carvatildeo ndash Εὐφορίδης significa ndash o bom carregador ndash e Πρινίδης refere-se a

πρῖνος ndash carvalho ndash mateacuteria prima para o carvatildeo 101 Ecbaacutetanos era uma cidade oriental siacutembolo de requinte e luxo (Sousa e Silva Os Acarnenses 1988 122)

262

Lam Pois bem eu a todos os Peloponeacutesios 620

sempre vou declarar guerra e aterrorizaacute-los em todo lugar

com minhas naus e tambeacutem com minhas infantarias usando a forccedila DicPois eu convoco os Peloponeacutesios

todos sem exceccedilatildeo os Megarenses e tambeacutem os Beoacutecios

para negociar e vir agrave praccedila comigo mas com Lacircmaco natildeo 625

Co Esse fulano triunfa graccedilas a seus argumentos e fez o povo mudar de opiniatildeo

a respeito das treacuteguas Bem tirando o manto vamos aos anapestos102

102 Esse verso encerra o agoacuten e anuncia a paraacutebase parte da comeacutedia em que o coro avanccedilava em direccedilatildeo ao

puacuteblico a fim de expor-lhe por intermeacutedio do corifeu os pontos de vista e as reclamaccedilotildees do autor e oferecer-

lhe conselhos

263

Tesmoforiantes ndash agon ndash (vv 381-530)

Co Silecircncio Silecircncio Atenccedilatildeo Pois agora ela comeccedilou a escarrar

como fazem os oradores Pelo jeito vai falar bastante

Mulher 1 Certamente natildeo foi por ambiccedilatildeo mas por Demeacuteter e Perseacutefone103

que me levantei para falar mulheres

Como sou infeliz jaacute haacute algum tempo suporto com dificuldade 385

sermos insultadas por Euriacutepides o filho da verdureira104

103 De acordo com o texto da comeacutedia pelas duas deusas Como se trata de Demeacuteter e Perseacutefone entatildeo estes

nomes foram inseridos agrave traduccedilatildeo Demeacuteter a matildee-terra eacute na mitologia grega a mais importante das

divindades da fecundidade encarnaccedilatildeo da terra que nutre Quanto agrave Perseacutefone filha de Demeacuteter esta deusa

tem seu culto ligado ao da matildee A este respeito cf Lavedan 1931 747-748) 104 O fato de a matildee de Euriacutepides ser uma verdureira talvez provenha de um fragmento da trageacutedia euripidiana A

saacutebia Melanipa em que a matildee de Melanipa era uma vendedora de hortaliccedila Daiacute a procedecircncia sobre a matildee

do tragedioacutegrafo (Euriacutepides Trageacutedias I ndash1999 14-15) Segundo Lesky (1995 392) Euriacutepides vem de uma

famiacutelia rica e foi a Comeacutedia que fez de seus progenitores um merceeiro e uma vendedora de hortaliccedila

264

e mais ainda de ouvirmos todo tipo de ultrajesDos insultos qual entatildeo esse aiacute natildeo nos cobreOnde ele natildeo nos caluniou Mesmo onde 390

haacute poucos espectadores atores e tambeacutem coros

caluniou-nos de levianas de taradas por homens

de beberronas de traidoras de tagarelas

de uns zero agrave esquerda de flagelo para os homens

De tal maneira que eles assim que retornam do teatro 395olham-nos com desconfianccedila e logo observam

se natildeo haacute em casa algum amante escondido

A noacutes nada mais eacute permitido fazer como antes

tais satildeo as coisas ruins que esse aiacute mostroua nossos maridos A ponto de se alguma mulher entrelaccedila 400

uma coroa apaixonada parece Se deixar cairalgum utensiacutelio na casa indo de um lado a outro

o marido pergunta ―por causa de quem a marmita foi quebrada105

―Soacute pode ser por causa do hoacutespede de Corinto106

Se alguma jovem fica doente logo o irmatildeo diz 405

―Essa cor da jovem natildeo me agrada

E ainda se alguma mulher esteacuteril de filhos quer prever um

nem isso estaacute em segredoPois agora seus maridos ficam de olhos bem abertos

E os velhos que antes sob influecircncia dele 410

desposavam as jovens ele caluniou de tal modo que nenhum velho

105 Segundo Sousa e Silva (As Mulheres que celebram as Tesmofoacuterias 1988 124) Aristoacutefanes estaria

parodiando cenas da trageacutedia de Euriacutepides mas que satildeo difiacuteceis de recuperaccedilatildeo A uacutenica cena parodiada que

se pode identificar eacute a que alude ao verso 404 (cf supra nota 9) 106 Pelo hoacutespede de Corinto foi a resposta de Estenebeia na peccedila euripidiana de mesmo nome a Belerofonte

265

quer casar com uma moccedila por causa desse conselho

para o velho noivo esposa eacute patroa107

E mais por causa dele que nos gineceus

agora colocam lacres e trancas 415para nos guardar e ainda criam

catildees molossos o terror dos amantes

Mas se por um lado essas coisas satildeo perdoaacuteveis por outro aquilo que antigamente

nos cabia administrar pegar farinha azeite e vinho

sem sermos percebidas nada disso agora 420eacute permitido Pois os maridos agora trazem

consigo trancas secretas detestaacuteveisalgumas laconianas

108 com trecircs dentes

Antigamente para abrir a porta era possiacutevelfazer um sinete por trecircs oacutebolos 425Mas agora esse arruinador de lares do Euriacutepides lhesensinou a ter chancelas de pau carunchosastrazidas ao corpo Consequumlentemente quanto a isso me pareceque de alguma maneira noacutes devemos tramar sua ruiacutena

ou com veneno ou com um artifiacutecio qualquer109

430

a fim de que ele desapareccedila Essas coisas eu publicamente digo

e o resto em companhia da redatora110

redigirei

Co Jamais ouvi mulher

mais sagaz do que esta

107 Segundo Coulon (Les Thesmophories1967 35) essa passagem faria alusatildeo agrave trageacutedia Feacutenix de Euriacutepides da

qual apenas nos chegaram fragmentos 108 Essas chaves recebiam o nome do lugar de onde provinham bem como sapatos e outros objetos (Cf

Chantraine 1999 614) 109 Alusatildeo agrave trama de Medeacuteia na trageacutedia euripidiana de mesmo nome 110 De acordo com Coulon (Les Thesmophories 1967 36) trata-se de uma foacutermula comum dos que acusavam

que preferiam registrar por escrito alguns fatos demasiadamente graves a deixarem registrados apenas

verbalmente

266

nem mais eloquumlente falando 435

pois as coisas que ela diz satildeo justas

Todos os aspectos examinou com cuidadoconsiderou tudo de modo prudente em sua reflexatildeo

encontrou palavras sutis e bem aprimoradas

De modo que se Xeacutenocles111

o filho de Carcino 440 falasse como ela a todas vocecircs ele pareceria penso eu

dizer absolutamente nadaMulher 2 Por causa de poucas palavras e do mesmo modo que ela avancei diante da

[assembleacuteia para falar

De um lado eacute sim verdade que essas coisas ela acusou bem

de outro quero falar das coisas que eu eu sofri 445

Pois quanto a mim meu marido morreu em Chipre

deixando cinco filhinhos que eu com muito custo

alimentava tranccedilando coroas no mercado de mirtos112

Durante todo esse tempo eacute que os alimentava bem ou mal

Mas agora esse aiacute que em suas trageacutedias113

trabalha 450

convenceu os homens de que os deuses114

natildeo existem

de modo que natildeo vendemos mais nem mesmo a metadeAgora de fato a todas sem exceccedilatildeo recomendo e digo

111 Xeacutenocles poeta traacutegico de maacute reputaccedilatildeo (Cf Bailly 1950 1341) Mais informaccedilotildees sobre a vida desse

poeta Sousa e Silva (As Mulheres que celebram as Tesmofoacuterias 1988 120) 112 Segundo Coulon (Les Thesmophories1967 p36) o mercado de flores ou mercado de mirtos era tambeacutem

chamado de mercado de coroas E de acordo com Lavedan (1931 303) Atenas e as principais polis gregas

possuiam um mercado de coroas 113 Para Coulon (Les Thesmophories 1967 36) trata-se de uma expressatildeo popular para a artesatilde de coroas de

flores Euriacutepides trabalha a trageacutedia como ela proacutepria trabalha as flores Eacute a aproximaccedilatildeo da atividade

intelectual com a manual que proporciona um efeito risiacutevel ao texto 114 Essa mesma acusaccedilatildeo de ateiacutesmo apareceraacute em As Ratildes (v889-894) No entanto a biografia de Euriacutepides natildeo

confirma essa acusaccedilatildeo Lesky (1995 374) informa-nos que a primeira obra que Protaacutegoras o fundador da

sofiacutestica leu em puacuteblico foi Sobre os deuses (Peri~ qew~n) e que a casa de Euriacutepides teria sido o lugar onde se

efetuou a leitura que rezava o seguinte Dos deuses natildeo me eacute dado saber se existem ou natildeo existem nem qual

eacute a sua forma Pois haacute muitas coisas que impedem sabecirc-lo a sua invisibilidade e a brevidade da vida do

homem) Por este fato Aristoacutefanes tenha talvez se aproveitado da simpatia que Euriacutepides mantinha pelo

movimento sofista e atribuiacutedo ao poeta traacutegico a descrenccedila nos deuses

267

para castigar esse homem por muitas razotildees

afinal a noacutes oacute mulheres ele nos afronta de maneira selvagem e ruim 455

assim como foi educado nos campos de legumes

Mas vou para a aacutegora porque eacute preciso entrelaccedilar

vinte coroas encomendadas por uns homens115

Co Novamente uma outra forccedila de vontade forccedila essa que

se mostrou mais engenhosa ainda que a primeira 460

Como tagarelounatildeo sem propoacutesito mas com bom senso

e de maneira bastante complexa pensada sem

sem ser incompreensiacutevel mas em tudo convincente116

Entatildeo eacute visivelmente necessaacuterio dar uma puniccedilatildeo ao autor 465

[desse ultraje contra noacutes

Mnesiacuteloco Que vocecircs mulheres irritarem-se pra valer

contra Euriacutepides ao ouvirem tais coisas ruins

natildeo eacute de admirar nem que a bile de vocecircs queime

Pois nessas condiccedilotildees pudesse ―euzinha ser feliz com meus filhos

Odeio esse homem a menos que eu seja louca 470

No entanto conveacutem darmos ―uma palavrinha entre noacutes

pois estamos agindo sozinhas sem divulgaccedilatildeo de nossa discussatildeoComo vamos acusaacute-lo com essas coisasEacute difiacutecil de suportarmos se eacute verdade duas ou trecircs das nossas

115 O uso de coroas poderia estar ligado agrave vida religiosa militar ou civil Se os negoacutecios de coroas estavam em

crise em relaccedilatildeo agrave religiatildeo certamente encontravam uma saiacuteda em atividades militar e civil 116 Na anaacutelise de Coulon (Les Thesmophories 1967 37) o discurso da Segunda Mulher eacute mais engenhoso que o

precedente porque ela tem razotildees pessoais contra Euriacutepides aleacutem de mais curto e mais simples e cheio de

bom senso o discurso eacute de fato faacutecil de entender e convincente

268

maldades que ele disse sabendo bem que as fazemos em grande nuacutemero 475

Pois eu proacutepria em primeiro lugar para que eu natildeo fale de uma outraeu eacute que bem sei de minhas coisas horriacuteveis e estas na verdade satildeo muitas

A mais terriacutevel foi quando eu estava casada haacute trecircs dias

e meu marido dormia do meu lado Entatildeo meu amante

que me desflorou estando eu com sete anos 480

veio ateacute mim por causa de um desejo amoroso e raspava a porta

Imediatamente entendi e em seguida desci secretamente

O meu marido perguntou ―Onde vocecirc estaacute descendo ―Onde

ndash Me deu uma dor de barriga marido e que dor

para a latrina entatildeo eu vou ndash ―Entatildeo vai 485

Enquanto ele esmagava117

o zimbro a erva-doce e a salva

eu derramava aacutegua na dobradiccedila118

e saiacute em direccedilatildeo a meu amante Em seguida me apoiava

ao peacute do Agieu119

com o corpo inclinado ao loureiro

Vejam bem isso jamais Euriacutepides disse 490e nem que levamos uns amaccedilos dos escravos e dos condutores de mulas

quando natildeo fazemos outra coisa Isso ele tambeacutem natildeo disse

Nem quando somos plenamente acaricidas por um qualquer

agrave noite e de manhatilde mascamos alho

para que o marido sinta ao voltar da muralha 495

e nem desconfie que faziacuteamos algo errado Isso veja bem

jamais ele falou Se ele insulta Fedra120

Para noacutes o que isso significa Ele jamais falou

117 Segundo Coulon (Les Thesmophories 1967 38) o marido preparava um remeacutedio para a esposa 118 Coulon (Les Thesmophories1967 38) observa que nessa passagem a mulher preferiu aacutegua ao oacuteleo para natildeo

deixar marcas no chatildeo 119 Agieu ( jAguia~) eacute um dos epiacutetetos de Apolo e significa protetor das ruas Era frequumlente ter agrave porta das casas

um pilar ou um altar em homenagem ao deus (Cf Bailly 1950 18 Lavedan 1931 73-81) 120 Diz o mito que Fedra foi uma princesa filha de Minos e Pasiacutefae que se casou com Teseu rei de Atenas e

apaixonou-se pelo enteado Hipoacutelito nome este tambeacutem da trageacutedia euripidiana Aristoacutefanes vecirc em Fedra o

exemplo da mulher sem escruacutepulos dado que na trageacutedia eacute marcado pelo amor natildeo correspondido A

repugnacircncia de Hipoacutelito pela madrasta leva-o agrave morte apoacutes Fedra tecirc-lo acusado falsmente a Teseu de uma

tentativa de ultraje

269

da mulher que ao mostrar ao marido o manto

para que ele veja como ele eacute agrave luz como eacute esconde 500

o amante e o faz escapar Isso tambeacutem ele natildeo falou

Eu conheccedilo uma outra mulher que dizia ter dores de parto

haacute dez dias ateacute que comprou uma criancinha

O marido corria pra laacute e pra caacute para comprar um remeacutedio que facilitasse o parto

E entatildeo uma velha trouxe a criancinha numa panela 505

e para que natildeo gritasse meteu-lhe um favo de cera121

Em seguida a um sinal imediatamente comeccedila a berrar

―Sai sai depressa homem acho que

vou dar agrave luz Pois a coisinha bateu com os peacutes no interior da panela

Enquanto o marido corria com alegria a velha arrancava o favo de cera 510

da boca da crianccedila que comeccedilou a gritar forteEm seguida a velha asquerosa que tinha trazido a crianccedila

corre sorrindo em direccedilatildeo ao homem e diz

―um leatildeo um leatildeo te nasceu o mesmo retrato teu

Em tudo puxou a vocecirc ateacute 515

naquilo se parece virado como um tufo florido de pinha

Essas coisas horriacuteveis natildeo fazemos Por Aacutertemis

fazemos sim E depois nos irritamos com Euriacutepides

quando nem sofremos mais do que merecemos122

Co Isso eacute sem duacutevida extraordinaacuterio 521

Onde foi achada essa coisa

121 Segundo interpretaccedilatildeo de Coulon (Les Thesmofories 1967 39) o favo era para a crianccedila chupar 122 Essa passagem eacute uma paroacutedia da peccedila Teacutelefo de Euriacutepides (frag 712) Na anaacutelise de Sousa e Silva (As

mulheres que celebram as Tesmofoacuterias1988 14) Teacutelefo e o seu discurso satildeo mais um exemplo da formaccedilatildeo sofiacutestica e retoacuterica de Euriacutepides do seu gosto sempre entusiasta por confrontos verbais e discussotildees

polecircmicas E Aristoacutefanes cria em As mulheres que celebram as Tesmofoacuterias uma reacuteplica da assembleacuteia dos

Aqueus em Teacutelefo preenchida por longos discursos em que Mnesiacuteloco e as mulheres se debatem num tema

particularmente delicado Euriacutepides o antifeminista

270

em que regiatildeo cresceu

essa aiacute atrevida assim

e dizer tais coisas a malandra

abertamente assim sem pudor 525Nunca imaginaria isso entre noacutes

nem que ousasse contra noacutes

Mas tudo pode acontecer a partir de agora

Concordo com o antigo proveacuterbio

―de baixo de toda pedra eacute preciso

olhar para que um orador natildeo morda123

530

123 Segundo Coulon (Les Thesmophories 1967 39) trata-se de uma paroacutedia de uma canccedilatildeo que dizia debaixo de

cada pedra um escorpiatildeo Amigo cuidado Aristoacutefanes faz uma paroacutedia da canccedilatildeo agraves circunstacircncias da comeacutedia

e alerta o perigo dos oradores para a sociedade

271

Tesmaforiantes ndash cena iacircmbica (vv 531-573)

Co Mas natildeo haacute nada pior do que mulheres descaradas por natureza

no que diz respeito a tudo exceto isto eacute se for mulheres

Mica Por Aglaura124

mulheres vocecircs natildeo estatildeo certamente pensando bem

ou vocecircs foram enfeiticcediladas ou outra coisa muito ruim vocecircs sofreram

para permitir esse flagelo de insultar dessa maneira 535

a todas noacutes Se haacute algueacutem que mas se natildeo haacute noacutes

mesmas e tambeacutem nossas criadinhas pegando cinza em algum lugar

depilaremos a ―xereca dessa aiacute para que aprenda

como mulher a natildeo falar mal das mulheres de agora em diante

Mnesiacuteloco Mulheres por favor Minha ―xereca natildeo Pois se haacute 540

liberdade de expressatildeo entatildeo que seja permitido falar agrave medida que cidadatildes que estatildeo

presentes

eu conhecia coisas justas sobre Euriacutepides e entatildeo eu disse

Por causa disso como puniccedilatildeo eacute necessaacuterio que eu seja depilada por vocecircs

Mulher 1 Entatildeo natildeo eacute necessaacuterio te dar um castigo Vocecirc que sozinha

teve a coragem de

falar a favor desse homem que nos fez tanta coisa ruim 545

encontrando de propoacutesito assuntos em que uma mulher perversa

apareceria representando Melanipas e Fedras Mas Peneacutelope125

jamais ele representou porque parecia ser uma mulher sensata

Mnesiacuteloco Eu bem sei a causa Mas natildeo se pode nomear uma uacutenica

Peneacutelope entre as mulheres hoje em dia satildeo todas Fedras sem exceccedilatildeo 550

Mulher 1Vocecircs estatildeo ouvindo mulheres o que disse a safada de noacutes todas outra vez

Mnesiacuteloco Por Zeus126

ainda natildeo

disse tudo o que eu sei querem que eu nessas condiccedilotildees fale mais

Mulher 1 Mas vocecirc natildeo teria mais Tudinho que vocecirc sabia vocecirc despejou

Mnesiacuteloco Por Zeus nem a mileacutesima parte do que fazemos 555

assim natildeo falei que veja bem pegando um raspador127

em seguida sugamos com um

sifatildeo o vinho

124Embora o registro do nome seja com ―o preferiu-se a forma com ―a pois trata-se do sexo feminino Aglaura

era uma das trecircs filhas de Ceacutecrops rei miacutetico de Atenas e considerada sacerdotisa de Atena (Para uma literatura

mais vasta cf Lavedan 1931 24) 125 Melanipa a matildee que abandona os filhos e Fedra a matildee que mata os filhos satildeo protagonistas da cena

euripidiana (Cf supra notas 3 e 24) e aos olhos da comeacutedia representam o modelo de mulheres perversas em

oposiccedilatildeo agrave Peneacutelope fiel esposa que espera a volta do marido Ulisses na Odisseacuteia 126 Zeus eacute o mais importante deus da mitologia grega (Cf Lavedan 1931 1025-1036) 127 O raspador (stleggiv) podia denominar dois tipos de objetos bem diferentes tipo de fivela em couro ou

metal que as mulheres usavam no penteado ou um raspador usado nos banhos e nos ginaacutesios que possuia um

cabo oco para coletar o suor (Cf Bailly 1950 1794) Eacute este segundo sentido que estaacute sendo utilizado por

272

Mulher 1Vai se danar

Mnesiacuteloco que ainda as carnes vindas das Apatuacuterias128

damos agraves prostitutas e depois

dizemos que a doninha129

Mulher 1 Pobre de mim Vocecirc estaacute dizendo besteiras

Mnesiacuteloco nem que uma outra matou o marido com um machado 560

eu natildeo disse Nem que uma outra enlouqueceu o marido com drogas

nem que outrora enterrou na banheira

Mulher 1 Vai se danar

Mnesiacuteloco uma acarnense130

o pai

Mulher 1 Pode-se essas coisas serem suportaacuteveis de ouvir

Mnesiacuteloco nem que vocecirc quando a criada deu agrave luz a um menino

se apropriou dele e para ela deixou sua filhinha131

565

Mulher 1 Quanto a vocecirc pelas duas deusas dizendo essas coisas vocecirc natildeo escaparaacute do

castigo

eu vou te arrancar os cabelos132

Mnesiacuteloco Por Zeus vocecirc natildeo vai me tocar

Mulher 1 Entatildeo toma

Mnesiacuteloco Toma vocecirc tambeacutem

Mulher 1 Pegue no meu manto amiga Filista133

Aristoacutefanes Trata-se de um raspador em cujo cabo oco era colocado vinho pelas mulheres para tomaacute-lo agraves

escondidas (Cf Coulon Les Thesmophories 1967 41) 128 Segundo Sousa e Silva (As mulheres que celebram as Tesmofoacuterias 1988 126) as Apatuacuterias eram um festival

anualmente realizado em homenagem a Zeus Fraacutetrio e Atena Fraacutetria pelos membros das fratias E de acordo

com Coulon (Les Tesmophories 1967 41) no terceiro dia desse festival os maridos traziam sobras de

comida a suas esposas 129 A galevh era um nome reservado a diversos animais tais como doninha mamiacutefero carniacutevoro fuinha gata

(Cf Bailly 1950 386) 130 Acarnenses refere-se agraves pessoas que vivem no demos de Acarnes onde se desenvolvia a atividade carvoeira

Esse lugar inspirou Aristoacutefanes na comeacutedia Os Acarnenses 131 Segundo Bonnard (1980 132) a uacutenica ocupaccedilatildeo da mullher eacute dar ao marido os filhos varotildees que ele deseja

e aos sete anos esses lhe satildeo tirados No caso de filhas a matildee fica com elas e as educa no gineceu Atraveacutes

dessa informaccedilatildeo pode-se imaginar que muitas mulheres que natildeo tinham a sorte de ter varotildees usassem de

estrateacutegias escusas para obter um 132 Aristoacutefanes faz aqui um jogo de palavras entre o vejkpokivzw forjado pelo poeta a partir do substantivo

pokav crina que nesse caso refere-se jocosamente aos cabelos humanos 133 Segundo Bailly (1950 2072) Fivlisth eacute um nome proacuteprio que remete a outro nome proacuteprio Fivlisto que

por sua vez remete a fivlo cujo significado eacute amigo amado querido etc Como foi feito com os outros nomes

(cf supra nota 1) para dar uma ideacuteia da etimologia do nome optou-se pelo aposto que nesse caso eacute o vocaacutebulo

amiga que natildeo estaacute presente no texto original

273

Mnesiacuteloco Daacute uma soacute e por Aacutertemis eu te

Mulher 1 O que vocecirc vai fazer

Mnesiacuteloco o bolo de seacutesamo que vocecirc devorou vou te fazer colocaacute-lo pra fora 570 Coro Parem com os insultos pois uma mulher em direccedilatildeo agrave noacutes

corre com todo esforccedilo Portanto antes de chegar aqui

silecircncio para que sem bagunccedila saibamos dela as coisas que vai dizer

274

Paz ndash agon (vv 601-657)

Co Mas onde durante todo esse tempo e longe de noacutes esteve

a Tal134

Conta isso pra gente oacute o mais bonzinho dos deuses

Her Pobres agricultores prestem bastante atenccedilatildeo

no que vai ser dito se querem saber como Ela desapareceu

Em primeiro lugar isso comeccedilou com Fiacutedias135

que agiu mal 605

Em seguida Peacutericles com medo de que participaria da mesma sorte

134 Refere-se agrave Paz 135 Aristoacutefenes faz menccedilatildeo a um escacircndalo em que o escultor Fiacutedias contratado por Peacutericles teria superfaturado

na construccedilatildeo da estaacutetua de Atena Isso levou a Assembleacuteia a condenaacute-lo ao exiacutelio

275

temendo a maneira de ser e o caraacuteter irasciacutevel de vocecircs

e antes de ele mesmo sofrer algo terriacutevel pocircs fogo na cidade

lanccedilando uma pequena fagulha no decreto de Meacutegara136

aticcedilando uma guerra de modo que a fumaccedila 610

fez chorar todos os gregos tanto os de laacute quanto os daqui

Entatildeo jaacute que Ela ouviu que uma videira estremeceu pela primeira vez

que um barril tinha se chocado com raiva com outro barril

e que natildeo havia ningueacutem que parasse isso Ela se escafedeu

Tr Ixe Por Apolo Eu natildeo ouvi da boca de ningueacutem essas coisas 615

E nem ouvi falar que Fiacutedias teria algo a ver com Ela

Co Nem eu soacute agora Por causa disso Ela era bonita

por ser obra dele Quanta coisa escapa ao nosso conhecimento

Her Em seguida quando as cidades submissas a vocecircs se deram conta

de que vocecircs brigavam uns com os outros e rangiam os dentes 620

e temendo os tributos maquinaram tudo contra vocecircs

e corrompiam com riquezas os mais importantes lacedemocircnios

Esses entatildeo que satildeo gananciosos e que enganam os estrangeiros

Baniram-na vergonhosamente e agarraram com ardor a Guerra

Entatildeo os lucros deles eram prejudiciais aos agricultores 625

pois as trirremes daqui tambeacutem por vinganccedila

consumiam as figueiras dos homens que natildeo tinham culpa

Tr Justiccedila seja feita Pois a minha figueira negra

a que eu plantei e cuidei eles derrubaram

136 Esse decreto teria sido o estopim para a rivalidade jaacute haacute muito existente entre Atenas e Esparta

276

Co Sim por Zeus meu caro Justiccedila seja feita pois no meu caso eles lanccedilaram pedras 630

e destruiacuteram um depoacutesito de trigo de seis medimnos137

Her Pois entatildeo quando o trabalhador veio em massa dos campos

natildeo compreendeu que estava sendo vendido da mesma maneira

e porque estava sem o bagaccedilo da uva e gostava de figos secos

recorreu aos oradores Esses entatildeo sabendo bem 635

que os coitados estavam cansados e necessitados de comida

expulsaram a deusa aos berros

Ela que muitas vezes apareceu espontaneamente por amor a esta terra

Entatildeo dos aliados os que eram fortes e ricos eles deram uma sacudida

declarando a seguinte acusaccedilatildeo ―eacute do partido do Brasidas138

640

Entatildeo vocecircs como catildees dilaceravam o acusado

Pois a cidade paacutelida e com medo das caluacutenias

que pudessem lanccedilar contra ela regalava-se com isso da maneira mais prazerosa

E eles os estrangeiros vendo que levavam porradas

enchiam de ouro a boca dos que faziam essas coisas 645

de tal modo que esses aiacute fizeram fortuna enquanto a Greacutecia

se subtraiacutea sem que vocecircs percebessem E o feitor de tudo isso era um curtidor139

Tr Pare pare Hermes soberano condutor dos mortos nem me fale

Mas deixe esse homem onde ele estaacute laacute embaixo

Pois natildeo eacute mais dos nossos esse fulano mas seu 650

Assim tudo o que vocecirc venha a dizer dele

Se era um patife quando vivo

137 Medida equivalente a 320 litros 138 Aristoacutefanes se refere agrave traiccedilatildeo de alguns atenienses na tomada de Atenas por Brasidas comandante dos

espartanos 139 Trata-se do demagogo Cleatildeo Nas primeiras peccedilas de Aristoacutefaens Acarnenses (425) Cavaleiros (424) e

Vespas (422) Cleatildeo era vivo Seu falecimento portanto deve ter sido entre 422 e 421 quando Paz foi

encenada

277

falador delator

embromador agitador

Todas essas coisas agora 655

atingem os da sua gente

Mas por que vocecirc estaacute calada oacute divina Diga-me

278

Aves ndash agon (vv 451-638)

CORO Traiccediloeiro em todas as coisas

eacute por natureza o homem Mas apesar disso fala

Revelarias talvez

Uma qualidade que percebes em mim ou uma forccedila maior 455

posta de lado por meu espiacuterito simploacuterio

Isto que vecircs traz a puacuteblico O que me proporcionares de bom

de todos seraacute

CORIFEU O motivo seja qual for que trouxe vocecirc aqui para nos convencer

fale confiante A treacutegua natildeo seremos os primeiros a romper 461

BOM DE LAacuteBIA

Por Zeus Estou louco para falar Eu jaacute preparei um discurso

o que natildeo impede de sovaacute-lo mais um pouco (a um escravo)

Rapaz traga uma coroa E para lavar as matildeos aacutegua por favor Raacutepido

TUDO AZUL (para BL) Vamos comer Ou o quecirc

BOM DE LAacuteBIA Natildeo por Zeus Mas haacute tempo procuro dizer algo uma fala grande

e gorda que lhes dilacere a alma (para o coro inspirado) 466

Eu sofro tanto por vocecircs que antes foram reis

CORIFEU

Noacutes reis De quem

BOM DE LAacuteBIA

Vocecircs sim

De tudo quanto haacute a comeccedilar de mim (apontando TA) dele e do proacuteprio Zeus Vocecircs satildeo mais antigos satildeo anteriores a Crono aos Titatildes e agrave Terra

CORIFEU

Agrave Terra

BOM DE LAacuteBIA

Sim por Apolo

CORIFEU

Por Zeus Isso eu nunca soube 470

279

BOM DE LAacuteBIA

Ignorante por natureza sem um pingo de curiosidade nunca leu Esopo Ele afirmava que de todas as aves a cotovia foi

a primeira a nascer anterior agrave terra Depois o seu pai morreu

doente a terra natildeo existia e ele ficou exposto por cinco dias

Entatildeo ela num impasse sem outro recurso sepultou o pai na cabeccedila 475

TUDO AZUL

E o pai da cotovia jaz agora em Cabeccedilas

BOM DE LAacuteBIA

Entatildeo se antes da Terra e antes dos deuses nasceram

por serem os mais antigos natildeo lhes cabe por direito a realeza

TUDO AZUL

Sim por Apolo Eacute melhor cuidar bem de seu bico daqui para frente

Zeus natildeo restituiraacute de pronto o cetro ao pica-pau 480

BOM DE LAacuteBIA

De que os deuses natildeo comandavam os homens no passado

nem eram reis mas sim as aves haacute muitas provas

Para comeccedilar eu mostrarei primeiro que o galo foi senhor e comandou os persas todos antes de Dario e Megaacutebazo

por causa desse comando eacute chamado de ave persa 485

TUDO AZUL

Por isso eacute que ainda hoje uacutenico entre as aves desfila

como o Grande Rei mantendo o turbante reto sobre a cabeccedila

BOM DE LAacuteBIA

Ele foi forte e poderoso um dia e muito Tanto que ainda hoje

devido ao poder passado soacute quando ele canta de madrugada saltam todos para o trabalho ferreiros oleiros curtidores 490

sapateiros criados moleiros fabricantes de liras e de armas

Outros calccedilam as sandaacutelias e se potildeem a caminho ainda de noite

TUDO AZUL

Eu eacute que sei

Um manto de latilde friacutegia perdi pobre de mim por causa dele Uma vez chamado para uma festa bebericava na cidade 494

e logo adormeci Antes que os outros jantassem esse aiacute cantou

E eu pensando que jaacute era madrugada parti para Halimonte e logo pus a cabeccedila para fora das muralhas e um salteador

me deu uma paulada nas costas

Eu caio e vou gritar mas ele jaacute surrupiou a minha roupinha

280

BOM DE LAacuteBIA

Tambeacutem o milhafre entre os helenos governava e reinava entatildeo

CORIFEU

Entre os helenos

BOM DE LAacuteBIA

Foi quem primeiro os ensinou quando era rei 500

a rolarem frente aos milhafres

TUDO AZUL

Por Dioniso eacute mesmo Eu por exemplo

rolei ao ver um milhafre Depois de costas e de boca aberta engoli o dinheiro entatildeo arrastei para casa a sacola vazia

BOM DE LAacuteBIA De todo o Egito e tambeacutem da Feniacutecia o cuco era rei

E cada vez que o cuco dizia ―cu-co entatildeo os feniacutecios 505

todos eles o trigo e a cevada ceifavam nos campos

TUDO AZUL

Ah Eacute esta a razatildeo daquele proveacuterbio ―Cu-co Circuncidados ao campo

BOM DE LAacuteBIA

Mantiveram com tanto vigor o comando que mesmo se um dos helenos

reinasse nas cidades Agamenatildeo ou Menelau sobre o seu cetro uma ave pousava partilhando os presentes que recebia 510

TUDO AZUL Ora isso aiacute eu natildeo sabia De fato ficava surpreso

quando nas trageacutedias entrava em cena um Priacuteamo com uma ave

Ela ficava parada espiando os presentes que certos poliacuteticos recebiam

BOM DE LAacuteBIA

E o mais impressionante eacute que Zeus agora reinante

fica postado com uma aacuteguia na cabeccedila ndash sendo ele rei ndash 515 sua filha com uma coruja Apolo como criado que eacute com um gaviatildeo

CORO

Por Demeacuteter bem notado E para que as trazem

BOM DE LAacuteBIA

Para que quando algueacutem sacrifica e entrega as entranhas nas matildeos deles como eacute costume elas peguem as entranhas antes de Zeus

Nenhum homem entatildeo jurava pelo deus todos juravam pelas aves 520

Lampatildeo jura ainda hoje pelos seus gansos quando engana algueacutem

281

Assim antes todos julgavam vocecircs grandes e sagrados

mas agora escravos estuacutepidos joatildeo-bobos Apedrejam vocecircs

como fazem com os loucos Ateacute nos templos 525

qualquer passarinheiro arma para vocecircs

armadilhas laccedilos redes arapucas malhas varas noacutes

Em seguida capturando-os vendem todos de uma soacute vez

os outros compram apalpando 530 E entatildeo se assim decidem

servem vocecircs sem assar

mas temperam com queijo azeite

siacutelfion vinagre e misturam um molho doce e gorduroso 535

e derramam-no quente

sobre vocecircs como se natildeo fossem mais do que carniccedila

CORO Muito tristes tristiacutessimas as palavras

que disseste homem Como chorei 540

a fraqueza de meus pais Estas honras

herdaram de seus ancestrais e na minha vez as perderam

Tu graccedilas a um deus e a uma conjuntura favoraacutevel

chegas como meu salvador 545 Depois de confiar a ti

meus filhotes e a mim mesmo fundarei uma cidade

CORIFEU

Mas o que eacute preciso fazer ensine jaacute que estaacute aqui

Para noacutes natildeo vale a pena viver

se natildeo recuperarmos de qualquer forma a nossa soberania

BOM DE LAacuteBIA

Pois bem a primeira liccedilatildeo eacute que haja uma soacute cidade das aves 550 Depois que ergam um muro com grandes tijolos cozidos

como Babilocircnia ao redor de todo o ar e do espaccedilo

POUPA Oh Cebriatildeo Oh Porfiriatildeo Que cidadela terriacutevel

BOM DE LAacuteBIA E quando ela estiver de peacute exijam de Zeus o comando

E caso ele natildeo conceda nem queira nem mude logo de ideacuteia 555

uma guerra santa declarem contra ele e proiacutebam os deuses

282

de atravessar em ereccedilatildeo o territoacuterio de vocecircs

como faziam antes para seduzir as Alcmenas Aacutelopes e Secircmeles E se eles vierem

lacrem o pau deles para que natildeo transem com elas 560

Ordeno que enviem aos homens outra ave que como arauto proclame

uma vez reis as aves agraves aves devem sacrificar daqui para frente e soacute depois aos deuses em segundo lugar

E que justamente atribuam aos deuses as aves que conveacutem a cada um

Se a Afrodite sacrificar gratildeos ao pinto ofereccedila 565 se a Poseidon algueacutem sacrificar uma ovelha ao pato trigo consagre

se a Heacuteracles sacrificar agrave gaivota bolos de mel ofereccedila

e se a Zeus Rei algueacutem sacrificar um carneiro rei eacute a ave culhatildeo

a quem antes do proacuteprio Zeus um mosquito bem colhudo deve-se imolar 569

TUDO AZUL

Gostei do mosquito imolado Que o grande Zeus troveje agrave vontade

CORIFEU

E como os homens nos tomaratildeo por deuses e natildeo por gralhas se voamos e temos asas

BOM DE LAacuteBIA

Que bobagem Zeus do ceacuteu Hermes que eacute deus voa e tem asas E tambeacutem outros deuses inuacutemeros

Por exemplo Vitoacuteria voa com asas de ouro e por Zeus Eros tambeacutem

Iacuteris afirma Homero eacute ―semelhante agrave tiacutemida pomba 575

TUDO AZUL

E Zeus natildeo vai trovejar e enviar sobre noacutes o raio alado

BOM DE LAacuteBIA (para o coro)

E se por ignoracircncia julgarem vocecircs um nada e deuses os que

estatildeo no Olimpo entatildeo eacute necessaacuterio que uma nuvem de pardais e tambeacutem de ajunta-gratildeos se levante e cate nos campos as sementes

Depois que Demeacuteter lhes decirc a raccedilatildeo quando tiverem fome 580

TUDO AZUL

Ela natildeo vai querer por Zeus Vocecirc a veraacute inventando mil desculpas

BOM DE LAacuteBIA Que os corvos por sua vez furem os olhos das juntas de bois

que lavram a terra e dos carneiros como exemplo

E entatildeo Apolo que eacute meacutedico que os cure Ele eacute pago para isso

TUDO AZUL (aflito)

Natildeo Natildeo antes que eu venda os meus boizinhos 585

283

BOM DE LAacuteBIA (para o coro)

Se acreditarem que vocecirc eacute deus que vocecirc eacute vida que vocecirc eacute a Matildee Terra que vocecirc eacute Crono que vocecirc eacute Poseidon

eles teratildeo tudo que eacute bom

POUPA Por exemplo

BOM DE LAacuteBIA Primeiro os gafanhotos natildeo devoraratildeo os brotos das vinhas

pois uma tropa de corujas e de roucaccedilos uma soacute os destruiraacute

E as formigas e os cupins natildeo mais atacaratildeo as figueiras 590

pois todas elas seratildeo varridas por um uacutenico bando de tordos

POUPA

Como lhes daremos riquezas Essa eacute a paixatildeo deles

BOM DE LAacuteBIA

Minas valiosas lhes daratildeo quando consultarem oraacuteculos e revelaratildeo ao adivinho como lucrar com o comeacutercio mariacutetimo

de modo que nenhum piloto pereceraacute

POUPA Como natildeo pereceraacute 595

BOM DE LAacuteBIA Uma ave prediraacute sempre ao consultante sobre navegaccedilatildeo

―natildeo navegue agora vai haver tempestade Navegue agora o lucro seraacute certo

TUDO AZUL

Compro um navio e viro piloto Eu natildeo ficaria com vocecircs

BOM DE LAacuteBIA Tesouros lhes mostraratildeo os de moedas de prata que os antigos

esconderam As aves os conhecem Todos dizem 600

―Soacute um passarinho do meu tesouro sabe o caminho

TUDO AZUL

Vendo o navio compro uma paacute e desenterro potes

POUPA

Como lhes daremos Sauacutede jaacute que ela estaacute laacute com os deuses

BOM DE LAacuteBIA

Se os negoacutecios vatildeo bem a sauacutede natildeo pode ir melhor

Eacute oacutebvio que ningueacutem tem sauacutede se os negoacutecios vatildeo mal 605

284

POUPA

E como alcanccedilaratildeo um dia a Velhice Tambeacutem ela estaacute no Olimpo

Seraacute que devem morrer crianccedilas

BOM DE LAacuteBIA

Natildeo por Zeus Mas trezentos anos

as aves lhes acrescentaratildeo

CORIFEU

Tirados de onde

BOM DE LAacuteBIA

De onde Delas mesmas

Natildeo sabe que ―cinco geraccedilotildees de homens vive o corvo gritador

TUDO AZUL

Puxa Para noacutes eacute bem melhor que elas reinem e natildeo Zeus 610

BOM DE LAacuteBIA

Bem melhor natildeo eacute mesmo Primeiro natildeo eacute preciso

templos de pedra edificar

nem provecirc-los com aacuteureos poacuterticos

elas sob arbustos e azinheiras habitaratildeo 615 Das aves veneraacuteveis

a aacutervore da oliva seraacute o templo Nem a Delfos

nem a Amon iremos para laacute sacrificar mas entre os medronheiros 620

e as oliveiras de peacute

com gratildeos de cevada e trigo lhes rogaremos erguendo ambas as matildeos

que nos decircem nossa parte nos bens

E isso imediatamente teremos 625

por uns poucos gratildeos

CORIFEU

Vocecirc de meu inimigo se transformou no mais adoraacutevel dos velhos Por mim de modo algum abandonaria as suas ideacuteias

CORO

Exaltado com as tuas palavras eu ameaccedilo e juro 630

se tu unindo palavras afinadas agraves minhas

justas leais e pias vais contra os deuses

em harmonia espiritual comigo

natildeo mais por muito tempo 635 os deuses usaratildeo o cetro o meu

CORIFEU

Bem em tudo que eacute preciso empregar a forccedila conte conosco E tudo quanto exigir deliberaccedilatildeo sensata seraacute tarefa sua

285

Lisiacutestrata ndash agon (vv 476-613)

CORO DE VELHOS Oacute Zeus o que aremos um dia

com estes animais

Isso natildeo eacute mais toleraacutevel eacute seu dever investigar

comigo o acontecido 480 com que intenccedilatildeo elas

tomaram a cidadela de Craacutenaos

a grande rocha Acroacutepole intransponiacutevel recinto sagrado

LIacuteDER DO CORO DE VELHOS

Vamos pergunte natildeo se deixe convencer refute-as de [todos os modos porque eacute uma vergonha deixarmos um assunto desses sem investigaccedilatildeo 485

DELEGADO Certamente tambeacutem eu desejo saber de viva voz primeiro por Zeus

com que intenccedilatildeo trancafiaram a ferrolhos a nossa cidade

DISSOLVETROPA

Para mantermos o dinheiro intacto e vocecircs natildeo guerrearem por ele

DELEGADO Por dinheiro guerreamos entatildeo

DlSSOLVETROPA E tudo o mais ficou de pernas para o ar

Para poder roubar Pisandro e os que ocupavam cargos 490

sempre promoviam algum tumulto E por isso que faccedilam o que quiserem Jamais vatildeo se apoderar deste dinheiro

Delegado

Mas o que vocecirc vai fazer

DlSSOLVETROPA

Vocecirc quer saber Noacutes vamos administraacute-lo

Delegado

Vocecircs Vatildeo administrar o dinheiro

DlSSOLVETROPA

Por que vocecirc acha isso tatildeo estranho

Noacutes natildeo administramos plenamente para vocecircs o orccedilamento domeacutestico 495

Delegado

Mas natildeo eacute a mesma coisa

286

DlSSOLVETROPA

Como natildeo

Delegado

Devemos ir agrave guerra com ele

DlSSOLVETROPA

Em primeiro lugar natildeo se deve ir agrave guerra

Delegado

E que outra salvaccedilatildeo teremos

DlSSOLVETROPA Noacutes vamos salvaacute-los

Delegado Vocecircs

DlSSOLVETROPA Sim noacutes

Delegado

Eacute sinistro

DISSOLVETROPA

Vocecirc seraacute salvo mesmo que natildeo queira

Delegado

Vocecirc exagera

Dissolvetropa

Vocecirc estaacute nervoso

mas de qualquer forma eacute nosso dever fazer isso

DELEGADO

Por Demeacuteter eacute totalmente injusto 500

DlSSOLVETROPA

Eacute nosso dever irmatildeo

Delegado

Mesmo que eu natildeo peccedila

287

DlSSOLVETROPA

Muito mais ainda por isso

Delegado

De onde veio seu interesse pela guerra e pela paz

DlSSOLVETROPA

Noacutes vamos explicar

Delegado

Diga raacutepido senatildeo vai se arrepender

DlSSOLVETROPA Escute entatildeo

e tente refrear suas matildeos

DELEGADO

Natildeo consigo

E difiacutecil contecirc-las por causa da raiva

Uma Velha

Entatildeo vai se arrepender mais ainda 505

Delegado

Possa vocecirc crocitar para si mesma velha Quanto a vocecirc diga-me

DlSSOLVETROPA

Farei isso

Num primeiro momento suportamos em silecircncio por prudecircncia tudo o que vocecircs homens faziam ndash

natildeo nos deixavam sequer grunhir ndash e natildeo estaacutevamos satisfeitas com vocecircs

Mas compreendiacuteamos vocecircs bem e muitas vezes em casa 510

escutamos quando deliberavam mal sobre um assunto importante E se no iacutentimo aflitas perguntaacutevamos sorrindo

―O que vocecircs decidiram anotar na coluna sobre as treacuteguas

na assembleacuteia de hoje ―E o que vocecirc tem a ver com isso o marido dizia ―Natildeo vai calar a boca E eu me calava

Uma Velha

Mas eu nunca me calava 515

Delegado

Com certeza se lamentaria se natildeo se calasse

288

DISSOLVETROPA

Por isso mesmo eu me calava entatildeo E em seguida eacuteramos de novo informadas de alguma outra decisatildeo de vocecircs ainda pior

Quando perguntaacutevamos ―Como levaram isso a cabo marido de uma forma tatildeo tola

Ele imediatamente me olhava de alto a baixo e afirmava que se eu natildeo fiasse uma trama

minha cabeccedila teria muito do que se queixar ―Da guerra cuidaratildeo os homens 520

Delegado

E ele falava com razatildeo por Zeus

DlSSOLVETROPA

Com que razatildeo desgraccedilado

se nem mesmo quando deliberavam mal podiacuteamos aconselhaacute-los Entatildeo quando agraves claras jaacute ouviacuteamos vocecircs nas ruas

―Natildeo haacute homem neste paiacutes ―Natildeo natildeo haacute mesmo por Zeus dizia um outro

Depois disso achamos melhor salvar logo a Greacutecia em conjunto 525 com as mulheres aqui reunidas Ateacute onde era preciso esperar

Se quando noacutes falarmos algo uacutetil vocecircs quiserem ouvir

e calar por sua vez como fizemos daremos um jeito em vocecircs

Delegado

Vocecircs Em noacutes Vocecirc exagera Natildeo posso suportar

DlSSOLVETROPA

Calado

DELEGADO

Eu Calar-me diante de uma peste como vocecirc que tem um veacuteu 530

ao redor da cabeccedila Que eu deixe a vida jaacute

DISSOLVATROPA

Se eacute esse o seu problema

pegue comigo este veacuteu segure-o e coloque-o ao redor da cabeccedila

e entatildeo fique calado

Uma Velha

E aqui estaacute a cestinha 535

DISSOLVETROPA E entatildeo cingindo-se carde

e mastigue favas

Da guerra cuidaratildeo as mulheres

Liacuteder do Coro de Mulheres

Ergam-se mulheres para longe das vasilhas para que possamos de nossa parte ajudar tambeacutem um pouco as nossas amigas 540

289

Coro de Mulheres

Jamais eu me cansaria de danccedilar e nem a fadiga penosa tomaria meus joelhos

Por sua virtude quero acompanhaacute-las

ateacute o fim do mundo Elas

tecircm dotes naturais tecircm encanto tecircm audaacutecia tecircm sabedoria e tecircm a virtude

de um patriotismo moderado

Liacuteder do Coro de Mulheres

Vamos mais viril das avoacutes e das mamatildees-urtigas

Avancem com raiva e natildeo amoleccedilam pois ateacute agora vocecircs tecircm o vento a seu favor 550

DlSSOLVETROPA

Mas se o doce Eros e a Ciprogecircnia Afrodite

insuflassem o desejo em nossos seios e coxas e entatildeo engendrassem tensatildeo prazerosa nos homens e tambeacutem pau-durismo

penso entre os gregos seriacuteamos chamadas Dissolvelutas

Delegado

Por terem feito o quecirc

DISSOLVETROPA Por impedirmos vocecircs primeiro de irem 555

armados ao mercado e de fazer loucuras

Uma Velha

Isso mesmo por Afrodite de Pafos

DISSOLVETROPA

Agora mesmo para comprar panelas e legumes

percorrem o mercado armados como Coribantes

Delegado

Por Zeus os corajosos devem fazecirc-lo

DlSSOLVETROPA

Mas com certeza eacute ridiacuteculo

sempre que um com escudo Goacutergona e tudo compra peixe 560

Uma Velha

Por Zeus eu mesma vi um comandante cabeludo a cavalo

jogar purecirc de legumes comprado de uma velha num gorro de bronze Um outro traacutecio sacudindo escudo e lanccedila como Tereu

amedrontava a vendedora de figos e devorava as azeitonas

290

Delegado

Como vocecircs seratildeo capazes de impedir as enormes revoltas 565 que assolam nosso paiacutes e nelas pocircr fim

DISSOLVETROPA

Muito simplesmente

Delegado

Como Demonstre

DISSOLVETROPA

Como quando uma meada estaacute revolta noacutes a pegamos assim

e com os fusos passamos um fio para caacute outro para laacute assim tambeacutem poremos fim a essa guerra se deixarem

separando os embaixadores um para caacute outro para laacute 570

Delegado

Entatildeo eacute com latildes meadas e fusos que vocecircs contam deter

negoacutecios terriacuteveis Que tolas

DISSOLVETROPA

Se ao menos um de vocecircs tivesse cabeccedila

teria administrado a cidade toda com as nossas latildes

Delegado

Como assim Quero ver

DlSSOLVETROPA

Em primeiro lugar como um tufo dela tendo lavado no banho a suarda da cidade sobre um leito

era preciso surrar os malandros eliminar os espinhos

cardar tanto esses que ficaram juntos quanto os que calcaram a si mesmos

em vista dos cargos e tirar a cabeccedila dos noacutes E entatildeo todos misturados em uma cestinha cardar

a boa vontade geral E os metecos se um estrangeiro for seu amigo 580

e se tiver obrigaccedilotildees com o Estado tambeacutem devia incluiacute-los e reconhecer tambeacutem por Zeus que as cidades quantas dessa terra satildeo habitadas

estatildeo dispostas para vocecircs como tufos

cada um agrave parte Em seguida disso tudo os montinhos pegando

devia ajuntaacute-los aqui e cerraacute-los em um uacutenico monte e depois fazer 585 um grande novelo e entatildeo com ele tecer um manto para o povo

Delegado Natildeo eacute mesmo demais que elas que natildeo tinham absolutamente nada a ver

com a guerra cardem e enovelem com a roca coisas tais

291

DlSSOLVETROPA

Seu ser repulsivo com certeza noacutes a suportamos duas ou mais vezes Em primeiriacutessimo lugar damos agrave luz

e enviamos nossas crianccedilas como soldados rasos

Delegado Cale-se natildeo seja ressentida 590

DlSSOLVETROPA Entatildeo quando deviacuteamos ser sedutoras e gozar a juventude

dormimos sozinhas por causa das campanhas militares A nossa parte deixo de lado

aflijo-me com a sorte das moccedilas que envelhecem em seus quartos

Delegado

Entatildeo os homens tambeacutem natildeo envelhecem

DlSSOLVETROPA

Por Zeus eacute claro Mas vocecirc natildeo comparou coisas iguais

Ele ao voltar apesar de grisalho logo desposa uma menina moccedila 595 mas para a mulher eacute breve a ocasiatildeo e se natildeo a aproveita

ningueacutem quer desposaacute-la e ela fica sentada a dar auguacuterios

Delegado Mas qualquer um ainda capaz de ter uma ereccedilatildeo

DlSSOLVETROPA Afinal por que vocecirc natildeo leva a seacuterio a ideacuteia de morrer

Haacute espaccedilo vocecirc vai comprar um caixatildeo 600

E eu vou preparar um bolo de mel Tome isso aqui e coroe-se

Delegado

Natildeo eacute terriacutevel o tratamento que recebo Por Zeus vou imediatamente e me mostrarei

aos delegados como estou 610

292

DlSSOLVETROPA

Seraacute que se queixa por natildeo o termos velado Bom no terceiro dia entatildeo bem cedo

receberaacute de nossa parte as oferendas prontinhas

293

Assembleacuteia de mulheres ndash agon (vv 571-710)

Coro

Agora eacute preciso que vocecirc elabore um raciociacutenio prudente e saacutebio

aplicando uma reflexatildeo

que defenda todas suas amigas

Pois para a felicidade da comunidade

a inteligecircncia de tua fala eacute dirigida

com a finalidade de agradar o cidadatildeo e o povo

agraves infinitas vantagens de vida 575

Estaacute na hora de vocecirc mostrar seu valor

Pois eu te digo nossa cidade precisa de um saacutebio propoacutesito

Mas soacute aconselhe

o que natildeo foi feito nem dito no passado

porque eles detestam que as coisas do passado sejam sempre vistas 580

Vamos natildeo demore Eacute preciso colocar em praacutetica seus projetos

de maneira que o que se faz prontamente faz parte do que mais agrada aos espectadores140

Praxaacutegora

Acredito que ensinarei coisas uacuteteis E quanto aos espectadores

acaso querem inovar e natildeo ficar muito presos aos costumes e

agraves praacuteticas do passado Isso eacute o que mais temo 585

Vizinha

Certamente no que diz respeito a que inovar natildeo tema porque isso para noacutes

estaacute no lugar de um outro princiacutepio negligenciar o antigo

Praxaacutegora

Entatildeo primeiramente que nenhum de vocecircs se oponha nem me interrompa

antes de conhecer minha ideacuteia e ouvir minha explicaccedilatildeo

Direi que eacute necessaacuterio que todos participem em comum de todas as coisas 590

que disso vivam e que natildeo haja nem rico nem miseraacutevel

140 Este momento marca a passagem da accedilatildeo para o debate fundamental na peccedila Esse debate eacute introduzido por

uma exortaccedilatildeo do corifeu em tetracircmetros anapeacutesticos como todo debate

294

nem latifundiaacuterio nem aquele que natildeo tem onde cair morto

nem o que tem agrave disposiccedilatildeo muitos escravos e o que nem mesmo tem um acompanhante

Bem estou procurando uma vida em comum e igual para todos

Bleacutepiros

Como seraacute comum para todos

Praxaacutegora

Vaacute agrave merda141 595

Bleacutepiros Tambeacutem a merda temos em comum

Praxaacutegora

Por Zeus vocecirc me interrompe se antecipando

Por causa disso eu devia dizer que primeiramente tornarei a terra

comum a todos e tambeacutem o dinheiro e tambeacutem tudo o que pertence a cada um

Entatildeo com esses recusrsos puacuteblicos noacutes sustentaremos vocecircs

administrando economizando e tambeacutem ficando atenta a nossa resoluccedilatildeo 600

Vizinha

Como fica entatildeo aquele que entre noacutes natildeo possui terra mas dinheiro

e tambeacutem moeda de ouro142 riqueza que natildeo se vecirc

Praxaacutegora A pessoa depositaraacute num ―fundo

Bleacutepiros

E se natildeo puser cometeraacute perjuacuterio Mas se os adquiriu graccedilas a isso143

Praxaacutegora

Acredite nada seraacute aproveitaacutevel de todas essas coisas

Bleacutepiros

Como assim

Praxaacutegora

Ningueacutem faraacute mais nada por causa da pobreza pois todos sem exceccedilatildeo vatildeo ter de tudo144 605

patildeo peixe farinha manto vinho coroa gratildeo-de-bico

Nessas condiccedilotildees qual a vantagem de natildeo entregar Se vocecirc souber mostre

Bleacutepiros

Mas natildeo eacute verdade que nos dias de hoje os que mais roubam satildeo os que possuem essas coisas

Vizinha

Antigamente sim meu caro quando sofriacuteamos por causa de leis de tempos passados

Mas agora haveraacute uma vida em comum qual a vantagem de natildeo depositar

Bleacutepiros

Se vendo uma garotinha algueacutem se apaixona e quer se divertir 611

tomando-a dos outros ele poderaacute devolvecirc-la e teraacute sua parte dos bens em comum

depois de dormir com ela

Praxaacutegora Mas natildeo apenas seraacute permitido a ele passar a noite gratuitamente

como tambeacutem as torno comum para se deitarem com os homens

BleacutepirosE natildeo eacute possiacutevel entatildeo todos irem 615

atraacutes da mais bela de todas tentando agarraacute-la

141 No original Vocecirc vai comer merda antes de mim Esta expressatildeo talvez seja de caraacuteter proverbial

Praxaacutegora quer simplesmente dizer a Bleacutepiro que ele estaacute se antecipando 142 Os daacutericos (δαρεικόι) eram moedas de ouro persa exatamente do mesmo valor que o estater aacutetico moeda

cujo valor era muacuteltiplo da dracma (cf Lavedan 1931 319 893 Jardeacute 1977 229-230) 143 O perjuacuterio era consequumlecircncia da corrupccedilatildeo nas instituiccedilotildees aacuteticas cf Lavedan (1931 873-874) 144 A proposta de erradicaccedilatildeo da pobreza estaacute tambeacutem em outra cena aristofacircnica (cf Pluto vv510-526)

295

Praxaacutegora

As mocreacuteias e de nariz achatado se sentam ao lado das gostosas

e entatildeo se algueacutem desejar uma delas teraacute de tocar antes uma feia

Bleacutepiros

E quanto a noacutes os velhos se transarmos com as feias 619 nosso membro natildeo nos abandonaraacute antes de chegarmos aiacute onde vocecirc estaacute falando

Praxaacutegora

Elas natildeo brigaratildeo por causa de vocecirc pode confiar Natildeo tenha medo Natildeo brigaratildeo mesmo

Bleacutepiros

Por causa de quecirc

Praxaacutegora

Por natildeo dormires com elas E para vocecirc isso eacute uma vantagem

Bleacutepiros

Muito bem pensado esse seu propoacutesito pois foi deliberado de tal maneira que

Natildeo ficou nenhuma brecha E o que seraacute dos homens 625

Pois elas fugiratildeo dos feios e iratildeo pra cima dos bonitotildees

Praxaacutegora

Mas os feiosos vigiaratildeo os bonitotildees que saem

apoacutes o jantar e ficaratildeo de olho neles nos lugares puacuteblicos

Natildeo seraacute permitido agraves mulheres passar a noite com os bonitotildees e tambeacutem com os fortotildees

antes de agradarem os feios e os baixinhos

Bleacutepiros

Agora eacute que o Lisiacutecrates com aquele nariz vai ter uma vida de garanhatildeo145 630

Praxaacutegora

Por Apolo O propoacutesito eacute democraacutetico e a zombaria

com os bonitotildees seraacute muita e tambeacutem com os ricos

quando um peacute de chinelo disser ―Primeiramente vocecirc cede e entatildeo espera

quando eu jaacute tiver chegado ao fim passo adiante para vocecirc desempenhar o segundo papel

Bleacutepiros

Como entatildeo nessas condiccedilotildees cada um de noacutes pode viver 635

e seraacute capaz de reconhecer os proacuteprios filhos

Praxaacutegora

Por quecirc Haacute necessidade Elas vatildeo considerar como pai todos

os que satildeo mais velhos entre eles conforme a idade

Bleacutepiros

Consequumlentemente as crianccedilas vatildeo estrangular cada velho pra valer um a um

graccedilas agrave ignoracircncia pois jaacute nos dias de hoje que conhecem quem eacute o pai

o estrangulam146 O que aconteceraacute eu te pergunto quando for desconhecido

Como dizer que nessas alturas dos acontecimentos natildeo vatildeo ter uma caganeira 640

Praxaacutegora Mas aquele que estiver perto natildeo permitiraacute Antes ningueacutem se preocupava com os pais

dos outros em quem se batia mas agora quando se ouve bater

145 Segundo Sousa e Silva (As Mulheres no Parlamneto 1988136) Lisiacutecrates possuiacutea aleacutem de um nariz

grotesco o cabelo tingido de preto que causava uma impressatildeo desagradaacutevel 146 Outras cenas aristofacircnicas em que os filhos maltratam os pais As Vespas vv 1037-1039 As Aves vv 757-

759 1347 As Ratildes v 274 e As Nuvens vv 1321-1451 Sousa e Silva (As Mulheres no Parlamento 1988 136-

137) cita Mac-Dowell e segundo este autor os pais estariam protegidos por lei em caso de maltratos pelos

filhos que perderiam seus direitos civis

296

em algueacutem eacute bem possiacutevel que o fulano com medo que seja ele proacuteprio o proacuteprio pai que se machuque lutaraacute

com os agressores

Bleacutepiros

Nada mal essas coisas que vocecirc estaacute dizendo mas se Epicuro se aproximar

ou Leucoacutelofo147 e me chamar de ―papai ouvir isso nessas circunstacircncias eacute terriacutevel 645 Vizinha Por outro lado bem mais terriacutevel do que isso eacute uma situaccedilatildeo embaraccedilosa

Bleacutepiros De que tipo

Vizinha Se Aristilo148 te beijasse pensando que vocecirc eacute pai dele

Bleacutepiros Ia se arrepender de levar tanta porrada

Vizinha A coisa ia feder pro seu lado149

Praxaacutegora

Mas esse fulano nasceu primeiro antes de aparecer o decreto

entatildeo natildeo haacute motivo para temer eacute bem possiacutevel que ele te lasque uma beijoca

Bleacutepiros Soacute me faltava essa agora 650

Mas e a terra quem a cultivaraacute

Praxaacutegora Os escravos Quanto a vocecirc vocecirc deve se preocupar

Quando estiver anoitecendo150 na hora de ir radiante pra janta

Bleacutepiros E para a roupa Qual sua proposta Isso eacute um problema que tem de ser discutido

Praxaacutegora No iniacutecio as coisas que pertencem a vocecircs estaratildeo agrave disposiccedilatildeo as outras restantes noacutes

teceremos

Bleacutepiros Mais uma pergunta e se algueacutem eacute condenado a pagar uma multa

diante dos magistrados 655

De que lugar vai tirar dinheiro para pagar a multa151 Do fundo comum Isso natildeo eacute justo

Praxaacutegora Mas em primeiro lugar natildeo vai haver nenhum julgamento

Bleacutepiros Essa tua fala aiacute vai te arruinar152

Vizinha Tambeacutem sou da mesma opiniatildeo

Praxaacutegora Por causa de quecirc infeliz haveraacute

Bleacutepiros

Por causa de muitas razotildees por Apolo Em primeiro lugar por causa desta certamente

Se algueacutem que eacute condenado se recusar a pagar a diacutevida 660

Praxaacutegora

Entatildeo onde o credor empresta dinheiro

se todas as coisas pertencem ao fundo comum Eacute evidente que ele rouba

Vizinha

Por Demeacuteter vocecirc explicou bemBleacutepiros

Ok entatildeo como ela me explica isto

como os que satildeo de briga vatildeo pagar a diacutevida se cada vez que

147 Epicuro e Leucoacutelofo satildeo personalidades desconhecidas Este uacuteltimo eacute por sua vez mencionado em As Ratildes

v 1517 148 Aristilo tambeacutem eacute mencionado em Pluto v 314 Tratava-se de um sujeito de maus haacutebitos 149 Aristoacutefanes faz nessa passagem um jogo de sentidos o vocaacutebulo καλαμiacuteνθη eacute composto de μiacuteνθη

hortelatilde palavra muito proacutexima de μiacuteνθος excremento 150 Literalmente ―quando a sombra sobre o reloacutegio solar for de dez peacutes Trata-se de um sistema para estabelecer

as horas atraveacutes de um reloacutegio solar em forma de disco cuja sombra projetada determinava a hora (Cf

Lavedan 1931529-530) 151 A receita da polis era obtida por rendimentos dos bens puacuteblicos dos impostos indiretos como alfacircndega

pedaacutegio vendas multas e custas judiciaacuterias (cf Jardeacute 1977 177-178) 152 A ideacuteia de Praxaacutegora em acabar com os julgamentos e por conseguinte com os tribunais tem laacute seus riscos

pois os tribunais eram uma das mais importantes instituiccedilotildees gregas natildeo somente era uma praacutetica da vida

cotidiana dos Atenienses mas tambeacutem bastante lucrativa (cf Mosseacute 1985 72-77 Jardeacute 1977 166-176)

297

festejam abusam Penso que isso vai te deixar em maus lenccediloacuteis Praxaacutegora Com a comida da qual se alimenta Se algueacutem ficar sem ela 665

natildeo abusaraacute facilmente Nessas condiccedilotildees eacute punido novamente pelo estocircmago

Bleacutepiros Entatildeo natildeo existiraacute mais nenhum ladratildeo

Praxaacutegora Como roubaraacute o que pertence a ele

Bleacutepiros em mesmo vatildeo roubar a roupa durante a noite153

Vizinha Natildeo se vocecirc dormir em casa

Praxaacutegora E nem se dormir fora de casa como antes Porque todos teratildeo do que viver

Se algueacutem quiser roubar sua roupa vocecirc mesmo lhe daraacute

Afinal por que lutar nessa circunstacircncia 670

Pois indo-se ao fundo uma outra roupa melhor do que aquela vocecirc conseguiraacute

Bleacutepiros E os homens natildeo vatildeo correr riscos154

Praxaacutegora Por causa do quecirc isso aconteceraacute

Bleacutepiros Que tipo de vida vocecirc vai estabelecer

Praxaacutegora Uma vida comum para todos E quanto agrave cidade

declaro fazer uma habitaccedilatildeo uacutenica destruindo por dentro cada sem exceccedilatildeo a ponto de passarmos das casas de uns para a dos outros155

Bleacutepiros E a comida onde vocecirc vai servir 675

Praxaacutegora Nos tribunais e nos poacuterticos156 eu vou transformar todos em restaurantes

Bleacutepiros E a tribuna157 para vocecirc qual seraacute sua utilidade

Praxaacutegora Colocarei jarras

e tambeacutem potes dlsquoaacutegua e seraacute possiacutevel agraves criancinhas recitar158

os feitos dos homens corajosos na guerra e se algum covarde aparecer

que a vergonha o empeccedila de comer

Vizinha Por Apolo nada mal 680

BleacutepirosE as urnas de sorteio159 onde vocecirc vai colocar

Praxaacutegora Na aacutegora colocarei

Depois coloco todos ao peacute do Harmoacutedio160 e os submeterei ao sorteio161 ateacute para saber qual ganhador que alegrando-se com a tiragem de cada letra vai jantar

O arauto proclamaraacute aos da letra ―beta se seguir ateacute o poacutertico 684

Baseleion para jantar jaacute os da letra ―teta seguem para o poacutertico ao lado

E vatildeo para o poacutertico onde se vende farinha os da letra ―kapa162

153 Bleacutepiros refere-se ironicamente agrave cena em que Praxaacutegora pegou dele o manto e outros pertences na calada da

noite (cf vv 510-512) 154 O verbo empregado eacute κυβεuacuteω cujo primeiro sentido eacute jogar dados portanto um jogo de azar Daiacute esse verbo

assumir o sentido de correr riscos 155 Essa proposta de Praxaacutegora eacute anaacuteloga agrave atitude dos plateus que ao saberem da invasatildeo dos tebanos juntaram-

se chegando agraves casas uns dos outros atraveacutes de fossos cavados ao longo das muralhas para natildeo serem vistos caminhando nas rua (cf Tuciacutedides 1986 II 3)

156 Certamente a escolha de Praxaacutegora deve-se ao fato de esses lugares assumirem importantes funccedilotildees puacuteblicas 157 Trata-se de uma plataforma com uma estaacutetua de Zeus Agoreu Neste lugar eram realizadas as sessotildees na

assembleacuteia presididas pelos priacutetanes 158 As letras compreendiam uma das trecircs partes da educaccedilatildeo ateniense O aluno aprendia de cor os versos de

Homero de Hesiacuteodo entre outras poesias de cunho moral e religioso Sobre a educaccedilatildeo ateniense cf Marrou

1969) Outras cenas aristofacircnicas em que presenciamos a recitaccedilatildeo As Nuvens vv 1354-1372 A Paz vv

1265-1304 159 As urnas de sorteio eram utilizadas pelo Conselho (βουλη) e pela magistratura para a escolha de funccedilotildees

puacuteblicas Sobre este assunto cf Jardeacute (1977 166-176) e Mosseacute (1985 49-77) 160 Trata-se da estaacutetua de Harmoacutedio libertador de Atenas do domiacutenio dos tiranos colocada na aacutegora 161 Praxaacutegora estabelece uma reparticcedilatildeo anaacuteloga agrave maneira como os juiacutezes eram escolhidos sorteio feito com as

dez primeiras letras do alfabeto de alfa a kapa e cada letra indicava o local de exerciacutecio de cada juiz 162 Segundo Sousa e Silva (As Mulheres no Parlamento 1988 139) a letra beta indica o βασιλειος Poacutertico

Real a letra teta se refere ao θησειος poacutertico vizinho em que havia um mural cuja decoraccedilatildeo representava

Teseu a Democracia e o Povo Jaacute a letra kapa natildeo faz referencia a nenhum lugar Trata-se de um jogo de

palavras com a inicial do verbo καπτω (engolir devorar) Na traduccedilatildeo tentou-se manter o jogo foneacutetico entre

a letra kapa do sorteio com a inicial do verbo em grego

298

Bleacutepiros

―Kaptei para comer o quanto quiser

Praxaacutegora

Por Zeus mas para que laacute se alimentem

Bleacutepiros

E para quem a letra

natildeo tenha sido sorteada o fulano vai comer Ou todos sem exceccedilatildeo seratildeo excluiacutedos dissoPraxaacutegora

Mas isso natildeo vai acontecer com a gente

pois a todos forneceremos tudo com abundacircncia 690

de modo que cada um (v692) apoacutes ter se embriagado

volte para casa com a mesma coroa e carregando tochas163

As mulheres nas ruas

ao encontrarem com os que estatildeo saindo da comilanccedila

assim vatildeo lhes dizer ―aqui em nossa casa 695

aqui mesmo haacute uma jovem na flor da idade

―e na minha casa haacute uma outra

algueacutem diraacute do alto da casa

―muito bela e tambeacutem com uma pele de porcelana

Antes dela entretanto eacute preciso que vocecirc durma comigo 700

E seguindo os bonitotildees

aos jovens os feiotildees

assim vatildeo lhes dizer ― Ei vocecirc aiacute para onde estaacute correndo

Vocecirc natildeo faraacute absolutamente nada indo laacute

pois para os de nariz chato e feios 705

foi decretado trepar em primeiro lugar

e vocecircs durante todo esse tempo pegando folhas

de duas espeacutecies de figo

masturbem-se na porta da frente

Agora vamos Digam-me isso agrada aos dois

Bleacutepiros e Vizinha

Agrada sim 710

163 A presenccedila de coroa durante as refeiccedilotildees e as tochas durante o cortejo se justifica porque na origem as

refeiccedilotildees eram um ato religioso (cf Lavedan 1931 302-303 824 963) Esta praacutetica se manteve com os

convivas coroados e com tochas percorrendo as ruas da polis em alegre cortejo

299

Pluto ndash agon (vv 486-618)

Co Eacute necessaacuterio que vocecircs digam imediatamente algo de saacutebio

com que vocecircs venceratildeo essa aiacute

contradizendo-a nos discursos sem dar moleza

Cr Creio que estaacute claro e todos concordam 489

que eacute justo que os homens honestos sejam felizes

e os maus e ateus sejam submetidos agrave sorte contraacuteria naturalmente

Noacutes entatildeo desejando ardentemente isso e para que se realize

encontramos com dificuldade

um plano belo nobre e praticaacutevel em todos os sentidos

Pois se Pluto vir agora mesmo e natildeo vagar como cego

vai se dirigir para a casa dos homens bons e natildeo os abandonaraacute 495

mas evitaraacute os maus e os ateus E depois vai transformar

todos em gente de bem e ricos natildeo eacute

E tambeacutem respeitadores das coisas divinas

Na verdade quem poderia descobrir coisa melhor para os homens

Bl Ningueacutem Eu lhe sou testemunha disso Natildeo faccedila mais perguntas natildeo a essa aiacute

Cr Como a vida eacute para noacutes homens Quem natildeo vai pensar que eacute loucura e ainda melhor

infortuacutenio 500

Afinal muitos homens que satildeo maus enriquecem

agrave custa de coisas injustamente adquiridas Enquanto muitos que satildeo bons

se datildeo mal e frequumlentemente passam fome estando em sua companhia

Natildeo declaro que se Pluto recuperar a visatildeo vai parar essa aiacute

Haveria um caminho pelo qual seguindo forneceria os maiores bens aos homens 506

Pe Oh de todos os homens vocecircs satildeo os que mais facilmente se deixaram levar pela

falta de bom senso

Dois velhotes companheiros da loucura e do deliacuterio

Se acontecesse isso que vocecircs querem digo aos dois que natildeo seria um bom negoacutecio

Se Pluto vir novamente e se repartisse por igual 510

Ningueacutem dentre os homens praticaria nem arte nem sabedoria

300

Para vocecircs dois essas coisas eliminadas

quem vai querer trabalhar o bronze construir navios costurar fabricar rodas

trabalhar o couro fazer tijolos ser tintureiro ou curtidor

ou colher o fruto de Demeacuteter da terra com arados tendo sulcado o chatildeo duro 515

se for permitido a vocecircs viverem ociosos despreocupados de tudo

Cr Estaacute dizendo bobagens Porque isso que vocecirc acaba de enumerar

os escravos vatildeo se encarregar

Pe De onde vocecirc vai conseguir escravos

Cr Compraremos com dinheiro sem duacutevida

Pe Pra comeccedilar quem seraacute o vendedor se esse tiver dinheiro

Cr Um traficante vindo da Tessaacutelia 520

paiacutes de inuacutemeros ladrotildees de escravos

PeMas antes de mais nada natildeo haveraacute nem um uacutenico traficante de escravos

segundo o raciociacutenio do qual vocecirc fala sem duacutevida Quem entatildeo vai querer

sendo rico arriscar a vida para fazer isso

Desse modo vocecirc mesmo seraacute forccedilado a arar cavar a terra e suportar 525

as demais tarefas Vai levar uma vida bem mais dolorosa do que agora

Cr Que isso cai sobre tua cabeccedila

Pe E mais vocecirc natildeo poderaacute dormir nem sobre um leito ndash jaacute que natildeo vai haver mais ndash

nem sobre tapetes ndash porque quem vai querer tececirc-los se tiver dinheiro

nem poderaacute perfumar com perfumes raros sua noiva durante o cortejo

nem enfeitaacute-la com mantos tingidos de muitas cores 530

Ora que vantagem vocecircs tecircm em serem ricos se estatildeo privados de tudo isso

Graccedilas a mim ao contraacuterio eacute faacutecil conseguir tudo o que falta a vocecircs porque

como uma patroa forccedilo o artesatildeo

atraveacutes da necessidade a procurar um meio de ganhar a vida

Cr Que bem vocecirc poderia proporcionar a natildeo ser queimaduras nos banhos

e um bando de criancinhas e velhinhas esfomeadas 536

E o nuacutemero de piolhos e mosquitos pulgas nem te falo

tamanha a quantidade que nos importunam zunindo em volta da cabeccedila

e nos despertando dizendo ―Levanta pra passar fome

301

E aleacutem disso ao inveacutes de se ter um manto teremos um trapo ao inveacutes de leito

esteira de junco cheia de percevejos que acordam os que tentam dormir 541

ao inveacutes de cobertor um pano podre ao inveacutes de travesseiro

uma pedra bem grande sob a cabeccedila ao inveacutes de comer patildeo

comeremos brotos de malva ao inveacutes de bolo folhas murchas de rabanetes

ao inveacutes de um banco uma tampa de pote quebrada ao inveacutes de uma tigela

um flanco de tonel tambeacutem esse quebrado Acaso 546

natildeo mostrei a quantidade de ―bens que vocecirc causa para todos os homens

Pe Vocecirc natildeo falou da minha vida mas fez alusatildeo agrave vida dos mendigos

Cr Entatildeo natildeo eacute verdade que dizemos ser a Pobreza irmatilde da mendicidade

Po Sim vocecircs que tambeacutem dizem ser Dionisio semelhante a Trasiacutebulo164

550

Mas a vida de mendigo da qual vocecirc estaacute falando eacute viver sem ter nada

A do pobre eacute viver poupando e se dedicando ao trabalho

Sem a ele sobrar nem certamente nada faltar

Cr Por Demeter Que vida feliz vocecirc nos descreve 555

poupar e penar sem ao menos ter recursos para o sepultamento

Pe Vocecirc estaacute tentando me gozar e me ridicularizar sem se preocupar em falar seacuterio

Vocecirc natildeo sabe que eu torno os homens melhores do que Pluto

tanto na mente quanto no fiacutesico Com ele os homens satildeo reumaacuteticos

barrigudos de pernas grossas e exageradamente gordos 560

Comigo eles satildeo magros com cintura de vespas e desagradaacuteveis ao inimigo

Cr Vai ver que eacute pela fome que vocecirc lhes obriga a ter cintura de vespa

Pe Vou falar agora sobre a discriccedilatildeo e provarei

que a dececircncia mora comigo e a desmedida com Pluto

Cr Quer dizer que discriccedilatildeo eacute roubar e arrombar muros 565165

164 Dionisio foi tirano de Siracusa e Trasiacutebulo foi um ateniense que expulsou os Trinta Tiranos no final de 404

aC 165 Segundo Sommerstein (2001 86176) o verso 566 seria uma fala de Blepsidemo ―Sim por Zeus Se o ladratildeo

deve agir escondido como dizer que ele natildeo eacute discreto Mas o texto foi corrompido e o verso estaacute fora da

meacutetrica

302

Pe Veja os oradores na cidade enquanto satildeo pobres satildeo honestos 567

com o povo e com a cidade mas uma vez enriquecidos agrave custa do

dinheiro puacuteblico imediatamente se tornam desonestos

e conspiram contra a multidatildeo e declaram guerra ao povo 570

Cr Nisso pelo menos vocecirc natildeo estaacute mentindo embora sendo completamente difamadora

Mas nem por isso vocecirc vai chorar menos E natildeo se orgulhe disso

jaacute que estaacute nos tentando convencer de que eacute melhor

a Pobreza do que a Riqueza

Pe Em todo caso vocecirc natildeo eacute capaz de me convencer nesse ponto

Vocecirc soacute diz asneiras e palavras soltas no ar166

Cr Entatildeo como todos sem exceccedilatildeo fogem de vocecirc 575

Pe Eacute porque os torno melhores Aliaacutes pode-se ver nas crianccedilas

Fogem dos pais porque eles pensam no melhor para elas

Assim eacute tarefa difiacutecil distinguir o que eacute justo

Cr E Zeus Vocecirc diria que ele natildeo sabe diferenciar o que eacute melhor

Pois ele tambeacutem possui a Riqueza

Bl E essa aiacute ele manda pra noacutes 580

Pe Ora vamos vocecircs dois tecircm eacute remela na mente remela do tempo de Cronos

Zeus eacute pobre Vou provar isso para vocecirc

Se fosse rico como eacute que nos jogos oliacutempicos

onde todos os gregos sempre se reuacutenem de quatro em quatro anos

apoacutes proclamar os vencedores coroa-os 585

com uma coroa de oliveira Pelo menos com uma de ouro se ele fosse rico

Cr Com isso ele natildeo demonstra que eacute preso agrave Riqueza

Ele poupa para natildeo gastar colocando uma ninharia

na cabeccedila dos vencedores e guardando a Riqueza para si

Pe Mais vergonhoso do que a Riqueza eacute o que vocecirc tenta lhe atribuir 590

Se sendo ele eacute rico eacute tatildeo avarento e mesquinho

Cr Oxalaacute Zeus te extermine apoacutes ter te coroado com uma coroa de oliveira

Pe E pensar que vocecircs ousam negar que todos os bens que vocecircs tecircm

natildeo vem da Pobreza

Cr Podemos ir perguntar isso agrave Heacutecate

166 A expressatildeo refere-se ao verbo πτερυγιacuteζειν ―bater as asas

303

se eacute melhor ser rico ou famigerado Afinal ela mesma diz que 595

aqueles que tecircm posses e satildeo ricos lhe tragam uma refeiccedilatildeo conforme a lua

mas os pobres a roubam antes mesmo que ela seja oferecida

Entatildeo vai se danar e nem mais um pio

Nem se vocecirc me persuadir natildeo vou ficar persuadido 600

Pe Oacute cidade de Argos Vocecircs ouviram o que ele estaacute dizendo

Cr Invoque o Paacuteuson seu companheiro de mesa

Pe O que eacute que vai ser de mim infeliz que sou

Cr Vai se danar bem longe de noacutes

Pe Mas pra onde irei nessa terra 605

Cr Que tal o tronco E vamos acabar com isso

Pe Um dia vocecircs dois ainda vatildeo me chamar de volta

Cr Quem sabe um dia vocecirc voltaraacute Mas agora vai se danar 610

Pra mim eacute melhor ser rico

Mesmo tendo que deixar vocecirc dar esses gritos batendo com as matildeos na cabeccedila

Bl Quanto a mim por Zeus quero ser rico

para viver bem com meus filhinhos

e com minha esposa e depois de tomar banho 615

sair limpiacutessimo do balneaacuterio

e peidar na cara dos artesatildeos

e na cara da Pobreza

IacuteNDICE

ONOMAacuteSTICO

305

Acarnenses 16 21 23 25 28 29 31 34

35 38 43 44 45 47 49 104 106 107

109 110 113 114 117 119 120 125

133 137 140 150 152 155 164 178

180 181

Assembleacuteia de mulheres 15 17 25 28

51 132 143 147 156 158 160 161

162 164 165 173 177 179 180

Aves 15 16 24 25 28 38 51 79 132

136 137 138 140 142 146 148 150

158 160 166 169 176 179 180

Cavaleiros 16 24 28 29 43 46 50 53

54 55 56 58 60 61 67 69 74 79 86

91 97 98 104 117 120 134 150 151

168 169 176 178 180

Lisiacutestrata 16 17 25 28 34 43 47 51

132 136 147 148 150 151 152 153

154 155 156 158 160 162 172 176

178 180

Nuvens 16 17 19 23 24 26 28 30 43

50 53 67 68 69 70 71 77 90 91 95

104 122 165 168 171 176 177 178

179 180

Paz 15 17 21 22 25 28 31 35 38 51

106 125 127 128 129 130 131 132

133 134 135 164 177 178

Pluto 15 17 22 25 28 38 43 51 76

162 164 166 167 169 171 172 173

174 177 179 180 181

Ratildes 16 17 23 24 26 28 30 42 51 53

66 67 75 89 90 91 92 93 97 102

103 104 122 123 168 176 177 178

179 180

Tesmoforiantes 15 16 21 26 28 29 31

35 38 47 50 106 118 119 120 121

123 124 126 143 156 178 179 180

181

Vespas 16 17 23 24 25 28 31 38 42

43 50 53 65 67 77 78 79 80 83 85

86 89 91 104 114 117 120 137 140

150 168 176 177 178 180

Page 3: CLÁUDIA MANOEL RACHED FÉRAL - Unesp

A Lionel Antoine

e Louise

AGRADECIMENTOS

Meu muitiacutessimo obrigada agrave orientadora desta Tese Profa Dra Maria Celeste

Consolin Dezotti profissional exemplar e pessoa admiraacutevel que desde o princiacutepio muito me

ensinou com sua incansaacutevel boa vontade

Minha especial gratidatildeo agrave Profa Dra Daisi Malhadas (UNESP) orientadora de

minha Dissertaccedilatildeo de Mestrado que haacute exatamente dez anos me presenteou com a obra

LrsquoΑΓΩΝ dans la trageacutedie grecque de Jacqueline Duchemin Muito mais que um presente

esse livro foi um encorajamento para que eu continuasse a pesquisa nos Estudos Claacutessicos

Agradeccedilo aos colegas de aacuterea Prof Dr Fernando Brandatildeo dos Santos Profa Dra

Edvanda Bonavina da Rosa e Profa Dra Anise A G DlsquoOrange Ferreira pelo apoio

incondicional E tambeacutem estendo minha gratidatildeo aos colegas Prof Dr Joseacute Dejalma Dezotti

Prof Dr Joatildeo Batista Toledo Prado Prof Dr Brunno Viniacutecius G Vieira e Prof Dr Maacutercio

N Thamos

Pela leitura criteriosa agradeccedilo agrave Profa Dra Edvanda Bonavina da Rosa e agrave

Profa Dra Adriane da Silva Duarte (USP) membros da Banca Examinadora de Qualificaccedilatildeo

Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria de Faacutetima Silva (Coimbra) pelos comentaacuterios e

sugestotildees

Devo ainda meus agradecimentos ao Prof Dr Joseacute Pedro Antunes (UNESP) e agrave

Profa Dra Profa Maria Cristina Reckziegel G Evangelista (UNESP) pela traduccedilatildeo dos

textos em liacutengua alematilde

Aos colegas docentes do Departamento de Linguumliacutestica e tambeacutem ao secretaacuterio

James R R da Motta aos docentes do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Estudos Literaacuterios

aos servidores teacutecnico-administrativos da Seccedilatildeo de Poacutes-Graduaccedilatildeo e aos da Biblioteca da

UNESP-FCLCAr deixo minha gratidatildeo

Enfim a Lionel Antoine companheiro de todas as horas e meu primeiro leitor e agrave

Louise filha encantadora merci

νῦν γὰρ ἀγὼν σοφίας ὁ μέγας χωρεῖ πρὸς ἔργον ἤδη eacute agora que o grande debate de talento daacute iniacutecio nesse instante a sua execuccedilatildeo

(ARISTOacuteFANES Ratildes v 884)

FEacuteRAL C M R O agon na poeacutetica aristofacircnica diversidade da forma e do conteuacutedo

2009 303 f Tese (Doutorado em Estudos Literaacuterios) ndash Faculdade de Ciecircncias e Letras

Universidade Estadual Paulista Araraquara 2009

RESUMO

Esta pesquisa tem o objetivo de estudar nas onze comeacutedias supeacuterstites de Aristoacutefanes a

natureza do agon (ἀγών) O trabalho estaacute composto de apresentaccedilatildeo introduccedilatildeo cinco

capiacutetulos conclusatildeo referecircncias e anexo com traduccedilatildeo dos agones estudados A introduccedilatildeo

apresenta o tema define o objeto e delimita o corpus e por fim expotildee a revisatildeo criacutetica da

bibliografia especiacutefica O primeiro capiacutetulo aborda algumas consideraccedilotildees preliminares sobre

o percurso e a importacircncia da palavra agon da qual se derivou a expressatildeo civilizaccedilatildeo

agoniacutestica emblemaacutetica para a sociedade grega como uma cultura por essecircncia competitiva

Do segundo ao quinto capiacutetulo foram feitas anaacutelises de caraacuteter estrutural e temaacutetico dos

agones das comeacutedia em parelelo fez-se um estudo do papel do heroacutei cocircmico de acordo com

as seguintes classificaccedilotildees i) bomolochos bufatildeo ii) eiron irocircnico dissimulador iii) alazon

fanfarratildeo iv) poneros espertalhatildeo matreiro v) spoudaios soberbo

Palavras-chave Aristoacutefanes agon traduccedilatildeo bomolochos eiron alazon poneros

FEacuteRAL C M R Lrsquoagon dans la poeacutetique drsquoAristophane la diversiteacute de la forme et du

fond 2009 303 f Thegravese (Doctorat en Eacutetudes Litteacuteraires) ndash Faculteacute de Sciences et Lettres

UNESP Araraquara 2009

REacuteSUMEacute

Llsquoobjectif de ce travail est dlsquoeacutetudier la nature de lrsquoagocircn (ἀγών) dans les onzes comeacutedies

dlsquoAristophane qui nous sont parvenues Le travail est organiseacute autour dlsquoune introduction cinq

chapitres conclusion refeacuterence et traductions des agocircns Llsquointroduction nous preacutesente le

thegraveme deacutefinit llsquoobjet deacutelimite le corpus et fait une reacutevision critique de la bibliographie

speacutecifique Le premier chapitre traite du parcours et de llsquoimportance du mot agon qui est agrave

llsquoorigine de llsquoexpression civilisation agonistique embleacutematique de la socieacuteteacute grecque vue

comme une culture qui est par essence compeacutetitiveLes agocircns de chaque comeacutedie sont

ensuite analyseacutes du deuxiegraveme au cinquiegraveme chapitre Conjointement agrave ces analyses de

caractegravere structurale et theacutematique les rocircles du heacutero comique sont aussi eacutetudieacutees et sont

classeacutees en i) bomolochos bouffon ii) eiron dissimulateur iii) alazon fanfaron iv)

poneros ruseacute v) spoudaios seacuterieux

Mots-cleacutes Aristophane agocircn traduction bomolochos eiron alazon poneros

SUMAacuteRIO

Apresentaccedilatildeo 8

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 12

1 Apresentaccedilatildeo do tema 13

2 Definiccedilatildeo do objeto e delimitaccedilatildeo do corpus 20

3 Resenha criacutetica da bibliografia especiacutefica 30

Capiacutetulo I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 39

Capiacutetulo II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (Agon(es) inseridos(s)

num complexo agoniacutestico) 52

1 O agon em Cavaleiros a disputa a galope 53

2 O agon em Nuvens os confrontos tempestuosos 66

3 O agon em Vespas a discussatildeo a ferroadas 76

4 O agon em Ratildes os saltos do debate entre Euriacutepides e Eacutesquilo 88

Capiacutetulo III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 105

1 Acarnenses desafi(n)ando o coro (agon contaminatus e complexo agoniacutestico) 106

2 Tesmoforiantes mulheres em agoniaccedilatildeo (agon-logon e centro da accedilatildeo) 117

3 Paz a luta em missatildeo de paz (quasi-agon de reflexatildeo e acessoacuterio da accedilatildeo) 126

Capiacutetulo IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia de Mulheres 135

1 Aves a conversa levada no bico (agon de exposiccedilatildeo e ligado agrave accedilatildeo) 136

2 Lisiacutestrata o confronto entre coros (agon de exposiccedilatildeo inserido num complexo

agoniacutestico) 146

3 Assembleacuteia de mulheres falando de homem para homem (agon de exposiccedilatildeo e centro da

accedilatildeo) 155

Capiacutetulo V mdash O uacuteltimo agon 162

Pluto a riqueza do conflito (agon ad absurdum e centro da accedilatildeo) 163

Conclusatildeo 174

Referecircncias 182

Anexo mdash Agon traduccedilatildeo e notas 191

Iacutendice onomaacutestico 304

APRESENTACcedilAtildeO

9

Esta pesquisa pretende analisar nas onze comeacutedias supeacuterstites de Aristoacutefanes a

natureza do agon (ἀγών) O plano de trabalho prevecirc introduccedilatildeo cinco capiacutetulos conclusatildeo

referecircncias e anexo com traduccedilatildeo dos agones estudados

Na Introduccedilatildeo ―O agon na comeacutedia consta a apresentaccedilatildeo do tema a definiccedilatildeo

do objeto e a delimitaccedilatildeo do corpus e por fim uma exposiccedilatildeo da revisatildeo criacutetica da

bibliografia especiacutefica Toda esta pesquisa eacute norteada pelos trabalhos de Thomas Gelzer

(1960) ndash Der epirrhemastische Agon bei Aristophanes Untersuchngen zur Struktur der

Attischen Alten Komodie Jacqueline Duchemin (1968) ndash LrsquoΑΓΩΝ dans la trageacutedie grecque ndash

e Michael Lloyd (1992) ndash The Agon in Euriacutepides

O primeiro capiacutetulo ―A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes traz

algumas consideraccedilotildees preliminares sobre o percurso e a importacircncia da palavra agon da qual

se derivou a expressatildeo civilizaccedilatildeo agoniacutestica que emblemaacutetica para a sociedade grega como

uma cultura por essecircncia competitiva proveacutem da palavra agon que se refere a um conjunto de

atividades peculiares agrave vida grega tanto ao aspecto natildeo-verbal beacutelico quanto ao verbal

retoacuterico

No segundo capiacutetulo ―Agones modelares satildeo estudadas as comeacutedias Cavaleiros

Nuvens Vespas e Ratildes cujos agones satildeo exemplares para a anaacutelise dos demais Aleacutem disso o

exame deles demanda esclarecimentos para algumas questotildees de ordem metodoloacutegica Nessas

peccedilas o(s) agon(es) faz(em) parte de um complexo agoniacutestico por causa do desenvolvimento

progressivo da accedilatildeo que tem por natureza o conflito que se acentua gradativamente ao longo

da trama

Em ―A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz o terceiro

capiacutetulo discutem-se as dissidecircncias entre os helenistas no que se refere agrave legitimidade de

existecircncia de agon nessas peccedilas A proposta nesse capiacutetulo eacute mostrar primeiramente que em

Acarnenses a cena que cumpre a funccedilatildeo de agon eacute classificada quanto agrave dinacircmica da accedilatildeo

10

como um agon contaminatus que estaacute inserido num complexo agoniacutestico como nas comeacutedias

referidas no segundo capiacutetulo em que a accedilatildeo dramaacutetica vai num crescendo Em

Tesmoforiantes a cena que se localiza no lugar do agon eacute paratraacutegica porque a comeacutedia

como um todo eacute uma paratrageacutedia de peccedilas de Euriacutepides A cena em que estaacute o agon de Paz eacute

de natureza mais capciosa devido agraves inuacutemeras irregularidades tanto na forma quanto no

conteuacutedo sendo cabiacutevel dizer que se trata de um quasi-agon de natureza reflexiva cuja cena

funciona como um acessoacuterio da accedilatildeo

O quarto capiacutetulo ―O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral demonstra

que a natureza dos agones eacute expositiva e quanto agrave accedilatildeo eles podem estar no centro dela

como em Aves e Assembleacuteia de mulheres ou inserido num complexo agoniacutestico como em

Lisiacutestrata

O quinto capiacutetulo ―O uacuteltimo agon analisa o agon de Pluto caracterizado como

ad absurdum porque do ponto de vista dramaacutetico o resultado insoacutelito da discussatildeo natildeo eacute

saber qual dos litigantes tem razatildeo mas pocircr em relevo o valor da argumentaccedilatildeo Com a

diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do coro nessa peccedila a forma do agon fica bem reduzida e tudo

indica que assim como a paraacutebase jaacute desaparecera o agon epirremaacutetico tambeacutem estaria com

seus dias contados

Para manter o espiacuterito aristofacircnico o agon de cada comeacutedia em exame recebeu

um tiacutetulo A saber Cavaleiros a disputa a galope Vespas a discussatildeo a ferroadas Nuvens

os confrontos tempestuosos Ratildes os saltos do debate entre Eacutesquilo e Euriacutepides Acarnenses

desafi(n)ando o coro Tesmoforiantes mulheres em agoniaccedilatildeo Aves a conversa levada no

bico Lisiacutestrata o confronto entre coros Assembleacuteia de mulheres falando de homem para

homem e por fim Pluto a riqueza do conflito

Aleacutem de anaacutelises de caraacuteter estrutural e temaacutetico o agon foi estudado em

concomitacircncia com as funccedilotildees o heroacutei cocircmico em Aristoacutefanes porque a seccedilatildeo agon tem

11

implicaccedilotildees com o ecircxito ou o fracasso do porjeto do heroacutei Uma obra capital sobre o heroacutei

cocircmico eacute Aristophanes and the Comic Hero de Cedric Whitman (1964) um estudo sobre um

novo tipo de heroacutei o heroacutei cocircmico que aleacutem de parodiar os heroacuteis da trageacutedia e da epopeacuteia

expressa ao mesmo tempo aspiraccedilotildees humanas face aos problemas em que vive Uma parte

dessa obra comenta o heroiacutesmo cocircmico e nesse aspecto Whitman (1964) fez uma

investigaccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo do heroacutei e suas funccedilotildees na accedilatildeo como alazon eiron e poneros

a partir do trabalho de Francis Macdonald Cornford (1934) The origin of Attic Comedy1

Nessa mesma linha de anaacutelise estaacute o trabalho The Theatre of Aristophanes de

Kenneth McLeish (1980) em que haacute um estudo a respeito do heroacutei e seus adversaacuterios sob o

ponto de vista das seguintes funccedilotildees eiron alazon poneros bomolochos e spoudaios O

terceiro estudo fecundo eacute somado aos dois anteriores o de Pascal Thiercy (2007)

Aristophane Fiction et dramaturgie2 Na terceira parte dessa obra haacute um exame das relaccedilotildees

entre personagens centralizadas no heroacutei conforme as seguintes funccedilotildees eiron alazon e

poneros

Para facilitar a consulta ao corpus seguem em anexo as traduccedilotildees dos agones

com texto biliacutenguumle3 Das onze comeacutedias quatro delas tiveram emprestada a traduccedilatildeo de seus

agones A saber Nuvens traduccedilatildeo de Gilda Maria Reale Starzynski Aves e Lisiacutestrata por

Adriane da Silva Duarte e Ratildes segundo Anna Lia A A Prado e Silvia Sueli Milanezi Eacute de

minha responsabilidade o restante dos agones apresentados e traduzidos A traduccedilatildeo desse

corpus cujo texto eacute poesia com meacutetrica especiacutefica visa apenas a traduzir a forma do

conteuacutedo o que resultaraacute na liacutengua de chegada uma traduccedilatildeo acadecircmica portanto sem se

preocupar com a forma da expressatildeo

1 Utilizamos em nossa pesquisa o trabalho de F M Cornford publicado em 1968 2 A primeira ediccedilatildeo eacute de 1986 e ateacute onde pesquisamos essa nova ediccedilatildeo natildeo alterou os comentaacuterios sobre o

agon em relaccedilatildeo agrave ediccedilatildeo antiga 3 Adotamos a traduccedilatildeo biliacutenguumle gregoinglecircs de Alan H Sommerstein

INTRODUCcedilAtildeO

O AGON NA COMEacuteDIA

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 13

1 Apresentaccedilatildeo do tema

Meu propoacutesito eacute estudar a diversidade da forma e do conteuacutedo do agon na obra de

Aristoacutefanes Para se estabelecer os criteacuterios de anaacutelise colocaremos antes algumas questotildees

que tentaremos responder ao longo desta pesquisa i) o que eacute o agon na comeacutedia ii) toda cena

de disputa seja ela de natureza verbal ou natildeo-verbal eacute agon iii) eacute possiacutevel haver agon sem

conflito iv) sendo uma das seccedilotildees da estrutura da comeacutedia e por causa da meacutetrica proacutepria o

agon precisa apresentar todas suas partes v) as personagens que participam do agon

assumem quais funccedilotildees vi) o heroacutei e seu adversaacuterio satildeo as uacutenicas personagens envolvidas no

agon ou eacute possiacutevel um agon sem a participaccedilatildeo do heroacutei cocircmico

As respostas a essas questotildees esbarram na equaccedilatildeo formaconteuacutedo que cada agon

apresenta resultando numa diversidade formal e temaacutetica da obra aristofacircnica A minha

hipoacutetese eacute que Aristoacutefanes conhecendo bem a estrutura comum do agon manipulou as

convenccedilotildees estruturais de sua forma subjugando-a ao conteuacutedo ou seja o conteuacutedo

determinando a forma a ponto de esta se apresentar ora completa ora incompleta ora

reduzida ou extremamente modificada As investigaccedilotildees datildeo indiacutecios de que quanto agrave forma

o agon como uma seccedilatildeo da estrutura tende a desaparecer mas sobrevive na comeacutedia pelo

conteuacutedo

Esta pesquisa partiu do estudo do agon na trageacutedia feito por Jacqueline Duchemin

(1968) o qual nos serviu de paradigma para uma classificaccedilatildeo do agon quanto agrave sua evoluccedilatildeo

temaacutetica em relaccedilatildeo agrave accedilatildeo e agrave funccedilatildeo dramaacutetica Natildeo se trata neste estudo de fazer uma

colagem das classificaccedilotildees do agon da trageacutedia na comeacutedia porque na trageacutedia o agon eacute uma

discussatildeo que funciona como um elemento da accedilatildeo podendo ocorrer em qualquer instacircncia

do enredo enquanto que na comeacutedia ele eacute um componente da estrutura e como parte dela

tem lugar fixo e meacutetrica especiacutefica A relaccedilatildeo do trabalho de Duchemin (1968) com este

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 14

estudo encontra-se nos roacutetulos que de acordo com a descriccedilatildeo de cada um parecem tambeacutem

ser adequados agraves cenas de agon na comeacutedia mas com as devidas adequaccedilotildees pertinentes ao

gecircnero cocircmico

Do estudo de Duchemin (1968 p 124-144) aproveitaremos os criteacuterios segundo o

lugar do agon na accedilatildeo dos conjuntos agoniacutesticos complexos e do nuacutemero de participantes A

classificaccedilatildeo do agon na accedilatildeo implica trecircs posiccedilotildees i) o agon no centro da accedilatildeo (lrsquo ἀγών au

centre de lrsquoaction) ii) o agon que se desprende da accedilatildeo (lrsquo ἀγών se deacutetachant de lrsquoaction)

iii) o agon acessoacuterio da accedilatildeo (lrsquo ἀγών hors-drsquooeuvre)

Quanto ao lugar do agon na accedilatildeo ele eacute centro da accedilatildeo nas seguintes situaccedilotildees i) a

discussatildeo estaacute estritamente ligada ao andamento da accedilatildeo ii) o objeto da discussatildeo constitui o

assunto da peccedila iii) a discussatildeo representa um papel de impulsatildeo dramaacutetica ou iv) ou a

discussatildeo interveacutem para esclarecer uma situaccedilatildeo tornando-se uma conclusatildeo do drama

Duchemin (1968) considera que o agon se desprende da accedilatildeo4 quando ele assume

um valor de exposiccedilatildeo dramaacutetica Pode ocorrer por causa de uma persuasatildeo fracassada ou de

uma discussatildeo retrospectiva com assuntos do passado ou de uma discussatildeo cujo uacutenico

objetivo eacute deixar claro o antagonismo

Em muitas cenas de agon sobretudo em Euriacutepides que empregou as antilogiai

sofigravesticas e as formas antiteacuteticas o agon funciona como acessoacuterio da accedilatildeo quando a relaccedilatildeo

com a accedilatildeo pode ser vaga em que a discussatildeo natildeo tem nenhuma relaccedilatildeo com a situaccedilatildeo e os

assuntos satildeo de interesse dos atenienses ou pode antecipar a discussatildeo principal Nesse caso

trata-se de discussotildees que se justapotildeem

No que se refere aos conjuntos agoniacutesticos complexos a cena de agon que eacute

analisada do ponto de vista da accedilatildeo e de quem faz essa accedilatildeo pertence a um conjunto de cenas

que satildeo um prolongamento do conflito Trata-se de um pressuposto estrutural que contempla

4 Nenhum dos agones em Aristoacutefanes conforme anaacutelises feitas neste estudo enquadra-se na classificaccedilatildeo ―agon

que se desloca da accedilatildeo

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 15

o todo orgacircnico da peccedila As cenas estatildeo arranjadas por uma ordem de complexidade

crescente i) agones ligados por cenas que os intercalam ii) agones sucessivos isto eacute o

segundo nasce imediatamente do primeiro sem intervalo de cena iii) o agon no final

resultado de uma progressatildeo dramaacutetica de uma seacuterie de cenas

Por fim o nuacutemero de debatedores de um agon pode incluir duas personagens

duas personagens e um aacuterbitro trecircs personagens

Estabelecidas as classificaccedilotildees de Duchemin (1968) para o agon na trageacutedia

vejamos entatildeo o aproveitamento delas na obra de Aristoacutefanes

O agon centro da accedilatildeo estaacute presente em Aves Tesmoforiantes Assembleacuteia de

mulheres e Pluto Nessas comeacutedias o objeto em discussatildeo tambeacutem eacute assunto da peccedila a

discussatildeo se liga ao andamento da accedilatildeo tendo um papel de impulsatildeo dramaacutetica para as cenas

subsequumlentes que satildeo uma consequumlecircncia do agon Quanto agrave natureza do discurso do agon

Aves e Assembleacuteia de mulheres apresentam um discurso expositivo de caraacuteter persuasivo

trata-se portanto de um agon de exposiccedilatildeo Em Tesmoforiantes o discurso eacute um empreacutestimo

das trageacutedias de Euriacutepides trata-se portanto de um agon paratraacutegico Em Pluto o agon eacute ad

absurdum porque o discurso de defesa do heroacutei serve para esclarecer seu plano utoacutepico e o

jogo de persuasatildeo eacute completamente anulado pela inesperada reviravolta do desfecho da

contenda

Em Paz a cena que preenche a funccedilatildeo do agon eacute classificada como um acessoacuterio

da accedilatildeo porque a natureza do discurso de Hermes eacute um relato retrospectivo a propoacutesito da

origem da guerra que por sua vez eacute um assunto de interesse coletivo

Segundo Duchemin (1968) outra funccedilatildeo do agon acessoacuterio da accedilatildeo na trageacutedia eacute

preparar a cena para a discussatildeo principal Nesse sentido as cenas que antecedem o agon na

comeacutedia e que satildeo preparatoacuterias para o debate satildeo denominadas proagon portanto

entendemos que o proagon eacute um acessoacuterio da accedilatildeo

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 16

O agon quando faz parte de um complexo agoniacutestico eacute tambeacutem centro da accedilatildeo

porque os argumentos do agon e o da peccedila satildeo os mesmos Isso ocorre em Acarnenses

Cavaleiros Nuvens e Vespas Nesas comeacutedias haacute mais de um agon que sendo um deles o

principal estatildeo separados por outras seccedilotildees da peccedila cuja impulsatildeo dramaacutetica estaacute em

constante progressatildeo o que desencadeia uma sucessatildeo de cenas que quanto agrave forma natildeo satildeo

agon mas quanto ao conteuacutedo trata-se de um prolongamento do debate que se estende ateacute o

final da peccedila Nessas comeacutedias a fabulaccedilatildeo se alicerccedila sobre uma rede entrelaccedilada de cenas

com conteuacutedo comum o que resulta numa contaminatio entre as seccedilotildees da estrutura Por

exemplo o paacuterodo que antecedendo o agon na disposiccedilatildeo das partes da comeacutedia torna-se por

contaminaccedilatildeo um paacuterodo-agoniacutestico Acarnenses e Lisiacutestrata satildeo comeacutedias que melhor

representam essa categoria que estamos denominando contaminatio A razatildeo disso eacute a

participaccedilatildeo ativa do coro como antagonista na fabulaccedilatildeo Jaacute Ratildes possuem um uacutenico agon

sem separaccedilatildeo por cenas uma vez que o agon ocupa toda a segunda parte da comeacutedia Trata-

se de um agon exemplar que expotildee o desenvolvimento progressivo do conflito

De acordo com Duchemin (1968) ao se referir ao agon na trageacutedia o debate com

duas personagens eacute a forma mais comum e configura-se na disputa de duas partes diante de

um juacuteri ou de o juacuteri ser ao mesmo tempo uma das partes do debate Jaacute a querela com mais de

trecircs personagens eacute uma forma que natildeo constitui a forma normal de discussatildeo visto que a

noccedilatildeo de agon repousa sobre um antagonismo completo e parece excluir toda nuanccedila

Essa distribuiccedilatildeo pode ocorrer na comeacutedia que se permite no entanto certas

variaccedilotildees como no agon I de Cavaleiros em que quatro personagens se projetam agrave revelia na

contenda Em Acarnenses o coro eacute adversaacuterio e tem um representante que eacute o rival do heroacutei

Em Tesmoforiantes o oponente do heroacutei eacute o coro Ao contraacuterio no agon II de Cavaleiros o

heroacutei tem apoio do coro e de um escravo contra o concorrente e haacute tambeacutem um juiz Jaacute em

Aves o coro eacute a princiacutepio contraacuterio ao heroacutei mas depois se torna seu partidaacuterio Haacute uma

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 17

terceira personagem que eacute o mediador da contenda e uma quarta que estaacute do lado do heroacutei Jaacute

nos agones de Nuvens o agon I expotildee um debate entre duas personagens sem a participaccedilatildeo

do heroacutei que soacute estaraacute presente no segundo agon da comeacutedia No agon I de Vespas haacute trecircs

personagens uma das quais eacute o coro que toma partido de um dos lados jaacute no agon II a

contenda se limita a duas personagens Em Paz Lisiacutestrata Assembleacuteia de mulheres e Pluto o

conflito ocorre com duas personagens e com a ausecircncia de um juiz Em Ratildes a querela entre

duas personagens tem a presenccedila de um aacuterbitro

Para aleacutem de uma simples contagem dos litigantes envolvidos no conflito a

comeacutedia atribui funccedilotildees aos participantes da contenda Isso porque as personagens cocircmicas

assumem funccedilotildees na fabulaccedilatildeo consequumlentemente tambeacutem no agon E o uacutenico documento

que a Antiguumlidade nos legou a esse respeito foi o Tractatus Coislinianus XII em que satildeo

citadas as seguintes funccedilotildees (βωμολόχος) bomolochos bufatildeo (εἴρων) eiron irocircnico

dissimulador (ἀλαζών) alazon fanfarratildeo5 - sem qualquer desenvolvimento delas na

personagem cocircmica - Somente no seacuteculo XX esses termos vatildeo merecer um estudo dirigido agrave

personagem sobretudo no heroacutei e sua atuaccedilatildeo na comeacutedia em geral sem se restringir a uma

parte do texto

A funccedilatildeo bomolochos6 eacute mateacuteria no estudo pioneiro de W Suumlss

7 (1905 apud

GELZER 1960) em que o autor a interpreta como um interventor cujos comentaacuterios e

apartes prestam-se ao riso por meio de jogos de palavras chistes sem relevacircncia anedotas

obscenas enfim o que possa oferecer um suporte humoriacutestico agrave discussatildeo e

consequumlentemente agrave cena O bomolochos tem funccedilotildees diferentes (GELZER 1960 p 124-

125) no contexto da accedilatildeo ou eacute coadjuvante do heroacutei ou ao contraacuterio eacute juiz da contenda e

5 Reza o texto ἤθη κωμῳδίας τά τε βωμολόχα καὶ τὰ εἰρωνικὰ καὶ τὰ τῶν ἀλαζόνων 6 Literalmente o vocaacutebulo βωμολόχος significa ―aquele que fica agraves escondidas (λόχος) dos altares (βωμός)

para se aproveitar das oferendas ou para mendigaacute-las com mofas ou lisonjas 7 Gelzer (1991) aponta aleacutem do estudo pioneiro de W Suumlss (1905 p 68-70) os trabalhos de H J Newiger

(1957 p 33-49) e de M Landfesten (1967 p 48-78) publicados respectivamente em Bonn Munich e

Amsterdam

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 18

seus apartes tecircm um significado no contexto Como coadjuvante cujas intervenccedilotildees natildeo

servem para o desenvolvimento da accedilatildeo e natildeo fazem senatildeo dirigir-se ao puacuteblico com glosas eacute

possiacutevel em trecircs situaccedilotildees i) sozinho e interlocutor do puacuteblico ii) acompanhado com outra

personagem e co-orador iii) acompanhado com vaacuterias personagens e comentarista de um

diaacutelogo ou de uma accedilatildeo

Em seu livro The origin of Attic Comedy Cornford (1968 p 115-162) analisa as

funccedilotildees bomolochos eiron e alazon na personagem do heroacutei cocircmico que para esse autor estaacute

sempre enquadrado nas duas primeiras categorias Segundo Aristoacuteteles (Retoacuterica 318 1419 b

8-10) o bufatildeo (bomolochos) procura seu prazer zombando do outro enquanto que o irocircnico

(eiron) pelo riso procura o prazer para si mesmo Jaulin (2000 p 319) interpreta essa

evocaccedilatildeo de utilidade do riso como uma distinccedilatildeo entre duas formas da produccedilatildeo do risiacutevel o

irocircnico provoca o riso agraves custas dos outros enquanto que o bufatildeo provoca o riso nos outros a

suas custas

Na opiniatildeo de Whitman (1964 p 27) natildeo haacute um eiron autecircntico nas personagens

aristofacircnicas apenas uma variedade de alazones Jaacute para McLeish (1980 p 53-56) o eiron eacute

irocircnico finge e dissimula suas qualidades e habilidades e o alazon8 eacute espalhafatoso

fanfarratildeo e pretende ter habilidades que natildeo satildeo suas Em princiacutepio esses dois tipos podem

tambeacutem cobrir figuras secundaacuterias em Aristoacutefanes Mas o heroacutei tambeacutem pode representar o

eiron e nesse caso eacute dotado de habilidade para banir o alazon Este por sua vez num niacutevel

mais desenvolvido torna-se uma personagem maior da accedilatildeo geralmente o adversaacuterio do

heroacutei McLeish (1980) tambeacutem amplia essas funccedilotildees atribuindo ao heroacutei uma natureza

multiforme ou como spoudaios ndash personagem soberba seacuteria e sincera ndash ou como

bomolochos ndash bufatildeo ndash ou como poneros ndash espertalhatildeo matreiro Na opiniatildeo dele a natureza

multiforme do heroacutei facilita-lhe adaptar sempre uma resposta para perguntas de cada

8 A presenccedila desses dois tipos foi notada primeiramente por Aristoacuteteles afirma McLeish (1980 p 53)

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 19

confronto particular o que nos parece mais apropriado Nessa mesma linha de anaacutelise

Thiercy (2007) tambeacutem estabelece mais de uma ao heroacutei que satildeo resultados de uma mistura

complexa natildeo apenas segundo o caraacuteter do indiviacuteduo mas tambeacutem segundo suas

necessidades

O conceito de ironia (eironeia) admite muitas interpretaccedilotildees9 e sua etimologia natildeo

eacute satisfatoacuteria (CHANTRAINE 1999 p 326) Nenhuma ocorrecircncia desse termo eacute atestada

antes do periacuteodo da Guerra do Peloponeso quando Aristoacutefanes utiliza-o uma uacutenica vez em

Nuvens (v 449) Aristoacuteteles em seus tratados sobre a eacutetica jaacute chamava a atenccedilatildeo para a sutil

relaccedilatildeo entre os termos eiron e alazon Whitman (1964 p 26) McLeish (1980 p 53) e

Thiercy (2007 p 187) homologam essa capciosa relaccedilatildeo entre os termos apontada pelo

filoacutesofo grego Os termos eiron e alazon10

estatildeo estritamente ligados a ponto de

compartilharem a mesma noccedilatildeo de fingimento e dissimulaccedilatildeo o eiron finge ironicamente

suas verdadeiras qualidades e habilidades e o alazon finge demasiadamente ter qualidades e

habilidades que natildeo satildeo propriamente suas

As duas uacuteltimas categorias poneros e spoudaios satildeo antagocircnicas em seus

sentidos a primeira carrega todos os defeitos enquanto que a segunda todas as virtudes

Contrariamente aos valores da epopeacuteia e da trageacutedia a comeacutedia revira os valores correntes e

as personagens cocircmicas sobretudo o heroacutei triunfam graccedilas a sua poneria isto eacute uma mistura

de embuste de atrevimento e de torpeza Esses atributos que carregam um sentido negativo

fora da comeacutedia tornam-se positivos nela Como bem observou Whitman (1964 p 29) e

tambeacutem Thiercy (2007 p 187) Aristoacutefanes eacute capaz de reverter as implicaccedilotildees de sentido de

uma palavra como por exemplo πονηρός que vem a ser atributo a uma personagem

espertalhona astuciosa O poneros eacute engenhoso e na opiniatildeo de McLeish (1980 p 55 123)

9 De acordo com o artigo de Pavlovskis (1968 p 22) em que o autor expotildee as muitas interpretaccedilotildees do conceito

de ironia a partir de Aristoacutefanes passando por Platatildeo Aristoacuteteles Teofrasto ateacute chegar nos filoacutesofos ciacutenicos 10 Segundo Thiercy (2007) o vocaacutebulo alazṓn eacute empregado 16 vezes em Aristoacutefanes valor que natildeo confere com

Perseus Digital Library (2006) que constata 13 empregos

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 20

essa arguacutecia o torna invenciacutevel em qualquer situaccedilatildeo de confronto e ao contraacuterio do poneros

que tem total controle e domina a accedilatildeo em cena o bomolochos em geral reage com bufonaria

ao que acontece em sua volta

O termo spoudaios aparece na definiccedilatildeo de trageacutedia formulada por Aristoacuteteles11

(Po 49 b 24) e nos causa a princiacutepio um certo estranhamento quando o vemos tambeacutem

dirigido agrave comeacutedia Esse paradoxo se explica porque ndash embora o termo seja um predicativo de

accedilotildees nobres soberbas elevadas das personagens traacutegicas ndash as personagens cocircmicas natildeo satildeo

apenas dotadas de bomolochia poneria e alazoneiacutea mas tambeacutem na sua irreverecircncia satildeo

personagens que demonstram seriedade e elevaccedilatildeo nos seus propoacutesitos eacute louvaacutevel desejar a

paz ou beneficiar a humanidade ou ainda se preocupar com o futuro da polis O spoudaios natildeo

eacute tatildeo engraccedilado na sua maneira de ser e pensar Suas accedilotildees entretanto levam ao riso porque

as outras personagens reagem a elas com escaacuternio

Concordo com McLeish (1980) Thiercy (2007) e Whitman (1964) que essas

funccedilotildees se aplicam em grande parte agrave classificaccedilatildeo do heroacutei cocircmico e de seu adversaacuterio

Admite-se portanto que a natureza multiforme do heroacutei cocircmico cuja facilidade de adaptaccedilatildeo

eacute bastante grande porque o heroacutei cocircmico sempre tem conforme a situaccedilatildeo um discurso de

defesa pronto para cada confronto particular E assim sendo interpreto que a poneria estaacute por

traacutes desse caraacuteter flexiacutevel do heroacutei que lhe confere muita habilidade e astuacutecia Logo a funccedilatildeo

poneros aflora com nuanccedila de grau em todos os heroacuteis aristofacircnicos com seus projetos

mirabolantes

2 Definiccedilatildeo do objeto e delimitaccedilatildeo do corpus

O agon na sua akme (ἀκμή)12

segundo Duchemin (1969 p 47) compotildee-se

normalmente de duas ―tiradas opostas representando as situaccedilotildees ou as teses contraacuterias de

11 Diz o texto aristoteacutelico ἔστιν οὖν τραγῳδία μίμησις πράξεως σπουδαίας 12 Esse termo eacute entendido como ―o ponto culminante no caso no debate

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 21

duas personagens em confronto agraves vezes de uma maneira bastante excepcional haacute trecircs

personagens Essas ―tiradas satildeo seguidas de um tipo de resoluccedilatildeo do conflito em reacuteplicas

mais raacutepidas resultando numa esgrima de versos alternados conhecida sob o nome de

esticomitia Essas consideraccedilotildees que satildeo proacuteprias agrave trageacutedia podem ser ateacute certo ponto

aplicadas agrave comeacutedia embora natildeo se deva perder de vista que o agon cocircmico eacute muito mais

complexo e amplo porque se trata de uma das partes da comeacutedia portanto com uma estrutura

formal e meacutetrica especiacutefica

Corre-se um risco ao se definir o agon porque eacute preciso que se leve em conta sua

diversidade formal e temaacutetica Daiacute o(s) agon(nes) de algumas comeacutedias terem caracteriacutesticas

que estatildeo ausentes em outras peccedilas a ponto de se cogitar a ausecircncia de agon13

Das onze

comeacutedias oito possuem um ou dois agones quanto agraves trecircs comeacutedias restantes Acarnenses

Paz e Tesmoforiantes haacute uma discussatildeo da presenccedila ou natildeo de um agon Neste trabalho

partimos do pressuposto de que todas as comeacutedias de Aristoacutefanes possuem agon inclusive em

Acarnenses Paz e Tesmoforiantes porque nessas comeacutedias haacute cenas que estatildeo no lugar de

uma cena de agon e de certa forma cumprem tal funccedilatildeo

Tecnicamente o agon na comeacutedia eacute uma seccedilatildeo de natureza dialeacutetica14

debate

entre dois contendores com a presenccedila ou natildeo de um aacuterbitro e agraves vezes com a presenccedila de

uma terceira personagem ou mais Essa definiccedilatildeo stricto sensu eacute entretanto incapaz de dar

conta do objeto todo A definiccedilatildeo de agon pode ser mais bem entendida a partir de sua

etimologia pluralidade temaacutetica funccedilatildeo dramaacutetica estrutura formal (composiccedilatildeo meacutetrica) ndash

que passamos a expor -

13 Essa discussatildeo seraacute abordada no capiacutetulo III infra 14 O termo dialeacutetico eacute entendido neste estudo tanto na classe adjetiva quanto nominal Como adjetivo diz

respeito a ―algo que eacute proacuteprio da discussatildeo ou haacutebil na discussatildeo como nome entende-se ἡ διαλεκτική como ―a arte de raciocinar empregando a conversa

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 22

Quanto agrave ETIMOLOGIA o termo agon possui a princiacutepio o sentido de jogo

luta competiccedilatildeo e com esses significados estaacute documentado quatro vezes na obra de

Aristoacutefanes

i) Ἄνδρες τι πεισόμεσθα Νῦν ἀγὼν μέγας Paz (v 276)

Senhores o que vai nos acontecer Eacute chegada a hora da importante luta

ii) Ἔπειτrsquo ἀγῶνά γrsquoεὐθὺς ἐξέσται ποιεῖν Paz (v 894)

Em seguida vocecirc teraacute logo o direito de organizar os jogos

iii) πῶς ἅν ποιῶν τὸν Ὀλυμπικὸν αὐτὸς ἀγῶνα Pluto (v 584)

como pode ele proacuteprio organizar os jogos oliacutempicos

iv) ποιεῖν ἀγῶνας μουσικοὺς καὶ γυμνικούς Pluto (v 1163)

organizar competiccedilotildees de muacutesica e de ginaacutestica

A primeira passagem refere-se ao final do proacutelogo em que Trigeu faz comentaacuterios

e observa escondido a Guerra e seu ajudante Tumulto que preparam numa cena de fundo

―culinaacuterio a aniquilaccedilatildeo dos gregos Na segunda passagem trata-se de uma cena episoacutedica

em que Trigeu de regresso a sua casa inicia os preparativos para comemorar seu ecircxito A

terceira passagem encontra-se na cena do agon de Pluto Penia ao se enfrentar com Crecircmilo

justifica que Zeus tambeacutem eacute pobre porque nos jogos oliacutempicos os vencedores satildeo

contemplados com uma simples coroa de oliveira ao inveacutes de ouro O quarto emprego ocorre

na cena episoacutedica entre Hermes e Cariatildeo ξom a crise que se abateu no Olimpo Hermes tenta

se arranjar entre os mortais e sendo um deus de muitos epiacutetetos busca numa de suas

habilidades uma funccedilatildeo na casa de Crecircmilo

Nesses exemplos o termo agon estaacute empregado como um vocaacutebulo pertencente

ao leacutexico da liacutengua como qualquer outra palavra Entretanto seu emprego principal na obra de

Aristoacutefanes ocorre quando esse termo introduz uma nova seccedilatildeo da estrutura do texto de

natureza dialeacutetica que determina um debate Com esse sentido a palavra agon aparece oito

vezes no texto aristofacircnico

i) ὡς σκψιν ἁγὼν οὗτος οὐκ εἰσδέξεται Acarnenses (v 392)

jaacute que este debate natildeo pode admitir rodeio

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 23

ii) ἆρrsquo οἶσθα ὅσον τὸν ἀγῶνrsquo ἀγωνιεῖ τάχα Acarnenses (v 481)

por acaso vocecirc tem ideacuteia do tamanho do debate que vai ocorrer em breve

iii) ἧς πέρι τοἶς ἐμοῖς φίλοις ἐστὶν ἀγὼν μέγιστος Nuvens (v 958)

a respeito da qual estaacute para acontecer um super debate entre meus amigos

iv) ὁρᾷς γὰρ ὥς afinal vocecirc percebe que

σοι μέγας ἐστὶν ἁγὼν um importante debate estaacute para te acontecer

Vespas (v 533)

v) ἀγῶνα ποιεῖν αὐτίκα μάλα καὶ κρίσιν Ratildes (v 785)

organizar o mais raacutepido possiacutevel um debate e um juacuteri

vi) οὐκ ἐξ ἴσου γάρ ἐστιν ἁγὼν νν Ratildes (v 867)

pois o debate natildeo estaacute em peacute de igualdade para noacutes dois

vii) ἀγῶνα κρῖναι τόνδε μουσικώτατα Ratildes (v 873)

para julgar esse debate conforme as regras das Musas

viii) νῦν γὰρ ἀγὼν σοφίας ὁ μέγας χωρεῖ πρὸς ἔργον ἤδη Ratildes (v 884)

eacute agora que o grande debate de talento daacute iniacutecio nesse instante a sua execuccedilatildeo

Nessas passagens o termo agon estaacute presente ou em cenas preparatoacuterias

chamadas proagon ou na abertura do proacuteprio agon Na primeira passagem que se refere a

Acarnenses o vocaacutebulo eacute empregado nas cenas de introduccedilatildeo e corresponde ao

antikatakeleusmos em que o corifeu representando o coro chama a atenccedilatildeo de Diceoacutepolis Jaacute

na segunda passagem que tambeacutem aparece em Acarneneses o agon estaacute na iminecircncia de

comeccedilar E desse modo sob a forma de soliloacutequio Diceoacutepolis busca em suas forccedilas internas

o auto-encorajamento No terceiro fragmento o termo eacute empregado no final da ode do agon I

de Nuvens trata-se de uma evoluccedilatildeo coral em que o coro anuncia o debate que vai se

desenrolar entre os Raciociacutenios alegorias na peccedila O quarto extrato pertence a Vespas e o

termo tambeacutem eacute empregado na ode portanto iniacutecio do agon em que o canto do coro eacute

interrompido por Bdelicleatildeo quando o coro que se dirige a ele tenta abrir a discussatildeo que vai

ocorrer entre pai e filho A quinta citaccedilatildeo de Ratildes compotildee uma cena episoacutedica em que Eacuteaco e

Xacircntias comentam os barulhos vindos da mansatildeo de Hades onde estaacute ocorrendo uma disputa

entre Eacutesquilo e Euriacutepides natildeo se trata ainda do agon da peccedila porque essa querela se passa

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 24

por enquanto no espaccedilo extra-mimeacutetico o agon comeccedila a partir do momento em que a cena

se abre para a discussatildeo entre os tragedioacutegrafos e cabe a Hades organizar imediatamente um

debate entre os poetas com presenccedila de um juacuteri As trecircs menccedilotildees seguintes pertencem ao

proagon de Ratildes cena preparatoacuteria de tom provocativo entre as partes Na sexta citaccedilatildeo

Eacutesquilo protesta porque a disputa se faraacute em condiccedilotildees desiguais afinal sua poesia natildeo

morreu com ele como a de Euriacutepides Na seacutetima passagem Dioniso realiza o ritual

preparatoacuterio para as invocaccedilotildees E finalmente o coro anuncia que o agon estaacute em vias de

execuccedilatildeo

Esse caraacuteter apelativo das passagens acima tem como objetivo chamar a atenccedilatildeo

do puacuteblico situando-o no decorrer da accedilatildeo Nem sempre Aristoacutefanes se valeu dessa licenccedila

poeacutetica e nem sempre o agon estaacute apoacutes o paacuterodo como em Cavaleiros Vespas e Aves Pode

ocorrer de ele se localizar depois da paraacutebase como em Nuvens e Ratildes por exemplo Para

garantir o sucesso da comeacutedia no festival Aristoacutefanes soube rearranjar as seccedilotildees do texto de

acordo com seus interesses ou porque a fabulaccedilatildeo exigia ou por causa da conjuntura da

eacutepoca ou para assegurar a benevolecircncia do espectador num dos momentos mais esperados da

peccedila o agon cena de debate tatildeo cara aos atenienses amantes da retoacuterica

Quanto agrave PLURALIDADE temaacutetica nos agones de Cavaleiros cuja proposiccedilatildeo eacute

uma saacutetira ao governo do demagogo Cleatildeo portanto agrave poliacutetica interna de Atenas a caricatura

e a invectiva estatildeo em relevo no conteuacutedo poliacutetico dos agones em que o escravo Paflagocircnio

representando o estadista e Agoraacutecrito um salsicheiro representante do homem comum se

enfrentam numa discussatildeo elaborada segundo a equaccedilatildeo poliacuteticaculinaacuteria Nos agones de

Vespas Aristoacutefanes traz agrave cena uma paroacutedia dos tribunais de Atenas e tambeacutem faz uma criacutetica

agrave poliacutetica interna conduzida por Cleatildeo Nessa proposta da comeacutedia e dos agones fica bem

marcado o choque de geraccedilotildees entre pai e filho Filocleatildeo caricatura dos magistrados e

partidaacuterio de Cleatildeo e Bdelicleatildeo opositor a Cleatildeo respectivamente A temaacutetica de

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 25

Assembleacuteia de mulheres tambeacutem se refere agrave poliacutetica interna com enfoque na economia e pode

ser entendida por um silogismo distorcido que na opiniatildeo de Thiercy (2007 p 101-102) se

torna um paralogismo jaacute que Praxaacutegora emprega uma conjunccedilatildeo de falsos argumentos i) o

sexo masculino estaacute no poder ii) a poliacutetica interna vai mal iii) entatildeo que se decirc o poder agraves

mulheres iv) consequumlentemente a poliacutetica interna iraacute melhor Aves e Pluto satildeo comeacutedias que

tambeacutem criticam a poliacutetica interna Na primeira o heroacutei planeja fundar uma nova cidade no

mundo das aves e na segunda o plano do heroacutei eacute curar a cegueira do deus Pluto para que a

riqueza seja distribuiacuteda a todos e banir a pobreza da Greacutecia

Em Acarnenses Paz e Lisiacutestrata o que estaacute em discussatildeo eacute a poliacutetica externa

como causa da guerra e tambeacutem o oportunismo de alguns cidadatildeos favoraacuteveis ao conflito em

benefiacutecio proacuteprio e detrimento da populaccedilatildeo Na comeacutedia Acarnenses o heroacutei Diceoacutepolis se

volta contra isso e no agon cuja composiccedilatildeo empresta a cena agoniacutestica da trageacutedia

euripidiana Telefo ele se manifesta pela causa da paz se natildeo para os gregos ao menos para

si Em Paz Trigeu ao contraacuterio da treacutegua individual negociada por Diceoacutepolis quer a paz

pan-helecircnica e estando ela alegoria na peccedila aprisionada ele vai em seu socorro O heroacutei

depara-se entretanto com Hermes e o agon se dilui numa seacuterie de cenas irregulares ateacute que

felizmente a Paz eacute libertada e devolvida aos gregos Em Lisiacutestrata a heroiacutena de mesmo nome

tem um projeto muito parecido com o de Trigeu alcanccedilar a paz pan-helecircnica Essa empresa

todavia tambeacutem encontra oposiccedilatildeo E o agon vai se desenrolar natildeo apenas entre Lisiacutestrata e o

Conselheiro mas tambeacutem entre dois semi-coros

Nuvens fazem uma criacutetica agrave conjuntura educacional de Atenas no seacuteculo V

momento em que com o advento da sofiacutestica satildeo apresentados novos rumos para a paideacuteia

grega assunto do agon entre os Raciociacutenios Justo e Injusto esse representando a neacutea-paideacuteia

aquele a archaiacutea-paideacuteia A verve cocircmica do poeta estaacute voltada ao contexto cultural com Ratildes

e Tesmoforiantes cujas propostas natildeo diz respeito agrave educaccedilatildeo como em Nuvens mas agrave criacutetica

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 26

literaacuteria Nesse sentido o agon de Ratildes pode ser considerado um tratado de dramaturgia sobre

as poeacuteticas esquiliana e euripidiana Quanto agrave comeacutedia Tesmoforiantes num primeiro instante

trata-se de uma paroacutedia agrave assembleacuteia no entanto a proposta da peccedila eacute uma criacutetica literaacuteria

que com o recurso da paroacutedia discute a construccedilatildeo da personagem feminina nas trageacutedias de

Euriacutepides Assim estando o tema da peccedila em relevo na discussatildeo do agon e sendo ele uma

seccedilatildeo da comeacutedia o agon eacute uma ceacutelula importante no todo orgacircnico da composiccedilatildeo cocircmica

Do ponto de vista da FUNCcedilAtildeO DRAMAacuteTICA o agon como uma seccedilatildeo da

estrutura da comeacutedia quando anunciado certamente despertava as expectativas no auditoacuterio

As partes da comeacutedia que se sucedem em ordem fixa - proacutelogo paacuterodo agon paraacutebase

episoacutedios intercalados por interluacutedios e ecircxodo - oferecem ao poeta um controle sobre as

expectativas do puacuteblico ao sinalizar o curso da accedilatildeo Gelzer (1991 p 59) levanta a hipoacutetese

de que o espectador ateniense do seacuteculo V tinha um conhecimento sobre a praacutetica teatral pelo

menos quanto aos elementos estruturais fixos Tal conhecimento segundo esse autor eacute um

dos requisitos fundamentais para que o poeta possa utilizaacute-los na construccedilatildeo de sua comeacutedia

Com eles haacute a expectativa do puacuteblico no andamento da fala da accedilatildeo ou da representaccedilatildeo

Aristoacutefanes podia empregaacute-los ou para com eles despertar as respectivas expectativas ou para

conduzir ou para confundir o espectador no jogo teatral Gelzer (1991) conclui que o jogo

com esses elementos fixos sobretudo o agon apoacutes o paacuterodo eacute o jogo com as expectativas do

puacuteblico Entendemos portanto que as estruturas fixas como uma teacutecnica dramaacutetica

demonstram o sentido de utilizaccedilatildeo dessa teacutecnica por Aristoacutefanes e como ele a aplica pois o

agon eacute um instrumento nas matildeos do poeta cujo fim eacute atingir efeitos dramaacuteticos com os quais

ele poderia contar para o sucesso da peccedila no festival

Na estrutura formal do agon a presenccedila do epirrema ou um outro metro que o

substitua na equivalecircncia do conteuacutedo eacute o sema comum a todas as situaccedilotildees consideradas

agon Quanto agrave forma o agon estaacute dividido em partes identificadas pelos metros que estatildeo

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 27

nelas empregados A visatildeo desse sistema meacutetrico deveu-se a Zielinski (1885 apud GELZER

1960) que identificou que a siziacutegia epirremaacutetica ou ―parte coordenada eacute comum em trecircs

seccedilotildees da estrutura da comeacutedia paacuterodo agon e paraacutebase No que concerne ao agon esse se

caracteriza de maneira muito precisa pela introduccedilatildeo de partes codificadas diferenciadas pela

sua estrutura meacutetrica Trata-se de uma regularidade que toma as formas da chamada siziacutegia

epirremaacutetica isto eacute um par de discursos em tetracircmetros cada um introduzido por uma ode

coral em que eacute estabelecida a seguinte subdivisatildeo

i) odeantode partes corais cantadas em metro livre pelo coro e podem ser interrompidas por

versos em tetracircmetros dialogados pelas personagens

ii) katakeleusmos antikatakeleusmos satildeo exortaccedilotildees do coro a ambos os contendores para

dar iniacutecio agrave discussatildeo

iii) epirrema antepirrema15

partes recitadas em tetracircmetros trocaicos pelas personagens que

expotildeem suas teses se haacute interferecircncia natildeo eacute feita pelo coro salvo quando ele eacute uma das

partes na discussatildeo as objeccedilotildees vecircm do adversaacuterio ou de uma terceira personagem o

bomolochos

iv) pnigos antipnigos conclusatildeo dos epirremas composta de diacutemetros trocaicos e recitadas

rapidamente num soacute focirclego

v) sphragis16

o corifeu anuncia o vencedor do debate

Um agon duplo isto eacute com as partes simeacutetricas que compotildeem a siziacutegia

epirremaacutetica nem sempre estaacute presente no corpo de uma comeacutedia uma ou outra parte podem

estar ausentes conforme podemos constatar a seguir no quadro que expotildee o corpus a ser

analisado neste estudo

15 katakeleusmos e epirrema satildeo recitados em tetracircmetros do mesmo metro (jacircmbicos trocaicos ou anapeacutesticos) 16 Segundo Gelzer (1960 p 4 120-123) a sphragis eacute tatildeo esporaacutedica e raramente atestada que eacute questionaacutevel se

se trata de uma seccedilatildeo da estrutura agoniacutestica Como estamos seguindo tambeacutem as demarcaccedilotildees de Mazon

(1904) Pickard-Cambridge (1966) e Moumlllendorff (2002) quando a sphragis eacute indicada por um deles ou pelos

dois estamos considerando-a como uma seccedilatildeo do agon

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 28

Cavaleiros I Nuvens I Vespas I Ratildes ode 303-332 ode 949-958 ode 334-345 ode 895-904

katakeleusmos 333-334 katakeleusmos 959-960 katakeleusmos 346-347 katakeleusmos 905-906 epirrema 335-366 epirrema 961-1008 epirrema 348-357 epirrema 907-970

pnigos 367-381 pnigos 1009-1023 pnigos 358-364 pnigos 971-991 antode 382-406 antode 1024-1033 antode 365-379 antode 992-1003

antikata 407-408 antikata 1034-1035 antikata 380-381 antikata 1004-1005 antepirrema 409-440 antepirrema 1036-1084 antepirrema 382-402 antepirrema 1006-1076

antipnigos 441-456 antipnigos 1085-1104 antipnigos natildeo haacute antipnigos 1077-1098 sphragis 457-460 sphragis 402-414

Cavaleiros II Nuvens II Vespas II

ode 756-760 ode 1345-1350 ode 526-545 cenas iacircmbicas

intercaladas com

interluacutedios do

coro

1099-1499 katakeleusmos 761-762 katakeleusmos 1351-1352 katakeleusmos 546-547

epirrema 763-823 epirrema 1353-1385 epirrema 548-620 pnigos 824-835 pnigos 1386-1390 pnigos 621-630

antode 836-840 antode 1391-1396 antode 631-647 antikata 841-842 antikata 1397-1398 antikata 648-649

antepirrema 843-910 antepirrema 1399-1445 antepirrema 650-718 antipnigos 911-940 antipnigos 1446-1451 antipnigos 719-724

sphragis 941 sphragis 725-727

Aves Lisiacutestrata Tesmoforiantes Acarnenses

ode 451-459 ode 476-483 katakeleusmos 381-382 paacuterodo com estrutura

epirremaacutetica do agon 280-357 katakeleusmos 460-461 katakeleusmos 484-485 1 discurso iacircmbico 383-432

epirrema 462-522 epirrema 486-531 ode 433-442 ode 490-495 pnigos 523-538 pnigos 532-538 2 discurso iacircmbico 443-458 cena iacircmbica 496-565 antode 539-547 antode 539-548 interluacutedio liacuterico 459-465 antode 566-571

antikata 548-549 antikata 549-550 3 discurso iacircmbico 466-519 cena iacircmbica 572-625 antepirrema 550-610 antepirrema 551-597 antode 520-530 sphragis 626-627

antipnigos 611-626 antipnigos 598-607 cenas iacircmbicas 531-573 sphragis 627-638 sphragis 608-613

Pluto Assembleacuteia de Mulheres Paz

katakeleusmos 486-487 ode 571-580 katakeleusmos 601-602 epirrema 488-597 katakeleusmos 581-582 epirrema 603-650

pnigos 598-618 epirrema 583-688 pnigos 651-656 pnigos 689-709

De acordo com o quadro acima quatro comeacutedias possuem sua forma completa

Cavaleiros I e II Vespas II Aves e Lisiacutestrata Duas natildeo possuem sphragis Nuvens I e II Ratildes

O agon I de Vespas natildeo possui antipnigos Trecircs comeacutedias apresentam a forma bem reduzida

de agon Paz Assembleacuteia de mulheres e Pluto Essas duas uacuteltimas peccedilas que representam a

Comeacutedia Meacutedia jaacute sinalizam uma gradaccedilatildeo do agon o que levanta a hipoacutetese de seu

enfraquecimento progressivo ateacute seu desaparecimento (NAVARRE 1911 p 255) O caso de

Acarnenses e Tesmoforiantes eacute peculiar devido agrave forma extremamente modificada em que

apenas satildeo mantidas as seccedilotildees corais enquanto que a ausecircncia das partes epirremaacuteticas eacute

substituiacuteda por discursos iacircmbicos cujo conteuacutedo eacute muito proacuteximo do conteuacutedo epirremaacutetico

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 29

Na opiniatildeo de Mazon (1904 p 173-174) esse sistema duplicado ou simeacutetrico deu-

se porque o agon manifestou-se de duas formas o combate fiacutesico e o combate verbal que se

sucederam um ao outro Mazon propotildee entatildeo o que Duchemin (1968 p 31) tambeacutem aceita

como hipoacutetese no komos primitivo em que se constatam ataques com invectivas grosseiras

encontram-se duas formas de expressatildeo os combates fiacutesicos herdeiros de uma cena beacutelica e

os combates dialeacuteticos Dessas duas formas de conflito a primeira foi a mais antiga Por causa

desse fato a estrutura agoniacutestica que eacute tambeacutem parabaacutetica conforme proposta de Zielinski

(1885 apud GELZER 1960) se explica facilmente o canto guerreiro sugeriria o canto do

coro (ode) uma ordem de movimento inspiraria o encorajamento do corifeu (katakeleusmos)

a batalha proporcionaria o discurso explicativo entre as partes (epirrema) enfim o canto de

vitoacuteria inspiraria a exaltaccedilatildeo do vencedor num uacutenico focirclego (pnigos ou makron) Esse quadro

de luta foi desdobrado de maneira a dar ora a vitoacuteria a um ora a outro Talvez tenha sido isso

que sugeriu a ideacuteia de dois discursos de defesa adversos tal qual havia nos tribunais e de

guerreiro o agon tornou-se dialeacutetico

Nas comeacutedias de Aristoacutefanes eacute frequumlente o emprego de metaacuteforas militares que

parecem dar sustentaccedilatildeo agrave interpretaccedilatildeo de Mazon (1904) Vejamos alguns exemplos de

caraacuteter ilustrativo sem a pretensatildeo de esgotar o assunto17

em Cavaleiros (vv 14 339 416) o

emprego do verbo μάχομαι e seu derivado διαμάχομαι traduz a imagem de ―lutar

intensamente ou ―lutar com uma finalidade em Acarnenses (v 368) Diceoacutepolis estaacute

disposto a enfrentar o inimigo mesmo sem escudo (οὐχ ἐνασπιδώσομαι) ao contraacuterio em

Nuvens (v 1160-1161) a liacutengua passa a ser uma arma de guerra que Estrepsiacuteades deseja como

proteccedilatildeo eficaz πρόβολος que no contexto da peccedila tem o sentido de ―muralha para que

ele possa natildeo soacute se proteger mas tambeacutem se defender no tribunal o verbo ἐπαναστρέφω

17 A propoacutesito das imagens e metaacuteforas em Aristoacutefanes cf Taillardat (1965)

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 30

―contra-atacar portanto pertencente ao contexto militar estaacute presente em Ratildes (v 1102) e

Cavaleiros (v 244) ou seja a metaacutefora transforma palavras em armas

3 Resenha criacutetica da bibliografia especiacutefica

Natildeo se pretende fazer uma resenha exaustiva da bibliografia referente ao agon na

comeacutedia antiga mas discutir as convergecircncias e divergecircncias criacuteticas e assim estabelecer

diretrizes e criteacuterios para o estudo concernente aos capiacutetulos seguintes

Segundo Gelzer (1991 p 52-53) os gramaacuteticos da Antiguumlidade investigaram

apenas a paraacutebase Somente no seacuteculo XIX deu-se ecircnfase ao estudo do agon Uma fonte

bibliograacutefica que nos oferece um panorama histoacuterico desse comeccedilo de pesquisa sobre o agon

eacute o artigo de Humphreys (1887) The Agon of the Comedy De acordo com esse autor o

trabalho pioneiro no estudo do agon eacute de Rudolph Westphal e se intitula Metrik der Griechen

Esse estudo traz um claro relato da forma e natureza de uma parte principal da cena de

discussatildeo chamada de syntagma (com antisyntagma) Essa cena de conflito foi tratada como

uma passagem da epeisoidie e considerada uma seccedilatildeo da estrutura sem uma harmonia entre

ela e a importacircncia de uma subdivisatildeo precisa da peccedila Tratava-se portanto de um elemento

da estrutura desarticulado Alguns editores na eacutepoca como Kock e Teuffel julgaram

importante o trabalho de Westphal E jaacute no final do seacuteculo XIX helenistas fizeram um estudo

cuidadoso da obra de Aristoacutefanes e dos fragmentos dos poetas cocircmicos com o objetivo de

apurar a origem e traccedilar a histoacuteria do agon A primeira providecircncia foi substituir o termo agon

por syntagma proposto por Westphal e depois nomear suas partes Chegou-se a conclusatildeo de

que se tratava de uma seccedilatildeo importante da estrutura da comeacutedia e que trecircs delas ndash Acarnenses

Paz e Tesmoforiantes ndash eram desprovidas desse syntagma

Entretanto em 1885 Theodor Zielinski (apud GELZER 1960) escreve Die

Gliederung der atattischen Komoedie em que ele analisa natildeo soacute a Comeacutedia Antiga mas

tambeacutem o modo de toda performance das peccedilas e a relaccedilatildeo da comeacutedia com a trageacutedia no que

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 31

diz respeito agrave forma Ao inveacutes de syntagma termo proposto por Westphal ele adota o termo

agon Seu trabalho privilegia a anaacutelise de Vespas no qual se demonstra que a uacuteltima parte do

paacuterodo eacute uma introduccedilatildeo para o agon e agraves vezes forma-se uma cena separada um proagon

assim chamado por ele O segundo meacuterito do estudo de Zielinski estaacute na teoria sobre a

composiccedilatildeo epirremaacutetica da comeacutedia comparada com a epeisodie da trageacutedia Ele observa que

nessa composiccedilatildeo se alternam passagens cantadas e recitadas que em conjunccedilatildeo e

simetricamente duplicadas receberam o nome de siziacutegia epirremaacutetica Tal estrutura tambeacutem

estaacute presente na paraacutebase e no paacuterodo Assim Zielinski demonstra que atraveacutes dessa triacuteade

(paacuterodo agon paraacutebase) o agon natildeo era um elemento desarticulado da estrutura segundo

estudo de Westphal Ao analisar as cenas de confronto denominando-as de agon Zielinski

interpretou-as como um debate entre duas personagens que defendem pontos de vista

contraditoacuterios

No iniacutecio do seacuteculo XX helenistas franceses rebatem alguns pontos do trabalho

de Zielinski (1885 apud GELZER 1960) Segundo Navarre (1911 p 250-251) a falha de

Zielinski consiste no fato de ele crer que o agon natildeo tinha outro emprego Afinal nessa cena

de luta Aristoacutefanes inseriu tambeacutem contendas violentas grosseiras com ameaccedilas corporais

Quadros cecircnicos dessa natureza Mazon (1904) denominou scegravene de bataille Maurice Croiset

(1905 apud NAVARRE 1911) scegravenes de deacutefi e Navarre (1911) scegravene drsquoaltercation Para

Mazon (1904 p 173-174) o agon em Aristoacutefanes natildeo se restringe a discussatildeo apenas ―[] la

veacuteriteacute clsquoest que ce cadre de llsquoἀγών nlsquoest nullement reacuteserveacute agrave des discussions mais qulsquoil

accompagne aussi des combats veacuteritables des batailles des ἀγῶνες au sens concret du

mot E quando se trata de uma disputa verbal Mazon (1904 p 174) propotildee a expressatildeo

scegravene de deacutebat Na interpretaccedilatildeo de Croiset (1905 apud NAVARRE 1911 p 215) que

analisa o agon pela sua essecircncia e aparecircncia o agon natildeo eacute uma cena de debate em que estatildeo

em discussatildeo ideacuteias opostas Segundo Croiset o debate com pontos de vista opostos natildeo passa

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 32

de uma aparecircncia na comeacutedia pois o protagonista nunca encontra um adversaacuterio

verdadeiramente seacuterio O agon primitivo saiacutedo do komos interpreta Croiset devia sua

essecircncia natildeo a uma querela mas a uma ―demonstraccedilatildeo satiacuterica audaciosa empenhada por

uma uacutenica personagem o protagonista contra todos A esse respeito Navarre (1911) entende

que a expressatildeo ―demonstraccedilatildeo satiacuterica implica um desvio do debate primitivo e isso se

justifica atraveacutes de trecircs proposiccedilotildees i) que a forma primitiva do agon eacute sua estrutura

duplicada ii) que essa estrutura soacute tem razatildeo de ser segundo uma luta dialeacutetica com duas

personagens iii) que nessa estrutura manifesta-se um desacordo entre forma e conteuacutedo

Assim Aristoacutefanes submeteu o agon a trecircs funccedilotildees A primeira trata o agon como uma luta

dialeacutetica entre duas personagens com ou sem a presenccedila de uma terceira personagem A

segunda funccedilatildeo estabelece o agon como uma ameaccedila de luta corporal de agressatildeo fiacutesica E

por fim uma discussatildeo conduzida por uma uacutenica personagem

Whittaker (1935 p 181-191) escreve um ensaio em que ele analisa cinco seccedilotildees

fundamentais da comeacutedia proacutelogo paacuterodo agon paraacutebase e ecircxodo e discute a funccedilatildeo dessas

partes na estrutura da Comeacutedia Antiga em geral inclusive de alguns fragmentos Para

Whittaker (1935 p 84) quanto agrave forma o agon eacute um debate estritamente formal de estrutura

epirremaacutetica e estaacute precedido por um proagon cena curta em tetracircmetros iacircmbicos em que as

condiccedilotildees da disputa satildeo dispostas Nessa discussatildeo cabe ao coro as partes corais (ode

katakeleusmos sphragis) e aos agonistas as partes recitadas dos epirrhemata frequumlentemente

estaacute presente uma terceira personagem o bomolochos um bufatildeo que proporciona com suas

irrelevacircncias humoriacutesticas um realce cocircmico agrave cena Quanto ao conteuacutedo Whittaker

considera o agon uma importante ferramenta dramaacutetica nas matildeos de Aristoacutefanes porque o

heroacutei tem de lutar contra uma oposiccedilatildeo que geralmente se cristaliza no agon e torna-se o

ponto crucial da peccedila Nesse caso o agon eacute um verdadeiro debate natildeo apenas na forma mas

tambeacutem no conteuacutedo

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 33

O trabalho de Thomas Gelzer (1960) Der epirrhematische Agon bei

Aristophanes traz novo alento ao estudo do agon Pode-se reconhecer a importacircncia dessa

obra pelos seus comentadores (KOSTER 1961 p 253-258 DOVER 1961 p 120-122

NEWIGER 1965 JONES 1961 p 118-120 OSMUN 1963 p 42-48) O detalhado estudo

de Gelzer consiste em introduccedilatildeo e trecircs partes principais

Na introduccedilatildeo haacute uma discussatildeo para definir a terminologia a ser usada e um

exame da literatura antecedente sobre o assunto em que Gelzer comenta as pesquisas de

Rossbach Westphal Lettner e sobretudo Zielinski

Na primeira parte composta de cinco seccedilotildees o trabalho torna-se descritivo com

uma exposiccedilatildeo dos agones das comeacutedias existentes de Aristoacutefanes Na primeira seccedilatildeo haacute uma

anaacutelise da funccedilatildeo dramaacutetica do agon de acordo com suas partes e a relaccedilatildeo delas com a

funccedilatildeo do agon no todo A funccedilatildeo dramaacutetica do agon pode ser

i) marcar a transiccedilatildeo a partir do paacuterodo para o enredo principal da peccedila que estava disposto

no proacutelogo

ii) as odes natildeo interrompem o movimento dos discursos mas os dirigem

iii) inserccedilatildeo de diaacutelogos nas odes expandindo o epirrema e omitindo o pnigos

iv) mostrar como a forma impotildee o conteuacutedo ou como o conteuacutedo se adapta agrave estrutura os

versos que formam o antipnigos apesar do fato de que eles devam ter um efeito de

aceleraccedilatildeo tecircm no entanto um efeito apaziguador pelo menos no conteuacutedo

v) consideraccedilotildees sobre a posiccedilatildeo do agon na comeacutedia

A propoacutesito desse uacuteltimo toacutepico para Gelzer (1960) a localizaccedilatildeo da cena de agon

pode ocorrer em duas instacircncias Na primeira o agon pode estar como demonstrou Zielinski

(1885 apud GELZER 1960) apoacutes o paacuterodo respeitando uma sequumlecircncia determinada e uma

forma esquemaacutetica com conteuacutedo heterogecircneo Na segunda o agon se localiza apoacutes a

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 34

paraacutebase e a isso Gelzer deu o nome de diallage18

ou cena de reconciliaccedilatildeo ou acomodaccedilatildeo

que consiste de quatro elementos principais i) disputaargumentaccedilatildeo (Streit) ii) acordos por

meio de um juacuteri (Abmachungen uumlber ein Schiedesgericht) iii) negociaccedilatildeo (Verhandlung ndash o

agon propriamente dito) iv) julgamento (Urteil) Para Gelzer (1960) haacute comeacutedias em que

podem ocorrer agones que aparecem nessas duas categorias em outros casos como em

Lisiacutestrata pode-se detectar o que ele chamou de darlegungsagon ―agon de exposiccedilatildeo A

forma do agon epirremaacutetico na diallage eacute mais regular do que aquela apoacutes o paacuterodo

Na segunda seccedilatildeo da primeira parte discute-se individualmente cada parte do

agon epirremaacutetico A saber i) a funccedilatildeo da ode eacute introduzir o assunto dos discursos

epirremaacuteticos e provocar a expectativa do puacuteblico na antode (na diallage) o coro exalta o

primeiro contendor e encoraja o segundo a agir ii) os katakeleusmoi satildeo um convite ao

contendor (ou contendores) a falar e agraves vezes o assunto do debate eacute novamente repetido

assim haacute frequumlentemente uma continuaccedilatildeo das ideacuteias nas odes os epirremas satildeo discursos que

apresentam argumentos das partes e haacute uma anaacutelise de toda a parte epirremaacutetica em

Aristoacutefanes e o elo principal entre epirrema e antepirrema eacute o ponto de controveacutersia que eacute

fechado pelo pnigosantipnigos discute-se se a sphragis que conteacutem um elogio eacute de fato

uma parte do agon iii) haacute uma aplicaccedilatildeo dos resultados das investigaccedilotildees para a histoacuteria da

comeacutedia em geral

Na terceira seccedilatildeo da primeira parte destacam-se o estudo do bomolochos e a

influecircncia da retoacuterica cuja teacutecnica dialeacutetica eacute a sofiacutestica nas partes epirremaacuteticas O meacutetodo

pergunta-resposta (anakrisis) aparece no antepirrema porque a discussatildeo estaacute prestes a

acabar Na quarta seccedilatildeo Gelzer discute a relaccedilatildeo particular da forma e do conteuacutedo para uma

demarcaccedilatildeo de cenas semelhantes e estabelece elementos caracteriacutesticos essenciais Na quinta

18 Gelzer (1960) se apropria de uma personificaccedilatildeo criada por Aristoacutefanes cf Acarnenses (vv 989-999)

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 35

e uacuteltima seccedilatildeo da segunda parte discute-se a ausecircncia de agon em Acarnenses Paz e

Tesmoforiantes

Na terceira parte do livro haacute uma aplicaccedilatildeo dos resultados das investigaccedilotildees

anteriores para a histoacuteria da comeacutedia em geral i) breve anaacutelise dos fragmentos da comeacutedia

antiga nos predecessores de Aristoacutefanes a partir de Cratinos ii) discussatildeo concernente agrave

origem e aos aspectos tradicionais do agon epirremaacutetico iii) eacute improvaacutevel que a paraacutebase

embora parecida na forma com o agon seja proveniente dele No final Gelzer (1960) divide

as peccedilas de Aristoacutefanes em trecircs periacuteodos e discute o uso a funccedilatildeo e o desenvolvimento do

agon em cada periacuteodo

Dessas trecircs partes a segunda eacute certamente a de maior relevo porque Gelzer

(1960) vai aleacutem da investigaccedilatildeo do agon no que diz respeito agraves questotildees de divisotildees meacutetricas

e construccedilatildeo formal Na opiniatildeo de Jones Mervyn (1961 p 119) o estudo de Gelzer tende de

fato a trabalhar em termos de anaacutelise formal mais do que do drama porque seu plano de

trabalho daacute ecircnfase agrave discussatildeo dos agones como entidades separadas antes de examinaacute-los

num contexto mais amplo Jones Mervyn (1961 p 120) entretanto reconhece que a erudita e

meticulosa pesquisa de Gelzer eacute indispensaacutevel para os estudos sobre Aristoacutefanes O estudo de

Gelzer na deacutecada de 1960 volta agrave discussatildeo trinta anos depois num encontro sobre

Antiguumlidade Claacutessica promovido pela Fundaccedilatildeo Hardt em Genebra (1991) O professor

Gelzer (1991) retoma a questatildeo do agon no trabalho intitulado Feste Strukturen in der

Komoumldie des Aristophanes Trata-se de uma abordagem sobre as estruturas fixas (paraacutebase e

agon) como uma teacutecnica dramaacutetica e ateacute que ponto o poeta as emprega para atingir efeitos

dramaacuteticos que garantam o sucesso da comeacutedia O texto encerra com um debate a respeito do

tema entre Gelzer e outros renomados helenistas como Handley Dover Zimmermann e

Bremer

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 36

O estudo LrsquoΑΓΩΝ dans la trageacutedie grecque de Duchemin (1968) tambeacutem eacute uma

importante contribuiccedilatildeo ao tema O estudo subdivide-se em trecircs partes Na primeira parte haacute

uma tentativa de definiccedilatildeo de agon que eacute estudado fora da trageacutedia os primeiros sentidos da

palavra e como esse termo emprega-se na eacutepica na histoacuteria na filosofia na retoacuterica e na

comeacutedia Na segunda parte inicia-se a pesquisa do agon na trageacutedia com um cataacutelogo das

cenas agoniacutesticas em Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepides tanto das peccedilas conservadas quanto das

peccedilas que se conservam fragmentadas No final dessa segunda parte estabelece-se uma

classificaccedilatildeo do agon de acordo com seu lugar na accedilatildeo Na terceira parte discutem-se as

formas do agon a partir do nuacutemero de personagens em seguida enfocam-se as partes do agon

e sua estrutura rhesis principal e secundaacuteria diaacutelogo cortado e esticomitia intervenccedilotildees do

coro introduccedilatildeo ao debate e conclusatildeo depois se estabelecem as estruturas dos discursos de

defesa aos moldes da retoacuterica E em seguida traccedilam-se um estudo da argumentaccedilatildeo uma

anaacutelise do diaacutelogo raacutepido e da esticomitia e o emprego de procedimentos e estilos

discursivos

Depois do estudo de Duchemin (1968) sobre o agon na trageacutedia na deacutecada de

1960 o proacuteximo trabalho importante sobre o agon no gecircnero traacutegico eacute o livro The Agon in

Euriacutepides de Lloyd (1992) os dois primeiros capiacutetulos tratam da natureza e funccedilatildeo do agon e

da influecircncia da retoacuterica da eacutepoca no estilo euripidiano Os capiacutetulos seguintes trazem uma

anaacutelise detalhada de treze agones e seu contexto dramaacutetico Lloyd (1992) tambeacutem estabelece

uma discussatildeo com seus predecessores Duchemin e Strohm

Timothy Long (1972) escreve o artigo Persuasion and the Aristophanic Agon

Para ele o agon eacute uma cena de debate e porque eacute uma discussatildeo e natildeo uma luta corporal ndash

scegravene de bataille segundo Mazon (1904) ndash espera-se que pelo jogo da persuasatildeo haja um

vencedor Long leva em consideraccedilatildeo a posiccedilatildeo do agon na comeacutedia depois do paacuterodo ndash

conforme jaacute havia demonstrado Zielinski (1885 apud GELZER 1960) ndash e apoacutes a paraacutebase ndash

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 37

na diallage segundo Gelzer (1960) Assim sob o ponto de vista da persuasatildeo eacute que se pode

classificar o que eacute agon ou natildeo Na opiniatildeo dele todos os agones aristofacircnicos parecem ter

sido usados epiditicamente Natildeo se trata de influenciar a trama mas pocircr em relevo os

propoacutesitos do poeta sem particular atenccedilatildeo para o efeito dramaacutetico desses propoacutesitos De um

modo geral Long (1972) conclui que o efeito persuasivo do agon em Aristoacutefanes eacute miacutenimo

seu efeito dramaacutetico no sentido de sua capacidade de alterar o curso da accedilatildeo praticamente

natildeo existe Os discursos agoniacutesticos da comeacutedia apenas exacerbam e ridicularizam Seu

propoacutesito eacute menos praacutetico do que aquele de um discurso de orador e na opiniatildeo dele que se

fundamenta no trabalho de Murphy (1938) eacute um equiacutevoco admitir que uma das concepccedilotildees

da natureza de um discurso num epirrema possa ser colorido por uma funccedilatildeo aparente de

agon na comeacutedia

Nas deacutecadas de 1970 e 1980 o estudo do agon manteacutem-se analiacutetico e descritivo

mas propotildee uma outra terminologia19

ao termo agon Dover (1972 p 67) ao discutir a

estrutura e o estilo nas comeacutedias aristofacircnicas apresenta contest20

como uma nova

nomenclatura Uma segunda proposta surge com McLeish (1980 p 51) que ao observar a

forma dramaacutetica refere-se a trecircs estruturas formais o que ele chama de elemento tripartido i)

choral entry ii) the argument iii) the parabasis Estes trecircs termos satildeo concernentes ao que

Zielinski (1885 apud GELZER 1960) jaacute havia levantado a respeito da estrutura meacutetrica

similar entre paacuterodo-agon-paraacutebase Como podemos observar o termo paraacutebase eacute mantido ao

contraacuterio do paacuterodo que se caracteriza pela entrada do coro e do agon que estabelece o jogo

argumentocontra-argumento

19 Neste trabalho evitarei a peculiaridade das palavras Na opiniatildeo de Kowzan (1992 p 8) em sua pesquisa

sobre a semiologia do teatro a profusatildeo terminoloacutegica eacute uma das graves doenccedilas das ciecircncias humanas de

nossa eacutepoca A tendecircncia terminoloacutegica de certos autores chega a tal ponto que eacute impossiacutevel segui-los sem ter

agrave disposiccedilatildeo seu leacutexico pessoal Adotarei o termo agon que a meu ver basta por si mesmo Eacute uma palavra

cujo rigor semacircntico (jogo competiccedilatildeo concurso debate discussatildeo) respeita uma loacutegica interna aleacutem de natildeo soacute ter sido empregado por Aristoacutefanes mas tambeacutem jaacute ser um termo consagrado na criacutetica teatral

encontrando-se dicionarizado (PAVIS 2001 p 11) 20 No texto de Dover (1972 p 67) lecirc-se ―A scene which has this structure is commonly designated nowadays by

the Greek term agon but there is no very good reason for not calling it by the English term contestlsquo

Introduccedilatildeo mdash O agon na comeacutedia 38

Sifakis (1992) escreve o artigo The structure of Aristophanic comedy em que se

propotildee estudar as peccedilas aristofacircnicas segundo seu meacutetodo de anaacutelise que eacute trabalhar a

estrutura da comeacutedia como um conjunto de subsistemas interligados A ideacuteia eacute estabelecer a

estrutura narrativa do gecircnero da Comeacutedia Antiga a partir das peccedilas legadas pela tradiccedilatildeo

Aristoacuteteles e Propp (1992) satildeo sua fonte teoacuterica Sifakis (1992 p 131) descreve oito funccedilotildees

cocircmicas que mostram uma similaridade notaacutevel com as 31 funccedilotildees proppianas embora a

sexta funccedilatildeo cocircmica ndash persuasatildeo exercida no debate no caso o agon epirremaacutetico ndash natildeo esteja

entre as funccedilotildees-chave do esquema de Propp (1992)

O estudo mais recente sobre a obra de Aristoacutefanes data do final da deacutecada de 1990

com uma ediccedilatildeo que segue a ordem cronoloacutegica das onze comeacutedias aristofacircnicas traduzida e

comentada por Alan H Sommerstein No volume consagrado agrave comeacutedia Acarnenses

Sommerstein (1998) faz algumas consideraccedilotildees na introduccedilatildeo sobre a diversidade dos

agones i) Vespas eacute um exemplo tiacutepico de agon ii) em quase todos os casos o agon apresenta

para o puacuteblico um debate crucial da peccedila com argumentos de cada lado embora haja

normalmente duras e barulhentas tendecircncias em favor de um lado ou de outro iii) parece ser

uma regra invariaacutevel que no agon o primeiro a falar eacute perdedor final iv) algumas peccedilas natildeo

tecircm agon no seu sentido formal mas em cada caso podemos identificar uma cena que cumpre

uma funccedilatildeo similar Acarnenses vv 490-626 (defesa de Diceoacutepolis para sua paz privada)

Paz vv 459-549 (resgate da Paz) Tesmoforiantes vv 381-530 (a discussatildeo sobre os ―crimes

de Euriacutepides contra as mulheres) v) em Aves e Assembleacuteia natildeo haacute debate mas um jogo de

persuasatildeo por um uacutenico contendor vi) na uacuteltima peccedila Pluto haacute a ausecircncia da divisatildeo em

duas partes cada uma introduzida pelo coro

Essa breve revisatildeo da bibliografia relativa ao agon fica como suporte teoacuterico

conforme os estudos apresentados anteriormente para uma nova abordagem do tema e

tambeacutem auxilia nas anaacutelises dos agones que teratildeo iniacutecio nos proacuteximos capiacutetulos

CAPIacuteTULO I

A CIVILIZACcedilAtildeO DO AGON E A

COMEacuteDIA DE ARISTOacuteFANES

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 40

Esta breve introduccedilatildeo tem o propoacutesito de esboccedilar algumas consideraccedilotildees

preliminares sobre o vocaacutebulo agon cujos significados abrangem os principais campos da

cultura grega da eacutepica agrave histoacuteria agrave filosofia agrave retoacuterica e por fim ao teatro claacutessico

sobretudo na comeacutedia antiga

Ao estudar a etimologia das palavras Benveniste (1995 p 277) escreve que o

grego antigo e outras liacutenguas como latim e sacircnscrito atestam uma heranccedila indo-europeacuteia

comum Trata-se de uma sociedade que foi hierarquizada e estruturada de acordo com trecircs

funccedilotildees fundamentais a do agricultor a do guerreiro e a do sacerdote O vocaacutebulo agon

embora natildeo esteja entre as palavras analisadas pelo autor relaciona-se agraves duas uacuteltimas

funccedilotildees beacutelica e religiosa

Jaacute em Homero 21

eacute encontrado o registro da palavra agon o que testemunha que

se trata de um vocaacutebulo muito antigo que foi empregado num tempo quando a literatura22

ainda era oral Com base na afirmaccedilatildeo de Havelock (1996 p 190) de que o alfabeto grego foi

usado para transcrever o que antes se tinha composto segundo as regras transmitidas

oralmente por meio de teacutecnicas mnemocircnicas eacute de se supor portanto que o vocaacutebulo agon

antes mesmo de fazer parte do registro escrito pertencera a um estaacutegio de oralidade da liacutengua

grega A importacircncia da palavra agon natildeo se refere ao fato originaacuterio de ela ter aparecido num

estaacutegio mnemocircnico da cultura cuja transmissatildeo oral passava de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo e soacute

mais tarde foi incorporada agrave escrita23

Mas o prestiacutegio linguumliacutestico da palavra agon refere-se a

sua permanecircncia desde sempre no leacutexico tornando-se uma palavra-chave da qual se derivou a

21 Os primeiros sentidos da palavra encontram-se na Iliacuteada i) reuniatildeo ou assembleacuteia dos deuses (VII vv 297-

298 XVIII v 376) ii) naus de guerra que navegam em conjunto (XVI v 239) iii) assembleacuteia para jogos

fuacutenebres (XXIII v 258 XXIV v 1) O vocaacutebulo agon aparece 29 vezes em Homero (PERSEUS 2006) 22 Antes de 700 aC a sociedade grega era natildeo-letrada e a transmissatildeo da cultura era oral Nesse contexto estatildeo

inseridos os poemas eacutepicos de Homero que natildeo constituem literatura no sentido moderno do termo diz Havelock (1996 p 244) mas experiecircncia oralmente armazenada de que o conteuacutedo daacute corpo agraves tradiccedilotildees de

um grupo cultural e cuja sintaxe obedece a leis mnemocircnicas por obra das quais essa tradiccedilatildeo eacute conservada e

transmitida 23 A propoacutesito da transcriccedilatildeo alfabeacutetica em Homero cf Havelock (1996 p 163-185)

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 41

expressatildeo civilizaccedilatildeo agoniacutestica24

que traduz o modus vivendi dos gregos e evidencia a noccedilatildeo

de competiccedilatildeo na cultura grega antiga Segundo Chantraine (1999) o vocaacutebulo agon refere-

se originalmente a uma funccedilatildeo religiosa e diplomaacutetica porque Homero o empregou num

contexto religioso Entretanto os jogos fuacutenebres natildeo estatildeo ligados nem a um rito nem a um

santuaacuterio eles cumprem apenas uma homenagem em que homens valorosos se reuacutenem natildeo

como atletas mas como guerreiros e sobretudo como espectadores para prestar honras

fuacutenebres a um dos seus Por extensatildeo agrave imagem de jogos fuacutenebres a palavra agon assume o

sentido de espectador de jogos puacuteblicos e consequumlentemente esse vocaacutebulo passa a designar

arena espaccedilo de confronto luta ou combate corporal25

De acordo com Flaceliegravere (1962 p

38) ao comentar os jogos fuacutenebres em honra de Paacutetroclo esses grandes concursos de forccedila e

habilidade se instituiacuteram por ocasiatildeo de funerais de heroacuteis e de reis E esses jogos foram um

protoacutetipo daqueles que ocorreram mais tarde nos santuaacuterios pan-helecircnicos de Delfos e de

Oliacutempia26

nesta uacuteltima havia uma estaacutetua do deus Agon com halteres em punho

personificando as lutas e os jogos27

Ao longo das comeacutedias de Aristoacutefanes estatildeo empregados vaacuterios vocaacutebulos que

remetem agraves metaacuteforas esportivas No iniacutecio do agon II de Vespas os adversaacuterios satildeo

interpelados como atletas e esse espiacuterito competitivo dos ginaacutesios eacute resgatado pela palavra

γυμνάσιον28 (vv 526-527) que abrange os sentidos exerciacutecio fiacutesico escola de ginaacutestica

ginaacutesio e portanto remete agrave imagem de jogos Em Ratildes antes de comeccedilar o agon entre

Eacutesquilo e Euriacutepides haacute duas passagens que aventam a metaacutefora da competiccedilatildeo A primeira eacute

sugerida pela palavra ἔφεδρος (v 792) que dentre seus significados refere-se ao atleta

reserva No contexto dessa comeacutedia trata-se da personagem Soacutefocles que se mostra pronto

24 Segundo Curtius (1856 apud DEMONT 2005) 25 Iliacuteada (XXIII v 685) e Piacutendaro (Piacuteticas I 44 vv 84-85) 26 A propoacutesito dos Jogos Oliacutempicos e sua universalidade cf Huizinga (1951) 27 Segundo Pausacircnias em Descriccedilotildees da Greacutecia V 26 3 28 Essa palavra tambeacutem pode se referir agrave escola de Pitaacutegoras cf Platatildeo Goacutergias 493 d

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 42

para substituir Eacutesquilo na discussatildeo com Euriacutepides A segunda aparece na palavra πάλαισμα

(v 878) que remetendo aos significados ―movimento de luta ―destreza ―estratagema

sugere a ideacuteia de competiccedilatildeo atleacutetica no debate entre os tragedioacutegrafos Em Cavaleiros na

passagem em que Agoraacutecrito eacute encorajado ao bate-boca com Plafagocircnio verificam-se os

seguintes termos i) προσβολή (vv 387 ss) cujo significado eacute ―ataque ―agressatildeo

―choque ―accedilatildeo de se lanccedilar contra algueacutem ii) ἀλείφω e ἐξολισθαίνω (vv 490 ss) que

significam ―preparar-se para a luta besuntando-se com oacuteleo e ―escapar de um golpe

escorregando respectivamente a metaacutefora construiacuteda com esses dois uacuteltimos vocaacutebulos se

refere ao conselho do coro e do escravo a Agoraacutecrito para que ele unte o pescoccedilo sugerindo a

imagem de preparaccedilatildeo da garganta para poder escorregando escapar das caluacutenias de

Paflagocircnio iii) λαβή (vv 841 847) e κεῖμαι (vv 571 ss) satildeo vocaacutebulos oriundos de um

contexto beacutelico mas por extensatildeo passam a representar metaacuteforas esportivas λαβή significa

―accedilatildeo de pegar ―de atracar ―de agarrar essa imagem sugerida pela palavra λαβή tambeacutem

aparece em Lisiacutestrata (v 671) Nuvens (v 551) e Pluto (vv 487 ss) o verbo κεῖμαι ndash que

significa ―ficar estendido ―deitado ―imoacutevel ndash tambeacutem aparece em Nuvens (vv 126 550)

Aristoacutefanes explora tambeacutem metaacuteforas que se referem agrave corrida como se os

antagonistas fossem atletas que se colocam na linha de partida Essa imagem estaacute presente em

Acarnenses (v 483) quando Diceoacutepolis se auto-encoraja antes de o agon comeccedilar em Vespas

(v 548 ss) em que Filocleatildeo sugere que o ponto de partida de seu discurso no agon traz a

imagem de uma linha de partida de uma corrida e por fim em Cavaleiros (vv 1159-1161)

em que Demos sinaliza o iniacutecio da disputa e (v 1353) em que estaacute empregado o verbo

παρατρέχω com o significado de ―ultrapassagem numa corrida que por extensatildeo toma o

significado de ―abordagem de uma questatildeo

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 43

A palavra agon floresce de fato no seacuteculo V aC e estaacute projetado nos mais

variados campos da cultura grega que se expressa atraveacutes dos discursos a antilogia

(ἀντιλογία) presente na literatura dos historiadores Heroacutedoto e Tuciacutedides na luta eriacutestica

lanccedilada pela sofiacutestica nos exoacuterdios dos oradores na composiccedilatildeo dos dramas em Eacutesquilo

Soacutefocles e Euriacutepides e por fim na comeacutedia de Aristoacutefanes A cada uma dessas aacutereas da

cultura grega o agon reserva uma caracteriacutestica original que corresponde certamente a uma

tendecircncia profunda dessa civilizaccedilatildeo agoniacutestica

Quando referido ao gecircnero dramaacutetico o vocaacutebulo agon remete primeiramente a

uma competiccedilatildeo artiacutestica29

entre coros dramaturgos (510 aC) e atores (450-420 aC) Com o

sentido de concurso teatral o termo agon jaacute eacute empregado no texto aristofacircnico de acordo com

a passagem abaixo

αὐτοὶ γάρ ἐσμεν οὑπὶ Ληναίῳ τrsquoἀγών

estamos soacute entre noacutes no festival das Leneacuteias

Esse excerto aparece na comeacutedia Acarnenses (v 504) e estaacute inserido numa longa

rhesis (ῥσις) de Diceoacutepolis dirigida ao espectador Para aleacutem do contexto dessa comeacutedia

esse verso eacute uma informaccedilatildeo sobre a peccedila que foi encenada no festival das Leneacuteias concurso

dramaacutetico que privilegiava o gecircnero cocircmico

A ideacuteia de competiccedilatildeo artiacutestica remonta aos antecedentes do fenocircmeno teatral que

mais tarde transforma-se numa arte que organizada em festivais de dramaturgia ganha

espaccedilo na vida cultural da polis Gastaram-se muito papel e tinta no afatilde de se explicar a

relaccedilatildeo do agon enquanto disputa com as origens do gecircnero dramaacutetico as quais por sua vez

estatildeo ligadas agrave tradiccedilatildeo do komos cortejo primevo de cunho religioso de onde a comeacutedia

29 Sabe-se atraveacutes de Platatildeo (O Banquete 194 a) que o poeta e os atores subiam sobre um estrado para uma preacute-

apresentaccedilatildeo antes do concurso teatral agon Essa cerimocircnia preliminar chamava-se proagon

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 44

teria procedido30

Apesar das diferentes teses os helenistas satildeo unacircnimes na questatildeo de o

agon se referir a um estaacutegio preacute-dramaacutetico isto eacute performaacutetico desse komos O elemento da

representaccedilatildeo dramaacutetica na opiniatildeo de Cornford (1968 p 30-31) jaacute estava presente desde o

rito religioso com praacuteticas ligadas agrave fertilidade em que se confrontavam os representantes de

forccedilas antagocircnicas como o veratildeo e o inverno a vida e a morte Segundo Adrados (1983 p 87)

devido agrave multiplicidade de funccedilotildees do komos31

primitivo a origem do teatro repousa em

celebraccedilotildees em que se alternam momentos de duelo e alegria Nessas celebraccedilotildees de acordo

com Saiumld Treacutedeacute e Boulluec (1997 p 169) o komos poderia se manifestar de duas maneiras

i) um bando de pacircndegos que mais ou menos embriagados iam de casa em casa e agrave saiacuteda de

cada banquete passeavam pelo vilarejo cantando danccedilando e zombando dos que passavam ii)

a palavra komos designava tambeacutem um tipo de charivari algazarra acompanhada de

violecircncias verbais e agraves vezes fiacutesica (Aristoacuteteles fr 558 Rose) A propoacutesito desses

comportamentos Navarre (1975 p 148-149) baseado em fatos narrados por Heroacutedoto

defende a hipoacutetese de que pouco a pouco essa forma desordenada do komos se disciplinou e

de que desse bate-boca surgiu um concurso com recompensa para o vencedor Na

interpretaccedilatildeo de Pickard-Cambridge (1966 p 156-158) alguma forma de komos aacutetico teria

incluiacutedo um tipo de agon cujo debate concluiacutedo com uma fala teria se desenrolado e se

tornado habitual sem duacutevida na parte satiacuterica e zombeteira da disputa que os primeiros poetas

cocircmicos desenvolveram

30 Aristoacuteteles (Poeacutetica 4 49 a 9-12) declara que a trageacutedia e a comeacutedia nasceram de um princiacutepio de

improvisaccedilatildeo e que a trageacutedia veio dos que conduziam o ditirambo e a comeacutedia dos que conduziam os cantos

faacutelicos Se por um lado nos dias de hoje pode-se ter um estudo mais bem detalhado sobre o ditirambo por

outro se sabe muito pouco sobre os cantos faacutelicos e seu real papel no nascimento da comeacutedia Em seu

princiacutepio a comeacutedia estaacute ligada ao culto de Dioniso agraacuterio em particular a uma de suas formas mais antigas

as Dionisiacuteacas Rurais que se organizavam em torno de uma manifestaccedilatildeo phallophorica em que se

transportavam os phallus siacutembolo de fertilidade e do deus E isso eacute constatado no proacuteprio texto da Comeacutedia Antiga v 261 de Acarnenses o heroacutei Diceoacutepolis apoacutes ter organizado a procissatildeo do phallus anuncia que vai

cantar o phallikon isto eacute um hino faacutelico Segundo Dupont-Roc e Lallot (1980 p 171) essa passagem ilustra

concretamente a ligaccedilatildeo que Aristoacuteteles estabelece entre os cantos faacutelicos e a comeacutedia 31 Sobre os vaacuterios sentidos e interpretaccedilotildees que a palavra komos assume cf Adrados (1983 p 78-82)

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 45

O fato eacute que natildeo se sabe exatamente quando e como se deu a primeira forma

dramaacutetica ainda que proto-performaacutetica nem se tem uma vasta literatura a respeito desses

precursores do gecircnero cocircmico o que exixte satildeo alguns fragmentos e excertos em Aristoacutefanes

(Cavaleiros vv 517 ss) e Aristoacuteteles (Poeacutetica 5 49 b 5-9) Segundo a passagem do texto

aristofacircnico a comeacutedia herdou de Magnes a verve satiacuterica de Cratino a invectiva e de Crates

o refinamento Conforme suposiccedilotildees de Jones (1997 p 326) Magnes teria desenvolvido o

elemento cocircmico do komos que era entatildeo formado por homens fantasiados de animais

Sobre isso a arqueologia felizmente contribui para que se possa ter uma ideacuteia

dessa manifestaccedilatildeo performaacutetica do komos Em vasos e acircnforas aacuteticas que datam por volta do

ano 500 aC estatildeo gravadas figuras humanas que fantasiadas de paacutessaros ou de galos ou de

cavaleiros montados em cavalos avestruzes ou golfinhos e acompanhadas por um flautista

sugerem que se trate de danccedilarinos e cantores Pickard-Cambridge (1966 p 152) comenta a

possibilidade de esses objetos arqueoloacutegicos serem anteriores agrave performance mais antiga da

comeacutedia que data de 486 aC E ainda dessas pinturas pode-se ter uma noccedilatildeo da natureza

preacute-dramaacutetica desse komos representaccedilatildeo danccedila e canto Eacute dessa evidecircncia que na suposiccedilatildeo

de Pickard-Cambrigde (1966 p 159) a primeira forma de agon seria de um combate de

canccedilotildees solo para se ver quais dos participantes cantaria melhor A esse respeito Duchemin

(1969 p 252) escreveu um artigo sobre canccedilotildees populares e agraacuterias sobretudo na Siciacutelia

que teriam formas aparentadas ao agon dramaacutetico e levantou a hipoacutetese de que a forma de

literatura oral chamada ―cantos alternados32

parece ter sido uma das formas mais

elementares e mais arcaicas Esses cantos alterados teriam sido uma praacutetica pastoral33

individual que com o tempo transformou-se num concurso o que a autora chama de agon

pastoral Na opiniatildeo dela (DUCHEMIN 1969 p 258) estaacute claro que esse tipo de disputa

cantada se dirige progressivamente para o teatro e que tenha sido a primeira forma na

32 O termo teacutecnico francecircs para esses cantos alternados eacute ameacutebeacutees e corresponde ao termo portuguecircs amebeu 33 Em nossa cultura a ideacuteia de ―cantos alternados pode a meu ver ser resgatada no entanto em nossa literatura

de cordel com a praacutetica repentista

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 46

execuccedilatildeo de formas arcaicas ou arcaizantes do teatro popular mais proacuteximo aliaacutes da

comeacutedia do que da trageacutedia

A funccedilatildeo do coro nesse komos parece portanto levar agrave natureza performaacutetica do

agon Em seu estudo Pickard-Cambridge (1966 p 161-162) propotildee trecircs situaccedilotildees i) coro e

exarkon ii) coro e antagonista iii) dois semi-coros cada um com seus exarkontes No

primeiro caso coro e exarkon o coro estabelece um combate verbal contra seu proacuteprio liacuteder

fato este que natildeo ocorre em nenhuma das comeacutedias conhecidas de Aristoacutefanes A segunda

situaccedilatildeo coro e antagonista pode ser ilustrada no agon de Tesmoforiantes em que Mnesiacuteloco

discute com o coro feminino e tambeacutem em Acarnenses em que Diceoacutepolis enfrenta o coro de

acarnenses E por uacuteltimo dois coros cada um com seu exarkon eacute uma situaccedilatildeo encontrado em

Lisiacutestrata em que haacute o confronto de dois semi-coros sexualmente opostos

As investigaccedilotildees sobre a importacircncia de um coro nesse komos tecircm implicaccedilotildees na

estrutura da comeacutedia e suas seccedilotildees fixas em que o coro eacute atuante Zielinski (1885 apud

GELZER 1960 p 2-10) demonstrou que o paacuterodo o agon e a paraacutebase seriam uma

reminiscecircncia do episoacutedio essencial do komos Navarre (1975 p 150-151) relaciona tambeacutem

o paacuterodo e o ecircxodo agraves evoluccedilotildees barulhentas e movimentadas de canto e danccedila dos komastai

na sua chegada e na sua partida respectivamente Segundo ele ainda ao komos a comeacutedia

deve quatro de seus elementos principais paacuterodoecircxodo agon e paraacutebase que juntos

formariam o germe do drama34

No exame de Pickard-Cambridge (1966 p 148-150) a forma

do agon estaacute mais sujeita agrave alteraccedilatildeo do que a forma da paraacutebase35

E por esse motivo

provavelmente a forma epirremaacutetica pertenceu originalmente agrave paraacutebase e depois teria sido

transferida ao agon Deve-se admitir que natildeo haacute uma evidecircncia direta da existecircncia de um

34 Haacute a hipoacutetese de que o komos outrora ambulante passa a um local fixo mantendo canto e danccedila no ritmo do

ditirambo e daiacute surgiria o teatro Eacute dessa uacuteltima fase que teria saiacutedo a comeacutedia Mas natildeo eacute tatildeo simples assim

adverte Navarre (1975 p 148) A comeacutedia aacutetica eacute uma combinaccedilatildeo de doses desiguais natildeo apenas do komos

aacutetico mas tambeacutem da farsa peloponesa da comeacutedia siciliana e da trageacutedia A cada um desses gecircneros ela deve alguma de suas formas

35 A paraacutebase modelo eacute composta por duas subdivisotildees i) a parte simples ou natildeo composta ii) siziacutegia

epirremaacutetica ou parte coordenada A primeira inclui kommaacutetion anapestos pnigos A segunda que eacute tambeacutem

comum agrave forma do agon inclui a siziacutegia epirremaacutetica

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 47

komos que explique as partes epirremaacuteticas da comeacutedia Mas a constataccedilatildeo de uma forma

como a da estrutura triacuteplice paacuterodoagonparaacutebase cujas formas riacutetmicas precisas recorrem a

uma meacutetrica determinada e tambeacutem a da estrutura do ecircxodo pode ser tomada como

evidecircncia de que houve um modelo similar de komos

Zielinski (1885 apud GELZER 1960) num trabalho muito original e fecundo

identificou a siziacutegia epirremaacutetica36

Trata-se de uma estrutura em que se alternam passagens

cantadas e recitadas que estatildeo simetricamente duplicadas Eacute a siziacutegia epirremaacutetica que daacute o

tom ao agon como princiacutepio agoniacutestico isto eacute um confronto verbal O agon passa entatildeo a

caracterizar uma situaccedilatildeo cecircnica primeiramente na trageacutedia em que ocorre o chamado

princiacutepio agoniacutestico ou seja uma relaccedilatildeo conflitante protagonizada numa dialeacutetica de

discursoresposta (PAVIS 2001 p 11) Essa altercaccedilatildeo teve desdobramentos na comeacutedia e o

termo agon passa a nomear uma seccedilatildeo da estrutura cocircmica

O gosto cada vez mais acentuado dos atenienses pelos processos nos oferece uma

vasta literatura que influenciou o teatro num jogo discursivo de ataque e defesa Se por um

lado uma parte dos argumentos era prevista e o contendor podia preparar suas respostas

sabendo de cor seus desenvolvimentos por outro podemos supor que uma outra parte era

improvisada Esse vai-e-vem discursivo na opiniatildeo de Duchemin (1968 p 13) devia

aumentar o interesse dramaacutetico Essa reciprocidade entre teatro e retoacuterica37

pode ser

demonstrada nas cenas traacutegicas de debate que tecircm um sentido equivalente aos processos

judiciaacuterios atenienses A trageacutedia e a comeacutedia que satildeo formas de comunicaccedilatildeo social

manifestam em seus textos alicerccedilados numa estrutura agoniacutestica o uso racional e loacutegico dos

recursos retoacutericos E a cena eacute a grande oportunidade para o desenvolvimento da retoacuterica que

ocupou no periacuteodo claacutessico o centro da vida puacuteblica de Atenas

36 Cf item 2 infra do capiacutetulo anterior 37 Essa forte relaccedilatildeo entre retoacuterica e teatro tambeacutem foi assunto no Goacutergias de Platatildeo (502d) Um estudo

interessante sobre a retoacuterica em Aristoacutefanes pode ser encontrado no artigo de Murphy (1938)

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 48

Com o advento da sofiacutestica38

por volta de 450 aC o agon estaacute projetado na luta

eriacutestica39

lanccedilada por Protaacutegoras Trata-se de um meacutetodo dito τέχνη ἐριστική ―a arte de

discutir O objetivo desse meacutetodo eacute confundir o adversaacuterio levando-o agrave contradiccedilatildeo e ser

capaz de manter indiferentemente os dois pontos de vistas opostos Duchemin (1969 p 247)

diz que os grandes poetas de trageacutedia atenienses como Soacutefocles e Euriacutepides quiseram igualar-

se a Protaacutegoras e a seus seguidores e por isso tiveram de aprender com eles a suprema

virtuosidade40

No caso da obra de Euriacutepides cujas peccedilas se compotildeem de uma arte dialeacutetica

bastante depurada a influecircncia da sofistica nos agones euripidianos segundo Lloyd (1992 p

13) evoca uma variedade de situaccedilotildees da vida ateniense do seacuteculo V em que os logoi se

disputavam mutuamente Euriacutepides e Aristoacutefanes que foram contemporacircneos assimilaram

amplamente essa cultura agoniacutestica em suas peccedilas o que explica uma contaminatio entre

gecircneros colocando em evidecircncia similitudes entre os dois poetas E devido agrave natureza

engajada da comeacutedia o movimento sofiacutestico e Euriacutepides foram alvo da verve cocircmica do

poeta41

Neste estudo natildeo se trata de estabelecer quanto agrave forma uma comparaccedilatildeo dos

agones de ambos os dramaturgos pois a estrutura formal do agon na comeacutedia eacute proacutepria a esse

gecircnero Mas quanto ao conteuacutedo podemos traccedilar como ilustraccedilatildeo um espelhamento42

de

ambos e ter uma dimensatildeo da influecircncia da obra de Euriacutepides na comeacutedia aristofacircnica

Se a natureza da comeacutedia eacute revelar um mundo agraves avessas Aristoacutefanes soube fazer

grande uso de um recurso bastante eficaz nesse sentido - a paroacutedia Em Acarnenses

Diceoacutepolis caracteriza-se de Teacutelefo heroacutei de uma trageacutedia de Euriacutepides de mesmo nome

38 Para um estudo aprofundado sobre a sofiacutestica e os sofistas cf Guthrie (1995) 39 Com base na observaccedilatildeo de Navarre (1975) - que interpreta a eriacutestica eacute filha legiacutetima ainda que degenerada

da dialeacutetica - Duchemin (1968 p 15-16) acrescenta que a diferenccedila entre a dialeacutetica e a eriacutestica eacute que esta eacute justamente a deformaccedilatildeo daquela Originariamente a dialeacutetica designa o gecircnero de discussatildeo que tem o

procedimento atraveacutes de perguntas e respostas e o exame da questatildeo ocorre ao longo de um diaacutelogo entre os

dois interlocutores 40 Segundo Dioacutegenes Laeacutercio (IX 54) a primeira obra de Protaacutegoras Sobre os deuses ndash περῖ θεῶν ndash teria sido

lida na casa de Euriacutepides A propoacutesito de Euriacutepides ter sido disciacutepulo do sofista Proacutedico cf Romilly (1995) 41 Um artigo interessante sobre Aristoacutefanes e a sofiacutestica eacute de Petruzzellis (1957 p 45-61) 42 Empregamos esse termo porque assim como o espelho reflete uma imagem invertida assim o faz a comeacutedia

por meio da paroacutedia em relaccedilatildeo agrave trageacutedia

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 49

Essa personagem tragicocircmica vai estar presente na cena preparatoacuteria do agon e na cena de

quasi-agon No proagon assim como Teacutelefo que disfarccedilado de mendigo deve convencer de

sua causa os chefes gregos Diceoacutepolis faz exatamente o mesmo diante do coro de acarnenses

E no quasi-agon quando Diceoacutepolis estaacute frente a frente com seu rival Lacircmacos o contraste

de figurinos eacute um recurso cocircmico bastante eficiente De um lado Diceoacutepolis-Teacutelefo

maltrapilho de outro Lacircmacos garrido em penachos Dois anos depois de Acarnenses

Aristoacutefanes em Nuvens (423 aC) volta a se referir a Euriacutepides como o poeta que corrompe a

juventude (vv 1371-1376)

Uma outra evidecircncia de similaridade entre os agones da trageacutedia euripidiana e da

comeacutedia aristofacircnica estaacute em Vespas comeacutedia que melhor representa esse tipo de agon Tanto

Duchemin (1968 p 129) quanto Lloyd (1992 p 13) comentam que o julgamento eacute um tema

frequumlente nos agones euripidianos Quanto ao conteuacutedo portanto o agon pode se tornar um

processo aos moldes judiciais Tudo indica que essa categoria de agon-processo influenciou

Aristoacutefanes

O antagonismo bem marcado de dois pontos de vista eacute segundo Duchemin (1968

p 131) emblemaacutetico na obra de Euriacutepides Sob essa perspectiva podemos considerar o agon

de cinco comeacutedias Em Cavaleiros Agoraacutecrito e Paflagocircnio vatildeo se enfrentar na Assembleacuteia

diante de Demo o Povo Trata-se do segundo agon da comeacutedia que se divide em trecircs

momentos duelo de bajulaccedilatildeo num jogo de adulaccedilatildeo e lisonja duelo de oraacuteculos e um debate

no campo da arte culinaacuteria Em Nuvens o antagonismo eacute evidente em duas instacircncias

primeiramente nas defesas dos Raciociacutenios Justo e Injusto no que se refere agrave nea-paideia e

archaia-paideia respectivamente e tambeacutem no segundo agon entre pai e filho em que eacute claro

o choque de geraccedilotildees Em Tesmoforiantes Euriacutepides eacute novamente uma personagem

preocupada com sua reputaccedilatildeo artiacutestica diante das mulheres que sentindo-se ultrajadas por

causa da maacute iacutendole das personagens femininas euripidianas se reuacutenem para celebrar a festa

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 50

das Tesmofoacuterias e deliberar uma puniccedilatildeo ao poeta O agon ocorre em plena assembleacuteia de

um lado o queixume do mulheril de outro o parente de Euriacutepides disfarccedilado com trajes

femininos advoga em favor do poeta Nessa cena do agon Aristoacutefanes novamente parodia43

uma cena euripidiana de Teacutelefo Em Ratildes a tekhne dramaacutetica entre dois estilos distintos de

poetas estaacute em discussatildeo Euriacutepides mais uma vez eacute personagem e vai disputar com Eacutesquilo o

assento da trageacutedia Em Pluto o antagonismo estaacute presente no projeto de Crecircmilo que espera

curar a cegueira de Pluto o deus da Riqueza e consequumlentemente banir Penia alegoria da

Pobreza da Greacutecia Em sua defesa Penia demonstra que ela eacute um bem para os gregos

Ao contraacuterio do antagonismo bem marcado Duchemim (1968 p 221-222)

comenta tambeacutem a categoria dos diaacutelogos com movimentos uniformes em alguns agones

euripidianos Esse tipo de diaacutelogo em que o movimento uniforme estaacute presente do comeccedilo ao

fim ocorre porque a personagem que conduz o jogo discursivo eacute a mesma Nessa categoria

destacam-se quatro comeacutedias Paz Aves Lisiacutestrata e Assembleacuteia de mulheres Isso porque os

agones dessas peccedilas satildeo classificados como uma ―demonstraccedilatildeo unilateral conforme

escreve Navarre (1911 p 253) ―[] dlsquoagones qui servent non agrave une discussion

contradictoire mais agrave une deacutemonstration unilateacuterale meneacutee par un seul personage

Aplicando a reflexiccedilatildeo de Navarre de que certos agones natildeo se prestam a uma discussatildeo

bilateral mas a uma demonstraccedilatildeo unilateral conduzida por uma uacutenica personagem

passemos agraves comeacutedias em questatildeo Em Paz quem conduz esse jogo eacute Trigeu em Aves eacute

Pisetero em Lisiacutestrata eacute Lisiacutestrata e em Assembleacuteia de mulheres eacute Praxaacutegora

Assim quanto ao conteuacutedo todas as comeacutedias conhecidas de Aristoacutefanes

conforme citadas acima sugerem similitudes com os agones euripidianos E a estreita relaccedilatildeo

no campo estiliacutestico entre ambos os poetas foi assunto de opiniotildees diversas a respeito de

43 Numa situaccedilatildeo de aporia o Parente simula o sequumlestro de um odre de vinho assim como o heroacutei traacutegico

Teacutelefo tomou Orestes ainda crianccedila como refeacutem

Cap I mdash A civilizaccedilatildeo do agon e a comeacutedia de Aristoacutefanes 51

Aristoacutefanes ter ou natildeo Euriacutepides na mais alta estima44

Para Guthrie (1995 p 50) Aristoacutefanes

via nas ideacuteias sofiacutesticas um sintoma de decliacutenio Isso porque os dramas euripidianos que

tratavam de adulteacuterios incestos jogos de palavras etc vinham dessa nova ciecircncia Em

revanche na opiniatildeo de Murray (1933 p 107-108) Aristoacutefanes era certamente fascinado pela

poesia euripidiana Esse testemunho pode ser encontrado em Cratinos (fr 307)45

que ao se

referir a Aristoacutefanes cria o termo euripidaristophaniacutezon46

Interpreto que a presenccedila de Euriacutepides em Aristoacutefanes eacute um traccedilo artiacutestico que

reforccedila a forccedila inventiva da verve cocircmica do poeta nas composiccedilotildees de seus agones tatildeo ricos

em diversidade formal e temaacutetica quanto os agones euripidianos Ambos colocaram em cena

os problemas da polis e do cidadatildeo e tiveram plena vivecircncia de uma vida poliacutetica ateniense

baseada em discursos e argumentos

44 E no que concerne agrave questatildeo Aristoacutefanes e Euriacutepides Snell (1994) discute sob o ponto de vista de trecircs grandes

filoacutesofos ndash Herder Schegel e Nietzsche ndash ateacute que ponto Aristoacutefanes eacute criacutetico ferino de Euriacutepides 45 Lecirc-se em Cratinos τίς δὲ σὺ κομψός ndash πᾶς ἄν τις ἔροιτο θεατής ndash ὑπολεπτολόγος γνωμοδιώκτης

Εὐριπιδαριστοφανίζων Voelke (2004 p 119) comenta que os dois adjetivos que precedem o particiacutepio ndash

ὑπολεπτολόγος que significa ―uma linguagem por demais sutil e γνωμοδιώκτης que significa ―caccedilador

de foacutermulas ndash sugerem um parentesco estiliacutestico 46 Na tentativa de traduccedilatildeo desse termo propotildee-se euripidaristofanizar

CAPIacuteTULO II

AGONES MODELARES

CAVALEIROS NUVENS VESPAS E RAtildeS

(AGON(ES) INSERIDOS(S) NUM COMPLEXO AGONIacuteSTICO)

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

53

1 O agon em Cavaleiros47

a disputa a galope

Em Cavaleiros a unidade de accedilatildeo eacute bem marcada O proacutelogo anuncia e prepara a

accedilatildeo que se direciona para um enfrentamento que vai se desenrolar em vaacuterios outros

confrontos Do proacutelogo ao ecircxodo a accedilatildeo se desenvolve numa constante tensatildeo que por sua

vez conduz a uma contenda progressiva cujo assunto eacute construiacutedo por uma metaacutefora

dominante a da culinaacuteria A peccedila toda eacute praticamente um imenso agon (THIERCY 2007 p

108)

Em sua estrutura haacute dois agones que satildeo seccedilotildees-chave no desenvolvimento da

fabulaccedilatildeo cuja accedilatildeo eacute projetada num constante conflito entre as duas personagens principais

Paflagocircnio e Agoraacutecrito aleacutem da participaccedilatildeo de um dos escravos e do coro que cede nome agrave

comeacutedia O primeiro agon eacute subsequumlente ao paacuterodo e o segundo ocorre entre as duas

paraacutebases

O diaacutelogo entre os dois escravos no proacutelogo expotildee a intriga da peccedila que eacute

descobrir um meio de dar um xeque-mate em Paflagocircnio que sendo o terceiro escravo da casa

e dotado de muita astuacutecia sobretudo no falar logra o patratildeo Demo

Δη οὗτος τῆ προτέρᾳ νουμηνίᾳ

ἐπρίατο δοῦλον βυρσοδέψην Παφλαγόνα

πανουργότατον καὶ διαβολώτατόν τινα (vv 43-45)

Demoacutestenes ele [Demo] na lua nova passada comprou um escravo paflagocircnio de origem e curtidor de profissatildeo

um tipo patife e caluniador ao extremo

47 Cavaleiros (425 aC) apresentam-se como uma potente comeacutedia poliacutetica de invectiva pessoal em que

Aristoacutefanes critica o demagogo Cleatildeo e a poliacutetica da eacutepoca O poeta natildeo faz uma investida direta mas cria uma engenhosa narrativa alegoacuterica tatildeo eficiente que natildeo restaraacute duacutevida ao espectador de que a casa eacute Atenas

o senhor dela eacute Demo representando o povo ateniense e os escravos que trabalham para ele representam os

estrategos Demoacutestenes Niacutecias e Cleatildeo Este eacute chamado na peccedila de Paflagocircnio adversaacuterio agrave altura do heroacutei

cocircmico salsicheiro de profissatildeo frequumlentador da aacutegora que atende pelo nome de Agoraacutecrito

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

54

Fartos da condiccedilatildeo desfavorecida em que vivem por causa de Paflagocircnio os

escravos procuram por meio da consulta ao oraacuteculo dar um basta nessa situaccedilatildeo Segundo o

oraacuteculo a queda de Paflagocircnio depende da ascensatildeo de um outro igualmente dotado de

astuacutecia

Δη κρατεῖν ἔως ἕτερος ἀνὴρ βδελυρώτερος

αὐτοῦ γένοιτο (vv 134-135)

Demoacutestenes haacute de governar ateacute que um outro homem mais safado

que ele apareccedila

Nessas passagens o emprego dos graus dos adjetivos πανουργότατον

διαβολώτατόν e βδελυρώτερος evidencia a sagacidade da personagem o que outorga a

Paflagocircnio a funccedilatildeo poneros Portanto somente algueacutem tambeacutem dotado de poneria estaria em

condiccedilotildees de igualdade para enfrentaacute-lo Por causa de um quumliproquoacute na interpretaccedilatildeo oracular

(vv 195-202) os dois escravos se vecircem diante do candidato perfeito para tal empresa Trata-

se de um salsicheiro maroto de nome Agoraacutecrito cuja etimologia ndash ―o que domina a aacutegora ndash

delega a ele habilidade retoacuterica suficiente para vencer qualquer discussatildeo o que tambeacutem

confere agrave personagem a funccedilatildeo poneros (McLEISH 1890 p 55)

Δη ὁτιὴ πονηρός κὰξ ἀγορᾶς εἶ καὶ θρασύς (v 181)

Demoacutestenes porque vocecirc eacute canalha filho da aacutegora e tambeacutem atrevido

Assim a poneria vai pocircr agrave prova os dois rivais que vatildeo medir forccedilas em

ἀλαζονεία (embuste) βδελυρία (safadeza) ἀναιδεία (descaramento) πανουργία

(patifaria) (WHITMAN 1964 p 89 THIERCY 2007 p 248)

A entrada do coro de Cavaleiros define a narrativa dramaacutetica da comeacutedia uma vez

que o coro estaraacute presente nos sucessivos confrontos que jaacute tecircm iniacutecio no final do paacuterodo

ἀλλrsquoἐὰν μέντοι γε νικᾷς τῆ βοῆ τήνελλος εἶ

ἥν δrsquoἀναιδείᾳ παρέλθῃ σrsquo ἡμέτερος ὁ πυραμοῦς (vv 276-277)

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

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mas se vocecirc conseguir realmente vencecirc-lo no berroeacute aclamado vencedor ―hurra

mas se ele ultrapassar vocecirc em descaramento papamos a vitoacuteria

Apoacutes essas palavras do coro no final do paacuterodo ocorre o primeiro confronto entre

Agoraacutecrito e Paflagocircnio Natildeo se trata ainda de uma discussatildeo em que as partes vatildeo expor seus

pontos de vista mas de um enfrentamento cuja natureza eacute ganhar no grito

Αλ Τριπλάσιον κεκράξομαί σου

Πα Καταβοήσομαι βοῶν σε (vv 285-286)

Ag Trecircs vezes mais do que vocecirc eu vou gritar

Pa E eu berrando vou ganhar de vocecirc no grito

Isso gera um momento particularmente tenso da accedilatildeo que se desenvolve sob a

forma da esticomitia48

(vv 284-299) troca verbal bastante raacutepida cujo conteuacutedo se restringe

agraves provocaccedilotildees e agraves fanfarronices entre os rivais evidenciando a disputa de ambos ao meacuterito

da canalhice Paflagocircnio confessa seu lado biltre ndash ὁμολογῶ κλέπτειν (v 296) ndash enquanto

Agoraacutecrito atenta que fez escola na aacutegora ndash ἐν ἀγορᾷ κἀγὼ τέθραμμαι (v 293) O coro

tambeacutem se manifesta reforccedilando sua aversatildeo a Paflagocircnio que eacute injuriado de μιαρὲ καὶ

βδελυρὲ (soacuterdido e safado v 304) Pickard-Cambridge (1966 p 215) cogita que esse final

de paacuterodo tenha a funccedilatildeo de um proagon De fato desde o paacuterodo a accedilatildeo se desenrola numa

sequumlecircncia pelejadora que aleacutem de caracterizar um paacuterodo-agoniacutestico se manteacutem ancorada na

seccedilatildeo seguinte ao paacuterodo o primeiro agon da peccedila

Assim o agon I tem na conexatildeo entre as seccedilotildees da estrutura de Cavaleiros uma

posiccedilatildeo de prolongamento da accedilatildeo ofensiva ocorrida no paacuterodo49

(vv 242-332) Eacute sem

interrupccedilatildeo que do ponto de vista do conteuacutedo esse agon se liga agrave disputa precedente e

conduz agrave accedilatildeo principal gerando uma sucessatildeo de contendas Portanto do ponto de vista do

48 MacDowell (1995 p 98) natildeo concorda com a ediccedilatildeo de Sommerstein e Mastromarco de quebrar a esticomitia

atribuindo o v 298 a Agoraacutecrito e v 299 a Paflagocircnio 49 Gelzer (1960 p 37) e Moumlllendorff (2002 p 88) classificam o agon I de Cavaleiros como agon epirremaacutetico

apoacutes o paacuterodo E para Pickard-Cambridge (1966 p 215) esse final de paacuterodo cumpre a funccedilatildeo de um

proagon

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

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conteuacutedo esse agon I jaacute comeccedila no final do paacuterodo porque a ode que estaacute dividida e

intercalada por um proepirrema50

marca a transiccedilatildeo do teacutermino de uma seccedilatildeo ndash o paacuterodo ndash e

o iniacutecio de outra ndash o primeiro agon Na primeira parte da ode (vv 303-312) o coro manteacutem os

insultos a Paflagocircnio ateacute o momento do confronto com Agoraacutecrito Segundo Sommerstein

(1997a p 159) o metro empregado eacute o criacutetico peocircnio Pelo proacuteprio nome trata-se de um

metro originaacuterio do peatilde que era um canto destinado a encorajar os soldados (LAVEDAN

1931 p 734-735) Certamente Aristoacutefanes empregou tal metro para dar continuidade agrave

agitaccedilatildeo dos Cavaleiros na cena do paacuterodo Natildeo havendo mudanccedila no percurso da accedilatildeo que

se manteacutem em movimento contiacutenuo verifica-se nesse tipo de agon poacutes-paacuterodo uma extensatildeo

temaacutetica enquadrada numa nova forma no caso a siziacutegia epirremaacutetica marca do agon

epirremaacutetico Natildeo haacute dificuldade de classificaacute-lo como agon (vv 303-460) porque sua forma

regular contempla todas as partes abaixo discriminadas

ode (vv 303-332) antode (vv 382-406)

katakeleusmos (vv 333-334) antikatakeleusmos (vv 407-408)

epirrema (vv 335-366) antepirrema (vv 409-440)

pnigos (vv 367-381) antipnigos (vv 441-456)

sphragis (vv 457-460)51

Quanto ao conteuacutedo no entanto a disputa natildeo se caracteriza como uma discussatildeo

eriacutestica A natureza dessa querela eacute ―ganhar no grito onde se esperaria uma oposiccedilatildeo de

argumentos tem-se um contraste de vozes que se sobrepotildeem Haacute quatro personagens

envolvidos Paflagocircnio Agoraacutecrito Escravo Coro52

que se lanccedilam livremente no bate-boca

cujo assunto eacute saber quem entre Agoraacutecrito e Paflagocircnio eacute o mais haacutebil na arte da

embromaccedilatildeo

Tal conteuacutedo que eacute mostrar o mau caraacuteter de ambos os litigantes perpassa toda a

forma A ode eacute uma resposta do coro ao uacuteltimo xingamento desferido por Paflagocircnio que

50 Seguindo a divisatildeo proposta por Mazon (1904 p 38) ode A vv 303-313 proepirrema vv 314-321 ode Alsquo

vv 322-332) 51 Gelzer (1960 p xii) natildeo considera a sphragis Estamos levando em conta a demarcaccedilatildeo de Pickard-Cambridge

(1966 p 215) e Mazon (1904 p 48) 52 O coro estaacute sendo considerado um ator coletivo que participa da disputa com as estrofes da ode

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interrompe o canto coral Nessa interrupccedilatildeo haacute primeiramente a manifestaccedilatildeo de Paflagocircnio

em seguida o pronunciamento de Agoraacutecrito e depois o aparte jocoso do escravo cuja

funccedilatildeo bomolochos o caracteriza como um co-orador Esse conjunto de trecircs falas compreende

o proepirrema em prosa (vv 314-321) Segundo Gelzer (1960 p 43) em Cavaleiros a

inserccedilatildeo de versos falados na ode proveacutem do conteuacutedo Eacute com surpresa que Paflagocircnio

interrompe o coro e um proepirrema na ode corresponde para Gelzer a um verdadeiro chiste

dramaacutetico

No katakeleusmos o corifeu passa a palavra a Agoraacutecrito para que mostre que a

boa educaccedilatildeo de nada serve (vv 333-334) No epirrema Agoraacutecrito expotildee a proacutetase de seu

discurso que comeccedila pela desmoralizaccedilatildeo do adversaacuterio (v 335) Dessa maneira o tom da

discussatildeo eacute fixado nas provocaccedilotildees ao inveacutes de um confronto de ideacuteias Paflagocircnio por sua

vez se lanccedila na discussatildeo reclamando sua prioridade de falar (vv 336-341) O assunto que eacute

construiacutedo pela metaacutefora da culinaacuteria desenvolve-se de acordo com as prerrogativas de cada

adversaacuterio (vv 342-360) E assim a querela se realccedila pelo jogo da esticomitia (vv 361-381)

nas invectivas grosseiras

A simetria entre as partes desse agon I se manteacutem na antode que eacute tambeacutem

intercalada por um antiproepirrema53

Na antode o coro demonstra toda admiraccedilatildeo pelo

palavreado de Agoraacutecrito a ponto de no antikatakeleusmos natildeo conclamar Paflagocircnio agrave fala

embora ele tome a palavra declarando-se invenciacutevel (vv 409-410) A partir daiacute (vv 411-440)

os adversaacuterios se vangloriam da vida que levaram de acordo com a escola da patifaria Na

sequumlecircncia o bate-boca caminha ao estilo da esticomitia num jogo discursivo sob a metaacutefora

da culinaacuteria (vv 441-456) No antepirrema as provocaccedilotildees se estendem ateacute o antipnigos

reforccedilando o quanto Agoraacutecrito eacute de fato bom de laacutebia E pela segunda vez o coro elogia a

astuacutecia do salsicheiro mostrando na sphragis as vantagens do heroacutei sobre seu rival

53 De acordo com a distribuiccedilatildeo feita por Mazon (1904 p 38) antode A vv 382-390 antiproepirrema vv 391-

396 antode Arsquo vv 397-406

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num complexo agoniacutestico)

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A natureza agressiva desse primeiro agon eacute decorrecircncia da accedilatildeo ofensiva gerada

no paacuterodo com a entrada do coro formado por cavaleiros que gozando de um status-quo

elevado socialmente tecircm nessa comeacutedia a funccedilatildeo spoudaios O coro representa um papel

bem definido de mediador nas discussotildees mas sem imparcialidade porque eacute um partidaacuterio

incondicional do heroacutei cocircmico Natildeo eacute sem propoacutesito que Aristoacutefanes escolheu representar os

membros da cavalaria ateniense pois fatos histoacutericos denunciam que havia uma animosidade

entre Cleatildeo e a cavalaria de Atenas o que veio a calhar para o poeta que tambeacutem tinha suas

divergecircncias com o demagogo

Nas partes epirremaacuteticas os assaltos entre os adversaacuterios tornam-se evidentes na

medida em que as agressotildees verbais culminam numa agressatildeo fiacutesica marcada pela interjeiccedilatildeo

ἰού (v 451) aleacutem do encorajamento inflamado do escravo (vv 453-456) que na funccedilatildeo

bomolochos proporciona um tempero cocircmico a mais para a cena

Apoacutes o primeiro agon segue-se a paraacutebase I e uma cena de transiccedilatildeo (vv 461-

497) muito peculiar que chama a atenccedilatildeo pelo seu conteuacutedo agoniacutestico Paflagocircnio decide

levar a disputa diante do Conselho Tal enfrentamento ocorre fora de cena portanto no

espaccedilo extracecircnico54

Agoraacutecrito faz uma narrativa detalhada (vv 624-682) dessa disputa da

qual sai vitorioso Essa cena (vv 611-691) comeccedila com a forma de um agon Na ode o coro

encoraja Agoraacutecrito a falar e uma vez que Paflagocircnio estaacute ausente cabe ao pronunciamento

do heroacutei um uacutenico epirrema

54 Empregamos o termo extracecircnico com o sentido mais amplo possiacutevel Para um estudo aprofundado sobre o

assunto veja Rhem (2002 apud ROSA 20042005) Ubersfeld (2005) e Pavis (2001) De acordo com Rhem

(2002 apud ROSA 20042005 p 102-103) haacute seis categorias para o espaccedilo teatral espaccedilos teatral cecircnico

extracecircnico distante auto-referencial ou metateatral e por fim reflexivo Pavis (2001 p 132-138) tambeacutem estabelece seis categorias todavia nenhuma delas como espaccedilo extracecircnico Para esse autor haacute sempre riscos

teorizar sobre o espaccedilo no teatro mas propotildee as seguintes categorias espaccedilos dramaacutetico cecircnico cenograacutefico

ou teatral luacutedico ou gestual textual e interior Jaacute Ubersfeld (2005 p 113-116) discute os paradigmas

espaciais segundo os conceitos cecircnico e extracecircnico

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59

Χο ὦ καλὰ λέγων πολὺ δrsquoἀ-

μείνονrsquoἔτι τῶν λόγων

ἐργασάμενrsquo εἴθrsquoἐπέλθοις

ἅπαντά μοι σαφῶς (vv 617-619)

Co oacute vocecirc que eacute bom de laacutebia e que bem melhor ainda que suas palavras

foi batalhador que se aproxime

para me contar com clareza tudinho

Αλ καὶ μὴν ἀκοῦσαί γrsquoἄξιον τῶν πραγμάτων (v 625)

Ag E vale a pena ouvir os fatos

Assim Agoraacutecrito inicia sua narrativa triunfante de aproximadamente sessenta

versos (vv 625-682) e no final o Conselho o reconhece vitorioso com elogios e hurras

Αλ οἱ δrsquoὑπερεπῄνουν ὑπερεπύππαζον τέ με (ν 680)

Ag eles me elogiavam aleacutem da conta e me aclamavam

Como bem observaram Jong Nuumlnlist e Bowie (2004 p 282) ateacute essa passagem a

accedilatildeo em Cavaleiros tem uma seacuterie de cenas de confronto com discursos curtos e falas raacutepidas

Isso se confirma pelas esticomitias que apontamos anteriormente Percebe-se que a presenccedila

de uma cena de natureza narrativadescritiva desacelera a accedilatildeo que passa a ser um relato

cronoloacutegico dos fatos ligados por marcas temporais (ὁτε δή v 632 κᾆτα v 640 ou κᾆθrsquo

v 665 κἀγω v 647 e κἄγωγrsquo v 658 ἐπειδή γrsquo v 671 ἔπειτα v 678)

Na passagem ἐπέλθοις ἅπαντά μοι σαφῶς o coro deixa claro que haveraacute um

discurso extenso E tambeacutem em τῶν πραγμάτων Agoraacutecrito anuncia que vai fazer um

relato dos fatos Trata-se portanto de um agon-relato cuja forma se assemelha aos moldes

dos monoacutelogos narrativos dos mensageiros nas trageacutedias Eacute nesse sentido que na opiniatildeo de

Russo (1994 p 81) o relato ininterrupto de Agoraacutecrito eacute introduzido de maneira paratraacutegica

No entanto para Mazon (1904 p 42) esse tipo de cena narrada se refere agrave

dificuldade que o poeta teria de representar o Conselho embora houvesse a possibilidade de o

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

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Conselho ser representado por uma personagem alegoacuterica Mas Aristoacutefanes estaria se

repetindo natildeo soacute na construccedilatildeo de duas personagens alegoacutericas Demo e Conselho mas

tambeacutem na composiccedilatildeo de duas cenas similares em que Agoraacutecrito e Paflagocircnio se

enfrentariam diante de uma personagem alegoacuterica

Haacute um consenso entre Mazon (1904) Russo (1994) e Jong Nuumlnlist e Bowie

(2004) no que diz respeito agrave propriedade com que o poeta compotildee essa seccedilatildeo da comeacutedia

Mazon reconhece a verve poeacutetica aristofacircnica e a variaccedilatildeo dos recursos dramaacuteticos

empregados Jong Nuumlnlist e Bowie ressaltam a riqueza dos modos de narraccedilatildeo em

Aristoacutefanes e na opiniatildeo de Russo a conduccedilatildeo de um duelo fora do palco demonstra quatildeo

essenciais e bem planejados satildeo os agones de Cavaleiros

A cena seguinte eacute simetricamente engrenada agrave cena do agon-relato Na antode (v

690) o coro se rejubila com Agoraacutecrito e reforccedila seu apoio ao heroacutei Subsequumlentemente

comeccedila com a volta de Paflagocircnio o antepirrema que eacute fragmentado na forma de um

diaacutelogo55

entre ele e Agoraacutecrito em que Paflagocircnio quer uma revanche dessa vez diante de

Demo

οὐκ ὦγάθrsquo ἐν βουλῆ με δόξεις καθυβρίσαι

ἴωμεν εἰς τὸν δμον (νν 722-723)

natildeo vai pensando colega que vocecirc me esculhambou no Conselho

vamos agrave presenccedila de Demo

Toda narrativa dramaacutetica da comeacutedia tem ateacute aqui um eixo agoniacutestico que se

configura em constantes rixas que preparam para o combate mais importante o segundo agon

apoacutes a paraacutebase I e a cena de relato do agon-relato Isso nos leva a pensar que essa primeira

parte cumpre a funccedilatildeo de um imenso proagon de modo que o confronto entre os rivais

continuaraacute sendo tambeacutem objeto do agon II mantendo-se dessa forma uma discussatildeo sobre o

tema da comeacutedia

55 Esse artifiacutecio de fragmentar o antepirrema em diaacutelogo estaacute tambeacutem presente nos quasi-agon de Euriacutepides

denominados por Lloyd (1992 p 6-8 76) de near-agon

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num complexo agoniacutestico)

61

Para Gelzer (1960 p 49) esse segundo agon se localiza na diallage a qual se

compotildee de quatro partes A primeira parte a disputa moldurada desde o iniacutecio no proacutelogo

quando essa disputa eclode em razatildeo de o oraacuteculo predizer o fim do poder de Paflagocircnio se

daacute abertamente pelo poder em Atenas a accedilatildeo teraacute continuidade no paacuterodo no agon I e nas

cenas de transiccedilatildeo sempre com a mesma temaacutetica qual dos dois adversaacuterios eacute eticamente o

pior E assim se estabelece o tema da negociaccedilatildeo a segunda parte numa cena que se desenha

num tiacutepico duelo de bajulaccedilatildeo (vv 732-940) Em seguida na terceira parte satildeo feitos os

acordos entre os litigantes e o juiz eacute Demo (vv 710 747-748) ambos os lados estatildeo

acordados em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees e reivindicam seus direitos (vv 730-745) e o objeto da

disputa (vv 746-748) eacute saber qual dos dois Paflagocircnio ou Agoraacutecrito eacute mais dedicado a

Demo Logo apoacutes eacute estabelecida a negociaccedilatildeo a quarta parte onde ocorre o agon II (vv 756-

940) e cada litigante apresenta as provas de sua fundamentaccedilatildeo A forma desse agon II eacute

regular poreacutem o conteuacutedo das partes apresenta aberraccedilotildees

ode (vv 756-760) antode (vv 836-840)

katakeleusmos (vv 761-762) antikatakeleusmos (vv 841-842)

epirrema (vv 763-823) antepirrema (vv 843-910)

pnigos (vv 824-835)56

antipnigos (vv 911-940)

sphragis (vv 941)57

Por razotildees meacutetricas na ode ocorre uma mudanccedila de tom ou ritmo em que o metro

natildeo eacute cantado e o corifeu segue o modo de recitaccedilatildeo denominado παπακαταλογή Na

interpretaccedilatildeo de Mazon (1904 p 43) esse modo de recitaccedilatildeo denominado παρακαταλογή

remeteria a uma cena comum entre os atletas que antes de entrar na competiccedilatildeo recebiam

apoio dos amigos e parentes O mesmo poderia se ver nesse momento da comeacutedia em que o

coro que eacute partidaacuterio do heroacutei cocircmico e interessado no desfecho da accedilatildeo lhe dirige em plena

voz os uacuteltimos conselhos Pickard-Cambridge (1966 p 216) a classifica de ―introduccedilatildeo Jaacute

56 A seccedilatildeo pnigosantipnigos eacute a mais longa de todos os agones aristofacircnicos pnigos (vv 824-835) sistema

anapeacutestico de 11 versos antipnigos (vv 911-940) sistema iacircmbico de trinta versos 57 Gelzer (1960 p xiii) natildeo considera esse verso como sphragis Seguimos a proposta de Mazon (1904 p 48)

Pickard-Cambridge (1966 p 215) e Moumlllendorff (2002 p 88)

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Gelzer (1960 p xiii) considera odeantode porque seus conteuacutedos satildeo compatiacuteveis com o

conteuacutedo tradicional das odes em que se constata uma mistura de elogios ao heroacutei com

alarmes de perigo que o esperam No katakeleusmos o coro passa a palavra a Agoraacutecrito mas

eacute Paflagocircnio que se anima a discursar em primeiro lugar Nas partes epirremaacuteticas haacute uma

conduccedilatildeo engenhosa do diaacutelogo construiacutedo por um jogo de refutaccedilotildees bem ao estilo do toma

laacute daacute caacute E para Gelzer (1960 p 69) Aristoacutefanes almeja um efeito dramaacutetico que durante o

agon se intensifica com os meios retoacutericos da discussatildeo

Ambos os adversaacuterios reforccedilam seu amor por Demo (vv 763-772) Em seguida

oferecem provas desse amor Nesse momento da discussatildeo o poeta traz agrave tona atraveacutes dos

ataques sofridos por Paflagocircnio a praacutetica poliacutetica de Cleatildeo em relaccedilatildeo ao povo ateniense a

sabotagem ao pacto de paz (vv 790-796) e o modo opulento de viver (vv 810-819) Demo

reconhece entatildeo a hipocrisia de Paflagocircnio (vv 820-823) O pnigos se encerra com insultos

reciacuteprocos e no final (vv 834-835) Agoraacutecrito expotildee com base nos subornos do rival a

proacutetase de seu discurso que vai ocorrer no antepirrema Na antode o coro ressalta a

eloquumlecircncia do salsicheiro e no antikatakeleusmos o encoraja a falar mas eacute Paflagocircnio quem

toma a palavra No antepirrema Agoraacutecrito rebate o oponente por meio de silogismos

(λαβὴv γὰρ ἐνδέδωκας ν 847) em que satildeo atacados isoladamente os pontos negativos de

Paflagocircnio Assim a cada prova de Paflagocircnio Agoraacutecrito contra-argumenta mostrando

inversamente os pontos negativos do adversaacuterio Se no agon I Agoraacutecrito agradou Demo com

uma almofada (vv 784-785) agora o bajula com um par de sapatos (vv 868-874) e uma

tuacutenica (vv 881-889) Paflagocircnio oferece por sua vez sua clacircmide (vv 890-893) que aliaacutes

fede a couro motivo suficiente para Agoraacutecrito acusaacute-lo de tentar asfixiar Demo Nesse

antepirrema o tom da contenda repleta de ameaccedilas e protestos se estende ao antipnigos

resultando num confronto fiacutesico evidenciado no texto pela interjeiccedilatildeo ἰαιβοῖ (v 891) Ateacute

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aqui o heroacutei cocircmico leva a melhor na disputa a ponto de Paflagocircnio ser demitido de seu cargo

de governante da casa devolvendo a Demo o anel que lhe dava o direito da funccedilatildeo (v 949)

A sphragis que natildeo respeita a meacutetrica encerra a contenda em prosa εὖ γε νή

τον Δία Segundo Sommerstein (1981 p 194) trata-se de uma foacutermula empregada por

Aristoacutefanes em circunstacircncias religiosas juriacutedicas ou no pronunciamento de um arauto

A posiccedilatildeo do segundo agon (vv 756-941) eacute por causa das duas paraacutebases na peccedila

inter-parabaacutetica Essa posiccedilatildeo sugere que ambas as paraacutebases reforccedilam a funccedilatildeo dramaacutetica

desse agon Embora a paraacutebase I seja de caraacuteter literaacuterio o poeta expotildee nela uma consciecircncia

de seu papel poliacutetico (DUARTE 2000 p 85) mantendo assim uma coerecircncia com o assunto

da peccedila cujo cliacutemax tatildeo esperado pelo puacuteblico eacute alcanccedilado no agon II E na paraacutebase II a

referecircncia ao mau caraacuteter dos litigantes (DUARTE 2000 p 105) nada mais eacute do que uma

projeccedilatildeo da poneria presente no segundo agon

A vitoacuteria de Agoraacutecrito eacute no entanto provisoacuteria jaacute que o termo da contenda eacute

adiado para as cenas seguintes cujas formas nada tecircm da estrutura do agon epirremaacutetico

senatildeo a natureza competitiva da accedilatildeo que se apresenta em dois momentos o confronto de

oraacuteculos (vv 997-1100) e o concurso culinaacuterio (vv 1151-1263) Tanto Moumlllendorff (2002 p

88) quanto Gelzer (1960 p 161) classificam essa cena de Agonales Szenen (cenas de agon)

No primeiro embate Demo solicita os oraacuteculos a Agoraacutecrito e Paflagocircnio que em seguida

devem comeccedilar a lecirc-los (vv 970 1011) A maneira como Paflagocircnio toma a frente sugere um

tom de katakeleusmos

Πα ἄκουε δή νυν καὶ πρόσεχε τὸν νοῦν ἐμοί (v 1014)

Pa Entatildeo ouccedila e preste atenccedilatildeo em mim

No discurso de cada oponente domina a simbologia animal Aproveitando-se de

que Demo natildeo entende a leitura que Paflagocircnio faz dos oraacuteculos Agoraacutecrito refuta entatildeo

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num complexo agoniacutestico)

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com uma releitura Se Paflagocircnio se enxerga como o catildeo de guarda58

que com dentes afiados

e latido ruidoso protege o dono (vv 1015-1020) Agoraacutecrito por sua vez contradiz as

pretensotildees de seu adversaacuterio interpretando a figura desse catildeo como o Ceacuterbero traiccediloeiro (vv

1030-1034) Em outro oraacuteculo Paflagocircnio se vecirc como um leatildeo que defendendo o Povo dos

mosquitos importunos deve ser protegido por numa muralha outra razatildeo para Agoraacutecrito se

opor e interpretar que o muro de madeira e ferro deveria prendecirc-lo ao inveacutes de abrigaacute-lo (vv

1037-1049) A contradiccedilatildeo eacute mantida no oraacuteculo que mostra o catildeo-raposa em que o poeta faz

uma criacutetica agrave poliacutetica da exploraccedilatildeo do aliados atraveacutes do aumento de impostos (vv 1067-

1077) Depois eacute a vez de o poeta investir contra a corrupccedilatildeo (vv 1080-1085) e por fim os

pressaacutegios pelo sonho (vv 1088-1095) Portanto os discursos tecircm um poder imageacutetico

construiacutedos por palavras que satildeo puro simbolismo o que garante uma caricatura dos oraacuteculos

recurso eficiente de que o poeta se aproveita para criticar a arte poliacutetica isto eacute o uso ambiacuteguo

das palavras e a sutileza da dialeacutetica

Demo adia mais uma vez a sentenccedila para a cena seguinte a uacuteltima prova para

Agoraacutecrito e Paflagocircnio em que a vitoacuteria seraacute dada agravequele que seduzir Demo pelo estocircmago

(vv 1107-1009) Essa cena em que se salienta a simbologia culinaacuteria estaacute configurada ao

moldes de um concurso de cozinha cuja abertura faz alusatildeo ao katakeleusmos

Αλ ἄφες ἀπὸ βαλβίδων ἐμέ τε καὶ τουτονί

ἵνα σlsquoεὖ ποιῶμεν ἐξ ἴσου

Αη δρᾶν ταῦτα χρή

ἄπιτον (vv 1158-1161)

Ag Me mande agora eu e tambeacutem esse fulano aiacute para a linha de partida Para que a gente te sirva em peacute de igualdade

De Eacute isso mesmo que se deve fazer

Vatildeo jaacute

A palavra de ordem eacute o verbo ἄπειμι que daacute a largada da competiccedilatildeo em que

tortas (μαζίσκη v 1166) patildeo para sopa (μυστίλη v 1168) purecirc de ervilhas (ἔτνος γε

58 A imagem do catildeo de guarda vai aparecer tambeacutem na cena do julgamento em Vespas cf infra

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πίσινον v 1171) sopa (ζωμός v 1175) posta de peixe (τέμαχος v 1177) carne (κρέας

v 1178) tripas (χόλιξ v 1179) bebida (vv 1185-1188) entre outros regalos da gula

disputam entre si num jogo de persuasatildeo gastronocircmica o paladar de Demo

Segundo Gelzer (1960 p 161) as cenas dos oraacuteculos e do concurso culinaacuterio

compotildeem a quarta e uacuteltima parte da diallage a sentenccedila Ao arbitrar como juiz na diallage os

apartes de Demo conferem agrave personagem a funccedilatildeo bomolochos cuja fala natildeo somente realccedila

o tom humoriacutestico da accedilatildeo mas tambeacutem sentencia o desfecho da disputa Por tantas vezes

protelado o veredicto59

ao final dessas cenas Demo anuncia sua preferecircncia por Agoraacutecrito

Ἀγορακρίτῳ τοίνυν ἐμαυτὸν ἐπιτρέπω (v 1259)

Entatildeo confio a Agoraacutecrito que cuide de mim

Fecha-se portanto a narrativa dramaacutetica que teve iniacutecio com o vaticiacutenio

anunciado no proacutelogo

κοιλιοπώλῃσιν δὲ θεός μέγα κῦδος ὀπαζει (v 200)

aos salsicheiros a divindade reserva uma grande gloacuteria

como se o resultado da disputa jaacute estivesse deliberado antes mesmo de a contenda ter

comeccedilado o que mostra que a intenccedilatildeo dο poeta natildeo estava em quem ia ganhar mas como

ganharia mantendo ateacute o final da comeacutedia a expectativa do espectador que o poeta tem na

mais alta conta homenageando-o atraveacutes da personagem Demo Este na funccedilatildeo de juiz dessa

contenda se preocupa com a opiniatildeo do puacuteblico

Δη τ δτrsquo ἄν ὑμᾶς χρησάμενος τεκμηρίῳ

δόξαιμι κρίνειν τοῖς θεαταῖον σοφῶς (vv 1209-1210)

De Que criteacuterios usar no caso de vocecircs para que

aos olhos dos espectadores eu tenha escolhido com sabedoria

59 Esse tipo de adiamento da sentenccedila tambeacutem ocorre em Ratildes

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Quanto agrave forma os agones I e II se compotildeem da siziacutegia epirremaacutetica regular em

suas partes E quanto ao conteuacutedo se completam entre si O primeiro agon que eacute poacutes-paacuterodo

tem a funccedilatildeo preparatoacuteria em que Agoraacutecrito eacute colocado agrave prova diante de seu adversaacuterio

uma espeacutecie de debate amistoso para o confronto final o agon II que eacute inter-parabaacutetico No

todo orgacircnico da comeacutedia a estrutura eacute contemplada por outras cenas anaacutelogas ao agon

desde o proacutelogo ateacute o confronto na cena dos oraacuteculos (vv 997-1110) e a disputa ―forno e

fogatildeo na cena da refeiccedilatildeo com Demo (vv 1151-1262) quase no final da peccedila

Na anaacutelise de Gelzer (1960 p 63-64) o litiacutegio que estaacute na base da diallage

domina a peccedila inteira e soacute encontra termo ao final a accedilatildeo se desenvolve na disputa enquanto

seu pano de fundo eacutetico eacute exaustivamente discutido na negociaccedilatildeo isto eacute no segundo agon

epirremaacutetico que eacute o objetivo e o ponto principal da diallage Neste estudo consideramos

agon inserido num complexo agoniacutestico o que Gelzer analisa segundo o que ele denominou

de diallage Assim sendo toda condensaccedilatildeo da accedilatildeo dramaacutetica gira em torno do agon

(SILVA 2000 p 12) Na interpretaccedilatildeo de Russo (1994 p 81) os agones de Cavaleiros satildeo

notaacuteveis por uma seacuterie de sistemas tensos raacutepidos e graduados que mantecircm o espectador em

correspondecircncia com niacuteveis de tensatildeo e emoccedilatildeo Portanto toda a accedilatildeo dramaacutetica tem por

natureza o conflito e vai num crescendo o que tambeacutem pode ser constatado nas comeacutedias

Nuvens Vespas e Ratildes

2 O agon em Nuvens60

os confrontos tempestuosos

No conjunto da obra de Aristoacutefanes a comeacutedia Nuvens foi a mais estudada desde

a Antiguumlidade ateacute nossos dias (THIERCY 2007 p 256) O texto que a tradiccedilatildeo nos deixou

60 A proposta de Nuvens (424 aC) eacute trazer agrave discussatildeo o papel da Educaccedilatildeo de acordo com as correntes

filosoacuteficas vigentes na formaccedilatildeo do indiviacuteduo Para isso a comeacutedia enfoca o conflito de valores entre pai e

filho num choque de geraccedilotildees

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num complexo agoniacutestico)

67

refere-se agrave segunda versatildeo61

o que eacute um fator complicador para a anaacutelise da peccedila porque no

que concerne agrave composiccedilatildeo62

do texto existente haacute particularidades que envolvem o paacuterodo o

agon e a paraacutebase63

O paacuterodo jaacute traz alguns embaraccedilos com relaccedilatildeo ao agon uma vez que

dependendo da demarcaccedilatildeo da entrada do coro pode ocorrer ou natildeo um agon a mais na

estrutura Navarre (1911 p 279) considera apenas a contenda entre os Raciociacutenios como o

agon de Nuvens Jaacute Mazon (1904 p 62) estabelece trecircs agones vv 358-475 (apoacutes o paacuterodo)

vv 889-1106 (apoacutes a paraacutebase I) e vv 1345-1452 (apoacutes a paraacutebase II) Nesta anaacutelise

adotamos a distribuiccedilatildeo de Pickard-Cambridge (1966 p 217-218) Gelzer (1960 p xiii) e

Moumlllendorff (2002 p 132) que estatildeo de acordo na divisatildeo dos versos e consideram dois

agones para a peccedila o primeiro entre os Raciociacutenios (apoacutes a paraacutebase I) o segundo entre pai e

filho (apoacutes a paraacutebase II)

Segundo Couat (1895 p 367) no texto de Nuvens misturam-se duas ediccedilotildees

incompletas o que torna difiacutecil uma reconstituiccedilatildeo exata do paacuterodo De acordo com Mazon

(1904 p 53-54) e Pickard-Cambridge (1966 p 217) o paacuterodo estaacute concluiacutedo no v 357 Daiacute

por diante se aplicarmos a sequumlecircncia tradicional das partes de uma comeacutedia ndash proacutelogo

paacuterodo agon paraacutebase ndash dos vv 358-475 se esperaria o agon Para Mazon nesses versos

ocorre o primeiro agon da peccedila enquanto Pickard-Cambridge classifica a passagem de quasi-

meio-agon64

Quanto a sua forma a estrutura estaacute muito mutilada65

natildeo haacute epirrema o

diaacutelogo estaacute em anapestos tetracircmetros (vv 364-438) em seguida haacute um pnigos (vv 439-456)

e por fim uma ode (vv 457-475) Na hipoacutetese de Mazon Aristoacutefanes teria escrito um agon

regular mas suprimiu suas partes deixando essa cena ligada ao paacuterodo Gelzer (1960 p 140)

natildeo descarta a hipoacutetese de que o excerto vv 365-377 poderia conter o que teria restado depois

61 Sobre os manuscritos preservados cf Sommerstein (1998 p 5-6) 62 Alguns estudos apontam para a natildeo encenaccedilatildeo dessa versatildeo por duas razotildees ou o texto foi reformulado natildeo

tendo em vista o espaccedilo cecircnico ou por se tratar de uma versatildeo apenas para a leitura A esse respeito cf Russo (1994 p 97-109)

63 A propoacutesito da anaacutelise da paacuterabase de Nuvens cf Duarte (2000 p 132-153) 64 O termo em inglecircs eacute quasi-half-agocircn 65 De acordo com esquema de Pickard-Cambridge (1966 p 217)

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68

da recomposiccedilatildeo da peccedila de um agon da primeira versatildeo Dos vv 365-411 a argumentaccedilatildeo

da tese de que as Nuvens satildeo deusas eacute muito similar agrave argumentaccedilatildeo nos agones

epirremaacuteticos sobretudo no antepirrema afirma Gelzer (1960 p 141) Ao que parece houve

uma imbricaccedilatildeo de forma e conteuacutedo entre as partes do texto cocircmico a ponto de se tratar de

uma extensatildeo do paacuterodo que assumindo proporccedilotildees de um quasi-agon entendemos como um

paacuterodo-agoniacutestico

O diaacutelogo entre Soacutecrates e Estrepsiacuteades que teve iniacutecio no proacutelogo eacute

interrompido parcialmente pela entrada do coro de Nuvens que entoa solenemente duas

estrofes liacutericas em meio aos comentaacuterios dos dois atenienses e depois os sauacuteda

χαῖρrsquo ὦ πρεσβῦτα παλαιογενές θηρατά φιλομούσω

σύ τε λεπτοτάτων λήρων ἱεροῦ [] (vv 358-359)

[a Estrepsiacuteades] Salve velho dos antigos tempos admirador de palavras queridas

[das Musas [a Soacutecrates] E vocecirc sacerdote de tolices sutiliacutessimas

66

Ao cumprimentar Soacutecrates o coro se dirige a ele como λήρων ―aquele que diz

asneiras e enfatiza a oratoacuteria do filoacutesofo empregando o superlativo de λεπτός

―minucioso ―meticuloso ―sutil o que delega agrave personagem tanto a funccedilatildeo poneros quanto

alazon

Como a personagem representa comicamente a imagem do filoacutesofo e de sua arte

que passava por um momento novo com o advento da sofiacutestica Soacutecrates pode ser visto

segundo a opiniatildeo de Whitman (1964 p 139) como mestre da poneria Mas eacute preciso ter o

cuidado de natildeo entender poneros no sentido ―mau-caraacuteter atributos de Agoraacutecrito e

Paflagocircnio em Cavaleiros mas algueacutem dotado de um palavreado ardiloso

Na opiniatildeo de Thiercy (2007 p 261) a intenccedilatildeo de Aristoacutefanes natildeo era fazer um

retrato ainda que monstruoso de Soacutecrates como o autor fez de Cleatildeo em Cavaleiros mas

66 Todas as passagens traduzidas de Nuvens satildeo de Gilda Maria Reale Starzynski

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num complexo agoniacutestico)

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encontrar um homem que representasse para o puacuteblico a nova retoacuterica da eacutepoca Thiercy

(2007 p 262) classifica entretanto a personagem de Soacutecrates como um alazon bem como

McLeish (1980 p 56) A alazoneiacutea em Soacutecrates estaria entatildeo relacionada agrave jactacircncia de seu

discurso que eacute um recurso cocircmico a serviccedilo da saacutetira agrave sofiacutestica e a seus seguidores

Quanto a Estrepsiacuteades por sua vez o coro o considera um θηρατής ―aquele que

persegue os discursos Portanto poneria eacute precisamente a arte que o heroacutei espera aprender

com Soacutecrates mas se mostra incapaz Conforme o estudo de Whitman (1964 p 120 121

122 129 135 139) Estrepsiacuteades natildeo possui nenhuma das qualidades de heroacutei que

caracterizam outros protagonistas falta-lhe uma verdadeira poneria e dimensotildees generosas do

grotesco Para esse autor o heroacutei de Nuvens eacute risiacutevel e pateacutetico ao mesmo tempo Aliaacutes natildeo

se trata de um verdadeiro heroacutei e a inversatildeo dos papeacuteis com seu filho eacute um ponto baacutesico da

estrutura a partir do momento em que Fidiacutepides vai agrave escola de Soacutecrates Whitman tambeacutem

interpreta que o heroacutei pende para a fanfarronice a alazoneiacutea Jaacute para McLeish (1980 p 56

123) Estrepsiacuteades tem a funccedilatildeo bomolochos enquanto que na anaacutelise de Thiercy (2007 p

256 259) Estrepsiacuteades eacute a personagem principal cuja funccedilatildeo spoudaios se explica pela sua

uniatildeo matrimonial com a sobrinha de Meacutegacles vinda de uma famiacutelia aristocraacutetica que natildeo o

teria certamente aceitado se ele fosse um homem de classe inferior

A personagem Estrepsiacuteades pode dependendo da accedilatildeo assumir essas trecircs funccedilotildees

Seu endividamento por causa dos caprichos do filho que eacute um amante de cavalos condiz com

seu status quo proveniente de uma condiccedilatildeo social elevada portanto lhe cabe a funccedilatildeo

spoudaios Ele gostaria de ser dotado de poneria para poder debater com os credores e

―inverter o discurso a seu favor aliaacutes uma atitude que faz jus agrave etimologia do nome

Estrepsiacuteades que estaacute ligado ao vocaacutebulo στρέψις ―accedilatildeo de virar Mas a natureza obtusa do

velho ateniense faz com que ele tenha a funccedilatildeo bomolochos ao agregar comentaacuterios jocosos

aos pontos de argumentaccedilatildeo do filoacutesofo conforme a citaccedilatildeo a seguir

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num complexo agoniacutestico)

70

Στ ταῦτrsquo ἄρα καὶ τὠνοματrsquo ἀλλήλοιν sbquoβροντὴ‛ καὶ sbquoπορδή‛ ὀμοίω (v 394)

Estr Ah entatildeo eacute por isso que ateacute os nomes satildeo parecidos trovatildeo e peidatildeo

[]

Σω καὶ τῶς ὦ μῶρε σὺ καὶ Κρονίων ὄζων καὶ βεκκεσέληνε (v 398)

Socr Mas como insensato velho tonto cheirando a mofo seu arcaico

O excerto acima exemplifica que o diaacutelogo entre Estrepsiacuteades e Soacutecrates se

constroacutei num jogo de pergunta e resposta mas natildeo se trata de exposiccedilatildeo de pontos de vista a

relaccedilatildeo argumentocontra-argumento eacute inexistente O heroacutei natildeo estaacute numa situaccedilatildeo de conflito

com seu adversaacuterio porque natildeo haacute antagonismo Estrepsiacuteades quer aprender e Soacutecrates potildee agrave

prova se seu candidato a disciacutepulo tem aptidatildeo ou natildeo O heroacutei eacute entatildeo submetido a um ritual

de iniciaccedilatildeo em que satildeo invocadas as Nuvens cuja entrada estabelece o final do proacutelogo e

iniacutecio do paacuterodo O diaacutelogo entre Estrepsiacuteades e Soacutecrates que teve iniacutecio no final do proacutelogo

se estende ateacute o paacuterodo com algumas intervenccedilotildees do coro Por essas razotildees interpretamos

que essa passagem ainda pertence ao paacuterodo

Assim sendo o primeiro agon de Nuvens (vv 949-1104) refere-se agrave cena entre os

Raciociacutenios que vai ocorrer depois da primeira paraacutebase (vv 510-626) o que resulta numa

inversatildeo da ordem esperada da estrutura cocircmica Na anaacutelise de Duarte (2000 p 137) a razatildeo

disso repousa sobre o status do heroacutei que ainda natildeo obteve ecircxito em seu plano o que justifica

a ausecircncia de conclusatildeo na paraacutebase

Como as personagens Raciociacutenios Justo e Injusto satildeo novas no enredo entrando

de suacutebito em cena67

antes de o agon comeccedilar haacute uma cena preparatoacuteria o proagon (vv 889-

948) em que ambas deixam claro ao puacuteblico quem representam e para que vieram Trava-se

um diaacutelogo raacutepido que num determinado ponto eacute revestido pela forma da esticomitia (vv

889-933)

67 O nuacutemero de participantes nesse agon I de acordo com o texto envolve os dois Raciociacutenios o coro e

Fidiacutepides que se manteacutem calado numa funccedilatildeo apenas de objeto da disputa Haacute controveacutersias entretanto na

questatildeo sobre a permanecircncia ou natildeo de Estrepsiacuteades e Soacutecrates nessa cena A esse respeito num artigo muito

interessante Sommerstein (1994 p 269-282) analisa a presenccedila ou ausecircncia de Soacutecrates e Estrepsiacuteades antes

durante e depois do agon entre os dois Raciociacutenios

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71

Κρ ἀπολεῖς σύ τίς ὤν

Ητ λόφος

Κρ ἥττων γrsquoὤν

Ητ ἀλλά σε νικῶ τὸν ἐμοῦ κρείττω

φάσκοντrsquo εἶναι

Κρ τί σοφὸν ποιῶν

Ητ γνώμας καινὰς ἐξευρίσκων (νν 893-896)

[]

Jus Acabaraacute comigo E quem eacute vocecirc

Inj Um raciociacutenio Jus O fraco

Inj Mas eu vou vencecirc-lo a vocecirc que afirma que eacute mais forte do que eu

Jus Com que habilidades Inj Encontrando ideacuteias novas

A discussatildeo de caraacuteter provocativo se configura numa luta eriacutestica aos moldes da

sofistica e a partir desse momento os contendores jaacute datildeo sinais de sua poneria A partir do v

934 o corifeu potildee fim ao bate-boca e chama os dois adversaacuterios para o debate cuja temaacutetica eacute

o assunto da comeacutedia qual a melhor educaccedilatildeo a antiga ou a nova

Trata-se de uma cena de alegoria Nos comentaacuterios de Thiercy (2007 p 265)

esses dois Raciociacutenios segundo o escoliasta eram trazidos agrave cena numa gaiola como galos de

briga Infelizmente na versatildeo que possuiacutemos nenhuma imagem nem indicaccedilatildeo sugere tal

cena cujo antagonismo eacute bem marcado tanto no conteuacutedo quanto na forma de acordo com a

siziacutegia epirremaacutetica assim disposta

ode (vv 949-958) antode (vv 1024-1033)

katakeleusmos (vv 959-960) antikatakeleusmos (vv 1034-1035)

epirrema (vv 961-1008) antepirrema (vv 1036-1084)

pnigos (vv 1009-1023) antipnigos (vv 1085-1104)

Na ode o coro abre o debate No katakeleusmos o corifeu daacute a palavra ao

Raciociacutenio Justo que defende solenemente a educaccedilatildeo tradicional da muacutesica e da ginaacutestica a

justiccedila e a moderaccedilatildeo com um discurso bem estruturado no epirrema (vv 961-1008)

composto por trecircs rheseis A primeira se refere agrave ordem cronoloacutegica da formaccedilatildeo dos jovens

(vv 963-976) Em seguida ele expotildee a inversatildeo de valores daquilo que era evitado no

passado mas agora tolerado (vv 977-983) esses pontos satildeo refutados pelo Raciociacutenio Injusto

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

72

que alega anacronismo (vv 984-989) E por fim o Raciociacutenio Justo lista uma seacuterie de

condutas de mau comportamento que Fidiacutepides natildeo deveria seguir (vv 990-999) aqui

novamente o Raciociacutenio Injusto contra-argumenta protestando a defesa obsoleta de seu

oponente Essa refutaccedilatildeo conduz agrave conclusatildeo do Raciociacutenio Justo no pnigos em que ele

descreve o jovem atleacutetico ideal

Eacute a vez entatildeo de o Raciociacutenio Injusto se pronunciar Na antode (vv 1024-1033)

o coro o apresenta e lhe cede a palavra avisando-o no antikatakeleusmos (vv 1034-1035) o

ecircxito retoacuterico de seu rival Comeccedila o debate No antepirrema (vv 1036-1084) a discussatildeo eacute

entrecortada num jogo de argumento e contra-argumento de fundo sofiacutestico os versos que

cabem ao Raciociacutenio Injusto satildeo iacircmbicos cujo tom eacute bem irreverente Ele refuta de modo

silogiacutestico quatro pontos da argumentaccedilatildeo do adversaacuterio Primeiramente os banhos quentes

(vv 1043-1054) depois a vida na aacutegora (vv 1055-1057) em seguida o valor da dececircncia (vv

1058-1074) e por fim o poder da palavra para justificar uma vida prazerosa (vv 1075-1082)

No antipnigos (vv 1085-1104) ocorre um diaacutelogo raacutepido revestido pela forma da

esticomitia (vv 1090-1100) em que o Raciociacutenio Injusto demonstra que a maioria dos

cidadatildeos jaacute eacute adepta da nova educaccedilatildeo O Raciociacutenio Justo se daacute por vencido oferecendo seu

manto ao adversaacuterio (vv 1101-1104) gesto que sela a disputa dispensando a interferecircncia do

coro e portanto a ausecircncia da sphragis

Na opiniatildeo de Thiercy (2007 p 255-256) os Raciociacutenios satildeo personagens

episoacutedicas a quem eacute confiado o agon principal Thiercy (2007 p 265) entende que natildeo se

trata de opor dois raciociacutenios num simples jogo de antinomias mas aquilo que representam

neacutea-paideacuteia versus archaiacutea-paideacuteia Nessa mesma linha de interpretaccedilatildeo Whitman (1964 p

124) observa que o cliacutemax da peccedila comeccedila com o agon entre os dois Raciociacutenios e a accedilatildeo

envolve uma seacuterie de antinomias que caracteriza a divisatildeo entre a velha e a nova geraccedilatildeo

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

73

A partir desse primeiro agon o desenvolvimento da accedilatildeo vai como em

Cavaleiros se acentuando progressivamente A importacircncia desse agon I estaacute na sua relaccedilatildeo

direta com a dinacircmica da accedilatildeo das cenas subsequumlentes em que o heroacutei passaraacute por trecircs provas

i) o enfrentamento com os credores (vv 1222-1300) cena em que ele se sai triunfante

aplicando os preceitos sofiacutesticos ii) o confronto com o filho que estabelece o segundo agon

da peccedila (vv 1345-1451) iii) o acerto de contas com Soacutecrates no ecircxodo (vv 1452-1510)

Antes de o segundo agon comeccedilar haacute uma curta cena (vv 1321-1344) de

passagem que sendo preparatoacuteria para o segundo agon estamos considerando-a como

proagon68

Trata-se de uma cena de confronto fiacutesico em que Estrepsiacuteades lamenta a proacutepria

sorte diante dos golpes que leva do filho que desafiando o pai para uma discussatildeo vai lhe

provar que eacute justo um filho bater no pai (vv 1330-1335)

Nessa cena eacute evidente o bem sucedido aprendizado do jovem que se torna ao

contraacuterio da torpeza de seu genitor haacutebil com as palavras um mestre em poneria conforme a

correspondecircncia dos versos

Κρ Καταπύγων εἶ κἀναίσχυντος (v 909)

Ητ ῥόδα μrsquoεἴρηκας

Κρ καὶ βωμολόχος (ν 910)

Ητ κρίνεσι στεφανοῖς

Κρ καὶ πατραλοίας (ν 911)

Jus E vocecirc um fresco um sem-vergonha

Inj Vocecirc me diz rosas

Jus palhaccedilo Inj Coroa-me de liacuterios

Jus parricida

[]

Στ ὦ λακκόπρωκτε

Φε τάττε πολλοῖς τοῖς ῥόδοις (ν 1330)

Estr Imundo Fid Vocecirc me polvilha com muitas rosas

68 Mazon (1904 p 62) e Pickard-Cambridge (1966 p 218) classificam-na de cena de introduccedilatildeo

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

74

Fidiacutepides mostra que sabe a liccedilatildeo na ponta da liacutengua em seu discurso ecoa o

discurso do Raciociacutenio Injusto enquanto que o discurso de Estrepsiacuteades estaacute no mesmo tom

que o do Raciociacutenio Justo o que demonstra um espelhamento de conteuacutedo entre os agones e

portanto uma extensatildeo da contenda

A funccedilatildeo spoudaios presente na primeira parte da comeacutedia eacute suplantada pela

funccedilatildeo poneros que eacute realccedilada no segundo agon De acordo com McLeish (1980 p 56)

Fidiacutepides tem a funccedilatildeo spoudaios De fato trata-se de uma personagem de origem

aristocraacutetica amante dos cavalos qualidade reforccedilada pela proacutepria etimologia do nome No

entanto a funccedilatildeo de spoudaios restringe-se agrave primeira metade da comeacutedia porque a partir do

agon entre os Raciociacutenios quando o Injusto vence e passa entatildeo a ser o mestre de Fidiacutepides

este se transforma num poneros cuja funccedilatildeo ficaraacute evidente na cena do segundo agon Este

tem como o primeiro uma estrutura regular e manteacutem as mesmas caracteriacutesticas de

composiccedilatildeo de um agon duplo isto eacute com partes simeacutetricas da siziacutegia epirremaacutetica

ode (vv 1345-1350) antode (vv 1391-1396)

katakeleusmos (vv 1351-1352) antikatakeleusmos (vv 1397-1398)

epirrema (vv 1353-1385) antepirrema (vv 1399-1445)

pnigos (vv 1386-1390) antipnigos (vv 1446-1451)

Na ode (vv 1345-1350) o coro se dirige a Estrepsiacuteades e no katakeleusmos (vv

1351-1352) o encoraja No epirrema (vv 1353-1385) o discurso de Estrepsiacuteades se divide em

duas partes Primeiramente haacute uma descriccedilatildeo (vv 1354-1378) da cena de discussatildeo ocorrida

dentro da casa portanto no espaccedilo extracecircnico69

onde Fidiacutepides mostra preferecircncia pelos

versos de Euriacutepides que eacute na opiniatildeo de Estrepsiacuteades um corruptor da moral e da trageacutedia70

em detrimento dos versos de Simocircnides e de Eacutesquilo por julgaacute-los antiquados e pomposos

respectivamente Em seguida em decorrecircncia da discussatildeo Estrepsiacutedades questiona se eacute justo

um filho bater no pai (vv 1379-1385) E no pnigos Estrepsiacuteades expotildee justificando a

69 A respeito do espaccedilo no teatro cf nota 53 infra 70 Aristoacutefanes retomaraacute esse assunto no agon de Ratildes cf infra

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

75

injusticcedila de se bater no pai trecircs imagens71

referentes ao universo infantil como prova de seu

amor pelo filho βρῦν (ν 1382) μαμμᾶν (ν 1383) e κακκᾶν (v 1384) Na antode (vv

1391-1396) o coro estaacute apreensivo com as atitudes de Fidiacutepides mas o encoraja no

antikatakeleusmos (vv 1397-1398) No antepirrema (vv 1399-1445) Fidiacutepides apresenta

num jogo sofiacutestico trecircs pontos que justificam sua atitude de bater no pai i) o ato de bater no

pai eacute tambeacutem um ato de amor (vv 1408-1419) ii) a vulnerabilidade do direito paterno sobre o

filho (vv 1420-1429) iii) a questatildeo da dececircncia Diante dessa arguumliccedilatildeo Estrepsiacuteades daacute razatildeo

a Fidiacutepides (vv 1437-1439) que desafia o pai num ponto a mais nesse direito o de bater

tambeacutem na matildee (vv 1440-1445)

No antipnigos (vv 1446-1451) Estrepsiacuteades mostrando sinais de arrependimento

de um plano que se voltou contra si mesmo reage num final de agon bastante violento Para

Gelzer (1960 p 53-54) a funccedilatildeo desse segundo agon eacute por meio de um paralelismo da

construccedilatildeo com o primeiro agon e do ponto de vista dramaacutetico ad absurdum72

jaacute que o

violento desfecho da discussatildeo natildeo eacute para mostrar quem eacute o vencedor ou quem estaacute com a

razatildeo mas pocircr em evidecircncia esse tipo de argumentaccedilatildeo Ou seja eacute assim que Aristoacutefanes

lanccedila sua criacutetica aos novos horizontes da educaccedilatildeo grega se apropriando de um discurso muito

proacuteprio que eacute soacute dela a sofistica Na opiniatildeo de Romilly (1988 p 126-127) Aristoacutefanes

ilustrou de maneira concreta a arte de inversatildeo do discurso arte tatildeo cara a Protaacutegoras

Estrepsiacuteades para salvar seus interesses atraveacutes de sutilizas de argumentaccedilatildeo se vecirc viacutetima de

seu filho que se transformou num disciacutepulo dessa arte

O agon termina com a accedilatildeo ancorada no ecircxodo em que Estrepsiacuteades vai fazer um

acerto de contas com Soacutecrates pondo abaixo o phrontisterion Nas palavras do coro a

Estrepsiacuteades (―vocecirc eacute o responsaacutevel do que estaacute lhe acontecendo v 1455) fica evidente a

ironia cocircmica Segundo Thiercy (1997 p 1067-1068) Fidiacutepides cometeu crimes passiacuteveis de

71 A propoacutesito das duas primeiras imagens cf Taillardat (1965 p 93 258 respectivamente) 72 Essa natureza ad absurdum tambeacutem caracteriza o agon de Pluto cf cap VI infra

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76

atimia ficando claro que a vitoacuteria eacute em uacuteltima instacircncia do Raciociacutenio Justo Esse final de

disputa corresponde bem ao que eacute proacuteprio da comeacutedia isto eacute a inversatildeo geral em que o

Injusto vence o Justo ainda que provisoriamente para que no final do segundo agon fique

latente pela reaccedilatildeo furiosa de Estrepsiacuteades o triunfo do Raciociacutenio Justo

Nuvens satildeo uma comeacutedia que conteacutem alguns componentes proacuteprios da trageacutedia

como por exemplo a natureza do coro a escolha do heroacutei que vai desencadear a ἀνάγκη

Na primeria parte da peccedila que vai o agon I haacute uma aparente situaccedilatildeo eufoacuterica para o heroacutei

porque na segunda parte sobretudo no agon II a accedilatildeo passa a ser disfoacuterica para o heroacutei o

que justifica a ausecircncia de happy end no ecircxodo No acircmbito da accedilatildeo ocorre entatildeo uma

metabole73

isto eacute uma conversatildeo que eacute responsaacutevel pela inserccedilatildeo dos agones num complexo

agoniacutestico Nesses agones forma e conteuacutedo estatildeo a serviccedilo da temaacutetica da comeacutedia que

propotildee uma saacutetira agrave Educaccedilatildeo a partir do choque de geraccedilotildees entre pai e filho o que estaacute

tambeacutem presente em Vespas mas desta vez a criacutetica seraacute feita ao poder judiciaacuterio de Atenas

3 O agon em Vespas74

a discussatildeo a ferroadas

A estrutura narrativa de Vespas estaacute dividida do ponto de vista temaacutetico em duas

partes bem distintas o que leva a uma interpretaccedilatildeo imediata de que a comeacutedia natildeo tem uma

unidade de accedilatildeo A respeito da accedilatildeo no gecircnero cocircmico Thiercy (2007 p 151-154) comenta

as posiccedilotildees de Mazon Pickard-Cambridge Handel Landfester e Denis estabelecendo as

seguintes linhas teoacutericas coerecircncia perfeita da accedilatildeo incoerecircncia total da accedilatildeo accedilatildeo coesa na

73 Nos comentaacuterios sobre a Poeacutetica Dupont-Roc e Lallot (1980 p 230) assinalam que o termo metabasis eacute

empregado nas passagens 52 a 16 e 18 55 b 29 e retomado por metabole em 52 a 23 e 31 e pelo verbo

correspondente metaballein em 52 b 34 A diferenccedila de sentidos se eacute que haacute alguma pode se referir ao

vocaacutebulo metabasis como sendo mais geral do que metabole englobando todos os tipos de ―virada de

fortuna que satildeo entendidos como uma ―mudanccedila E como bem observou Malhadas (2003 p 30) a mudanccedila

de fortuna do heroacutei traacutegico pode se dar passo a passo (basis) Isso tambeacutem ocorre com Estrepsiacuteades o heroacutei

cocircmico em Nuvens 74 A temaacutetica da comeacutedia Vespas (423 aC) eacute satirizar o gerenciamento da justiccedila ateniense ridicularizando a

mania pela chicana judicial o abuso de poder da magistratura e dos poliacuteticos e consequumlentemente a

arbitrariedade das sentenccedilas Essa proposta estaacute em consonacircncia com um enredo que nas tentativas de um

filho querer mudar o caraacuteter do pai mostra o choque de geraccedilotildees

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num complexo agoniacutestico)

77

primeira parte da peccedila e cenas supeacuterfluas na segunda Neste estudo entretanto tentaremos

demonstrar que a partir da anaacutelise dos agones e sua relaccedilatildeo com as outras seccedilotildees da comeacutedia

estaacute presente uma dinacircmica da accedilatildeo em Vespas Com base na interpretaccedilatildeo de Thiercy (2007

p 156) a accedilatildeo em Vespas natildeo se interrompe o que ocorre eacute uma mudanccedila da temaacutetica da

comeacutedia apoacutes a paraacutebase Em seu exame Thiercy (2007 p 175) propotildee entatildeo o que ele

chama de unidade de interesse75

A tardia localizaccedilatildeo da paraacutebase I na peccedila (vv 1009-1121) marca a conclusatildeo da

primeira parte (MAZON 1904 p 74) ndash proacutelogo paacuterodo agon I e II76

e paraacutebase I ndash cujo

assunto se estabelece por um choque de geraccedilotildees entre pai e filho Bdelicleatildeo eacute um dedicado

filho cuja preocupaccedilatildeo eacute curar a mania por processos judiciais de que o pai Filocleatildeo

padece77

O antagonismo presente nesses nomes Filocleatildeo e Bdelicleatildeo78

- que numa

traduccedilatildeo livre entendem-se como Proacutecleatildeo e Contracleatildeo respectivamente ndash reforccedila a

proposta da comeacutedia

A primeira parte do programa narrativo da peccedila ocorre em trecircs etapas (THIERCY

2007 p 173) daacute-se inicialmente o uso da forccedila pois Filocleatildeo estaacute encarcerado em sua casa

por vontade do filho depois usa-se persuasatildeo e acordo de um processo judicial domeacutestico e

por fim a realizaccedilatildeo do julgamento em que o reacuteu seraacute absolvido

Proacutelogo (vv 1-229) e paacuterodo (vv 230-316) compreendem a primeira das trecircs

etapas acima Desde o proacutelogo a ideacuteia de forccedila fiacutesica estaacute bem marcada pela accedilatildeo austera do

filho de aprisionar o pai em sua proacutepria casa e pela reaccedilatildeo furiosa do pai

75 Uniteacute drsquo inteacuterecirct Trata-se de colocar em evidecircncia o interesse humano e toda a atenccedilatildeo estaacute voltada para o

comportamento do heroacutei Sob esse aspecto Vespas eacute classificada como uma comeacutedia de caracteres na opiniatildeo

de Thiercy (2007 p 175) 76 Haacute divergecircncias na demarcaccedilatildeo dessas partes Para Pickard-Cambridge (1966 p 219) o paacuterodo se encerra no

v 316 a partir do v 317 ateacute o v 525 daacute-se o proagon e a comeacutedia teria um uacutenico agon (vv 526-727) Nesta

anaacutelise adotamos as sugestotildees de Mazon (1904) de Gelzer (1960) e de Moumlllendorff (2002) que estabelecem

dois agones intercalados com uma cena de hostilidade 77 φιληλιαστής ν 88 78 O prefixo philo- traduz uma ideacuteia de ―paixatildeo ―adoraccedilatildeo oposta ao termo bdely- do verbo bdelyacutessomai

odiar A onomaacutestica desses nomes que tecircm em comum o nome do demagogo ateniense Cleatildeo refere-se

agravequele que adora Cleatildeo e ao outro que odeia Cleatildeo

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num complexo agoniacutestico)

78

Φι εἰ μή μrsquoἐάσεθrsquo ἥσυχον μαχούμεθα (v 190)

Fil Se vocecirc natildeo me deixar tranquumlilo vamos brigar

Ao empregar o verbo μάχομαι Filocleatildeo deixa claro que natildeo se trata de um

ensejo que busca um acordo amigaacutevel senatildeo um enfrentamento mais pelo combate do que

pelo debate Nessa atmosfera de luta gera-se uma altercaccedilatildeo cujo conteuacutedo eacute realccedilado pelos

insultos de ambas as partes

Βδ πονηρὸς εἶ πόρρω τέχνης καὶ παράβολος (v 192)

Bd Vocecirc eacute um velhaco incompetente e tambeacutem um petulante

A poneria atribuiacuteda a Filocleatildeo nesse iniacutecio da comeacutedia torna-se expressiva ao

longo da trama em que fica evidente o caraacuteter polivalente de sua funccedilatildeo de poneros79

ligada a

uma imagem de velho ladino que longe de ter habilidades de heliasta natildeo soacute eacute corrompido

mas tambeacutem manipulado pelos poliacuteticos (vv 666-672)

No paacuterodo o coro de Vespas que satildeo companheiros de Filocleatildeo no tribunal

toma ciecircncia dos fatos e no final dessa seccedilatildeo e iniacutecio da seguinte quando ocorre o primeiro

agon Filocleatildeo responde ao coro com um canto lamurioso de socorro (vv 316-333) O coro

mostra-se por sua vez soliacutecito com seu camarada nas tentativas de fuga que devido ao

enfrentamento com Bdelicleatildeo e seus criados sentinelas natildeo tecircm sucesso Como bem

observou Gelzer (1960 p 39-40) a accedilatildeo anunciada no proacutelogo natildeo eacute interrompida pelo

paacuterodo ao contraacuterio ela se estende porque o conteuacutedo se prolonga ateacute o primeiro agon

A segunda etapa que implica persuasatildeo e acordo corresponde aos agones I e II

intercalados por uma curta cena episoacutedica No que se refere ao agon I (vv 333-414) que tem

a accedilatildeo apoiada no paacuterodo80

quanto ao conteuacutedo81

ele natildeo tem nada de agon natildeo fosse sua

forma que estaacute assim composta

79 Para McLeish (1980 p 55) Filocleatildeo eacute a personagem que melhor representa tal funccedilatildeo 80 Na anaacutelise de Gelzer (1960 p 37) trecircs peccedilas tecircm agones com lugar fixo isto eacute apoacutes o paacuterodo a saber

Cavaleiros (vv 303-456) Vespas (vv 334-402) e Aves (vv 327-399)

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

79

ode (vv 334-345) antode (vv 365-379)

katakeleusmos (vv 346-347) antikatakeleusmos (vv 380-381)

epirrema (vv 348-357) antepirrema (vv 382-402)

pnigos (vv 358-364) antipnigos natildeo haacute82

sphragis (vv 402-414)83

De acordo com as partes canocircnicas do agon epirremaacutetico natildeo haacute nenhum

equiacutevoco em classificar essa cena como um agon Entretanto sob a influecircncia do conteuacutedo a

forma sofre algumas adequaccedilotildees Para Gelzer (1960 p 40) a forma se adapta ao

prosseguimento da accedilatildeo a ponto de se opor ao conteuacutedo E tal adaptaccedilatildeo pode ser vista nas

seguintes partes descaracterizadas

i) no ―dialogismo da ode com a presenccedila de proepirremas falados Assim a ode que deveria

ser o canto do coro eacute substituiacuteda por um diaacutelogo melodramaacutetico84

entre o coro e

Filocleatildeo O coro no iniacutecio da ode em conexatildeo com o canto lamuriante de Filocleatildeo faz

uma pergunta (vv 334-335) e a resposta por Filocleatildeo conduz a um curto proepirrema (vv

336-341) Apoacutes respondida a questatildeo ocorre a segunda parte da ode (vv 342-345)

ii) nos dois versos do katakeleusmos que natildeo se distinguem dos versos seguintes nos

epirremas (GELZER 1960 p 7) Aristoacutefanes os insere discretamente a ponto de esses

dois versos terem uma conexatildeo com o epirrema que fica portanto ampliado

iii) no preterimento de um antipnigos Para Gelzer (1960 p 42) a ausecircncia de um antipnigos

eacute causada pela chamada de socorro de Filocleatildeo que provoca uma reaccedilatildeo irada do coro de

Vespas que entoa um canto de guerra (vv 403-414)

Esse agon fica comprometido em seu conteuacutedo devido agrave brevidade das partes

epirremaacuteticas porque epirrema e antepirrema natildeo desenvolvem um conflito de ideacuteias mas

81 Para Mazon (1904 p 69) trata-se de uma cena sob a forma de um agon ou talvez de um syntagma 82 Mazon (1904 p 70) interpreta que a ausecircncia de pnigos se deva agrave natureza da cena que eacute de muita

precipitaccedilatildeo cabendo apenas no final um canto do coro que corresponde agrave sphragis 83 Gelzer (1960 p XIII) Pickard-Cambridge (1966 p 219) e Moumlllendorff (2002 p 94) natildeo consideram esses

versos finais como sphragis 84 O paacuterodo de Vespas que apresenta um hibridismo de partes dialogadas configura-se num canto dialogado ou

num diaacutelogo melodramaacutetico E segundo Gelzer (1960 p 46) e Mazon (1904 p 67-68) muitas vezes haacute

composiccedilotildees simeacutetricas de estrofe e anti-estrofe da mesma forma como elas se configuram na ode e antode do

agon epirremaacutetico

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

80

simplesmente expotildeem uma cena cheia de accedilatildeo O epirrema conteacutem apenas um diaacutelogo que eacute

marcado pela regularidade com que Filocleatildeo e o coro conversam alternadamente

Primeiramente (vv 347-352) o coro propotildee que Filocleatildeo faccedila como Odisseu no episoacutedio em

que o heroacutei eacutepico foge da gruta do ciclope Mas esse ardil jaacute tinha sido tentado antes por

Filocleatildeo (vv 181-189) Na proposta seguinte (vv 353-356) o coro o anima a pular em

memoacuteria dos tempos de bravura Mas a velhice se sobrepotildee agrave juventude de outrora Com o

andamento da accedilatildeo no antepirrema ocorre a uacuteltima tentativa de fuga por uma corda (vv 382-

388) que teria sucesso natildeo fosse a reaccedilatildeo de Bdelicleatildeo surpreendendo o fugitivo e seus

cuacutemplices (vv 395-402)

Na cena seguinte85

(vv 415-525) que estaacute intercalada entre os agones I e II

apresenta em sua forma poucas semelhanccedilas com o agon epirremaacutetico entretanto a natureza

dessa cena eacute em seu conteuacutedo tipicamente agoniacutestica Segundo Gelzer (1960 p 155-156) no

que concerne agrave disposiccedilatildeo meacutetrica haacute uma prevalecircncia dos tetracircmetros trocaicos e tambeacutem

podem-se constatar duas partes simeacutetricas (vv 406-414 = 463-471) constituiacutedas por trecircs

trocaicos dois tetracircmetros peocircnios e por fim uma seacuterie mais longa de tetracircmetros trocaicos

Essas duas estrofes na anaacutelise de Gelzer poderiam ser vistas como odes e o restante como

epirrema aos moldes do agon epirremaacutetico Mas haacute alguns desvios como a ausecircncia de

katakeleusmos e pnigos A estrofe que na funccedilatildeo de sphragis encerra o agon I daacute sequumlecircncia agrave

proacutexima cena cujo conteuacutedo pode ser dividido em duas partes Na primeira o coro reage agrave

accedilatildeo precedente de Bdelicleatildeo sinalizando a iminecircncia de um confronto entre eles

85 O agon II daacute-se na diallage segundo Gelzer (1960 p 48) Na cena de transiccedilatildeo entre os agones I e II

encontram-se duas das quatro partes da diallage a disputa e o acordo

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

81

Χο καὶ σέ γrsquoαὐτοῖς ἐξολοῦμεν ἀλλrsquo ἅπας ἐπίστρεφε

δεῦρο κἀξείρας τὸ κέντρον εἶτrsquoἐπrsquoαὐτὸν ἴεσο

ξυσταλείς εὔτακτος ὀργς καὶ μένους ἐμπλήμενος

ὡς ἅν εὖ εἰδῆ τὸ λοιπὸν σμνος οἶον ὤργισεν (vv 422-425) []

Βδ παῖε παῖrsquo ὦ Ξανθία τοὺς σφκας ἀπὸ οἰκίας

Ξα ἀλλὰ ὁρῶ τοῦτrsquo

Βδ ἀλλὰ καὶ σὺ τῦφε πολλ τ καπν (vv 456-457)

Co E eacute com eles que vamos acabar com vocecirc Virem-se todos

para esse lado sacando o ferratildeo e em seguida ataquem-no em fileiras cerradas bem alinhadas com o coraccedilatildeo cheio de fuacuteria e raiva

para que ele saiba bem em que tipo de enxame ele mexeu

[] Bd Enxota enxota Xacircntias essas vespas pra longe da casa

Xa Mas eacute o que estou fazendo

Bd E vocecirc [para Soacutesias] sufoca-as com muita fumaccedila

Na segunda parte satildeo arrolados os acordos entre pai e filho em que ficam

estabelecidas as seguintes condiccedilotildees propostas das partes (vv 504-511) os fundamentos de

ambas as partes litigantes (vv 515-520) e o juiz que com sua sentenccedila deve deliberar qual

das soluccedilotildees propostas eacute a melhor (v 521) e tais condiccedilotildees devem ter a aprovaccedilatildeo de ambas

as partes para que a negociaccedilatildeo comece

Assim com a negociaccedilatildeo inicia-se o segundo agon (vv 526-727) em que se

discute se os juiacutezes governam ou apenas servem a cidade de Atenas Para Gelzer (1960 p

49) o exemplo dessa negociaccedilatildeo que estaacute em conexatildeo com o agon epirremaacutetico mostra

claramente a natureza da diallage uma vez que se trata de uma comeacutedia de tribunal

Quanto agrave forma esse segundo agon possui todas as seccedilotildees a seguir expostas

ode (vv 526-545) antode (vv 631-647)

katakeleusmos (vv 546-547) antikatakeleusmos (vv 648-649)

epirrema (vv 548-620) antepirrema (vv 650-718)

pnigos (vv 621-630) antipnigos (vv 719-724)

sphragis (vv 725-727)86

A ode eacute novamente dialogada a uacutenica diferenccedila eacute que o coro eacute interrompido pelas

personagens duas vezes ao inveacutes de uma Nas partes restantes natildeo haacute modificaccedilotildees No

86 Para Gelzer (1960 p XIII) o agon termina no v 724 jaacute Mazon (1904 p 72-73) estende o agon ateacute o v 759 e

Pickard-Cambrige (1966 p 219) e Moumlllendorff (2002 p 95) fazem a marcaccedilatildeo ateacute o v 727 que eacute o que

estamos considerando

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katakeleusmos Filocleatildeo tem a licenccedila para falar Diante do coro de Vespas que estaacute na

funccedilatildeo de juiz as partes apresentam nas seccedilotildees epirremaacuteticas suas fundamentaccedilotildees

acompanhadas de provas No iniacutecio do epirrema Filocleatildeo expotildee a proacutetese de seu longo

discurso de defesa em que vai demonstrar o valor da magistratura O conteuacutedo do discurso de

Filocleatildeo pode ser pontuado conforme os apartes de Bdelicleatildeo que toma nota de cada ponto

para depois rebatecirc-los Primeiramente a situaccedilatildeo dos acusados na condiccedilatildeo de suplicantes (vv

550-559) em seguida o desprezo pela riqueza e o natildeo cumprimento das promessas (vv 560-

576) depois o abuso de poder a isenccedilatildeo de prestaccedilatildeo de contas (vv 577-589) e a supremacia

dos juiacutezes e a adulaccedilatildeo dos poliacuteticos (vv 590-604) e por fim Filocleatildeo descreve a recepccedilatildeo

prazerosa ao chegar em casa e a sensaccedilatildeo de soberania oliacutempica (vv 605-620)

Se no epirrema Filocleatildeo mostrou que os juiacutezes governam cabe a Bdelicleatildeo no

antepirrema comprovar que eles satildeo manipulados (vv 650-654) Para tanto Bdelicleatildeo se

apoacuteia em caacutelculos para mostrar que os juiacutezes natildeo recebem o que lhes eacute de direito (vv 655-

664) Em seguida ele demonstra que o dinheiro serve apenas para corromper a magistratura

e o preccedilo dessa submissatildeo e logro eacute de trecircs oacutebolos aleacutem de promessas e de alguns presentes

da classe poliacutetica

Devido agrave natureza dessas partes epirremaacuteticas87

esse agon eacute de fundo sereno

numa linguagem sem asperezas (McLEISH 1980 p 119) o que lhe confere um tom de

trageacutedia ou pelo menos melodramaacutetico Logo no iniacutecio dessa contenda Bdelicleatildeo emprega o

termo τρυγῳδοῖς (v 650) ―cantor de borra significando poeta cocircmico um vocaacutebulo

composto de τπςγ [τρύξ] e Ὠδή Por esse mesmo mecanismo Aristoacutefanes encerra a comeacutedia

Vespas com a palavra τπςγῳδῶν (v 1537) segundo Thiercy (1997 p 1005) esse termo seria

87 A retoacuterica desse debate eacute discutida por Harriot (1986 p 36-43 apud MAcDOWELL 1995 p 160)

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paralelo agrave palavra τραγῳδία portanto τρυγῳδία seria um vocaacutebulo forjado daiacute em

algumas traduccedilotildees se tente resgatar tal hibridismo empregando-se o termo trigeacutedia88

Tudo leva a crer que a intenccedilatildeo de Aristoacutefanes eacute deixar claro que esse discurso

eleva-se acima do niacutevel normal da comeacutedia Nesse agon Bdelicleatildeo e Filocleatildeo deixam de ser

personagens apenas de comeacutedia para interiorizarem personagens tragicocircmicos tanto pelas

cenas de paroacutedia inspiradas na trageacutedia de Euriacutepides quanto pelas funccedilotildees que essas

personagens assumem Bdelicleatildeo que tem uma funccedilatildeo de spoudaios manteacutem a seriedade ndash o

que o torna uma personagem natildeo tatildeo engraccedilada ndash e por ser um tipo visionaacuterio (McLEISH

1980 p 54) E Filocleatildeo tem uma postura sisuda oposta agravequela no iniacutecio da comeacutedia

enfatizando a polivalecircncia de seu caraacuteter poneros Assim Bdelicleatildeo eacute na sua funccedilatildeo

spoudaios desprovido de jocosidade e sua seriedade se sobrepotildee a ponto de Filocleatildeo

ser em sua poneria haacutebil o suficiente para tambeacutem ser seacuterio e

melodramaacutetico (vv 696-697 713-714)

Se no pnigos o coro elogia a oratoacuteria de Filocleatildeo no antipnigos apoacutes o

pronunciamento de Bdelicleatildeo percebe-se uma mudanccedila de opiniatildeo do coro que na sphragis

sela a discussatildeo declarando a superioridade discursiva de Bdelicleatildeo Para que natildeo fracasse

sua empresa de corrigir a natureza intrataacutevel do pai Bdelicleatildeo lhe propotildee trocar o lugar do

tribunal que funcionava na praccedila Helieacuteia por um tribunal permanente na proacutepria casa

σὺ δrsquoοὖν ἐπειδή τοῦτο κεχάρηκας ποιῶν

ἐκεῖσε μὲν μηκέτι βάδιζrsquo ἀλλrsquo ἐνθάδε

αὐτοῦ μένων δίκαζε τοῖσιν οἰκέταις (νν 764-766)

Bem jaacute que vocecirc foi feliz fazendo isso nunca mais vaacute laacute mas fique aqui

e julgue os seus criados

Filocleatildeo eacute persuadido pelo filho Entretanto o velho heliasta natildeo renuncia agrave

condiccedilatildeo de juiz que eacute sua razatildeo de viver

88 A esse respeito Thiercy (1997) recomenda os artigos de Ghiron-Bistagne (1973) e de Taplin (1983)

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ἀνά τοί με πείθεις ἀλλrsquoἐκεῖνrsquoοὔπω λέγεις

τὸν μισθὸν ὁποθεν λήψομαι (νν 784-785)

Sem duacutevida vocecirc estaacute me convencendo Mas daquilo vocecirc ainda natildeo falou

de meu honoraacuterio de que lugar vou receber

Daacute-se entatildeo a terceira etapa com a cena de julgamento domiciliar que eacute uma

paroacutedia89

dos tribunais atenienses e portanto de fundo agoniacutestico pela sua proacutepria natureza

O teatro como uma manifestaccedilatildeo social se aproveita dessa natureza performaacutetica do tribunal

e na trageacutedia o julgamento torna-se um tema frequumlente Trata-se de um agon-processo

(ἀγών-procegraves) termo de classificaccedilatildeo de agon segundo Duchemin (1968 p 39) Nesse tipo

de agon podem ocorrer duas situaccedilotildees em torno do heroacutei da trageacutedia Na primeira o heroacutei eacute

submetido a um tribunal por causa de um crime que cometeu um bom exemplo estaacute em

Eumecircnides de Eacutesquilo em que Orestes eacute levado a juacuteri por ter derramado o sangue no interior

da philia ao matar a matildee Na segunda situaccedilatildeo o heroacutei eacute injustamente acusado de um crime

por exemplo Hipoacutelito de Euriacutepides em que Hipoacutelito eacute culpado por um delito que natildeo

cometeu e submetido agrave sentenccedila de seu pai que aleacutem de ser parte na causa eacute tambeacutem o juiz

No caso da comeacutedia Vespas satildeo o uacutenico exemplo da presenccedila de um agon-

processo na cena do julgamento dos catildees em que Aristoacutefanes natildeo faz paroacutedia de nenhum

agon-processo da trageacutedia mas dos tribunais atenienses alvo da criacutetica do poeta A cena

precedente (vv 760-890) eacute preparatoacuteria e nela se configura uma parte da cena de tribunal em

que o heroacutei ao inveacutes de reacuteu eacute persuadido a ser juiz O conteuacutedo dessa cena evidencia que vai

se tratar de um agon-processo com um esquema que segue bem proacuteximo as etapas judiciaacuterias

a escolha do jurado e a abertura do processo A partir disso comeccedila a cena do julgamento (vv

891-1008) em que ocorre uma continuaccedilatildeo das etapas judiciais o depoimento da testemunha

a arguumliccedilatildeo da acusaccedilatildeo a arguumliccedilatildeo da defesa e por fim a sentenccedila em que o juacuteri deposita o

sufraacutegio

89 Essa paroacutedia evoca um acontecimento da eacutepoca o estratego Laches eacute acusado de natildeo ter aceito o ouro dos

sicilianos e Cleatildeo eacute representado pelo outro catildeo Aristoacutefanes transfere um assunto de Estado para um assunto

do lar

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Aristoacutefanes engendra o mesmo recurso alegoacuterico aplicado na fabulaccedilatildeo de

Cavaleiros com as devidas acomodaccedilotildees ao enredo de Vespas o tribunal da Pnix eacute a casa de

Filocleatildeo o reacuteu eacute o catildeo Labes que por causa do roubo de um pedaccedilo de queijo siciliano

representa o comandante Laques acusado de peculato numa missatildeo agrave Siciacutelia o acusador eacute um

outro catildeo da casa cujo nome natildeo eacute dado embora esteja subtendido que seja o demagogo

Cleatildeo Participam tambeacutem da cena o escravo Xacircntias como testemunha Bdelicleatildeo como

advogado de defesa e Filocleatildeo como juiz

Embora Aristoacutefanes natildeo tenha feito dessa cena do julgamento domiciliar a cena

do agon epirremaacutetico a accedilatildeo se equipara em sua funccedilatildeo ao agon (GELZER 1960 p 160)

Levando-se em consideraccedilatildeo formaconteuacutedo do agon o conteuacutedo eacute abalizado pela discussatildeo

e na sua forma podem ser estabelecidas algumas correspondecircncias

Βδ σίγα κάθιζε σὺ δrsquoἀναβὰς κατηγόρει (v 905)

Bd Silecircncio Sentem-se Vocecirc suba e apresente sua acusaccedilatildeo

[]

Βδ ἀνάβαινrsquo ἀπολογοῦ τί σεσιώπηκας λέγε (v 944)

Bd Suba e apresente sua defesa Por que vocecirc estaacute calado Fale

As passagens citadas mostram que antes de cada pronunciamento o litigante eacute

incitado a falar primeiramente a acusaccedilatildeo e depois a defesa o que equivaleria ao

katakeleusmos Os dois discursos de acusaccedilatildeo e de defesa (vv 907-930 946-978

respectivamente) correspondem quanto ao conteuacutedo aos discursos do agon epirremaacutetico

Nos epirremas a linguagem parodia as formas legais e retoacutericas e oscila entre os

contextos humano e animal aleacutem de ocorrecircncia de imagens referentes agrave comida e agrave gula como

siacutembolo da corrupccedilatildeo poliacutetica que satildeo similares agravequela presente na cena do duelo forno e

fogatildeo de Cavaleiros Contudo por causa de seu nonsense (WHITMAN 1964 p 153-154) a

cena do julgamento eacute bem mais divertida O poeta se vale da plasticidade da liacutengua para criar

palavras cuja finalidade eacute congregar um conjunto de elementos disparatados em sua metaacutefora

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cecircnica O objetivo desse debate eacute mostrar os absurdos cometidos pelos demagogos e pelos

juiacutezes que natildeo datildeo a verdadeira atenccedilatildeo aos processos

O julgamento termina num quumliproquoacute em que Filocleatildeo decidido pela

condenaccedilatildeo ao lanccedilar o voto deposita-o na urna de absolviccedilatildeo Desesperado Bdelicleatildeo

consola o pai que cede aos argumentos do filho de que eacute preciso uma mudanccedila de haacutebito

tema para as cenas seguintes da segunda parte da comeacutedia

Encerra-se a primeira parte da peccedila que se estrutura num conjunto agoniacutestico

complexo devido agrave natureza das cenas e a dinacircmica da accedilatildeo A primeira paraacutebase90

marca natildeo

soacute a passagem para a segunda parte da fabulaccedilatildeo mas tambeacutem prenuncia um novo tema que

tem em comum com a temaacutetica da primeira parte o desafio de Bdelicleatildeo de reeducar os

haacutebitos de Filocleatildeo Sob esse ponto haacute uma inter-accedilatildeo entre essas personagens o que

estabelece um elo entre as duas partes da comeacutedia No proacutelogo o escravo Xacircntias ao expor o

assunto da peccedila refere-se ao caraacuteter de Filocleatildeo da seguinte maneira

ἔχων τρόπους φρυαγμοσεμνάκους τινάς (v 135)

tendo certos modos estrebuchados

Aristoacutefanes forja nessa passagem a palavra φρυαγμοσεμνάκους que traduz a

ideacuteia de algueacutem com um caraacuteter muito arrogante como o relincho de um puro-sangue91

Essa

natureza selvagem de Filocleatildeo eacute reconfirmada mais adiante no discurso parabaacutetico do coro

πρῶτα μὲν γὰρ οὑδὲν ἡμῶν ζον ἠρεθισμένον

μᾶλλον ὀξύθυμόν ἐστιν οὐδὲ δυσκολώτερον (νν 1104-1105)

em primeiro lugar nenhum outro animal quando provocado

eacute mais coleacuterico nem mais doloroso do que noacutes

90 Na opiniatildeo de Mazon (1904 p 75) a variedade do assunto nessa paraacutebase eacute uma reduccedilatildeo exata da comeacutedia

como um todo 91 Nos comentaacuterios de Sommerstein (1983 p 164) trata-se da seguinte composiccedilatildeo ―very (-ak) proud (semnos)

like a whinnying thoroughbred (phruattesthai whinnylsquo)

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Como Bdelicleatildeo natildeo desiste de reabilitar os modos do pai na segunda parte o

conflito entre eles permanece Dessa maneira as cenas seguintes ateacute o ecircxodo embora natildeo

tenham na sua forma o modelo do agon epirremaacutetico satildeo relevantes quanto ao conteuacutedo Se

Filocleatildeo na primeira metade da comeacutedia abdica de sua paixatildeo pela chicana judicial no

segundo momento da peccedila ele ainda eacute na sua aparecircncia fiacutesica um velho heliasta

De acordo com Kowzan (1977 p 71) a indumentaacuteria define externa e

convencionalmente o indiviacuteduo inclusive certos gostos e traccedilos do caraacuteter Desde o iniacutecio da

comeacutedia sabe-se que Filocleatildeo veste um manto surrado τριβώνιον (vv 33 116)

incomodando Bdelicleatildeo que tenta mudar essa mania do pai de se vestir como um homem

pobre (vv 341 503-507) Entatildeo na segunda metade da comeacutedia haacute uma cena (vv 1122-

1164) em que ocorre a troca de figurino e ao mesmo tempo uma inversatildeo de valores entre pai

e filho que permeia toda a discussatildeo num ritmo alternado Primeiramente os mantos (vv

1131-1132) e depois as botas (vv 1157-1158) Assim sendo a troca de traje se refere na

tentativa de Bdelicleatildeo de dar ao pai liccedilotildees de comportamento elegacircncia e bom gosto a uma

mudanccedila da physis de Filocleatildeo

Χο ζηλῶ γε τς εὐτυχίας

τὸν πρεσβύν οἷ μετέστη

ξηρῶν τρόπων καὶ βιοτς

ἔτερα δὲ νῦν ἀντιμαθὼν

ἦ μέγα τι μεταπεσεῖται

ἐπὶ τὸ τρυφῶν καὶ μαλακόν

τάχα δrsquo ἅν ἴσως οὐκ ἐθέλοι

τὸ γὰρ ἀποστναι χαλεπὸν

φύσεως ἣν ἔχοι τις ἀεί (vv 1450-1458)

Co Invejo pela boa sorte o velho a transformaccedilatildeo radical

de suas maneiras riacutegidas e de seu modo de viver

Agora tendo aprendido outras liccedilotildees ele teraacute uma grande mudanccedila

para o luxo e o conforto

Mas pode ser que natildeo queira

pois eacute difiacutecil deixar o caraacuteter que sempre se teve

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Bdelicleatildeo natildeo esperava uma inversatildeo do caraacuteter rigoroso do pai (vv 1292-1449)

para uma postura excessivamente libertina (vv 1474-1537) o que manteacutem o conflito entre pai

e filho a ponto de Bdelicleatildeo cogitar em prender o pai novamente em casa

Essas cenas soacute acentuam o caraacuteter indomaacutevel de Filocleatildeo em vaacuterios momentos

assinalados nesta anaacutelise e a natureza pelejadora do velho heliasta sempre pronto a novos

confrontos eacute uma constante do comeccedilo ao fim da peccedila

φέρε νυν ἀνείπω κἀνταγωνιστὰς καλῶ

εἴ τις τραγῳδός φησιν ὀρχεῖσθαι καλῶς

ἐμοὶ διορχησόμενος ἐνθάδrsquo εἰσίτω

Φησίν τις ἥ οὐδείς (νν 1497-1500)

Venham agora faccedilo uma proclamaccedilatildeo e invoco meus adversaacuterios se algum poeta traacutegico pretende danccedilar belamente

que venha aqui disputar comigo o precircmio da danccedila

Algueacutem aceita ou natildeo

Esses versos jaacute no final da comeacutedia tecircm um tom de katakeleumoacutes o que

demonstra que do proacutelogo ao ecircxodo o todo orgacircnico da peccedila eacute construiacutedo na base do agon

seja na formaconteuacutedo seja apenas na forma ou somente no conteuacutedo

Portanto a dinacircmica da accedilatildeo nas duas metades de Vespas tem como eixo comum

o empenho do filho em querer reeducar o modus vivendi do pai o que torna inevitaacutevel o

conflito entre ambos porque em Filocleatildeo a civilidade e o natural nomos e physis coexistem

(BOWIE A M 1995 p 83) ele conteacutem em si mesmo um lado humano e tambeacutem animal no

qual se destaca um status como vespa inseto que foi na Histoacuteria Natural Grega descrito

como politikon zoon e como um feroz combatente92

4 O agon em Ratildes os saltos do debate entre Euriacutepides e Eacutesquilo

A comeacutedia Ratildes que eacute um tributo ao Teatro vai explorar metateatralmente a

criacutetica ao drama antigo No enredo Dioniso patrono do Teatro inquieta-se com o futuro da

92 Sobre esse aspecto de a vespa ser um siacutembolo de coacutelera e luta cf Taillardat (1965 p 210-211 sect 380)

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arte dramaacutetica uma vez que os principais poetas que a representam Eacutesquilo Soacutefocles e

Euriacutepides jaacute se encontram no Hades de onde Dioniso pretende trazer de volta Euriacutepides A

preparaccedilatildeo para a descida agrave morada dos mortos eacute o enfoque da primeira metade da comeacutedia

Ao chegar ao submundo Dioniso e seu escravo Xacircntias presenciam uma discussatildeo entre

Euriacutepides e Eacutesquilo para saber quem tem de direito o assento da trageacutedia no banquete

oferecido por Hades Eacute nesse ambiente de debate que entre ambos os dramaturgos o gecircnero

traacutegico passaraacute por um pente-fino agrave luz da mise en scegravene da comeacutedia

No estudo do agon de Ratildes a primeira dificuldade eacute saber se toda a segunda

metade da peccedila eacute o agon ou se ele compreende apenas a seccedilatildeo que contempla a siziacutegia

epirremaacutetica Para Whitman (1964 p 230) o agon totaliza setecentos versos um pouco

menos do que Thiercy (1997 p 1263) estabelece 720 versos isto eacute comeccedilaria no v 830 e

terminaria no v 1500 Esse valor ultrapassa e muito a demarcaccedilatildeo feita por Mazon (1904 p

149) Gelzer (1960 p xiii) Pickard-Cambrigde (1966 p 228) Sommerstein (1997a p 235)

e Moumlllendorff (2002 p 156) que consideram agon os vv 895-1098 portanto 203 versos De

acordo com os esquemas de Mazon e Pickard-Cambridge o agon estaria intercalado por

cenas iacircmbicas e stasima Ocorre que salvo o proacutelogo da segunda metade da peccedila (vv 738-

813) que introduz o assunto e o canto coral (vv 814-29) a partir do v 830 jaacute se tem uma

introduccedilatildeo do agon (vv 830-894) que nesta anaacutelise eacute considerado de proagon93

Dos vv 895-

1098 se daacute o agon regular e completo na siziacutegia epirremaacutetica E a partir daiacute se desenrola uma

seacuterie de cenas iacircmbicas intercaladas por interluacutedios liacutericos que manteacutem a discussatildeo

prolongando-a ateacute o ecircxodo Percebe-se que nessas cenas posteriores o conteuacutedo estaacute

determinando a forma porque a estrutura natildeo eacute epirremaacutetica mas o conteuacutedo eacute uma extensatildeo

do que foi debatido nas partes epirremaacuteticas do agon Assim a narrativa dramaacutetica dessa

segunda metade da peccedila se constroacutei a meu ver por um complexo agoniacutestico haacute um proagon

93 Mazon (1904 p 149) denomina de introduction drsquoagon Optou-se pela denominaccedilatildeo de proagon porque se

trata de uma cena preparatoacuteria que tem a funccedilatildeo de apresentar os contendores uma vez que eles satildeo novos na

fabulaccedilatildeo como os Raciociacutenios em Nuvens por exemplo

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90

um agon e cenas de fundo agoniacutestico que expandem a discussatildeo que vai num crescendo como

vimos em Cavaleiros Nuvens e Vespas

A composiccedilatildeo de Ratildes eacute no conjunto da obra de Aristoacutefanes a comeacutedia que mais

inovou na disposiccedilatildeo da ordem habitual das partes94

Naturalmente esse assunto vem sendo

discutido e as opiniotildees divergem Para Mazon (1904 p 149) trata-se de uma composiccedilatildeo

incoerente com estrutura bipartida jaacute para Konstan (1995 p 62) que estabelece uma estrutura

tripartida a peccedila eacute coesa Haacute no entanto um consenso entre os especialistas como Whitman

(1964) Segal (1996) Dover (1993) e Thiercy (2007) que entendem que se trata de uma

unidade estrutural que eacute aparentemente dividida Essa estrutura exteriormente bipartida eacute

proposital porque Aristoacutefanes fez uma comeacutedia que eacute uma soma de dicotomias que comporta

um elemento unificador a personagem Dioniso bem como um tema uacutenico o Teatro a

primeira parte explora a natureza da Comeacutedia e a segunda a da Trageacutedia (WHITMAN 1964

p 235)

Ratildes satildeo portanto uma comeacutedia que auto-representa o Teatro no sentido mais

estrito do termo metateatro (PAVIS 2001 p 240) Nada mais oportuno que o Teatro examine

a si mesmo pelo vieacutes da Comeacutedia jaacute que essa possui entre suas seccedilotildees o que eacute de mais

congruente para uma discussatildeo o agon

A criacutetica literaacuteria eacute o tema do agon de Ratildes de um lado Eacutesquilo pai da trageacutedia

herdeiro da poesia eacutepica e liacuterica cujo estilo poeacutetico imitava a physis a natureza de outro

Euriacutepides que revolveu as estruturas desse gecircnero que o antecedera aproximadamente de um

seacuteculo e criou uma poesia fundamentada na tekhne95

cujos discursos possuiacuteam mecanismos

para produzir um efeito de realismo de situaccedilotildees atitudes sentimentos vivecircncias quotidianas

e sujeiccedilatildeo humana agrave gloacuteria e ao fracasso

94 A peccedila tem uma duplicaccedilatildeo do proacutelogo e do paacuterodo as cenas episoacutedicas se encontram na primeira parte e a

paraacutebase que estaacute desmembrada antecede o agon 95A respeito dessa terminologia cf Santos (19921993)

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A contenda entre os poetas se baseia em criteacuterios esteacuteticos e morais e estatildeo

atreladas a isso questotildees a respeito da influecircncia dessa arte sobre os cidadatildeos e de quais

conselhos lhes dar Por esse uacuteltimo toacutepico pode-se estabelecer uma conexatildeo entre a primeira

metade da peccedila com a segunda isto eacute a passagem da paraacutebase para o agon o que desfaz a

impressatildeo aparente de que Ratildes eacute uma comeacutedia fragmentada cuja estrutura se apresenta

bipartida

Na paraacutebase96

o coro aconselha o puacuteblico em assuntos poliacuteticos Por esse mesmo

mecanismo Dioniso que se vecirc num impasse para julgar os poetas elege como criteacuterio de

desempate o vencedor do debate que melhor aconselhar a cidade Do ponto de vista do

conteuacutedo o discurso do coro ecoa no agon pelo discurso de Eacutesquilo que vai ser vencedor no

final

Tambeacutem se pode traccedilar uma relaccedilatildeo natildeo tatildeo direta quanto agrave da paraacutebase entre o

proacutelogo e o desfecho do agon No iniacutecio da comeacutedia Dioniso vai agrave procura de Heacuteracles para

saber como chegar ao Hades porque quer trazer de volta o poeta Euriacutepides por quem tem em

alta estima O motivo dessa busca eacute sua insatisfaccedilatildeo com os dramaturgos vivos (vv 70-75)

Entretanto no final do agon apoacutes arguumliccedilatildeo de cada poeta a respeito da salvaccedilatildeo da cidade

Dioniso prefere Eacutesquilo a Euriacutepides Natildeo seria isso a grande ―piada da comeacutedia aquela que o

escravo deseja contar assim que abre o proacutelogo da peccedila

Ξα Εἴπω τι τῶν εἰωθόων ὦ δέσποτα

ἐφrsquo οἷς ἀεὶ γελῶσιν οἱ θεώμενοι (vv 1-2)

Xa Patratildeo posso contar uma piada

Uma daquelas com que sempre os espectadores riem97

Xacircntias pede ao mestre para dizer algo corriqueiro de que riem os espectadores

portanto uma anedota ou piada Considerando que um dos recursos da piada que joga com o

96 A propoacutesito da anaacutelise da paraacutebase em Ratildes cf Duarte (2000 p 203-217) 97 As passagens traduzidas de Ratildes satildeo de Anna Lia de Almeida Prado e Silvia Sueli Milanezi

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92

elemento surpresa eacute a inversatildeo de sentido o encerramento do agon marca uma metabole98

mudanccedila suacutebita e imprevista da situaccedilatildeo Quando se espera que Dioniso vaacute preferir Euriacutepides

a Eacutesquilo somos surpreendidos porque o projeto do deus anunciado no proacutelogo sofre uma

reviravolta nos instantes derradeiros da peccedila Pela ironia cocircmica se eacute que se pode chamar

assim por influecircncia da ironia traacutegica o resultado aponta Eacutesquilo como escolhido O final de

Ratildes eacute tambeacutem o final do agon o que unifica a estrutura da peccedila garantindo sua unidade natildeo

apenas quanto agrave estrutura mas tambeacutem quanto ao conteuacutedo

O agon epirremaacutetico se encontra intercalado por cenas de conteuacutedo agoniacutestico de

um lado o proacutelogo cena de iniacutecio da segunda metade da peccedila que tambeacutem assume a funccedilatildeo

de proagon e de outro as cenas seguintes que satildeo um prolongamento da discussatildeo o que

direciona toda a accedilatildeo para um complexo agoniacutestico em que o agon estaacute inserido

O iniacutecio da contenda ocorre no espaccedilo extracecircnico99

em que a cena da disputa

torna-se conhecida do puacuteblico no diaacutelogo que estabelece o proacutelogo da segunda parte da

comeacutedia entre Eacuteaco e Xacircntias (vv 738-813) Em seguida o coro de iniciados antecipa que

como uma briga de galo a discussatildeo vai ser acirrada

ἔσται δrsquo ὑψιλόφων τε λόγων κορυθαίολα νείκη

[]

φρίξας δrsquo αὐτοκόμου λοφιᾶς λασιαύχενα χαίταν (vv 818 820)

Haveraacute disputas faiscantes de palavras empenachadas []

Arrepiando os seus cabelos uma espessa crina

Nota-se que essa passagem cantada pelo coro exprime a ideacuteia de agon tanto no

sentido beacutelico de combate quanto no sentido retoacuterico de debate ao logos eacute atribuiacutedo o

predicativo ὑψίλοφος que por sua vez se conecta agraves expressotildees αὐτόκομος e λοφία

98 Sobre esse termo cf nota 73 99 A esse propoacutesito cf nota 54

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cabeleira e crina respectivamente Trata-se de termos que designados natildeo soacute ao universo

humano mas tambeacutem ao reino animal pertencem a contextos beacutelicos de tradiccedilatildeo eacutepica100

Logo no iniacutecio do segundo proacutelogo Eacuteaco explica que a disputa eacute decorrecircncia da

rixa entre o talento artiacutestico referente aos termos tekhne (vv 770 780 785 793 811) e

sophos (vv 766 776) de cada poeta Eacute exatamente em relaccedilatildeo agrave teacutecnica e agrave habilidade que

Euriacutepides abrindo o proagon (vv 830-894) afirma sua superioridade (v 831) As

preliminares dos pontos em debate no agon ficam jaacute estabelecidas no conteuacutedo do proagon

em que se coadunam enredo personagens figurino versificaccedilatildeo e sobretudo linguagem101

mostrando o distanciamento que haacute entre o estilo de cada poeta Essa disparidade de estilo

pode ser observada no emprego dos termos rhemata (discurso) e epe (palavra) com relaccedilatildeo ao

logos de cada poeta rhemata refere-se ao discurso de Eacutesquilo (vv 824 828 854 881 924

929 940 1004 1059 1060 1155 1367) enquanto que epe denomina as palavras de

Euriacutepides (vv 882 904 948 956 1181 1198 1388 1395 1407)102

Valendo-se da

plasticidade da liacutengua Aristoacutefanes recheia de provocaccedilotildees e insultos o conteuacutedo do proagon

que se constroacutei num ritmo esticomiacutetico que vai permanecer tambeacutem no agon

Dioniso tenta apaziguar os acircnimos dos litigantes ―porque natildeo conveacutem que poetas

discutam como padeiras (vv 857-858) Em seguida nos stasima apoacutes invocar as musas o

coro anuncia o debate νῦν γὰρ ἀγών σοφίας ὁ μέγας (v 884) Trata-se de um grande

concurso em que a inteligecircncia vai pocircr agrave prova a poneria de cada poeta Primeiramente

presta-se juramento Eacutesquilo nascido em Elecircusis faz voto a Demeacuteter (vv 886-887) enquanto

Euriacutepides adepto da sofiacutestica invoca como divindade tutelar a Liacutengua (v 893) manifestando

100 Iliacuteada XXIII 141 e VI 509 Odisseacuteia XIX 446 Esses termos resultaram mais tarde nos elmos enfeitados

com penachos (Plutarco Alexandre 16) 101 Euriacutepides foi um poeta de vanguarda para seu tempo A ele se deve a introduccedilatildeo no mundo da trageacutedia dos

princiacutepios esteacuteticos e retoacutericos da intelectualidade da eacutepoca em que a sofiacutestica modelo retoacuterico com profundo poder sobre as massas estava em voga ou seja a essecircncia da oratoacuteria sofiacutestica consistia no confronto de

teses portanto na possibilidade de defender com sucesso posiccedilotildees opostas ditas antilogias (v 775) 102 De acordo com Sommerstein (1996 p 228) pode haver inversotildees rhemata em Euriacutepides (v 1199) e epe em

Eacutesquilo (vv 1161 1387)

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claramente seu racionalismo face agrave aceitaccedilatildeo sem questionamento de um legado religioso103

Parece providencial que Aristoacutefanes promova a liacutengua ao Panteatildeo Oliacutempico justamente numa

seccedilatildeo da comeacutedia em que o sucesso de uma discussatildeo depende do espiacuterito criacutetico e da

capacidade de arguumliccedilatildeo

Bem aos moldes dos concursos de retoacuterica o agon epirremaacuterico estaacute equiparado

tanto no conteuacutedo quanto na forma as quais se dispotildee nas seguintes partes

ode (vv 895-904) antode (vv 992-1003)

katakeleusmos (vv 905-906) antikatakeleusmos (vv 1004-1005)

epirrema (vv 907-970) antepirrema (vv 1006-1076)

pnigos (vv 971-991) antipnigos (vv 1077-1098)

As partes corais fixam a vez de cada contendor as seccedilotildees epirremaacuteticas satildeo

simeacutetricas estabelecendo o jogo argumentocontra-argumento os tetracircmetros iacircmbicos

traduzem a irreverecircncia de Euriacutepides enquanto os tetracircmetros anapeacutesticos cujo tom mais

grave e solene satildeo reservados a Eacutesquilo E cabe a Dioniso a funccedilatildeo de aacuterbitro (vv 810-811)

Na ode o coro anuncia que a disputa vai mostrar dois tipos de dicccedilatildeo uma

espirituosa e refinada (ἀστεῖος κατερρινημένος respectivamente) a outra avassaladora

que com palavras rompe (συσκεδάννυμι) galhos e aacutervores Apoacutes o katakeleusmos

Euriacutepides se antecipa expondo no epirrema em tom de proacutetase sua dupla investida

Inicialmente a ofensiva eacute dirigida agraves personagens mudas e depois agrave linguagem indecifraacutevel

de seu adversaacuterio (vv 909-935)

O ataque agrave mudez de Eacutesquilo no proagon eacute retomado mas dessa vez referido natildeo

a seu criador mas agraves suas criaturas104

que apoacutes longa expectativa do puacuteblico rompem o

silecircncio com neologismos empolados e enigmaacuteticos toacutepicos que na sequumlecircncia das investidas

satildeo responsaacuteveis pela obesidade linguumliacutestica com que Eacutesquilo deixou a trageacutedia Assim

Euriacutepides herdeiro desse legado (v 931) vecirc o gecircnero traacutegico como um enfermo que padece

103 Lembrando que essa contestaccedilatildeo tambeacutem estaacute presente em Nuvens (vv 247 264 365 424 627 815) em que

se colocam os deuses como ―moeda fora de circulaccedilatildeo 104 A propoacutesito do silecircncio dramaacutetico na obra esquiliana cf Taplin (1978 p 101-121)

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de adiposidade Eacute justamente desse excesso que Euriacutepides quer curar a trageacutedia buscando

nos livros105

(vv 940-944) uma nova esteacutetica com a finalidade de ensinar o puacuteblico a falar (v

954) e atualizar a accedilatildeo dramaacutetica com assuntos familiares (vv 959-960)

Ao criticar a construccedilatildeo das personagens esquilianas Euriacutepides alega que as suas

tecircm participaccedilatildeo na accedilatildeo e voz ativa dotada de uma retoacuterica sofiacutestica de base nitidamente

agoniacutestica (SILVA 1987 p 203) Percebe-se que Euriacutepides inserindo na tekhne dramaacutetica

raciociacutenio e indagaccedilatildeo transfere para seus enredos o espiacuterito agoniacutestico que eacute o que na

opiniatildeo dele falta em Eacutesquilo acusado da formaccedilatildeo apaacutetica de seus disciacutepulos (vv 965-967)

Assim no pnigos Euriacutepides termina sua siacutentese dizendo que com a mais fiel convicccedilatildeo

sofiacutestica seus disciacutepulos foram instruiacutedos para pensar e ter ideacuteias (vv 971-978)

Na antode o coro abre o contra-ataque de Eacutesquilo aconselhando-o agrave prudecircncia

Nessa seccedilatildeo coral Aristoacutefanes tem o cuidado de conforme anaacutelise de Silva (1987 p 209)

pocircr em relevo imagens que representam o estilo esquiliano inspirado na poesia liacuterica de

descrever emoccedilotildees Em seguida a preferecircncia do coro por Eacutesquilo eacute evidente e no

katakeleusmos o corifeu o encoraja saudando-o como o primeiro arquiteto de falas ―solenes e

altaneiras como torres a impor ordem agrave tagarelice traacutegica (vv 1004-1005)

Na sua vez Eacutesquilo natildeo pronuncia logo no iniacutecio do antepirrema uma proacutetase

como fez Euriacutepides Mas comeccedila deixando clara sua aversatildeo ao rival (vv 1006-1007) E

depois passa diretamente agrave tese de que a funccedilatildeo do poeta eacute tornar os homens melhores

Assim a estrateacutegia de ataque eacute comeccedilar pelas questotildees fundamentais dirigindo-se a Dioniso a

respeito da importacircncia do poeta para a sociedade (vv 1008-1012) Mas a reacuteplica vem de

Euriacutepides que explicita duas importacircncias primeiro a habilidade poeacutetica e depois a

orientaccedilatildeo moral dos cidadatildeos (v 1010) exatamente no que falhou segundo Eacutesquilo seu

105 A respeito de Euriacutepides ter sido um biblioacutefilo cf Silva (1987 p 200)

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adversaacuterio que herdou personagens nobres (γενναῖος) elevados (τετράπηχυς)106

e natildeo

desertores (διαδρασιπολῖται vv 1013-1014) Moralmente Eacutesquilo industriou suas peccedilas

quanto agrave accedilatildeo com temas beacutelicos ensinando ao cidadatildeo como ser um guerreiro com sede de

vitoacuteria e jamais ceder agrave derrota (vv 1021-1027) porque sua arte tem como fonte Homero

cuja fama deu uacutetil ensinamento aos gregos (v 1035) As personagens esquilianas satildeo dignas

porque Eacutesquilo natildeo compocircs enredos indecentes (vv 1043-1051) ao passo que as personagens

euripidianas estatildeo envolvidas por temas eroacuteticos e incestuosos (vv 1079-1082) assuntos que

natildeo conveacutem ao poeta (vv 1043-1052) cuja funccedilatildeo na sociedade eacute instruir a juventude (vv

1054-1055) dizendo o que eacute uacutetil atraveacutes de proveacuterbios e reflexotildees com verossimilhanccedila que

exige que o discurso seja elevado e que as personagens tenham um figurino imponente (vv

1059-1061) e natildeo reis transformados em mendigos (vv 1062-1068) A liccedilatildeo de Euriacutepides

ataca Eacutesquilo ensina a falaccedilatildeo e esvazia as palestras (vv 1069-1070) No antipnigos Eacutesquilo

arremata seu discurso acusando de maleacutefica a arte euripidiana que deixou o povo agrave mercecirc de

escrivinhadores bufotildees e enganadores (vv 1083-1086) As seccedilotildees epirremaacuteticas se

contrapotildeem portanto dois discursos que comprovam exatamente o contraacuterio as objeccedilotildees

estatildeo ligadas ao argumento anterior que na anaacutelise de Gelzer (1960 p 96) trata-se de um

procedimento silogiacutestico em que satildeo empregados os mesmos fatos para diferentes

argumentaccedilotildees

Uma vez que cada um expocircs sua arguumliccedilatildeo cabe entatildeo a Dioniso dar a sentenccedila

mas seu comentaacuterio eacute de pura bufonaria (vv 1090-1098) Ao longo do debate eacute bem marcada

pelos apartes de Dioniso a funccedilatildeo bomolochos do deus Ao contraacuterio do agon de Cavaleiros

em que Agoraacutecrito e Paflagocircnio procuram conquistar Demo por meio do suborno oferecendo-

lhe almofada calccedilados e manto no agon de Ratildes Eacutesquilo e Euriacutepides buscam cair nas graccedilas

de Dioniso por meio de um questionamento sobre a arte que eacute exatamente o que o deus

106 Refere-se a medida de quatro cocircvados aproximadamente 2 m de altura Nesse contexto pode-se entender

que se trata de homens altos grandes que satildeo tambeacutem grandes homens

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representa a arte dramaacutetica Talvez isso explique o porquecirc das tiradas jocosas durante o

debate e da hesitaccedilatildeo de opiniatildeo para dar a sentenccedila

O agon se encerra com reticecircncias o que desencadeia uma seacuterie de cenas

iacircmbicas que no esquema proposto por Moumlllendorff (2002 p 156) estaacute classificada como

Agonale Szenen (cenas de agon) portanto como em Cavaleiros trata-se de uma continuaccedilatildeo

da discussatildeo natildeo mais na forma da siziacutegia epirremaacutetica O coro numa segunda ode deixa

clara a dificuldade de escolha e num segundo katakeleusmos aconselha os poetas a falarem

com sutileza (vv 1109-1111) e refinamentos linguumliacutesticos Para isso que cada um se valha de

seus livros (vv 1112-1114) afinal eles estatildeo diante de um puacuteblico seleto portanto que falem

o que eacute uacutetil e saacutebio porque saacutebio tambeacutem eacute o espectador (vv 1099-1119)

O ponto de discussatildeo volta-se para as comparaccedilotildees estiliacutesticas que explorando os

aspectos da teacutecnica dramaacutetica se equiparam ao jogo de perguntas e respostas como o ocorrido

nos antepirremas (GELZER 1960 p 162) Primeiramente os proacutelogos107

convenientes de

Eacutesquilo estatildeo na mira da criacutetica euripidiana (vv 1119-1176) que conduz de maneira

contextualizante seu ataque Eacutesquilo por sua vez contra-ataca no mesmo tom concluindo

com a expressatildeo ―perdeu o jarrinho (ληκύθιον ἀπώλεσεν) o final de cada verso

euripidiano para demonstrar sua inconsistecircncia (vv 1177-1247)

Essa passagem rendeu muita controveacutersia entre os helenistas108

no que se refere agrave

interpretaccedilatildeo e emprego da expressatildeo criada por Aristoacutefanes Nesta anaacutelise natildeo vamos entrar

em questotildees dissidentes Abre-se aqui um parecircnteses para um breve comentaacuterio da funccedilatildeo que

a expressatildeo ληκύθιον ἀπώλεσεν assume sob a perspectiva do agon no jogo esticomiacutetico

E tambeacutem da funccedilatildeo do papel de Dioniso na contenda

Tecnicamente a esticomitia eacute uma troca verbal raacutepida que pressupotildee um choque

entre contextos (PAVIS 2001 p 147) Nessa cena dos proacutelogos o choque entre contextos

107 Para um exame dos proacutelogos em Eacutesquilo e em Euriacutepides cf Silva (1987 p 229-250) 108 Muller (2004 p 42) lista uma dezena de estudos a respeito do assunto

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ocorre exatamente na contextualizaccedilatildeo entre a estrutura discursiva dos litigantes Para cada

excerto de versos euripidianos recitados Eacutesquilo encaixa109

sempre no final a mesma

expressatildeo ou seja a estrutura discursiva esquiliana propicia um confronto entre contextos se

contextualizando na estrutura discursiva do oponente110

O que tambeacutem chama a atenccedilatildeo nesse jogo do toma laacute daacute caacute eacute a interferecircncia de

uma terceira personagem que ao mesmo tempo assume a funccedilatildeo de aacuterbitro e participante

com seus apartes ao contraacuterio de romper a contextualizaccedilatildeo e consequumlentemente o ritmo

contribui para a dinacircmica da accedilatildeo (vv 1210 1214 1224 1235 ss) Dioniso se inquieta ao

perceber a eficiecircncia da estrateacutegia de Eacutesquilo e entatildeo inserindo apartes na troca verbal entre

os contendores aconselha e encoraja Euriacutepides

Das cenas subsequumlentes ao agon epirremaacutetico essa cena cujo assunto eacute a

composiccedilatildeo dos proacutelogos se sobressai no que concerne agrave criacutetica literaacuteria porque pelo vieacutes da

paroacutedia Aristoacutefanes confronta empregando versos traacutegicos em situaccedilotildees cocircmicas os

registros de linguagem e as noccedilotildees de trageacutedia e comeacutedia

O stasimon que intercala os aconselhamentos preliminares de Dioniso a

Euriacutepides vincula-se diretamente agrave discussatildeo precedente e conduz agrave seguinte (vv 1251-1260)

Passe-se entatildeo para questotildees sobre meacutetrica e melodia111

(vv 1248-1250) Chama a atenccedilatildeo

nesse momento o fato de Aristoacutefanes produzir falas cantadas dos dois poetas que fazem

paroacutedia dos versos do oponente112

Euriacutepides se propotildee a resumir todos os cantos de Eacutesquilo

num soacute (vv 1261-1295) natildeo fossem as interrupccedilotildees de Dioniso com suas glosas Na sua vez

Eacutesquilo faz sem entretanto se aproximar da proacutetase de Euriacutepides uma introduccedilatildeo em que a

109 Nessa cena haacute um total de sete assaltos que compreendem as seguintes passagens primeiro (vv 1206-1209)

segundo (vv 1210-1214) terceiro (vv 1215-1224) quarto e quinto (vv 1225-1236) sexto (vv 1237-1242) seacutetimo (vv 1243-1247) Para anaacutelise de cada um desses assaltos cf Muumlller (2004 p 45-51)

110 Na interpretaccedilatildeo de Muumlller (2004 p 44) essa cena ocorre em dois niacuteveis de um lado a coerecircncia semacircntica

entre a sequumlecircncia ληκύθιον ἀπώλεσεν e os proacutelogos recitados por Euriacutepides de outro entre o jogo que se

opera entre essa eventual coerecircncia que segundo esse autor pode ser tambeacutem interpretada como desarmocircnica e a accedilatildeo cocircmica que a expressatildeo suscita Muumlller (2004 p 53) conclui que assistimos a mise en

scegravene de significados traacutegicos como significantes cocircmicos 111 Sobre os cantos liacutericos esquilianos e euripidiansos cf Silva (1987 p 250-290) 112 Para uma anaacutelise precisa dessa paroacutedia cf Silva (1987 p 283-290)

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melodia e os metros euripidianos satildeo atacados por terem fonte estrangeira (vv 1300-1304) e

serem tiacutepicos das prostitutas (vv 1308-1327) Apoacutes uma longa saacutetira agraves monodias de

Euriacutepides (vv 1330 ss) Dioniso daacute um basta na cantoria Mas eacute Eacutesquilo quem propotildee a cena

da pesagem (vv 1364-1369) que eacute seguida de um curto stasimon (vv 1370-1377)

proporcionando um encadeamento da discussatildeo na cena seguinte a da balanccedila113

A proposta de Eacutesquilo confirma assim o que Eacuteaco em conversa com Xacircntias

anunciou no segundo proacutelogo

Οι κἀνταῦθα δὴ τὰ δεινὰ κινηθήσεται

καὶ γὰρ ταλάντῳ μουσικὴ σταθμήσεται ndash

Ξα τί δέ μειαγωγήσουσι τὴν τραγῳδίαν

Οι ndash καὶ κανόνας ἐξοίσουσι καὶ πήχεις ἐπῶν

καὶ πλαίσια ξύμπτυκτα ndash (νν 796-802)

Ea A briga terriacutevel vai ser aqui mesmo

A arte das musas seraacute pesada na balanccedila

Xaacute O quecirc Vatildeo pesar a trageacutedia

Ea E vatildeo trazer reacuteguas cocircvados de palavras e formas quadrilaacuteteras

Na opiniatildeo de Silva (1987 p 290) a cena da balanccedila eacute uma cena caracterizada

mais pelo conteuacutedo cocircmico do que pelo conteuacutedo criacutetico E de fato salta aos olhos a maneira

como Aristoacutefanes a serviccedilo do riso joga com os signos verbal e natildeo verbal do espetaacuteculo a

palavra e os objetos cecircnicos respectivamente Os versos de cada poeta vatildeo agrave pesagem num

jogo metafoacuterico e tambeacutem siacutegnico que pressupotildee a palavra tanto como arma quanto objeto

artesanal da liacutengua afirma Muumlller (2004 p 31)

A cena da balanccedila encerra um conjunto de cenas concebidas a partir da

materializaccedilatildeo de imagens que preenchem funccedilotildees diversas desde uma simples palavra ateacute

graccedilas ao talento da verve cocircmica que explora a plasticidade da liacutengua silogismos e palavras

edificantes Thiercy (2007 p 103) aborda a materializaccedilatildeo das imagens segundo o estudo de

Taillardat (1965) que demonstrou que certas cenas satildeo metaacuteforas concretizadas (meacutetaphore

113 Essa cena eacute certamente de inspiraccedilatildeo eacutepica (Iliacuteada XXII 209-213) episoacutedios em que Zeus pesa a sorte de

Aquiles e de Heitor

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reacutealiseacutee) aliaacutes designaccedilatildeo que jaacute apareceu em Whitman (1964) com o nome de realizable

metaphore Entretanto tudo indica que natildeo se trata apenas de uma teacutecnica que se limita agrave

simples metaacutefora diz Thiercy (2007) pois se encontram tambeacutem metoniacutemias locuccedilotildees

figuradas e ateacute paronomaacutesias Diante dessa diversidade de funccedilotildees que as imagens assumem

na comeacutedia Thiercy (2007 p 104) as denomina de acordo com uma concepccedilatildeo mais ampla

images dramatiseacutees

Ao todo satildeo trecircs pesagens114

em que Eacutesquilo leva a melhor Na primeira

Euriacutepides recita o primeiro verso de Medeia que sendo um verso alado na opiniatildeo de

Dioniso (v 1388) eacute vencido nos pratos pelo verso fluvial retirado de Filoctetes de Eacutesquilo

Na segunda pesagem Eacutesquilo recita um verso de Niacuteobe que carrega em si a Morte o mais

pesado dos Males contra a Persuasatildeo verso de Antiacutegona de Euriacutepides Por fim Euriacutepides

solta um verso de Meleagro onde sobressai o peso do ferro mas nada que supere o verso

esquiliano que descreve imagens da guerra na trageacutedia Glauco Potnieu

A balanccedila pende para os versos vigorosos de Eacutesquilo contra os versos

persuasivos e sutis como asas de Euriacutepides (vv 1380-1405) A situaccedilatildeo de Dioniso se

complica a cada contenda porque eacute grande a hesitaccedilatildeo de escolha (vv 1413-1434) Em ambas

as passagens haacute uma ambiguumlidade no modo como Dioniso se refere ao considerar um dos

poetas saacutebio e o outro de seu agrado ou ainda um fala com habilidade e o outro com

clareza115

Entatildeo um uacuteltimo teste eacute proposto aos litigantes O deus propotildee aos candidatos dois

quesitos um eacute bem direto e refere-se a Alcibiacuteades (vv 1422-1423) e as respostas satildeo

extremamente engenhosas de ambas as partes a decisatildeo torna-se ainda mais difiacutecil o outro

quesito que seraacute o desempate eacute mais geral e refere-se agrave seguranccedila da cidade As respostas

tanto no primeiro quesito quanto no segundo satildeo formuladas em termos antiteacuteticos de acordo

114 Na indicaccedilatildeo de Silva (1987 p 291-292) os versos referem-se aos seguintes fragmentos Filocteacutetes (fr 404

M) Niacuteobe (fr 279 cM) Antiacutegona (fr 170 N2) Meleagro (fr 531 N2) Glauco Potnieu (fr 446M) 115 Para Stanford (apud SILVA 1987 p 295) trata-se de um recurso de Aristoacutefanes para manter em suspense

por mais tempo o vencedor Entendemos portanto que esse recurso eacute um modo de estender o desfecho do

agon ateacute os versos finais da comeacutedia

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101

com o estilo gnocircmico Enquanto Euriacutepides daacute como soluccedilatildeo a alternacircncia de poliacuteticos no

poder (vv 1446-1450) Eacutesquilo defende ideacuteias poliacuteticas da eacutepoca de Peacutericles que murando a

cidade ateacute o Pireu garantiria sua seguranccedila (vv 1458-1465)

Plutatildeo exige de Dioniso uma decisatildeo e nesse momento ocorre uma reviravolta da

accedilatildeo Quando tudo leva a crer que Dioniso vai escolher Euriacutepides porque no comeccedilo da peccedila

o deus confessou seu afeto por ele e nesse final de agon anuncia que vai seguir seu coraccedilatildeo

(psyhke v 1469) parece claro quem seraacute eleito o vencedor Mas Dioniso escolhe Eacutesquilo

Consequumlentemente o perdedor sentindo-se traiacutedo reprova-lhe a decisatildeo O coro fecha o

debate saudando primeiramente a inteligecircncia em benefiacutecio dos cidadatildeos (vv 1483-1490) e

depois critica o haacutebito socraacutetico que ignora a grandeza da trageacutedia em favor da tagarelice (vv

1491-1499)

O impasse que se prolonga ateacute o resultado final mostra que ambos os poetas satildeo

mestres em poneria No iniacutecio do agon os poetas satildeo apresentados como ―artiacutefices o que daacute

a entender que nas arguumliccedilotildees o que estaacute valendo mais natildeo eacute o que dizem mas como o dizem

Conforme o debate ganha focirclego Dioniso e o coro classificam a competiccedilatildeo como uma

disputa entre formas concorrentes de virtuosidade (sophia sophismata vv 872 882 896

1104 1108 1519) e de destreza verbal (ta dexia vv 1009 1114 1370) o que dificulta a

arbitragem de Dioniso cuja funccedilatildeo bomolochos rebaixa seu status divino para elevaacute-lo em

comicidade Segundo Gelzer (1960 p 125) as glosas de Dioniso natildeo satildeo gratuitas apesar de

ele ter a funccedilatildeo de bomolochos porque elas expressam um significado no contexto como juiz

da contenda Trata-se de um co-orador que de maneira bufa comenta os diaacutelogos entre as

partes ativas e adversaacuterias

A temaacutetica do agon de Ratildes eacute a criacutetica ao drama mas se deve reconhecer tambeacutem

que o ofiacutecio do poeta que eacute a educaccedilatildeo116

surge como um componente importante A

116 A esse respeito vide artigo de Bouvier (2004 p 9-25) em que se discute a vocaccedilatildeo moral e pedagoacutegica da

comeacutedia

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102

proposta de Aristaacutefanes eacute ao que parece uma proposta que discute a arte da instruccedilatildeo ciacutevica

tema em comum com a paraacutebase da peccedila ligando as seccedilotildees da comeacutedia e dando-lhe uma

unidade O denominador comum entre o discurso parabaacutetico e o agoniacutestico eacute o puacuteblico que eacute

no agon interpelado em vaacuterios momentos (vv 959 960 965 967 972 1110 1475) afinal os

espectadores satildeo os ―disciacutepulos de ambos os dramaturgos (v 964) Assim podemos concluir

que esse agon eacute de natureza parabaacutetica E eacute para o espectador que Eacutesquilo e Euriacutepides devem

se dirigir a respeito da questatildeo a partir da qual os dois estatildeo sendo julgados o que podem

fazer em favor da cidade atraveacutes de uma orientaccedilatildeo moral e poliacutetica E embora as respostas

sejam completamente diferentes no emprego dos verbos didasko e ekdidasko (vv 1019 1026

1035 1054 1055 1069 1057) natildeo haacute como negar a funccedilatildeo didaacutetica desses poetas e a

poneria de cada um que em evidecircncia constante perpassa toda a segunda metade da comeacutedia

que se constroacutei por uma sucessatildeo de contendas que discutem o valor artiacutestico e moral da

Trageacutedia (THIERCY 2007 p 177)

Para Gelzer (1960 p 51) na segunda parte estaacute presente todas as seccedilotildees da

diallage antes mesmo de Eacutesquilo e Euriacutepides estarem em cena jaacute eacute desencadeada a disputa

cujo objeto eacute o assento da trageacutedia no banquete de Hades Natildeo haacute juiz mais indicado do que

Dioniso o patrono do Teatro para ser o aacuterbitro que potildee fim agraves provocaccedilotildees para estabelecer

os acordos aos quais ambos os poetas se declaram favoraacuteveis do debate Entatildeo haacute a

preparaccedilatildeo para a negociaccedilatildeo que segundo Gelzer se desenvolve no agon epirremaacutetico em

que os poetas apresentam provas de suas fundamentaccedilotildees e no final Dioniso pressionado por

Plutatildeo sentencia o vencedor Tomando por base a diallage desenvolvida por Gelzer (1960 p

164) pode-se dizer portanto que toda a segunda metade de Ratildes compreende um complexo

agoniacutestico

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

103

Alle drei Szenen nach dem epirrhematischen Agon der Froumlsche bilden zusammen

einen fortlaufender Anhang der den gleichen Kampf mit anderen Mitteln

weiterfuumlhrt

Juntas as trecircs cenas depois do agon epirremaacutetico de Ratildes formam um apecircndice

contiacutenuo que com outros meios daacute prosseguimento agrave mesma disputa117

Amplificando essa reflexatildeo de Gelzer para as anaacutelises anteriores em Cavaleiros

Nuvens e Vespas apoacutes o agon epirremaacutetico principal uma vez que essas comeacutedias possuem

dois agones haacute um conjunto de cenas que prosseguem com o debate natildeo do ponto de vista da

forma respeitando a siziacutegia epirremaacutetica mas do conteuacutedo que estaacute em consonacircncia com a

proposiccedilatildeo de cada comeacutedia

Em Cavaleiros apoacutes o agon II ocorrem as cenas dos oraacuteculos (vv 997-1110) e a

do banquete com Demo (vv 1151-1262) Nas Nuvens apoacutes o agon I entre os Raciociacutenios

ocorrem a cena com os credores (vv 1222-1300) o segundo agon entre pai e filho (vv 1345-

1451) e a cena do acerto de contas com Soacutecrates (vv 1452-1510) Em Vespas depois do agon

II haacute a cena do julgamento dos catildees da casa (vv 891-1008) e as cenas de reeducaccedilatildeo do

modus vivendi de Filocleatildeo (vv 1292-1449 1474-1537) Trata-se portanto de comeacutedias que

tecircm em comum apesar de algumas particularidades singulares a extensatildeo da discussatildeo que

antecipada desde o paacuterodo perpassa toda a accedilatildeo dramaacutetica ateacute o ecircxodo Isso nos autoriza a

classificar quanto agrave forma os agones dessas comeacutedias de agones modelares e quanto ao

conteuacutedo de agones inseridos num complexo agoniacutestico

Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes satildeo exemplos da habilidade do poeta no que

concerne agrave apropriaccedilatildeo da estrutura do agon epirremaacutetico cuja forma eacute modelada em funccedilatildeo

do conteuacutedo das cenas e consequumlentemente das seccedilotildees que compotildeem as peccedilas Essa

competecircncia poeacutetica que insere o agon epirremaacutetico num complexo agoniacutestico eacute ainda mais

instigante em Acarnenses comeacutedia em que apesar de seacuterias restriccedilotildees a propoacutesito da presenccedila

117 Traduccedilatildeo do alematildeo para o portuguecircs de Joseacute Pedro Antunes

Cap II mdash Agones modelares Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes (agon(es) inserido(s)

num complexo agoniacutestico)

104

de agon epirremaacutetico tambeacutem apresenta nas suas seccedilotildees um prolongamento da accedilatildeo em

contiacutenuo conflito assunto de que trataremos a seguir

CAPIacuteTULO III

A PRESENCcedilA DE AGON EM ACARNENSES

TESMOFORIANTES E PAZ

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 106

1 Acarnenses118

desafi(n)ando o coro (agon contaminatus e complexo agoniacutestico)

A presenccedila ou ausecircncia de agon em Acarnenses eacute uma das dissidecircncias entre os

helenistas no que se refere agrave estrutura formal da peccedila Haacute poreacutem um consenso de que o

proacutelogo termina no v 203 As variaccedilotildees apresentam-se portanto a partir da delimitaccedilatildeo das

cenas que vatildeo do paacuterodo ateacute a paraacutebase

Navarre (1911 p 275) natildeo determina o agon em Acarnenses apenas propotildee apoacutes

o proacutelogo uma segunda parte bastante abrangente do paacuterodo ateacute a paraacutebase (vv 204-625) Jaacute

Couat (1895 p 363-364) interpreta esse paacuterodo como uma cena de confronto fiacutesico entre o

coro e Diceoacutepolis (vv 204-346) mas natildeo estabelece paracircmetros para um agon Contudo

Mazon (190 p 25-26) divide as cenas intermediaacuterias entre o paacuterodo e a paraacutebase uma cena

de confronto fiacutesico ndash scegravene de bataille ndash (vv 280-357) que pertenceria agrave segunda metade do

paacuterodo seguida de uma cena de debate ndash scegravene de deacutebat Jaacute Pickard-Cambridge (1966 p

213) e Moumlllendorff (2002 p 64) estabelecem duas cenas entre o paacuterodo e a paraacutebase a

primeira cena (vv 358-489) que eacute preparatoacuteria Pickard-Cambridge denomina proagon

enquanto Moumlllendorff chama Retardation no caso da segunda cena (vv 490-625) para

Pickard-Cambridge trata-se de um quasi-agon e na classificaccedilatildeo de Moumlllendorff Agonale

Szene (cena agoniacutestica) Para Gelzer (1960 p 166-169) Acarnenses natildeo tecircm um agon

epirremaacutetico inteiro (stuumlcke ohne ganze epirrhematische agone) uma vez que a cena que

corresponde agrave seccedilatildeo agon eacute desmembrada para outras seccedilotildees da estrutura do texto

comeccedilando pelo paacuterodo

Em seu artigo sobre os paacuterodos na comeacutedia Zimmermann (1984 p 17-18) diz

que em Acarnenses a disposiccedilatildeo da composiccedilatildeo epirremaacutetica estaacute a serviccedilo do conteuacutedo

118 O enredo de Acarnenses (425 aC) se passa em plena Guerra do Peloponeso e conta as peripeacutecias de

Diceoacutepolis homem do campo que solitaacuterio e resoluto vai defender a paz se natildeo para todos ao menos para si

proacuteprio na assembleacuteia do povo Para tanto o aldeatildeo enfrenta seus compatriotas os acarnenses que satildeo o coro

da comeacutedia

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 107

isto eacute o conteuacutedo determinando a forma E de fato o conteuacutedo do paacuterodo em Acarnenses eacute

de fundo agoniacutestico a accedilatildeo do coro desde sua entrada eacute hostil e dirigida para uma contenda

Primeiramente o coro invade a orquestra agrave procura de Anfiteo (vv 204-236) depois sua

agressividade se volta para Diceoacutepolis e a cena eacute desenhada numa luta (vv 237 ss)

desencadeada no momento em que Diceoacutepolis interrompe a evoluccedilatildeo do coro com uma

procissatildeo (vv 242-279) A partir daiacute a trama caminha para uma cena de batalha (vv 280-357)

cuja estrutura eacute muito similar agraves partes do agon

katakeleusmos (vv 280-283) sphragis (vv 347-357)119

ode (vv 284-301) antode (vv 335-346)

epirrema (vv 302-318) antepirrema (vv 319-334)

A questatildeo eacute identificar se no esquema acima o paacuterodo jaacute chegou a seu termo para

dar lugar agrave seccedilatildeo seguinte que eacute o agon ou se a accedilatildeo que se configura numa cena pelejadora

na forma e no conteuacutedo pertence agrave segunda parte do paacuterodo o que o torna um paacuterodo de

natureza agoniacutestica

No exame de Gelzer (1960 p 157) o intervalo que compreende os vv 280-346

possui algumas semelhanccedilas com os agones epirremaacuteticos depois do paacuterodo Duas partes que

se correspondem em versos cantados (vv 284-302 = 335-346) poderiam ser interpretadas

como odes enquanto o intervalo dos vv 303-334 poderia ser entendido como epirremas

O katakeleusmos que estaacute composto por versos trocaicos e peatilde eacute uma chamada

para um confronto fiacutesico em que o furor do coro eacute expresso pela accedilatildeo de atirar pedras e o alvo

eacute Diceoacutepolis que na visatildeo do coro acarniano eacute um traidor A partir da ode a defesa de

Diceoacutepolis eacute declamada em versos trocaicos enquanto que o ataque do coro eacute cantado em

anapestos e peatilde120

Ateacute aqui tudo indica que se trata de uma cena preparatoacuteria para o agon As

partes epirremaacuteticas divididas entre o discurso do heroacutei e o pronunciamento do coro se

119 Seguimos o esquema proposto por Pickard-Cambridge (1966 p 213) 120 De acordo com Zielinski (1885 apud MAZON 1904 p 19) eacute preciso escandir os anapestos como peatilde

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 108

configuram numa cena de ameaccedilas protestos injuacuterias e sobretudo um jogo de persuasatildeo em

que as suacuteplicas de Diceoacutepolis que deseja ser ouvido voltam-se ao coro

Χο σοῦ γrsquoἀκούσωμεν ἀπολεῖ κατά σε χώσομεν τοῦς λίθους

Δι Μηδαμῶς πρὶν ἄν γrsquoἀκούσητrsquo ἀλλrsquoἀνάσχεσθrsquo ὦγαθί (vv 295-296)

Co Vocecirc Ouvirmos Vocecirc estaacute ferrado Vamos cobrir vocecirc com pedras

Dic Natildeo vatildeo natildeo Antes vocecircs devem me ouvir Vamos gente boa parem

Na anaacutelise de Pickard-Cambridge (1966 p 205) haacute nessa segunda metade do

paacuterodo um modelo simeacutetrico da siziacutegia epirremaacutetica que se constroacutei na forma abblsquoalsquo A

hipoacutetese que se levanta nesta anaacutelise eacute de ter ocorrido uma contaminatio121

entre as partes do

texto Essa hipoacutetese se baseia na pesquisa de Zielinski (1885 apud MAZON 1904) que

demonstrou que paacuterodo agon e paraacutebase seguem modelos riacutetmicos com meacutetrica especiacutefica em

comum Assim a segunda parte do paacuterodo que eacute uma contenda teria sofrido uma

combinaccedilatildeo com a seccedilatildeo seguinte onde se esperaria o agon que no caso de Acarnenses vem

precedido por uma cena de proagon Estruturalmente essa parte do paacuterodo se compotildee com as

formas de um agon epirremaacutetico no entanto quanto ao fundo natildeo se trata de um debate mas

de um combate em que o coro armado de pedras estaacute propenso mais agrave luta do que agrave

discussatildeo (vv 280 285 319) Diante dessa situaccedilatildeo de aporia Diceoacutepolis consegue atraveacutes

de um meio coercivo um acordo com o coro A estrateacutegia do heroacutei na antode cuja estrutura eacute

a mesma da ode eacute transformar um cesto de carvatildeo tatildeo caro ao coro em refeacutem

Δι βάλλετrsquo εἰ βούλεσθrsquo ἐγὼ γὰρ τουτονὶ διαφθερῶ

εἴσομαι δrsquoὑμῶν τάχrsquoὅστις ἀνθτράκων τι κήδεται (vv 331-332)

Dic Atirem se quiserem Eu vou dar fim nisso aqui E entatildeo vou saber rapidamente qual de vocecircs tem algum afeto pelos carvotildees122

121 Por definiccedilatildeo esse termo se refere agrave combinaccedilatildeo na comeacutedia latina de dois enredos tomados a comeacutedias

gregas Neste trabalho entende-se contaminatio tambeacutem pelo sentido de combinaccedilatildeo cujo resultado eacute uma

mistura fusatildeo um amaacutelgama entre as seccedilotildees na estrutura da comeacutedia 122 Cf tambeacutem vv 326 335 em que Diceoacutepolis ameaccedila de morte seu refeacutem o saco de carvatildeo

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 109

Nesse momento de tensatildeo Aristoacutefanes se serve de um eficiente expediente a

paratrageacutedia123

cuja cena eacute um empreacutestimo da trageacutedia perdida Teacutelefo124

de Euriacutepides

Diceoacutepolis se coloca na condiccedilatildeo de reacuteu sob pena de morte e tambeacutem estabelece condiccedilotildees

adicionais como o desarmamento do coro (vv 341-342)

Demovida a hostilidade do coro que passa entatildeo a dar ouvidos a Diceoacutepolis a

cena se compotildee do seguinte esquema ode (vv 358-363) katakeleusmos (vv 364-365) cena

iacircmbica ndash discurso de Diceoacutepolis em triacutemetros iacircmbicos ndash (vv 366-384) antode (vv 385-

390) antikatakeleusmos (vv 391-392) Diceoacutepolis empolga-se com um longo discurso a

ponto de o coro no antikatakeleusmos cortar-lhe a palavra ὡς σκψιν ἁγὼν οὗτος οὐχὶ

δέξεται ―jaacute que este debate natildeo pode admitir rodeio Mas antes de o debate comeccedilar

ocorre a cena do disfarce ndash diaacutelogo em triacutemetros iacircmbicos ndash (vv 393-489) entre Diceoacutepolis e

Euriacutepides que lhe cede todo o figurino de Teacutelefo A mudanccedila de traje de Diceoacutepolis para

Teacutelefo acontece agrave vista do puacuteblico efeito cocircmico em que Aristoacutefanes recria agrave luz da mise en

scegravene da comeacutedia o heroacutei traacutegico Uma vez encarnado o heroacutei tragicocircmico Diceoacutepolis-Teacutelefo

numa espeacutecie de auto-encorajamento revela-se pronto para o debate

Gelzer (1960 p 166-167) que eacute mais riacutegido em relaccedilatildeo agraves anaacutelises das partes

fixas da comeacutedia entende que natildeo haacute nesse momento um agon epirremaacutetico inteiro apesar de

certas semelhanccedilas na forma embora a accedilatildeo ofereccedila algumas analogias com as quatro partes

da diallage disputa acordo negociaccedilatildeo e sentenccedila

123 Deve-se tomar cuidado para o emprego indiscriminado dos termos paratrageacutedia e paroacutedia porque esta

pressupotildee uma distorccedilatildeo do texto original para o texto de chegada enquanto que aquela natildeo Segundo Silk

(1993 p 494) essa passagem em Acarnenses eacute bem conhecida e agraves vezes referida como paroacutedia de Teacutelefo

de Euriacutepides embora na opiniatildeo dele natildeo se trata disso Silk eacute bem claro em seu ponto de vista ―[hellip] the

connection whith Telephus is not in doubt but if parody involves subversion of the tragic original this is not

parody 124 Trata-se da cena em que o heroacutei traacutegico Teacutelefo para se fazer ouvir pelo tribunal grego a quem vem pedir a

cura de seu ferimento causado por Aquiles toma Orestes ainda crianccedila como refeacutem desencadeando a fuacuteria

de Agamenatildeo e dos aqueus Satildeo treze anos de distanciamento de Teacutelefo (438 aC) para Acarnenses (421

aC)

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 110

A disputa jaacute se apresenta logo no paacuterodo entre o heroacutei cocircmico e seu primeiro

adversaacuterio o coro de carvoeiros A cena do agon pertence ao momento da negociaccedilatildeo que

ocorre em duas instacircncias com conteuacutedos diferentes No primeiro no iniacutecio do agon

Diceoacutepolis125

dirige-se aos espectadores o que confere ao agon um tom parabaacutetico com uma

longa rhesis (vv 496-556) sem replicador e isso descaracteriza a negociaccedilatildeo (GELZER

1960 p 166) porque natildeo haacute discussatildeo mas uma prestaccedilatildeo de contas unilateral Na opiniatildeo

de Gelzer (1960 p 168) o motivo pelo qual Aristoacutefanes reveste a cena inteira numa

paroacutedia126

e desvia a discussatildeo que deveria ser argumentativa em favor de um discurso seacuterio

repousa no assunto da comeacutedia Trata-se de um assunto contemporacircneo delicado e em Atenas

o ambiente natildeo parecia favoraacutevel a isso como o proacuteprio Diceoacutepolis confessa (vv 360-376

383-384 497-499) Na visatildeo de Gelzer o puacuteblico tem de ser preparado e assim que

Diceoacutepolis se potildee a falar ele deixa cair a ficccedilatildeo interpelando o espectador (v 497) e seu

discurso puramente poliacutetico eacute de uma uacutenica via Natildeo haacute discussatildeo apenas discurso

Todavia no segundo momento apoacutes o discurso do heroacutei e a manifestaccedilatildeo dos

dois semi-coros a cena eacute sinalizada para um agon epirremaacutetico se eacute que se pode chamar

assim pois a siziacutegia epirremaacutetica que estaacute ausente eacute substituiacuteda

ode (vv 490-495) antode (vv 566-571)

cena iacircmbica (vv 496-565) cena iacircmbica (vv 572-625)

sphragis (vv 626-627)

Quanto agrave forma trata-se de um agon irregular com estrutura bastante modificada

Para Gelzer (1960 p 166) no lugar da negociaccedilatildeo onde se esperaria um agon haacute um

discurso em triacutemetros iacircmbicos de Diceoacutepolis que natildeo encontra replicador Na anaacutelise de

Pickard-Cambridge (1966 p 213) trata-se de um quasi-agon cuja estrutura agoniacutestica eacute

composta por uma siziacutegia iacircmbica dividida que substitui a siziacutegia epirremaacutetica Como essa

125 Eacute de se supor porque natildeo haacute comprovaccedilatildeo que o papel de Diceoacutepolis ou do corifeu tenha sido interpretado

por Aristoacutefanes (DUARTE 2000 p 59 70) 126 Gelzer (1960) emprega indiscriminadamente os termos paroacutedia e paratrageacutedia

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 111

cena cumpre a funccedilatildeo de um agon (SOMMERSTEIN 1998 p 10) a classificaccedilatildeo dela natildeo eacute

de quasi-agon mas de agon que me parece foi desmembrado pela contaminatio jaacute que as

partes epirremaacuteticas ficaram na cena de batalha presente no paacuterodo

As duas cenas iacircmbicas teratildeo como veremos a seguir um conteuacutedo agoniacutestico em

que o heroacutei enfrentaraacute seus rivais na primeira cena iacircmbica o debate eacute com um dos semi-

coros na segunda cena iacircmbica com Lacircmacos

A ode coral e no uacuteltimo verso o coro anima Diceoacutepolis a discursar como fez

anteriormente no proagon ―bota aiacute o cepo e comeccedila a falar (v 365) Essa mesma forccedila

entusiaacutestica repete-se no final da ode do quasi-agon ―entatildeo vamos jaacute que eacute esse teu desejo

fala aiacute (v 495) O fato de Diceoacutepolis dirigir-se ao puacuteblico eacute um marcador de que haacute

novamente uma contaminatio ou confluecircncia entre as partes da estrutura do texto porque o

comeccedilo desse agon eacute muito proacuteximo da natureza da paraacutebase (vv 499-500) Para MacDowell

(1995 p 67) o final do agon em que o coro sela a vitoacuteria de Diceoacutepolis (vv 626-627) eacute uma

declaraccedilatildeo de que Diceoacutepolis convence natildeo apenas o coro mas tambeacutem o espectador cidadatildeo

ateniense

Na sentenccedila o coro acaba dividido A primeira cena iacircmbica configura-se no

discurso do heroacutei cocircmico e no diaacutelogo travado com o coro que se divide em dois semi-coros

O segundo semi-coro se declara convencido (vv 560-561) mas o primeiro conserva toda sua

raiva contra os que traiacuteram a causa do patriotismo (vv 557-559 562-563) e na antode (vv

566-571) apela por aquele capaz de defendecirc-lo Lacircmacos Inicia-se a segunda cena iacircmbica

construiacuteda sobre o diaacutelogo em triacutemetros iacircmbicos entre Diceoacutepolis o protagonista e

Lacircmacos o antagonista Entre ambos trava-se uma discussatildeo (vv 572-625) que segundo

Gelzer (1960 p 167) eacute uma cena de transiccedilatildeo para a paraacutebase porque termina com um

kommation anapeacutestico (vv 626-627) que se apresenta como uma espeacutecie de sphragis

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 112

Essa segunda cena iacircmbica (vv 572-625) eacute conforme esquema proposto por

Pickard-Cambridge (1966) a uacuteltima parte do quasi-agon De fato natildeo haacute uma discussatildeo

profunda entre os adversaacuterios em que cada um defende seu ponto de vista falta portanto a

siziacutegia epirremaacutetica Mas em seu lugar e seguindo o ponto de vista de Pickard-Cambridge

(1966 p 201) existe uma siziacutegia iacircmbica o que explica a estrutura de Acarnenses que eacute

construiacuteda por um conjunto de discursos expressos em triacutemetros iacircmbicos127

e a razatildeo disso

torna-se oacutebvia porque os discursos satildeo paroacutedias de discursos feitos nos tribunais e o triacutemetro

iacircmbico era o metro convencional apropriado para tais discursos desenvolvidos no palco

Diceoacutepolis insiste num discurso de defesa em favor da paz justificando sua treacutegua individual

com os Lacedemocircnios Megarenses e Beoacutecios (vv 623-625) Lacircmacos por sua vez defende o

estado de guerra (vv 620-622) No final (v 626) o corifeu confirma que Diceoacutepolis eacute o

vencedor com sua argumentaccedilatildeo porque converteu a opiniatildeo do povo no que diz respeito agrave

treacutegua do heroacutei Dessa maneira o corifeu valida a disputa anunciando o vencedor e esse

uacuteltimo verso corresponde antes que se comece a paraacutebase agrave sphragis

Em suma no acordo entre Diceoacutepolis e o coro a cena estaacute amparada na trageacutedia

Teacutelefo de Euriacutepides em que a accedilatildeo coerciva de Teacutelefo eacute imitada por Diceoacutepolis Na trageacutedia

Teacutelefo negocia com os gregos aqui a negociaccedilatildeo eacute entre Diceoacutepolis e o coro A accedilatildeo eacute

parodiada no sentido de ―canto paralelo e a apropriaccedilatildeo dos versos de Euriacutepides eacute

paratraacutegica Eacute evidente portanto que Aristoacutefanes transplantou um modelo traacutegico de agon

para o contexto cocircmico128

Embora tenhamos apenas alguns fragmentos da trageacutedia Teacutelefo e

apesar de a trageacutedia natildeo ter o agon como uma parte constituinte de seu texto o agon traacutegico

estaacute a serviccedilo de classificaccedilatildeo da cena E Euriacutepides desenvolveu o agon em seu mais alto grau

de sistematizaccedilatildeo (DUCHEMIN 1968 p 235) Tudo indica que Aristoacutefanes contemporacircneo

de Euriacutepides tenha se espelhado no tragedioacutegrafo De acordo com Duchemin (1968 p 103) a

127 Para um aprofundamento sobre o iambo cf o estudo de E Bowie (2002 p 33-50) 128 Haacute uma diferenccedila de 13 anos da representaccedilatildeo de Telefo (438) para a encenaccedilatildeo de Acarnenses (425) Na

opiniatildeo de MacDowell (1995 p 58) Aristoacutefanes teria tido acesso ao texto de Euriacutepides

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 113

ὑπoacuteθεσις de Acarnenses assinala que o discurso de Diceoacutepolis reproduz aquele de Teacutelefo e

os escoliastas comentam um grande nuacutemero de passagens transpostas de Euriacutepides Haacute uma

questatildeo polecircmica a respeito de Euriacutepides ter empregado o iambo de uma maneira muito

proacutexima ao iambo da comeacutedia Nesse caso segundo Steinruumlck (2004 p 59) do ponto de vista

meacutetrico o triacutemetro iacircmbico que veio do iambos arcaiacuteco natildeo se parece com o triacutemetro

cocircmico Entretanto na eacutepoca de Aristoacutefanes havia duas tradiccedilotildees riacutetmicas a antiga e a nova

E o poeta soube jogar com essas duas tradiccedilotildees para se apropriar de um ritmo ―traacutegico

proacuteprio do discurso cocircmico Do ponto de vista de Steinruumlck (2004 p 60) trata-se de uma

paratrageacutedia isto eacute a relaccedilatildeo que haacute entre o modo meacutetrico da comeacutedia e o modo meacutetrico da

trageacutedia Essa relaccedilatildeo de equivalecircncia requer uma apropriaccedilatildeo e nesse caso Goldhill (1991

p 205) afirma que a apropriaccedilatildeo da ―voz traacutegica eacute uma dinacircmica frequumlente em Aristoacutefanes

Afinal o proacuteprio poeta declara que a comeacutedia tambeacutem conhece ―as coisas justas (τὰ δίκαια

vv 500-501 645 655) pela voz de sua personagem cuja etimologia eacute propositalmente ―o

justo da cidade (δίκαιο ndash πόλις) Como bem observou Russo (1994 p 50) Diceoacutepolis eacute

apoacutes interiorizar a personagem Teacutelefo uma nova personagem seu modo de expressatildeo eacute novo

e tambeacutem sua maneira de agir ―[] he is not the actor of a κωμῳδία but of a τρυγῳδία

(the song of the must) of a tragi comedy Nessa mesma linha de interpretaccedilatildeo A M

Bowie (1995 p 27) entende que a atmosfera cocircmica ganha ares de trageacutedia O fato de

Aristoacutefanes empregar τρυγῳδία deixa claro para MacDowell (1995 p 60) que natildeo vai se

tratar de um discurso cocircmico porque o conteuacutedo que eacute seacuterio focaliza as questotildees da polis129

A respeito do termo τρυγῳδία Voelke (2004 p 125) que estabelece

semelhanccedilas natildeo apenas entre a arte de Euriacutepides e a de Aristoacutefanes mas tambeacutem entre a arte

do tragedioacutegrafo e a praacutexis do heroacutei cocircmico tem o seguinte ponto de vista

129 Vale lembrar que na anaacutelise de Vespas no capiacutetulo anterior τρυγῳδία eacute o vocaacutebulo que fecha a peccedila cuja

temaacutetica eacute voltada para uma criacutetica ao sistema judiciaacuterio de Atenas

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 114

Aliaacutes o termo τρυγῳδία pronunciado por uma personagem que estaacute vestida como

um heroacutei euripidiano natildeo visa soacute atribuir a autoridade do gecircnero traacutegico agrave

comeacutedia mas mais que isso ressaltar a trageacutedia euripidiana do resto do gecircnero

traacutegico ndash da τρaγῳδία ndash gugerindo seu parentesco com o gecircnero cocircmico130

O heroacutei passa entatildeo a assumir um caraacuteter tragicocircmico Natildeo eacute mais Diceoacutepolis

mas Diceoacuteplis-Teacutelefo131

e no confronto com seu segundo adversaacuterio estaacute pronto para pocircr em

praacutetica sua poneria ou melhor a poneria de Teacutelefo modelo de orador haacutebil Na opiniatildeo de

Silva (1987 p 126) porque estatildeo arriscando a proacutepria vida tanto a Teacutelefo quanto a

Diceoacutepolis cabe o conceito de ἀρετή segundo a proposta dos sofistas

A natureza do confronto verbal entre Diceoacutepolis e Lacircmacos eacute de pura bufonaria e

pode ser analisado atraveacutes da construccedilatildeo da personagem e os tipos que cada uma assume em

seu papel no drama

No que concerne ao heroacutei acarnense McLeish (1980 p 55) enquadra Diceoacutepolis

na categoria poneros espertalhatildeo vencedor de qualquer confronto pela sua engenhosidade e

dominador de qualquer situaccedilatildeo pela sua esperteza Tambeacutem possui um caraacuteter excessivo e se

vangloria de sua proacutepria astuacutecia daiacute tambeacutem ter traccedilos de um alazon Na anaacutelise de Thiercy

(2007 p 194 1997 p 983) ao longo de toda a cena com Euriacutepides no proagon Diceoacutepolis

vai mostrar todas as caracteriacutesticas de um tiacutepico alazon o parasito Esse autor interpreta que

no diaacutelogo entre Diceoacutepolis e Euriacutepides o heroacutei cocircmico vai enfrentar Euriacutepides no campo do

tragedioacutegrafo o das sutilezas retoacutericas e vai tambeacutem despojaacute-lo de seus figurinos juntamente

com sua trageacutedia ―homem vocecirc desfalca minha trageacutedia (v 464) Para Whitman (1964 p

68) Diceoacutepolis eacute uma variante do heroacutei cocircmico um cidadatildeo do povo que deixa o anonimato

130 Lecirc-se no original Agrave cet eacutegard le terme τρυγῳδία prononceacute par un personnage doteacute du costume dlsquoun heacuteros

euripideacuteen ne vise pas tant agrave attribuer agrave la comeacutedie llsquoautoriteacute du genre tragique mais bien plus agrave deacutemarquer la

trageacutedie euripideacuteene du reste du genre tragique ndash de la τρaγῳδία ndash pour suggeacuterer sa parenteacute avec le genre

comique 131 Essa apropriaccedilatildeo entre os gecircneros parece reforccedilar a ideacuteia de contaminatio que se estende nas mais variadas

instacircncias entre as seccedilotildees do texto na reproduccedilatildeo dos versos e na construccedilatildeo da personagem

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 115

para se tornar uacutenico na sua treacutegua em prol da paz Enfrenta como eiron seu adversaacuterio

Lacircmacos para se mostrar mais adiante como um alazon maior do que seu rival

A categoria alazon eacute bastante evidente na personagem Lacircmacos e nesse ponto

natildeo haacute divergecircncia entre os estudiosos A construccedilatildeo dessa personagem enquanto adversaacuterio

do heroacutei eacute montada toda ela sobre a perspectiva da fanfarronice que se manifesta em duas

instacircncias Primeiramente no niacutevel do discurso no que se refere agrave performance do discurso de

defesa Logo apoacutes a entrada de Lacircmacos em alto estilo diz o heroacutei ―Oacute Lacircmacos heroacutei dos

penachos e das legiotildees (v 575) E num segundo momento na caracterizaccedilatildeo do figurino por

exemplo quando Lacircmacos eacute interrompido por Diceoacutepolis no momento em que aquele

revelaria a procedecircncia da pluma de seu capacete certamente de uma ave rara e nobre (v

589)

Poneros parece ser a qualidade que a personagem Euriacutepides reconhece em

Diceoacutepolis

δὼσω πυκνῆ γὰρ λεπτὰ μηχανᾷ φρενί (v 445)

Eu darei pois vocecirc trama com densa inteligecircncia e sutis ideacuteias

Nessa passagem Euriacutepides faz uma aproximaccedilatildeo capciosa entre as palavras

πυκνῆ e λεπτὰ que satildeo antocircnimas no sentido proacuteprio mas sinocircnimas no sentido figurado

(THIERCY 1997 p 1004 SOMMERSTEIN 1998 p 178) Na anaacutelise de Voelke (2004 p

122) a partiacutecula γὰρ sugere que Euriacutepides aceita fazer a doaccedilatildeo dos trajes de Teacutelefo a

Diceoacutepolis na medida em que ele reconhece no heroacutei cocircmico qualidades que tambeacutem satildeo

presentes no heroacutei traacutegico no caso a habilidade retoacuterica o que reforccedila ainda mais o lado

poneros de Diceoacutepolis e sua legitimidade de vencedor nos conflitos que estatildeo presentes desde

o paacuterodo da peccedila Assim a narrativa dramaacutetica na primeira parte da peccedila ndash do paacuterodo agrave

paraacutebase ndash se dispotildee sobre um complexo agoniacutestico que abrange tambeacutem a segunda metade

da comeacutedia

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 116

Apoacutes a paraacutebase ateacute o ecircxodo sucede uma seacuterie de quadros cocircmicos que

interdependentes contrastam as vantagens do estado de paz e as desvantagens do estado de

guerra Na passagem dos vv 1095-1142132

ocorrem duas cenas paralelas de mesmo fundo

Diceoacutepolis e Lacircmacos comeccedilam seus preparativos se interpolando no jogo da esticomitia

lanccedilando alusotildees malevolentes um ao outro Esse jogo raacutepido de alternacircncia de versos ao

ritmo do toma laacute daacute caacute eacute responsaacutevel pela construccedilatildeo das duas cenas concomitantes e assinala

a antiacutetese anteriormente presente no agon entre heroacutei e seu adversaacuterio paz e guerra

respectivamente O final dessa cena re-confirma a vitoacuteria do heroacutei sobre o rival fanfarratildeo e

garante o happy-end no ecircxodo O todo orgacircnico da peccedila eacute envolvido por um complexo

agoniacutestico das cenas tanto na primeira parte do enredo quanto na segunda

O estudo do agon em Acarnenses demonstra a flexibilidade das partes que

compotildeem a estrutura dessa comeacutedia que se organiza mais pelo conteuacutedo das cenas do que

pela sua forma Na opiniatildeo de Sommerstein (1998 p 10) algumas peccedilas natildeo possuem agon

em seu sentido formal mas em cada caso podemos identificar uma cena que cumpre uma

funccedilatildeo similar eacute o caso da defesa de Diceoacutepolis a respeito de sua treacutegua de paz privada (vv

490-626)

A ausecircncia de um agon epirremaacutetico inteiro tal qual aparece em Vespas e

Cavaleiros ocorre por causa de uma anomalia a siziacutegia iacircmbica presente no agon substitui a

siziacutegia epirremaacutetica que aparece no paacuterodo Tudo leva a crer que Aristoacutefanes natildeo soacute estava

ciente da existecircncia de uma estrutura comum de agon mas tambeacutem soube manipular as

convenccedilotildees estruturais da forma o que resultou no que se chamou nesta anaacutelise de

contaminatio entre as seccedilotildees do texto em que se observa um paacuterodo com natureza agoniacutestica e

um agon de natureza parabaacutetica

132 Para a anaacutelise desses versos Thiercy (1997 p 1024) indica o artigo de Harriot (1979) Acharnians 1095-

1142 Words and Actions

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 117

Aristoacutefanes optou por privilegiar o conteuacutedo em detrimento da forma e essa

receita poeacutetica vai se repetir 14 anos mais tarde em Tesmoforiantes (411 aC)

2 Tesmoforiantes133

mulheres em agoniaccedilatildeo (agon-logon e centro da accedilatildeo)

A estrutura da comeacutedia Tesmoforiantes estaacute organizada de acordo com a

sequumlecircncia proacutelogo paacuterodo134

agon e paraacutebase totalizando a primeira parte da comeacutedia que

se alonga nas cenas episoacutedicas seguintes organizadas em cenas paralelas (MAZON 1904 p

136-137) as quais estatildeo concebidas sobre o mesmo tema a caricatura de Euriacutepides e sua obra

Agrave exceccedilatildeo do proacutelogo a accedilatildeo se passa numa assembleacuteia em que mulheres

congregadas vatildeo se indispor com um dos membros da plenaacuteria Nada mais apropriado que

essa discussatildeo ocorra nas instacircncias do agon Ainda que essa cena natildeo se apresente em sua

forma como um agon epirremaacutetico seu conteuacutedo ratifica a presenccedila de um agon A razatildeo

disso estaacute no recurso utilizado por Aristoacutefanes a paroacutedia dos agones euripidianos que como

paradigma da circunstacircncia cecircnica satildeo transpostos para a execuccedilatildeo do agon cocircmico A

paroacutedia eacute portanto o grande recurso empregado por Aristoacutefanes a ponto de o modelo traacutegico

referido Euriacutepides e sua obra ocupar dois terccedilos da peccedila (RAU 1975 p 339 apud DUARTE

2000 p 190)

A intriga se estabelece em plena crise como na trageacutedia e a progressatildeo das cenas

leva a uma tensatildeo dramaacutetica em que a ideacuteia do travestismo planejada por Euriacutepides e

executada pelo Parente longe de ter ecircxito soacute lhes traz complicaccedilotildees ao longo da fabulaccedilatildeo e

133 A comeacutedia Tesmoforiantes (411 aC) eacute uma peccedila dedicada exclusivamente ao tema da criacutetica literaacuteria cujo

foco eacute a caricatura do tragedioacutegrafo Euriacutepides e sua obra Segundo a fabulaccedilatildeo as atenienses querem um

ajuste de contas com o poeta porque na opiniatildeo delas as personagens femininas euripipianas satildeo uma

difamaccedilatildeo agrave reputaccedilatildeo das mulheres Reunidas para celebrarem as Tesmofoacuterias elas pretendem deliberar

qual o melhor corretivo a ser aplicado ao poeta Para advogar a causa Euriacutepides envia um parente travestido

para a assembleacuteia 134 Parece haver um consenso de que natildeo haacute paacuterodo propriamente em Tesmoforiantes Cf Couat (1895 p 376)

Mazon (1904 p 129) Gelzer (1960 p 176) Zimmermann (1984) Trata-se de uma estrutura meacutetrica bem

lacunar e com a ausecircncia dos tetracircmetros o que caracteriza a entrada do coro que eacute por sua vez a definiccedilatildeo

de paacuterodo De acordo com o texto o coro jaacute estaacute na orquestra e natildeo temos indicaccedilotildees textuais de como

ocorreu em sua entrada

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 118

a primeira delas encontra-se na cena do agon em que eacute delegado (VOELKE 2004 p 128) ao

Parente Mnesiacuteloco o papel de heroacutei cocircmico o qual Euriacutepides retoma na uacuteltima parte da

peccedilas

Do final do paacuterodo (v 372) ateacute o iniacutecio da paraacutebase (v 784) o enredo comporta

trecircs situaccedilotildees i) a assembleacuteia das mulheres jaacute com o Parente infiltrado (vv 372-573) ii) a

descoberta de seu disfarce por causa de uma denuacutencia (vv 574-654) iii) a defesa do Parente e

a cena emprestada de Teacutelefo135

O agon (vv 381-530) que se encontra na primeira situaccedilatildeo estaacute tambeacutem

amplificado nas outras duas situaccedilotildees Percebe-se que houve uma confluecircncia entre as seccedilotildees

paacuterodo agon e cena iacircmbica posterior ao agon A entrada do coro funciona como uma

preparaccedilatildeo para o agon assumindo a funccedilatildeo de proagon136

e a cena iacircmbica subsequumlecircnte eacute

um prolongamento do debate que se iniciou na assembleacuteia terminando numa cena de combate

entre o coro e o Parente

Jaacute no final do paacuterodo a accedilatildeo sinaliza que um confronto verbal entre as mulheres e

o Parente estaacute em iminecircncia Aristoacutefanes parodia o protocolo de abertura de uma sessatildeo em

assembleacuteia Primeiramente anuncia-se a composiccedilatildeo dos membros cujos nomes carregam em

si a funccedilatildeo de cada um Timocleacuteia ―a ilustre preside Lisila ―a que resolve questotildees toma

nota e por fim Soacutestrata ―a salvadora de exeacutercito eacute a oradora (vv 373-374) Em seguida

Aristoacutefanes emprega uma foacutermula de abertura de debate nas assembleacuteias τίς ἀγορεύειν

βούλεται ―Quem quer falar em puacuteblico (vv 378-379) E antes do pronunciamento o

orador deve colocar uma coroa (v 380)

135 Satildeo 27 anos de distanciamento de uma peccedila para outra Teacutelefo (438 aC) e Tesmoforiantes (411 aC) 136 A natureza de um paacuterodo agoniacutestico tambeacutem se encontra no agon contaminatus de Acarnenses cf infra

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 119

Pelo andamento da accedilatildeo natildeo haacute duacutevidas de que quanto ao conteuacutedo vai se tratar

de uma discussatildeo com defesa de pontos de vista mas quanto agrave forma trata-se de um agon137

com estrutura bastante modificada

katakeleusmos (vv 381-382)

discurso iacircmbico 1 (vv 383-432)

ode (vv 433-442)

discurso iacircmbico 2 (vv 443-458)

interluacutedio liacuterico (vv 459-465)

discurso iacircmbico 3 (vv 466-519)

antode (vv 520-530)

Embora essa estrutura contemple minimamente as partes de um agon

epirremaacutetico podemos traccedilar algumas similitudes natildeo apenas entre as seccedilotildees de incumbecircncia

coral de um agon epirremaacutetico canocircnico conforme se viu em Cavaleiros e Vespas mas

tambeacutem pensar que o discurso iacircmbico que assume o lugar do epirrema formaria ao inveacutes

da siziacutegia epirremaacutetica a siziacutegia iacircmbica (PICKARD-CAMBRIDGE 1966 p 213)

fenocircmeno jaacute ocorrido em Acarnenses Gelzer (1960 p 166 176) destaca quatro pontos i) natildeo

haacute em Tesmoforiantes um agon epirremaacutetico inteiro poreacutem antes do primeiro discurso o coro

pronuncia dois tetracircmetros iacircmbicos cujo conteuacutedo se aproxima de um katakeleusmos (vv

381-382) ii) os conteuacutedos discursivos das duas primeiras mulheres (discurso iacircmbico 1 e 2) e

do Parente (discurso iacircmbico 3) satildeo similares ao conteuacutedo epirremaacutetico de um agon iii) as

duas estrofes que lhes vecircm em seguida (vv 433-442 520-530) satildeo idecircnticas na forma e no

conteuacutedo agraves odes dos agones epirremaacuteticos iv) e por fim todas as formas em

Tesmoforiantes inclusive a meacutetrica foram alteradas sob a influecircncia das paroacutedias das

trageacutedias de Euriacutepides o que explica nessa comeacutedia a presenccedila de um paacuterodo e de uma

137 Pickard-Cambrigde (1966 p 226) classifica como quasi-agon Seguimos Mazon (1904 p 136) que analisa

como agon

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 120

paraacutebase138

muito rudimentares e igualmente vestiacutegios da forma do agon epirremaacutetico

(GELZER 1960 p 176)

Com base nessas reflexotildees o conteuacutedo que se reporta agrave proposta da comeacutedia que

expotildee a obra de Euriacutepides num cenaacuterio que eacute uma paroacutedia agraves assembleacuteias atenienses

estabelece a forma desse agon No katakeleusmos o coro sinaliza que a natureza da discussatildeo

vai ocorrer aos moldes da oratoacuteria como fazem os oradores a primeira mulher escarra

(χρέμπτομαι v 381) o que significa que seu pronunciamento vai ser extenso

Cada um dos trecircs discursos eacute intercalado por dois cantos corais simeacutetricos

odeantode (vv 433-442 520-530) e um interluacutedio liacuterico (vv 459-465) A ode e o interluacutedio

satildeo de pura exaltaccedilatildeo aos primeiro (vv 383-432) e segundo (vv 443-458) discursos

femininos respectivamente enquanto que a antode eacute uma reprovaccedilatildeo ao terceiro discurso

pronunciado pelo Parente Se pela forma esse debate em Tesmoforiantes natildeo pode ser

classificado como um agon epirremaacutetico haacute de secirc-lo entatildeo pelo conteuacutedo os dois primerios

discursos tratam de uma discussatildeo eacutetica (GELZER 1960 p 174) No primeiro discurso a

indignaccedilatildeo maior estaacute nos ultrajes insultos e caluacutenias de que Euriacutepides natildeo poupou as

mulheres

Τὰς μοιχοτύπας τὰς ἀνδρεραστρίας καλῶν

τὰς οἰνοπίτας τὰς προδότιδας τὰς λάλους

τὰς οὐδὲν ὑγιές τὰς μέγrsquoἀνδράσιν κακόν (vv 392-394)

levianas taradas por homens beberronas traidoras tagarelas

um zero agrave esquerda flagelo para os homens

Ao analisar o discurso da primeira mulher Voelke (2004 p 130) faz um

comentaacuterio interessante a propoacutesito de Euriacutepides possuir uma verve de poeta cocircmico uma vez

que bebida sexo entre outros desvios morais que satildeo traccedilos recorrentes da figura feminina

na comeacutedia tambeacutem correspondem ao retrato das personagens femininas nas trageacutedias de

138 Sobre a anaacutelise da paraacutebase de Tesmoforiantes cf Duarte (2000 p 187-203)

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 121

Euriacutepides Ao direcionar a queixa contra Euriacutepides a primeira mulher tambeacutem demonstra

uma habilidade retoacuterica bem ao modo euripidiano a ponto de o coro saudaacute-la por sua

sagacidade (πολύπλοκος v 434) habilidade no falar (δεινότερον λεγούσης v 435)

prudecircncia (πυκνός v 438) e pelo emprego de palavras sutis e bem variadas (ποικiacuteλοι

λόγοι v 439)

A segunda mulher que eacute uma artesatilde de coroa de flores ao tomar a palavra

esclarece que seu discurso eacute uma queixa pessoal direcionado a responsabilizar Euriacutepides da

precariedade da vida dela e de seus filhos

νῦν δrsquoοὗτος ἐν ταῖσιν τραγῳδίαις ποιῶν

τοὺς ἄνδρας ἀναπέπεικεν οὐκ εἶναι θεούς

ὥστrsquo οὐκέτrsquo ἐμπολῶμεν οὐδrsquo εἰς ἥμισυ (vv 450-452)

Mas agora esse aiacute que em suas trageacutedias trabalha convenceu os homens de que os deuses natildeo existem

139

de modo que natildeo vendemos mais nem mesmo a metade

Segundo o coro trata-se de falas ainda mais engenhosas do que a da primeira mulher

(κομψότερον v 460) Os comentaacuterios do coro aos dois pronunciamentos femininos

reforccedilam a paroacutedia ao estilo euripidiano em cujos agones eacute caracteriacutestico segundo Lloyd

(1992 p 17) um jogo de discursos opostos Assim apoacutes os discursos femininos Mnesiacuteloco

toma a palavra em favor de Euriacutepides fazendo-o tambeacutem por meio de uma longa rhesis que eacute

concluiacuteda em tom extremamente provocativo

οὐδὲν παθοῦσαι μεῖζον ἥ δεδράκαμεν (v 519)

quando nem sofremos mais do que merecemos

139 Mais uma vez Aristoacutefanes toca na questatildeo do ateiacutesmo de Euriacutepides (cf Nuvens e Ratildes) Romilly (1988 p

208-209) tambeacutem faz um comentaacuterio sobre essa reputaccedilatildeo de Euriacutepides de natildeo crer nos deuses e de semear

em sua obra a impiedade

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 122

Na medida em que Mnesiacuteloco refuta os logoi femininos a configuraccedilatildeo do agon

se estabelece pelo jogo das ἀντιλογίαι que eacute uma marca da habilidade poeacutetica de Euriacutepides

conforme constataccedilatildeo em Ratildes

Οι οἱ δrsquoἀκροώμενοι τῶν ἀντιλογιῶν καὶ λυγισμῶν καὶ στροφῶν

ὑπερεμάνησαν κἀνόμισαν σοφώτατον (vv 774-776)

Ea E eles [ladrotildees parricidas] assistindo agraves discussotildees agraves negaccedilas e agraves viradas

ficaram completamente loucos por ele [Euriacutepides] que entatildeo foi considerado o mais haacutebil

Eacute fundamental para a estrutura do agon em Euriacutepides diz Lloyd (1992 p 5) que

haja uma oposiccedilatildeo de dois discursos de extensatildeo consideraacutevel separados por dois ou trecircs

triacutemetros iacircmbicos vindos do coro Nessa cena do agon de Tesmoforiantes o discurso da

primeira mulher eacute tatildeo longo quanto o de Mnesiacuteloco e entre um e outro encontra-se o

comentaacuterio do coro (vv 520-530) que se manifesta indignado com as falas de Mnesiacuteloco

Como observa Lloyd (1992 p 20) o estilo e o propoacutesito dos agones euripidianos

soacute podem ser entendidos a partir de um conhecimento da retoacuterica140

na eacutepoca e sua influecircncia

sobre a obra de Euriacutepides Ao longo de seu estudo sobre os grandes sofistas Romilly (1988)

comenta os debates ditos antilogies mostrando que seu uso eacute uma constante na obra de

Euriacutepides Considerando que Euriacutepides e Aristoacutefanes foram contemporacircneos o proacuteprio

Aristoacutefanes parece fornecer evidecircncias para o desenvolvimento da retoacuterica141

sobretudo

quando se tem como modelo o modelo traacutegico

Todos os trecircs discursos se constituem de longa rhesis o que os aproxima dos

discursos agoniacutesticos da trageacutedia em que o pronunciamento dos litigantes eacute manifestado pela

extensatildeo da rhesis Devido a isso Gelzer (1960 p 174) atribui agrave cena de Tesmoforiantes a

presenccedila de um agon oratoacuterio ou discursivo142

o que nos leva a considerar que nesse

140 Sobre esse assunto cf Lloyd (1992 p 20-36) 141 Cf o artigo de Petruzzellis (1957 p 38-61) 142 Em alematildeo o termo empregado eacute Redenagon

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 123

momento da peccedila haacute muito mais semelhanccedila real natildeo apenas alusiva com o agon da

trageacutedia Certamente a intenccedilatildeo de Aristoacutefanes foi reproduzir empregando o recurso

paroacutedico a assembleacuteia dos aqueus em Teacutelefo (SILVA 1987 p 124) preenchida por longas

rhesis em que a dissensatildeo entre Mnesiacuteloco e as mulheres toca numa pauta tatildeo delicada

quanto a de Teacutelefo diante dos gregos E ainda na arguumliccedilatildeo das partes o poeta se apropria de

citaccedilotildees e referecircncias das peccedilas de Euriacutepides v 403 (Belerofonte fr 664 N2) v 413 (Fecircnix

fr 804 N2) v 430 (referecircncia aos venenos de Medeacuteia na trageacutedia de mesmo nome) v 519

(Teacutelefo fr 711N2)

Tendo emprestado o modelo de agon euripidiano Aristoacutefanes carrega a forccedila

discursiva dos argumentos evidenciando a funccedilatildeo poneros dos litigantes as Mulheres versus

o Parente Por meios linguumliacutesticos Mnesiacuteloco interioriza o heroacutei traacutegico Teacutelefo que eacute dotado

de habilidade retoacuterica (DUCHEMIN 1968 p 103) E por meios fiacutesicos ele exterioriza a

figura feminina e consequumlentemente a funccedilatildeo alazon da personagem

Ao explorar as potencialidades da paroacutedia a serviccedilo da circunstacircncia cecircnica

Aristoacutefanes cria por meio da alazoneiacutea uma tensatildeo dramaacutetica cujo desfecho natildeo tatildeo bem

sucedido para o Parente culmina em uma cena de insultos e pancadaria que levam a

personagem ao desespero Sendo ameaccedilado de ter o sexo depilado (vv 536-540) e correndo

risco de vida Mnesiacuteloco assim como Teacutelefo refugia-se no altar tendo nos braccedilos ao lugar de

um bebecirc esperado um odre que eacute executado por ele como num sacrifiacutecio

Pela mimese143

Aristoacutefanes consegue evocar ao espectador a sequumlecircncia de cenas

do que estaacute sendo parodiado a trageacutedia euripidiana Teacutelefo com a ordem das cenas em

Tesmoforiantes i) disfarce mendigomulher e penetraccedilatildeo de TeacutelefoParente entre os

gregostesmoforiantes respectivamente ii) confronto verbal seguido de confronto fiacutesico com

TeacutelefoParente natildeo reconhecidos ainda iii) descoberta do disfarce de TeacutelefoParente o

143 Entende-se mimese por uma imitaccedilatildeo ou representaccedilatildeo de uma pessoa por meios fiacutesicos e linguumliacutesticos

(PAVIS 2001 p 241)

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 124

sequumlestro Orestesodre Constata-se portanto que o modelo mimetizado eacute a razatildeo pela qual

nesse agon o conteuacutedo estaacute determinando a forma em favor de um enredo de intrigas que se

amplifica na cena seguinte (vv 531-573) cujo discurso eacute o mesmo dos discursos

epirremaacuteticos apreciados no agon

Na interpretaccedilatildeo de Gelzer (1960 p 154-155) a passagem dos vv 531-532 que

se inicia com a partiacutecula ἀλλὰ assume o lugar de um katakeleusmos embora natildeo conduza a

forma de um epirrema

ἀλλrsquo οὐ γάρ ἐστι τῶν ἀναισχύντων φύσει γυναικῶν

οὐδὲν κάκιον εἰς ἅπαντα ndash πλὴν ἄρrsquo εἰ γυνή τις

mas natildeo haacute nada pior do que mulheres descaradas por natureza

no que diz respeito a tudo exceto isto eacute se for mulheres

Do ponto de vista do conteuacutedo essa cena iacircmbica compotildee um apecircndice agrave

discussatildeo precedente e tecircm como assunto o prosseguimento das teses expostas Esse

acoplamento144

diz Gelzer (1960) pode ser explicado como reminiscecircncia do agon

epirremaacutetico em que Aristoacutefanes teria se apoiado para a construccedilatildeo da cena Diante dessas

evidecircncias poderiacuteamos avaliar que quanto ao conteuacutedo a cena iacircmbica (vv 531-573)

subsequumlente ao agon deva ser tambeacutem reconhecida ainda que incipiente como um

prolongamento desse agon que se caracteriza pelo jogo esticomiacutetico numa cena de combate145

entre o coro de tesmoforiantes e o Parente

Μι ἀλλrsquoἐκποκιῶ σου τὰς ποκάδας

Κη οὔτοι μὰ Δία σύ γrsquoἄψει

Μι καὶ μήν ἰδού

Κη καὶ μήν ἰδού (vv 567-568)

M 1 eu vou te arrancar os cabelos Mn Por Zeus vocecirc natildeo vai me tocar

M 1 Entatildeo toma

Mn Toma vocecirc tambeacutem

144 Esse recurso tambeacutem vai ocorrer em Paz 145 Semelhante ao que ocorre em Acarnenses

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 125

Trata-se do ponto de vista do conteuacutedo de um debate regular um duelo

discursivo em que a palavra eacute tomada sucessivamente por cada uma das partes e os pontos de

vista satildeo defendidos ateacute um esgotamento dos argumentos que terminam no jogo esticomiacutetico

Podemos portanto relacionar o agon traacutegico ao agon de Tesmoforiantes de

acordo com Duchemin (1968 p 39-41) que classifica de agon-logon (ἀγὼν λόγων) o

agon que tem a fisionomia de um conjunto de um debate oratoacuterio

Claro que manteremos na medida do possiacutevel os termos de nossa definiccedilatildeo

quanto ao conteuacutedo processo ou ao menos debate quanto agrave forma discurso duplo

seguido frequumlentemente de esticomitia146

Em Tesmoforiantes o agon que adveacutem da cena do paacuterodo natildeo ultrapassa a

simetria de duas partes envolvidas na contenda o grupo de mulheres versus Mnesiacuteloco O

final do paacuterodo se estende agrave cena iacircmbica subsequumlente mantendo a simetria discursiva dos

dois litigantes e o uso da esticomitia direciona o debate ao combate sem um juiz para

sentenciar mas com um interventor da accedilatildeo o coro que potildee fim agrave disputa παύσασθε

λοιδορούμεναι (v 571)

Esse agon (vv 381-530) que eacute desenhado por uma cena de debate seguida de uma

cena de combate (vv 531-573) cujo final disfoacuterico para o Parente proporcionaraacute uma seacuterie de

novas paroacutedias de Euriacutepides funciona como eixo da engrenagem dramaacutetica da primeira parte

para a segunda parte do programa narrativo Portanto ele estaacute no centro da accedilatildeo E como um

todo a accedilatildeo da primeira parte que termina na paraacutebase cria uma situaccedilatildeo em que estando o

Parente prisioneiro se configura pelo vieacutes paroacutedico ou paratraacutegico147

a base para os

146 Lecirc-se no original Nous maintiendrons certes autant que possible les termes de notre deacutefinition procegraves ou

tout moins deacutebat pour le fond doubleacute discours souvent suivi de stichomythie pour la forme 147 Segundo as palavras textuais de Thiercy (2007 p 170) ―Les Thesmophories sont une vaste parodie

dlsquoEuripide et de sa trageacutedie si bien que llsquoaction elle mecircme est paratragique E seguindo essa mesma linha

para Silk (1993 p 479 494) ―[hellip] all Aristophanic parody of tragedy then is paratragic but not all

Aristophanic paratragedy is parodic [hellip] The extensive use of Euripidean drama in Thesmophoriazusae ndash

Helen Andromeda et al ndash is largely nonparodic Natildeo vamos entrar no meacuterito da discussatildeo empregamos o

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 126

pequenos quadros cecircnicos da segunda parte as tentativas de fuga para salvar o Parente (vv

846-1159) cujo pano de fundo satildeo cenas das peccedilas Helena e Androcircmeda148

de Euriacutepides

Esse tipo de programa narrativo em que a accedilatildeo da segunda parte eacute constituiacuteda por

uma sequumlecircncia de quadros cecircnicos que se concatenam pelo fato de a presenccedila do heroacutei ser

irrestrita tanto na primeira parte da peccedila quanto na segunda tambeacutem ocorre com algumas

nuanccedilas em Paz

3 Paz149

a luta em missatildeo de paz (quasi-agon de reflexatildeo e acessoacuterio da accedilatildeo)

Entre os helenistas haacute um consenso apesar de certas restriccedilotildees a propoacutesito da

tecircnue presenccedila de agon em Paz Se essa comeacutedia natildeo possui no entanto um agon regular

segundo Mazon (1904 p 86) que suspeita de sua natureza ou um agon epirremaacutetico

inteiro150

como diz Gelzer (1960 p 166) ou se possui um quasi-meio-agon151

na

classificaccedilatildeo de Pickard-Cambridge (1966 p 221) resta-nos verificar o que aparece em seu

lugar e que razotildees eventualmente se deixam entrever nas cenas do proacutelogo paacuterodo e

paraacutebase152

O proacutelogo (vv 1-300) desenvolve-se em dois planos primeiro no plano terrestre

com a preparaccedilatildeo do escaravelho gigante para a partida e depois no plano celeste onde o

termo paroacutedia em seu sentido mais amplo possiacutevel inclusive de ―canto paralelo que ao ser deslocado seja

nas instacircncias textuais ou cecircnicas sofre uma deformaccedilatildeo 148 A propoacutesito da paroacutedia dessas peccedilas cf Silva (1987 p 123-124 133) 149 Certamente Aristoacutefanes ao conjurar a composiccedilatildeo de Paz (421 aC) buscou na trageacutedia de Euriacutepides

Belerofonte cujo texto nos chegou fragmentado o modelo para seu heroacutei cocircmico (SILVA 1987 p 156-

157) Assim como Belerofonte montado sobre Peacutegaso vai ateacute o Olimpo assim Trigeu sobre um escaravelho

gigante alccedila vocirco ateacute a morada dos deuses Laacute chegando depara-se com uma terriacutevel vicissitude os deuses

abandonaram o Olimpo exceto Hermes e agora quem governa eacute Polemos o deus da Guerra depois de ter

aprisionado Irene a Paz Eacute com essa alegoria que o poeta critica mais uma vez as mazelas da guerra numa

fabulaccedilatildeo em que o grande desafio para o heroacutei cocircmico eacute libertar a Paz para que ela impere entre homens e

deuses O desenvolvimento da accedilatildeo na comeacutedia comporta duas partes bem distintas sobre o mesmo tema A

primeira parte eacute constituiacuteda de dois grandes ―atos (THIERCY 2007 p 162) inicialmente em terra com a

preparaccedilatildeo para a viagem ao Olimpo em seguida na morada de Zeus com a libertaccedilatildeo da Paz A segunda

parte da comeacutedia vai decorrer num uacutenico ―ato e o cenaacuterio eacute o ambiente terrestre junto agrave casa do heroacutei Trigeu

que estaacute de regresso 150 Lecirc-se no texto alematildeo stuumlcke ohne ganze epirrhematische agone 151 O termo empregado eacute quasi-half-agocircn 152 A propoacutesito da anaacutelise do proacutelogo e paacuterodo de Paz cf Irigoin (1997 p 23-27) Quanto agrave parabase indicamos

o estudo de Duarte (2000 p 120-130)

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 127

vinhateiro Trigeu descobre que quem reina na morada de Zeus eacute Poacutelemos a Guerra

responsaacutevel pela prisatildeo de Irene a Paz Dos oliacutempicos apenas Hermes se encontra e eacute quem

recebe o aldeatildeo O projeto do heroacutei que em princiacutepio era interrogar os deuses sobre o destino

dos gregos em relaccedilatildeo agrave guerra ganha outras proporccedilotildees diante dessa conjuntura e se torna

uma missatildeo de resgate quase impossiacutevel O proacutelogo cumpre portanto sua funccedilatildeo expondo o

assunto que se refere ao sucesso ou fracasso de Trigeu nessa empresa Tudo depende de o

heroacutei vencer os obstaacuteculos entre eles o enfrentamento com o deus Hermes que comeccedila na

segunda metade do proacutelogo

Ερ ὧν οὕνεκrsquo οὐκ οἶδrsquo εἴ ποτrsquo Εἰρήνην ἔτι

τὸ λοιπὸν ὄψεσθrsquo (vv 221-222)

Her Eis o motivo de eu natildeo saber se vocecircs

ainda vatildeo tornar a ver novamente a Paz

e se estende em todo o paacuterodo ateacute a cena do agon

Trigeu apela entatildeo para a colaboraccedilatildeo de todos os gregos Com a entrada dos

helenos comeccedila o paacuterodo153

(vv 301-345) que se encerra num pnigos (vv 339-345)

Transcorrem a partir desse momento quatro154

cenas curtas na uacuteltima cena desse conjunto se

destaca a presenccedila diminuta de um agon epirremaacutetico

A primeira cena se configura numa ode em que o coro na estrofe demonstra toda

confianccedila em Trigeu (vv 346-360) o que leva ao protesto de Hermes (vv 361-384) num jogo

esticomiacutetico com Trigeu ficando em evidecircncia o quanto seraacute difiacutecil para o heroacutei a realizaccedilatildeo

de seu plano

153 Na opiniatildeo de Couat (1895 p 371) o paacuterodo bastaria por si soacute porque ele expotildee o assunto e pode-se dizer

que conteacutem tambeacutem a peccedila inteira De fato a primeira metade da peccedila jaacute se bastaria natildeo apenas porque o

heroacutei jaacute alcanccedilou seu objetivo a libertaccedilatildeo da Paz mas tambeacutem porque a partir da primeira paraacutebase que

marca o iniacutecio da segunda metade da comeacutedia a narrativa dramaacutetica se constroacutei ateacute o ecircxodo com pequenas cenas de celebraccedilatildeo

154 Mazon (1904 p 83-84) estabelece uma uacutenica cena (vv 346-600) Seguimos a classificaccedilatildeo de Pickard-

Cambridge (1966 p 221) que analisa esse trecho como uma seacuterie de cenas irregulares subdividindo-o em

quatro cenas curtas vv 346-430 vv 431-519 vv 520-600 e por fim vv 601-656

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 128

Ερ ἆρrsquo οἶσθα θάνατον ὅτι προεῖφrsquo ὁ Ζευς ὅς ἄν

ταύτην ἀνορύττων εὑρεθῆ (vv 271-272)

Her Por acaso vocecirc jaacute ouviu falar da morte que Zeus decretou para

quem tentasse tiraacute-la do aterro

Na antode o coro que numa segunda estrofe (vv 385-399) dirige ao deus uma

suacuteplica natildeo consegue comovecirc-lo de que eacute necessaacuterio libertar a Paz Quando todos os outros

argumentos falham para a libertaccedilatildeo da Paz Trigeu que eacute dotado de uma argumentaccedilatildeo agrave

altura de um heroacutei traacutegico (SILVA 1987 p 164) potildee em praacutetica sua poneria (McLEISH

1980 p 55-56) que vai marcar o jogo cecircnico de caraacuteter persuasivo entre ele e o deus

Ερ ἴθι δὴ κατειπrsquo ἴσως γὰρ ἅν πείσαις ἐμέ (v 405)

Her Vamos diga entatildeo talvez vocecirc consiga me persuadir

Trigeu tem a dimensatildeo exata de seu oponente Trata-se de um deus divindade

tambeacutem por excelecircncia poneros155

consequumlentemente o aldeatildeo vai elaborar sua fala com

argumentos que pertenccedilam ao universo divino Para ter ecircxito ele promete a Hermes todas as

honras natildeo soacute nas Grandes Panateneacuteias mas tambeacutem em outras festas incluindo os

sacrifiacutecios E fazendo jus a sua sagacidade oferece a Hermes uma taccedila dourada

Τρ [] πρῶτον δέ σοι

δῶρον δίδωμι τήνδrsquo ἴνα σπένδειν ἔχῃς (vv 423-424)

Ερ οἴμrsquo ὠς ἐλεήμων εἴμrsquo ἀεὶ τῶν χρυσίδων (v 425)

Tr [] Em primeiro lugar a ti

eu te ofereccedilo esta taccedila dourada para que tu faccedilas libaccedilotildees

Her Ai ai ai Logo eu que sempre fui sensiacutevel agraves taccedilas de ouro

De acordo com Pickard-Cambridge156

(1966 p 200) nessa cena (vv 346-430)

caberia a funccedilatildeo de uma cena de agon porque quanto agrave forma haacute uma estrofe e uma

155 Dentre os vaacuterios epiacutetetos atribuiacutedos a Hermes o lado laraacutepio do deus eacute acentuado na comeacutedia (vv 401-402)

sendo um fator determinante na funccedilatildeo poneros do deus 156 Pickard-Cambridge (1966 p 200) faz a seguinte anaacutelise ―In an earlier scene (346-430) there is more of the

agocircn as regards the matter where Trygaeus persuades Hermes not to tell Zeus of the plan for raising Peace

and as regards form this scene give us a strofe and antistrofe each succeded by what but for its being in the

iambic trimester metre would be repectively an epirrhema and antepirrhema of almost equal length and the

whole conclude by a sphragis in trochaic tetrameters

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 129

antiacutestrofe em triacutemetros iacircmbicos que se equivalem na extensatildeo a um epirrema e antepirrema

e quanto ao conteuacutedo haacute um discurso persuasivo de Trigeu para convencer Hermes Ao

contraacuterio na interpretaccedilatildeo de Gelzer157

(1960 p 169-170) trata-se de uma accedilatildeo que natildeo vai

aleacutem de insinuaccedilotildees para a existecircncia de um agon A natureza da fala de Trigeu (vv 406-424)

ao inveacutes de ser argumentativa ou controversa a ponto de caracterizar o conteuacutedo

epirremaacutetico eacute persuasiva Como o deus aceita o suborno elimina-se a chance de haver uma

contenda ou negociaccedilatildeo e consequumlentemente uma sentenccedila Eacute aqui que se desfaz quanto ao

conteuacutedo a ideacuteia de agon Entretanto compete agraves cenas seguintes a funccedilatildeo de um proagon jaacute

que preparam a accedilatildeo para o agon

Na segunda cena (vv 431-519) as duas tentativas de libertaccedilatildeo fracassam E

somente apoacutes a eliminaccedilatildeo dos sabotadores os camponeses aacuteticos conseguem arrancar a Paz

da caverna Na cena seguinte (vv 520-581) a deusa eacute saudada ao surgir o que leva o coro no

epodo (vv 582-600) a fazer-lhe uma exortaccedilatildeo que do ponto de vista da forma e do conteuacutedo

se acopla ao katakeleusmos que inicia a quarta cena (vv 601-656) A partir daqui levanta-se a

hipoacutetese da presenccedila de um agon epirremaacutetico em Paz Contudo devido agraves irregularidades

apresentadas nessa passagem tanto na forma quanto no conteuacutedo questiona-se sua natureza

quanto agrave forma falta a simetria entre as seccedilotildees do agon quanto ao conteuacutedo no lugar de uma

discussatildeo haacute um simples diaacutelogo (MAZON 1904 p 86) entre trecircs personagens Trigeu

Hermes e o coro que estaacute sendo considerado como uma personagem coletiva Pode-se

mesmo assim atribuir agrave comeacutedia Paz um agon ou na melhor das hipoacuteteses um quasi-agon

Para Mazon (1904 p 86) a cena de agon compreende os vv 601-705 Jaacute Pickard-Cambridge

(1966 p 221) estabelece o que ele classifica de quasi-half-agon um pequeno trecho entre os

vv 601-656 os quais tambeacutem fazem parte do corpus analisado por Gelzer (1960 p 170) que

considera esse excerto de meio-agon (halben epirrhematischen Agons)

157 Para Gelzer (1960 p 169-170) Trigeu que eacute o respresentante do coro (357-360) natildeo ataca Hermes mas

com pedidos se contrapotildee agraves opiniotildees dele (383-399) Diante disso Trigeu quer convencer Hermes que se

deixa convencer (405) Esta eacute a uacutenica insinuaccedilatildeo de um acordo

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 130

A composiccedilatildeo se apresenta na seguinte forma158

katakeleusmos (vv 601-602)

epirrema (vv 603-560)

pnigos (vv 651-656)

Como se pode observar estaacute ausente a ode que completaria o conjunto da

primeira parte de um agon Contudo a passagem que antecede o katakeleusmos e que finaliza

a cena anterior eacute uma estrofe (vv 582-600) que pode desempenhar a funccedilatildeo de uma ode o

tom eacute de saudaccedilatildeo (χαῖρε) e no final o coro passa a palavra ao deus

Xo τοῦθrsquo ἡμᾶς δίδαξον ὦ θεῶν εὐνούστατε (v 602)

Co Explica- nos isso oacute o mais bonzinho dos deuses

Por um fenocircmeno de acoplamento diz Gelzer (1960 p 151) esse final do epodo

tem a natureza de um katakeleusmos o que confere agrave estrofe um valor de ode Dessa maneira

completa-se a primeira parte do agon epirremaacutetico o que delega a ele quanto agrave forma a

natureza de um agon epirremaacutetico pela metade ou quasi-agon com a seguinte composiccedilatildeo

ode (vv 582-600)

katakeleusmos (vv 601-602)

epirrema (vv 603-650)

pnigos (vv 651-656)

No katakeleusmos Hermes eacute encorajado pelo coro a explicar por onde tem andado

a Paz O coro emprega o verbo διδάσκω cujos sentidos ―ensinar ―instruir ―esclarecer

sugerem natildeo soacute que o discurso (rhema) de Hermes tem a natureza de um relato retrospectivo

em que ele expotildee as origens da guerra mas tambeacutem o emprego desse verbo daacute margem agrave

158 De acordo com Sommerstein (1990 p 159) o excerto (vv 601-656) estaacute composto por tetracircmetros trocaicos

terminando a partir do v 651 num pnigos trocaico

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 131

interpretaccedilatildeo de a personagem Hermes ser porta-voz do poeta o que outorga ao agon um tom

parabaacutetico159

porque seu discurso tambeacutem se dirige ao auditoacuterio τἀμὰ δὴ ξυνίετε ῥήματrsquo

ndash ―prestem atenccedilatildeo agraves minhas palavras Esse chamamento feito por Hermes antes de iniciar

seu discurso proporciona uma intenccedilatildeo didaacutetica160

da parte do poeta com relaccedilatildeo a seu

puacuteblico O discurso proferido por Hermes embora natildeo encontre um outro discurso de

oposiccedilatildeo a ele traz algumas marcas de um conteuacutedo epirremaacutetico isto eacute explicativo [] a

primeira causa foi (πρῶτα v 605) [] depois (κᾆτrsquoἐπειδὴ v 619) [] pois bem

(κἀνθάδrsquo v 632) de tal modo que (ὥστrsquo v 646)

Na interpretaccedilatildeo de Navarre (1911 p 253) a natureza explicativa do conteuacutedo

epirremaacutetico que se concentra no discurso de Hermes caracteriza esse agon de Paz

juntamente com os agones de Lisiacutestrata Aves e Assembleacuteia de mulheres como uma

demonstraccedilatildeo unilateral (deacutemonstration unilateacuterale) ou seja quanto ao conteuacutedo trata-se de

um agon expositivo e quanto agrave forma as partes epirremaacuteticas estatildeo na fala de uma uacutenica

personagem no caso o heroacutei ou a heroiacutena da comeacutedia Jaacute Gelzer (1960 p 171) analisa que

somente em Aves e Lisiacutestrata ocorre de as partes epirremaacuteticas estarem juntas nas falas de

Pisetero e Lisiacutestrata respectivamente No caso de Paz para o discurso de Hermes Aristoacutefanes

natildeo utilizou a forma de um agon de exposiccedilatildeo (Darlegungsagones) porque natildeo foram

empregadas na fala do deus as partes simeacutetricas do epirrema pois natildeo haacute a simetria uma vez

que conforme exposto anteriormente trata-se de um agon epirremaacutetico pela metade

A razatildeo pela qual Aristoacutefanes escolheu a forma de um quasi-agon epirremaacutetico

deve-se certamente a seu conteuacutedo o diaacutelogo transcorre subsequumlente agrave accedilatildeo (GELZER

159 A ideacuteia de predificar de ―parabaacutetico o agon parte da seguinte reflexatildeo de Duarte (2000 p33) ―o corifeu

representando o coro introduz explicitamente a nova seccedilatildeo da comeacutedia reforccedilando com palavras o movimento

que os danccedilarinos realizam na orquestra em direccedilatildeo ao puacuteblico (πρὸς τὸν θέατρον) Tanta ecircnfase tem como

funccedilatildeo chamar a atenccedilatildeo dos espectadores e situaacute-los na peccedila 160

De acordo com Duarte (2000 p 72-73) haacute uma progressatildeo gradual das funccedilotildees do poeta cocircmico em relaccedilatildeo

aos cidadatildeos de instrutor do coro (διδάσκαλος) passando por poeta (ποιητής) depois a conselheiro

(ξύμβουλον) e por fim professor (διδάσκων)

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 132

1960 p 170) Hermes oferece uma explicaccedilatildeo coerente tal como costuma aparecer nos

epirremas Poreacutem uma vez que nenhuma reacuteplica eacute pronunciada Aristoacutefanes elimina a

segunda parte do agon

Tudo leva a crer que Aristoacutefanes preferiu do ponto de vista dramaacutetico (GELZER

1960 p 171) a cena de salvaccedilatildeo da Paz como centro da accedilatildeo agrave cena de discussatildeo porque de

fato a peccedila traz uma proposiccedilatildeo paciacutefica num momento soacutecio-poliacutetico pelo qual Atenas

passava naquele ano de 421 aC quando houve uma treacutegua e esse periacuteodo ficou conhecido

como Paz de Niacutecias Coincidecircncia ou natildeo a questatildeo da treacutegua jaacute se apresenta na abordagem

da peccedila conforme explicaccedilatildeo de Hermes a Trigeu a respeito de os deuses terem se mudado

Ερ ὁτιὴ πολεμεῖον ᾑρεῖσθrsquo ἐκείνων πολλάκις

σπονδὰς ποιούντων (vv 211-212)

Her Porque vocecircs escolheram fazer a guerra tendo eles dado a vocecircs

muitas ocasiotildees de fazerem treacuteguas

Nesse sentido a comeacutedia pode ser entendida como uma crocircnica da eacutepoca Sob

esse aspecto natildeo seria paradoxal a presenccedila de um agon seccedilatildeo que carrega o sentido de luta

disputa ou discussatildeo numa peccedila que eacute um tributo agrave paz

Hermes pronuncia trecircs rhemata e apoacutes cada um deles haacute um aparte espirituoso do

coro e um comentaacuterio de Trigeu No primeiro pronunciamento Hermes explica as origens da

guerra entre Atenas e Esparta versatildeo que aliaacutes difere daquela em Acarnenses (vv 509-539)

As duas versotildees concordam apenas na menccedilatildeo ao decreto de Megara que foi o estopim da

guerra referente a uma proposta de Peacutericles por questotildees pessoais que natildeo tiveram a ver com

o interesse puacuteblico Na versatildeo de Paz (vv 605-610) o estadista Peacutericles estaria envolvido

num escacircndalo de superfaturamento por causa da construccedilatildeo da estaacutetua de Atena por Fiacutedias o

que levou a Assembleacuteia a condenar o arquiteto ao exiacutelio Como natildeo haacute reacuteplica ao discurso de

Hermes natildeo haacute chance de o coro ter a funccedilatildeo de aacuterbitro ou mediador e sua presenccedila eacute

marcada por breves apartes seguidos dos comentaacuterios de Trigeu apoacutes cada fala do deus

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 133

No segundo pronunciamento Hermes faz alusatildeo (vv 619-622) agrave coligaccedilatildeo de

cidades gregas que temiam um aumento de tributos sob a hegemonia de Atenas E por fim o

deus critica a ganacircncia dos lacedemocircnios que lucravam com a guerra enquanto os

agricultores sofriam com ela (vv 623-627) Eacute sutil a ironia dos comentaacuterios de Trigeu e do

coro Ao falar de Fiacutedias pode-se entender que Trigeu ou sabia que o escultor tinha

responsabilidade na questatildeo da paz ou que se tratava de uma questatildeo de criador-criatura jaacute

que no texto eacute sugerido que a Paz eacute uma obra de Fiacutedias (SILVA 1984 p 20) Apoacutes a

apologia dos agricultores feita por Hermes jaacute era esperado que Trigeu e o coro que

pertencem agrave classe de camponeses protestassem ἐν δίκῃ μὲν οὖν (v 628) ἐν δίκῃ γε δτrsquo

(v 630) Em seguida apoacutes o terceiro pronunciamento de Hermes o aparte de Trigeu finaliza o

agon com uma invectiva pessoal a Cleatildeo demagogo atacado acirradamente em Cavaleiros na

personagem de Paflagocircnio

A temaacutetica desse agon toca entatildeo em assuntos de interesse puacuteblico ndash a origem da

guerra a hegemonia de Atenas os prejudicados e os beneficiados com a guerra ndash todos

mateacuterias pertinentes ao conteuacutedo da competecircncia da paraacutebase No exame de Gelzer (1960 p

153) o discurso de Hermes no epirrema eacute um acreacutescimo que do ponto de vista do conteuacutedo

estaacute adequado ao contexto poreacutem do ponto de vista dramaacutetico natildeo eacute necessaacuterio e nem exerce

qualquer influecircncia sobre o prosseguimento da accedilatildeo Essa interpretaccedilatildeo torna o agon uma

seccedilatildeo deslocada da accedilatildeo quando na verdade natildeo estaacute porque a hipoacutetese que se levanta nesta

anaacutelise eacute de ter ocorrido uma compensaccedilatildeo entre as seccedilotildees do texto isto eacute a ausecircncia de

epirrema na paraacutebase principal de Paz (DUARTE 2000 p 128) parece estar compensada no

agon Daiacute considerarmos a natureza desse agon como acessoacuterio da accedilatildeo com uma natureza

de um agon de reflexatildeo161

Com a Paz livre o plano do heroacutei estaacute consumado mas natildeo a

161 Denominamos assim com base na anaacutelise de MacDowell (1995 p 186) que interpreta a cena como um

momento de reflexatildeo

Cap III mdash A presenccedila de agon em Acarnenses Tesmoforiantes e Paz 134

peccedila que eacute uma comeacutedia fecunda em discursos endereccedilados aos espectadores como bem

observou Russo (1994 p 49)

Em Paz para dar um exemplo o protagonista oferece de fato uma linda donzela

aos espectadores sentados na proedria deve-se notar que Paz eacute uma peccedila rica em

discursos enderessados especialmente aos espectadores162

Trata-se portanto de um agon sui generis que se destaca da natureza dos agones

ateacute agora analisados daiacute sua classificaccedilatildeo de quasi-agon jaacute que natildeo tem em sua physis a

forma de um agon epirremaacutetico inteiro faltando a ele a simetria No que concerne ao

conteuacutedo sua physis estaacute longe de ser uma discussatildeo porque Aristoacutefanes optou por um agon

de cunho parabaacutetico e um paacuterodo agoniacutestico restando ao agon uma natureza incompleta um

quasi-agon de reflexatildeo

162 Lecirc-se no original In Peace to give just one example the protagonist actually consigns a lovely maiden-extra

to the spectators seated in the proedria it should be noted moreover that Peace is the comedy richest in

speeches addressed explicitly to the spectators

CAPIacuteTULO IV

O AGON DESCARACTERIZADO

PELA DISCUSSAtildeO UNILATERAL

EM

AVES LISIacuteSTRATA E

ASSEMBLEacuteIA DE MULHERES

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

136

1 Aves163

a conversa levada no bico (agon de exposiccedilatildeo e ligado agrave accedilatildeo)

A comeacutedia Aves tem uma unidade de accedilatildeo coesa e uma progressatildeo dramaacutetica

constante164

em que o agon como uma seccedilatildeo da estrutura se localiza na ordem esperada

proacutelogo paacuterodo agon paraacutebase I e II cenas episoacutedicas e ecircxodo O proacutelogo (vv 1-208)

cumpre sua funccedilatildeo de expor o assunto da peccedila a fundaccedilatildeo de uma cidade nas nuvens E o

paacuterodo (vv 209-450) marca o iniacutecio dessa empreitada feeacuterica cuja realizaccedilatildeo depende do

ecircxito que o heroacutei cocircmico teraacute no agon

Na passagem do proacutelogo para o paacuterodo (vv 206-208) Pisetero pede que a

personagem Poupa chame e reuacutena as aves que aparecem aos poucos na orquestra e satildeo

apresentadas a ele e a Eveacutelpides Assim que todas estatildeo congregadas a Poupa lhes explica a

razatildeo da presenccedila dos estrangeiros As aves se sentem traiacutedas e divididas em dois grupos

decidem punir os invasores que na defensiva se armam de panelas e espetos (vv 354-363) A

Poupa interveacutem e com o apaziguamento das partes as aves concordam em ouvir Pisetero

Como os acarnenses contra Diceoacutepolis em Acarnenses e as vespas-heliastas contra

Bdelicleatildeo em Vespas o coro de aves representa um papel ativo com suas intenccedilotildees hostis

contra o heroacutei Essas comeacutedias tecircm portanto em comum paacuterodos de natureza agoniacutestica

No estudo dos paacuterodos das comeacutedias de Aristoacutefanes Zimmermann (1984 p 16)

analisa que apoacutes a bem sucedida intervenccedilatildeo da Poupa ocorre a transiccedilatildeo (vv 406-433) para

um acordo (vv 434-447) que precede o agon epirremaacutetico Esse movimento da accedilatildeo

163 Com a leveza do riso Aristoacutefanes critica pesadamente a conjuntura da eacutepoca na comeacutedia Aves (414 aC)

cujo texto prima em alegoria e fantasia O enredo se constroacutei agraves voltas do projeto de Pisetero que

acompanhado de seu companheiro Eveacutelpides pretende fundar uma cidade nas nuvens Cuconuvolacircndia por

causa da situaccedilatildeo caoacutetica pela qual Atenas passava O ecircxito dessa empresa esbarra entretanto nos legiacutetimos habitantes desse espaccedilo aeacutereo as aves O conflito eacute inevitaacutevel e o agon da comeacutedia eacute uma seccedilatildeo-chave na

fabulaccedilatildeo para que o plano do heroacutei Pisetero tenha sucesso 164 O desenvolvimento progressivo natildeo eacute interrompido nem mesmo pela paraacutebase (THIERCY 2007 p 164)

Para uma anaacutelise mais detalhada cf Duarte (2000 p 153-166)

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

137

conflitante no paacuterodo culmina no agon epirremaacutetico o que traz algumas divergecircncias entre os

estudiosos com relaccedilatildeo ao nuacutemero de agones em Aves

Gelzer (1960 p xiii) atribui a essa comeacutedia dois agones que satildeo denominados por

ele agones apoacutes o paacuterodo sendo o segundo o principal Jaacute Mazon (1904) Pickard-Cambridge

(1966) Sommerstein (1991) e Moumlllendorff (2002) fixam um uacutenico agon que corresponde ao

agon principal no exame de Gelzer E todos estatildeo acordados que esse agon principal comeccedila

no v 451

Neste estudo tentaremos demonstrar que a accedilatildeo agressiva do coro no paacuterodo que

na classificaccedilatildeo de Gelzer (1960 p 42) corresponde ao agon I funciona como um proagon

isto eacute uma cena preparatoacuteria para o agon Essa cena eacute um prolongamento da accedilatildeo do paacuterodo e

marca a transiccedilatildeo da accedilatildeo hostil das aves para um apaziguamento proporcionando uma

chance para Pisetero expor seus argumentos que por sua vez estaratildeo presentes no agon

epirremaacutetico cuja natureza eacute descaracterizada pela unilateralidade

No proagon o conteuacutedo eacute peculiar porque ambas as partes litigantes a dos

homens e a dos paacutessaros natildeo dialogam um com o outro mas falam de modo alternado numa

accedilatildeo que se configura numa cena de combate Sua forma contempla todavia a maioria das

seccedilotildees de um agon epirremaacutetico que estatildeo assim dispostas

ode (vv 327-335) antode (vv 343-351)

katakeleusmos (vv 336-338) antikatakeleusmos (vv 352-353)

epirrema (vv 338-342) antepirrema (vv 354-385)

pnigos natildeo haacute antipnigos (vv 386-399)

Na ode coro manifesta um canto hostil agrave personagem Poupa que eacute acusado de

traiccedilatildeo

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138

Χο ἔα ἔα

προδεδόμεθrsquo ἀνόσιά τrsquo ἐπάθομεν (vv 329-330)

Co Ui Ui

Fomos traiacutedos de impiedade viacutetimas165

O canto do coro jaacute eacute de entusiasmo o que torna o conteuacutedo do katakeleusmos que

eacute ameaccedilador um apecircndice da ode (GELZER 1960 p 43) A accedilatildeo se direciona para um

confronto fiacutesico

Χο ἀλλὰ πρὸς τοῦτον μὲν ἡμῖν ἐστιν ὕστερος λόγος

τὼ δὲ πρεσβύτα δοκεῖ μοι τώδε δοῦναι τὴν δίκην

διαφορηθναί θrsquo ὑφrsquoἡμῶν (vv 336-338)

Co Bem com ele [Poupa] acertaremos mais tarde

Na minha opiniatildeo devemos punir E estraccedilalhar os dois velhos [Pisetero e Eveacutelpide]

A aporia de Pisetero e Eveacutelpide eacute evidenciada no epirrema que distribuiacutedo num

curto diaacutelogo entre eles eacute interrompido pela antode que manteacutem o tom hostil da ode

Χο ἰὼ ἰώ

ἔπαγrsquoἐπιθrsquoἐπίφερε πολέμιον (v 344)

Co Ioacute Ioacute Vem Avanccedila assalta ataca o inimigo

O antikatakeleusmos tem em relaccedilatildeo agrave antode a mesma funccedilatildeo que o

katakeleusmos teve com a ode Pisetero e Eveacutelpides voltam a confabular no antepirrema ateacute

que recomeccedila a ameaccedila de ataque das aves sob as ordens do corifeu para avanccedilar e apontar o

bico (χώρει κάθες τὸ ῥύγχος v 364) Entatildeo como mediadora da situaccedilatildeo a Poupa se

interpotildee conseguindo que o coro aceite fazer uma treacutegua

Χο ἔστι μὲν λόγων ἀκοῦσαι πρῶτον ὡς ἡμῖν δοκεῖ

χρήσιμον μάθοι γὰρ ἄν τις κἀπὸ τῶν ἐχθρῶν σοφόν (vv 381-382)

Co Eacute talvez seja uacutetil ouvir primeiro os discursos Pode-se aprender algo saacutebio ateacute com os inimigos

165 Todas as passagens traduzidas satildeo de Adriane da Silva Duarte

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139

Depois de a Poupa ter se interposto as duas partes recomeccedilam de modo confuso

um breve diaacutelogo (vv 383-385) O antipnigos (vv 386-399) volta a pertencer inteiramente aos

homens Para Gelzer (1960 p 43) Aristoacutefanes emprega o antipnigos como conclusatildeo da

forma embora nele natildeo ocorra a aceleraccedilatildeo da fala Trata-se ao contraacuterio muito mais de um

apaziguamento do diaacutelogo ocorrido no antepirrema Assim Aristoacutefanes organiza agora a accedilatildeo

de tal maneira que a forma com antepirrema e antipnigos eacute conduzida pacificamente ateacute o

fim E no antipnigos com o furor do coro aplacado instaura-se uma treacutegua entre as aves e os

dois intrusos

Como a siziacutegia epirremaacutetica eacute comum ao paacuterodo e ao agon entendemos que estaacute

havendo um prolongamento do paacuterodo porque a ode realizada pela personagem Poupa se

manteacutem ligada pelo conteuacutedo ao diaacutelogo precedente ocorrido no paacuterodo166

entre Poupa

Pisetero e Eveacutelpide Conforme Pickard-Cambridge (1966 p 222-223) na segunda parte do

paacuterodo haacute uma cena de batalha que para Mazon (1904 p 109) natildeo pertence ao paacuterodo mas

se trata de uma cena independente que se configura num agon no sentido beacutelico da palavra

embora Mazon natildeo a classifique como o primeiro agon Para esse autor dos vv 326-434

encontra-se a cena de batalha (scegravene de bataille) seguida de uma cena que ele denominou de

introduction drsquoagon (vv 435-450)

Essa mesma foacutermula em que o comeccedilo do agon se funde agrave accedilatildeo ofensiva do final

do paacuterodo eacute observada tambeacutem em Acarnenses e Vespas Natildeo haacute portanto transiccedilatildeo

(GELZER 1960 p 39) desse final de paacuterodo para o que Gelzer considera como primeiro

agon da peccedila que entendemos funcionar como um proagon que se estende ateacute o v 450 e cuja

funccedilatildeo eacute preparar a cena do agon em que o plano do heroacutei seraacute exposto

166 Mazon (1904) e Pickard-Cambridge (1966) dividem o paacuterodo de Aves em duas partes mas sem

correspondecircncia de versos entre esses autores Para Pickard-Cambridge (1966 p 222-223) a primeira parte

compreende os vv 209-266 e a segunda os vv 267-351 Jaacute Mazon (1904 p 99-100) distribui o paacuterodo

primeiramente entre os vv 267-293 em que o coro natildeo entra em conjunto mas isoladamente e depois entre

os vv 294-326 em que o restante do coro penetra coletivamente na orquestra

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

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140

Com a treacutegua criam-se condiccedilotildees para que Pisetero possa apresentar seu plano Eacute

por isso que natildeo se trata ainda de um agon porque no niacutevel da accedilatildeo haacute uma preparaccedilatildeo

para a negociaccedilatildeo que vai ocorrer no agon em que o heroacutei faraacute a exposiccedilatildeo de seu plano criar

uma cidade nas nuvens junto aos paacutessaros

A Poupa de natureza hiacutebrida homempaacutessaro adianta o assunto sobre o qual

Pisetero quer falar (vv 412-415) e sua fundamentaccedilatildeo (vv 422-426) avocando o papel de

mediador entre coro e heroacutei Com isso haacute uma adesatildeo das aves que concordam em ouvir

Pisetero (vv 432-433) que por sua vez exige uma garantia de sua seguranccedila (vv 439-442) O

coro estaacute de acordo e presta juramento

Χο ὄμνυμrsquo ἐπὶ τούτοις πᾶσι νικᾶν τοῖς κριταῖς

kαὶ τοῖς θεαταῖς πᾶσιν (v 445)

Co Juro sob estas condiccedilotildees vencer com todos os jurados

e com os espectadores todos

Esse juramento soa com um tom parabaacutetico porque sugere uma quebra da ilusatildeo

cecircnica em que o coro assume o papel de uma personagem (SOMMERSTEIN 1987 p 225

SILVA 1989 p 90) da intriga e avoca para si a funccedilatildeo de antagonista do heroacutei Nesse agon

participam quatro personagens Pisetero Eveacutelpide Poupa e o Coro Natildeo haacute um juiz nem

mediador porque natildeo se trata de saber quem tem razatildeo mas de um jogo persuasivo de

convencimento e seduccedilatildeo conforme o que o corifeu deixa evidente ao empregar o verbo

ἀναπείθω

ἀλλrsquo ἐφrsquo ὅτῳπερ πράγματα τὴν σὴν ἤκεις γνώμην ἀναπείσας

λέγε θαρρήσας ὡς τὰς σπονδὰς οὐ μὴ πρότεροι παραβῶμεν(vv 460-461)

O motivo seja qual for que trouxe vocecirc aqui para nos convencer

Fale confiante A treacutegua natildeo seremos os primeiros a romper

Nada de muito difiacutecil ao heroacutei que segundo a Poupa eacute dotado de uma habilidade

ardilosa comparaacutevel a uma fera espertiacutessima (πυκνότατον κίναδος vv 429-430) Pisetero

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141

eacute por primazia poneros e em sua poneria encontram-se sapiecircncia (σόφισμα) maledicecircncia

(κύρμα) experiecircncia (τρῖμμα) e muita inteligecircncia (παιπάλημrsquo ὅλον) atributos que o

coro natildeo ignora em se tratando de um humano

δολερὸν μὲν ἀεὶ κατὰ πάντα δὴ τρόπον

πεφυκεν ἄνθρωπος σὺ δrsquoὅμως λέγε μοι (vv 451-452)

Traiccediloeiro em todas as coisas

eacute por natureza o homem Mas apesar disso fala

Essas palavras do coro que abrem o agon proporcionam um tom solene quase de

trageacutedia167

agrave ode e tambeacutem ao discurso de Pisetero que com a devida competecircncia

discursiva enfrentaraacute o coro e a Poupa para defender seu projeto expondo-o com

circunspeccedilatildeo num agon cuja forma eacute de um agon epirremaacutetico completo168

e estaacute assim

configurado

ode (vv 451-459) antode (vv 539-547)

katakeleusmos (vv 460-461) antikatakeleusmos (vv 548-549)

epirrema (vv 462-522) antepirrema (vv 550-610)

pnigos (vv 523-538) antipnigos (vv 611-626)

sphragis (vv 627-638)

167 Nessa passagem de Aves o coro exalta o poder da natureza humana o que nos sugere a alusatildeo ao primeiro

estaacutesimo de Antiacutegona de Soacutefocles

πολλὰ τὰ δεινὰ κοὐδὲν ἀν-

θρώπου δεινότερον πέλει (νν 332-333)

haacute muitas coisas temiacuteveis mas nada

mais temiacutevel do que o homem

A aproximaccedilatildeo dessas odes estaacute no campo semacircntico dos vocaacutebulos δολεπὸρ (peacuterfido enganador) e δεινόρ

(que inspira temor) Ambas as odes satildeo um canto agrave grandeza humana que em Aves tem um sentido negativo

e em Antiacutegona devido agrave ambiguumlidade de sentido pode ser interpretada como o que inspira temor eacute algo

traiccediloeiro E o elemento comum em ambas eacute a figura humana A propoacutesito de um estudo aprofundado sobre

essa passagem de Antiacutegona cf Riol (1969) 168 Na tabela de Gelzer (1960 p xiii) esse agon compreende os vv 451-626 com todas as partes simeacutetricas

exceto a sphragis distribuiacutedo da seguinte maneira estrofe (vv 451-459) katakeleusmos (vv 460-461)

epirrema (vv 462-538) antiacutestrofe (vv 539-547) antikatakeleusmos (vv 548-549) antepirrema (vv 560-

626) No entanto Pickard-Cambridge (1966 p 223) Mazon (1904 p 109) e Moumlllendorff (2002 p 105) estendem esse agon ateacute o v 638 Pickard-Cambridge natildeo marca o pnigos e o antipnigos mas a sphragis entre

os vv 627-638 Jaacute Mazon e Moumlllendorff elencam as partes do agon como Gelzer inclusive concebem a

sphragis como Pickard-Cambridge Jaacute Sommerstein (1987 p 226) delimita esse agon entre os vv 451-635

Nesta anaacutelise adotamos a configuraccedilatildeo segundo Mazon e Moumlllendorff

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

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142

Apresentando todas as partes da siziacutegia epirremaacutetica esse agon eacute perfeito na sua

forma mas totalmente descaracterizado em seu conteuacutedo Ao tomar a palavra Pisetero pede

uma coroa e aacutegua para lavar as matildeos (vv 463-464) gestos que se referem agrave figura dos

oradores na assembleacuteia Assim como a Primeira Mulher em Tesmoforiantes veste uma coroa

antes de seu pronunciamento agrave assembleacuteia de mulheres assim Pisetero tambeacutem coroado se

dirige agrave comunidade ornitoloacutegica reunida Natildeo haveraacute discussatildeo apenas discurso Trata-se de

um conteuacutedo unilateral em que as partes epirremaacuteticas pertencem inteiramente agraves falas do

heroacutei que no epirrema busca nas faacutebulas de Esopo (v 471 ss v 651 ss) provas de que no

princiacutepio antes mesmo da primeira geraccedilatildeo dos deuses exposta na Teogonia de Hesiacuteodo (v

609) as aves reinavam soberanas O discurso de Pisetero se alicerccedila em exemplos como o

galo da Peacutersia estabelecendo que a soberania delas foi usurpada pelos deuses oliacutempicos

Tambeacutem no antepirrema Pisetero manteacutem seu raciociacutenio descrevendo passo a

passo a decadecircncia das aves de sua posiccedilatildeo suprema agrave condiccedilatildeo de serem servidas nos

espetinhos assados ao molho Em seguida ele expotildee como elas podem reconquistar essa

soberania a ponto de deuses e homens se curvarem ao poder delas A proposta da construccedilatildeo

de uma cidade nas nuvens eacute estrateacutegica porque interceptaraacute as comunicaccedilotildees entre deuses e

homens Enquanto esses passaratildeo a oferecer sacrifiacutecios agraves aves aqueles privados dos odores

das libaccedilotildees e pressionados pela fome vatildeo se curvar a elas

Coro e Poupa colocam algumas objeccedilotildees questionando o lado divino das aves

Entretanto Pisetero sempre tem uma resposta pronta a essas contestaccedilotildees que ao inveacutes de

romper com a exposiccedilatildeo do plano do heroacutei contribuem para o desdobramento de suas

ideacuteias169

Com o poder as aves poderatildeo punir os desobedientes e para os que submeterem agrave

nova ordem encontraratildeo benesses e recompensas graccedilas agrave ornitomancia (vv 588-595) No

169 Esse procedimento da accedilatildeo tambeacutem ocorre em Assembleacuteia de mulheres cf infra

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

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143

pnigos e antipnigos o tema eacute um prolongamento do que foi dito na parte epirremaacutetica perda

e recuperaccedilatildeo de supremacia sobre homens e deuses respectivamente Como natildeo haacute

julgamento nem discussatildeo polarizada descarta-se a presenccedila de um aacuterbitro

consequumlentemente a sphragis cuja funccedilatildeo eacute dar a sentenccedila se apresenta de uma forma um

tanto peculiar o corifeu afirma a Pisetero que as aves estatildeo convencidas e estatildeo dispostas a

colaborar com plano do heroacutei O coro entatildeo pronuncia-se num canto de triunfo O corifeu

volta a se dirigir a Pisetero numa espeacutecie de katakeleusmos (MAZON 1904 p 103)

Embora na sua forma natildeo reste duacutevida de que se trata de um agon epirremaacutetico

quanto ao conteuacutedo fica descaracterizado o jogo do argumentocontra-argumento Pisetero

natildeo defende seu ponto de vista mas o expotildee num jogo de persuasatildeo que aliaacutes condiz agrave

etimologia de seu nome170

―aquele que persuade os companheiros Trata-se de um traccedilo que

caracteriza a personagem como poneros cuja poneria estaacute a serviccedilo de um discurso eficiente

e seacuterio ao contraacuterio das falas de Eveacutelpides que como co-orador (GELZER 1960 p 125)

apoacuteia o pronunciamento do companheiro lanccedilando volta e meia glosas ingecircnuas que trazem

como exemplo uma situaccedilatildeo vivida para tornar verdadeiro o que foi dito antes (vv 493-498

501-503) ou com comentaacuterios com duplo sentido das palavras conforme as passagens i) vv

506-507 em que os vocaacutebulos κριθάς e πεδίοις tanto podem se referir ao contexto agriacutecola

como ao sexo o primeiro com o sentido de ―gratildeo de cevada refere-se ao oacutergatildeo sexual

masculino enquanto que o segundo ―campo ao oacutergatildeo sexual feminino junta-se a esses dois

vocaacutebulos o nome da ave cuco e tambeacutem a palavra ψωλοί que tanto se refere aos circuncisos

quanto agrave excitaccedilatildeo sexual ii) no emprego da palavra κεφαλή (v 476) que pode ser tanto o

substantivo comum cabeccedila quanto o nome proacuteprio de um demos de Atenas ou com apartes

170 A propoacutesito da ortografia do nome do heroacutei Pistetero ou Pisetero Thiercy (1997 p 1161) discute a

problemaacutetica que existe em torno da significaccedilatildeo desses nomes Estamos nesta anaacutelise adotando o nome

Pisetero porque conforme a concepccedilatildeo que se tem da construccedilatildeo da personagem trata-se de algueacutem

astucioso e mestre em sofiacutestica De acordo com Whitman (1964 p 174 ss) a poneria presente em Pisetero eacute

um legado da sofiacutestica de Goacutergias

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zombeteiros em tom de ironia conforme se observa em (v 480) a rivalidade entre Zeus e o

pica-pau (δρυκολάπτης) (vv 486-487) o turbante da realeza persa κυρβασία tomado

como a crina do galo λόφος iii) (vv 511-513) alusatildeo aos proventos iliacutecitos iv) (v 521)

invectiva pessoal v) mofas com as divindades Zeus (vv 570 610) (v 581) Demeter e Apolo

(v 585) O tom jocoso dos apartes de Eveacutelpide faz com que ele assuma a funccedilatildeo de

bomolochos acrescentando um tempero cocircmico agrave cena Essas glosas ingecircnuas natildeo satildeo motivo

de refutaccedilatildeo por parte de Pisetero da Poupa e do Coro o que permite agrave accedilatildeo de seguir seu

curso apoacutes o agon expositivo e persuasivo

O conteuacutedo expositivo das partes epirremaacuteticas do agon que diz respeito agrave

ornitogonia se relaciona agrave paraacutebase I seccedilatildeo subsequumlente em que haacute um paralelismo entre a

exposiccedilatildeo do corifeu cujo assunto trata da cosmogonia ornito-oacuterfica Esse assunto eacute abordado

no estudo de Duarte (2000 p 156-162) que demonstra que nos anapestos da paraacutebase I (vv

685-722) Pisetero faz do direito de antiguumlidade a defesa de sua tese

A paraacutebase retoma portanto as ilustraccedilotildees da tese do heroacutei no agon cujo

principal argumento era elevar o status das aves ao status dos seres primordiais dos mitos

teogocircnicos Agon e paraacutebase se ligam pelo conteuacutedo funcionando como um eixo temaacutetico

central da narrativa dramaacutetica entre a primeira e a segunda parte da peccedila que traz cenas que

satildeo uma consequumlecircncia da realizaccedilatildeo do plano do heroacutei com a fundaccedilatildeo de Cuconuvolacircndia

A poneria do heroacutei vai marcar toda a segunda parte da comeacutedia em que o heroacutei

salvaguardando sua polis aeacuterea enfrenta os visitantes inoportunos que vecircm agraves portas da

cidade i) o poeta maltrapilho que a todo custo tenta sobreviver de sua arte (vv 903-954) ii)

o inteacuterprete de oraacuteculos que eacute um charlatatildeo (vv 959-990) iii) o geocircmetra Meacuteton que propotildee

um plano urbaniacutestico (vv 991-1019) iv) um inspetor e um comerciante de decretos carregado

de urnas e leis respectivamente (vv 1020-1057) v) o parricida (vv 1342-1471) vi) o poeta

Ceneacutesias (vv 1372-1410) e finalmente o sicofanta (vv 1411-1465)

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145

Para ter ecircxito absoluto em seu plano Pisetero precisaraacute sanar a questatildeo com os

deuses oliacutempicos

Πο περσβεύοντες ἡμεῖς ἥκομεν

παρὰ τῶν θεῶν περι πολέμου καταλλαγς (vv 1587-1588)

Poseidon Como embaixadores noacutes viemos

da parte dos deuses para negociar o fim da guerra

Nessa cena (vv 1583 ss) Aristoacutefanes poderia ter composto um agon jaacute que se

trata de um acordo Mas o poeta natildeo o fez porque se o fizesse quebraria a sequumlecircncia das

seccedilotildees da estrutura do texto pela qual pareceu zelar A esse respeito Gelzer (1996 p 207-

208) em seu artigo sobre alguns aspectos da arte dramaacutetica em Aves defende que o

espectador tinha conhecimento da sequumlecircncia da estrutura da comeacutedia Aproveitando-se disso

Aristoacutefanes joga com as expectativas do puacuteblico Primeiramente com um paacuterodo em que o

coro ainda ausente na orquestra se faz ouvir para num segundo momento fazer sua entrada

que natildeo se daacute coletivamente mas aos poucos depois no primeiro agon epirremaacutetico (vv

327-399) que nesta anaacutelise estaacute sendo considerado proagon cria uma atmosfera mais para o

combate do que para o debate em seguida no agon propriamente (vv 451-626) ao inveacutes de

uma discussatildeo polarizada ocorre uma exposiccedilatildeo unilateral feita pelo heroacutei E por fim na

paraacutebase (vv 676-800) em que se espera a ruptura da accedilatildeo para que o coro se pronuncie em

nome do poeta essa ruptura natildeo ocorre e o coro se manifesta em seu proacuteprio nome tornando

a paraacutebase uma seccedilatildeo em harmonia com a accedilatildeo

Proacutelogo paacuterodo agon e paraacutebases demonstram que a accedilatildeo linear se estende agraves

cenas episoacutedicas seguintes que ilustrando o surgimento de uma nova ordem inclusive para os

deuses satildeo a consequumlecircncia de que no agon o heroacutei foi ao defender seu projeto bem sucedido

Em suma no plano da accedilatildeo jaacute no proacutelogo Pisetero esclarece qual eacute seu plano e o

paacuterado bem como a cena seguinte que entendemos como proagon oferece um

prosseguimento da accedilatildeo Mas o coro natildeo estaacute ciente ainda da empresa do heroacutei apenas o vecirc

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146

como um intruso no mundo das aves e natildeo estaacute aberto ao diaacutelogo Entatildeo a Poupa se coloca

entre as partes e estabelece uma treacutegua ao heroacutei que tendo a garantia de seguranccedila apresenta

seu plano expondo-o no agon conseguindo reverter a situaccedilatildeo e de inimigas as aves passam a

aliadas Portanto na sequumlecircncia da accedilatildeo o que chamamos de proagon que para Gelzer (1996)

eacute o primeiro agon estabelece a treacutegua E o agon epirremaacutetico propriamente estabelece o

conflito que estaacute descaracterizado pela unilateralidade do discurso que tambeacutem ocorre com

algumas variantes nos agones de Lisiacutestrata e Assembleacuteia de mulheres

2 Lisiacutestrata171

o confronto entre coros (agon de exposiccedilatildeo inserido num complexo

agoniacutestico)

A composiccedilatildeo da comeacutedia Lisiacutestrata se divide em duas partes bem marcadas

estabelecidas entre o antes e o depois de a heroiacutena pocircr em praacutetica seu plano pacifista A accedilatildeo eacute

contiacutenua (MAZON 1904 p 124) e natildeo paacutera na paraacutebase mas se prolonga em cenas que

compondo a segunda metade da peccedila ilustram a operaccedilatildeo estrateacutegica do plano da heroiacutena a

greve de sexo das mulheres e a ocupaccedilatildeo da acroacutepole

No proacutelogo (vv 1-253) com a exposiccedilatildeo do assunto a respeito do complocirc das

mulheres contra a permanecircncia dos homens na guerra a accedilatildeo jaacute se configura natildeo pela forma

mas pelo conteuacutedo num agon O mentor dessa conspiraccedilatildeo eacute a ateniense Lisiacutestrata que

precisando do apoio das mulheres gregas expotildee a elas o plano de boicote Isso gera uma

discussatildeo entre a heroiacutena e as mulheres que no final acabam se convencendo e jurando

adesatildeo ao projeto

171 Lisiacutestrata (411 aC) eacute segundo as comeacutedias conservadas natildeo apenas tiacutetulo da peccedila mas tambeacutem o nome da

primeira personagem feminina na funccedilatildeo de heroacutei cocircmico ou melhor de heroiacutena cujo plano eacute tomar frente

agraves decisotildees poliacuteticas do Estado para pocircr fim a um assunto essencialmente masculino a guerra A estrateacutegia

empregada resume-se na mais poderosa arma feminina contra os homens o sexo

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Λυ εἰ γὰρ καθῄμεθrsquo ἔνδον ἐντετριμμέναι

κἀν τοῖς χιτωνίοισι τοῖς ἀμοργίνοις

γυμναὶ παρίοιμεν δέλτα παρατετιλμέναι

στύοιντο δrsquo ἄνδρες κἀπιθυμοῖεν σπλεκοῦν

ἡμεῖς δὲ μὴ προσίοιμεν αλλrsquo ἀπεχοίμεθα

σπονδάς ποιήσαιντrsquo ἅν ταχέως εὖ οἶδrsquo ὅτι (vv 149-154)

Lis Se ficaacutessemos dentro de casa maquiladas

e sob as tunicazinhas de Amorgos

nuas desfilaacutessemos o puacutebis depilado os maridos cheios de tesatildeo desejariam fazer sexo

mas se natildeo nos aproximaacutessemos se nos recusaacutessemos

negociariam a treacutegua rapidinho sei bem disso172

A situaccedilatildeo enfrentada por Lisiacutestrata eacute muito proacutexima da posiccedilatildeo de Pisetero em

Aves que precisou expor aos paacutessaros seu plano para que persuadindo-os pudesse tornaacute-lo

exequumliacutevel Assim Lisiacutestrata argumentando exibe sua empresa de maneira a convencer as

mulheres gregas agrave adesatildeo incondicional atraveacutes de um juramento (vv 209-240) Desde o

proacutelogo a accedilatildeo implica numa discussatildeo de cunho persuasivo que se acentua como veremos

mais adiante no compasso das seccedilotildees seguintes da estrutura da comeacutedia Apoacutes o juramento jaacute

no final do proacutelogo Lampito pergunta τίς Ὠλολυγά ―Por que este alvoroccedilo (v 240)

Segundo Sommerstein (1990 p 166-167) o vocaacutebulo ololuga significa um grito de triunfo

de vitoacuteria que eacute um sinal para Lisiacutestrata do sucesso da invasatildeo da acroacutepole pelas mulheres

Esse conflito eacute num primeiro momento ouvido e passa a ser visto isto eacute ganha proporccedilotildees

mimeacuteticas na seccedilatildeo seguinte no paacuterodo Trata-se da accedilatildeo de um lado do coro que estaacute

dividido no caso o semicoro de velhas que se confronta com o outro lado o semicoro de

velhos

De acordo com a anaacutelise de Zimmermann (1984 p 17-18) no paacuterodo (vv 254-

349) de Lisiacutestrata o conteuacutedo determina a forma que se dispotildee numa composiccedilatildeo

epirremaacutetica173

No katakeleusmos (vv 254-245) o corifeu daacute a palavra de ordem para que os

172 Todas as passagens traduzidas satildeo de Adriane da Silva Duarte 173 Seguimos a distribuiccedilatildeo das seccedilotildees do paacuterodo (vv 254-349) segundo Pickard-Cambridge (1966 p 224-225)

que o divide da seguinte maneira a primeira parte cuja estrutura se assenta na siziacutegia epirremaacutetica pertence

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Assembleacuteia das Mulheres

148

coreutas avancem na orquestra Em seguida na ode (vv 256-265) o coro apresenta uma

queixa a respeito das incertezas da vida e especialmente da subordinaccedilatildeo das mulheres

assunto que se estende no epirrema (vv 266-270) Na antode (vv 271-280) satildeo lembrados os

dias de gloacuteria de uma saudosa juventude e no antepirrema (vv 281-285) a queixa se volta

para a ocupaccedilatildeo da acroacutepole pelas mulheres Na sequumlecircncia essa forma epirremaacutetica se repete

com a seguinte configuraccedilatildeo ode (vv 286-295) antode (vv 296-305) quasi-katakeleusmos

(v 306) epirrema (vv 307-312) e antepirrema (vv 313-318) O conteuacutedo dessa parte implica

na accedilatildeo do semicoro masculino que empunhando tochas estaacute decidido a incendiar a cidadela

ἀλλrsquoὡς τάχιστα ρπός πόλιν σπευσωμεν ὦ φιλοῦγε

ὅπως ἃν αὐταῖς ἐν κύκλῳ θέντες τὰ πρέμνα ταυτί

ὁσαι τὸ πρᾶγμα τοῦτrsquoἐνεστήσαντο καὶ μετλθον

μίαν πυρὰν νήσαντες ἐμπρήσωμεν αὐτόχειρες (vv 266-269)

Vamos raacutepido apressemo-nos para a cidadela Para que dispondo essa lenha ao redor delas

De quantas alavancaram esse negoacutecio e o levaram a diante

E uma uacutenica fogueira armando de proacutepria matildeo ateemos fogo

O enfrentamento dos dois semicoros ocorre na cena seguinte que na interpretaccedilatildeo

de Pickard-Cambridge (1966 p 225) se refere a um proagon (vv 350-386) Natildeo se trata

somente de uma cena preparatoacuteria para o agon mas do prolongamento da accedilatildeo hostil dos

semicoros comeccedilada no paacuterodo que nesse momento da peccedila se configura numa cena de

insultos e ameaccedilas Como bem observou Sommerstein (1990 p 171) os vv 350-363 satildeo

duplos para cada uma das partes e no intervalo dos vv 364-374 passa a ser simples e do v

375 em diante tornam-se meio-verso que se completam na fala seguinte Essa gradaccedilatildeo dois

um meio traz um ritmo de aceleraccedilatildeo bem ao estilo esticomiacutetico num jogo do toma laacute daacute caacute

entre os corifeus o que aumenta o niacutevel de tensatildeo da cena e prepara a accedilatildeo para uma contenda

agrave evoluccedilatildeo do coro de velhos a segunda parte que apresenta na forma apenas katakeleusmos ode e antode

pertence agrave evoluccedilatildeo do coro de velhas

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

149

entre coros que se amplifica numa cena de batalha174

(vv 387-466) Nela temos a presenccedila de

Lisiacutestrata e do Conselheiro que contando como aliado o semicoro masculino se contrapotildee agrave

invasatildeo das mulheres na acroacutepole e com violecircncia procede contra elas (vv 426-430)

Lisiacutestrata por sua vez lhe pede para negociar (vv 430-432) mas ele recusa e novamente em

posiccedilatildeo de ataque investe contra elas (vv 450-451)

Onde se esperaria um debate em que as partes expotildeem seus pontos de vista ocorre

apenas uma cena jocosa e ao inveacutes de discussatildeo o agon epirremaacutetico se caracteriza numa

uacutenica exposiccedilatildeo a argumentaccedilatildeo da Lisiacutestrata

Quanto agrave forma175

esse agon epirremaacutetico se apresenta da seguinte maneira

ode (vv 476-483) antode (vv 539-548)

katakeleusmos (vv 484-485) antikatakeleusmos (vv 549-550)

epirrema (vv 486-531) antepirrema (vv 551-597)

pnigos (vv 532-538) antipnigos (vv 598-607)

sphragis (vv 608-613)

As partes apresentadas acima formatam um agon epirremaacutetico completo poreacutem

quanto ao conteuacutedo trata-se de um agon descaracterizado Segundo Mazon (1904 p 115) o

agon da comeacutedia Lisiacutestrata possui dois preluacutedios melodramaacuteticos que natildeo encontramos nos

outros agones um se refere ao iniacutecio do agon (vv 467-475) o outro agrave antode (vv 539-540) O

motivo disso se explica por causa da composiccedilatildeo do coro de Lisiacutestrata que dividido em dois

semicoros estaacute engajado tambeacutem na contenda Eacute natural portanto que o agon comece com

um breve diaacutelogo entre os dois corifeus o representante do coro feminino cuja audaacutecia

determina o movimento da cena aliado de Lisiacutestrata versus o representante do coro

masculino composto por anciatildeos atenienses favoraacuteveis ao Conselheiro

174 Segundo Mazon (1904 p 125) a curta cena de batalha natildeo estaacute ajustada musicalmente pelo ritmo como as

cenas de batalha dos coros de Acarnenses Cavaleiros Vespas e Aves Essa cena de batalha eacute um

surpreendente lance teatral (coup de thecircagravetre) que estaacute a serviccedilo da animaccedilatildeo cecircnica 175 Seguimos a distribuiccedilatildeo de Gelzer (1960 p xiii) exceto a sphragis que eacute marcada por Mazon (1904 p 115)

e Moumlllendorff (2002 p 81)

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

150

No exame de Gelzer (1960 p 62 65-66) o coro bipartido eacute um co-orador de seus

aliados e as ampliaccedilotildees das odes por meio de proepirremas nos versos falados que o coro

profere antes das odes eacute um traccedilo das peculiaridades dessa comeacutedia porque se trata de um

coro partidaacuterio e interessado no desfecho da contenda como temos no agon I de Cavaleiros

O katakeleusmos eacute dirigido ao Conselheiro o que nos causa uma falsa ideacuteia de

que seja ele quem vai conduzir a discussatildeo pois eacute Lisiacutestrata quem toma a palavra no

epirrema Logo em seguida quando o antikatakeleusmos eacute dirigido a ela novamente a

heroiacutena se pronuncia no antepirrema Apoacutes o epirrema quando Lisiacutestrata cobre Conselheiro

com seu veacuteu o semicoro de velhos ameaccedila avanccedilar contra ela Imediatamente o corifeu das

mulheres daacute a ordem a seu coro que colocadas em posiccedilatildeo de defesa canta e danccedila na

antode Com essa configuraccedilatildeo de cena na opiniatildeo de Mazon (1904 p 116) a divisatildeo do

coro forccedilou Aristoacutefanes a compor um agon cujas partes corais simeacutetricas (odeantode

katakeleusmosantikatakeleusmos) estatildeo a serviccedilo da contenda entre os semicoros inimigos e

natildeo mais no encorajamento agrave personagem de falar no epirrema Talvez seja isso que natildeo

permitiu ao poeta consagrar um epirrema inteiro ao Conselheiro na defesa da causa

masculina

No epirrema Lisiacutestrata esclarece que a mesma competecircncia que as mulheres tecircm

na administraccedilatildeo da casa seraacute usada para a gestatildeo do dinheiro puacuteblico que natildeo mais financiaraacute

a guerra se natildeo a paz No antepirrema ela expotildee como o alcance da paz estaacute previsto em seu

plano Juntas essas partes epirremaacuteticas tratam pela narraccedilatildeo dos fatos do direito das

mulheres agrave ascensatildeo ao poder porque seus objetivos poliacuteticos satildeo mais bem intencionados do

que o dos homens E por fim Lisiacutestrata daacute provas de que as mulheres satildeo capazes dessa

empresa Argumentaccedilatildeo e raciociacutenio coesos conferem agrave heroiacutena a funccedilatildeo de poneros

(WHITMAN 1964 p 212 THIERCY 2007 p 220) que aliaacutes jaacute vinha sendo destacada

desde o proacutelogo quando ela invoca a Persuasatildeo e a Amizade (v 203) para a adesatildeo das

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

151

mulheres em sua empresa Nesse agon o conteuacutedo de sua arguumliccedilatildeo eacute coerente agraves duas

estrateacutegias de seu plano alusotildees ao sexo e agrave capacidade de as mulheres governar a polis tatildeo

bem quanto o fazem nos assuntos domeacutesticos176

A concentraccedilatildeo dessas partes epirremaacuteticas no pronunciamento da heroiacutena

caracteriza a unilateralidade desse agon abrandando um confronto verbal e desfazendo o jogo

argumentocontra-argumento177

A funccedilatildeo do Conselheiro nesse agon eacute cobrar de Lisiacutestrata

esclarecimentos de seu plano (vv 486 493 497 502 506) No final esse agon se encerra

com um movimento de cena burlesco a caricatura fuacutenebre do Conselheiro A cena se constroacutei

por uma metaacutefora em que a refutaccedilatildeo dele eacute materializada pela imagem moacuterbida a que ele foi

resumido Nessa cena o discurso constroacutei a imagem No decorrer da discussatildeo entre Lisiacutestrata

e o Conselheiro ela com a ajuda das mulheres178

o envolve com acessoacuterios femininos (veacuteu

faixas corbelhas e coroa) que o caracterizam num defunto Trata-se de uma amostra do que

ocorre com sua natildeo-defesa o discurso da heroiacutena envolve o discurso de seu adversaacuterio por um

veacuteu de palavras as pequenas faixas em torno do corpo dele mostram uma imobilizaccedilatildeo

verbal na corbelha que ele segura caberiam os conselhos de Lisiacutestrata ao povo ateniense e a

coroa fuacutenebre na cabeccedila dele sela a discussatildeo

Λυ οῦ δεῖ τί ποθεῖς χώρει lsquoς τήν ναῦν

ὁ Χάρων σε καλεῖ

σύ δὲ κωλύεις ἀνάγεσθαι (vv 605-607)

Dissolvetropa Falta alguma coisa O que vocecirc deseja Vaacute para o barco Caronte estaacute chamando

vocecirc o impede de zarpar

176 A esse respeito cf Konstan (1993 p 434) 177 Para Mazon (1904 p 117) Aristoacutefanes estava passando pela mesma conjuntura de Acarnenses (425 aC) em

que o poeta natildeo podia abordar de frente a questatildeo da guerra Assim em 411 aC ele reduz quase a nada a

tese adversa agrave heroiacutena 178 Na ediccedilatildeo de Sommerstein (1990) natildeo haacute indicaccedilatildeo de quem seja as mulheres que participam do agon Jaacute na

ediccedilatildeo de Victor Coulon (1950) trata-se das personagens Cleonice e Mirrina Segundo Gelzer (1960 p 124-

125) Cleonice tem a funccedilatildeo de bomolochos porque eacute co-oradora no bate-boca aleacutem de co-adjuvante no

momento de caracterizaccedilatildeo do Conselheiro

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

152

Portanto um discurso morto que estaacute materializado em cena Segundo Gelzer

(1960 p 53-54) o ponto principal desse agon eacute o conteuacutedo do discurso de Lisiacutestrata quanto agrave

figura de Conselheiro cuja funccedilatildeo estaacute proacutexima da de um bomolochos (GELZER 1960 p

125) serve apenas para dar a ela a oportunidade de proferi-lo No caso a cena ilustra o

conteuacutedo do que eacute dito de modo justamente dramaacutetico

Apoacutes essa cena eacute chegada a vez do enfrentamento dos dois semicoros na

paraacutebase Para Thiercy (1997 p 1223) como essa seccedilatildeo eacute irregular tanto na forma quanto no

conteuacutedo talvez essa passagem possa ser considerada como um quasi-agon devido agrave

hostilidade entre os coros Na anaacutelise de Sommerstein (1990 p 186) a paraacutebase apresenta a

siziacutegia epirremaacutetica duplicada que se explica pela divisatildeo do coro em dois semicoros que a

executam alternadamente com dois blocos cantados o que soma no total quatro blocos que

comeccedilam com o despojamento de uma parte do figurino e termina com uma ameaccedila de

violecircncia Nessa mesma linha interpretativa Russo (1994 p 168) comenta a natureza

agoniacutestica da paraacutebase

The agonistic parabasis of the two semi-choruses which begins directly afterwards

(lines 614-705) takes up from and is also profoundly influenced by the political

and feminist arguments aired by Lysistrata during her exposition of the motives for the occupation of the Acropolis

Proacutelogo paacuterodo agon e paraacutebase se amalgamam na forma e no conteuacutedo

evidenciando uma contaminatio entre essas seccedilotildees o proacutelogo anuncia o conflito que se realiza

no paacuterodo que por sua vez se estende no agon cuja tese eacute prorrogada na paraacutebase179

e nas

cenas episoacutedicas entre marido e mulher que potildeem em risco o plano da heroiacutena

A cena de juramento no proacutelogo estabelece a relaccedilatildeo direta com as cenas

conjugais em que o juramento agrave abstinecircncia sexual das mulheres eacute colocado agrave prova numa

179 De acordo com Duarte (2000 p 170-172) uma vez que a siziacutegia epirremaacutetica eacute comum ao paacuterodo agon e

paraacutebase alguns autores como Zielinsi Dover e Henderson hesitam na classificaccedilatildeo dos vv 614-705 de

paraacutebase E na interpretaccedilatildeo de Thiercy (2007 p 137) essa paraacutebase ainda que irregular na forma e no

conteuacutedo deva ser talvez considerada como um quasi-agon

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

153

situaccedilatildeo conflitante com seus esposos Por causa de uma treacutegua os homens voltam as suas

casas o que provoca uma agitaccedilatildeo entre as mulheres que conjuradas na acroacutepole procuram

uma desculpa para estar em seus lares (vv 706-80) Na interpretaccedilatildeo de Mazon (1904 p

118) pode-se ver nessa cena uma peripeacutecia Lisiacutestrata previu que a continecircncia seria um

castigo para os homens mas ela natildeo supocircs que as mulheres tambeacutem sofreriam pondo em

risco seu plano A cena protagonizada por Cineacutesias e Mirrina (vv 829-1013) pode ser

entendida como uma metoniacutemia falofoacuterica o ateniense Cineacutesias eacute o exemplo do que se passa

com todos os homens gregos

Κη ὀρσὰ Λακεδαίμων πᾶά καὶ τοὶ σύμμαχοι

ἅπαντες ἐστύκαντι Πελλάνας δὲ δεῖ (vv 995-996)

Arauto Toda a Lacedemocircnia estaacute ereta e os aliados

todos com tesatildeo Precisamos de nossas ordenhadeiras

A conexatildeo entre as seccedilotildees da comeacutedia eacute mantida natildeo apenas pela accedilatildeo hostil entre

semicoros mas tambeacutem pelas pequenas cenas episoacutedicas que asseguram uma continuidade

temaacutetica e sistemaacutetica ou ―vinculaccedilatildeo de motivos180

conforme expressatildeo empregada por

Gelzer (1960 p 70-71) Trata-se da configuraccedilatildeo de modo conexo entre a primeira parte da

comeacutedia ou seja proacutelogo paacuterodo agon e paraacutebase com a segunda parte da peccedila que

compreende as cenas episoacutedicas e a adversidade dos interluacutedios entre os semicoros Isso

assegura agrave accedilatildeo uma continuidade sistemaacutetica que nesta anaacutelise se entende como um

complexo agoniacutestico no qual coadunam as outras seccedilotildees da peccedila que possibilitam o confronto

que sendo mais acentuado entre os semicoros do que entre personagens age como um fator

compensatoacuterio de um agon que se apresenta descaracterizado pela discussatildeo unilateral A

comeacutedia como um todo eacute praticamente um imenso agon

Em se tratando de um agon expositivo e unilateral tudo leva a crer que

Aristoacutefanes preferiu a unilateralidade agrave bilateralidade dos argumentos entre as partes por

180 A expressatildeo em alematildeo eacute motivische Verknuumlpfung Trata-se de uma motivaccedilatildeo no sentido de se fazer uma

exposiccedilatildeo de motivos ou causa

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

154

conta de uma progressatildeo da accedilatildeo que estaacute amparada na contenda permanente entre os dois

semicoros que assumem de fato o papel de antagonistas bem mais do que a heroiacutena

Lisiacutestrata e seu opositor Conselheiro Dessa maneira o que faltou nesse agon que o

descaracteriza como discussatildeo unilateral eacute compensado no paacuterodo e tambeacutem na paraacutebase181

com o confronto entre os dois semicoros

Pickard-Cambridge (1966 p 226) e Adrados (1983 p 179-180) cogitam a

presenccedila de um outro agon (vv 1014-1042) entre os dois semicoros E Adrados vai ainda

mais longe em sua interpretaccedilatildeo considerando que a estrutura da comeacutedia comporta cinco

agones a comeccedilar pelo paacuterodo (vv 254-385) com o agon entre as partes do coro bipartido

como no paacuterodo de Acarnenses no segundo agon (vv 387-613) haacute o partidarismo dos

semicoros agraves personagens Lisiacutestrata e Conselheiro em que a heroiacutena explica seu projeto o

terceiro agon (vv 614-705) eacute muito semelhante ao primeiro pois os semicoros retomam a

disputa numa cena de ameaccedilas e escaacuternios no quarto agon (vv 781-828) a adversidade entre

os semicoros continua seguida da cena de Cineacutesias com Mirrina e da chegada do mensageiro

lacedemocircnio por fim no quinto agon (vv 1013 ss) haacute uma negociaccedilatildeo que culmina na

reconciliaccedilatildeo o que garante o final feliz da comeacutedia

Mas natildeo se trata de um novo conflito senatildeo a continuaccedilatildeo de uma contenda entre

coros que teve iniacutecio no paacuterodo e se manteacutem constante nas outras seccedilotildees da peccedila inclusive no

agon epirremaacutetico de natureza unilateral e expositiva que estaacute anexado a um complexo

agoniacutestico cujo desfecho eacute uma cena de reconciliaccedilatildeo jaacute no final da comeacutedia182

181 A respeito da anaacutelise da paraacutebase de Lisiacutestrata cf Duarte (2000 p 168-187) 182 Esses dois semicoros estatildeo presentes em dois terccedilos da peccedila e a reconciliaccedilatildeo entre eles soacute vai ocorrer no v

1036 numa comeacutedia de 1320 versos

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

155

3 Assembleacuteia de mulheres183

falando de homem para homem (agon de exposiccedilatildeo e centro

da accedilatildeo)

O agon em Assembleacuteia de mulheres natildeo eacute a uacutenica seccedilatildeo que apresenta

peculiaridades dentro da estrutura narrativa da comeacutedia que eacute comparando com as outras

peccedilas que mantecircm a sequumlecircncia proacutelogo-paacuterodo-agon-paraacutebase bastante modificada

A narrativa dramaacutetica comeccedila in medias res em que o plano de Praacutexagora estaacute

sendo executado por ela e suas aliadas que disfarccediladas de homens se dirigem agrave Pnix para

votar a ginecocracia Nesse contexto proacutelogo e paacuterodo tecircm accedilotildees concomitantes por conta da

entrada e saiacuteda do coro feminino logo no iniacutecio o que vai resultar numa segunda entrada do

coro e consequumlentemente num segundo proacutelogo (vv 311-477) e num segundo paacuterodo (vv

478-519) (MAZON 1904 p 151-152 PICKARD-CAMBRIDGE 1966 p 229 RUSSO

1994 p 221) a paraacutebase estaacute ausente e o agon se apresenta simplificado na forma e

descaracterizado no conteuacutedo Com essa estrutura tatildeo particular a anaacutelise presente se propotildee

a demonstrar qual a funccedilatildeo e a natureza do agon em Assembleacuteia de mulheres focalizando a

relaccedilatildeo do agon com o final do proacutelogo com a ausecircncia de paraacutebase e com as cenas

episoacutedicas

Quanto agrave forma esse agon eacute desprovido da siziacutegia epirremaacutetica devido agrave

inexistecircncia das partes simeacutetricas Assim sua estrutura apresenta a seguinte composiccedilatildeo184

183 Assembleacuteia de mulheres (392 aC) eacute uma comeacutedia que tem pontos em comum com Lisiacutesitrata e

Tesmoforiantes O propoacutesito de Assembleacuteia de mulheres eacute como em Lisiacutestrata uma conspiraccedilatildeo feminina

num universo poliacutetico essencialmente masculino Entretanto em Lisiacutestrata a revoluccedilatildeo transpotildee as muralhas

da polis enquanto que em Assembleacuteia de mulheres a accedilatildeo das mulheres eacute direcionada para uma questatildeo

soacutecio-econocircmica interna da polis as atenienses lideradas por Praxaacutegora infiltram-se na assembleacuteia para votar

uma nova constituiccedilatildeo que concebida sobre a redistribuiccedilatildeo equumlitativa de bens assegura ao sexo feminino a

gestatildeo nos assuntos poliacuteticos Para a participaccedilatildeo na assembleacuteia as mulheres precisam de um disfarce que eacute

um traccedilo comum com Tesmoforiantes mas com a seguinte ressalva em Assembleacuteia de mulheres o disfarce eacute masculino em Tesmoforiantes eacute feminino

184 De acordo com Gelzer (1960 p xiii) Pickard-Cambridge (1966 p 229) e Sommerstein (1998 p 188) Jaacute

Moumlllendorff (2002 p 117) inclui a sphragis Poreacutem Mazon (1904 p 154) propotildee outra divisatildeo ode (vv

571-581) katakeleusmos (vv 582-583) epirrema (vv 584-588) pnigos (vv 589-709)

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

156

ode (vv 571-580)

katakeleusmos (vv 581-582)

epirrema (vv 583-688)

pnigos (vv 689-709)

Haacute duas razotildees que parecem explicar o porquecirc de essa estrutura ser tatildeo reduzida

Uma eacute de caraacuteter externo agrave comeacutedia e a outra se refere agrave proacutepria estrutura da peccedila logo de

caraacuteter interno Quanto agrave primeira para Gelzer (1996 p 71) fica claro que ocorreu a

simplificaccedilatildeo da forma porque por razotildees conjunturais a comeacutedia sofre nesse periacuteodo um

recuo das funccedilotildees do coro185

No que concerne agrave segunda a cena de agon (vv 571-709) se

relaciona agrave cena anterior (vv 504-570) em que a accedilatildeo direciona-se para uma discussatildeo186

de

caraacuteter privado Mazon (1904 p 160) classificou-a de cena de introduccedilatildeo do agon que

poderia ser tambeacutem uma cena preparatoacuteria para o agon portanto se trataria de um proagon O

assunto da contenda nessa cena que antecede o agon eacute o destino da cidade (vv 558-559) em

cuja accedilatildeo estatildeo presentes trecircs personagens Praxaacutegora Bleacutepiros opositor e esposo e o

Vizinho que se interpotildee entre eles e se coloca do lado de Bleacutepiros Quando ambos comeccedilam

por agrave prova se Praxaacutegora tem ou natildeo razatildeo (vv 569-570) inicia-se o agon

Na ode o coro cumpre sua funccedilatildeo de conselheiro advertindo Praxaacutegora de que

ela deve elaborar um raciociacutenio prudente e saacutebio (πυκνήν φρένα καί φιλόσοφον) E no

katakeleusmos suas palavras satildeo de acircnimo Encorajada pelo coro a heroiacutena faz jus a seu

nome Praxaacutegora ―aquela que age na aacutegora o que delega a ela a funccedilatildeo de poneros cuja

habilidade retoacuterica eacute suficiente para expor seu ponto de vista (vv 624-625 644 662 680) que

eacute aceito pelos dois atenienses que se manifestam favoraacuteveis a ela no final do agon

Na parte epirremaacutetica Praxaacutegora comeccedila seu discurso por um exoacuterdio como

fazem os oradores (vv 583-585) pedindo a colaboraccedilatildeo dos ouvintes para natildeo ser

185 A propoacutesito das funccedilotildees do coro na comeacutedia do seacuteculo IV cf o artigo de Rothwell Jr (1995 p 99-118) 186 Gelzer (1960 p 52) classifica essa cena precedente ao agon como uma disputa portanto parte da diallage

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

157

interrompida (vv 588-89) Entretanto a exposiccedilatildeo de seu programa de governo que prioriza

dinheiro (vv 590-610) sexo (vv 611-650 693-709) e comida (vv 599-652 675-690) para

todos se desenvolve em meio aos apartes e tiradas de Bleacutepiros e Vizinho187

que exercem a

funccedilatildeo de bomolochos Bleacutepiros no papel de marido da Praxaacutegora faz algumas objeccedilotildees mas

nada que caracterize o conflito nem a oposiccedilatildeo ao plano da heroiacutena que aliaacutes jaacute estaacute

consumado Diante das explicaccedilotildees e esclarecimentos de Praxaacutegora ele acrescenta a fala dela

algumas glosas (vv 596 630 648 650 687) que ganham comicidade com a participaccedilatildeo do

Vizinho (vv 647 649 668) que na condiccedilatildeo de acompanhante de Bleacutepiros compotildee com o

amigo uma dupla histriocircnica

Se na cena anterior ao agon Praxaacutegora natildeo teve a chance de expor sua plataforma

de governo eacute no agon que ela vai se pronunciar O uacutenico epirrema consagrado agrave fala dela estaacute

por conta desse conteuacutedo logo a forma estaacute adequada ao conteuacutedo

As anaacutelises a propoacutesito da classificaccedilatildeo desse agon se divergem em relaccedilatildeo a

consideraacute-lo como um agon de natureza persuasiva Para Sommerstein (1998 p 188) trata-se

de um exerciacutecio de persuasatildeo como em Aves Entretanto Pisetero tinha o coro como

adversaacuterio o que natildeo ocorre em Assembleacuteia de mulheres Jaacute no exame de Thiercy (1997 p

1290) Praxaacutegora natildeo precisa convencer quem quer que seja nem as mulheres que desde o

proacutelogo jaacute satildeo adeptas do plano nem mesmo os homens que soacute se datildeo conta da situaccedilatildeo

quando o plano jaacute estaacute alcanccedilado Eles natildeo tecircm a funccedilatildeo de adversaacuterios ao projeto da heroiacutena

como o Conselheiro e o semicoro de velhos em Lisiacutestrata Seguindo essa linha de raciociacutenio

Long (1972 p 291-292) entende que o jogo natildeo eacute de persuasatildeo mas de demonstraccedilatildeo this

use is therefore stlyled epideictic E ainda ele chama a atenccedilatildeo para a impropriedade da

palavra Verhandlung (negociaccedilatildeo) empregada por Gelzer (1960) ao analisar o agon de

Assembleacuteia de mulheres Segundo Long se se trata de uma demonstraccedilatildeo sem qualquer

187 De acordo com a ediccedilatildeo de Sommerstein (1998) Mas Thiercy (1997) por exemplo considera que a terceira

personagem nesse agon eacute Cremes

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

158

nuanccedila de persuasatildeo entatildeo natildeo haacute negociaccedilatildeo De fato a negociaccedilatildeo natildeo existe porque o

plano da heroiacutena jaacute estaacute consumado desde o proacutelogo ela natildeo encontrou nenhum obstaacuteculo

para a execuccedilatildeo de sua empresa Uma vez realizado o projeto cabe a ela dar apenas

esclarecimentos O emprego do verbo ἀρέσκω (agradar parecer bom satisfazer) no final da

discussatildeo se refere mais a um sentido de fechamento conclusivo de uma exposiccedilatildeo de

natureza mais demonstrativa do que persuasiva Daiacute entendermos que essa natureza epidiacutetica

o torna um agon de exposiccedilatildeo

Πρ φέρε νυν φράσον μοι ταῦτrsquoἀρέσκει σφῶν

Βλ καὶ Γε πάνυ (v 710)

Pr Agora vamos Digam-me isso agrada aos dois

Bl e Cr Agrada sim

Jaacute no fim do proacutelogo Cremes traz ao voltar da assembleacuteia a notiacutecia de que na

sessatildeo se votou o decreto proposto por um orador referente agrave ascensatildeo das mulheres ao

poder

Χρ μετὰ τοῦτο τοίνυν εὐπρετὴς νεανίας

λευκός τις ἀνεπήδησrsquo ὅμοιος Νικίᾳ

δημηγορήσων κἀπεχείρησεν λέγειν

ὠς χρὴ παραδοῦναι ταῖς γυναιξὶ τὴν πόλιν (vv 427-430)

Cr Bom Apoacutes isso um belo rapaz com uma tez clara se lanccedilou como Niacutecias

para falar agrave assembleacuteia ele comeccedilou dizendo

que era preciso confiar a cidade agraves mulheres

No proacutelogo temos o plano da heroiacutena executado mas natildeo temos como foi seu

discurso na Pnix O discurso de Praxaacutegora parece ser no agon o discurso feito na assembleacuteia

Assim como a heroiacutena encarou a assembleacuteia ela enfrenta no agon Bleacutepiros e Cremes

explicando e demonstrando como a ginecocracia eacute mais eficiente que a androcracia Aliaacutes

natildeo eacute apenas aos homens que Praxaacutegora vai se dirigir mas tambeacutem ao puacuteblico (vv 584-585)

o que sugere que esse agon tem uma natureza parabaacutetica Nesse momento da peccedila o teatro

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

159

enquanto espaccedilo fiacutesico passa a ser a assembleacuteia Trata-se de uma compensaccedilatildeo estrutural jaacute

que a comeacutedia natildeo tem paraacutebase

Essa questatildeo parabaacutetica eacute polecircmica E segundo Duarte (2000 p 226-228) o fato

de haver ruptura de ilusatildeo dramaacutetica quando Praxaacutegora dirige sua fala ao puacuteblico natildeo

classifica seu pronunciamento como parabaacutetico188

Contrariamente Van Daele (apud

DUARTE 2000 p 226) e Hubbard (apud DUARTE 2000 p 227) consideram que esse

agon nos vv 578-709 estaacute no lugar da paraacutebase e Henderson (apud DUARTE 2000 p 228)

comenta que o tom do discurso de Praxaacutegora no agon de Assembleacuteia de mulheres eacute muito

semelhante ao discurso de Lisiacutestrata no agon de Lisiacutestrata que eacute por alguns tido como

parabaacutetico

Considerando que essa cena de agon estaacute localizada no meio da estrutura da

comeacutedia ndash a ponto de se pensar que essa seccedilatildeo tivesse a funccedilatildeo de uma paraacutebase jaacute que em

tese eacute a paraacutebase que estabelece o fim da primeira parte e o comeccedilo da segunda na comeacutedia ndash

o agon se articula tanto com a primeira parte da peccedila em que o plano da heroiacutena que natildeo

encontra opositor necessita de uma exposiccedilatildeo quanto com a segunda metade da comeacutedia em

que aparecem as consequumlecircncias dessa empresa

No agon a exposiccedilatildeo do programa de Praxaacutegora se fundamenta particularmente

em trecircs plataformas i) econocircmico depoacutesito e divisatildeo comum de bens ii) sexual regimento

das atividades sexuais iii) alimentar comida para todos Durante a segunda parte da comeacutedia

o ―programa boca-livre fica subentendido no decorrer da accedilatildeo (vv 715-716 834-852 1112-

1183) Jaacute as outras duas plataformas satildeo assunto de cenas independentes em que a heroiacutena

estaacute ausente189

Diferentemente de Aves e Lisiacutestrata em que Pisetero e Lisiacutestrata encaram as

188 Para Duarte (2000) o puacuteblico passa a ser tambeacutem um ator porque o interlocutor do discurso de Praxaacutegora

como governante da polis satildeo os atenienses ―o teatro se transforma na Pnix diz a autora O espectador entra portanto no jogo teatral se auto-representando como cidadatildeo ateniense

189 Antes de a segunda parte comeccedilar Praacutexagora deixa definitivamente a cena Os manuscritos natildeo indicam quais

satildeo as personagens que participam das cenas subsequumlentes Para Thiercy (1997 p 1305-1306) a cena que se

refere aos bens eacute aberta com Cremes Mas o proacuteprio autor admite que possa ser um vizinho anocircnimo de

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

160

consequumlecircncias de seus planos respectivamente Todavia tanto em Aves quanto em Lisiacutestrata

e Assembleacuteia de mulheres o agon de cada uma dessas comeacutedias tem consequumlecircncias nas cenas

episoacutedicas subsequumlentes

Haacute um reflexo direto entre a cena que expotildee a questatildeo dos bens (vv 730-833 853-

876) com o discurso de Praxaacutegora exposto no agon Essa cena (vv 730-876) eacute protagonizada

por dois atenienses com pontos de vistas completamente diferentes Um deles cumpre seu

dever de cidadatildeo respeitando o que foi votado enquanto que o outro eacute totalmente ceacuteptico agrave

nova ordem econocircmica

Γε μὰ Δί lsquo ἀλλrsquo ἀποφέρειν αυτὰ μέλλω τῆ πόλει

εἰς τὴν ἀγπρὰν κατὰ τοὺς δεδογμένος νόμος

Αν μέλλεις ἀποφέρειν

Γε πάνυ γε (vv 758-760)

Viz1 Natildeo por Zeus Mas tenho a intenccedilatildeo de levar essas coisas para a cidade em direccedilatildeo agrave Aacutegora conforme as leis votadas

Viz2 Vocecirc tem a intenccedilatildeo de levar

Viz1 Tenho

Ao longo da conversa as esticomitias e os chistes proporcionam dinamismo e

comicidade agrave conversaccedilatildeo em que se pode resgatar o conteuacutedo da exposiccedilatildeo do plano de

Praxaacutegora no agon Assim como essa cena ilustra a instituiccedilatildeo de bens para todos a proacutexima

cena (vv 877-1111) vai ilustrar a instituiccedilatildeo de sexo para todos portanto mais uma referecircncia

ao projeto da heroiacutena exposto no agon

Γρ καὶ δή σοι λέγω

ἔδοξε ταῖς γυναιξίν ἥν ἀνὴρ νέος

νέας ἐπιθυμῆ μὴ σποδεῖν αὐτὴν πρὶν ἅν

τὴν γραῦν προκρούσῃ πρῶτον ἥν δὲ μὴ θέλῃ

πρότερον προκρούειν ἀλλrsquo επιθυμῆ τς νέας

ταῖς πρεσβυτέραις γυναιξιν ἔστω τὸν νέον

ἕλκειν ἀνατεὶ λαβομένας τοῦ παττάλου (vv 1015-1020)

Blepiros e Praxaacutegora Essa interpretaccedilatildeo tambeacutem eacute de Sommerstein (1998 p 202-203) que atribui duas

personagens em cena um vizinho e um homem dissidente

Cap IV mdash O agon descaracterizado pela discussatildeo unilateral em Aves Lisiacutestrata e

Assembleacuteia das Mulheres

161

Velha Bom entatildeo eu te digo

Foi decretado pelas mulheres si um jovem

deseja uma jovem ele natildeo deve regaccedilaacute-la antes de primeiro ferrar uma velha E se ele recusar

ferraacute-la primeiro e desejar a jovem

as velhas teratildeo o direito de puxar sem doacute o jovem

pegando-o pela canela

Nessa passagem em discurso direto ecoa a exposiccedilatildeo de Praxaacutegora no agon (vv

617-618) e como bem observou Sommerstein (1998 p 225) essa passagem eacute uma paraacutefrase

dos vv 618 626-629 em que as pessoas feias teriam prioridades sobre aquelas privilegiadas

fisicamente

De acordo com Gelzer (1960 p 64) apesar de a comeacutedia natildeo ter nem paacuterodo no

sentido estrito nem paraacutebase a accedilatildeo se divide em duas partes sendo que na primeira se

produz uma situaccedilatildeo cujas consequumlecircncias satildeo apresentadas na segunda Por essa razatildeo o

agon em Assembleacuteia de mulheres estaacute no centro da accedilatildeo porque ele se liga tanto agrave primeira

metade em que no iniacutecio Praxaacutegora potildee em operaccedilatildeo seu plano para depois demonstrar que

seu programa eacute exequumliacutevel quanto agrave segunda metade em cujas cenas episoacutedicas subsequumlentes

ocorre uma decorrecircncia do projeto da heroiacutena

Essas cenas episoacutedicas mostram que se trata de uma empresa utoacutepica e absurda

Na interpretaccedilatildeo de Cartledge (2001 p 33) o ingrediente central no humor das personagens

femininas de Aristoacutefanes eacute a mistura do lugar-comum com o absurdo do miacutetico com o real

Lisiacutestrata e Praxaacutegora satildeo as representantes visionaacuterias das heroiacutenas cocircmicas em meio a um

elenco de heroacuteis que como Pisetero e os outros conforme vimos nos capiacutetulos anteriores

tambeacutem natildeo deixam de ter em diferentes graus suas utopias engendradas em planos

mirabolantes E o uacuteltimo que nos restou ndash como heroacutei excecircntrico ndash responde pelo nome de

Crecircmilo na comeacutedia Pluto

CAPIacuteTULO V

O UacuteLTIMO AGON

Cap V mdash O uacuteltimo agon 163

Pluto190

a riqueza do conflito (agon ad absurdum e centro da accedilatildeo)

Ao contraacuterio da comeacutedia Assembleacuteia de mulheres que possui uma estrutura

narrativa bastante peculiar a estrutura narrativa de Pluto se aproxima apesar da reduccedilatildeo do

papel do coro da maior parte das estruturas das comeacutedias de Aristoacutefanes191

accedilatildeo progressiva

ateacute a paraacutebase que estabelece a primeira parte da peccedila e em seguida ocorre uma seacuterie de

cenas episoacutedicas que ilustram as consequumlecircncias do plano do heroacutei Na fabulaccedilatildeo de Pluto natildeo

existe entretanto a paraacutebase o que confere ao agon a funccedilatildeo de divisor da peccedila e portanto

uma seccedilatildeo central no drama De acordo com Russo (1994 p 229-230) a primeira parte da

comeacutedia termina no agon porque em seguida onde se esperaria a paraacutebase iniciam-se as

cenas episoacutedicas que compotildeem a segunda parte da comeacutedia

A progressatildeo dramaacutetica eacute desde o proacutelogo movida por peripeacutecias No iniacutecio da

peccedila quando a accedilatildeo parece indicar que a temaacutetica da comeacutedia eacute a preocupaccedilatildeo de um pobre

velho agricultor que atende pelo nome de Crecircmilo com a educaccedilatildeo do filho haacute uma

mudanccedila de percurso e o assunto passa a ser a cura da cegueira de Pluto deus da riqueza A

partir disso fica estabelecido o projeto do heroacutei com a visatildeo Pluto poderaacute num primeiro

momento beneficiar as pessoas honestas como o proacuteprio Crecircmilo e depois banir a pobreza

da Greacutecia Mas esse projeto vai encontrar um opositor que surge inesperadamente em cena e

nesse momento haacute uma nova peripeacutecia porque nenhuma accedilatildeo antecedente prevecirc a apariccedilatildeo de

Penia alegoria que representa a pobreza Antes de o confronto comeccedilar haacute uma cena

190 Pluto (388 aC) comeacutedia que nos chegou na iacutentegra eacute a segunda versatildeo de uma outra peccedila de mesmo nome

(408 aC) A intriga se reduz a uma simples alegoria que satiriza a crise soacutecio-econocircmica pela qual Atenas passava e tambeacutem potildee em discussatildeo valores eacuteticos em relaccedilatildeo agrave riqueza e agrave pobreza assunto discutido no

agon da comeacutedia 191 Para Thiercy (2007 p 180) a progressatildeo dramaacutetica de Pluto se aproxima da progressatildeo de Acarnenses e Paz

com a divisatildeo da comeacutedia em dois grandes ―atos

Cap V mdash O uacuteltimo agon 164

preparatoacuteria192

(vv 415-486) cuja accedilatildeo gira em torno do reconhecimento do adversaacuterio que

revela sua identidade

Πε Πενία μὲν οὖν ἥ σφν ξυνοικῶ πόλλrsquoἔτη (v 437)

Pe A Pobreza isso sim Aquela que convive com vocecircs dois Crecircmilo e

Blepsidemo faz uns bons anos

Penia eacute um conceito abstrato com manifestaccedilotildees concretas (FERNAacuteNDEZ 2002

p 95) representando a personificaccedilatildeo de uma conjuntura social agrave qual o heroacutei pertence e da

qual ele natildeo quer mais fazer parte Ela representa na estrutura narrativa o obstaacuteculo

(SIFAKIS 1992 p 130-131) para o heroacutei realizar seu plano e como tal deve ser instalado na

seccedilatildeo da comeacutedia mais proacutepria a essa situaccedilatildeo o agon Em se tratando de uma personagem

nova ao enredo cabe ao proagon apresentar quem eacute o oponente de Crecircmilo para que em

seguida os adversaacuterios selem o acordo e estabeleccedilam a puniccedilatildeo para o perdedor (vv 480-

484) Assim feito a negociaccedilatildeo193

comeccedila e cada litigante vai expor sua tese que seraacute

defendia no agon cuja estrutura eacute assimeacutetrica e reduzida conforme se pode constatar a

seguir

katakeleusmos (vv 486-487)

epirrema (vv 488-597)

pnigos (vv 598-618)

A ausecircncia da ode se explica por causa da reduccedilatildeo do papel do coro na fabulaccedilatildeo

como ocorre com Assembleacuteia de mulheres No katakeleusmos o coro de agricultores que eacute

favoraacutevel ao heroacutei anima-o para a discussatildeo Essa eacute a uacutenica participaccedilatildeo do coro que embora

privado do papel de aacuterbitro mostra-se observador (FERNAacuteNDEZ 2002 p 59) da accedilatildeo ao

192 Mazon (1904 p 167) denomina essa cena de ―introduccedilatildeo do agon enquanto Pickard-Cambridge (1966 p

229) a chama de proagon Penia eacute uma personagem nova na fabulaccedilatildeo assim como os Raciociacutenios em Nuvens portanto eacute necessaacuterio que haja uma cena antecedente ao agon que a introduza na trama

193 Na anaacutelise de Gelzer (1960 p 52 64) das quatro partes da diallage ndash disputa acordo negociaccedilatildeo e sentenccedila

ndash as duas primeiras estatildeo no proagon a negociaccedilatildeo eacute o agon e natildeo haacute sentenccedila porque o acordo natildeo se

cumpre quando Penia eacute escorraccedilada o que compromete toda diallage

Cap V mdash O uacuteltimo agon 165

reconhecer que Penia eacute uma ameaccedila ao plano do heroacutei por isso o corifeu adverte o heroacutei de

que eacute preciso vencecirc-la com palavras saacutebias (τι λέγειν σοφόν) contradizendo-a nos discursos

(ἐν τοῖσι λόγοις ἀντιλέγοντες) O emprego do verbo ἀντιλέγω sinaliza a natureza

antiteacutetica desse agon em que para cada argumento haveraacute uma reacuteplica agrave altura num jogo bem

articulado de palavras ao gosto dos concursos de retoacuterica e dos princiacutepios da sofiacutestica No

debate haacute trecircs pontos capitais i) entre Pobreza e Riqueza qual delas eacute um bem na relaccedilatildeo

trabalho versus oacutecio (vv 532-534) ii) qual delas eacute mais saudaacutevel na relaccedilatildeo ao aspecto fiacutesico

(vv 557-651) iii) qual delas eacute mais eacutetica na relaccedilatildeo honestidade versus corrupccedilatildeo (vv 566-

570)

O epirrema inclui dois discursos antagocircnicos o de Crecircmilo (vv 489-506) e o de

Penia (vv 507-591) e os comentaacuterios jocosos de Blepsidemo cujas intervenccedilotildees natildeo trazem

prejuiacutezos ao andamento da discussatildeo porque sua funccedilatildeo de bomolochos funciona apenas

como suporte humoriacutestico ao discurso do protagonista como Eveacutelpides em Aves por exemplo

Apoacutes o katakeleusmos o heroacutei toma a palavra e faz um longo pronunciamento (vv

489-506) interrompido pelo aparte de Blepsidemo (v 499) em apoio ao heroacutei De acordo com

o plano de Crecircmilo quando Pluto vir primeiramente recompensaraacute os bons e virtuosos e

fugiraacute dos maus depois faraacute que todos se tornem bons ricos e religiosos (vv 494 ss)

Penia argumenta que se todos fossem ricos nem bens nem serviccedilos seriam

produzidos Segundo ela as atividades humanas criam condiccedilotildees indispensaacuteveis agrave existecircncia

da sociedade particularmente agrave atividade material agrave produccedilatildeo decorrente de um trabalho ou

de uma funccedilatildeo (vv 510-515) Crecircmilo responde que essas tarefas seratildeo feitas pelos escravos

mas ele eacute incapaz de explicar satisfatoriamente como haveraacute escravos num projeto em que

todos seratildeo beneficiados pela riqueza Assim Penia demonstra quatildeo contraditoacuterio e utoacutepico eacute

o plano do heroacutei e que a vida dele no futuro seraacute pior que a atual (vv 522-526)

Cap V mdash O uacuteltimo agon 166

Na opiniatildeo de Gelzer (1960 p 54) Long (1972 p 297) e Thiercy (2007 p 288)

o discurso de Penia eacute muito eloquumlente seus argumentos satildeo fortes e haveria uma tendecircncia de

lhe confiar a vitoacuteria Sommerstein (1996 p 273-274) natildeo interpreta contudo as

argumentaccedilotildees de Penia como mais fortes e loacutegicas que as de Crecircmilo Para esse autor as

miseacuterias descritas por Crecircmilo (fome vv 536 543-544 545-546 insalubridade v 537

privaccedilotildees de conforto vv 540-543) satildeo argumentos que expotildeem problemas sociais pelos

quais passam Atenas no periacuteodo poacutes-guerra A esse cataacutelogo de desgraccedilas sociais

apresentadas por Crecircmilo Penia faz sua reacuteplica empregando a teacutecnica da antilogia194

num

jogo de ambiguumlidade entre miseacuteria e pobreza (vv 548-549) Segundo Sommerstein (1996 p

275) Penia desmonta servindo-se de preceitos sofiacutesticos o discurso de Crecircmilo ao separar a

miseacuteria como uma categoria diferente da pobreza Para ela a miseacuteria eacute de fato um mal

enquanto a pobreza que eacute o que ela representa eacute um bem (vv 552-553) porque seu lema eacute

trabalho e temperanccedila

Em suas palavras Penia defende a vida austera que se concentra no trabalho uma

vida sem excesso nem falta Tenta provar que representa a moderaccedilatildeo e Pluto a desmedida E

argumenta tambeacutem que faz cidadatildeos melhores que Pluto tanto no caraacuteter quanto no fiacutesico

Fisicamente os obesos os reumaacuteticos e os barrigudos satildeo produtos de Pluto diferente dos

dela magros de cintura fina de vespas e incocircmodos aos inimigos (vv 557-561) Crecircmilo

refuta dizendo que satildeo assim porque passam fome (v 562)

Segundo Albini (1985 p 433) Penia define-se como uma heranccedila espiritual do

homem a condiccedilatildeo indispensaacutevel para a existecircncia enquanto Pluto significa corrupccedilatildeo ruiacutena

material e moral Penia toma como exemplo os oradores quando satildeo pobres satildeo justos com o

povo e com a polis Todavia quando enriquecem agrave custa do dinheiro puacuteblico tornam-se

194 Α antilogia ndash ἀντιλογίαndash baseia-se na teoria dos δισσοί λόγοι ndash palavras ambiacuteguas ndash e torna-se o fulcro da

retoacuterica sofiacutestica A esse respeito cf Silva (1988 p 49)

Cap V mdash O uacuteltimo agon 167

injustos e conspiram contra o povo e fazem a guerra (vv 566-570) Nesse ponto Crecircmilo

concorda com ela mas natildeo se deixa convencer (vv 571-573)

Penia insiste em se afirmar como um bem Crecircmilo quer saber entatildeo por que as

pessoas fogem dela Em sua refutaccedilatildeo que eacute novamente balizada nos fundamentos

sofiacutesticos a razatildeo de as pessoas fugirem dela eacute que ela torna essas pessoas melhores e

exemplifica com a atitude das crianccedilas que fogem de seus pais porque esses soacute querem o bem

delas (vv 576-578)195

O uacuteltimo ponto a ser debatido potildee em questatildeo as posses de Zeus (vv 581-586) Na

interpretaccedilatildeo de Sommerstein (1996 p 279) Penia se supera na arte sofiacutestica ao dizer que

Zeus eacute pobre pois se fosse rico como quer Crecircmilo teria de coroar os atletas com uma coroa

de ouro e natildeo de oliveira (vv 585-587) Crecircmilo consegue entretanto inverter o discurso ao

demonstrar que com essa atitude Zeus guarda o ouro para si ampliando sua riqueza o que eacute

outro ponto refutaacutevel por Penia que mina o discurso de Crecircmilo rebatendo as palavras dele

contra ele mesmo natildeo se trata de um acuacutemulo de riqueza mas de um lado mesquinho e

avarento de Zeus (v 591)

O encerramento desse agon eacute inusitado quando comparado ao desfecho dos outros

agones epirremaacuteticos de natureza debatedora em que ou uma das partes admite a derrota

(Nuvens v 1102) ou o aacuterbitro declara o vencedor (Cavaleiros vv 943-959 Vespas vv 725-

726 e Ratildes vv 1467-1471) Crecircmilo reconhece a forccedila argumentativa do adversaacuterio mesmo

assim ele natildeo se daacute por ―con-vencido (οὐ γὰρ πείσεις οὐδrsquo ἥν πείσῃς v 600) Trata-se

de um jogo de palavras com o verbo πείθω (―persuadir ―convencer) que na opiniatildeo de

Thiercy (1997 p 1327) se refere a uma maacutexima ao estilo de Euriacutepides Jaacute para Sommerstein

(2001 p 178) mesmo que Crecircmilo admita que ele natildeo pode encontrar qualquer falha na

195 Essa mesma teacutecnica discursiva estaacute tambeacutem presente em Nuvens (vv 1409-1410) passagem em que Fidiacutepides

justifica o ato de bater em Estrepsiacuteades Trata-se de o filho ter boas intenccedilotildees com o pai como esse tinha ao

bater no filho quando crianccedila cf Nuvens infra

Cap V mdash O uacuteltimo agon 168

loacutegica dos discursos de Penia ainda assim ele natildeo concorda com os pontos de vista dela Na

interpretaccedilatildeo de Fernaacutendez (2002 p 342) as palavras de Crecircmilo se referem a uma ―sanccedilatildeo

da irrefutabilidade dos argumentos de Penia

No momento em que Penia vai comeccedilar o pnigos Crecircmilo procura abafar sua voz

com injuacuterias e insultos E Penia eacute rechaccedilada da cena Se na sua origem o agon era o episoacutedio

central do antigo komos e como diz Navarre (1911 p 250) um combat de gueule no pnigos

Crecircmilo e Penia enfrentam-se ―num bate-boca em que ―ganhar no grito justifica a ausecircncia

da sphragis e tambeacutem de um aacuterbitro que sentencie o vencedor Para Konstan e Dillon (1981

p 387) Penia e Pluto satildeo dois lados de um mesmo problema196

Isso mostra um equiliacutebrio

discursivo entre as partes antagocircnicas Crecircmilo como porta-voz (THIERCY 2007 p 286) de

Pluto contra Penia

As opiniotildees se divergem no exame desse agon quanto agrave sua importacircncia para a

estrutura narrativa da peccedila Mazon (1904 p 168) e Duchemin (1968 p 35) consideram-no

artificial porque para esses autores a maneira como Aristoacutefanes comeccedilou a comeacutedia Pluto

natildeo necessitaria de um agon mas o poeta quis compor um e introduziu uma personagem nova

que interveacutem somente nesse momento e desaparece depois Tambeacutem Whitman (1964 p 11)

julga que o agon de Pluto natildeo eacute crucial para o enredo

Contraposto as essas anaacutelises estaacute o estudo de Gelzer (1960 p 99) em que foi

bem observada a relaccedilatildeo inversamente direta entre proacutelogo e agon Esse autor examina a

relaccedilatildeo entre as seccedilotildees conforme o conteuacutedo e a forma No que concerne ao conteuacutedo o

discurso de Crecircmilo que preenche uma cena de persuasatildeo197

para convencer Pluto de que ele

196 Para esses autores a sabedoria popular de Aristoacutefanes antecipa uma reflexatildeo de Aristoacuteteles que observa na

Poliacutetica que para tudo haacute um limite natural exceto para o dinheiro que eacute pura quantidade Desse modo Pluto

governa um mundo em que o dinheiro dissolve a relaccedilatildeo de troca baseada na produccedilatildeo Segundo as palavras

aristoteacutelicas ―[] o dinheiro fora feito somente para troca o interesse ao contraacuterio multiplica esse mesmo dinheiro [] a usura eacute de todos os meios de aquisiccedilatildeo o mais contraacuterio agrave natureza (Poliacutetica 1258 a)

197 Uma cena de persuasatildeo no proacutelogo estaacute presente em Cavaleiros (vv 147 ss) em que Agoraacutecrito deve ser

convencido de seu talento para a poliacutetica e em Aves (vv 1-208) quando Pisetero precisa convencer as aves

da soberania delas sobre homens e deuses Nesses casos estaacute presente a equaccedilatildeo crenccediladescrenccedila o

Cap V mdash O uacuteltimo agon 169

representa um bem maior tem correspondecircncias invertidas ao discurso de Penia Na

passagem dos vv 135-145 Crecircmilo demonstra que tudo inclusive o proacuteprio Zeus estaacute

submetido agrave riqueza enquanto no excerto dos vv 579-591 Penia apregoa a pobreza de Zeus

Em outra passagem dos vv 160-169 Crecircmilo argumenta que Pluto eacute o criador das artes

porque os artesatildeos buscam a riqueza jaacute Penia dos vv 527-534 potildee em cheque o

desaparecimento das profissotildees se todos forem ricos Quanto agrave forma a estrutura do proacutelogo

diz Gelzer (1960) eacute semelhante agrave de um antepirrema primeiramente eacute feita a proacutetase (vv

128-129) em que Crecircmilo anuncia que pode provar que Pluto eacute mais poderoso que Zeus

depois seguem os argumentos (vv 130-189) para demonstrar o poder de Pluto e em seguida

a conclusatildeo (vv 190-197) na forma de pnigos em que eacute listada uma seacuterie de coisas das quais

as pessoas se saciam exceto da riqueza Convencido dos propoacutesitos de Crecircmilo Pluto aceita

entrar na casa do aldeatildeo (v 249) Gelzer (1960) entatildeo conclui que essas seccedilotildees se

complementam por se tratar de um episoacutedio dramaacutetico sob a forma de um agon epirremaacutetico

o que outorga ao proacutelogo uma natureza agoniacutestica Olson (1990 p 237) tambeacutem analisa a

relaccedilatildeo proacutelogoagon e segundo ele no proacutelogo (vv 130-135) Zeus eacute o responsaacutevel pela

perversidade econocircmica do mundo porque manteacutem a Riqueza para si e envia a Penia para os

homens Assim sendo o heroacutei estabelece seu plano a cura da cegueira de Pluto Esse plano eacute

ameaccedilado no agon por Penia que tenta dissuadir o heroacutei de natildeo prosseguir na empresa

Instaura-se entatildeo a tensatildeo dramaacutetica por meio de um conflito verbal que se desenvolve num

uacutenico epirrema Outra anaacutelise que fortalece essa tese mas dessa vez a relaccedilatildeo eacute paacuterodoagon

estaacute no estudo de A M Bowie (1995 p 287-288) para quem o agon encontra

correspondecircncias com a primeira parte da comeacutedia sobretudo no paacuterodo Para esse autor

pode-se determinar um paralelismo entre o canto de entrada do coro e o discurso de Penia a

condiccedilatildeo anti-social do mundo dos ciclopes exemplifica o tipo de sociedade que Penia teme

vendedor de salsichas e os paacutessaros demonstram num primeiro momento incredulidade diante das palavras

do persuasor

Cap V mdash O uacuteltimo agon 170

para os homens e a figura de Circe que vive ilhada e rodeada de animais seria emblemaacutetica

para a vida humana anunciada por Penia

Essa tese em defesa do meacuterito desse agon se amplifica nos estudos de Albini

(1985) e Flashar (1996) que o consideram o nuacutecleo da peccedila Segundo Albini (1985 p 433) a

maneira desonrosa como a Penia eacute expulsa da cena mostra o quanto eacute utoacutepico o plano de

Crecircmilo Na opiniatildeo de Flashar (1996 p 320) a estrutura truncada do agon natildeo eacute nem

acidental nem inuacutetil porque natildeo se trata de equilibrar pontos de vista opostos mas de expor e

expandir o plano do heroacutei e demonstrar que elementos utoacutepicos satildeo proacuteprios da comeacutedia E

ainda pode-se juntar a essas posiccedilotildees o estudo de Cartledge (2001 p 66-69) em que a obra de

Aristoacutefanes eacute analisada sob o prisma do absurdo a grande ideacuteia de Crecircmilo eacute tatildeo original

quanto implausiacutevel como os planos de Praxaacutegora ou Trigeu acrescentando Pisetero e

Diceoacutepolis heroacuteis que em seus devaneios se propotildeem a encontrar soluccedilotildees irreais para

problemas reais de ordem soacutecio-econocircmica Em meio a essa discussatildeo Moumlllendorff (2002 p

129) encontrou a expressatildeo exata ad absurdum para traduzir a natureza do agon em Pluto

Tal expressatildeo jaacute havia sido empregada por Gelzer (1960 p 53) para categorizar o agon II de

Nuvens cuja funccedilatildeo nessa comeacutedia eacute por meio do paralelismo com o primeiro agon conduzir

ad absurdum os argumentos

Do ponto de vista dramaacutetico de acordo com Gelzer (1960 p 55) o final violento

em que Penia eacute escorraccedilada da cena mostra que natildeo estaacute em questatildeo o meacuterito da vitoacuteria na

discussatildeo mas pocircr em relevo o valor da argumentaccedilatildeo chamar a atenccedilatildeo para o peso dos

argumentos no agon Crecircmilo e Penia discutem em peacute de igualdade revelando um equiliacutebrio

na poneria de cada um

Como bem observou Arnott (apud FERNAacuteNDEZ 2002 p 218) nessa discussatildeo

entre o heroacutei e seu adversaacuterio a atuaccedilatildeo eacute retoacuterica e a oratoacuteria eacute histriocircnica Para Whitman

(1964 p 58) haacute duas funccedilotildees predominantes poneria e alazoneiacutea porque segundo esse

Cap V mdash O uacuteltimo agon 171

autor o heroacutei cocircmico tem poneria uma arma muito rica e por causa de sua astuacutecia bravata e uma

total imaginaccedilatildeo dissociaacutevel ele realiza sua busca

The comic hero has poneria a far more resourceful weapon and by craft bravado and a wholly dissociative imagination he achieves the quest and climbs the brazen

heaven

Todavia na opiniatildeo de Thiercy (1997 p 1312) Crecircmilo eacute totalmente desprovido

de poneria comparado agrave esperteza de seu escravo Cariatildeo Jaacute McLeish (1980 p 54) atribui a

Crecircmilo a funccedilatildeo spoudaios juntamente com Pisetero Lisiacutestrata e Praxaacutegora por serem

personagens visionaacuterias com pouco grau de comicidade Essas divergecircncias demonstram a

grandeza multiforme da natureza do heroacutei cocircmico e a sua alta capacidade de adequaccedilatildeo agrave

situaccedilatildeo No entanto a poneria torna-se conforme as palavras acima de Whitman (1964)

uma marca desse heroacutei

No proacutelogo Pluto reconhece a laacutebia de Crecircmilo e de Cariatildeo (εὖ τοι λέγειν

ἔμοιγε φαίνεσθον πάνυ v 198) a ponto de se deixar convencer de que sua soberania

depende da cura de sua cegueira e no final aceita entrar na casa do heroacutei que passa a

conviver com a Riqueza Com esse desfecho o nome Χρήμιλος ostenta como eacute frequumlente

em Aristoacutefanes uma designaccedilatildeo significativa que se liga ao vocaacutebulo χρματος que sugere

aleacutem das outras conotaccedilotildees semacircnticas a ideacuteia de bens tesouro valor de posse

(CARTLEDGE 2001 p 66) E ainda pode-se considerar o verbo χρηματίζω que traz o

sentido de ―enriquecer ―tirar proveito o que de fato ocorre com Crecircmilo cujo status quo

desprivilegiado sofre uma reviravolta apoacutes a consulta ao oraacuteculo tornando-se um cidadatildeo

abastado Nesse sentido a poneria do heroacutei refere-se a sua esperteza que tirando proveito da

situaccedilatildeo lhe assegura uma outra realidade de vida Entretanto essa poneria vai a cheque-mate

no agon Para Penia seu adversaacuterio eacute por causa de suas palavras disparatadas e soltas no ar

(vv 574-575) incapaz de provar o contraacuterio do que ela argumenta o que a promove agrave funccedilatildeo

Cap V mdash O uacuteltimo agon 172

de poneros Portanto os litigantes vatildeo se enfrentar de acordo com o grau de poneria de cada

um num equiliacutebrio de forccedilas em que como natildeo haacute aacuterbitro e nenhuma das partes cede a outra

o desfecho dessa discussatildeo sela sua natureza ad absurdum

O plano do heroacutei exposto no proacutelogo pretende beneficiar apenas os justos (vv 95-

96) Com a cena do agon o plano inicial se expande e todos seratildeo contemplados e natildeo

somente os justos Pluto passaraacute a reinar sozinho e Penia seraacute banida Dessa maneira a cena

do agon eacute ao contraacuterio uma parte coerente e interdependente de toda a peccedila porque o

surgimento de Penia determina e estrutura os episoacutedios seguintes que compondo a segunda

parte da comeacutedia demonstram o quanto o projeto do heroacutei eacute utoacutepico e reforccedilam a natureza ad

absurdum desse agon

As cenas episoacutedicas ateacute o ecircxodo que compotildeem a segunda parte da comeacutedia como

consequumlecircncia do sucesso do plano do heroacutei decorrem apoacutes a cena de cura de Pluto

protagonizada pelo escravo Cariatildeo Nem todos se tornam ricos bons e religiosos conforme o

discurso de Crecircmilo Pelo contraacuterio o Sicofanta aparece para queixar-se da ruiacutena (vv 850-

958) Em que o Jovem amante que explorava a Velha rica eacute bom e justo para merecer a

riqueza (vv 975-1096) E ainda nas uacuteltimas cenas os homens depois de enriquecer natildeo satildeo

mais religiosos Na ausecircncia de sacrifiacutecio Hermes pede ajuda na casa de Crecircmilo (vv 1100-

1170) e o Sacerdote de Zeus reclama que os altares estatildeo abandonados (vv 1178-1184)

O agon de Pluto eacute portanto quanto ao conteuacutedo um elo central que se liga natildeo soacute

ao iniacutecio proacutelogo e paacuterodo mas tambeacutem agrave disposiccedilatildeo dos episoacutedios na segunda metade da

comeacutedia E a sua forma um uacutenico epirrema eacute bastante significativa para o estudo da

trajetoacuteria do agon epirremaacutetico nas comeacutedias supeacuterstites de Aristoacutefanes Segundo Mazon

(1904 165) a presenccedila de um uacutenico epirrema jaacute eacute um indiacutecio de que as formas simeacutetricas ndash

epirrema e antepirrema ndash tendem a desaparecer Assembleacuteia de mulheres e Pluto

Cap V mdash O uacuteltimo agon 173

documentam a extinccedilatildeo da paraacutebase e prenunciam o mesmo fenocircmeno para o agon

epirremaacutetico

Embora a Comeacutedia Antiga tenha sofrido mudanccedilas esteacuteticas radicais referentes agraves

formas fixas a comeccedilar pelo desaparecimento da paraacutebase e tambeacutem pela reduccedilatildeo do papel

do coro o derradeiro agon aristofacircnico resiste marcando a genialidade da verve do poeta que

zelando pela comicidade manteacutem a comeacutedia Pluto como um poderoso veiacuteculo de

comunicaccedilatildeo social que conduz ad absurdum198

seus argumentos

198 De acordo com Bergson (1983 p 93) o absurdo natildeo cria a comicidade mas sim decorre dela

CONCLUSAtildeO

Conclusatildeo 175

Como parte do texto cocircmico o agon eacute uma seccedilatildeo que natildeo apenas representa o

espiacuterito da poeacutetica aristofacircnica mas tambeacutem exprime o princiacutepio da arte dramaacutetica que

evoluindo para um gecircnero literaacuterio se norteia pela mise en scegravene da palavra em conflito tatildeo

cara agrave trageacutedia quanto agrave comeacutedia

Devido agrave diversidade da forma e do conteuacutedo dos agones a noccedilatildeo teacutecnica de

agon como um debate entre antagonistas que ocorre numa das seccedilotildees do texto da comeacutedia eacute

muito fugaz para definir precisamente o termo Tanto a forma quanto o conteuacutedo estatildeo

sujeitos agrave diversidade No que concerne agrave forma a siziacutegia epirremaacutetica pode se apresentar

completa ou natildeo e essa instabilidade da forma do agon eacute decorrecircncia da sujeiccedilatildeo da forma ao

conteuacutedo que ligado agrave proposta de cada comeacutedia estaacute a serviccedilo da intenccedilatildeo do poeta e de sua

habilidade em orquestrar o agon com as outras seccedilotildees da peccedila

Os agones de Cavaleiros Nuvens Vespas Ratildes Lisiacutestrata e Aves trazem a siziacutegia

epirremaacutetica completa Todavia somente nas quatro primeiras comeacutedias o conflito se acentua

gradativamente ao longo da fabulaccedilatildeo inserindo o agon num ―complexo agoniacutestico em que

haacute um equiliacutebrio das partes epirremaacuteticas no debate entre os contendores por isso foram

denominados agones modelares

Jaacute em Lisiacutestrata e Aves embora o agon contemple sua forma canocircnica seu

conteuacutedo descaracteriza a siziacutegia epirremaacutetica porque as partes dos epirremas estatildeo presentes

somente na fala de um dos litigantes Em Aves o coro eacute o antagonista do heroacutei e natildeo haacute um

juiz mas um mediador na negociaccedilatildeo Em Lisiacutestrata a seccedilatildeo que corresponde ao agon

demonstra a preferecircncia do poeta pela unilateralidade dos argumentos Em revanche o

antagonismo bem marcado estaacute nas partes corais porque o coro que eacute partidaacuterio se divide

em dois semicoros que se confrontam ao longo da fabulaccedilatildeo

Conclusatildeo 176

Cavaleiros possuem trecircs agones dois em cena onde o coro eacute partidaacuterio do heroacutei

e um agon relato A natureza do agon I eacute uma sobreposiccedilatildeo de vozes sem qualquer oposiccedilatildeo

de argumentos porque o objetivo eacute mostrar qual dos adversaacuterios tem a pior iacutendole No agon

II que eacute o principal forma e conteuacutedo se equilibram apresentando o confronto entre o heroacutei e

seu rival diante de um juiz E por fim no agon relato a forma desaparece para pocircr em

evidecircncia o conteuacutedo que sendo uma narraccedilatildeo dos fatos eacute muito proacuteximo dos relatos dos

mensageiros da trageacutedia

Em Nuvens tambeacutem haacute dois agones e neles estaacute em relevo o antagonismo nas

partes epirremaacuteticas entre contendores no agon I Raciociacutenio Justo versus Raciociacutenio

Injusto e no agon II pai versus filho Ambos potildeem em discussatildeo a educaccedilatildeo e o choque de

geraccedilotildees natildeo haacute um juiz e o coro assume um papel passivo Vespas trazem tambeacutem dois

agones epirremaacuteticos Tendo o coro uma funccedilatildeo ativa o agon I estaacute ancorado na accedilatildeo

decorrente do paacuterodo e o agon II eacute uma extensatildeo do primeiro o que resulta em ambos

algumas adequaccedilotildees como por exemplo a presenccedila de proepirremas falados na ode O agon

de Ratildes eacute muito bem construiacutedo pela equiparaccedilatildeo formaconteuacutedo As partes corais gerenciam

a contenda na presenccedila de um juiz e nos epirremas haacute o jogo do argumentocontra-argumento

em que o antagonismo eacute bem marcado

Nas outras comeacutedias de Aristoacutefanes o comprometimento da forma com a siziacutegia

epirremaacutetica incompleta ou ausente nem sempre anula o caraacuteter debatedor do agon No que se

refere agrave siziacutegia epirremaacutetica incompleta em Pluto o uacutenico epirrema da estrutura se divide

entre os debatedores e garante o jogo do argumentocontra-argumento em cujo jogo retoacuterico

natildeo estaacute em questatildeo a superioridade de um dos contendores senatildeo o peso dos argumentos de

cada um

Por outro lado o agon em Assembleacuteia de mulheres possui um uacutenico epirrema

adequando a forma ao conteuacutedo epidiacutetico do agon Natildeo se trata de defender ou expor pontos

Conclusatildeo 177

de vista como em Pluto mas demonstrar que o plano da heroiacutena eacute exequumliacutevel E ainda o agon

de Paz que eacute o uacutenico que estamos considerando como quasi-agon o conteuacutedo tambeacutem estaacute

determinando a forma que se apresenta muito reduzida Em se tratando de uma comeacutedia rica

em discursos voltados ao espectador o uacutenico epirrema da estrutura do agon eacute de caraacuteter

explicativo que leva a uma reflexatildeo sobre o propoacutesito da comeacutedia que eacute um hino agrave paz A

presenccedila de um uacutenico epirrema nessas comeacutedias sinaliza que as partes epirremaacuteticas tendem a

desaparecer e consequumlentemente o agon epirremaacutetico

Acarnenses e Tesmoforiantes satildeo comeacutedias que demonstram a possibilidade de

um agon natildeo epirremaacutetico porque a siziacutegia epirremaacutetica cede lugar agrave siziacutegia iacircmbica Em

Acarnenses o conteuacutedo estaacute determinando a forma da maneira mais complexa possiacutevel a

ponto de ocorrer uma contaminatio entre as seccedilotildees do texto um agon de tom parabaacutetico e um

paacuterodo com estrutura epirremaacutetica de agon Em Tesmoforiantes o final do paacuterodo jaacute daacute

indiacutecios de que a accedilatildeo caminha para uma discussatildeo na qual Aristoacutefanes preferiu usando o

recurso da paratrageacutedia o conteuacutedo agrave forma uma vez que a estrutura do agon da trageacutedia

desconhece a siziacutegia epirremaacutetica

Vespas e Ratildes satildeo exemplos de que a ausecircncia da forma de um agon epirremaacutetico

natildeo impede que o conteuacutedo da cena natildeo seja de um agon Em Vespas a cena do jugamento

domiciliar dos catildees caracteriza-se como uma cena de agon-processo jaacute que se trata de uma

paroacutedia aos tribunais atenienses Em Ratildes cujo agon compreende toda a segunda parte da

peccedila haacute um hibridismo entre as formas epirremaacuteticas e iacircmbicas primeiramente o agon se

configura tanto na forma quanto no conteuacutedo como um agon epirremaacutetico ateacute o momento em

que a forma epirremaacutetica eacute suplantada pelas cenas iacircmbicas que manteacutem o mesmo conteuacutedo

do debate entre Eacutesquilo e Euriacutepides cujo desfecho soacute vai ocorrer nos uacuteltimos versos da

comeacutedia

Conclusatildeo 178

A forma se subjuga ao conteuacutedo porque os conteuacutedos dos agones estatildeo em

simbiose com a proposta de cada peccedila trazendo discussotildees de ordem poliacutetica como Cleatildeo e a

conduta dos demagogos em Cavaleiros e Acarnenses e a poliacutetica beacutelica em Paz e Lisiacutestrata

de ordem juriacutedica com a saacutetira agrave justiccedila aacutetica em Vespas de ordem social com o problema da

educaccedilatildeo e o choque de geraccedilotildees em Nuvens ou o desejo de se ter uma cidade perfeita em

Aves de ordem literaacuteria com a criacutetica literaacuteria em Tesmoforiantes e Ratildes e por fim de ordem

econocircmica em Assembleacuteia de mulheres e Pluto Por toda parte transparece a utilizaccedilatildeo de um

ideal contemporacircneo bastante cultivado

De acordo com Gelzer (1960 p 268) o desaparecimento da maioria das antigas

formas fixas corresponde agrave quase total diminuiccedilatildeo das funccedilotildees do coro que natildeo desempenha

mais nenhum papel na accedilatildeo E no caso do agon epirremaacutetico de Assembleacuteia de mulheres e

Pluto com a expressiva reduccedilatildeo das evoluccedilotildees corais a cena torna-se predominantemente

uma cena de atores Isso vai resultar tambeacutem na mudanccedila da composiccedilatildeo meacutetrica da comeacutedia

os tetracircmetros trocaicos seratildeo substituiacutedos pelo metro iacircmbico que se aproxima da prosoacutedia

da liacutengua comum de ritmo mais acelerado caracteriacutestica da Comeacutedia Nova (BENOIT 1854

p 170)

Tem-se a impressatildeo de que se trata de um fenocircmeno de efeito dominoacute ou seja

com a queda das funccedilotildees do coro caem juntamente as demais formas fixas da comeacutedia razatildeo

pela qual o agon epirremaacutetico que se manteacutem agrave pena na estrutura conteacutem apenas uma

forma simples que se apresenta num uacutenico epirrema o qual por sua vez estaacute condenado a

desaparecer pela meacutetrica

Natildeo se trata de uma supressatildeo mas de uma transformaccedilatildeo que responde pela

evoluccedilatildeo da Comeacutedia Antiga de Aristoacutefanes para a Comeacutedia Nova de Menandro E

certamente o principal motivo encontra-se na diversidade da funccedilatildeo dramaacutetica do coro no

agon A razatildeo de o coro assumir funccedilotildees diferentes em cada comeacutedia ocorre porque ele estaacute

Conclusatildeo 179

presente em todos os agones epirremaacuteticos Aleacutem de atuar nas partes a ele determinadas ode

e katakeleusmos ele pode tambeacutem participar excepcionalmente dos epirremas

Nas partes corais do agon ele assume quatro diferentes funccedilotildees dramaacuteticas

A primeira como observador passivo em que ele marca presenccedila nos dois agones

de Nuvens no extenso agon de Ratildes no agon de Assembleacuteia de mulheres e no agon de Pluto

A segunda funccedilatildeo tambeacutem manteacutem o coro como observador poreacutem como

observador ativo porque ele toma partido da situaccedilatildeo esse caso encontra-se no agon II de

Cavaleiros em que ele estaacute interessado no desfecho da contenda

Na terceira funccedilatildeo em que o coro participa com nuanccedila de grau como

antagonista destacam-se os agones cuja accedilatildeo pelejadora eacute oriunda desde o paacuterodo Satildeo eles

o agon de Acarnenses agon I de Cavaleiros o agon I de Vespas o agon de Aves199

o agon

de Tesmoforiantes e o agon de Lisiacutestrata em que haacute o enfrentamento dos dois semicoros que

falam e cantam cada um antes dos epirremas em favor de seus partidaacuterios

A quarta funccedilatildeo pode ser observada no agon II de Vespas em que o coro assume o

papel de juiz do debate entre os litigantes

Essa diversidade do papel do coro ao longo dos agones das comeacutedias existentes

de Aristoacutefanes tem portanto uma relaccedilatildeo imediata com as oscilaccedilotildees quanto agrave forma e ao

conteuacutedo dos agones epirremaacuteticos O derradeiro agon na obra de Aristoacutefanes eacute quanto ao

conteuacutedo um verdadeiro debate Esperar-se-ia entatildeo que Aristoacutefanes tivesse composto um

agon epirremaacutetico agrave luz dos agones modelares como em Cavaleiros Nuvens Vespas e Ratildes O

poeta preferiu entretanto privilegiar o conteuacutedo em detrimento da forma compondo um agon

com um uacutenico epirrema como em Aves Lisiacutestrata e Assembleacuteia de mulheres embora natildeo se

trate de um agon unilateral presente nessas comeacutedias mas o poeta reduz a forma e num uacutenico

199

Em Aves a Poupa poderia representar o lado das aves mas essa personagem tem o papel especial de

mediador entre os contendores o heroacutei e as aves Por isso ela natildeo pode exercer no agon a funccedilatildeo de

antagonista

Conclusatildeo 180

epirrema o conteuacutedo eacute polarizado entre a arguumliccedilatildeo de Crecircmilo e de seu adversaacuterio200

Por traacutes

dessa discussatildeo ocultam-se ocasionalmente pensamentos sofiacutesticos pois duas posiccedilotildees

antiteacuteticas sobre o mesmo objeto satildeo em si uma tendecircncia caracteriacutestica da antilogia

sofiacutestica Trata-se da conduccedilatildeo do debate por meio de perguntas e respostas habilmente

colocadas Essa teacutecnica diz Gelzer (1960 p 129) eacute bem conhecida dos diaacutelogos de Platatildeo

sendo especificamente dialeacutetica os dois contendores propotildeem uma tese apoiada por um deles

e combatida pelo outro ateacute que um deles seja levado a admitir que natildeo tem razatildeo No agon de

Pluto a dialeacutetica quase perfeita natildeo fosse a resistecircncia de uma das partes admitir que a outra

estaacute com razatildeo (v 600) eacute responsaacutevel pela comicidade do debate cujo desfecho sela a

alogia201

desse agon

Isso visto o agon eacute uma seccedilatildeo da estrutura da comeacutedia e como tal pode vir

intercalado entre o paacuterodo e a paraacutebase ou apoacutes esta uacuteltima Em se tratando de uma das partes

do texto cocircmico o agon tem estrutura formal e meacutetrica especiacutefica Assim a presenccedila do

epirrema ndash como um componente da siziacutegia epirremaacutetica ndash eacute um sema comum nos agones

das comeacutedias de Aristoacutefanes202

O conteuacutedo desses agones que perfaz toda a forma estaacute

associado agrave proposta de cada comeacutedia Como o sucesso do plano do heroacutei depende da astuacutecia

desse heroacutei para transpor os obstaacuteculos o conteuacutedo do agon pode com ou sem um confronto

fiacutesico oscilar entre um debate polarizado e uma discussatildeo unilateral

O exame de todos os agones na poeacutetica aristofacircnica demonstra portanto a

engenhosidade do poeta na manipulaccedilatildeo das convenccedilotildees estruturais comum do agon sempre

200 O agon de Pluto apesar de reduzido manteacutem a mesma natureza debatedora dos agones em Acarnenses

(Diceoacutepolis versus Lacircmaco) Cavaleiros (Agoraacutecrito versus Paflagocircnio) Nuvens (Raciociacutenios Justo versus

Injusto) Vespas (Filocleatildeo versus Bdelicleatildeo) e Ratildes (Euriacutepides versus Eacutesquilo) Antes do minucioso estudo

de Gelzer (1960) Navarre (1911 p 252) jaacute tinha observado a divisatildeo do epirrema no agon de Pluto para

cada argumento de Crecircmilo um contra-argumento de Penia e vice-versa 201 Propp (1992 107) sugere como manifestaccedilatildeo do cocircmico o alogismo termo que se refere agravequele que profere

absurdidades e realiza accedilotildees insensatas No caso do agon de Pluto os contendores se atacam alegando o raciociacutenio disparatado do outro (vv 507-508 517) e quanto agrave accedilatildeo o desfecho da disputa estampa a natureza

no sense da praacutexis do heroacutei 202 Embora Acarnenses e Tesmoforiantes tenham uma estrutura iacircmbica em que o iambo substitui o epirrema (cf

Introduccedilatildeo ndash infra quadro) deve-se entender que o discurso iacircmbico presta-se agrave funccedilatildeo do epirrema

Conclusatildeo 181

sujeita ao conteuacutedo que associado agrave temaacutetica da comeacutedia expotildee um assunto que eacute do

interesse comum Assim sendo no que diz respeito agrave forma o agon epirremaacutetico tende a

desaparecer mas sobrevive na comeacutedia pelo conteuacutedo

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ANEXO

AGON TRADUCcedilAtildeO E NOTAS

192lsquo

Cavaleiros ndash agon I (vv 303-460)

193lsquo

194lsquo

195lsquo

196lsquo

197lsquo

198lsquo

199lsquo

200lsquo

Cavaleiros ndash agon II (vv 756-941)

201lsquo

202lsquo

203lsquo

204lsquo

205lsquo

206lsquo

207lsquo

208lsquo

209lsquo

Nuvens ndash agon I (vv 949-1104)

210lsquo

211lsquo

212lsquo

213lsquo

214lsquo

Nuvens ndash agon II (vv 1345-1451)

215lsquo

216lsquo

217lsquo

218lsquo

Vespas ndash agon I (vv 334-414)

219lsquo

220lsquo

221lsquo

222lsquo

Vespas ndash agon II (vv 526-727)

223lsquo

224lsquo

225lsquo

226lsquo

227lsquo

228lsquo

229lsquo

230lsquo

231lsquo

232lsquo

Ratildes ndash agon (vv 895 a 1499)

233lsquo

234lsquo

235lsquo

236lsquo

237lsquo

238lsquo

239lsquo

240lsquo

241lsquo

242lsquo

243lsquo

244lsquo

245lsquo

246lsquo

247lsquo

248lsquo

249lsquo

250lsquo

251lsquo

252lsquo

253lsquo

254lsquo

255lsquo

256lsquo

Acarnenses ndash Agon ndash 490 a 627

257lsquo

258lsquo

259lsquo

260lsquo

261lsquo

262lsquo

263lsquo

Tesmoforiantes ndash agon (vv 381-530)

264lsquo

265lsquo

266lsquo

267lsquo

268lsquo

269lsquo

270lsquo

271lsquo

272lsquo

273lsquo

274lsquo

Paz ndash agon (vv 601-657)

275lsquo

276lsquo

277lsquo

278lsquo

Aves ndash agon (vv 451-638)

279lsquo

280lsquo

281lsquo

282lsquo

283lsquo

284lsquo

285lsquo

Lisiacutestrata ndash agon (vv 476-613)

286lsquo

287lsquo

288lsquo

289lsquo

290lsquo

291lsquo

292lsquo

293lsquo

Assembleacuteia de mulheres ndash agon (vv 671-710)

294lsquo

295lsquo

296lsquo

297lsquo

298lsquo

299lsquo

Pluto ndash agon (vv 486-618)

300lsquo

301lsquo

302lsquo

303lsquo

192

Cavaleiros ndash agon I (vv 303-460)

Co Canalha Gritador asqueroso Sua safadeza

invade toda a terra toda a assembleacuteia 305

os impostos os processos e os tribunais

nojento toda nossa cidade

estaacute de pernas pro ar 310

vocecirc que atormentou nossa Atenas burlando

e espreitando os tributos do alto dos rochedos como se

fossem atuns1

Pa Eu sei bem haacute tempos de onde esse negoacutecio eacute curtido 315

Ag Se vocecirc natildeo entende de couro entatildeo nem eu de salsichas

vocecirc que tinha o haacutebito de cortar de atravessado o couro de um pobre boi

para parecer espesso e depois vendecirc-lo aos agricultores

e antes de um dia de uso os sapatos deles estavam esgarccedilados uns dois palmos

Es Por Zeus ele me deu o mesmo golpe a ponto de eu

ter sido motivo de zombaria pro meu pessoal e amigos 320

Antes mesmo de estar em Peacutergaso2 eu jaacute nadava dentro dos sapatos

Co Seraacute que vocecirc desde o comeccedilo mostrou

o descaramento o uacutenico salvo-conduto dos oradores 325

Eacute nisso que vocecirc confia para arrancar frutos dos estrangeiros3

vocecirc que eacute o primeiro e o filho de Hipodamos4 derrete-se em laacutegrimas

[diante desse espetaacuteculo

entretanto apareceu um outro tipo bem mais

patife do que vocecirc para minha alegria

que vai dar um um basta e um chega pra laacute em vocecirc ndash eacute evidente ndash 330

com safadeza atrevimento

1 O rochedo eacute a Pnix E os que ficavam no rochedo tinham voz potente como Cleatildeo para anunciar aos

pescadores os cardumes de atuns 2 Peacutergaso era um vilarejo nos arredores de Atenas e tambeacutem proacuteximo de Acarnes 3 Aristoacutefanes se refere agrave praacutetica de extorsatildeo dos poliacuteticos 4 Hipodamos de Mileto era um famoso arquiteto e seu filho Archeptolemos se tornou um dos Quatrocentos

movimento oligaacuterquico contra Cleatildeo Com a queda desse regime Archeptolemos foi executado

193

e trapaccedila

Mas entatildeo vocecirc que fez a mesma escola de onde vecircm os grandes homens de hoje

eacute o momento de mostrar que a boa educaccedilatildeo natildeo serve pra nada

Ag Muito bem ouccedilam entatildeo que tipo de cidadatildeo eacute esse indiviacuteduo 335

Pa Natildeo eacute a minha vez

Ag Natildeo meu Zeus porque eu tambeacutem sou mau-caraacuteter

Es E se ele natildeo concordar com isso acrescenta ―de uma famiacutelia de mau-caraacuteter

Pa Natildeo eacute a minha vez

Ag Natildeo meu Zeus

Pa Eacute sim meu Zeus

Ag Natildeo meu Posidatildeo

Mas eacute por causa de falar primeiro que eu vou brigar pra valer

Pa Ai de mim vou me arrebentar

Ag Mas eu natildeo deixarei 340

Es Deixa deixa pelos deuses quanto a ele que se arrebente

Pa E o que te leva a crer que vocecirc estaacute agrave altura de discutir comigo

Ag Eacute que sou como vocecirc pra bater-boca e tambeacutem engrossar o caldo5

Pa Olha soacute bater-boca Muito bem se um negoacutecio caiacutesse sobre vocecirc

em pedacinhos crus vocecirc conseguiria preparaacute-lo nos trinques 345

Mas sabe o que acontece com vocecirc na minha opiniatildeo O mesmo

[que pra todo mundo

apoacutes ter se saiacutedo bem num processo qualquer contra um estrangeiro

5 O verbo καρυκκοποιεῖν significa preparar molhos suculentos e em sentido figurado criar uma confusatildeo

194

depois de resmungar e tagarelar agrave noite toda pelas ruas sozinho

beber uns goles dlsquoaacutegua6 de manobrar e importunar seus amigos

vocecirc jaacute se imagina capaz de ser um orador Insensato Tolice sua 350

Ag E vocecirc o que tem bebido para deixar a cidade nesse estado em que se encontra

[agora

calada depois de ter recebido de vocecirc um beijo profundo de liacutengua

Pa Entatildeo vocecirc encontrou o cara para me enfrentar A mim que imediatamente

depois de comer uns pedaccedilos de atum quentinhos e bebido por cima uma jarra

de puro vinho sou capaz de regaccedilar os generais em Pilos 355

Ag E eu Depois de traccedilar um bucho de boi e umas tripas de porco

e beber por cima o caldo sem me limpar

estou pronto para xingar os oradores e passar uma rasteira em Niacutecias7

Es Por um lado dizendo essas coisas fico satisfeito mas por outro natildeo me contento

com uma de suas atitudes que tome o caldo sozinho 360

Pa Natildeo eacute por ter comido um peixe que vai perturbar Miletos8

Ag E depois de me fartar de costelas poderei negociar as minas9

Pa E eu vou chacoalhar o Conselho virando-o de pernas pro ar

Ag E eu vou te encher o rabo como se fosse linguumliccedila

Pa E eu eu vou arrastar vocecirc laacute pra fora de cabeccedila pra baixo pelo rabo 365

Es Entatildeo meu Posidatildeo se vocecirc o arrastar me arrasta tambeacutem

6 Beber aacutegua era um haacutebito dos oradores 7 Aristoacutefanes se refere ao caso de Pilos onde Cleatildeo derrotou os oradores e Niacutecias 8 Segundo Sommerstein (1981 163) Aristoacutefanes estaria fazendo uma alusatildeo a um suborno que Cleatildeo tivesse

recebido em Miletos sem ter prestado o serviccedilo 9 Trata-se das minas de prata de Laacuteurion sudeste da Aacutetica

195

Pa Ah que eu vou eacute por vocecirc no tronco10

Ag E eu vou te processar por covardia

Pa E esse seu couro vai ser esticado na mesa

Ag E eu vou te esfolar para fazer um saco com pele de ladratildeo 370

Pa E vocecirc seraacute pregado ao chatildeo

Ag E eu vou dar uma temperada nesse seu perfil

Pa E eu vou te arrancar os olhos

Ag E eu vou arrancar esse seu papo

Es Ai meu Zeus Vamos cravar nele 375

a moda dos accedilougueiros um prego

na boca em seguida puxamos pra fora

sua liacutengua e examinamos de fio a pavio

sua boca bem aberta 380

e o rabo vai que tem lombriga

Co De fato haacute coisas mais quentes que o fogo e o falatoacuterio

mais descarado ainda do que o palavreado na cidade 385

e de fato esse negoacutecio natildeo era banal

entatildeo parte pra cima dele e o faccedila girar sem doacute

e nessas condiccedilotildees ele estaacute preso pela cintura

10 No texto grego aparece a palavra ξυλόν que era um instrumento de tortura feito de madeira Em portuguecircs o

tronco utilizado no Brasil colocircnia para castigar os escravos parece cobrir o mesmo sentido

196

e se agora mesmo vocecirc o deixa mole no golpe

descobriraacutes um covarde pois eu conheccedilo o tipo 390

Ag E no entanto como foi assim a vida toda

se fazendo passar por um homem de reputaccedilatildeo tirando proveito da colheita alheia

e agora essas espigas que ele trouxe de laacute

ele as amarrou e secou no tronco e quer vendecirc-las11

Pa Natildeo tenho medo de vocecircs enquanto vigorar o Conselho 395

e a cara de tonto do povo sentado

Co Quanto descaramento nisso tudo e sem

que mude sua cor de sempre

se natildeo eacute raiva que sinto por vocecirc que eu venha a ser pinico12

[na casa do Cratino13

400

e tenha de aprender a cantar numa trageacutedia de Moacutersimo14

oh vocecirc que sempre e em qualquer ocasiatildeo

se corrompe sentando em flores

oxalaacute vocecirc fosse capaz de vomitar facilmente o alimento

e entatildeo eu cantaria sozinho 405

―Beba beba na infelicidade

e eu imagino que Uacutelio velhote farinheiro15

alegremente se colocaria a cantar e a gritar ―Baco Baco

Pa Essa natildeo Vocecirc natildeo vai me ultrapassar em descaramento natildeo por Posidatildeo

11 De acordo com Sommerstein (1981 164) a metaacutefora se refere agrave tortura aplicada aos prisioneiros de guerra

como espigas eles eram amarrados e torturados Em alguns casos eram barganhados e Cleatildeo teria se

aproveitado dessa negociaccedilatildeo 12 Em grego κῴδιον pele de carneiro que servia de cobertor 13 Cratino comedioacutegrafo bem mais velho que Aristoacutefanes tinha a fama de beberratildeo e por isso urinava na cama 14 Moacutersimo foi sobrinho de Eacutesquilo e sem nenhum talento que chegasse a ser comparado com o do tio 15 Uacutelio era filho do general Cimatildeo e funcionaacuterio encarregado de controlar o comeacutercio de gratildeos (Sommertein

1981 165)

197

ou senatildeo que eu nunca seja excluiacutedo das libaccedilotildees a Zeus Agoreu16

410

Ag E eu pelas pancadas que tanta e tantas vezes

recebi desde menino e tambeacutem as facadas

tenho certeza de que vou ganhar de vocecirc nessas coisas ou seria em vatildeo

que eu nutrido a miolo de patildeo17

seja tatildeo forte

Pa Miolo de patildeo igual comida pra catildeo Ah coitadinho de que maneira entatildeo 415

criado com raccedilatildeo de catildeo vocecirc vai lutar com um gurilatildeo18

Ag Ai meu Zeus Desde menino mentir eacute comigo mesmo

Por exemplo enganava os accedilougueiros dizendo esse tipo de coisas

―Vejam crianccedilas natildeo estatildeo vendo Uma andorinha e nova estaccedilatildeo

Entatildeo eles olhavam e eu num zup roubava um pedaccedilo de carne 420

Es Puxa que pedaccedilo de carne ligeiro Vou ficar esperto

Jaacute antes das andorinhas vocecirc roubava como quem come urtigas19

Ag Essas coisas que se viam eu fazia na surdina E se um deles me visse

escondia entre as pernas e em nome dos deuses jurava inocecircncia

de maneira que me vendo fazer isso um dos poliacuteticos disse 425

―sem sombra de duacutevidas natildeo eacute que esse menino vai governar o povo

Es Presumiu bem E eacute evidente que se chegou a isso

jaacute que jurava falso apoacutes o furto e tinha a carne entre as cochas

Pa Vou dar um basta nessa tua arrogacircncia Pensando bem em vocecircs dois 430

parto jaacute e com tudo pra cima de vocecirc

e ao mesmo tempo revirando sem propoacutesito terra e mar

Ag E eu recolho as salsichas e depois irei agrave deriva

16 Haacute dois sentidos que se complementam para esse verso i) Zeus Agoreu ou Zeus da aacutegora lugar de onde se

falava portanto natildeo ser excluiacutedos das libaccedilotildees a Zeus agoreu implica natildeo ser excluiacutedo de falar ii) tratava-se

de um sacrifico puacuteblico uma das raras ocasiotildees para o cidadatildeo pobre comer carne 17 Nas refeiccedilotildees costumava-se limpar as matildeos com bolinhas de miolo de patildeo que depois eram jogadas aos catildees 18 Jogo de palavras entre catildeo (κυνὸς) e macaco com cara de catildeo espeacutecie de babuiacuteno (κυνοκέφαλος)

Sommertein (1981 166) aventa que tambeacutem poderia se tratar de um epiacuteteto para criaturas monstruosas e

miacuteticas como o catildeo Ceacuterbero Assim o texto insinuaria a comparaccedilatildeo de Cleatildeo com o monstro 19 O iniacutecio da primavera ocorria antes da chegada das andorinhas e era tambeacutem o tempo de se colher urtigas

planta com valor medicinal

198

numa onda com ventos favoraacuteveis e quanto a vocecirc que tal se for prlsquoaquele lugar

Es E quanto a mim se acontecer de entrar aacutegua ficarei de olho no poratildeo

Pa Ah Minha Demeacuteter O fulano escaparaacute assim Depois de tanto dinheiro 435

que vocecirc roubou dos atenienses

Es Atenccedilatildeo Alccedilar vela

que o vento do sudeste jaacute sopra ou eacute o vento do sicofanta

Ag E vocecirc sei muito bem que recebeu em Potideu20

dez talentos

Pa E daiacute Quer um deles pra calar o bico

Es Homem Eu aceitaria com prazer Soltar as cordas 440

O vento se acalma

Pa Vai sobrar processos pra vocecirc

Quatro de cem talentos cada um

Ag E vocecirc teraacute vinte por deserccedilatildeo

e mais mil por roubo

Pa E eu digo que vocecirc vem dessa gentalha 445

que cometeu sacrileacutegio contra a deusa21

Ag E eu digo que teu avocirc foi um

guarda-costas

Pa Fazendo o quecirc Diga

Ag da Corina mulher do Hiacutepias22

20 Potideu era colocircnia de Corinto situada na Caacutelcis sendo um ponto estrateacutegico para os atenienses 21 Aristoacutefanes faz alusatildeo ao episoacutedio em que Ciacutelon tentou dar um golpe de Estado com o fracasso ele e seus

partidaacuterios se refugiaram perto da estaacutetua de Atena onde foram massacrados a mando da famiacutelia dos

Alcmeocircnidas 22 Ao inveacutes de Mirrina nome da mulher de Hiacutepias e nora de Pisiacutestrato o poeta faz um jogo de palavras com

alusatildeo aos negoacutecios de couro de Cleatildeo

199

Pa Vocecirc eacute um trambiqueiro

Ag E vocecirc um trapaceiro 450

Es Pau nele Seja macho

Pa Ai Ai

Os conspiradores estatildeo me espancando

Es Pau nele Seja ainda mais macho

Daacute-lhe um soco no estocircmago bem nas tripas

e nas entranhas 455

de modo a machucar o homem

Co Oh a mais nobre das carnes De todas a mais valorosa

Vocecirc que se mostra salvador da cidade e dos cidadatildeos

com que habilidade dominou bem o homem no falatoacuterio

de que modo poderiacuteamos encontrar tantos elogios para exprimir a vocecirc nossa

[alegria 460

200

Cavaleiros ndash agon II (vv 756-941)

Co Nesse exato momento eacute preciso que vocecirc solte a liacutengua23

756

e traga uma coragem impetuosa e argumentos embaraccedilosos

para passar por cima desse aiacute24

Pois eacute um patife o homem

e (durante) na hora dos apuros eacute haacutebil em proporcionar saiacutedas

Por isso que vocecirc vaacute pra valer e impetuosamente contra o fulano 760

Mas fique de olho E antes que ele se agarre em vocecirc (agarre) vocecirc primeiro

e iccedila os golfinhos25

e emparelhe o barco

Pa Agrave padroeira Atena agrave protetora da cidade

faccedilo uma prece se entre o povo ateniense eu me mostrei

o melhor homem apoacutes Liacutesicles Cina e tambeacutem Salabaco26

765

23 Trata-se de um proveacuterbio ndash lanccedilar ou soltar todas as amarras todas as velas 24 Referecircncia a Plafagocircnio 25 Massa de chumbo em forma de golfinho utilizada como arma para afundar os navios inimigos (Lavedan

1931 319) 26 Liacutesicles era um mercador de ovelhas Cina e Salabaco eram duas cortesatildes (Coulon V e Van Daele H Les

Cavaliers 1967 113)

201

como agorinha sem ter nada feito que eu possa jantar no Pritaneu27

Mas se te odeio e por ti natildeo luto resistindo sozinho

que eu morrae seja cerrado ao meio e cortado em tiras

AgQuanto a mim Povo se natildeo te amo e nem te prezo que eu seja cortado em pedaccedilos

para ser acompanhado de um cozido Se vocecirc natildeo se convenceu dessas

[coisas 770

que eu seja cortado em pedaccedilos sobre isso aiacute28 num guisado de carne alho azeitonas

[pretas e queijo e com um gancho que eu seja arrastado pelo saco ateacute o Ceracircmico29

PaE de onde surgiria um cidadatildeo que te amasse mais do que eu Povo

De modo que em primeiro lugar quando eu deliberava designei a vocecirc muito [dinheiro

dos cofres puacuteblicos estrangulando uns sufocando outros e cobrando uma parte de

[outros 775

natildeo se preocupando com nenhum dos cidadatildeos humildes desde que eu te alegrasse

Ag Isso Povo natildeo eacute nada de extraordinaacuterio Pois eu tambeacutem posso te fazer isso

Passo a matildeo nos patildees dos outros para oferecer a vocecirc

Ele natildeo ama vocecirc nem eacute benevolente com vocecirc Eacute isso mesmo antes de mais nada

[vou provar a vocecirc

a natildeo ser por uma uacutenica razatildeo tirar proveito de seu forno30 780

Pois vocecirc que contra os Medos cruzou espadas em interesse do paiacutes em Maratona31

E com a vitoacuteria nos permitiu exaltar a liacutengua magnificamente Ele natildeo se preocupou com vocecirc sentado assim duramente sobre essas pedras

Natildeo eacute como eu que trago isso32 que costurei para vocecirc Entatildeo se levante

e em seguida sente-se no macio para que natildeo a raspe mais em Salamina33 785 Po Homem quem eacute vocecirc Eacute filho de algum daqueles dos Harmoacutedios34

Isso eacute sem duacutevida de sua parte uma atitude sinceramente nobre e amiga do povo

PaEacute assim a partir de pequenas bajulaccedilotildees que vocecirc mostra a ele sua benevolecircncia

AgE vocecirc que o persuadiu com engodos mais mediacuteocres do que esses Pa E com certeza se em algum lugar apareceu um homem que mais

[defendeu o povo 790

27 De acordo com Glotz (1980 15-16) o Pritaneu era um edifiacutecio onde estavam sediados o chefe ou os chefes da

cidade o priacutetane ou o comitecirc dos priacutetanes 28 Na interpretaccedilatildeo de Van Daele H (Les Cavaliers 1967 114) trata-se de uma mesa 29 O Ceracircmico era um territoacuterio situado a noroeste da agora fora das muralhas de Atenas cuja atividade era a

olaria Tornou-se o maior cemiteacuterio da polis e na parte interna das muralhas praticava-se a prostituiccedilatildeo

(Harvey 1998 109) 30 Expressatildeo que em portuguecircs equivale agrave expressatildeo viver agrave custa de algueacutem 31 Os persas povo indo-europeu cujo chefe substituiu o rei medo eram chamados de medos Maratona cidade

aacutetica a 35Km a noroeste de Atenas ficou famosa pela batalha em 490 aC contra os Persas (Harvey 1998

324) 32 Pelo contexto o pronome refere-se a uma almofada 33 Na interpretaccedilatildeo de Van Daele H (Les Cavaliers 1967 114) trata-se da naacutedega dolorida que remou na batalha

de Salamina Esta eacute uma ilha separada da costa sudoeste da Aacutetica por um canal estreito nas proximidades do

porto Pireu Nesse local em 480 aC os gregos derrotaram a frota de Xerxes rei persa (Harvey 1998 452) 34 Harmoacutedios juntamente com Aristogiacuteton matou Hiparco irmatildeo do tirano de Atenas Hiacutepias e foi condenado agrave

morte (Harvey 1998 260)

202

ou que mais amou vocecirc do que eu eu quero apostar minha cabeccedila AgVocecirc o ama de que maneira Eacute o oitavo ano que vocecirc o vecirc

[morar em barrisem pequenos ninhos de abutres e tambeacutem em torrinhas e nem tem doacute

E depois de apertaacute-lo vocecirc ainda o espreme E quando Archeptoacutelemo35

traz

a paz vocecirc dispensa e os embaixadores escorraccedila 795

da cidade a pontapeacutes por causa das treacuteguas que eles propotildeem PaEacute para que ele governe a todos os gregos Pois estaacute nos oraacuteculos

36

que ele deve se tornar um dia heliasta na Arcaacutedia por cinco oacutebolos

se tiver paciecircncia Em todo caso eu o alimentarei e cuidarei dele

descobrindo por bem ou por mal de onde ele vai ter o trioacutebolo37

800

AgPor Zeus natildeo eacute apenas para que ele governe a Arcaacutedia que vocecirc estaacute se precavendo

[mas tambeacutem para que agrave vontade

vocecirc possa pilhar e se corromper com presentes das cidades E que o Povo

com a guerra e com a fumaccedila natildeo se decirc conta de teus delitos

Mas por necessidade e ao mesmo tempo pelo uso do salaacuterio fique boquiaberto com

[vocecirc

Um dia ao partir para o campo possa ele38

passar o tempo em paz 805

comendo espigas de trigo assadas e possa retomar a confianccedila e avanccedilar na

[conversa (comendo) bagaccedilo de uva ou azeite

eacute que vai saber quantas coisas boas vocecirc rouba dele com o pagamento da tropa39

E depois um agricultor rude seguindo a pista de cascalho viraacute ateacute vocecirc e contra

[vocecirc

de modo que vocecirc sabendo isso engana-o com sonhos40

que teve com ele

Pa Mas natildeo eacute terriacutevel essas coisas que vocecirc diz a ponto de me difamar 810

35 Archeptoacutelemo era um oligarca e com a queda do regime oligaacuterquico foi condenado agrave morte (Glotz 1980

211) 36 O oraacuteculo (mantecircion) era a resposta dada por determinadas divindades geralmente por intermeacutedio de um

sacerdote ou sacerdotisa O pronunciamento oracular era quase sempre obscuro ambiacuteguo passiacutevel de

interpretaccedilatildeo conforme o interresse (Harvey 1998 364-365) 37 Peacutericles criou o pagamento aos juiacutezes (misthograves) que correspondia a trecircs oacutebolos diaacuterios(Mosseacute 1985 38) 38 Refere-se agrave personagem Povo 39 Atenas possuiacutea duas instituiccedilotildees importantes a Assembleacuteia (Ekklesia) e o Conselho (Boule) A primeira era

soberana tanto em mateacuteria de poliacutetica interna quanto poliacutetica externa Todas as questotildees militares e navais

eram discutidas e deliberadas pela Assembleacuteia A Boulecirc tambeacutem intervinha em assuntos financeiros de ordem

interna e externa sobretudo no que dizia respeito agrave cavalaria Tudo era submetido agrave aprovaccedilatildeo dos bouleutai votavam a lista de cavaleiros avaliavam a alimentaccedilatildeo dos cavalos por parte dos cavaleiros que poderiam

sofrer sanccedilotildees financeiras dispensava cavalos matreiros etc (Glotz 1980 135 160 161) 40 A traduccedilatildeo ao peacute da letra eacute engana-o e sonha com ele Segundo Sommerstein (1981 187) Cleatildeo dizia que

para justificar e defender sua poliacutetica na Assembleacuteia um sonho o aconselhou

203

diante dos atenienses e do Povo Eu que prestei mais serviccedilos ndash

ndash Por Demeacuteter ndash do que Temiacutestocles41 agrave cidade Sim muito mais ateacute hoje

AgOacute cidade de Argos estaacute ouvindo as coisas que ele diz Vocecirc estaacute se comparando a

[um Temiacutestocles

que tornou nossa cidade plena depois de encontraacute-la pela metade

Aleacutem disso no almoccedilo uniu o Pireu42 agrave cidade 815

e sem privaacute-la de nada de antigamente serviu-lhe peixes frescos43

E vocecirc procurou mostrar os atenienses como cidadatildeos de uma cidadezinha separando-os por um muro e pronunciando oraacuteculos e opondo-se a Temiacutestocles44

E ele45 estaacute exilado de nossa terra enquanto que vocecirc enxuga os dedos com patildeo de

[qualidade

PaMas natildeo eacute terriacutevel Povo que eu ouccedila essas coisas desse fulano 820

soacute porque te amo

Po Pare homem E natildeo o insulte com coisas inuacuteteis

Haacute muito e muito tempo e ainda hoje sem que eu percebesse vocecirc se manteacutem [escondido

Ag Eacute um salafraacuterio oacute querido povinho e fez inuacutemeras coisas perversas

Enquanto vocecirc fica boquiaberto

ele arranca ateacute o talo as prestaccedilotildees de contas dos magistrados46 825

e as devora E com as duas matildeos

ele toma de colherada as coisas puacuteblicas

PaNatildeo vai ficando alegrinho Mas que vocecirc roubou

trinta mil dracmas eu vou te provar AgPor que vocecirc daacute murro em ponta de faca e fala seco e estridente 830

Vocecirc que eacute o maior salafraacuterio quando o assunto eacute o povo

ateniense E vou te mostrarndash por Demeacuteter ndash nem que eu morra ndashque recebeu de Mitilene

41 Temiacutestocles era um homem puacuteblico estadista que exerceu a poliacutetica como arconte e depois como estratego

Em 483 a pedido de Temiacutestocles destinou-se o dinheiro proveniente das minas de prata do Laacuteurion para

equipar a esquadra ateniense a mesma que conquistaria a vitoacuteria de Salamina batalha naval entre gregos e

persas (Glotz 1980 169 278) 42 Porto principal de Atenas distante a 8 km ao sul da poleis (Harvey 1998 383 384) Esse fato de o Pireu ter

sido ligado agrave cidade estaacute documentado em Plutarco Vidas Paralelas II ndash Tuciacutedides 19 4 43 Aristoacutefanes emprega nesse trecho uma metaacutefora gastronocircmica Temiacutestocles foi o responsaacutevel pelo

aprimoramento da atividade naval beacutelica de Atenas atividade essa comparada agrave culinaacuteria no caso a atividade

de pesca Entende-se que como recurso cocircmico Aristoacutefanes se valeu da eficiecircncia dessa esquadra que

garantia aos atenienses aleacutem da defesa por mar tambeacutem as refeiccedilotildees tal esquadra natildeo soacute era eficiente na

guerra mas tambeacutem na pescaria 44 Considerando o recurso cocircmico da invectiva pessoal Aristoacutefanes ataca a poliacutetica de Cleatildeo que deveria ter sido

inversa agrave poliacutetica de Temiacutestocles Enquanto este defende a poleis aperfeiccediloando sua esquadra por exemplo

aquele ergue muralhas e se vale das respostas oraculares para lograr o povo 45 Temiacutestocles acusado de traiccedilatildeo por Leobotes do vilarejo de Agraule o ostracismo foi uma maneira que seus

adversaacuterios encontraram para acabar com seu prestiacutegio e autoridade Temiacutestocles foi expulso da cidade e exilado em Argos (Plutarco Vidas Paralelas II Them 22 23)

46 Cleatildeo era membro da Assembleacuteia e a esta cabia i) as relaccedilotildees exteriores ii) o poder legislativo iii) a parte

poliacutetica do poder judiciaacuterio iv) o controle do executivo isto eacute nomeaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de todos os

magistrados (Glotz 1980 135)

204

pelo menos quarenta minas47

835 CoOacute vocecirc que se mostrou um grande benfeitor para todos os homens

Eu te invejo a eloquumlecircncia Pois se vai atacar dessa maneiraseraacute o maior dentre os gregos e sozinho vai dominarna cidade dos aliados e vai governar com o tridente de Posidatildeo

com o qual vocecirc vai ganhar muito dinheiro tremendo e removendo a terra48

840

E que vocecirc natildeo deixe o homem escapar jaacute que ele te deu mole

Pois vocecirc vai arruinaacute-lo facilmente com essas suas costas Pa Natildeo gente boa as coisas ainda natildeo chegaram a isso por Posidatildeo

Pois haacute comigo quando trabalhei um tal negoacutecio a ponto defechar a boca de todos os meus inimigos juntos 845

enquanto restar algo dos escudos de Pilos Ag Mantenha o pensamento parado nos escudos Com certeza vocecirc me deu uma deixa

Pois natildeo precisava se eacute verdade que vocecirc ama o Povo de caso pensado

permitir que eles fossem suspensos por seus boldrieacutes

Mas isso Povo eacute um estratagema para que caso vocecirc queira 850

castigar o homem esse fulano aiacute49

que isso natildeo aconteccedila com vocecirc

Vocecirc estaacute vendo proacuteximo a ele uma multidatildeo de jovens

[comerciantes de curtume

e vivem em volta deles os comerciantes de mel

e de queijo Isso eacute um bando de conspiradores

De modo que se vocecirc rosnasse de raiva e condenasse ao ostracismo jogando cara ou

[coroa com conchas de ostra 855

agrave noite eles correriam para despregar os escudos

e impedir a entrada de nosso trigo Po Como sou desgraccedilado Entatildeo eles tecircm os boldrieacutes Desgraccedilado

Haacute quanto tempo vocecirc estava enganando a mim e ao povo dessa maneira Pa Oh gente boa natildeo ligue para o que ele fala nem pense 860

que vai encontrar em algum lugar um amigo melhor do que eu que fui o uacutenico

47 Os mitilenenses foram acusados de traiccedilatildeo e mereceram um castigo exemplar Primeiramente a assembleacuteia

decidiu que todos os homens e adultos seriam mortos e as mulheres e crianccedilas reduzidas agrave escravidatildeo Mas

posteriormente a proposiccedilatildeo do orador Dioacutedoto prevaleceu por iacutenfima maioria na Assembleacuteia e os habitantes

de Mitilene foram poupados Cleatildeo contudo conseguiu a divisatildeo do territoacuterio da cidade em lotes tornando os mitilecircnios arrendataacuterios da terra (Mosseacute 1979 69)

48 Aleacutem de deus do mar Posidatildeo tambeacutem era deus dos movimentos do solo deus da vegetaccedilatildeo e deus social e

poliacutetico Os golfinhos e o tridente satildeo seus siacutembolos (Lavedan 1931 778 976) 49 Refere-se a Plafagocircnio

205

que acalmou os conspiradores e nada me costumava escapar

na poleis quando fazia parte na assembleacuteia Entatildeo imediatamente eu gritava Ag Vocecirc sofre como os que pescam enguias

quando o lago estaacute calmo eles nada pegam 865

mas se remexem o lodo de baixo para cima

as agarram Vocecirc tambeacutem mete a matildeo quando revira a cidade

A propoacutesito me responda isso vendendo tanta pele de animal

vocecirc jaacute deu a esse aiacute50

um pedaccedilo de couro seu

para os sapatos dele Vocecirc que vive declarando que o ama 870 Po Claro que natildeo por Apolo Ag Sem duacutevida entatildeo vocecirc reconhece quem eacute ele Pois eu

estou dando a vocecirc esse par de sapatos que comprei para vocecirc pocircr Po Eu considero vocecirc de todos que conheci quando o assunto eacute o Povo o melhor

[homem

e o mais dedicado agrave cidade e aos meus dedos do peacute Pa Natildeo eacute revoltante ora essa que um par de sapatos tenha tanto poder 875

E quanto a mim nada de ter lembranccedila de quanto vocecirc sofria Eu que

reprimi a veadagem riscando Gritos da lista de cidadatildeos51

Ag Pois isso sim eacute revoltante Vocecirc deu para fiscalizar o rabo ―alheio

e acabar com a bichice Natildeo eacute possiacutevel que

sem ter inveja deles vocecirc os reprimiu para que natildeo se tornassem oradores 880

E este aqui vocecirc viu sem tuacutenica (estando) nessa idade

e nunca vocecirc julgou o Povo digno de uma tuacutenica com mangas

50 Refere-se ao Povo 51 Trata-se de um caso de atimiacutea ou degradaccedilatildeo ciacutevica Se condenado por atimiacutea o cidadatildeo era privado

provisoriamente ou definitivamente dos direitos ciacutevicos por exemplo participar da Assembleacuteia (Glotz 1980

127 211) Segundo Mosseacute (1985 30 31) o cidadatildeo aleacutem de ter a privaccedilatildeo dos direitos poliacuteticos era exilado e soacute voltaria ao final de dez anos para retomar seus direitos perante a polis O objetivo da lei era evitar que o

cidadatildeo em proveito proacuteprio se tornasse um tirano Homens como Xantipo ou Aristides ou Temiacutestocles todos

devotados agrave democracia foram penalizados com o ostracismo porque abusaram do poder poliacutetico a eles

confiado em nome do grande prestiacutegio e da confianccedila do povo

206

quando era inverno Mas eu te dou essa aquiPo Taiacute algo que Temiacutestocles nunca imaginou

E o Pireu Aquilo foi engenhoso com certeza Mas na minha opiniatildeo 885

nem eacute tatildeo grande quanto agrave invenccedilatildeo da tuacutenica que vocecircs mostram Pa Como sou infelizVocecirc estaacute me enrolando com essas micagens Ag Natildeo Mas como o homem beberratildeo que sofre cada vez que tem vontade de ir ao

[banheiro

empresto essas suas maneiras de se inclinar como as de se calccedilar as sandalinhas52

Pa Mas vocecirc natildeo vai me vencer com bajulaccedilotildees Pois eu 890

vou cobrir vocecirc com isso aqui53

Grita miseraacutevel Po Aiaiai

Por que vocecirc natildeo vai se danar Mas que cheiro horriacutevel de pele de couro Ag Isso eacute de propoacutesito era para te embrulhar e te sufocar

E mais de uma vez ele tramou contra vocecirc Vocecirc se lembra daquele tronco

de siacutelfio54

que apareceu com um preccedilo baratinho 895

Po Claro que lembro

Ag Foi de propoacutesito Esse aiacute queria que ele tivesse um preccedilo baratinho

para que vocecircs comprassem e comessem E depois no tribunal

os juiacutezes se matassem uns aos outros com os peidos Po Por Posidatildeo Um fulano de Peidoacutepolis

55 me disse isso

Ag Pois natildeo eacute entatildeo que vocecircs os peidorreiros eu suponhoficaram ruborizados 900 Po Por Zeus Isso era invenccedilatildeo do Ruivatildeo

56

Pa Ah malandro Vocecirc estaacute me perturbando com tais mexericos

52 Na Greacutecia Claacutessica durante o banquete os convivas faziam as refeiccedilotildees deitados sobre um tipo de divatilde

(Lavedan 1931 825) As figuras em vaso mostram que os convivas se deitavam descalccedilos Aristoacutefanes nessa

passagem ridiculariza a posiccedilatildeo de se pegar os calccedilados 53 Pelo contexto trata-se de um manto de couro 54 Era uma planta encontrada fora de Atenas oriunda de Cirene Seu caule era usado para fins nutricionais e

terapecircuticos (Teofrasto Historia de las plantas 612) 55 O vocaacutebulo grego κόπρειος tem dois significados i) excremento ii) vilarejo situado nas proximidades de

Elecircusis Para manter o jogo de sentido pensei em traduzir por Peidoacutepolis Merdoacutepolis ou qq coisa do tipo 56 No original Pirrandro era um nome proacuteprio comum em Atenas e possuiacutea uma etimologia composta de

πυρρος e ἀνήρ que significa homem vermelho ie de cabelos ruivos Segundo Coulon amp Daele (Les

Cavaliers 1967 119) presume-se apoacutes essa passagem que Cleatildeo era ruivo

207

Ag A deusa me encorajou para eu vencer vocecirc no falatoacuterio Pa Mas natildeo vai me vencer Pois eu digo que vou fornecer a vocecirc

Povo sem fazer nada uma tigela de salaacuterio para engolir 905 AgEu dou a vocecirc um potinho e tambeacutem remeacutedio

para passar nos machucados da canela Pa E eu arrancando seus cabelos grisalhos vou fazer de vocecirc um jovem Ag Toma Pegue o rabo da lebre para enxugar bem seus dois olhinhos Pa Depois de assoar o nariz Povo limpa na minha testa 910 Ag Natildeo na minha Pa Natildeo na minha

Eu farei vocecirc se tornar um trierarca57

gastando dinheiro

e o seu Com um barco velho

no qual vocecirc natildeo vai parar de gastar 915

nem de fazer reparaccedilotildees

E eu vou fazer de tudo para que

vocecirc receba um mastro podre Co O fulano estaacute fervendo Chega chega

Que estaacute transbordando Eacute preciso tirar 920

umas tochinhas e acabar

as ameaccedilas com isto aqui PaVai me pagar caro

Sendo esmagado pelos impostos

porque eu no meio dos ricos 925

57 O trierarca era o comandante de um trirremo navio de guerra Eram designados pelo estratego O trierarca

pertencia a instituiccedilatildeo da poleis chamada trierarquia (Lavedan 1931 976-978)

208

farei de tudo para que vocecirc seja inscrito [entre os ricos]58

Ag Entatildeo natildeo vou mais fazer ameaccedilas

mas peccedilo a vocecirc o seguinte

uma panela com lulas

coloque para fritar 930

e ndash estando vocecirc na condiccedilatildeo de pedir um julgamento a respeito

dos Mileacutesios59

para ganhar

um talento se conseguir ndash

vocecirc com vontade de se fartar ao maacuteximo de lulas

chegue ainda a tempo de 935

ir agrave assembleacuteia Depois

antes que vocecirc comece a comer que um fulano venha a sua procura

e vocecirc querendo receber o talento

e comendo ao mesmo tempo

engasgue 940 Co Muito bem Por Zeus por Apolo e por Demeacuteter

58 Cleatildeo teria aumentado os impostos a uma contribuiccedilatildeo de 200 talentos o que atingiu sua popularidade Trata-

se de um imposto com fins beacutelicos pago por fortunas atenienses (Lavedan 1931 538-539) 59 Os Mileacutesios eram habitantes da cidade de Miacuteletos Cidade iocircnica com o melhor porto da Asia Menor Os

Mileacutesios participaram decisivamente da revolta iocircnica contra a Peacutersia Em 494 aC sitiada pelos persas seus

habitantes foram levados para Susa Em 479 a cidade teve uma segunda fundaccedilatildeo e juntou-se a Confereraccedilatildeo

Deacutelia e revoltou-se contra Atenas em 412 Era um centro industrial de latilde considerada a melhor do mundo

antigo (Harvey 1998 340-341)

209

Nuvens ndash agon I (vv 949-1104)

CORO (Estrofe) Agora ambos vatildeo demonstrar confiados em raciociacutenios

habiliacutessimos [955] pensamentos e reflexotildees sentenciosas qual dos dois parece o melhor orador

Aqui se arrisca toda a sorte da sabedoria pela qual os meus dois amigos travam o combate supremo

Corifeu (Voltando-se para o Justo)

Mas vocecirc que coroou os antigos com tantos costumes honrados diga as palavras que lhe agradam [960] e fale

sobre a sua natureza

JUSTO Entatildeo vou contar como era a educaccedilatildeo antiga quando eu florescia dizendo o que eacute

justo e a prudecircncia era considerada Em primeiro lugar natildeo se devia ouvir um menino cochichar nem um a

depois os moradores de um mesmo bairro andavam pelas ruas bem disciplinados indo agrave casa do professor de

ciacutetara sem mantos e em fila ainda que nevasse neve farinhenta O professor por sua vez comeccedilava ensinando-

os a cantar com as coxas bem apartadas ou Palas terriacutevel destruidora de cidades ou um som longiacutefero

sustentando os acordes transmitidos pelos pais [970] E se algum deles se fazia de bobo ou modulava uma

modulaccedilatildeo de voz como essas de hoje agrave moda de Friacutenis tatildeo difiacuteceis de modular era moiacutedo de muitas pancadas

como se estivesse prejudicando as Musas Na casa do professor de ginaacutestica os meninos deviam sentar-se com

as pernas esticadas para a frente para natildeo mostrar nenhuma [975] indececircncia aos estranhos de outro lado ainda

quem se levantava devia aplainar a areia tomando a precauccedilatildeo de natildeo deixar aos amantes nenhum vestiacutegio de

sua mocidade Naquele tempo nenhum menino costumava untar-se debaixo do umbigo e assim sobre os

genitais florescia uma penugem orvalhada como num fruto e ningueacutem molhava e [980] amolecia a voz para

aproximar-se do amante prostituindo-se a si mesmo com os olhos Nos jantares natildeo era permitido servir-se da

cabeccedila do rabanete nem roubar a erva-doce ou selino dos velhos nem se devia comer gulodices dar gargalhadas

ou ficar de pernas cruzadas

INJUSTO Chi Satildeo velharias do tempo das Dipolias coisas cheias de cigarras de Cecides e de

Bufocircnias [985] Mas na realidade foi com essas coisas que a minha educaccedilatildeo criou os homens guerreiros de

Maratona Mas vocecirc desde logo ensina as crianccedilas de hoje a se embrulharem em mantos e eu sufoco de raiva

quando algueacutem precisando danccedilar nas Panateneacuteias segura o escudo diante do sexo sem respeitar a Tritogeneacuteia

(Voltando-se para Fidiacutepides) Em vista disso coragem meu rapaz

210

[990] Escolha-me a mim o raciociacutenio forte E

vocecirc aprenderaacute a detestar a agora a abster-se dos balneaacuterios a ter vergonha do que eacute vergonhoso e a pegar fogo

se algueacutem o insultar Aprenderaacute tambeacutem a erguer-se da cadeira quando se [995] aproximam os velhos a natildeo ser

estuacutepido com os seus pais e a natildeo fazer nenhuma outra accedilatildeo vergonhosa porque procura realizar a imagem do

pudor E natildeo iraacute correndo agrave casa de uma danccedilarina ficando de boca aberta diante do espetaacuteculo para receber

uma maccedilatilde de alguma rameirinha e ter a sua boa reputaccedilatildeo despedaccedilada Tambeacutem natildeo retrucaraacute ao seu pai

chamando-o de velho Japeto e censurando-o pela sua velhice graccedilas agrave qual vocecirc foi criado como um

filhotinho

INJUSTO ( A Fidiacutepides)

[1000] Meu rapaz se vocecirc lhe obedecer nisso sim por Dioniso pareceraacute aqueles porcos-filhos de Hipoacutecrates

e vatildeo chamaacute-lo de filhinho da mamatildee

JUSTO

Mas entatildeo esplecircndido como uma flor vocecirc passaraacute o tempo nos ginaacutesios natildeo ficaraacute parolando pela agora

a respeito de arguacutecias espinhosas como a mocidade de hoje arrastado aos tribunais por um negocinho cheio de

chicanas e contradiccedilotildees [1005] capciosas Descendo agrave Academia apostaraacute corrida debaixo das oliveiras

sagradas com um rapaz ajuizado e da mesma idade coroado com uma verde cana rescendendo a hera

serenidade e choupo branco no cair das borbulhas alegre na estaccedilatildeo primaveril quando o plaacutetano troca doces

murmuacuterios com o olmo

[1010] Se fizer o que eu digo e atentar nesses conselhos teraacute sempre peito robusto cores brilhantes ombros

largos liacutengua curta [1015] quadris grandes e membro pequeno

Mas se praticar os haacutebitos de hoje logo teraacute pele paacutelida ombros estreitos peito acanhado liacutengua grande quadris

pequenos membro comprido e longos decretos E ele persuadiraacute vocecirc a pensar que tudo que eacute [1020]

vergonhoso eacute belo e o belo vergonhoso

E aleacutem disso vai sujaacute-lo com a devassidatildeo de Antiacutemaco

211

CORO

[1025] (Antiacutestrofe) Cultor da gloriosa sabedoria de altivas tornes que doce e prudente flor repousa

em suas palavras Felizes sim os que viviam nos tempos de outrora Em resposta vocecirc que possui

[1030] uma arte de fina elegacircncia algo de novo deve dizer pois o homem se saiu muito bem

CORIFEU (A O Injusto)

Parece que contra ele vocecirc precisa de resoluccedilotildees terriacuteveis se pretende vencer o rival sem [1035] expor-se

ao ridiacuteculo

INJUSTO

E no entanto haacute bem tempo eu eacute que sufocava ateacute as entranhas e desejava revirar tudo isso com

argumentos contraacuterios Pois no meio dos pensadores chamaram-me o raciociacutenio fraco [1040] por isso

mesmo porque fui o primeiro a pensar em contradizer as leis e a justiccedila Eis aiacute o que vale muito dinheiro

escolher os raciociacutenios fracos e apesar disso vencer

( A Fidiacutepides) Observe como vou refutar essa educaccedilatildeo em que ele acredita ele que afirma em primeiro

lugar que vocecirc natildeo teraacute licenccedila de tomar banho quente (Volta-se para o Justo) [1045] Mas com que

fundamento vocecirc censura os banhos quentes

JUSTO

Porque satildeo uma coisa peacutessima e tornam o homem covarde

INJUSTO

Pare Pois jaacute o agarrei pela cintura e natildeo o deixo escapar Diga-me dentre os filhos de Zeus qual eacute o

homem que vocecirc julga de alma mais valorosa Diga-me quem suportou as maiores fadigas

JUSTO

[1050] Natildeo julgo nenhum homem superior a Heacutercules

INJUSTO

Pois entatildeo vocecirc jaacute viu alguma vez banhos de Heacutercules que sejam frios Ora quem era mais corajoso

JUSTO

Eacute isso eacute isso mesmo que enche os balneaacuterios de jovens que tagarelam sem cessar o dia inteiro enquanto as

palestras ficam vazias

212

INJUSTO

[1055] E depois vocecirc censura a discussatildeo na aacutegora e eu a elogio Se houvesse algum mal Homero nunca

teria feito de Nestor um discurseiro nem de todos os saacutebios Daiacute entatildeo passo para a liacutengua esse fulano diz que

os jovens natildeo devem exercitaacute-la e eu digo que sim De outro lado ele [1060] diz que se deve ser modesto Dois

grandes males Vocecirc jaacute viu algueacutem ganhar alguma coisa com a modeacutestia Fale refute-me com palavras

JUSTO

Muita gente Pois natildeo foi por isso que Peleu recebeu o seu cutelo

INJUSTO

Cutelo Grande lucro teve o desgraccedilado [1065] Hipeacuterbolo aquele das lamparinas ganhou com a sua

falta de vergonha mais do que muitos talentos e natildeo um cutelo por Zeus

JUSTO

E Peleu graccedilas agrave sua modeacutestia desposou Teacutetis

INJUSTO

E logo ela passou-o para traacutes e foi-se embora pois ele natildeo era nem fogoso e nem agradaacutevel para festejar as

noites debaixo das cobertas E [1070] uma mulher gosta de sofrer violecircncias Vocecirc eacute um velho sendeiro

( A Fidiacutepides) Meu rapaz observe tudo que existe na modeacutestia e de quantos prazeres vocecirc deve privar-se

meninos mulheres jogos de coacutetabo alimentos bebidas gargalhadas Ora de que lhe valeraacute a vida se [1075]

focircr privado de tudo isso Bem passarei agraves necessidades naturais Vocecirc agiu mal ficou apaixonado e praticou um

adulteacuterio mas foi apanhado Vocecirc estaacute perdido pois natildeo eacute capaz de falar Conviva comigo e goze a vida salte

ria e natildeo ache nada vergonhoso Pois se acaso focircr apanhado em flagrante adulteacuterio vocecirc diraacute ao marido [1080]

o seguinte que natildeo tem culpa nenhuma Depois trate de jogar a culpa em Zeus porque ele tambeacutem eacute mais fraco

do que o amor e que as mulheres Ora como eacute que vocecirc um mortal poderia ser mais forte do que um deus

JUSTO

Quecirc E se por ter acreditado em vocecirc lhe enfiarem um rabanete no rabo e o esfolarem com cinza Ele teraacute

algum argumento para afirmar que natildeo eacute um esculhambado

213

INJUSTO

[1085] E se focircr um esculhambado que haveraacute de mal

JUSTO

Pois que desgraccedila ainda maior do que essa ele poderia sofrer um dia

INJUSTO

E entatildeo que diraacute vocecirc se focircr derrotado por mim nesse particular

JUSTO Calarei a boca Que mais

INJUSTO

Entatildeo diga-me vamos os advogados puacuteblicos onde eacute que vamos buscaacute-los

JUSTO

[1090] Nos esculhambados

INJUSTO

Acredito E os traacutegicos onde

JUSTO

Nos esculhambados

INJUSTO

Tem razatildeo E os oradores

JUSTO

Nos esculhambados

INJUSTO

[1095] Estaacute aiacute entatildeo natildeo reconhece que diz tolices

Observe no meio dos espectadores qual eacute a maioria

JUSTO Sim estou observando

INJUSTO

E entatildeo que vecirc

JUSTO Pelos deuses os esculhambados satildeo mais numerosos (Mostrando ao acaso) Eis ali um bem [1 100] o conheccedilo e aquele ali e aquele

cabeludo que laacute estaacute

INJUSTO E entatildeo que diz vocecirc

JUSTO (Resignado) Fomos vencidos Oacute prostituiacutedos Pelos deuses recebam o meu manto que eu passo para seu lado (Entra no ―pensatoacuterio)

214

Nuvens ndash agon II (vv 1345-1451)

CORO

(Estrofe) Velho a sua tarefa eacute pensar em como sobrepujaacute-lo Se em algo ele natildeo confiasse tatildeo

atrevido natildeo haveria de ser Mas existe algo [1350] que lhe daacute coragem Bem visiacutevel eacute a sua

audaacutecia

CORIFEU

Mas por que comeccedilou a discussatildeo Eacute preciso dizecirc-lo diante do coro E vocecirc vai fazecirc-lo de qualquer maneira

ESTREPSIacuteADES

Bem vou contar por que comeccedilamos a discutir Pois enquanto banqueteaacutevamos como [1355] vocecircs sabem primeiro

mandei-o apanhar a lira para cantar uma poesia de Simocircnides sobre Crio e como foi tosquiado Ele disse-me que

era antiquado tocar ciacutetara e cantar na hora da bebida como uma mulher moendo cevada

FlDIacutePIDES

Pois nessa hora vocecirc natildeo merecia apanhar e ser pisado por mandar-me cantar como se tivesse [1360] convidado uma cigarra para jantar

ESTREPSIacuteADES

Ah eram essas mesmas as palavras que ele dizia laacute dentro afirmando que Simocircnides eacute mau poeta Eu embora a

custo apesar de tudo a princiacutepio contive-me Depois mandei-o apanhar ao menos um galho de mirto e recitar-

me alguma [1365] coisa de Eacutesquilo E ele logo disse Pois considero Eacutesquilo o maior poeta barulhento

incoerente empolado criador de palavras escarpadas Pensem entatildeo como o meu coraccedilatildeo palpitou de raiva

Todavia depois de engolir a coacutelera eu disse Bem cante alguma coisa desses modernos algumas dessas

belezas E ele logo cantou uma passagem de Euriacutepides ndash livre-nos Deus ndash sobre um irmatildeo que violentou a

proacutepria irmatilde Natildeo me contive mais e logo acometi com muitas palavras maacutes e injuriosas Daiacute [1375] entatildeo

como era natural opuacutenhamos palavra a palavra Depois ele daacute um salto fere-me espanca-me estrangula-me e

acaba comigo

215

FIDIacutePIDES

Entatildeo natildeo eacute justo jaacute que vocecirc natildeo elogia Euriacutepides o mais saacutebio

ESTREPSIacuteADES

O mais saacutebio Oacute de que chamar vocecirc Mas vou apanhar de novo

FlDIacutePIDES

Sim por Zeus e seraacute justo

ESTREPSIacuteADES

[1380] Justo E como Sem vergonha eu que o criei percebendo tudo que vocecirc queria dizer quando

balbuciava Se vocecirc dizia bru eu entendia e lhe oferecia de beber Quando pedia mamaacute aproximava-me para

dar-lhe comida Nem bem vocecirc dizia caca eu levava-o para fora da porta e segurava-o diante de mim Mas

vocecirc agora me estrangulava enquanto eu gritava e berrava que tinha vontade de aliviar-me [1390] Canalha nem

pensou em levar-me para fora e sufocado eu fiz a caca ali mesmo

CORO

(Antiacutestrofe) Creio eu datildeo saltos os coraccedilotildees [1395] dos jovens agrave espera do que ele vai dizer E se

ele que praticou esses crimes convencer o pai com suas tagarelices em troca da pele dos velhos eu

natildeo daria nem um gratildeo de bico

CORIFEU ( A Fidiacutepides)

Movimentador e sacudidor de palavras novas a sua tarefa eacute procurar um meio de convencer de que parece dizer

o que eacute justo

FIDIacutePIDES

Como eacute doce conviver com ideacuteias novas e [1400] engenhosas e poder desprezar as leis estabelecidas

Quando eu preocupava o meu espiacuterito soacute com a equitaccedilatildeo natildeo era capaz de dizer nem trecircs palavras sem errar Mas agora depois que ele em pessoa acabou com isso eu convivo com haacutebeis [1405] sentenccedilas palavras e

pensamentos e creio que posso provar que eacute justo castigar o pai

ESTREPSIacuteADES

Pois entatildeo por Zeus trate de andar agrave cavalo Que para mim eacute melhor sustentar uma quadriga de cavalos do

que apanhar e ser moiacutedo de pancadas

FIDIacutePIDES

Volto ao ponto em que vocecirc me cortou a palavra E antes vou dizer-lhe o seguinte quando eu era crianccedila

vocecirc me batia

ESTREPSIacuteADES

[1410] Sim porque tinha boas intenccedilotildees e cuidados por vocecirc

216

FlDIacutePIDES

Entatildeo diga-me natildeo eacute justo que eu tenha boas intenccedilotildees e da mesma forma lhe bata jaacute que ter boas

intenccedilotildees eacute bater Pois como eacute que o seu corpo deve sair ileso dos golpes e o meu natildeo E no entanto bem

que eu nasci livre As crianccedilas choram e pensas que um pai natildeo deve [1415] chorar Mas vocecirc diraacute que se

considera esse ato como proacuteprio das crianccedilas e eu responderei que os Velhos satildeo duas vezes crianccedilas e que eacute

natural que os velhos chorem mais do que os jovens tanto quanto eacute menos razoaacutevel que cometam erros

ESTREPSIacuteADES

[1420] Mas em lugar algum se admite que o pai sofra esse ultraje

FlDIacutePIDES

Acaso quem estabeleceu essa lei pela primeira vez natildeo foi um homem como vocecirc e eu que persuadiu aos antigos com suas palavras Entatildeo eacute menos razoaacutevel que eu de meu lado para o futuro estabeleccedila uma nova lei

para os filhos que [1425] por sua vez batam nos pais Todas as pancadas que costumaacutevamos receber antes de

ser estabelecida esta lei noacutes deixamos passar e lhes damos graacutetis para serem espancados Mas observe como

os galos e todos esses outros animais se vingam dos seus pais Ora em que diferem de noacutes senatildeo porque natildeo

redigem decretos

ESTREPSIacuteADES [1430] Jaacute que vocecirc imita os galos em tudo por que tambeacutem natildeo come esterco e natildeo dorme num poleiro

FIDIacutePIDES

Natildeo eacute a mesma coisa meu caro nem Soacutecrates aceitaria isso

ESTREPSIacuteADES

Se eacute assim natildeo me bata Senatildeo um dia vocecirc tambeacutem seraacute castigado

FIDIacutePIDES

Como

ESTREPSIacuteADES

Porque tenho direito de castigaacute-lo e vocecirc ao seu filho se o tiver

FlDIacutePIDES

[1435] E se eu natildeo tiver filhos Terei chorado em vatildeo e vocecirc jaacute estaraacute morto rindo diante do meu nariz

217

ESTREPSIacuteADES

Homens de minha idade penso que ele diz o que eacute justo Creio que se deve concordar com os filhos no que eacute

razoaacutevel Pois eacute natural que tambeacutem choremos se natildeo fazemos o que eacute justo

FlDIacutePIDES

Reflita ainda sobre um outro pensamento

ESTREPSIacuteADES [1440] Natildeo Pois vou morrer

FlDIacutePIDES

E provavelmente vocecirc natildeo ficaraacute com raiva depois de ter padecido o que estaacute padecendo agora

ESTREPSIacuteADES

Como Mostre-me qual o benefiacutecio que vocecirc poderaacute fazer-me

FlDIacutePIDES

Tambeacutem vou bater na minha matildee assim como lhe bati

ESTREPSIacuteADES

Que diz Que diz vocecirc Esse crime ainda eacute maior

FIDIacutePIDES

[1445] Por quecirc E se eu vencecirc-lo com palavras sustentando o raciociacutenio fraco de que se deve bater na matildee

ESTREPSIacuteADES

Que mais haacute de acontecer se vocecirc fizer isso [1450] Nada poderaacute impedi-lo de precipitar-se no Baacuteratro com

Soacutecrates e com esse tal raciociacutenio fraco (A o C o r o ) Nuvens eis o que estou sofrendo por vossa causa

porque vos confiei todos os meus problemas

CORO

Vocecirc mesmo foi o causador desses males [1455] quando se virou para a perversidade

ESTREPSIacuteADES

Por que entatildeo naquele tempo voacutes natildeo me dissestes isso e virastes a cabeccedila de um homem velho e ignorante

218

Vespas ndash agon I (vv 334 a 414)

Co Quem eacute o fulano que manteacutem vocecirc preso

agrave porta fechada Diga

pois vocecirc pode confiar nos amigos 335

Fi Meu proacuteprio filho Mas natildeo gritem Por acaso

ele estaacute dormindo aiacute na frente Abaixem a voz

Co Qual eacute a desculpa oh imprestaacutevel para ele querer te tratar assim

Que pretexto ele deu

Fi Ah senhores ele natildeo quer que eu seja juiz e nem que eu cometa injusticcedila 340

Em compensaccedilatildeo ele se dispotildee a me empanturrar mas eu natildeo quero

Co O perverso teve coragem de abrir a boca

esse demologocleatildeo60

porque vocecirc fala a verdade

sobre a questatildeo da frota

Natildeo seria permitido a esse fulano

de falar assim

natildeo fosse um assunto atual 345

Mas as coisas estando como estatildeo estaacute na hora de encontrar uma nova ideacuteia

que vai permitir vocecirc de descer daiacute sem o fulano perceber

Fi O que seria entatildeo Procurem vocecircs que eu farei qualquer coisa

tanto eacute o meu desejo de circular na frente da urna61

com as conchas de voto

Co Natildeo haacute um buraco aiacute dentro que vocecirc possa aumentar 350

para fugir disfarccedilado de mendigo como o sabichatildeo do Odisseus

Fi Estaacute tudo tampado Natildeo tem nem mesmo um furo suficiente pra deixar passar um

[mosquito

60 Nome forjado por Aristoacutefanes demologo era um nome pejorativo agrave maneira como os oradores se dirigiam ao

povo na Assembleacuteia e cleatildeo eacute a injuria dirigida a Cleatildeo ou tambeacutem a Bdelicleatildeo 61 Onde se depositavam os votos

219

Eacute preciso que vocecircs procurem um outro jeito Natildeo posso escorregar como um queijo

Co Vocecirc se lembra do dia em que no exeacutercito vocecirc roubou os obeliscos

e se serviu deles para descer rapidamente dos muros no momento

[da tomada de Naxos 355

Fi Claro Mas qual a relaccedilatildeo A situaccedilatildeo de hoje natildeo tem nada a ver com aquela

Eu era jovem capaz de roubar em pleno vigor

ningueacutem me vigiava e eu podia

fugir sem medo Enquanto que hoje

os homens com armas a postos 360

fazem sentinela em todas as saiacutedas

Haacute dois deles agrave porta que

como se eu fosse uma doninha que roubou a carne

ficam de olho com espeto na matildeo

Co Mas imagine agora

um jeito e sem demoras

pois eis a aurora zangatildeozinho 366

Fi Entatildeo o melhor pra mim eacute roer a corda

E que Aacutertremis me perdoe pela corda

Co Isso eacute que eacute um homem que luta pela sua salvaccedilatildeo

Vamos Leve para a boca 370

Fi Ela foi rompida Mas natildeo gritem

e fiquem atentos para natildeo acordar Bdelicleatildeo

Co Natildeo haacute nada a temer amigo nada

se algo se mexer eu o

farei roer o coraccedilatildeo 375

e lutar pela sua vida

para que saiba a natildeo mais violar

220

as leis das duas veneraacuteveis deusas62

Prenda a corda em volta da janela em seguida desccedila

apoacutes tecirc-la prendido em vocecirc e enchido a alma com feacute em Demeacuteter 380

Fi Sim e se nesse momento os dois perceberem e tentarem me repescar

e conseguirem me levar pra dentro o que vocecircs vatildeo fazer Digam hein

Co Viremos todos em seu socorro fazendo apelo ao nosso forte coraccedilatildeo

de modo que natildeo seraacute possiacutevel te trancarem Eacute isso que faremos

Fi Farei isso entatildeo e confiando em vocecircs Se me acontecer algo ruim tomem nota 385

me enterrem debaixo do tribunal depois de chorarem muito

Co Nada vai te acontecer Natildeo tenha medo de nada Vamos nosso melhor amigo desccedila

com confianccedila em vocecirc e invocando os deuses paacutetrios

Fi Oh Lico63

soberano heroacutei e vizinho vocecirc que fica feliz como eu

com as laacutegrimas e os prantos interminaacuteveis dos acusados 390

Escolheu certamente esse lugar para que natildeo os perdesse

pois vocecirc eacute o unido dos heroacuteis que escolheu ficar do lado dos desgraccedilados

Tenha piedade e salve agora aquele que eacute seu vizinho

E nunca mais ao peacute das grades vou mijar nem peidar

Bd Vocecirc Acorda

Es O que eacute que eacute

Bd Estou ouvindo algo parece voz 395

Seraacute que o velhote se escafedeu por aiacute

Es Natildeo por ZeusNatildeo eacute isso mas por uma corda estaacute descendo

62 Demeacuteter e Perseacutefone 63 A estaacutetua do heroacutei Lico filho de Pandion era situada proacuteximo ao tribunal e ao local onde os juiacutezes recebiam

seus salaacuterios

221

Bd Ei desgraccedilado O que estaacute fazendo Natildeo natildeo vai descer natildeo

Suba raacutepido pelo outro lado e bata nele com esses ramos secos

talvez ele volta pra traacutes e reme pra cima com esses galhos de oliveira

Fi Natildeo vatildeo me ajudar Vatildeo ter processos esse ano todos vocecircs 400

Smiciacutetion Tsiades Cremon e Feredipo64

Eacute agora ou nunca venham ao meu socorro antes que consigam me retrancar

Co Diga-me por que demoramos para rebelar nossa coacutelera

que nos vem quando algueacutem se irrita com nosso vespeiro

O momento eacute esse O momento eacute esse 405

de puni-lo e com nosso agressivo aguilhatildeo

pontudo dar-lhe uma ferroada

Rapazes tirem raacutepido o manto

corram gritem e anunciem isso a Cleatildeo

diga-lhe para vir 410

fazer frente ao homem que odeia a cidade

e que merece morrer porque

ele sustenta a ideacuteia de que

natildeo eacute mais preciso julgar os processos

64 Acredita-se que fossem sicofantas

222

Vespas ndash agon II (vv 526-727)

Co Agora eacute preciso que vocecirc que eacute do nosso

time diga algo

de novo para que se mostre

Bd Traga-me para caacute um cesto qualquer e depressa

Pois bem que que tipo de homem ele deve se mostrar se isso deve encorajaacute-lo 530

Co natildeo como esse jovem

no falar pois vocecirc estaacute vendo

que por sua causa acontece um grande debate

a respeito de tudo sem exceccedilatildeo 535

Se entatildeo natildeo conseguir

nesse momento ele estaacute decidido a levar a melhor

Bd Certamente e o que for dito anotarei sem rodeio e de memoacuteria

Fi E daiacute DigamSe esse aiacute me vencer no falatoacuterio

Co Natildeo mais a multidatildeo de velhos 540

seraacute sem sombra de duacutevida uacutetil

223

e zombando de noacutes

em todas as ruas

seriacuteamos chamados de porta-ramos65

e de sacos velhos 545

Mas vamos homem em vista de toda soberania e estando destinado a responder

eacute chegado o momento de com confianccedila colocar agrave prova toda sua liacutengua

Fi Pra comeccedilo de conversa vou comeccedilar provando

que da nossa parte nada eacute inferior agrave soberania

Pois quem eacute nos dias de hoje mais feliz e afortunado do que um juiz 550

criatura mais delicada e temiacutevel apesar de velho

Em primeiro lugar mal levanto da cama sou escoltado ateacute o tribunal

por homens grandes de quatro cocircvados Em seguida assim que chego

eacute colocada sobre mim a matildeo leve que se apropria do que eacute puacuteblico

Suplicam de joelhos inclinando-se e retratando-se com uma voz lamuriosa 555

piedade de mim pai eu te suplico se vocecirc mesmo nunca roubou

quando exerceu a magistratura ou quando fazia compras para os companheiros do

[exeacutercito

Esse aiacute nem teria sabido que eu existia se eu natildeo o absolvesse da primeira vez

Bd A questatildeo dos suplicantes que eu me lembre disso

Fi Em seguida quando jaacute me suplicaram e apaziguaram minha coacutelera entro 560

e laacute dentro nada faccedilo das coisas que prometi

mas escuto de todos os lados os argumentos para a absolviccedilatildeo

Vejam soacute o que natildeo eacute preciso ouvir de adulaccedilatildeo ao juiz nesse lugar

Uns se derramam em prantos por causa de sua pobreza e acrescentam

65 Nas Grandes Panateneacuteias os velhos levavam ramos de oliveira nas procissotildees

224

desgraccedilas a seus males ateacute que de tanto atormentar se tornem iguais aos meus 565

Outros nos contam faacutebulas outros ainda algo engraccedilado de Esopo66

haacute os que contam piadas para que eu ria e descarregue minha coacutelera

E se nem assim somos persuadidos logo sobe a filharada

meninas e meninos pela matildeo E eu entatildeo escuto

E eles curvando-se juntos comeccedilam a balir ao mesmo tempo E depois o pai deles 570

como a um deus suplica-me tremendo para livraacute-lo do processo de fraude

―Se vocecirc se comove com a voz de um carneiro tenha piedade com a voz de uma

[crianccedila

Aleacutem do mais se pareccedilo me comover com as porquinhas tenta me convencer pela voz

[da neta

Entatildeo em relaccedilatildeo a ele relaxamos um pouco a tensatildeo de nossa coacutelera

Por acaso isso natildeo eacute ter um grande poder e menosprezar a riqueza 575

Bd A segunda coisa que vou tomar nota o menosprezo da riqueza

Entatildeo me mencione as vantagens quando afirma ser o soberano da Greacutecia

Fi Bem quando os adolescentes se submetem a uma inspeccedilatildeo eacute de direito vecirc-los nus

E se Eagros67

ficar diante do tribunal como acusado natildeo se livra antes que

tenha recitado uma passagem de Niacuteobe68

e que escolha a mais bela 580

E se um flautista ganha o processo ele nos recompensa

tocando na forbeacuteia 69

a marcha de saiacuteda dos juiacutezes quando vatildeo embora

E se um pai ao morrer e deixando uma heranccedila designa um marido agrave filha sua

[uacutenica herdeira

noacutes que lamentamos profundamente defendemos a parte principal no testamento

e a concha que cobre tatildeo magnificamente os selos judiciais 585

e oferecemos a moccedila a quem pelas suacuteplicas nos corrompeu

E tudo isso fazemos sem dar satisfaccedilatildeo Nenhuma outra magistratura eacute assim

Bd Entre os que vocecirc cita esse eacute o uacutenico que eu te felicito

Mas no caso do testamento da herdeira vocecirc procede mal ao violar a concha

66 Fabulista que viveu na primeira metade do seacuteculo VI como escravo (Heroacutedoto II 34) 67 Ator traacutegico 68 Natildeo se sabe se a autoria dessa trageacutedia eacute de Eacutesquilo ou de Soacutefocles porque ambos escrevem uma peccedila de

mesmo nome 69 Acessoacuterio para abrandar o som da flauta feito de couro e fixado aos laacutebios

225

Fi E mais quando o Conselho e o povo hesitam julgar um negoacutecio importante 590

decidem que os acusados se apresentem aos juiacutezes

E entatildeo Evatlo70

e o grande Colacocircnimo71

aquele que lanccedilou longe seu escudo

afirmam que natildeo vatildeo nos trair e que vatildeo lutar em favor do povo

Assim na assembleacuteia do povo ningueacutem jamais fez prevalecer seu ponto de vista se natildeo

propuser que os juiacutezes possam fechar a sessatildeo depois de

julgar um processo 595

Somos os uacutenicos que o proacuteprio Cleatildeo o que ganha no grito natildeo atormenta

Ao contraacuterio nos protege tendo-nos no braccedilo e nos defende das moscas

Enquanto que vocecirc nunca fez nada do que quer que fosse a seu proacuteprio pai

Jaacute Teoro72

que natildeo eacute um homem menos importante do que Eufecircmio73

pega a esponja de sua bacia e lustra nossos calccedilados 600

Veja de quantas coisas boas vocecirc estaacute me excluindo e me impedindo

Vocecirc que afirmava conhecer o que eacute escravidatildeo e servidatildeo

Bd Fale o que quiser Em todo caso quanto a vocecirc esse seu rabo imperioso deveraacute

[sossegar um dia e revelar

no banho uma parte dessa sua majestosa magistratura

Fi E o que eacute mais prazeroso dessas coisas todas e que eu ia me esquecendo 605

eacute quando volto para casa com meu salaacuterio Assim que eu chego

me paparicam por causa do meu dinheiro Primeiro minha filha

lava meus dois peacutes e os massageia com oacuteleo e inclinando-se os beija

e me chama de ―paizinho ao mesmo tempo que pesca com a liacutengua um trioacutelobo

E minha mulher me bajula me trazendo bolinhos 610

e depois sentando-se a meu lado insiste ―come esse

e prova esse tambeacutem E eu me farto de felicidade com essas coisas

e natildeo precisarei ficar de olho em vocecirc e no criado quando ele for me servir o melhor

70 Evatlos aparece frequumlentemente nas comeacutedias como um sicofanta 71 Trata-se do poliacutetico Cleocircnimo com fama de glutatildeo E parece que ele num ato de covardia teria abandonado o

campo de batalha 72 Teoros eacute atacado nas comeacutedias como parasita e adulador de Cleatildeo de perjuacuterio adulteacuterio e glulodice 73 Desconhecido

226

me amaldiccediloando e resmungando e nem se me preparar uma massa rapidamente

E com isso adquiri uma armadura contra os males equipamento militar 615

[para escapar das flechas

E se vocecirc natildeo me oferece vinho para beber trago comigo essa taccedila74

cheia de vinho e em seguida me inclino e bebo Entatildeo minha taccedila de bocal grande

comeccedila a estralar com goladas enormes e valentes para desafiar a sua

Por acaso eu natildeo comando uma grande magistratura em nada inferior a de Zeus

Jaacute que falam de mim como de Zeus 620

E se tumultuamos

cada um dos presentes dizem

―como estrondeia o tribunal

Oh Zeus-soberano

E quando lanccedilo meus raios batem os dentes 625

e se borram de medo os ricos

e os mais importantes

E mesmo vocecirc tem muito medo de mim

Sim por Demeacuteter Vocecirc se borra E quanto a mim

que eu morra se tenho medo de vocecirc 630

Co Ateacute o momento desse modo tatildeo claro

natildeo ouvimos ningueacutem

que falasse com habilidade

Fi Eacute que ele pensava que sozinho poderia facilmente vindimar

Pois ele bem que sabia que nisso sou mais forte 635

Co Como ele atacou tudo

e nada omitiu de forma que eu

na medida em que ouvia

me sentia grande

e tive a impressatildeo de ser juiz nas Ilhas dos Bem-aventurados 640

74 Aristoacutefanes joga com o duplo significado da palavra ὄνος burro e vaso

227

tanto ele me encantou com sua fala

Fi Como esse fulano jaacute estaacute se retorcendo e natildeo se aguumlenta

de certo que hoje eu farei de vocecirc um cachorro enxotado

Co Eacute preciso que vocecirc trame todos os tipos

de artifiacutecios para se safar 645

Pois acalmar minha raiva

eacute difiacutecil

a natildeo ser que fale em meu favor

Entatildeo eacute o momento de vocecirc procurar uma boa pedra e bem afiada

se natildeo tem nada a dizer para que ela seja capaz de aplacar minha coacutelera

Bd Eacute difiacutecil a partir de uma potente inteligecircncia maior do que a dos poetas 650

[tragicocircmicos

curar uma antiga doenccedila gerada na cidade

Entretanto oh nosso pai filho de Cronos

Fi Chega E sem essa de ―invocar o pai

Se vocecirc natildeo me provar rapidamente porque sou escravo

natildeo haacute jeito que se decirc e vocecirc morreraacute ainda que eu seja afastado dos banquetes

Bd Agora ouccedila papai e esfria a cabeccedila um pouco 655

Primeiro calcule por alto natildeo com as pedrinhas mas com os dedos da matildeo

o tributo total enviado a noacutes pelas cidades

E estenderei esses resultados a muitos impostos de um por cento

as taxas do processo das minas dos mercados das locaccedilotildees dos confiscos

O total de todas essas coisas chega a quase dois mil talentos 660

228

Sobre isso coloque agora o salaacuterio anual pago aos juiacutezes

que satildeo seis mil ndash porque natildeo estabeleceram mais nesse paiacutes ndash

isso nos chega suponho a cento e cinquumlenta talentos

Fi Nosso salaacuterio natildeo chega nem a deacutecima parte dos rendimentos

Bd Natildeo por Zeus certamente que natildeo

Fi E pra onde vai entatildeo o restante do dinheiro 665

Bd Para aqueles que juram ―jamais vou trair a multidatildeo ateniense

e sempre lutarei a favor do povatildeo Pois vocecirc pai

enganado pelos belos discursos os escolhe para que governem

E ainda eles se deixam corromper por cinquumlenta talentos

vindos das cidades as aterrorizando e ameaccedilando 670

―vocecircs pagaratildeo os tributos ou com trovotildees sua cidade vou arruinar

E vocecirc se contenta com as sobras dessa sua magistratura

Os aliados quando se datildeo conta que a sua turma

nada come nem morde na urna

se preocupam com vocecirc como com as pedrinhas de voto do Connos75

entatildeo 675

[a essa gente oferecem

bacias de sardinhas vinho tapetes queijo mel gergelim almofadas

vasos clacircmides coroas colares taccedilas riqueza e sauacutede

E quanto a vocecirc daqueles sobre quem vocecirc governa ―apoacutes ter sofrido tanto

[na terra e no mar

nenhum deles te daraacute se quer um dente de alho para teu ensopado de peixe

Fi Ai meus Zeus Na casa do Eucarides76

eu proacuteprio mandei buscar trecircs dentes de alho

Mas vocecirc me irrita natildeo me mostrando tal escravidatildeo 681

75 Connos muacutesico vencedor nos Jogos Oliacutempicos que morreu na miseacuteria Sua reputaccedilatildeo de imbecilidade se

tornou proverbial thrion de Connos expressatildeo para marcar algo sem importacircncia O thrion era uma iguaria a

base de folha de figo Nesse contexto da comeacutedia Aristoacutefanes muda para voto de Connos 76 Natildeo muito conhecido mas certamente se trata de um feirante

229

Bd Pois natildeo eacute uma baita escravidatildeo ver todas essas pessoas sem exceccedilatildeo

na magistratura com seus aduladores que lhes extorquem dinheiro

Enquanto vocecirc vocecirc fica contente assim que algueacutem te daacute trecircs oacutebolos que conduzindo

[sozinho o exeacutercito

e combatendo por terra e sitiando cidades vocecirc ganhou sofrendo muito 685

Aleacutem disso o que mais me incomoda eacute que recebendo ordens vocecirc fica nesse vai e

[vem

Eacute quando um frangote um debochado como o filho de Quereas77

entra

com as pernas abertas assim rebolando com o corpo e com ar de efeminado

para dizer a vocecirc que esteja presente pela manhatilde e na hora para pronunciar uma

[sentenccedila pois se algueacutem de vocecircs

chega depois do sinal natildeo ganharaacute os trecircs oacutebolos 690

Mas ele recebe uma dracma com o honoraacuterio mesmo se chega atrasado

E fazendo conchavo com um ou outro dos arcontes que senta com ele

E se um dos acusados lhe oferece algo estando a dois eles combinam e tratam o

[negoacutecio 693

seriamente assim como serradores que um puxa e o outro deixa passar

enquanto vocecirc fica olhando boquiaberto o tesoureiro a negociaccedilatildeo lhe passa

[despercebida

Fi Eles fazem isso aiacute comigo Ai de mim o que vocecirc estaacute dizendo

Como vocecirc me inquieta profundamente E conduz meu pensamento e nem sei

[que efeito vocecirc me faz 697

Bd Considera entatildeo como vocecirc e todos os outros poderiam enriquecer

se vocecirc se deixasse corromper pelos populistas de sempre

Vocecirc que governa a maior parte das cidades do Ponto ateacute a Sardenha 700

E natildeo tira proveito exceto desse miserecirc que recebe E ainda eacute com um fiapo de latilde

[que sobre ti

como oacuteleo fazem pingar aos pouquinhos essa miseacuteria suficiente para viver

Pois querem que seja pobre e vou te dizer por causa de que

77 Nem pai nem filho satildeo conhecidos Mas Quereas foi atacado por Ecircupolis (fr80) e parece que seu filho foi um

procurador efeminado

230

para que conheccedila seu dono e entatildeo quando ele assoviar para vocecirc

vocecirc se excita contra um de seus inimigos e como uma fera salta sobre eles 705

Se eles quisessem dar ao povo do que viver seria faacutecil

Pois haacute mil cidades que agora nos pagam tributos

E se algueacutem ordenasse a cada uma delas de sustentar vinte atenienses

entatildeo vinte mil cidadatildeos viveriam na abundacircncia comendo lebres

tendo coroas de todos os tipos bebendo leite 710

gozando das coisas boas que merecem o paiacutes e os vitoriosos de Maratona

Mas agora como os colhedores de azeitona vocecircs seguem os que detecircm

[os salaacuterios de vocecircs

Fi Ai de mim O que aconteceu comigo Um tipo de dormecircncia se espalha ateacute minha matildeo

Natildeo consigo segurar minha espada jaacute estou sem forccedila

Bd Mas quando esses aiacute estatildeo com medo oferecem a Eubeacuteia 715

a vocecircs e se encarregam de produzir cerca de cinquumlenta medimnos de trigo

Eles que nunca deram nada a vocecirc exceto os cinco medimnos recentemente

e com dificuldade E sendo perseguido como estrangeiro passava a patildeo e aacutegua

Por causa dessas coisas eu lhe mantive preso

Porque queria alimentar vocecirc e que eles natildeo 720

caccediloassem de vocecirc ao falar

E agora quero dar a vocecirc absolutamente

aquilo que vocecirc quiser

exceto beber o leite78

do funcionaacuterio das financcedilas 724

Co Certamente era bem saacutebio aquele que dizia ―Antes de ter ouvido as duas partes

78 Refere-se ao trioacutebolo

231

natildeo julgue Pois agora me pareceu que vocecirc levou a melhor

De modo que agora com minha coacutelera apaziguada abaixo os bastotildees

232

Ratildes ndash agon (vv 895-1499)

CORO DE INICIADOS

Sim noacutes desejamos

ouvir de vocecircs homens saacutebios

que harmonia de palavras usaratildeo

que caminho na luta percorreratildeo

A liacutengua eacute rude Mas agrave coragem dos dois natildeo falta ousadia

Natural portanto eacute esperar 900

que um diga algo civilizado

e bem cinzelado

e que o outro com raiacutezes e tudo

arrancando as palavras

com elas desabe e espalhe

rolos e rolos de fa1as

Co Vamos eacute preciso falar o mais raacutepido possiacutevel 905

Cuidado Pronunciem palavras civilizadas Nada de caricaturas e

banalidades

Eu Bem Soacute no fim vou dizer qual eacute a minha relaccedilatildeo com a poesia

Primeiro vou

desmascaraacute-lo Eacute charlatatildeo e velhaco Mostrarei com que meios atraiu e

enganou os 910

espectadores tolos educados por Friacutenico Logo no inicio fazia que um

qualquer

ficasse sentado cobria-lhe a cabeccedila - um Aquiles uma Niacuteobe mdash natildeo lhe

mostrava o

rosto Eram fantoches da trageacutedia e natildeo diziam um a

Di Por Zeus Eacute claro que natildeo

Eu E o coro lanccedilava uma apoacutes outra quatro fileiras de cantos sem parar e

eles em 915

silecircncio

Di Eu gostava desse silecircncio e preferia isso aos tagarelas de agora

Eu Porque vocecirc era um bobo fique sabendo

Di Tambeacutem acho (pausa) Mas por que ele fazia isso

Eu Por charlatanice para que o espectador ficasse sentado esperando o

momento em

que a Niacuteobe ia dizer alguma coisa E assim a peccedila ia-se desenrolando920

233

Di Mas que canalha hein Como ele me enganava(a Eacutesquilo) Por que esses

bocejos

e esses sinais de mal-estar

Eu Porque estaacute sendo desmascarado E depois que falava essas bobagens e a

peccedila jaacute

estava no meio ele dizia uma duacutezia de palavras do tamanho de um boi

carrancudas 925

topetudas terriacuteveis umas palavras com cara de bicho papatildeo que ningueacutem

entendia

Eacutes Ai Coitado de mim

Di Cale a boca

Eu De claro natildeo falava nada

Di Pare de ranger os dentes

Eu Falava de Escamandros de fossos de grifos-aacuteguias dos escudos palavras

marciais

como guerreiros cavalgando em disparada Coisas difiacuteceis de

interpretar 930

Di Pelos deuses Veja eu uma noite jaacute passei muito tempo em claro tentando

descobrir que paacutessaro era o cavagalo dourado

Eacutes Eacute um emblema gravado nos navios oacute ignorantatildeo

Di E eu pensando que era Arroto o filho de Filoacutexeno

Eu Aleacutem do mais precisava pocircr um galo na trageacutedia como personagem 935

Eacutes E vocecirc homem odioso aos deuses Que tipo de personagem criava

Eu Natildeo eram como as suas cavagalos por Zeus nem veabodes que desenham

para

os tapetes persas

234

Mas assim que recebi a sua arte inchada de discursos empolados e

palavras pesadas 940

a primeira coisa que fiz foi enxugaacute-la diminuir-lhe o peso com

versinhos voltinhas

e beacutetulas brancas dando-lhe um chaacute de conversa fiada que extraiacute dos

livros

Depois alimentei-a com monoacutedias

Di Acrescentando-lhe Cefisofonte

Eu Aleacutem disso natildeo dizia o que me vinha agrave cabeccedila nem mudava de assunto

misturando 945

tudo A primeira personagem a entrar em cena jaacute falava sobre a famiacutelia

do meu

drama

Di Melhor para vocecirc Por Zeus Antes isso do que falar da sua

Eu E depois dos primeiros versos natildeo deixava ningueacutem sem accedilatildeo porque nos

meus

dramas todos falavam a mulher o escravo o patratildeo a virgem e a velha950

Eacutes E vocecirc natildeo merecia morrer por ter ousado fazer isso

Eu Natildeo Por Apolo Isso eu fazia de maneira democraacutetica

Di Deixe isso para laacute meu amigo Para vocecirc natildeo eacute bom ficar dando voltas

sobre este

assunto

Eu (apontando os espectadores) Depois eu ensinei esses daiacute a falar

Di Eu concordo Em vez de ensinar isso vocecirc deveria ter-se arrebentado pelo

meio 955

Eu Ensinei o ajuste com reacuteguas de precisatildeo esquadros de versos A

pensar a ver a

compreender a gostar de voltas a usar de artifiacutecios a desconfiar e a

discutir tudo

Eacutes Eu concordo

Eu introduzindo problemas familiares que enfrentamos com que

convivemos Em 960

consequumlecircncia estava exposto a criacuteticas pois conscientes esses aiacute

(mostrando os

espectadores) podiam criticar minha arte Natildeo natildeo falava pomposamente

deixando-

os embasbacados nem os perturbava pondo em cena Cicnos e Memnotildees de

cavalos-

com-arreios-tilintantes Vocecirc jaacute vai conhecer os meus disciacutepulos e os

dele Os deles 965

satildeo Formiacutesio e Megecircneto o Manes barbudos-de-lanccedila-e-trombeta

sarcaacutesticosndash

dobrandashpinheiros Os meus satildeo Clitofonte e o elegante Teracircmenes

235

Di Teracircmenes Aquele homem eacute astuto e terriacutevel em tudo Se por acaso

algueacutem caiu

em desgraccedila ou disso estaacute perto ele jaacute estaacute de fora pois natildeo eacute de

Quios mas de 970

Ceos

Eu Ora pensamentos como esses na cabeccedila deles (apontando os espectadores) eu pus

caacutelculo acrescentei agrave arte e exame tambeacutem Assim agora pensam em tudo

tudo 975

sabem Mais que tudo as casas administram melhor que antes e procuram

saber

Como estaacute isso Onde estaacute isso Quem pegou aquilo

Di Sim Pelos deuses Veja 980

Todo ateniense agora ao entrar em casa grita aos criados e pergunta

Onde estaacute a marmita Quem comeu a cabeccedila da sardinha 985

E o prato do ano passado

Estaacute morto Onde estaacute o alho de ontem Quem mordiscou minhas azeitonas990

Ateacute entatildeo muito sonsos de queixo caiacutedo filhinhos da mamatildee

como patetas ficavam sentados

CORO DE INICIADOS

Vecircs isso brilhante Aquiles

Vamos o que responderaacute vocecirc a isso Cuidado

Que o coraccedilatildeo natildeo o arrebate

levando-o para fora dos olivais 995

A acusaccedilatildeo eacute grave

Cuidado oacute homem de bem

natildeo refute com ira

Mas recolha as velas

usando soacute as do alto 1000

Entatildeo pouco a pouco seguiraacute adiante

indo com cuidado

ateacute que um vento suave

e constante vocecirc encontre

Co Vamos Entre os helenos vocecirc foi o primeiro a construir falas solenes

altaneiras

como torres a impocircr ordem agrave tagarelice traacutegica Coragem Deixe jorrar

sua fonte

236

Eacutes Estou irritado com esta situaccedilatildeo Minhas entranhas fervem por ter que

discutir com 1006

ele (a D I O N I S O ) Para que vocecirc natildeo diga que natildeo tenho o que dizer

responda-me

Por que se deve admirar um poeta

Eu Pela habilidade e pelos conselhos Noacutes nas cidades tornamos melhores os

cidadatildeos 1010

Eacutes E se natildeo fez isso Se transformou os mais nobres e os melhores em

perversos

Diga Que castigo merece

Di (interrompendo) Estar morto Nem deve perguntar a esse aiacute

Eacutes Pois bem Observe Que tipo de homens recebeu de mim Eram homens de

bem de

quatro cocircvados de estatura natildeo cidadatildeos omissos nem frequumlentadores das

praccedilas 1015

nem palhaccedilos nem canalhas como agora Eram homens que recendiam a

lanccedila e

dardos a elmos de penachos brancos e capacetes a cnecircmides e coragem de

sete

peles de boi

Eu Olhe aiacute A desgraccedila vem vindo mesmo Se ele ficar sempre forjando

elmos vai

esmagar-me

Di (a Eacutesquilo) E vocecirc o que fez para ensinaacute-los a serem tatildeo nobres assim

Fale

Eacutesquilo Natildeo se faccedila de rogado nem se irrite

Eacutes Criei um drama cheio de Ares 1021

Di Qual

Eacutes Os Sete Contra Tebas Todo e qualquer homem que assistisse a essa peccedila com

paixatildeo desejaria ser um destruidor

Di Aiacute estaacute o mal que vocecirc fez Tornou os tebanos ainda mais corajosos na

guerra E

por isso (fazendo um gesto na direccedilatildeo de Esquilo) laacute vai uma pancada

Eacutes Vocecircs podiam exercitar-se nisso mas natildeo foi a isso que se dedicaram

Depois 1025

encenando Os Persas com essa peccedila ensinei-os a desejar sempre a vitoacuteria

sobre os

adversaacuterios porque enalteci um feito notaacutevel

Di Veja Gostei quando ouvi falar da morte de Dario e o coro logo bateu

palmas

assim e gritou Ai Ai

237

Eacutes (Sem preocupar-se com a opiniatildeo de Dioniso) Eacute disso que os poetas devem tratar 1030

Observe que desde o princiacutepio foram uacuteteis os poetas nobres Orfeu

ensinou os

misteacuterios e como abstermdashnos de assassiacutenios Museu a cura das doenccedilas e

os

oraacuteculos Hesiacuteodo o traba1ho dos campos as estaccedilotildees dos frutos e o

preparo da 1035

terra E o divino Homero por que obteve honra e gloacuteria Natildeo foi por que

ensinou

coisas uacuteteis linha de combate virtudes e armas dos homens

Di Apesar disso a Pacircntacles aquele desajeitado ele natildeo ensinou nada

Veja

Ontem quando estava no cortejo ele primeiro colocou o elmo e depois ia

ajustar o

penacho

Eacutes Mas ensinou muitos outros bons inclusive o heroacutei Lacircmaco Foi daiacute que

a minha

cabeccedila tirou o modelo e pocircs em cena muitas virtudes dos Paacutetroclos dos

Teucros 1041

de coragem de leatildeo para incitar o cidadatildeo a tentar igualar-se a eles

quando ouvisse

a trombeta Mas por Zeus Natildeo punha em cena Fedras prostitutas nem

Estenobeacuteias1 e ningueacutem jamais soube que eu tivesse posto em cena uma

mulher

apaixonada

Eu Por Zeus Em vocecirc natildeo havia nada de Afrodite 1045

Eacutes Quem me dera continuar natildeo tendo A Afrodite que assediou vocecirc e suas

personagens era tatildeo grande que ateacute vocecirc ela derrubou

Di Derrubou sim Por Zeus Com os mesmos golpes que vocecirc preparou para as

mulheres dos outros vocecirc mesmo foi golpeado

Eu Mas em que miseraacutevel as minhas Estenobeacuteias prejudicam a cidade

Eacutes Nobres esposas de nobres homens vocecirc convenceu a beber cicuta

desonradas pelos

seus Belerofontes

Eu Era ou natildeo verdadeiro o enredo que compus para a Fedra 1052

238

Eacutes Por Zeus Era assim Mas o poeta deve esconder o mal natildeo trazecirc-lo agrave

cena nem

ensinaacute-lo Agraves crianccedilas quem fala eacute o professor e aos adolescentes os

poetas Eacute 1056

preciso portanto que digamos o que eacute uacutetil

Eu Vocecirc nos fala de Licabetos de montanhas do Parnaso Isso eacute ensinar o

que eacute uacutetil

Isso eacute linguagem de gente

Eacutes Mas infeliz eacute preciso criar falas aacute altura dos grandes proveacuterbios e

pensamentos

Aliaacutes eacute de esperar-se que os semideuses usem falas mais imponentes

pois tambeacutem

usam mantos muito mais imponentes que os nossos O que eu apresentei

como uacutetil 1062

vocecirc destruiu

Eu O que eu fiz

Eacutes Primeiro vestiu os reis com farrapos para que aos homens parecessem

dignos de 1064

piedade

Eu Fazendo isso que prejuiacutezo causei

Eacutes Ningueacutem quer ser trierarca mesmo sendo rico por causa disso Ao

contraacuterio

coberto de farrapos chora e diz que eacute pobre

Di Por Demeacuteter A tuacutenica de boa latilde ele usa por baixo E se consegue

enganar falando

assim logo reaparece junto das bancas de peixe

Eacutes Depois vocecirc ainda os ensinou a entregar-se agrave tagarelice e ao falatoacuterio

o que

esvaziou as palestras poliu a bunda dos mocinhos tagarelas e convenceu

o 1071

pessoal do porto a contestar os chefes Ora antigamente quando eu

estava vivo

eles soacute sabiam pedir patildeo e dizer Upa Pa Ih

Di Por Apolo E peidar na boca do remeiro do banco de traacutes emporcalhar 1074

o companheiro de mesa e jaacute em terra roubar a roupa dos outros Agora

soacute sabem

contestar Natildeo querem remar e navegar de caacute para laacute

239

Eacutes De que males natildeo eacute culpado Esse aiacute natildeo pocircs em cena alcoviteiras

mulheres 1080

que datildeo agrave luz nos templos que se unem com irmatildeos que dizem que viver

naco eacute

viver Eacute por isso que a cidade ficou cheia de escrevinhadores de

bufotildees macacos

do povo que ao povo estatildeo sempre enganando Tocha ningueacutem eacute capaz de

levar

hoje em dia por falta de exerciacutecio

Di Natildeo mesmo Por Zeus Eu nas Panateneacuteias quase morri de tanto rir

quando um

homem lerdo corria de cabeccedila baixa paacutelido balofo atraacutes de todos

fazendo esforccedilo

tremendo E natildeo era soacute isso O povo do Ceracircmico agraves portas nele batia

na panccedila

nas costas nos rins e na bunda Ele levando esses tapas soltando

peidinhos

soprando a tocha ia fugindo

CORO DE INICIADOS

Grave eacute o caso grande a disputa Duro o combate se aproxima

Difiacutecil decidir a luta 1100

quando um ataca violento

e o outro eacute capaz de revidar e esmurrar forte

Vamos natildeo fiquem parados no mesmo lugar

Haacute muitos truques diferentes para o ataque

O que quer que tenham para discutir falem 1105

Ataquem esfolem as obras novas e as velhas

Arrisquem-se a dizer algo sutil e saacutebio

Se vocecircs dois temem que tatildeo ignorantes sejam

os espectadores que natildeo entendam 1110

a sutileza de suas falas

natildeo se assustem com isso Natildeo eacute mais assim

Eles jaacute estiveram na guerra

e tendo livros todos aprendem habilidades

Por natureza satildeo muito bem dotados 1115

e agora estatildeo ainda mais afiados

Portanto natildeo temam Vamos

Tratem de todos os assuntos Os espectadores satildeo saacutebios

240

Eu Sim o que vou atacar satildeo os proacutelogos para jaacute de comeccedilo pocircr agrave prova a

primeira 1120

parte da trageacutedia desse homem haacutebil Ele eacute obscuro na exposiccedilatildeo dos

fatos

Di E qual dos proacutelogos dele vocecirc vai pocircr agrave prova

Eu Muitos muitos Primeiro recite-me o da Orestia

Di Vamos calem-se todos Fale Eacutesquilo 1125

Eacutes Hermes Ctocircnio que velais pelo poder paterno

sede meu salvador e aliado eu vos peccedilo

pois chego a esta terra e regresso

Di Quanto a esses versos vocecirc tem uma censura a fazer

Eu Mais de doze

Di Mas os versos natildeo chegam a isso Satildeo apenas trecircs 1130

Eu Cada um tem vinte falhas

Di Eacutesquilo acho bom vocecirc ficar calado Se natildeo ficaraacute evidente que natildeo satildeo

soacute esses

trecircs versos que vocecirc deve

Eacutes Eu ficar calado diante desse aiacute

Di Se seguir o meu conselho

Eu Jaacute de cara o erro dele vai daqui ateacute o ceacuteu 1135

241

Eacutes Vocecirc natildeo vecirc que estaacute dizendo bobagem

Di Pouco me importa

EacutesVocecirc diz que eu errei Como

Eu Recite de novo desde o comeccedilo

Eacutes Hermes Ctocircnio que velais pelo poder paterno

Eu Orestes natildeo diz isso no tuacutemulo do pai morto

Eacutes Natildeo estou dizendo outra coisa

Eu Seraacute que Orestes sabendo que seu pai teve morte 1141

violenta pela matildeo da esposa numa armadilha

disse que Hermes ―velou por tudo isso

Eacutes Natildeo Eacute claro Natildeo falou daquele Hermes Orestes chama o Hermes Benfeitor1145

de Hermes Ctocircnio e esclarece isso dizendo que o deus herdou do pai essa

funccedilatildeo

Eu O seu erro eacute ainda maior do que eu supunha se ele herdou do pai essa

funccedilatildeo ctocircnia

Eacutes Dioniso o vinho que vocecirc bebe natildeo tem buquecirc 1150

Di Recite-lhe outro verso (a Euriacutepides) E vocecirc fique de olho no defeito

Eacutes Sede meu salvador e aliado eu vos peccedilo

pois chego a esta terra e regresso

Eu Duas vezes nos diz a mesma coisa o saacutebio Eacutesquilo 1154

242

Di Como duas vezes

Eu Examine a frase e eu falo Ele diz pois eu chego a esta terra e

regresso

Ora chegar eacute o mesmo que regressar

Di Por Zeus Eacute como se algueacutem dissesse ao vizinho Empreste-me o rolo ou entatildeo se preferir o cilindro

Eacutes Natildeo Eacute claro que natildeo eacute a mesma coisa seu tagarela Os versos estatildeo

perfeitos 1160

Eu Como Diga-me por que faz essa afirmaccedilatildeo

Eacutes Vir agrave sua terra eacute para quem tem paacutetria Nada aconteceu e ele estaacute de

volta 1165

Se eacute um exilado o homem chega e regressa

Di Por Apolo Tem razatildeo E o que diz vocecirc Euriacutepides

Eu Digo que Orestes natildeo regressou agrave casa pois voltou escondido sem convencer as autoridades

Di Por Hermes Estaacute bem Mas natildeo estou entendendo o que vocecirc diz

Eu Entatildeo passe para outro verso 1170

Di Vamos passe vocecirc Depressa Eacutesquilo (a Euriacutepides)

E vocecirc fique de olho no erro

Eacutes Do alto desse tuacutemulo clamo

Pai ouvi-me e atendei-me

Eu Outra vez ele repete Ouvi-me e atendei-me evidentemente eacute o mesmo

243

Eacutes Ele estava falando a um morto patife a quem natildeo temos acesso mesmo

chamando 1175

trecircs vezes E vocecirc como fazia os seus proacutelogos

Eu Vou explicar Se por acaso eu disser duas vezes a mesma coisa

ou se vocecirc neles perceber um enchimento fora do assunto cuspa em mim

Di Vamos fale vocecirc O meu papel eacute soacute apreciar 1180

a correccedilatildeo dos versos de seus proacutelogos

Eu Eacutedipo a princiacutepio era um homem feliz

Di Por Zeus Natildeo era natildeo Era um homem infeliz por natureza Quem antes

mesmo 1185

de existir antes mesmo de nascer Apolo afirmou que mataria o pai como

poderia ser de

iniacutecio um homem feliz

Eu Depois tornou-se entre os mortais o mais infeliz

Eacutes Por Zeus Claro que natildeo De fato natildeo deixou de ser Como poderia Nem

bem 1190

nasceu durante o inverno foi exposto num vaso de barro para que homem

feito

natildeo viesse a ser o assassino do pai Depois arrastou-se ateacute Poacutelibo com

os peacutes inchados

Em seguida ainda jovem casou-se com uma velha que ainda por cima era

sua

proacutepria matildee E depois furou os proacuteprios olhos

Di Ah Feliz seria se tivesse sido estratego junto com Erasiacutenides 1196

Eu Conversa Eu faccedilo muito bem os meus proacutelogos

Eacutes Por Zeus Natildeo vou testar suas falas verso a verso mas com a ajuda

dos deuses 1200

com um jarrinho vou acabar com os seus proacutelogos

244

Eu Com um jarrinho Vocecirc Os meus proacutelogos

Eacutes Com um soacute Vocecirc compotildee de modo que tudo se encaixe nos seus jambos

Uma

latildezinha um jarrinho ou um saquinho Vou mostrar jaacute

Eu Ah eacute vai mostrar 1205

Eacutes Vou sim

Di (a Euriacutepides) Entatildeo vocecirc precisa recitar seus versos

Eu Egito mdash a notiacutecia Eacute muito divulgada -

com cinquumlenta filhos no seu navio

tendo aportado em Argos

Eacutes perdeu o jarrinho

Di Que jarrinho eacute esse aiacute E Egito vai ser castigado (a Euriacutepides) Recite-lhe

outro 1210

proacutelogo para que outra vez eu tambeacutem decirc a minha opiniatildeo

Eu Dioniso que com tirsos em peles de corccedila

envolto no meio de tochas no Parnaso

saltou danccedilando coros e

Eacutes perdeu o jarrinho

Di Ai Ai De novo sofremos o golpe do jarro

Eu Natildeo faz mal Neste proacutelogo natildeo poderaacute encaixar o jarro (Recita) 1215

Natildeo haacute homem que seja feliz em tudo

Se tem natureza nobre natildeo tem recursos se eacute de maacute famiacutelia

245

Eacutes perdeu o jarrinho

Di Euriacutepides

Eu O que eacute

Di Acho bom baixar as velas Desse jarrinho vai sair um vento 1221

Eu Por Demeacuteter Natildeo vou preocupar-me com isso

Jaacute jaacute o jarrinho vai cair da matildeo dele

Di (a Euriacutepides) Vamos recite outro e mantenha-se longe do jarro

Eu A cidade de Sidon tendo deixado Cadmo 1225

filho de Agenor

Eacutes perdeu o jarrinho

Di Oacute pobre homem compre o jarro para que ele natildeo estrague os nossos

proacutelogos

Eu (indignado) O quecirc Eu comprar dele

Di Sim se seguir meu conselho

Eu Natildeo eacute claro Posso recitar muitos proacutelogos onde esse aiacute natildeo poderaacute

encaixar o 1230

jarro (Recita com firmeza)

Peacutelops o filho de Tacircntalo chegando a Pisa

em eacuteguas raacutepidas

Eacutes perdeu o jarrinho

246

Di Estaacute vendo Ele encaixou de novo o jarro 1235

Vamos amigo agora vocecirc tem que pagar de qualquer jeito

Por um oacutebolo ganharaacute um jarro bom e ateacute bonito

Eu Por Zeus Ainda natildeo Ainda tenho uma seacuterie de proacute1ogos

Eneu um dia da sua terra

Eacutes perdeu o jarrinho

Eu Calma Espere eu dizer o verso inteiro

Eneu um dia da terra tendo tirado grande colheita 1240

ao sacrificar as primiacutecias

Eacutes perdeu o jarrinho

Di No meio do sacrifiacutecio E quem o roubou

Eu Deixa para laacute amigo Depois deste Vamos ver

Zeus como a proacutepria verdade diz

Di (a Euriacutepides) Ele vai acabar com vocecirc Jaacute vai dizer perdeu o jarrinho Esse 1245

jarrinho aiacute se encaixa nos seus proacutelogos como os tersoacuteis nos olhos

Vamos

Pelos deuses Passe para os cantos dele

Eu Sim posso mostrar que os cantos que ele faz satildeo maus e sempre iguais

CORO DE INICIADOS

Afinal o que vai acontecer

Fico pensando

que censura ainda faraacute

ao homem que mais versos

os mais belos criou 1255

dentre os que ateacute hoje temos

Eu acho estranho

Como censuraraacute ele este homem

o rei baacutequico

Temo por ele 1260

Eu Cantos admiraacuteveis O tempo mostraraacute Vou resumir todos os cantos dele

num soacute

247

Di E eu vou pegar pedrinhas para fazer o caacutelculo dos pontos (ouve-se um

acompanhamento de flauta)

Eu Oacute Aquiles da Ftia Ouvindo o assassino

ai o golpe Por que natildeo vindes em nosso auxiacutelio 1265

A Hermes ancestral da nossa raccedila

honramos noacutes os do lago

ai o golpe Natildeo vindes em nosso auxiacutelio

Di Dois golpes Eacutesquilo vocecirc jaacute tem aiacute

Eu Ilustriacutessimo aqueu oacute filhes de Atreu senhor de muitos homens ouvi-me

Ai o golpe Natildeo vindes em nosso auxiacutelio 1271

Di Esse Eacutesquilo jaacute eacute o terceiro golpe (Eacutesquilo manteacutem-se em silecircncio)

Eu Silecircncio As Melissas jaacute vatildeo abrir o templo de Aacutertemis

Ai o golpe Natildeo vindes em nosso auxiacutelio 1275

Eacute direito meu gritar aos poderosos heroacuteis ―Boa viagem

Ai o golpe Natildeo vindes em nosso auxiliacuteo

Oacute Zeus Rei Como eacute comprido esse negoacutecio de golpes

Di Eu quero ir ao banheiro porque jaacute estou com o saco cheio desses golpes1280

Eu Natildeo Natildeo antes de ouvir o outro estaacutesimo um composto segundo o nomo da

ciacutetara

Di Vamos Acabe com isso Natildeo me venha com mais golpes 1283

Eu (mudando de tom)

Como o poder dos aqueus de duplo trono a juventude da Heacute1ade 1285

toflatotrat tof1atotrat

A esfinge cadela que governa os dias funestos envia

tof1atotrat tof1atotrat 1290

com a lanccedila e a matildeo vingadora o impiedoso paacutessaro

tof1atotrat tof1atotrat

tendo permitido que cadelas impudentes vagando no ar

toflatotrat tof1atotrat

tivessem o que caiu sobre Ajax

toflatotrat toflatotrat 1295

248

Di O que eacute esse toflatotrat Veio de Maratona Onde eacute que vocecirc achou esses

cantos de

manivela de poccedilo

Eacutes Ora do belo para o belo eu os trouxe para que natildeo me vissem a ceifar o

prado

sagrado das Musas o mesmo que Friacutenico ceifou (Depois de pequena pausa 1300

aponta Euriacutepides) Esse aiacute de tudo tira cantos De prostitutas de escoacutelios de

Meleto de flautistas caacuterios de trenos de danccedilas Logo tudo seraacute

esclarecido

(Dirige-se aos escescravos de Plutatildeo) Tragam-me uma lira Ora por que uma lira 1305

para isso Onde estaacute aquela que toca castanholas Vem aqui Musa de

Euriacutepides eacute com ela que conveacutem entoar estes cantos

Di Mas ela natildeo eacute leacutesbia Natildeo eacute natildeo

Eacutes (comeccedila a cantar imitando Euriacutepides)

Alciacuteones que no mar arrulhais

nas impereciacuteveis ondas 1310

molhando as asas

cobertas de gotas de orvalho

E voacutes sob os tetos nos cantos

enrorororororolai com a ponta dos dedos

a trama do tear 1315

tarefa de cantante lanccediladeira

laacute onde o delfim amigo da flauta

entre proas de escuros esporotildees

fez saltar oraacuteculos e estaacutedios

Riso das vinhas em flor 1320

gavinhas de uva que acabam com o sofrimento

Envolve-me filho nos teus braccedilos

(a Dioniso) Estaacute vendo esse peacute

Di Estou

Eacutes O quecirc Estaacute vendo

Di Estou

249

Eacutes (a Euripides)

Vocecirc compotildee versos como esses 1325

mas ousa censurar os meus cantos

segundo as doze posiccedilotildees de Cirene

fazendo os seus

Os seus versos satildeo assim mas quero ainda examinar como satildeo as suas

monoacutedias 1330

oacute negra e brilhante

treva da noite

que sonho triste

a mim envias laacute do invisiacutevel

antecipando-me o Hades

Alma sem alma tem

arrepiante e terriacutevel visatildeo

filha da noite negra 1335

vestida de mortalha negra

com a morte com a morte nos olhos

e grandes garras

Vamos servas acendei-me a candeia

Com bilhas dos rios tirai o orvalho Aquecei a aacutegua

para eu lavar o divino sonho 1340

Ah divindade marinha

Eis aiacute Aconteceu Oacute de casa

Contemplai este prodiacutegio

Depois de roubar meu galo

Glice se foi

Ninfas nascidas nos montes

oacute Deliacuterio agarrai-a 1345

E eu coitada

cuidava de meus trabalhos

O fuso cheio de linho

enrororolando com as matildeos

fazia o novelo

para de madrugada ao mercado 1350

lavaacute-lo para vender

E ele voou voou para o eacuteter

com as pontas mui ligeiras de suas asa

e a mim deixou dores e mais dores

Laacutegrimas e mais laacutegrimas dos meus olhos

pobre de mim derramei derramei 1355

Vamos cretenses filhos do Ida

Pegai os arcos e assumi a defesa Movei raacutepidas as pernas cercai a

casa

Tambeacutem a menina Dictina a bela Aacutertemis

com suas cadelinhas ande por toda a casa 1360

E tu filha de Zeus ergue duas tochas

fachos brilhantes em tuas matildeos e acompanha me oacute Hecate

ateacute agrave casa de Glice

Laacute quero entrar e dar uma busca

250

Di Vocecircs dois parem com esses cantos

Eacutes Para mim tambeacutem jaacute chega (apontando Euriacutepides)

Agora quero levaacute-lo agrave balanccedila Soacute ela daraacute a 1365

conhecer a minha poesia e a dele pois atestaraacute o

peso de nossas falas

Di Venham aqui se eacute que ateacute isso eu devo fazer

Vender a arte dos poetas como se fossem queijos

CORO DE INICIADOS

Satildeo diligentes os que satildeo haacutebeis

Eis de novo outro prodiacutegio 1371

Recente cheio de estranhezas

Quem teria pensado nisso

Natildeo natildeo Se algueacutem

com que me encontrasse dissesse 1375

natildeo acreditaria Para mim

estaria dizendo bobagem

(Dioniso Euriacutepides e Eacutesquilo dirigem-se agrave balanccedila)

DiVamos vocecircs dois aproximem-se dos pratos

Eacutes e Eu Pronto

Di Cada um segure o prato e recite o verso Mas natildeo o soltem antes que eu

grite Cuco 1380

Eacutes e Eu (com os pratos nas matildeos)

Estamos segurando

Di Digam o verso para dentro da balanccedila

Eu (Adianta-se e recita)

Ah se a nau Argo natildeo tivesse alccedilado vocirco

Eacutes (solene)

Rio Espeacuterquio e pastagens de bois

Di Cuco Soltem os pratos (apontando para Eacute S Q U I L O ) O prato deste aqui desceu

muito 1385

mais

251

Eu Mas por quecirc

Di Ele colocou laacute dentro um rio molhando o verso como faz um mercador de latilde

E vocecirc colocou laacute dentro um verso com asas

Eu Vamos recite outro e enfrente-me

Di Pois bem segurem os pratos de novo

Eacutes e Eu Pronto

Di (apontando Euriacutepides) Recite

Eu De Persuasatildeo natildeo existe outro templo senatildeo a Palavra 1391

Eacutes pois dentre os deuses soacute a Morte natildeo ama as oferendas

Di Soltem os pratos Soltem Outra vez foi o prato deste aqui que mais

baixou pois

ele colocou dentro a Morte o mais pesado dos males

Eu E eu a Persuasatildeo Eacute um verso perfeito 1395

Di A Persuasatildeo eacute coisa vatilde e sem sentido Vamos procure algo mais pesado

que faccedila

descer a balanccedila em seu favor algo forte e grande

Eu Estaacute bem mas onde eacute que vou achar algo assim Onde

Di Jaacute digo Os lances de Aquiles foram dois ases e um quatro 1400

Recite por favor Para vocecircs esta eacute a uacuteltima pesagem

252

Eu (confiante)

Com a matildeo direita pegou a madeira pesada como o ferro

Eacutes (tranquumlilo)

carro sobre carro cadaacutever sobre cadaacutever

Di Agora ele enganou vocecirc de novo

Eu Como

Di Colocou laacute dentro dois carros e dois cadaacuteveres Cem egiacutepcios natildeo os

ergueriam 1405

Eacutes Eu natildeo quero mais verso por verso (apontando Euriacutepides) Que suba na balanccedila

ele

mesmo os filhos a mulher e Cefisofonte tambeacutem incluindo os

livros E eu recitarei apenas dois dos meus versos 1410

Di (Virando-se para Plutatildeo) Os homens satildeo meus amigos E eu natildeo vou julgaacute-los

Natildeo ficarei inimigo de nenhum dos dois a um considero saacutebio e o outro

me agrada

Pl Ah Vocecirc natildeo vai julgar Entatildeo para que veio

Di E se eu julgar 1415

Pl Iraacute embora com o que escolher para natildeo perder a viagem

Di Muito obrigado(aos poetas) Vamos Ouccedilam o que vou dizer

Desci em busca de um poeta

Eu Para quecirc

Di Para que a cidade livre de perigo celebre os coros Portanto ao que

aconselhar agrave 1420

cidade o que eacute uacutetil a esse levarei Eacute a minha decisatildeo Primeiro

portanto o que eacute

que pensam de Alcibiacuteades A cidade sofre as dores de um parto difiacutecil

Eu O que ela pensa a respeito dele

Di O que pensa Tem saudade dele odeia-o mas quer tecirc-lo Vamos digam o

que 1425

pensam dele

253

Eu Odeio o cidadatildeo que para socorrer a paacutetria eacute lento mas raacutepido para

prejudicaacute-la

muito cheio de saiacutedas para si mesmo mas para a cidade sem recursos

Di Estaacute bem Oacute Posidatildeo (a Eacutesquilo) E vocecirc o que pensa 1430

Eacutes Natildeo se deve alimentar na cidade um leatildeozinho Ou melhor natildeo se deve

alimentar

na cidade um leatildeo Se algueacutem o alimenta deve adaptar-se ao seu jeito

Di Por Zeus Salvador Acho difiacutecil decidir

Um fala com habilidade o outro com clareza Vamos que cada um decirc ainda

a sua 1435

opiniatildeo Para a cidade que salvaccedilatildeo vocecircs tem

Eu Se algueacutem amarrasse Cleoacutecrito a Cineacutesias e brisas os levassem para as

planiacutecies

marinhas

Di Seria ridiacuteculo Isso tem sentido

Eu se lutassem na batalha naval e tendo nas matildeos jarrinhos de vinagre

os 1440

espirrassem nos olhos dos inimigos (Pausa) Eu sei como e quero

explicar

Di Fale

Eu Quando julgarmos digno de feacute o que eacute indigno de feacute e indigno de feacute o

que eacute digno

de feacute

Di Como eacute Natildeo estou entendendo Fale de maneira mais simples e clara

254

Eu Talvez se aos cidadatildeos nos quais confiamos agora a esses natildeo deacutessemos

creacutedito

se daqueles de quem nos servimos destes natildeo nos serviacutessemos salvarnos-

iacuteamos

Se agora no meio deles somos infelizes fazendo o contraacuterio natildeo nos

salvariacuteamos 1445

Di Estaacute bem oacute Palamedes natureza habiliacutessima Isso aiacute foi vocecirc mesmo ou

Cefisofonte que descobriu

Eu Eu sozinho Os jarrinhos de vinagre foi Cefisofonte E vocecirc o que

diz

Eacutes Primeiro diga-me No presente de quem a cidade se serve Dos

melhores

Di De onde tirou isso Odeia-os profundamente

Eacutes Mas com os maus ela se apraz 1456

Di Ela Eacute claro que natildeo Soacute se serve deles porque natildeo tem escolha

Eacutes Haacute como salvar uma cidade para a qual nem manto de latilde nem de pele tem

utilidade

Di Por Zeus Descubra um jeito se eacute que vocecirc quer chegar laacute em cima de

novo 1460

255

(Dioniso e Eacutesquilo seguem Plutatildeo)

CORO DE INICIADOS Bem-aventurado o homem

que tem inteligecircncia precisa

Muitos exemplos haacute para aprendermos isso

Este homem mostrou que eacute sensato 1485

e volta para casa outra vez

para o bem dos cidadatildeos

para o bem dos seus

dos parentes dos amigos

porque eacute inteligente 1490

A alegria natildeo eacute ao lado de Soacutecrates

ficar sentado conversando

rejeitando o que eacute das Musas

deixando o que haacute de melhor

na arte da trageacutedia 1495

Com palavras pomposas

com sutilezas de tagarelice

gastar o tempo atoa

eacute proacuteprio do insensato

256

Acarnenses ndash Agon ndash (vv 490-627)

CoVai fazer e dizer o quecirc Veja bem heinVocecirc eacute um homem desavergonhado e inflexiacutevel 491

que ao oferecer seu pescoccedilo agrave cidade

estaacute destinado a falar sozinho na frente de todos

E o cara natildeo tem medo do negoacutecio Entatildeo vamosSe vocecirc assim o quer fala aiacute 496

Dic Natildeo se oponham a mim senhores espectadores

se eu um mendigo que sou devo entatildeo falar aos Ateniensesa respeito da cidade em plena comeacutedia

79 porque a comeacutedia tambeacutem conhece o que eacute justo 500

Entatildeo vou dizer coisas terriacuteveis mas justas

Pois desta vez Cleatildeo80

natildeo me acusaraacute de

eu falar mal da cidade na presenccedila de estrangeiros

Estamos soacute entre noacutes este eacute o concurso das Leneacuteias81

79 Trata-se de um jogo de palavras Ao inveacutes de τραγῳδια (trageacutedia) Aristoacutefanes cria o termo τρυγῳδια da

mesma famiacutelia de τρυγῳδὸς cantor de comeacutedias ou poeta cocircmico De acordo com Bailly (1950 1970) esse

termo eacute assim definido ou porque os atores primitivos cantavam (Ὠδή) com o rosto lambuzado com a borra

do vinho novo (τρύξ ou τρύγη) ou porque recebiam o vinho novo como forma de pagamento 80 Segundo Thiercy (Les Acharniens 1988 63) Diceoacutepolis nesse momento fala evidentemente em nome de

Aristoacutefanes A comeacutedia Babilocircnios encenada um ano antes de Acarnenses ridicularizou os magistrados

eleitos e tirados agrave sorte inclusive Cleatildeo que acusou o poeta de difamaccedilatildeo do Estado por insultar o povo e a bouleacute

81 As Leneacuteias era um dos cinco festivais atenienses em honra de Dioniso Tratava-se de uma festa dos toneacuteis de

vinho realizada no mecircs de janeiro Para essa festa realizavam-se sacrifiacutecios e procissotildees e em 450 aC

instituiu-se o primeiro concurso dramaacutetico

257

e os estrangeiros ainda natildeo estatildeo presentes nem os tributos 505

nem os aliados das cidades chegaram

Estamos sozinhos agora apenas o puro trigo82

pois digo que os metecos satildeo o joio dos cidadatildeos comuns

e eu odeio os Lacedemocircnios com toda a minha forccedila

E a eles que Posidatildeo o deus do Tenaacuterio 510

fazendo tremer a terra abale suas casas a todos sem exceccedilatildeo83

pois ateacute eu tive minhas vinhas cortadas ao meio

Entretanto os que estatildeo presentes satildeo amigos nessa conversa

Por que responsabilizamos os Lacocircnios dessas coisas

Pois entre noacutes havia uns caras - e eu natildeo estou falando da cidade 515

lembrem-se disso que natildeo estou falando da cidade ndash

mas de sujeitinhos sacanas mau caraacuteter

despreziacuteveis gente falsa e tambeacutem meio estrangeiros

que costumavam denunciar os pequenos mantos de latilde de Meacutegara

E se viam em algum lugar um pepino uma pequena lebre 520

um leitatildeozinho um dente de alho ou gratildeos de sal

declaravam que essas coisas eram de Meacutegara84

e vendidas no mesmo dia

Certamente isso era sem importacircncia e uma praacutetica nacional

E o caso da cortesatilde Simeta vatildeo agrave Meacutegara

rapazes que se embriagam no jogo de coacutetabo85

e sequumlestram-na 525

Em revanche os megarenses ―brigalhos bons de briga e de alho86

roubam duas cortesatildes de Aspaacutesia

E daiacute a origem da guerra que se abateu

sobre todos os gregos por causa de trecircs putas87

E entatildeo Peacutericles o oliacutempico encolerizado 530

lanccedilava raios trovejava transformava a Greacutecia

e estabelecia leis redigidas como musiquinhas

82 O sentido do verbo refere-se agrave ―elite da sociedade em que natildeo haacute mistura de classes Trata-se pois dos

―purificados 83 Diceoacutepolis faz menccedilatildeo a um terremoto que outrora abalou Esparta Tuciacutedides (I-128) documenta que os

Lacedemocircnios condenaram agrave morte hilotas que se refugiaram no santuaacuterio de Poseidon no cabo Tenaacuterio

Como puniccedilatildeo divina a cidade de Esparta foi arrasada por um cataclismo siacutesmico 84 Por causa do solo natildeo muito feacutertil Meacutegara se desenvolveu no comeacutercio por ser privilegiada com duas saiacutedas

para o mar uma pelo Golfo de Corintho a outra pelo Golfo Sarocircnico (Rachet 1992 155) 85 Jogo muito popular na Greacutecia entre os seacuteculos VI e IV 86 Aristoacutefanes constroacutei o verbo a partir da palavra alho produto oriundo de Meacutegara e que rendeu aos megarenses

por serem briguentos o apelido (Bailly 1950 2107) 87 Quando o poeta afirma que o motivo da guerra se deu por causa de trecircs cortesatildes Embora isso contextualize o

universo ficcional ele levanta de fato um escacircndalo histoacuterico Aspaacutesia meretriz famosa e concubina de

Peacutericles teria sido lograda em duas protegidas pelos megarenses Por este motivo ela convence Peacutericles de deferir o decreto que exclui dos mercados atenienses os produtos vindos de Meacutegara Esta levada ao colapso

econocircmico recorre aos Lacedemocircnios para a revogaccedilatildeo desse decreto Atenas natildeo retira o embargo e a

diplomacia entre Atenas e Esparta que jaacute estava abalada reforccedila a rivalidade entre elas a guerra eacute inevitaacutevel

(Plutarco Vidas Paralelas II-Peacutericles 24 30 31)

258

―que nem na terra nem na aacutegoranem no mar nem no ceacuteu conveacutem ficar os Megarenses

88

E daiacute quando a fome foi batendo aos poucos os cidadatildeos de Meacutegara 535

pediam aos Lacedemocircnios que revogassem

o decreto por causa das prostitutas

E noacutes noacutes frequumlentemente natildeo consentiacuteamos no que estava sendo pedido

E entatildeo nessas circunstacircncias comeccedilava o barulho dos escudos

Algueacutem vai dizer ―Natildeo era necessaacuterio Mas o que era necessaacuterio digam 540

Vejamos Se um dos Lacedemocircnios navegasse num barco

e tivesse achado e vendido um catildeozinho de Seriacutefios

vocecircs ficariam sentados em seus lares89

Entatildeo soacute falta essa

Mas com certeza vocecircs colocariam rapidamente no mar

trezentos navios e a cidade ficaria tomada 545

por causa do tumulto dos soldados do grito de guerra do trierarco90

da entrega do salaacuterio do banho de ouro de Palas Atena

do barulho do poacutertico da medida do trigo

das odres das alccedilas de couro onde se prende o remo das compras de jarros

de alhos de azeites de reacutestias de cebolas 550

de coroas de sardinhas de flautistas de briga

E mais no estaleiro remos satildeo aplainados

cavilhas ressoam buracos por onde passam os remos satildeo furados

toque de flautas dos chefes dos remadores dos apitos dos assovios

Sou testemunha de que vocecircs faziam essas coisas e Teacutelefo91

tambeacutem 555

Natildeo eacute o que pensamos Entatildeo natildeo temos razatildeo

Semi-coro 1Verdade Ordinaacuterio salafraacuterio

Vocecirc um mendigo ousa falar de noacutes dessa maneira

88 Aristoacutefanes se apropria de um pequeno excerto do decreto e transforma-o num refratildeo aos moldes das

canccedilonetas de Timocreonte de Rodes poeta bastante conhecido na Atenas do seacuteculo V aC (Sousa e Silva Os

Acarnenses 1988 120) 89 Serifo minuacutescula ilha pertencente ao arquipeacutelago das Ciacuteclades era aliada de Atenas Na interpretaccedilatildeo de

Sousa e Silva (Os Acarnenses 1988 120) a intenccedilatildeo do poeta eacute mostrar que a intoleracircncia ateniense estaacute nas

pequenas coisas 90 O trierarco era o comandante de um trirremo Em Atenas cabia-lhe a liturgia da trierarquia ie equipar um

navio de guerra para o Estado agrave sua custa Tratava-se portanto de um cidadatildeo abastado (Lavedan 1931

978) 91 De acordo com Thiercy (Les Acharniens 1988 85) este verso eacute tirado da trageacutedia euripidiana Teacutelefo (Fr710)

259

E se houvesse algum sicofanta92

vocecirc o insultariaSemi-coro 2 Por Posidatildeo o que ele estaacute dizendo e da maneira

[como diz 560

todas essas coisas satildeo justas e em nada disso ele estaacute mentindo

Semi-coro 1 Mesmo se satildeo justas era preciso que ele falasse essas coisas

Mas natildeo ousaraacute mais falar isso com alegria Semi-coro 2 Ei vocecirc aiacute Para onde estaacute correndo Natildeo vai ficar parado

[Se vocecirc for bater

nesse homem eacute vocecirc mesmo quem vai ser mandado rapidamente

[para os ares 565 Semi-coro 1Oh Lacircmacos lanccedilador de olhares fulminantes

Venha em socorro oh portador do capacete da cabeccedila da Goacutegona93

[apareccedila

Oh Lacircmacos oh amigo e companheiro

E se haacute aqui algum taxiarco ou estratego94

ou

ou um homem defensor de mulheres que venha em meu socorro 570

Raacutepido Pois eu estou sendo agarrado pela cintura Lam Escutei um grito de guerra de onde veio

Onde eacute preciso ajudar Onde eacute preciso lanccedilar o tumulto do combate

Quem provocou minha Goacutergona para fora de sua armadura Dic Oh Lacircmacos heroacutei dos penachos e das tropas de soldados 575 Semi-coro 1Lacircmaco natildeo eacute que esse homem haacute algum tempo

toda nossa cidade estaacute insultando Lam Ei fulano Vocecirc tem a coragem de dizer essas coisas sendo um mendigo

Dic Oh heroacutei Lacircmaco mas me perdoe

se eu um mendigo disse e falei algo demais

92 A palavra sicofanta tomou o sentido de ―denuciante ―delator Apesar de a etimologia ser duvidosa crecirc-se

que o vocaacutebulo eacute composto de σῦκον (figo) e φαίνω (ver descobrir) (Chantraine 1999 1069) No periacuteodo

claacutessico o comeacutercio de figo era proibido fora da Aacutetica e cabia aos cidadatildeos denunciar o contrabando Daiacute o

nome sicofanta associado ao cidadatildeo que fazia dessa praacutetica um meio de vida(Lavedan 1931 907) 93 Medusa era das trecircs Goacutergonas a uacutenica mortal A crenccedila popular de que quem fosse visado pelo olhar dela

seria transformado em pedra levou agrave representaccedilatildeo da cabeccedila ou gorgoneion como uma imagem protetora em

armaduras (Harvey 1998 250) 94 O taxiarco era o comandante da infantaria e o estratego o general ou chefe do exeacutercito

260

LamEntatildeo o que vocecirc disse a nosso respeito Natildeo vai dizer

Dic Eu nem sei mais 580

Fico zonzo de medo de tuas armas

E te suplico leve para longe de mim essa Mormona95

Lam Pronto Dic Agora a coloque de lado e de costas para mim

LamEstaacute colocado

DicVamos Agora decirc para mim a pluma do elmo

LamEsta pluminha aqui eacute para vocecirc

Dic Agora pega a minha cabeccedila 585

porque vou vomitar pois tenho horror a teus penachos LamOh homem o que vocecirc vai fazer Por causa dessa pluminha vocecirc estaacute prestes a

[vomitar

Dic Eacute uma pluminha Entatildeo me diga de qual

paacutessaro eacute Acaso eacute de um certo Parlapatatildeo96

Lam Ai que eu vou te matar

Dic De jeito nenhum Lacircmacos 590

Afinal natildeo eacute uma questatildeo de forccedila E se vocecirc eacute tatildeo forte

por que natildeo me regaccedilou Se vocecirc estaacute armado dos peacutes agrave cabeccedila LamVocecirc um mendigo falando assim com um general

Dic Eu Eu sou mendigo Lam Mas entatildeo quem eacute vocecirc

Dic Quem Um bom cidadatildeo e natildeo um ambicioso 595

Desde a guerra comeccedilou eu sou um batalhador

enquanto que vocecirc desde que a guerra comeccedilou eacute um mercenaacuterio97

95 Monstro imaginaacuterio do gecircnero feminino com que se fazia medo agraves crianccedilas gregas (Thiercy Les Acharniens

1988 87) 96 Diceoacutepolis interrompe Lacircmaco no momento em que este revelaria a procedecircncia da pluma certamente de

uma ave nobre Por conta do riso e da invectiva pessoal Aristoacutefanes inventa a palavra composta de κομπός

(fanfarratildeo parlapatatildeo) e o verbo λακέω (estrondear) 97 Aristoacutefanes emprega trecircs patroniacutemicos cocircmicos Espudarquides Estratonides e Mistarquides filho da

ambiccedilatildeo filho de general e filho de quem comanda o pagamento da tropa respectivamente

261

LamOra me elegeram

Dic os trecircs patetas

98

E entatildeo tendo aversatildeo a essas coisas fiz uma treacutegua

De um lado via homens grisalhos nos batalhotildees 600

de outro jovens como vocecirc dando no peacute

Os da Traacutecia estatildeo recebendo um pagamento de trecircs dracmas

uns Tisamenofenipos uns patifes de Hipaacuterquides

outros com Cares outros estatildeo na terra dos Caones

uns metade Geres metade Theodoro outros fanfarrotildees de Diomia 605

outros ainda em Camarina e tambeacutem em Gela e tambeacutem na Catagela99

Lam Mas foram eleitos

Dic E por que motivoSeja como for vocecircs sempre recebem um salaacuterio

e esses aqui nada Deveras oacute Mariacutelades

Vocecirc acarnense com esses cabelos grisalhos jaacute foi embaixador

[uma vez 610

Ele fez sinal negativo com a cabeccedila E no entanto eacute um homem prudente e

[trabalhador

Ei Antracilo Eufoacuterides ou Priacutenides

Algum de vocecircs viu Ecbaacutetanos ou Caocircnia101

Natildeo dizem Mas e o filho de Ceacutesira e o Lacircmacos

Para esses aiacute por causa das contribuiccedilotildees e das diacutevidas ainda ontem 615

da mesma maneira que os que derramam aacutegua suja do banho agrave noite

todos os amigos sem exceccedilatildeo aconselhavam ―Pra fora

Lam Oacute democracia Essas coisas (satildeo) assim toleraacuteveis Dic Eacute claro que natildeo a natildeo ser que Lacircmaco receba um salaacuterio

98 A cultura grega atribui ao cuco o siacutembolo da estupidez 99 Tisamenos Fenipo Hiparquides Cares Geres e Theodoro satildeo alvos da invectiva aristofacircnica Infelizmente

nos satildeo nomes desconhecidos mas certamente natildeo o eram para o puacuteblico Os Caones eram uma tribo do Epiro com quem Atenas esteve em guerra em 430 e 429 aC Diomia era um demos da Aacutetica Camarina e

Gela eram cidades sicilianas e o uacuteltimo termo eacute um topocircnimo forjado que repete a palavra anterior Gela e

sugere ao mesmo tempo o verbo γελάω (rir) (Sousa e Silva Os Acarnenses 1988 121-122) 100 Esses nomes fazem alusatildeo agrave atividade carvoeira Μαριλάδης eacute derivado de μαρίλη ndash fuligem ndash

Ανθράκυλλος de ἄνθραξ ndash carvatildeo ndash Εὐφορίδης significa ndash o bom carregador ndash e Πρινίδης refere-se a

πρῖνος ndash carvalho ndash mateacuteria prima para o carvatildeo 101 Ecbaacutetanos era uma cidade oriental siacutembolo de requinte e luxo (Sousa e Silva Os Acarnenses 1988 122)

262

Lam Pois bem eu a todos os Peloponeacutesios 620

sempre vou declarar guerra e aterrorizaacute-los em todo lugar

com minhas naus e tambeacutem com minhas infantarias usando a forccedila DicPois eu convoco os Peloponeacutesios

todos sem exceccedilatildeo os Megarenses e tambeacutem os Beoacutecios

para negociar e vir agrave praccedila comigo mas com Lacircmaco natildeo 625

Co Esse fulano triunfa graccedilas a seus argumentos e fez o povo mudar de opiniatildeo

a respeito das treacuteguas Bem tirando o manto vamos aos anapestos102

102 Esse verso encerra o agoacuten e anuncia a paraacutebase parte da comeacutedia em que o coro avanccedilava em direccedilatildeo ao

puacuteblico a fim de expor-lhe por intermeacutedio do corifeu os pontos de vista e as reclamaccedilotildees do autor e oferecer-

lhe conselhos

263

Tesmoforiantes ndash agon ndash (vv 381-530)

Co Silecircncio Silecircncio Atenccedilatildeo Pois agora ela comeccedilou a escarrar

como fazem os oradores Pelo jeito vai falar bastante

Mulher 1 Certamente natildeo foi por ambiccedilatildeo mas por Demeacuteter e Perseacutefone103

que me levantei para falar mulheres

Como sou infeliz jaacute haacute algum tempo suporto com dificuldade 385

sermos insultadas por Euriacutepides o filho da verdureira104

103 De acordo com o texto da comeacutedia pelas duas deusas Como se trata de Demeacuteter e Perseacutefone entatildeo estes

nomes foram inseridos agrave traduccedilatildeo Demeacuteter a matildee-terra eacute na mitologia grega a mais importante das

divindades da fecundidade encarnaccedilatildeo da terra que nutre Quanto agrave Perseacutefone filha de Demeacuteter esta deusa

tem seu culto ligado ao da matildee A este respeito cf Lavedan 1931 747-748) 104 O fato de a matildee de Euriacutepides ser uma verdureira talvez provenha de um fragmento da trageacutedia euripidiana A

saacutebia Melanipa em que a matildee de Melanipa era uma vendedora de hortaliccedila Daiacute a procedecircncia sobre a matildee

do tragedioacutegrafo (Euriacutepides Trageacutedias I ndash1999 14-15) Segundo Lesky (1995 392) Euriacutepides vem de uma

famiacutelia rica e foi a Comeacutedia que fez de seus progenitores um merceeiro e uma vendedora de hortaliccedila

264

e mais ainda de ouvirmos todo tipo de ultrajesDos insultos qual entatildeo esse aiacute natildeo nos cobreOnde ele natildeo nos caluniou Mesmo onde 390

haacute poucos espectadores atores e tambeacutem coros

caluniou-nos de levianas de taradas por homens

de beberronas de traidoras de tagarelas

de uns zero agrave esquerda de flagelo para os homens

De tal maneira que eles assim que retornam do teatro 395olham-nos com desconfianccedila e logo observam

se natildeo haacute em casa algum amante escondido

A noacutes nada mais eacute permitido fazer como antes

tais satildeo as coisas ruins que esse aiacute mostroua nossos maridos A ponto de se alguma mulher entrelaccedila 400

uma coroa apaixonada parece Se deixar cairalgum utensiacutelio na casa indo de um lado a outro

o marido pergunta ―por causa de quem a marmita foi quebrada105

―Soacute pode ser por causa do hoacutespede de Corinto106

Se alguma jovem fica doente logo o irmatildeo diz 405

―Essa cor da jovem natildeo me agrada

E ainda se alguma mulher esteacuteril de filhos quer prever um

nem isso estaacute em segredoPois agora seus maridos ficam de olhos bem abertos

E os velhos que antes sob influecircncia dele 410

desposavam as jovens ele caluniou de tal modo que nenhum velho

105 Segundo Sousa e Silva (As Mulheres que celebram as Tesmofoacuterias 1988 124) Aristoacutefanes estaria

parodiando cenas da trageacutedia de Euriacutepides mas que satildeo difiacuteceis de recuperaccedilatildeo A uacutenica cena parodiada que

se pode identificar eacute a que alude ao verso 404 (cf supra nota 9) 106 Pelo hoacutespede de Corinto foi a resposta de Estenebeia na peccedila euripidiana de mesmo nome a Belerofonte

265

quer casar com uma moccedila por causa desse conselho

para o velho noivo esposa eacute patroa107

E mais por causa dele que nos gineceus

agora colocam lacres e trancas 415para nos guardar e ainda criam

catildees molossos o terror dos amantes

Mas se por um lado essas coisas satildeo perdoaacuteveis por outro aquilo que antigamente

nos cabia administrar pegar farinha azeite e vinho

sem sermos percebidas nada disso agora 420eacute permitido Pois os maridos agora trazem

consigo trancas secretas detestaacuteveisalgumas laconianas

108 com trecircs dentes

Antigamente para abrir a porta era possiacutevelfazer um sinete por trecircs oacutebolos 425Mas agora esse arruinador de lares do Euriacutepides lhesensinou a ter chancelas de pau carunchosastrazidas ao corpo Consequumlentemente quanto a isso me pareceque de alguma maneira noacutes devemos tramar sua ruiacutena

ou com veneno ou com um artifiacutecio qualquer109

430

a fim de que ele desapareccedila Essas coisas eu publicamente digo

e o resto em companhia da redatora110

redigirei

Co Jamais ouvi mulher

mais sagaz do que esta

107 Segundo Coulon (Les Thesmophories1967 35) essa passagem faria alusatildeo agrave trageacutedia Feacutenix de Euriacutepides da

qual apenas nos chegaram fragmentos 108 Essas chaves recebiam o nome do lugar de onde provinham bem como sapatos e outros objetos (Cf

Chantraine 1999 614) 109 Alusatildeo agrave trama de Medeacuteia na trageacutedia euripidiana de mesmo nome 110 De acordo com Coulon (Les Thesmophories 1967 36) trata-se de uma foacutermula comum dos que acusavam

que preferiam registrar por escrito alguns fatos demasiadamente graves a deixarem registrados apenas

verbalmente

266

nem mais eloquumlente falando 435

pois as coisas que ela diz satildeo justas

Todos os aspectos examinou com cuidadoconsiderou tudo de modo prudente em sua reflexatildeo

encontrou palavras sutis e bem aprimoradas

De modo que se Xeacutenocles111

o filho de Carcino 440 falasse como ela a todas vocecircs ele pareceria penso eu

dizer absolutamente nadaMulher 2 Por causa de poucas palavras e do mesmo modo que ela avancei diante da

[assembleacuteia para falar

De um lado eacute sim verdade que essas coisas ela acusou bem

de outro quero falar das coisas que eu eu sofri 445

Pois quanto a mim meu marido morreu em Chipre

deixando cinco filhinhos que eu com muito custo

alimentava tranccedilando coroas no mercado de mirtos112

Durante todo esse tempo eacute que os alimentava bem ou mal

Mas agora esse aiacute que em suas trageacutedias113

trabalha 450

convenceu os homens de que os deuses114

natildeo existem

de modo que natildeo vendemos mais nem mesmo a metadeAgora de fato a todas sem exceccedilatildeo recomendo e digo

111 Xeacutenocles poeta traacutegico de maacute reputaccedilatildeo (Cf Bailly 1950 1341) Mais informaccedilotildees sobre a vida desse

poeta Sousa e Silva (As Mulheres que celebram as Tesmofoacuterias 1988 120) 112 Segundo Coulon (Les Thesmophories1967 p36) o mercado de flores ou mercado de mirtos era tambeacutem

chamado de mercado de coroas E de acordo com Lavedan (1931 303) Atenas e as principais polis gregas

possuiam um mercado de coroas 113 Para Coulon (Les Thesmophories 1967 36) trata-se de uma expressatildeo popular para a artesatilde de coroas de

flores Euriacutepides trabalha a trageacutedia como ela proacutepria trabalha as flores Eacute a aproximaccedilatildeo da atividade

intelectual com a manual que proporciona um efeito risiacutevel ao texto 114 Essa mesma acusaccedilatildeo de ateiacutesmo apareceraacute em As Ratildes (v889-894) No entanto a biografia de Euriacutepides natildeo

confirma essa acusaccedilatildeo Lesky (1995 374) informa-nos que a primeira obra que Protaacutegoras o fundador da

sofiacutestica leu em puacuteblico foi Sobre os deuses (Peri~ qew~n) e que a casa de Euriacutepides teria sido o lugar onde se

efetuou a leitura que rezava o seguinte Dos deuses natildeo me eacute dado saber se existem ou natildeo existem nem qual

eacute a sua forma Pois haacute muitas coisas que impedem sabecirc-lo a sua invisibilidade e a brevidade da vida do

homem) Por este fato Aristoacutefanes tenha talvez se aproveitado da simpatia que Euriacutepides mantinha pelo

movimento sofista e atribuiacutedo ao poeta traacutegico a descrenccedila nos deuses

267

para castigar esse homem por muitas razotildees

afinal a noacutes oacute mulheres ele nos afronta de maneira selvagem e ruim 455

assim como foi educado nos campos de legumes

Mas vou para a aacutegora porque eacute preciso entrelaccedilar

vinte coroas encomendadas por uns homens115

Co Novamente uma outra forccedila de vontade forccedila essa que

se mostrou mais engenhosa ainda que a primeira 460

Como tagarelounatildeo sem propoacutesito mas com bom senso

e de maneira bastante complexa pensada sem

sem ser incompreensiacutevel mas em tudo convincente116

Entatildeo eacute visivelmente necessaacuterio dar uma puniccedilatildeo ao autor 465

[desse ultraje contra noacutes

Mnesiacuteloco Que vocecircs mulheres irritarem-se pra valer

contra Euriacutepides ao ouvirem tais coisas ruins

natildeo eacute de admirar nem que a bile de vocecircs queime

Pois nessas condiccedilotildees pudesse ―euzinha ser feliz com meus filhos

Odeio esse homem a menos que eu seja louca 470

No entanto conveacutem darmos ―uma palavrinha entre noacutes

pois estamos agindo sozinhas sem divulgaccedilatildeo de nossa discussatildeoComo vamos acusaacute-lo com essas coisasEacute difiacutecil de suportarmos se eacute verdade duas ou trecircs das nossas

115 O uso de coroas poderia estar ligado agrave vida religiosa militar ou civil Se os negoacutecios de coroas estavam em

crise em relaccedilatildeo agrave religiatildeo certamente encontravam uma saiacuteda em atividades militar e civil 116 Na anaacutelise de Coulon (Les Thesmophories 1967 37) o discurso da Segunda Mulher eacute mais engenhoso que o

precedente porque ela tem razotildees pessoais contra Euriacutepides aleacutem de mais curto e mais simples e cheio de

bom senso o discurso eacute de fato faacutecil de entender e convincente

268

maldades que ele disse sabendo bem que as fazemos em grande nuacutemero 475

Pois eu proacutepria em primeiro lugar para que eu natildeo fale de uma outraeu eacute que bem sei de minhas coisas horriacuteveis e estas na verdade satildeo muitas

A mais terriacutevel foi quando eu estava casada haacute trecircs dias

e meu marido dormia do meu lado Entatildeo meu amante

que me desflorou estando eu com sete anos 480

veio ateacute mim por causa de um desejo amoroso e raspava a porta

Imediatamente entendi e em seguida desci secretamente

O meu marido perguntou ―Onde vocecirc estaacute descendo ―Onde

ndash Me deu uma dor de barriga marido e que dor

para a latrina entatildeo eu vou ndash ―Entatildeo vai 485

Enquanto ele esmagava117

o zimbro a erva-doce e a salva

eu derramava aacutegua na dobradiccedila118

e saiacute em direccedilatildeo a meu amante Em seguida me apoiava

ao peacute do Agieu119

com o corpo inclinado ao loureiro

Vejam bem isso jamais Euriacutepides disse 490e nem que levamos uns amaccedilos dos escravos e dos condutores de mulas

quando natildeo fazemos outra coisa Isso ele tambeacutem natildeo disse

Nem quando somos plenamente acaricidas por um qualquer

agrave noite e de manhatilde mascamos alho

para que o marido sinta ao voltar da muralha 495

e nem desconfie que faziacuteamos algo errado Isso veja bem

jamais ele falou Se ele insulta Fedra120

Para noacutes o que isso significa Ele jamais falou

117 Segundo Coulon (Les Thesmophories 1967 38) o marido preparava um remeacutedio para a esposa 118 Coulon (Les Thesmophories1967 38) observa que nessa passagem a mulher preferiu aacutegua ao oacuteleo para natildeo

deixar marcas no chatildeo 119 Agieu ( jAguia~) eacute um dos epiacutetetos de Apolo e significa protetor das ruas Era frequumlente ter agrave porta das casas

um pilar ou um altar em homenagem ao deus (Cf Bailly 1950 18 Lavedan 1931 73-81) 120 Diz o mito que Fedra foi uma princesa filha de Minos e Pasiacutefae que se casou com Teseu rei de Atenas e

apaixonou-se pelo enteado Hipoacutelito nome este tambeacutem da trageacutedia euripidiana Aristoacutefanes vecirc em Fedra o

exemplo da mulher sem escruacutepulos dado que na trageacutedia eacute marcado pelo amor natildeo correspondido A

repugnacircncia de Hipoacutelito pela madrasta leva-o agrave morte apoacutes Fedra tecirc-lo acusado falsmente a Teseu de uma

tentativa de ultraje

269

da mulher que ao mostrar ao marido o manto

para que ele veja como ele eacute agrave luz como eacute esconde 500

o amante e o faz escapar Isso tambeacutem ele natildeo falou

Eu conheccedilo uma outra mulher que dizia ter dores de parto

haacute dez dias ateacute que comprou uma criancinha

O marido corria pra laacute e pra caacute para comprar um remeacutedio que facilitasse o parto

E entatildeo uma velha trouxe a criancinha numa panela 505

e para que natildeo gritasse meteu-lhe um favo de cera121

Em seguida a um sinal imediatamente comeccedila a berrar

―Sai sai depressa homem acho que

vou dar agrave luz Pois a coisinha bateu com os peacutes no interior da panela

Enquanto o marido corria com alegria a velha arrancava o favo de cera 510

da boca da crianccedila que comeccedilou a gritar forteEm seguida a velha asquerosa que tinha trazido a crianccedila

corre sorrindo em direccedilatildeo ao homem e diz

―um leatildeo um leatildeo te nasceu o mesmo retrato teu

Em tudo puxou a vocecirc ateacute 515

naquilo se parece virado como um tufo florido de pinha

Essas coisas horriacuteveis natildeo fazemos Por Aacutertemis

fazemos sim E depois nos irritamos com Euriacutepides

quando nem sofremos mais do que merecemos122

Co Isso eacute sem duacutevida extraordinaacuterio 521

Onde foi achada essa coisa

121 Segundo interpretaccedilatildeo de Coulon (Les Thesmofories 1967 39) o favo era para a crianccedila chupar 122 Essa passagem eacute uma paroacutedia da peccedila Teacutelefo de Euriacutepides (frag 712) Na anaacutelise de Sousa e Silva (As

mulheres que celebram as Tesmofoacuterias1988 14) Teacutelefo e o seu discurso satildeo mais um exemplo da formaccedilatildeo sofiacutestica e retoacuterica de Euriacutepides do seu gosto sempre entusiasta por confrontos verbais e discussotildees

polecircmicas E Aristoacutefanes cria em As mulheres que celebram as Tesmofoacuterias uma reacuteplica da assembleacuteia dos

Aqueus em Teacutelefo preenchida por longos discursos em que Mnesiacuteloco e as mulheres se debatem num tema

particularmente delicado Euriacutepides o antifeminista

270

em que regiatildeo cresceu

essa aiacute atrevida assim

e dizer tais coisas a malandra

abertamente assim sem pudor 525Nunca imaginaria isso entre noacutes

nem que ousasse contra noacutes

Mas tudo pode acontecer a partir de agora

Concordo com o antigo proveacuterbio

―de baixo de toda pedra eacute preciso

olhar para que um orador natildeo morda123

530

123 Segundo Coulon (Les Thesmophories 1967 39) trata-se de uma paroacutedia de uma canccedilatildeo que dizia debaixo de

cada pedra um escorpiatildeo Amigo cuidado Aristoacutefanes faz uma paroacutedia da canccedilatildeo agraves circunstacircncias da comeacutedia

e alerta o perigo dos oradores para a sociedade

271

Tesmaforiantes ndash cena iacircmbica (vv 531-573)

Co Mas natildeo haacute nada pior do que mulheres descaradas por natureza

no que diz respeito a tudo exceto isto eacute se for mulheres

Mica Por Aglaura124

mulheres vocecircs natildeo estatildeo certamente pensando bem

ou vocecircs foram enfeiticcediladas ou outra coisa muito ruim vocecircs sofreram

para permitir esse flagelo de insultar dessa maneira 535

a todas noacutes Se haacute algueacutem que mas se natildeo haacute noacutes

mesmas e tambeacutem nossas criadinhas pegando cinza em algum lugar

depilaremos a ―xereca dessa aiacute para que aprenda

como mulher a natildeo falar mal das mulheres de agora em diante

Mnesiacuteloco Mulheres por favor Minha ―xereca natildeo Pois se haacute 540

liberdade de expressatildeo entatildeo que seja permitido falar agrave medida que cidadatildes que estatildeo

presentes

eu conhecia coisas justas sobre Euriacutepides e entatildeo eu disse

Por causa disso como puniccedilatildeo eacute necessaacuterio que eu seja depilada por vocecircs

Mulher 1 Entatildeo natildeo eacute necessaacuterio te dar um castigo Vocecirc que sozinha

teve a coragem de

falar a favor desse homem que nos fez tanta coisa ruim 545

encontrando de propoacutesito assuntos em que uma mulher perversa

apareceria representando Melanipas e Fedras Mas Peneacutelope125

jamais ele representou porque parecia ser uma mulher sensata

Mnesiacuteloco Eu bem sei a causa Mas natildeo se pode nomear uma uacutenica

Peneacutelope entre as mulheres hoje em dia satildeo todas Fedras sem exceccedilatildeo 550

Mulher 1Vocecircs estatildeo ouvindo mulheres o que disse a safada de noacutes todas outra vez

Mnesiacuteloco Por Zeus126

ainda natildeo

disse tudo o que eu sei querem que eu nessas condiccedilotildees fale mais

Mulher 1 Mas vocecirc natildeo teria mais Tudinho que vocecirc sabia vocecirc despejou

Mnesiacuteloco Por Zeus nem a mileacutesima parte do que fazemos 555

assim natildeo falei que veja bem pegando um raspador127

em seguida sugamos com um

sifatildeo o vinho

124Embora o registro do nome seja com ―o preferiu-se a forma com ―a pois trata-se do sexo feminino Aglaura

era uma das trecircs filhas de Ceacutecrops rei miacutetico de Atenas e considerada sacerdotisa de Atena (Para uma literatura

mais vasta cf Lavedan 1931 24) 125 Melanipa a matildee que abandona os filhos e Fedra a matildee que mata os filhos satildeo protagonistas da cena

euripidiana (Cf supra notas 3 e 24) e aos olhos da comeacutedia representam o modelo de mulheres perversas em

oposiccedilatildeo agrave Peneacutelope fiel esposa que espera a volta do marido Ulisses na Odisseacuteia 126 Zeus eacute o mais importante deus da mitologia grega (Cf Lavedan 1931 1025-1036) 127 O raspador (stleggiv) podia denominar dois tipos de objetos bem diferentes tipo de fivela em couro ou

metal que as mulheres usavam no penteado ou um raspador usado nos banhos e nos ginaacutesios que possuia um

cabo oco para coletar o suor (Cf Bailly 1950 1794) Eacute este segundo sentido que estaacute sendo utilizado por

272

Mulher 1Vai se danar

Mnesiacuteloco que ainda as carnes vindas das Apatuacuterias128

damos agraves prostitutas e depois

dizemos que a doninha129

Mulher 1 Pobre de mim Vocecirc estaacute dizendo besteiras

Mnesiacuteloco nem que uma outra matou o marido com um machado 560

eu natildeo disse Nem que uma outra enlouqueceu o marido com drogas

nem que outrora enterrou na banheira

Mulher 1 Vai se danar

Mnesiacuteloco uma acarnense130

o pai

Mulher 1 Pode-se essas coisas serem suportaacuteveis de ouvir

Mnesiacuteloco nem que vocecirc quando a criada deu agrave luz a um menino

se apropriou dele e para ela deixou sua filhinha131

565

Mulher 1 Quanto a vocecirc pelas duas deusas dizendo essas coisas vocecirc natildeo escaparaacute do

castigo

eu vou te arrancar os cabelos132

Mnesiacuteloco Por Zeus vocecirc natildeo vai me tocar

Mulher 1 Entatildeo toma

Mnesiacuteloco Toma vocecirc tambeacutem

Mulher 1 Pegue no meu manto amiga Filista133

Aristoacutefanes Trata-se de um raspador em cujo cabo oco era colocado vinho pelas mulheres para tomaacute-lo agraves

escondidas (Cf Coulon Les Thesmophories 1967 41) 128 Segundo Sousa e Silva (As mulheres que celebram as Tesmofoacuterias 1988 126) as Apatuacuterias eram um festival

anualmente realizado em homenagem a Zeus Fraacutetrio e Atena Fraacutetria pelos membros das fratias E de acordo

com Coulon (Les Tesmophories 1967 41) no terceiro dia desse festival os maridos traziam sobras de

comida a suas esposas 129 A galevh era um nome reservado a diversos animais tais como doninha mamiacutefero carniacutevoro fuinha gata

(Cf Bailly 1950 386) 130 Acarnenses refere-se agraves pessoas que vivem no demos de Acarnes onde se desenvolvia a atividade carvoeira

Esse lugar inspirou Aristoacutefanes na comeacutedia Os Acarnenses 131 Segundo Bonnard (1980 132) a uacutenica ocupaccedilatildeo da mullher eacute dar ao marido os filhos varotildees que ele deseja

e aos sete anos esses lhe satildeo tirados No caso de filhas a matildee fica com elas e as educa no gineceu Atraveacutes

dessa informaccedilatildeo pode-se imaginar que muitas mulheres que natildeo tinham a sorte de ter varotildees usassem de

estrateacutegias escusas para obter um 132 Aristoacutefanes faz aqui um jogo de palavras entre o vejkpokivzw forjado pelo poeta a partir do substantivo

pokav crina que nesse caso refere-se jocosamente aos cabelos humanos 133 Segundo Bailly (1950 2072) Fivlisth eacute um nome proacuteprio que remete a outro nome proacuteprio Fivlisto que

por sua vez remete a fivlo cujo significado eacute amigo amado querido etc Como foi feito com os outros nomes

(cf supra nota 1) para dar uma ideacuteia da etimologia do nome optou-se pelo aposto que nesse caso eacute o vocaacutebulo

amiga que natildeo estaacute presente no texto original

273

Mnesiacuteloco Daacute uma soacute e por Aacutertemis eu te

Mulher 1 O que vocecirc vai fazer

Mnesiacuteloco o bolo de seacutesamo que vocecirc devorou vou te fazer colocaacute-lo pra fora 570 Coro Parem com os insultos pois uma mulher em direccedilatildeo agrave noacutes

corre com todo esforccedilo Portanto antes de chegar aqui

silecircncio para que sem bagunccedila saibamos dela as coisas que vai dizer

274

Paz ndash agon (vv 601-657)

Co Mas onde durante todo esse tempo e longe de noacutes esteve

a Tal134

Conta isso pra gente oacute o mais bonzinho dos deuses

Her Pobres agricultores prestem bastante atenccedilatildeo

no que vai ser dito se querem saber como Ela desapareceu

Em primeiro lugar isso comeccedilou com Fiacutedias135

que agiu mal 605

Em seguida Peacutericles com medo de que participaria da mesma sorte

134 Refere-se agrave Paz 135 Aristoacutefenes faz menccedilatildeo a um escacircndalo em que o escultor Fiacutedias contratado por Peacutericles teria superfaturado

na construccedilatildeo da estaacutetua de Atena Isso levou a Assembleacuteia a condenaacute-lo ao exiacutelio

275

temendo a maneira de ser e o caraacuteter irasciacutevel de vocecircs

e antes de ele mesmo sofrer algo terriacutevel pocircs fogo na cidade

lanccedilando uma pequena fagulha no decreto de Meacutegara136

aticcedilando uma guerra de modo que a fumaccedila 610

fez chorar todos os gregos tanto os de laacute quanto os daqui

Entatildeo jaacute que Ela ouviu que uma videira estremeceu pela primeira vez

que um barril tinha se chocado com raiva com outro barril

e que natildeo havia ningueacutem que parasse isso Ela se escafedeu

Tr Ixe Por Apolo Eu natildeo ouvi da boca de ningueacutem essas coisas 615

E nem ouvi falar que Fiacutedias teria algo a ver com Ela

Co Nem eu soacute agora Por causa disso Ela era bonita

por ser obra dele Quanta coisa escapa ao nosso conhecimento

Her Em seguida quando as cidades submissas a vocecircs se deram conta

de que vocecircs brigavam uns com os outros e rangiam os dentes 620

e temendo os tributos maquinaram tudo contra vocecircs

e corrompiam com riquezas os mais importantes lacedemocircnios

Esses entatildeo que satildeo gananciosos e que enganam os estrangeiros

Baniram-na vergonhosamente e agarraram com ardor a Guerra

Entatildeo os lucros deles eram prejudiciais aos agricultores 625

pois as trirremes daqui tambeacutem por vinganccedila

consumiam as figueiras dos homens que natildeo tinham culpa

Tr Justiccedila seja feita Pois a minha figueira negra

a que eu plantei e cuidei eles derrubaram

136 Esse decreto teria sido o estopim para a rivalidade jaacute haacute muito existente entre Atenas e Esparta

276

Co Sim por Zeus meu caro Justiccedila seja feita pois no meu caso eles lanccedilaram pedras 630

e destruiacuteram um depoacutesito de trigo de seis medimnos137

Her Pois entatildeo quando o trabalhador veio em massa dos campos

natildeo compreendeu que estava sendo vendido da mesma maneira

e porque estava sem o bagaccedilo da uva e gostava de figos secos

recorreu aos oradores Esses entatildeo sabendo bem 635

que os coitados estavam cansados e necessitados de comida

expulsaram a deusa aos berros

Ela que muitas vezes apareceu espontaneamente por amor a esta terra

Entatildeo dos aliados os que eram fortes e ricos eles deram uma sacudida

declarando a seguinte acusaccedilatildeo ―eacute do partido do Brasidas138

640

Entatildeo vocecircs como catildees dilaceravam o acusado

Pois a cidade paacutelida e com medo das caluacutenias

que pudessem lanccedilar contra ela regalava-se com isso da maneira mais prazerosa

E eles os estrangeiros vendo que levavam porradas

enchiam de ouro a boca dos que faziam essas coisas 645

de tal modo que esses aiacute fizeram fortuna enquanto a Greacutecia

se subtraiacutea sem que vocecircs percebessem E o feitor de tudo isso era um curtidor139

Tr Pare pare Hermes soberano condutor dos mortos nem me fale

Mas deixe esse homem onde ele estaacute laacute embaixo

Pois natildeo eacute mais dos nossos esse fulano mas seu 650

Assim tudo o que vocecirc venha a dizer dele

Se era um patife quando vivo

137 Medida equivalente a 320 litros 138 Aristoacutefanes se refere agrave traiccedilatildeo de alguns atenienses na tomada de Atenas por Brasidas comandante dos

espartanos 139 Trata-se do demagogo Cleatildeo Nas primeiras peccedilas de Aristoacutefaens Acarnenses (425) Cavaleiros (424) e

Vespas (422) Cleatildeo era vivo Seu falecimento portanto deve ter sido entre 422 e 421 quando Paz foi

encenada

277

falador delator

embromador agitador

Todas essas coisas agora 655

atingem os da sua gente

Mas por que vocecirc estaacute calada oacute divina Diga-me

278

Aves ndash agon (vv 451-638)

CORO Traiccediloeiro em todas as coisas

eacute por natureza o homem Mas apesar disso fala

Revelarias talvez

Uma qualidade que percebes em mim ou uma forccedila maior 455

posta de lado por meu espiacuterito simploacuterio

Isto que vecircs traz a puacuteblico O que me proporcionares de bom

de todos seraacute

CORIFEU O motivo seja qual for que trouxe vocecirc aqui para nos convencer

fale confiante A treacutegua natildeo seremos os primeiros a romper 461

BOM DE LAacuteBIA

Por Zeus Estou louco para falar Eu jaacute preparei um discurso

o que natildeo impede de sovaacute-lo mais um pouco (a um escravo)

Rapaz traga uma coroa E para lavar as matildeos aacutegua por favor Raacutepido

TUDO AZUL (para BL) Vamos comer Ou o quecirc

BOM DE LAacuteBIA Natildeo por Zeus Mas haacute tempo procuro dizer algo uma fala grande

e gorda que lhes dilacere a alma (para o coro inspirado) 466

Eu sofro tanto por vocecircs que antes foram reis

CORIFEU

Noacutes reis De quem

BOM DE LAacuteBIA

Vocecircs sim

De tudo quanto haacute a comeccedilar de mim (apontando TA) dele e do proacuteprio Zeus Vocecircs satildeo mais antigos satildeo anteriores a Crono aos Titatildes e agrave Terra

CORIFEU

Agrave Terra

BOM DE LAacuteBIA

Sim por Apolo

CORIFEU

Por Zeus Isso eu nunca soube 470

279

BOM DE LAacuteBIA

Ignorante por natureza sem um pingo de curiosidade nunca leu Esopo Ele afirmava que de todas as aves a cotovia foi

a primeira a nascer anterior agrave terra Depois o seu pai morreu

doente a terra natildeo existia e ele ficou exposto por cinco dias

Entatildeo ela num impasse sem outro recurso sepultou o pai na cabeccedila 475

TUDO AZUL

E o pai da cotovia jaz agora em Cabeccedilas

BOM DE LAacuteBIA

Entatildeo se antes da Terra e antes dos deuses nasceram

por serem os mais antigos natildeo lhes cabe por direito a realeza

TUDO AZUL

Sim por Apolo Eacute melhor cuidar bem de seu bico daqui para frente

Zeus natildeo restituiraacute de pronto o cetro ao pica-pau 480

BOM DE LAacuteBIA

De que os deuses natildeo comandavam os homens no passado

nem eram reis mas sim as aves haacute muitas provas

Para comeccedilar eu mostrarei primeiro que o galo foi senhor e comandou os persas todos antes de Dario e Megaacutebazo

por causa desse comando eacute chamado de ave persa 485

TUDO AZUL

Por isso eacute que ainda hoje uacutenico entre as aves desfila

como o Grande Rei mantendo o turbante reto sobre a cabeccedila

BOM DE LAacuteBIA

Ele foi forte e poderoso um dia e muito Tanto que ainda hoje

devido ao poder passado soacute quando ele canta de madrugada saltam todos para o trabalho ferreiros oleiros curtidores 490

sapateiros criados moleiros fabricantes de liras e de armas

Outros calccedilam as sandaacutelias e se potildeem a caminho ainda de noite

TUDO AZUL

Eu eacute que sei

Um manto de latilde friacutegia perdi pobre de mim por causa dele Uma vez chamado para uma festa bebericava na cidade 494

e logo adormeci Antes que os outros jantassem esse aiacute cantou

E eu pensando que jaacute era madrugada parti para Halimonte e logo pus a cabeccedila para fora das muralhas e um salteador

me deu uma paulada nas costas

Eu caio e vou gritar mas ele jaacute surrupiou a minha roupinha

280

BOM DE LAacuteBIA

Tambeacutem o milhafre entre os helenos governava e reinava entatildeo

CORIFEU

Entre os helenos

BOM DE LAacuteBIA

Foi quem primeiro os ensinou quando era rei 500

a rolarem frente aos milhafres

TUDO AZUL

Por Dioniso eacute mesmo Eu por exemplo

rolei ao ver um milhafre Depois de costas e de boca aberta engoli o dinheiro entatildeo arrastei para casa a sacola vazia

BOM DE LAacuteBIA De todo o Egito e tambeacutem da Feniacutecia o cuco era rei

E cada vez que o cuco dizia ―cu-co entatildeo os feniacutecios 505

todos eles o trigo e a cevada ceifavam nos campos

TUDO AZUL

Ah Eacute esta a razatildeo daquele proveacuterbio ―Cu-co Circuncidados ao campo

BOM DE LAacuteBIA

Mantiveram com tanto vigor o comando que mesmo se um dos helenos

reinasse nas cidades Agamenatildeo ou Menelau sobre o seu cetro uma ave pousava partilhando os presentes que recebia 510

TUDO AZUL Ora isso aiacute eu natildeo sabia De fato ficava surpreso

quando nas trageacutedias entrava em cena um Priacuteamo com uma ave

Ela ficava parada espiando os presentes que certos poliacuteticos recebiam

BOM DE LAacuteBIA

E o mais impressionante eacute que Zeus agora reinante

fica postado com uma aacuteguia na cabeccedila ndash sendo ele rei ndash 515 sua filha com uma coruja Apolo como criado que eacute com um gaviatildeo

CORO

Por Demeacuteter bem notado E para que as trazem

BOM DE LAacuteBIA

Para que quando algueacutem sacrifica e entrega as entranhas nas matildeos deles como eacute costume elas peguem as entranhas antes de Zeus

Nenhum homem entatildeo jurava pelo deus todos juravam pelas aves 520

Lampatildeo jura ainda hoje pelos seus gansos quando engana algueacutem

281

Assim antes todos julgavam vocecircs grandes e sagrados

mas agora escravos estuacutepidos joatildeo-bobos Apedrejam vocecircs

como fazem com os loucos Ateacute nos templos 525

qualquer passarinheiro arma para vocecircs

armadilhas laccedilos redes arapucas malhas varas noacutes

Em seguida capturando-os vendem todos de uma soacute vez

os outros compram apalpando 530 E entatildeo se assim decidem

servem vocecircs sem assar

mas temperam com queijo azeite

siacutelfion vinagre e misturam um molho doce e gorduroso 535

e derramam-no quente

sobre vocecircs como se natildeo fossem mais do que carniccedila

CORO Muito tristes tristiacutessimas as palavras

que disseste homem Como chorei 540

a fraqueza de meus pais Estas honras

herdaram de seus ancestrais e na minha vez as perderam

Tu graccedilas a um deus e a uma conjuntura favoraacutevel

chegas como meu salvador 545 Depois de confiar a ti

meus filhotes e a mim mesmo fundarei uma cidade

CORIFEU

Mas o que eacute preciso fazer ensine jaacute que estaacute aqui

Para noacutes natildeo vale a pena viver

se natildeo recuperarmos de qualquer forma a nossa soberania

BOM DE LAacuteBIA

Pois bem a primeira liccedilatildeo eacute que haja uma soacute cidade das aves 550 Depois que ergam um muro com grandes tijolos cozidos

como Babilocircnia ao redor de todo o ar e do espaccedilo

POUPA Oh Cebriatildeo Oh Porfiriatildeo Que cidadela terriacutevel

BOM DE LAacuteBIA E quando ela estiver de peacute exijam de Zeus o comando

E caso ele natildeo conceda nem queira nem mude logo de ideacuteia 555

uma guerra santa declarem contra ele e proiacutebam os deuses

282

de atravessar em ereccedilatildeo o territoacuterio de vocecircs

como faziam antes para seduzir as Alcmenas Aacutelopes e Secircmeles E se eles vierem

lacrem o pau deles para que natildeo transem com elas 560

Ordeno que enviem aos homens outra ave que como arauto proclame

uma vez reis as aves agraves aves devem sacrificar daqui para frente e soacute depois aos deuses em segundo lugar

E que justamente atribuam aos deuses as aves que conveacutem a cada um

Se a Afrodite sacrificar gratildeos ao pinto ofereccedila 565 se a Poseidon algueacutem sacrificar uma ovelha ao pato trigo consagre

se a Heacuteracles sacrificar agrave gaivota bolos de mel ofereccedila

e se a Zeus Rei algueacutem sacrificar um carneiro rei eacute a ave culhatildeo

a quem antes do proacuteprio Zeus um mosquito bem colhudo deve-se imolar 569

TUDO AZUL

Gostei do mosquito imolado Que o grande Zeus troveje agrave vontade

CORIFEU

E como os homens nos tomaratildeo por deuses e natildeo por gralhas se voamos e temos asas

BOM DE LAacuteBIA

Que bobagem Zeus do ceacuteu Hermes que eacute deus voa e tem asas E tambeacutem outros deuses inuacutemeros

Por exemplo Vitoacuteria voa com asas de ouro e por Zeus Eros tambeacutem

Iacuteris afirma Homero eacute ―semelhante agrave tiacutemida pomba 575

TUDO AZUL

E Zeus natildeo vai trovejar e enviar sobre noacutes o raio alado

BOM DE LAacuteBIA (para o coro)

E se por ignoracircncia julgarem vocecircs um nada e deuses os que

estatildeo no Olimpo entatildeo eacute necessaacuterio que uma nuvem de pardais e tambeacutem de ajunta-gratildeos se levante e cate nos campos as sementes

Depois que Demeacuteter lhes decirc a raccedilatildeo quando tiverem fome 580

TUDO AZUL

Ela natildeo vai querer por Zeus Vocecirc a veraacute inventando mil desculpas

BOM DE LAacuteBIA Que os corvos por sua vez furem os olhos das juntas de bois

que lavram a terra e dos carneiros como exemplo

E entatildeo Apolo que eacute meacutedico que os cure Ele eacute pago para isso

TUDO AZUL (aflito)

Natildeo Natildeo antes que eu venda os meus boizinhos 585

283

BOM DE LAacuteBIA (para o coro)

Se acreditarem que vocecirc eacute deus que vocecirc eacute vida que vocecirc eacute a Matildee Terra que vocecirc eacute Crono que vocecirc eacute Poseidon

eles teratildeo tudo que eacute bom

POUPA Por exemplo

BOM DE LAacuteBIA Primeiro os gafanhotos natildeo devoraratildeo os brotos das vinhas

pois uma tropa de corujas e de roucaccedilos uma soacute os destruiraacute

E as formigas e os cupins natildeo mais atacaratildeo as figueiras 590

pois todas elas seratildeo varridas por um uacutenico bando de tordos

POUPA

Como lhes daremos riquezas Essa eacute a paixatildeo deles

BOM DE LAacuteBIA

Minas valiosas lhes daratildeo quando consultarem oraacuteculos e revelaratildeo ao adivinho como lucrar com o comeacutercio mariacutetimo

de modo que nenhum piloto pereceraacute

POUPA Como natildeo pereceraacute 595

BOM DE LAacuteBIA Uma ave prediraacute sempre ao consultante sobre navegaccedilatildeo

―natildeo navegue agora vai haver tempestade Navegue agora o lucro seraacute certo

TUDO AZUL

Compro um navio e viro piloto Eu natildeo ficaria com vocecircs

BOM DE LAacuteBIA Tesouros lhes mostraratildeo os de moedas de prata que os antigos

esconderam As aves os conhecem Todos dizem 600

―Soacute um passarinho do meu tesouro sabe o caminho

TUDO AZUL

Vendo o navio compro uma paacute e desenterro potes

POUPA

Como lhes daremos Sauacutede jaacute que ela estaacute laacute com os deuses

BOM DE LAacuteBIA

Se os negoacutecios vatildeo bem a sauacutede natildeo pode ir melhor

Eacute oacutebvio que ningueacutem tem sauacutede se os negoacutecios vatildeo mal 605

284

POUPA

E como alcanccedilaratildeo um dia a Velhice Tambeacutem ela estaacute no Olimpo

Seraacute que devem morrer crianccedilas

BOM DE LAacuteBIA

Natildeo por Zeus Mas trezentos anos

as aves lhes acrescentaratildeo

CORIFEU

Tirados de onde

BOM DE LAacuteBIA

De onde Delas mesmas

Natildeo sabe que ―cinco geraccedilotildees de homens vive o corvo gritador

TUDO AZUL

Puxa Para noacutes eacute bem melhor que elas reinem e natildeo Zeus 610

BOM DE LAacuteBIA

Bem melhor natildeo eacute mesmo Primeiro natildeo eacute preciso

templos de pedra edificar

nem provecirc-los com aacuteureos poacuterticos

elas sob arbustos e azinheiras habitaratildeo 615 Das aves veneraacuteveis

a aacutervore da oliva seraacute o templo Nem a Delfos

nem a Amon iremos para laacute sacrificar mas entre os medronheiros 620

e as oliveiras de peacute

com gratildeos de cevada e trigo lhes rogaremos erguendo ambas as matildeos

que nos decircem nossa parte nos bens

E isso imediatamente teremos 625

por uns poucos gratildeos

CORIFEU

Vocecirc de meu inimigo se transformou no mais adoraacutevel dos velhos Por mim de modo algum abandonaria as suas ideacuteias

CORO

Exaltado com as tuas palavras eu ameaccedilo e juro 630

se tu unindo palavras afinadas agraves minhas

justas leais e pias vais contra os deuses

em harmonia espiritual comigo

natildeo mais por muito tempo 635 os deuses usaratildeo o cetro o meu

CORIFEU

Bem em tudo que eacute preciso empregar a forccedila conte conosco E tudo quanto exigir deliberaccedilatildeo sensata seraacute tarefa sua

285

Lisiacutestrata ndash agon (vv 476-613)

CORO DE VELHOS Oacute Zeus o que aremos um dia

com estes animais

Isso natildeo eacute mais toleraacutevel eacute seu dever investigar

comigo o acontecido 480 com que intenccedilatildeo elas

tomaram a cidadela de Craacutenaos

a grande rocha Acroacutepole intransponiacutevel recinto sagrado

LIacuteDER DO CORO DE VELHOS

Vamos pergunte natildeo se deixe convencer refute-as de [todos os modos porque eacute uma vergonha deixarmos um assunto desses sem investigaccedilatildeo 485

DELEGADO Certamente tambeacutem eu desejo saber de viva voz primeiro por Zeus

com que intenccedilatildeo trancafiaram a ferrolhos a nossa cidade

DISSOLVETROPA

Para mantermos o dinheiro intacto e vocecircs natildeo guerrearem por ele

DELEGADO Por dinheiro guerreamos entatildeo

DlSSOLVETROPA E tudo o mais ficou de pernas para o ar

Para poder roubar Pisandro e os que ocupavam cargos 490

sempre promoviam algum tumulto E por isso que faccedilam o que quiserem Jamais vatildeo se apoderar deste dinheiro

Delegado

Mas o que vocecirc vai fazer

DlSSOLVETROPA

Vocecirc quer saber Noacutes vamos administraacute-lo

Delegado

Vocecircs Vatildeo administrar o dinheiro

DlSSOLVETROPA

Por que vocecirc acha isso tatildeo estranho

Noacutes natildeo administramos plenamente para vocecircs o orccedilamento domeacutestico 495

Delegado

Mas natildeo eacute a mesma coisa

286

DlSSOLVETROPA

Como natildeo

Delegado

Devemos ir agrave guerra com ele

DlSSOLVETROPA

Em primeiro lugar natildeo se deve ir agrave guerra

Delegado

E que outra salvaccedilatildeo teremos

DlSSOLVETROPA Noacutes vamos salvaacute-los

Delegado Vocecircs

DlSSOLVETROPA Sim noacutes

Delegado

Eacute sinistro

DISSOLVETROPA

Vocecirc seraacute salvo mesmo que natildeo queira

Delegado

Vocecirc exagera

Dissolvetropa

Vocecirc estaacute nervoso

mas de qualquer forma eacute nosso dever fazer isso

DELEGADO

Por Demeacuteter eacute totalmente injusto 500

DlSSOLVETROPA

Eacute nosso dever irmatildeo

Delegado

Mesmo que eu natildeo peccedila

287

DlSSOLVETROPA

Muito mais ainda por isso

Delegado

De onde veio seu interesse pela guerra e pela paz

DlSSOLVETROPA

Noacutes vamos explicar

Delegado

Diga raacutepido senatildeo vai se arrepender

DlSSOLVETROPA Escute entatildeo

e tente refrear suas matildeos

DELEGADO

Natildeo consigo

E difiacutecil contecirc-las por causa da raiva

Uma Velha

Entatildeo vai se arrepender mais ainda 505

Delegado

Possa vocecirc crocitar para si mesma velha Quanto a vocecirc diga-me

DlSSOLVETROPA

Farei isso

Num primeiro momento suportamos em silecircncio por prudecircncia tudo o que vocecircs homens faziam ndash

natildeo nos deixavam sequer grunhir ndash e natildeo estaacutevamos satisfeitas com vocecircs

Mas compreendiacuteamos vocecircs bem e muitas vezes em casa 510

escutamos quando deliberavam mal sobre um assunto importante E se no iacutentimo aflitas perguntaacutevamos sorrindo

―O que vocecircs decidiram anotar na coluna sobre as treacuteguas

na assembleacuteia de hoje ―E o que vocecirc tem a ver com isso o marido dizia ―Natildeo vai calar a boca E eu me calava

Uma Velha

Mas eu nunca me calava 515

Delegado

Com certeza se lamentaria se natildeo se calasse

288

DISSOLVETROPA

Por isso mesmo eu me calava entatildeo E em seguida eacuteramos de novo informadas de alguma outra decisatildeo de vocecircs ainda pior

Quando perguntaacutevamos ―Como levaram isso a cabo marido de uma forma tatildeo tola

Ele imediatamente me olhava de alto a baixo e afirmava que se eu natildeo fiasse uma trama

minha cabeccedila teria muito do que se queixar ―Da guerra cuidaratildeo os homens 520

Delegado

E ele falava com razatildeo por Zeus

DlSSOLVETROPA

Com que razatildeo desgraccedilado

se nem mesmo quando deliberavam mal podiacuteamos aconselhaacute-los Entatildeo quando agraves claras jaacute ouviacuteamos vocecircs nas ruas

―Natildeo haacute homem neste paiacutes ―Natildeo natildeo haacute mesmo por Zeus dizia um outro

Depois disso achamos melhor salvar logo a Greacutecia em conjunto 525 com as mulheres aqui reunidas Ateacute onde era preciso esperar

Se quando noacutes falarmos algo uacutetil vocecircs quiserem ouvir

e calar por sua vez como fizemos daremos um jeito em vocecircs

Delegado

Vocecircs Em noacutes Vocecirc exagera Natildeo posso suportar

DlSSOLVETROPA

Calado

DELEGADO

Eu Calar-me diante de uma peste como vocecirc que tem um veacuteu 530

ao redor da cabeccedila Que eu deixe a vida jaacute

DISSOLVATROPA

Se eacute esse o seu problema

pegue comigo este veacuteu segure-o e coloque-o ao redor da cabeccedila

e entatildeo fique calado

Uma Velha

E aqui estaacute a cestinha 535

DISSOLVETROPA E entatildeo cingindo-se carde

e mastigue favas

Da guerra cuidaratildeo as mulheres

Liacuteder do Coro de Mulheres

Ergam-se mulheres para longe das vasilhas para que possamos de nossa parte ajudar tambeacutem um pouco as nossas amigas 540

289

Coro de Mulheres

Jamais eu me cansaria de danccedilar e nem a fadiga penosa tomaria meus joelhos

Por sua virtude quero acompanhaacute-las

ateacute o fim do mundo Elas

tecircm dotes naturais tecircm encanto tecircm audaacutecia tecircm sabedoria e tecircm a virtude

de um patriotismo moderado

Liacuteder do Coro de Mulheres

Vamos mais viril das avoacutes e das mamatildees-urtigas

Avancem com raiva e natildeo amoleccedilam pois ateacute agora vocecircs tecircm o vento a seu favor 550

DlSSOLVETROPA

Mas se o doce Eros e a Ciprogecircnia Afrodite

insuflassem o desejo em nossos seios e coxas e entatildeo engendrassem tensatildeo prazerosa nos homens e tambeacutem pau-durismo

penso entre os gregos seriacuteamos chamadas Dissolvelutas

Delegado

Por terem feito o quecirc

DISSOLVETROPA Por impedirmos vocecircs primeiro de irem 555

armados ao mercado e de fazer loucuras

Uma Velha

Isso mesmo por Afrodite de Pafos

DISSOLVETROPA

Agora mesmo para comprar panelas e legumes

percorrem o mercado armados como Coribantes

Delegado

Por Zeus os corajosos devem fazecirc-lo

DlSSOLVETROPA

Mas com certeza eacute ridiacuteculo

sempre que um com escudo Goacutergona e tudo compra peixe 560

Uma Velha

Por Zeus eu mesma vi um comandante cabeludo a cavalo

jogar purecirc de legumes comprado de uma velha num gorro de bronze Um outro traacutecio sacudindo escudo e lanccedila como Tereu

amedrontava a vendedora de figos e devorava as azeitonas

290

Delegado

Como vocecircs seratildeo capazes de impedir as enormes revoltas 565 que assolam nosso paiacutes e nelas pocircr fim

DISSOLVETROPA

Muito simplesmente

Delegado

Como Demonstre

DISSOLVETROPA

Como quando uma meada estaacute revolta noacutes a pegamos assim

e com os fusos passamos um fio para caacute outro para laacute assim tambeacutem poremos fim a essa guerra se deixarem

separando os embaixadores um para caacute outro para laacute 570

Delegado

Entatildeo eacute com latildes meadas e fusos que vocecircs contam deter

negoacutecios terriacuteveis Que tolas

DISSOLVETROPA

Se ao menos um de vocecircs tivesse cabeccedila

teria administrado a cidade toda com as nossas latildes

Delegado

Como assim Quero ver

DlSSOLVETROPA

Em primeiro lugar como um tufo dela tendo lavado no banho a suarda da cidade sobre um leito

era preciso surrar os malandros eliminar os espinhos

cardar tanto esses que ficaram juntos quanto os que calcaram a si mesmos

em vista dos cargos e tirar a cabeccedila dos noacutes E entatildeo todos misturados em uma cestinha cardar

a boa vontade geral E os metecos se um estrangeiro for seu amigo 580

e se tiver obrigaccedilotildees com o Estado tambeacutem devia incluiacute-los e reconhecer tambeacutem por Zeus que as cidades quantas dessa terra satildeo habitadas

estatildeo dispostas para vocecircs como tufos

cada um agrave parte Em seguida disso tudo os montinhos pegando

devia ajuntaacute-los aqui e cerraacute-los em um uacutenico monte e depois fazer 585 um grande novelo e entatildeo com ele tecer um manto para o povo

Delegado Natildeo eacute mesmo demais que elas que natildeo tinham absolutamente nada a ver

com a guerra cardem e enovelem com a roca coisas tais

291

DlSSOLVETROPA

Seu ser repulsivo com certeza noacutes a suportamos duas ou mais vezes Em primeiriacutessimo lugar damos agrave luz

e enviamos nossas crianccedilas como soldados rasos

Delegado Cale-se natildeo seja ressentida 590

DlSSOLVETROPA Entatildeo quando deviacuteamos ser sedutoras e gozar a juventude

dormimos sozinhas por causa das campanhas militares A nossa parte deixo de lado

aflijo-me com a sorte das moccedilas que envelhecem em seus quartos

Delegado

Entatildeo os homens tambeacutem natildeo envelhecem

DlSSOLVETROPA

Por Zeus eacute claro Mas vocecirc natildeo comparou coisas iguais

Ele ao voltar apesar de grisalho logo desposa uma menina moccedila 595 mas para a mulher eacute breve a ocasiatildeo e se natildeo a aproveita

ningueacutem quer desposaacute-la e ela fica sentada a dar auguacuterios

Delegado Mas qualquer um ainda capaz de ter uma ereccedilatildeo

DlSSOLVETROPA Afinal por que vocecirc natildeo leva a seacuterio a ideacuteia de morrer

Haacute espaccedilo vocecirc vai comprar um caixatildeo 600

E eu vou preparar um bolo de mel Tome isso aqui e coroe-se

Delegado

Natildeo eacute terriacutevel o tratamento que recebo Por Zeus vou imediatamente e me mostrarei

aos delegados como estou 610

292

DlSSOLVETROPA

Seraacute que se queixa por natildeo o termos velado Bom no terceiro dia entatildeo bem cedo

receberaacute de nossa parte as oferendas prontinhas

293

Assembleacuteia de mulheres ndash agon (vv 571-710)

Coro

Agora eacute preciso que vocecirc elabore um raciociacutenio prudente e saacutebio

aplicando uma reflexatildeo

que defenda todas suas amigas

Pois para a felicidade da comunidade

a inteligecircncia de tua fala eacute dirigida

com a finalidade de agradar o cidadatildeo e o povo

agraves infinitas vantagens de vida 575

Estaacute na hora de vocecirc mostrar seu valor

Pois eu te digo nossa cidade precisa de um saacutebio propoacutesito

Mas soacute aconselhe

o que natildeo foi feito nem dito no passado

porque eles detestam que as coisas do passado sejam sempre vistas 580

Vamos natildeo demore Eacute preciso colocar em praacutetica seus projetos

de maneira que o que se faz prontamente faz parte do que mais agrada aos espectadores140

Praxaacutegora

Acredito que ensinarei coisas uacuteteis E quanto aos espectadores

acaso querem inovar e natildeo ficar muito presos aos costumes e

agraves praacuteticas do passado Isso eacute o que mais temo 585

Vizinha

Certamente no que diz respeito a que inovar natildeo tema porque isso para noacutes

estaacute no lugar de um outro princiacutepio negligenciar o antigo

Praxaacutegora

Entatildeo primeiramente que nenhum de vocecircs se oponha nem me interrompa

antes de conhecer minha ideacuteia e ouvir minha explicaccedilatildeo

Direi que eacute necessaacuterio que todos participem em comum de todas as coisas 590

que disso vivam e que natildeo haja nem rico nem miseraacutevel

140 Este momento marca a passagem da accedilatildeo para o debate fundamental na peccedila Esse debate eacute introduzido por

uma exortaccedilatildeo do corifeu em tetracircmetros anapeacutesticos como todo debate

294

nem latifundiaacuterio nem aquele que natildeo tem onde cair morto

nem o que tem agrave disposiccedilatildeo muitos escravos e o que nem mesmo tem um acompanhante

Bem estou procurando uma vida em comum e igual para todos

Bleacutepiros

Como seraacute comum para todos

Praxaacutegora

Vaacute agrave merda141 595

Bleacutepiros Tambeacutem a merda temos em comum

Praxaacutegora

Por Zeus vocecirc me interrompe se antecipando

Por causa disso eu devia dizer que primeiramente tornarei a terra

comum a todos e tambeacutem o dinheiro e tambeacutem tudo o que pertence a cada um

Entatildeo com esses recusrsos puacuteblicos noacutes sustentaremos vocecircs

administrando economizando e tambeacutem ficando atenta a nossa resoluccedilatildeo 600

Vizinha

Como fica entatildeo aquele que entre noacutes natildeo possui terra mas dinheiro

e tambeacutem moeda de ouro142 riqueza que natildeo se vecirc

Praxaacutegora A pessoa depositaraacute num ―fundo

Bleacutepiros

E se natildeo puser cometeraacute perjuacuterio Mas se os adquiriu graccedilas a isso143

Praxaacutegora

Acredite nada seraacute aproveitaacutevel de todas essas coisas

Bleacutepiros

Como assim

Praxaacutegora

Ningueacutem faraacute mais nada por causa da pobreza pois todos sem exceccedilatildeo vatildeo ter de tudo144 605

patildeo peixe farinha manto vinho coroa gratildeo-de-bico

Nessas condiccedilotildees qual a vantagem de natildeo entregar Se vocecirc souber mostre

Bleacutepiros

Mas natildeo eacute verdade que nos dias de hoje os que mais roubam satildeo os que possuem essas coisas

Vizinha

Antigamente sim meu caro quando sofriacuteamos por causa de leis de tempos passados

Mas agora haveraacute uma vida em comum qual a vantagem de natildeo depositar

Bleacutepiros

Se vendo uma garotinha algueacutem se apaixona e quer se divertir 611

tomando-a dos outros ele poderaacute devolvecirc-la e teraacute sua parte dos bens em comum

depois de dormir com ela

Praxaacutegora Mas natildeo apenas seraacute permitido a ele passar a noite gratuitamente

como tambeacutem as torno comum para se deitarem com os homens

BleacutepirosE natildeo eacute possiacutevel entatildeo todos irem 615

atraacutes da mais bela de todas tentando agarraacute-la

141 No original Vocecirc vai comer merda antes de mim Esta expressatildeo talvez seja de caraacuteter proverbial

Praxaacutegora quer simplesmente dizer a Bleacutepiro que ele estaacute se antecipando 142 Os daacutericos (δαρεικόι) eram moedas de ouro persa exatamente do mesmo valor que o estater aacutetico moeda

cujo valor era muacuteltiplo da dracma (cf Lavedan 1931 319 893 Jardeacute 1977 229-230) 143 O perjuacuterio era consequumlecircncia da corrupccedilatildeo nas instituiccedilotildees aacuteticas cf Lavedan (1931 873-874) 144 A proposta de erradicaccedilatildeo da pobreza estaacute tambeacutem em outra cena aristofacircnica (cf Pluto vv510-526)

295

Praxaacutegora

As mocreacuteias e de nariz achatado se sentam ao lado das gostosas

e entatildeo se algueacutem desejar uma delas teraacute de tocar antes uma feia

Bleacutepiros

E quanto a noacutes os velhos se transarmos com as feias 619 nosso membro natildeo nos abandonaraacute antes de chegarmos aiacute onde vocecirc estaacute falando

Praxaacutegora

Elas natildeo brigaratildeo por causa de vocecirc pode confiar Natildeo tenha medo Natildeo brigaratildeo mesmo

Bleacutepiros

Por causa de quecirc

Praxaacutegora

Por natildeo dormires com elas E para vocecirc isso eacute uma vantagem

Bleacutepiros

Muito bem pensado esse seu propoacutesito pois foi deliberado de tal maneira que

Natildeo ficou nenhuma brecha E o que seraacute dos homens 625

Pois elas fugiratildeo dos feios e iratildeo pra cima dos bonitotildees

Praxaacutegora

Mas os feiosos vigiaratildeo os bonitotildees que saem

apoacutes o jantar e ficaratildeo de olho neles nos lugares puacuteblicos

Natildeo seraacute permitido agraves mulheres passar a noite com os bonitotildees e tambeacutem com os fortotildees

antes de agradarem os feios e os baixinhos

Bleacutepiros

Agora eacute que o Lisiacutecrates com aquele nariz vai ter uma vida de garanhatildeo145 630

Praxaacutegora

Por Apolo O propoacutesito eacute democraacutetico e a zombaria

com os bonitotildees seraacute muita e tambeacutem com os ricos

quando um peacute de chinelo disser ―Primeiramente vocecirc cede e entatildeo espera

quando eu jaacute tiver chegado ao fim passo adiante para vocecirc desempenhar o segundo papel

Bleacutepiros

Como entatildeo nessas condiccedilotildees cada um de noacutes pode viver 635

e seraacute capaz de reconhecer os proacuteprios filhos

Praxaacutegora

Por quecirc Haacute necessidade Elas vatildeo considerar como pai todos

os que satildeo mais velhos entre eles conforme a idade

Bleacutepiros

Consequumlentemente as crianccedilas vatildeo estrangular cada velho pra valer um a um

graccedilas agrave ignoracircncia pois jaacute nos dias de hoje que conhecem quem eacute o pai

o estrangulam146 O que aconteceraacute eu te pergunto quando for desconhecido

Como dizer que nessas alturas dos acontecimentos natildeo vatildeo ter uma caganeira 640

Praxaacutegora Mas aquele que estiver perto natildeo permitiraacute Antes ningueacutem se preocupava com os pais

dos outros em quem se batia mas agora quando se ouve bater

145 Segundo Sousa e Silva (As Mulheres no Parlamneto 1988136) Lisiacutecrates possuiacutea aleacutem de um nariz

grotesco o cabelo tingido de preto que causava uma impressatildeo desagradaacutevel 146 Outras cenas aristofacircnicas em que os filhos maltratam os pais As Vespas vv 1037-1039 As Aves vv 757-

759 1347 As Ratildes v 274 e As Nuvens vv 1321-1451 Sousa e Silva (As Mulheres no Parlamento 1988 136-

137) cita Mac-Dowell e segundo este autor os pais estariam protegidos por lei em caso de maltratos pelos

filhos que perderiam seus direitos civis

296

em algueacutem eacute bem possiacutevel que o fulano com medo que seja ele proacuteprio o proacuteprio pai que se machuque lutaraacute

com os agressores

Bleacutepiros

Nada mal essas coisas que vocecirc estaacute dizendo mas se Epicuro se aproximar

ou Leucoacutelofo147 e me chamar de ―papai ouvir isso nessas circunstacircncias eacute terriacutevel 645 Vizinha Por outro lado bem mais terriacutevel do que isso eacute uma situaccedilatildeo embaraccedilosa

Bleacutepiros De que tipo

Vizinha Se Aristilo148 te beijasse pensando que vocecirc eacute pai dele

Bleacutepiros Ia se arrepender de levar tanta porrada

Vizinha A coisa ia feder pro seu lado149

Praxaacutegora

Mas esse fulano nasceu primeiro antes de aparecer o decreto

entatildeo natildeo haacute motivo para temer eacute bem possiacutevel que ele te lasque uma beijoca

Bleacutepiros Soacute me faltava essa agora 650

Mas e a terra quem a cultivaraacute

Praxaacutegora Os escravos Quanto a vocecirc vocecirc deve se preocupar

Quando estiver anoitecendo150 na hora de ir radiante pra janta

Bleacutepiros E para a roupa Qual sua proposta Isso eacute um problema que tem de ser discutido

Praxaacutegora No iniacutecio as coisas que pertencem a vocecircs estaratildeo agrave disposiccedilatildeo as outras restantes noacutes

teceremos

Bleacutepiros Mais uma pergunta e se algueacutem eacute condenado a pagar uma multa

diante dos magistrados 655

De que lugar vai tirar dinheiro para pagar a multa151 Do fundo comum Isso natildeo eacute justo

Praxaacutegora Mas em primeiro lugar natildeo vai haver nenhum julgamento

Bleacutepiros Essa tua fala aiacute vai te arruinar152

Vizinha Tambeacutem sou da mesma opiniatildeo

Praxaacutegora Por causa de quecirc infeliz haveraacute

Bleacutepiros

Por causa de muitas razotildees por Apolo Em primeiro lugar por causa desta certamente

Se algueacutem que eacute condenado se recusar a pagar a diacutevida 660

Praxaacutegora

Entatildeo onde o credor empresta dinheiro

se todas as coisas pertencem ao fundo comum Eacute evidente que ele rouba

Vizinha

Por Demeacuteter vocecirc explicou bemBleacutepiros

Ok entatildeo como ela me explica isto

como os que satildeo de briga vatildeo pagar a diacutevida se cada vez que

147 Epicuro e Leucoacutelofo satildeo personalidades desconhecidas Este uacuteltimo eacute por sua vez mencionado em As Ratildes

v 1517 148 Aristilo tambeacutem eacute mencionado em Pluto v 314 Tratava-se de um sujeito de maus haacutebitos 149 Aristoacutefanes faz nessa passagem um jogo de sentidos o vocaacutebulo καλαμiacuteνθη eacute composto de μiacuteνθη

hortelatilde palavra muito proacutexima de μiacuteνθος excremento 150 Literalmente ―quando a sombra sobre o reloacutegio solar for de dez peacutes Trata-se de um sistema para estabelecer

as horas atraveacutes de um reloacutegio solar em forma de disco cuja sombra projetada determinava a hora (Cf

Lavedan 1931529-530) 151 A receita da polis era obtida por rendimentos dos bens puacuteblicos dos impostos indiretos como alfacircndega

pedaacutegio vendas multas e custas judiciaacuterias (cf Jardeacute 1977 177-178) 152 A ideacuteia de Praxaacutegora em acabar com os julgamentos e por conseguinte com os tribunais tem laacute seus riscos

pois os tribunais eram uma das mais importantes instituiccedilotildees gregas natildeo somente era uma praacutetica da vida

cotidiana dos Atenienses mas tambeacutem bastante lucrativa (cf Mosseacute 1985 72-77 Jardeacute 1977 166-176)

297

festejam abusam Penso que isso vai te deixar em maus lenccediloacuteis Praxaacutegora Com a comida da qual se alimenta Se algueacutem ficar sem ela 665

natildeo abusaraacute facilmente Nessas condiccedilotildees eacute punido novamente pelo estocircmago

Bleacutepiros Entatildeo natildeo existiraacute mais nenhum ladratildeo

Praxaacutegora Como roubaraacute o que pertence a ele

Bleacutepiros em mesmo vatildeo roubar a roupa durante a noite153

Vizinha Natildeo se vocecirc dormir em casa

Praxaacutegora E nem se dormir fora de casa como antes Porque todos teratildeo do que viver

Se algueacutem quiser roubar sua roupa vocecirc mesmo lhe daraacute

Afinal por que lutar nessa circunstacircncia 670

Pois indo-se ao fundo uma outra roupa melhor do que aquela vocecirc conseguiraacute

Bleacutepiros E os homens natildeo vatildeo correr riscos154

Praxaacutegora Por causa do quecirc isso aconteceraacute

Bleacutepiros Que tipo de vida vocecirc vai estabelecer

Praxaacutegora Uma vida comum para todos E quanto agrave cidade

declaro fazer uma habitaccedilatildeo uacutenica destruindo por dentro cada sem exceccedilatildeo a ponto de passarmos das casas de uns para a dos outros155

Bleacutepiros E a comida onde vocecirc vai servir 675

Praxaacutegora Nos tribunais e nos poacuterticos156 eu vou transformar todos em restaurantes

Bleacutepiros E a tribuna157 para vocecirc qual seraacute sua utilidade

Praxaacutegora Colocarei jarras

e tambeacutem potes dlsquoaacutegua e seraacute possiacutevel agraves criancinhas recitar158

os feitos dos homens corajosos na guerra e se algum covarde aparecer

que a vergonha o empeccedila de comer

Vizinha Por Apolo nada mal 680

BleacutepirosE as urnas de sorteio159 onde vocecirc vai colocar

Praxaacutegora Na aacutegora colocarei

Depois coloco todos ao peacute do Harmoacutedio160 e os submeterei ao sorteio161 ateacute para saber qual ganhador que alegrando-se com a tiragem de cada letra vai jantar

O arauto proclamaraacute aos da letra ―beta se seguir ateacute o poacutertico 684

Baseleion para jantar jaacute os da letra ―teta seguem para o poacutertico ao lado

E vatildeo para o poacutertico onde se vende farinha os da letra ―kapa162

153 Bleacutepiros refere-se ironicamente agrave cena em que Praxaacutegora pegou dele o manto e outros pertences na calada da

noite (cf vv 510-512) 154 O verbo empregado eacute κυβεuacuteω cujo primeiro sentido eacute jogar dados portanto um jogo de azar Daiacute esse verbo

assumir o sentido de correr riscos 155 Essa proposta de Praxaacutegora eacute anaacuteloga agrave atitude dos plateus que ao saberem da invasatildeo dos tebanos juntaram-

se chegando agraves casas uns dos outros atraveacutes de fossos cavados ao longo das muralhas para natildeo serem vistos caminhando nas rua (cf Tuciacutedides 1986 II 3)

156 Certamente a escolha de Praxaacutegora deve-se ao fato de esses lugares assumirem importantes funccedilotildees puacuteblicas 157 Trata-se de uma plataforma com uma estaacutetua de Zeus Agoreu Neste lugar eram realizadas as sessotildees na

assembleacuteia presididas pelos priacutetanes 158 As letras compreendiam uma das trecircs partes da educaccedilatildeo ateniense O aluno aprendia de cor os versos de

Homero de Hesiacuteodo entre outras poesias de cunho moral e religioso Sobre a educaccedilatildeo ateniense cf Marrou

1969) Outras cenas aristofacircnicas em que presenciamos a recitaccedilatildeo As Nuvens vv 1354-1372 A Paz vv

1265-1304 159 As urnas de sorteio eram utilizadas pelo Conselho (βουλη) e pela magistratura para a escolha de funccedilotildees

puacuteblicas Sobre este assunto cf Jardeacute (1977 166-176) e Mosseacute (1985 49-77) 160 Trata-se da estaacutetua de Harmoacutedio libertador de Atenas do domiacutenio dos tiranos colocada na aacutegora 161 Praxaacutegora estabelece uma reparticcedilatildeo anaacuteloga agrave maneira como os juiacutezes eram escolhidos sorteio feito com as

dez primeiras letras do alfabeto de alfa a kapa e cada letra indicava o local de exerciacutecio de cada juiz 162 Segundo Sousa e Silva (As Mulheres no Parlamento 1988 139) a letra beta indica o βασιλειος Poacutertico

Real a letra teta se refere ao θησειος poacutertico vizinho em que havia um mural cuja decoraccedilatildeo representava

Teseu a Democracia e o Povo Jaacute a letra kapa natildeo faz referencia a nenhum lugar Trata-se de um jogo de

palavras com a inicial do verbo καπτω (engolir devorar) Na traduccedilatildeo tentou-se manter o jogo foneacutetico entre

a letra kapa do sorteio com a inicial do verbo em grego

298

Bleacutepiros

―Kaptei para comer o quanto quiser

Praxaacutegora

Por Zeus mas para que laacute se alimentem

Bleacutepiros

E para quem a letra

natildeo tenha sido sorteada o fulano vai comer Ou todos sem exceccedilatildeo seratildeo excluiacutedos dissoPraxaacutegora

Mas isso natildeo vai acontecer com a gente

pois a todos forneceremos tudo com abundacircncia 690

de modo que cada um (v692) apoacutes ter se embriagado

volte para casa com a mesma coroa e carregando tochas163

As mulheres nas ruas

ao encontrarem com os que estatildeo saindo da comilanccedila

assim vatildeo lhes dizer ―aqui em nossa casa 695

aqui mesmo haacute uma jovem na flor da idade

―e na minha casa haacute uma outra

algueacutem diraacute do alto da casa

―muito bela e tambeacutem com uma pele de porcelana

Antes dela entretanto eacute preciso que vocecirc durma comigo 700

E seguindo os bonitotildees

aos jovens os feiotildees

assim vatildeo lhes dizer ― Ei vocecirc aiacute para onde estaacute correndo

Vocecirc natildeo faraacute absolutamente nada indo laacute

pois para os de nariz chato e feios 705

foi decretado trepar em primeiro lugar

e vocecircs durante todo esse tempo pegando folhas

de duas espeacutecies de figo

masturbem-se na porta da frente

Agora vamos Digam-me isso agrada aos dois

Bleacutepiros e Vizinha

Agrada sim 710

163 A presenccedila de coroa durante as refeiccedilotildees e as tochas durante o cortejo se justifica porque na origem as

refeiccedilotildees eram um ato religioso (cf Lavedan 1931 302-303 824 963) Esta praacutetica se manteve com os

convivas coroados e com tochas percorrendo as ruas da polis em alegre cortejo

299

Pluto ndash agon (vv 486-618)

Co Eacute necessaacuterio que vocecircs digam imediatamente algo de saacutebio

com que vocecircs venceratildeo essa aiacute

contradizendo-a nos discursos sem dar moleza

Cr Creio que estaacute claro e todos concordam 489

que eacute justo que os homens honestos sejam felizes

e os maus e ateus sejam submetidos agrave sorte contraacuteria naturalmente

Noacutes entatildeo desejando ardentemente isso e para que se realize

encontramos com dificuldade

um plano belo nobre e praticaacutevel em todos os sentidos

Pois se Pluto vir agora mesmo e natildeo vagar como cego

vai se dirigir para a casa dos homens bons e natildeo os abandonaraacute 495

mas evitaraacute os maus e os ateus E depois vai transformar

todos em gente de bem e ricos natildeo eacute

E tambeacutem respeitadores das coisas divinas

Na verdade quem poderia descobrir coisa melhor para os homens

Bl Ningueacutem Eu lhe sou testemunha disso Natildeo faccedila mais perguntas natildeo a essa aiacute

Cr Como a vida eacute para noacutes homens Quem natildeo vai pensar que eacute loucura e ainda melhor

infortuacutenio 500

Afinal muitos homens que satildeo maus enriquecem

agrave custa de coisas injustamente adquiridas Enquanto muitos que satildeo bons

se datildeo mal e frequumlentemente passam fome estando em sua companhia

Natildeo declaro que se Pluto recuperar a visatildeo vai parar essa aiacute

Haveria um caminho pelo qual seguindo forneceria os maiores bens aos homens 506

Pe Oh de todos os homens vocecircs satildeo os que mais facilmente se deixaram levar pela

falta de bom senso

Dois velhotes companheiros da loucura e do deliacuterio

Se acontecesse isso que vocecircs querem digo aos dois que natildeo seria um bom negoacutecio

Se Pluto vir novamente e se repartisse por igual 510

Ningueacutem dentre os homens praticaria nem arte nem sabedoria

300

Para vocecircs dois essas coisas eliminadas

quem vai querer trabalhar o bronze construir navios costurar fabricar rodas

trabalhar o couro fazer tijolos ser tintureiro ou curtidor

ou colher o fruto de Demeacuteter da terra com arados tendo sulcado o chatildeo duro 515

se for permitido a vocecircs viverem ociosos despreocupados de tudo

Cr Estaacute dizendo bobagens Porque isso que vocecirc acaba de enumerar

os escravos vatildeo se encarregar

Pe De onde vocecirc vai conseguir escravos

Cr Compraremos com dinheiro sem duacutevida

Pe Pra comeccedilar quem seraacute o vendedor se esse tiver dinheiro

Cr Um traficante vindo da Tessaacutelia 520

paiacutes de inuacutemeros ladrotildees de escravos

PeMas antes de mais nada natildeo haveraacute nem um uacutenico traficante de escravos

segundo o raciociacutenio do qual vocecirc fala sem duacutevida Quem entatildeo vai querer

sendo rico arriscar a vida para fazer isso

Desse modo vocecirc mesmo seraacute forccedilado a arar cavar a terra e suportar 525

as demais tarefas Vai levar uma vida bem mais dolorosa do que agora

Cr Que isso cai sobre tua cabeccedila

Pe E mais vocecirc natildeo poderaacute dormir nem sobre um leito ndash jaacute que natildeo vai haver mais ndash

nem sobre tapetes ndash porque quem vai querer tececirc-los se tiver dinheiro

nem poderaacute perfumar com perfumes raros sua noiva durante o cortejo

nem enfeitaacute-la com mantos tingidos de muitas cores 530

Ora que vantagem vocecircs tecircm em serem ricos se estatildeo privados de tudo isso

Graccedilas a mim ao contraacuterio eacute faacutecil conseguir tudo o que falta a vocecircs porque

como uma patroa forccedilo o artesatildeo

atraveacutes da necessidade a procurar um meio de ganhar a vida

Cr Que bem vocecirc poderia proporcionar a natildeo ser queimaduras nos banhos

e um bando de criancinhas e velhinhas esfomeadas 536

E o nuacutemero de piolhos e mosquitos pulgas nem te falo

tamanha a quantidade que nos importunam zunindo em volta da cabeccedila

e nos despertando dizendo ―Levanta pra passar fome

301

E aleacutem disso ao inveacutes de se ter um manto teremos um trapo ao inveacutes de leito

esteira de junco cheia de percevejos que acordam os que tentam dormir 541

ao inveacutes de cobertor um pano podre ao inveacutes de travesseiro

uma pedra bem grande sob a cabeccedila ao inveacutes de comer patildeo

comeremos brotos de malva ao inveacutes de bolo folhas murchas de rabanetes

ao inveacutes de um banco uma tampa de pote quebrada ao inveacutes de uma tigela

um flanco de tonel tambeacutem esse quebrado Acaso 546

natildeo mostrei a quantidade de ―bens que vocecirc causa para todos os homens

Pe Vocecirc natildeo falou da minha vida mas fez alusatildeo agrave vida dos mendigos

Cr Entatildeo natildeo eacute verdade que dizemos ser a Pobreza irmatilde da mendicidade

Po Sim vocecircs que tambeacutem dizem ser Dionisio semelhante a Trasiacutebulo164

550

Mas a vida de mendigo da qual vocecirc estaacute falando eacute viver sem ter nada

A do pobre eacute viver poupando e se dedicando ao trabalho

Sem a ele sobrar nem certamente nada faltar

Cr Por Demeter Que vida feliz vocecirc nos descreve 555

poupar e penar sem ao menos ter recursos para o sepultamento

Pe Vocecirc estaacute tentando me gozar e me ridicularizar sem se preocupar em falar seacuterio

Vocecirc natildeo sabe que eu torno os homens melhores do que Pluto

tanto na mente quanto no fiacutesico Com ele os homens satildeo reumaacuteticos

barrigudos de pernas grossas e exageradamente gordos 560

Comigo eles satildeo magros com cintura de vespas e desagradaacuteveis ao inimigo

Cr Vai ver que eacute pela fome que vocecirc lhes obriga a ter cintura de vespa

Pe Vou falar agora sobre a discriccedilatildeo e provarei

que a dececircncia mora comigo e a desmedida com Pluto

Cr Quer dizer que discriccedilatildeo eacute roubar e arrombar muros 565165

164 Dionisio foi tirano de Siracusa e Trasiacutebulo foi um ateniense que expulsou os Trinta Tiranos no final de 404

aC 165 Segundo Sommerstein (2001 86176) o verso 566 seria uma fala de Blepsidemo ―Sim por Zeus Se o ladratildeo

deve agir escondido como dizer que ele natildeo eacute discreto Mas o texto foi corrompido e o verso estaacute fora da

meacutetrica

302

Pe Veja os oradores na cidade enquanto satildeo pobres satildeo honestos 567

com o povo e com a cidade mas uma vez enriquecidos agrave custa do

dinheiro puacuteblico imediatamente se tornam desonestos

e conspiram contra a multidatildeo e declaram guerra ao povo 570

Cr Nisso pelo menos vocecirc natildeo estaacute mentindo embora sendo completamente difamadora

Mas nem por isso vocecirc vai chorar menos E natildeo se orgulhe disso

jaacute que estaacute nos tentando convencer de que eacute melhor

a Pobreza do que a Riqueza

Pe Em todo caso vocecirc natildeo eacute capaz de me convencer nesse ponto

Vocecirc soacute diz asneiras e palavras soltas no ar166

Cr Entatildeo como todos sem exceccedilatildeo fogem de vocecirc 575

Pe Eacute porque os torno melhores Aliaacutes pode-se ver nas crianccedilas

Fogem dos pais porque eles pensam no melhor para elas

Assim eacute tarefa difiacutecil distinguir o que eacute justo

Cr E Zeus Vocecirc diria que ele natildeo sabe diferenciar o que eacute melhor

Pois ele tambeacutem possui a Riqueza

Bl E essa aiacute ele manda pra noacutes 580

Pe Ora vamos vocecircs dois tecircm eacute remela na mente remela do tempo de Cronos

Zeus eacute pobre Vou provar isso para vocecirc

Se fosse rico como eacute que nos jogos oliacutempicos

onde todos os gregos sempre se reuacutenem de quatro em quatro anos

apoacutes proclamar os vencedores coroa-os 585

com uma coroa de oliveira Pelo menos com uma de ouro se ele fosse rico

Cr Com isso ele natildeo demonstra que eacute preso agrave Riqueza

Ele poupa para natildeo gastar colocando uma ninharia

na cabeccedila dos vencedores e guardando a Riqueza para si

Pe Mais vergonhoso do que a Riqueza eacute o que vocecirc tenta lhe atribuir 590

Se sendo ele eacute rico eacute tatildeo avarento e mesquinho

Cr Oxalaacute Zeus te extermine apoacutes ter te coroado com uma coroa de oliveira

Pe E pensar que vocecircs ousam negar que todos os bens que vocecircs tecircm

natildeo vem da Pobreza

Cr Podemos ir perguntar isso agrave Heacutecate

166 A expressatildeo refere-se ao verbo πτερυγιacuteζειν ―bater as asas

303

se eacute melhor ser rico ou famigerado Afinal ela mesma diz que 595

aqueles que tecircm posses e satildeo ricos lhe tragam uma refeiccedilatildeo conforme a lua

mas os pobres a roubam antes mesmo que ela seja oferecida

Entatildeo vai se danar e nem mais um pio

Nem se vocecirc me persuadir natildeo vou ficar persuadido 600

Pe Oacute cidade de Argos Vocecircs ouviram o que ele estaacute dizendo

Cr Invoque o Paacuteuson seu companheiro de mesa

Pe O que eacute que vai ser de mim infeliz que sou

Cr Vai se danar bem longe de noacutes

Pe Mas pra onde irei nessa terra 605

Cr Que tal o tronco E vamos acabar com isso

Pe Um dia vocecircs dois ainda vatildeo me chamar de volta

Cr Quem sabe um dia vocecirc voltaraacute Mas agora vai se danar 610

Pra mim eacute melhor ser rico

Mesmo tendo que deixar vocecirc dar esses gritos batendo com as matildeos na cabeccedila

Bl Quanto a mim por Zeus quero ser rico

para viver bem com meus filhinhos

e com minha esposa e depois de tomar banho 615

sair limpiacutessimo do balneaacuterio

e peidar na cara dos artesatildeos

e na cara da Pobreza

IacuteNDICE

ONOMAacuteSTICO

305

Acarnenses 16 21 23 25 28 29 31 34

35 38 43 44 45 47 49 104 106 107

109 110 113 114 117 119 120 125

133 137 140 150 152 155 164 178

180 181

Assembleacuteia de mulheres 15 17 25 28

51 132 143 147 156 158 160 161

162 164 165 173 177 179 180

Aves 15 16 24 25 28 38 51 79 132

136 137 138 140 142 146 148 150

158 160 166 169 176 179 180

Cavaleiros 16 24 28 29 43 46 50 53

54 55 56 58 60 61 67 69 74 79 86

91 97 98 104 117 120 134 150 151

168 169 176 178 180

Lisiacutestrata 16 17 25 28 34 43 47 51

132 136 147 148 150 151 152 153

154 155 156 158 160 162 172 176

178 180

Nuvens 16 17 19 23 24 26 28 30 43

50 53 67 68 69 70 71 77 90 91 95

104 122 165 168 171 176 177 178

179 180

Paz 15 17 21 22 25 28 31 35 38 51

106 125 127 128 129 130 131 132

133 134 135 164 177 178

Pluto 15 17 22 25 28 38 43 51 76

162 164 166 167 169 171 172 173

174 177 179 180 181

Ratildes 16 17 23 24 26 28 30 42 51 53

66 67 75 89 90 91 92 93 97 102

103 104 122 123 168 176 177 178

179 180

Tesmoforiantes 15 16 21 26 28 29 31

35 38 47 50 106 118 119 120 121

123 124 126 143 156 178 179 180

181

Vespas 16 17 23 24 25 28 31 38 42

43 50 53 65 67 77 78 79 80 83 85

86 89 91 104 114 117 120 137 140

150 168 176 177 178 180

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