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Como exilados de um céu distante Antero de Quental e Giacomo Leopardi na ‘modernidade antimoderna’ Andrea Ragusa Março, 2016 Tese de Doutoramento em Estudos Portugueses

Como exilados de um céu distante Antero de Quental e ... Ragusa_Tese de... · AS EXILED OF A DISTANT HEAVEN Antero de Quental and Giacomo Leopardi in the ‘anti-modern modernity’

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Como exilados de um céu distante

Antero de Quental e Giacomo Leopardi na ‘modernidade antimoderna’

Andrea Ragusa

Março, 2016

Tese de Doutoramento em Estudos Portugueses

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Tese apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de

Doutor em Estudos Portugueses, realizada sob a orientação científica do Professor

Doutor Gustavo Rubim.

Apoio financeiro da FCT e do FSE no âmbito do III Quadro Comunitário de Apoio.

Esta tese foi realizada com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (2013-2016) Bolsa de Doutoramento SFRH/BD/87103/2012.

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A Giorgia

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Gina e Salvatore, e à minha irmã, Chiara, por sua constante e

discreta presença, e ainda pela compreensão e pelo carinho para comigo; a Giorgia, pela

minuciosa revisão do texto e das notas, pelas deslumbrantes sugestões leopardianas, mas

sobretudo por ter sido o meu pilar ao longo destes anos.

Quero também expressar o meu vivo reconhecimento ao Prof. Gustavo Rubim, pelo

apoio e pela maneira sempre amigável e frutuosa de me aconselhar, mas principalmente por ter

sido um ponto de referência imprescindível para a construção desta tese; à D.ra Ana Maria

Almeida Martins, pelos livros que me ofereceu, e ainda pelos conselhos, fundamentais para o

desenvolvimento do presente trabalho; a Prof.ra Valeria Tocco, pela disponibilidade e pelo

apoio durante a estadia na Universidade de Pisa; ao Prof. Rolando Damiani, por me ter ajudado

a aprofundar a leitura do universo leopardiano; ao Prof. Abel Barros Baptista e ao Prof. António

Fournier, pelas preciosas sugestões de pesquisa; ao Prof. Luís Fagundes Duarte, por me ter

disponibilizado alguns resultados do seu trabalho filológico sobre a poesia de Antero; ao Dr.

Pedro Pascoal de Melo (Instituto Cultural de Ponta Delgada), por me ter facultado as

digitalizações que se reproduzem nos anexos, provenientes do acervo de Antero de Quental

conservado na Biblioteca Pública de Ponta Delgada; à D.ra Manuela Rêgo e ao Dr. Luís de Sá

(Biblioteca Nacional de Portugal), pelas informações bibliográficas e pela documentação que

me forneceram; ao Dr. Filipe Silva por me ter facultado alguns materiais provenientes do

espólio de Joaquim de Araújo conservado na Biblioteca Municipal de Penafiel.

Ainda um grande obrigado a todos aqueles amigos que me acompanharam ao longo

deste caminho e que sempre me ajudaram, directa ou indirectamente: Fabio Mascolo, Amanda e

Antonio Scopelliti, Emanuela Consuelo Virone, Andrea Gatta, Nuno Figueiredo, Manuele

Masini, Pablo Javier Pérez López, Lilian Pestre, Fabrizio Boscaglia, Clelia Bettini, Daniele

Chiodini, Mauro Carrero, Giulia Panfili, Giulio Vitale, Giuliano Mischi, Virna Dutra, Fabio

Napolitano, Giulia Giannini, Gianfranco Ferraro, Sonia Eretta, Riccardo Greco, Sara Afonso

Ferreira, Mariana Pinto dos Santos e Rui Miguel Ribeiro.

Um particular agradecimento à Fundação Calouste Gulbenkian de Lisboa, que apoiou

este trabalho com uma Bolsa de Investigação durante o período Setembro 2011-Maio 2012.

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COMO EXILADOS DE UM CÉU DISTANTE

Antero de Quental e Giacomo Leopardi na ‘modernidade antimoderna’

Andrea Ragusa

RESUMO

PALAVRAS-CHAVE: Antero de Quental, Giacomo Leopardi, lírica subjectiva,

‘pensamento poetante’, pessimismo, antimodernos.

Nesta tese desenvolve-se uma aproximação entre a obra de Antero de Quental e a de

Giacomo Leopardi a partir da leitura dos Sonetos Completos e dos Canti, considerando

a sua ideação e construção, analisando pontos de conexão e de divergência. A relação

entre os dois poetas e as respectivas obras estabelece-se já na maneira de entender a

poesia, a sua significação social e as suas condições modernas de existência, numa

ponderação histórica da poesia comum aos dois escritores. Essa reflexão introduz a

análise da produção poética e do diálogo entre ‘pensamento poetante’ e ‘poesia

pensante’ que percorre e aproxima as duas obras, valorizando o modo de conceber o

livro e a «colecção» poética, além da forma que para essa poesia se torna necessária. Da

ideia de livro entendido como «autobiografia» e como produto de

uma actualidade poética, a análise leva para um dos maiores terrenos comuns entre os

dois escritores: a visão que gera uma concepção pessimista do indivíduo e da história.

Nessa óptica, é abordada também a «conversão» da poesia para a filosofia, e a

concepção de um «sistema», observados, em última instância, através da

lente antimoderna de Antoine Compagnon.

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AS EXILED OF A DISTANT HEAVEN

Antero de Quental and Giacomo Leopardi in the ‘anti-modern modernity’

Andrea Ragusa

ABSTRACT

KEYWORDS: Antero de Quental, Giacomo Leopardi, subjective poetry, ‘poetizing

thought’, pessimism, anti-moderns.

This thesis seeks to investigate a connection between the work of Antero de Quental and

Giacomo Leopardi based on Sonetos Completos and Canti, considering its ideation and

construction, analysing proximities and divergences. The relationship between the two

poets and their works is grounded in their way of understanding poetry in its social

significance and in its modern conditions of existence, from an historical point of view

common to both writers. This reflection presents the analysis of the poetic production

and of the dialogue between ‘poetizing thought’ and ‘thinking poetry’ which defines and

places near the two works, highlighting the value of the concept of book and of poetic

‘collection’, going beyond the form in which poetry has necessary to be built. Starting

from the idea of the book understood as ‘autobiography’ and as the result of a poetic

present, the investigation leads then to an undeniable common ground shared by the two

writers: a vision that creates a pessimistic conception of the individual and history. From

this perspective, it will be also considered the ‘conversion’ from poetry to philosophy

and the concept of 'system', observed, ultimately, through the anti-modern point of view

of Antoine Compagnon.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ........................................................................................... p. 1

PARTE I

LEITURAS DE LEOPARDI

CAPÍTULO I: RUMOS PARA UM ENCONTRO

1.1 Leopardi na cultura crítica do século XIX ................................. 13

1.2. Uma recepção indirecta. ........................................................... 24

CAPÍTULO I I: NA BIBLIOTECA DE ANTERO

2.1 Na senda do ‘poète du pessimisme’ ......................................... 35

2.2. Um mais íntimo conhecimento................................................. 42

PARTE II

AUTOBIOGRAFIAS POÉTICAS

CAPÍTULO III : PERSPECTIVA CRÍTICA E CRIAÇÃO LITERÁRIA

3.1 Leopardi ou a poesia subjectiva ............................................... 51

3.2. As formas da poesia: soneto, ode, ‘canzone libera’ ................. 64

CAPÍTULO IV: A CONSTRUÇÃO DE UM ‘CICLO’

4.1 O livro dos Canti ....................................................................... 79

4.2. Os Sonetos Completos: «pastiche psicológico»

e voz dramática. ....................................................................... 93

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PARTE III

DO ‘MAL DO SÉCULO ’ À ‘MODERNIDADE ANTIMODERNA ’

CAPÍTULO V: ECOS LEOPARDIANOS NA POESIA DE ANTERO

5.1 O ultimo ‘ciclo’ e o Album de Vila do Conde ....................... 115

5.2. «Que sempre o mal pior é ter nascido». ................................. 140

CAPÍTULO VI: O ‘PENSAMENTO POETANTE’

6.1 «Conversão», negação e optimismo «transcendente» ........... 169

6.2. Antero e Leopardi, ‘antimodernos’?. ..................................... 187

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................ 199

ANEXOS ................................................................................................... 217

L ISTA DE FIGURAS .................................................................................. 241

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LISTA DE ABREVIATURAS

Obras de Antero de Quental

C1 Cartas, leitura, organização, prefácio e notas por Ana Maria Almeida Martins, Lisboa, INCM, 2009, 3 vols., vol. I (1852 a 1856).

C2 Cartas, vol. II (1877 a 1885).

C3 Cartas, vol. III (1886 a 1891).

OM Odes modernas, edição organizada, prefaciada e anotada por António Sérgio, Lisboa, 2009.

PEC Prosas da Época de Coimbra, edição crítica organizada por António Salgado Júnior, Lisboa, Sá da Costa,1982.

PNA A poesia na Actualidade, apresentação crítica de Joaquim-Francisco Coelho, Vila do Conde, Centro de Estudos Anterianos, 1999.

PR Primaveras Românticas. Versos dos vinte anos, prefácio de Nuno Júdice, Lisboa, Ulmeiro, 1983.

REL Raios de Extinta Luz, prefácio de António Salgado Júnior, notas de José Bruno Carreiro, Lisboa, Couto Martins, 1948.

S Sonetos, organização, introdução e notas de Nuno Júdice, Lisboa, INCM, 2002.

Obras de Giacomo Leopardi

L Lettere, a cura e con un saggio introduttivo di Rolando Damiani, Milano, Mondadori, 2006.

PP1 Poesie e prose, a cura di Rolando Damiani e Mario Andrea Rigoni; con un saggio di Cesare Galimberti, Milano, Mondadori, 1987, vol. I.

PP2 Poesie e prose – vol. II

Z1 Zibaldone, edizione commentata e revisione del testo critico a cura di Rolando Damiani, Milano, Mondadori, 1987 – vol. I

Z2 Zibaldone – vol. II

Z3 Zibaldone – vol. III

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COMO EXILADOS DE UM CÉU DISTANTE

ANTERO DE QUENTAL E GIACOMO LEOPARDI NA ‘MODERNIDADE ANTI-MODERNA’

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…porém a poesia de Antero não é discípula de coisa alguma.

FERNANDO PESSOA

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INTRODUÇÃO

Vigny. Espanto-me de não achar dele vestígio em Antero. ¿Haverá poeta mais irmão do dos Sonetos em toda a literatura do século XIX ?

ANTÓNIO SÉRGIO

I. O propósito de estabelecer uma aproximação entre as obras de Antero de

Quental e Giacomo Leopardi despertou o fascínio de leitores e críticos já desde o século

XIX , e, com efeito, são inúmeros os ‘vestígios’ leopardianos que se podem porventura

detectar na obra do poeta micaelense, mesmo após uma primeira leitura. Todavia, é

preciso interrogar-se sobre um aspecto fundamental: entende-se por ‘vestígio’ uma

influência directa? Um paralelismo na senda do mal du siècle? Uma analogia formal,

textual ou até ‘psíquica’, como pretendia Sousa Martins? Ou serão apenas todas essas

interrogações o resultado de uma análise ainda marcada por um paradigma crítico pouco

flexível e parcialmente influenciado por uma abordagem positivista?

Os primeiros comentadores que procuraram encontrar um denominador comum

para essa aproximação focaram-se principalmente na faceta ‘melancólica’ que

emparelharia a obra dos dois poetas. Por exemplo, em As Modernas Ideias na

Litteratura Portugueza, Teófilo Braga – que, segundo consta, foi também o primeiro,

em termos cronológicos, a elaborar um paralelo nesse sentido – defendia que o

«idealismo» anteriano continuaria «as concepções do Pessimismo de Schopenahuer»1

sendo o filósofo alemão o elo de conjunção entre o «lyrismo» de Leopardi e a obra de

Antero. Em 1892, o erudito siciliano Tommaso Cannizzaro – sincero admirador da

poesia leopardiana, além de correspondente epistolar do autor dos Sonetos Completos e

posteriormente tradutor da sua obra – ao homenagear Antero na Nova Alvorada definia

Antero como um «Lusitano Leopardi»:

Povero Anthero! Eraclito novello,

Lusitano Leopardi, e tu schiudesti

1 Teófilo BRAGA, As Modernas Ideias na Litteratura Portugueza, com um estudo de Teixeira Bastos, 2 vols., Porto: Lugan e Genelioux, 1892, vol. II, p. 239.

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anzi sera a te stesso il cupo avello. 2

Dois anos depois, o crítico e tradutor inglês Edgar Prestage, no prefácio à edição inglesa

dos sonetos, assim argumentava:

The time is not yet arrived, nor is this the place, for the critical estimate of the

valium of his work, but it may safely be said that he will rank with the foremost poets of the

nineteenth century, in the company of Heine and Leopardi.3

A aproximação dos dois poetas já a partir de finais de Oitocentos não é,

naturalmente, uma coincidência, mas sim o fruto de uma ligação que se patenteia quase

espontaneamente, e que surge, como virá a afirmar anos depois Joaquim de Carvalho,

«para a glória de Antero».4 É importante realçar que também Carolina Michaëlis de

Vasconcelos, no In Memoriam de 1896, se referia ao «renome» de Leopardi como pedra

de toque da fama póstuma de Antero:

Quando lá fora souberam a triste nova, todos, mesmo aquelles que anteriormente

tinham duvidado da espontaneidade e sinceridade dos Sonetos, ajuizando que Anthero nunca

chegaria a ter o renome de um Leopardi, por lhe faltar a tragica sorte daquelle egregio

pessimista, exclamaram unisonos, frementes de saudosa admiração: «So hat er also wirklich

ernst gemacht! so hat er also sein Werk durch died That besiegelt!» Agora sim, que ninguem

tem o direito de duvidar da sua paixão real pelo Nirvâna.5

Em outra passagem do mesmo texto (Anthero e a Allemanha), Carolina

Michaëlis volta a referir-se a Leopardi, salientando o carácter de «fecundação 2 Tommaso CANNIZZARO, «In morte di Anthero de Quental», in Nova Alvorada: revista mensal literária e scientifica, Famalicão, Ano I, nº. 9 (1º de Janeiro de 1892), p. 92. O poema è datado de 18 novembro 1891.

3 Anthero de QUENTAL, Sixty-Four Sonnets, englished by Edgar Prestage, London: David Nutt, 1894, p. 20.

4 Joaquim de CARVALHO , Evolução espiritual de Antero e outros escritos, Angra do Heroismo: Antília, 1983, p. 145.

5 AA.VV., In Memoriam – Anthero de Quental (ed. fac-similada), organização e prefácio por Ana Maria Almeida Martins, Lisboa: Editorial Presença-Casa dos Açores, 1993, p. 425.

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3

involuntária» que a sua obra teria operado no poeta português.6 A essas importantes

considerações da erudita alemã contrapõem-se as afirmações que encontramos em outro

texto incorporado no In Memoriam, a Nosographia de Anthero de Sousa Martins, onde a

aproximação entre Antero e Leopardi surge como exemplo significativo de excesso de

perspectiva biológica, como já notou Jaime Cortesão num importante estudo de 1910.7

No entender do médico de Alhandra, a conexão entre os dois escritores seria o resultado

de uma suposta «degenerescência» que teriam mostrado em vida, a qual se manifestaria

nas respectivas «nevropatias» e se traduziria nas «amaríssimas ironias» das suas obras

literárias. Vale a pena transcrever essa passagem, que, apesar da arbitrariedade das

afirmações que contém é, contudo, uma das primeiras tentativas de aproximar os dois

escritores:

Leopardi, por exemplo, era um degenerado. Com Anthero teve elle mais um ponto

de contacto. A ambos adviera por herança a degenerescencia; ambos tiveram a psycopathia

da duvida; Leopardi namorou-se da Morte e traduziu esse sentimento em palavras, que se

diriam copiadas por Anthero: já considerando-a ‘irmã do Amor’, já invocando-a como ‘bella

e misericordiosa’. Não foi suicida o desventuroso Giacomo; todavia por mais de uma vez se

surprehendeu, debruçado n’uma cisterna, a perguntar a si mesmo se deveria precipitar-se

n’ella, e é de crer que, se um hydropericardio, a meu ver de procedencia brightica, lhe não

houvesse encurtado tão precocemente a existencia, esta teria encontrado em qualquer bala de

revolver o seu ponto final. Vagabondou pelo mundo fora, ainda mais do que Anthero. Eram

cerebraes anteriores um e o outro; ambos cultivaram a mesma forma amorosa, enervante

para o individuo, esterilisante para a espécie; e de Leopardi chegou a dizer-se que morreu

virgem, como Newton – outro genial nevropatha. A desillusão traduziram-n’a os dois poetas

em amarissimas ironias. 8

Abundam neste texto as conclusões apressadas, sendo o ‘paralelismo’ construído

a partir de dados não comprovados, não apenas acerca de Leopardi – que, diga-se de

passagem, se dedicou à reflexão sobre suicídio apenas na óptica do seu «sistema» e da

6 Ibid., pp. 391-392.

7 Cf. Jaime CORTESÃO, A Arte e a medecina. Antero de Quental e Sousa Martinz, Coimbra, Tipografia Franco Amado, 1910.

8 AA.VV., In Memoriam, op. cit., pp. 284-285.

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progressiva evolução do seu pensamento relativamente ao equilíbrio entre natureza e

razão9 – mas sobretudo no que diz respeito à interpretação lombrosiana que Sousa

Martins propõe de Antero. Muito mais profunda é a reflexão de Miguel de Unamuno,

que num célebre texto de 1908 salientava o «desespero» que aproxima os dois poetas,

apontando para uma comunhão transcendente implicitamente sugerida pela citação do

soneto Na mão de Deus:

Antero, com seus irmãos Oberman, Thomson, Leopardi, Kierkegaard – não mais

intensos no seu desespero do que ele – dorme para sempre. O seu coração, já libertado,

dorme o seu sono na mão de Deus, na Sua mão direita, eternamente.10

Com a intensificação dos estudos críticos relativos à obra de Antero, também o

paralelismo com Leopardi se tornou mais frequente. Em 1943, em «La ‘poetica’ di

Antero», Gino Saviotti aproximava Antero e Leopardi em nome da «poesia filosófica»,

nesse caso caracterizada, segundo julgava o crítico italiano, por uma ligação onde

«quello che conta meno è il pensiero, giacché questo, liberato dalla sua speciale forma

che lo rende artistico, è nullo esteticamente».11 Na década de 1960, Giuseppe Carlo

Rossi, no importante ensaio Il Leopardi e il mondo di lingua portoghese, defendia que a

poesia de Antero, mesmo sendo desprovida de «ecos formais» provenientes da obra

leopardiana, remete contudo para os mesmos temas e para as mesmas angústias.12

Sobre a correspondência directa entre as obras destes escritores, existe ainda uma

referência de Aura Montenegro, que propõe o paralelismo entre o soneto Despondency e

Il passero solitario, 13 enquanto Antonio Tabucchi sugere o estudo das eventuais

9 Cf. Marco V IANELLO, Leopardi e il suicidio. Il pensiero-diario nel 1821-22, in Atti dell’Istituto Veneto di Scienze, Lettere ed Arti, Tomo CLIX , 2000-2001, pp. 225-258, p. 225-226.

10 Miguel de UNAMUNO, Portugueses, um povo suicida, Lisboa: Ática-Babel, 2011, p. 8.

11 Gino SAVIOTTI , «La ‘poetica’ di Antero», in Estudos Italianos em Portugal (separata), n. 7-8, 1943, p. 1.

12 Cf. Giuseppe Carlo ROSSI, Il Leopardi e il mondo di lingua portoghese, in Leopardi e l’Ottocento. Atti del II Convegno internazionale di studi leopardiani (Recanati, 1-4 de Outubro de 1967), Firenze: Olschki, 1970, pp. 565-576, p. 566.

13 Cf. Aura MONTENEGRO, «Antero de Quental, Subsídios para a revisão das suas fontes», in Biblos, LII , Coimbra, 1976, pp. 153-162, p. 162.

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conexões entre a lírica leopardiana e os poemas anterianos do período «pessimista».14

Uma contribuição mais extensa é fornecida por Elena Losada Soler no ensaio Antero e

Leopardi: o naufrágio na dor, em que se observa em paralelo o significado de

«naufrágio», de morte libertadora, de «exílio» e resignação que caracteriza a evolução

espiritual dos dois poetas.15

Finalmente, no que diz respeito à obra de Leopardi face às literaturas de língua

portuguesa, destaca-se o volume de Mariagrazia Russo Um só dorido coração.

Implicazioni leopardiane nella cultura letteraria di língua portoghese, onde a autora

percorre os últimos dois séculos de literatura portuguesa e brasileira, na óptica de uma

análise abrangente da recepção leopardiana, dedicando algumas páginas também às

correspondências entre Leopardi e Antero.16

II . Julgámos necessária esta breve digressão para termos desde logo um

panorama o mais completo possível dos principais estudos que foram realizados à volta

dessa aproximação. É de ver que todas essas obras, se bem que desenvolvidas com

métodos e prerrogativas sensivelmente diferentes, são todas orientadas por uma

perspectiva comparativista no sentido clássico, isto é, valorizando o conceito de

influência, o estudo de recepção e paralelismos, ou a análise temática. Todavia, esses

trabalhos – entre os quais alguns são realmente preciosos – para os fins da nossa

investigação não são senão um ponto de partida, uma sugestão para o aprofundamento.

Para fornecermos também um enquadramento geral do contexto em que se

realiza esta relação, escolheu-se dedicar a primeira parte do trabalho à recepção que a

obra de Leopardi teve no século XIX , e particularmente em Portugal, mesmo para

evidenciar a posição de Antero para com a obra do poeta italiano, substancialmente

autónoma perante o fundo cultural em que se insere. Se bem que a difusão da obra de

14 Antonio TABUCCHI, Pessoa, i simbolisti e Leopardi, in L’automobile, la nostalgia e l’infinito, tradução de Clelia Bettini e Valentina Parlato, Palermo: Sellerio, 2015, pp. 78-101, p. 80.

15 Cf. Elena LOSADA SOLER, Antero e Leopardi: o naufrágio na dor, in Antero de Quental e o destino de uma geração (Actas do colóquio internacional no centenário da sua morte), organização por Isabel Pires de Lima, Porto: Edições Asa, 1991, pp. 343-349.

16 Cf. Mariagrazia RUSSO, Um só dorido coração. Implicazioni leopardiane nella cultura letteraria di lin-gua portoghese, Viterbo: Sette Città, 2003, pp. 135-146.

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Leopardi no meio português do século XIX advenha, a nosso ver, das inúmeras relações

culturais luso-francesas (não nos esqueçamos que, fora de Itália, foi a França o primeiro

país onde se traduziu e publicou a obra leopardiana), as únicas observações anterianas

directas sobre a poesia de Leopardi – que encontramos em A Poesia na Actualidade –

não têm ligações com as considerações da maioria dos seus contemporâneos (como, por

exemplo, Teófilo Braga e Pinheiro Chagas, que apontam para um Leopardi ‘patriótico’

ou até ‘satanista’), pois o que atrai o interesse de Antero é o alento subjectivo do poeta

italiano, que faria dele um dos últimos representantes da lírica pura e membro por

excelência de «uma raça condenada a desaparecer».

No acervo bibliográfico de Antero, hoje conservado na Biblioteca Pública de

Ponta Delgada, constam duas edições da obra de Giacomo Leopardi, 17 uma francesa

(Opuscules et Pensées, Paris, 1880) e uma italiana (Poesie, Milão, 1853), que o poeta

açoriano adquiriu no início da década de 1880 e que muito provavelmente leu no

mesmo período. A citada referência presente em A Poesia na Actualidade (1881) parece

confirmar essa suposição, embora não se possa excluir um conhecimento anterior a este

período, pois o nome e alguns poemas de Leopardi circulavam no meio literário

português e, com muita probabilidade, também no contexto académico e cultural

frequentado por Antero. Este aspecto será analisado a partir do interesse que o poeta

manifestou, nomeadamente em cartas a Joaquim de Araújo, pela obra de Leopardi, mas

sem que isso se torne num meio para atribuir um ‘grau’ a esse conhecimento.

O presente trabalho, aliás, não pretende ser um estudo de fontes. A própria noção

de fonte implicaria uma ligação directa certa que se não dá no nosso caso e que,

consoante a documentação disponível, seria também impossível de demonstrar. Muito

pelo contrário, a investigação tem como elementos básicos para a aproximação os Canti

de Giacomo Leopardi e os Sonetos Completos de Antero de Quental, à luz de alguns

aspectos peculiares a que chamaremos de ‘terceiro termo da relação’, isto é, de três

grandes núcleos que são constitutivos da literatura dos dois poetas: a reflexão sobre

poesia e actualidade, a realização poética em um ‘ciclo’, o ‘abandono’ da poesia em prol

da especulação filosófica e a meditação em torno do mal de vivre.

17 Cf. José Bruno CARREIRO, Indículo da livraria de Antero de Quental, in ID., Antero de Quental – Subsídios para a sua biografia, 2 vols, Instituto Cultural de Ponta Delgada - Livraria Editora Pax, Braga, 1981, vol. II, p. 352.

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Além do mais, a pergunta de António Sérgio citada na epígrafe oferece-nos

indirectamente outro ponto de observação. Se, como sugere Sérgio,Vigny, apesar da sua

«visão humanista»,18 é ‘irmão’ do poeta das Odes modernas, que outro poeta –

perguntámo-nos – será «irmão» do poeta dos Sonetos Completos mais do que o

Leopardi dos ‘idilli’ e das grandes canções da maturidade? Recorde-se, aliás, o que

afirmava Fernando Pessoa-Barão de Teive, contemporâneo de Sérgio, acerca dos três

grandes «pessimistas», Vigny, Antero e Leopardi, reunidos na «ilusão romântica» que

caracteriza as suas obras:

The three are victims of the romantic illusion, and they are especially victims

because none of them had the romantic temperament. All three were destined to be classicists,

and, in their manner of writing, Leopardi always was, Vigny almost always, Quental only so

in the perfect cast of his sonnets.19

Claramente, o conceito de irmandade carece de alicerces e transcende as

ferramentas dos estudos literários, sendo arbitrário e totalmente dependente da

sensibilidade do leitor e do ponto de vista do crítico ou do estudioso. Para definirmos

melhor essa aproximação escolhemos portanto utilizar o termo relação, que é menos

abstracto do que o conceito de irmandade e ao mesmo tempo, mais preciso do que uma

geral e vaga ideia de comparação. Aliás, como observararam Álvaro Manuel Machado e

Daniel-Henri Pageaux, a evolução do ‘método’ comparativista ao longo dos decénios,

foi cancelando, uma de cada vez, todas as teorias que o sustentavam: em primeiro lugar,

a arcaica ideia de ‘influência’, depois o conceito limitado de ‘paralelismo’ e, por fim,

também o recurso à ‘comparação’ propriamente dita. O objectivo do trabalho

comparativista não será, portanto, a leitura paralela de dois textos e a consequente

análise dos mesmos à luz de uma comparação sistemática, mas sim a relação entre duas

18 OM, p. 140n.

19 Fernando PESSOA, A Educação do Estóico, edição por Richard Zenith, Lisboa: Assírio & Alvim, 2001, p. 65. Assim continua a reflexão do Barão de Teive: «[…] All three are thinkers, Quental most of all, for he had real metaphysical ability, Leopardi afterwards, Vigny last, but still far ahead in the respect of the other French romantics, with whom, naturally, he should be compared in that respect. The romantic illu-sion consists in taking lite rally the Greek philosopher’s phrase that man is the measure of all things, or sentimentally the basic affirmation of the critical philosophy, that all the world is a concept of ours». Ibid., pp. 65-66.

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obras a partir da definição dos elementos nos quais a mesma está fundamentada.20

No presente caso, pretende-se proceder à leitura dos Sonetos Completos e dos

Canti, desde a sua ideação e construção, através da análise de eventuais conexões ou

divergências. As convergências entre os dois poetas e as respectivas obras estabelecem-

se já na maneira de entender a poesia, a sua significação social e as suas condições de

existência, aspectos que são abordados chegando a conclusões muitas vezes paralelas,

pois Leopardi, no Zibaldone, – tal como Antero em A Poesia na Actualidade, de forma

muito semelhante – defende que «tutto può essere contemporaneo a questo secolo

fuorché la poesia». A reflexão teórica introduz a matéria principal do segundo capítulo,

isto é, a análise da produção poética, onde se constrói um diálogo entre ‘pensamento

poetante’ e‘poesia pensante’– utilizando uma feliz formulação que Antonio Prete pediu

em empréstimo a Heiddeger21 – que percorre os Canti e os Sonetos Completos, mas

também valorizando o modo de conceber o livro e a «colecção» poética, além da forma

que para essa poesia se torna necessária.

Da ideia de livro entendido como «autobiografia» e como produto de uma

actualidade poética, o ‘terceiro termo’ da relação passa neste ponto para um segundo

patamar, isto é, para a observação de algumas convergências que surgem ao longo das

duas obras. A análise desses aspectos leva naturalmente para um dos maiores terrenos

comuns entre os dois poetas: a visão que gera uma concepção ‘pessimista’ do indivíduo

e da história. Nesse sentido, tanto Leopardi como Antero, são, ao mesmo tempo, poetas

subjectivos e poetas da história, cuja faceta ‘pessimista’ não coincide, porém, com a

postura epocal que acabou por tornar-se em «moda» particularmente na década de 1880,

e nem sequer com a vertente melancólica de muita literatura francesa do século XIX . Ao

contrário, a reflexão que se desenrola à volta da identidade sujeito-natureza-história,

central nos dois ciclos poéticos, vai parar na elaboração de um «sistema» que inclui a

formulação especulativa de um ‘pessimismo’, no fim de contas, sui generis. Essa

elaboração coincide com a passagem – ou «conversão», como escreve Leopardi – da

poesia para a filosofia, importante ponto de contacto mesmo no que diz respeito à

20 Cf. Álvaro Manuel MACHADO - Daniel-Henri PAGEAUX, Da Literatura Comparada à Teoria da Literatura, Lisboa: Edições 70, 1988, p. 20.

21 Antonio PRETE, Il demone dell’analogia: da Leopardi a Valéry: studi di poetica, Milano: Feltrinelli, 1986, p. 138.

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elaboração de uma ‘teoria do pessimismo’.

Esse aspecto, aliás, tem que ser entendido, pelo menos no presente caso, como o

resultado de um «sistema» individual e subjectivo que se reflete também na visão da

história. Antero elabora o seu conceito de «optimismo transcendente» a partir das ideias

de Hartmann e de Schopenahuer e a sua reflexão fixa-se, como veremos, numa tentativa

de síntese do ‘transcendentalismo’ que percorre a última secção dos Sonetos Completos

com o optimismo idealista de Leibniz e com a ‘teoria do inconsciente’ de Hartmann. Por

sua vez, Leopardi – ilustre antepassado ‘poético’ tanto de Hartmann como de

Schopenahuer – concebe o postulado «tutto è male» em directo contraste com a ideia

leibnizeana de bem, isto é, defendendo que a própria existência é uma ‘monstruosidade’

e que «non v’è altro bene che il non essere». Os dois percursos especulativos têm, de

facto, uma dupla acepção, pois apontam, como se disse, para um ‘pessimismo’ de

carácter subjectivo, mas, ao mesmo tempo, integram-no num mais amplo ‘pessimismo’

histórico. Nessa óptica, encontramos um ulterior elemento para a relação no conceito de

«antimodernidade», tal como desenvolvido por Antoine Compagnon no ensaio Les

antimodernes.22

Como é sabido, Compagnon propõe uma leitura da literatura francesa («De

Joseph de Maistre a Roland Barthes») a partir de seis elementos comuns que chama de

«figuras morais», isto é, aproximando os vários escritores ou pensadores através das

características que permitem ‘dialogar’ às suas obras na senda de uma antimodernidade

que teria em Baudelaire, De Maistre e Chateaubriand os seus iniciadores. Não sendo

viável no nosso caso utilizar a totalidade dessa leitura como termo de relação – por

serem a maioria delas estritamente conexas com um contexto histórico e sócio-cultural

preciso (a França) – todavia, parece-nos possível estabelecer uma relação

particularmente na senda do um ‘pessimismo’ que, por sua vez, se pode relacionar com

o dos antimodernos de Compagnon. Sem dúvida, Leopardi e Antero foram «modernos

atormentados» como Baudelaire, e a sua antimodernidade fez a sua «real e perene

modernidade»:23 assim sendo, com esta definição não se entende a proclamação do

classicismo ou de regresso à ‘tradição’ mas sim um conceito de «moderno» numa

22 Antoine COMPAGNON, Os antimodernos. De Joseph de Maistre a Roland Barthes, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.

23 Ibid., p. 11.

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acepção significativamente mais ampla.

Como formulou Compagnon, o pessimismo antimoderno é histórico antes de se

tornar individual, é sociológico mais do que psicológico, mas os antimodernos «ainda

tendem a interpretá-lo em termos teológicos».24 Nesse sentido, a definição de

antimoderno não tem nenhuma conotação negativa:

Os antimodernos – portanto, não os tradicionalistas, mas os autênticos antimodernos

– não seriam outros senão os modernos, os verdadeiros modernos, aqueles que o moderno

não engana, aqueles que sabem. Primeiramente pensa-se que eles deveriam ser diferentes dos

modernos, mas logo se vê que são os mesmos, os mesmos vistos sob outro ângulo, ou os

melhores dentre eles.25

É claro que essa tentativa de interpretação antimoderna do pessimismo, no

presente caso, é apenas uma derradeira sugestão de leitura, que, a posteriori, nos parece

enriquecedora, sendo desenvolvida como última etapa após a análise da obra poética

desenvolvida através da reflexão sobre a poesia na «actualidade», da construção de um

ciclo poético, da «conversão» da poesia para a filosofia, e da concepção de um

«sistema» – que tem no seu centro, por um lado o «optimismo transcendente» de Antero

e, por outro, a dor cósmica leopardiana.

Esses tópicos constituem o núcleo daquele ‘terceiro termo’ a que aludimos, pois

é do estudo desses aspectos que advém a aproximação, o diálogo, a relação

propriamente dita. Se os antimodernos são «agnósticos da modernidade», como defende

o crítico francês, isto se traduz – no caso de Antero de Quental e de Giacomo Leopardi –

na constatação de uma «liberdade» quase obrigatória, e na consciência de serem vozes

isoladas, ou até exiladas, de uma modernidade ainda em porvir.

24 Ibid., p. 73.

25 Ibid., p. 12.

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PARTE I

LEITURAS DE LEOPARDI

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I. RUMOS PARA UM ENCONTRO

1.1 Leopardi na cultura crítica do século XIX

Por volta de 1850, e mais de uma década após a morte de Giacomo Leopardi, o

juízo em torno da sua obra e do seu pensamento – que, diga-se de passagem, quando

muito abrangia os Canti e, menos frequentemente, as Operette morali26 – eram

marcadamente orientados por uma peculiar superficialidade, mesmo nos casos em que

esse juízo era o resultado da análise crítica de intelectuais, pensadores e homens de

letras como Mazzini e Tommaseo em Itália, Schultz na Alemanha, Lewes e Gladstone

na Inglaterra, e Musset em França. Já desde 1818, data da publicação das canções

conhecidas por ‘patrióticas’ – All'Italia e Sopra il monumento di Dante 27– a leitura da

obra leopardiana seguiu, pelo menos até à segunda metade do século XIX , na direcção

do constrangimento em categorias que pouco lhe dizem respeito. No meio do fervor

patriótico e do crescente sentimento anti-napoleónico e anti-francês,28 essas duas

canções tinham sido recebidas pelo meio liberal (e até pelos carbonários29) como hinos,

e também um poeta de vasta erudição como Vincenzo Monti – a quem o poeta enviara

as duas canções em 181930 – reconhecia nelas uma significação essencialmente

26 Para uma visão abrangente das primeiras leituras e ‘avaliações’ da obra leopardiana, v. Cesare STUFFERI

MALMIGNATI , Leopardi nella coscienza dell'Ottocento, Roma: Bonacci, 1976. Relativamente à recepção dos Canti v. Alberto FRATTINI, Leopardi nella critica dell'Otto e del Novecento, Roma: Studium, 1989, pp. 3-54.

27 As canções All'Italia e Sopra il monumento di Dante che si prepara in Firenze, compostas entre Setembro e Outubro de 1818, foram publicadas em plaquette pelo editor Bourliè de Roma no mesmo ano de 1818. As duas canções foram republicadas na edição Nobili (Bolonha, 1824) e sucessivamente nas edições Piatti (Canti, Florença, 1831) e Starita (Canti, Nápoles, 1835). Na versão publicada por Bourliè havia uma dedicatória a Vincenzo Monti, modificada na edição de 1824. Cf. PP1, pp. 5-15 e 913-922. Acerca dessas canções em relação com a função civil da obra leopardiana, ver também FIGURELLI, Fernando, «Le due canzoni patriottiche del Leopardi e il suo programma di letteratura nazionale e civile», in Belfagor: Rassegna di varia umanità, vol. VI, n. 1, Firenze, 1951, pp. 1-128.

28 Uma obra-símbolo do sentimento anti-francês patente em Itália entre finais do século XVIII e inícios do século XIX , é Il Misogallo de Alfieri. Cf. Vittorio ALFIERI, Il Misogallo. Prose e Rime di Vittorio Alfieri da Asti, London, 1799.

29 «Una sera a Milano, in casa del conte Porro, le canzoni leopardiane furono lette alla presenza di Silvio Pellico, e interpretate da alcuni carbonari come se fossero state scritte per loro. Settembrini affermerà più tardi che quei versi erano stati ripetuti, morendo, da coloro che erano caduti per la patria». Rolando

DAMIANI , All'apparir del vero. Vita di Giacomo Leopardi, Milano: Mondadori, 2002, pp. 121-122.

30 Carta a Vincenzo Monti (12 de Fevereiro de 1819). L, pp. 167-168. Quanto às opiniões de Manzoni

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patriótica, que todavia ia muito além das reais intenções do autor. Se bem que o próprio

poeta, ainda no prefácio às Canzoni de 1824,31 valorizasse o seu «magistério civil»,

contudo a vontade de reanimar o amor à pátria nunca se mistura com a

«desobediência»32 dos ideais revolucionários. Ainda um ano depois, em carta a Pietro

Brighenti, o próprio Leopardi frisava – se bem que reafirmando o amor pela «nostra

patria comune ch'è l'Italia»33 – que as duas canções eram de facto desprovidas de

«parcialidades» e «prevenções», até porque – como depois observou Francesco De

Sanctis34 – essa Itália naquele tempo não tinha de facto penetrado no «natio borgo

selvaggio»35 de Recanati:

Quelli che presero in sinistro la mia Canzone sul Dante, fecero male, secondo me,

perché le dico espressamente ch'io non la scrissi per dispiacere a queste tali persone, ma

parte per amor del puro e semplice vero, e odio delle vane parzialità e prevenzioni; parte

perché non potendo nominar quelli che queste persone avrebbero voluto, io metteva in iscena

acerca da obra de Leopardi, veja-se Terenzio MAMIANI , «Manzoni e Leopardi», in Nuova Antologia, XXIII , Firenze, 1873, e Angelo Camillo DE MEIS, Commemorazione di Francesco De Sanctis, in MANDALARI , Mario (org.), In memoria di Francesco De Sanctis, Napoli, 1884, pp. 117-118.

31 Trata-se do volume Canzoni del Conte Giacomo Leopardi, publicado em Bolonha em 1824 pelo editor Nobili. Cf. PP1, p. 162.

32 «Con queste Canzoni l’autore s’adopera dal canto suo di ravvivare negl’Italiani quel tale amore verso la patria dal quale hanno principio, non la disubbidienza, ma la probità e la nobiltà così de’ pensieri come delle opere». Idem.

33 Carta a Giulio Perticari (12 de Março de 1819). L, p. 181. Durante várias décadas a crítica apenas realçou, por um lado, o aspecto patriótico e, por outro, o pendor existencial dos primeiros poemas, enquanto o verdadeiro tema central, muito mais vasto, é constituído pelo contraste entre a decadência actual e a grandeza do passado. Como escreve Rolando Damiani, «Intitolata All’Italia , la lírica è insieme, e soprattutto, un inno alla Grecia […]». PP1, p. 917n. Existe um apontamento do Zibaldone onde Leopardi se refere a um projecto posterior às duas canções publicadas por Bourliè, relativamente a um poema dedicado à Itália: «Per un’Ode lamentevole sull’Italia puo servire quel pensiero del Foscolo nell’Ortis […]». Z1, p. 94 [58]. Entre paréntesis quadras indica-se o número do fragmento.

34 «Ma dopo tre strofe il soggetto sembra esaurito, e il poeta dimentica l'Italia [...]». Francesco DE

SANCTIS, Studio su Giacomo Leopardi, a cura di Raffaele Bonari, Napoli: Morano, 1905, p. 107. Na citada carta a Perticari, Recanati e as Marcas (que naquele tempo faziam parte do Estado Pontifício) são definidos «vilissima zolla». L, p. 181.

35 Lê-se no poema Le ricordanze: «Né mi diceva il cor che l'età verde / Sarei dannato a consumare in questo / Natio borgo selvaggio, intra una gente / Zotica, vil [...]». PP1, p. 79-80. Cf. Werther ANGELINI, Leopardi e il pensiero politico del suo tempo, in Av. Vv., Leopardi e noi. La vertigine cosmica, a cura di A. Frattini, G. Galeazzi e S. Sconocchia, Roma: Edizioni Studium, 1990, pp. 277-294.

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altri attori come per pretesto e figura.36

A valorização da faceta patriótica da obra de Leopardi – inegável, mas ao

mesmo tempo por considerar além das aparências – é típica e característica das

reflexões dos primeiros comentadores, e sem dúvida contribuiu para a transmissão (pela

Europa fora, e também em Portugal), de um Leopardi muitas vezes estereotipado e

constrangido em moldes demasiado restritos, quando não excessivamente políticos ou

circunstanciais. Sem dúvida, nas primeiras canções, e, nomeadamente em All’Italia 37, é

presente um alento patriótico, mas apenas na medida em que evidencia a distância entre

os «nostri padri antichi» e a Itália inerme e dominada pelo estrangeiro, exortando o

despertar de «quel tale amore verso la pátria.»38

Não se pode negar, contudo, a importância que tiveram figuras como Luigi

Stella, Giuseppe Montani e Pietro Giordani39 no desenvolvimento da hermenéutica

leopardiana – especialmente antes do admirável trabalho de Francesco De Sanctis,40 os

quais constituem a primeira contribuição capaz de ir além das análises anteriores,

detectando o carácter catártico da obra de Leopardi, mesmo na atitude «negativa» do

seu pensamento.41

Montani, em particular, é um dos críticos que, através de algumas apreciações na

36 Carta a Pietro Brighenti (24 de Abril de 1820). L, p. 254 (itálico no original).

37 È o próprio Leopardi, na nota «A chi legge», a afirmar que objectivo è ravivar o amor para a pátria, mas, ao mesmo tempo, na sua «Crítica» informa que «[…] nessun potrebbe indovinare i soggetti delle Canzoni dai titoli […]». Francesco MORONCINI, (org.), Canti di Giacomo Leopardi, 2 vols, Bologna: Cappelli, vol. I, 1927, pp. 32 e 34.

38 Idem. Acerca do aspecto ‘patriótico’ na obra de Leopardi, ver a importante edição de Moroncini, que recolhe todas as anotações do autor e as emendas das edições impressas (Ibid. pp. 1-46).

39 O contributo de Giordani diz respeito especialmente às Operette morali. Cf. Pietro GIORDANI, Prose del Leopardi con uno studio di Pietro Giordani, Milano: Istituto Editoriale Italiano, s.d.

40 Referímo-nos particularmente ao citado Studio su Giacomo Leopardi, além dos escritos dispersos Epistolario di Giacomo Leopardi, Alla sua donna: Poesia di G. Leopardi e Schopenhauer e Leopardi, depois reunidos no volume Saggi critici (Napoli, Morano, 1869).

41 «Perché Leopardi produce l’effetto contrario a quello che si propone. Non crede al progresso, e te lo fa desiderare; non crede alla libertà, e te la fa amare. Chiama illusioni l’amore, la gloria, la virtù, e te ne accende in petto un desiderio inesausto». Francesco DE SANCTIS, Schopenahuer e Leopardi e altri saggi leopardiani, Como: Ibis, 2007, p. 69.

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Antologia de Florença – e nomeadamente uma de 1824,42 publicada por ocasião da

primeira edição em volume das canções de Leopardi, e outra de 1827, poucos meses

após a publicação dos Versi (Bolonha, 1826) – melhor consegue formular uma reflexão

crítica abrangente, mostrando uma compreensão viva (mesmo acerca da temática do

pessimismo) e defendendo que «l'autore delle canzoni, a cui i posteri assegneranno il

luogo che lor conviene presso a quelle di Dante e alle più gravi del Petrarca, si trova

pure in questi versi».43

Também um intelectual, filósofo e homem político como Vincenzo Gioberti –

que admirava mais o Leopardi poeta do que o ‘filósofo’44 – em 1844 escrevia páginas

de louvor para com a sua prosa e a sua poesia, que considerava «piene di malinconia

stupenda» e «forse per naturalezza, per affetto, per profondità di sentire, congiunta a una

eleganza di dettato impareggiabile, ciò che la disperazione ha dettato di più doloroso e

di più eloquente in alcuna lingua»45. Nessas observações, como nas de Terenzio

Mamiani – focadas no estilo e na experiência existencial46– notam-se já algumas

referências consistentes à melancolia e ao desespero da obra leopardiana, sendo o

resultado de uma capacidade analítica mais afinada e atenta.

Pelo contrário, se as venenosas opiniões de Tommaseo não vão além do

ressentimento pessoal e do juízo de circunstância,47 já os contributos de Mazzini –

42 Cf. Giuseppe MONTANI, «Canzoni del conte Giacomo Leopardi. Bologna presso Nobili e C. 1824. in 12.°», in Antologia, Firenze, Tomo XVIII , n. XLVIII , Dezembro de 1824, pp. 76-77. Montani foi um frequente colaborador da Antologia de Vieusseux entre 1824 e 1831.

43 Cf. Giuseppe MONTANI, «Versi del conte Giacomo Leopardi, Bologna, Stamp. Delle Muse, 1826 in 12º», in Antologia, Firenze, Tomo XXVIII , n. LXXXIII -LXXXIV , novembre-dicembre 1827, pp. 273-275.

44 Veja-se C. STUFFERI MALMIGNATI , Leopardi nella coscienza dell'Ottocento, op. cit., p. 20.

45 Vincenzo GIOBERTI, Introduzione allo studio della filosofia, 4 vols, Bruxelles, 1844, vol. III , p. 389.

46 Cf. Terenzio MAMIANI Dialoghi di scienza prima, Paris: Baudry, 1876. Recorde-se também que Mamiani escreveu uma carta-prefácio à tradução italiana do livro Alexandre Herculano e o seu tempo. Cf. António de Serpa PIMENTEL, Alessandro Herculano e il suo tempo. Studio per Alberto [sic] de Serpa Pimentel, traduzione di Aurelio Metello, con una lettera di Terenzio Mamiani, Roma: Loescher, 1883, pp. 7-25.

47 Num artigo publicado em Maio de 1836 na revista L’Italiano (dirigida pelo próprio Mazzini), Niccolò Tommaseo definia Leopardi «elegantemente disperato, prolissamente dolente, e dottamente annoiato di questa misera vita». Por seu lado, já em 1835 o poeta referia-se a Tommaseo na Palinodia al Marchese Gino Capponi nestes termos: «Un già de’ tuoi, lodato Gino; un franco / Di poetar maestro, anzi di tutte / Scienze ed arti e facoltadi umane». PP1, pp. 119-120. No espólio de Leopardi encontra-se ainda o irónico Epigramma, onde Tommaseo surge como última de uma série de ‘desgraças’ italianas («Alfine è scelto /

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figura universalmente admirada sobretudo numa óptica sócio-política, e particularmente

na Península Ibérica48 – contribuem amplamente para a circulação e a transmissão no

estrangeiro de um conhecimento limitado e ‘desviado’, senão da obra, pelo menos do

lugar de Leopardi nas letras italianas. Embora Mazzini não tenha sido um crítico

literário propriamente dito, a sua fama de político bem permitiu uma larga difusão das

suas opiniões, mesmo literárias, e particularmente na Inglaterra, sendo publicado em

inglês, na London and Westminster Review, o artigo «Italian Literature since 1830». O

‘dogmatismo’ mazziniano, categorizando a literatura em ‘escolas’ («The school of

Manzoni», mas também de Monti49) não encontra um lugar para a obra de Leopardi,

colocada, por consequência, às margens da literatura, enquanto produto da «transição» e

de um ecletismo hesitante entre inovação e tradição50: daí, como defende Singh, provêm

também os juízos errados de Browning e Swinburne, entre outros, sobre a literatura

italiana desse período51.

A propósito da vertente crítica de Mazzini vale a pena transcrever por extenso

um apontamento de Antero, em carta a Oliveira Martins de 1874, onde o poeta mostrava

A farti nota in Francia / Niccolò Tommaseo», Ibid., p. 401), e a prosa intitulada Potenze intellettuali: Niccolò Tommaseo, onde a ironia para com o erudito torna-se feroz: «Il povero vecchio [Vincenzo Monti], divenuto sordo e quasi cieco, non si difese, né potea più difendersi: solo prese per costume di chiamare tommasei una parte del corpo che non è lecito nominare». PP2, p. 1018. Acerca deste último texto e do ‘contraste’ com Tommaseo ver também Antonio RANIERI, Sette anni di sodalizio con Giacomo Leopardi, Milano: SE, 2005, pp. 56-58.

48 Acerca da recepção do pensamento de Mazzini em Portugal ver Maria Manuela Tavares RIBEIRO, «Mazzini e il mazzinianesimo in Portogallo», in Nuova Antologia, n. 2227, Luglio-Settembre 2003, Firenze: Le Monnier, pp. 229-255; e Francesca DI GIUSEPPE, Portogallo, Italia e questione iberica, Tese de doutoramento, Università Federico II di Napoli, 2010.

49 Cf. Giuseppe MAZZINI , «Italian Literature since 1830», in London and Westminster Review, London, October 1837 [depois incorporado em Scritti editi ed inediti di G. Mazzini, vol. VIII , Imola, Galeati, 1910, pp. 283-343].

50«Others, as Leopardi, of Recanati (who died at Naples on the 14th of June), endeavour to express the feelings and the thougths of the present day in a form and style savouring of the classics», acrescentando com pouca clarividência que Leopardi, citado depois de Marenco e Niccolini, «breathe a spirit of profound melancholy, a characteristic of the age, but they are nevertheless the efforts of a transitionary period, which the future is destined to efface». Ibid., p. 314. Acerca das ideias de Mazzini sobre a literatura italiana, v. também Nada PERETTI, Gli scritti letterari di Giuseppe Mazzini, Roma-Torino: Casa Editrice Nazionale Roux e Viarengo, 1904, pp. 97-109.

51Cf. Ghan Shyam SINGH, Leopardi e l'Inghilterra, Firenze: Le Monnier, 1968, pp. 4-5. A propósito da recepção da obra de Leopardi na Inglaterra do mesmo autor veja-se também Leopardi e i poeti inglesi. Influenza di Giacomo Leopardi nella letteratura inglese, Ancona: Transeuropa Libri, 1990.

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lucidamente as reticências para com as posições do fundador da Giovine Italia e da sua

geração («grandes homens de há 30 anos!»), evidenciando uma profundeza de análise

que muito se aproxima de um programa crítico, face ao que define «falta de crítica» do

pensador italiano:

Leu o último manifesto do Mazzini? Chamo assim as páginas por ele escritas a

propósito do livro de Renan, Reforma intelectual, etc.

Como nos parecem hoje vagos e ocos os grandes homens de há 30 anos! Apóstolos,

profetas, heróis, todos eles parecem distantes de nós como se muitos séculos nos separassem,

tão diferentes somos, tão diferentes qualidades exigimos hoje nos nossos grandes homens. A

muita nobreza moral é que os salva perante a história. Mas que estreiteza, que onesideness,

que falta de crítica! Francamente, só a consideração do respeito devido à memória do

Mazzini é que me fez vencer o tédio daquela leitura e levá-la ao fim. Ah, meu amigo, se a

nossa geração, com a soma enorme de ideias e largueza de vistas que a caracteriza, tivesse

metade que fosse daquele impeto, daquela vontade dedicada e absoluta, numa palavra, a Fé,

que grandes coisas não assinalariam o fim deste século XIX ! Mas o certo é que o legado do

século, digo, a parte mais valiosa desse legado, será o distinguo da sua crítica implacável. É

o nosso papel, acomodemo-nos com ele.52

O que Antero chama de «manifesto» é de facto um ensaio-glosa de Mazzini

sobre a ideia de reforma moral e intelectual expressada por Renan em La Reforme

intellectuelle et morale de 187153, mas surge também como amostra do ‘método’ e do

estilo da crítica mazziniana. Apesar de não podermos aqui entrar numa análise detalhada

das razões sócio-póliticas, históricas e filosóficas que estão na base dessa crítica do

52 Carta a Oliveira Martins (26 de Junho de 1874). C1, pp. 372-373. Antero encontrava-se nessa altura na Ilha Terceira, por razões de saúde (Idem). O texto La Reforme morale et intellectuelle foi escrito por Mazzini em 1872 e publicado póstumo na Fortnightly Review em 1874. Poucas semanas antes de Antero ter escrito essa carta, o ensaio de Mazzini tinha sido publicado em tradução espanhola na Revista Europea. Cf. José MAZZINI , «La Reforma intelectual y moral», in Revista Europea, n. 12, Madrid, 17 de Mayo de 1874, pp. 373-383. Por essa razão, não parece impossível que Antero tenha lido essa versão do ensaio de Mazzini.

53 Ernest RENAN, La Reforme intellectuelle et morale, Paris, Michel Lévy Frères Editeurs, 1871. O livro reunia vários textos dispersos, além do ensaio que dá o título ao volume. Mazzini criticava principalmente o papel dos intelectuais franceses na decadência da França depois de 1815, atacando a atitude ‘monárquica’ de Renan, evidente sobretudo no texto La Monarchie constitutionnelle en France (Ibid., pp. 233-306). V. também J. MAZZINI , «La Reforma intelectual y moral», op. cit., pp. 373-375.

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pensador italiano ao livro e as ideias de Renan, cumpre salientar que, na carta acima

citada, Antero – mesmo sendo um grande admirador do pensador francês54 – não se

ergue em defesa da sua teoria55, mas foca-se directamente nos que considera pontos

fracos na crítica de Mazzini. De facto, as observações sobre a missão do escritor e a

tendência à sistematização e à catalogação56 justificam essa acusação de «estreiteza»,

«onesideness» e «falta de crítica»,57 tendo as mesmas peculiaridades em que assentam

também as referidas notas mazzinianas sobre Leopardi e a literatura italiana.

Fora de Itália, merece um particular destaque o ensaio publicado por Sainte-

Beuve em 1844 na «Revue des Deux Mondes», que colocava o poeta de La ginestra no

‘titanismo’ europeu,58 salientando o «estilo clássico» e o fervor patriótico, embora

54 Antero foi um assíduo leitor de Renan, sendo dele um admirador e ao mesmo tempo um atento crítico da sua obra. Numa das «Correspondências» publicadas em O Século XIX de Penafiel [n. 99, 4 de Fevereiro de 1865], assinadas com o pesudónimo de «O Bacharel – José», afirma que Renan é «o seu mestre». Cf. Antero de QUENTAL, Antero de Quental: O Bacharel José, recolha, prefácio e notas de Ana Maria Almeida Martins, Lisboa: Editorial Presença, 2005, p. 111.

55 Em carta enviada de Ponta Delgada a 25 de Maio de 1874, agradecia a Bulhão Pato pelo envio do livro Renan e os Sábios da Academia (Cf. C1, p. 359) e, no dia seguinte, escrevia a Oliveira Martins e a João Lobo de Moura (26 de Maio de 1874) algumas observações sobre o Anti-Cristo e a Vida de Jesus do próprio Renan (Ibid., pp. 362-366). Nessa mesma carta a Lobo de Moura, afirmava que «o Renan (salvo o respeito a tal mestre) tem ainda o seu tanto de carola.». C1, p. 365. [itálico no original]. Na biblioteca de Antero conservada na Biblioteca Pública de Ponta Delgada constam os seguintes volumes da obra de Renan: Dialogues et fragments philosophiques (Paris, 1876); Souvenirs d’enfance e de jeunesse (Paris, 1883); L’Ante-Christ (Paris, 1873); Études d’histoire religieuse (Paris, 1864); Vie de Jesus (Paris, 1863); La monarchie constitutionelle en France (Paris, 1870); Averroès et l’Averroïsme (Paris, 1861). Cf. J. B. CARREIRO, Indículo da livraria de Antero de Quental, op. cit., pp. 355, 360-361 e 363.

56 «En la esfera de las ideas, los talentos más grandes permanecen mudos y desanimados, como Quinet; ó persisten, á despecho de todo, en glorificar la grandeza y la omnipotencia de Francia, como Hugo; ó buscan remedio á los males presentes en la vuelta á lo pasado, como hace M. Renán. No hay uno solo que tenga el valor de denunciar á su patria las faltas y los errores que la han reducido á tal estado; que se atreva, sin espíritu de partido, pero con confianza en el porvenir, á enseñarle que encontrará su fuerza y su grandeza en el olvido de un pasado, muchas veces glorioso y muchas más impuro. Este fue el valor que tuvo Dante y este el servicio que prestó á Italia». J. MAZZINI , «La reforma intelectual y moral», op. cit., p. 374.

57 Já no ensaio Considerações sobre a Philosophia da História Literária Portugueza frisava que «[…] a nova geração tem por área natural dos seus trabalhos os estudos criticos e as idéas geraes». Antero de QUENTAL, Prosas, 3 vols, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1926-1931, vol. II, p. 212.

58 Charles Augustin de SAINTE-BEUVE, «Poètes Modernes de l'Italie – III . Leopardi», in Revue des Deux

Mondes, Septembre 1844, Tomo VII , pp. 910-946. Este texto foi republicado em 1866. Cf. ID., Portraits Contemporains, Paris, Michel Lévy Frères Éditeurs, 1870, Tomo IV, pp. 363-422. Na mesma revista, em 1861, foi publicado outro texto sobre Leopardi. Charles de, «Les souffrances d’un penseur italien», in Revue des Deux Mondes, Avril 1861, Tomo VII , pp. 910-946. Na biblioteca de Antero constam os

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incluindo a obra leopardiana no ‘movimento’ da Antologia de Florença, junto a

Manzoni, Grassi e Berchet.

O crítico francês, ao contrário de Mazzini, julga Leopardi «appartient à l'école

des novateurs, il était du moins le classique par excellence entre les romantiques»,59

dedicando particular atenção à ‘conversão filosófica’ do poeta, além de individuar a

importância da rima na composição dos Canti, e o fundo de ‘desespero’ que os

caracteriza. Ao mesmo tempo, manifesta mais interesse pela faceta heróica das

primeiras canções e pelas Operette morali, e traduz em prosa alguns dos ‘idilli’,60 entre

os quais L‘Infinito e La sera del dì di festa. Trata-se, por fim, de uma apreciação

aprofundada – especialmente do ponto de vista histórico-biográfico, embora ainda

parcial e por alguns aspectos pouco abrangente em termos hermenêuticos. Mesmo assim,

sobrepassa as observações de Musset,61 e influencia de maneira determinante também as

sucessivas reflexões críticas: não apenas as de Gladstone e de Lewes62 na Inglaterra, e

as de Schultz63 na Alemanha, abertamente inspiradas nesse texto, mas no panorama

seguintes volumes de autoria de Sainte-Beuve: MAZADE Poésies completes (Paris, 1855), Étude sur Virgile (Paris, 1870) e P. J. Proudhon. Sa vie et sa correspondance (Paris, 1873). Cf. J. B. CARREIRO, Indículo da livraria de Antero de Quental, op. cit., pp. 355 e 361.

59 C. A. de SAINTE-BEUVE, «Poètes Modernes de l'Italie – III . Leopardi», op. cit., p. 923.

60Ibid., pp. 932-935. De Sanctis irá realçar a importância dos ‘idílios’ leopardianos, aos quais dedica uma parte consistente do seu estudo (Cf. ID., Studio su Giacomo Leopardi, op. cit., pp. 113-152), enquanto Alvaro Valentini os identifica com a própria modernidade do poeta italiano (Cf. Alvaro VALENTINI , Modernità dell'idillio leopardiano, in Leopardi e noi. La vertigine cosmica, a cura di A. Frattini, G. Galeazzi e S. Sconocchia, Roma, Edizioni Studium, 1990, pp. 61-70). Acerca do idílio leopardiano ver também Fernando FIGURELLI, Giacomo Leopardi poeta dell'idillio, Bari: Laterza, 1941.

61 Musset publicou na Revue des Deux Mondes (18 de Novembro de 1842) o poema Après une lecture, dedicado a Leopardi, do qual transcrevemos esta significativa estância: «Ô toi qu’appelle encor ta patrie abaissée. / Dans ta tombe précoce à peine refroidi, / Sombre amant de la Mort, pauvre Léopardi, / Si, pour faire une phrase un peu mieux cadencée, / Il t’eût fallu jamais toucher à ta pensée, / Qu’aurait-il répondu, ton cœur simple et hardi?». Contudo, como realçou Stufferi Malmignati, o poeta francês acaba por criar um Leopardi demasiado «mussettiano». Cf. C. STUFFERI MALMIGNATI , Leopardi nella coscienza dell'Ottocento, op. cit., p. 22. O poema é republicado no volume Poésies Nouvelles (1ª ed. 1857), do qual Antero tinha na sua biblioteca uma edição (Poésies nouvelles, Paris, 1864), além do volume (Premières poésies, Paris, 1863). Cf J. B. CARREIRO, Indículo da livraria de Antero de Quental, op. cit., p. 353.

62 Cf. George Henry LEWES, «The Life and Writings of Giacomo Leopardi», foi publicado em Frazer's Magazine em Dezembro de 1848 (pp. 659-669), e William Ewart GLADSTONE, Works and life of Giacomo Leopardi, London, s.d.

63 Cf. Heinrich Wilhelm SCHULTZ, Giacomo Leopardi: sein Leben und seine Schriften (1840) in Heidemarie POEHLMANN, Leopardi e gli scrittori tedeschi del suo tempo, Ravenna, Longo, 2003, pp. 79-

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europeu inteiro.

Um lugar à parte, e particularmente na óptica da entrada da obra leopardiana em

Portugal, merece a figura de Louis De Sinner (nascido Ludwig von Sinner), filólogo,

filósofo e bibliotecário da Sorbonne, que através de Vieusseux tinha conhecido Leopardi

em 183064, mantendo com ele uma ligação espistolar até Março de 183765. Sinner irá

consagrar a obra de Leopardi em 1842, com um texto publicado na Encyclopédie des

gens du monde66 e, sobretudo, com um estudo publicado em Le Siècle em 1853, onde é

enaltecida particularmente a figura de Leopardi filósofo67.

É inegável, como já notou Mariagrazia Russo68, que Sinner contribuiu de

maneira determinante também para o ingresso da literatura leopardiana em Portugal,

especialmente se considerarmos que o filólogo suíço teve uma constante

correspondência com António Feliciano de Castilho, cuja poesia considerava, um pouco

126.

64 «In uno di questi pomeriggi autunnali [os que o poeta passava naquele período em Florença], Vieusseux condusse nell'appartamento di via del Fosso un trentenne filologo svizzero, Louis De Sinner, che si era laureato in filosofia a Tubinga e aveva appreso in Germania le tecniche della recensione testuale». R. DAMIANI , All'apparir del vero, op. cit., pp. 388-389. Em nome desse recém-nascido ‘sodalício filológico’, nesta ocasião Leopardi mostra a De Sinner o volumoso conjunto de apontamentos do Zibaldone (Ibid, pp. 392-394), e lhe entrega também alguns manuscritos «filológicos», entre os quais o estudo Porphyrii De Vita Plotini et ordine Librorum eius (escrito em 1814), para tentar a publicação dos mesmos em França. Leopardi fala nesse episódio de modo entusiasmado em carta à irmã Paolina (15 de Novembro de 1830). Cf. L., pp. 930-931. Sobre as relações entre Leopardi e De Sinner v. também Antonio SUTERA, Giacomo Leopardi e la sua amicizia con G. R. Luigi De Sinner, in Le città di Giacomo Leopardi. Atti del VII convegno internazionale di studi leopardiani (Recanati, 16-19 novembre 1987), Firenze: Olschki, 1991, pp. 435-447. Acerca da importância de De Sinner na difusão da obra de Leopardi, v. Margherita

M ICHELESI, L'opera di Luigi De Sinner a favore di Giacomo Leopardi, Firenze: Olschki, 1938.

65 A última carta de Leopardi a De Sinner foi enviada de Nápoles e tem data 2 de Março 1837. Cf. L., pp. 1097-1099. O poeta irá falecer em Junho desse ano.

66 Cf. AA. Vv., Encyclopédie des gens du monde, répertoire universel des sciences, des lettres et des arts: avec des notices sur les principales familles historiques et sur les personnages célèbres, morts et vivans, par une société de savans, de littérateurs et d'artistes, français et étrangers, Paris, Treuttel et Würtz, 1833-1834.

67 Cf. Nicolas SERBAN, Leopardi et la France. Essai de littérature comparée, Paris: E. Champion, 1913, pp. 536-538.

68 Cf. M. RUSSO, Um só dorido coração, op. cit., pp. 118-126.

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apressadamente, semelhante à de Leopardi69. Mesmo por intermediação de Sinner, o

«Árcade póstumo»70 chegou a enviar a Leopardi uma cópia de Amor e Melancolia, que

o poeta italiano irá levar consigo durante a mudança de Florença para Nápoles, embora

não haja a certeza que tenha lido esse livro, pois não constam partes sublinhadas, nem

marginália, nem outras marcas reveladoras de uma efectiva leitura71.

Finalmente, vale a pena lembrar que também António Pedro Lopes de Mendonça

– que Antero considerava um «precursor» e que certamente um dos pontos de referência

do seu pensamento crítico72 – refere-se a Leopardi como nume tutelar da arte italiana, a

par de Miguel Ângelo e de Dante, na segunda edição de Memórias de um dóido:

Shakespeare é o maior poeta das éras modernas mas Rossini é-lhe superior por haver

nascido na patria de Miguel Angelo, Dante e Leopardi. 73

Pode-se dizer que a obra leopardiana é ainda, para a geração de Lopes de

Mendonça, um objecto quase desconhecido, vagamente misterioso e sobrecarregado de

significações simbólicas. A introdução de novos paradigmas críticos, vindos

particularmente da França, permitem uma sensível ‘evolução’ também no conhecimento

69 «Sinner brigava a suo favore in modo confusionario, scoprendo che la poesia leopardiana assomigliava a quella di un coetaneo lirico portoghese, Feliciano de Castilho […]». R. DAMIANI , All’apparir del vero, op. cit., p. 438.

70«O velho Castilho, o Árcade póstumo, como então lhe chamaram, viu a geração nova insurgir-se contra a sua chefatura anacrónica». C3, p. 94.

71 Para as ligações entre Castilho e Leopardi e para a análise dos documentos citados, veja-se a recolha de informações feita por Mariagrazia Russo. Cf. ID., Um só dorido coração, op. cit., p. 117-126. Em carta de 1º de Janeiro de 1833, De Sinner informa Leopardi das opiniões do abade Mablin acerca das supostas analogias entre a poesia de Castilho e a do poeta do Infinito. Leopardi irá receber o livro em Janeiro de 1833. A 18 de Abril do mesmo ano escreve a De Sinner: «Ancora non mi è stato possibile di leggere il libro di Castilho, del quale vi rendo un milione di grazie». L., p. 1054.

72 «Lopes de Mendonça foi um dos representantes entre nós – um dos mais nobres pelo carácter e talvez o mais distinto pelo espírito – da geração política e literária que o sol efémero de 1848 fez surgir, ébria de vagas esperanças, por toda a Europa». Antero de QUENTAL, Lopes de Mendonça, in Prosas sócio-políticas, publicadas e apresentadas por Joel Serrão, Lisboa: INCM, 1982, pp. 421-428, p. 421.

73 António Pedro Lopes de MENDONÇA, Memórias de um dóido, Lisboa, Tipografia de Costa Sanches, 1859, p. 133. A este apontamento referem-se também José-Augusto FRANÇA, O Romantismo em Portugal, Lisboa: Livros Horizonte, 1993, pp. 236-238) e Mariagrazia Russo (Um só dorido coração, op. cit., pp. 133-135).

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da obra de Leopardi. Nesse aspecto, Antero é sem dúvida o leitor mais agudo, o

primeiro em Portugal, antes de Fernando Pessoa, que foi capaz de captar no legado do

poeta italiano uma significação essencialmente lírica e subjectiva.74

74 Sobre Pessoa e Leopardi ver também Marco PIAZZA , Leopardi e Pessoa: pensiero poetante e poesia filosofica, in Alle frontiere tra filosofia e letteratura. Montaigne, Maire de Brian, Leopardi, Pessoa, Proust, Derrida, Milano : Guerini, 2003, pp. 97-121, p. 106.

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1.2 Uma recepção indirecta

É razoável pensar que o conhecimento da obra de Leopardi em Portugal (e

particularmente no caso da geração de Antero), advém de uma transmissão

essencialmente indirecta, que, como se disse, passa sobretudo por escritores, críticos e

pensadores franceses ou provenientes de um meio cultural de cariz francês. Eça de

Queirós via em Sainte-Beuve e Renan «dois mestres», e como eles defende que «à

Academia deve a literatura francesa aquelas qualidades perfeitas».75 Em outra página

mais célebre analisa o excesso de francesismo patente na literatura portuguesa e chega a

afirmar que «Portugal é um país traduzido do francês em vernáculo».76

A preponderância do modelo francês (sobretudo em relação com o esquecimento

em que estaria envolvida a literatura italiana), tinha sido criticada já por António de

Serpa Pimentel, no epílogo das suas Poesias (1852)77 , e reflete-se também nas

observações de Pinheiro Chagas, que acrescenta que particularmente em Portugal «a

admiração degenerou em cópia».78 Por seu lado Antero, ja no folhetim Bom Senso e

Bom Gosto de 1865, incluia a «crítica francesa» entre os elementos que permitiram «as

imensas criações da alma moderna»,79 e ainda em carta de 1888 a Tommaso Cannizzaro

75

José Maria Eça de QUEIRÓS, Notas Contemporâneas, Círculo de Leitores, s.d., p. 185.

76 «Não quero escrever uma página de memórias. Apenas mostrar tipicamente como eu e toda a minha geração (exceptuando espíritos superiores, como Antero de Quental e Oliveira Martins) nos tínhamos tornado fatalmente franceses no meio de uma sociedade que se afrancesava […]». Ibid. p. 154. Acerca da influência da cultura francesa em Portugal no século XIX , ver também Rainer HESS, Os inícios da lírica moderna em Portugal (1865-1890), Lisboa: INCM, 1999, pp. 42-45; e Álvaro Manuel MACHADO, O ‘francesismo’ na literatura portuguesa, Lisboa, Biblioteca Breve: 1984, pp. 59-88.

77 Cf. António de SERPA PIMENTEL, Poesias, Lisboa: Typographia da Revista Popular, 1852, pp. 229-231. Aliás, conforme afirma Bulhão Pato nas suas Memórias, entre os eruditos do século XIX, o Marquês de Nisa era um dos mais destacados conhecedores da poesia italiana. Cf. Raimundo de BULHÃO PATO, Memórias, 3 vols, Tipographia da Academia Real das Sciencias, Lisboa, 1907, vol. III , p. 134.

78 Manuel PINHEIRO CHAGAS, A Poesia Italiana. Manzoni – Carrer – Leopardi, in ID., Ensaios críticos, Porto: Viuva Moré, 1866, p. 235. Este ensaio fora publicado pela primeira vez na Revista Contemporânea de Portugal e Brasil (Abril de 1864).

79«O grande espírito filosófico do nosso tempo, a grande criação original, imensa da nossa idade, não passa de confusão e imbróglio desprezível para o professor de ninharias, que cuida que se fustiga Hegel, Stuart Mill, Augusto Comte, Herder, Wolff, Vico, Michelet, Proudhon, Littré, Feuerbach, Creuzer, Strauss, Taine, Renan, Buchner, Quinet, a filosofia alemã, a crítica franceza, o positivismo, o naturalismo, a história, a metafísica, as imensas criações da alma moderna, o espírito mesmo da nossa civilisação.... que

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frisava que a «inteligência portuguesa» era «feudatária da França».80 Essa faceta

também é sublinhada por Anselmo de Andrade no In Memoriam de 1896:

Essas ideias novas tinham vindo de França nos livros de Michelet, de Edgar Quinet,

de Proudhon, de Renan, de Taine e dos exegetas audaciosos da universidade de Strasbourg,

de Allemanha nas traducções dos seus philosophos e dos theologos da eschola de Tubingue,

de Itália na Scienza Nuova de Vico e na vulgarisação das doutrinas hegelianas por Vera81.

O próprio Oliveira Martins observava que até mesmo «o germanismo dos poetas

da Escola Nova não era puro, antes recebido por via de França, e depois da preparação

sofrida pelo contacto com o génio francês82». Nesse sentido, o papel de uma figura

como Augusto Vera é determinante, sendo através das traduções francesas desse erudito

italiano, lente na Sorbonne, que aquela geração conheceu o pensamento de Hegel.83 Ao

se fustiga tudo isto e se ridicularisa e se derriba com a mesma sem-cerimónia com que ele dá palmatoadas nos seus meninos de 30, 40 e 50 anos, de Lisboa, do Grémio, da Revista Contemporânea! Quem seguir tudo isto vai com o pensamento moderno; com as tendências da ciência; com os resultados de trinta anos de crítica; com a nova escola histórica; com a renovação filosófica; com os pensadores; com os sábios; com os génios; vai com a França; vai com a Alemanha — mas que importa? Não vai com o sr. Castilho!». Antero de QUENTAL, Bom Senso e Bom Gosto. Carta ao Ex.mo Sr. António Feliciano de Castilho, in PEC pp. 290-291. José-Augusto França realça que a lista de nomes, embora «assaz incoerente», desvenda muito das leituras caracterizadoras dessa geração. Cf. José-Augusto FRANÇA, O Romantismo em Portugal, op. cit., pp. 366-367.

80 C3, p. 158. Em outra carta a Cannizzaro (22 de Dezembro de 1888) frisava que «Foi isto talvez vantajoso durante um certo período; mas hoje, com as correntes dominantes na literatura, e na sociedade francesas, receio que seja antes nocivo». Ibid., p. 200-201.

81 AA. VV., In Memoriam, op. cit., p. 321.

82 Joaquim Pedro de Oliveira MARTINS, Os poetas da Escola Nova, in ID., Páginas desconhecidas, Lisboa:

Seara Nova, 1948, p. 199.

83 Escrevia o próprio Antero em carta a Wilhelm Storck (14 de Maio de 1887), relativamente às leituras dos anos de Coimbra: «Li depois muito de Hegel, nas traduções francesas de Vera (pois só mais tarde é que aprendi alemão)». C3, p. 93. Em outra carta, de 1875 a Oliveira Martins refere-se a um volume do mesmo estudioso: «[…] nada lhe posso dizer por ora do livro do Vera, que todavia me proponho ler detidamente». C1, p. 408. Na biblioteca de Antero legada à Biblioteca Pública de Ponta Delgada consta o volume Introduction à la philosophie de Hegel (Paris, 1855) de Augusto Vera. Cf. J. B. CARREIRO, Indículo da livraria de Antero de Quental, op. cit., p. 359. No prefácio ao Sonetos Completos, Oliveira Martins aponta que «chegavam por via de Paris os ecos do espírito novo, expresso nas obras de Michelet, de Quinet, de Vera-Hegel, etc.». S., p. 29. Refere, aliás, José Bruno Carreiro que Antero, ao sair de Coimbra, oferecera o volume Essais de Philosophie Hegelienne de Vera ao amigo Manuel de Arriaga. Cf. J. B. CARREIRO, Antero de Quental – Subsídios para a sua biografia, 2 vols, Instituto Cultural de Ponta Delgada - Livraria Editora Pax, Braga, 1981, VOL I, p. 240. Sobre esse episódio veja-se também a

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mesmo tempo, parece muito relevante a contribuição que teve uma figura como Sainte-

Beuve,84 não apenas na difusão da obra de Leopardi na Europa, mas ainda na

transmissão de um paradigma crítico considerado moderno85. A obra leopardiana, que

nesse tempo ainda não contava com traduções portuguesas, era, como escreve José da

Costa Miranda, apenas uma «grande sedução»,86 e teve, particularmente no caso da

geração de Antero, um percurso semelhante ao que Oliveira Martins atribui ao

germanismo. Não parece descabido conjecturar que essa «sedução» tem passado

principalmente pelo filtro da cultura francesa, portanto pela mesma «preparação» que

caracteriza uma recepção não directa, pelo menos na maioria dos casos.

É interessante, aliás, sublinharmos que, num ensaio de 1888, o próprio Oliveira

Martins salientava que, através do romantismo, primeiro o alemão e depois o inglês e o

francês, a «hipocondria» e o «sentimentalismo» caminhavam paralelamente, dirigindo-

se para o «oceano do nirvana». Desse aspecto seria Leopardi um importante testemunho:

Do romantismo alemão veio o francês e o inglês, e num e noutro a hipocondria e o

sentimentalismo correram paralelamente, caudais procedentes da nascente da amargura,

dirigindo-se para o oceano do nirvana: um deslizando brandamente como o arroio da Menina

testemunha do próprio Arriaga. Cf. AA. VV., In Memoriam, op. cit., p. 104. Acerca da recepção da cultura alemã no Portugal de Oitocentos, ver Maria Manuela GOUVEIA DELILLE , «Imagens da Alemanha nos jornais e revistas literárias da geração de Coimbra (1858/59 – 1865/66)», in Colóquio/Letras, nº. 123/124, Lisboa, Fundação C. Gulbenkian, Janeiro-Junho 1992, pp. 26-32.

84 Antero, já em 1873, confirma conhecer bem a Revue: «Eu conhecia já tudo aquilo [a teoria da evolução de Haeckel], afinal, por artigos das Revistas dos Dois Mundos e dos Cursos Científicos […]». C1, p. 343.

85 Numa das «Correspondências» de Coimbra (n. 125, 10 de Maio de 1865), Antero – com o pseudónimo de O Bacharel José – aponta a crítica francesa, e particularmente Sainte-Beuve, como paradigma estético: «A simpatia é um ponto de vista crítico tão excelente como a estética de Planche e Sainte Beuve». A. de QUENTAL, Antero de Quental: O Bacharel José, op. cit., p. 141. Aliás, as considerações publicadas por Sainte-Beuve na Revue des Deux Mondes eram consideradas pelo próprio Francesco De Sanctis – num ensaio de 1869 – uma das mais relevantes manifestações da nascente ‘crítica’ leopardiana: «Non ci è ancora niente che si possa chiamare una critica del Leopardi; appena hai qualche cosa che ne sia inizio. Preziosi materiali non mancano, e tra questi sono preziosissimi le sue lettere, il Sainte-Beuve ci ha dato notizie molte ed esatte delle sue opere edite e inedite [...]». DE SANCTIS, Francesco, La prima canzone di Giacomo Leopardi, in ID., Nuovi Saggi critici, Napoli: Morano, 1901, p. 108.

86 José da COSTA M IRANDA, Traduções de Itália, in Helena Carvalhão BUESCU, (org.), Dicionário do Romantismo literário português, Lisboa: Caminho, 1997, p. 558. Vitorino Nemésio realça que a literatura italiana do Romantismo «[…] era episódica, intermitente, e muito menos avassaladora que a dos demais romantismos». Vitorino NEMÉSIO, A Mocidade de Herculano, 2 vols., Lisboa: Bertrand, 1978, vol. I, p. 285-286.

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e Moça, outro contorcendo-se e despenhando-se em cataratas espumantes – os lakistas e

Byron, Lamartine e Musset, com Puchkine na Rússia, Leopardi na Itália, Espronceda em

Espanha.87

Algumas conclusões parecidas encontram-se no ensaio que Teófilo Braga

publica em 1877 como prefácio do Parnaso Portuguez Moderno, onde o autor aborda a

poesia de Soares de Passos estabelecendo um paralelismo baseado no «desalento

contagioso» entre este poeta português e outros escritores, entre os quais Leopardi:

O seu principal vulto [da poesia de O Novo Trovador] foi Soares de Passos; veiu

n’essa epoca em que ao exagero das paixões no theatro correspondia no lyrismo a

melancholia tenue representada na Allemanha por Novalis, na Inglaterra pelos Lakistas, em

França por Millevoye e Lamartine, e na Italia por Leopardi e Manzoni. Soares de Passos

inspirou-se d’este desalento contagioso mas tardio, e que o proprio Garrett, em França, não

escapou no poema Camões.88

Teófilo volta a referir-se a Leopardi em Historia do Romantismo em Portugal

mostrando um conhecimento pouco aprofundado da obra do poeta italiano, num trecho

repleto de intuições fantasiosas. Na «Ideia geral», o poeta de L‘infinito è colocado na

categoria dos «incompreendidos89»:

[…] as naturesas ingénuas e fortes protestaram contra o obscurantismo da Santa

Alliança, como Byron, ou pugnaram pela independência nacional, como Thomaz Moore, ou

Mickievik [sic], ou perderam a esperança na causa da justiça, e formaram o grupo dos

incomprehendidos, como Shelley, Espronceda, Leopardi e Heine. É este propriamente o

período do romantismo liberal, também conhecido por duas manifestações dístinctas, os

satânicos, cuja exaltação sentimental é conhecida pelo nome de Ultra-Romantismo, e essa

outra eschola que se distingue por ter sabido introduzir na idealisação litteraria os interesses

87 Joaquim Pedro de Oliveira MARTINS, O pessimismo. A propósito de Os Maias de Eça de Queirós, in ID., Literatura e Filosofia, Lisboa: Guimarães Editores, 1955, pp. 374-375.

88 Teófilo BRAGA, (org.), Parnaso Portuguez Moderno, precedido de um estudo da Poesia Moderna Portuguesa por Teophilo Braga, Lisboa: Francisco Artur da Silva Editor, 1877, p. XVI .

89 Acerca dessa afirmação de Teófilo veja-se também M. RUSSO, Um só dorido coração, op. cit., p. 143.

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reaes da vida moderna, a que se deu tardiamente o nome de Realismo.90

A referência ao «satanismo» é retomada numa passagem posterior, desta vez em

relação directa com a obra de Leopardi:

O Romantismo italiano apresenta as suas phases distinctas de christianismo mystico

em Manzoni, e de satanismo em Leopardi, ambos porém com um profundo sentimento

nacional.91

Além das considerações sobre o «profundo sentimento nacional» que inspiraria a

obra desses poetas, e da referência à revista Il Conciliatore (que retirara do Resumé de

la Histoire de Litterature Italienne de Francesco Saverio Salfi92), Teófilo alude aqui ao

«cristianismo místico» de Manzoni e a um suposto «satanismo» de Leopardi. Ora, se o

cristianismo é uma componente importante e indiscutível do pensamento de Manzoni,93

o «satanismo» não encontra correspondência nenhuma na obra de Leopardi. O único

texto que se aproxima dessa faceta evocada em Historia do Romantismo em Portugal é

o fragmento do hino Ad Arimane, escrito em 1833 e publicado mais de sessenta anos

90 Teófilo BRAGA, História do Romantismo em Portugal, Lisboa: Nova Livraria Internacional, 1880, p. 10.

91 Ibid., p. 83. Acrescenta ainda Teófilo: «A Italia tyrannisada pela Austria, encontra na litteratura romântica o seu protesto eloquente; os novos escríptores, Pellico e Maroncelli são encarcerados, Berchet refugia-se na Grécia, e Rosseti [sic] é banido por ter tomado parte na revolta de Nápoles. Mackintosh resume em uma característica fundamental o espirito da litteratura italiana: ‘Desde Petrarcha [sic] até Alfieri, o sentimento nacional da Italia parece ter-se refugiado no coração dos seus escriptores. Quanto mais esse paiz é abandonado pelos seus compatriotas, tanto mais faliam d'elle com enlevo.’ Na lucta do Romantismo, os Clássicos, para triumpharem dos sens adversarios, serviram-se do despotismo austriaco; a plêiada romântica proclamava os novos principios litterarios no Conciliatore. Este jornal, foi como diz Salfi: ‘Accusado de excitar os seus leitores á independência politica por meio da independência lítteraria.’». Ibid., p. 82.

92 Cf. Francesco Saverio SALFI, Resumé de la Histoire de Litterature Italienne, Paris: Louis Janet, 1826.

93 Cf. Vitorino NEMÉSIO, A Mocidade de Herculano, op. cit., p. 286. Giuseppe Carlo Rossi defende que essa ode manzoniana teve em Portugal uma popularidade «clamorosa». Cf. Giuseppe Carlo ROSSI, A literatura italiana e as literaturas de língua portuguesa, Porto: Livraria Telos, 1973, p. 161. Acerca da recepção da obra de Manzoni em Portugal, veja-se também Fiorentino V IOLA, «La ricezione dell’ode Il Cinque Maggio nel Portogallo e nel Brasile del XIX secolo», in Estudos Italianos em Portugal, Nova série, Lisboa: Instituto Italiano de Cultura, n. 6, 2011, pp. 95-108.

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depois da morte do poeta, em 1898, por Giosué Carducci94. É razoável pensar, porém,

que Teófilo, falando em «satanismo» literário em finais do século XIX , se refira àqueles

poetas que, na senda de Blake e de Byron, «só vêem o mal» e que se inspiram, directa

ou indirectamente, na poesia de Baudelaire, de Poe, de Flaubert.95 A própria criação de

Fradique Mendes e dos Satánicos do Norte, em 186996 mostra amplamente os alicerces

da ideia que essa geração tinha dos poetas do mal. Enquanto Eça de Queirós afirmava

que esses poetas «combatem a carne com a carne, cantam a potridão97», Antero, em A

Poesia na Actualidade, refletia nestes termos em torno da poesia ‘satânica’:

E àquela voz [a da ‘prosa racional’] sarcasticamente desesperada respondiam outras:

Baudelaire, em França, prostituindo a poesia, a antiga inspiradora da virtude e do heroismo,

e obrigando-a a respirar as pestíferas flores do mal e a cantar o vício incurável […].98

É evidente que nada disto se entrevê na obra de Leopardi, nem mesmo

considerando o fragmento Ad Arimane, que, aliás, dialoga com alguns apontamentos do

Zibaldone, e com os cantos A Se Stesso e La Ginestra, sendo coerente com a ideia

leopardiana da absoluta soberania do mal no universo.99 Embora Leopardi afirme e

reafirme ao longo da sua obra que «l’esistenza è un male per tutte le parti che

compongono l’universo»100, parece descabida uma relação com o satanismo. E também

a natureza desse fragmento – que Teófilo não podia conhecer em 1880 – não deixa de

reforçar o que está patente já no Zibaldone, isto é, que a única força que se contrapõe ao

94 A propósito desse texto ver Lucio FELICI, L’Olimpo abbandonato. Leopardi tra «favole antiche» e «disperati affetti», Venezia: Marsilio, 2005, pp. 201-224.

95 Cf. José Maria Eça de QUEIRÓS, Cartas de Fradique Mendes e mais páginas esquecidas, Porto: Lello & Irmão, 1945, pp. 80-92.

96 A este respeito veja-se a testemunha de Jaime Batalha Reis. Cf. AA. VV., In Memoriam, op. cit., pp. 461-462.

97 José Maria Eça de QUEIRÓS, Cartas de Fradique Mendes, op. cit., p. 80

98 PNA, p. LII -LIII .

99 Cf. Z2, pp. 2734-2735 [4174].

100 Ibid, p. 2735 [4174].

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mal absoluto é o absoluto «não-ser»101. Sendo assim, o fervor historicista de Teófilo

Braga sofre, também nesse caso, daqueles «dois defeitos» que o próprio Antero lhe

criticava: «impaciência, que leva a conclusões prematuras» e «espirito systematico, que

leva a conclusões falsas»102.

Teófilo Braga voltará a referir-se a Leopardi alguns anos depois, nas Modernas

Ideias na Litteratura Portugueza, valorizando as relações entre poesia e filosofia. Nesse

caso, o poeta italiano surge ao lado de Schiller, mas também do próprio Antero e de

Gomes Leal:

Schiller deveu á adhesão á Philosophia critica de Kant as manifestações da sua

profundidade artistica. Mesmo as concepções especiais não se separam da sua relação

esthetica, como se vê no lyrismo de Leopardi universalizando as concepções do Pessimismo

de Schopenhauer, continuadas no idealismo de Anthero de Quental e Gomes Leal.103

Não está claro de que maneira Leopardi terá ‘universalizado’ o pessimismo de

Schopenhauer, mesmo por razões históricas. Sabe-se que o filósofo alemão leu e

admirou o ensaio-diálogo Schopenhauer e Leopardi de Francesco De Sanctis, publicado

na Rivista Contemporanea em 1858, e consta que também leu, nesse mesmo ano,

algumas obras do próprio Leopardi, contribuindo para a difusão da sua obra na

Alemanha104. Pelo contrário, não parece provável que o poeta italiano tenha entrado em

contacto com Schopenhauer, nem com seus escritos.

Por sua vez, o ensaio de Pinheiro Chagas, «A Poesia Italiana. Manzoni – Carrer

– Leopardi», publicado em 1864 na Revista Contemporânea de Portugal e Brasil, é um

101 «Tutto è male. Cioè tutto quello che è, è male; che ciascuna cosa esista è un male; ciascuna cosa esiste per fin di male; l’esistenza è un male e ordinata male; il fine dell’universo è il male; l’ordine e lo stato, le leggi, l’andamento naturale dell’universo non sono altro che male, né diretti ad altro che al male». Idem.

102 Antero de QUENTAL, Considerações sobre a Filosofia da História Literária Portuguesa, in Prosas, 3 vols, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1926-1931, vol. II , p. 213.

103 T. BRAGA, As Modernas Ideias na Litteratura Portugueza, op. cit., vol. II, p. 239. Trata-se do capítulo Programa dos Trabalhos da Geração Moderna.

104 Acerca do papel de Schpenhauer na difusão da obra leopardiana na Alemanha, veja-se Gabriella

ROVAGNATI, L’infinito e gli infiniti. Alcune versioni tedesche del XII canto di Leopardi fra tardo Ottocento e primo Novecento, in Mauro PONZI (org.), Spazi di transizione: il classico moderno (1880 - 1933), Milano: Mimesis Edizioni, 2008, pp. 221-246.

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exemplo acabado de leitura unívoca e aproximada da poesia italiana, e particularmente

no que diz respeito à obra de Leopardi. Em primeiro lugar, a maneira de equiparar

escritores que, embora quase contemporâneos, pouco ou nada têm em comum (e nem

sequer na senda de um «cunho nacional»105), nem em termos poéticos, nem de

pensamento ou de estilo106. Logo a seguir, ao abordar a obra dos três escritores que,

segundo afirma, «resumem nos seus versos as feicções da poesia italiana107», Pinheiro

Chagas mostra ter delas um conhecimento fragmentário. Se por um lado é uma tentativa

de louvor para com a poesia italiana – como se vê nas primeiras páginas – por outro é

uma análise pouco abrangente e incompleta, sobretudo porque o autor, já no caso de

Manzoni, mostra conhecer apenas as «patrioticas tragedias» Adelchi e Il Conte di

Carmagnola, e alguns dos Inni sacri108, defendendo que «O amor da patria foi para

Manzoni a arca santa de que se fez voluntariamente levita. A corda dos doces affectos

não existe na sua lyra, ou raras vezes é vibrada109».

Essa leitura, além de lacunar, é ainda incorrecta. «A corda dos doces affectos»

existe em vários, distintos e importantes momentos da obra de Manzoni, e «vibra» – só

para lembrar os exemplos mais significativos – no romance I Promessi Sposi, obra

105 «Ha comtudo um paiz, cuja litteratura, menos conhecida entre nós do que o devia ser, conservou o cunho nacional na revolução que emprehendeu, como todas as outras, contra as decrepitas e enfezadas formas da poesia do seculo passado. Este paiz foi a Italia». M. PINHEIRO CHAGAS, A Poesia Italiana, op. cit., p. 235.

106«Nas margens dos rios de Baylonia solta Jeremias os seus hymnos de tristeza, nas praias da bella Italia erguem-se Manzoni, Leopardi, Silvio Pellico, Ugo Foscolo, Pindemonte, Monti, Rossetti, Giacometti a protestarem com a sua voz nobre e altiva contra os impios decretos da sorte». Ibid., p. 236. Também Mariagrazia Russo salienta que a ‘avaliação’ é insuficiente, mesmo porque Pinheiro Chagas pretende colocar dois poetas de inabalável grandeza, como Manzoni e Leopardi, no mesmo plano de Carrer. Cf. M.

RUSSO, Um só dorido coração, op. cit., p. 136.

107 M. PINHEIRO CHAGAS, A Poesia Italiana, op. cit., p. 237.

108 «Poeta lyrico de inexcedivel vigor, correcção, e sentimento, Manzoni consagrou quasi completamente as suas faculdades poeticas aos hymnos sacros, em que é insigne, e às patrioticas tragedias, em que o amor pouco ou nada tem que ver. […]». Ibid., p. 239. Todas as referências de Pinheiro Chagas a Manzoni e Leopardi limitam-se a uma selecção que parece tirada do volume antológico AA. VV., Poesie italiane di vari autori, Firenze: Ducci, 1832, onde constam poemas de Monti, Filicaia, Petrarca, Foscolo, Pindemonte, Leopardi, Berchet, Manzoni e Borghi. Com efeito, nessa recolha, de Leopardi consta apenas All’Italia, enquanto Manzoni é representado pela ode Il 5 Maggio, pelos hinos La Risurrezione, Il Nome di Maria, Il Natale, La Passione e La Pentecoste, além de um coro da tragédia Il Conte di Carmagnola e dois trechos de Adelchi. Ibid., pp. 213-252.

109 Idem.

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prima da literatura italiana de Oitocentos, no hino Natale 1833 (cujo terno lirismo nada

tem a ver com o amor à pátria), e no episódio da morte de Ermengarda na tragédia

Adelchi. Embora seja indiscutível o alento patriótico na obra do escritor milanês,

Pinheiro Chagas salienta apenas esse aspecto, e também o «vigor lyrico» atribuído aos

coros dramáticos e a «sobriedade austera110» de Manzoni são interpretados apenas nessa

óptica. Bem mais arbitrárias são as relações que o autor estabelece entre Manzoni e

Leopardi:

Manzoni não era, como adiante veremos que o era Leopardi, o Tyrteu das phalanges

patrioticas, o que fazia tremular o pendão da antiga independencia, e que animava com os seus

hymnos de enthusiasmo o povo da gentil peninsula a reconquistar a sua autonomia e a sua tão

appetecida unidade.111

A evocação de Tirteu surge aqui mais como simulacro do poeta da pólis grega do

que modelo de poesia elegíaca, animando as «phalanges patrióticas» com «os seus

hymnos de enthusiasmo». Todavia, como se disse, se bem que uma forma de

patriotismo – que chamaremos ‘poético’ – esteja presente como pano de fundo nas

primeiras canções de Leopardi, a reflexão de Pinheiro Chagas (que, aliás, apenas cita o

poema All'Italia ) não deixa de ser muito imprecisa, pois em 1818, quando escreve esta

canção, o jovem Leopardi tem na imaginação mais a Itália antiga e mítica de Lívio e de

Cícero do que o ideal revolucionário dos carbonários, cuja existência muito

provavelmente ainda ignorava nesse tempo.112 A insistência nessa espécie de

‘patriotismo militante’113 desagua no oco frasear dos parágrafos seguintes, onde se tenta

confinar a obra leopardiana em moldes bem delimitados:

110 Ibid., p. 240.

111 Ibid., pp. 237-238.

112 Cf. F. DE SANCTIS, Studio su Giacomo Leopardi, op. cit., pp. 105-106

113 A propósito do patriotismo na poesia de Leopardi, veja-se também Luigi BLASUCCI, «Sulle due prime canzoni leopardiane», in Giornale storico della letteratura italiana, n. 138, Torino, Loescher, 1961, p. 63. e Giovanni Alfredo CESAREO, «L’Italia nel canto di G. Leopardi e ne’ canti de’ poeti anteriori», in Nuova Antologia, anno III, vol. 32, Roma, 1889, pp. 454-455.

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Comtudo os seus canticos patrioticos são o seu verdadeiro titulo de gloria. Os versos

All'Italia são a mais brilhante manifestação do seu enthusiastico talento.114

Notemos que no seu «estudinho» – como lhe chamou Nemésio115 – Pinheiro

Chagas não fornece nenhuma indicação extensa acerca do pensamento e da obra de

Leopardi, tal como não há alguma referência aos ‘idílios’ nem aos grandes poemas do

período napolitano, aspecto que confirma que pouco ou nada conhecia além do poema

All’Italia .

Ao contrário, a abordagem de Antero, como veremos, irá diferenciar-se

sensivelmente dessas análises. Até por defender uma literatura (e uma crítica) «com

ideias», o poeta micaelense rejeita um paradigma marcado pela univocidade e pela

aproximação. A sua análise de Leopardi é fruto de um interesse profundo e também as

suas (poucas) referências directas ao poeta italiano – se bem que fundadas num

conhecimento forçosamente fragmentário a posteriori – irão dar numa reflexão crítica

muito mais abrangente, sendo o resultado de uma leitura atenta, autónoma e desprovida

de ideias preconcebidas.

114

M. PINHEIRO CHAGAS, A Poesia Italiana, op. cit., p. 243. Acrescenta ainda mais adiante: «Leopardi não procura, como Manzoni, no passado as causas da degenaração da Italia. O seu genio, mais impaciente, limita-se a comparar a grandeza de outr'ora com a decadência da actualidade, e a indignar-se em presença da submissão, com que elle entendia que os seus compatriotas acceitavam os decretos do destino». Ibid., p. 240.

115 Cf. V. NEMÉSIO, A Mocidade de Herculano, op. cit., vol. I, p. 285.

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II. NA BIBLIOTECA DE ANTERO

2.1 Na senda do ‘poète du pessimisme’

Não nos é possível estabelecer com exactidão quando e de que maneira Antero

entrou em contacto com a obra de Leopardi. Durante as aulas no Colégio do Pórtico,

Antero poderia ter ouvido falar do poeta italiano, com quem, como se disse, Feliciano

de Castilho correspondera através da intermediação de Sinner.116 Não há, porém,

nenhum indício preciso nesse sentido, e o próprio Júlio de Castilho, nas Memórias de

Castilho, ao referir a participação de Antero nas aulas, lembra as constantes leituras «de

portuguez, francez e latim»117 e muitas outras «digressões» literárias que se faziam, mas

não especifica nenhum texto particular de Leopardi.118

Recorde-se ainda que em 1862, já em Coimbra, Antero escreve o poema À Itália

(lido publicamente a 22 de Outubro do mesmo ano por António Fialho Machado no

Teatro Académico, na presença do príncipe Humberto de Sabóia119), poema que apenas

pelo título se aproxima de All’Italia de Leopardi, pois Antero nessa circunstância não

mostra conhecer esse poema. A este respeito, lembramos que na biblioteca do poeta

116 Além disso, lembramos que em 1853 Feliciano escrevia o prefácio do Album ítalo-portuguez de Galleano-Ravara, volume que recolhia textos de autores italianos e portugueses, entre os quais, todavia, não consta nenhuma obra de Leopardi. Contudo, na epígrafe do poema Memórias e lágrimas de Latino Coelho encontram-se os primeiros seis versos da canção All’Italia de Leopardi, transcritos em italiano. Cf. GALLEANO-RAVARA , A. (org), Album ítalo-portuguez, prefácio de António Feliciano de Castilho, Lisboa: Imprensa Nacional, 1853, p. 67. Acerca da estadia da família Castilho nos Açores, veja-se Ernesto FERREIRA, Os três patriarcas do Romantismo nos Açores, Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1994.

117 «Portuguez – disse eu; – francez; latim. Sim, mas isso eram apenas os pretextos para digressões philo-logicas e históricas, scientificas e letterarias». Júlio CASTILHO, Memórias de Castilho, 6 vols, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1926-1932, vol. VI, p.110. Relativamente às leituras de Antero nesse período, vejam-se também as observações de Bruno Carreiro (Cf. ID., Antero de Quental, op. cit., vol. I, pp. 181-182).

118 Giuseppe Carlo Rossi observa que Feliciano de Castilho conhecia de cor várias líricas de Leopardi. Cf. ID., Il Leopardi e il mondo di lingua portoghese, op. cit., p. 565.

119 Acerca desse célebre episódio, vejam-se as considerações de Bruno Carreiro (Cf. ID., Antero de Quental, op. cit., vol. I, pp. 181-182), e as testemunhas de Mariano Machado de Faria e Maia e de Eça de Queirós (Cf. AA. VV., In Memoriam, op. cit., p. 433). A este respeito veja-se também BRAGA, Teófilo, Historia da Universidade de Coimbra, 4 vols, Lisboa: Academia Real das Ciências, 1902, vol. IV , pp. 289-291.

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português consta também o volume Poesie italiane di vari autori120 de 1835 (portanto

publicado ainda durante a vida do poeta de Recanati), que incluía All’Italia , embora não

possamos afirmar que Antero já conhecesse esse poema em 1862, e também não existe

nenhum elemento a justificar eventuais paralelismos, analogias, ou relações directas

com a canção de Leopardi.

A poesia-ode À Itália condensa a admiração pela que é definida «pátria das

artes»121, bem como as instâncias revolucionárias simbolizadas pelas recentes vivências

de Garibaldi122. O pendor lírico – que, como notou José Carlos Seabra Pereira, nunca

será de todo eliminado no percurso poético de Antero123 – manifesta-se ao longo do

poema, e é estabelecida uma identidade entre Itália e Portugal que vem a ser expressa

num tom afirmativo e entusiasmado: «Itália e Portugal! Que duas pátrias! / Ambas tão

belas, tão amadas ambas».124 Se em A História (ode composta também em 1862125),

invocava-se uma redenção de carácter moral a realizar por «um sonho gigantesco de

beleza», sob o olhar benigno da natureza,126 no poema À Itália esse «sonho» perfila-se

como realidade alcançada não só pela acção dos homens (embora heróicos, como

Garibaldi e o próprio Vittorio Emanuele de Sabóia) mas sobretudo por uma vontade

ultraterrena.127

É de ver que o alento ‘revolucionário’, característico do Antero da época de

Coimbra, está num plano totalmente diferente da pátria mítica representada por

120 AA. VV., Poesie italiane di vari autori, op. cit., pp. 183-188. No volume que pertenceu a Antero (3º edição, 1835), não há dedicatórias nem datas, e a canção de Leopardi aparece ali com o título Canto all’Italia e não com o original All’Italia . Cf. ‘Anexos’ (Fig. 9-10). Ver também, J. B. CARREIRO, Indículo da livraria de Antero de Quental, op. cit., p. 354.

121 REL, pp. 131-134. É desse período também o poema A Gennaro Perrelli. Ibid., p. 135.

122 «Bastou-lhe o brado de um bravo / Para se erguer, – ei-lo em pé!». Ibid., p. 132.

123 José Carlos SEABRA PEREIRA, «Antero – Poesia, alta voz dramática», in Revista de História das Ideias, n. 13, coordenação por Fernando Catroga, Coimbra, Faculdade de Letras, 1991, pp. 193-210, p. 195.

124 REL, p. 131.

125 Cf. OM, pp. 35-51.

126 «Sorri-le o céu de cima, e a natureza / Em volta é como amante apetecida […]. Ibid., p. 37.

127 «Deus! – único juiz». REL, p. 134

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Leopardi. Com sua abertura solene («O pátria mia, vedo le mura e gli archi»128), as

amplas estâncias, o esquema de rimas soltas e mistas, juntamente com o fôlego heróico

que caracteriza as suas primeiras canções129, o poeta italiano canta doridamente a

decadência, ainda maior se comparada com a glória antiga:

Oh venturose e care e benedette

L’antiche età, che a morte

Per la pátria correan le genti a squadre.130

O optimismo que anima o poema de Antero («Tudo tem alívio à mágoa»131), não

tem correspondência no desespero da canção leopardiana, que é absoluto e irresolúvel,

filho da constante reflexão sobre a diversidade radical entre homem antigo e homem

moderno,132 que acaba por tornar individual o drama colectivo.133 Apenas a

‘humanização’ da pátria, representada com feições nobres, ainda que em lágrimas – bem

presente na canção de Leopardi 134 – encontraria um paralelismo, embora muito fraco,

no poema de Antero,135 mas trata-se sempre de elementos constitutivos de muita lírica

com temática ‘civil’ e por si só não constitui uma razão suficiente para confirmar que

Antero se inspirasse na canção leopardiana, nem que a tivesse lido.

É interessante focar brevemente a atenção em alguns textos que Antero conheceu

128 PP1, p. 5

129 Relativamente à métrica da canção leopardiana, veja-se também Pietro G. BELTRAMI, La metrica italiana, Bologna: Il Mulino, 2002, p. 270.

130 PP1, pp. 6-7.

131 REL, p. 134.

132 PP1, p. 916.

133 «Da tanta altezza in così basso loco? / Nessun pugna per te? non ti difende / Nessun de’ tuoi? L’armi, qua l’armi: io solo / Combatterò, procomberò sol io.» Ibid. p. 6. Estes versos também estão na origem de um comentário irónico de Niccolò Tommaseo no Dizionario della Lingua Italiana. Cf. Giacomo LEOPARDI, Canti, a cura di Giorgio Ficara, Milano: Mondadori, 1987, p. 45 (nota 38). Sobre essa canção vejam-se também as observações de Moroncini (MORONCINI, F. (org.), Canti di Giacomo Leopardi, op. cit., pp. 1-46).

134 «Formosissima donna! […] Piangi, che hai ben donde, Itália mia […]». PP1, p. 5.

135 « […] Ela, entretanto, / Chorava, olhando o céu, negro de nuvens! […] O seu corpo partido em dez retalhos […]». REL, p. 131.

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na década de 1870, e que, de alguma maneira, poderão tê-lo aproximado a obra e ao

pensamento do poeta de Recanati. Como se disse, é altamente provável que nesse

período ainda não tivesse lido obras de Leopardi, mas no entanto interessava-se pela

filosofia do inconsciente e pela teoria do pessimismo de Hartmann, cuja influência,

sobretudo em alguns sonetos, não deixa de ser profunda e significativa.136 O interesse

por Hartmann, passa primeiro por uma fase ‘indirecta’, sendo apenas em 1876 que

Antero irá ler efectivamente La Religion de l’Avenir,137 e só depois Philosophie des

Unbewussten na tradução francesa de Nolen138. A 28 de Junho de 1877, na véspera da

sua partida para França, recomendava ainda a Oliveira Martins a leitura de Hartmann e

de Schopenhauer, cujo pensamento Antero devia conhecer pelo menos desde 1872:139

Folgo que leia Schopenhauer, e já que está agora para aí virado, leia também

136 Cf. J. de CARVALHO , Evolução espiritual de Antero e outros escritos, op. cit., p. 215. Sobre a influência de Hartmann na obra e no pensamento de Antero, veja-se, do mesmo autor, Sobre a origem da concepção da incosciência de Deus em Antero de Quental, in AA. Vv., Antero de Quental (1842-1891), coordenação por Ana Maria Almeida Martins, Lisboa: Biblioteca Nacional, 1991, pp. 101-107.

137 Esta informação é confirmada pelo próprio Antero em cartas a Oliveira Martins (13 de Maio e 3 de Junho de 1876). Cf. C1, pp. 499-504. A partir desse momento, o pensador alemão tornar-se-á no filósofo mais lido por Antero. Cf. J. de CARVALHO , Evolução espiritual de Antero e outros escritos, op. cit., p. 215-217.

138 Edouard von HARTMANN , Philosophie de l’Inconscient, trad. par D. Nolen, Paris, 1877, 2 vols. Esta obra consta na biblioteca de Antero de Quental legada à Biblioteca Pública de Ponta Delgada, tal como o volume de Theodule Ribot, La philosophie de Schopenhauer (Paris, 1874). Cf. CARREIRO, J. B., Indículo da livraria de Antero de Quental, op. cit., pp. 357 e 358.

139 Cf. Cartas a Lobo de Moura (12 de Abril de 1872) e a Batalha Reis (26 de Junho de 1874). Nessa última carta há também uma referência ao livro de Théodule-Armand Ribot, La philosophie de Schopenhauer (Paris, 1874). Na biblioteca de Antero consta esse estudo de Ribot, enquanto de Schopenahuer encontram-se os volumes Aphorismes sur la sagesse dans la vie (traduit. par J. A. Cantacuzène, Paris, 1880) e Le fondement de la morale (traduit par A. Burdeau, Paris, 1879). CARREIRO, J. B., Indículo da livraria de Antero de Quental, op. cit., pp. 358 e 368. Realça Oliveira Martins no prefácio aos Sonetos Completos que, em geral, «Schopenhauer ninguém o lia. Não era moda». S., p. 29. Por sua vez, Luís de Magalhães interrogava-se se atrás do pessimismo que caracterizava os Sonetos editados em 1881, houvesse a leitura dos dois filósofos alemães: «É [o livro dos Sonetos] um retiro brusco e misantrópico atrás do reduto selvagem e incomunicável da filosofia de Schopenhauer e Hartmann?». MAGALHÃES, Luís de, Sonetos, por Antero de Quental, Biblioteca da Renascença – I volume – edição de luxo, in ID., Antero de Quental em Vila do Conde, recolha, prefácio e notas de Ana Maria Almeida Martins, Lisboa: Tinta-da-China, 2010, p. 24. Este texto foi publicado anteriormente na Revista Científica e Literária (nº 2, Janeiro de 1881).

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Hartmann. Há muita coisa boa nessa filosofia pessimista […].140

E a 6 de Agosto, já em Bellevue, acrescentava:

Já vê quanto estou longe de Schopenhauer. Se dou grande importância a este filósofo,

não é de modo algum pelas conclusões a que chegou, mas pela maneira por que pôs certas

questões, pela linha que traçou. Refiro-me a Hartmann, que tenho actualmente entre as mãos.

Mas de tudo isto discursaremos largamente, a seu tempo.141

Recorde-se que em 1877, o mesmo ano da primeira cura de Antero em França,142

é publicado em Paris o importante estudo de François-Alphonse Aulard Essai sur les

idées philosophiques et l'inspiration poétique de Giacomo Leopardi, acompanhado por

uma antologia de traduções143 – livro que irá marcar uma viragem na difusão e na

recepção da obra de Leopardi em França, sendo a partir desse momento que são

publicadas as primeiras traduções em volume, acompanhadas por estudos e comentários

críticos. Em 1878, enquanto Antero se encontrava de novo em Bellevue, aparecia em

França outro importante estudo do filósofo espiritualista Elme-Marie Caro sobre

pessimismo, reunindo finalmente lado a lado os seus três grandes representantes: Le

Pessimisme au XIXeme siècle: Leopardi – Schopenhauer – Hartmann.144 O debate que

esses livros geraram no meio cultural francês145 poderá não ter escapado a Antero, que,

140 Por esta carta sabemos que Antero irá viajar para Paris daí a dois dias («Parto depois de amanhã»). Cf. C2, p. 28.

141 Ibid., p. 38 [itálico no original].

142 Antero irá ficar em Bellevue de Julho a Dezembro para uma cura hidroterápica. A segunda cura será em 1878. Cf. J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. II, p. 68. Em carta a Germano Meireles (26 de Agosto de 1877) salientava: «Já te disse que Bellevue não é Paris, mas é nos arredores, e bastam 20 minutos de caminho de ferro para me pôr no centro da grande Babilónia. Daqui resulta que vou com frequência a Paris, coisa que muito me distrai». C2, p. 47.

143 O ensaio é acompanhado por uma selecção de traduções da obra de Leopardi. Cf. François-Alphonse AULARD, Essai sur les idées philosophiques et l'inspiration poétique de Giacomo Leopardi, suivi d'oeuvres inédites et de traduction de quelques unes des oeuvres morales, Paris: Ernest Thorin Editeur, 1877.

144 Cf. Elme-Marie CARO, Le Pessimisme au XIXeme siècle: Leopardi – Schopenhauer – Hartmann, Paris: Hachette, 1878.

145 Cf. N. SERBAN, Leopardi et la France, op. cit., p. 304

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dentro do possível, durante as suas estadias em França, participava em conversações

sobre «metafísica, filosofia e história religiosa»146 e até planeou visitar Renan.147

Contudo, a falta de documentação não nos autoriza a afirmar que Antero conhecesse

essas obras, mas é razoável pensar que já nessa altura devia ter uma ideia, mesmo que

geral, do pensamento de Leopardi, e particularmente da sua vertente mais ligada ao

conceito de pessimismo, que o próprio poeta micaelense ia elaborando à luz das

sugestões encontradas nas obras dos dois pensadores alemães. Por todas essas razões,

portanto, Antero estava pelo menos predisposto para entrar em contacto com a obra do

«poete du pessimisme»,148 pois essa reflexão é, ou pretende ser, como veremos, a etapa

de um percurso orientado «para uma espécie de optimismo transcendente»,149 e é o

próprio pensamento de Hartmann, mesmo na Philosophie de l’Inconscient, que lhe

fornece várias reflexões sobre a origem ‘mística’ das ideias e sobre a inconsciência dos

antigos.150

Nesse sentido, o «optimismo terrestre» do filósofo alemão não é alheio ao

pessimismo de Leopardi, cuja obra e cujo pensamento não podiam deixar de suscitar no

espírito de Antero aquele desejo de «travar mais íntimo conhecimento», que alguns anos

depois irá manifestar a Joaquim de Araújo. Nos ensaios de Dumont e Ribot e nas obras

de Hartmann e Schopenahuer que Antero leu nesse período, não consta nenhuma

referência directa a Leopardi151, se bem que o autor de L‘Infinito – talvez o maior

representante en poéte da «linha» teórico-filosófica do pessimismo europeu do século

146 C2, p. 44.

147 Idem. Numa carta a Tommaso Cannizzaro (6 de Agosto de 1883), Antero mostra um conhecimento específico das publicações dos editores franceses. Relativamente à obra do poeta brasileiro Nolasco da Cunha escreve: «S’il a publié sa traduction a Paris, ce doit être chez Aillaud ou chez Garnier Frères, les seuls libraires français qui impriment dês livres en portugais.». Ibid., p. 385.

148 A definição é de Elme-Marie Caro. Cf. E-M. CARO, Le Pessimisme au XIXe siècle, op. cit., p. 29.

149 Ibid., p. 273. A este respeito veja-se também CATROGA, Fernando, Optimismo transcendental, in AA. Vv., Antero de Quental (1842-1891), op. cit., pp. 85-92.

150«Les notions vraiment philosophiques (les catégories, etc.) restent les mêmes: elles sont, à peu d'exceptions près, comme les concepts de conscience et autres semblables, telles aujourd'hui qu'elles étaient pour les anciens de l'époque classique, qui les connaissaient par une sorte d'instinct divinateur, non d'une manière explicite et conscient.» E. Von HARTMANN , Philosophie de l’Incoscient, op. cit., p. 327.

151 Cf. Giuseppe INVERNIZZI, Il pessimismo tedesco dell'Ottocento: Schopenhauer, Hartmann, Bahnsen e Mainländer e i loro avversari, Firenze: La Nuova Italia, 1994.

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XIX – tenha sido uma fonte de inspiração e de reflexão para Schopenhauer nos últimos

anos de vida, tal como o foi para Hartmann.152

152 Cf. Emanuele SEVERINO, Il nulla e la poesia. Alla fine dell’età della tecnica: Leopardi, Milano: Rizzoli, 1990, p. 28.

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2.2 Um mais íntimo conhecimento

Na biblioteca de Antero legada à Biblioteca Pública de Ponta Delgada constam

duas edições da obra de Leopardi, uma francesa – Opuscules et pensées153 (publicada

em 1880, como os três tomos das Poésies et Oeuvres morales de Leopardi organizadas e

traduzidas por Aulard) – e outra italiana, Poesie154, publicada em Milão em 1883. A

edição francesa, recolhe 54 dos 111 Pensieri e algumas das Operette morali155, tratando-

se de facto de uma selecção de obras em prosa com um fôlego marcadamente

filosófico.156 No seu prefácio, o organizador do volume, Auguste Dapples, traça um

perfil biográfico do poeta de Recanati157 inspirado no livro Sette anni di sodalizio con

Giacomo Leopardi, de Antonio Ranieri,158 também publicado em 1880. Aliás, Dapples

não deixa de fornecer um panorama geral da crítica leopardiana desde De Sinner,

153 Cf. Giacomo LEOPARDI, Opuscules et pensées, traduit de l’italien e précédé d’une préface par Auguste Dapples, Paris: Libraire Germer Baillière et C., 1880. A cópia presente na biblioteca de Antero tem no frontispício a assinatura do poeta («Anthero»), mas está desprovida de datas, dedicatórias ou outras anotações (Cf. ‘Anexos’, Figuras 1-3).

154 Giacomo LEOPARDI, Poesie, Milano, Sonzogno, 1883 [5ª ed.]. Tem no ante rosto a dedicatória: «Ao seu querido amigo Anthero / offe. / J. d’Araújo / 16 d’Out. 83». Cf. ‘Anexos’ (Figuras 4 e 5).

155Além do prefácio de Auguste Dapples e da escolha de traduções dos Pensieri, no volume constam as seguintes traduções das prosas de Leopardi, todas retiradas das Operette morali: L’Histoire du genre humain; Dialogue d'Hercule et d'Atlas; Dialogue de la Mode et de la Mort; Dialogue d'un Gnome et d'un Lutin; Dialogue de Malambrun et de Farfadet; Dialogue de la Nature et d'une âme; Dialogue de la Terre et de la Lune; Le pari de Prométhée; Dialogue d'un physicien et d'un métaphysicien; Dialogue du Tasse et de son Génie familier; Dialogue de la Nature et d'un Islandais; Dialogue de Frédéric Ruysch et de ses momies; Dialogue de Timandre et d'Ëléandre; Dialogue d'un marchand d'almanachs et d'un passant; Dialogue de Tristan et d'un ami; Dialogue de Plotin et de Porphyre e Les Propos mémorables de Philippe Ottonieri. Faltam portanto: Proposta di premi fatta dall’Accademia dei Sillografi; Il Parini, ovvero della gloria; Dialogo di Cristoforo Colombo e Pietro Gutierrez; Elogio degli uccelli; Cantico del gallo silvestre; Frammento apocrifo di Stratone da Lampsaco e Il Copernico. Dialogo. Cf. ‘Anexos’ (Figuras 6-8).

156 O volume foi publicado na colecção Bibliothèque de Philosphie Contemporaine (Cf. ‘Anexos’, Fig. 1-2).

157 Cf. G. LEOPARDI, Opuscules et pensées, op. cit., pp. V-XII .

158 Ranieri convivera com Leopardi durante os últimos anos de vida do poeta, se bem que o seu livro Sette anni di sodalizio con Giacomo Leopardi (Napoli, Tipografia Giannini, 1880) tenha gerado enormes polémicas que continuaram mesmo após a morte do próprio Ranieri. Cf. Franco RIDELLA , Una sventura postuma di Giacomo Leopardi: studio di critica biográfica, Torino: Clausen, 1897. Sobre o debate gerado pelo livro de Ranieri veja-se também a introdução de Giulio Cattaneo ao volume M. RANIERI, Sette anni di sodalizio con Giacomo Leopardi, op. op. cit., pp. 11-21.

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atacando a abordagem daqueles que «ne prennent guère au sérieux sa philosophie

désespérée», e nomeadamente Paul Heyse, na Alemanha, e, em França, Sainte-Beuve,

Marc Monnier e Bouché-Leclerq, considerados «détracteurs» do poeta.159 Ao contrário,

o trabalho de Elme-Marie Caro, tal como os estudos e as traduções de Aulard, suscitam

uma moderada admiração em Dapples, que também não deixa de se referir ao

«paradoxal» Schopenhauer e à «érudition scientifique prodigieuse» de Hartmann160. Por

fim, na última página da introdução, o organizador do volume salienta que nesse

período «De nombreux écrivains se sont attachés, un peu partout, à l'étude de ses

œuvres»,161 consideração que confirma o interesse e a ampla difusão que a obra de

Leopardi alcançava nesse tempo.

Pela ausência de dedicatórias ou apontamentos na cópia que pertenceu a Antero,

não podemos estabelecer com exactidão quando poderá ter lido esse livro (com seu

prefácio), mas também não se pode excluir que já o possuisse na altura em que escrevia

A Poesia na Actualidade (1881) pois a referência directa e precisa a Leopardi nesse

ensaio bastaria para confirmar um conhecimento, ainda que não sistemático, da sua obra.

Ao mesmo tempo, não parece impossível que Antero tenha adquirido mais tarde esse

volume, mesmo depois da edição das Poesie que chegou às suas mãos em meados de

Outubro de 1883.

Além do mais, num artigo sobre António Pedro Lopes de Mendonça publicado a

30 de Maio de 1880 em O Operário, refere-se Antero a vários poetas e pensadores

responsáveis da «revolução romântica», entre os quais Manzoni, Gioberti, Mazzini,

Mamiani e Cantù, mas não cita Leopardi.162 Nessa «plêiade» que caracterizou o

159 Concluindo que «A y regarder de plus près, cet argument nous paraît se retourner contre les détracteurs de Leopardi.» G. LEOPARDI, Opuscules et pensées, op. cit., p. XI-XII . Acerca do debate em torno de traduções, edições e crítica relativa a Leopardi em França, veja-se também N. SERBAN, Leopardi et la France, op. cit., p. 317.

160 G. LEOPARDI, Opuscules et pensées, op. cit., p. XIII .

161 Ibid., p. 16.

162 «Os promotores e fautores daquele movimento [o romantismo] os Lamartine, L. Rolin, Arago, L. Blanc, Proudhon, Raspail, Mazzini, Garibaldi, Manin, Gargern, Rositti [sic], Bem, Kossuth, e todos os que indirectamente o prepararam, oradores, pensadores, poetas, Lamennais, Michelet, Quinet, Hugo, Sand, Sue, Leroux, Mickiewicz, Gioberti, Manzoni, Cantu [sic], Mamiani, Feuerbach, Heine formam uma plêiade incomparável pelo talento e pelo carácter […]». A. de QUENTAL, Lopes de Mendonça, in Prosas sócio-políticas, op. cit., p. 424.

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movimento romântico a ausência do poeta de Recanati poderia ler-se, com efeito, como

sendo a confirmação de que o conhecimento da obra leopardiana por parte de Antero era,

até essa data, ainda pouco profundo ou em qualquer caso não directo.

Do ponto de vista cronológico, a primeira referência a Leopardi encontra-se,

como se disse, em A Poesia na Actualidade, se bem que a vontade de conhecer a obra

poeta italiano se manifeste abertamente cerca de dois anos depois, durante o período

passado de Vila do Conde, que é, com efeito, o tempo das leituras e das

releituras:163«Lembre-se de me mandar o Leopardi, com quem desejo travar mais íntimo

conhecimento»,164 escreve a Joaquim de Araújo a 17 de Junho de 1883. Já em finais do

mesmo mês, o pedido faz-se mais insistente: «E o Leopardi? Continuo desejoso de o

conhecer. Não lhe esqueça isto».165 É evidente que aqui «conhecer» tem que ser

entendido como propósito de estudar, aprofundar, literalmente alcançar o «mais íntimo

conhecimento», pois, como se disse, não parece verossímil que em meados de 1883

Antero desconhecesse de todo a obra do poeta italiano. Em Agosto do mesmo ano, aliás,

não tendo recebido os livros, pede então a Joaquim de Araújo para enviar, juntamente

com outras informações e «com a possível brevidade», as referências das obras de

Leopardi (e Manzoni) para poder avançar com a aquisição dos volumes através da irmã

Ana que vivia em Lisboa:

Mande-me com a possível brevidade as seguintes informações – 1º: Título, nome de

autor e loja onde se vende em Lisboa o Romanceiro ou Cancioneiro da Madeira. 2º: O título

da Biblioteca italiana onde vem o Leopardi e o Manzoni; e, se as poesias destes dois poetas

vêm ali com títulos especiais, esses títulos.

Quero encomendar para Lisboa, a minha irmã esses livros, mas convém dar-lhe as

indicações precisas. Diga-me também onde se vendem os ditos italianos.

163 Cf. Ana Maria ALMEIDA MARTINS, Antero de Quental e a década dourada de Vila do Conde (1881-1891), Câmara Municipal de Vila do Conde, 1991, p. 39. «Se consultarmos os títulos que constam na biblioteca de Antero, facilmente concluímos que durante essa década numerosos foram os livros que comprou ou que lhe foram oferecidos». Ibid., p. 37.

164 C2, p. 379.

165 Ibid., p. 381.

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Breve conto escrever ao Cannizzaro, e juntamente lhe mandarei a sua Lira.166

Os livros irão chegar em Outubro, mas essas referências pormenorizadas às

edições («o título da Biblioteca italiana onde vêm o Leopardi e o Manzoni»; «onde se

vendem os ditos italianos») levam a crer que já antes Antero conhecesse ou até tivesse

folheado – porventura através do próprio Joaquim de Araújo167 – alguns livros da

‘Biblioteca Classica Economica’168, composta por monografias de obras de autores

italianos, entre os quais Leopardi e Manzoni. Aliás, sabemos – pela importante

testemunha de Carolina Michaëlis – que Antero adquiria e conservava apenas livros que

considerava «um verdadeiro subsidio intelectual»: por esta razão, é de crer que os que

levou para São Miguel durante a sua derradeira mudança (entre os quais os próprios

volumes de Leopardi), longe de constituirem a totalidade dos que possuiu e leu, são

contudo um elemento importante para traçarmos um mapa das suas leituras:

Não comprava livro algum, que não representasse, para elle, um verdadeiro subsidio

intellectual. Nem acceitava escriptos de somenos valor; ou quando os recebia e lia, não os

conservava. Ainda na ultima mudança para a Ilha fez uma derradeira selecção do seu peculio

bibliographico, sacrificando tudo quanto não lhe servia para alimento espiritual quotidiano. É

evidente que estudou também muitas obras, que pedia emprestadas a amigos.169

É de ver que a colecção ‘Biblioteca Classica Economica’ começou a ser

publicada a partir de 1873 pela editora Sonzogno de Milão, sob a direcção de Eugenio

166 Ibid., p. 389.

167 Numa carta de 11 de Outubro de 1883, Antero refere-se à biblioteca do pai de Joaquim de Araújo: «Como mostra interesse pelo Jorge, vou pedir-lhe um favor para ele, e é emprestar-lhe, sendo possível, umas Mil e Uma Noites que eu já vi na estante ou biblioteca que está no escritório do seu pai». Ibid., p. 394. Essa referência permite conjecturar, ou pelo menos não excluir, que o poeta tivesse ‘visto’ ali também alguns volumes da ‘Biblioteca Classica Economica’.

168 Antero engana-se no título da colecção, na qual havia também dois tomos de Manzoni: Tragedie e Poesie e o romance I Promessi Sposi. O primeiro (Tragedie e poesie) consta no acervo da Biblioteca Pública de Ponta Delgada. Cf. J. B. CARREIRO, Indículo da livraria de Antero de Quental, op. cit., p. 352. Acerca das actividades editoriais em Itália na segunda metade do século XIX , v. também Giovanni

RAGONE, Un secolo di libri. Storia dell'editoria in Italia dall'Unità al post-moderno, Torino: Einaudi, 1999.

169 AA. Vv., In Memoriam, op. cit., p. 396.

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Camerini, que, aliás, também prefaciou o volume das Poesie de Leopardi conservado no

acervo anteriano em Ponta Delgada. Diga-se de passagem que na colecção constam dois

tomos da obra de Leopardi (além das Poesie também havia as Prose), 170 ambos

enriquecidos por uma importante organização crítica e filológica, reunindo documentos

e fragmentos diversos. Antero tinha o volume da poesia, onde, além dos quarenta e um

canti (tal como publicados na edição Le Monnier organizada por Ranieri em 1845171)

estão reunidos também os Paralipomeni della Batracomiomachia, os poemas juvenis,

algumas versões do latim e do grego, as Annotazioni filologiche do próprio Leopardi às

primeiras dez canções, o Commento di traduzione di un’epistola di Francesco Petrarca

e as cartas dedicatórias de All’Italia , Sopra il Monumento di Dante e Ad Angelo Mai. É

de crer que esse conjunto de textos poderá ter suscitado atenção e interesse em Antero,

por serem instrumentos essenciais para a compreensão da evolução literária e

existencial de Leopardi, da sua formação e do meio cultural em que se desenvolveu seu

crescimento de escritor, além de fornecerem um panorama muito rico das suas

referências literárias. Nessa edição também se recolhem os Sonetti in persona di Ser

Pecora fiorentino beccaio, ciclo de sonetos (satíricos) que surge como caso único dentro

da produção do poeta italiano.172

Com a edição italiana das Poesie, a secção leopardiana da biblioteca de Antero

pode-se, por fim, considerar completa. Lembramos ainda que é mesmo em 1883 que

começa efectivamente a correspondência com Tommaso Cannizzaro,173 por sua vez

170 No mesmo catálogo, as obras de Leopardi têm respectivamente os números 17 e 19.

171 Giacomo LEOPARDI, Canti, Firenze, Le Monnier, 1845.

172 Os sonetos reunidos nesse conjunto foram escritos em 1817 e publicados pela primeira vez no volume dos Versi (Bologna, Stamperia delle Muse, 1826). Acerca desses poemas ver as observações de Rolando Damiani (PP1, p. 1059) e a edição diplomática organizada por Stefano Giovannuzzi. Cf. Giacomo LEOPARDI, Versi, organização por S. Giovannuzzi, Firenze: Società Editrice Fiorentina, 2002, pp. 37-42.

173 Em carta ao poeta siciliano escrita a 6 de Agosto de 1883 lê-se: «J’ai reçu, en effet, il y a deux ou trois ans, votre volume In Solitudine; mais comme je n’y trouvais nulle part le nom de l’auteur, il me fut impossible de vous faire savoir combien j’avais aprecie votre charmant cadeau». C2., p. 384. O próprio Cannizzaro, anexando à sua tradução dos sonetos de Antero também as cartas trocadas com o poeta, indica como período da correspondência dos anos de 1883 a 1889 («Lettere inedite di Anthero de Quental / all’editore di questo volume / dal 1883 al 1889». Antero de QUENTAL, Sonetti completi (prima versione italiana, pubblicata dall’autore di Fiori d’Oltralpe, eseguita dallo stesso e da Giuseppe Zupponi Strani; corredata dall’editore di notizie biografiche, bibliografiche e genealogiche, di lettere inedite ed altri scritti dell’autore e di uno studio di J. P. Oliveira Martins), Messina, Tipi dell’Editore, 1898, p. 227.

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grande leitor e admirador de Leopardi.174 Aliás, nas cartas trocadas com o poeta

siciliano – se bem que escritas apenas em português ou francês – encontramos também

uma referência à língua italiana, que nos permite conjecturar que nessa altura Antero

teria já um bom grau de conhecimento do idioma, pelo menos do ponto de vista da

compreensão da escrita, condição fundamental para abordar a complexidade lexical e

sintáctica da obra leopardiana:

Écrivez-moi quelques fois – et porquoi pas en italien? J’aime votre belle langue et la

comprends assez bien, quoique je n’ose pas l’écrire: je suis donc forcé de me servir de ce

méchant français. Ce n’est pas votre cas.175

Juntamente com esta carta (10 de Março de 1884), enviará a Líra Íntima de

Joaquim de Araújo, conjunto poético no qual detecta «trop de musique et trop de style,

et paz assez de pensée».176 Pondo de lado agora a questão de uma possível presença

leopardiana no livro de Joaquim de Araújo, é interessante avançar com uma breve

análise de A Poesia na Actualidade, pois é nesse ensaio «a propósito» da Lira Íntima

que as leituras de Antero se vão condensar numa mais ampla leitura crítica, e é ali

também que Leopardi, filtrado pelo «implacable criticisme» anteriano, irá ter o seu

lugar, ao lado de outros ilustres escritores, num panorama de decadência marcado pela

«subjectividade» da poesia.

174 O próprio Antero afirma que Cannizzaro «É antes um discípulo de Leopardi e Manzoni, cuja admirável harmonia de estilo reproduz». C3, p. 173.

175 C2, p. 416. Também Carolina Michaëlis, no In Memoriam de 1896, frisava que Antero «fallava muito bem francez, pela sua parte, lia inglez, italiano e hespanhol e não era de algum modo hospede em latim». AA. Vv., In Memoriam, op. cit., p. 394. Na biblioteca de Antero conservada na Biblioteca Pública de Ponta Delgada consta também o volume Nouveau dictionnaire italien-français et français-italien/Nuovo dizionario francese-italiano e italiano-francese (Paris, Garnier Frères, s.d.), organizado por Costanzio Ferrari. Cf. J. B. CARREIRO, Indículo da livraria de Antero de Quental, op. cit., p. 370.

176 C2, p. 416.

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PARTE II

AUTOBIOGRAFIAS POÉTICAS

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III. PERSPECTIVA CRÍTICA E CRIAÇÃO LITERÁRIA

3.1 Leopardi ou a poesia subjectiva

Pelas referências que se encontram no epistolário, sabemos que a redação de A

Poesia na Actualidade177 ocupou Antero de Março até Junho de 1881, sendo a Lira

Íntima pouco mais de um pretexto para a reflexão em torno da história literária. Em

carta de 18 de Março escrevia a Joaquim de Araújo acerca da redação desse texto: «Já

comecei a escrever o artigo (que será mais a propósito do que sobre o seu livro) e creio

que sairá grande bastante».178 Por meados de Junho, comunica ter terminado o

trabalho,179 avisando que o texto foi pensado na perspectiva de um «estudo crítico» com

que se pretende caracterizar o livro através da reflexão geral sobre poesia:

Aqui vai o artigo, que quase me sai uma dissertação. Não sei se lhe agradará: mas,

saiu assim e quod scripsi, scripsi. Creio que se Você refletir um pouco, há de afinal preferir

que eu tenha escrito, a propósito do seu livro, alguma coisa pensada e original, a que

escrevesse, sobre o livro, meia dúzia de banalidades entremeadas de citações. No fim,

caracterizo o livro, e é o essencial.180

Encontramo-nos assim perante uma reflexão de amplo fôlego, finalizada, de

facto, a uma análise da parábola poética da humanidade – desde Hesíodo até ao «Never,

oh, nevermore» de Edgar Poe – que assenta na ideia hegeliana181 de declínio, agonia e

morte da poesia. Ao mesmo tempo, A Poesia na Actualidade surge também como

177 Lembramos o título completo: A Poesia na Actualidade. A propósito da Lyra Íntima do Sr. Joaquim de Araújo. O texto foi publicado no Jornal do Comércio (7-VII -1881), por ocasião da edição do livro de Araújo, e depois impresso autonomamente no Porto, em opúsculo, com o título A Poesia na Actualidade. Estudo crítico. Essa edição leva no rosto a chancela da Oficina Tipográfica de João Eduardo Alves (Porto, 1881) e na capa a indicação Tipografia Elzeviriana (Porto, 1882). Cf. J.B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. II, pp. 299-300. As citações desta obra são aqui retiradas da edição fac-similada do manuscrito conservado na Biblioteca Nazionale Marciana de Veneza (Cf. PNA)

178 C2, p. 246 [Itálico no original].

179 Ibid., p. 260.

180 Ibid., p. 262 [Itálico no original].

181 Sobre as conotações hegelianas do ensaio de Antero, veja-se Joaquim-Francisco COELHO, Antero de Quental e a morte da poesia, prefácio a PNA, p. IX .

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resumo bastante detalhado das leituras e dos interesses intelectuais de Antero, estando

ali incluídos muitos dos autores que foram fundamentais para o seu crescimento

intelectual e outros, como Leopardi e Foscolo, dos quais nessa altura tinha

provavelmente um conhecimento ainda pouco aprofundado, mas cujas obras e cujo

pensamento seguramente não ignorava. Está clara a mensagem de Antero: o

racionalismo, tendo substituído a síntese, determina o domínio absoluto da análise, que

não pode coexistir com a faculdade criadora. Ao mesmo tempo, a poesia – que na

Renascença convivia com a especulação metafísica e com a teologia, porque a razão

tinha um «papel ainda subordinado» – fica esmagada pela constituição das ciências e

pela «organização positiva» da actualidade. O seu próximo desaparecimento, portanto,

parece fatal e inevitável:

A fase poética da Humanidade pode dizer-se que está a terminar. Este século terá

visto os últimos poetas, como viu os últimos crentes.

O espírito humano entrou decididamente numa fase de racionalismo, de análise, e

crítica, que parece dever ser definitiva.

A faculdade sintética, depois de ter criado as línguas, os mitos e as religiões,

manteve-se ainda, durante largos séculos, no domínio da poesia. Mas ainda aí se terá

estancado dentro de um pouco. A análise ficará senhora absoluta de todo o terreno

gradualmente abandonado pela faculdade criadora. 182

A poesia, cuja missão «revolucionária» é afirmada tanto na «Nota Final» das

Odes Modernas de 1865183 como na crítica às Radiações da Noite de Guilherme de

Azevedo («Tendências Novas da Poesia Contemporânea»184), é apresentada aqui numa

perspectiva de decadência, mesmo mantendo a possibilidade de existência de uma

poesia «pessoal» (mas «verdadeira e espontânea»), que – entendida, na óptica de Antero,

como «egotismo» – existe na medida em que existe o lirismo, como escrevia em Agosto

182 PNA, p. XLVII .

183 Cf. Antero de QUENTAL, Odes modernas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1865, pp. 151-160. Esta nota foi excluída da segunda edição (1875).

184 Cf. Antero de QUENTAL, «Tendências Novas da Poesia Contemporânea (A Propósito das Radiações da Noite do Sr. Guilherme de Azevedo)», in Prosas, vol. II, op. cit., pp. 193-200.

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de 1881 a António Feijó:

A forma analítica parece-me convir só ao lirismo, que retrata simples momentos

psicológicos, ou muito apaixonados, ou muito íntimos, mas sempre elementares. Mas, fora

desta esfera restrita, a poesia, tornada mais complexa, parece-me que requer uma forma

sintética, a acção objectiva, o drama (dando à palavra a sua acepção mais geral), poderosa

pela sua mesma impessoalidade.185

A demarcação entre «síntese» e «análise» determina também o ponto de viragem

entre poesia «pessoal» e «impessoal», e é entre os poetas subjectivos que justamente se

coloca, segundo o poeta micaelense, também Leopardi:

Essa poesia (signal bem claro de enfraquecimento) é toda subjectiva. É o individualismo,

o egotismo que inspira nos seus grandes representantes, Byron, Shelley, Heine, Lamartine,

Hugo (onde é verdadeiramente Hugo), Mickiewicz, Espronceda, Herculano, João de Deus

(que por vir tão tarde, não deixa por isso de pertencer a essa ilustre família), Leopardi,

Foscolo. Eles não representam já a vida colectiva do espírito humano, a crença e as

aspirações dum mundo, a apoteose gloriosa ou sombria da humanidade, que os tem por

interpretes: representam-se apenas a si, eles, os últimos duma raça condenada a desaparecer e

que, sentindo a ferida interior por onde lhes foge a vida, interrogam inquietos o horizonte e,

chorando e rugindo, se assentam á beira da estrada para morrerem.186

Entre os nomes citados neste trecho, encontramos os de alguns escritores que

foram particularmente determinantes para o crescimento poético e intelectual do autor

das Odes modernas, e nomeadamente Herculano e João de Deus (que juntamente com

Camões, foram os únicos poetas portugueses que suscitaram em Antero uma admiração

sem reservas),187 além de Heine, Lamartine, Hugo, Byron e Shelley, cuja obra conhecia

185 C2, p. 266. Diga-se de passagem que António Feijó pode considerar-se, entre os escritores portugueses do século XIX, um dos mais atentos leitores da obra de Leopardi. Cf. M. RUSSO, Um só dorido coração, op. cit., p. 160.

186 PNA, p. LI. Reproduzimos nos ‘Anexos’ o manuscrito deste trecho, onde se vê que o nome de João de Deus e Foscolo foram inseridos num segundo momento (Figura 11).

187 Cf. J. B.. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. I, pp. 145-149 e vol. II, pp. 74-81.

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desde a mocidade. Não admira, portanto, encontrarmos ao lado desses grandes

representantes da lírica romântica, também os nomes de Mickiewicz, Espronceda,

Foscolo e Leopardi, os quais, embora não tenham tido o mesmo papel ‘formativo’ dos

primeiros no crescimento intelectual de Antero, não deixam de ter sido objecto da sua

«curiosidade»188 e referências importantes na sua reflexão acerca da poesia.189 Repare-

se, aliás, que o nome de Leopardi está aqui ao lado do de Foscolo, e que essa referência

ao autor de Le Ultime Lettere di Jacopo Ortis ganha ainda mais interesse se

considerarmos que no século XIX a sua obra não teve em Portugal uma difusão

comparável com a de Manzoni ou com a do próprio Leopardi.190

Diga-se de passagem que Foscolo foi um dos maiores sonetistas da tradição

poética italiana do século XIX , aspecto que não parece desprovido de interesse, sendo o

soneto a forma predilecta do poeta português. Além disso, através de uma leitura

superficial do poema As Campas 191 – composto por Antero em 1861 – pode-se

estabelecer um paralelismo com o poema I Sepolcri de Foscolo, embora julguemos que

não haja correspondências particularmente reveladoras, além da comum significação

transcendente de um símbolo (as campas), depois desenvolvido de modo diferente. O eu

que aspira à transcendência em As Campas é «Um louco, que inda não descreu da

vida»,192 enquanto no poema foscoliano a meditação do sujeito que quer alcançar

188 «Lia porque precisava ler, voilà tout: Homero e os Nibelungen, em traduções francesas: Goethe e Heine, Dante e Shakespeare, Byron os Romanceiros espanhóis, no original. Com isto, naturalmente, muita outra coisa, antiga ou moderna, boa e má, porque a minha curiosidade era grande […]». Carta a Carolina Michaëlis (7 de Agosto de 1885). C2, p. 479.

189 É de ver que Shelley, Espronceda, Leopardi, Byron, Heine e Mickiewicz são citados também por Teófilo Braga. Cf. T. BRAGA, História do Romantismo em Portugal, op. cit., p. 10.

190 Apesar disto, conforme julga José da Costa Miranda, não se pode excluir que muito provavelmente também Foscolo foi um dos poetas que se enraizou «bem fundo no coração de Antero, tal como se daria com Leopardi». José da COSTA M IRANDA,«Ugo Foscolo: a difusão da sua obra em Portugal», in Biblos, vol. LVIII , Lisboa, 1982, pp. 324-347. Na citada antologia da poesia italiana existente no acervo de Antero conservado em Ponta Delgada, consta o poema I Sepolcri de Ugo Foscolo. Cf. AA. VV., Poesie italiane di vari autori, op. cit., pp. 151-166

191 Cf. REL, p. 113-122. Este poema foi publicado postumamente em A Illustração Portugueza, e sucessivamente incorporado em Raios de extinta luz. Foi reproduzido também por Fidelino de FIGUEIREDO, Antero. Quatro conferências promovidas pelo Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, 1942, pp. 139-149.

192 A. de QUENTAL, As Campas, in A Illustração Portugueza, n. 96 (23 de Dezembro de 1907, pp. 807-812, p. 812.

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consciência de si próprio foca-se numa posição existencial e moral que chamaremos

‘polémica’ para com o seu tempo.193 Fica, todavia, a constatação do valor simbólico das

campas, mesmo por ser fruto de um «dom» enraizado na natureza humana («Celeste è

questa / Corrispondenza d‘amorosi sensi / Celeste dote è negli umani»194), aspecto

central também no poema de Antero.195

A inclusão de Leopardi nessa «ilustre família» impõe algumas considerações

preliminares. Se bem que Antero se concentre na inegável «subjectividade» da poesia

leopardiana, cumpre reafirmar que o ‘percurso’ poético de Leopardi vai do objectivo

para o subjectivo, da cançao civil dos anos 1810-1820 para a poesia ‘lírico-subjectiva’

inaugurada com os «idilli». Como observou Ugo Dotti, essa viragem realiza-se através

da figura de Safo, que constitui, dentro do conjunto dos Canti, o elo de conjunção entre

a expressão particularmente «objectiva» das canções All’Italia , Sopra il monumento di

Dante e A Angelo Mai, e a «voz subjectiva» dos «idilli» e das grandes composições da

maturidade, como La Ginestra e Canto notturno di un pastore errante dell’Asia. O

Ultimo canto di Saffo introduz o elemento ‘dramático’ que permite a transição de uma

poesia que tem o seu foco na História, para uma expressão essencialmente lírica e

pessoal, onde a História se mantém apenas como cenário.196 O facto que Antero valorize

essa faceta da obra leopardiana – mais do que realçar o aspecto social e patriótico como

fizeram a maioria dos seus contemporâneos – parece-nos um sinal significativo também

para observarmos a evolução que houve na reflexão do poeta português sobre poesia

durante a década de 1870.

Se bem que no citado ensaio «Tendências Novas da Poesia Contemporânea» –

193 A visão da campa de Parini (definido «sacerdote») é, de facto, o ponto de viragem do poema, o momento em que a meditação cede o passo à crítica sócio-política do Décret Impérial sur les sépultures de 1806, que regulamentava a lei napoleónica sobre cemitérios:«Pur nuova legge impone oggi i sepolcri / Fuor de’ guardi pietosi, e il nome a’ morti / Contende. E senza tomba giace il tuo / Sacerdote, o Talia […]». Ugo FOSCOLO, Le poesie, introdução, organização e notas por Maurizio Turchi, Milano: Garzanti, 1983, p. 53.

194 Ibid., p. 52.

195 «Oh, corruptos do mundo! Aqui nas lousas / Assentae-vos também as santas horas». A. de QUENTAL, As Campas, in A Illustração Portugueza, n. 96 (23 de Dezembro de 1907, pp. 807-812, p. 809.

196 Acerca da afirmação do ‘eu’ lírico na obra de Leopardi, ver também Ugo DOTTI, Lo sguardo sul mondo. Introduzione a Leopardi, Bari: Laterza, 1999, pp. 65-70.

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publicado no período das Conferências Democráticas197 – encontremos já certas

considerações e formulações que serão centrais também em A Poesia na Actualidade,

notamos porém que o primeiro está orientado pela ideia de uma poesia que «deixa de

duvidar e scismar, para affirmar e combater»198 (e que para ‘existir’ terá que abandonar

precisamente o seu alento «subjectivo»), enquanto no segundo já se afirma o

«egotismo»199 como destino da poesia (e do seu consequente fim) e se nega de vez o

recurso à objectividade.200 Contudo, já em «Tendências Novas da Poesia

Contemporânea» surgem algumas reflexões que nos interessam numa possível óptica

‘leopardiana’:

Terá a sociedade contemporânea (essa sociedade, ao que dizem, positiva até ao mais

desolador utilitarismo), na sua atmosphera suífocadora de industria, de luctas sociaes e de

sciencia friamente analytica, condições de vida e desenvolvimento normal para a

constituição delicada das castas musas, das musas melindrosas e scismativas? Não será uma

sociedade essencialmente anti-poetica, esta nossa, um mundo rebelde a toda a idealidade?

Por outras palavras; poderá haver poesia racional, positiva e social? Será um ser poético o

homem do nosso tempo?201

O trecho dialoga, com efeito, com a reflexão que Leopardi desenvolve no

Zibaldone. Embora saibamos que Antero não podia conhecer essa obra, por ser

publicada apenas a partir de 1898,202 essa análise sobre uma actualidade

197 O ensaio foi publicado pela primeira vez em A Revolução de Setembro (30 de Abril de 1871).

198 Antero de QUENTAL, «Tendências Novas da Poesia Contemporânea (A Propósito das Radiações da Noite do Sr. Guilherme de Azevedo)», in Prosas, op. cit., vol. II, p. 197. «A inspiração social e naturalista vem substituir a sentimentalidade toda subjectiva e pessoal, ou o transcendentalismo contemplativo de outras idades poéticas […]». Idem.

199 «Este inevitável egotismo, este retirar-se da matéria poética objectiva da esfera da poesia, é a prova do seu fim próximo. Porque, na poesia do século, só essa, a pessoal, foi verdadeira e espontânea». PNA, p. LI [Itálico no original].

200 «A outra, cujo grande representante é Goethe, a que pretendeu abraçar a realidade e tornar-se objectiva, entrando na grande tradição, essa, quem bem a considerar verá quanto é forçada, estudada, intencional, quanto é coisa de escola e de sistema». Idem.

201 Ibid., p. 196.

202 A primeira publicação da obra foi organizada em vários volumes (a partir de 1898) por uma comissão presidida por Giosuè Carducci, sob o título Pensieri di varia filosofia e di bella letteratura. Veja-se: Noti-

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«essencialmente anti-poética» (e as razões que a ela subjazem) muito se aproximam das

observações do «iperlibro»203 leopardiano, onde se reunem a reflexão filosófica, a

atitude crítica e a erudição literária e filológica:

Gridano che la poesia debba esserci contemporanea, cioè adoperare il linguaggio e le

idee e dipingere i costumi, e fors’anche gli accidenti de’ nostri tempi. Onde condannano

l’uso delle antiche finzioni, opinioni, costumi, avvenimenti. […] Ma io dico che tutt’altro

potrà esser contemporaneo a questo secolo fuorché la poesia. Come può il poeta adoperare il

linguaggio e seguir le idee e mostrare i costumi d’una generazione d’uomini per cui la gloria

è un fantasma, la libertà la patria l’amor patrio non esistono, l’amor vero è una

fanciullaggine, e insomma le illusioni son tutte svanite, le passioni, non solo le grandi e

nobili e belle, ma tutte le passioni estinte? Come può, dico, ciò fare, ed esser poeta? Un poeta,

una poesia, senza illusioni senza passioni, sono termini che reggano in logica? Un poeta in

quanto poeta può egli essere egoista e metafisico? e il nostro secolo non è tale

caratteristicamente? come dunque può il poeta essere caratteristicamente contemporaneo in

quanto poeta?204

Na obra de Leopardi –no Zibaldone como em outros escritos205 – está sempre

presente o olhar do ‘intérprete’ da literatura apontando para uma «critica del

moderno»,206 que, de facto, corresponde a uma crítica da razão. Essa atitude não

participa de uma «non poesia» que gera um «ingorgo sentimentale» – como queria

Croce207 – e nem sequer se desenvolve através de um itinerário lógico208, mas é um

zia sul testo por Rolando Damiani, in Z1,p. LXXIV -LXXXVIII . Pela natureza fragmentária e pelo alento filosófico, o Zibaldone dialoga também com o Livro do Desasossego de Fernando Pessoa. A este respeito veja-se CASARA, Giorgia, «L’anima delle cose. Leopardi nella poetica di Fernando Pessoa», in Lettere Italiane, LXIV (2012), pp. 99-126.

203 Sobre a gênese e a redacção dessa obra veja-se a introdução de Rolando Damiani, in Z1, pp. XI-XL.

204 Z2, pp. 1857-1858 [2944-2945]. O apontamento tem data 11 de Julho de 1823.

205 Acerca da reflexão de Leopardi sobre a lírica, ver Manuela MARTELLINI , Leopardi, Petrarca e la questione della lirica italiana, in Leopardi, gli italiani, l’Italia, organização por Edmondo Montali, Roma: Ediesse, 2012, pp. 231-253.

206 Antonio PRETE, Il pensiero poetante. Saggio su Leopardi, Milano: Feltrinelli, 2006.

207 É conhecido o parecer negativo (e anacronístico) de Croce, que via na obra de Leopardi um exemplo de «não poesia», salvando os ‘idilli’ e pouco mais. O filósofo napolitano duvida também da ‘novidade’ da

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percurso crítico em que se contrapõem imaginação e razão, inocência e corrupção,

civilização e natureza. E é nesse horizonte que se desenvolve também a reflexão: se a

época é desprovida de ilusões, paixões e imaginação, então o poeta, na actualidade, só

pode ser «egoísta e metafisico», criador de uma obra que, procedendo pela análise,

deixa de ser poesia. Ao contrário, os antigos foram criadores de uma poesia capaz de

suscitar emoções com leveza e simplicidade, através de uma poesia «immaginativa»

desprovida de abstrações e artifícios.209

Em A Poesia na Actualidade o momento de equilíbrio entre sabedoria e poesia

coincide com o apogeu da fase poética da humanidade, embora a preponderância «dum

ponto de vista racional sistematicamente positivo»210 tenha determinado a inactualidade

poética. Nessa óptica, o ensaio dialoga implicitamente com a vertente «teorética»211 do

Zibaldone leopardiano:

E o que é hoje a poesia? o que é hoje o poeta? que diz ele hoje ao mundo, que valha

a pena ao mundo parar para o escutar? Uma experiência de Berthelot ou de Virchow, uma

descoberta de Darwin ou Haeckel, uma página histórica de Ranke ou de Renan valem mais,

dizem mais ao espírito do século do que toda a Babel sonora das estrofes de Victor Hugo.

E o mundo, a ele, que lhe diz, que ele entenda e que o inspire? Que lhe podem dizer

o determinismo, o transformismo, a concorrência vital, a fatalidade da história? O mundo

real, o mundo visto à luz da ciência, é uma coisa atroz – atroz e ao mesmo tempo

inexpressiva. Despair and die!212

ideias literárias e das capacidades especulativas de Leopardi. Benedetto CROCE, Poesie e non poesia. Note sulla letteratura europea del secolo decimonono, Bari, Laterza, 1923, pp. 103-119.

208 Walter BINNI, Leopardi (Scritti 1969-1997), Firenze: Il Ponte-Fondo Walter Binni, 2014, pp. 223-246.

209 Noutro apontamento, de 1820, encontramos o postulado que orienta todo o pensamento poético leopardiano: «Tutto si è perfezionato da Omero in poi, ma non la poesia». Z2, p. 93 [58].

210 «Na poesia da Renascença as faculdades de análise e síntese atingem o grau de mais perfeito equilíbrio – justamente na véspera do momento em que esse equilíbrio se ia romper para sempre, com o império decidido da análise, pela constituição das ciências e a correspondente organização dum ponto de vista racional sistematicamente positivo». PNA, p. LI.

211 A. PRETE, Il pensiero poetante, op. cit., p. 192.

212 PNA, p. LIII [Itálico no original].

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Recorde-se que também Giambattista Vico – cujos Principj di Scienza Nuova

estão aqui certamente entre as principais referências no que diz respeito à ‘decadência’

poética da humanidade213 – identificava os poetas com a fase do senso e os filósofos

com a fase do intelecto, realçando que Homero não era «certamente di ingegno

addomesticato, ed incivilito da alcuna Filosofia»,214 pois o seu canto dirigia-se à

sabedoria vulgar, ao «volgo fiero e selvaggio».215. O ‘contraste’ entre pensamento

poético e especulação filosófica alcança na reflexão leopardiana até um estatuto

ontológico («Ed ei non si può essere insieme e non essere»), que estabelece uma

fractura – causada pelo ‘excesso’ especulativo da poesia moderna – determinando um

insanável afastamento entre poesia e povo:

Osservisi che gli antichi poetavano al popolo, o almeno a gente per la più parte non

dotta, non filosofa. I moderni all’opposto; perché i poeti oggidì non hanno altri lettori che la

gente colta e istruita, e al linguaggio e alle idee di questa gente vuolsi che il poeta si

conformi, quando si dice ch’ei debba esser contemporaneo; non già al linguaggio e alle idee

del popolo presente, il quale delle presenti né delle antiche poesie non sa nulla né partecipa

in conto alcuno. Ora ogni uomo colto e istruito oggidì, è immancabilmente egoista e filosofo,

privo d’ogni notabile illusione, spoglio di vive passioni; e ogni donna altresì. Come può il

poeta essere per carattere e per ispirito, contemporaneo e conforme a tali persone in quanto

poeta? che v’ha di poetico in esse, nel loro linguaggio, pensieri, opinioni, inclinazioni,

affezioni, costumi, usi e fatti? che ha o ebbe o potrà mai aver di comune la poesia con esso

loro?

Perdono dunque se il poeta moderno segue le cose antiche, se adopra il linguaggio e

lo stile e la maniera antica, se usa eziandio le antiche favole ec., se mostra di accostarsi alle

antiche opinioni, se preferisce gli antichi costumi, usi, avvenimenti, se imprime alla sua

poesia un carattere d’altro secolo, se cerca in somma o di essere, quanto allo spirito e

213 Cf. Giuseppe Carlo ROSSI, «Cenni sulla presenza del Vico in Portogallo», in Forum Italicum: A Journal of Italian Studies, New York: Stony Brook University, December 1968, vol. II, n. 4, pp. 546-554. Acerca da teoria poética na obra de Vico ver também Ana Cláudia SANTOS, Poesia e ciência nova. Um estudo sobre Giambattista Vico, Lisboa: Almedina, 2009.

214 Giambattista V ICO, Del vero Omero, in Principj di Scienza Nuova, Milano: Tipografia di Giovanni Silvestri, 1819, vol. III , p. 6 [Itálicos no original]. Na biblioteca de Antero legada à Biblioteca Pública de Ponta Delgada consta também essa obra (Principj di Scienza Nuova, Milano, 1853). Cf. J. B. CARREIRO, Indículo da livraria de Antero de Quental, op. cit., p. 362.

215 Cf. G. VICO, Principj di Scienza Nuova, op. cit., p. 6.

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all’indole, o di parere antico. Perdono se il poeta, se la poesia moderna non si mostrano, non

solo contemporanei a questo secolo, poiché esser contemporaneo a questo secolo, è, o

inchiude essenzialmente, non esser poeta, non esser poesia. Ed ei non si può essere insieme e

non essere. (11. Luglio. 1823). E non è conveniente a filosofi e ad un secolo filosofo il

richieder cosa impossibile di natura sua, e contraddittoria in se stessa ne’ suoi propri termini

(12. Luglio 1823).216

A perdida cumplicidade entre faculdade poética e povo217 – já ponto assente da

Scienza Nuova – no Zibaldone está directamente ligadas com o desvanecer das ilusões

e com a infiltração do elemento metafísico. Na contemporaneidade, defende Leopardi, a

poesia é destinada ao «popolo presente», aos homens cultos, desprovidos de ilusões e de

imaginação218 e a própria criação poética parece moldar-se à linguagem e às ideias

desse destinatário, perdendo a sua espontaneidade, o seu papel e a sua função mais

antiga.219 Essas reflexões, todavia, têm que ser consideradas no mais amplo panorama

do pensamento leopardiano, e nomeadamente à luz da ideia de uma natureza naturaliter

poética que contrasta a tendência auto-destruidora da própria poesia. Mesmo assim

notamos que a reflexão leopardiana sobre a expressão poética é inseparável da extrema

valorização da «faculdade» imaginativa e da capacidade de «sentir», como observamos

ainda no Zibaldone:

216 Z2, pp. 1857-1858 [2945-2946]. Lê-se em A Poesia na Actualidade: «Outrora, em Israel, os poetas foram os pastores do Povo. Os vates sagrados, depois de criarem Deus, fizeram do Povo o primogénito desse Deus e o seu servo fiel no cativeiro do mundo. E, pelos seus poetas, impôs Israel a sua fé às nações, a fé que eles haviam criado. Um pouco mais tarde, em Atenas, a República erguia em face da Acrópole a estátua de bronze de Ésquilo, como um segundo génio titular da cidade: as representações das suas tragédias eram solenidades religiosas, faziam parte do culto público, e uma cópia autêntica conservava-se nos arquivos da República». PNA, p. LIII .

217 Z2, pp. 1857-1858 [2945-2946].

218 Sobre a reflexão leopardiana relativamente ao conceito de ilusão, veja-se a selecção antológica (de textos retirados do Zibaldone) e o estudo crítico de Mario Andrea Rigoni in Giacomo LEOPARDI, La strage delle illusioni, a cura di M. A. Rigoni, Milano, Adelphi, 1992.

219 Esse aspecto é analizado também em Discorso di un italiano intorno alla poesia romantica: «Ma forse, contuttoch’il volgo, non mica ieri né ierlaltro, ma da lunghissimo tempo abbia finito di sentire la voce dei poeti, vorrano i romantici che anch’egli debba essere effettivamente uditore o lettore del poeta; e questo mentrechè si sforzano di rendere la poesia quanto più possono astrusa e metafisica e sproporzionata all’intelligenza del volgo». PP2, p. 354.

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Si puo con certezza affermare che la natura, e vogliamo dire l’università delle cose, è

composta, conformata e ordinata ad un effetto poetico, o vogliamo dire disposta e

destinatamente ordinata a produrre un effetto poetico generale […]. Perocché tutto ciò ch’é

poetico si sente piuttosto che si conosca e s’intenda, o vogliamo anzi dire, sentendolo si

conosce e s’intende, né altrimenti può esser conosciuto, scoperto ed inteso, che col sentirlo.

Ma la pura ragione e la matematica non hanno sensorio alcuno. Spetta all’immaginazione e

alla sensibilità lo scoprire e l’intendere tutte le sopraddette cose; ed elle il possono, perocché

noi ne’ quali risiedono esse facoltà, siamo pur parte di questa natura e di questa università

ch’esaminiamo; e queste facoltà nostre sono esse sole in armonia col poetico ch’é nella

natura; la ragione non lo è; onde quelle sono molte piú atte e potenti a indovinar la natura

che non è la ragione a scoprirla. E siccome alla sola immaginazione ed al cuore spetta il

sentire e quindi conoscere ciò ch’é poetico, però ad essi soli è possibile ed appartiene

l’entrare e il penetrare addentro ne’ grandi misteri della vita, dei destini, delle intenzioni sí

generali, sí anche particolari, della natura. 220

Nesse sentido, são vários os pontos de contacto com a ‘teoria’ poética de Antero,

que tem seus alicerces no mesmo contraste: por um lado a constatação do

desaparecimento do papel ‘social’ da poesia, e, por outro a convicção da sua

sobrevivência, por meio da «análise», da subjectividade que a caracteriza. Contudo, se

em alguns textos da época de Coimbra as condições de existência estavam relacionadas

com a possibilidade de a poesia ser «quase uma ciência», 221 já em A Poesia na

Actualidade a sobrevivência da arte poética surge como fenómeno destinado a evoluir

apenas como «expressão isolada de sentimentos»:

Quererá isto dizer que a poesia, ou pelo menos o poetar, tenha de desaparecer 220 Z1, p. 2027 [3242].

221 Na Introdução (Aos «Cantos na solidão» de Manuel Ferreira da Portela escrevia Antero: «A poesia hoje não pode contentar-se com o ingénuo e descuidoso descante do trovador. É quase já uma ciência – e que ciência!... a ciência do Ideal! É preciso que saiba e muito… saiba tanto quanto sente. É do domínio do coração – com esta condição, de ser também do domínio da inteligência. Quando estas cousas íntimas se escrevem têm obrigação de serem cousas literárias». PEC, pp. 230-231 [Itálico no original]. Numa das Correspondências de «O Bacharel – José» publicada em O Século XIX de Penafiel (n. 119, 19 de Abril de 1865) defende-se, aliás, que Cantos na Solidão é uma obra percorrida por «uma sinceridade juvenil em sentir e chorar e crer e ir atrás das comoções, e abandonar-se todo aos belos sentimentos, que bem deixa conhecer imediatamente o coração moço e crente do poeta». A. de QUENTAL, Antero de Quental: O Bacharel José, op. cit., pp. 133-134. Em O Sentimento da Imortalidade encontramos ainda esta observação: «O que é ciência foi já poesia: o sábio foi já cantor: o legislador, poeta […]». PEC, pp. 247.

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completamente? Não é esse o meu pensamento. Mas afigura-se-me que ficará reduzida à

expressão isolada de sentimentos muito pessoais e muito limitados, e cultivada e amada só

por aquelas pessoas, que, ou permanentemente e por natureza, como as mulheres, ou

temporariamente, como os rapazes muito moços e dotados dalguma fantasia, reagem contra a

tirannia da reflexão e tendem a isolar o seu mundo de sentimentos da influência mortal do

espírito analítico e positivo.

A alta poesia, épica, trágica, lírica — essa irmã da metafísica e da religião— terá

assim desaparecido, mas subsistirá a poesia subjectiva, familiar e pessoal, como expressão de

estados de espírito, ou particulares, ou raros e passageiros.222

Essa valorização da poesia «sentimental» como único caminho da forma poética,

leva-nos a sugerir uma aproximação com outro trecho presente no Zibaldone,

surpreendentemente análogo, pelas ideias que a sustentam, às observações de Antero:

Così si può ben dire che in rigor di termini, poeti non erano se non gli antichi, e non

sono ora se non i fanciulli, o giovanetti, e i moderni che hanno questo nome, non sono altro

che filosofi. Ed io infatti non divenni sentimentale, se non quando perduta la fantasia divenni

insensibile alla natura, e tutto dedito alla ragione e al vero, in somma filosofo.223

Exluindo a possibilidade de uma conexão directa – que sabemos ser impossível,

porque o Zibaldone foi publicado pela primeira vez em 1898 – notamos que as reflexões

de Antero e de Leopardi encontram-se na necessidade de ‘delimitar’ as fronteiras entre

poesia e filosofia, ou melhor, de estudar as mútuas contaminações, antes de determinar

o próximo ‘desaparecimento’ da primeira. Essas observações críticas testemunham a

222 PNA, pp. LIII -LIV [Itálico no original]. Ainda em carta de 1889 a António Molarinho, apesar de constatar a «gradual fossilização», é expressa uma possibilidade de permanência do meio poético: «A poesia tem embalado, com a sua divina melopeia, as dores da humanidade, tem adormentado o sentimento acerbo das suas inenarráveis misérias: mas essas dores, essas misérias não as pode ela suprimir. A ciência e a democracia suprimi-las-ão talvez. Como, não sei. Ninguém sabe. Mas é essa a fé deste século audaz, e a fé tem sido sempre pressentimento de alguma grande renovação histórica, de alguma nova revelação da humanidade. Quero ter eu também essa fé e quase direi como Tertuliano: credo quia absurdum». C3, p. 249 [Itálico no original]. Esta carta foi publicada como prefácio do volume Lira Romântica de António Molarinho. Cf. António MOLARINHO, Lira Romantica, com uma carta de Antero de Quental, Coimbra: Coimbra Editora, 1921, pp. XI-XVII .

223 Z1, pp. 174-175 [144].

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constante ‘oscilação’ entre sentimento e razão, e constituem um marco importante

também para as experiências poéticas que lhe sucedem. E também o pensamento crítico,

longe de ser um elemento que contraria a criação poética, é antes o terreno da mediação

entre reflexão e canto: a desaparição da «poesia complexa», se por um lado provoca nos

dois poetas uma ‘conversão filosófica’224, ao mesmo tempo convida a procurar, no fim

da poesia, um caminho para a linguagem poética.

No caso de Antero, a reflexão sobre ‘caminhos novos’ advém, como observou

Joel Serrão, sobretudo no período entre 1879 e 1881,225 e irá determinar, a nosso ver,

também a marca essencialmente ‘subjectiva’ dos Sonetos Completos, tal como o poeta a

evidenciava em carta a Oliveira Martins, realçando o valor lírico-subjectivo da poesia

em equilíbrio com a sua instância ‘filosófica’: «[…] apesar da obra ser tão individual,

visto que é lírica, afinal o que ali interessa é só o que tem de geral e humano, ou, se

quiser, o que tem de filosófico».226 A publicação dos Sonetos Completos é o último acto

público antes do abandono definitivo da escrita poética: aliás, será o próprio Oliveira

Martins, no seu prefácio aos Sonetos Completos, a defender que Antero é «artista, no

que a arte contém de mais subjectivo»,227 e que a colecção é o resultado da

«impassibilidade subjectiva» da sua poesia.228

224 Cf. PNA, p. LIV .

225 Cf. Joel SERRÃO, Na pista dos motivos da destruição das ‘Poesias lúgubres’, in A. de QUENTAL, ‘Hino da manhã’ e outras poesias do mesmo ciclo, edição, estudo introdutório e notas de J. Serrão, Lisboa: Livros Horizonte, 1989, pp. 9-38, p. 24.

226 Carta a Oliveira Martins (Outono de 1885). Cf. C2, p. 486.

227 S, p. 26.

228 «Eis aí a suprema liberdade do espírito, o Nirvana apenas intelectual, a que eu prefiro chamar impassibilidade subjectiva: um estado que permite compreender todas as coisas, analisando-as e classificando-as, sem todavia nos transmitir essa espécie de frialdade do coração, próprias dos naturalistas quando estudam uma rocha, uma planta, um animal». Ibid., p. 36.

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3.2. As formas da poesia: soneto, ode, ‘canzone libera’

A reflexão sobre poesia, que constitui justamente o acto crítico paralelo à

composição,229 repropõe também a questão da integração entre ideia, sentimento e

forma – aspecto muito relevante particularmente no nosso caso, sendo a obra anteriana

(tal como a de Leopardi) também uma tentativa prática de responder ao ‘dogmatismo’

poético, ao culto do ‘molde’, da convenção literária e das regras da metrificação.230

Por um lado temos a ‘canzone libera’, que se desenvolve autonomamente a partir

uma tradição que vai de Petrarca – através de Tasso, Guidi, Parini, Foscolo – até

Leopardi,231 por outro, a exploração, por parte de Antero, da ode e da canção, até fixar-

se no soneto, forma poética com que se completa o percurso poético, 232 tal como se

abrira: nessa ‘recuperação’ de grandes formas perdidas está um importante ponto de

contacto entre o uso das formas feito pelos dois poetas. É interessante observarmos que,

em carta a Carolina Michaëlis de 1885, Antero confessava mais uma vez a sua

preferência «dilecta» pelo soneto e pelo seus grandes representantes:

Há mais de 20 anos que faço Sonetos, e todavia nunca escolhi esse género nem

estudei nos mestres os segredos especiais daquela forma; levou-me para ali uma predilecção

impensada e singular (pois, quando comecei, ninguém entre nós os fazia já, sepultados como

estavam, com todas as outras formas clássicas, debaixo da reprovação dos românticos) e

talvez a influência dos nossos poetas do século 16, que foram dos primeiros que conheci. O

fundo de idealismo que há naqueles poetas apossou-se então de mim e os seus Sonetos,

especialmente os de Camões, tornaram-se para mim como um Evangelho do sentimento. Tais

229 «Inventa, e critica. Depois, por um movimento reflexo da inteligência, dá corpo ao que criticou, e raciocina o que imaginou». S, p. 26.

230 «Os outros adoram a palavra, que ilude o vulgo, e desprezam a ideia, que custa muito e nada luz. São apóstolos do dicionário e têm por evangelho um tratado de metrificação. Fazem da poesia o instrumento das suas vaidades. Pregam o bem por uso e convenção literária, porque se presta à declamação poética, mas praticam o egoísmo por índole e por vontade». Bom Senso e Bom Gosto, in PEC, p. 288 [Itálicos no original].

231 Cf. Antonio GIRARDI, La lingua della poesia in Italia (1815-1918), Venezia: Marsilio, 2015.

232 Também Fidelino de Figueiredo realçou que Antero «Fechava a sua carreira de poeta como a abrira: com uma preferência dilecta pelo soneto, como forma de expressão do seu íntimo sentir». F. de FIGUEI-

REDO, Antero, op. cit., p. 78.

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são as minhas raízes, se assim posso dizer.233

Essa preferência é amplamente argumentada já no prefácio aos Sonetos de

Anthero de 1861 (a chamada «edição Sténio»), dedicado a João de Deus.234 Na

«predilecção impensada» pelo soneto há uma precisa consciência da necessidade de

revivificar a escrita poética através de uma estrutura externamente fixa e internamente

flexível: nessa óptica, Camões, Bocage e João de Deus representam respectivamente as

origens, a recuperação e a actualidade do soneto em Portugal.235 É de ver que Antero,

mais do que explorar as possibilidades formais do soneto, dá-lhe uma nova vitalidade e

um novo fôlego (quer através de um carácter «oratório/musical» próprio,236 quer pela

cuidadosa procura de um equilíbrio do ‘todo’), mas, sobretudo, atribui um grande valor

às possibilidades especulativas que esse molde, no fim de contas clássico, lhe permite:

nesse sentido o soneto anteriano distancia-se tanto de Camões como de João de Deus,

antecipando e influenciando, porém, a produção sonetística de Fernando Pessoa.237

Aliás, o próprio Pessoa-Barão de Teive, ao aproximar Vigny, Antero e Leopardi na

«ilusão romântica» e no «classicismo», observava: «The sonnet is non-classical,

233 Carta a Carolina Michaëlis (7 de Agosto de 1885). C2, p. 479 [Itálico no original].

234 Cf. A. de QUENTAL, Prefácio de Antero à edição dos Sonetos de 1861, in S, p. 227-231.

235 «Os Lusíadas são a epopeia do povo: mas a epopeia do Poeta é aquele livrinho apenas lembrado dos Sonetos. Um é o monumento da nação; outro o do homem: os Lusíadas escreveu-os o Soldado; mas foi o poeta quem chorou os Sonetos. […] Esta grande forma estava perdida: sumiu-a um dia Bocage, em meio do delírio de alguma orgia poética, e, tão longe a arrojou, que bem custoso foi achá-la depois. […] Achou-a, depois, um homem – um poeta – digo poeta, porque o esquecimento do seu nome é, nesta terra, a sua melhor coroa: a glória aqui é ser esquecido, porque poetas – poetas não há cá quem os entenda… João de Deus restituiu-nos o Soneto como ele é, como deve ser: a forma superior do lirismo». Ibid., p. 231. [Itálicos no original].

236 Cf. Oscar LOPES, Lirismo, in Dicionário do Romantismo literário português, Lisboa: Caminho, 1997, p. 287.

237 Recorde-se também que Pessoa foi um grande admirador, além de tradutor para inglês, dos sonetos anterianos. A este respeito veja-se Patrício FERRARI, Nota Prévia, in QUENTAL, Antero de, Os Sonetos Completos de Antero de Quental, com tradução parcial em língua inglesa de Fernando Pessoa, Prefácio de J. P. Oliveira Martins, Nota prévia, transcrições e posfácio de P. Ferrari, Lisboa: Guimarães Editores (Colecção Pessoa editor), 2010, vol. VII , pp. 9-13. Sobre as conexões entre o pensamento de Antero e o de Pessoa, ver também Joel SERRÃO, «De Antero a Pessoa: alguns rumos de investigação», in Colóquio/Letras, n. 88, Novembro de 1985, p. 9-16.

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however, though, owing to its epigrammatic basis, it should be so».238

Pode dizer-se que a forma é quase uma «salvação» em contraste com os

conteúdos inquietos, atitude que, numa visão mais ampla, é uma característica peculiar

da poesia do século XIX . 239 Recorde-se também que o soneto, mais do que substituir a

ode, no percurso poético anteriano desenvolve-se paralelamente a ela: a preferência

definitiva pelo soneto manifesta-se ao passo que o «lirismo da cabeça» se faz «lirismo

puro da alma», e o alento heróico é gradualmente abandonado em prol de um tom

contemplativo e imaginativo. Esse aspecto é sublinhado no prefácio aos Sonetos de

Anthero de 1861, através da analogia entre a estrutura do soneto e o «eterno sentimento»

do Mosteiro da Batalha:

Pois bem: a ode, o lirismo da cabeça, aonde se espelha o universo, será a Catedral da

Meia-Idade: mas o soneto, o lirismo puro da alma, a ideia que traduz o eterno sentimento, é o

Mosteiro da Batalha.240

Essa analogia adquire ainda mais valor se pensarmos na referência à Batalha que

se encontra no texto da conferência Causas da decadência dos povos peninsulares, onde

o mosteiro surge come pedra de toque para a comparação – do ponto de vista moral e

artístico – entre uma época áurea, que concebeu a construção «espiritual» do Mosteiro

da Vitória, e a era sombria dos séculos XVII e XVIII , cujo marco «pesado e insípido»

espelha-se, segundo Antero, nas «lúgubres moles de pedra» do Convento de Mafra e do

Escorial.241 Nesse sentido, as observações sobre o «salto mortal dado pela inteligência

dos povos peninsulares» da Renascença ao século XIX , interessam-nos por ser esse o

intervalo ‘poético’ que separa o soneto de Camões do de João de Deus.242 Com a

238 F. PESSOA, A Educação do Estóico, op. cit., p. 65.

239 Acerca do conceito de «salvação» através da forma, ver as observações de Friedrich relativamente à poesia de Baudelaire. Cf. Hugo FRIEDRICH, La struttura della lirica moderna. Dalla metà del XIX alla metà del XX secolo, Milano: Garzanti, 2002, p. 39-40.

240 S, p. 228 [Itálicos no original].

241 Cf. Antero de QUENTAL, Causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos, préfácio de Eduardo Lourenço, Lisboa: Tinta-da-China, 2010, p. 50.

242 «A poesia, depois da exaltação estéril, falsa, e artificialmente provocada do Gongorismo, depois da afectação dos conceitos (que ainda mais revelava a nulidade do pensamento), cai na imitação servil e

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recuperação de uma forma típica da tradição quinhentista (pelo menos no que diz

respeito ao caso português243) e peculiarmente camoniana, legitima-se também uma

poesia pensante, aspecto que Antero não só valoriza, mas pretende transmitir para a sua

própria produção poética, mesmo através desse molde. Aliás, o soneto, por ser

«simples», é considerado natural e estruturalmente ideal para ‘selecionar’ a matéria do

poema:

É simples. Ainda a estreiteza dela [a forma] não permite abraçar mais que o preciso:

tudo o que for estranho, rejeita-o porque o não pode conter.244

Ainda no período anterior à segunda edição de Odes modernas, o poeta

micaelense, para despertar «a adormecida vida poética», dedicava-se ao mesmo tempo à

ode e ao soneto, como consta em carta a Batalha Reis escrita em meados de 1874.245 Já

na edição das Odes modernas de 1865, aliás, estavam incorporados os sete sonetos que

compõem o conjunto de A Ideia, enquanto na versão aumentada de 1875 – como

consequência de uma trabalhosa revisão – são introduzidos mais dez,246 dos quais só

Acusação não irá confluir nos Sonetos Completos de 1886. Se a simplicidade da forma

sonetística ajusta-se com naturalidade à criação poética de Antero, também é verdade

que, apesar de o poeta não ter preocupações especiais de estudo (e ainda menos de

«escola»), a leitura de alguns eminentes sonetistas – não apenas do citado Camões, mas

também de Miguel Ângelo, Shakespeare e Gérard de Nerval – foi essencial para a

ininteligente da poesia latina, naquela escola, pesada e fradesca, que é antítese de toda a inspiração e de todo o sentimento». Ibid., p. 49.

243 Sobre o soneto em Portugal e as conexões petrarquianas ver Rita MARNOTO, O petrarquismo portugês do Renascimento e do Maneirismo, Coimbra, Universidade, 1997.

244 S, p. 230 [Itálico no original].

245 «Tenho-me ocupado, nestes últimos meses, em rever e emendar as Odes Modernas, preparando uma 2ª e definitva edição, que conto publicar este inverno em Lisboa. Vai muito aumentada com coisas feitas de 1865 para cá, e algumas até nestes últimos meses, porquanto o trabalho de revisão tem-me uma e outra vez despertado a adormecida vida poética». C1, p. 384.

246 Trata-se da que virá a ser a parte oitava do conjunto A Ideia («Lá! Mas aonde é lá? Aonde? –»), mais Tese e antítese (I e II) Diálogo, Mais luz!, Justitia Mater, Palavras de um certo morto, A um crucifixo, Doze anos depois e Acusação. Um particular agradecimento ao Prof. Dr. Luís Fagundes Duarte por me ter facultado a documentação relativa ao seu estudo de variantes entre 1ª e 2ª edição das Odes modernas.

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exploração desse molde::247

Li muitos poetas e naturalmente muitos Sonetos (como os de Miguel Ângelo, os de

Filicaia, os de Gérard de Nerval, e alguns de Milton e Shakespeare), mas sem preocupação

alguma de género ou escola, nem sobretudo de estudo.248

Contudo, é mesmo através da sincera despreocupação para com escolas ou

regras propriamente ditas249 que se deve realizar a composição poética na actualidade.

Se observarmos, por exemplo, as inúmeras anotações a mão patentes na cópia do

Parnaso de Luiz de Camões250 que pertenceu a Antero (publicado por Teófilo Braga e

Ferreira de Brito em 1880), notamos que a sua análise filológica se desenvolve a partir

do domínio das noções de tom, estilo e forma, que fazem do poeta de Os Lusíadas,

segundo Antero, um exemplo único e inconfundível, que não devia ter enganado os

editores desse volume.251 Essa atenção pelo estilo nota-se também numa carta a João

247 Como observou Fidelino de Figueiredo, o esquema rítmico dos sonetos de Antero é fixo no que diz respeito às quadras (ABBA, ABBA), enquanto varia constantemente nos tercetos. Cf. F. de FIGUEIREDO, Antero, op. cit., p. 85.

248 Carta a Carolina Michaëlis (7 de Agosto de 1885). Cf. C2, p. 479. Em um dos textos traduzidos por Antero para o volume A Europa Pittoresca lemos, aliás: «[…] Miguel Ângelo, pintando os frescos da Capela Sistina, erguendo a cúpula e a arcaria de São Pedro, esculpindo as estátuas do túmulo de Julião II, tinha ainda tempo e engenho para fortificar Florença, para comentar a Bíblia e para compor alguns centos de sonetos, que são dos mais belos que tem a língua italiana.». Normandia e Bretanha, in A Europa Pittoresca (Obra illustrada com numerosas gravuras executadas pelos principaes desenhadores e gravadores), Paris, Director-Proprietário: Salomão Sáragga; Lisboa – Gerente em Portugal: David Corazzi, 1881, p. 49. Acerca desse texto veja-se também Veneza (Versão de Antero de Quental), organização, introdução e notas por Andrea Ragusa, Lisboa, Pianola Editores, 2015.

249 Lê-se na Nota final de Odes modernas: «Que importa que a palavra não pareça poética ás vestaes literárias do culto da arte pela arte?». OM, p. 160 [Itálicos no original].

250 Cf. Luís de CAMÕES – Teófilo BRAGA, Parnaso de Luiz de Camões, Edição das poesias lyricas consagrada à commemoração do Centenário de Camões, edição por Ferreira de Brito; com uma introducção sobre a historia da recensão do texto lyrico por Theophilo Braga, 3 vols, Porto: Imprensa Internacional, 1880.

251 Escreve Antero à margem da Canção XVIII (vol. II): «Não há absolutamente nada de Camões nesta insípida canção»; e à margem da Elegia XXV (vol. III ): «Esta sensaboria teológica cheira de mais ao século XVII para poder ser de Camões, nem é do estilo de Camões»; e acerca da Écloga XIII (vol. III ): «Também esta é, sem a menor dúvida, de Diogo Bernardes. Oh incapacíssimos editores!». Essas e outras anotações de mão de Antero foram recolhidas em J. B. CARREIRO, Antero de Quental, vol. II, op. cit., p. 348-349.

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Lobo de Moura, onde, além de apreciar criticamente os poemas do amigo, também

define implicitamente o «conceito» de soneto:

Li os seus sonetos, penúltimos e últimos. Destes gostei imensamente, daqueles não

tanto. Nos últimos encontro o seu verdadeiro tom, um misto de sentimento e excentricidade

de imaginação, a comoção verdadeira envolta no conceito de epigrama peninsular. Nos

outros acho o que quer que é forçado, ou seja efeito dum sentimento que Você

deliberadamente quer conduzir por um certo caminho e conter num certo quadro, ou apenas

influência petrarquiana da leitura dos sonetos de Camões.252

É de ver que se, por um lado, são valorizadas as composições em que o

«conceito» está em equilíbrio com o «tom», por outro, os sonetos em que se pretende

conter o «sentimento» em um «quadro» definido, são criticados porque «forçados».

Essas observações, aliás, são coerentes com o que Antero defendia já em 1860, num

ensaio publicado em O Phosphoro,253 tal como no prefácio à edição «Sténio»,254 e ainda

com algumas afirmações de 1886, isto é, que na poesia «era o fundo mais do que a

forma»255 que o atraía, e que o próprio molde se constrói à volta do «sentimento

reduzido a ideia», e não o contrário.256 Também no ensaio A Dignidade das Letras e as

Literaturas oficiais, publicado no contexto da questão literária coimbrã, encontramos

252 Carta a João Lobo de Moura (26 de Maio de 1874). Cf. C1, p. 364 [Itálicos no original]. Sobre a figura de João Lobo de Moura veja-se Marina Tavares DIAS, «João Lobo de Moura, um ‘desconhecido’ da Geração de 70», in Estudos Anterianos, vol. VIII , Outubro de 2001, pp. 57-66.

253 «A poesia, a grande, a verdadeira poesia, a que se escreve com uma mão sobre o coração, sem querer outros modelos além da natureza, outras leis mais que as da razão, essa vive e chega longe nos séculos». A. de QUENTAL, A propósito de um poeta, in PEC, p. 88. Este texto foi publicado pela primeira vez em O Phosphoro, n. 7-9-12, Abril-Maio de 1860.

254 «Procuremos pois ao sentimento, pelo menos, vestidura que o não tolha, que lhe não encubra as belezas, que o deixe senhor de si; finalmente, vestido que lhe vá bem, e esse só pode ser um – Escolhamos […]». S, p. 229 [Itálico no original].

255 C2, p. 480.

256 «O sentimento desenha-se de perfil, aos poucos, gradualmente; A forma acompanha essa evolução: segue-o em cada manifestação parcial. Desenha-se, por fim, todo e forma-se dele ideia precisa ou, pelo menos, completa; A forma amolda-se a esta reconstrução, e resume-o igualmente, como que fundindo as partes no todo. O sentimento é um; A forma, pela precisão, a que apresenta maior unidade». S, pp. 229-230 [Itálicos no original]. Sobre este aspecto, ver também J.-A. FRANÇA, O Romantismo em Portugal, op. cit., pp. 453-454.

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uma separação nítida entre «bem dito» e arte poética:

É porque a essência, a cousa vital das literaturas não é a harmonia da forma, a

perfeição exacta com que se realizam certos tipos convencionais o bem dito, o bem feito, um

arranjo e uma curiosa faculdade feita para divertimento de ociosos e pasmo de quem não

concebe nada acima dessas raras mas fúteis habilidades de prestidigitador. Para isso basta um

certo jeito, uma arte delicada mas puramente exterior às grandes faculdades do espírito, um

estudo especial e por única virtude a paciência.257

Essas observações permitem entender melhor a função que a forma teve para o

poeta, o qual, aliás, não deixa de referir-se à ‘peninsularidade’ do soneto, e portanto à

necessidade de uma forma que é «original» na medida em que consegue ser nacional.

Não surpreende, portanto, a grande admiração por João de Deus, que considerava o

maior sonetista depois do próprio Camões, 258 mesmo por ter ‘restituído’ o soneto à

tradição lírica portuguesa.259 Relativamente à ‘influência’ de João de Deus na obra

sonetística de Antero, parece, aliás, totalmente justa a observação de Carolina Michaëlis

no In Memoriam, onde a estudiosa luso-alemã sublinha que, apesar da incontestável

admiração de Antero por João de Deus, a redacção dos sonetos não foi influenciada de

forma alguma pela obra poética do amigo.260

Quanto a Camões, diga-se também que, além de ser um modelo no que diz

respeito ao soneto, é ainda uma referência para a ‘canção-ode’ anteriana, que tem o seu

maior exemplo no conjunto das ‘poesias lúgubres’. Se, como julga Joel Serrão, esse

257 Cf. A. de QUENTAL, A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, in PEC, p. 304.

258 Relativamente ao interesse de Antero por Camões e a sua obra, veja-se J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. II, p. 98, nota 5; e Ruy Galvão de CARVALHO , Camões e Antero, in Antero de Quental – Novos Ensaios, Vila Franca do Campo, Editorial Ilha Nova, 1985, pp 107-113.

259 «João de Deus restituiu-nos o Soneto como ele é, como deve ser: a forma superior do lirismo.» S, p. 231 [Itálico no original].

260 «Uma phrase, do fino e enthusiastico panegyrico do Soneto, tecido por Anthero em annos muito juvenis, e que diz que aquella forma superior do lyrismo puro do coração, perdida de há muito, fora restituida aos portuguezes por João de Deus, concede ao amigo apenas a vantagem de ter sido chronologicamente entre os novos o primeiro que resuscitou a velha estrophe, mas não affirma que os Sonetos, por elle cantados, serviram de modelo a Anthero». Cf. AA. VV., In Memoriam, op. cit., p. 389 [Itálico no original].

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interesse de Antero pelas «virtualidades» da canção camoniana remontaria a 1874 –

sendo fundamental para a redação dessas poesias261 – então estes poemas, que

constituem de facto um unicum na produção poética anteriana, tornar-se-iam num

importante exemplo de alternativa ao soneto, antes do desaparecimento definitivo da

«faculdade poética». Na citada carta a João Lobo de Moura, lemos ainda:

Mas, em geral, os sonetos de Camões, como os de Ferreira, ressentem-se da

preocupação literária, da imitação dos modelos da escola italiana. Acho-o mais livre, mais

senhor de si, mais Camões, numa palavra, nas outras obras líricas – verdadeiro monumento,

e um dos raros monumentos, do génio português, e que ainda não teve quem o apreciasse

dignamente.262

O ponto central da reflexão não é, portanto, a forma ou género, mas, pelo

contrário, a «imaginação», o «sentimento» e a originalidade que estão na base da

exploração da própria forma.263 Se observarmos a canção «Já a roxa manhã clara» de

Camões, encontramos, aliás, alguns elementos que permitem uma (cautelosa)

aproximação com o Hino da manhã, obra composta por Antero provavelmente no

período 1879-1880.264

Do ponto de vista métrico, a canção camoniana é constituída por quatro

estâncias de catorze versos e uma finda de cinco versos (todos decassílabos e

hexassílabos), enquanto o poema de Antero tem vinte e nove quadras de decassílabos

com esquema rimático ABBA , CDDC, etc. Estamos, portanto, perante duas composições

que pela extensão e pela respectiva regularidade métrica podem ambas incluir-se no

amplo domínio da ‘canção-ode’, embora a aproximação entre os dois poemas surja mais

no ponto de vista temático do que estilístico. O poema de Camões é um hino à manhã,

um canto de esperança que se concentra na «alegre vista» do sol e no cenário idílico que 261 J. SERRÃO, Na pista dos motivos da destruição das ‘Poesias lúgubres’, op. cit., p. 32.

262 C1, pp. 364-365 [Itálicos no original].

263 «E, a propósito, dir-lhe-ei que dou hoje muito mais apreço às outras obras líricas do nosso poeta, do que aos sonetos – salvo, já se entende, um certo número destes, em que deixou correr a imaginação e a pena a sabor do sentimento, sem se lembrar de fazer obra de escola». Ibid., p. 364.

264 Para a datação deste poema veja-se J. SERRÃO, Na pista dos motivos da destruição das ‘Poesias lúgubres’, op. cit., p. 76.

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acompanha a madrugada:

O Sol, que nunca pára,

de sua alegre vista saudoso,

trás ela, pressuroso,

nos cavalos cansados do trabalho,

que respiram nas ervas fresco orvalho,

se estende, claro, alegre e luminoso. 265

Por outro lado, o Hino da manhã é um ‘falso hino’, sendo a madrugada

sinónimo de «tristeza imensa» e a luminosidade um elemento com conotações negativas:

O sol, inexorável semeador,

Sem jamais se cançar, percorre o espaço,

E em borbotões lhe jorram do regaço

As sementes inúmeras da Dor! 266

Mesmo admitindo que a canção camoniana tenha sido uma fonte indirecta para

Antero (aspecto que, todavia, é difícil de comprovar), os dois poemas têm em comum

uma correspondência temática que se manifesta essencialmente por antítese, pois os

contrastes manhã-noite e luz-escuridão têm saídas radicalmente diferentes. O que parece

mais relevante é o recurso a uma forma externa ao soneto, sobretudo do ponto de vista

da extensão, que surge, como se disse, como extrema tentativa de utilizar a expressão

poética. A ‘canção-ode’ em quadras ABBA – que na tradição quinhentista italiana teve em

Pietro Bembo um dos maiores representantes267 – é um molde amplamente usado nas

Odes modernas (Pater; Luz do sol, luz da razão; Et cœlum et virtus; Tentanda via e «A

Espada inexorável que flameja»), que ressurge não apenas no caso do Hino da manhã,

mas em todas as composições desse «ciclo»: Os vencidos, Os cativos, A fada negra e

265 Luís de CAMÕES, Lírica, fixação do texto por Hernâni Cidade, Lisboa, Circulo de Leitores, 1981, vol. III , p. 452.

266 A. de QUENTAL,‘Hino da manhã’ e outras poesias do mesmo ciclo, , edição, estudo introdutório e notas de J. Serrão, Lisboa: Livros Horizonte, 1989, p. 50.

267 Cf. P. G. BELTRAMI, La metrica italiana, Bologna, Il Mulino, 2002, p. 351.

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Entre sombras. O longo adeus ao soneto268 precede, sim, o abandono da poesia, mas

admite ainda a exploração de outras formas: só a ‘conversão filosófica’ irá marcar o

afastamento definitivo da forma poética, antes da viragem definitiva para a prosa.

Contudo, se nas Odes Modernas era patente a vontade de produzir uma poesia objectiva,

heróica, «de combate», nas ‘poesias lúgubres’ emerge o poeta subjectivo, «à beira de

desaparecer».

Embora não seja viável nem necessário, neste ensejo, analisar aprofundadamente

as características da ‘canzone libera’ leopardiana, vale a pena focarmos brevemente a

evolução que a forma canzone alcança no crescimento poético do escritor italiano,

sendo este um aspecto importante para comprendermos a sua apropriação de um género

clássico. Convém salientar, aliás, que para Leopardi (como será para Antero) a

‘antiguidade’ nunca se pode confundir com o ‘classicismo’, sendo o estilo e a forma

antigos sempre adaptados às necessidades linguísticas e expressivas da actualidade, em

prol da poesia e não da técnica compositiva. Nos Canti reúnem-se, como veremos, os

poemas dos períodos ‘pisano-recanatese’ e napolitano, mais as duas colectâneas

publicadas anteriormente: o inteiro livro das Canzoni de 1824, e uma parte dos poemas

publicados nos Versi de 1826. Embora as primeiras canções (e, em geral, todas as que

foram incorporadas na edição das Canzoni), fossem ainda parcialmente inspiradas pela

estrutura petrarqueana, já a partir dos Versi de 1826 o modelo de referência é a canzone

de Tasso, onde decassílabos (endecasillabi) e hexassílabos (settenari) têm esquemas

rimáticos variados e não fixos:269 a chamada ‘canzone libera’ ( ou ‘canzone leopardiana’)

é o resultado de uma progressiva afinação, na técnica e sobretudo na linguagem.

Sendo assim, na dinâmica dos Canti o primeiro exemplo de ‘canzone libera’

surge com Il passero solitario (XI),270 enquanto em termos cronológicos é o poema A

Silvia (XXI ).271 Nestes poemas, como em vários outros que têm vindo a ser considerados

268 Escrevia em 1880 a Alberto Sampaio: «Penso que não farei mais sonetos»; e em 1883, a Joaquim de Araújo: «[…] é que eu tenho projectado publicar mais tarde, quando de todo se me tiver esgotado a veia do Soneto, que já declina sensivelmente, a colecção dos meus Sonetos Completos». C2, pp. 230 e 379.

269 Cf. Antonio GIRARDI, Lingua e pensiero nei Canti di Leopardi, Venezia: Marsilio, 2000, p. 44.

270 Cf. PP1, p. 944.

271 Cf. Mario FUBINI, Metrica e poesia. Lezioni sulle forme metriche italiane, Milano: Feltrinelli, 1973, p. 278.

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‘canzoni libere’ (e sobretudo em La quiete dopo la tempesta e em Il sabato del

villaggio), Leopardi constrói um equilíbrio através de um uso próprio das possibilidades

sintácticas e lexicais, mais do que através da ‘inovação’ do molde propriamente dito. Se

bem que o ‘verso libero’ e a alternância, também livre, de endecasillabi e settenari, seja

típico da canzone leopardiana,272 contudo o ‘esquema’ geral da composição corresponde

às canções de Alessandro Guidi.273 A inovação leopardiana, no fim de contas, não está

no metro, mas no trabalho de limadura sintáctica, rítmica e lexical interna ao verso (sem

um efectivo ‘abandono’ do molde) que é, de facto, a sua principal peculiaridade. A

evolução procede, portanto, paralelamente à construção de uma «gramática do

indefinido», como o poeta defende também no Zibaldone:

Non solo l’eleganza, ma la nobiltà la grandezza, tutte le qualità del linguaggio

poetico, anzi il linguaggio poetico esso stesso, consiste, se ben l’osservi, in un modo di

parlare indefinito, o non ben definito, o sempre meno definito del parlar prosaico o

volgare.274

Aliás, não admira que, cronologicamente, o primeiro resultado poético dessa

maneira de entender a canzone seja A Silvia (escrito em Pisa em 1828), sendo esse

poema um admirável exemplo de uma equilibrada e sublime compenetração entre ritmo

e linguagem, onde o próprio «argomento» da canção (a caducidade humana, a

identidade vida-engano e o desvanecer de todas as ilusões) encontra na forma poética o

equilíbrio natural:

Che pensieri soavi,

che speranze, che cori, o Silvia mia!

Quale allor ci apparia

la vita umana e il fato!

Quando sovviemmi di cotanta speme,

un affetto mi preme

272 Cf. Piervincenzo MENGALDO, Sonavan le quiete stanze. Sullo stile dei «Canti» di Leopardi, Bologna: Il Mulino, pp. 15-40.

273 Cf. A. GIRARDI, Lingua e pensiero nei Canti di Leopardi, op. cit., p. 51.

274 Z1, p. 1293 [1900-1901].

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acerbo e sconsolato,

e tornami a doler di mia sventura.

O natura, o natura,

perché non rendi poi

quel che prometti allor? perché di tanto

inganni i figli tuoi?275

Nesta estância, a prevalência dos settenari fornece um ritmo adequado para

descrever com um tom rápido e ‘natural’ a precariedade das ilusões e das esperanças. O

verso libero, mesmo por prescindir de um sistema rimático fixo, suscita a ocorrência de

assonâncias internas: nesse sentido, é muito inteligente a observação de Gianluigi

Beccaria, que vê na «atenuação tímbrica» uma alternativa à rima na poesia leopardiana

e um dos marcos da sua unicidade no panorama literário.276 Além do mais, uma das

características distintivas da obra poética de Leopardi é mesmo essa tentativa de

descrever, sentir e cantar «il vano delle illusioni», conservando, ao mesmo tempo, «un

gran fondo d’illusione»277 Desta reflexão acerca da vertente ‘consoladora’ da arte, e

particularmente da poesia, encontramos vestígios ainda nas páginas do Zibaldone:

Hanno questo di proprio le opere di genio, che quando anche rappresentino al vivo

la nullità delle cose, quando anche dimostrino evidentemente e facciano sentire l'inevitabile

infelicità della vita, quando anche esprimano le più terribili disperazioni, tuttavia ad

un'anima grande che si trovi anche in uno stato di estremo abbattimento, disinganno, nullità,

noia e scoraggimento della vita, o nelle più acerbe e mortifere disgrazie (sia che

appartengano alle alte e forti passioni, sia a qualunque altra cosa); servono sempre di

consolazione, raccendono l'entusiasmo, e non trattando nè rappresentando altro che la morte,

le rendono, almeno momentaneamente, quella vita che aveva perduta. E così quello che

veduto nella realtà delle cose, accora e uccide l'anima, veduto nell'imitazione o in qualunque

altro modo nelle opere di genio (come per esempio nella lirica che non è propriamente

275 PP1, pp. 77-78.

276 Gianluigi BECCARIA, L’autonomia del significante, Torino: Einaudi, 1975, p. 179.

277 «Tant’è, siccome l’autore che descriveva e sentiva così fortemente il vano delle illusioni, pur conservava un gran fondo d’illusione, e ne dava una gran prova, col descrivere così studiatamente la loro vanità, nello stesso modo il lettore quantunque disingannato, e per se stesso e per la lettura, pur è tratto dall’autore, in quello stesso inganno e illusione nascosta ne’ più intimi recessi dell’animo, ch’egli provava». Z1, p. 271 [260].

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imitazione), apre il cuore e ravviva.278

A passagem da canzone clássica para a ‘canzone libera’ advém de uma

espontânea necessidade expressiva que se reflete na maneira extrema de respeitar os

‘limites’ da forma canzone, apesar das revoluções internas. A ‘canzone libera’, aliás, é

distintiva e peculiar do Leopardi «subjectivo», enquanto o poeta objectivo e heróico das

canções All’Italia e Sopra il monumento di Dante servia-se maioritariamente da

estrutura clássica da tradição italiana, prevalentemente endecasillabica.279 Nesse sentido,

La ginestra o il fiore del deserto é a expressão grandiosa da lírica subjectiva leopardiana

e um dos maiores exemplos de ‘canzone libera’, sendo justamente considerado o seu

testamento poético.280

A personalização da forma insere-se num mais amplo caminho espiritual,

literário e especulativo, contribuindo, finalmente, para a sinceridade da obra. A própria

existência do livro de poesia – e portanto de uma colectânea, de um «ciclo» completo e

fechado – está intimamente ligada à necessidade de mostrar poeticamente a «evolução

dum espírito», sendo o resultado de um processo que diremos ‘natural’, porque

implícito no crescimento literário. Lembremos o que afirmava Antero em carta a Jaime

de Magalhães Lima:

Hesitei por algum tempo em publicar aquela colecção [os Sonetos Completos],

justamente por ter dúvidas sobre este ponto: receava que se não sentisse ali distintamente a

evolução dum espírito que procura ansiosamente e quase freneticamente a razão de ser da

sua existência, nem se destacassem suficientemente as soluções mentais, morais,

sentimentais que fecharam para mim o círculo da ansiedade e agitação de espírito. Com

efeito, se o livrinho não fosse isso e não dissesse isso, seria nada, uma colecção de versos

mais ou menos bem feitos – e na minha idade e com o meu feitio, parecia-me indecoroso vir

a exibir-me ao público como acrobata de rimas.281

278 Idem [Itálico no original].

279 Cf. A. GIRARDI, Lingua e pensiero nei Canti di Leopardi, op. cit., p. 44-45.

280 Cf. PP1, p. 989.

281 Carta de 13 de Outubro de 1886. C3, p. 44.

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Essa consciência de não poder ser apenas um «acrobata de rimas» é, ao mesmo

tempo, ume explícita recusa da primazia do paradigma estético e uma confirmação do

carácter essencialmente ‘pensante’ que a poesia deve ter. Também por isso, a unidade do

‘ciclo’ poético é imprescindível às «soluções mentais, morais, sentimentais» que virão a

caracterizá-lo, e está intimamente ligado, como veremos, com o ‘pensamento poetante’,

isto é, uma «poesia com ideias» que existe apenas na medida em que a forma se adaptar

ao pensamento.

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IV. A CONSTRUÇÃO DE UM ‘CICLO ’

4.1 O livro dos Canti

A poesia surge no momento em que o poeta decreta a sua morte e nasce na senda

da precariedade, como um paradoxo ou um desafio, que toma forma através de redações

parciais, correções, variantes, até fixar-se no livro, no cancioneiro, no ciclo. A

valorização de uma estrutura ‘arquitectónica’ faz com que o livro deixe de ser

simplesmente recolha ou colecção para se tornar, utilizando as palavras de Antero, «uma

espécie de autobiografia de um pensamento e como que as memórias de uma

consciência».282

Para se estabelecer uma relação entre Antero de Quental e Giacomo Leopardi, é

fundamental realçar o peso e o significado que o elemento-livro teve na evolução

literária dos dois escritores. No livro, na sua forma complexa e acabada, reúnem-se o

tempo da escrita e a elaboração intelectual, definem-se o molde, os contornos e os

conteúdos em que se constrói a obra, sendo um instrumento imprescindível para fixar o

pensamento poético numa estrutura definida. Nesse sentido, o processo de construção

de um cancioneiro-ciclo é evidente tanto no caso dos Canti leopardianos quanto no dos

Sonetos Completos de Antero: aliás, na própria estrutura dessas obras pretende-se

condensar a essência e a unidade de uma experiência poética inteira, ao abrigo de uma

lógica minuciosa. Através do livro manifesta-se também a função exterior e ‘pública’ da

poesia, ou seja o «discorso meta» (como lhe chamou Mario Ricciardi283) dirigido ao

leitor, juntamente com a intenção paralela de compor, em ambos os casos, um

testamento poético.

As edições dos Canti,284 tal como as dos Sonetos Completos (1886 e 1890),285

282 Carta de Antero a Wilhelm Storck (14 de Maio de 1887). C3, p. 100

283 Cf. Mario RICCIARDI, La logica dei ‘Canti’, Milano: Franco Angeli Editore, 1988, p. 9.

284 Consideram-se neste caso as edições de 1831 e 1835, em vida do autor, mas também a edição de Ranieri Canti di Giacomo Leopardi / Edizione corretta, accresciuta, e sola approvata dall’Autore, Napoli, Saverio Starita, 1835.

285 A. de QUENTAL, Os Sonetos Completos de Anthero de Quental / publicados por J. P. Oliveira Martins, Porto: Livraria Portuense de Lopes, 1886 [1ª ed.]. A segunda edição (1890) difere apenas pelo acrescento de uma breve nota editorial (provavelmente de Antero) e pela antologia de traduções em alemão, francês, italiano e espanhol.

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são fruto de uma clara vontade de tornar definitivo um percurso poético a partir de

blocos preexistentes. Nos dois casos a obra passa por várias etapas antes da sua fixação

final, se bem que integrada por composições inéditas que completam a sua construção.

Por um lado, a última edição dos Canti organizada directamente pelo autor e publicada

em Nápoles por Saverio Starita286 – que reúne, tal como a anterior edição Piatti287, uma

selecção das Canzoni (Nobili, 1824) e dos Versi (Stamperia delle Muse, 1826), ambos

publicados em Bolonha, juntamente com os chamados «canti pisano-recanatesi» e com

alguns poemas do período napolitano; por outro, temos o conjunto dos Sonetos

Completos que consta de algumas composições publicadas em volume em 1861 (a

citada edição «Sténio») e em 1881 (na colecção da Biblioteca da Renascença), além de

outras retiradas das Primaveras Românticas e das Odes Modernas, mais algumas

286 Cf. G. LEOPARDI, Canti / di / Giacomo Leopardi. / Edizione corretta, accresciuta, e sola approvata dall’autore. / Napoli, / presso Saverio Starita / Strada Quercia n. 14. / 1835. Nesta edição foram publicados os seguintes poemas: I. All’Italia ; II. Sopra il monumento di Dante che si preparava in Firenze; III. Ad Angelo Mai, quand’ebbe trovato i libri di Cicerone della Repubblica; IV. Nelle nozze della sorella Paolina; V. A un vincitore nel pallone; VI. Bruto minore; VII. Alla primavera, o delle favole antiche; VIII. Inno ai Patriarchi, o de’ principii del genere umano; IX. Ultimo canto di Saffo; X. Il primo amore; XI. Il passero solitario; XII. L’infinito ; XIII. La sera del dì di festa; XIV. Alla luna; XV. Il sogno; XVI. La vita solitaria; XVII. Consalvo; XVIII. Alla sua donna; XIX. Al conte Carlo Pepoli; XX. Il risorgimento; XXI. A Silvia; XXII. Le ricordanze; XXIII. Canto notturno di un pastore errante dell’Asia; XXIV. La quiete dopo la tempesta; XXV. Il sabato del villaggio; XXVI Il pensiero dominante; XXVII. Amore e morte; XXVIII. A se stesso; XXIX. Aspasia; XXX. Sopra un bassorilievo antico sepolcrale, dove una giovane morta è rappresentata in atto di partire, accomiatandosi dai suoi; XXXI. Sopra il ritratto di una bella donna scolpito sopra il monumento sepolcrale della medesima; XXIII. Palinodia al marchese Gino Capponi; XXXIII. Imitazione; XXXIV. Scherzo; XXXV (trata-se de Lo spavento notturno, publicado nos Versi, e excluído da edição Piatti); XXXVI (publicado nos Versi com o título Elegia II); XXXVII; XVIII. Dal greco di Simonide; XXXIX. Dello stesso. Embora a edição Starita de 1835 (39 poemas) seja a última em vida do autor, considera-se como edição de referência a organizada por Antonio Ranieri (conforme a vontade do autor) e publicada por Le Monnier em 1845, que inclui também Il tramonto della Luna e La Ginestra o il Fiore del Deserto, compostos em Torre del Greco em 1836 (por um total de 41 poemas). Lembramos que no volume antológico que pertenceu a Antero constam todos os 41 canti da edição de 1845.

287 Cf. G. LEOPARDI, Canti / del conte / Giacomo Leopardi / Firenze / presso Guglielmo Piatti / 1831. O volume continha 23 composições, mais a dedicatória». Agli amici miei di Toscana»: I. All’Italia ; II. Sopra il monumento di Dante che si preparava in Firenze; III. Ad Angelo Mai quand’ebbe trovato i libri di Cicerone della Repubblica; IV. Nelle nozze della sorella Paolina; V. A un vincitore nel pallone; VI. Bruto minore; VII. Alla primavera o delle favole antiche; VIII. Inno ai Patriarchi o de’ principii del genere umano; IX. Ultimo canto di Saffo; X. Il primo amore (recante nei Versi il titolo Elegia I); XI. L’infinito ; XII. La sera del giorno festivo; XIII. Alla luna (nei Versi intitolato La ricordanza); XIV. Il sogno; XV. La vita solitaria; XVI. Alla sua donna; XVII. Al conte Carlo Pepoli; XVIII. Il risorgimento; XIX. A Silvia; XX. Le ricordanze; XXI. Canto notturno di un pastore vagante dell’Asia; XXII. La quiete dopo la tempesta; XXIII. Il sabato del villaggio.

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inéditas e outras compostas no período de Vila de Conde.288 Vale a pena portanto

percorrermos os momentos principais dessas construções poéticas, o seu planeamento e

redação até às edições definitivas.

Leopardi chega a uma forma estável de livro, como se disse, por meio de duas

publicações intermédias, as Canzoni de 1824 e os Versi de 1826, que constituem de

facto a estrutura portante dos Canti de 1831, tal como da versão ampliada de 1835 e da

organizada postumamente por Ranieri em 1845. As primeiras notícias acerca da

construção de um livro são fornecidas pelo próprio poeta em cartas enviadas a Pietro

Brighenti e a Giuseppe Melchiorri entre 1823 e 1824, ao longo da fase de edição e

publicação das Canzoni, seu primeiro verdadeiro volume de poesia. Lembremos que foi

graças ao interesse de Brighenti – conhecido por intermediação do comum amigo Pietro

Giordani – que o poeta de Recanati irá publicar em Bolonha não apenas as Canzoni

(1824) pelo editor Nobili, mas também os Versi (1826), pela Stamperia delle Muse,

chancela fundada pelo próprio Brighenti. É de ver que Leopardi, da longínqua

Recanati,289 acompanha todas as fases da edição, desde o seu planeamento até às

revisões e correçoes das provas, inclusive a escolha do papel e dos tipos, o aspecto

financeiro e a possibilidade de uma discreta ‘distribuição’ dos exemplares. A este

respeito, notamos que a escolha de um editor bolonhês, longe de ser casual, participa de

um projecto preciso de divulgação do livro em porvir, possibilidade que seria mais

«fácil» em Bolonha do que em outras cidades italianas, sendo esse meio, consoante a

opinião do poeta, mais «favorável» do ponto de vista literário.290 Já em carta de 1823 ao

288 «Portanto, desses dois únicos livros dados a lume por Antero, de 1865 a 1872, passariam, oportunamente, aos Sonetos Completos vinte e seis poesias. Ou seja, desde o início da sua caminhada poética, ainda que o não soubesse, Antero ‘preparava’ aquilo que viria a ser a sua obra fundamental no domínio estético e com a qual encerraria, definitivamente, a sua bem complexa jornada nesse domínio». J.SERRÃO, Na pista dos motivos da destruição das ‘Poesias lúgubres’, op. cit., p. 28.

289 Em carta de Recanati (15 de Maio de 1824) ao próprio Brighenti, salienta, relativamente ao trabalho do editor Nobili: «Io sono lontano, non veggo nulla da me stesso, non ho mezzi da costringerlo o a fare, quando non faccia, o a far bene quando faccia male. Mi raccomando dunque a voi, e non guardo se non a voi». Em Agosto do mesmo ano, escrevia ainda a Brighenti «Sono fuor dal mondo, come sapete.» L, p. 472 e 480.

290 Aliás, em 1825 será mesmo Bolonha a cidade para que Leopardi irá mudar para «guadagnare il pane com la penna». R. DAMIANI , All’apparir del vero, op. cit., pp. 259-267. O próprio poeta, em carta ao tio Carlo Antici, afirma: «Il soggiorno di Bologna sarebbe per me molto più grato e più profittevole che quel di Roma, perché in Roma non potrei conversare se non con letterati stranieri (giacché non vi sono letterati romani), il che è cosa molto difficile per me, che non sono esercitato nelle lingue laddove Bologna è

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primo Giuseppe Melchiorri – que entretanto se prodigalizava na tentativa de publicação

do ensaio leopardiano sobre a versão italiana e latina do Chronicon de Eusébio de

Cesareia (traduzido do arménio por Angelo Mai em 1818)291 – o poeta realçava que,

naquele momento, a difusão do livro das Canzoni seria mais viável em Bolonha do que

em Roma:

Se vi facesse maraviglia ch’io faccia stampare le mie Canzoni a Bologna piuttosto

che costì, sappiate che lo fo solamente perché a Bologna avranno un’accoglienza più facile

che a Roma, e saranno più a portata di diffondersi.292

Lembre-se que em 1820 o projecto de publicação das Canzoni del conte

Giacomo Leopardi (planeado com Brighenti) não passara de uma tentativa – devido à

intervenção do pai de Giacomo, Monaldo293 – e que mesmo em 1824 não teria sido

realizável senão através do interesse de Pietro Giordani. E é mesmo a Giordani que

Leopardi, em 1823, confessava a vontade ‘fracassada’ de reunir a sua «piccola Lirica»

num livro:

Io avea posto insieme un tometto di versi simili a quei pochi che tu conosci,

aggiuntoci alcune prose appartenenti alla materia; e contro quello ch’io m’aspettava e che gli

altri mi predicevano, ebbi in Roma dalla Censura la facoltà di stamparlo. Ma di quelle due

cose che impediscono τήν παρρησίαν, voglio direi il timore e la speranza, l’uno non mi há

mai disturbato, l’altra mi sopravvenne per la prima volta in quel punto ch’io faceva metter

mano alla stampa. Così tra per questa cagione e per l’avere avuto a partir di là, differii di

stampare quella mia piccola Lirica, alla quale ora, trovandomi qui confinato, non ho più niun

piena di letterati nazionali, e tutti di buon cuore, e prevenuti per me molto favorevolmente». L, p. 537 [Itálico no original].

291 Trata-se do ensaio Sull’Eusebio del Mai, publicado, de facto graças à intermediação do primo Melchiorri, nas Effemeridi letterarie di Roma em 1823 [depois em PP2, pp. 970-976 e 1440].

292 Carta de 19 de Dezembro de 1823. L, p. 456.

293 Cf. R. DAMIANI , All’apparir del vero, op. cit., p. 152. Acerca das relações entre Monaldo Leopardi e Pietro Brighenti, ver Giacomo LEOPARDI, Il monarca delle Indie. Corrispondenza fra Giacomo e Monaldo Leopardi, a cura di C. Pulce, Milano: Adelphi, 1988, pp. 299-303. Essa correspondência è citada também por Stefano Giovannuzzi. Cf. Posfazione, in G. LEOPARDI, Versi, op. cit., p. LIII .

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pensiero.294

O conjunto das Canzoni – planeado por Brighenti e publicado, como se disse,

pelo editor Guido Nobili de Bolonha em 1824 – inclui All’Italia , Sopra il monumento di

Dante e Ad Angelo Mai (já editados em plaquettes em 1818 e 1820), mais sete outros

poemas e as Annotazioni, que são uma amostra da necessidade que o poeta tem de

acompanhar a poesia com a sua própria interpretação.295 A este respeito, vale a pena

lembrarmos que, mesmo nesses anos, Leopardi trabalha numa «Interpretazione» do

cancioneiro de Petrarca, mostrando uma grande familiaridade com a obra desse poeta296,

que surge aos seus olhos de «intérprete» não apenas como modelo da forma canzone,

mas também como grande exemplo de conjunto poético, de cancioneiro, de livro

acabado.

Observando a estrutura do volume das Canzoni também em função da futura

construção dos Canti, notamos uma divisão ideal em dois grupos poéticos, pois os

primeiros cinco poemas focam-se, directa ou indirectamente no tema da pátria,

enquanto os restantes cinco introduzem, de facto, uma amostra das alegorias da

infelicidade humana. Se All’Italia , Sopra il monumento di Dante e Ad Angelo Mai

expressam o contraste entre a glória antiga e a frustração presente, já Nelle nozze della

294 Cf. L, p. 441.

295 Cf. Giacomo LEOPARDI, Canzoni del Conte Giacomo Leopardi, Bologna: Guido Nobili, 1824. Todos os poemas foram compostos entre 1818 e 1823 e aparecem na seguinte ordem: All’Italia / Canzone prima (acompanhada por uma nova redacção da carta dedicatória a Vincenzo Monti); Sopra il monumento di Dante / che si prepara in Firenze / Canzone seconda; Ad / Angelo Mai / quand’ebbe trovato i libri / di Cicerone / della repubblica / Canzone terza (acompanhada por uma nova redacção da carta dedicatória a Leonardo Trissino); Nelle nozze / della sorella Paolina / Canzone quarta; A un vincitore / nel pallone / Canzone quinta; Bruto minore / Canzone sesta (precedida pela Comparazione / delle sentenze / di Bruto minore / e di Teofrasto / vicini a morte); Alla Primavera, / o / delle Favole antiche / Canzone settima; Ultimo canto di Saffo / Canzone ottava; Inno ai Patriarchi, / o / de’ principii del genere umano / Canzone nona; Alla sua donna / Canzone decima. Uma edição acrescentada das Annotazioni foi posteriormente publicada no Nuovo Raccoglitore de Milão (n. 9 e 11, Setembro e Novembro de 1825), com um prefácio do autor. Cf. PP1, p. 913.

296 Diga-se de passagem que as considerações sobre a obra e a língua de Petrarca constituem para Leopardi, já nesse período, um motivo para uma mais ampla reflexão sobre antigos e modernos. Escreve na «Prefazione dell’interprete», texto acrescentado na edição de 1836: «In primo luogo questo Comento, che io chiamo più volentieri Interpretazione, si diversifica tanto dagli altri comenti che abbiamo sopra il Petrarca, quanto si assomiglia a quelli che gli antichi Greci e Latini fecero sopra gli autori loro». Ibid., p. 987.

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sorella Paolina (que «non parla né di tálamo né di zona né di di Venere né d’Imene»297)

e A un vincitore nel pallone antecipam o desmoronamento de todas as esperanças que

será explicitado nos poemas seguintes. Bruto Minore surge então como momento

fundamental de viragem dentro do ‘cancioneiro’, e o Ultimo Canto di Saffo revela ter

uma posição-chave (que, aliás, como veremos, será reforçada nas edições dos Canti),

sendo esse o poema que condensa em si o «elemento meta»298 e, sobretudo, o que liga

entre elas as «favole antiche», inspiradas tanto no paganismo como na mitologia bíblica,

tal como aparecem no Inno ai Patriarchi e em Alla Primavera. O conjunto fecha-se com

a canção Alla sua donna, que, conforme escreve o próprio Leopardi no Preambolo, é

uma canção amorosa na medida em que é «una di quelle immagini, uno di quei fantasmi

di bellezza e virtù celeste e ineffabile, che ci occorrono spesso alla fantasia».299 As

primeiras nove canções mantêm a mesma posição também nas duas edições dos Canti,

se tirarmos o Ultimo canto di Saffo (que passa da oitava para a nona posição) e o Inno ai

Patriarchi (da nona para a oitava), enquanto Alla sua donna aparece nos Canti de 1831

entre La vita solitaria e Al Conte Carlo Pepoli.300

Sendo o livro uma dimensão complexa em que se realiza uma cuidadosa

sucessão de textos, é importante focarmos brevemente a troca da posição do Ultimo

canto di Saffo e do Inno ai Patriarchi na transição entre as Canzoni de 1824 e os Canti

de 1831, pois esta alteração constitui um dos pilares do livro e uma das suas chaves de

leitura. A inversão cronológica dessas canções tem a dupla função de criar nos Canti um

«díptico» dedicado à época áurea – constituído por Alla Primavera (VII ) e pelo Inno ai

Patriarchi (VIII ) – 301 e, ao mesmo tempo, de pospor o Ultimo canto (IX) – caracterizado

pela inspiração altamente lírica e subjectiva – antecipando o tom «puramente

sentimental»302 dos poemas imediatamente seguintes (Il primo amore; L’infinito ; La

297 G. LEOPARDI, Preambolo alla ristampa delle ‘Annotazioni’ nel ‘Nuovo Raccoglitore’ di Milano, settembre 1825, in PP1, p. 163.

298 M. RICCIARDI, La logica dei ‘Canti’, op. cit., p. 11.

299 PP1, p. 164.

300 Na edição Starita de 1835 o poema Alla sua donna é colocado entre Consalvo e Al Conte Carlo Pepoli. Ibid., p. 914.

301 Ibid., p. 935.

302 Idem.

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sera del dì di festa). Essa inversão participa de uma vontade clara e persistente de

dividir o livro dos Canti em «blocos» (entre os quais os principais grupos poéticos de

proveniência são as Canzoni e os Versi), sendo o Ultimo canto não apenas o ponto de

viragem da poesia «civil» para a poesia «subjectiva»303, mas também um sintoma

importante da integração entre as Canzoni e os idílios compostos entre 1819 e 1821,

depois recolhidos no volume dos Versi de 1826. O Ultimo canto di Saffo (por sua vez

composto em 1822) introduz, de facto, o tempo da lírica pura, e encontra na conotação

«vaga e incerta» da poetisa grega (embora historicamente transfigurada304) a figura ideal

para realizar uma identificação com o próprio «eu poetante»:305

Placida notte, e verecondo raggio

Della cadente luna; e tu che spunti

Fra la tacita selva in su la rupe,

Nunzio del giorno; oh dilettose e care

Mentre ignote mi fur l’erinni e il fato,

Sembianze agli occhi miei; già non arride

Spettacol molle ai disperati affetti.306

Notemos que a sequência de versos dedicados à noite e ao luar dialoga

directamente com Bruto minore («Candida luna […] / Tu sì placida sei?),307 mas

sobretudo antecipa o elemento ‘idílico’ que irá aparecer em muitos dos poemas que o

seguem na ordenação do volume, e nomeadamente nos versos de abertura de Le

ricordanze308 e do Canto notturno di un pastore errante dell’Asia309, em La sera del dì

303 Cf. M. RICCIARDI, La logica dei ‘Canti’, op. cit., pp. 10-11

304 Sobre a ‘manipulação’ leopardiana da figura de Safo, ver R. DAMIANI , All’apparir del vero, op. cit., pp. 181-187.

305 Lê-se no fragmento Premessa all’Ultimo Canto di Saffo: «Il grande spazio frapposto tra Saffo e noi, confonde le immagini, e dà luogo a quel vago ed incerto che favorisce sommamente la poesia». PP1, p. 681.

306 Ibid. p. 40.

307 Ibid., p. 31.

308 «Vaghe stelle dell’Orsa, io non credea». Ibid., p. 79

309 «Che fai tu luna, in ciel? Dimmi, che fai / Silenziosa luna?» Ibid., p. 84.

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di festa310 e em Alla luna.311 Aliás, o Último canto di Saffo é um dos momentos mais

altos da força lírico-trágica da obra leopardiana, sendo talvez, dentro do grupo retirado

das Canzoni, o poema que mais se aproxima da estrutura antitética das composições

recolhidas nos Versi.

Ao negar a possibilidade do hino tradicional, Leopardi introduz também uma

atitude sacral capaz de «animare vichianamente il mondo», prescindindo dos «cari

inganni» da poesia antiga.312A negação das ilusões, aliás, nota-se com evidência em Lo

spavento notturno (Idillio v) – escrita entre 1819 e 1821 e publicada pela primeira vez

nos Versi de 1826 – onde os dois pastores Melisso e Alceta dialogam acerca da «queda»

da lua do céu.313 Recorde-se que Leopardi, embora valorizando a imaginação dos

antigos em termos de resultado poético, tenta constantemente afastar-se da «arcana»

fonte das ilusões: isto é visível, do ponto de vista crítico, no Zibaldone e no Saggio

sopra gli errori popolari degli antichi,314 e do ponto de vista da realização literária,

particularmente nas Operette morali e nos Canti. Contudo, a obra leopardiana é em si

própria ‘contraditória’, pois se por um lado é negada a poesia, por outro é afirmada a

necessidade dela e se se negam as ilusões, por outra via as mesmas são valorizadas. A

procura consciente de um equilíbrio entre elementos opostos manifesta-se, como se viu,

na singularidade própria do idílio leopardiano, mas reflete-se também no trabalho em

torno do livro, na procura de um conjunto compacto, completo e harmónico.

Depois de ter apadrinhado a publicação das Canzoni, Brighenti, ainda

encorajado por Giordani,315 pensa numa edição da obra de Leopardi que devia incluir –

310 «Dolce e chiara è la notte e senza vento». Ibid., p. 50

311 «O graziosa luna, io mi rammento». Ibid., p. 52. Também Il tramonto della luna , publicado na edição Ranieri de 1845, abre com versos dedicados à noite: «Quale in notte solinga, / Sovra campagne inargentate ed acque». Ibid., p. 121

312 Ibid., p. 63.

313 Cf. G. LEOPARDI, Versi, op. cit., pp.16-17. No autógrafo o poema tinha o título Il sogno (que, aliás, não tem ligações directas com o outro poema que tem o mesmo título nos Canti), mas foi publicado no volume dos Versi de 1826 com o título Lo spavento notturno. Por fim, confluiu, sem título, na segunda edição dos Canti (1835), na secção dos «Frammenti». Cf. PP1, pp. 136-137 e 997.

314 «Ogni arcano è una sorgente d’illusioni, e un effetto meraviglioso ne fa immaginare mille altri assai piú sorprendenti». PP2, p. 659.

315 Cf. L, p. 1358.

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conforme se lê em carta do poeta ao irmão Carlo – todos os escritos compostos a partir

de 1815.316 Se bem que esse projecto nunca se irá realizar317, mantém-se viva em

Leopardi a ideia de conjunto, de livro ainda em porvir no qual fixar toda uma

experiência literária: nesse sentido, os Versi de 1826 representam, como se disse, uma

etapa fundamental para a definitiva construção dos Canti. Na edição bolonhesa dos

Versi a composição dos idílios é datada de 1819, ano extremamente significativo na vida

de Leopardi, pois a crise interior, juntamente com a (falhada) tentativa de fuga da casa

paterna e a grave doença de olhos fazem com que o poeta se vire totalmente para «una

vista interiore», que acaba por favorecer a lírica.318 E é, de facto, um ano

particularmente simbólico sobretudo porque é no período entre 1819 e 1821 que se

desenvolve a composição dos idílios que irão aparecer no volume dos Versi de 1826:

L’Infinito , La sera del giorno festivo, La ricordanza, Il sogno, Lo spavento notturno e

La vita solitaria.319 Alguns destes poemas são publicados entre 1825 e 1826 também no

Nuovo Ricoglitore de Milão320, e todos (tirando Lo spavento notturno que não é inserido

na edição Piatti) serão incluídos nas duas edições dos Canti, embora com algumas

variantes, ou, por vezes, com títulos modificados ou diferentes.321

316 « Ti scrissi ultimamente in risposta a una cara tua e di Paolina. Aspetto una vostra replica. Intanto ti scrivo questa per un affare di urgenza. Si vogliono stampare qui le Opere del Conte G. Leopardi, tutte quante, con ritratto, cenni biografici, in somma con tutte le cerimonie.» (Carta de 9 de Novembro de 1825). Ibid., pp. 576-577.

317 Em outra carta ao irmão (13 de fevereiro de 1826) refere-se novamente à publicação das suas obras completas, cuja realização considera quase certa: «A momenti si pubblicherà il manifesto de mes œvres complettes.» L, p. 620. Contudo, esse projecto não se irá realizar. Cf. G. LEOPARDI, Versi, op. cit., p. LVII .

318 R. DAMIANI , All’apparir del vero, op. cit., p. 140. Escreve, aliás, Francesco De Sanctis, acerca do período da redação dos «idilli»: «Tolto all'azione e alla vita esteriore, in quell’ambiente odioso di Recanati, si sviluppa ancora più in lui la concentrazione naturale del suo spirito in se stesso». F. De SANCTIS, Studio su Giacomo Leopardi, op. cit., p. 118.

319 O volume dos Versi é composto, de facto, por várias secções. Além da breve nota introdutória «A chi legge», constam os seguintes blocos: «Idilli»: L’Infinito. Idillio I, La sera del giorno festivo. Idillio II , La ricordanza. Idillio III , Il sogno. Idillio IV, Lo spavento notturno. Idillio V, La vita solitaria. Idillio VI; «Elegie»: Elegia I, Elegia II ; Sonetti in persona di ser Pecora fiorentino beccaio; Epistola al conte Carlo Pepoli; Guerra die topi e delle rane; Volgarizzamento della Satira di Simonide sopra le donne. Cf. G. LEOPARDI, Versi, op. cit., pp. 7-88.

320 Cf. Il Nuovo Ricoglitore, Milano, Antonio Fortunato Stella e figli, 1825.

321 É o caso de La sera del giorno festivo, que é publicado com o mesmo título na primeira edição dos Canti (Florença, Piatti, 1831), mas não na edição Starita (Nápoles, 1835) onde aparece com uma pequena variante (La sera del dì di festa); La ricordanza corresponde a Alla luna na edição Piatti de 1831 como na

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A denominação de «Idilli» é escolhida pelo próprio Leopardi, e mostra

(particularmente no que diz respeito ao volume dos Versi) a vontade de construir um

livro que se desenvolve em secções e etapas, um livro ‘móvel’ e heterogéneo,

constituído por ciclos independentes e capazes, a posteriori, de se encaixarem numa

estrutura mais ampla, como virá a ser a dos Canti. Aliás, o título «Idilli», que se refere

apenas a esse conjunto de composições,322 é sem dúvida sugerido pela poesia de

Mosco323 – parcialmente traduzido e comentado por Leopardi no seu Discorso sopra

Mosco de 1815324 – onde é acompanhado pela definição de «il Virgilio dei

Greci».325Contudo, as situações poéticas concentram-se quase exclusivamente na

subjectividade, pois no imaginário leopardiano o «idillio» resolve-se no sujeito, como

ele próprio aponta nos Disegni letterari: «Idilli esprimenti situazioni, affezioni,

avventure storiche del mio animo»326. Também por isto, a componente subjectiva

impede uma ligação directa com os hinos juvenis, pois os «idilli» já não refletem uma

identificação total com a «objectividade» dos poetas antigos. A consciência da

separação entre hino e idílio, aliás, é evidente pela exclusão do Inno a Nettuno

(composto em 1816) do livro dos Versi, embora esse poema – juntamente com a

tradução do poemeto Moretum (La torta327) – estivesse inicialmente previsto para o

volume.328 edição Starita de 1835; por fim, o citado Lo spavento notturno não é inserido na edição Piatti e aparece sem título entre os «Frammenti», tanto na edição Starita («Odi, Melisso») como na de Ranieri (1845). L’infinito , Il sogno e La vita solitaria mantêm o mesmo título em todas as edições. Cf. PP1, pp. 914-915.

322 Ibid., p. 946.

323 Ibid., p. 945.

324 Seja o Discorso (que é, de facto, um estudo crítico sobre a poesia de Mosco, mas também sobre as traduções da sua poesia), seja as traduções foram publicados no Spettatore italiano de Milão entre Julho e Novembro de 1816. Ibid., p. 1073. Sobre o interesse de Leopardi por Mosco, ver também as observações em F. DE SANCTIS, Studio su Giacomo Leopardi, op. cit., pp. 27-43.

325 G. LEOPARDI, Discorso sopra Mosco, PP1, p. 480.

326 PP2, p. 1218. Conforme sugere Rolando Damiani, os Disegni letterari poderão ter sido escritos em 1819. Cf. Ibid., p. 1472.

327 Leopardi ‘finge’ ter traduzido do grego o Inno a Nettuno, poema publicado no Spettatore italiano em Maio de 1817, com o título Inno a Nettuno d’incerto autore nuovamente scoperto. Traduzione dal greco del conte Giacomo Leopardi di Recanati. Cf. PP1, pp. 313-337 e 1051. Também a tradução do poemeto pseudovirgiliano Moretum é publicada no Spettatore italiano (Janeiro de 1817). Ibid., p. 1081.

328 Cf. G. LEOPARDI, Versi, op. cit., p. LXI .

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A confecção do livro obriga, portanto, a algumas escolhas precisas, que irão ser

afinadas na redacção dos Canti, sendo plenamente partilhável a sugestão de

Giovannuzzi, que defende que os Versi integram e «atraem» as Canzoni, se bem que

essa compenetração ideal entre as duas recolhas esteja ainda longe do que será no

conjunto dos Canti.329 Em termos de estilo, temas, léxico e sintaxe, o ciclo de «idilli»

afasta-se da matéria e da estética das Canzoni; mas permanece, além de uma

proximidade cronológica pelo período de composição, uma maneira comum de

considerar a realidade e uma idêntica vontade expressiva, «seppure diversamente

graduata».330 O núcleo dos idílios pode-se considerar quase como modelo da poesia

puramente lírica recolhida nos Canti depois do Ultimo canto di Saffo, mas um modelo

que, como ficou claro, nunca se limita à imitação do antigo ou à efémera contemplação

da natureza. Muito pelo contrário, os «idilli» testemunham a atitude de Leopardi em

transformar a «analogia» em «anomalia»331 e a sua vontade desesperada de enfrentar a

verdade desistindo (pelo menos ‘dialecticamente‘) das ilusões. O seu idílio é o resultado

de uma «nuova guardatura del mondo»,332 como escreveu De Sanctis, e é o canto do

poeta moderno, que já não olha com serenidade para a natureza, que já não encontra

conforto na metáfora, mas «mira» a vertigem cósmica, o nada, o vazio sideral e em

torno dessa vertigem constrói o seu pensar poético. A pura contemplação dos antigos é

apenas «preistoria»333 e vai, no fim de contas, na direção da imaginação e do

pensamento: pode-se dizer, com efeito, que com Leopardi o idílio tradicional fica

«veramente morto».334 Esse grupo de poemas é, de facto, significativo e sintomático e,

além de continuar idealmente as canções, já contém em embrião a forma «ingenua e

semplice» das grandes líricas da maturidade:

329 Idem.

330 Cesare GALIMBERTI , Linguaggio del vero in Leopardi, Firenze: Olschki, 1986, p. 60.

331 A. VALENTINI , Modernità dell’idillio leopardiano, op. cit., p. 69.

332 F. DE SANCTIS, Studio su Giacomo Leopardi, op. cit., p. 114.

333 Observa Alvaro Valentini que nos idílios Alla luna e La vita solitaria, tal como nas canções Bruto minore e Ultimo canto di Saffo «l’idillio (la contemplazione della natura) è preistoria e condizione essenziale del discorso pronunciato dall’io poetante». A. VALENTINI , Modernità dell’idillio leopardiano, op. cit., p. 68.

334 Ibid., p. 70.

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Abbiamo già la grande maniera di Leopardi, una vista del mondo in un movimento

di fantasmi e d'impressioni generate da momenti psicologici sinceri e precisi in una forma

idillica, voglio dire ingenua e semplice, di una bonomia quasi fanciullesca nella sua

profondità. 335

As várias fases da produção poética leopardiana que irão convergir nos Canti,

não envolvem apenas os «idilli», mas estendem-se também a outros dois poemas

incluídos nos Versi: a Elegia I (que vem nos Canti com o título Il primo amore), e a

Epistola al Conte Carlo Pepoli.336 A composição heterogénea e «pluristilistica»337 do

volume dos Versi impõe a Leopardi uma severa selecção ao construir a estrutura dos

Canti – e particularmente na edição de 1831, onde tenta respeitar um continuum entre

Canzoni, Idilli e «canti pisano-recanatesi» – excluindo uma parte das composições

publicadas na edição bolonhesa de 1826.

No manifesto-prefácio à primeira edição dos Canti , o próprio poeta manifesta a

«recusa» de uma parte da sua produção anterior :

Si pubblicherà in breve un volume intitolato Canti di Giacomo Leopardi. Saranno

parte ristampati, parte nuovi: gli stampati si troveranno riformati molto dall’autore. Tutte le

poesie pubblicate dal medesimo per lo passato, che non si leggeranno in questo volume, e

così le altre edizioni fatte, sono rifiutate.338

Se as Canzoni representavam um exemplo de parcial homogeneidade, já os

Versi põem em cena uma «architettura per generi»,339 – que, como se viu, inclui também

o «Comento» e a glosa crítico-filológica – enquanto com a redação dos Canti procura-se

o equilíbrio através do primado do texto poético. Não nos esqueçamos que entre as

335 F. DE SANCTIS, Studio su Giacomo Leopardi, op. cit., p. 127.

336 O poema é incluído nos Canti com o título Al Conte Carlo Pepoli. Cf. PP1, p. 914.

337 G. LEOPARDI, Versi, op. cit., p. LXIII .

338 G. LEOPARDI, Manifesto e dedicatoria per la prima edizione fiorentina dei Canti: 1831, in PP1, p. 152.

339 G. LEOPARDI, Versi, op. cit., p. LIX .

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Canzoni de 1824 e a primeira edição dos Canti, Leopardi publica – além dos Versi –

também as Operette morali, obra em que vai confluir a prosa poética: por um lado é

evidente a vontade de separar a poesia da prosa e, por outro, o conjunto poético é

marcado pelo pendor cómico-satírico que caracteriza as Operette. 340

O regresso à composição lírica, depois das Canzoni e dos Versi, advém

precisamente após a passagem pela prosa, tendo como resultado os poemas «pisano-

recanatesi», que integram a primeira edição dos Canti (Il Risorgimento, A Silvia, Il

passero solitario, Le ricordanze, La quiete dopo la tempesta, Il sabato del villaggio, e

Canto notturno di un pastore errante dell'Asia), e os compostos em Nápoles, Consalvo,

Il pensiero dominante, Amore e Morte, A se stesso e Aspasia (que, por sua vez,

constituem o «ciclo de Aspasia»), Sopra un basso rilievo antico sepolcrale, Sopra il

ritratto di una bella donna, Palinodia al Marchese Gino Capponi, Imitazione e Scherzo

(todos publicados na edição Starita de 1835), além de Il tramonto della luna e La

Ginestra, escritas em Torre del Greco em 1836 e publicadas pela primeira vez no

volume póstumo organizado por Antonio Ranieri em 1845.

Finalmente, com os Canti, Leopardi alcança uma forma de livro que se aproxima

à sua ideia de ciclo acabado, de cancioneiro cumprido, como se vê pela citada

dedicatória «Agli amici suoi di Toscana»:

Amici miei cari,

Sia dedicato a voi questo libro, dove io cercava, come si cerca spesso colla poesia, di

consacrare il mio dolore, e col quale al presente (né posso già dirlo senza lacrime) prendo

comiato dalle lettere e dagli studi. 341

Notemos que essa consciência que o poeta tem – apesar do estado de grave

«infermità di nervi e di viscere»342 – de fechar um ciclo manifesta-se na necessidade de

340 Ibid., p. LXV .

341 PP1, p. 153. Os «amici di Toscana» eram muito provavelmente, conforme sugere Damiani, alguns amigos de Florença que tinham recolhido, através de uma subscrição anónima, um valor em dinheiro que permitiu a Leopardi de ficar vários meses naquela cidade, acompanhando a edição dos Canti. Ibid., p. 1001.

342 Idem.

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estabelecer uma síntese, uma «autobiografia poética» que condense em si também a

vontade de despedir-se «do pobre poeta que acabou»343 – como escreve Antero – em

prol de uma evolução filosófica e espiritual. É nesse suposto afastamento da poesia, a

nosso ver, que se realiza um dos mais interessantes pontos de contacto entre as

intenções que Leopardi põe na base da construção dos Canti e a «colecção cíclica» dos

sonetos de Antero.

343 J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. II, p. 145.

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4.2 Os Sonetos Completos: «pastiche psicológico» e voz dramática

Antes de percorrermos as várias etapas que precedem a construção dos Sonetos

Completos, lembramos o que o próprio Antero escrevia a Tommaso Cannizzaro, na

véspera da publicação da edição de 1886:

Por poesia e letras, participo-lhe que, como despedida a esse mundo encantado, vou

publicar o meu último (último e derradeiro) volume de versos, sendo a colecção completa

dos meus Sonetos, colecção por assim dizer cíclica, pois abrange o período inteiro da minha

evolução intelectual e sentimental, desde 1860 até 1880. Não sei o que poderá valer como

arte; mas em todo o caso, valerá como um documento psicológico, como as «memórias

duma consciência» neste nosso período tão tormentoso e confuso.344

As várias referências à ideia de ciclo, aliás, surgem ao longo do epistolário, e

nomeadamente após a publicação do volume dos Sonetos organizado por Joaquim de

Araújo e publicado em 1881 pelas edições da Biblioteca da Renascença. Essa obra,

fortemente promovida pelo próprio Araújo,345 é de facto a primeira tentativa, vinte anos

depois da edição «Sténio», de recolher em volume a produção sonetística anteriana de

vários períodos, embora o resultado final não satisfaça plenamente o poeta. Também

essa insatisfação – relativa não apenas à incompletude do livro, mas também do

pensamento ali expresso – alimenta a necessidade de uma publicação verdadeiramente

planeada e finalmente ‘completa’, como virão a ser os Sonetos Completos que já

Oliveira Martins definia como uma colecção «ao mesmo tempo biográfica e cíclica».346

A fase editorial do volume dos Sonetos editado por Joaquim de Araújo vai de

344 Carta de 24 de Junho de 1886. C3, pp. 27-28.

345 Antero, embora acompanhando de perto a publicação, não parece estar particularmente envolvido na sua realização, nem particularmente preocupado com uma eventual desistência da mesma: «Não cuide que está obrigado para comigo a fazê-lo. Nem por sombras. Eu supus sempre que Você queria simplesmente fazer um brinde aos assinantes da Renascença, tendo para isso recursos no mesmo jornal. Mas se é uma publicação, em que vai empenhar um capital maior ou menor, na ideia do reaver pela venda da edição, como isto é um cálculo errado, eu devo antes opor-me a isso, amigavelmente, aconselhando-o a que desista de tal propósito». Ibid., vol. II, p. 218.

346 S, p. 28.

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1880 até à publicação em 1881, e sobrepõe-se à preparação de outro conjunto poético, a

«Lira infantil», que virá a ser o Tesouro Poético da Infância.347 Sabemos, aliás, por carta

ao Visconde de Faria e Maia, que Antero considerava «singular» o livro dos Sonetos de

1881, mesmo por ter sido construído «n’um estado de espírito singular»348, e é

compreensível que não seja essa a sua «ultima palavra»349, sendo clara a necessidade de

organizar um ciclo acabado porque «completo». Todos os 28 sonetos publicados pela

Biblioteca da Renascença irão passar para a futura edição dos Sonetos Completos, e

nomeadamente um (Sepultura Romântica) para o «II ciclo», dezanove para o «IV ciclo»,

mais oito que irão confluir no «V ciclo».350 A maioria desses sonetos tinham sido

publicados anteriormente nas revistas A Renascença, O Cenáculo, A Folha e Revista

Ocidental, e no entanto a colectânea de 1881 surge como conjunto ‘inédito’ (em volume)

até àquela data, sendo que, nesse caso, nenhum dos poemas é retirado dos Sonetos de

Anthero de 1861, nem das Odes Modernas ou das Primaveras Românticas. Note-se que

a passagem integral desse bloco de 28 sonetos para as posteriores edições dos Sonetos

Completos, testemunha uma vontade igualmente integral de preservar uma parte da

produção poética que nos anos seguintes irá considerar «perturbada» pelo pessimismo,

mas também fundamental para a construção do livro:

Entretanto, o meu pensamento ainda ali [nos Sonetos de 1881] se mostra obscuro e

perturbado por outros elementos, sobretudo pelo pessimismo. Tenho, porém, depois daquela

data, composto mais uns 15 ou 20 onde o fundo do meu pensar e sentir se revela nítido e

puro, e onde cheguei a dar expressão poética (e creio que ninguém ainda o tinha feito) ao

misticismo moderno, misticismo científico e positivo, se assim se pode dizer. Verei se tenho

347 Cf. J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., pp. 115-119. No mesmo ano de 1881 traduz os textos Venice, Old English Homes e Normandy and Brittanny para o volume Picturesque Europe (A Europa Pittoresca), organizado por Salomão Sáragga. Acerca da redação desses textos, veja-se também Veneza, op. op. cit., pp. 5-27.

348 AA. VV., In Memoriam, op. cit., p. 381.

349 Idem.

350 J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., p. 116. No «IV ciclo» dos Sonetos Completos constam os seguintes poemas publicados na edição da Biblioteca da Renascença: Homo, Disputa em família (I-II), Mors-Amor, À Virgem Santíssima, Divina Comédia, No turbilhão, Quia Aeternus, Mors Liberatrix, O Inconsciente, Consulta, Espiritualismo (I-II), Anima mea, Estoicismo, O Convertido, Ignotus, No Circo e Nirvana; no «V ciclo» serão publicadosos seis sonetos do Elogio da Morte, além de Logos e Transcendentalismo, todos provenientes da edição da Biblioteca da Renascença.

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forças para te copiar e mandar alguns. Senão ve-los-ás talvez, antes dum ano, impressos, pois

estou resolvido a publicar a série completa dos meus Sonetos (uns cento e tantos, desde 1860

a 1885) na sua ordem cronológica, de modo a formarem uma Autobiografia poética, ou de

Memórias morais e psicológicas. Provavelmente, é tudo quanto ficará de mim.351

Recorde-se que é mesmo no período em que compõe esses «15 ou 20» sonetos

que, como se viu, Antero se aproxima à obra de Leopardi, e que é ainda nesses poemas

escritos entre 1881 e 1885 (e depois inseridos no «V ciclo» dos Sonetos Completos) que

o poeta açoriano reconhecia «uma poesia superior» e «a indicação de uma poesia

nova».352 Através dessas composições, aliás, marca-se uma diferença, quase uma

fronteira, entre a simples «colecção» (como a organizada por Joaquim de Araújo) e a

«íntima unidade» do ciclo353. Também neste caso, como no dos Canti de Leopardi,

encontramo-nos perante um livro que por sua vez é constituído por «ciclos», tomando

forma a partir da desconstrução das colectâneas anteriores, e reunindo os poemas numa

nova ordem que determina a estrutura e a chave de leitura do livro. Nesse sentido, são

incompreensíveis, porque arbitrárias, as escolhas de António Sérgio para a edição dos

Sonetos Completos da editora Sá da Costa.354

Notemos, aliás, que é perfeitamente compreensível a necessidade manifestada

por José Carlos Seabra Pereira de nos focarmos na acepção em que é usado o adjectivo

«completos» no caso dos sonetos de Antero. Essa designação no título das edições de

1886 e 1890 não se pode de forma nenhuma entender como completude em termos de

351 Carta a Francisco Machado de Faria e Maia (28 de Março de 1885). C2, p. 462.

352 Carta a Carolina Michaëlis (25 de Outubro de 1886). C3, p. 48.

353 Idem.

354 Como é sabido, António Sérgio reordenou os Sonetos Completos a partir de um principio temático, ao abrigo da célebre dualidade entre a tendência «luminosa» e a «nocturna». Cf. Antero de QUENTAL, Sonetos, edição organizada, prefaciada e anotada por António Sérgio, Lisboa, Sá da Costa, 1962, pp. XVII -LXI .

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extensão ou exaustão355, mas sim de «representatividade paradigmática»,356 e portanto

de ciclo que se pretende completo porque «fechado» e equilibrado nas suas várias partes.

Ainda em 1883, e portanto numa fase primitiva do planeamento dos Sonetos Completos,

escrevia Antero a Alberto Sampaio:

Tenho agora o projecto de reunir os meus Sonetos Completos em volume que será

prefaciado por Oliveira Martins. Isto não é para já, mas só para quando, esgotada de todo a

veia poética, possa dar ao público o ciclo completo ou fechado.357

O ciclo é «fechado» na medida em que é «completo», e surge quando se esgota

«de todo a veia poética» e intervém a selecção, a escolha, o trabalho de remodelação,

aspectos, esses, que contribuem de forma determinante para a sua completude. Ao

mesmo tempo, o livro, antes de se «dar ao público» tem que representar a vontade

definitiva do poeta, a sua «última e derradeira» manifestação poética: daí o seu valor de

‘testamento’, «autobiografia» ou «memórias» em verso. No caso dos Sonetos

Completos, tal como nos Canti de Leopardi, estamos perante uma estrutura

propositadamente cíclica, com que se pretende deixar um marco na evolução literária e

espiritual, e assinalar, a partir da finitude do ciclo, uma significativa passagem além do

poema. Isto advém, especialmente no caso de Antero, através de um processo de

remodelação, ao qual se segue a «dramatização da lírica»,358 etapa fundamental para a

unidade do livro e para a seu peculiar carácter de modernidade.

Notemos que de entre as 21 poesias publicadas nos Sonetos de Anthero de 1861 355 Também Carolina Michaëlis, no In Memoriam, frisa que «O adjectivo ‘completo’ não é rigorosamente exacto. Alguns Sonetos do tempo da juventude (16, se não me engano) foram intencionalmente excluídos». AA. VV., In Memoriam, op. cit., p. 413 (nota 1).

356 José Carlos SEABRA PEREIRA, «Para um retorno à ‘íntima unidade’ d’Os Sonetos Completos de Antero», in Máthesis, n. 2, 1993, pp. 109-119, pp. 113-114 (nota 19).

357 Na mesma carta pedia em ‘empréstimo’ ao amigo uma cópia dos Sonetos de 1861. Cf. C2, pp. 406-407 (e nota 347). As mesmas prerrogativas surgem em carta deste período a Santos Valente: «Quando se esgotar este último veio poético e se fechar o meu ciclo, conto reunir os meus Sonetos Completos. Afinal, é tudo quanto de mim sobrenadará, – se bem os julgo e se bem me julgo. Será a autobiografia poética dum sonhador, dum crente? – crente em que? – no invisível, no insondável, no que não é esta miserável existência real, que evidentemente não pode ser o que parece, porque então o universo seria absurdo.». Ibid., vol. II, p. 367 [Itálicos no original].

358J. C. SEABRA PEREIRA, «Antero – Poesia, alta voz dramática», op. cit., p. 202.

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(a chamada edição «Sténio»), apenas doze359 foram reeditados com o mesmo título (e

pequenas variantes) nos Sonetos Completos, enquanto quatro das sete composições que

na edição «Sténio» tinham por título Ignoto Deo (III , IX , XV, XVIII ) sofrem alterações nos

títulos (Aspiração, Lamento, Desesperança, Salmo)360 e algumas variantes. Os restantes

cinco poemas, tal como o prólogo «A João de Deus», ficam excluídos do volume de

1886, tal como da reedição de 1890.361 Apesar dessas modificações, parece relevante

sublinhar que Antero, depois de mais de vinte anos, escolha manter inalterado o poema

de abertura, Ignoto Deo (que na edição de 1861 era designado pelo número romano «I»),

cujo tom interrogativo não impede a sua função introdutória, se bem que muito longe

tanto da tradição petrarquesca e camoniana do poema ‘proemial’, como da captatio

benevolentiæ ou comunicação ao «Hypocrite lecteur» que há, por exemplo, em Les

Fleurs du Mal. A «busca» anteriana, pelo seu pendor metafísico, parte de um Deus

desconhecido para chegar a um Deus conhecido, e não é por acaso que essa palavra,

«Deus» (ou «Deo») aparece no título do primeiro (Ignoto Deo) e do último soneto (Na

mão de Deus) da colectânea.362 Esse aspecto, aliás, contribui ao mesmo tempo para a

natureza circular do livro, para a sua unidade e para o seu carácter de ascensão:

Que beleza mortal se te assemelha,

Ó sonhada visão desta alma ardente,

Que reflectes em mim teu brilho ingente,

Lá como sobre o mar o sol se espelha?

O mundo é grande – e esta ânsia me aconselha

A buscar-te na terra: e eu, pobre crente,

359 Trata-se de Ignoto Deo (I), A M. C. («Não busco nesta vida glória ou fama»), A Alberto Teles, A Santos Valente, A Flórido Teles, A M. C. («Pôs-te Deus sobre a fronte a mão pod’rosa»), A M. C. («No céu! Se há céu pra os olhos de quem chora»), A José Félix dos Santos, A M. C. («Por que descrês, mulher, do amor, da vida?»), A Alberto Sampaio, A João de Deus e A Germano Meireles. Cf. S, pp. 14-15. Citamos sempre o primeiro verso nos casos em que um título indique mais do que um poema.

360 Estes 16 poemas irão constituir o «I ciclo» dos Sonetos Completos. Idem.

361 A M. C. [ A M. E.] («Terra do exílio! Aqui também as flores»), Ad Amicos («Renasço, amigos vivo! Há pouco ainda»), A Q. M. Q. («Fica-te em paz, não pode a mão do homem) e Ignoto Deo (XVII e XX). Idem.

362 A este respeito veja-se o importante ensaio: Mário GARCIA, «‘Na mão de Deus’. Um percurso pelo universo religioso dos Sonetos Completos de Antero», in Colóquio/Letras, nº. 123/124, Lisboa, Fundação C. Gulbenkian, Janeiro-Junho 1992, p. 143-149.

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Pelo mundo procuro um Deus clemente,

Mas a ara só lhe encontro… nua e velha…363

É preciso salientar que não se pretende aqui reivindicar a existência de uma

correspondência directa entre a evolução do ‘eu’ dos Sonetos Completos e a evolução

espiritual e filosófica de Antero. Pelo contrário, parece importante valorizar, como

sugeriu Mário Garcia,364 a aparente contradição entre, por um lado, a

«involuntariedade» e a «sinceridade» da poesia de Antero, e, por outro, a sua minúcia na

construção do livro,365 sendo essa uma faceta crucial na lógica do ciclo e no fingimento

sincero que o percorre. Essa consciência – que não parece descabido definir como

dramática366 – só a alcançou Antero, no seu próprio entender, com os Sonetos

Completos, e não admira, especialmente à luz da «exactidão» que preside à construção

deste livro, que não atribuísse ao volume de 1861 o «valor literário» que anos depois irá

atribuir aos Sonetos Completos, mesmo por ser aquela colectânea juvenil para os

«amigos» e não para o público.367 Contudo, é um facto – como já no In Memoriam

363 S, p. 41. As variantes entre as duas versões são mínimas e, muitas vezes, irrilevantes, Ibid., p. 163. Observou João Mendes que os Sonetos Completos estão longe de representar uma «linha evolutiva». Cf. João MENDES, Literatura Portuguesa III , Lisboa: Editorial Verbo, 1982, p. 212.

364 Cf. M. GARCIA, «‘Na mão de Deus’. Um percurso pelo universo religioso dos Sonetos Completos de Antero», op. cit., p. 143.

365 Lemos na célebre carta autobiográfica a Wilhelm Storck: «Fazer versos foi sempre em mim coisa perfeitamente involuntária; pelo menos ganhei com isso fazê-los sempre perfeitamente sinceros. Estimo este livrinho dos Sonetos por acompanhar, como a notação dum diário íntimo e sem mais preocupações do que a exactidão das notas dum diário, as fases sucessivas da minha vida intelectual e sentimental». C3, p. 96. Veja-se o que também Oliveira Martins escrevia dessa faceta ‘dupla’ no prefácio aos Sonetos Completos: «Antero de Quental não faz versos à maneira dos literatos: nascem-lhe, brotam-lhe da alma como soluços ou agonias. Mas, apesar disso, é requintado e exigente como um artista […]». S, p. 26.

366 Recorde-se também o que escrevia Antero acerca do poemeto Sacerdos Magnus de António Feijo: «Para me satisfazer inteiramente (vê V. Ex.ª que sou muito exigente) só desejara que toda aquela nobre poesia tivesse sido vaziada num molde dramático, que lhe desse acção, vida e verdadeiro relevo». Carta a António Feijó (5 de Agosto de 1881). C3, p. 266. Acerca do aspecto ‘dramático’ ver também as observações de Fidelino de Figueiredo: «Poesia fim de século, poesia fim dum estilo de cultura, dum sistema de ideias, história de uma alma dolorosa que sofreu desse fim – eis o que é, com sumo relevo e incomparável dramatismo, esse livro dos Sonetos Completos». F. de FIGUEIREDO, Antero, op. cit., p. 86.

367 Em carta a Cândido de Figueiredo (3 de Maio de 1881) escreve Antero acerca do volume de 1861: «[…] uma colecção de sonetos, tirada em pequeno número de exemplares e distribuída pelos amigos». C2, p. 253. Numa carta escrita em jeito de dedicatória no frontispício da cópia dos Sonetos de Anthero que pertenceu a Vicente Machado de Faria e Maia, lemos: «Não é livro feito para o público, mas só e

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frisava João Machado de Faria e Maia – que os Sonetos de Anthero foram um dos

poucos livros que o poeta publicou «por iniciativa sua»368, embora no momento de

construir o ciclo surjam aos seus olhos como uma etapa por superar, um conjunto que

considerava, sim, vivo e significativo como «documento», mas apenas se colocado

numa estrutura e num percurso diferentes:

Foi por isso que te pedi os antigos «Sonetos de Anthero» entendendo que apesar de

terem pouco valor literário, deviam ir como documento e para que o Ciclo seja completo,

formando a 1.ª parte do volume. O Martins também assim entende, mas desejo saber a tua

opinião, pois ainda estou em certa dúvida a este respeito. Em todo o caso, se os incluir na

colecção, será depois de convenientemente limados, de sorte que conservem sim o

sentimento e o estilo do Anthero de 1861, mas sem a aspereza e a excessiva singularidade e

até às vezes extravagância daquela primeira época.369

Uma das consequências dessa ‘limadura’ é a exclusão dos Sonetos Completos370

de cinco poemas que estavam presentes na edição «Sténio», nomeadamente A M. C.

(«Terra do exílio! Aqui também as flores»), Ad Amicos («Renasço, amigos vivo! Há

pouco ainda»), A Q. M. Q. («Fica-te em paz, não pode a mão do homem) e Ignoto Deo

(XVII e XX). Em particular, o soneto A M. C. – que tinha sido impresso em 1861 com o

título A M. E., embora se saiba que isso aconteceu devido a uma gralha tipográfica371 –

além de ser o primeiro poema publicado por Antero372, representa também, juntamente

exclusivamente para amigos». C1, p. 59. A esse respeito ver também J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. I, p. 173 (nota 21). Ainda no prefácio das Primaveras Românticas («Duas Palavras»), Antero sublinha: «É pois aos amigos de então [do tempo de Coimbra], conhecidos e desconhecidos que este livrinho é particularmente dedicado». PR, pp. 17-18.

368 «Exceptuando os Sonetos, impressos em 61 para subsidiar um estudante pobre, os unicos trabalhos, que Anthero publicou foram de propaganda politica e social, taes como a Encyclica, as Odes Modernas, e os de critica da philosophia das litteraturas: todos os mais, quer religiosos, quer amorosos ou de fantasia, devem a sua impressão á intervenção de amigos […]». AA. VV., In Memoriam, op. cit., pp. 159-160.

369 Carta a Alberto Sampaio (1883). C2, p. 407.

370 Estes sonetos só foram reeditados por Teófilo Braga depois da morte de Antero e incorporados nos Raios de Extinta Luz.

371 A este respeito veja-se J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. I, p. 173 (nota 19).

372 A M. C., in O Phosphoro, Coimbra, n. 9, 1861.

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com A Q. M. Q., uma fase ainda marcadamente ‘sentimental’ da poesia anteriana (na sua

vertente amorosa ou até ‘patriótica’ em certos aspectos373), razão que provavelmente foi

determinante para a sua exclusão dos Sonetos Completos: a vontade de corrigir «a

aspereza e a excessiva singularidade e até às vezes extravagância daquela primeira

época» determina, nesse como em outros casos, a exclusão de alguns poemas, e justifica

a necessidade de limar e de tornar «impecáveis» outros.374 Pelo contrário, parece de

outra natureza a eliminação do prólogo «A João de Deus» sobre o soneto que abria a

edição de 1861. Se bem que não venha reeditar o mesmo texto, contudo Antero não

renuncia ou, pelo menos, não se opõe, à existência de uma introdução (embora muito

longe de «portraits littéraires») redigida pelo ‘editor’ Oliveira Martins, texto cujas

linhas gerais são sugeridas pelo autor:

Quanto aos Sonetos, a perfeição seria que Você discreteasse e filosofasse sobre

alguma ou algumas das questões psicológicas, morais e outras, que o livro sugere, sem dizer

nada do Autor, sujeito pessoalmente insignificante, e apenas o lugar onde de determinadas

combinações de ideias e sentimentos. Isto de portraits littéraires não é para Você nem para

mim. E, apesar da obra ser tão individual, visto que é lírica, afinal o que ali interessa é só o

que tem de geral e humano, ou, se quiser, o que tem de filosófico.375

Se bem que o prólogo fosse considerado por Antero repleto de «exagerações»

devidas a «um excesso de Amizade»,376 contudo a sua existência nunca será posta em

373 Leiam-se, como exemplo, os versos finais de A M. C. («Eu sou bem como a flor que não descerra / Em clima alheio. Que importam teus encantos? / Não és, terra de exílio, a minha terra!») e de A Q. M. Q.: «Mulher! mulher! De que valera a essência, / A essência pura, a uma alma que é descrida?... / Fica-te em paz: fique eu com a minha guerra!». Cf. Antero de QUENTAL, Sonetos de Anthero, Editor-Sténio, Coimbra: Imprensa Literária, Dezembro 1861. Como observou Bruno Carreiro a ‘pátria’, aqui, é quase seguramente São Miguel, e o poema foi escrito quando já se encontrava no Continente. Também a ‘M. C.’ de Antero supõe-se que estivesse nos Açores. Como se viu, nos Sonetos de Anthero de 1861 havia quatro poemas intitulados A M. C. Acerca dos títulos-dedicatórias destes poemas v. J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. I, pp. 193-208.

374 Também Nuno Júdice realça que os Sonetos de Anthero de 1861 são marcados por «um sentimentalismo excessivo, que o poeta corrigirá em edições posteriores». S, p. 13.

375 Carta a Oliveira Martins (Outono de 1885). C2, p. 486.

376 Escreve em carta a Tommaso Cannizzaro (5 de Setembro de 1885): «Só quero preveni-lo contra as exagerações do Prólogo, dizendo-lhe que é escrito por um Amigo, o meu melhor Amigo, o qual, embora

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causa. É importante salientarmos, aliás, que esse «sujeito pessoalmente insignificante»

que surge como ponto assente da construção do livro, tem muito do célebre postulado

de Oliveira Martins («É um poeta que sente, mas é um raciocínio que pensa. Pensa o

que sente; sente o que pensa»377 ), sendo a «dramatização» uma componente

fundamental dos Sonetos Completos, e do eu que ali se desvenda. Notemos que o

primeiro «ciclo» (1860-1862) dos Sonetos Completos é constituído essencialmente

pelos 16 poemas já publicados na edição «Sténio» e atrás citados, mais A um Crucifixo

(«Há mil anos, bom Cristo, ergueste os magros braços», 2ª edição das Odes Modernas)

Tormento do Ideal, Ad Amicos («Em vão lutamos. Como névoa baça») e Beatrice.

Por sua vez, o soneto que fecha o «ciclo» de abertura, Beatrice («Depois que dia

a dia, aos poucos desmaiando») – o primeiro dos dois compostos em 1861-1862,

publicados em plaquette em 1863, depois reeditado em volume nas Primaveras

Românticas – constitui um dos casos em que o poeta «guiou-se por motivos de natureza

estética, e não biográfica»,378 mesmo pela posição conclusiva que tem na secção e pelo

valor metafórico da ‘mulher divina’ que se desenvolve no poema. Conforme julga

Amina Di Munno, na obra anteriana essa figura feminina mostra «adesão» ao modelo

dantesco e, ao mesmo tempo, manifesta também um «afastamento radical», que se

traduz, por um lado, numa «salvação» e, por outro, no pessimismo e na negação.379

Contudo, parece-nos que no caso específico dos Sonetos Completos, a imagem de

Beatrice surja essencialmente na qualidade de ‘consoladora’, pois as próprias palavras

escolhidas como epígrafe do conjunto Beatrice (publicado nas Primaveras Românticas:

«Io sono Beatrice / Dante – Inferno»380), apontam para essa faceta, entre as muitas que

seja um dos nossos escritores mais lúcidos e senhores de si, desta vez não o foi, por excesso de Amizade». C3, p. 39.

377 S, p. 26.

378 A afirmação é de António Sérgio. Cf. A. de QUENTAL, Obras de Antero de Quental, III . Primaveras Românticas, edição organizada, prefaciada e anotada por António Sérgio, Coimbra, Couto Martins, 1943, p. 5.

379 Cf. Amina DI MUNNO, Antero de Quental perante Itália: alegoria de Beatrice em Dante e na poesia anteriana, in Actas do Colóquio Anteriano Internacional (14-18 de Outubro de 1991), Ponta Delgada: Universidade dos Açores, 1993, pp. 193-200.

380 [sic] PR, p. 19.

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essa personagem essencialmente poética pode sugerir. 381 A citação é retirada por Antero

do segundo canto do Inferno:

I’ son Beatrice che ti faccio andare;

vegno del loco ove tornar disio;

amor mi mosse, che mi fa parlare.382

Em primeiro lugar, reparemos que nessa passagem do Inferno, que é uma

«invocação» e ao mesmo tempo um proémio, Beatrice aparece como promissa de uma

futura salvação (pois o «loco» é aqui obviamente o céu, última etapa e objectivo da

viagem dantesca), enquanto não temos ainda uma noção efectiva do seu carácter de

personagem que será desenvolvida no Paradiso. Estamos perante uma imagem

histórico-simbólica – como a do outro guia, Virgílio – que tem o papel peculiar de

anunciar o mundo de trevas em que o assustado peregrino Dante está prestes a entrar

para «sostener la guerra»,383 e, ao mesmo tempo, de iluminar o seu caminho («Poscia

che ebbe ragionato questo, / li occhi lucenti lagrimando volse […]»384). A Beatrice

anteriana, aliás, não nos parece alheia a esse papel maternalmente ‘consolador’, e ainda

nessa óptica podemos ler o soneto Beatrice colocado no fim do primeiro «ciclo» dos

Sonetos Completos. O poema surge dentro dessa secção logo depois de Desesperança385,

com a significativa função de encerrar o primeiro «ciclo» e de antecipar o segundo, o

qual se abre com o poema Amor vivo, hino afirmativo a «um amor que tenha vida»,386

soneto também publicado em Primaveras Românticas com algumas variantes dentro do 381 Sobre a personagem de Beatrice e a sua recepção na literatura portuguesa, ver também o importante estudo de Luciana STEGAGNO PICCHIO, «Saudosa Beatriz, antiga amada», Momenti della fortuna di Beatrice nelle letterature di espressione portoghese, in Atti del Congresso – Beatrice (1290-1990) nell’opera di Dante e nella memoria europea (Napoli, Istituto Universitario Orientale, 10-14 de Novembro de 1990), organização por Anna Picchio Simonelli, Firenze: Cadmo, 1994, pp. 399-415.

382 Dante, ALIGHIERI Commedia, a cura di Anna Maria Chiavacci Leonardi, Milano: Mondadori, 1991, vol. I, p. 59 [Itálico nosso].

383 Ibid., p. 46

384 Ibid., p. 67. Itálico nosso.

385 Leiam-se em particular os últimos versos desse poema: «Envolve-te em ti mesma, ó alma triste, / Talvez sem esperança haja ventura». S, p. 59.

386 «Amar! Mas dum amor que tenha vida… / Não sejam sempre tímidos arpejos, / Não sejam só delírios e desejos […]». Ibid., p. 63.

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conjunto Maria.387 Beatrice (tal como Pepa e a citada Maria) parece portanto uma

‘mediadora’ entre treva e luz, que anuncia a «tempestade»388 antecipando uma

progressiva evolução:

Depois que dia a dia, aos poucos desmaiando,

Se foi a nuvem d’ouro ideal que eu vira erguida;

Depois que vi descer, baixar no céu da vida

Cada estrela e fiquei nas trevas laborando:

Depois que sobre o peito os braços apertando

Achei o vácuo só, e tive a luz sumida

Sem ver já onde olhar, e em todo vi perdida

A flor do meu jardim, que eu mais andei regando:

Retirei os meus pés da senda dos abrolhos,

Virei-me a outro céu, nem ergo já meus olhos

Senão à estrela ideal, que a luz d’amor contém...

Não temas pois — Oh, vem! o céu é puro, e calma

E silenciosa a terra, e doce o mar, e a alma...

A alma! não a vês tu? mulher, mulher! oh, vem!389

O poema desenvolve-se de facto numa progressiva ascensão (depois de ver

«descer, baixar no céu da vida / cada estrela» o sujeito vira-se finalmente para «outro

céu») e introduz, como se disse, a figura feminina, que estará bem presente na secção

seguinte e que irá reaparecer no Elogio da Morte («V ciclo») onde a própria morte é

definida «única Beatriz consoladora»390. Aliás, se o primeiro «ciclo» – como afirmou

387 Cf. PR, pp. 78-79.

388 Oliveira Martins salienta que a primeira secção «Denuncia uma alma sensível, mas patenteia já a preocupação metafísica na sua fase rudimentar de dúvida teológica, e apresenta uns assomos de tristeza que são como os farrapos de nuvens quando velam intermitentemente o sol, deixando antever a tempestade para o dia seguinte. Estes primeiros sonetos são o balbuciar de uma criança. Romântica? De modo nenhum». Ibid., p. 28.

389 Ibid., p. 61.

390 «[…] Funérea Beatriz de mão gelada… / Mas única Beatriz consoladora!». Ibid., p. 143.

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Oliveira Martins – «contém em embrião todos os sucessivos, da mesma forma que as

flores incluem em si a substância dos frutos»,391 já no segundo manifestam-se os traços

peculiares da «tragédia mental» que será representada ao longo das partes seguintes.392

De entre os 28 sonetos do «II ciclo», catorze tinham sido anteriormente

publicados em Primaveras Românticas, três no volume Um Feixe de Penas393 (Sonho

Oriental, Idílio e Aparição), um – o já citado Sepultura Romântica – nos Sonetos

editados por Joaquim de Araújo em 1881, enquanto os restantes dez estavam inéditos

antes da publicação dos Sonetos Completos. Reparamos mais uma vez que, apesar da

sua implacável (auto)crítica, Antero não deixa de inserir no livro também algumas

composições («coisinhas antigas»), que apesar de serem «inocentes», fará questão de

incorporar também nos Sonetos Completos. Recorde-se o que o próprio poeta escrevia

em 1884 a Maria Amália Vaz de Carvalho ao enviar os três sonetos destinados à

colectânea Um Feixe de Penas:

Os sonetos que envio, apesar de antigos, são inéditos; e como imagino que o livrinho

é destinado principalmente a correr mãos femininas, achei preferível contribuir com aquelas

coisinhas antigas e ternas, que, em suma, são inocentes e não apavoram, a enviar-lhe dos

Apocalipses que agora faço, «pesadelos rimados», como lhes chama um meu amigo,

entendido em rima e em pesadelos.394

A ‘ternura’ desses e de outros poemas dessa secção, aliás, contribui para o tom

geral do «II ciclo» que bem representa a integração entre «domínio do coração» e

«domínio da inteligência», entre sentir e saber – característica do pensamento poetante,

imprescindível para a actualidade da poesia. A vitalidade juvenil que marca os sonetos

provenientes das Primaveras Românticas – é, como se viu, uma componente essencial

391 Ibid., p. 28.

392 Ibid., p. 30.

393 Nessa colecção foram publicados, além de uma carta a Maria Amália Vaz de Carvalho, também os sonetos Sonho Oriental, Idílio e Aparição, reunidos sob o título «Sonetos Antigos». Cf. AA. VV., Um Feixe de Pennas, ed. facsimilada, Amadora: Livro Aberto, 2003, pp. 47-53.

394 C2, p. 424. Itálico no original. Sobre a data dessa carta ver as observações de Ana Maria Almeida Martins. Idem (nota 358).

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da «autobiografia» poética395 e caracteriza, pelo menos em parte, o «II ciclo» dos

Sonetos Completos.

Das Odes Modernas retirou Antero os oito poemas reunidos sob o título de A

Ideia, os dois de Tese e antítese, mais A um crucifixo («Não se perdeu teu sangue

generoso»396), Diálogo, Mais luz!, Justitia Mater e Palavras de um certo morto,397 que

irão constituir a quase totalidade do «III ciclo» dos Sonetos Completos (1864-1874),

embora com variantes por vezes muito relevantes.398 Um outro poema intitulado A um

crucifixo («Há mil anos, bom Cristo, ergueste os magros braços») irá integrar o primeiro

«ciclo» (1860-1862). Aliás, no caso dos dois sonetos A um crucifixo, observamos um

caso significativo de ficção cronológica operada pelo autor dos Sonetos Completos,

sendo ambos escritos – com muita probabilidade399 – em 1874, se bem que Antero, ao

incluí-los na segunda edição das Odes Modernas, indique 1862 como data de

composição do segundo dos dois que citámos. No entanto, os dois poemas que

constituem Tese e antítese perdem, nas edições de 1886 e 1890, o papel de

‘intermediários’ que tinham na segunda edição das Odes Modernas, onde essa

«dilogia»400 – segundo afirmou António Sérgio – ligava a «serenidade doutrinária» do

395 No prefácio às Primaveras Românticas, escrevia ainda Antero: «A luz intensa e salutarmente cruel da realidade dissipa mais tarde as névoas doiradas da fantasiadora ignorância juvenil. Mas a inocência, a inteireza daquele indomato amore com que abraçámos as quimeras falazes dum coração enloquecido pelo muito desejar, essa inocência é a justificação sagrada daquelas ilusões, o que as torna respeitáveis, o que nos impede, quando de longe em longe as avistamos do horizonte esmaecido do passado, de as encararmos com o sorriso gelado do desdém: é a sua legitimidade». PR, p. 17. Diga-se de passagem que «indomato amor» é expressão que Antero retira do poema de Manzoni Il cinque maggio: «E sparve, e i dì nell’ozio / Chiuse in sì breve sponda, / Segno d’immensa invidia / E di pietà profonda, / D’inestinguibil odio / E d’indomato amor». Cf. Alessandro MANZONI, Poesie, Milano, Mondadori, 2000, p. 28.

396 Trata-se do poema que aparece na segunda edição das Odes Modernas sob o título Doze anos depois e que, nos Sonetos Completos, tem a indicação «Lendo, passados 12 anos, o soneto da parte 1ª que tem o mesmo título». A. de QUENTAL, Os Sonetos Completos de Anthero de Quental, op. cit., p. 63.

397 A Ideia (VIII ), Mais luz! não figuravam na primeira edição das Odes Modernas (1865) e foram publicados apenas na segunda (1875).

398 Recorde-se que os únicos sonetos do «III ciclo» não retirados das duas edições das Odes Modernas são A um poeta e Hino à razão. Cf. S, pp. 108-109.

399 A esse respeito, ver as observações de Nuno Júdice. Cf. Ibid., p. 169.

400 OM, p. 110.

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«Primeiro Livro» (tese) à «índole polémica» do segundo (antítese).401

Não admira, aliás, que Antero, para construir essa secção, se sirva de um método

de revisão dos poemas já ensaiado durante a redacção da segunda edição das Odes, em

1875. Em ambos os casos é valorizada a expurgação, tal como o próprio poeta a

entendia, necessária para alcançar uma «nobre forma de poesia»:

[…] muito desejo que leias agora aquele livro [Odes Modernas] na sua forma

renovada e definitiva, quero dizer, correcta quanto eu pude, expurgada de certas composições

e certas estrofes violentas de mais, e contendo um certo número de composições novas que

alteram vantajosamente o tom geral, chamando-o a um diapasão mais sereno e humano, mais

digno das ideias inspiradoras do livro e da nobre forma da poesia.402

Na economia do «III ciclo» dos Sonetos Completos – que já por si só constitui

um ulterior ponto de viragem dentro da obra403 – os dois sonetos Tese e antítese mantêm

uma posição central entre os extremos da secção: da «fúria» de A ideia (Avante! Os

mortos ficarão sepultos… / Mas os vivos que sigam, sacudindo / Como o pó da estrada

os velhos cultos»404), passando pela ideia «torva no aspecto»405 (Tese e antítese I) que

depois se «encarna em peitos que palpitam»406 (Tese e antítese II), até alcançar

finalmente um ‘abrigo’ na «Razão, irmã do Amor e da Justiça» do Hino à razão. 407

Essa passagem do livro é, a nosso ver, um dos momentos mais significativos da

integração entre ‘sentimento’ e ‘ideia’. Se os primeiros três «ciclos» surgem como lugar

preponderante do «domínio do coração», os últimos dois concentram-se no «domínio da

401 Ibid., p. 10. António Sérgio salienta sobretudo as implicações filosóficas (Hegel, Schelling, Fichte) do procedimento por tese e antítese em Antero, além do suposto contraste entre o «político» e o «apóstolo» que se realizariam nesses dois sonetos. Cf. A. de QUENTAL, Sonetos, op.cit., pp. 59-66.

402 Carta a António Azevedo Castelo Branco (4 de Julho de 1875). C1, p. 433.

403 Oliveira Martins acrescentava que no «III ciclo» (1864-1874) «[…] vê-se o espírito do filósofo reagir sobre o temperamento do poeta, e tornar-se sistema o que até aí era fúria». S, p. 31.

404 Ibid., p. 95.

405 Ibid. p. 104.

406 Ibid. p. 105

407 Ibid., p. 109.

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inteligência», e não parece casual a presença dos poemas Hino à razão e A um poeta

nesse momento final do terceiro «ciclo», sendo que o primeiro fora publicado em 1884

no volume Bouquet de Sonetos, e o segundo estava inédito antes da publicação dos

Sonetos Completos.408 Com o soneto A um poeta – colocado, de facto, a meio do livro –

proclama-se solenemente – já a começar pela epígrafe evangélica «surge et ambula»409

– a missão apostólica410 da poesia, e antecipa-se o «desenvolvimento» do poeta,

«soldado do Futuro»411, das últimas duas secções. O poema constitui de facto um

manifesto poético, além de ser uma exortação ao despertar («Acorda, é tempo!»;

«Escuta!»; «Ergue-te»412), antes de entrar no dois ciclos conclusivos, que o próprio

autor identificava com a maturidade poética:

Mandei-te pelo outro Paquete um exemplar dos Sonetos. Desejava bastante saber que

impressão te terá feito aquilo tudo junto; como conjunto e como desenvolvimento,

especialmente as últimas duas partes, que é o que ali há de sério para gente como nós.413

Do ponto de vista da construção, o «IV ciclo» compõe-se, como já vimos,

maioritariamente por sonetos já publicados no volume da Biblioteca da Renascença em

1881, se tirarmos os quatro que se encontravam inéditos antes da publicação dos

Sonetos Completos: Espectros, Nox, Em viagem e Visão. 414 Contudo, como já observou

Bruno Carreiro, neste ciclo aparecem três composições escritas antes da data que

delimita a secção em que estão incorporadas (1874-1880), isto é, À Virgem Santíssima e

408 Cf. J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. II, pp. 407-408.

409 «[…] quid est facilius dicere dimittuntur tibi peccata tua an dicere surge et ambula». Matheus. 9, 5 [Itálico nosso].

410 A definição é de António Sérgio. A. de QUENTAL, Sonetos, op.cit., p. 58.

411 «Ergue-te pois, soldado do Futuro, / E dos raios de luz do sonho puro, / Sonhador, faze espada de combate!». Ibid., p. 108.

412 Idem

413 Carta a Francisco Machado de Faria e Maia (15 de Setembro de 1886). C3, p. 40.

414 Cf. J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. II, pp. 408-409.

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os dois poemas que constituem Disputa em família, todos compostos antes de 1874.415

Essa discordância entre a data de composição (1872) e a sua posterior colocação numa

secção que, do ponto de vista cronológico, não abrange esse ano, longe de ser um erro,

revela-nos pelo contrário uma vontade de considerar os «ciclos» não como meras

ordinações cronológicas, mas como verdadeiros núcleos dramáticos, como demonstra

ainda a carta a Lobo de Moura (12 de Abril de 1872) que acompanha o envio dos

sonetos À Virgem Santíssima e «Na floresta dos sonhos, dia a dia»416:

O primeiro foi composto por um monge da Idade Média (aí pelo século XIII ), na

solidão soava-austera [sic] do Monte Cassino, um contemporâneo talvez do autor misterioso

da Imitação de Cristo, e é dirigido à Virgem-cheia-de-graça do sentimento cristão, a que

mais tarde um pagão ilustre deu o nome de Eterno Feminino. 417

[…]

O seguinte, podia simplesmente ter por autor algum solitário, discípulo de Buda, que

há 2500 anos, se assentasse à sombra do Baobab, e imobilizando o espírito num ponto único

(segundo o preceito do Mestre) tivesse procurado fugir ao tormento supremo da

consideração da contingência e fragilidade das coisas. É, porém, mais crível que o seu

verdadeiro autor fosse algum filósofo alemão contemporâneo, que, desesperando de

encontrar a razão última do Ser no insuficiente naturalismo da filosofia moderna, se lançasse

nos sonhos insondáveis do sentimento religioso primitivo. O que nos leva a optar por esta

segunda suposição é encontrarmos no mencionado Soneto certas alusões e aproximações, e

uma lucidez racional, que destoam da simplicidade profunda e do concretismo dos videntes

415 Sabemos que esses poemas foram escritos em 1872 por terem sido enviados nesse ano em carta a Lobo de Moura. C1, p. 40.

416 Este poema foi publicado na Revista Ocidental em 1875 com o título Nirvana, e irá ser incorporado nos Sonetos de 1881 e no «V ciclo» dos Sonetos Completos dentro do conjunto Elogio da Morte (II). Sendo que na carta citada não consta ainda nenhum dos futuros títulos, no presente caso cita-se o priverso.

417 C1, pp. 253-254 [Itálicos no original]. A expressão «soave austero» será utilizada por Antero também na redacção do texto Veneza, publicado em A Europa Pitoresca (1881). Cf. A. De QUENTAL, Veneza, op. cit., p. 31. A mesma expressão encontra-se na Orazione in morte di Angiola Cimini Marchesana della Petrella (1727) de Giambattista Vico. Cf. Giambattista V ICO, Opuscoli (Nuovamente pubblicati com alcuni scritti inediti da Giuseppe Ferrari), Milano: Società Tipografica de’ Classici Italiani, 1836, p. 278 e p. 306. Antero alude aqui também à bela definição de Goethe (o «pagão ilustre»), isto é, «Ewig-weibliche», literalmente «Eterno Feminino». Cf. Johann Wolfgang von GOETHE, Faust e Urfaust, organização por Giovanni Vittorio Amoretti, Milano: Feltrinelli, 1980, p. 667.

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antigos, e só convém à subtileza sábia dos neobudistas.418

[…]

Depois destes homens antigos, não me atrevo a dizer mais nada . 419

Estamos aqui perante uma consciente dramatização que, a posteriori, poderia

designar-se ‘heteronímica’,420 pois a verdade cronológica cede o passo à vontade de

solidificar as várias fases do «ciclo» através da cuidadosa edificação de uma

«autobiografia poética» diversa de uma biografia real.421 A remodelação preside ao

equilíbrio entre conteúdo e forma e realiza-se através de uma profunda revisão dos

poemas que transitaram por recolhas anteriores (que inclui naturalmente a alteração ou a

eliminação de uma parte deles), mas também da reprodução do estilo de alguns poemas,

que compensam a ausência de outros, destruídos ou perdidos, e vão «suprir as lacunas»

inevitáveis. Nesse sentido, a dramatização é dirigida directamente à unidade, ao

equilíbrio e à completude do livro, e é nessa perspectiva que toma forma a

interpenetração entre os poemas ‘novos’ (definidos «rara avis») e os anteriores, que se

devem «tornar impecáveis»,422 antes de serem introduzidos na dinâmica do «ciclo» tal

como pensada pelo poeta. Lemos ainda em carta a Alberto Sampaio:

Persisto no meu propósito de Colecção, e desejo que vá o mais completa possível.

Com esse fim, tenho composto alguns, no estilo dos 60, 64 e 66, para suprir as lacunas de

418 C1, pp. 254-255 [Itálicos no original].

419 Ibid., p. 255.

420 Acerca do ‘desdobramento dramático’ na poesia de Antero, ver também Nuno JÚDICE, Poética de Antero, in Antero de Quental e o destino de uma geração. Actas do colóquio internacional no centenário da sua morte, ed. Isabel Pires de Lima, Porto, Asa, 1991, pp. 143-146, p. 146.

421 Como observou Rainer Hess, temos que considerar «não a errónea cronologia exterior da colecção de sonetos, mas a cronologia interior, subjacente, de uma biografia poética e não de uma biografia real». R. HESS, Os inícios da lírica moderna em Portugal, op. cit., p 209. Sobre a cronologia dos Sonetos Completos, ver também Ruy Galvão de CARVALHO , Ordenação cronológica dos «Sonetos Completos» de Antero de Quental, ID. Antero de Quental – Novos Ensaios, Vila Franca do Campo, Editorial Ilha Nova, 1985, pp. 166-173; e Álvaro Julio da Costa PIMPÃO, «Antero – O livro dos Sonetos», in Biblos, vol. II, tomo I, 1942, pp. 209-224.

422 Escreve a Alberto Sampaio em 1883: «Entretanto, além dalgum novo [soneto] que apareça, o que é já rara avis, vou-me entretendo em rever e tornar impecáveis os antigos». C2, p. 407 [Itálicos no original].

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vários que então perdi ou destruí. É uma experiência de pastiche psicológico, que me

entretém e interessa, transportando-me momentaneamente ao modo de ser de in illo tempore.

Tu julgarás se tenho réussi.423

A dramatização não advém de elementos expressivos ou compositivos: muito

pelo contrário, surge como instância de uma «subjectividade não-individual ou como

modalidade histórica da Consciência humana»,424 que são, de facto, os pressupostos da

lírica moderna.425 Ora, se como afirmava o próprio Antero, a poesia na «actualidade»,

pode ser apenas subjectiva, na medida em que é «já humana e não individual»,426 não

serão os Sonetos Completos a grandiosa obra derradeira de um poeta subjectivo da

«ilustre família» de Leopardi, entre «os últimos duma raça condenada a desaparecer»?

Parece-nos que sim, também considerando as inúmeras alusões de Antero ao

esgotamento da veia poética e à significação simbólica que os Sonetos Completos têm,

sobretudo se pensarmos no valor de acto final que o livro constitui perante o poeta a

quem «morreu o dom dos versos»427. Embora no «IV ciclo» o alento dramático se

manifeste com maior constância através do elemento que chamaremos dialógico – por

serem o pendor vocativo e a interrogação directa as suas características peculiares –,

será na última secção que esse aspecto irá ganhar uma preponderância relevante. Se o

«IV ciclo» é percorrido por uma voz que se dirige maioritariamente a «espectros» do

sujeito – Deus, a morte, a razão – já no quinto a interrogação é dirigida directamente e

abertamente à natureza. Nesse ponto, ou melhor, «em meia dúzia dos últimos

sonetos»428 compostos no período de Vila do Conde, a dramaticidade do «ciclo»

423 Carta a Alberto Sampaio (Janeiro de 1883). C2, p. 361 [Itálico no original]. Este trecho é citado também por Seabra Pereira, que encontra aqui um ponto de partida para a sua interessante reflexão acerca da dramaticidade dos Sonetos Completos. Cf. J. C. SEABRA PEREIRA, «Para um retorno à ‘íntima unidade’ d’Os Sonetos Completos de Antero», op. cit., p. 115.

424 A esse respeito, parece perfeitamente pertinente a reflexão de José Carlos Seabra Pereira, quando afirma que a dramatização é «imprescindível para um adequado progresso da poesia no mundo moderno». Ibid., pp. 202-203.

425 Recorde-se que também Hugo Friedrich apontou para a «dramaticidade agressiva» da poesia moderna. Cf. H. FRIEDRICH, La struttura della lirica moderna, op. cit., p. 15.

426 C3, pp. 478-479.

427 Ibid., p. 65.

428 C3, p. 65.

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anteriano aproxima-se da lírica altamente dialógica de Leopardi, e particularmente dos

grandes poemas da maturidade.

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PARTE III

DO ‘MAL DO SÉCULO ’ À MODERNIDADE

ANTIMODERNA

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V. ECOS LEOPARDIANOS NA POESIA DE ANTERO

5.1 O último ‘ciclo’ e o Album de Vila do Conde

Na última secção dos Sonetos Completos – que Antero sempre valorizou, como

vimos, por constituir o derradeiro «suspiro» da sua poesia, antes de se tornar

«voluntariamente estéril» do ponto de vista poético429 – estão incorporados 21 sonetos,

oito dos quais não foram compostos no período delimitado pelas datas dessa secção

(1880-1884): trata-se dos seis sonetos de Elogio da Morte, compostos no período 1872-

1874 e já publicados na Revista Ocidental em 1875,430 mais Transcendentalismo e

Logos, já incluídos na edição da Biblioteca da Renascença em 1881.431 Os restantes

treze são os que constituíam o chamado Album de Vila do Conde432 e que foram

posteriormente inseridos nos Sonetos Completos numa ordem bastante diferente.433

A deslocação na quinta secção de uma série de poemas compostos na década de

1870, não faz senão consolidar a prerrogativa dramática que o «ciclo» conclusivo tem

de conferir ao conjunto. Aliás, os seis poemas de Elogio da Morte – que, como se disse,

429 C3, p. 45.

430 Na Revista Ocidental (Tomo I, 15 de Fevereiro de 1875, 1º fascículo) os poemas que compõem Elogio da Morte têm títulos próprios: Inania Regna (I), Nirvana (II), Beatrice (III ), Ab Æterno (IV), Euthanasia (V), Buddhismo (VI).

431 Cf. J. B. CARREIRO, Antero de Quental, vol. II, pp. 410-416.

432 Este Album incluía treze sonetos compostos entre Março de 1882 e Março de 1885, mais as poesias Epitáfio e Num Album, e as traduções A casa do coração (de H. Neumann), Do alemão, de Bodenstedt e De Sandor Pëtofi, poeta húngaro. Dentro do Album estavam incorporados também alguns autógrafos soltos, isto é, Serenata e a tradução da Balada do Rei de Thule. Cf. J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. II, p. 133 (nota 2). A este respeito veja-se também António SALGADO JÚNIOR, Antero e os treze sonetos de Vila do Conde, in No centenário de Antero, Vila do Conde, Câmara Municipal, 1942, pp. 19-66; e 13 Sonetos de Vila do Conde, introdução por António Ramos de Almeida, Edição das celebrações do centenário da morte de Antero de Quental, Vila do Conde, 1991. Como informa Ana Maria Almeida Martins, não se conhece o paradeiro desse Album, desaparecido depois de ter sido doado pelos herdeiros do poeta à Biblioteca Pública de Ponta Delgada, a 11 de Setembro de 1931. Cf. A. M. ALMEIDA MARTINS, Antero de Quental e a década dourada de Vila do Conde, op. cit., p. 39.

433 No Album de Vila do Conde os sonetos vêm na seguinte ordem, acompanhadas pelas datas de composição: Evolução (Março de 1882); Na mão de Deus (Maio de 1882); Redenção I (Julho de 1882), Redenção II (Outubro de 1882); Lacrimæ rerum (Novembro de 1882); Oceano Nox (Novembro de 1882); Voz interior (Maio de 1883); Contemplação (Outubro de 1883); Solemnia Verba (Abril de 1884); Luta (Abril de 1884); Comunhão (Junho de 1884); O que diz a Morte (Março de 1885); Com os mortos (Março de 1885). Cf. J. B. CARREIRO, Antero de Quental, vol. II, p. 411.

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foram escritos no início da década de 1870 – contribuem, com efeito, para a atitude

«confortativa»434 do último «ciclo», aspecto já antecipado por Transcendentalismo, e

que será valorizado particularmente em Comunhão.

Se observarmos os seis sonetos do Elogio da morte – que, juntamente com

outros dois, Com os mortos e O que diz a morte (ambos escritos em Março de 1885),

constituem o ‘ciclo da morte’ da última secção – notamos que a imagem central do

poema é ao mesmo tempo espelho de «não-ser» e de «Ser único absoluto»:

A mim seduz-me a paz santa e inefável

E o silêncio sem par do Inalterável,

Que envolve o eterno amor no eterno luto.

Talvez seja pecado procurar-te

Mas não sonhar contigo e adorar-te

Não-ser, que és o Ser único absoluto.435

Conforme julga António Sérgio, a identidade entre «não-ser» e plenitude do ser,

coincide, no pensamento e na poesia de Antero, com a ideia da morte, e isso contribuiria

para o trânsito «do Antero intelectual e filósofo para o Antero temperamental e

enfermo».436 Contudo, é um facto que essa imagem libertadora e sossegante que

corresponde a uma «comunhão ideal do eterno Bem» (Com os mortos), encontrámo-la

ainda em O que diz a morte, onde o «não-ser» surge numa óptica paralela à ideia

leopardiana do «non essere» como única força capaz de apagar o «mal absoluto»:

434 Acerca de Elogio da Morte e da «Filosofia idealista da Morte» ali contida, escreveu Antero em carta a António de Azevedo Castelo Branco: «Quanto aos Sonetos, que publiquei na Revista, devo dizer-te que os escrevi sem a menor tristeza ou desalento, antes com paz íntima e profunda confiança. Se a doença foi ocasião de reflectir com mais madureza no símbolo misterioso que é a Morte, é isso muito natural, porque em tal estado a Morte apresenta-se ao nosso pensamento com mais insistência ou mais autoridade: mas dessas reflexões concluí coisas que nada têm de tristes, antes são muito confortativas, uma espécie de Filosofia idealista da Morte, e foi isso o que eu quis exprimir naquela composição, mostrando como o pensamento se eleva gradualmente desde uma impressão toda negativa até à mais alta idealidade, compreensiva e plácida. Fui pois teólogo e não romântico – pelo menos, tal foi a minha intenção». C1, pp. 413-414 [Itálico no original].

435 S, p. 146.

436 A. de QUENTAL, Sonetos, op.cit., p. 155.

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Em mim, os Sofrimentos que não saram,

Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem.

As torrentes da Dor, que nunca param,

Como num mar, em mim desaparecem.437

Se bem que a poesia de Leopardi seja desprovida do misticismo da morte

próprio da última fase da poesia anteriana, tal como do alento transcendente que a

anima, o poeta italiano concentra o «bem» unicamente no «não-ser», e esse aspecto,

segundo Cesare Galimberti, constitui a sua faceta «religiosa» ou até «teológica».438 O

«não-ser», que por vezes surge nos Canti (L’infinito , Canto notturno) como ‘espaço’ ou

dimensão outra, no Zibaldone é encarado na óptica de elaboração de um «sistema»:

«Non v’è altro bene che il non essere; non v’ha altro di buono che quel che non è; le

cose che non son cose: tutte le cose sono cattive».439 É claro que não temos, como já

aconteceu anteriormente, elemento algum para estabelecer uma ligação directa entre o

pensamento expresso no Zibaldone e alguns momentos da obra anteriana: pretende-se

apenas sugerir, como se disse, uma relação, neste caso a partir dessa ideia de exaltação

do «não-ser», que na última secção dos Sonetos Completos é identificada com a imagem

libertadora da morte. Nessa perspectiva inserem-se «15 ou 20 sonetos», cuja

importância fundamental (para a economia do livro, para a sua significação literária e

para o desenvolvimento da poesia) é sublinhada pelo próprio Antero em carta de 1886 a

Jaime de Magalhães Lima:

Os últimos vinte sonetos do meu livrinho são uma coisa nova, a nota cristalina duma

nova poesia, da verdadeira poesia (ouso dizê-lo) do futuro. Mas tirar dessa pobre nota o

mundo de harmonias que ela virtualmente encerra, desdobrá-la, desenvolvê-la nos mil

aspectos de que ela é capaz, isso, meu Amigo, não é para mim, não o poderia fazer.440

437 S, p. 158.

438 Cf. Cesare GALIMBERTI , Cose che non son cose. Saggi su Leopardi, Venezia: Marsilio, 2001, p. 29-30.

439 Z1, p. 2735 [4174].

440 C3, p. 45.

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A íntima relação entre conclusão do «ciclo» e fim da poesia (e do poeta) –

presente como um pano de fundo ao longo dos Sonetos Completos – explicita-se com

efeito através da quinta secção, onde se patenteia, segundo escreve o próprio Antero, «a

nota exacta e sã» do livro, a sugestão de um caminho possível para a poesia «na

actualidade»:

O meu livrinho apenas aqui ou ali, em meia dúzia dos últimos sonetos, fere a nota

exacta e sã, porque infelizmente morreu-me o dom dos versos precisamente quando

começava a pensar e a sentir alguma coisa que realmente merecesse ser posta em verso.441

O poema que inicia a secção, o citado Transcendentalismo, pode-se entender –

como sugeriu Joaquim de Carvalho – como um «pórtico»442 que explica, logo na

abertura do «ciclo», o espírito «consolador» («Não é tão consolador conhecermos que

somos loucos?»443), aspecto que o próprio Antero chamou de «ironia transcendental»444

e que Oliveira Martins definirá «humorismo transcendente»445, cuja máxima expressão

seria constituída pela última composição da colectânea, Na mão de Deus. 446

O soneto Transcendentalismo aponta para uma transcendência que apenas em

parte participa dos sentimentos ‘pessimistas’ vividos pelo poeta na altura em que o

escreveu (1876), pois apresenta um pensamento oposto ao que percorria, por exemplo,

Epigrama transcendente (1875), poema do mesmo período excluído dos Sonetos

Completos, não apenas por não ser tecnicamente um soneto (sendo composto por quatro

quadras), mas – julgamos – também pela «impiedade» que o caracteriza.447

441 Carta a Maria Amália Vaz de Carvalho (24 de Dezembro de 1886). C3, p. 65.

442 Cf. J. de CARVALHO , Antero de Quental e a filosofia de Eduardo de Hartmann, op. cit., p. 219.

443 Carta a Oliveira Martins (30 de Maio de 1887). C3, p. 106.

444 «A contemplação da nossa toleima é muito salutar e, tudo bem pensado, fonte perene de alegria. A verdadeira ironia transcendental é esta, a única verdadeiramente filosófica, humana, superior». Idem.

445 «Eu por mim chamarei humorismo transcendente a essa liga íntima de piedade e de ironia, e declaro que nunca vi coisa parecida posta em verso». S, p. 35.

446 Na carta a Oliveira Martins (31 de Dezembro de 1876) que acompanha o envio do poema Transcendentalismo frisava Antero que através desse soneto se manifesta uma ‘conversão’. C1, p. 525.

447 Enviando a Alberto Sampaio a transcrição do poema Epigrama transcendente (22 de Abril de 1875), acrescentava: «Que te parece a impiedade?». C1, p. 419.

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Transcendentalismo – também pela posição que tem no conjunto – marca a passagem de

uma ‘dimensão’ para outra: se a secção anterior encerrava ainda num contexto de

desolação e ruína,448 no último «ciclo» manifesta-se desde o principio uma nova

abertura, uma definitiva saída dos ínferos, um voltar «a riveder le stelle».449 Não admira,

portanto, que Antero considerasse extremamente importante esse poema, ao ponto de

preferir «que continuasse inédito»450 – mesmo por representar o seu «culto da existência

supra-sensível»451 – e que lhe viesse a dar um relevo particular nos Sonetos Completos,

independentemente da sua data de composição:

Já sossega, depois de tanta luta,

Já me descansa em paz o coração.

Caí na conta, enfim, de quanto é vão

O bem que ao Mundo e à Sorte se disputa.

Penetrando, com fronte não enxuta,

No sacrário do templo da Ilusão,

Só encontrei, com dor e confusão,

Trevas e pó, uma matéria bruta…

Não é no vasto mundo – por imenso

Que ele pareça à nossa mocidade –

Que a alma sacia o seu desejo intenso…

448 Recordem-se os versos finais do último soneto do quarto «ciclo», Visão: «Soluço de ódio e raiva impenitentes… / E do fantasma as lágrimas ardentes / Caíam lentamente sobre o mundo!». S, p. 135.

449 «E quindi uscimmo a riveder le stelle», como é sabido, é o último verso do Inferno dantesco. D. ALI-

GHIERI, Commedia, op. cit., vol. I, p. 1028.

450 Enviando esse soneto a Joaquim de Araújo, escreve: «O único soneto inédito, que possuo, é esse, que lhe envio. Escrito já há bastante tempo, confesso-lhe que preferia que continuasse inédito, pois o pensamento que o inspira é-me muito íntimo, para que me não custe vê-lo mal compreendido ou não compreendido, como por força há-de suceder». C2, p. 87.

451 Enviando Transcendentalismo a João Lobo de Moura afirmava ainda acerca desse soneto: «Posso chamar-lhe um salmo, uma efusão religiosa, porque está ali com efeito a minha religião, o meu culto da existência supra-sensível, sem o qual não sei o que seria desta minha pobre existência sensível (helas! trop!)». Ibid., p. 507 [Itálico no original]. Sobre este soneto em relação ao ‘transcendentalismo’ em Antero ver também Magda Costa CARVALHO , A natureza em Antero de Quental. O projecto de uma «metafísica positiva», Lisboa: INCM, 2006, pp. 22-30.

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Na esfera do invisível, do intangível,

Sobre desertos, vácuo, soledade,

Voa e paira o espírito impassível!452

Através deste poema, aliás, pode-se tentar, com as devidas cautelas, uma

primeira aproximação com a obra poética de Leopardi, e nomeadamente com o poema A

se stesso, por sua vez inserido, como se viu, no chamado ‘ciclo de Aspasia’. Como já se

realçou, não temos elementos concretos para conjecturar que na década de 1870 (isto é,

no período em que compõe esse soneto) Antero tivesse lido de maneira aprofundada a

obra de Leopardi, e, além disso, a função dos dois poemas e a colocação no respectivos

conjuntos – tal como a sua significação metafórica – permitem mais uma relação por

antítese do que por analogia.

Se no poema de Antero o coração «sossega» em paz, longe de ilusões, na «esfera

do invisível, do intangível», pelo contrário, em Leopardi assistimos a uma reafirmação

da vacuidade de todas as coisas, tal como teorizada ao longo da sua obra inteira:

Or poserai per sempre,

Stanco mio cor. Perì l’inganno estremo,

Ch’eterno io mi credei. Perì. Ben sento,

In noi di cari inganni,

Non che la speme, il desiderio è spento.

Posa per sempre. Assai

Palpitasti. Non val cosa nessuna

I moti tuoi, né di sospiri è degna

La terra. Amaro e noia

La vita, altro mai nulla; è fango il mondo.

T’acqueta omai. Dispera

L’ultima volta. Al gener nostro il fato

Non donò che il morire. Omai disprezza

Te, la natura, il brutto

Poter che, ascoso, a comun danno impera,

E l’infinita vanità del tutto. 453

452 S, p. 139.

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Os dois poemas são constituídos por um léxico relativamente simples, centrado

nos sustantivos ‘coração’/’cor’, ‘ilusão’/’inganni’, ‘dor e confusão’/’amaro e noia’, e

nos verbos ‘cansar’ e ‘descansar’ (‘descansa’/’stanco’). Apesar dessas correspondências

lexicais, não estamos aqui perante paralelismos propriamente ditos, ao contrário, parece

muito mais relevante a relação entre ‘ilusões’, ‘desejo’ e ‘descanso/sossego’,

sensivelmente diferente nos dois poemas. Em Transcendentalismo o sujeito «sacia o seu

desejo intenso», alcançando uma forma de sossego «sobre desertos, vácuo, soledade»: o

«coração» e o «espírito» descansam por fim no transcendente, «na esfera do invisível,

do intangível».454

Ao contrário, se tomarmos, por exemplo, Voz do Outono e Sepultura romântica

– poemas inseridos no segundo «ciclo» se bem que compostos em 1871, o primeiro, e

em 1878 o segundo455 – notamos uma afinidade maior com o «stanco mio cor» de

Leopardi, não apenas do ponto de vista da imagem utilizada, mas sobretudo pelo pendor

de absoluto desalento:

Ouve tu, meu cansado coração,

O que te diz a voz da Natureza:

— «Mais te valera, nú e sem defesa,

Ter nascido em aspérrima soidão,

Ter gemido, ainda infante, sobre o chão

Frio e cruel da mais cruel devesa,

Do que embalar-te a Fada da Beleza,

Como embalou, no berço da Ilusão!456

Ainda em Sepultura romântica, último poema da terceira secção, o coração – 453 PP1, p. 102. Acerca deste poema, ver também Walter BINNI, La protesta di Leopardi, Firenze: Sansoni, 1973, pp. 73-74.

454 Já num poema do segundo «ciclo», Mea Culpa, lê-se: «A Natureza é minha mãe ainda… / É minha mãe». A propósito do «retorno à natureza» ver também M. C. CARVALHO , A natureza em Antero de Quental, op. cit., pp. 76-118.

455 Cf. S, p. 175.

456 Ibid., p. 89.

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sacrificado à «ideia» que abre o ciclo seguinte – é finalmente «enterrado»:

Ali, onde o mar quebra, n'um cachão

Rugidor e monótono, e os ventos

Erguem pelo areal os seus lamentos,

Ali se há-de enterrar meu coração.

Queimem-no os sóis da adusta solidão

Na fornalha do estio, em dias lentos;

Depois, no inverno, os sopros violentos

Lhe revolvam em torno o árido chão...

Até que se desfaça e, já tornado

Em impalpavel pó, seja levado

Nos turbilhões que o vento levantar...

Com suas lutas, seu cansado anseio,

Seu louco amor, dissolva-se no seio

D'esse infecundo, d'esse amargo mar!457

A evolução da imagem do ‘coração’ é paralela à do eu através dos vários

«ciclos», e culmina no último poema dos Sonetos Completos, o citado Na mão de Deus.

Os sonetos do último «ciclo» (e particularmente em Na mão de Deus e Solemnia Verba,

ambos compostos no período de Vila do Conde), têm em comum a imagem do

«sossego» final do coração e testemunham a constante construção do ‘eu’ dentro do

«ciclo» (ainda ausente no citado Voz do Outono), pois a «paz» anunciada no primeiro

poema da secção realiza-se finalmente no último, onde o ‘coração’ «dorme na mão de

Deus eternamente».458

Na óptica de sugerir uma relação entre a poesia de Antero e a de Leopardi –

quando possível, também à luz das eventuais leituras do poeta açoriano – é interessante

analisar brevemente a cronologia da composição do citado Solemnia Verba, que se

457 Ibid., p. 90.

458 S, p. 159.

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desenvolve entre 1882 e 1884, período particularmente significativo no que diz respeito

às possíveis leituras leopardianas. Se por um lado sabemos, por carta do próprio Antero

a Alberto Sampaio,459 que Na mão de Deus foi composto em 1882, já a redação de

Solemnia Verba se desenvolve, com muita probabilidade, pelo menos em duas fases.

Segundo refere Luís de Magalhães, «esse soneto, como Antero nos disse, fora composto

no dia em que ele fizera quarenta anos, isto é, a 18 de Abril de 1882».460 Contudo, o

poema vem no dito Album de Vila do Conde com a data do autor «Abril de 1884»,

sendo que, antes da sua publicação, sofreu ainda diversas alterações. Isto leva a pensar,

como sugere Bruno Carreiro (e considerando que não existe manuscrito da eventual

primeira versão), que Antero, muito provavelmente, terá composto esse poema em 1882,

se bem que considerasse como redação definitiva a de 1884.461

Ora, não parece descabido conjecturar que a leitura de Leopardi (e

eventualmente do próprio poema A se stesso), que poderá ter havido entre as duas

redações, tenha «fecundado» a revisão de Solemnia Verba, considerando que este, a

nosso ver, é um dos poemas – dentro do conjunto dos Sonetos Completos – nos quais se

fazem mais evidentes as conexões e os ecos leopardianos:

Disse ao meu coração: Olha por quantos

Caminhos vãos andámos! Considera

Agora, desta altura, fria e austera,

Os ermos que regaram nossos prantos...

Pó e cinzas, onde houve flor e encantos!

E a noite, onde foi luz a Primavera!

Olha a teus pés o mundo e desespera,

Semeador de sombras e quebrantos!

459 Cf. Carta a Alberto Sampaio (Maio de 1882). C2, pp. 331-332.

460 Luís de MAGALHÃES, Romagem a Santo Antero, in ID, Antero de Quental em Vila do Conde, op. cit., pp. 96-97.

461 Cf. J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. II, p. 412. A este respeito ver também R. G. de CARVALHO , Ordenação cronológica dos «Sonetos Completos» de Antero de Quental, op. cit., pp. 166 e 172-173 (notas 48 e 49). Na carta a Joaquim de Araújo que acompanhava o envio deste soneto lê-se: «Escrito no dia 18 deste mês, em que fiz 42 anos». C2, p. 431.

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Porém o coração, feito valente

Na escola da tortura repetida,

E no uso do pensar tornado crente,

Respondeu: Desta altura vejo o Amor!

Viver não foi em vão, se isto é vida,

Nem foi demais o desengano e a dor.462

O soneto mostra, de facto, uma imagem antitética à de A se stesso, embora se

desenvolva por imagens paralelas. No poema leopardiano o coração «descansa» depois

da constatação do fim do «inganno estremo» (o amor, última fonte de esperança vã) e

«dispera» de vez, ao passo que em Solemnia Verba o «coração feito valente / na escola

da tortura repetida / e no uso do penar tornado crente»» intervém para indicar um

caminho de esperança. A «altura, fria e austera» do terceiro verso do soneto torna-se,

através da ‘voz’ do coração, num ermo de «sossego» absoluto, que permite alcançar

uma visão completa («Viver não foi em vão, se isto é vida»), sendo uma «altura» que

tem as mesmas conotações imaginativas do «ermo colle» leopardiano, lugar simbólico

da visão do pensamento.463

A representação dessa passagem pelas «solemnia verba» do coração faz com que

este poema surja como ‘poema-chave’ na dinâmica evolutiva do livro e particularmente

do último «ciclo», sendo uma amostra importante do mecanismo que está na base da

superação anteriana do ‘pessimismo’ através de um «optimismo transcendente». Ao

contrário, Leopardi confere ao «coração» o papel de representar e manifestar a

«obliteração» do desejo, como a definiu Samuel Beckett464, componente fundamental da

462 S, p. 157.

463 Não por acaso, Jorge de Sena, ao traduzir L’infinito , escolhe o sintagma «erma altura». Cf. Roberto

MULINACCI, Oltre la siepe. L’infinito di Leopardi in traduzione portoghese, in Revista de Italianística, USP, São Paulo, 2008, n. VI, p. 62-63.

464 Samuel Beckett refere-se directamente ao poema A se stesso: «[…] And as before, wisdom consists in obliterating the faculty of suffering rather than in a vain attempt to reduce the stimuli that exasperate that faculty. ‘Non che la speme, il desiderio…’ One desires to be understood because one desires to be loved, and one desires to be loved because one loves. We are indifferent to the understanding of others, and their love is an importunity». Samuel BECKETT, Proust and Three Dialogues, London: Calder and Boyars, 1970, p. 63. Acerca da importância de Leopardi no pensamento e na obra de Beckett, veja-se também Roberta CAUCHI-SANTORO, ‘Beyond the Suffering of Being: Desire in Giacomo Leopardi and Samuel Beckett’, Electronic Thesis and Dissertation Repository, Paper 1247, 2013 (http://ir.lib.uwo.ca/etd/1247).

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«souffrance» universal («Omai disprezza / Te, la natura, il brutto / Poter che, ascoso, a

comun danno impera»). Com a perda dos «cari inganni», o desejo é finalmente apagado

(«il desiderio è spento»), sem possibilidade nem esperança de qualquer

‘transcendentalismo’, mas apenas a contemplação da vacuidade de todas as coisas.465

Nesse sentido, o sentimento que anima o soneto de Antero constitui também uma

superação da «souffrance» que Leopardi concentra nos dezasseis versos de A se stesso e

que será de qualquer maneira ultrapassada de forma grandiosa e solene com o longo

poema La ginestra o Il fiore del deserto.

Com essas relações, contudo, não tencionamos senão propor algumas sugestões

de leitura, ficando como ponto assente que os possíveis ‘ecos leopardianos’ advêm de

uma ligação que chamaremos involuntária, pois não há na poesia de Antero nenhuma

referência directa à poesia ou ao pensamento de Leopardi – nem por meio de epígrafes

ou citações, como acontece, por exemplo, com Dante – embora em alguns casos haja

«concordâncias» ou «reminiscências» suficientemente visíveis. A este respeito, vale a

pena lembrarmos o importante testemunho de Carolina Michaëlis, atenta estudiosa de

Leopardi, 466 no In Memoriam de 1896:

Quanto a algumas concordancias entre phrases e conceitos d’Anthero e certas

concepções de outros pantheistas amorosos e espiritos de eleição – desde o humanissimo

poverello de Assis que no seu maravilhoso Hymno do Sol saúda flores, pedras, estrellas e

toda a natureza inanimada, como outros tantos irmãos, São Paulo que já ouvira os suspiros

de redempção que perpassam toda a creatura, Vergilio cuja singela formula sunt lacrymae

rerum lhe suggeriu tão profunda e engenhosa interpretação, até Leopardi e as suas amargas

Finalmente, recorde-se que também o Canto a Leopardi de Fernando Pessoa è de facto uma ‘resposta’ a A Se stesso.

465 Angelo Monteverdi estabelece uma interessante ligação entre o ‘pessimismo’ de A se stesso e a linguagem utilizada pelo poeta. Privilegiando a frase fragmentada, a separação entre sujeito e verbo e entre verbo e objecto, e o uso do enjambement, Leopardi constrói uma musicalidade ‘fragmentada’ que participa da dor absoluta e irremediável do sujeito poético. Cf. Angelo MONTEVERDI, Scomposizione del canto ‘A se stesso’, Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1967.

466 Na antologia da poesia italiana organizada por Carolina Michaëlis, constam três poemas de Leopardi (All’Italia , Scherzo e A se stesso). Cf. AA. VV., Fiori della poesia italiana antica e moderna raccolti da Carolina Michaëlis, Leipzig: Brockhaus, 1871, pp. 236-242. Segundo Mariagrazia Russo, essas escolhas são fruto de um «olhar novo» sobre a obra leopardiana. Cf. M. RUSSO, Um só dorido coração, op. op. cit., p. 137.

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queixas sobre l’infinita vanità del tutto – Anthero declarou-me com absoluta lealdade, depois

de scismar durante algum tempo, que conscientemente não imitara a ninguém, e que,

compondo os Sonetos, nunca tivera presente ao espírito outra cousa além do próprio

pensamento em que andava absorvido e quasi abysmado, e que, portanto, as reminiscencias

notadas eram perfeitamente fortuitas, filhas talvez de um estado psychico analogo ao

d’aquelles grandes mysticos. Comtudo, não negou a verdade evidente que essas e outras

leituras tivessem fecundado o seu pensar [...].467

A ideia de «fecundação indirecta» – que Carolina Michaëlis voltará a referir para

explicar o «germanismo» anteriano468 – é, de facto, uma noção fundamental também

para estabelecermos uma relação entre a poesia de Antero e a de Leopardi. Contudo, as

«amargas queixas», que, na opinião da erudita alemã, caracterizam muita lírica

leopardiana, estão totalmente ausentes no citado poema A se stesso, que é construído,

como vimos, de uma forma assumidamente simples e fria, pois representa um heroísmo

lúcido, resignado e portanto desprovido de qualquer sentimentalismo, sendo diferente

da atitude a que assistimos, por exemplo, em Bruto minore ou em La sera del dì di festa.

Diga-se de passagem que os sonetos do quinto «ciclo» veiculam a ideia de um

«não-ser» que corresponde, sim, ao «nada», mas a um nada libertador e afirmativo,

muito diferente da postura negativa que evidenciamos, por exemplo, no soneto Nihil,

escrito em Maio de 1863 e não incorporado nos Sonetos Completos. Esse poema

surpreende pela proximidade – neste caso mais do que em outros – com a «infinita

467 Cf. AA. VV., In Memoriam, op. cit., p. 391-392 [Itálicos no original]. Há aqui uma clara referência a uma carta do próprio Antero a Carolina Michaëlis (25 de Outubro de 1886), em que o poeta, acerca de algumas supostas «concordâncias» entre os sonetos Redenção (I e II) e Contemplação e o Hino do Sol de Francisco de Assis, declara: «Conheço, com efeito, o chamado Hino do Sol do maravilhoso poverello de Assis e igualmente li alguma coisa das Epístolas de São Paulo; mas, com tudo isso, a concordância que V. Ex.ª encontrou não pode ser senão fortuita, ou antes filha dum estado de sentimento análogo ao daqueles grandes místicos. Justamente aqueles dois sonetos («Redenção»), juntos com outro («Contemplação»), representam em forma de imagem e sentimentalmente uma das ideias fundamentais da compreensão das coisas, a que cheguei e em que fiquei, e que espero ainda desenvolver em prosa e com o rigor da exposição filosófica. Parece-me por isso pouco provável que, compondo-os, tivesse presente ao espírito outra coisa além do meu próprio pensamento, no qual andava por esse tempo não só absorvido mas quase abismado». C3, p. 49 [Itálico no original].

468 «É superfluo dizer que Anthero não imitou este ou aquelle vate, mas a occupação com o mundo da philosophia e theologia germânicas fecundou indirectamente a sua imaginação de poeta, dando-lhe também o tom methaphysico. Os Sonetos representam as flores que brotaram espontaneamente dos seus estudos». AA. Vv., In Memoriam, op. cit., p. 399.

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vanita del tutto» leopardiana, mas também pelo pendor pessimista que contrasta com a

ideia de transcendência positiva que é um ponto saliente do livro:

Homem! Homem! Mendigo do Infinito!

Abres a boca e estendes os teus braços

A ver se os astros caem dos espaços

A encher o vácuo imenso do finito!

Porque sobes à rocha de granito?

Porque é que dás no ar tantos abraços?

E cuidas amarrar com férreos laços

Um reflexo da sombra de um esp’rito?

Vê que o céu, por escárnio, a luz nos lança!

Que, à tua voz, a voz da imensidão

Responde com imensa gargalhada!

A idéia fechou a porta à esp’rança

Quando lhe foi pedir agasalho e pão....

Deixou-a cara a cara com o Nada!!...469

Neste soneto – aliás, escrito num período muito anterior ao conhecimento

directo da obra de Leopardi – patenteia-se plenamente aquela visão perante o «nada» e

o «infinito» que será ultrapassada poeticamente e de forma definitiva com a secção final

do Sonetos Completos e, sucessivamente, com a tentativa de elaboração de um

«sistema» filosófico propriamente dito. Por isso, pode-se supor que a exclusão do

poema Nihil do conjunto definitivo (e mesmo do primeiro «ciclo», onde talvez tivesse a

sua colocação natural), advém, a nosso ver, do materialismo absoluto que o caracteriza

(«A idéia fechou a porta à esp’rança») e que provavelmente contrastava, na óptica da

«unidade», com o percurso ascético que marca o livro dos Sonetos Completos e com a

ideia de pessimismo entendido como etapa momentânea de um caminho:

É bom, é até necessário passar pelo Pessimismo, mas não se deve ficar nele por

469 S, p. 214.

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muito tempo. O Pessimismo não é um ponto de chegada, mas um caminho.470

De entre os poemas da última secção datados univocamente de 1882, tirando o

citado Na mão de Deus (escrito em Maio desse ano), constam ainda Evolução (Março),

Lacrimæ rerum e Oceano Nox (Novembro), e os dois sonetos que constituem o conjunto

Redenção (Julho e Outubro), todos reunidos no Album de 1884. 471 Apesar de a redação

dos mesmos ser anterior a Outubro de 1883, podem-se todavia evidenciar algumas

interessantes relações entre esses sonetos e certos motivos da poesia de Leopardi.

Em Evolução (segundo poema do «V ciclo» e primeiro no Album de Vila do

Conde) encontramo-nos perante um percurso evolutivo («Fui rocha em tempo»; «fui, no

mundo antigo / Tronco ou ramo na incógnita floresta…»; «Onda, espumei, quebrando-

me na aresta / Do granito»; «Rugi, fera talvez»; «monstro primitivo, ergui a testa»472),

que irá acabar na condição de res cogitans («Hoje sou homem»473). Além de algumas

correspondências que não parecem significativas (como a referência à giesta e ao acto

de ‘erguer a testa’, ambos constitutivos do citado poema La ginestra), pode-se

estabelecer uma relação através do último terceto do soneto, onde notamos que também

a interrogação do «vácuo» se impõe numa perspectiva oposta à que observámos no

soneto Nihil:

Interrogo o infinito e às vezes choro...

Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro

E aspiro unicamente à liberdade.474

Além da interrogação do vácuo e do infinito – elemento central do imaginário

470 Carta a Fernando Leal (12 de Novembro de 1886). C3, p. 56.

471 Segundo Ana Maria Almeida Martins, os poemas Redenção (I e II), Lacrimæ rerum e Oceano nox fazem parte da «meia dúzia» de sonetos de que fala Antero em carta a João de Deus (Março de 1883): «Tenho feito uma meia dúzia de Sonetos de que te hei-de mandar uma amostra, e que talvez te agradem mais do que aqueles tenebrosos e atrozes, que, com razão, te desgostaram». C2, p. 369.

472 S, p. 140.

473 Idem.

474 Idem.

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leopardiano – o que aqui parece mais relevante é, todavia, a maneira de apelar-se à

«liberdade» (moral, espiritual, individual), que em Leopardi encontramos ainda em La

ginestra:

Libertà vai sognando, e servo a un tempo

Vuoi di novo il pensiero,

sol per cui risorgemmo

della barbarie in parte, e per cui solo

si cresce in civiltà, che sola in meglio

guida i pubblici fati.475

O soneto de Antero foca-se num percurso evolutivo feito na natureza e pela

natureza, onde é ultrapassada a condição de «fera» para se encarar o «vácuo» e aspirar à

«liberdade». A natureza é portanto o berço e o meio da evolução, e a «liberdade» é a

perfeição a alcançar através de uma aspiração. Muito diferente, e particularmente em

La ginestra, é o cenário da natureza leopardiana, onde a giesta, «meno inferma

dell’uom»,476 torna-se espelho da separação insanável entre natureza e razão, sendo a

consequência de um «secol superbo e sciocco» à procura de uma «liberdade» que se

revela frustrada e paradoxal. Aliás, o verso leopardiano («Libertà vai sognando») ecoa

o Catão dantesco («Libertà va cercando, ch’è si cara»477 ), e aponta para uma

«liberdade» em polémica com o século, com o espiritualismo e com qualquer ideia

antropocêntrica e positivista. No centro do quadro há ainda um desesperado apelo para a

comunhão dos homens contra a «empia natura» («E quell’orror che primo / contra

l’empia natura / Strinse i mortali in social catena»478), ao passo que a imagem da giesta

que se levanta depois da erução do «sterminator Vesevo» testemunha a ausência de

475 PP1, p. 126.

476 Ibid., p. 133.

477 D. ALIGHIERI, Commedia, op. cit., vol. II, p. 23.

478 PP1, p. 128. Acerca do pensamento de Leopardi sobre a natureza destruidora na lógica do ‘sistema’ leopardiano ver também Bruno BIRAL, La natura come circuito di produzione e distruzione. Il pensiero leopardiano sull’esistenza umana, in Leopardi e noi, La vertigine cosmica, a cura di A. Frattini, G. Galeazzi e S. Sconocchia, Roma: Edizioni Studium, 1990, pp. 256-276.

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Stimmung,479 a solidariedade entre todas as coisas, e impede o regresso aos Saturnia

Regna, época áurea em que o homem não se distinguia da natureza, por serem uma

unidade «em acto». 480

O soneto Redenção – que se coloca exactamente a meio do último «ciclo» – é

caracterizado pelos vocativos directos («Vozes do mar, das árvores, do vento!» e ainda

«Não choreis, ventos, árvores e mares»481), sendo construído sob forma de monólogo

dirigido aos elementos da natureza.482 Nesse caso, como nos anteriores, a relação com a

obra de Leopardi justifica-se através de endoxa que se desenvolvem, porém, em termos

de antítese, ou de oposição. O monólogo-diálogo com a natureza, além de caracterizar

profundamente as Operette morali, é ainda um instrumento fundamental da poesia

leopardiana, como notamos no citado poema La ginestra, e ainda mais no Inno ai

Patriarchi e em Bruto minore. Contudo, a interrogação que percorre esses poemas se

identifica com o grito sem resposta, enquanto nos citados sonetos de Antero as «vozes»

‘embalam’ e são ‘compreensíveis’:

E eu compreendo a vossa língua estranha,

Vozes do mar, da selva, da montanha…

Almas irmãs da minha, almas cativas!483

Temos aqui uma comunhão – embora numa comum ‘catividade’ – que em

Leopardi é irremediavelmente perdida. Na rigorosa lógica leopardiana, a distância entre

ser humano e natureza – que não existia na «pura etade» dos antigos – justifica a vida e

a morte «contro natura» e reafirma a completa ausência de comunhão entre as coisas.

Recordem-se estes versos de Bruto minore:

479 Acerca do conceito de Stimmung, ver Leo SPITZER, L’armonia del mondo. Storia semantica di un’idea, tradução italiana por Valentina Poggi, Bologna: Il Mulino, 1967, pp. 9-10.

480 Cf. Giorgio FICARA, Il punto di vista della natura. Saggio su Leopardi, Genova: Il Melangolo, 1996, pp. 11-12.

481 S, pp. 149 e 150.

482 O aspecto dialógico dos sonetos que constituem o conjunto Redenção é sublinhado também por Mariagrazia Russo. Cf. M. RUSSO, Um só dorido coração, op. cit., p. 145.

483 Ibid., p. 149.

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Non fra sciagure e colpe,

Ma libera ne’ boschi e pura etade

Natura a noi prescrisse,

Reina un tempo e Diva. Or poi ch’a terra

Sparse i regni beati empio costume,

E il viver macro ad altre leggi addisse;

Quando gli infausti giorni

Virile alma ricusa,

Riede natura, e il non suo dardo accusa?484

Já em Lacrimæ rerum, e, sobretudo, em Oceano Nox, ambos escritos em 1882,

os paralelos com a poesia leopardiana fazem-se mais abrangentes, sendo que o tom

vocativo de interrogação que caracteriza Bruto minore, mas também Alla luna, Le

ricordanze e Canto notturno di un pastore errante dell’Asia, encontramo-lo

particularmente nesses dois sonetos.

Em Lacrimæ rerum – dedicado a Tommaso Cannizzaro – afirma-se, desde o

título (que evoca o verso virgiliano «Sunt lacrimae rerum et mentem mortalia tangunt»)

a infelicidade de todos os seres, e particularmente do «homem porque vaga desolado».

A invocação à noite que abre esse soneto constitui, aliás, um dos maiores pontos de

contacto entre os Sonetos Completos e a lírica leopardiana:

Noite, irmã da Razão e irmã da Morte,

Quantas vezes tenho eu interrogado

Teu verbo, teu oráculo sagrado,

Confidente e intérprete da Sorte!

Aonde são teus sóis, como coorte

De almas inquietas, que conduz o Fado?

E o homem porque vaga desolado

E em vão busca a certeza que o conforte?485

484 PP1, p. 30.

485 S, p. 148.

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Esse eu que interroga a noite está rodeado por «dúvida e luto» e pelo silêncio da

noite «muda», tornando mais evidente a ausência de resposta («Muda, a noite, sinistra e

triunfal»). É impossível não pensarmos no incipit de Le ricordanze:

Vaghe stelle dell’Orsa, io non credea

Tornare ancor per uso a contemplarvi

Sul paterno giardino scintillanti,

E ragionar con voi dalle finestre

Di questo albergo ove abitai fanciullo,

E delle gioie mie vidi la fine.486

A valorização da repetição do acto contemplativo («Tornare ancor per uso a

contemplarvi»), central também em Lacrimæ rerum («Quantas vezes tenho eu

interrogado»), surge ainda em Alla luna487e em L’infinito ,488 mas é no citado Canto

notturno que se faz mais intenso o diálogo entre a interrogação anteriana e o «ragionar»

de Leopardi:

Dimmi, o luna: a che vale

Al pastor la sua vita,

La vostra vita a voi? Dimmi: ove tende

Questo vagar mio breve,

Il tuo corso immortale?489

Esse pendor contemplativo-interrogativo encontra-se ainda em Oceano Nox e irá

culminar, como veremos, em Contemplação, sendo esses sonetos de facto

complementares, e, juntamente com Voz interior, constituíam quase um ‘tríptico’ no

Album de Vila do Conde. Os três poemas, aliás, desenvolvem-se (embora com êxitos

486 PP1, p. 79.

487 «O graziosa luna, io mi rammento / Che, or volge l’anno, sovra questo colle / Io vénia pien d’angoscia a rimirarti». Ibid., p. 52.

488 «Sempre caro mi fu quest’ermo colle». Ibid., p. 49 [Itálico nosso].

489 Ibid., p. 84

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diferentes) da contemplação para a interrogação, das vozes da natureza para a «voz

interior»: do mar de Oceano Nox, pelo «murmúrio, feito de ais» (Contemplação), até à

«voz» desconhecida que «afirma o Bem» em Voz interior.

Aliás, em Oceano Nox apresenta-se um cenário dividido em três diferentes

momentos. Se nas duas quadras se concentra a medonha visão da «imensa extensão»

através da repetição («Junto do mar, que erguia gravemente / A trágica voz rouca», vv.

1-2; «Junto do mar sentei-me tristemente / Olhando o céu pesado e nevoento»), já no

primeiro terceto faz-se explícita a interrogação, logo frustrada e sem resposta na última

estrofe:

Que inquieto desejo vos tortura,

Seres elementares, força obscura?

Em volta de que idéia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde

O Inconsciente imortal, só me responde

Um bramido, um queixume, e nada mais...490

A tensão crescente das duas quadras alcança o seu clímax no terceto final, pois o

valor subordinativo do antepenúltimo verso («Mas na imensa extensão») em relação

com os anteriores, determina o êxito adverso da interrogação, aspecto que o aproxima à

estrutura do ‘anti-idílio’ leopardiano. Conforme a data do autor no Album de Vila do

Conde, Voz interior e Contemplação foram compostos em 1883, em Maio e Outubro

respeitivamente,491 e portanto no mesmo período em que se faz mais insistente o

interesse do poeta pela obra de Leopardi, como consta nas citadas cartas a Joaquim de

Araújo do mesmo período.

Em Voz interior encontramos um dos momentos mais trágicos e, ao mesmo

tempo, mais indirectamente leopardianos, sendo esse soneto – que, todavia, acaba com

acentos de esperança – o único do conjunto de Vila do Conde em que o eu alcança a

distância ‘máxima’ das coisas do universo:

490 S, p. 155.

491 Cf. J. B CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. II, p. 411.

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Com um bramir de mar tempestuoso

Que até aos céus arroja os seus cachões,

Através duma luz de exalações,

Rodeia-me o Universo monstruoso…492

O «sonho doloroso»493 em que as vozes da natureza se apagam na «voz interior»,

torna-se no «Sonho de olhos abertos» em Contemplação (Outubro de 1883), embora o

«mundo» em redor continue a ser representado como um turbilhão de sombras:

Sonho de olhos abertos, caminhando

Não entre as formas já e as aparências,

Mas vendo a face imóvel das essências,

Entre idéias e espíritos pairando...

Que é o mundo ante mim? fumo ondeando,

Visões sem ser, fragmentos de existências...

Uma névoa de enganos e impotências

Sobre vácuo insondável rastejando...

E d'entre a névoa e a sombra universais

Só me chega um murmúrio, feito de ais...

É a queixa, o profundíssimo gemido

Das coisas, que procuram cegamente

Na sua noite e dolorosamente

Outra luz, outro fim só presentido...494

Recorde-se agora a identidade leopardiana morte/vácuo/universo, conforme o

postulado que lemos no Cantico del gallo silvestre: «Ogni parte dell’universo si affretta

492 S, p. 151. Este poema foi enviado a Joaquim de Araújo em Junho 1883. Na citada carta que o acompanha, Antero realça o seu interesse para Leopardi. C2, pp. 381-382.

493 Idem.

494 S, p. 147.

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infaticabilmente alla morte, con sollecitudine e celerità mirabile».495 Não se trata aqui,

obviamente, de construir uma ligação directa entre esses textos, pois não temos

nenhuma certeza que Antero conhecesse algum texto retirado das Operette morali (e

particularmente esse496) na altura em que escreveu esses sonetos, e ainda menos parece

provável que haja qualquer correspondência voluntária. Pelo contrário, pretende-se

apenas propor uma leitura paralela focada na ideia de um universo em que apenas ecoa

«um trágico gemido»,497 e que se desenvolve, por um lado, com o fim do «arcano

mirabile e spaventoso dell’esistenza universale», e, por outro, com o ‘coração’ que «Em

segredo protesta e afirma o Bem!».498 E é essa diferença de êxitos o nó central de um

possível diálogo com Leopardi, o ponto onde sempre se regressa ao tentarmos essa

aproximação: embora a partir de uma comum hermenêutica ‘trágica’, há na poesia de

Antero, e especialmente no último «ciclo» dos Sonetos Completos, uma atitude

«expectante» ou até «esperançosa»499, e portanto uma faceta revelacional que na obra

leopardiana surge apenas como paradigma de ilusão.

Entre os sonetos compostos no período de Vila do Conde, é ainda importante

salientar que Luta, escrito em Abril de 1884 – e portanto poucos meses depois de ter

recebido o volume italiano das Poesie – é o que mais se aproxima dos motivos e do

pensamento leopardianos, além de ter uma estrutura parecida com a do ‘anti-idílio’, tal

como entendido pelo poeta italiano.

495 Trata-se do Cantico del gallo silvestre. PP2, p. 164.

496 No volume Opuscules et pensées que pertenceu a Antero, como vimos, consta uma selecção de textos retirados das Operette morali, que contudo não inclui o Cantico del gallo silvestre. Aliás, se bem que se trate de uma edição de 1880, não sabemos quando e como Antero adquiriu esse livro.

497 S, p. 151.

498 «E nel modo che di grandissimi regni ed imperi umani, e loro meravigliosi moti, che furono famosissimi in altre età, non resta oggi segno né fama alcuna; parimente del mondo intero, e delle infinite vicende e calamità delle cose create, non rimarrà pure un vestigio; ma un silenzio nudo, e una quiete altissima, empieranno lo spazio immenso. Così questo arcano mirabile e spaventoso dell’esistenza universale, innanzi di essere dichiarato né inteso, si dileguerà e perderassi». Trata-se do Cantico del gallo silvestre. PP2, pp. 164-165.

499 ROSA, Eduardo Ferraz da, «Uma hermenêutica trágica da experiência do mistério: finitude e esperança em Antero», in Actas do Congresso Anteriano Internacional, (14-18 de Outubro de 1991), Ponta Delga-da: Universidade dos Açores, 1993, pp. 662-676.

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Em Luta, a ruptura da cena idílica advém pela conjunção adversativa «mas»,500

que introduz a «alma contraditória» e o «contínuo inferno»,501 em claro contraste com o

sossego da paisagem. Note-se que a dimensão anti-idílica, já patente em Idílio

sonhado502 (como em Idílio503 e Sonho oriental504), alcança aqui plenamente o seu

estatuto:

Dorme a noite encostada nas colinas.

Como um sonho de paz e esquecimento

Desponta a lua. Adormeceu o vento,

Adormeceram vales e campinas...

Mas a mim, cheia de atracções divinas,

Dá-me a noite rebate ao pensamento.

Sinto em volta de mim, tropel nevoento,

Os Destinos e as Almas peregrinas!

Insondável problema!... Apavorado

Recúa o pensamento!... E já prostrado

E estúpido á força de fadiga,

Fito inconsciente as sombras visionárias,

Enquanto pelas praias solitárias

500 Lembremos que em L’infinito há a mesma ruptura a partir do quarto verso. «Ma sedendo e mirando». PP1, p. 49 [itálico nosso].

501 Recorde-se também que o poema Luta tem em epígrafe um verso de João de Deus («Fluxo e refluxo eterno…) retirado do poema Heresta: «Fluxo e refluxo eterno / De alma contradictória, / Que após continua gloria / Anda em continuo inferno». João de DEUS, Campo de Flores, organização por Teófilo Braga, Lisboa: Portugal-Brasil, s.d., Tomo I – Parte 1, p. 105.

502 PR, pp. 65-74. Observou João Mendes que as estrofes poema Idílio sonhado preanunciam o «esquema psicológico» do soneto Na mão de Deus. Cf. J. MENDES, Literatura portuguesa III , op. cit., pp. 245-246.

503 No soneto Idílio (segundo «ciclo») a contemplação apaga-se na «poesia das cousas»: «Quantas vezes, de súbito, emudeces! / Não sei que luz no teu olhar flutua; / Sinto tremer-te a mão e empalideces / O vento e o mar murmuram orações, / E a poesia das coisas se insinua / Lenta e amorosa em nossos corações». Ibid., p. 69.

504 S, p. 67.

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Ecoa, ó mar, a tua voz antiga.505

A primeira quadra leva-nos a estabelecer um paralelismo bastante imediato e

directo com os primeiros versos de La sera del dì di festa:

Dolce e chiara è la notte e senza vento,

E queta sovra i tetti e in mezzo agli orti

Posa la luna, e di lontan rivela

Serena ogni montagna. O donna mia

Già tace ogni sentiero, e pei balcvoni

Rara traluce la notturna lampa […] .506

A importância que o próprio Antero dava ao ritmo ou «movimento» em poesia,

já desde a mocidade coimbrã («Tome-se a poesia, isto é – na essência – ideia e

sentimento ou movimento»507), obriga-nos a considerar as escolhas rítmicas e estilísticas

como um aspecto capital da composição e como elemento fundamental atrás do

pensamento e das imagens expressos pela poesia. Recorde-se ainda a valorização do

«estilo», que Antero salientava particularmente num artigo de 1872 publicado

anonimamente no jornal O Primeiro de Janeiro, quando intervém na «Questão do

Fausto» afirmando que «traduzir um poema é, sobretudo, traduzir-lhe o estilo».508

Sabemos, aliás, por uma referência em carta a Joaquim de Araújo (10 de Agosto de

1888), que Antero considerava «admirável» o estilo de Leopardi:

Como poeta original [Tommaso Cannizzaro], não vai na corrente parnassiana, ou

ainda na neoclássica, as quais ambas predominam hoje na literatura italiana. É antes um

discípulo de Leopardi e Manzoni, cuja admirável harmonia de estilo reproduz.509

505 S, p. 152.

506 PP1, p. 50.

507 A. de QUENTAL, Sobre traduções (Depois de ler as Recreações poéticas do sr. F Castro Freire), in PEC, p. 102.

508 «Logo, traduzir um poema é, sobretudo, traduzir-lhe o estilo, isto é, fazer falar os conceitos do poeta com o tom que ele lhes deu na sua língua pátria». Cf. O Fausto do Snr. Visconde de Castilho, in A. de QUENTAL, Prosas, op. cit., vol. II, pp. 203.

509 C3, p. 173.

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Ora, já do ponto de vista da arquitectura métrico-rítmica, Luta e La sera del dì di

festa apresentam algumas significativas analogias. Em ambos os casos temos versos

com acentos tónicos fixos na décima sílaba – e portanto endecassilabi, na tradição

italiana, e decassílabos na portuguesa – apesar de serem inseridos em moldes diferentes:

por um lado, o soneto (no caso de Luta com esquema rimático ABBA ABBA CCE DDE) e,

por outro, a canção leopardiana em endecasillabi sciolti, isto é, desprovida de rimas

perfeitas. Os primeiros dois decassílabos da primeira quadra de Luta apresentam acentos

na III , na VI e na X sílaba («Dorme a noite encostada nas colinas»; «Como um sonho de

paz e esquecimento»), enquanto os restantes dois têm a sílaba tónica em IV, VIII e X

posição («Desponta a lua. Adormeceu o vento»; «Adormeceram vales e campinas»).

Por seu lado, Leopardi aproveita os diversos recursos do endecasillabo, sendo que os

primeiros quatro versos são construídos com acentos na III , na VI e na X sílaba («Dolce e

chiara è la notte e senza vento»), VI, VIII e na X («E queta sovra i tetti e in mezzo agli

orti»), IV, VIII e na X («Posa la luna, e di lontan rivela»), II, VI e na X («Serena ogni

montagna. O donna mia») . É de ver que nos dois poemas o primeiro e o terceiro verso

(próximos também do ponto de vista lexical e conceitual) mantêm o mesmo esquema

rítmico (III , VI, X e IV, VIII , X) e é nessa identidade musical interna que, a nosso ver, se

enraíza o diálogo entre os dois poemas, além das evidentes correspondências sintácticas

e temáticas.

Os dois incipit são essenciais para a construção de uma atmosfera que é idílica

apenas na aparência.510 Do ponto vista lexical, notamos ainda importantes

correspondências (noite/notte, colina/montagna, e, sobretudo, vento e lua), tal como do

ponto de vista sintáctico: o clímax é alcançado, em ambos os casos, no terceiro verso,

onde, além de um esquema métrico e de um contexto lexical de facto idênticos,

encontramos também a mesma cesura sintáctica, que funciona como momento de pausa

momentânea e de reflexão («Desponta a lua . Adormeceu o vento»; «Posa la luna, . e di

lontan rivela»). O fôlego ‘idílico’ das imagens do incipit é directamente proporcional à

‘ilusão’ do eu, e contribui para a radical viragem do poema. Em Leopardi, o «céu» é

falsamente «benigno», e é através da introdução desse aspecto («[…] questo ciel, che sì

510 Antonio Prete define os primiero versos de La sera del dì di festa como sendo um «adagio». Cf. Antonio PRETE, Finitudine e Infinito. Su Leopardi, Milano: Feltrinelli, 1998, p. 97.

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benigno / Appare in vista […]»511) que se quebra o equilíbrio da acção, que se torna em

situação: 512

[…]

E l’antica natura onnipossente,

Che mi fece all’affanno. A te la speme

Nego, mi disse, anche la speme; e d’altro

non brillin gli occhi tuoi se non di pianto.

[…]

Al pensier ti ricorro. Intanto io chieggo

Quanto a viver mi resti, e qui per terra

Mi getto, e grido, e fremo. Oh giorni orrendi

In così verde etate!513

É importante salientar que essa atitude monológica se encontra ainda no soneto

Comunhão, composto em Junho de 1884, embora nesse caso o monólogo adquira o

estatuto de ‘diálogo interior’ que já caracterizava Na mão de Deus e, sobretudo,

Solemnia Verba, poema, este último, que no quinto «ciclo» dos Sonetos Completos

antecede imediatamente Comunhão, e é marcado pelo mesmo pendor vocativo e

dialógico.

511 PP1, p. 50.

512 Cf. A. VALENTINI , Modernità dell’idillio leopardiano, op. cit., p. 62. Sobre as características sintáctico-gramaticais da poesia leopardiana ver também Franco FERRUCCI, «Lo specchio dell’Infinito», in Strumenti critici, IV , 1970, pp. 189-201; e Antonio GIRARDI, Lingua e pensiero nei Canti di Leopardi, Venezia: Marsilio, 2000, pp. 65-70.

513 Idem.

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5.2 «Que sempre o mal pior é ter nascido»

Se bem que os poemas de Vila do Conde sejam os únicos compostos num

período posterior à aquisição do volume Poesie ou à sua provável leitura, há contudo

outras significativas conexões entre a obra leopardiana e alguns poemas compostos por

Antero em períodos anteriores. Não esqueçamos que na biblioteca de Antero consta o

volume da recolha de prosas leopardianas Opuscules et pénseés, e, que, apesar de não

podermos definir com alguma certeza a data da leitura desse livro, não se pode excluir

categoricamente – como já se frisou várias vezes – que o poeta o adquirisse no mesmo

período da sua publicação (1880). Em todo o caso, mais do que em uma «fecundação

involuntária», falaremos agora em relação indirecta, diálogo possível, mesmo na

ausência de ecos formais.514 Notemos que na maioria dos casos analisados na secção

precedente, a evolução poética de Antero fixa-se numa visão transcendente que permite

a superação do «struggle for life»,515 enquanto a obra de Leopardi veicula a negação de

qualquer transcendência. Por detrás dos paralelismos sintácticos, temáticos e lexicais

que encontrámos entre os Canti e alguns sonetos do último «ciclo», surgem

prerrogativas divergentes e quase opostas, sendo que no «ciclo» final dos Sonetos

Completos, o «universo» – que em Leopardi, como se disse, se identifica com o mal

absoluto – apesar de ser «monstruoso» tem, contudo, «como lei suprema o bem»516.

Todavia, vale a pena analisar brevemente alguns sonetos dos «ciclos» anteriores, bem

como outros poemas não inseridos na colectânea, que estão em diálogo com algumas

facetas do ‘pessimismo’ leopardiano.

Um caso interessante para começarmos essa análise são as chamadas ‘poesias

lúgubres’ publicadas por Oliveira Martins em âpendice do seu prefácio aos Sonetos

Completos.517 Alguns desses textos testemunham um importante ponto de contacto entre

514 Nesse sentido é totalmente compartilhável a reflexão de Giuseppe Carlo Rossi: «Si può dire anzi che la mancata imitazione formale del Leopardi, da parte di Antero, conferma – e non vuole essere un paradosso – la conoscenza che egli ha del poeta di Recanati». G. C. ROSSI, Il Leopardi e il mondo di lingua portoghese, op. cit., p. 566.

515 C3, p. 98.

516 Idem.

517 Trata-se dos poemas Os cativos, Os vencidos, Entre sombras, Hino da manhã e A fada negra. Cf. S, pp. 189-204. Mesmo não havendo certezas acerca da data de composição, é razoável pensar que sejam do

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dois pessimismos que irão depois percorrer «caminhos» diferentes. Não admira que

Antero, na óptica do «optimismo transcendente» que percorre particularmente a última

secção dos Sonetos Completos, tenha excluído as ‘poesias lúgubres’, pois o conjunto

devia representar, na sua completude, um equilíbrio entre «evolução do sentimento» e

«evolução do pensamento», enquanto esses poemas representam ainda um «pessimismo

vácuo»518 ou um «epicurismo egoisticamente contemplativo».519 Contudo, o poeta não

impede a sua publicação no mesmo volume, tornando pertinente a observação de Joel

Serrão, que considera as ‘poesias lúgubres’ e os Sonetos Completos «um todo

indissociável».520

Em Os cativos, notamos o mesmo pendor vocativo e interrogativo já observado

em Oceano Nox, reforçado pela repetição insistente que realça a ausência de um

responso exaustivo («Porém o bando passa e mal responde»; «Porém o vento passa e só

responde […]»; «Porém os astros tristes só respondem […]»521). Se tomarmos os

versos centrais desse poema, observamos, aliás, outros elementos em diálogo com a

obra leopardiana:

E dizem os cativos: Na amplidão

Jamais se extingue a eterna claridade...

A ave tem o vôo e a liberdade...

O homem tem os muros da prisão!

período 1879-1880. Cf. J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. II, p. 28. Conforme observa Joel Serrão, esses poemas foram destruídos (se bem que Oliveira Martins tenha salvo alguns do esquecimento), juntamente com o poema O monge. Não havendo indicações cronológicas certas, mantém-se o ordenamento de Oliveira Martins. Cf. A. de QUENTAL, ‘Hino da manhã’ e outras poesias do mesmo ciclo, op. cit., pp. 63-64. Em carta a Joaquim de Araújo de 1888, o poeta declarava que O monge tinha sido destruído «haverá sete anos», portanto em 1881. Cf. C3, p. 190.

518 Lemos em carta a Wilhelm Storck (14 de Maio de 1887): «Da luta que então combati, durante 5 o 6 anos, com o meu próprio pensamento e o meu próprio sentimento que me arrastavam para o pessimismo vácuo e para o desespero, dão testemunho, além de muitas poesias, que depois destruí (subsistindo apenas as que Oliveira Martins publicou na sua introdução aos Sonetos) as composições que perfazem a secção 4ª (de 1874 a 80) do meu livrinho. […] Direi somente que esta evolução de sentimento correspondia a uma evolução de pensamento». C3, p. 97.

519 C3, p. 98.

520 A. de QUENTAL, ‘Hino da manhã’ e outras poesias do mesmo ciclo, op. cit., p. 65.

521 S, pp. 189-190.

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Aonde ides? qual é vossa jornada?

À luz? à aurora? à imensidade? aonde?

— Porém o bando passa e mal responde:

À noite, à escuridão, ao abismo, ao nada! — 522

O poema é construído inteiramente à volta de núcleos interrogativos dirigidos a

entidades mudas e impenetráveis (a «luz», a «aurora», a «imensidade», o «bando» de

aves), através da ‘ficção’ dos «cativos», até ao final ‘apocalíptico’ da última quadra:

Assim a noite passa. Rumorosos

sussurram os pinhais meditativos.

Encostados às grades, os cativos

Olham o céu e choram silenciosos.523

A interrogação dramática que caracteriza este poema dialoga indirectamente com

algumas composições de Leopardi, como Al Conte Carlo Pepoli, Alla luna e Bruto

minore. Contudo, è sobretudo no Canto notturno di un pastore errante dell’Asia que

encontramos as conexões mais interessantes com o poema anteriano. A desesperada

interrogação do pastor de Leopardi é uma sequência de interrogações metafísicas a

entidades extra-humanas (a lua, o rebanho), que representam uma «ideal

compreensão»524 de todas as coisas que não têm a dor da consciência, enquanto a

condição humana surge apenas como «desolato affanno». Como já observou Rolando

Damiani, 525 nesse poema concentram-se as linhas principais do pensamento leopardiano,

isto é, a reflexão pela qual só nas formas de existência desprovidas de «vita» (entendida

como «interioridade ciente») seria possível aquela felicidade que é negada à espécie

humana:

522 Ibid., p. 189.

523 Ibid., p. 190.

524 Cf. PP1, p. 968.

525 Idem.

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Che fai tu, luna, in ciel? dimmi, che fai,

Silenziosa luna?

Sorgi la sera, e vai,

Contemplando i deserti; indi ti posi.

Ancor non sei tu paga

Di riandare i sempiterni calli?

Ancor non prendi a schivo, ancor sei vaga

Di mirar queste valli?

Somiglia alla tua vita

La vita del pastore.

Sorge in sul primo albore

Move la greggia oltre pel campo, e vede

Greggi, fontane ed erbe;

Poi stanco si riposa in su la sera:

Altro mai non ispera.

Dimmi, o luna: a che vale

Al pastor la sua vita,

La vostra vita a voi? dimmi: ove tende

Questo vagar mio breve,

Il tuo corso immortale?526

Cumpre realçar que aqui, além de algumas correspondências temáticas (a ave, os

astros, etc.), o aspecto que parece mais importante, numa óptica de relação, é mesmo a

anulação da subjectividade através da introdução do elemento dramático (os cativos, o

pastor), sendo esse um aspecto que está na base da ‘contemplação’ característica dos

Canti.527 Essa característica é presente também em Os vencidos (poema que, como

escreveu Elena Losada Soler, participa do «fracasso sucessivo de todas as ilusões»528) e

ainda em A fada negra, se bem que o cariz ‘narrativo’ desses poemas se afaste

significativamente da atitude contemplativa da poesia leopardiana.

526 Ibid., p. 84

527 Cf. G. FICARA, Il punto di vista della natura, op. cit., p. 100.

528 Elena LOSADA SOLER, Antero e Leopardi: o naufrágio na dor, op. cit., p. 344.

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Já em Entre sombras (escrito muito provavelmente em 1879529), além da

presença de um «dolorido coração» que ecoa o «stanco mio cor» de A se stesso,

encontramo-nos perante o «pessimismo sistemático»530 que marca também os primeiros

«ciclos» dos Sonetos Completos, e que virá a ser absorvido pelo «optimismo

transcendente» do quarto e, sobretudo, do quinto «ciclo»:

Mas eu escuto-a immovel, somnolento

— A noite verte um desconsolo immenso —

Sinto nos membros como um chumbo denso,

E mudo e tenebroso o pensamento...531

Por sua vez, o Hino da manhã, 532 que, como se disse, foi escrito muito

provavelmente entre 1879 e 1880 (e portanto na mesma altura da redação de A Poesia

na Actualidade e da organização dos Sonetos publicados na Biblioteca da Renascença),

pode-se considerar, como escreve Eduardo Lourenço, «le plus désespéré» dos poemas

de Antero, por ser nesses versos que são «détruit une à une, avec une espèce de rage

triste, toutes le fleurs de l’illusion».533 É de ver que ao longo dos Sonetos Completos, o

valor metafórico da luz é complementar ao da noite, o que dá pleno fundamento à

sugestão de Eduardo Lourenço, quando defende que mesmo os poemas mais

‘luminosos’, como Mais luz!, são, sim, uma «apóstrofe a si mesmo como paladino da

529 Cf. A. de QUENTAL, ‘Hino da manhã’ e outras poesias do mesmo ciclo, op. cit., p. 74. Enviando esse poema a Oliveira Martins no Verão de 1880, escrevia Antero: «Aí vai a efígie à pena do seu lúgubre amigo». C2, p. 195.

530 Escreve Oliveira Martins acerca dos primeiros «ciclos» dos Sonetos Completos: «O seu pessimismo torna-se sistemático: é uma filosofia inteira, a que corresponde, como expressão sentimental, a ironia transcendente». S, p. 32.

531 Ibid., p. 195.

532 Em Um Génio que era um Santo, Eça de Queirós refere-se ao «[…] Hymno à Manhã [sic], um dos mais angustiosos lamentos que tem escapado a um forte e altivo coração d’homem». AA. VV., In Memoriam, op. cit., p. 505. Para as questões relativas ao título e à data de composição desse poema, ver A. de QUENTAL, ‘Hino da manhã’ e outras poesias do mesmo ciclo, op. cit., p. 76.

533 Eduardo LOURENÇO, Le destin – Antero de Quental, in ID., Poesia e Metafísica. Camões, Antero, Pessoa, Lisboa: Sá da Costa, 1983, pp. 119-146, p. 141.

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obra de luz, ou ao sol», se bem que isto «o não separa da morte»:534 nesse sentido,

parece demasiado radical a proposta sergiana de «dois Anteros»,535 o luminoso e o

nocturno, sendo que essas vertentes se compenetram e coexistem na obra poética

anteriana, cujo equilíbrio passa precisamente pela convivência desses opostos.

No primeiro e no segundo «ciclo» a luz surge, em alguns casos, como sinónimo

de ilusão, como notamos em A Santos Valente («É lei de Deus este aspirar imenso… / E

contudo a ilusão impôs à vida, / e manda buscar luz e dá-nos treva»536), em A João de

Deus («Em vez da luz achar a escuridade»537), em Amor vivo («Sim, vivo e quente! e já

a luz do dia / Não virá dissipá-lo nos meus braços»538), em Amaritudo (onde a

identidade aurora-juventude pode-se ler numa acepção leopardiana539), em Nox («Noite,

vão para ti meus pensamentos, / Quando olho e vejo, à luz cruel do dia, / Tanto estéril

lutar, tanta agonia»540), e, sobretudo, em Nirvana:

À bela luz da vida, ampla, infinita,

Só vê com tédio, em tudo quanto fita,

A ilusão e o vazio universais.541

Já em Lamento, 542 Ad Amicos, 543 Das Unnennbare, 544 e sobretudo em

534 Cf. Eduardo LOURENÇO, A hora de Vila do Conde, in ID., Antero ou A Noite Intacta, Lisboa, Gradiva, 2007, pp. 119-132, p. 130.

535 António SÉRGIO, Nota Preliminar, in Antero de QUENTAL, Sonetos, op. cit., pp. XVII -LXI .

536 S, p. 44.

537 Ibid., p. 50

538 Ibid., p. 63.

539 «Oh minh’alma, que creste na virtude! / O que será velhice e desalento, / Se isto se chama aurora e juventude?». Ibid., p. 72.

540 Ibid., p. 127.

541 Ibid., p. 133. O poema foi composto em 1872 e publicado com algumas variantes na Renascença de 1878. A este soneto refere-se Antero em carta de Bellevue a Lobo de Moura (17 de Julho de 1878). Cf. C2, p. 107.

542 «Um dilúvio de luz cai da montanha: / Eis o dia! eis o sol! o esposo amado! / Onde há por toda a terra um só cuidado / Que não dissipe a luz que o mundo banha?». Ibid., p. 42.

543 «Filhos do amor, nossa alma é como um hino / À luz, à liberdade, ao bem fecundo». Ibid., p. 57.

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Acordando, a luz é objecto privilegiado do canto, e, embora sendo apenas «sonho» ou

«quimera», é um elemento capaz de instilar «amor» e «alegria».545 Essa atitude positiva

perante a metáfora da luz, aliás, encontra-se principalmente em Odes modernas, sendo

que aqui a mensagem heróica e o alento entusiástico conferem à luz um explícito

paradigma de razão.546 Não por acaso, o verdadeiro grande hino anteriano à manha é, de

facto, Mais luz!, publicado na segunda edição de Odes modernas, excluído dos Sonetos

de 1881,547 e finalmente incorporado no terceiro «ciclo» dos Sonetos Completos:

Eu amarei a santa madrugada,

E o meio-dia, em vida refervendo,

E a tarde rumorosa e repousada.

Vive e trabalhe em plena luz: depois,

Seja-me dado ainda ver, morrendo,

O claro sol, amigo dos heróis!548

Se nalguns poemas reunidos nas Primaveras Românticas temos uma

interpenetração entre luz e treva, como notamos particularmente em Peppa (Eu passo a

544 «Mas que destino o meu! e que luz baça / A desta aurora, igual à do sol posto». Ibid., p. 85.

545 Canta a luz, a alvorada, a estrela santa, / Que ao mundo traz piedosa mais um dia… / Canta o enlevo das cousas, a alegria / Que as penetra de amor e as alevanta…». Ibid., p. 75.

546 Em Luz do sol, luz da razão, que é uma «Resposta à poesia de João de Deus, ‘Luz da fé’», encontramos um exemplo importante dessa identidade: «Tu, sol, que me alegras! / A mim e ao mundo. A mim… / Que eu não sou mais que o mundo, / Nem mais que o céu sem fim…»; e ainda «Sonhar é para a noite: / Mas para o dia, ver!». OM, pp. 85-86. Lembramos também estes versos de Tentanda Via (1864): «Heis de então ver, ao descerrar do escuro, / Bem como o cumrimento de um agouro, / Abrir-se, como grandes portas de ouro, / As imensas auroras do Futuro!». Ibid., p. 103. O valor afirmativo da ‘claridade’ que brota desse «descerrar do escuro» é retomado também por Almada Negreiros na conferência A Invenção do Dia Claro onde são citados esses versos de Tentanda Via. Cf. José de Almada NEGREIROS, A Invenção do Dia Claro, edição facsimilada, Lisboa: Assírio & Alvim, 2005, p. 38.

547 Este poema foi escrito em 1872 e publicado pela primeira vez em Odes modernas (1875). Sucessivamente foi publicado na revista O Cenáculo (1875) e depois incorporado nos Sonetos Completos. Em carta a Joaquim de Araújo (28 de Outubro de 1880), no período da redacção dos Sonetos (1881), escrevia Antero: «Quanto ao soneto ‘Mais luz!’ faz parte das Odes Modernas e não pode ir nesta colecção. Em lugar dele irá o que lhe envio, ‘No turbilhão’». C2, p. 221. O poema é dedicado a Guilherme de Azevedo, e em Odes modernas tinha na epígrafe algumas palavras atribuídas a Goethe moribundo: «Lasst mehr Licht hereinkommen! / Últimas palavras de Goethe». OM, pp. 105-106.

548 Ibid., p. 103.

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vida sonhando / Sonhos de luz e treva»549), ao contrário, o Hino da manhã apresenta-se,

como já se disse, como um ‘falso hino’, e é sem dúvida um poema que dialoga, através

da metáfora da luz, com a mudez absoluta e imutável do universo leopardiano.550 A luz

tem aqui o absoluto valor de eterno engano e símbolo de vaidade («Surges em vão, e em

vão por toda a parte»551), reflexo efémero da «universal traição» que rege as coisas

transitórias:

Antes tu nunca fosses, luz formosa!

Antes nunca existisses! e o Universo

Ficasse inerte e eternamente imerso

Do possivel na névoa duvidosa!

O que trazes ao mundo em cada aurora?

O sentimento só, só a consciência,

Duma eterna, incurável impotência,

Do insaciável desejo, que o devora!

De que são feitos os mais belos dias?

De combates, de queixas, de terrores!

De que são feitos? de ilusões, de dores,

De misérias, de mágoas, de agonias!

O sol, inexorável semeador,

Sem jamais se cançar, percorre o espaço,

E em borbotões lhe jorram do regaço

As sementes inúmeras da Dor! 552

Além do mais, na obra de Leopardi, poeta essencialmente ‘nocturno’, a luz tem

549 PR, p. 46.

550 Acerca de Hino da manhã escreve Mariagrazia Russo: «Delle 32 quartine di questa apostrofe, […] alcune parole chiave lasciano trasparire un’eco leopardiana […]». M. RUSSO, Um só dorido coração, op. cit., p. 138.

551 S, p. 200.

552 Ibid., pp. 197-198.

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um valor afirmativo em La vita solitária, enquanto em Ultimo canto di Saffo o

«mattutino albor» já participa do drama subjectivo que ali se desenrola. É todavia em

Alla Primavera o delle favole antiche – com efeito, o poema leopardiano em que mais o

mito (as «favole antiche») tem um relevo central e explícito – que encontramos uma

relação possível com a identidade luz-ilusão do poema de Antero:

Perchè i celesti danni

ristori il sole, e perchè l'aure inferme

Zefiro avvivi, onde fugata e sparta

Delle nubi la grave ombra s'avvalla;

Credano il petto inerme

Gli augelli al vento, e la diurna luce

Novo d'amor desio, nova speranza

Ne' penetrati boschi e fra le sciolte

Pruine induca alle commosse belve […]553

Neste poema concentram-se, como defende Damiani, «le ombre e i brividi della

derelizione moderna»,554 sintomas do absoluto desespero que caracteriza inteiramente o

universo poético, sendo o nascer do dia um «símbolo da Mentira universal» – como

escreve Antero –, o reflexo de uma esperança possível apenas para as «commosse

belve». Contudo, na poesia de Leopardi a analogia primavera-juventude traz um sentido

duplo, pois remete ao mesmo tempo para uma juventude do género humano e para uma

juventude do indivíduo, e portanto para a relação fundamental com as «favole antiche»,

os «patriarchi», o tempo primigénio.555 No entanto, em termos de valor metafórico, a

«diurna luce» remete para o momento do nascimento («dare al sole», lemos no Canto

notturno), entendido como primeira fonte de dor, elemento presente na obra leopardiana,

bem como na poesia de Antero. Leopardi engendra essa reflexão fundamental em

553 Ibid., p. 33

554 Ibid., p. 933.

555 Cf. Luisella Antinucci LORENZETTI,«Il ciclo diurno e stagionale nella poesia e nel pensiero di Leopardi», in Otto/Novecento – Rivista bimestrale di critica letteraria, A. IX , n. 5-6, Set.-Dez. 1985, pp. 81-98.

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diversas notas do Zibaldone, 556 e particularmente neste apontamento de 13 de Agosto

de 1822, que já contém in nuce a teorização filosófica do ‘pessimismo’:

Così tosto come il bambino è nato, convien che la madre che in quel punto lo mette

al mondo, lo consoli, accheti il suo pianto, e gli alleggerisca il peso di quell'esistenza che gli

dà. E l'uno de' principali uffizi de' buoni genitori nella fanciullezza e nella prima gioventù de'

loro figliuoli, si è quello di consolarli, perciocchè i dolori e i mali e le passioni riescono in

quell'età molto più gravi, che non a quelli che per lunga esperienza, o solamente per esser più

lungo tempo vissuti, sono assuefatti a patire. E in verità conviene che il buon padre e la

buona madre studiandosi di racconsolare i loro figliuoli, emendino alla meglio, ed

alleggeriscano il danno che loro hanno fatto col procrearli. Per Dio! perchè dunque nasce

l'uomo? e perchè genera? per poi racconsolar quelli che ha generati del medesimo essere stati

generati?557

Além do modelo sofocliano sugerido pelo próprio Leopardi num outro

apontamento do Zibaldone, 558 cumpre aqui evidenciar a importante conexão com a obra

de Lucrécio, não apenas pelas correspondências filológicas, mas particularmente pelo

pendor cósmico que acompanha a contemplação da fragilidade humana em relação à

vastidão do universo.559 Recorde-se que mesmo em De rerum natura, o nascimento

surge como metáfora do naufrágio560 em relação com a luz: «Tum porro puer, ut saevis

proiectus ab undis,/ navita, nudus humi iacet, infans , indigus omni / vitali auxilio cum

556 «Il nascere istesso dell’uomo cioè il cominciamento della sua vita, è un pericolo della vita, come apparisce al gran numero di coloro per cui la nascita è cagione di morte, non reggendo al travaglio e ai disagi che il bambino prova nel nascere. E nota ch’io credo che esaminando si troverà che fra le bestie un molto minor numero proporzionalmente perisce in questo pericolo, colpa probabilmente della natura umana guasta e indebolita dall’incivilimento». Z1, p. 106 [68-69].

557 Ibid., p. 1662 [2607].

558 Numa nota em francês do Zibaldone lê-se: «Le plus grand de malheurs est de naître, le plus grand dês bonheurs, de mourir. (Sophocl. Oedip. Colon. […])». Ibid., pp. 1696-1697 [2672].

559 Acerca da importância de Lucrécio na obra leopardiana, ver Sebastiano TIMPANARO, Il Leopardi e i filosofi antichi, in ID., Classicismo e illuminismo nell’Ottocento italiano, oganização por Corrado Pestelli, Firenze: Le Lettere, 2011, pp. 148-183 e Mario SACCENTI, Leopardi e Lucrezio, in Leopardi e il mondo antico. Atti del II Convegno internazionale di studi leopardiani, Firenze: Olschki, 1982, pp. 119-148.

560 Cf. Sergio SCONOCCHIA, Ancora su Leopardi e Lucrezio, in Leopardi e noi, La vertigine cosmica, a cura di A. Frattini, G. Galeazzi e S. Sconocchia, Roma: Edizioni Studium, 1990, pp. 87-148, p. 107.

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primum luminis oras / nixibus ex alvo matris natura profundit / vagituque locum lugubri

complet, ut aequumst / cui tantum in vita restet transire malorum».561 O paralelo com o

pensamento lucreciano – se bem que crítico, por vezes, como acontece na Storia

dell’Astronomia e no Saggio sopra gli errori popolari degli antichi562 – surge

implicitamente em vários momentos dos Canti, e particularmente em Ultimo canto di

Saffo («[…] Arcano è tutto, / Fuor che il nostro dolor. Negletta prole / Nascemmo al

pianto, e la ragione in grembo / De’ celesti si posa»563), em Canto notturno di un

pastore errante dell’Asia e, sobretudo, nos grandes poemas do período napolitano.

Recorde-se que La Ginestra, composto em Nápoles em 1836, apresenta-se –

como sugere Francesco Giusti – por um lado, como texto exemplar para a abordagem

do discurso lírico, e, ao mesmo tempo, insere-se na tradição da grande ode romântica,

por conter uma proposta «ética» mais ou menos explícita.564 Não se entende aqui por

‘ética’ um ideal de bem ou de justiça, mas sim a maneira de se relacionarem sujeito e

objecto através da voz monologante do eu. Nessa perspectiva, o elemento ‘luz’, em La

Ginestra, surge também como metáfora de ‘razão’ de ascendência iluminista, detectável

já na epígrafe evangélica do poema: «E gli uomini vollero piuttosto le tenebre che la

luce».565

A identidade luz-nascimento como ponto de origem da dor está particularmente

clara em Canto notturno di un pastore errante dell’Asia:

Nasce l'uomo a fatica,

Ed è rischio di morte il nascimento.

Prova pena e tormento

Per prima cosa; e in sul principio stesso

561 Tito LUCRÉCIO CARO, De Rerum Natura, Livro V, vv. 222-227 [ed. italiana La natura, organização e tradução por Francesco Giancotti, Milano, Garzanti, 2006, pp. 272-273].

562 Cf. S. SCONOCCHIA, Ancora su Leopardi e Lucrezio, op. cit., pp. 111-134.

563 PP1, p. 411.

564 Sobre a mensagem ‘ético-política’ de La Ginestra o il fiore del deserto, ver Francesco GIUSTI,«Per un’etica del discorso lirico: una lettura della Ginestra di Leopardi», in Between. Rivista dell’Associazione di Teoria e Storia Comparata della Letteratura, organização por S. Albertazzi, F. Bertoni, E. Piga, L. Raimondi, G. Tinelli, vol. V, n. 10, Novembro de 2015, pp. 2-23.

565 PP1, p. 124.

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La madre e il genitore

Il prende a consolar dell'esser nato.

Poi che crescendo viene,

L'uno e l'altro il sostiene, e via pur sempre

Con atti e con parole

Studiasi fargli core,

E consolarlo dell'umano stato:

Altro ufficio più grato

Non si fa da parenti alla lor prole.

Ma perchè dare al sole,

Perchè reggere in vita

Chi poi di quella consolar convenga?

Se la vita è sventura,

Perchè da noi si dura?566

[…]

Forse in qual forma, in quale

Stato che sia, dentro covile o cuna,

È funesto a chi nasce il dì natale.567

Este último verso (que irá culminar no «a me la vita è male»568 dos versos

seguintes) concentra em si a essência do pensamento de Leopardi, tal como engendrado

nas notas do Zibaldone,569 isto é, construído a partir da ideia do mal intrínseco no

universo («Tutto è male»), da indiferença ‘estrutural’ da natureza («Madre è di parto, e

di voler matrigna»570) e da consequente negação absoluta de qualquer «piacere»

humano. Lemos ainda no citado La Ginestra:

Magnanimo animale,

Non credo io già, ma stolto

566 Ibid., p. 85.

567 Ibid., p. 88.

568 Ibid., p. 87.

569 Cf. Z1, p. 124, pp. 3042-3043 [4485-4486].

570 PP1, p. 127

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Quel che, nato a perir, nutrito in pene,

Dice, a goder son fatto,

E di fetido orgoglio

Empie le carte […].571

La Ginestra é, aliás, um dos poemas em que se faz mais evidente a dramática

constatação da desproporção entre a aspiração individual e a irrelevância da espécie

humana – reflexão que não surge como sendo uma conquista intelectual alcançada pelo

poema, mas sim como facto intrínseco, como repetição de algo conhecido, já existente.

Além das evidentes correspondências temáticas e estruturais, parece-nos que é mesmo

nessa resignação absoluta (mais do que na «serenidade estóica»572 ) que se fazem

patentes as conexões com certos momentos da poesia de Antero. No soneto A Germano

Meireles, poema do primeiro «ciclo», o discurso lírico remete directamente para a

constatação do «mal» absoluto, instalado no momento do próprio nascimento:

Só males são reais, só dor existe:

Prazeres só os gera a fantasia;

Em nada, um imaginar, o bem consiste,

Anda o mal em cada hora e instante e dia.

Se buscamos o que é, o que devia

Por natureza ser não nos assiste;

Se fiamos num bem, que a mente cria,

Que outro remédio há aí senão ser triste?

Oh! Quem tanto pudera que passasse

A vida em sonhos só. E nada vira…

Mas, no que se não vê, labor perdido!

571 Idem.

572 No prefácio à edição portuguesa dos Canti, escreve João Bigotte Chorão: «O poeta-filósofo Antero de Quental remeter-nos-ia a Leopardi se o autor dos Sonetos não viajasse de preferência na companhia de pensadores germânicos e não estivesse longe daquela serenidade estóica do autor do Zibaldone […]». João Bigotte CHORÃO, Leopardi, clássico do romantismo, in LEOPARDI, Giacomo, Cantos, apresentação, selecção, tradução e notas por Albano Martins, Lisboa, Vega, s.d., p. 18.

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Quem fora tão ditoso que olvidasse...

Mas nem seu mal com ele então dormira,

Que sempre o mal pior é ter nascido!573

É difícil dizer até que ponto essas afinidades dependam apenas de uma sintonia

espiritual enraizada numa comum vocação filosófica, e não de um conhecimento,

mesmo que ainda fragmentário, por parte de Antero, da obra do poeta italiano. Contudo,

como já se frisou, não parece verosímil que no período em que compôs e publicou esse

soneto (Sonetos de Anthero, 1861) o poeta micaelense conhecesse sistematicamente o

pensamento e a poesia de Leopardi. O postulado «Que sempre o mal pior é ter

nascido»574 – que, como escreveu António Ramos Rosa, remete para a «violência de

uma separação permanente»,575 ecoa também nos versos de A M. C. («No céu, ó virgem!

Findarão meus males: / Hei-de lá renascer, eu que pareço / Aqui ter só nascido para

dores»576) e, já no segundo «ciclo», em A uma mulher («Para tristezas, para dor

nasceste»577) e em Mãe («Mãe – que adormente este viver dorido»578). É importante

observar também que em 1886 Antero traduziu uma sextilha de Petöfi intitulada O que é

a dor?, composição cujas linhas temáticas (naufrágio, mar, luz) dialogam

indirectamente com os grandes temas leopardianos e com os motivos centrais de alguns

poemas dos primeiros três «ciclos» dos Sonetos Completos.579 Essa referência adquire

573 Cf. S,, p. 55.

574 Escreve Oliveira Martins: «Os sonetos desta primeira série desenrolam-se no terreno da fantasmagoria transcendente. O traço mais seguro de todos e o mais significativo está neste verso: Que sempre o mal pior é ter nascido». Ibid., p. 30 [Itálico no original].

575«Eu sinto, na verdade, que o verso de Antero corresponde ao meu profundo ressentimento perante a existência para a qual não há remédio nem lenitivo possível. Se a condição humana é trágica é porque nada pode resgatar a violência de uma separação permanente que começou na expulsão do feto e se mantém, sempre irreparável, ao longo da vida, sob diversas formas». RAMOS ROSA, António, Sempre o mal pior é ter nascido, in COSTA, Paula Cristina, António Ramos Rosa, Um poeta in Fabula, Vila Nova de Famalicão, Edições Quasi, 2005, p. 603 [Texto 93].

576 S, p. 49.

577 Ibid., p. 88.

578 Ibid., p. 76.

579 «O que è a dor? Um mar. E a alegria? / Pérola oculta nesse mar fremente. / Quantas vezes a pérola encantada, / Entre as rochas profundas sepultada, / Se dissolve esquecida, lentamente, / E nunca chega a ver a luz do dia!». Estes versos foram escritos pelo próprio Antero no Album a seguir aos trez sonetos de Vila do Conde. Cf. J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. II, p. 133 (nota 2) e p. 186. Segundo

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ainda mais importância se pensarmos que nesse mesmo ano de 1886 escrevia a

Tommaso Cannizzaro: «[…] se o estudo cada vez mais absorvente da Filosofia me não

afastasse da poesia e até das letras, quereria também fazer-me Petöfiano».580

Recorde-se também o valor que a noite e a lua581 têm na obra de Antero, tal

como se mostra, por exemplo, em Nocturno, que é um canto ao «génio da noite» («E tu

entendes o meu mal sem nome, / A febre de Ideal, que me consome, / Tu só, Génio da

noite, e mais ninguém»582), em Das Unnennbare («Que nem a noite uma ilusão

consinta!»583) e ainda em Abnegação:

E quando surge a lua e o mar se acalma,

Sonhos sem fim seu preguiçoso rolo!584

Se tomarmos os versos de Ao luar, reparamos que a lua é tratada com palavras

afectuosas, considerada uma irmã, cujo curso no céu é associado ao percurso do sujeito,

tal como Leopardi havia feito com o seu pastor («Somiglia alla tua vita / La vita del

pastore»):

O céu, o céu é tão grande!

O peito é tão solitário!

Assim é que vamos ambos,

cada qual com seu fadário!585

afirma Carolina Michaëlis, este poema foi traduzido a partir da versão alemã de Hugo Meltzl. Cf. AA. VV., In Memoriam, op. cit., p. 400.

580 C3, p. 27. Já em carta a Flórido Teles (7 de Agosto de 1861) Antero defendia a irmandade «[…] nesta grande maçonaria da inteligência, da poesia e um pouco também da dor». C1, p. 53.

581 Sobre o motivo da lua na obra de Leopardi e Antero, ver também Andrea RAGUSA, Antero e Leopardi, poetas da lua, in Estudos Italianos em Portugal, II série, n. 6, pp. 187-202.

582 S, p. 70.

583 Ibid., p. 85 [Itálico nosso].

584 Ibid., p. 73.

585 Ibid., p. 225.

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Essa comunhão de destinos é também visível em Per amica silentia lunæ – que

tem mais uma epígrafe da Commedia («Guardai in alto...»). Aqui a lua, que surge

«detrás da montanha, saudosa / como a virgem dos sonhos»586, é silenciosa, mas

sobretudo amiga que se torna consolação para o sofrimento. A sua aparição é sossego e

o olhar para o céu contém uma interrogação parecida com a do sujeito leopardiano:

Passa a lua; do alto olhando a terra

Procura o triste por lhe dar alívio;

Perpassa a viração e busca do ermo

A florinha minada que refresque;

Corre manso o regato, e banha a erva

Que um pé calçou, e o sol deixou crestada;

Tremula a estrela, símbolo de esperanças,

Enviam-se harmonias as esferas;

Tudo amor, tudo afectos comunica;

E o espírito do homem busca livre

Da sob’rana harmonia e eterna fórmula,

Do eterno amor o foco, a pátria sua.587

Pelo contrário, o eu leopardiano observa o céu para encontrar uma não-relação,

uma diferença que impede de imaginar uma lógica, como lemos em Dialogo della Terra

e della Luna: «Se ti pare di favellarmi, favellami a tuo piacere; che quantunque amica

del silenzio, come credo e tu sappi, io t’ascolterò e ti risponderò volentieri, per farti

servigio».588 No poema Alla luna, a lua surge como grande figura poética que concentra

em si própria a incoerência da natureza, como pedra de toque de todas as ilusões

(juventude, recordação, esperança) e destinatária privilegiada das perguntas irresolúveis:

O graziosa luna, io mi rammento

Che, or volge l'anno, sovra questo colle

Io venia pien d'angoscia a rimirarti:

586 REL, p. 91.

587 Idem.

588 PP2, p. 46.

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E tu pendevi allor su quella selva

Siccome or fai, che tutta la rischiari.

Ma nebuloso e tremulo dal pianto

Che mi sorgea sul ciglio, alle mie luci

Il tuo volto apparia, che travagliosa

Era mia vita: ed è, nè cangia stile,

O mia diletta luna. E pur mi giova

La ricordanza, e il noverar l'etate

Del mio dolore. Oh come grato occorre

Nel tempo giovanil, quando ancor lungo

La speme e breve ha la memoria il corso,

Il rimembrar delle passate cose,

Ancor che triste, e che l'affanno duri!589

Tal como acontecia no Canto notturno, também em Alla luna estabelece-se uma

relação directa entre desaparecimento da lua e esmorecer da vida humana, analogia que

será repetida em Il tramonto della luna:

Tal si dilegua, e tale

Lascia l’età mortale

La giovinezza. In fuga

Van l’ombre e le sembianze

Dei dilettosi inganni; e vengon meno

Le lontane speranze,

Ove s’appoggia la mortal natura.

Abbandonata, oscura

Resta la vita590

É impossível, mesmo pela semelhança textual, não pensarmos num poema

juvenil de Antero, onde, mais que em outros casos, se faz mais evidente a convergência

com as composições leopardianas que acabámos de citar:

589 PP1, p. 52. Lê-se em La vita solitaria: «A me sempre benigno il tuo cospetto / sarà per queste piagge, ove non altro / che lieti colli e spaziosi campi / m’aprì la vista». PP1, p. 58.

590 Ibid., pp. 121-122.

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Que te diz a natureza,

A despedir-se saudosa

Já do dia?

Quando a noite é mais formosa

E o luar tem mais beleza?591

Entre os poemas do segundo «ciclo» dos Sonetos Completos merece uma

atenção especial o soneto Despondency, já considerado em óptica leopardiana por Aura

Montenegro e, posteriormente, por Antonio Tabucchi e Mariagrazia Russo – através do

paralelismo com Il passero solitario. Este poema, cuja data de composição é

controversa,592 foi incorporado nos Canti de 1835 na décima primeira posição, não

respeitando, naturalmente, qualquer critério cronológico, mas sim respondendo a uma

ideia ‘programática’. Segundo julga Ermes Dorigo numa interessante análise, Il passero

solitario dialoga com Ultimo Canto di Saffo (IX) e com La Ginestra o il fiore del deserto

(XXXIV ), sendo parte de uma progressiva «metamorfizzazione»: do humano (Saffo),

para o animal (Passero), para o vegetal (La Ginestra).593 Na óptica ‘programática’ pode-

se traçar, aliás, um outro ‘tríptico’ interno, entre Il Passero solitário, Il tramonto della

luna e La Ginestra, composições redigidas com muita probabilidade no mesmo período,

sendo três grandes exemplos das facetas líricas de Leopardi: a poesia sentimental

591 Cf. REL, p. 75.

592 Segundo julga Rolando Damiani este poema foi escrito, ou pelo menos terminado, entre 1831 e 1835, sendo que aparece pela primeira vez na edição napolitana dos Canti de 1835. Cf. PP1, p. 943. Pelo contrário, Maria Corti defende que o poema foi composto inteiramente nos anos 1819-1820. Cf. Maria CORTI, Passero solitário in Arcadia, in ID., Nuovi metodi e fantasmi, Milano: Feltrinelli, 2001, pp. 193-208. Acerca da data de composição desse canto ver também Domenico DE ROBERTIS, Una contraffazione d’autore. Il ‘Passero’ di Leopardi, Firenze: Licosa, 1976. A hipótese que parece mais provável é que Leopardi tenha esboçado esse poema por volta de 1820 e que depois o tenha completado no período napolitano.

593 «[…] Il passero è Saffo metamorfizzata dopo il metaforico suicidio e prelude all’ultima metamorfosi, La ginestra: dall’umano all’animale al vegetale, accolto nel grembo della perenne Natura madre/matrigna: una discesa progressiva dei gradi dell’essere, riduzione e dissoluzione dell’io storico, perituro, a favore dell’io poetico […]». Ermes DORIGO, «La polimorfia della luna nei Canti di Giacomo Leopardi», in Rivista di Studi Italiani, Ano XXXI , n. 1, Junho de 2013, pp. 102-209, p. 184. Ermes Dorigo defende, aliás, que a posição de Il passero solitário (XI) na economia dos Canti remete para o grande ‘ciclo’ da literatura italiana, a Commedia dantesca, sobretudo para o décimo primeiro canto de cada uma das três cánticas, e particularmente para o XI do Paradiso: o ‘passero’ seria assim um «laico San Francesco». Idem.

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(Passero), a ‘ético-política’ (La Ginestra) e a lírica ‘imaginativa’ (Il tramonto della

luna).594

O motivo da ave, aliás, já presente – como observou Maria Corti – no Salmo CI,

bem como em Virgílio, Petrarca, Pulci e Sannazzaro,595 funciona em Il passero solitario

como pedra de toque, como elemento quase (auto)irónico que se contrapõe fatalmente à

inaturalidade do ser humano,596 que a própria paisagem ‘idílica’ contribui para valorizar.

O poema abre-se com um cenário favorável à contemplação, aspecto característico de

vários poemas, como se viu, entre os quais o principal é L’infinito (XII ), enquanto aqui o

«ermo colle» é substituído pela «vetta della torre antica». O voo da ave é o meio

imaginativo para construir o cenário idílico dos primeiros versos, que se acaba no tom

melancólico que fecha a primeira estância:

D’in su la vetta della torre antica ,

passero solitario , alla campagna

cantando vai finché non more il giorno;

Ed erra l’armonia per questa valle.

Primavera dintorno

Brilla nell'aria, e per li campi esulta,

Sì ch'a mirarla intenerisce il core.

Odi greggi belar, muggire armenti;

Gli altri augelli contenti, a gara insieme

Per lo libero ciel fan mille giri,

Pur festeggiando il lor tempo migliore:

Tu pensoso in disparte il tutto miri;

Non compagni, non voli,

Non ti cal d'allegria, schivi gli spassi;

Canti, e così trapassi

594 Ibid., p. 171.

595 Cf. Maria CORTI, Passero solitário in Arcadia, op. cit., p. 198.

596 Lemos na última estrofe de Il passero solitario: «A me, se di vecchiezza / La detestata soglia / Evitar non impetro, / Quando muti questi occhi all'altrui core, / E lor fia voto il mondo, e il dì futuro / Del dì presente più noioso e tetro, / Che parrà di tal voglia? / Che di quest'anni miei? che di me stesso? / Ahi pentirommi, e spesso, / Ma sconsolato, volgerommi indietro». PP1, p. 48.

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Dell'anno e di tua vita il più bel fiore. 597

O poema é percorrido por uma alegria ‘primaveril’ acompanhada por uma

melancolia constante. O destino do «solingo augellin», embora metaforicamente

paralelo ao do sujeito («Oimè, quanto somiglia / Al tuo costume il mio!»598), é contudo

marcado pela inocência e pela ‘incosciência’: a sua solidão e a sua ‘exclusão’ obedecem

unicamente à natureza, sem dependerem de um estado de consciência («Certo del tuo

costume / Non ti dorrai; che di natura è frutto / ogni vostra vaghezza»599). Il passero

solitario participa portanto do ‘drama’ central da lírica e do pensamento leopardianos,

como já o observámos em La Ginestra e em Canto notturno e como virá a ser também

no Elogio degli uccelli, onde as aves representam, mesmo dentro do reino animal, as

criaturas com a maior capacidade «imaginativa» sem que isso determine a tragédia da

consciência.600

Aura Montenegro, no seu estudo sobre as fontes anterianas, propõe a análise

comparativa do soneto Despondency (mas também de alguns versos da ode A História)

a partir de um poema de Giordano Bruno («Mio passar solitario, a quelle parti»),

sugerindo também o «flagrante paralelo» com o Passero leopardiano.601 Por sua vez,

Antonio Tabucchi refere-se justamente a Despondency como poema-paradigma do

597 Ibid., p. 47.

598 Idem.

599 Ibid., p. 48.

600 «[…] s'inferisce che [gli uccelli] debbono avere una grandissima forza e vivacità, e un grandissimo uso d'immaginativa. Non di quella immaginativa profonda, fervida e tempestosa, come ebbero Dante, il Tasso; la quale è funestissima dote, e principio di sollecitudini e angosce gravissime e perpetue; ma di quella ricca, varia, leggera, instabile e fanciullesca; la quale si è larghissima fonte di pensieri ameni e lieti, di errori dolci, di vari diletti e conforti; e il maggiore e più fruttuoso dono di cui la natura sia cortese ad anime vive. Di modo che gli uccelli hanno di questa facoltà, in copia grande, il buono, e l'utile alla giocondità dell'animo, senza però partecipare del nocivo e penoso. E siccome abbondano della vita estrinseca, parimente sono ricchi della interiore: ma in guisa, che tale abbondanza risulta in loro benefizio e diletto, come nei fanciulli; non in danno e miseria insigne, come per lo più negli uomini. Perocché nel modo che l'uccello quanto alla vispezza e alla mobilità di fuori, ha col fanciullo una manifesta similitudine; così nelle qualità dell'animo dentro, ragionevolmente è da credere che lo somigli». Elogio degli uccelli, in PP2, p. 159.

601 Cf. A. MONTENEGRO, «Antero de Quental, Subsídios para a revisão das suas fontes», op. cit., p. 162.

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«período pessimista» de Antero e das suas conexões com a poesia de Leopardi602,

sugestões propostas posteriormente por Mariagrazia Russo ao longo da sua análise

sobre as implicações leopardianas na obra de Antero.603 Ora, observando Despondency

– composto em 1864 e publicado em Primaveras Românticas em 1872604 – notamos que

este soneto é construído à volta da repetição do sintagma «Deixá-la ir», no início de

cada estrofe, caracterísitica que imprime ao poema o peculiar ritmo de «desalentado

sentimento pessimista»:605

Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram

Ninho e filhos e tudo, sem piedade...

Que a leve o ar sem fim da soledade

Onde as asas partidas a levaram...

Deixá-la ir, a vela, que arrojaram

Os tufões pelo mar, na escuridade,

Quando a noite surgiu da imensidade,

Quando os ventos do Sul se levantaram...

Deixá-la ir, a alma lastimosa,

Que perdeu fé e paz e confiança,

À morte queda, à morte silenciosa...

Deixá-la ir, a nota desprendida

602 «Per Antero de Quental, invece, l’influenza di Leopardi è stata rintracciata nei sonetti del cosiddetto periodo ‘pessimista’, e in particolare in Despondency […]». A. TABUCCHI, Pessoa, i simbolisti e Leopardi, op. cit., p. 80.

603 Cf. M. RUSSO, Um só dorido coração, op. cit., pp. 140-141.

604 Cf. J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol.I, pp. 224-225. Brunello De Cusatis observa que particularmente em Primaveras Românticas assiste-se a «[…] un intersecarsi di varie esperienze poetiche, maturate sulle letture dei grandi poeti dell’Ottocento – Lamartine, Heine, Nerval, Espronceda, Leopardi, Poe, Baudelaire e, non ultime, su quelle di alcuni poeti nazionali […]». Antero de QUENTAL, Sonetti, organização, tradução e notas por Brunello De Cusatis, Palermo, Novecento, 1991, p. 27.

605 António Sérgio afirma que em Despondency patenteia-se «[…] uma musicalidade propriamente expressiva, de evocação concreta, na qual os sons e o ritmo da frase sugerem uma atitude particular emotiva, um caso concreto e individual: e é esta a musicalidade que caracteriza Antero». A. de QUENTAL, Sonetos, op. cit., p. 98 [Itálicos no original]. Na mesma «nota», Sérgio justifica o título inglês deste soneto defendendo que a palavra ‘desalento’ não sugeriria a atitude de abandono que marca o poema.

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D'um canto extremo... e a última esperança...

E a vida... e o amor... Deixá-la ir, a vida!606

Contudo, além da evidente correspondência no que diz respeito ao motivo da ave,

parece-nos que o tom desalentado deste soneto se afasta radicalmente do fundo

melancólico do poema leopardiano. Se em Despondency ‘deixam-se ir’, por um passivo

abandono, «fé e paz e confiança» (como num «pesadelo rimado»607), em Il passero

solitario as próprias ilusões (a juventude, a primavera, o próprio canto das aves608)

constituem a matéria e o motor do poema que à volta delas se desenvolve. Além disso,

parece-nos que a identificação dialéctica com o «solingo augellin» – elemento

fundamental em Il passero solitario – não tem correspondências no soneto de Antero,

onde, pelo contrário, emergem a identidade na renúncia e a tendência ao abandono.

Finalmente, no que diz respeito à citada ode À História (a que se refere Aura

Montenegro), julgamos que a «águia» contém nesse poema um valor simbólico que

remete mais para o ideal político do Justiniano dantesco609 do que para Il passero

solitario:

Não se fez para dor, para desterros,

Esta ânsia que nos ergue os corações!

Hão-de ter fim um dia tantos erros!

E do ninho das velhas ilusões

Ver-se-á, com pasmo, erguer-se à imensidade

A águia esplêndida e augusta da Verdade!610

Encontramos ainda uma «ave d’oiro mitológica» em Saudades pagãs – longo

606 S., p. 84.

607 C2, p. 424.

608 Lê-se ainda em Alla primavera o delle favole antiche: «Musico augel che tra chiomato bosco / Or vieni il rinascente anno cantando […]». PP1, p. 35.

609 «Poscia che Costantin l’aquila volse / contr’al corso del ciel, ch’ella seguio / dietro a l’antico che Lavina tolse, / cento e cent’ anni e più l’uccel di Dio / ne lo stremo d’Europa si ritenne, / vicino a’ monti de’ quai prima uscìo». D. ALIGHIERI, Commedia, op. cit., vol. III , pp. 159-160.

610 OM, p. 47.

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poema escrito no mesmo ano de Despondency e, como este, incorporado nas

Primaveras Românticas611 – se bem que nesse caso seja a faceta «mitológica», mais do

que a simples referência à ave, o ponto de contacto mais interessante com a obra

leopardiana. Uma breve análise da correspondência, pelo menos temática, entre o

poema anteriano e Alla primavera o delle favole antiche (que, com Inno ai patriarchi,

constitui, dentro do conjunto dos Canti, um ‘díptico’ dedicado à perdida ‘primavera’ do

mundo), evidencia alguns elementos paralelos, e em particular pela interrogação acerca

da primigénia comunhão com a natureza:

Forse alle stanche e nel dolor sepolte

Umane menti riede

La bella età, cui la sciagura e l'atra

Face del ver consunse

Innanzi tempo? Ottenebrati e spenti

Di febo i raggi al misero non sono

In sempiterno? ed anco,

Primavera odorata, inspiri e tenti

Questo gelido cor, questo ch'amara

Nel fior degli anni suoi vecchiezza impara?612

E em Saudades pagãs:

Alma virgem do mundo! Vestal santa!

Que sopro te apagou o lume puro

Em tuas aras d’oiro? Claro espírito!

Consciência universal! que sonho estranho

Te enloqueceu de dor ? Entre as florestas,

Quando o vento do inverno bate os ramos,

Há, pelo horror da noite, um choro escuro,

E uma voz dolorosa ao longe ulula...

611 Publicada pela primeira vez em O Século XIX (1º de Junho de 1864) com o título O Desterro dos Deuses, e sucessivamente em O Instituto (1866), e em Primaveras românticas com o título Saudades pagãs e numerosas variantes. Cf. J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol.I, p. 225 (nota 27).

612 PP1, p. 33.

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É Diana, a formosa, a casta, a ingénua,

Ferida, e os pés em sangue pelas urzes,

Que vaga douda e corre pelas selvas

Chamando em vão os deuses foragidos!613

Além das inúmeras referências à mitologia, os dois poemas têm em comum

sobretudo a evocação melancólica e saudosa de uma mítica «infância do Universo»,614

quando todas as coisas estavam em mútuo e harmónico acordo, e o ser humano vivia na

natureza como parte orgânica dela. Contudo, para além da implícita referência aos

Saturnia Regna (tema bem presente em muita literatura produzida entre os séculos XVIII

e XIX615), no poema de Leopardi ganha uma posição muito relevante a impossibilidade

absoluta de reconstruir essa antiga e olímpica harmonia («Ahi ahi, poscia che vote, /

Son le stanze d’Olimpo»616), negando-se qualquer ‘futuro’, enquanto no poema de

Antero existe ainda a possibilidade de um porvir ‘profético’:

Sim, um dia, do meio das florestas,

Há de se erguer a grande voz profética!

Há de soar! e o vento dos desertos,

Das livres solidões filho indomável,

Há de abater o cárcere sombrio!

Eles hão de surgir! Compondo o manto

Da realeza antiga, havemos de vê-los

Na majestade olímpica dos fortes

Descendo os grandes montes! Turba heroica!

E, vestidos de luz, a terra inteira,

Vendo o drama divino, há de saúda-los

Em alta aclamação – teatro imenso

Co’a grande voz dos deuses ecoando!617

613 PR, p. 156.

614 «Puros sonhos da infância do Universo! / Ah! não mais voltareis […]». Ibid., p. 162.

615 Damiani defende que algumas importantes correspondências com as ideias e os motivos expressados por Leopardi em Alla primavera se encontram em Die Götter Griechenlands de Schiller. PP1, p. 933n.

616 Ibid., p. 35.

617 PR, p. 167.

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Regressando aos Sonetos Completos, é interessante observamos ainda através da

‘lente’ leopardiana os sonetos Mors-Amor e Mors liberatrix, inseridos no IV «ciclo» e

escritos o primeiro durante a estadia em Bellevue, em 1877, e o segundo em 1879. Os

dois poemas dialogam directamente um com o outro, não apenas pela correspondência

temática do cavaleiro,618 aliás muito recorrente na poesia anteriana, mas sobretudo no

que diz respeito à identidade morte-consolação-libertação. É esse, aliás, o aspecto que

mais interessa também numa possível relação com a poesia de Leopardi, e

particularmente com o poema Amore e Morte. Em Mors-amor, está em aberto uma

conjunção de forças da mesma intensidade, representadas por uma ‘fera estranha’ e por

um ‘cavaleiro potente’, dignos de igual devoção:

Um cavaleiro de expressão potente,

Formidável, mas plácido, no porte,

Vestido de armadura reluzente,

Cavalga a fera estranha sem temor:

E o corcel negro diz: ‘Eu sou a morte!’

Responde o cavaleiro: ‘Eu sou o Amor!’619

Elena Losada Soler observa que Antero tentou povoar o seu deserto em primeiro

lugar com o amor – criando a imagem de uma mulher que é fonte de descanso,

associada à figura da mulher-mãe – e depois com a exaltação da morte como porta do

infinito. 620 Todavia, julgamos que o tema da morte – tal como a reflexão poética que o

envolve – surja nos Sonetos Completos numa perspectiva ‘evolutiva’ mais geral, reflexo

618 Contudo, o ‘sexo’ da morte varia ao longo dos Sonetos Completos e, mais em geral no conjunto da poesia de Antero. Sobre este aspecto ele próprio observava, em carta a Carolina Michaëlis: «Quanto à observação que V. Exª faz a respeito de ser a Morte do género feminino nas línguas neolatinas, acho-a muito curiosa, mas confesso que nunca me tinha ocorrido. É um caso interessante da influência da linguagem sobre a imaginação, pois é certo que muito naturalmente, e indipendentemente da tradição das artes plásticas e da poesia, concebo imaginativamente a Morte em figura de mulher». Carta a Carolina Michaëlis (25 de Outubro de 1886). C3, p. 49.

619 S, p. 118.

620 E. L. SOLER, Antero e Leopardi: o naufrágio na dor, op. cit., pp. 343-349.

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da transição para o «optimismo aparente».621 Ou melhor, na óptica de uma ordenação

dramática do livro, Mors-Amor e Mors Liberatrix são ‘antenatos’ dos seis sonetos do

Elogio da Morte, não por acaso colocados no derradeiro «ciclo», quando o «silêncio

sem par do Inalterável» irá juntar «o eterno amor no eterno luto».622 Contudo não se

pode negar que essa identidade recorrente seja também uma consequência da hesitação

entre transcendência e imanência, luta que está na base da reflexão anteriana – tal como

expressa em várias cartas trocadas com Oliveira Martins 623 – e que percorre

constantemente também os Sonetos Completos. Mors-Amor re-apresenta um contraste já

antecipado (na dinâmica do «ciclo»), por Mors Liberatrix e preanuncia o Elogio da

morte do «ciclo», onde o amor é, de facto, anulado pela morte: esse aspecto, segundo

afirma João Mendes, prova justamente que essa antinomia não alcança, no fim de contas,

nenhuma solução convincente ou definitiva.624

Se observarmos agora o leopardiano Amore e Morte, notamos que a irmandade

se enraíza numa ideia de amor625 destinado a ficar apenas como desejo, que se aproxima

do «piacer físico» ou «languidissimo» da morte626 no meio da tempestade do desejo

amoroso, a morte surge como elemento libertador e piedoso. Embora não podendo aqui

transcrever inteiramente os cento e vinte e quatro versos do poema de Leopardi, vale a

pena lembrar ao menos a segunda estrofe, onde se faz mais evidente a fundamentação

621 J. MENDES, Literatura portuguesa III , op. cit., p. 235.

622 S, p. 146.

623 Lê-se em carta de 26 de Maio de 1874: «Isto de Idade Média, Antiguidade e Renascença, e em geral, a evolução histórica da Transcendência para a Imanência, já vai sendo para mim uma espécie de ideia fixa […]». C1, p. 362.

624 Cf. J. MENDES, Literatura portuguesa III , op. cit., p. 235. Oliveira Martins realça a faceta ‘biográfica’ da relacção anteriana morte-amor. Cf. AA. VV., In Memoriam, op. cit., p. 64.

625 Il pensiero dominante é o poema que mais revela a ‘teoria amorosa’ leopardiana: «Dolcissimo, possente / Dominator di mia profonda; / Terribile, ma caro / Dono del ciel; consorte / Ai lugubri miei giorni, / Pensier che innanzi a me sì spesso torni». PP1, p. 93.

626 Lemos ainda no Zibaldone (16 de Julho de 1822): «Così non si dee creder nemmeno che quel piacer fisico ch’io affermo esser nella morte, sia un piacer vivo ma languidissimo. E il piacere, a differenza del dolore, opera languidamente sui sensi, anzi osservate che il piacer fisico per lo piú consiste in qualche specie di languore e il languor de’ sensi è un piacere esso stesso. Però i sentimenti ne son capaci anche estinguendosi e perciò medesimo che si estinguono». Z2, p. 1641 [2567].

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«biológica»627 do desejo:

Quando novellamente

Nasce nel cor profondo

Un amoroso affetto,

Languido e stanco insiem con esso in petto

Un desiderio di morir si sente:

Come, non so: ma tale

D’amor vero e possente è il primo effetto.

Forse gli occhi spaura

Allor questo deserto: a se la terra

Forse il mortale inabitabil fatta

Vede omai senza quella

Nova, sola, infinita

Felicità che il suo pensier figura:

Ma per cagion di lei grave procella

Presentendo in suo cor, brama quiete,

Brama raccorsi in porto

Dinanzi al fier disio,

Che già, rugghiando, intorno intorno oscura.628

O desejo é, então, a base da ideia do amor leopardiano e manifesta-se, como

escreveu Antonio Prete, como uma «tendência», que não é infinita, mas termina com a

morte, que daquele desejo constitui a sublimação. 629 Aliás, já na canção Alla sua donna

a ideia de amor pode-se apenas associar à ideia de beleza e à ausência absoluta de

esperança («Nulla spene m’avanza»630), enquanto em A Silvia, deixa de ter um papel

consolatório para confirmar as falsas ilusões prometidas pela natureza: «O natura, o

natura, / Perché non rendi poi / Quel che prometti allor? perché di tanto inganni i figli

627 Cf. A. PRETE, Finitudine e Infinito, op. cit., p. 89.

628 PP1, p. 99.

629 Cf. A. PRETE, Finitudine e Infinito, op. cit., pp. 89-90.

630 PP1, p. 65.

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tuoi?». 631

Contudo, julgamos que a relação entre Amore e Morte e o Mors-Amor anteriano

procede a partir de uma comum anulação do desejo através da morte e da função

«liberatrix» que esta tem.632 O próprio suicídio não é entendido como acto de renúncia,

mas sim na acepção de libertação e de liberdade: o símbolo deste gesto, de entre a

poesia leopardiana, é Bruto, cuja derrota determina o fim da Roma heróica e o

desaparecimento da antiguidade mítica. Nada fica, senão, para além de qualquer

significado ético-político, o drama de um herói vencido perante a vida e que só tem

consolação na morte, como já acontecera em Dialogo di Plotino e Porfirio633. Mas se no

diálogo estão presentes duas forças em oposição, a de Plotino que tenta convencer o

amigo a não pôr em prática a sua intenção de morte, e a firmeza de Porfirio, o momento

de Bruto «fermo già di morir»634 é o momento da tragédia sem remédio nem discussão.

O suicídio, diz Leopardi,635 não é inatural até porque a própria vida é inatural e, assim, o

propósito da personagem do Bruto minore não pode ser de todo condenável. As suas

perguntas extremas, na ‘sonnolenta aura’ da noite, conduzem-nos, uma vez mais, à

indiferença persistente da natureza, imutável também ela neste momento maximamente

trágico. O grito de Bruto dirigido à lua que surge calma («Tu sí placida sei?»636),

embora desesperado, é ainda desejo de saber e conhecer «no ponto de vista da natureza».

631 Ibid., p. 78. «Questo è quel mondo? Questi / I diletti, l’amor, l’opre, gli eventi / Onde cotanto ragionammo insieme?/ Questa è la sorte dell’umane genti?». Idem.

632 Leiam-se ainda estes versos de Amore e Morte («Bellissima fanciulla, / dolce a veder, non quale / la si dipinge la codarda gente»), e de Le ricordanze («Questa mia vita dolorosa e nuda / Volentier con la morte avrei cangiato»). Ibid., pp. 99 e 79.

633 Cf. PP2, pp. 194-208.

634 PP1, p. 29.

635 Cf. M. VIANELLO, Leopardi e il suicidio, op. cit., pp. 225-260.

636 PP1, p. 31.

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VI. O ‘PENSAMENTO POETANTE ’

6.1 «Conversão», negação e optimismo «transcendente»

Pelo seu carácter evolutivo, o «ciclo» poético anteriano pode encarar-se como

momento privilegiado de um percurso que vai, ao mesmo tempo, do pessimismo para o

«optimismo transcendente», e da poesia para a filosofia.637 Esse optimismo extraído do

pessimismo – que do ponto de vista puramente especulativo Antero elaborara à luz das

ideias de Hartmann e Leibniz e que virá a expressar-se filosoficamente nas Tendências

Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX – surge, como vimos,

particularmente nas duas últimas secções dos Sonetos Completos e participa

evidentemente da completude do livro.

Como Dante (personagem), o eu dos Sonetos Completos percorre um itinerário –

literalmente cíclico – que vai do escuro para a luz638, do deus «ignoto» para o «coração

liberto», do «palácio encantado da Ilusão» para o sono, o descanso e a paz duradoura.

Nesse sentido, a alusão à «escada estreita» do poema final do ciclo de Antero – que

surge, de facto, como a sua Divina Commedia – não deixa de ter uma relação ideal com

a mística catarse da viagem dantesca. A referência ao caminho estreito – que em Dante

como em toda a tradição judaico-cristã e nas pagãs,639 é peculiar da beatitude, enquanto

a amplitude é característica da viagem ao Averno – está já presente na primeira quadra

de A Santos Valente através da metáfora da ‘taça’,640 e ainda no soneto Em viagem641,

637 Cf. C3, p. 273.

638 Lemos no soneto Mea Culpa: «Não duvido que o mundo no seu eixo / Gire suspenso e volva em harmonia; / Que o homem suba e vá da noite ao dia; / E a homem vá subindo insecto e seixo». S, p. 79.

639 Lembre-se esta passagem do Evangelho de Matéus: «[…] spatiosa via est, quæ ducit ad perditionem» (Matth. 7, 13); e na Eneida: «[…] facilis descensus Averno» (Æn. VI, 126-127). Esse aspecto é evidente na Commedia de Dante, e particularmente no canto V do Inferno, através da invectiva de Minos: «[…] guarda com’entri e di cui ti fide; / non t’inganni l’ampiezza de l’intrare!». D. ALIGHIERI, Commedia, op. cit., vol. I, p. 140 (e nota 20). Também João Mendes valorizou a dimensão de viagem do volume anteriano, observando que os Sonetos Completos são uma «travessia arriscada» que advém do que define, evocando Bachelard, «o complexo de Caronte» Cf. J. MENDES, Literatura Portuguesa III , op. cit., pp. 247-248. A edição «Sténio» de 1861 tinha, aliás, a dedicatória «Ad Amicos», seguida por uma citação de Dante: «O voi ch’avete li ‘ntelletti sani, / mirate la dottrina che s’asconde / Sotto ‘l velame de li versi strani».

640 «Estreita é do prazer na vida a taça: / Largo, como o oceano é largo e fundo, / E como ele em venturas infecundo, / O cálix amargoso da desgraça». S, p. 44.

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mas adquire o seu completo valor simbólico no poema que fecha o livro:

Na mão de Deus, na sua mão direita,

Descansou afinal meu coração.

Do palácio encantado da Ilusão

Desci a passo a passo a escada estreita. 642

Apesar dessa convergência com a alegoria dantesca, neste soneto, como frisou o

próprio poeta, Deus é um símbolo,643 um ideal, que se identifica com o bem absoluto e

com a comunhão de consciências. O «optimismo gigantesco» que Oliveira Martins

considerava o marco do último «ciclo» e, mais em geral, do percurso poético inteiro dos

Sonetos Completos,644 é elaborado pelo próprio Antero nos termos em que o expõe a

Jaime Batalha Reis em finais de 1885:

Hoje estou talvez mais optimista do que pessimista (se é que valem alguma coisa

estas palavras) mas o meu optimismo tem atrás de si, ou debaixo de si, como base, uma

doutrina a que talvez convenha o nome de pessimista. Extrair do pessimismo o optimismo,

por um processo racional, tem sido afinal o trabalho da minha vida. Creio que cheguei ao

termo e dou a minha Filosofia por completa e acabada. Agora trata-se de a expor

641 «Pelo caminho estreito, onde a custo / Se encontra uma só flor, ou ave, ou fonte, / Mas só bruta aridez de áspero monte / E os sóis e a febre do areal adusto, // Pelo caminho estreito entrei sem susto […]». Ibid., p. 128. Também Oliveira Martins irá salientar que a poesia de Antero é desprovida de «acessórios», pois «não há quase uma imagem; apenas linhas, mas essas linhas de estátuas incorpóreas têm uma nitidez dantesca». Ibid., p. 31. Em outra passagem lê-se: «A sua poesia é escultural e hierática, e por isso fantástica. É exclusivamente piscológica e dantesca: não pode pintar, nem descrever: acha isso inferior e quase indigno». Ibid., p. 26. Acerca da importância de Dante na obra de Antero ver as observações de Bruno Carreiro. Cf. J. B. CARREIRO, Antero de Quental, op. cit., vol. I, pp. 170-171 (notas 15 e 16).

642 S, p. 159. Este poema, dedicado a Dona Vitória de Oliveira Martins, foi enviado a Joaquim de Araújo a 17 de Junho de 1883. Na mesma carta Antero pedia os ditos livros de Leopardi. Cf. C2, p. 379.

643 Enviando o poema Na mão de Deus a Alberto Sampaio (Maio de 1882), escrevia Antero: «Fiz, depois que aqui estiveste, mais um Soneto, que aí vai. Não te assuste a palavra Deus. É um símbolo e ainda o melhor para exprimir uma certa coisa, que doutro feitio não caberia em verso. Pura liberdade poética». C2, p. 331.

644 «Essa liberdade é o tipo e a essência da vida espiritual; e o Nirvana, puro Não-ser para a inteligência, é, para o sentimento moral, o símbolo e o veículo de toda a perfeição e virtude: radicalmente negativo na esfera da razão, é, na esfera do sentimento, absolutamente afirmativo. O pessimismo torna-se desta forma um optimismo gigantesco». S, p. 33.

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lucidamente, e é a isso que me quero consagrar, tendo porém de vencer ainda

preliminarmente a resistência dos meus nervos e o mau feitio da cabeça, operação

melindrosa e longa.645

Embora não sendo esta a sede adequada para enfrentar um estudo relativo ao

pensamento filosófico de Antero, é importante observar que a superação do pessimismo

é abordada para além do «naturalismo», e realiza-se no «sentimento moral».646 Essa

prerrogativa de um eu «superior» à natureza reflete-se, como vimos, no

transcendentalismo que percorre a última secção dos Sonetos Completos.

Recorde-se também que 1885 é um «ano charneira»647 na evolução espiritual de

Antero, e particularmente no que diz respeito ao abandono da poesia, pois o «processo

racional» absorve (mais do que anular) o processo poético. Assim sendo, os últimos

sonetos648 são, como escrevia o próprio poeta, quase um esboço da sua «Filosofia», tal

como virá a ser traçada em A Filosofia da Natureza dos Naturalistas e, posteriormente,

no citado Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX, 649 ao passo

que essa tendência em ‘ensaiar’ no soneto a reflexão filosófica, estaria estritamente

ligada à tentativa de «uma convergência entre as virtualidades expressivas do poema e a

complexidade crescente do filosofema».650 Vale a pena focarmos brevemente esse ponto,

para observarmos essa possível convergência e para delinearmos mais precisamente de

que maneira se realiza uma compenetração entre poema e «filosofema».

645 Carta a Jaime Batalha Reis (24 de Dezembro de 1885). C2, p. 495.

646 «O pessimismo é a redução ao absurdo do naturalismo e das mil ilusões filhas dele, ou para melhor dizer (porque não se trata de sistemas simplesmente) filhas do espírito humano na sua fase naturalista. Mas, sobre essas ruínas acumuladas pelo pessimismo, o que triunfa não é negação, o que resta não é o vácuo. O que triunfa e o que fica é aquilo que está para além do naturalismo, aquilo que no homem não é já filho da natureza, mas superior a ela e autónomo: a vida de consciência e a sua mais alta expressão, o sentimento moral». Carta a Jaime de Magalhães Lima (14 de Novembro de 1886). C3, p. 59.

647 Joel SERRÃO, Em busca do contexto do último escrito filosófico anteriano, in Antero de QUENTAL, Tendências gerais da filosofia na segunda metade do século XIX, leitura de Ana Maria Almeida Martins, Lisboa: Fundação Gulbenkian, 1991, pp. 3-39, p.7.

648 «Meti neles o melhor da minha Filosofia, à espera do dia em que a possa desenvolver largamente e em boa prosa». Carta a Fernando Leal (12 de Novembro de 1886). C3, p. 58.

649 J. SERRÃO, Em busca do contexto do último escrito filosófico anteriano, op. cit., p. 25.

650 Idem.

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As dificuldades do poeta em «cristalizar» o pensamento em soneto são evidentes

particularmente no caso de A ideia, Tese e antítese (terceiro «ciclo»), Disputa em

família, Espiritualismo (quarto), Elogio da morte, Evolução e Redenção (quinto) – onde

a ‘insuficiência’ dos catorze versos obriga Antero ao desenvolvimento num conjunto de

dois ou mais poemas.651 Contudo, segundo afirma Joel Serrão, o «filosofema» tende a

assumir a prominência relativamente ao poema, o qual iria sofrer um processo de

«secundarização»: esse aspecto é visível particularmente nos chamados ‘poemas

lúgubres’, onde, de facto, se patenteia a escolha de uma forma e de um esquema mais

abertos, como o da canção-ode, constituído por um número indefinido de quadras, coisa

que permitiria uma exposição mais livre.652

Se bem que para Antero poesia e filosofia sejam complementares, não

respeitando uma rígida lógica de fronteiras, cumpre salientar que o conflito poético653

entre ideia e forma manifesta-se já desde o primeiro «ciclo» dos Sonetos Completos,

como se vê particularmente nos dois tercetos finais de Tormento do Ideal:

Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,

Tropeço, em sombras, na matéria dura,

E encontro a imperfeição de quanto existe.

Recebi o baptismo dos poetas,

E assentado entre as formas incompletas

Para sempre fiquei pálido e triste.654

Em 1882, em carta a João de Deus, escrevia: «Acho-me, há um tempo, tão

preocupado com ideias, que me agitam, e nelas tão embebido, que não me resta gosto

651 Idem.

652 Ibid., p. 26.

653 Lembre-se esta importante consideração de Eduardo Lourenço: «Or, comme Heidegger nous l’a rappelé, Poésie et Philosophie occupent l’une en face de l’autre les sommets de deux montagnes, unies mysterieusement à la base, mais de nature différente. On ne peut pas osciller de l’une à l’autre, comme l’a fait Antero, si ce n’est sur le mode imaginaire, c’est-à-dire poétiquement». E. LOURENÇO, Le destin – Antero de Quental, op. cit., p. 139 [Itálicos no original].

654 Cf. S, p. 45.

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nem vontade para coisas literárias […]».655 Embora essa crescente preocupação

filosófica, como se disse, possa relacionar-se com a progressiva despedida da poesia,656

ao mesmo tempo notamos que existe sempre uma simbiose entre sentimento e ideia,

tanto na composição poética como nos escritos especulativos: neste sentido, nunca se

manifesta uma incompatibilidade entre inspiração e tendência especulativa. 657 Além do

mais, a reflexão sobre «optimismo transcendente» desenvolve-se paralelamente a esse

processo, e manifesta-se poeticamente no último ciclo dos Sonetos Completos. Ao

esforço de dissipar a «sensação de suspensão da consciência» corresponde a superação

poética do pessimismo, elemento que caracteriza, como vimos, particularmente os

sonetos Evolução, Transcendentalismo, Contemplação e Na mão de Deus e que será

teorizado nas Tendências, obra cuja «elevação moral», segundo julga Joaquim de

Carvalho, sobrepassaria a «perfeição admirável» da obra literária dos grandes

pessimistas, entre os quais o próprio Leopardi:

O pessimismo havia sido, em parte, o protesto da sua consciência contra esta

sensação, ou seja, a repercussão emotiva da concepção do Universo como sistema mecânico

e do protesto do ideal e da pessoa contra uma realidade que as ignorava, mas este protesto,

se atingiu estética e subjectivamente perfeição admirável no conjunto da literatura pessimista

– o confronto com Byron, Leopardi, Nerval, Leconte de Lisle e Ackermann impõe-se para

glória de Antero – não alcançou a profundidade e a elevação moral do ideário das

Tendências.658

Sendo que para Antero «a ideia poética sai tanto mais abundante e livre quanto

mais clara e lógica é a ideia filosófica»,659 temos que considerar que a viragem para a

filosofia tem um carácter essencialmente prático, sendo uma mudança gradual «da

imagem para o pensamento». O filósofo despe-se da ‘máscara’ na medida em que 655 Carta a João de Deus (15 de Março de 1882). C2, p. 317.

656 A este respeito veja-se também Joel SERRÃO, Poesia e Filosofia, in Actas do Congresso Anteriano Internacional, (14-18 de Outubro de 1991), Ponta Delgada: Universidade dos Açores, 1993, pp. 1-17.

657 Veja-se Leonel Ribeiro dos SANTOS, Antero de Quental. Uma visão moral do mundo, Lisboa: INCM, 2002, p. 25.

658 J. de CARVALHO , Evolução espiritual de Antero e outros escritos, op. cit., p. 145 [Itálicos no original].

659 Carta a Oliveira Martins (14 de Março de 1885). C1, p. 408.

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renuncia ao molde e à dramatização do poeta, e fala «pela própria boca». O pensamento

deixa portanto de ser poetante (embora não deixe de ser poético) para encarar a «grande

ilusão» da «verdade pura, estreme, absoluta», processo que é assim descrito em carta de

1885 a Carolina de Michaëlis:

Era uma grande ilusão, como todos os Santos Graais: mas essa ilusão me levou

gradualmente da imagem para o pensamento, fez-me sondar o que toda a alta poesia

pressupõe, mas esconde tanto quanto revela, e – para quê encobrir esta minha velha e

inveterada pretensão? – fez de mim um Filósofo! Um filósofo manqué, talvez, porque, afinal,

ainda não revelei ao mundo o meu Apocalipse, nem sei se chegarei a revelá-lo… Mas, em

todo o caso, pretensão ou realidade, o certo é que o filósofo, que por muito tempo só se

exprimiu pela boca do poeta, acabou por confiscar, por absorver, por devorar o pobre poeta,

e agora que este acabou, impõe-se ao filósofo (para não passar por um assassino gratuito e

aleivoso) a obrigação de ser gente por si só e de falar pela própria boca.660

Ora, essa «obrigação de ser gente por si só» parece-nos uma ulterior viragem

‘dramática’ que remete para uma demanda prática, isto é, o «trabalho de coordenação»

das suas ideias filosóficas: mais do que representar uma ‘conversão’, é antes uma

metamorfose expressiva, pela qual se abandona a função social do poeta e se passa,

poeticamente, através do apostolado do filósofo,661 da «autobiografia de um

pensamento» para a exposição teórica desse mesmo pensamento condensado num

«sistema». Se é verdade, como defendia António Quadros, que na última secção dos

Sonetos Completos se realiza uma «ascese religiosa»,662 nessa ascese encontramos já

muitos dos elementos que constituem o «optimismo transcendente» anteriano, isto é,

parafraseando o poeta, um «panpsiquismo» harmónico, onde o materialismo do

660 Carta a Carolina Michaëlis (7 de Agosto de 1885). C2, p. 480.

661 «Afinal, aquilo de que o mundo mais precisa, nesta fase de extraordinário obscurecimento da alma humana, é de ideias, é de filosofia – e a Poesia, voltando a adormecer nos recessos mais misteriosos do coração do homem, tem de ficar à espera até que o novo Símbolo se desvende e novos Ideais lhe forneçam um novo alimento, lhe insuflem nova vida… e então voltará a cantar. O mundo (este mundo) está velho: e a poesia só está à vontade num mondo novo, jovem, enérgico». Idem [Itálico no original].

662 António QUADROS, «Antero de Quental, do poeta-filósofo ao poeta-religioso. A gesta, a odisseia, a peregrinação», in Actas do Congresso Anteriano Internacional, (14-18 de Outubro de 1991), Ponta Del-gada: Universidade dos Açores, 1993, pp. 539-560.

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naturalista é equilibrado pelo espiritualismo do místico, num «sistema» que se coloca

«numa linha paralela ao de Hartmann».663 A procura de um equilíbrio entre pessimismo

e optimismo – no qual encontramos também um possível ponto de contacto com o

Leopardi do Canto notturno di un pastore errante dell‘Asia664 – temos um exemplo

notável no soneto A M. C. («Terra do exílio! Aqui também as flores») que, como já se

sublinhou, foi excluído das duas edições dos Sonetos Completos:

Em toda a natureza há amor e cantos,

Em toda a natureza Deus se encerra…

E contudo esta é a causa de meus prantos!665

O conhecimento das ideias de Hartmann começa de uma forma indirecta, isto é,

através de dois textos de León Dumont publicados em 1872 na Revue Scientifique de la

France et de l’etranger, e particularmente «Une philosophie nouvelle en Allemagne –

Édouard de Hartmann et la théorie de l’inconscient».666 O artigo suscita em Antero uma

viva curiosidade intelectual, pois nele surgem dois temas que lhe interessam

particularmente: a fundamentação do pessimismo e a concepção da religião667. Essa

leitura irá influir na composição de alguns sonetos escritos entre 1872 e 1875, e em

particular, O Inconsciente, Nirvana, O convertido, À Virgem Santíssima e Homo, mais a

série de poemas de Elogio da morte, incorporados no quarto e no quinto «ciclo» dos

Sonetos Completos, respeitivamente. Aliás, em O convertido a condensação poética da

teoria do pessimismo se assemelha, mesmo que indirectamente ou involuntariamente,

com os tons próprios da linguagem leopardiana:

663 «O meu sistema está numa linha paralela ao de Hartmann, distinguindo-se dele no método e numa maior dose de realismo, e parecendo-se com ele nas tendências gerais e nas conclusões morais». C2, p. 495.

664 «Se la vita è sventura, / Perché da noi si dura». PP1, p. 85.

665 REL, p. 80.

666 Antero de Quental e a filosofia de Eduardo de Hartmann, op. cit., p. 212. Trata-se dos artigos «Une philosophie nouvelle en Allemagne – Édouard de Hartmann et la théorie de l’inconscient» e «Conscience et incoscience». Na biblioteca de Antero consta também um livro de León Dumont sobre Haeckel e a teoria da evolução (Haeckel et la théorie de l’évolution en Allemagne, Paris, 1873). Cf. Indículo da livraria de Antero de Quental, op. cit., pp. 365.

667 Cf. J. de CARVALHO , Antero de Quental e a filosofia de Eduardo de Hartmann, op. cit., p. 207.

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Entre os filhos dum século maldito

Tomei também lugar na ímpia mesa,

Onde, sob o folgar, geme a tristeza

Duma ânsia potente de infinito.668

Notemos que esses sonetos, todos compostos no mesmo período (embora depois

colocados em secções diferentes), mostram a ondulação entre o pessimismo absoluto,

que observamos particularmente em Homo («Sou um parto da Terra monstruoso»; «Sou

talvez Satanás; – talvez um filho / Bastardo de Jeová; – talvez ninguém!669), e o

transcendentalismo afirmativo dos poemas do Elogio da morte, justamente colocados –

numa óptica não cronológica, mas cíclica – na secção conclusiva. Nesse sentido, as

conexões com o pensamento de Hartmann são um marco significativo da ‘conversão’ de

um pessimismo intelectual para um optimismo que será definido como «transcendente».

Essa vertente fica absolutamente clara numa carta de 1876 a Oliveira Martins, onde o

poeta comenta a leitura de La Religion de l’avenir:

Li o livro de Hartmann, mas proponho-me relê-lo, porque é um bom tema para

cogitações. Ainda que o acho conciso e deficiente em certos pontos, agradou-me todavia

muito: de tudo quanto tenho lido sobre o assunto é o que entra mais no meu modo de ver.

Vou percebendo que o pessimismo de Hartmann se parece singularmente com o meu

optimismo, e estou morto por ler alguma obra mais extensa deste simpático filósofo.670

Vale a pena salientar também esta observação de Elme-Marie Caro: «Hartmann,

dans sa Philosophie de l’Inconscient, marque en traits précis cette idée de l'optimisme

terrestre qui régit le monde antique (juif, grec, romain)»671. Ora, esse recuperado

«optimisme» está na base do abalo que a leitura de Hartmann provocou na evolução de

Antero, e constitui um ponto fundamental para comprendermos a metamorfose do poeta

668 Ibid. p. 124.

669 Cf. S, p. 113.

670 Carta a Oliveira Martins (3 de Junho de 1876). C2, pp. 499-500 [Itálicos no original].

671 E. M. CARO, Le Pessimisme au XIXeme siècle, op. cit., p.15.

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para o poeta-religioso, e do poeta-religioso para o «filósofo manqué».

É evidente que esta transformação assistida pelas ideias de Hartmann, não é

improvisada nem imediata, mas é uma reflexão que se manifesta em primeiro lugar

através da expressão poética: nesse sentido, o soneto Transcendentalismo que abre a

última secção dos Sonetos Completos é um dos maiores testemunhos dessa reflexão.672

Se bem que Antero nunca quis fazer filosofemas rimados – mesmo pela nobre

consideração que sempre teve pela poesia («a Poesia é a confissão mais íntima de uma

idade»,673 lê-se na Nota das Odes modernas) – é todavia na forma poética que começa a

expressar as suas «ideias sobre o mundo e a vida humana»:674 assim sendo, nos Sonetos

Completos, e especialmente nos «20 ou 30 dos últimos», enraíza-se a sua filosofia

futura:

Meti neles o melhor da minha Filosofia, à espera do dia em que a possa desenvolver

largamente em boa prosa.675

A tendência em equilibrar os opostos, surge ainda antes da necessidade de reuní-

los num «sistema» e é característico do percurso intelectual e filosófico de Antero. A

essa faceta chamou-lhe Leonardo Coimbra «correntes contrárias», apontando para dois

«grandes caminhos de esperança», que se resumem, por um lado, na consideração da

indiferença circundante, e, por outro, no «cândido sono do optimismo».676 Essa

observação permite-nos refletir ulteriormente sobre a dupla natureza do pensamento

anteriano, ao mesmo tempo «idealista e naturalista», além de constituir um ponto de

contacto importante com o pensamento de Leopardi.

Tal como a identificação entre «ser» e «não-ser» (que, como vimos, na poesia de

Antero é muitas vezes reflexo da morte), também a coexistência entre optimismo e 672 Cf. J. de CARVALHO , Antero de Quental e a filosofia de Eduardo de Hartmann, op. cit., p. 221.

673 Cf. Odes modernas, [1ª ed.], op. cit., p. 151.

674 Carta a Wilhelm Storck (14 de Maio de 1887). C3, p. 100.

675 Carta a Fernando Leal (12 de Novembro de 1886). Ibid., p. 58.

676 Leonardo COIMBRA, O pensamento filosófico de Antero de Quental, Lisboa: Guimarães Editores, 1991, pp. 49-50.

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pessimismo introduz a necessidade da justificação especulativa. Se Leopardi, através do

postulado «Tutto è male»,677 sugere a inversão da ideia de Leibniz de uma

complementaridade entre bem e mal que levaria ao «eterno bem», Antero tenta

ultrapassá-la, já nos anos da «crise pessimista», por meio do que chama de optimismo

«idealista», que contudo nada tem em comum com o optimismo individualista do século

XVIII . Já em carta de 1877, a superação do pessimismo através da «ironia

transcendental» é valorizada como processo essencial do «optimismo»:

O meu pessimismo, no fundo, é optimismo. Simplesmente, o meu espírito é feito de

tal forma que não se satisfaz senão com fórmulas e processos complicados, preferindo em

tudo à simples afirmação a negação da negação. É uma questão de processo dialéctico e

nada mais. Praticamente, o meu sentir é em tudo o seu, o de Leibniz e de Hegel, de todos os

optimistas idealistas.

[…] não se trata de dizer que o mundo é mau, de o amaldiçoar e fugir, mas de viver

nele e com ele como quem conhece e sabe o que ele, no fundo, vale; sem cegueira, sem

paixão, livremente e praticando a ironia transcendental como a disciplina da verdadeira

liberdade.678

Além do mais, essa superação advém precisamente por um progressivo

afastamento do naturalismo entendido como struggle for life, 679 devido à descoberta de

um elemento novo, isto é, a aspiração para uma tendência libertadora,680 amplamente

declarada nas cartas e constantemente presente em vários sonetos do último ciclo,

nomeadamente nos versos de Evolução. Nesse poema, a que já nos referimos por ser o

primeiro, em termos cronológicos, do Album de Vila do Conde, o darwinismo apaga-se

677 Z1, p. 2735 [4174].

678 Carta a Oliveira Martins (6 de Agosto de 1877). C2, p. 38 [Itálicos no original].

679 Lemos em carta a Wilhelm Storck (14 de Maio de 1887): «O Naturalismo na sua forma empírica e científica, é o struggle for life, o horror duma luta universal no meio da cegueira universal; na sua forma transcendente é uma dialéctica gelada e inerte, ou um epicurismo egoisticamente contemplativo». C3, p. 98.

680 A. SALGADO JÚNIOR, Antero e os treze sonetos de Vila do Conde, op. cit., p. 33.

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na liberdade do «infinito» produzindo o definitivo «desencanto» do naturalismo,681

aspecto peculiar da última secção dos Sonetos Completos. Apesar de termos já citado

anteriormente alguns versos deste poema a propósito dos ecos leopardianos, vale a pena

agora transcrevê-lo integralmente, por ser um dos mais evidentes exemplos poéticos da

percurso especulativo e da evolução espiritual que Antero irá terminar «em boa prosa»:

Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo

tronco ou ramo na incógnita floresta...

Onda, espumei, quebrando-me na aresta

Do granito, antiquíssimo inimigo...

Rugi, fera talvez, buscando abrigo

Na caverna que ensombra urze e giesta;

Ou, monstro primitivo, ergui a testa

No limoso paúl, glauco pascigo...

Hoje sou homem, e na sombra enorme

Vejo, a meus pés, a escada multiforme,

Que desce, em espirais, da imensidade...

Interrogo o infinito e às vezes choro...

Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro

E aspiro unicamente à liberdade.682

Em termos de imaginação poética, a negação das ilusões encontra a máxima

expressão, como se disse, precisamente na última secção dos Sonetos Completos, que

tem o objectivo declarado de mostrar «a evolução dum espírito que procura

ansiosamente e quase freneticamente a razão de ser da sua existência».683 Fora da

colecção propriamente dita ficam, além de muitos sonetos, também as ‘poesias 681 Cf. Barbara GORI, «Antero de Quental e o (des)encanto com o naturalismo metafísico alemão», in Veredas, Santiago de Compostela, 2013, n. 19, pp. 9-24.

682 S, p. 140.

683 Carta a Jaime de Magalhães Lima (13 de Outubro de 1886). C3, p. 44. A este respeito ver também António Camilo RIBEIRO, «Considerações sobre a estética de um poeta pessimista», in Revista de História das Ideias, n. 13, coordenação por Fernando Catroga, Coimbra, Faculdade de Letras, 1991, pp. 161-164.

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lúgubres’, exclusão que se faz relevante para a análise da transição da poesia para a

filosofia. A destruição desses poemas – que, como se disse, foram salvos por Oliveira

Martins e que contudo Antero acolheu na colecção – pode explicar-se, como sugere Joel

Serrão, mesmo com a necessidade de condenar a poesia em prol da pura especulação,

elemento que está na base da superação dialéctica do pessimismo e da formulação

filosófica que será desenvolvida nos escritos especulativos. Com os Sonetos Completos

estabelece-se, portanto, o afastamento definitivo da lírica propriamente dita, como o

próprio Antero postulava ainda na citada carta a Carolina Michaëlis:

A colecção dos meus Sonetos è o testamento do pobre poeta que acabou. Entro

agora numa fase nova, e tenho jurado consagrar-me daqui em diante, todo e exclusivamente,

ao trabalho de coordenação definitiva das minhas ideias filosóficas e, se tanto puder, à

exposição metódica e rigorosa das mesmas.684

A consciência da ‘insuficiência’ da poesia é dominante em ambos os poetas e é

paralela a afirmação da sua necessidade. Todavia cumpre recordar mais uma vez que a

fronteira que marca esta dúplice atitude é muito lábil, especialmente no que diz respeito

ao autor do Zibaldone. Se a ‘conversão’ filosófica de Antero gera, como se viu, um

afastamento ‘concreto’ da poesia, no caso do poeta italiano poesia e filosofia continuam

a conviver, influenciando-se mutuamente. Trata-se portanto de um afastamento mais

‘dialéctico’ do que prático, pois ainda na década de 1830, Leopardi trabalhava em várias

composições fundamentais para o ciclo dos Canti, como a Palinodia al marchese Gino

Capponi, Il tramonto della luna, A se stesso, Il Pensiero dominante, Amore e morte e La

ginestra.

Já nos primeiros apontamentos do Zibaldone, aliás, encara-se o problema da

coexistência da poesia e da filosofia, que do pensamento leopardiano reflecte as

‘oposições’ por excelência, isto é, a distância insolúvel entre antigos e modernos e a

consciência de não poder reconstituir essa ruptura. Num apontamento de 1821

encontramos uma formulação relativa à ‘nudez’ da filosofia («la più nobile delle scienze

umane»685) que se pode relacionar com a citada afirmação de Antero em carta a Batalha

684 Carta a Carolina Michaëlis (7 de Agosto de 1885). C2, p. 480.

685 Z1, p. 889 [1226].

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Reis (isto é, que a poesia «esconde tanto quanto revela»), que remete para a transição

«da imagem ao pensamento». As duas reflexões coincidem mesmo na identidade

filosofia-nudez, que Leopardi explica desta forma:

Alle scienze son buone e convengono le voci precise, alla bella letteratura le proprie.

Ho già distinto in altro luogo le parole dai termini, e mostrata la differenza che è dalla

proprietà delle voci alla nudità e precisione. È proprio ufficio de’ poeti e degli scrittori ameni

il coprire quanto si possa le nudità delle cose, come è ufficio degli scienziati e de’ filosofi il

rivelarla. Quindi le parole precise convengono a questi, e sconvengono per lo più a quelli; a

dirittura l’uno a l’altro. Allo scienziato le parole più convenienti sono le più precise, ed

esprimenti un’idea più nuda.686

As ilusões antigas – que, uma de cada vez, foram varridas pela razão – podem

ainda existir apenas na poesia ‘sentimental’, a única possível por ser também a única

que conserva a imaginação própria das origens, do tempo em que o poeta foi um

sapiente porque «le verità furono annunziate in versi».687 O mundo antigo é, na reflexão

leopardiana, o cume do equilíbrio entre ‘belo’ e ‘verdadeiro’, o momento em que poesia

e filosofia correspondem e se sobrepõem, como se os poetas-sapientes «vestissero la

verità di figure, e le rappresentassero altrui con sembianza di favole».688 Assim sendo,

estamos perante uma oposição mais histórica do que substancial, sendo que para

Leopardi a propriedade do poeta é «la facoltà e la vena delle similitudini», enquanto o

filósofo se destaca pela capacidade «di scoprire e conoscere i rapporti, di legare insieme

i particolari, e di generalizzare». 689 É de ver, aliás, que, na óptica leopardiana, a

filosofia nunca se identifica com a ratio iluminista (que, pelo contrário, constituiria um

686 Idem.

687 Z2, pp. 1854-1855 [2940-41].

688 Ibid., p. 1854.

689 «Proprietà del vero poeta è la facoltà e la vena delle similitudini. […]. L’animo in entusiasmo, nel cal-do della passione qualunque ec. ec. discopre vivissime somiglianze fra le cose. Un vigore anche passeg-gero del corpo, che influisca sullo spirito, gli fa vedere dei rapporti fra cose disparatissime, trovare dei paragoni, delle similitudini astrusissime e ingegnosissime, [..]. Tutte facoltà del gran poeta, e tutte conte-nute e derivanti dalla facoltà di scoprire i rapporti delle cose, anche i menomi, e più lontani, anche delle cose che paiono le meno analoghe ec. Or questo è tutto il filosofo: facoltà di scoprire e conoscere i rap-porti, di legare insieme i particolari, e di generalizzare». Z1, p. 1154 [1651]

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grave passo atrás na especulação),690 surgindo em vez disso o diálogo entre ‘pensiero

poetante’ e ‘poesia pensante’.691 Nessa óptica pode-se ler também o célebre

apontamento zibaldoniano escrito em Julho de 1820:

La mutazione totale in me, e il passaggio dallo stato antico al moderno, seguì si può

dire dentro un anno, cioè nel 1819. dove privato dell’uso della vista, e della continua

distrazione della lettura, cominciai a sentire la mia infelicità in un modo assai più tenebroso,

cominciai ad abbandonar la speranza, a riflettere profondamente sopra le cose […], a divenir

filosofo di professione (di poeta ch’io era), a sentire l’infelicità certa del mondo, in luogo di

conoscerla, e questo anche per uno stato di languore corporale, che tanto più mi allontanava

dagli antichi e mi avvicinava ai moderni. Allora l’immaginazione in me fu sommamente

infiacchita, e quantunque la facoltà dell’invenzione allora appunto crescesse in me

grandemente, anzi quasi cominciasse, verteva però principalmente, o sopra affari di prosa, o

sopra poesie sentimentali. E s’io mi metteva a far versi, le immagini mi venivano a sommo

stento, anzi la fantasia era quasi disseccata (anche astraendo dalla poesia, cioè nella

contemplazione delle belle scene naturali ec. come ora ch’io ci resto duro come una pietra);

bensì quei versi traboccavano di sentimento.692

Notemos que Leopardi, embora ‘vítima’ da razão, procura libertar-se dela

através da própria filosofia,693 afirmando, ao mesmo tempo, a esterilidade de uma

especulação filosófica desprovida de poético. Se a natureza é «disposta e destinatamente

ordinata a produrre un effetto poetico generale»,694 então por filosofia não pode

entender-se apenas a faculdade de analisar a natureza, mas é preciso possuir a

capacidade de a reconstruir poeticamente:

690 A este respeito veja-se Giorgia CASARA, Un dialogo sull’infinito: sentieri dello Zibaldone nel Livro do Desasocego di Fernando Pessoa, Tese de Mestrado, Venezia, Università Ca’ Foscari, 2010, pp. 122-133.

691 «Il pensiero poetante fa della ragione una pianura su cui i lampi del giorno e lo scintillio delle stelle hanno il rigore di concetti, e il meditare sull’essere ha l’abbagliante impeto delle onde folgorate dal sole. Su quella pianura il sapere ha un respiro, e il vento che scuote gli alberi ha la forza d’una illuminazione interiore». A. PRETE, Il demone dell’analogia, op. cit., p. 138.

692 Z1, p. 174 [144].

693 A este respeito ver também Elio GIOANOLA, Leopardi, la malinconia, Milano: Jaca Book, 1995, p. 336.

694 Z2, p. 2027 [3241].

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Chiunque esamina la natura delle cose colla pura ragione, senz'aiutarsi

dell'immaginazione nè del sentimento, nè dar loro alcun luogo, ch'è il procedere di molti

tedeschi nella filosofia, come dire nella metafisica e nella politica, potrà ben quello che

suona il vocabolo analizzare, cioè risolvere e disfar la natura, ma e' non potrà mai ricomporla,

voglio dire e' non potrà mai dalle sue osservazioni e dalla sua analisi tirare una grande e

generale conseguenza, nè stringere e condurre le dette osservazioni in un gran risultato; e

facendolo, come non lasciano di farlo, s'inganneranno; e così veramente loro interviene.695

A ‘conversão’ solenemente anunciada no Zibaldone é, de facto, uma tentativa de

teorizar uma conciliação entre ‘pensamento poetante’ e ‘poesia pensante’, mais do que

uma justificação da «insociabilità» entre faculdade poética e especulação filosófica.

Acrescenta o próprio poeta num apontamento escrito a 24 de Julho de 1821: «Malgrado

quanto ho detto dell’insociabilità dell’odierna filosofia colla poesia, gli spiriti veramente

straordinari e sommi, […] potranno vincere qualunque ostacolo ed essere sommi

filosofi moderni poetando perfettamente».696 O nó da reflexão leopardiana é portanto a

tendência em ser filósofo moderno «poetando perfettamente», aspecto que difere

sensivelmente do abandono da poesia que caracteriza a evolução espiritual de Antero. A

própria ideia de especulação filosófica tem nos dois poetas conotações iniciais

profundamente diferentes, sendo que Leopardi nunca se identifica com a filosofia

moderna (que entende como «matemática»), mesmo por recusar qualquer construção

metafísica. A investigação da «università delle cose», isto é, da natureza entendida como

um todo «vivente» do qual o ser humano faz parte, é sem dúvida a primeira tarefa do

«sistema» leopardiano, que tem a sua fundamentação no valor da imaginação (e

portanto também no das ilusões e do sentimento), elemento originário tanto da

faculdade poética como da filosófica. Por isso, a sabedoria antiga, por sua vez gerada

pela imaginação, surge como momento de convergência perfeita – pois os antigos

conseguiram captar a essência nua das coisas, e, ao mesmo tempo, encobriram essa

«nudez» – enquanto a filosofia moderna é vista apenas como «scienza» que advém de

uma razão gélida e estéril. A poesia descobre e encobre, tal como pensa e sente ao

695 Ibid., pp. 2024-2025 [3237-3238].

696 Z1, pp. 997-998 [1383].

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mesmo tempo:

Spetta all'immaginazione e alla sensibilità lo scoprire e l'intendere tutte le

sopraddette cose; ed elle il possono, perocchè noi ne' quali risiedono esse facoltà, siamo pur

parte di questa natura e di questa università ch'esaminiamo: e queste facoltà nostre sono esse

sole in armonia col poetico ch’è nella natura; la ragione non lo è; onde quelle sono molte più

atte e potenti a indovinar la natura che non è la ragione a scoprirla. E siccome alla sola

immaginazione ed al cuore spetta il sentire e quindi conoscere ciò ch'è poetico, però ad essi

soli è possibile ed appartiene l'entrare e il penetrare addentro ne' grandi misteri della vita, dei

destini, delle intenzioni sì generali, sì anche particolari, della natura.697

Se a poesia é ‘filha’ da imaginação, então é apenas dentro das fronteiras da

linguagem poética, num sentido amplo, que se realizaria a filosofia mais espontânea e

verdadeira. Nas Operette morali encontramos um exemplo notável de reflexão onde é

expressado o pensar leopardiano sobre a moral que a linguagem poética deve ter:

Se alcun libro morale potesse giovare, io penso che gioverebbero massimamente i

poetici: dico poetici, prendendo questo vocabolo largamente; cioè libri destinati a muovere la

immaginazione; e intendo non meno di prose che di versi. Ora io fo poca stima di quella

poesia che letta e meditata, non lascia al lettore nell'animo un tal sentimento nobile, che per

mezz'ora, gl'impedisca di ammettere un pensier vile, e di fare un'azione indegna.698

A poesia é essencial para a meditação porque nasce da dor, que, é por sua vez,

instrumento de conhecimento e evolução. Como observou Cesare Galimberti, a dor

leopardiana é uma «esperienza conoscitiva» e funciona, em primeiro lugar, como

elemento fecundante do próprio acto poético.699 Essa vertente, pode ler-se já – embora

697 Z2, p. 2027 [3242].

698 PP2, pp. 173-174.

699 A este respeito ver também Cesare GALIMBERTI , Leopardi: il dolore come esperienza conoscitiva, in Fabio ROSA (org.), ‘Il mio nome è sofferenza’. Le forme e la rappresentazione del dolore – Atti del Semi-nario di Antropologia Letteraria (Trento, 30 marzo-1 aprile 1992), Dipartimento di Scienze Letterarie Filologiche e Storiche, Trento, 1993, pp. 233-241, p. 236.

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numa acepção social e patriótica – numa das primeiras canções, Ad Angelo Mai,700 e é

constitutiva tanto dos Canti como das Operette morali. Aliás, na citada dedicatória

«Agli amici suoi di Toscana» o próprio Leopardi frisa que com essa poesia quer

«consacrare il mio dolore».701 O sentimento de dor na obra leopardiana – assunto cuja

vastidão impede que o tratemos nesta sede – está estritamente interligado com a finitude

e encontra no infinito a própria ideia de finitude, de coisa acabada, de «nada».702 A dor –

que usando uma definição aproximativa poderemos chamar de ‘metafísica’ –, nasce

precisamente do triunfo implacável do tempo sobre as coisas existentes,703 e chega a ser

observada como extrema forma de ‘prazer’, como um «sentimento piacevole» por causa

«dell’infinità dell’idea»:

Tutto ciò che è finito, tutto ciò che è ultimo, desta sempre naturalmente nell’uomo

un sentimento di dolore e di malinconia. Nel tempo stesso eccita un sentimento piacevole, e

piacevole nel medesimo dolore, e ciò a causa dell’infinità dell’idea che si contiene in queste

parole finito, ultimo ec. (le quali però sono di lor natura e saranno sempre poeticissime, per

usuali e volgari che sieno, in qualunque lingua e stile. E tali son pure in qualsivoglia lingua

ec. quelle altre parole e idee, che ho notate in vari luoghi come poetiche per se e per l’infinità

che essenzialmente contengono).704

É de ver que tanto a reflexão sobre a necessidade do poético como as

considerações sobre natureza e razão têm na dor o seu foco, como elemento dialéctico,

mas também como elemento ‘corporal’: nessa óptica parece absolutamente partilhável a

sugestão de Antonio Prete de um Leopardi ‘poeta do corpo’, sendo que no «sistema»

leopardiano a razão é apoquentada pela crítica, mas uma crítica baseada no «sapere

700 «Ahi dal dolor / comincia e nasce l‘italo canto. E pur men grava e morde / Il mal che n’addolora / Del tédio che n’affoga. Oh te beato, / A cui fu vita il pianto». PP1, p. 18.

701 PP1, p. 153.

702 «La cagione di questi sentimenti è quell’infinito che contiene in se stesso l’idea di una cosa terminata, cioè al di là di cui non v’é piú nulla; di una cosa terminata per sempre e che non tornerà mai piú (10 di-cembre 1821) ». Z1, p. 1463 [2243]. Itálicos no original.

703 Sobre a significação do tempo no pensamento leopardiano veja-se C. GALIMBERTI , «Leopardi: il dolo-re…», op. cit., pp. 237-238.

704 Z1, p. 1468 [2251-2252]. Itálicos no original.

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della morte che il corpo possiede».705 Nesse caminho orientado para o «nada» (e onde a

própria dor é «nada»706), a poesia surge finalmente como elemento positivo, stricto

sensu, e como instrumento essencial da recomposição da natureza que a razão

descompõe. Se o ‘abandono’ do poético é uma condição de distância perante a natureza,

ao mesmo tempo cumpre apenas à poesia anular essa distância, aproximando

‘pensamento poetante’ e ‘poesia pensante’.

705 A. PRETE, Il pensiero poetante, op. cit., p. 84.

706 Cf. E. SEVERINO, Il nulla e la poesia., op. cit., p. 38.

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6.2. Antero e Leopardi, ‘antimodernos’?

Antero de Quental e Giacomo Leopardi tiveram o importante papel de contribuir

para a fundação do que tem vindo a ser designado por cânone da modernidade.

Leopardi, sempre dividido, como vimos, pela reflexão entre antigo e moderno,707 chega

a identificar a modernidade com o não-poético, sendo esta a principal protagonista da

actualidade poética face ao heroísmo trágico da antiguidade, enquanto em Antero, como

já observou Rainer Hess,708 confundem-se – particularmente na obra do período juvenil,

modernidade e revolução. Contudo, o ‘demónio’ da relação sugere-nos ainda, como se

antecipou no texto introdutório, uma breve proposta de leitura da obra e do pensar

poético dos dois escritores, na senda da «antimodernidade».

Ao utilizarmos o termo «antimoderno», é preciso realçar que nos referimos

apenas e unicamente à acepção em que esta expressão é utilizada por Antoine

Compagnon, nomeadamente no ensaio Les antimodernes. Cumpre, portanto, marcar

logo uma fronteira nítida entre o «antimodernismo» tal como concebido, por exemplo,

por Maritain – isto é, como reacção – e a «antimodernidade» que aqui pretendemos

utilizar como derradeiro termo de relação entre os dois poetas. Se o antimodernismo

teorizado por Maritain surge, de facto, como «ultramodernismo»,709 isto é, numa óptica

negativa, já Jameson estabelece uma distinção entre a forma opositiva (antimoderno) e a

alternativa (ultramoderno), salientando que o ‘pós-modernismo’ há-de ser entendido

como maneira outra de imaginar e perceber a modernidade.710

Não é esta a sede adequada para reflectirmos sobre os vários significados que

esses termos têm vindo a traduzir dentro do espaço artístico. Certamente, o

antimodernismo de Maritain é um conceito muito restrito, e, na sua significação de

707 Como revelam, em particular, dezenas de notas do Zibaldone e o ensaio Discorso di un italiano intorno alla poesia romantica, escrito em resposta aos artigos de Ludovico di Breme em 1818. Cf. PP2, pp. 347-426.

708 R. HESS, Os inícios da lírica moderna em Portugal, op. cit., p. 15.

709 «Ce que j'appelle ici antimoderne, aurait pu tout aussi bien être appelé ultramoderne». Jacques MARI-

TAIN , Antimoderne, Éditions de la Revue des Jeunes, Paris, 1922, p. 14 [Itálicos no original].

710 Fredric JAMESON, Postmodernismo. Ovvero la logica culturale del tardo capitalismo, traduzione di M. Manganelli, Roma, Fazi, 2007, p. IX .

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nostalgia do passado, é também uma disposição que – como observa o próprio

Compagnon – «não parece moderna e provavelmente corresponde a um universal».711

Ainda menos interessaria aqui tentarmos ler a obra de Antero e de Leopardi na óptica da

reflexão de Jameson (ou, em Itália, de Remo Ceserani712), pois essa categorização ‘pós-

modernista’ parece-nos demasiado historicista (e, aliás, muito controversa) para ser de

uso fértil no nosso caso.

Ao contrário, a abordagem do crítico francês diferencia-se das outras que

citámos, principalmente porque, apesar de ter os seus alicerces num ponto de viragem

histórico (a Revolução Francesa), desenvolve-se sobretudo através da análise de

algumas variantes, chamadas de «figuras morais», que seriam comuns a muitos

escritores franceses dos séculos XIX e XX – enquanto a ‘pós-modernidade’ é uma

categoria que depende do estabelecimento de um percurso cronológico linear, que não

teria muita utilidade hermenêutica para o caso da nossa análise. Contrarrevolução, anti-

iluminismo, pecado original, sublime, vituperação, pessimismo: nem todos esses

conceitos, obviamente, se podem utilizar como chave de leitura da obra de Antero e

Leopardi. Ou melhor: numa óptica antimoderna, apenas o pessimismo surge como

elemento comum entre os dois poetas, embora com as diferenças que já salientámos.

Encontramo-nos, como se viu, perante um pessimismo sui generis, que não se identifica

com uma voz lamentosa ou queixosa (e portanto estéril), sendo, pelo contrário, o

resultado da ‘energia’ do desespero, que Pierpaolo Pasolini definia como «disperata

vitalità».

Salientamos mais uma vez que a antimodernidade, na acepção em que é aqui

utilizada, nunca se identifica com classicismo ou o tradicionalismo e, ainda menos, com

o academismo, mas sim como «a resistência e a ambivalência dos verdadeiros

modernos».713 Além do mais, também no recurso ao «sentimento» encontramos outro

elemento que caracteriza os antimodernos, que têm em Pascal o seu antepassado mais

ilustre. Nesse sentido, a distinção entre coração e razão e a valorização pascaliana do

sentimento que estaria na base, por exemplo, da «antimodernidade» de Péguy, não seria

711 A. COMPAGNON, Os antimodernos, op. cit., p. 13.

712 Cf. Remo CESERANI, Raccontare il postmoderno, Torino, Bollati Boringhieri, 1997.

713 Ibid., p. 22.

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de todo alheia aos dois escritores que estamos a estudar.714

O «antimoderno» há-de ser entendido, portanto, como moderno por excelência e

sem conotações negativas ou até ‘revisionistas’. Antes de vermos brevemente como essa

característica se poderá aplicar ao pensamento e à obra de Antero e de Leopardi, vale a

pena transcrevermos uma passagem do ensaio de Compagnon, onde se reúnem as linhas

principais do conceito de antimoderno e onde encontramos também ulteriores focos de

interesse para a nossa leitura:

A tendência ou a tentação antimoderna mais fecunda, política e intelectualmente, não

se encontra nos partidários de Roma ou do Rei, mas nos homens que pertencem plenamente

ao mundo moderno mas que se preocupam com isso – modernos sem querer, Reluctant

Moderns ou modernos reticentes –, filhos da democracia que lamentam a ausência de uma

sociedade orgânica e duvidam dos benefícios do sufrágio universal. Não estando certos da

herança do Iluminismo e da Revolução, pessimistas, ligados a uma antropologia do pecado

original, aspirando ao sublime, eles vituperaram como nunca. ‘Inútil Cassandra’, como se

qualificava Chateaubriand em 1830: é para sempre o grito de reconhecimento do

antimoderno.715

Como já se disse anteriormente, a evolução poética e filosófica de Leopardi

passa pela fundamental reflexão sobre antigos e modernos, isto é, pela construção de um

«sistema» que é moderno na medida em que ‘considera’ a não reprodutibilidade do

antigo, meditando sobre esse problemático contraste durante toda a parábola da sua obra

literária. O «mito do antigo» surge como mito da infância e da juventude humana, e se

desenvolve de uma maneira radicalmente diferente em comparação com o entender, por

exemplo, de Dante, que valoriza o antigo na óptica de uma reivindicação cristã, ou de

Petrarca, que evoca um ressurgimento da sabedoria, entendida como pedra de toque da

imortalidade dos antigos. Para Leopardi, como vimos, o antigo identifica-se com o

714 «O outro fragmento ao qual Péguy se refere de bom grado é aquele, bastante conhecido, que distingue o conhecimento do coração e da razão: “Nós conhecemos a verdade, não somente pela razão, mas tam-bém pelo coração”. Ao modo de Pascal, Péguy enaltece os cristãos pelo coração, a partir do modelo da ‘pobre velha senhora’ antimoderna: “Eles julgam com o coração como os outros julgam com o espírito”. Ibid., p. 247.

715 Ibid., p. 227.

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poético, enquanto a sabedoria – se não se torna em «harmonia» através do poético – é

«nada» por si só:716 por isso, no entender de Leopardi, «senza l’antico non vi può esser

lingua poetica»,717 porque não há «sentimento». Neste sentido, o romântico» existe

apenas na medida em que existe o antigo:

Perché il moderno, il nuovo, non è mai, o ben difficilm[ente] romantico; e l’antico, il

vecchio, al contrario? Perché quasi tutti i piaceri dell’immaginaz[ione] e del sentim[ento]

consistono in rimembranza. Che è come dire che stanno nel passato anzi che nel presente.718

Observando esta oposição dialéctica antigo-moderno/passado-presente, operada

por Leopardi em vários aspectos e momentos da sua reflexão, não é difícil ceder à

tentação de incluí-lo na falange antimoderna, por ser «incapaz de concluir seu luto pelo

passado».719 Todavia, é preciso realçarmos que, no caso do poeta italiano, a

«rimembranza» é mais mito do que nostalgia, isto é, consciência de um passado que

não pode voltar (e daí a recusa da imitação clássica, tão evidente também em Antero720),

mas que continua a ser modelo de arte, e nomeadamente poética, e ponto de referência

para o perfeito equilíbrio entre sentir e pensar. É de ver que a crítica leopardiana da

razão nunca é dirigida à razão em si própria, mas sim ao uso que os modernos fazem

dela, e é este, aliás, um nó importante para comprendermos melhor uma caracterísitica

fundamental do pensamento expressado teoreticamente no Zibaldone, sendo que vários

716 «E chi volesse rendersene conto in modo sommario, basterá che ponga mente al diverso concetto che si facevano del sapere: per il Petrarca è tutto, per Leopardi è nulla. Si ritrovano in un punto: in quel miste-ro del tocco poetico che trasforma le cose del sapere in cose dell’armonia, e dà loro quasi il valore di mi-racolo, delle cose create da Dio, dei fatti naturali». Giuseppe UNGARETTI, Il mito dell’antico in Leopardi, in ID., Vita d’un uomo (Viaggi e Lezioni), Milano: Mondadori, 2000, pp. 673-680, p. 680.

717 Z2, p. 2776 [4214]. Itálico no original.

718 Ibid., p. 2975 [4415]

719 A. COMPAGNON, Os antimodernos, op. cit., p. 18.

720 Em muitas circustâncias Antero critica a imitação dos antigos. Lembramos aqui apenas esta passagem das Causas: «Um poema compõe-se doutoralmente, como uma dissertação teológica. Traduzir é o ideal: inventar considera-se um perigo e uma inferioridade: uma obra poética é tanto mais perfeita quanto maior número de versos contiver traduzidos de Horácio, de Ovídio. Florescem a tragédia, a ode pindárica, e o poema herói-cómico, isto é, a afectação e a degradação da poesia». A. de QUENTAL, Causas da decadê cia dos povos peninsulares nos últimos três séculos, op. cit., p. 49.

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apontamentos desse iperlibro dialogam com a recusa da metafísica moderna que

Compagnon atribui aos antimodernos, e nomeadamente a Péguy e Sorel.721 É claro que

o pensamento social destes dois intelectuais franceses – e particularmente no caso de

Jacques Sorel – está mais próximo do jovem Antero do que do Leopardi do Zibaldone,

mas, apesar disto, a centralidade do pessimismo dentro de um «sistema», o cepticismo

de matriz pascaliana e, sobretudo, a maneira de encarar a crítica ao racionalismo (ou

«essere ragionante», como escreve o poeta italiano) se correspondem em vários pontos.

Lemos numa nota leopardiana de 1823:

La ragione dunque per se, e come ragione, non è impotente né debole, anzi per

facoltà di un ente finito, è potentissima; ma ella è dannosa, ella rende impotente colui che

l’usa, e tanto piú quanto maggiore uso ei ne fa, e a proporzione che cresce il suo potere,

scema quello di chi l’esercita e la possiede, e piú ella si perfeziona, piú l’essere ragionante

diviene imperfetto: ella rende piccoli e vili e da nulla tutti gli oggetti sopra i quali ella si

esercita, annulla il grande, il bello, e per cosí dir la stessa esistenza, è vera madre e cagione

del nulla, e le cose tanto piú impiccoliscono quanto ella cresce; e quanto è maggiore la sua

esistenza in intensità e in estensione, tanto l’esser delle cose si scema e restringe ed accosta

verso il nulla.722

É de ver que a anulação operada pela razão encontra a sua recomposição

unicamente no valor cognoscitivo da poesia, sendo que o poético é o denominador

comum entre ‘pensamento poetante’ e ‘poesia pensante’. Esse aspecto-chave do

pensamento leopardiano sobre a necessidade da poesia é explicado de forma extensa em

inúmeros momentos do Zibaldone, e particularmente num apontamento de Outubro de

1821:

La ragione ha bisogno dell’immaginazione e delle illusioni ch’ella distrugge; il vero

del falso; il sostanziale dell’apparente; l’insensibilità la piú perfetta della sensibilità la piú

viva; il ghiaccio del fuoco; la pazienza dell’impazienza; l’impotenza della somma potenza; il

721 A. COMPAGNON, Os antimodernos, op. cit., pp. 228-236.

722 Z2, pp. 1885-1886 [2943].

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piccolissimo del grandissimo; la geometria e l’algebra della poesia ec.723

Contudo, como se disse, Leopardi, através da crítica da razão, conjuga a poesia

com o corpo para «raccontare la morte del senso», e, ao mesmo tempo, coloca-se numa

posição que seria impreciso e insuficiente definir como irracionalista.724 Aliás, ao

afastar-se da ‘metafísica’, o poeta valoriza Descartes, Galileo, Newton, Locke, Vico,

Pascal, Bacon e Machiavelli, isto é os que, no entender leopardiano, «hanno veramente

mutato faccia alla filosofia», e os reúne na linhagem ideal dos que conseguiram associar

conhecimento e imaginação. Por isso são consagrados como modernos sem conotações

depreciativas:

Ma Cartesio, Galileo, Newton, Locke ec. hanno veramente mutato faccia alla filosofi

[…] Machiavelli fu il fondatore della politica moderna e profonda. Insomma lo spirito

inventivo è cosí proprio del mezzogiorno, riguardo all’astratto ec. come riguardo al bello e

all’immaginario. 725

E ainda em outro apontamento:

Esempio di Pascal ec. Bacone aveva già scoperto tante verità che fanno stupire i

moderni piú profondi e illuminati. Ora egli scriveva nel tempo del rinascimento della

filosofia, anzi era quasi il primo filosofo moderno; e quindi il primo vide assai piú che non

saprebbero vedere infiniti suoi successori, con tutti i lumi in séguito acquistati.726

Aliás, particularmente Pascal – cujos Pensées foram para Leopardi um modelo

723 Z1, p. 1259 [1839].

724 «[…] resterà da comprendere come da Leopardi a Baudelaire, da Hölderlin a Nietszche, da Artaud a Bataille, la critica della ragione ha coniugato poesia con corpo, per indicare la mancanza, per raccontare la morte del senso, per dare parola al sogno di una mutazione». A. PRETE, Il pensiero poetante, op. cit., p. 98.

725 Z1, p. 1269 [1857]

726 Ibid., p. 976 [1349].

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imprescindível para o seu Zibaldone – pode ler-se, no presente caso, como um

‘precursor’ da antimodernidade, sendo um importante elo de ligação entre o próprio

Leopardi e os antimodernos. O próprio Compagnon, ao comentar os Études et réflexions

d’un pessimiste de Paul Challemel-Lacour observa:

A decepção política e histórica fez dele [Challemel-Lacour], por um tempo, um

pessimista que colocava na mesma estante Pascal ao lado de Leopardi e de Schopenhauer

como um inimigo do progresso, apesar da famosa proposição do Traité du vide que pudera

constranger os antimodernos fazendo do autor dos Pensamentos seu herói […].727

A partir da constatação dos ‘excessos’ da razão («vera madre e cagione del

nulla»), se desenvolve também a construção do pessimismo, sendo o uso impróprio da

mesma a causa da infelicidade dos modernos face aos antigos. Não sendo esta a sede

adequada para avançarmos com uma análise aprofundada das várias facetas do

pessimismo leopardiano, julgamos interessante focarmos alguns aspectos que suscitam

um particular interesse numa óptica antimoderna.

Recorde-se que Leopardi, ao elaborar o seu «sistema» refere-se ao optimismo de

Leibniz, mostrando um afastamento diametral do pensamento do filósofo alemão e

procurando inverter os conceitos de ‘bem’ e ‘harmonia’ para a sua própria reflexão

acerca das «cose che non son cose».728 Apesar disto, a sua leitura, quase seguramente

indirecta, da obra de Leibniz (muito provavelmente por meio da leitura de Louis

Dutens729) contribui para a formulação de um sistema onde também os elementos

negativos participam da harmonia do todo e onde o próprio mal deixa de ter uma

conotação acidental para se tornar necessário na «positividade do negativo».730 Na base

727 A. COMPAGNON, Os antimodernos, op. cit., p. 71.

728«Questo sistema, benché urti le nostre idee, che credono che il fine non possa essere altro che il bene, sarebbe forse più sostenibile di quello del Leibnitz, del Pope, ec. che tutto è bene». Idem [Itálico no original]. Cf. Z2 p. 2735 [4174]. Sobre o pensamento leopardiano em relação com o de Leibniz, ver Bortolo MARTINELLI , Leopardi tra Leibniz e Locke. Alla ricerca di un orientamento e di un fondamento, Roma: Carocci, 2003, p. 154.

729 Sobre esse aspecto ver Marco MONETA, L'officina delle aporie. Leopardi e la riflessione sul male negli anni dello ‘Zibaldone’, Milano: Franco Angeli, 2006, p. 128.

730 Idem.

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da reflexão está a relatividade do bem ínsito na natureza e a sua essência de

«conveniência», tal como elaborada nas páginas do Zibaldone já desde 1820:

Il bene non è assoluto ma relativo. Non è assoluto nè primariamente o

assolutam[ente] nè secondariamente o relativamente. Non assolutamente perchè la natura

delle cose poteva esser tutt'altra da quella che è; non relativamente, perchè in questa

medesima natura tal qual esiste, quello ch'è bene per questa cosa non è bene per quella,

quello che è male per questa è bene per quell'altra, cioè gli conviene. La convenienza è

quella che costituisce il bene. L'idea astratta della convenienza si può credere la sola idea

assoluta, e la sola base delle cose in qualunque ordine e natura. Ma l'idea concreta di essa

convenienza è relativa. Non si può dunque dire che un essere sia più buono di un altro, cioè

abbia o contenga maggior quantità o somma di bene, perchè il bene non è bene se non in

quanto conviene alla natura degli esseri rispettivi.731

Paralelamente a essas reflexões, desenvolve-se o pensamento que está na base de

algumas significativas canções – como Bruto minore e Ultimo canto di Saffo – nas quais

o mal surge como responsabilidade do homem, enquanto a natureza é declarada

«inocente».732 Ora, é evidente que essas formulações, inseridas no complexo sistema

leopardiano, transcendem o conceito de melancolia, pois não são elaboradas à luz de

uma «emoção psicológica»,733 mas sim na recusa do optimismo entendido como

soberania do bem, característica peculiar, não apenas dos antimodernos, mas também da

evolução anteriana do pessimismo para um optimismo «transcendente».

No pessimismo próprio dos antimodernos, Compagnon destaca o termo

evolutivo, isto é, a progressiva transição de um pessimismo histórico para um

pessimismo individual, metafísico e, nalguns casos, teológico. Trata-se portanto de um

731 Z1, p. 359 [391]. Itálico no original. Ver também Mario Andrea RIGONI, Il pensiero di Leopardi, Milano: Bompiani, 1997, p. 26.

732 «Ecco come i mali vengono ad esser necessarii alla stessa felicità, e pigliano vera e reale essenza [di beni nell'ordine generale della natura: massimamente che le cose indifferenti, cioè non beni e non mali, sono cagioni di noia per se, come ho provato altrove, e di più non interrompono il piacere, e quindi non distruggono l'uniformità, così vivamente e pienamente come fanno, e soli possono fare, i mali». Z2, pp. 1658-1659 [2600-2601].

733 A. COMPAGNON, Os antimodernos, op. cit., p. 70.

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mal-estar sentido «cedo na história, e por causa da história»734 que acaba por gerar uma

reflexão abrangente e radical, e uma distinção nítida entre metafísica, moral, e moral

que «dá lugar» à metafísica:

O otimismo é uma metafísica, pretendia Brunetière, ao passo que o pessimismo é uma

moral antes de dar lugar a uma metafísica.735

Como observa ainda o crítico francês, o antimoderno «moralmente pessimista»

recusa categoricamente o optimismo individualista e idealista do século XVIII e

particularmente a ideia do «melhor de todos os mundos possíveis». Se o antimoderno

objecta a esta tese porque rejeita o individualismo que a ela subjaz, então La Ginestra

leopardiana poderia ler-se como hino poético do pessimismo antimoderno, sendo um

canto à colectividade, à comunhão dos homens contra a natureza «inimiga»:

Costei chiama inimica; e incontro a questa

Congiunta esser pensando,

Siccome è il vero, ed ordinata in pria

L'umana compagnia,

Tutti fra se confederati estima

Gli uomini, e tutti abbraccia

Con vero amor, porgendo

Valida e pronta ed aspettando aita

Negli alterni perigli e nelle angosce

Della guerra comune.736

Contra o «optimismo liberal» atira-se também Antero, em carta de 1877 a

Oliveira Martins. Vale a pena transcrever o trecho inteiro para percebermos de que

forma as considerações do poeta português se aproximam do pessimismo sócio-político

que Compagnon detecta nos antimodernos: 734 Ibid., p. 71.

735 Idem.

736 PP1, pp. 127-128.

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Aqui, segundo posso inferir da opinião de Tedeschi, António Enes e Francisco

Machado […] domina o ponto de vista liberal, que com seu optimismo sistemático vê tudo

abstractamente no melhor dos mundos possíveis do Dr. Pangloss. Querem todos a liberdade,

«prudentemente regulada e policiada», e por isso o seu grande cavalo-de-batalha é a lei das

sociedades anónimas, de cuja reforma esperam maravilhas… liberais! Não há pior cegueira

do que a cegueira teórica.737

As considerações que Compagnon elabora relativamente ao «homem natural»,

dialogam, a nosso ver, tanto com a «cegueira» a que alude Antero, como a «umana

compagnia» de La Ginestra, sendo penalizada a igualdade em prol da solidariedade:

Os modernos falam de direitos naturais, mas a natureza é força e disegualdade, como

Pascal havia observado, ou luta pela vida. Também a justiça e a equidade só podem ser atingidas

combatendo-se a natureza […]. Os antimodernos alimentam uma visão organicista e hierárquica

da sociedade a fim de conter o homem natural. Para eles, a sociedade, onde a solidariedade e a

comunidade são exaltadas em detrimento da igualdade e da liberdade, passa na frente do

indivíduo.738

Notemos também que, particularmente em Antero, podemos observar uma

viragem do pessimismo da história para o optimismo transcendente, mesmo observando

a evolução das suas ideias sócio-políticas por ele próprio ‘criticadas’ à distância de

alguns anos. Referimo-nos, em particular, à (auto)crítica das ideias que subjazem às

Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, isto é, das «raízes históricas do mal»739

que ali são analisadas. Essa autocrítica, particularmente evidente na carta

737 C2, p. 12.

738 A. COMPAGNON, Os antimodernos, op. cit., p. 74.

739 Onésimo Teotónio ALMEIDA , «De Eça ao projecto de modernidade de Antero», in Estudos Anterianos, n. 9-10, Vila do Conde, Centro de Estudos Anterianos, Abril-Novembro 2002, pp. 91-98, p. 92.

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‘autobiográfica’ a Wilhelm Storck740 é um ulterior sintoma da evolução espiritual do

Antero poeta-filósofo que irá dar seus plenos frutos através de Tendências Gerais da

Filosofia na Segunda Metade do Século XIX: é aqui que o pessimismo, tão evidente

sobretudo nos primeiros ciclos dos Sonetos Completos, é definitivamente posto de lado

e ultrapassado em prol de um «projecto de luzes».741 Aliás, parece-nos que a

antimodernidade expressa nos termos de Compagnon tem na ‘ondulação’ do

pensamento especulativo o seu elemento mais geral e peculiar. ‘Ondulação’ que, de

facto, é paralela à ‘evolução’, de um pensamento radical para uma ‘filosofia’ que

desconfia «da especulação metafísica e das construções a priori». Nesse sentido,

parece-nos absolutamente justa a observação de Onésimo Teotónio Almeida, que define

as Tendências como um «extraordinário Manifesto da Modernidade».742 As críticas de

Antero às limitações do mecanicismo e da ciência – comum, aliás, a todos os

antimodernos – coincidem em muitos pontos com a crítica do racionalismo (mais do

que da razão) que já observámos em Leopardi, e particularmente no Zibaldone. Apesar

de não ser esta a sede adequada para abordarmos de forma ampla as Tendências, vale

porém a pena transcrever uma passagem significativa para observarmos algumas

considerações presentes nesse texto e a reflexão leopardiana do Zibaldone:

É no século XVII , com Descartes, Bacon, Leibniz e Spinosa, com Galileu também e a

fundação da física moderna, assim como o triunfo das ideias de Copérnico sobre o sistema

do mundo, o que tudo importava uma revolução enorme na compreensão dos primeiros

princípios do movimento da matéria, é só então que a filosofia moderna começa a tomar

verdadeira consistência.743

Além das referências comuns a muitos pensadores designados como fundadores

740 «O meu Discurso sobre as Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Séculos XVII e XVIII, embora pisasse um terreno mais sólido, o terreno da história, ressente-se ainda muito da influència das ideias políticas preconcebidas, da crítica histórica com tendências». C3, p. 95 [Itálicos no original]..

741 O. T ALMEIDA , «De Eça ao projecto de modernidade de Antero», op. cit., p. 93.

742 Ibid., p. 94.

743 A. de QUENTAL, Tendências gerais da filosofia na segunda metade do século XIX, leitura de Ana Maria Almeida Martins, Lisboa: Fundação Gulbenkian, 1991, p. 62.

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da ‘filosofia moderna’, o que aqui supreende na aproximação destes aspectos do

pensamento de Antero e de Leopardi, é a ideia de filosofia como resultado do progresso

da razão, e, ao mesmo tempo, como crítica do excesso de razão, isto é, no caso de

Antero, a afirmação de uma ideia «filosófico-científica», que é fruto da compenetração

entre «filosofia transcendental» e «ciência», e em Leopardi uma recuperação do antigo

que tem na linguagem da poesia o instrumento privilegiado.744

Serão portanto antimodernos Antero e Leopardi? Provavelmente não, se

considerarmos a modernidade como um «tetraedro» que tem por vértices a

«cognoscibilidade» do universo, a «igualdade radical» , a «perfectibilidade» dos seres

humanos e a valorização do mundo entendido como «nosso lugar de estar»,745 pois

nesse sentido os dois poetas são absolutamente modernos. Mas se por antimoderno

entendermos o sentimento comum de desconfiança para com a metafísica moderna, o

impulso para o ‘contraste’ dialéctico entre antigos e modernos, a recusa do dogma do

progresso, e o canto de um certo tipo de mal de vivre, não ‘estático’, mas evolutivo – eis

que então não é ilegítimo observá-los como membros suspeitos dessa categoria, ou,

utilizando uma expressão do próprio Compagnon, como «antimodernos

complementares».746 A intempestividade que, segundo o crítico francês, torna os

«verdadeiros» modernos em antimodernos cria as condições para que a reivindicação do

«lugar de estar» seja atravessada pela solidão e pelo isolamento: são exilados, tanto de

«um céu distante», como escreveu Eça de Queirós de Antero,747 como do «século» que

precisa de ser desvendado pela poesia. Essa condição de exílio dentro da modernidade

faz a própria modernidade de Antero de Quental e de Giacomo Leopardi, poetas da

história, cantores do sentir e do pensar, pacientes ourives do futuro.

744 Ibid., p. 70.

745 A este respeito ver a interessante formulação de Onésimo Teotónio Almeida. Cf. O. T. ALMEIDA , «De Eça…», op. cit., p. 94.

746 A. COMPAGNON, Os antimodernos, op. cit., p. 23.

747 «No seu paiz Anthero era como um exilado d’um ceu distante; era quase como um exilado no seu seculo». AA. VV. In Memoriam, op. cit., p. 510.

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LISTA DE FIGURAS

Fig. 1- 3: Folha de guarda, rosto e índice da edição francesa Opuscules et pensées [ICPD748]

Fig. 4: Folha de guarda da edição italiana Poesie di Giacomo Leopardi [ICPD]

Fig. 5: Rosto do volume Poesie di Giacomo Leopardi com dedicatória de Joaquim de

Araújo [ICPD]

Fig. 6-8: Índice do volume Poesie di Giacomo Leopardi [ICPD]

Fig. 9: Folha de rosto do volume Poesie italiane di vari autori [ICPD]

Fig. 10: Primeiros versos de Canto all’Italia [sic] incorporado em Poesie italiane di

vari autori [ICPD]

Fig. 11: Página do manuscrito de A Poesia na Actualidade [BNM749]

748 Instituto Cultural – Biblioteca Pública Ponta Delgada

749 Biblioteca Nazionale Marciana (Veneza). A imagem aqui reproduzida é retirada do volume Antero de QUENTAL, A Poesia na Actualidade, apresentação crítica de Joaquim-Francisco Coelho, Vila do Conde, Centro de Estudos Anterianos, 1999, p. 13.

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Convém mirar sempre à perfeição, mas nunca afligirmo-nos porque não a alcançámos, desde que trabalhámos com ânimo limpo de vaidade e que fizemos como soubemos ou pudemos. Nesta impaciência e desconsolação, que eu desaprovo, quando não entra inconscientemente um certo orgulho, entra uma certa inquietação parente dos escrúpulos, que são uma verdadeira doença moral. Não devemos exigir de nós mesmos mais do que é justo exigir-se da natureza humana: isto é, não devemos em coisa alguma exigir a perfeição, mas contentarmo-nos com a bondade e a rectidão das intenções. Banir a vaidade das nossas obras, isso é que está inteiramente na nossa mão; torná-las perfeitas, não.

ANTERO DE QUENTAL, Carta a Jaime de Magalhães Lima