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TECNOLOGIAS DE GESTÃO ~ DIRIGIVEIS UMA NOVA ALTERNATIVA DE TRANSPORTE Gustavo de e Silva 16 É oportuno atentar para os dirigíveis como meio alternativo de transporte. O combustível consumido por um dirigível é uma terça parte do consumido por um avião, para transportar cargas iguais, percorrendo a mesma distância. O dirigível dispensa estradas e, como o helicóptero, pode pairar no ar, sobre o pátio de uma indústria ou sobre uma clareira na floresta, elevando e baixando verticalmente a carga - mas por tempo indefinido e sem consumir combustível, se estiver ancorado em tempo calmo. Desloca-sea velocidades que já atingem 150km/h e, considerando o transporte multimodal que dispensa, pode ser mais rápido que o avião até no transporte a distâncias médias para longas. Temgrande capacidade de carga e autonomia de vôo. Exige infra-estrutura simples, ocupando pouco espaço. Há projetos prontos de dirigíveis a gás hélio (não inflamável) que transportam mais de 100toneladas em percursos transoceânicos. O dirigível reduz drasticamente a poluição sonora e material dos aviões e helicópteros e é significativamente mais seguro. No início do século XX, o Conde Zeppelin inaugurou, com seus dirigíveis, a navegação aérea comercial no mundo. Trinta zepelins (enormes navios voadores com até 250m de comprimento por 50m de largura) cobriram quase 1,5 milhão de km em mais de 2 mil viagens, transportando 55 mil passageiros a velocidades que atingiam 100 km/h, com espaço, conforto e luxo até hoje inigualados em transporte aéreo. Este é um esboço de sua história ... RAE Light· v.3 • n. 3 • p. 16-25 Dirigíveis

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TECNOLOGIAS DE GESTÃO

~

DIRIGIVEISUMA NOVA ALTERNATIVADE TRANSPORTE

Gustavo de Sá e Silva

16

É oportuno atentar para os dirigíveiscomo meio alternativo de transporte. Ocombustível consumido por um dirigívelé uma terça parte do consumido por umavião, para transportar cargas iguais,percorrendo a mesma distância.O dirigível dispensa estradas e, como

o helicóptero, pode pairar no ar, sobre opátio de uma indústria ou sobre umaclareira na floresta, elevando e baixandoverticalmente a carga - mas por tempoindefinido e sem consumir combustível,se estiver ancorado em tempo calmo.Desloca-sea velocidades que já atingem150km/h e, considerando o transportemultimodal que dispensa, pode ser maisrápido que o avião até no transporte adistâncias médias para longas.Tem grande capacidade de carga e

autonomia de vôo. Exige infra-estruturasimples, ocupando pouco espaço. Háprojetos prontos de dirigíveis a gás hélio(não inflamável) que transportam maisde 100 toneladas em percursostransoceânicos.O dirigível reduz drasticamente a

poluição sonora e material dos aviões ehelicópteros e é significativamente maisseguro.No início do século XX, o Conde

Zeppelin inaugurou, com seusdirigíveis, a navegação aérea comercialno mundo. Trinta zepelins (enormesnavios voadores com até 250m decomprimento por 50m de largura)cobriram quase 1,5 milhão de km emmais de 2 mil viagens, transportando 55mil passageiros a velocidades queatingiam 100 km/h, com espaço,conforto e luxo até hoje inigualados emtransporte aéreo.Este é um esboço de sua história ...

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Dirigíveis

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o homem concebeu vários tipos de veículospara navegar na atmosfera. Esses veículos sãoclassificados em aeronaves mais pesadas que oar - aviões e helicópteros - e mais leves que oar - balões e dirigíveis. Os zepelins são dirigí-veis especiais, diferindo dos vários outros tiposde aeronaves.

O deslocamento das aeronaves mais pesadasque o ar, tanto vertical como horizontal, dependedos seus motores. Aviões e helicópteros perdemaltura e voltam ao solo rapidamente se seus mo-tores param - haja ou não condições para umaaterrissagem. Em outras palavras, os motores dasaeronaves mais pesadas que o ar são responsá-veis não só por seu deslocamento de um ponto aoutro mas também (e principalmente) por sua ele-vação e retomo controlado ao solo.

Isso não ocorre com as aeronaves mais levesque o ar . Seu deslocamento vertical não depende- pelo menos não exclusivamente - de seusmotores; elas se elevam do solo (e a ele retomam)pelo controle de sua densidade total em relaçãoao meio ambiente, mantida próxima de um emanipulada pelo piloto, independentemente deseus motores. Há os balões que vão de um lugar aoutro levados pelo vento (o destino de seu vôopode ser estimado, mas não pode ser determina-do pelo piloto), e há os dirigíveis, cujo desloca-mento horizontal depende de motores, comoaviões e helicópteros.

BALÕES E DIRIGÍVEIS: COMO SEREDUZ A SUA DENSIDADE

A baixa densidade das aeronaves mais levesque o ar é obtida com gases (hidrogênio, hélioetc.), com ar aquecido (que também é mais leveque o ar ambiente), ou com uma combinação deambos. As aeronaves que empregam ar aqueci-do gastam combustível no aquecimento do ar am-biente; mas pouco. Alguns dirigíveis de últimageração empregam gás hélio, além do ar aqueci-do de suas turbinas, para reduzir sua densidade- reduzindo, também, a poluição, tanto mate-rial como sonora, do ambiente.

A densidade total dos balões e dirigíveis é con-trolada de várias maneiras: transferindo parte dogás mais leve para tanques de alta pressão, subs-tituindo o espaço que ocupavam por ar ambiente;

© 1996, RAE Ught /EAESP/FGV. São Paulo. Brasil.

DIRIGíVEIS

bombando ar ambiente em envelopes colocadosentre os que retêm o gás mais leve, que é compri-mido; ou pelo modo clássico e oneroso de ejetargás, para baixar; ou tara, para elevar o vôo.

DIRIGÍVEIS E ZEPELINS

A forma exterior de um dirigível pode serobtida por meio de suficiente pressão interna dogás usado para elevá-lo ou mediante uma estru-tura rija, feita com material leve e duro, envoltapor tecido de grande resistência. Neste caso, odirigível conterá, no interior do seu corpo, umgrande número de envelopes cheios de gás, Estegás pode ser parcialmente comprimido em tan-ques para variar a densidade geral da aeronavee assim fazê-la subir ou descer, conforme a von-tade do piloto.

Outra razão para o emprego de estruturas ri-jas em dirigíveis é a conveniência de colocar seusmotores de modo que a linha da força do sistemade tração da aeronave passe pelo seu centro degravidade, evitando a inconveniência das forçasbinárias que ocorrem quando a linha de força nãopassa pelo centro de gravidade do conjunto.

A HISTÓRIA DOS ZEPELINS

Zepelim significa "balão dirigível com estru-tura metálica em forma de charuto",' uma refe-rência aos grandes dirigíveis do "Velho CondeLouco" que, entre 1900 e 1940, fundou a primei-ra companhia aérea comercial do mundo, fabri-cou e operou trinta zepelins no transporte de pas-sageiros e carga, fez outros 88 para a Marinhaalemã e realizou, com suas aeronaves, 2.106 via-gens domésticas e 155 transoceânicas, transpor-tando 56.450 passageiros e cobrindo 1,27 milhãode quilômetros! O penúltimo zepelim - o maisbem sucedido - fez sozinho 650 viagens, dasquais 144 transoceânicas (várias de volta ao mun-do), transportando 18 mil passageiros por maisde um milhão de quilômetros ... Um único aci-dente fatal envolveu a companhia do CondeZepelin e o seu último zepelim: morreram 13passageiros e 22 tripulantes.

O Conde Ferdinand Graf von Zeppelin nas-ceu em 1838 em Konstanz, grão-ducado de

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TECNOLOGIAS DE GESTÃO

Baden, às margens do lago Konstanz (entãoBodensee), hoje na fronteira da Alemanha, Áus-tria e Suíça; e morreu em Berlim, em 1917. Es-tudou na Escola Politécnica de Stuttgart e naUniversidade de Tübingen. Oficial da cavalariado exército de Würtemberg, protagonizou, no diaseguinte ao da declaração de guerra de 1870, ofamoso raid de reconhecimento do território fran-cês, penetrando 50 km em território inimigo, naregião de Wüssembourg e Haguenau. Ferido emcombate, retornou à base montando o cavalo deum soldado francês. Recebido como herói e con-decorado, passou a ser chamado "o Velho CondeLouco".

Incorporado ao Estado Maior do príncipe daPrússia, foi sucessivamente promovido a coman-dante, coronel, general de brigada e ajudante decampo do imperador, de quem tinha toda a con-fiança. De 1887 a 1890, foi embaixadorwürtemburguez em Berlim e delegado do Conse-lho Federal do Império, tendo participado na reor-ganização do exército alemão depois de 1887.Um desentendimento com o imperador impôs-lhe, em 1891, a reforma prematura no posto detenente-general. Com 52 anos de idade, aindajovem para parar de trabalhar, voltou paraKonstanz e dedicou o resto de sua vida à criação,construção, aperfeiçoamento e operação de diri-gíveis.'

OS PRIMEIROS ZEPELINS

Em 1900 ficou pronto o primeiro zepelirn: oLZ-l, um grande cilindro de fio de alumínio en-trelaçado, terminado em ponta cônica nas duasextremidades, com 126,75m de comprimento por11,6Om de diâmetro. Em seu interior havia, en-cerrados em compartimentos separados, dezessetebalões cheios de hidrogênio, que davam susten-tação ao todo. Dois motores impulsionavam anave e dois lemes (um na frente e o outro atrás)garantiam o controle de sua direção horizontal.Um contra-peso, que podia ser deslocado ao lon-go de um eixo disposto de modo longitudinal naparte inferior da nave, garantia o controle desua direção vertical. A tripulação e os passa-geiros ocupavam duas barquinhas de alumíniosuspensas por baixo do invólucro, a certa dis-tância uma da outra.

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A primeira experiência ocorreu no dia 2 dejulho de 1900. O conde elevou o LZ-l, com cin-co pessoas nas barquinhas, a 400 m sobre o lagoKonstanz e percorreu 6 km na direção desejada,em 18 minutos. Em 17 de outubro, pilotou nova-mente o LZ-l por 80 minutos; e três dias depois,por mais 23 minutos. Mas seus motores não con-seguiam levá-lo contra o vento: e por isso nãoconseguiu maior apoio do Exército Imperial.

Recebendo numerosas contribuições esparsase algumas doações significativas Zeppelin con-seguiu construir o LZ-2, o LZ-3 e o LZ-4.

O LZ-4 foi totalmente destruído durante umaaterrissagem forçada: quando suas amarras jáestavam seguras por uma companhia de solda-dos, houve uma explosão causada por um golpede vento. O heroísmo da tripulação e dos solda-dos na luta dramática contra a tempestade acen-deu o entusiasmo popular de tal modo que cho-veram doações e contribuições. Em poucos dias,o Conde tinha à sua disposição sete milhões demarcos!

Foram então constituídas, em Friedrichshafen,às margens do lago Konstanz, a LuftschiffbauZeppelin (Indústria de Aeronaves Zeppelin) comcapital de um milhão de marcos; e a ZeppelinStifftung (Fundação Zeppelin) com o restante dasdoações.

A PRIMEIRA LINHA AÉREACOMERCIAL DO MUNDO

Em 1909, o Conde Zeppelin fundou a DELAG(Deutsche Luftschiffarts Aktien Gessellshaft), aprimeira companhia aérea comercial do mundo.A DELAG construiu os primeiros aeroportos parapassageiros em Frankfurt, Berlim, Hamburgo eDresden. Desde sua fundação até 1914, quandocomeçou a lª Grande Guerra, manteve vôos diá-rios com as aeronaves Deutschland, Schwaben,Viktoria-Luise, Hansa e Sachsen, transportando37.250 passageiros, cobrindo 160.000 km em1.600 vôos que duraram 3.200 horas - tudo semum só acidente!

A Luftschiffbau Zeppelin fez ao todo 118 di-rigíveis que efetivamente voaram. Outros dozejamais saíram da prancheta de desenho. Daí ser130 o número do último, um dos que não foramconstruídos.

Em uma desuas viagensao Rio, em

1935, ocomandante doGraf Zeppe/infoi informadode que eclodirauma revoltamilitar: era aIntentonaComunista.Estacionou odirigível aolargo durantecinco dias,aguardandoque os ânimos

em terrapermitissemsua chegadaem segurança.

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A PRIMEIRA GRANDE GUERRA

De 1914 a 1918, a empresa de Zeppelin ficouà disposição das forças armadas alemãs. Cons-truiu 88 aeronaves para a Marinha de Guerra ale-mã e participou de ações espetaculares de ataquea Londres.

Por suas dimensões - e talvez também porter sido empregado pela Marinha alemã - ozepelim é até hoje chamado navio voador(luftschiff, em alemão) ou navio do ar, (airship,em inglês). Seus tripulantes eram recrutados nareserva da Marinha alemã e usavam os uni for -mes da Marinha. A disciplina, hierarquia, comu-nicação e sistemas de controle dos zepelins eramos da Marinha. A cabine de comando lembrava aclássica ponte de comando dos navios: no centroe à frente a roda do leme de direção; de um lado ocomando elétrico dos motores com a conhecidaalavanca de movimento circular e quatro posi-ções: reverse, stop, half speed ahead e full speedahead. A exceção ficava por conta de uma segun-da roda de leme, cujo eixo, também horizontal,era perpendicular ao eixo do leme de direção: eraa roda do leme de profundidade ...

A última aeronave de guerra feita pela Indús-tria Zeppelin para a Marinha alemã foi a LZ-114,construída em 1918. Foi o mais avançado zepelimjá construído. Podia voar até Nova Iorque eretomar a Berlim sem reabastecer. Foi concebidopara bombardear Nova Iorque e retomar à Ale-manha. Mas o conflito terminou antes de ser en-tregue. O LZ-114 foi confiscado pelos aliados eentregue à França como parte das reparações deguerra. Os franceses o batizaram com o nome deDixmude; e, um ano depois, desapareceu no Me-diterrâneo, próximo da Sicília, sem deixar sinalou sobrevivente.

O LZ-120, feito em 1919, foi batizado com onome Bodensee e fez, nesse mesmo ano, 103 via-gens, em 98 dias. Uma dessas viagens, até Esto-colmo, gerou a idéia, entre empresários alemãese noruegueses, de formar uma companhia mistapara explorar o transporte aéreo entre os dois pa-íses. A Indústria Zeppelin foi contratada para fa-zer outro dirigível da classe do Bodensee; juntos,os dois cobririam a rota. Mas enquanto se desen-volviam as negociações os aliados decidiram queo parque industrial alemão de armas de guerraseria destruído e as armas, incluindo as aerona-

DIRIGíVEIS

ves, confiscadas. O Bodensee foi entregue à Itá-lia, que o rebatizou com o nome Espéria e o per-deu dentro do hangar, onde ele se destruiu por tersido amarrado inadequadamente.

Além disso, outro contrato firmado entre aZeppelin e a Goodyear Tire and Rubber Company(que tinha uma Divisão de Aeróstatos que já fun-cionava desde 1911) criou, em 1924, a GoodyearZeppelin Company, que utilizaria as patentes dacompanhia alemã nos Estados Unidos. A direto-ria da nova companhia era composta por um di-retor da Goodyear e dois da Zeppelin. Anos de-pois, a Goodyear Zeppelin Company transformou-se na Goodyear Aerospace Corporation.

o PÓS-GUERRA

O LZ-126 foi o último zepelim entregue aosaliados como reparação de guerra. Foi também oprimeiro feito pela Indústria Zeppelin depois daordem da Comissão Interaliada de destruir as fá-bricas alemãs de aeronaves. Um pedido do presi-dente americano Harding levou a Comissão aautorizar, em regime de exceção, a fabricação daaeronave. O LZ-126 atravessou o oceano em 1924nas mãos de uma tripulação alemã e foi batizadocom o nome Los Angeles. Um contrato firmadoentre a Indústria Zeppelin e a Marinha norte-americana manteve em Lakehurst nove membrosda tripulação do LZ-126 que permaneceram paratreinar tripulantes americanos para a aeronave.

O LZ-127 foi batizado em 9 de julho de 1928com o nome Graf Zeppelin. Em 1929 deu a voltaao mundo, percorrendo 35 mil milhas em 20 dias,com 20 passageiros. Além de acomodar 20 pas-sageiros, levava 40 tripulantes e podia carregar12 toneladas de carga. Durante nove anos serviua linha Frankfurt - Rio de Janeiro, que cobria emcerca de 100 horas de vôo. Fez, em seu tempo deserviço ativo, 650 viagens, das quais 144transoceânicas, transportando 18 mil passagei-ros por mais de 1.000.000 km." Em 1940, apósdoze anos de serviços sem um único acidente, foidesmontado. Muitas vezes, seus motores, para-dos, foram reparados em pleno ar, enquanto anave flutuava em segurança. Em uma de suas via-gens ao Rio, em 1935, o comandante do GrafZeppelin foi informado de que eclodira uma re-volta militar: era a Intentona Comunista. Esta-

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cionou o dirigível ao largo durante cinco dias,aguardando que os ânimos em terra permitissemsua chegada em segurança.

O LZ-128 não saiu da prancha de desenho. OLZ-129 - o último e maior zepelim construído- foi batizado em 5 de março de 1936 com onome Hindenburg. Em sua viagem inaugural,veio para o Rio de Janeiro. Tinha 270 m de com-primento e 50 m de largura. Ao ser batizado po-dia transportar 50 passageiros - mas essa capa-cidade foi logo ampliada para 70. Era equipadocom 25 cabines para passageiros, parecidas comas cabines Pullman de trens de luxo, cada umacom dois beliches, pia com água quente e fria,vaso sanitário e uma escotilha. Durante o dia, osbeliches desapareciam e a cabine se transforma-va em uma pequena sala de estar. Os passageirosdispunham de biblioteca, sala para fumantes eamplo refeitório com um piano de alumínio (quepesava 55 quilos). A despensa e a adega erambem sortidas: mais de duas toneladas de carne devaca e de frango, 100 quilos de peixe, 160 quilosde delicatessen, 220 quilos de manteiga, queijo egeléias, 800 ovos, 200 litros de água mineral e150 litros de leite. Caviar e champagne estavamà disposição dos passageiros.'

De cada lado de seu deck superior - com ascabines entre eles - o Hindenburg exibia umpromenade de 45 m de comprimento, com am-plas janelas envidraçadas, inclinadas a 45 graus,acompanhando a cobertura externa da aeronave,e que permitiam aos passageiros olhar para fora,tanto vertical como horizontalmente. Os envelo-pes da aeronave continham 200.000 metros cú-bicos de hidrogênio, quantidade suficiente paralevantar 236 toneladas do chão. Seus quatro mo-tores Daimler -Diesel tinham uma força total de5 mil cavalos-vapor. Os tanques de combustívellevavam 65 toneladas de óleo diesel; tinha auto-nomia de vôo para 10.000 km. Levava 10 tonela-das de água como tara. Pronto para zarpar, in-cluindo a tripulação, o Hindenburg pesava de200 a 210 toneladas; tendo ainda uma capacida-de de carga útil de mais de 20 toneladas. Voava auma altitude entre 300 e 400 m e se deslocavacom velocidade entre 90 e 130 km/h.

As janelas estavam sempre abertas, inclusiveas escotilhas das cabines. Uma lembrança que fi-cava gravada na memória dos passageiros era ados "sons da terra", que ouviam quando a aero-

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nave não estava voando sobre o oceano: latidos,mugidos, relinchos, sinos, apitos e até gritos.

O comando do Hindenburg ficava em umagôndola (a única protuberância que "saía" da for-ma de gota longa da aeronave) e media cerca de7m de comprimento por 3m de largura.

A tripulação mínima era de trinta pessoas;mas, como podia carregar cem pessoas, quandoo número de passageiros era menor que setenta,a tripulação era aumentada com trainees. Du-rante o ano de 1936, o Hindenburg fez dez via-gens aos Estados Unidos, transportando mais de1.200 passageiros nas duas direções. Em 1937,estava programado para fazer outras 18, semprepara Nova Jersey.

o FIM DOS ZEPELINS

No dia 3 de maio de 1937, às 8 horas da noite,o Hindenburg zarpou de Frankfurt com 36 passa-geiros e 61 tripulantes. Chegou a Lakehurst, NovaJersey, no dia 6. Às 19h 25min, quando estava adez metros de altura e a minutos de aportar, in-cendiou-se. O fogo começou já dentro das câma-ras de gás. O Hindenburg foi totalmente destruídoem 34 segundos. Morreram 13 passageiros, 22 tri-pulantes e um membro da equipe de terra.'

A suspeita de ato criminoso na origem dodesastre nunca foi totalmente afastada. Mas ogoverno alemão declarou o acidente um "ato deDeus". Em 1940, não havia mais nenhum dirigí-vel alemão. O LZ-130, que seria ainda maior queo Hindenburg, não foi construído.

Terminou assim a era dos zepe1ins - um pe-ríodo em que o engenho humano ofereceu aosviajantes de todo o mundo, mas principalmenteaos da Europa, Estados Unidos e Brasil, as maisluxuosas e confortáveis viagens aéreas de longocurso, inclusive transoceânicas e de volta ao mun-do já conhecidas.

RESSURGIMENTO DOS ZEPELINS

O mundo inteiro provavelmente pensou queos dirigíveis não voltariam a ser vistos. Mas, comojá comentava a revista VLSão em março de 1980:"A tragédia do Hindenburg já é apenas uma me-mória longínqua, a tecnologia nos últimos tem-

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A era doszepelins - um

período emque o engenho

humanoofereceu aosviajantes de

todo o mundoas mais

luxuosas econfortáveis

viagens aéreasdelongo

curso,inclusive

transoceânicase de volta ao

mundo.

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pos fez uma série de notáveis progressos e a es-cassez e o alto preço dos combustíveis derivadosdo petróleo são elementos diversos que se com-binam para acenar ao mundo com a possibilida-de prática de recuperação e emprego intensivode um meio de transporte que foi quase total-mente descartado no último meio século: o diri-gível. Essa possibilidade é levantada pela revis-ta francesa Science et Vie, que relaciona os pro-gressos logrados no campo do mais leve que o are suas possibilidades práticas. Entre os progres-sos, a revista relaciona: a produção em grandeescala de hélio como substituto do hidrogênio eque, ao contrário deste, não é um gás inflamá-vel; o desenvolvimento da microeletrônica, quecontribuiu para o aperfeiçoamento dos sistemasde navegação e pilotagem; os consideráveisavanços conseguidos na área de produção decomponentes, como estruturas e invólucros degás, muito mais leves e incomparavelmente maisresistentes que os do passado; melhor conheci-mento dos fenômenos aerodinâmicos; possibili-dade de previsões meteorológicas mais acuradas,como garantia de segurança. Tomando como baseesses elementos, Science et Vie observa que no-vos modelos de dirigíveis estão sendo projetadospor técnicos americanos, britânicos, soviéticos,franceses, canadenses e japoneses, sob formasdiversas e de acordo com um princípio comum:economia de combustível". 6

Mais recentemente, em maio de 1996, o jor-nal O Estado de S. Paulo publicou, na seção deTransportes, uma reportagem, segundo a qual osalemães anunciam seus novos planos de encheros céus com uma nova geração de zepelins. Diziao reporter: "quase um século depois de o CondeFerdinand von Zeppelin ter lançado a âncora doseu "barco voador", os alemães anunciam seusnovos planos de encher os céus com uma novageração de zepelins. O zepelim NT, desenvolvidona antiga base do conde em Friedrichshafen; nosul da Alemanha, será apresentado em 2 de julho,exatos 96 anos depois do seu primeiro vôo. Cal-cula-se que fique pronto para testes em setembroe faça sua viagem inaugural no início de 97''.7

O zepelim NT (que significa nova tecnologia)tem o tamanho de um Jumbo mas carregará ape-nas 12 passageiros; a princípio, apenas em pe-quenas viagens turísticas.De acordo com JuergenBock, da Associação Aerospacial Alemã, a era

DIRIGíVEIS

dos dirigíveis está se aproximando. A razão, se-gundo ele, é clara: dirigíveis são silenciosos, usammenos combustível e poluem menos, podendo sero veículo preferido das pessoas que não gostamde viajar feito sardinhas em um avião.

O que se nota é que a idéia de trazer de voltaos grandes dirigíveis não morreu. Nos EstadosUnidos surgiu, há vinte anos atrás, a idéia de umdirigível nuclear. A idéia pode ser atribuída aoProfessor francês Morse que, na Universidade deBoston, propôs uma aeronave com a forma doHindenburg, só que bem maior: 300 metros decomprimentos e 350 toneladas. A energia seriafornecida por um reator nuclear, estudado emconjunto com a Pratt & Whitney no quadro doprograma Aircraft Nuclear Propulsion: "essaenorme máquina, com autonomia (de vôo) prati-camente ilimitada, deveria transportar 400 pas-sageiros com o conforto de um navio de luxo. Suavantagem: sua energia custaria quatro vezes me-nos que a de um avião. Era talo estado do proje-to, que não teria sido abandonado se, no domíniodo transporte em massa, não estivessem maduroso Jumbo 747da Boeing, o De 10 da Douglas e oTristar da Lockheed. O sucesso dessas novas ae-ronaves paralisou os trabalhos no dirigível; oavião, uma vez mais, impedia seu desenvolvimen-to. Hoje muitos construtores (aeronavais) admi-tem que o dirigível foi abandonado muito rapida-mente. Bem utilizado, poderia ter rendido servi-ços inestimáveis ao mundo moderno ":"

A Goodyear Aerospace Corporation, subsi-diária da Goodyear Tire and Rubber Company esucessora da Goodyear Zeppelin Company (ajoint venture de 1924 já referida), foi a primeiraempresa americana a fabricar aeronaves maisleves que o ar. Especializou-se em dirigíveis semestrutura, elevados com hélio, um gás inerte, istoé, não inflamável. Em 1981, a GoodyearAerospace Corporation publicou um livreto, emcomemoração aos setenta anos decorridos desdea produção do envelope do primeiro dirigívelfeito nos Estados Unidos." Segundo esse livreto:

• em 1911, a Goodyear desenvolveu e cons-truiu o envelope para o primeiro dirigível feitonos Estados Unidos;

• durante a Primeira Guerra Mundial, 100dirigíveis Goddyear e milhares de balões de ob-servação e barragem serviram o Exército e aMarinha;

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• na década de 20, a Goodyear foi pioneira noemprego do gás hélio como um meio de elevaçãoseguro, não inflamável, de aeronaves mais levesque o ar;

• no início da década de 30 os gigantescoszepelins Akron e Macon saíram do enormehangar da Goodyear para se tomarem aeronavesde transporte da Marinha;

• durante a Segunda Guerra Mundial, cercade 170 dirigíveis Goodyear foram construídospara a Marinha e estabeleceram um recorde in-vejável de segurança no comboio de navios;

• na década de 50 e início da década de 60, aGoodyear construiu dirigíveis com equipamentoeletrônico para a rede do sistema nacional de de-fesa por alerta antecipada;

• hoje os dirigíveis Goodyear América,Columbia, Mayflower e Europa são os únicos emoperação regular em todo o mundo.

Não satisfeita em viver no passado, a enge-nharia da Goodyear tem aplicado os avanços damoderna tecnologia no aperfeiçoamento dos di-rigíveis. Estão em andamento planos para pro-ver essas aeronaves com meios eficientes,confiáveis e econômicos para transporte de car-gas e passageiros, vigilância costeira e atendi-mento de outras necessidades. Referindo-se aotrabalho dos dirigíveis durante a Guerra, o Iivretoafirma: "de todos os dirigíveis construídos pelaGoodyear, nenhum gravou na história um capí-tulo mais glorioso do que os dirigíveis de patru-lha tipo "K" que serviram a Marinha durante aSegunda Guerra Mundial".

Cerca de 170 dirigíveis "K" foram produzi-dos em massa - a única vez que isso ocorreu.Durante o conflito os dirigíveis "K" - raramen-te mais de 150 em operação em qualquer mo-mento - foram espalhados pelos três oceanos equatro continentes.

Quando a Segunda Guerra Mundial terminou,os dirigíveis "K" haviam escoltado 89 mil naviosque transportavam homens e suprimentos paraas áreas de luta. Nenhum desses navios foi per-dido sob ataque do inimigo.

Hoje os confiáveis dirigíveis "K", aperfeiçoa-dos com tecnologia moderna, estão prontos paragravar um capítulo de paz na história. Servindoem operações de patrulha costeira, eles podemobservar todo o limite territorial de 200 milhas,identificar áreas piscosas, localizar embarcações

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em perigo, identificar contrabandistas, intrusose violadores de direitos de pesca e garantir vigi-lância contínua, de dia e de noite, sob qualquertempo.

Na Inglaterra, o renascimento dos dirigíveiscomo forma viável de transporte comercial já eraesperado desde 1972, quando o Governo inglêscriou a MAST (Mercantile Airship Transport)para explorar, como operadora, a entrada dos di-rigíveis na aviação comercial. Para construir es-ses veículos, foram constituídas na ilha de Man,uma antiga base aérea da Real Força Aérea du-rante a Segunda Grande Guerra, aThermoskyships, já falida, e a Airships IndustriesLimited.!?

Em 1979, a Thermoskyships planejava lançar,no fim de 1980, um termodirigível: um dirigívelcom a forma aproximada de um disco voador, 45m, de diâmetro, capacidade para 10 toneladas decarga, ou acomodações para sessenta pessoas, ve-locidade de 90 nós e autonomia de vôo de 900milhas. A nave seria sustentada por gás héliocontido em uma série de invólucros com a formade anéis, localizados em um envelope circular:uma armação de vigas de fibra de carbonorevestidas com folha de alumínio. Seria susten-tada também por uma câmara central de ar quen-te que, quando fechada, fará a aeronave ficar maispesada que o ar, induzindo-a a descer. A energiapara essa câmara de alta temperatura e para apropulsão vertical ou horizontal seria fornecidapor dois motores com turboventiladores de 1.400HP, projetados para funcionar inicialmente comquerosene, com opção para hidrogênio. A técni-ca de "prender" a energia em um invólucro, se-gundo os projetistas, asseguraria aotermodirigível as duas principais qualidades parao vôo sobre cidades: baixo nível de ruído e au-sência de poluição atmosférica.

A Airship Industries Limited fabrica dirigí-veis sem estrutura rígida para o governo britâ-nico desde a Primeira Grande Guerra. Em 1987,seus principais produtos eram os modelosSkyship 500 (50 m de comprimento por 18,5 mde altura) e Skyship 600 (60 m de comprimentopor 20,3 m de altura), 11 dos quais doze estavamem operação por todo o mundo. Naquele ano, aWestinghouse-Airship Industries, uma subsidiá-ria americana da Airship Industries Limited,venceu uma concorrência do governo americano,

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Dirigíveis sãosilenciosos,usam menos

combustível epoluem menos,podendo ser o

veículopreferido daspessoas que

não gostam deviajar feito

sardinhas emum avião.

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competindo com a Goodyear AerospaceCorporation, ganhando um contrato no valor de170 milhões de dólares, para planejar, desenvol-ver e produzir, para a Marinha americana, umaaeronave - a Sentinel 5000 D - que incorpo-rasse as últimas conquistas tecnológicas empre-gadas na construção, propulsão e controle de di-rigíveis, com o objetivo de verificar os conceitosoperacionais básicos de frotas de dirigíveis.

O major Malcolm Wren, fundador daThermoskyships e da Aiship .Industries, fundourecentemente a Wren Skyships e planeja construiruma aeronave do tamanho da Sentinel 5000, ca-paz de transportar até 25 toneladas e montadasobre uma estrutura metálica que lhe permitiriaatingir a velocidade de 120 nós (200 km/h): "NaUniversidade de Surrey, na Inglaterra, existe umprojeto para fabricação de um dirigível com ca-pacidade para 400 toneladas e raio de alcancede 2.000 km. O aparelho terá aproximadamente400 metros de comprimento e diâmetro de 85metros, com um volume de 1.342,000 m3 de gáshélio contido em 7 câmaras estanques. Será equi-pado com 10 motores Rolls Royce, deverá voar a145 km/h e, dependendo do arranjo interno, po-derá acomodar 250 automóveis e 1.000 passa-geiros ou 3.000 passageiros; ou, ainda, 15 veí-culos com 24 toneladas cada um ". 12

Outras empresas inglesas, como a AerospaceDevelopments Ltd., a Airfloat Transport Ltd. e aThunder Ballooms Ltd., em Londres; a CameronBalloons Ltd. em Bristol e a Solar Airship Ltd.em Northwood, estavam empenhadas em proje-tos semelhantes já em 1979.

Na França foi fundada, em 1974, a AERALL(Association d'Etude et de Recherche sur lesAéronefs Allégés), dedicada a "promover orenascimento do dirigível, insubstituivel em cer-tas circunstâncias. A montagem de uma plata-forma petroleira de 1.500 toneladas exige maisde 700 viagens de helicóptero. Um dirigível ca-paz de transportar uma carga de cem toneladasà plataforma poderia poupar muito tempo e di-nheiro. A idéia de economizar energia, reduzir apoluição do ar, diminuir o ruído e eliminar asavarias de carga, pelo transporte porta a porta,estava lançada ". 13

A Aérospatiale francesa desenvolveu poste-riormente o projeto Pégaso, um dirigível menor,para cargas úteis de 20 a 30 toneladas. Juntando

DIRIGíVEIS

o helicóptero ao balão, a Aérospatiale e a Oneradesenvolveram o projeto de um gigantesco enge-nho chamado Obelix: quatro balões de 250.000metros cúbicos cada e oito rotores de helicópte-ros. Teria a capacidade de elevar e transportar300 toneladas. Mas os poderes públicos, que naépoca ainda viviam o trauma da tragédia comer-cial do Concorde, recusaram-se a dar sustenta-ção ao desenvolvimento do projeto.

Ainda na década de 70 houve a "grua voado-ra" de AlIan Balleyguier - uma espécie decatamaran do ar, uma fórmula nova que chegoua ser testada com sucesso em cursos transatlânti-cos: dois dirigíveis ligados por uma plataformametálica, sobre a qual se prendia um rotor dehelicóptero. O protótipo elevava cargas de poucopeso e podia ser manejado por dois homens; masse esperava que o modelo maior pudesse trans-portar 50 toneladas.

No Japão, a indústria Kawasaki estava, já em1981, projetando um dirigível para o transportede passageiros; e a Mitsubishi investia nos estu-dos de um aparelho "capaz de carregar 70 tone-ladas de carga". 14

Desde 1983, a Nisso Iwai Corporation é agenteda empresa britânica Airship lndustries Limited;e desde 1984 a Japan Airship Services, uma sub-sidiária da Japan Air Lines, opera, entre a ilhade Kyushu no sul e a cidade de Hokkaido, noNorte, um dirigível modelo Skyship 500-05.

Na União Soviética, durante a Segunda GuerraMundial, o governo soviético chegou a implan-tar um serviço regular de vôo ligando Moscou aSverdlovsk.

Por volta de 1980, a União Soviética vinhadesenvolvendo seu projeto Asbery, para uma ve-locidade de 160 krn!h, cuja versão comercial po-deria transportar 1.800 passageiros, fazendo opercurso Moscou- Vladivostok em 40 horas.

No Brasil, o CTA (Centro TécnicoAeroespacial) estava desenvolvendo, já em 1980,dois protótipos que não deveriam ultrapassar opeso total de 20 toneladas; mas já se previa, numasegunda fase, a construção de aeronaves maispesadas, com 60 toneladas, 150 toneladas e daípor diante, de acordo com as necessidades que sur-gissem: "O projeto do CTA, assim como a maio-ria das pesquisas em todo o mundo, retoma asexperiências conhecidas nesse campo, com o ob-jetivo de criar uma solução ideal para o trans-

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TECNOLOGIAS DE GESTÃO

porte de cargas, principalmente para o desloca-mento de cargas indivisíveis muito pesadas, ou-tras de dimensões acima dos gabaritos dos trans-portes regulares, o transporte de produtos quími-cos e petroquimicos de alta periculosidade, alémde mercadorias convencionais e transporte de pas-sageiros. O dirigível de fabricação nacional seráconstruido em fiberglasse e revestido com borra-cha sintética de alta resistência, podendo desen-volver velocidades superiores a 100 quilômetroshorários. O aparelho deve incorporar sofisticadatecnologia de vôo, incluindo piloto automático,radar de bordo, computador, disposititvo de apro-ximação, sistema de radionavegação e até caixade memória. A pilotagem do aparelho será feitanuma cabina de comando, com instrumental devôo ultra moderno. Dependendo do tipo de apa-relho pelo qual o CTA optar, para facilitar o ma-nuseio no transporte de cargas ele poderá ter umagôndola removível, podendo ser substituída porcontêineres de tamanhos padronizados". 15

A revista Carta Capital, em recente edição,afirma que a volta dos dirigíveis já chamou a aten-ção da Aeronáutica e de oito ministérios, que sereuniram em 1995 em conferência sobre o assun-to e que "os dirigíveis deverão ser em breve umaalternativa de transporte para várias áreas noterritório brasileiro" .16 A ADTP (Agência parao Desenvolvimento Tietê-Paraná) se prepara paraoferecer, em conjunto com a Agência AlcântaraMachado, nos últimos dias de janeiro de 1997,um congresso dedicado ao tema Infra-estruturaSéculo 21, no Anhembi. Um dos assuntos a se-rem debatidos, no capítulo dos Transportes, seráo caso dos dirigíveis.

TENDÊNCIAS FUTURAS

A história do homem voador pode ser dividi-da em duas fases: antes do acidente de Lakehurstpredominou o mais leve que o ar; depois, predo-minou (e ainda predomina) o mais pesado.

O incêndio do Hindenburg, em Lakehurst,ficou gravado na memória da humanidade comoa evidência cruel do perigo que os dirigíveis re-presentavam. Hoje, a ciência e a tecnologia osdesenvolveram e aperfeiçoaram de forma signi-ficativa. Hoje os dirigíveis são:

• mais seguros: resistem melhor ao mau tempo,

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mesmo com os motores parados, pairam no ar e po-dem ser manobrados para descer com segurança;

• mais econômicos: gastam no máximo umterço do combustível exigido por aviões paratransportar a mesma carga percorrendo a mesmadistância e já existem planos de dirigíveis movi-dos a motores elétricos alimentados por célulassolares distribuídas sobre seu envelope;

• mais silenciosos: além de só precisar demotores para a propulsão horizontal - portantomenos potentes e mais silenciosos - já há mo-delos que usam o gás aquecido do escapamentopara manter cheias câmaras auxiliares de susten-tação, compondo assim um silenciador enorme eeficiente;

• mais confortáveis: a relação espaço/passa-geiro pode ser bem maior nos dirigíveis que, nopassado, foram chamados navios voadores;

• menos poluentes: quer por serem mais eco-nômicos e silenciosos, quer por serem facilmen-te equipados com catalizadores eletrostáticos;

• competitivos com aviões no tempo totalgasto no transporte a distâncias pequenas emédias: pela eliminação ou redução drástica dotransporte intermodal, que lhes permite, porexemplo, transportar passageiros do centro deLondres ao centro de Paris em duas horas e meia.

Várias missões poderiam, hoje, ser atribuídasaos novos dirigíveis: transporte de passageirosem passeios turísticos, de curta, média ou longadistância; transporte de cargas pesadas ou de pe-ças de grande porte; eliminação ou redução dotransporte intermodal; remoção de escombros delocais de difícil acesso; operações de busca e sal-vamento; exploração oceânica; apoio a platafor-mas de exploração de jazidas petrolíferas subma-rinas; vigilância de fronteiras de todo tipo; con-trole de poluição urbana e industrial; guarda elou exploração de regiões de difícil acesso, comoa Amazônia.

Como instrumentos de vigilância de águasterritoriais, por exemplo, os dirigíveis são insu-peráveis. O radar de uma nave a 2.000 m acimado mar pode varrer um círculo com raio de 100milhas. Em 1983, a revista Britisn Business jáafirmava que um dirigível com doze homens abordo (duas tripulações de seis homens se reve-zando de seis em seis horas) substitui seis naviosde superfície, com tripulações de quarenta ho-mens cada, na vigilância costeira. 17

Os dirigíveisestão voltando.

Não sãovelozes comoos aviões, massão muito maiseconômicos,silenciosos,confortáveis,seguros e

muito menospoluentes edependentesde infra-estrutura

complementar

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Os dirigíveis estão hoje entre as mais segurasaeronaves. São difíceis de detectar quando nãopodem ser vistos; construídos com materiais deúltima geração, podem ser praticamente invisí-veis ao radar. A força reduzida de seus motoresou turbinas fazem deles as mais silenciosas aero-naves motorizadas; com os motores parados, sãoabsolutamente silenciosos e pairam a qualqueraltitude. Podem sustentar danos significativos semcair: a pressão interna do gás hélio é mantida emnível muito pouco acima da pressão ambiente doar (entre meia e uma libra por polegada quadra-da). E ainda, se houvesse algum fogo, o hélio,sendo um gás inerte, tenderia a apagá-lo ao sair.O dirigível é sustentado por cerca de dezesseisbalões e leva um peso excedente como tara (água,em geral); se balões forem perfurados a nave po-derá despejar a tara e ainda assim flutuar, ou des-cer lentamente.

Em 1982, quando um avião para 200 passa-geiros custava 25 milhões de dólares, estima-seque um dirigível com essa mesma capacidadecustaria três vezes menos, podendo levar 200 pes-soas do centro de Londres ao centro de Paris (400km) em duas horas e meia por 30 dólares cada.

Em 1996, como afirma o autor da reportagemde Carta Capital: "depois dos anos 60, as ativi-dades dos dirigíveis ficaram concentradas ape-nas na sua utilização como veículos de propa-ganda e esporadicamente em logística militar.Agora, às vésperas do sexagésimo aniversário dodrama do Hindenburg, as evidências de uma re-lação custo/benefício muito generosa, colocou osdirigíveis na ordem dos recursos de ponta na áreade transporte. Basta lembrar o projeto de cria-ção do dirigível híbrido feito pelo grupo cana-dense Hybrid AeroSpace Inc. e seu estudo decustos. Aí se demonstra que em uma rota equiva-lente ao precurso Rio-São Paulo, por exemplo, otempo gasto em dirigível seria de uma hora emeia e o preço US$40,OO".18

Os dirigíveis estão voltando. Não são velozescomo os aviões, mas são muito mais econômicos,silenciosos, confortáveis, seguros e muito me-nos poluentes e dependentes de infra-estruturacomplementar (pistas de pouso, transporteintermodal etc.).

De fato, fazem tanto sentido que é difícil com-preender porque ficaram nas pranchas de dese-nho por tanto tempo ... •

DIRIGíVEIS

Notas

1. Cfr. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.Novo Dicionário da Língua Portuguesa. SãoPaulo: Nova Fronteira, 1975 ou CALDASAULETE, Dicionário Contemporânea da Lín-gua Portuguesa. Rio de Janeiro: DeIta, 1958.

2. MOONEY, Michael M., The Hindenburg. NovaYork: Dood, Mead & Company, 1972, p. 15-6.

3. Idem, ibidem, p. 51-6.4. Idem, ibidem, p. 166.5. Idem, ibidem, p. 259.6. VISÃO. O dirigível, uma velha solução que é

de novo viável. São Paulo: Visão, 3 mar.1980, p. 36.

7. ALEMÃES preparam lançamento de zepelimcom nova tecnologia. O Estado de S.Paulo,São Paulo, 25 maio 1996. Seção de Transpor-tes, p. A-15.

8. MEZERETIE, Jean. Retour au dirigeable. In:Document Paris match, Paris, n.1576, 10ju1.1979, p. 8.

9. GOODYEAR AEROSPACE CORPORATION.Airships by Goodyear. sentinels for coastalwaters. OH: Akron, 1981.

10. AIRSHIP INDUSTRIES LIMlTED. Director Sreport and accouts for the year ended 30 [une

1987. Londres: Airship Industries Limited,1987.

11. . catálogos diversos.12. LUCENA, Luiz Carlos. No ar uma alternati-

va para o transporte pesado. In: Revista BR,n.179, p. 22.

13. MEZERETIE, Jean. Op. cito p.7.14. JORNAL DA TARDE. São Paulo, 20 de jul.

1881. p. 12.15. LUCENA, L. C. Op. cit. p. 25.16. GOlS, Alexandre. Dirigíveis - você ainda vai

viajar em um. Carta Capital, São Paulo, 10jul. 1996, p. 80-1.

17. BRmSH BUSlNESS. Bristish Enterprise - eyein the sky, Londres, 14 out, 1983, p. 356-7.

18. GOlS, Alexandre. Op. cit. p. 81.

Gustavo de Sá e Silva é ProfessorFundador e Emérito da EAESP/FGV.

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