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2 Contraponto RAE Light v. 5 n. 4 p. 2-7 DE UMA CORRIDA DE REVEZAMENTO A UM JOGO DE RUGBY: A INTEGRAÇÃO PROPICIADA PELA ENGENHARIA SIMULTÂNEA E SUAS VANTAGENS COMPETITIVAS MODELOS TRADICIONAIS DE DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS: “CORRIDA DE REVEZAMENTO” Para um melhor entendimento e di- ferenciação do novo corpo de concei- tos sob o nome de Engenharia Simul- tânea, seria importante para uma abor- dagem inicial compreender como é de- senvolvido, no modelo tradicional, o projeto de novos produtos e os proces- sos que os produzem. A engenharia convencional é co- mumente denominada de over the fence, porque a engenharia de produ- to desenvolve um produto e o atira “por sobre a cerca” para o departamen- to de engenharia de processos. Essa forma de trabalhar se estende por to- das as demais etapas do desenvolvi- mento de novos produtos até o mo- Gustavo Henrique Marcelo de Faria mento de o produto ser lançado no mercado. Isso traz enormes problemas ao novo produto e à empresa. Estando em um ambiente concor- rencial, é de suma importância a efi- ciência no lançamento de novos pro- dutos, tanto em relação ao tempo de desenvolvimento quanto no que se re- fere aos custos necessários à realiza- ção dessa tarefa. Em ambas caracte- rísticas os métodos tradicionais pos- suem sérios inconvenientes. Em termos de custos necessários ao desenvolvimento de novos produtos, os modelos tradicionais são substancial- mente onerados em função do elevado número de retrabalho necessário. Ca- racterizam-se por atirar um projeto já “congelado” para a etapa seguinte do processo, que precisará realizar várias adaptações ao mesmo tempo, sendo que essas adaptações se tornam mais dispendiosas à medida que o projeto vai se aproximando de suas etapas finais. O tempo para o desenvolvimento de um novo produto também é debilitado pela necessidade de retrabalhos, mas existe ainda um outro fator de suma im- portância para os resultados negativos: a dissociação entre o projeto do produ- to e o projeto de seu processo de pro- dução, o que invariavelmente leva à ne- cessidade de adaptações que compro- metem a qualidade do novo produto e elevam o seu tempo de ciclo. A NOVA ABORDAGEM PROPOSTA PELA ENGENHARIA SIMULTÂNEA: “JOGO DE RUGBYHá uma analogia interessante para se comparar os preceitos propostos pela Engenharia Simultânea com os mode- los tradicionais de desenvolvimento de

DE UMA CORRIDA DE REVEZAMENTO A UM JOGO DE RUGBY: …rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S0034-75901998000400011.pdfDE UMA CORRIDA DE REVEZAMENTO A UM JOGO DE RUGBY:

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Contraponto

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Contraponto

RAE Light • v. 5 • n. 4 • p. 2-7

DE UMA CORRIDA DE REVEZAMENTOA UM JOGO DE RUGBY: A INTEGRAÇÃO

PROPICIADA PELA ENGENHARIASIMULTÂNEA E SUAS VANTAGENS

COMPETITIVAS

MODELOS TRADICIONAIS DEDESENVOLVIMENTO DE NOVOSPRODUTOS: “CORRIDA DEREVEZAMENTO”

Para um melhor entendimento e di-ferenciação do novo corpo de concei-tos sob o nome de Engenharia Simul-tânea, seria importante para uma abor-dagem inicial compreender como é de-senvolvido, no modelo tradicional, oprojeto de novos produtos e os proces-sos que os produzem.

A engenharia convencional é co-mumente denominada de over thefence, porque a engenharia de produ-to desenvolve um produto e o atira“por sobre a cerca” para o departamen-to de engenharia de processos. Essaforma de trabalhar se estende por to-das as demais etapas do desenvolvi-mento de novos produtos até o mo-

Gustavo Henrique Marcelo de Faria

mento de o produto ser lançado nomercado. Isso traz enormes problemasao novo produto e à empresa.

Estando em um ambiente concor-rencial, é de suma importância a efi-ciência no lançamento de novos pro-dutos, tanto em relação ao tempo dedesenvolvimento quanto no que se re-fere aos custos necessários à realiza-ção dessa tarefa. Em ambas caracte-rísticas os métodos tradicionais pos-suem sérios inconvenientes.

Em termos de custos necessários aodesenvolvimento de novos produtos, osmodelos tradicionais são substancial-mente onerados em função do elevadonúmero de retrabalho necessário. Ca-racterizam-se por atirar um projeto já“congelado” para a etapa seguinte doprocesso, que precisará realizar váriasadaptações ao mesmo tempo, sendo queessas adaptações se tornam mais

dispendiosas à medida que o projeto vaise aproximando de suas etapas finais.

O tempo para o desenvolvimento deum novo produto também é debilitadopela necessidade de retrabalhos, masexiste ainda um outro fator de suma im-portância para os resultados negativos:a dissociação entre o projeto do produ-to e o projeto de seu processo de pro-dução, o que invariavelmente leva à ne-cessidade de adaptações que compro-metem a qualidade do novo produto eelevam o seu tempo de ciclo.

A NOVA ABORDAGEM PROPOSTAPELA ENGENHARIA SIMULTÂNEA:“JOGO DE RUGBY”

Há uma analogia interessante parase comparar os preceitos propostos pelaEngenharia Simultânea com os mode-los tradicionais de desenvolvimento de

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A INTEGRAÇÃO PROPICIADA PELA ENGENHARIA SIMULTÂNEA E SUAS VANTAGENS COMPETITIVAS

© 1998, RAE Light / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil.

novos produtos: estes seriam como umacorrida de revezamento, em que cadaetapa do desenvolvimento do projetode um novo produto é realizada demaneira isolada, como se fosse um bas-tão que é passado de uma etapa paraoutra com aquele ar de “dever cumpri-do”; enquanto na nova abordagem pro-posta todas as etapas estariam integra-das e a “bola” seria passada entre elas,ao mesmo tempo em que o conjuntoavançaria em bloco.

Após esse rápido resumo de certascaracterísticas da forma de atuação dosmodelos tradicionais, já podemos ini-ciar a discussão sobre a necessidade,vantagens e objetivos da EngenhariaSimultânea.

O processo de aumento de compe-titividade, conseqüência, entre outrosacontecimentos, da abertura econômi-ca vivida após o governo de FernandoCollor, fez com que várias empresasbuscassem algum tipo de diferencial,como os modelos japoneses de “pro-dução enxuta”, no qual a EngenhariaSimultânea tem um papel fundamental,sendo utilizada como um modelo degestão capaz de aprimorar o processode desenvolvimento de novos produtos.

No passado, a preocupação, nosmodelos seqüenciais, era focalizada naotimização das partes. Essa falta de vi-são sistêmica trouxe vários problemas(citados anteriormente), que só passa-ram a ser questionados a partir da con-cepção de uma nova visão propostapela Engenharia Simultânea.

“[...] Utilizando a abordagem daEngenharia Simultânea as atividadesdas três áreas clássicas (o projeto con-ceitual, o projeto do produto, o proje-to do processo) deixam de ser fases es-tanques e passam a ser integradas numesforço único. [...] Por exemplo, asunidades responsáveis pela engenha-ria de produto e de manufatura pas-sam a integrar ‘precocemente’, evitan-do os problemas do procedimentoseqüencial tradicional.” 1

Um relatório (R-338) do Institutopara Análise de Defesa dos EUA defi-ne: “Engenharia Simultânea é umaabordagem sistêmica para o projeto in-

tegrado e concorrente de produtos eprocessos a eles relativos, incluindomanufatura e suporte. Essa abordagempretende promover, desde o início dodesenvolvimento, consideração de todosos elementos do ciclo de vida do produ-to, desde sua concepção até seu descar-te, incluindo qualidade, custo, cronogra-ma e requisitos dos usuários.”2

No início de um projeto, todas asáreas da empresa têm praticamente amesma quantidade de informações, porisso elas podem começar seus projetossimultaneamente, havendo uma inter-relação que levará a uma troca de su-gestões para a redução de custos emelhoria da qualidade. Essa interaçãodesde o início do projeto propiciará umaantecipação das modificações necessá-rias reduzindo o gasto de retrabalho emetapas avançadas do projeto, além demodificações de última hora que são dequalidade questionável. Sobre essapreocupação com a fase de projeto éinteressante ser ressaltado que de 60%a 80% dos custos totais de um produ-to são comprometidos nesse estágio.

Outro diferencial desse tipo deabordagem sobre a over the fence é o

que poderíamos chamar de visão docliente. Essa vantagem competitivabaseia-se no fato de que geralmente,quando um projeto passa de um depar-tamento para outro, apenas o primeirotem contato definitivo com o mercado.Os demais trabalham sobre universosdefinidos pelo grupo anterior, otimi-zando sistemas a partir de critérios“traduzidos”. Mas essa tradução temuma deturpação intrínseca que, aocabo de várias “cercas”, pode desvin-cular os parâmetros de projeto das re-ais necessidades dos consumidores.Na Engenharia Simultânea, a integra-ção das várias pessoas responsáveispelo projeto garante que as informaçõesprovenientes do mercado orientem odesenvolvimento de produtos e proces-sos ao longo de todas as atividades, re-duzindo de maneira realmente expres-siva o gap entre o que o produto pro-porciona e o que o cliente deseja, casonão o elimine totalmente.

Os resultados positivos da utiliza-ção da Engenharia Simultânea podemser verificados em um estudo realiza-do pelo Massachusetts Institute ofTechnology (MIT) que revelou que, emmeados dos anos 80, produtores japo-neses de automóveis desenvolviam umnovo carro em 46 meses, contra 60meses dos americanos (atualmente umameta razoável para os japoneses giraem torno de 24 meses). Além disso, osprojetos japoneses propiciavam mon-tagem mais fácil (chegando ao extre-mo de precisar de duas horas a menospor veículo) e qualidade superior (atétrês vezes menos defeitos). No Brasil,a Autolatina conseguiu reduções do seutime-to-market de um ano e de 40% dosseus custos de desenvolvimento ao im-plementar o novo modelo.

DESENVOLVIMENTO DAESTRUTURA CONCEITUAL DAENGENHARIA SIMULTÂNEA

Neste trabalho, os conceitos de En-genharia Simultânea foram agrupadosem cinco grandes elementos: organiza-ção, controle, sobreposição de ativida-des, comunicação e postura. Cabe a

O processo deaumento de

competitividade fezcom que várias

empresas buscassemalgum tipo de

diferencial, como osmodelos japoneses

de “produçãoenxuta”, no qual a

EngenhariaSimultânea tem umpapel fundamental.

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Contraponto

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ressalva de que essas áreas não podemser consideradas de maneira estanque,sendo apenas uma divisão com o intui-to de exposição.

ORGANIZAÇÃO

É comum a associação, na Engenha-ria Simultânea, de equipes de trabalhoou “times” de projeto, dedicados a de-senvolvimentos específicos. Essa for-ma de organização teria como objetivoprincipal maximizar o número de de-cisões que podem ser tomadas sem co-municação extensa, das quais partici-pariam pessoas ligadas a diversas fun-ções: engenharia, marketing, produção,vendas, contabilidade/finanças etc.Dependendo do caso, pode ser provei-toso incluir nas equipes multifuncio-nais até mesmo representantes dosprincipais fornecedores.

Quatro diferentes estruturas podemestar ligadas ao desenvolvimento denovos produtos: grupos funcionais, ti-mes “peso leve”, times “peso pesado”e times autônomos, cada um com ca-racterísticas específicas de liderança.

Grupos funcionais: é a tradicionalorganização em “departamentos”. Aspessoas são agrupadas por especialida-des ou disciplinas sob a direção de umgerente funcional. A responsabilidadedo projeto é passada seqüencialmentede uma função a outra, assim como opoder de decisão, que está nas mãos decada gerente funcional.

Times “peso leve”: distinguem-sedo modelo anterior pelo fato de se de-signar um representante de cada áreafuncional para representá-la junto aogrupo de coordenação do projeto. Es-tes serão coordenados por um gerente“peso leve”, que ainda detém poucospoderes sobre as pessoas e recursosalocados ao projeto, que permanececom os gerentes funcionais.

Times “peso pesado”: neste mo-delo há uma mudança na ênfase de im-portância dos gerentes funcionais parao coordenador dos projetos, que pas-sa a ter acesso direto ao trabalho detodos os envolvidos no empreendi-mento e responsáveis por esse traba-

lho. A única restrição relacionada aeste modelo de organização está liga-da ao desenvolvimento de longo pra-zo na carreira dos colaboradores indi-viduais, que continuam atrelados aseus gerentes funcionais por não esta-rem alocados ao líder de projeto demaneira permanente.

Times autônomos: como já deve tersido percebido, houve uma evolução nograu de responsabilidade e poderes atri-buídos aos gerentes de projeto, desde ainexistência aos mais amplos poderesdelegados aos líderes de projeto nos ti-mes autônomos. As pessoas das diferen-tes áreas funcionais são alocadas formal-mente junto ao time de projeto. A altaadministração deve prover recursos einfra-estrutura, apoio e diretrizes gerais,porém cabe ao grupo estabelecer as tá-ticas que seguirá, sendo que no iníciodo empreendimento deverão ser estabe-lecidas estratégias amplas e metas de-safiadoras criando um ambiente de “ins-tabilidade criativa”.

A escolha do modelo dominante emuma organização deve ser compatívelcom o ambiente e com os seus impera-tivos estratégicos e, por conseguinte,com o tipo de mix de produtos, isto é,para a adoção de determinado modelodeve-se analisar a empresa de formaindividual, todas as suas necessidadese características, sendo bem possívelque não se adote nenhum desses mo-

delos na sua forma pura, mas como algohíbrido.

Nos últimos dois modelos, a lide-rança assume um papel fundamental, olíder do time deve saber estabelecer umambiente propício ao surgimento ediscussão de idéias, ao mesmo tempoem que conduz os integrantes do timea progredir e cumprir o planejamentoe ainda ter a capacidade de lidar cominformações incompletas ou provisó-rias. O sucesso da Engenharia Simul-tânea depende em grande parte de umgerenciamento eficaz das interfacesentre pessoas de especialidades diferen-tes, sendo esse um dos principais pon-tos de atuação da liderança, pois traba-lhará com pessoas com diferentes fun-ções e, conseqüentemente, com perfise horizontes diferentes.

O número de pessoas presentes naequipe de cada área e o nível de par-ticipação são características determi-nadas pela natureza e dimensão doempreendimento, mas vem se desta-cando a importância da presença dediferentes áreas necessárias ao desen-volvimento do projeto. Também é co-mum a preferência por generalistas,com exceção a projetos altamente téc-nicos, pois isso leva à quebra da“taylorização” e permite aos membrosda equipe acompanhar sua própriaevolução em relação ao planejamen-to, além de conferir maior flexibilida-de para manter todos os integrantesocupados de maneira produtiva. Eli-minam-se, portanto, os “gargalos” queos especialistas às vezes representam.

Uma observação importante a res-peito dessa prática é que as avaliaçõespara a decisão dos membros que farãoparte da equipe de desenvolvimento denovos produtos/projetos devem ser cau-telosas, pois corre-se o risco, privile-giando generalistas, de ter subsistemassem o mesmo nível de qualidade quepoderia ser alcançado com especialis-tas, o que seria amenizado por conve-nientes revisões (mas esses são um dosprincipais custos que a Engenharia Si-multânea busca amenizar).

A presença de fornecedores nas equi-pes de projetos de maneira proativa pode

É comum aassociação, na

EngenhariaSimultânea, de

equipes de trabalhoou “times” de

projeto, dedicados adesenvolvimentos

específicos.

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A INTEGRAÇÃO PROPICIADA PELA ENGENHARIA SIMULTÂNEA E SUAS VANTAGENS COMPETITIVAS

levar a sentimento de co-propriedade,levando-os a antecipar suas necessida-des e perceber os eventuais prejuízospara ambas as partes causados por umeventual atraso no fornecimento.

CONTROLE

O controle tem efeitos opostos aosdados pela autonomia citada no item an-terior, mas devemos sempre estabelecerum certo número de checkpoints capazde evitar instabilidade, ambigüidade, ten-são e uma provável situação caótica. Aquestão essencial reside então em esta-belecer um balanceamento ideal que con-fira ordem ao desenvolvimento do pro-jeto, sem que se cerceie a criatividade ouse “engesse” o processo.

Uma forma mais sutil de se mantero controle seria através de formas qua-lificadas como soft, que poderiam seroperacionalizados da seguinte forma:• Selecionando pessoas “adequadas”.

Uma das maneiras de evitar dificul-dades ao longo do processo de exe-cução e minimizar os controles éassegurando a qualidade dos inputs,como as pessoas que participaramdo desenvolvimento do projeto.

• Estabelecendo corretamente as ne-cessidades do mercado, encorajan-do os engenheiros a irem a campopara ouvir o que os clientes e/ourevendedores têm a dizer.

• Tendo consciência de que erros sãonormais, mas sempre se preocupan-do em se antecipar a eles.

• Envolvendo os fornecedores ante-cipadamente no processo e deixan-do que, até certo ponto, eles se auto-organizem.Antes de detalhar as formas de con-

trole hard, é importante ressaltar que,em qualquer controle que se deseje rea-lizar sobre um projeto, deve-se ter emmente primordialmente o tamanho doprojeto e suas demais características, enão considerações de menor relevân-cia, como o tamanho da empresa. Àsvezes, formas de controle mal dimen-sionadas podem burocratizar excessi-vamente pequenos projetos.

As formas de controle hard são va-

riantes das tradicionais formas deacompanhamento e avaliação de pro-jetos:• Procedimentos de desenvolvimen-

to de produtos: é importante ter umroteiro simples e compreensível queoriente as ações das pessoas, masque preserve um determinado graude liberdade. Para que isso ocorra,deve-se evitar o detalhamento ex-cessivo desses procedimentos aponto de se tirar a autonomia daequipe de projeto.

• Plano de projeto: é importante por

induzir as pessoas a pensarem noprojeto como um todo, o que per-mite localizar pontos críticos comantecedência e tomar as devidasações a tempo, além de ser útilcomo uma forma de se acompanharo progresso do projeto.

• Revisões de projeto: suas finalida-des básicas são avaliar os progres-sos e verificar a funcionalidade,custos e manufaturabilidade. Issopode contribuir para se localizar an-tecipadamente problemas e reduziros retrabalhos, mas devem ser evi-tadas excessivas formalizações.Existe ainda um elemento que não

é propriamente um controle, mas temenorme influência sobre ele: a atribui-ção de responsabilidade. Um sistemaem que se busca maior autonomia por

meio da delegação de autoridade e di-luição das responsabilidades pode le-var a um estado caótico.

SOBREPOSIÇÃO DE ATIVIDADES

Essa é uma das características maismarcantes da Engenharia Simultânea.Dar início a uma atividade antes quese complete a sua fase subseqüente éuma técnica poderosa para se ganhartempo, além de uma vantagem compe-titiva de longo prazo para a empresa.Diferentemente da aquisição de siste-mas como o CAD ou outros, que sãofacilmente copiáveis, essa mudança demetodologia no desenvolvimento denovos produtos é algo “sob medida”para cada organização e o ato de sim-plesmente copiar um modelo pode serdesastroso.

Slack considera que uma das maisimportantes decisões no gerenciamen-to das interfaces refere-se ao momentoem que se deve envolver os recursosda fase seguinte. Ele classifica a rela-ção entre as atividades nas quatro ca-tegorias seguintes:• seqüencial: as atividades da fase

subseqüente só são iniciadas apóso total encerramento do estágio pre-decessor;

• sobreposta: as atividades da faseposterior são iniciadas um poucoantes do término da anterior;

• paralela: as atividades têm inícioe término simultâneo; enfatizam-seos estágios anteriores, no começodo período, e os estágios posterio-res, na porção final do desenvolvi-mento do projeto;

• interativa: ocorre quando não só opessoal das equipes anterior e pos-terior está envolvido ao longo detodo processo, como também quan-do a distinção entre os grupos co-meça a desaparecer. O comprome-timento passa ser muito mais como projeto todo que com suas fasesparticulares.A metodologia tradicional de pro-

jetos está baseada num enfoque desen-volvido pela NASA para administrarmegaprojetos aeroespaciais, conheci-

Um sistema emque se busca

maior autonomiapor meio da

delegação deautoridade ediluição das

responsabilidadespode levar a umestado caótico.

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Contraponto

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dos por processo PPP (phase projectplanning). Para tais projetos, que en-volvem milhares de pessoas e somasvultosas, o enfoque surte bons resulta-dos, pois é um instrumento convenien-te de administração de riscos. Mas esseconceito aborda apenas o risco técni-co, ignorando riscos ditos de mercado(como atraso no lançamento de novosprodutos).

Essa forma de atuação trata o pro-jeto como um sistema monolítico, o quefaz com que todo sistema seja forçadoa progredir no ritmo do elemento maislento, e grandes problemas aparecemquando uma parte do projeto é passadaao próximo.

O processo PPP confere à gerênciamuito controle, indicando-lhe quando seenvolver e tomar decisões; já o enfoqueda sobreposição de atividades, por ou-tro lado, dá ao próprio grupo de projetomaior controle de seu destino.

O desenvolvimento de produtos éum processo gradual de construção deum corpo de informações até que, fi-nalmente, se complete uma fórmulapara produzir um novo bem e serviço.

Na maneira tradicional, os conhe-cimentos são desenvolvidos até quecerto assunto esteja esgotado e só en-tão se passa ao estágio seguinte, tra-balhando-se sempre com informaçõescompletas. Por outro lado, a sobrepo-sição de atividades afeta significativa-mente a forma como as informaçõessão acumuladas, pois usam-se infor-mações parciais. A comunicação, queantes se fazia num único sentido (dafase anterior para a fase posterior),passa a ser uma via de mão dupla: noestágio posterior, começa-se a traba-lhar com quantidade reduzida de da-dos e, à medida que se tornam neces-sárias, fazem-se atualizações, aprovei-tando para retroalimentar o estágioprecedente com suas próprias conclu-sões. A quantidade inicial de dados éinversamente proporcional ao grau desobreposição, sendo tanto menorquanto mais “paralela” a relação.

A sobreposição de atividades não éalgo simples. Uma boa comunicação éessencial, de preferência aquela que

possa ser desenvolvida face a face.Além disso, há questões relacionadasà postura, devendo haver abertura,confiança e disposição para trabalharcom informações incompletas. Essasdificuldades podem ser um pouco de-sanimadoras a princípio, mas, se fo-rem analisados os benefícios com mu-danças na cultura organizacional, de-senvolve-se no grupo um senso de res-ponsabilidade, iniciativa, foco nos ob-jetivos do empreendimento como umtodo e orientação para a solução deproblemas.

Smith e Reinrtesen desenvolvem uminteressante paralelo entre o uso de in-formações parciais e o sistema de produ-ção just in time (JIT). Na forma tradicio-nal, um “lote” de informações comple-tas é “empurrado” para atividades poste-riores, com baixa freqüência. Esse “lote”provavelmente não será inteiramente útil,e os profissionais que o recebem levamum tempo para absorvê-lo.

Com as atividades sobrepostas, ofluxo de informações parciais é ummisto de estruturas de pull e push. Éinteressante se estimular o enfoque

pull: as informações fluirão em lotesmenores e com maior freqüência, se-rão provavelmente mais orientadas aosusuários, ou mais aplicáveis, e diminui-rão as chances de a atividade anteriorficar trabalhando em algo que não seráutilizado.

O mecanismo de informação passaa ser caracterizado como de mão duplapor duas razões: a primeira está des-crita logo acima; a outra seria em fun-ção dessa metodologia buscar iniciar oprocesso subseqüente o mais cedopossível, possibilitando às pessoasquestionarem e contribuírem com aqui-lo que lhes é fornecido, sendo as mo-dificações e adaptações implantadas nomomento ideal.

COMUNICAÇÃO

Sem sombra de dúvida, a comuni-cação constitui uma “pedra de toque”para a Engenharia Simultânea, poisessa metodologia pressupõe que um oumais grupos trabalhem e troquem in-formações num ambiente integrado dedesenvolvimento de produtos. Os ob-jetivos de diversas especialidades tra-balhando em um mesmo projeto nemsempre estão alinhados, por isso écrucial a coordenação, consistência,controle e integridade de todas as in-formações e idéias a ele relacionadas.

O seu propósito fundamental é deembasar a tomada de decisões. Seumau funcionamento pode levar a de-cisões ruins ou adiadas que poderiamcausar retrabalhos desnecessários ou,caso afete decisões críticas, poderiaatrasar todo o empreendimento. Emoutras palavras, a comunicação efici-ente representa um fator crítico de su-cesso. Outro sério problema que podeser causado pela ineficiência na comu-nicação é o rompimento com o pro-cesso de colaboração e, conseqüente-mente, a equipe de desenvolvimentocorre o risco de distorcer o conceitooriginal desejado ao produto. Esse fatotrará conseqüências como perda defuncionalidade, problemas nos testes,atrasos na produção e perdas de clien-tes, entre outros.

Os objetivos dediversas

especialidadestrabalhando em ummesmo projeto nem

sempre estãoalinhados, por isso é

crucial acoordenação,

consistência, controlee integridade de

todas as informaçõese idéias a elerelacionadas.

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A INTEGRAÇÃO PROPICIADA PELA ENGENHARIA SIMULTÂNEA E SUAS VANTAGENS COMPETITIVAS

Um importante fator para melho-ria da comunicação é a proximidadedos membros do projeto. Segundo pes-quisas do professor Thomas Allen, doMIT, a distância máxima que possibi-lita uma comunicação adequada seriade dez metros, sendo que, a partir detrinta metros, a probabilidade de queessas pessoas se comuniquem pelomenos uma vez por semana cai a me-nos de 5%. A importância da proxi-midade não está apenas nas vantagenspropiciadas pela comunicação face aface, ela permite que os membros doprojeto escutem conversas não direta-mente direcionadas a eles.

As informações na Engenharia Si-multânea devem ter um caráter global,deve-se sempre buscar não se restrin-gir a fronteiras departamentais ou dis-ciplinares. Por meio de uma constante“captura” de informações podemosconstruir um “patrimônio cultural”(know how, memória técnica) que seráa base para as diversas suposições queas pessoas envolvidas no projeto farãosobre objetos que estão fora da sua ca-pacidade técnica, e, quanto maior aqualidade desse suporte, mais “inteli-gentes” serão essas suposições.

POSTURA

Esse talvez devesse ser o primeirodos elementos para o sucesso de En-genharia Simultânea. Característicascomo um comportamento aberto econtributivo devem parecer algo óbviopara o desenvolvimento desse novométodo de trabalho, mas na práticaexistem barreiras organizacionais quese assemelham a verdadeiras “guildas”dentro da empresa, que, se não fo-rem eliminadas, podem inviabilizartotalmente qualquer tentativa de tra-balho na forma proposta pela Enge-nharia Simultânea.

Modelos organizacionais que es-tabeleçam grupos de trabalho e siste-mas eletrônicos que agilizem a comu-nicação são pouco eficientes sem umacorrespondente conscientização queleve a uma postura de maior abertu-ra, buscando fazer com que os mem-

bros das equipes procurem sempreenvolver aqueles afetados por suasdecisões e pedir as informações deque necessitem.

Outro tipo de consciência que deveser desenvolvido está relacionado à vi-são global. Todos os elementos da equi-pe de projeto devem estar conscientesde seu papel no processo total de queparticipam, além de estarem semprevoltados à idéia de maximização deresultados globais.

A integração da qual a EngenhariaSimultânea tanto precisa requer umsenso de confiança mútua; um bomexemplo disso é a relação entre enge-nheiros de produto e de processo. Amenos que estes contribuam com osprimeiros na solução de fabricabilida-de, aqueles dificilmente liberarão in-formações que lhes seriam úteis.

Esse maior intercâmbio acaba pos-sibilitando uma maior visibilidade doque ocorre realmente nas diversasáreas, evidenciando fraquezas, erros noprocesso e limites de habilidade quepoderão ser mais bem trabalhadas.Confiança e comprometimento serãoingredientes importantes para soluçõesque levam ao sucesso conjunto. Clarke Fujimoto ressaltam: “como é difícilmodificar atitudes, a postura pode seruma fonte de vantagem competitiva alongo prazo”.

Deve ser lembrado ainda que é desuma importância o respaldo dessetipo de atitude pela alta gerência e queos sistemas gerenciais devem ser coe-rentes com essa nova postura, reco-nhecendo sempre os esforços voltadosà sinergia.

CONCLUSÃO

Como já foi exaustivamente deta-lhado neste trabalho, a implantação dasformas de atuar propostas pela Enge-nharia Simultânea pode trazer grandesbenefícios à empresa.

Essa idéia pode ser reforçada aindamais com exemplos de melhoriasocorridas em empresas no Brasil, alémda Autolatina – já citada –, que obte-ve grande sucesso no lançamento de

um chassi em função do maior conta-to com as necessidades dos clientes eà rapidez propiciada pela integraçãodas diversas áreas envolvidas no pro-jeto. Existem exemplos de empresasmenores, como a Hidroplas, deBotucatu, no interior de São Paulo.Essa empresa é um exemplo das van-tagens propiciadas pelo melhor rela-cionamento com os fornecedoresadvindo da Engenharia Simultânea.Ele eliminou a necessidade de retraba-lho, sendo adaptações realizadas ape-nas no momento em que estas teriamcustos reduzidos.

Mas a principal razão de a Engenha-ria Simultânea trazer vantagens com-petitivas está relacionada à mudançacomportamental que ela propõe. Essamudança de postura não pode ser fa-cilmente adquirida, requer tempo ecomprometimento de todos, principal-mente da alta gerência.

A Engenharia Simultânea nãopode ser vista como uma simples fer-ramenta, devemos encará-la comouma proposta de uma nova filosofiade trabalho. �

Gustavo Henrique M. de Faria éaluno de graduação da EAESP/FGV.Este artigo foi um dos vencedores do

II Prêmio Empresa Júnior–FGV –Rio–Sul de Gestão Empresarial.

CITAÇÕES

1. Apud CARTER, Donald E.,BAKER, Barbara S. Concurrentengineering. Reading, EUA: Addison-Wesley, 1992.

2. Idem, ibidem.

RAE Light • v. 5 • n. 4