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2018 10 a edição revista ampliada atualizada Curso de Direito Constitucional Bernardo Gonçalves Fernandes

Curso de Direito Constitucional - editorajuspodivm.com.br · Classificação trabalhada por Uadi Lammêgo Bulos das normas constitucionais de eficácia exaurida – 13. Estrutura

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2018

10a edição

revista ampliada atualizada

Curso deDireito

Constitucional

Bernardo Gonçalves Fernandes

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CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

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Sumário: 1. O que é uma Constituição? Conceito de Constituição e Constitucionalismo. Uma advertência inicial – 2. Um ponto de partida: o conceito histórico-universal e a primeira defini-ção de Constituição: a Constituição material como Constituição real: 2.1. A Constituição mate-rial e o seu sentido jurídico – Normativo. O movimento do Constitucionalismo na Inglaterra do Século XVII. A definição de Constitucionalismo; 2.2. O surgimento das Constituições formais no movimento do constitucionalismo. A Constituição (moderna) como a ordenação sistemática e racional da comunidade política, plasmada em um documento escrito; 2.3. Mas o que aconte-ce com a Constituição material? Ela deixa de existir juridicamente com o surgimento das Cons-tituições formais?; 2.4. A Constituição formal e a sua relação com a constituição material no decorrer do tempo. Uma rápida advertência!; 2.5. Última digressão: o que é mesmo a Consti-tuição Formal? A definição de supralegalidade desenvolvida e explicitada nos EUA no começo do século XIX – 3. Classificações das Constituições: teorias tradicionais e usuais na doutrina pátria – 4. Classificação ontológica (ou essencialista) das Constituições de Karl Löewenstein – 5. Reflexões sobre as classificações tradicionais; o conceito de bloco de constitucionalidade; e o entendimento sobre a denominação intitulada de Neoconstitucionalismo – 6. Última di-gressão sobre a classificação das Constituições. O nosso ponto de vista (que nós defendemos e não apenas descrevemos): a classificação paradigmática das Constituições, com base na teoria discursiva da Constituição de Jürgen Habermas: uma abordagem crítico-reflexiva das Constituições Clássicas (Estado Liberal), Sociais (Estado Social) e de Estado Democrático de Direito – 7. Sentidos ou concepções do termo Constituição: sentidos clássicos e contempo-râneos: 7.1. A Constituição dirigente de J. J. Gomes Canotilho: o debate sobre a constituição dirigente e o constitucionalismo moralmente reflexivo; 7.2. A Constituição para a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann; 7.3. A Constituição na Teoria Discursiva do Direito e do Estado Democrático de Direito de Jürgen Habermas; 7.4. A sociedade aberta de intérpretes da Cons-tituição de Peter Häberle: Constituição como cultura e processo público; 7.5. A Força normati-va da Constituição e a Constituição Aberta de Konrad Hesse; 7.6. A Constituição Simbólica de Marcelo Neves e as digressões sobre o Transconstitucionalismo (Tese do Transconstituciona-lismo); 7.7. O conceito Pluridimensional de Constituição de José Adércio Leite Sampaio; 7.8. O (novo) Constitucionalismo Plurinacional da América Latina e sua ruptura paradigmática – 8. Classificação quanto à aplicabilidade das Normas Constitucionais: Teoria de José Afonso da Silva – 9. Classificação quanto à aplicabilidade das normas constitucionais de Carlos Ayres Britto e Celso Ribeiro Bastos – 10. Classificação quanto à aplicabilidade das normas constitu-cionais de Maria Helena Diniz – 11. Classificação quanto à aplicabilidade das normas consti-tucionais de Luís Roberto Barroso – 12. Classificação trabalhada por Uadi Lammêgo Bulos das normas constitucionais de eficácia exaurida – 13. Estrutura e Elementos das Constituições.

1. O QUE É UMA CONSTITUIÇÃO? CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO E CONSTITU-

CIONALISMO. UMA ADVERTÊNCIA INICIAL

Estabelecer o conceito de Constituição1 é, sem dúvida, uma tarefa árdua, pois, conforme iremos observar, o termo é multifacetado, não havendo uma linearidade

1. Em sentido lato (senso comum), a palavra Constituição é entendida costumeiramente como o ato de instituir, formar, estabelecer, criar, enfim, constituir: algo, alguma coisa, algum objeto, um ato, uma ideia, uma ação, ou

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e univocidade em torno de sua base semântica. Sem dúvida, não há, na literatura constitucionalista atual, um conceito único de Constituição, e nem mesmo que se possa considerar, tendencialmente, como dominante.2

Obviamente, qualquer conceito desenvolvido partirá de uma pré-compreen-são subjacente, fruto da tradição na qual o autor está inserido. E, aqui, nossa

que vão do nada ao simplesmente nada aparecendo, sem uma devida contex-tualização do porque estão ali inseridos. É bem verdade que somos forçados a

Constituições. Os alunos de graduação e já graduados que se preparam para con-cursos públicos (Magistratura, Ministério Público etc.) são compelidos a conhecer

minimamente sustentável.

como qualquer outro cientista, seja de qual ciência for, não é, como se pensava ou-trora (iluministicamente), um ser neutro e indiferente ao seu contexto (descontex-tualizado) e ao seu tempo (a-histórico), que produz com o fruto de sua neutralidade e distanciamento, de suas digressões puras, inquestionáveis e absolutas.

Pois bem, o século passado (século XX) nos ensinou que as verdades produzi-

que, portanto, são verdades datadas, históricas e eminentemente contingenciais. Ou seja, apreendemos com H. G. Gadamer3 (entre outros autores pós-giro hermenêuti-co e linguístico) que o nosso olhar é sempre socialmente condicionado, pois nunca temos acesso direto a um objeto (seja ele qual for, incluindo as normas jurídicas), que é sempre mediatizado por nossas vivências e tradições (pré-compreensões), às quais, querendo ou não, estamos imersos.

mesmo um ser vivo. Se há uma (seja em qualquer dos sentidos apresentados) Constituição em algo (entendido esse algo como um ser, seja concreto ou abstrato) é porque o mesmo existe em detrimento do não constituído, do não formado, do carente de formação, ou mesmo do que está em vias de formação. Embora de cunho ontoló-gico (essencialista), essa perspectiva é usual nos manuais pátrios.

2. Nesse sentido são as análises de J. J. Gomes Canotilho, que aponta, inclusive, os motivos principais de tais di-vergências na doutrina constitucionalista. Segundo o autor de Coimbra, os motivos (explicações) para as dis-crepâncias doutrinárias seriam das mais diversas ordens, tais como: 1) aqueles que se relacionam com as próprias concepções de direito e de Estado, surgindo, por isso, concepções positivistas, concepções decisionistas e concepções materiais de Constituição. 2) outros que dizem respeito à função e estrutura da Constituição e nesses termos teríamos as Constituições garantia, Constituições programa, Constituições processuais além das “famosas” Constituições diri-gentes. 3) outros que se relacionam com a abertura ou com o caráter cerrado dos documentos constitucionais, aludin-do a Constituições ideológicas e Constituições neutrais dotadas de uma “pretensa” neutralidade; 4) outros envolveriam o “modus” do compromisso ou consenso constituinte e, daí, a alusão a Constituições compromissórias, consensuais ou pactuadas; 5) teríamos, também, motivos que diriam respeito a perspectiva ideológica dominante nos textos constitu-cionais, surgindo daí Constituições de cunho socialista, social-democrata e liberais, bem como Constituições sociais (de Welfare State) e de Estado Democrático de Direito. (Direito constitucional e teoria da Constituição, 2003).

3. GADAMER, Hans Georg, Verdade e método. v. I e II.

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2. UM PONTO DE PARTIDA: O CONCEITO HISTÓRICO-UNIVERSAL E A PRIMEIRA

DEFINIÇÃO DE CONSTITUIÇÃO: A CONSTITUIÇÃO MATERIAL COMO CONSTI-

TUIÇÃO REAL

Conforme observado, se quisermos saber o que é uma Constituição e o que ela

ponto de partida. Entre diversos (existentes), iremos escolher um que, didaticamen-te, irá facilitar o entendimento básico sobre o que seja uma Constituição e, a partir

-titucional brasileiros, já foram abandonadas em boa parte da Europa, na primeira metade do século XX.4 Mas, por incrível que pareça, apesar de inadequadas e com alto grau de inconsistência, são cobradas, ainda hoje, em provas (da OAB e das principais carreiras jurídicas nacionais) e são trabalhadas nas graduações. É mister construirmos uma base lógica em torno delas para que possamos apresentá-la de-vidamente. Senão, vejamos!

Iremos, então, partir da seguinte digressão: “Em todos os lugares do mundo e em todas as épocas sempre existiu e sempre existirá isso que chamamos de Cons-tituição.”5

-timos de uma digressão de que ela sempre existiu e sempre existirá (perspectiva temporal) e em todos os lugares (perspectiva espacial-universal). No entanto, como a Constituição (que ainda não sabemos o que é) sempre existiu? E que tipo de Cons-tituição é essa que existe desde os primórdios? Ela se confunde com as atuais que conhecemos? As Constituições escritas que conhecemos e que ora encontramos na maioria dos países não são uma criação tipicamente moderna? Como então falar em Constituição em períodos arcaicos?

Bem, para provar a existência da Constituição devemos nos ater à seguinte per-gunta: o que necessitamos para vislumbrar uma determinada comunidade, socieda-de ou (modernamente falando) um Estado? Ou seja, quais as matérias fundamentais

4. Temas de debate como: Constituições formais, materiais, rígidas, flexíveis, escritas, não escritas etc., não fazem parte do ambiente doutrinário de inúmeros países da Europa na atualidade. Os autores não trabalham com classi-ficações de cunho nem mesmo semântico, mas ainda sintático! São conceitos esvaziados de sentido à luz de uma Teoria da Constituição não só ontológica (à qual já criticava essas classificações), mas atualmente pós-ontológica nas pegadas de um constitucionalismo discursivo que foge ao objetivo da obra esmiuçar, mas que aqui será de-fendido ainda que como pano de fundo paradigmático. A dicotomia Constituição formal X Constituição material que marcará o início de nossa abordagem também sofre críticas de outras importantes vertentes (embora não atreladas a teoria discursiva da Constituição) do constitucionalismo nacional e internacional. Nesses termos, em excelente abordagem José Adércio Leite Sampaio nos afirma que “as teorias formais e materiais da Constituição se revestiriam de uma visão unilateral de Constituição”, causando, com isso um “déficit constante de eficácia e prestígio constitucional.” (SAMPAIO, José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, 2004, p. 8 e 54).

5. Digressão desenvolvida propedeuticamente por Ferdinand Lassalle (1863) em seus estudos.

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(fundantes, basilares) para que consigamos enxergar determinadas comunidades (sociedades ou Estados)?

Entre vários elementos (matérias) podemos trabalhar com três:

a) Identidade: ideia de “nós e outros” (alteridade), noção de pertencimento. Aqui-lo que, por exemplo, me permite afirmar que sou cidadão de Esparta e não de Atenas.

b) Organização social e especialização (hierárquica e de linha sucessória): quem detêm o poder (mando), como manda e como se dá a reprodução social nessa estrutura.

c) Valores subjacentes (regras): preestabelecidos e naturalizados a partir de um processo construtivo que permitiu, inclusive e sobretudo, desenvolver um tipo de organização social e especialização de poder, bem como possibilitou a cons-trução de uma identidade, diferenciando-se de outras identidades.

Pois bem, com a junção desses elementos (matérias) o que temos? O que vis-lumbramos? O que enxergamos? Temos, sem dúvida, o nascimento, a formação ou criação de comunidades, sociedades ou sociedades políticas, denominadas Estados. Ou seja, essas matérias explicitam como os Estados existem e se reproduzem como tais com os seus respectivos “modos de ser”. E se existem como comunidades, so-ciedades ou Estados é porque foram constituídos e, portanto, a partir daí eles têm uma determinada Constituição.

a priori, como “o modo de ser” de uma comunidade, sociedade ou Estado.6 Ou seja, como ele (a) é e está cons-tituído (a), formado (a), e, portanto, existe em relação com outras (o) comunidades,

diante de matérias que constituíram essas sociedades e sem elas não seriam vis-lumbradas como sociedades, conforme observamos, essa Constituição só pode ser

Constituição material (real).

Voltando ao ponto de partida: se sempre existiu Constituição no mundo, sempre existiu Constituição material (real), ou seja, matérias que constituíram comunidades, sociedades e Estados que se diferenciaram (com seus respectivos “modos de ser”) fazendo com que cada um sociologicamente tivesse uma determinada Constituição. Portanto, a conclusão é que todos os países (Estados ou mesmo comunidades)

6. Aristóteles, em A Política, afirma ser a Constituição (politeia) o modo de ser da polis. Nesses termos a mesma seria a “totalidade da estrutura social da comunidade”. Ver: ARISTÓTELES, A política. 2. ed. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1988. [Clássicos da Filosofia]. Fioravanti (Constitución, p. 19), compreende a politeia gre-ga como um instrumento conceitual que busca definir uma forma de governo adequada à realidade do século IV, ao mesmo tempo que reforce a unidade da polis, dissolvendo as crises que se insurgem. Por isso mesmo, uma tradução, para nossos tempos, como sinônimo de “Constituição” não é apenas correto, mas apropriado do ponto de vista hermenêutico.

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possuíram em todos os momentos de sua história Constituições reais e efetivas à luz, sobretudo, de uma perspectiva eminentemente sociológica.

Constituição material, num primeiro mo-mento, é entendida como Constituição real.7 Sendo assim, trata-se de um conceito de cunho sociológico, afeto à sociologia e, porque não dizer, hodiernamente, à sociologia do direito.

Entretanto, o conceito de Constituição material como Constituição real e efe-tiva não resolve nosso problema, na medida em que apenas demonstra que a reprodução social de diferentes comunidades constituídas (forjadas ou criadas), no decorrer dos séculos, com suas peculiaridades e fatores (reais) de poder, as dife-renciaram de outras comunidades.

No entanto, como, então, trabalhar um conceito de Constituição que não seja apenas sociológico? Se há milênios sempre existiu, quando a Constituição deixou de ser algo, em regra, implícito (às costas da comunidade como seu “modo de ser”, muitas vezes naturalizado) e passou a ser algo explícito (expresso) e “constitutivo” das comunidades, ou melhor, daquilo que poderíamos chamar juridicamente de “novas” comunidades?

2.1. A Constituição material e o seu sentido jurídico – Normativo. O movimento

do Constitucionalismo na Inglaterra do Século XVII. A definição de Constitucio-

nalismo

Se a Constituição real é o modo ser de uma comunidade, na medida em que carrega as matérias constitutivas de um modo de ser de Estado e de Sociedade, a partir dos séculos XVII e XVIII ela ganha contornos tipicamente jurídico-normativos. Sem dúvida, a ideia de organização constitucional formal (formalizada) dos Esta-dos se estabelece (se funda), de forma solene, no século XVIII com o denominado “movimento do constitucionalismo” que guarda íntima relação com as revolu-ções americana e francesa. No entanto, apesar daquilo que chamamos de ordem

7. J. J. Gomes Canotilho, em antiga edição de sua monumental Teoria da Constituição e Direito Constitucional, definiu a Constituição material como Constituição real nos seguintes termos: “Constituição real (material) entendi-

da como o conjunto de forças políticas, ideológicas e econômicas, operantes na comunidade e decisiva-

mente condicionadoras de todo o ordenamento jurídico.” Noutros termos pertencentes a autores contem-porâneos: “a constituição real é o conjunto de valores e de escolhas políticas de fundo, condivididas pelas forças políticas da maioria ou pelas forças políticas hegemônicas num determinado sistema Constitucional (BARTOLE)”; “a constituição real é conjunto de valores, princípios e praxes que constituem à visão ético-político essencial em torno da qual se agregam as forças hegemônicas da comunidade (BOGNETTI)”. (6. ed. 1993, p. 67). Famosa também é a definição de Constituição real de Ferdinand Lassalle (1825-1864) em sua obra (citada acima) de 1863, intitulada A Essência da Constituição, na qual entende a mesma como os “fatores reais de poder que regem e determinam um país”. Teríamos, segundo o jurista Prussiano do século XIX, um conjunto de forças que atuam para manter as instituições vigentes em uma dada época histórica formando uma Constituição muito maior do que aquela estabelecida na “folha de papel” (Constituição escrita) sendo esta sim a Constituição por excelência “real e efetiva”.

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constitucional formal surgir apenas no constitucionalismo americano e francês, não podemos desconsiderar a existência de um constitucionalismo britânico.

Este, apesar de não estabelecer a formalização das constituições (Constituições -

mação da Supremacia do Parlamento, após um longo processo de sedimentação que teve início no século XIII (com a Magna Carta de 1215). Nesse sentido, passamos a ter a Constituição material como efetivamente jurídica, nos moldes modernos (constitucionalismo moderno).

A Constituição material passou a ser, a partir da experiência inglesa, enten-dida como o conjunto de normas juridicamente instituidoras de uma comunidade (tipicamente constitutivas do Estado e da Sociedade).8 Nesses termos, podemos

-ziu ao surgimento de uma (“nova”) ordem constitucional material, ou seja, de uma Constituição material normativamente institucionalizada com matérias tipicamente constitutivas do Estado e da Sociedade.

Nesse sentido, urge salientar algo pouco explorado na doutrina pátria que se refere ao que comumente chamamos de constitucionalismo ou de movimento do Constitucionalismo. Parafraseando o magistral escritor mineiro Guimarães Rosa que dizia que “Minas são muitas”, também os constitucionalismos, ou, de forma mais rigorosa,9 “os movimentos constitucionais são muitos” e não podem ser reduzidos (como não raro ocorre) ao fervor revolucionário americano e, posteriormente, o francês.

O constitucionalismo (moderno) pode ser entendido como um movimento que traz consigo objetivos que, sem dúvida, irão fundar (constituir) uma nova ordem, sem precedentes na história da constituição das sociedades, formando aquilo que Rogério Soares chamou de “conceito ocidental de Constituição”. Nesse diapasão, se perguntássemos sobre os dois grandes objetivos do constitucionalismo, qual seria a resposta? Ora, não tenhamos dúvidas que seriam:

8. Não se poderia furtar de mencionar o exercício de reconstrução histórica do constitucionalismo inglês trazido por Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto em sua primeira parte de sua tese de doutoramento junto ao pro-grama de Pós-graduação da UFMG, intitulada “A reação norte-americana aos atentados de 11 de setembro de 2001 e seu impacto no constitucionalismo contemporâneo: um estudo a partir da teoria da diferenciação do direito”.

9. Concordamos com J. J. Gomes Canotilho quando o mesmo se posiciona no sentido de afirmar que é mais rigo-roso falar de vários movimentos constitucionais do que de vários constitucionalismos (embora o próprio autor, em passagem anterior de sua obra, cite a existência de pelo menos três Constitucionalismos: inglês, americano, francês). Segundo o autor in verbis: “E dizemos ser mais rigoroso falar de vários movimentos constitucionais do que de vários constitucionalismos porque isso permite recortar uma noção básica de constitucionalismo. Cons-titucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Nesse sentido o constitu-cionalismo representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos.” (Direito constitucio-nal e teoria da Constituição, 2003).

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1) A limitação do poder com a necessária organização e estruturação do Estado (Estados nacionais que já eram, mas a partir daí se afirmam como, não mais absolutos). Em consequência disso, se desenvolveram teorias consubstanciadas na praxis, como a “teoria da separação dos poderes”, além de uma redefinição do funcionamento organizacional do Estado;

2) A consecução (com o devido reconhecimento) de direitos e garantias funda-mentais (num primeiro momento, com a afirmação em termos pelo menos for-mais da: igualdade, liberdade e propriedade de todos).

Concluindo, com Canotilho, os temas centrais do constitucionalismo se relacio-nam com a fundação e legitimação do poder político (em contraponto a um poder absoluto) e a constitucionalização das liberdades individuais.

No entanto, o constitucionalismo moderno, com esses traços marcantes, se apresenta, conforme já salientado, de forma diferenciada na tradição inglesa (e também na tradição francesa e americana, embora ambas trabalhem de forma semelhante com o que chamaremos, logo a seguir, de constituições formais). Nesse sentido, o constitucionalismo moderno (com seu intitulado conceito ocidental de constituição) é também tributário de uma “dimensão histórico-constitucional” de viés inglês (English Constitution) que se desenvolveu por meio de momentos consti-tucionais desde a Magna Carta de 1215 à Petition of Rights, de 1628, do Habeas Cor-pus Act de 1679 ao Bill of Rights de 1689, que acabaram por sedimentar “dimensões estruturantes” de um Constitucionalismo ocidental.10

2.2. O surgimento das Constituições formais no movimento do constitucionalis-

mo. A Constituição (moderna) como a ordenação sistemática e racional da comu-

nidade política, plasmada em um documento escrito

Conforme trabalhado alhures, é certo que, após séculos de sedimentação e con-solidação, podemos observar nitidamente a constituição material normativamente

10. Nesse sentido, temos o que J. J. Gomes Canotilho chamará de cristalizações jurídico-constitucionais do mo-

vimento do constitucionalismo de viés inglês, que passaram a fazer parte do patrimônio criador (formador) do modelo ocidental de Constituição. Sendo as mesmas: 1º) a noção de que a liberdade estaria radicada sub-jetivamente como liberdade pessoal de todos os ingleses e como segurança das pessoas e dos bens de que se é proprietário no sentido indicado pelo art. 39 da Magna Carta; 2º) a garantia da liberdade e da segurança jurídica impôs a criação de um processo justo regulado por lei (due process of law), no qual se estabeleceria as regras disci-plinadoras da privação da liberdade e da propriedade; 3º) as leis do país (laws of the land) reguladoras das tutelas das liberdades são dinamicamente interpretadas e reveladas pelos juízes – e não pelo legislador – que assim vão consubstanciando o chamado direito comum (common law) de todos os ingleses; e 4º) a partir, sobretudo, da Revolução Gloriosa (1688-89) ganha (adquire) estatuto constitucional a ideia de representação e soberania parlamentar indispensável à estruturação de um governo moderado. O poder deixa de ser concentrado nas mãos do monarca e passa a ser de forma mista perfilhado por outros órgãos do governo (conjunção: Rei – parlamento com a supremacia deste). Nesses termos (apesar de alguns resquícios medievais só vencidos posteriormente com as revoluções francesa e americana), a intitulada soberania do parlamento na Inglaterra do século XVII exprimirá (também) a ideia de que o poder supremo deveria exercer-se através da forma da lei do parlamento. Essa ideia estará na gênese de um princípio básico do constitucionalismo: the rule of law. (Direito constitucional e teoria da Constituição, 2003).

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consubstanciada por meio de um conjunto de documentos que estabeleceriam uma

Revolução Gloriosa.

Contudo, também, é certo que, logo em seguida, no século XVIII, teremos o constitucionalismo moldado por teóricos e revolucionários norte-americanos e fran-ceses, nos seus respectivos contextos, levado às últimas consequências como pac-to fundador de um novo Estado e de uma nova sociedade. Temos então: a “era das Constituições formalizadas (formais) em um documento escrito”. A Constituição passa a ser entendida como “a ordenação sistemática e racional da comunidade

político e declaram-se direitos e liberdades fundamentais.” A Constituição deixa de ser um “modo de ser” da comunidade (como ela simplesmente é) para se tornar o “ato constitutivo” (criador, formador, fundante) da (nova) comunidade.11

É claro que esse conceito moderno (ou ocidental de constituição), típico do constitucionalismo iluminista (oitocentista) é ideal (dotado de uma idealidade),12 mas, nem por isso, deixa de ser paradigmático, apresentando-se como fruto das pré-compreensões subjacentes ao contexto revolucionário de ideologia liberal-bur-guesa, que propugnou a ruptura com cânones de um Estado nacional absoluto (ou até mesmo, ainda, estamental).

Vejam bem: inicia-se a noção da constituição como algo que funda uma nova sociedade, como um documento escrito que se projeta para o futuro a partir da sua criação (produção) e que todos devem respeito, independentemente de sua posição social (status) ou até mesmo de sua colocação na estrutura organizacional do Estado (ideia do governo das leis e não dos homens).13

Nesses termos, concluímos explicitando, mais uma vez, as bases da Constituição

constituições vão: 1) ordenar em termos jurídico–políticos o Estado, agora, por meio

11. SOARES, Rogério, O conceito ocidental de Constituição.12. Trata-se de uma definição que, conforme J. J. Gomes Canotilho, não se apresenta perfeita a nenhum dos mo-

delos históricos de constitucionalismo. Exemplifica o autor que: um Englishman sentir-se-á arrepiado ao falar de uma ordenação sistemática e racional da comunidade através de um documento escrito. Para ele – The English Constitution – será a sedimentação histórica de direitos adquiridos pelos ingleses e o alicerçamento, também histórico, de um governo balanceado e moderado (the balanced constitution). A um Founding Father (e a um qual-quer americano) não repugnaria a ideia de uma carta escrita garantidora de direitos e reguladora de um governo com freios e contrapesos feita por um poder constituinte, mas já não se identificará com qualquer sugestão de uma cultura projetante traduzida na programação racional e sistemática da comunidade. Aos olhos de um cito-yen revolucionário ou de um “vintista exaltado” português a constituição teria de transportar necessariamente um momento de ruptura e um momento construtivista. Momento de ruptura com a ordem “histórico-natural das coisas”, outra coisa não era senão os privileges do ancien regime. Momento construtivista porque a Constituição, feita por um novo poder – o poder constituinte –, teria de definir os esquemas ou projetos de ordenação de uma ordem racionalmente construída. (Direito constitucional e teoria da Constituição. 2003).

13. Hannah Arendt (Da Revolução) e Bernard Bailyn (As origens ideológicas da Revolução americana) relatam bem como o movimento revolucionário norte-americano encontrou no processo de elaboração da Constituição o seu ápice, consagrando uma abertura para o futuro no sentido da inauguração de uma “nova ordem” político-jurídica.

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de um documento (pacto) escrito; 2) declarar nessa carta escrita um conjunto de di-reitos fundamentais e o respectivo modo de garantia; 3) organizar o poder político segundo esquemas tendentes a tornar um poder limitado e moderado.

2.3. Mas o que acontece com a Constituição material? Ela deixa de existir juridi-

camente com o surgimento das Constituições formais?

Com a ruptura que envolve o nascimento das Constituições (formais), explici-tadas sob a forma escrita, o que ocorre com a Constituição material (em sentido

-ção material, sedimentada juridicamente, após longo processo, envolve as matérias tipicamente constitutivas (normativamente fundantes) do Estado e da sociedade e, obviamente, não vão desaparecer com a efetivação das Constituições formais. Mas o que será feito delas?

Ora, a Constituição formal é fruto de um Poder Constituinte originário que a produz, inserindo as matérias que considera fundamentais para a constituição de um Estado. Então, acreditamos que, pelo menos num primeiro momento, as maté-rias (realmente) constitucionais (típicas da Constituição material) vão ser alocadas na Constituição formal, sendo reduzidas a termo escrito. Mas, uma pergunta sem-pre nos vem à mente: quais seriam essas matérias em pleno século XVIII? Momento justamente de ruptura --burguesa) com Estados absolutos (e a falta de limite para o exercício poder) e com os privilégios de nascimento (estamentais)?

Sem dúvida, as matérias tipicamente constitutivas do Estado e da Sociedade (constituição material), alocadas na Constituição formal, vão envolver claramen-te a organização do Estado (sua estruturação) e os direitos e garantias funda-mentais. Nunca é demais lembrar que esses foram os dois grandes objetivos do movimento do Constitucionalismo (moderno) que formalizou às constituições no século XVIII.

Isso pode ser, inclusive, referendado (provado) pelo teor de um famoso artigo

claro a força da ideologia dominante do paradigma de Estado liberal de então, bem como no constitucionalismo forjado no seu seio. Nesse sentido, o art. 16 da Decla-ração acaba inclusive determinando os Estados que teriam Constituição (formal) e

-mente nesse sentido: “os Estados que não tivessem o princípio da separação de poderes (limitação de poder) e os direitos e liberdades fundamentais, plasmados em um documento escrito não teriam Constituição (formal).”

Portanto, a Constituição material acaba sendo, à luz da própria ideologia do-minante, abarcada pela constituição formal produzida pelo movimento constitucio-nalista de então.

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2.4. A Constituição formal e a sua relação com a constituição material no decor-

rer do tempo. Uma rápida advertência!

Como iremos, posteriormente, estudar, a Constituição é produto de um poder

fruto de um “pano de fundo intersubjetivamente compartilhado” de Estado e de Sociedade que são sempre inafastáveis de nossa epocalidade e de nossa condi-ção humana. Nesses termos, na sua elaboração é confrontada com diversos jogos de poder (políticos), grupos de interesses (pressão) que participam do poder

-tucional, que será o fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico posterior a ele.

Nesses termos, numa perspectiva dinâmica, a constituição formal, no decorrer da história do constitucionalismo moderno, aumenta (“incha”) de tamanho. Seus assuntos (temas) são acrescidos de matérias não fundamentais, não tipicamente constitutivas do Estado e da sociedade, que acabam não guardando uma relação direta com a organização e a separação de poderes do Estado e os direitos e ga-rantias fundamentais.

O que temos a partir daí? A percepção de que a constituição formal passa a abarcar matérias não tipicamente constitucionais (fundantes, fulcrais, importantes), mas, também, matérias apenas formalmente constitucionais, que não são material-

-plexidade social que permeia os arranjos políticos que envolvem a elaboração de uma constituição e o contexto no qual está sendo produzida. Como rápido exemplo, citamos o peculiar art. 242 § 2º, da atual Constituição da República, que preleciona: “O Colégio Pedro Segundo localizado na cidade do Rio de Janeiro será mantido na

-ção formal porque presente (inserida) na Constituição, mas não é materialmente constitucional, sendo constitucional apenas pela perspectiva formal.

2.5. Última digressão: o que é mesmo a Constituição Formal? A definição de su-

pralegalidade desenvolvida e explicitada nos EUA no começo do século XIX

Até agora trabalhamos com um conceito de constituição formal só localizado historicamente. Apenas colocamos que, com o advento do constitucionalismo, as constituições, até então apenas materiais, se formalizam, ganham uma forma, por meio de um documento escrito que será o “ato constitutivo” de uma nova socieda-de. No entanto, o que é uma constituição tipicamente formal, dotada daquilo que poderíamos chamar de formalidade constitucional propriamente dita?

A Constituição formal, num primeiro momento do constitucionalismo, foi, sem

a constituição explicitada na forma (fôrma) escrita. Acontece que, a partir do início do século XIX, precisamente em 1803, a Constituição formal não poderia mais ser

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CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

entendida apenas pela sua forma escrita. Aliás, esse passa a ser um equívoco que alguns manuais pátrios ainda incorrem!

No famoso julgamento Marbury x Madison (1803) realizado pela Suprema Cor-te Americana por meio do Chief Justice Marshall foi decidido pela primeira vez um

-dades de atuação da mais alta corte de magistrados americanos: 1) a adoção do critério cronológico, no qual Lei posterior (ordinária originada do parlamento ou de ato executivo) revoga Lei anterior (no caso, norma consubstanciada na Cons-tituição); ou 2) a adoção do critério hierárquico, no qual Lei posterior (inferior originada do parlamento ou de ato do executivo) não prevalece sobre Lei anterior (superior consubstanciada na Constituição).

O problema é que, se adotada a primeira tese, a Constituição recém-criada (1787) estaria, logo no início de sua vida, assinando sua sentença de morte, pois

tipo de possibilidade de controle (defesa) das normas constitucionais sobre a atuação do Poder Legislativo (ou até mesmo do Poder Executivo). A Constituição estaria, portanto, fadada ao desaparecimento, ao alvedrio do legislador e de suas vicissitudes.

Adotando a segunda tese, contudo, o Chief Justice

de normas infraconstitucionais (produzidas pelo legislador ordinário) e constitu-cionais, pois estas deveriam sempre prevalecer. Sendo, a maneira pela qual, com base na doutrina dos freios e contrapesos, o judiciário deveria controlar a atua-ção dos outros poderes (legislativo e executivo) ante os ataques à Constituição americana.

Portanto, do caso Marbury x Madison podemos retirar duas digressões que, até hoje, são atuais na Teoria da Constituição e que vão nos ajudar a entender a Constituição Formal desde então:

1) A Constituição prevalece sobre todo o ordenamento ordinário, mesmo o pos-terior a ela, porque dotada de supralegalidade (doutrina da supremacia da Constituição); e

2) Se a Constituição prevalece e não sucumbe às normas ordinárias contrárias a ela, os ataques (as infringências) serão defendidos, em regra, na maioria dos países, pelo Poder Judiciário. (doutrina do controle de constitucionalidade das leis).

Nesses termos, a Constituição formal não é, e nem pode ser, somente escrita. Muito mais que isso, a Constituição formal atualmente (ou pelo menos, a partir do século XIX) é aquela dotada de supralegalidade (supremacia) e que, portanto,

-da em que essas não prevalecem num embate com as normas constitucionais. Ou

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BERNARDO GONÇALVES FERNANDES

seja, a formalidade tipicamente constitucional (Constituição formal) é observada quando uma Constituição é dotada de supralegalidade (supremacia) em relação a

Constituição estabeleceria. Esses procedimentos são mais difíceis, mais solenes e mais rigorosos do que aqueles usados para a produção das legislações ordinárias.

3. CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES: TEORIAS TRADICIONAIS E USUAIS

NA DOUTRINA PÁTRIA

-cações constitucionais (infelizmente) ainda usuais na doutrina brasileira.14 Primeiro

algumas questões para análises de cunho crítico. Nesse sentido, teríamos as seguin-

a) Quanto ao conteúdo – formais e materiais:

• Constituição Formal: é aquela dotada de supralegalidade (supremacia), estando sempre acima de todas as outras normas do ordenamento jurí-dico de um determinado país. Nesse sentido, por ter supralegalidade, só

certo que se contrariarem a constituição serão consideradas inconstitu-cionais. Portanto, a Constituição formal, sem dúvida, quanto à estabilida-de será rígida.

• Constituição Material: é aquela escrita ou não em um documento consti-tucional e que contém as normas tipicamente constitutivas do Estado e da sociedade. Ou seja, são as normas fundantes (basilares) que fazem parte do “núcleo ideológico” constitutivo do Estado e da sociedade. Sem dúvida, essas matérias com o advento do constitucionalismo (moderno) vêm sendo

-tias Fundamentais.

14. A crítica central às classificações tradicionais, que ora iremos trabalhar, envolve a sua perspectiva semântica que visa a definir e classificar a priori uma Constituição como se a mesma fosse algo descontextualizado e somente

informado pelo seu texto (esqueleto normativo), não percebendo que a Constituição, com seu texto, não

rege (de forma absoluta e atemporal) as situações de aplicação desse mesmo texto, que é fruto de pré-

-compreensões subjacentes e intersubjetivamente compartilhadas. Mesmo em uma lógica não discursiva (ontológica) essas classificações não são imunes a críticas. Um exemplo simples se coloca quando observamos que a Constituição inglesa é classificada juridicamente como flexível, mas sociologicamente é muito mais rígida que a nossa que é classificada como rígida (segundo alguns autores ela seria até mesmo super-rígida!) Na ver-dade essas classificações pouco acrescentam para uma reflexão crítica sobre o sentido das Constituições e do constitucionalismo. Uma crítica interessante, apesar de ontológica, foi delineada por Karl Löwenstein em sua ontologia das Constituições, que posteriormente iremos trabalhar.

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CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

b) Quanto à estabilidade15 – Rígida, Flexível, Semirrígida, Fixa e Imutável:

• Constituição Rígida: é aquela que necessita (requer) de procedimentos es--

• Constituição Flexível: é aquela que não requer procedimentos especiais

lógica, por exemplo, tradicional de que lei posterior revoga lei anterior do mesmo nível hierárquico. Na verdade o entendimento se perfaz de forma

-

exemplo sempre citado pela doutrina clássica é o da Constituição inglesa.16

• Constituição Semirrígida: é aquela que contém, no seu corpo, uma parte -

especiais (diferenciados dos comuns que produzem normas ordinárias)

Constituição de 1824.

• Fixa ou silenciosa: -mo poder que a criou (Poder constituinte originário). São as chamadas Constituições silenciosas, por não preverem procedimentos especiais para

17

• Imutável ou granítica: é a chamada Constituição granítica, pois não prevê

relíquias históricas. Sem dúvida, em sociedades extremamente complexas como a nossa (moderna, ou para alguns, pós-moderna), constituições gra-níticas estariam fadadas ao insucesso.

15. Também identificada por alguns autores como classificação quanto ao processo de reforma.16. Conforme o magistério de Virgílio Afonso da Silva, a Constituição inglesa, embora seja um clássico exemplo de

Constituição flexível, atualmente, no que tange a essa classificação, está relativizada. Nesses termos, com o Hu-man Rights Act aprovado em 1998 e em vigor desde o ano 2000, o Parlamento inglês passou a se submeter aos dispositivos dessa declaração de direitos, colocando a sua supremacia em xeque e fazendo ruir o modelo de Constituição flexível clássico. (A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particu-lares. 2005, p. 109). Segundo o autor, se o Parlamento inglês já não é mais soberano no sentido tradicional, e deve respeitar as disposições da declaração de direitos, o modelo de Constituição flexível também cai por terra. (2005, p. 109). É interessante, ainda, ressaltar que no ano de 2009 foi criada (de forma inovadora) uma Corte Constitu-

cional na Inglaterra (embora essa não tenha legitimidade para rever atos do Parlamento como as tradicionais Cortes Constitucionais que foram desenvolvidas na Europa no século XX).

17. Ver BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de Direito Constitucional. 2006. E também CARVALHO, Kildare Gonçalves, Direito constitucional. Teoria do estado e da Constituição. Direito constitucional positivo.

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trata-se da Constituição que traz a previsão de que até determinada data a Constituição poderá ser emendada por proce-dimentos comuns. Após a data determinada, a Constituição só poderá ser

-tuição de Baden de 1947.18

• Transitoriamente imutável: é a Constituição que durante determinado pe-ríodo não poderá ser alterada. Somente após esse período ela poderá ser alterada.19 Como exemplo, a doutrina cita a nossa Constituição brasileira de 1824 (Constituição do Império) que só poderia ser alterada após quatro anos de vigência. Aqui uma crítica pertinente que demonstra a precarie-

na Constituição que não permite que seja reformada em um determinado lapso temporal. O exemplo da Constituição do Império de 1824 demonstra justamente isso, devendo ser considerada como semirrígida, nos moldes acima já salientados.

c) Quanto à forma – escritas e não escritas:

• Constituição escrita: é aquela elaborada de forma escrita e sistemática em um documento único, feita de uma vez só (por meio de um processo espe-

assembleia constituinte.20

• Constituição não escrita: é aquela elaborada e produzida com documen-tos esparsos (de modo esparso) no decorrer do tempo, paulatinamente desenvolvidos, de forma histórica, fruto de um longo e contínuo processo de sedimentação e consolidação constitucional. Um exemplo clássico e co-mumente citado é o da Constituição inglesa que é intitulada de não escrita, além de histórica e também costumeira (consuetudinária).

d) Quanto ao modo de elaboração – dogmáticas e históricas:

• Constituição dogmática: é aquela escrita e sistematizada em um documen-to que traz as ideias dominantes (dogmas) em uma determinada socieda-de num determinado período (contexto) histórico. Ela se equivale à consti-tuição escrita quanto à forma.

18. BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de direito constitucional. 2006. E também CARVALHO, Kildare Gonçalves, Direito constitucional. Teoria do estado e da Constituição. Direito constitucional positivo.

19. CARVALHO, Kildare Gonçalves, Direito constitucional. Teoria do estado e da Constituição. Direito constitucional positivo.20. SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo. 2006. Definitivamente não podemos classificar a

Constituição como escrita simplesmente por ela ser e ter a forma escrita, como infelizmente querem alguns dou-trinadores. Essa postura chega a ser risível! É óbvio que se assim fosse as Constituições não escritas, que diga-se de passagem contêm documentos escritos, também deveriam ser consideradas ou classificadas como escritas! Outro equívoco absurdo (que felizmente não se coaduna com a doutrina majoritária!) é afirmar que a classifi-cação de Constituição escrita também diz respeito às Constituições elaboradas por diversas leis (do tipo não codi-ficada). Aqui voltamos à lógica banal de uma Constituição ser classificada como escrita porque nela encontramos textos escritos!

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CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

• Constituição histórica: é aquela elaborada de forma esparsa (com docu-mentos e costumes desenvolvidos) no decorrer do tempo, sendo fruto de um contínuo processo de construção e sedimentação do devir histórico. Ela se equivale à Constituição não escrita quanto à forma. O exemplo também comumente citado é o da Constituição inglesa.

e) Quanto à origem21 – promulgadas, outorgadas e cesaristas:

• Constituição Promulgada: é aquela dotada de legitimidade popular, na me-dida em que o povo participa do seu processo de elaboração, ainda que por meio de seus representantes. Para alguns autores, ela se apresenta como sinônimo de democrática. Como exemplo, poderíamos citar as Cons-tituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988.22

• Constituição Outorgada: é aquela não dotada de legitimidade popular, na medida em que o povo não participa de seu processo de feitura, nem mesmo de forma indireta. Ela também é concebida na doutrina como si-nônimo de Constituição autocrática ou mesmo ditatorial. Como exemplos, poderíamos citar as Constituições brasileiras de 1824, 1937 e 1967.23

21. Essa classificação leva em consideração não a promulgação de cunho técnico realizada em qualquer documento constitucional (inclusive nas Constituições outorgadas), mas sim a forma de produção da Constituição com ou sem a participação popular. Ou seja, ela visa a analisar se a Constituição foi elaborada com ou sem legitimida-de (viés democrático). Nesses termos, também são as reflexões de parte da doutrina, defendendo que o mais correto seria o uso do termo Constituição democrática (ao invés do termo técnico usado pela classificação, ora citada): “[...] uma Constituição, mesmo que promulgada, pode ser autoritária ou populista. A promulgação é o ato solene que integra a fase final do processo legislativo e equivale à certificação formal e pública de alteração do sistema jurídico por um novo texto normativo. A promulgação é seguida da publicação da nova norma. Assim, a expressão ‘Constituição promulgada’ equivale apenas ao fato de que houve um processo legislativo colegiado de elaboração e de aprovação majoritária de seu texto. Apenas isso. Portanto, ao invés de ‘Constituição promul-gada’ deveríamos utilizar a expressão ‘Constituição democrática’ para nos referir a uma Constituição que tenha sido elaborada com a efetiva participação da sociedade [...]” In: OLIVEIRA, Márcio Luís de. Os limites ideológicos e jusfilosóficos do poder constituinte originário, p. 379-407, 2007.

22. Apesar de alguns senadores biônicos (termo usado para designar senadores que não haviam sido eleitos pelo voto popular) terem participado da Assembleia Nacional Constituinte de fevereiro de 1987 a outubro de 1988.

23. É interessante que boa parte da Teoria da Constituição atual compreende a denominação Constituição autocrá-tica (ou ditatorial) como uma verdadeira contradição, na medida em que o constitucionalismo está intimamente ligado à perspectiva democrática. Falar em Constituição autocrática é falar em algo que definitivamente não coa-duna com o constitucionalismo e sua busca (emancipatória) pela limitação do poder (arbítrio) e desenvolvimento de direitos e garantias fundamentais. Nesse sentido, Maurizio Fioravanti, ao reconstruir a história semântico-insti-tucional do termo ‘Constituição’, observa que não mais podemos opor a ideia de Constituição à de democracia ou soberania popular, pois o constitucionalismo só é efetivamente constitucional se institucionaliza a democracia, o pluralismo e a cidadania de todos, em não fazendo o que temos é despotismo. Do mesmo modo a democracia só é democracia se impõe limites constitucionais à vontade popular, à vontade da maioria. No mesmo sentido: “[...] para a Teoria da Constituição constitucionalmente adequada só é possível existir uma Constituição em sentido político-jurídico num Estado de Direito, no qual ocorre uma simbiose entre o exercício dos poderes políticos e a autoridade juridicamente investida e limitada, o que confere legitimidade às funções e aos atos de Estado. E com isso concordamos, uma vez que nas autocracias impera o poder político sem limites normativos efetivos. Fora do regime democrático o Direito não cumpre a sua principal finalidade que é garantir a dignidade humana nos con-textos público e privado; nas autocracias o Direito é tão-somente um instrumento formal de opressão, submetido apenas às conveniências do grupo dominante. Portanto, numa autocracia o Direito perde a sua verdadeira essên-cia emancipadora [...]” OLIVEIRA, Márcio Luís de, In: A Constituição juridicamente adequada, p. 1., 2009.

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BERNARDO GONÇALVES FERNANDES

• Constituição Cesarista: é aquela produzida sem a participação popular (de forma direta ou mediante representantes), mas que, posteriormente a sua elaboração, é submetida a referendum (uma verdadeira consulta plebisci-tária) popular para que o povo diga sim ou não sobre o documento. Essas constituições, sem dúvida, se aproximam das Constituições Outorgadas (e se distanciam das Promulgadas), pois os processos de produção (que, ob-viamente, conferem legitimidade ao documento constitucional) não envol-vem o povo e sim algo pronto e acabado (“receita de bolo”) que, de forma não raro populista, é submetido para digressão popular. Os exemplos des-se tipo de Constituição são as Constituições de Napoleão, na França, e de Pinochet, no Chile, entre outras.

f) Quanto à extensão – analíticas e sintéticas:

• Constituição Analítica: também chamada de prolixa, é aquela elaborada de forma extensa (formato amplo), com um cunho detalhista, na medida em que desce a pormenores não se preocupando somente em descrever e explicitar matérias constitucionais (tipicamente constitutivas do Estado e da sociedade). Portanto, acaba por regulamentar outros assuntos que entenda relevantes num dado contexto, estabelecendo princípios e regras e não apenas princípios (ainda que os princípios e a estrutura chamada atualmente de principiológica possam ser dominantes). Como exemplos, podemos citar as atuais Constituições do Brasil (1988), Portugal (1976) e Espanha (1978).

• Constituição Sintética: é aquela elaborada de forma sucinta (resumida) e que estabelece os princípios fundamentais de organização do Estado e da sociedade preocupando-se em desenvolver no seu bojo apenas as matérias constitucionais típicas (Organização e estruturação do Estado e Direitos Fundamentais). Em regra são Constituições eminentemente prin-cipiológicas.24

g) Quanto à ideologia (ou quanto à dogmática) – ortodoxas e ecléticas:

• Constituição Ortodoxa: é aquela que prevê apenas um tipo de ideologia em seu texto. Exemplos recorrentemente lembrados são as Constituições da China e da ex-União Soviética.

• Constituição Eclética: é aquela que traz a previsão em seu texto de mais de uma ideologia, na medida em que pelo seu pluralismo e abertura agrupa mais de um viés (linha) ideológico. A atual Constituição brasileira de 1988 é um exemplo.

24. Um exemplo é a Constituição norte-americana de 1787 ainda hoje em vigor. Aqui temos uma observação inte-ressante: apesar da Constituição norte-americana ser classificada pela doutrina tradicional (de cunho semântico como anteriormente criticamos) como sintética (sucinta), algumas Constituições de estados norte-americanos são excessivamente analíticas.

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CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

h) Quanto à unidade documental – orgânicas e inorgânicas:

• Constituição Orgânica: é aquela que é elaborada em um documento único, num corpo único de uma só vez por um poder competente para tal e que contém uma articulação (interconexão) entre suas normas (títulos, capítu-los, seções).25

• Constituição Inorgânica: é aquela que não é dotada de uma unidade docu-mental. É elaborada por textos escritos não dotados de uma interconexão que podem ser reunidos posteriormente (e solenemente) em um docu-

como exemplos as atuais Constituições de Israel e da Nova Zelândia. Um exemplo interessante é o da Constituição francesa de 1875 da III República, que foi a junção de três documentos legais.

i) Quanto ao sistema26 – Principiológicas e Preceituais:

• Constituição Principiológica: é aquela em que predominam os princípios (embora nela possam existir regras) considerados normas (constitucionais) de alto grau de abstração e generalidade para boa parte dos doutrinado-res pátrios.27Um exemplo seria a atual Constituição brasileira de 1988, que atualmente é entendida, trabalhada e interpretada pelo neoconstituciona-lismo como principiológica.28

25. Paulo Bonavides chama essas Constituições de codificadas e as diferencia das Constituições legais, que seriam Constituições escritas que se apresentam esparsas ou fragmentadas em vários textos, como a Constituição da III República francesa de 1875 (leis constitucionais elaboradas em momentos distintos da atividade legislativa, que foram tomadas em conjunto, passando a ser a Constituição francesa). (BONAVIDES, Paulo, Curso de direito consti-tucional. p. 88).

26. É importante deixar registrado que alguns doutrinadores, dentre eles Lammêgo Bulos (2006), classificam diferen-temente as Constituições quanto à sistematização (e não quanto ao sistema!). Essa classificação divide as Cons-tituições em unitárias (unitextuais ou codificadas) e variadas (pluritextuais ou não codificadas). As primeiras são aquelas que estão adstritas a um único texto. Portanto, a Constituição está contida em um único documento. Já as segundas (variadas ou pluritextuais) são aquelas que as normas constitucionais estão espalhadas em diversos documentos com força constitucional. O exemplo, assim como em Bonavides para as Constituições legais, tam-bém é o da Constituição francesa da III República de 1875.

27. A tese que diferencia as normas regras e as normas princípios pelo aspecto quantitativo (ou seja, pelo grau de abstração ou generalidade) é chamada de tese fraca, conforme iremos observar posteriormente quando formos tratar da diferença entre regras e princípios sob o ponto de vista do aspecto quantitativo (tese fraca) e qualitativo (tese forte).

28. Todavia, entendemos ser equivocado afirmar tal tese, ainda que majoritária na doutrina nacional, pois mesmo que a Constituição de 1988 tenha se preocupado em explicitar um catálogo volumoso de princípios, quantita-tivamente, há que vislumbrar uma primazia das regras como espécies de normas constitucionais. Na verdade, Klaus Günther (The sense of appropriateness) em sua obra já nos lembra que a problemática toda quanto à dife-renciação de regras e princípios é decorrente da coexistência de dois paradigmas distintos. Seguindo a linha de L. Kohlberg, uma tradição de supervalorização das regras é produto, ainda, de uma consciência coletiva apegada a um nível convencional (muito preocupado com a segurança jurídica, entendida como previsibilidade), enquanto aqueles que assumem o direito como um conjunto de princípios – principalmente, sem exclusão das regras por complexo – demonstram que já atingiram o nível pós-convencional (e por isso, compreendem o direto a partir de outro prisma: ou seja, como um todo coerente de normas dotadas de universalidade; de correção). A bem da verdade, o que vivenciamos hoje como neoconstitucionalismo é apenas um movimento teórico modesto que se situa em uma zona intermediária entre essas duas formas de consciência perante o direito.

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BERNARDO GONÇALVES FERNANDES

• Constituição Preceitual: é aquela em que, embora possa conter princípios, predominam-se as regras que, para boa doutrina nacional, possuem um baixo grau de abstração e um alto grau de determinabilidade. Esse tipo de Constituição que enfatiza as regras em detrimento dos princípios tende a ser essencialmente detalhista. Um exemplo citado é a Constituição do México de 1917 (Constituição de Querétaro29).

j) Quanto à Finalidade30 – Garantia, Balanço ou Dirigentes:

• Constituição garantia, abstencionista ou negativa: ela tem um viés no pas-sado, visando a garantir direitos assegurados contra possíveis ataques do Poder Público. Trata-se de Constituição típica de Estado Liberal que caracteriza-se pelo seu abstencionismo e sua atuação negativa (de não interferência ou ingerência na sociedade). Essa Constituição também intitu-lada por alguns autores de Constituição-quadro foi concebida apenas como um instrumento de governo que deveria trazer a limitação ao Poder com a devida organização do Estado, assim como direitos e garantias fundamen-tais.31 Porém aqui uma observação é fulcral, qual seja: a rigor mesmo as constituições atuais têm um pouco de constituição garantia e se apresen-tam também como tal. Obviamente, mesmo as Constituições sociais e de Estado Democrático de direito do século XX também objetivam em certa medida a garantir direitos assegurados aos cidadãos à luz de um determi-nado momento histórico (contexto histórico).

• Constituição Balanço: visa a trabalhar o presente. Trata-se de constitui-ção típica dos regimes socialistas (constituições de cunho marxista). Essa constituição visa a explicitar as características da atual sociedade, trazen-do parâmetros que devem ser observados à luz da realidade econômica,

-

A constituição visa adequar-se à realidade social. É importante salientar que a Constituição de cunho socialista não é uma constituição de dever--ser (Sollen), mas sim uma Constituição típica do mundo do ser (Sein), que

29. Essa Constituição que é de 1917 é considerada a primeira Constituição do “constitucionalismo social”. Posterior-mente, em 1919, teremos na Europa a Constituição de Weimar (na Alemanha) que apresentará de forma explícita o constitucionalismo social europeu.

30. O jurista português Jorge Miranda também nos apresenta uma classificação das Constituições quanto à fi-

nalidade. Esta diz respeito justamente à pretensão (finalidade) da Constituição em ser um documento de transição ou um documento definitivo. Nesses termos, temos: a) Constituição revolucionária, provisória ou pré--constituição: aquela que se apresenta como um conjunto de normas que tem por objetivo ou finalidade definir o regime de elaboração e aprovação da nova Constituição formal e estruturar o poder político no interstício cons-titucional, dissipando e eliminando, com isso, resquícios do regime anterior; b) Constituição definitiva (de duração indeterminada no tempo, aberta para o futuro): esta é a Constituição produto final do poder Constituinte fruto de um processo Constituinte. (Manual de direito constitucional, Tomo II, p. 91).

31. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Curso de direito constitucional, p. 12.

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CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

32 Um exemplo são as Constituições soviéticas de 1936 e de 1977.

• Constituição Dirigente: tem viés de futuro. É uma constituição típica de Estado social e de seu pano de fundo paradigmático (democracias-sociais, sobretudo do pós-Segunda Guerra Mundial). Constituições dirigentes são

e estabelecer uma ordem concreta de valores para o Estado e para a

e também pela sociedade.33 Uma das características dessas Constituições, não raro, é a presença de normas programáticas em seu bojo.

-tada por Virgílio Afonso da Silva34 e envolve um debate (ainda) atual sobre a função ou papel desempenhado por uma Constituição em um Estado e uma sociedade. Nesses termos, é analisada de forma direta a liberdade de atuação (“capacidade de conformação da ordem jurídica”) do legislador ordinário em relação à Constituição. Nesse sentido, as Constituições podem ser concebidas como: Constituição-lei: são aquelas em que a Constituição é entendida como uma norma que está no mesmo nível das outras normas do ordenamento. Nesse caso, conforme Virgílio Afonso da Silva,35 a Constituição não teria supre-macia e nem mesmo vinculatividade formal para com o legislador ordinário, sendo “uma lei como qualquer outra” funcionando, apenas como uma diretriz para atuação do Poder Legislativo, ou seja, os dispositivos constitucionais, es-pecialmente os direitos fundamentais, teriam uma função meramente indica-tiva, pois apenas indicariam ao legislador um possível caminho, que ele não necessariamente poderia seguir. Constituição-fundamento: essa concepção de constituição é também denominada de Constituição total. Nessa perspectiva, “a Constituição é entendida como lei fundamental, não somente de toda a atividade estatal e das atividades relacionadas ao Estado, mas também a lei fundamental de toda a vida social”. Sem dúvida, por essa perspectiva, o espa-

32. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Curso de direito constitucional, p. 12.33. É bem verdade que o conceito de Constituição dirigente de Canotilho, desenvolvido pelo autor na famosa obra

Constituição dirigente e vinculação do legislador (1982), sofreu modificações no decorrer do tempo. Já chama-mos a atenção do leitor para o prefácio da 2ª edição desse citado livro e das recentes edições de seu Direito constitucional e teoria da Constituição, nos quais Canotilho explicita que a atenuação do Papel do Estado faz com que hoje o programa constitucional assuma mais o papel de legitimador da sociedade estatal do que a função de um direito dirigente do centro político. Nesse sentido, conforme aqui citado, as Constituições perderam um pouco de sua força dirigente, ainda que não tenham deixado de ser diretivas. Sem dúvida, o dirigismo constitucional das décadas de 70 e 80 do século passado não mais existe, porém a Constituição dirigente não

morreu, pois ainda sobrevivem importantes dimensões de programaticidade e dirigismo constitucional, ainda que em uma perspectiva mais reflexiva (leve) e menos impositiva. Ver, sobretudo COUTINHO, Jacinto, Canoti-lho e a Constituição dirigente, 2002.

34. SILVA, Virgílio Afonso da, A constitucionalização do direito, 2005, p. 111-122.35. SILVA, Virgílio Afonso da, A constitucionalização do direito, p. 111.

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BERNARDO GONÇALVES FERNANDES

ço de conformação do legislador é extremamente reduzido. Nesses termos, “o legislador seria um mero intérprete da Constituição e nessa concepção haveria para os outros ramos do direito pouco ou nenhum espaço livre (liberdade de conformação dos outros ramos do direito estaria mitigada)”.36 Constituição--moldura: essa concepção que não é nova,37 mas vem sendo objeto de cons-tantes digressões na doutrina alemã, trabalha a constituição apenas como um limite para a atividade legislativa. Ou seja, ela é apenas uma moldura, sem tela e sem preenchimento. Nesses termos, caberá a jurisdição constitucional apenas a tarefa de controlar se o legislador age dentro da moldura. Essa concepção, nos dizeres de Virgílio Afonso da Silva, pode ser entendida como intermediária entre as duas primeiras.38

l) Constituições Plásticas: Constituições plásticas são aquelas dotadas de uma maleabilidade. Ou seja, são maleáveis aos 39 (políti-ca, econômica, educacional, jurisprudencial e etc.). São Constituições que pos-sibilitam releituras, (re)interpretações de seu texto, à luz de novas realidades

permita uma nova interpretação de seu texto à luz de novos contextos sociais.40 Porém, é importante deixarmos consignado que

.41

m) Constituições Pactuadas ou Dualistas: são aquelas que resultam de um acordo entre o rei (monarca) e o parlamento. Buscam desenvolver um equilíbrio, não raro instável e precário, entre o princípio monárquico e o princípio da demo-cracia. Segundo Paulo Bonavides, “elas acabam por exprimir um compromisso instável (frágil) de forças políticas rivais: a realeza debilitada de uma parte, e a nobreza e a burguesia, em franco progresso doutra”.42

n) Constituições Nominalistas:43 para alguns doutrinadores são as Constituições que trazem normas dotadas de alta clareza e precisão, nas quais a interpretação

36. SILVA, Virgílio Afonso da, A constitucionalização do direito, p. 112. A crítica estabelecida pelo autor é a seguinte: “[...] As normas constitucionais, nesse sentido, não somente irradiarão efeitos pelos outros ramos do direito: elas determinarão o conteúdo deles por completo.” (2005, p. 115).

37. A mesma remonta a autores como Ernst-Wolfgang Böckenförde e Christian Starck.38. SILVA, Virgílio Afonso da, A constitucionalização do direito, 2005, p. 116-117.39. Conforme a abalizada doutrina de Uadi Lammêgo Bulos. (Curso de direito constitucional, 2006). Também encon-

tramos tal posicionamento no clássico Estudos de direito constitucional de HORTA, Raul Machado (2002). Esses au-tores demonstram que a Constituição plástica é aquela que possibilita novas releituras, podendo ser, portanto, tanto rígidas quanto flexíveis.

40. Aqui uma observação importante. O fenômeno da teoria da Constituição, que possibilita que as Constituições plásticas recebam novas atribuições de sentidos, é chamado de mutações constitucionais. Ou seja, são mudanças informais da Constituição, o texto continua o mesmo, mas é reinterpretado à luz de novas realidades sociais.

41. FERREIRA, Pinto, Curso de direito constitucional, p. 12.42. BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, p. 9. O referido constitucionalista cita como exemplos a Cons-

tituição francesa de 1791, a da Espanha de 1876 e documentos constitucionais ingleses, como o Bill of Rights de 1689.

43. O termo nominalista, de forma totalmente diferenciada da ora apresentada, também é utilizado, por al-guns doutrinadores, para a classificação das Constituições nominais (ou para alguns: nominalistas) de Karl