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Direito Tributário Temas Atuais Sacha Calmon Navarro Coelho (Publicada na Revista Dialética de Direito Tributário nr. 135) 1 Planejamento Tributário e Aquisição/ Incorporação de Empresas Questões Atinentes ao IRPJ e à CSLL Sacha Calmon Navarro Coelho é Professor Titular de Direito Tributário da UFRJ, Doutor em Direito Público pela UFMG, Presidente Honorário da ABRADT, Vice- Presidente da ABDF, Membro da IFA, Advogado. Eduardo Maneira é Professor Adjunto de Direito-Tributário da UFRJ, Mestre e Doutor em Direito Tributário pela UFMG, Secretário-Geral da ABRADT e Advogado 1. CONSULTA. Consulta-nos a Imaginarius S/A a respeito da legalidade das medidas que pretende realizar para a reestruturação societária do grupo, a qual, segundo informações, iniciou-se há cerca de 1 ano, e que compreenderá diversas etapas. 2. A ESTRUTURAÇÃO SOCIETÁRIA ATUAL. A atual estrutura societária do grupo Imaginarius, a qual se mantém inalterada deste o início de suas atividades no Brasil e cuja reorganização ora submete-se à análise, é composta pela empresa Alfa, uma sociedade de capital estrangeiro sediada na Holanda, controladora da sociedade holding brasileira Beta, detendo 100% de seu capital, e da sociedade operacional brasileira Gama, de cujo capital detém participação equivalente a 93%. Por sua vez, a Beta detém 7% do capital da sociedade operacional Gama. Para melhor visualização da estrutura, vejamos o gráfico abaixo: 3. A REESTRUTURAÇÃO SOCIETÁRIA. A primeira etapa da reestruturação trata da operação em que a Beta adquirirá da controladora estrangeira Alfa a totalidade (93%) da participação que mantém no capital social da Gama, a preço de mercado, de acordo com a projeção dos resultados estimados desta, através de Laudo de Avaliação a ser emitido previamente à aquisição. Após este passo, a Gama tornar-se-á subsidiária integral da Beta. Esta operação, por conseqüência, implicará na formação de um ágio fundamentado em expectativa de rentabilidade futura (art.385, inciso II, do Regulamento do Imposto de Renda RIR/ 99, aprovado pelo decreto 3.000/99), que será registrado na Beta Gama Alfa 100% 7% 93%

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  • Direito Tributrio Temas Atuais

    Sacha Calmon Navarro Coelho

    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

    1

    Planejamento Tributrio e

    Aquisio/

    Incorporao de Empresas

    Questes

    Atinentes ao IRPJ e CSLL

    Sacha Calmon Navarro Coelho

    Professor Titular de Direito Tributrio da UFRJ,

    Doutor em Direito Pblico pela UFMG, Presidente Honorrio da ABRADT, Vice-

    Presidente da ABDF, Membro da IFA, Advogado.

    Eduardo Maneira

    Professor Adjunto de Direito-Tributrio da UFRJ,

    Mestre e Doutor em Direito Tributrio pela UFMG, Secretrio-Geral da ABRADT e Advogado

    1. CONSULTA.

    Consulta-nos a Imaginarius S/A a respeito da legalidade das

    medidas que pretende realizar

    para a reestruturao societria do

    grupo, a qual, segundo

    informaes, iniciou-se h cerca

    de 1 ano, e que compreender diversas etapas.

    2. A ESTRUTURAO

    SOCIETRIA ATUAL.

    A atual estrutura societria do grupo Imaginarius, a qual se

    mantm inalterada deste o incio

    de suas atividades no Brasil e cuja

    reorganizao ora submete-se

    anlise, composta pela empresa

    Alfa, uma sociedade de capital estrangeiro sediada na Holanda,

    controladora da sociedade holding

    brasileira Beta, detendo 100% de

    seu capital, e da sociedade

    operacional brasileira Gama, de

    cujo capital detm participao

    equivalente a 93%. Por sua vez, a

    Beta detm 7% do capital da

    sociedade operacional Gama.

    Para melhor visualizao da

    estrutura, vejamos o grfico

    abaixo:

    3. A REESTRUTURAO

    SOCIETRIA.

    A primeira etapa da

    reestruturao trata da operao

    em que a Beta adquirir da controladora estrangeira Alfa a

    totalidade (93%) da participao

    que mantm no capital social da

    Gama, a preo de mercado, de

    acordo com a projeo dos

    resultados estimados desta,

    atravs de Laudo de Avaliao a ser emitido previamente

    aquisio. Aps este passo, a

    Gama tornar-se- subsidiria

    integral da Beta.

    Esta operao, por

    conseqncia, implicar na formao de um gio

    fundamentado em expectativa de

    rentabilidade futura (art.385,

    inciso II, do Regulamento do

    Imposto de Renda RIR/ 99,

    aprovado pelo decreto n

    3.000/99), que ser registrado na

    Beta

    Gama

    Alfa

    100% 100%

    7%

    93%

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    Sacha Calmon Navarro Coelho

    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

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    contabilidade da empresa

    incorporada Beta e poder ser

    amortizado em um perodo de 5 a

    10 anos, conforme previso legal.

    O planejamento ora

    proposto considera que a

    aquisio das aes ser contratada para pagamento em

    longo prazo, atravs de diversas

    remessas ao exterior, em perodo

    que pode variar de 5 a 10 anos.

    Em etapa subseqente, a

    Gama, ento subsidiria integral da Beta, ser por esta

    incorporada, reduzindo a estrutura

    societria no Brasil e permitindo,

    em conseqncia, na hiptese de

    haver resultados tributveis, a

    dedutibilidade do gio amortizado

    para fins do Imposto de Renda da Pessoa Jurdica IRPJ e da

    Contribuio Social sobre o Lucro

    Lquido CSLL.

    Assim expondo, a

    Consulente, formula os seguintes

    quesitos: 1 Pode a Empresa controladora

    com sede no exterior (Alfa) alienar

    a sua participao societria na

    empresa controlada para uma

    terceira Empresa, sediada no

    Brasil, tambm sob seu controle?

    2- A adoo do valor de mercado,

    na operao de compra e venda

    de investimentos, entre Empresas

    controladora e controlada uma

    opo ou uma imposio da

    legislao brasileira, inclusive frente s disposies concernentes

    distribuio disfarada de lucros?

    3- Quais critrios (inclusive

    cambiais) devero ser

    considerados na determinao do valor do investimento na empresa

    brasileira, pela Empresa alienante,

    para efeitos de apurao do ganho

    de capital, sujeito tributao?

    4- Qual dever ser o tratamento

    contbil e fiscal a ser observado

    pela Empresa adquirente, entre o

    valor da aquisio e o valor

    patrimonial do investimento

    adquirido?

    5- A quem caber a

    responsabilidade (sujeio passiva) pela apurao do

    provvel ganho de capital e do

    recolhimento dos tributos

    incidentes?

    6- Qual o tratamento tributrio a ser dado ao ganho de capital

    auferido pela Empresa estrangeira,

    na alienao do investimento para

    a Empresa brasileira (momento da

    apurao e da reteno na fonte,

    alquotas a serem consideras)?

    7- Em que extenso o ganho de

    capital sob anlise deve ter o

    tratamento equiparado ao

    tratamento dado s pessoas fsicas

    ou dado s pessoas jurdicas,

    sediadas no Brasil (arts. 140, 421, 682 e seguintes do RIR/99)?

    8- Em se tratando de alienao

    para recebimento do preo, em

    um prazo de 05 anos ou mais, o

    ganho de capital pode ser reconhecido e os tributos apurados

    e recolhidos (inclusive IR Fonte)

    medida e na proporo das

    parcelas recebidas em cada

    perodo de apurao, mesmo

    sendo o alienante uma pessoa

    jurdica estrangeira (art. 421, do RIR/99)?

    9 Com a incorporao da

    empresa adquirida (Gama) pela

    empresa adquirente (Beta), o

    valor do gio pago quando da aquisio poder ser amortizado

    como despesa dedutvel, conforme

    previsto nos arts. 7 e 8, da Lei

    n 9.532/97?

    10 Algumas das operaes

    poderiam ser caracterizadas como

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    procedimentos de evaso e/ou

    eliso fiscal, e, em sendo, podero

    sofrer algum tipo de restrio,

    pela legislao brasileira, em

    especial, pela LC n 104/2001?

    11 A realizao da operao, entre empresas do mesmo Grupo

    poderia, s por esta razo, de

    alguma forma, ser caracterizada

    como simulao?

    12 A operao em questo, poderia, de alguma forma, ser

    tratada como operao ilcita, sob

    os argumentos de que ao final

    haver benefcio fiscal decorrente

    de amortizao do gio?

    Em prosseguimento anlise das hipteses acima

    relatadas, passamos a nos

    manifestar.

    4. ESCLARECIMENTOS INICIAIS.

    O presente parecer se

    baseia nas informaes relatadas

    pela Consulente, atravs de seus

    consultores retrocitados, os quais fundamentam as mencionadas

    operaes na existncia de

    relevante propsito negocial e

    econmico para a reestruturao

    societria do grupo.

    Segundo o relato da

    Consulente, existem relevantes interesses empresariais para a

    reestruturao societria do

    grupo, dentre eles, a mudana do

    perfil dos investimentos no Brasil,

    com a reduo do nmero de

    empresas no pas, bem como obter, atravs de tal

    reestruturao, alternativas

    viabilizadoras para uma situao

    operacional que justifique a

    remessa lcita de recursos ao

    exterior (matriz).

    Cabe ainda ressaltar que se

    analisa aqui a legalidade das

    medidas pretendidas, sem

    qualquer avaliao acerca de sua

    viabilidade financeira.

    5. ELISO E EVASO FISCAL.

    Oportuno que se discorra

    sucintamente sobre a questo

    jurdico/doutrinria que ir

    permear todo o parecer, qual seja: a reestruturao societria

    pretendida pela Consulente se

    enquadraria no campo da eliso ou

    da evaso fiscal? Pois bem. A

    estrutura a seguir apresentada

    decorre da sistematizao do tema

    evaso, a partir da mescla dos critrios adotados por SAMPAIO 1DRIA e de ALBERTO XAVIER2:

    EVASO FISCAL (LATO SENSU)

    1. Evaso omissiva (intencional ou

    no), subdividida em:

    1.1. Evaso imprpria (absteno

    intencional de incidncia; no

    entrar no fato gerador);

    1.2. Evaso em sentido prprio (por sua vez subdividida em):

    1.2.1. No pagamento por

    desconhecimento ou

    mau conhecimento do

    dever fiscal (no

    intencional).

    1.2.2. No pagamento apesar do

    conhecimento do dever

    fiscal, sonegao

    (intencional).

    2. Evaso comissiva (sempre intencional):

    1 DRIA, Antonio Roberto Sampaio. Eliso e Evaso Fiscal. So Paulo: Lael, 1971, pp.14-22. 2 XAVIER, Alberto Pinheiro. O negcio Indireto em Direito Fiscal: Lisboa: Companhia e Editora Forense, 1971, pp.9-12

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    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

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    2.1. Ilcita (fraude, simulao,

    conluio);

    2.2 Lcita (economia fiscal ou

    eliso).

    Segundo esses autores, a evaso por omisso imprpria

    quando, por exemplo, no se

    pratica o fato gerador para no se

    ter que pagar o tributo (deixar de

    alienar bens para fugir do imposto

    sobre lucro imobilirio ou deixar de obter rendas suplementares

    que aumentariam o patamar do IR

    progressivo). Enquadram-se

    ainda no conceito de evaso

    omissiva imprpria os casos de

    transferncia econmica do

    encargo fiscal (deslocamento do peso fiscal do contribuinte de iure

    para o contribuinte de facto)

    mediante determinaes

    contratuais ou legais atravs dos

    fenmenos da repercusso,

    absoro ou difuso. A evaso omissiva prpria

    ocorre quando:

    a)intencionalmente o contribuinte

    omite dados, informaes e

    procedimentos que causam a

    ocluso do dever tributrio (sonegao); ou b) no

    intencionalmente, o contribuinte

    obtm os mesmos resultados por

    ignorar a lei ou o dever fiscal. As

    duas espcies se diferenciam pela

    presena do dolo especfico na

    primeira e pela sua inexistncia na segunda.

    A evaso comissiva ilcita

    d-se nas hipteses de fraude,

    simulao ou conluio, que so

    aes unilaterais ou bilaterais,

    voltadas ao escopo de alterar a realidade com o fito de no pagar

    o tributo ou retardar o seu

    pagamento (falsificao de

    documentos, notas fiscais, valores,

    negcios, etc).

    A evaso comissiva lcita,

    finalmente, tambm chamada de

    economia fiscal ou eliso fiscal,

    ocorreria quando o agente,

    visando a certo resultado

    econmico, buscasse, por

    instrumentos sempre lcitos,

    frmula negocivel alternativa e

    menos onerosa do ponto de vista fiscal, aproveitando-se da

    legislao no proibitiva ou no

    equiparadora de formas ou

    frmulas de Direito privado

    (reduo legal das formas ao

    resultado econmico). A disciplina da eliso fiscal

    comporta mais uma diferenciao.

    Temos eliso induzida quando a

    prpria lei deseja o

    comportamento do contribuinte,

    por razes extrafiscais. Exemplo

    a iseno por 10 anos do IR para os lucros das indstrias que se

    instalem no Norte-Nordeste do

    Brasil. Temos eliso por lacuna

    quando a lei, sendo lacunosa,

    deixa buracos nas malhas da

    imposio, devidamente aproveitados pelos contribuintes.

    A verdadeira eliso fiscal esta,

    por apresentar questionamentos

    jurdicos e ticos na sua avaliao.

    Baseia-se na premissa de que, se

    o legislador no a quis, como na eliso fiscal induzida, pelo menos

    no a vedou expressamente,

    quando podia t-lo feito (princpio

    da legalidade). Esse princpio, no

    particular, abriga duas conotaes

    relevantes. A primeira a de que

    o contribuinte, observada a lei, no est obrigado a adotar a

    soluo fiscal e jurdica mais

    onerosa para o seu negcio. Pelo

    contrrio, est eticamente liberado

    para buscar a menos onerosa, at

    porque, sendo o regime econmico considerado de livre iniciativa e de

    assuno de responsabilidades,

    prevalece a tese da minimizao

    dos custos e da maximizao dos

    resultados. A segunda conotao

    do princpio da legalidade no

    particular reside no aforisma de

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    Sacha Calmon Navarro Coelho

    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

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    que ningum est obrigado a fazer

    ou deixar de fazer alguma coisa

    seno em virtude de lei, de resto

    preceito constitucional e, pois,

    dominante.

    Disto isso, oportuno

    ofertar exemplos prticos de condutas elisivas lcitas por parte

    dos contribuintes:

    a) o contribuinte ao comprar bens

    para o seu ativo fixo pode optar

    por faz-lo via leasing, que

    permite abater a despesa do lucro tributvel pelo IR, ou via compra-

    e-venda que gera despesa no

    dedutvel, acrescendo seu

    patrimnio lquido (Nem pensar

    em simulao...) O STF j se

    pronunciou, caracterizando a

    espcie como eliso;

    b) o contribuinte pode formar uma

    sociedade com bens imveis

    (colao de bens ao capital de

    sociedade) ficando sua quota

    imune ao ITBI, ao invs de faz-lo com bois, v.g., sujeitados ao

    ICMS;

    c) para gozar de uma iseno do

    IR por dez anos, o contribuinte

    ergue sua fbrica em Ilhus/BA, ao invs de faz-lo em Vitria/ES,

    que no est na rea da SUDENE;

    d) no Municpio limtrofe, a

    Cmara Municipal no votou lei

    instituindo o ISS. O contribuinte

    instala ali o seu escritrio de representao comercial, embora

    tenha domiclio no outro

    Municpio;

    ANTNIO ROBERTO SAMPAIO

    DRIA3 assim distingue a evaso ilcita da eliso, que sempre

    lcita:

    Os elementos comuns a ambas a

    ao, a inteno, a finalidade e o

    3 DRIA, Antnio Roberto Sampaio. Op. cit.,p.20.

    resultado, conforme assinalado. Em

    conseqncia, de nenhum deles pode

    logicamente depender a distino das

    figuras em pauta.

    O primeiro aspecto substancial que as

    estrema a natureza dos meios

    eficientes para sua consecuo: na

    fraude, atuam meios ilcitos (falsidade) e, na eliso, a licitude dos

    meios condio sine qua non de sua

    realizao efetiva.

    O segundo aspecto de maior

    relevncia o momento da utilizao

    dos meios; na fraude, opera-se a

    distoro da realidade econmica no

    instante em que ou depois que ela j se manifestou sob a forma jurdica

    descrita na lei como pressuposto de

    incidncia. Ao passo que, pela eliso,

    o agente atua sobre a mesma realidade antes que ela se exteriorize,

    revestindo-a da forma alternativa no

    descrita na lei como pressuposto de

    incidncia.

    Com ligeira ampliao dos momentos

    em que a fraude se verifica, para

    incluir tambm a simultaneidade de sua ocorrncia com a do fato gerador,

    pode-se afirmar que hoje

    doutrinariamente pacfica a adoo

    desse critrio formal distintivo entre

    fraude e eliso.

    MARCEL WURLOD4, em tese de

    doutoramento apresentada

    Faculdade de Direito de Lausanne,

    intitulada Forme Juridique at ralit conomique dans

    lapplication des lois fiscales, traa

    idntico paralelismo, colocando a

    ao humana, anterior ou

    posterior ao fato gerador, como o

    elemento fulcral da distino entre evaso ilcita e eliso, esta sempre

    lcita (economia de imposto).

    4 WURLOD, Marcel. Forme Juridique at ralit conomique dans lapplication des lois fiscales. Lausanne: Librairie F. Rouge et Cie S/A, 1947

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    Sacha Calmon Navarro Coelho

    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

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    RUBENS GOMES DE SOUZA5,

    entre ns, igualmente erigiu, como

    nico critrio seguro para

    distinguir evaso e eliso, a poca

    em que realizada a ao

    excludente do contribuinte, se

    antes ou depois da ocorrncia do fato gerador do tributo:

    O nico critrio seguro (para

    distinguir a fraude da eliso)

    verificar se os atos praticados pelo contribuinte, para evitar, retardar ou

    reduzir o pagamento de um tributo

    foram praticados antes ou depois da

    ocorrncia do respectivo fato gerador: na primeira hiptese, trata-se de

    evaso; na segunda, trata-se de

    fraude fiscal.

    NARCISO AMORS6, na Espanha, outro que repercute a

    mesma idia, sem falar em fato

    gerador, mas falando em relao

    jurdica, o que, sem dvida

    significa um avano na fixao do

    critrio distintivo. Em vernculo,

    eis a frase:

    A eliso para ns no entrar na relao

    fiscal. A evaso dela sair. Exige, portanto, estar dentro, haver estado ou

    podido estar em algum momento.

    GILBERTO DE ULHA CANTO7, um dos autores do anteprojeto de

    reforma tributria (Emenda 18

    Constituio de 1946) e do Cdigo

    Tributrio Nacional, cuidando de

    sentena sobre contratos de

    leasing que tivemos a

    oportunidade de prolatar quando respondamos pela 14 Vara

    Federal de Belo Horizonte, honra-

    se com o seguinte comentrio:

    5 SOUSA, Rubens Gomes de. Compndio de Legislao Tributria, Rio de Janeiro:

    Financiaras, 1960, 3 ed., p.113. 6 AMORS, Narciso. La Elusion y la Evasion Tributria, in Revista de Derecho Financiero y

    de la Hacienda Pblica, Madrid, 1965, vol.15, .573. 7 Apud COLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributrio Brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 1999, 4 ed., pp.219-22.

    A sentena respeitvel e

    merecedora de elogio. Seu autor, o

    ilustre juiz e professor, versa sobre

    um tema que no sei porque encontra freqentemente inibio dos

    magistrados que os impede de

    assumir uma posio clara com pleno

    apoio na melhor doutrina num pas como o nosso, em que prevalece o

    princpio da legalidade estrita em

    matria tributria, imbudo num

    sistema de direito positivo fechado,

    que, em matria de direitos subjetivos, no permite qualquer

    margem de discrio autoridade no

    trato com o indivduo.

    Sei que h um bem relevante a

    preservar atravs da aplicao da

    regra de isonomia, e em seu nome o

    que a justia indica que pessoas em situaes econmicas iguais paguem

    impostos iguais; da, com propriedade

    e acerto, muitos afirmaram que na

    aplicao das leis tributrias deve-se

    ter em vista o contedo econmico das situaes, fatos ou negcios, pois

    sempre a ele que a vontade da lei

    ou do legislador visa.

    Esqueceram os que assim pensam

    que h outro princpio tambm

    importante e de incidncia muito mais

    ampla, que o da certeza das relaes jurdicas, mxime daquelas

    que se estabelecem com

    prescindncia da manifestao de

    vontade das partes, porque resultam da prpria lei.

    (...)

    Nenhum contribuinte tem obrigao de pagar imposto que a lei no prev,

    ou maior do que por ela previsto;

    isso, porque em o fazendo, alm de

    sofrer leso patrimonial sem justa causa, estaria coadjuvando na

    infrao ordem constitucional. Uma

    primeira verificao a fazer consiste,

    pois, em apurar se a conduta do contribuinte que o leva a no pagar

    imposto, pagar menor imposto ou

    pagar imposto mais tarde, importa em

    violao de direito da Fazenda

    Pblica, ou seja, contrape-se a um

  • Direito Tributrio Temas Atuais

    Sacha Calmon Navarro Coelho

    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

    7

    comando legal que o torne obrigado

    ao tributo evitado, reduzido ou cuja

    satisfao retardada.

    (...)

    Na busca desordenada de fundamento

    para definir a conduta do contribuinte

    como evaso, comum ver-se a Fazenda Pblica pretender que certos

    atos tenham sido por ele praticados

    com simulao, porque o seu objetivo

    nico ou principal foi evitar ou reduzir nus tributrio. Trata-se de um erro

    palmar, pois, no direito positivo

    brasileiro, os casos de simulao

    acham-se definido no art. 102 do

    Cdigo Civil num numerus clausus, sem que dentre eles figure o nimo de

    evitar imposto. O que, de resto, nem

    seria admissvel num sistema jurdico

    no causalista, que somente se refere causa nos dois nicos casos

    mencionados no art. 90, em que ela

    expressa como razo determinante ou

    como condio do ato. A rigor, a vontade de no pagar imposto nem

    seria causa, podendo caracterizar

    quando muito um motivo.

    Ainda segundo ULHA

    CANTO, a Lei n 4.506, de

    30/11/64, contm impropriedades

    a respeito do conceito de fraude:

    Para terminar estas breves observaes, penso que oportuno

    ponderar mais uma vez, a pssima

    redao adotada nos arts. 71, 72 e 73

    da Lei n 4506, de 30.11.1964, que por fora, do disposto no art. 21 do

    Dec.-lei n 401, de 30.12.1968,

    acabou sendo tambm vlida para

    efeitos de imposto sobre a renda e

    proventos de qualquer natureza, na qualificao de sonegao, fraude ou

    conluio. A maneira de caracterizar

    essas figuras ilcitas foi infeliz, porque

    misturou conceitos que deveriam ter ficado separados e, principalmente,

    porque deu uma definio de fraude

    que suscita dificuldade de

    entendimento, sendo no meu parecer, um daqueles casos para os quais a

    interpretao reservada como meio

    de compreenso do verdadeiro

    sentido da norma; eis o que diz o art.

    72:

    Art. 72. Fraude toda ao ou

    omisso dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a

    ocorrncia do fato gerador da

    obrigao tributria principal, ou a

    excluir ou modificar as suas caractersticas essenciais, de modo a

    reduzir o montante do imposto

    devido, ou definir o seu pagamento.

    Uma coisa que j foi claramente dita

    por vrios autores (notadamente por

    Rubens Gomes de Sousa, Pareceres e

    Imposto de Renda. Ed. Resenha

    Tributria, 1976, ps. 175 e segs.) que a distino entre evaso e eliso

    no pode ser feita levando-se em

    conta elemento subjetivo ao autor,

    porque em uma e noutra o intuito o mesmo: no pagar tributo, pag-lo a

    menor ou em data mais afastada, de

    sorte que a diferena dever ser

    buscada noutro elemento. Da, a formulao do conceito, j enunciado,

    que extrema a evaso e a eliso a

    partir da anterioridade da conduta em

    relao ao fato gerador. Uma exposio muito interessante desse

    entendimento foi feita pelo suo

    MARCEL WURLOD, no seu Forme

    Juridique et Ralite conomique Dans

    Lapplication des Lois Fiscales (ed. F.Rouge, Lausanne, 1947).

    Ora, se esse o fator distintivo

    correto, e no a intencionalidade do agente, foroso entender o art. 72

    da Lei n 4.502/64 como contendo

    implcita a condio de a conduta ser

    de per si contrria lei, pois o mero fato do impedimento de que o fato

    gerador surja, se entendido de modo

    ilimitado, levaria a conceituar-se

    como fraude e deliberao de um

    profissional de no trabalhar durante os ltimos dias do ano, para evitar

    que o seu nus tributrio com o

    imposto sobre a renda passasse de

    um limite prefixado, como o de sua possibilidade de caixa; ou o fato de

    algum vender um imvel antes do

    dia 31 de dezembro de certo ano,

    para no ter que pagar vultuoso imposto predial e territorial; e assim

  • Direito Tributrio Temas Atuais

    Sacha Calmon Navarro Coelho

    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

    8

    por diante, numa infinidade de

    hipteses em que mais do que

    evidente que seria rematado absurdo

    tentar evitar a aplicao do

    dispositivo.

    A essa altura, cumpre fazer

    um reparo crtico aos autores

    citados. No que suas lies

    estejam erradas. Apenas que so insuficientes. que, para separar

    as formas evasivas das formas

    elisivas no basta a indagao (e a

    resposta) sobre o momento em

    que se realizaram, se antes ou

    depois do fato gerador. O

    momento pode ser tambm, v.g., antes do pagamento do imposto.

    Sobre o tema, ALBERTO XAVIER8,

    nos idos de 1971, fez notar a

    insuficincia doutrinria:

    Outro equvoco de certa doutrina que sobre o tema tem se ocupado o de

    restringir o campo de atuao do

    negcio menos oneroso ao do

    pressuposto (Tatbestand) do tributo. Assim o sugere, desde logo, a

    classificao de origem anglo-

    saxnica, mas logo retomada pela

    doutrina continental, entre a tax avoidance e a tax evasion.

    Na tax avoidance ou eliso do

    imposto, o particular consegue evitar, impedir a realizao do pressuposto

    de fato de um tributo, no praticando

    o ato jurdico que a lei arvorou em

    elemento de previso ou praticando

    outro que a mesma lei no atribui conseqncias fiscais. Na tax evasion

    ou evaso do imposto, o particular

    praticou um ato correspondente ao

    pressuposto de fato de um tributo, e posteriormente, procura evitar o

    cumprimento da obrigao que lhe

    corresponde. Por outras palavras: na

    tax avoidance o particular pretende no entrar na relao tributria; na

    tax evasion procura dela sair.

    A verdade, porm, que esta

    dicotomia no consegue surpreender todas as modalidades possveis do

    8 XAVIER, Alberto Pinheiro. Op.cit., p.10.

    negcio fiscalmente menos oneroso.

    certo que esta figura assenta num

    jogo de tipos legais cuja aplicao

    est em certa medida, ao menos,

    dependente da vontade do particular. Quer dizer: o carter tipolgico do

    direito fiscal que est na base da

    problemtica do negcio fiscalmente

    menos oneroso. Ora, no s os pressupostos de fato so objeto de

    uma tipologia por parte da lei fiscal,

    so-no tambm os fatos impeditivos,

    em que as isenes se traduzem, so-no ainda os fatos de que depende a

    aplicao da taxa, no caso de

    pluralidade de taxas so-no

    finalmente os fatos aos quais a lei

    atribui a dedutibilidade matria colectvel. Por outras palavras: objeto

    de um processo de tipificao legal

    no s os elementos da previso da

    norma, mas tambm os de sua estatuio, ou seja, todos os

    relevantes para a produo dos

    efeitos jurdico-tributrios. Dessa

    sorte, facilmente se compreende como o negcio fiscalmente menos

    oneroso, se atua, via de regra, nos

    elementos de previso (pressupostos

    de fato), pode atuar quanto s isenes, quanto s dedues

    (contrao de dvidas ou realizao de

    doaes para efeitos de deduo

    matria colectvel) e quanto aos

    pressupostos da aplicao da taxa.

    Daqui resulta uma importante

    conseqncia: ou a distino entre

    eliso do imposto e evaso fiscal corresponde diferena entre no

    sujeio a tributo e violao

    fraudulenta da lei de imposto aplicvel

    e ento ficam de fora os negcios fiscalmente menos onerosos que no

    respeitam previso, mas

    estatuio da norma; ou tal dicotomia

    exclui a violao fraudulenta da lei e

    nesse caso no se consegue descortinar qualquer diferena de

    regime entre a eliso e a evaso,

    apenas em funo do elemento da

    norma a que se refere o negcio.

    Como vimos de observar, a

    eliso pode se dar tambm nos

    elementos da conseqncia (base

    de clculo) por meio de dedues,

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    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

    9

    por exemplo, que reduzam ou

    extingam o montante do tributo a

    pagar, de maneira absolutamente

    lcita.

    Para que haja fraude

    material ou de forma jurdica

    (simulao ou abuso de forma jurdica) devem estar presentes

    requisitos rigorosos. A saber:

    (a) na fraude, os meios so

    sempre ilcitos. Na eliso, os meios so necessariamente

    lcitos;

    (b) a utilizao desses meios, na

    fraude, d-se em momento posterior ocorrncia do fato

    jurgeno ou do pagamento,

    falseando-se os dados de

    clculo. Na eliso o emprego

    dos meios, quase sempre, ocorre antes;

    (c) em relao pertinncia dos

    meios, quando estes

    expressam formas jurdicas alternativas (negcio jurdico

    indireto), tem-se que, na

    fraude, h simulao de

    negcio e, na eliso, compatibilidade entre forma e

    contedo. Na fraude, a

    intentio facti uma, e a

    intentio iuris outra. Na eliso, a inteno real volta-se

    a duas ou mais formas

    jurdicas opcionais, as quais

    levam sempre ao resultado

    desejado a priori. Podemos exemplificar com a

    possibilidade, no Direito

    Brasileiro, de uma pessoa

    jurdica dotar-se de um bem de produo (ativo fixo) seja

    adquirindo-o vista ou a

    prazo (compra e venda) seja

    alugando-o, por contrato de arrendamento mercantil

    (leasing). Cabe ao

    contribuinte, licitamente,

    decidir que frmula jurdica,

    dente as permitidas, lhe a mais favorvel, quer do ponto

    de vista negocial, quer do

    ponto de vista fiscal;

    (d) finalmente, se h razes empresariais reais, como

    reestruturao da empresa,

    para obter ganho de qualquer

    natureza, funcional,

    operacional, mercadolgica ou

    financeiro business purpose dificilmente se poderia

    inquinar a operao de

    fraudulenta, apenas porque

    exerce o contribuinte o direito de escolher, entre meios

    lcitos, aquele menos oneroso,

    do ponto de vista tributrio.

    Em suma, quando ocorre fraude material, temos

    falsificaes. Na fraude por abuso

    de formas de direito privado

    imprescindvel a simulao do

    negcio jurdico, cujo conceito est

    no Cdigo Civil, art. 102 (numerus clausus):

    Art.102. Haver simulao

    nos atos jurdicos em geral:

    I quando apresentarem

    conferir ou transmitir direitos a

    pessoas diversas das a quem

    realmente conferem, ou transmitem.

    II quando contiverem

    declarao, confisso, condio ou

    clusula no verdadeira. III quando os instrumentos

    particulares forem antedatados,

    ou ps-datados.

    A simulao de negcio

    jurdico, assunto serssimo pelas

    conseqncias que acarreta, exige

    rigor tcnico e cautela para que

    possa ser irrogada s pessoas,

    mormente em matria tributria.

    Diz CAIO MRIO DA SILVA

    PEREIRA9 que:

    Consiste a simulao em celebrar-se

    um ato que tem aparncia normal, mas que, na verdade, no visa ao

    9 PEREIRA, Caio Mrio da Silva.

    Instituies de Direito Civil, vol.I., Rio de Janeiro, Forense, 11 ed., 1989, p. 367.

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    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

    10

    efeito que juridicamente devia

    produzir, mas enganosa.

    (...).

    Pode a simulao ser absoluta ou relativa. Ser absoluta, quando o ato

    encerra confisso, declarao,

    condio ou clusula no verdadeira,

    realizando-se para no ter eficcia nenhuma.(...)

    A simulao se diz relativa, tambm

    chamada dissimulao, quando o ato tem por objetivo encobrir outro de

    natureza diversa (e.g., uma compra e

    venda para dissimular doao), ou

    quando aparenta conferir ou

    transmitir direitos a pessoas diversas das a quem realmente se conferem ou

    transmitem.

    Como se observa, na simulao de negcio jurdico, a

    intentio facti divorcia-se da

    intentio iuris. A inteno das

    partes uma. A forma jurdica

    adotada outra. Ou ento o ato

    ficto. Segundo CLVIS

    BEVILAQUA10, a simulao uma declarao enganosa da

    vontade, visando produzir efeito

    diverso do ostensivamente

    indicado. A simulao consiste,

    pois, na discordncia entre a

    vontade e declarao: as partes regulam, clandestinamente, as

    relaes jurdicas de acordo com a

    vontade desejada, mas no

    declarada. No negcio jurdico

    indireto, emprega-se determinado

    instituto jurdico com o objetivo de alcanar finalidades diversas das

    que lhe so tpicas. As partes

    recorrem a negcio jurdico, a cuja

    forma e disciplina sujeitam-se,

    voluntria e conscientemente,

    visando a alcanar um fim diverso

    do fim tpico do negcio adotado.

    10 BEVILQUA, Clvis. Teoria Geral do

    Direito Civil, 2 ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1976, p. 225

    Negcio indireto no negcio

    simulado11.

    Postos esses fundamentos,

    veremos que no caso ora em

    anlise os meios a serem

    utilizados sero lcitos, com estrita

    observncia aos preceitos legais, e com absoluta coincidncia entre a

    inteno real e a inteno

    manifestada, baseada, segundo

    relatamos a Consulente, no

    relevante propsito empresarial de

    reorganizao societria, patrimonial e de economia de

    custo.

    6. INAPLICABILIDADE DO

    PARGRAFO NICO DO ART.

    116 DO CTN.

    Pelas mesmas razes,

    inteiramente inaplicvel ao caso

    em tela o pargrafo nico do art.

    116 do CTN, introduzido pela Lei

    Complementar n 104, de 10 de janeiro de 2001, a saber:

    Art. 116. Salvo disposio de lei

    em contrrio, considera-se ocorrido

    o fato gerador e existentes os seus efeitos:

    I - tratando-se de situao de

    fato, desde o momento em

    que o se verifiquem as circunstncias materiais

    necessrias a que produza os

    efeitos que normalmente lhe

    so prprios;

    II - tratando-se de situao jurdica, desde o momento

    em que esteja

    definitivamente constituda,

    nos termos do direito aplicvel.

    11 ASCARELLI, Tullio. Problemas das

    sociedades annimas e direito comparado. 2 ed., So Paulo, Saraiva, 1969, p. 110.

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    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

    11

    Pargrafo nico. A

    autoridade administrativa

    poder desconsiderar atos

    ou negcios jurdicos

    praticados com a finalidade de dissimular a

    ocorrncia do fato gerador

    do tributo ou a natureza

    dos elementos constitutivos da obrigao

    tributria, observados os

    procedimentos a serem

    estabelecidos em lei ordinria. (grifamos)

    A fraude, a simulao e a

    dissimulao, no campo do

    Direito Tributrio, so formas

    ilcitas de evaso ou de

    sonegao fiscal. A simulao caracteriza-se pelo intencional

    desacordo entre a vontade

    interna e a declarada, no sentido

    de criar, aparentemente, um ato

    jurdico que, de fato, no existe,

    ou ento oculta, sob determinada

    aparncia, o ato realmente querido. Como diz CLVIS, em

    forma lapidar, a declarao

    enganosa da vontade, visando a

    produzir efeito diverso do

    ostensivamente indicado.12 Ela,

    em regra, pressupe uma declarao bilateral de vontade,

    conluio entre as partes e visa a

    iludir e lesar terceiros ou a violar

    disposio de lei.

    Embora a lei civil no

    estabelea distino entre simulao absoluta ou relativa, a

    doutrina as diferencia. A

    simulao absoluta exprime

    ato jurdico inexistente, ilusrio,

    fictcio, ou que no corresponde

    realidade, total ou parcialmente,

    mas a uma declarao de vontade falsa. o caso de um

    contribuinte que abate despesas

    inexistentes, relativas a dvidas

    12 MONTEIRO, Washington de Barros.

    Curso de Direito Civil. Parte Geral, 28 ed. So Paulo. Saraiva, 1989, p. 207

    fictcias. Ela se diz relativa, se

    atrs do negcio simulado existe

    outro dissimulado. Explica

    BARROS MONTEIRO13:

    relativa, quando

    efetivamente h inteno de realizar algum ato jurdico, mas este: a)

    de natureza diversa daquele que, de

    fato, se pretende ultimar (colorem

    habens, substantiam vero alteram). o caso da doao concubina,

    mascarada sob aparncia de venda.

    Para alcanar seu objetivo, as partes

    realizam negcio jurdico diverso do

    que soam as palavras; b) no efetuado entre as prprias partes,

    aparecendo ento o testa-de-ferro, o

    presta-nome, ou a figura de palha.

    Por exemplo, algum, desejando vender bens a um dos descendentes

    e no podendo satisfazer a exigncia

    do art. 1.132, do Cdigo Civil, simula

    alienao a terceiro, para que este, em seguida ou mais tarde, sem

    outros embaraos, concretize o ato

    que o primeiro tinha originariamente

    em mira; c) no contm elementos

    verdadeiros, ou melhor, seus dados so inexatos. Por exemplo, numa

    escritura de compra e venda, os

    contratantes mencionam preo

    inferior ao real, a fim de reduzir o quantum do imposto de transmisso

    da propriedade. Diz-se, nesse caso,

    que a simulao parcial, hiptese

    em que subsiste o ato, ressalvada Fazenda, bvio, a percepo dos

    respectivos direitos fiscais.

    (...)

    Cumpre no confundir simulao com dissimulao. Distinguiu-as

    FERRARA, nos seguintes termos: na

    simulao, faz-se aparecer o que no

    existe, na dissimulao oculta-se o

    que ; a simulao provoca uma crena falsa num estado no-real, a

    dissimulao oculta ao conhecimento

    dos outros uma situao existente...

    Mas, em ambas, o agente quer o engano; na simulao quer enganar

    13 MONTEIRO, Washington de Barros. Op. cit.pp.209-13.

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    Sacha Calmon Navarro Coelho

    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

    12

    sobre a existncia de uma situao

    no-verdadeira, na dissimulao,

    sobre a inexistncia de situao real.

    Se a simulao um fantasma, a

    dissimulao uma mscara.

    Segundo a doutrina, a

    simulao distinta da

    dissimulao. Enquanto a

    simulao expressa o que no

    existe na realidade (total ou

    parcialmente), a dissimulao oculta o que na realidade se

    constituiu. Por isso, alguns

    vislumbram na simulao relativa

    dois aspectos distintos, do ato

    que se aparentou fazer e o do ato

    que na realidade foi feito, o fingido e o real, o invlucro e o

    contedo. Desfeito o ato

    aparente, roto o invlucro,

    cumpre examinar a validade do

    que restou, do contedo. Se no

    houver inteno de prejudicar a

    terceiros, ou de violar disposio de lei, o ato dissimulado vlido

    (plus valet quod agitur quam

    quod simulate concipitur), na

    hiptese contrria, ilcito o

    contedo, ser anulvel14.

    Para a doutrina tradicional, ocorrem dois negcios: um real,

    encoberto, dissimulado,

    destinado a valer entre as partes;

    e um outro, ostensivo, aparente,

    simulado, destinado a operar

    perante terceiros.

    Para outros, no se pode

    negligenciar a complexidade da

    simulao, que no pode ser

    reduzida a uma divergncia entre

    a vontade e a declarao. Forte

    em KHLER (para quem a

    simulao uma incorporao do prprio querer) e em BETTI (que

    conceitua a simulao relativa

    como um vcio da causa, ou

    14 MONTEIRO, Washington de Barros.

    Op. cit., p. 210

    abuso da funo instrumental do

    negcio), UBALDINO MIRANDA15

    constri unitariamente o

    fenmeno simulatrio, a saber:

    Com efeito, a simulao um

    procedimento complexo a que as partes recorrem para a criao de

    uma aparncia enganadora. Nesse

    procedimento, mediante uma s

    inteno, as partes emitem duas declaraes: uma destinada a

    permanecer secreta e a outra com o

    fim de ser projetada para o

    conhecimento de terceiros, isto , do

    pblico em geral. A declarao, destinada a permanecer secreta,

    consubstanciada numa

    contradeclarao ou ressalva,

    constata a realidade subsistente entre os simuladores.

    O procedimento simulatrio

    deliberado pelas partes mediante um

    acordo ou pacto (pactum simulationis) pelo qual celebram um

    negcio jurdico aparente: umas

    vezes, por lhes interessar apenas

    essa aparncia, frente a terceiros, os

    quais, na inteno dessas partes que simulam, devem tomar a aparncia

    como realidade, nenhuma relao

    jurdica efetiva estabelecida entre

    elas (simulao absoluta). Outras vezes, as partes tm em vista a

    formao de uma determinada

    relao jurdica, mas pactuam a

    celebrao de uma forma negocial aparente, a fim de ser projetada ao

    conhecimento de terceiros para, sob

    essa forma aparente, subsistir, entre

    elas, aquela relao jurdica que visam (simulao relativa).

    Assim, na primeira hiptese, quando

    uma das partes simula com o seu

    comparsa uma venda fictcia

    (imaginaria venditio), para fugir ao assdio dos seus parentes

    sucessveis; e, na segunda hiptese,

    quando algum simula uma venda a

    15 MIRANDA, Ubaldino. Teoria Geral do

    Negcio Jurdico. So Paulo: Atlas, 1991, p. 115.

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    Sacha Calmon Navarro Coelho

    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

    13

    outrem, quando na realidade lhe

    doa.

    Seja como for, nas

    simulaes relativas, se existem

    dois negcios distintos (o

    ostensivo-simulado e o real-oculto) ou se o negcio

    dissimulado constitui um todo

    com o acordo simulatrio, o

    pargrafo nico, acrescentado ao

    art. 116 do Cdigo Tributrio

    Nacional, autoriza desconsiderar atos e negcios jurdicos

    ostensivos (simulados), que

    dissimulam outros atos e

    negcios jurdicos, realmente

    ocorridos e integrativos do fato

    gerador. Como j realamos, o

    mesmo artigo distingue entre fatos geradores situaes

    jurdicas e fatos geradores

    situaes de fato, mas, em

    qualquer uma dessas

    modalidades, graas ao carter

    relacional e transformacional do Direito, existem direta ou

    indiretamente atos e negcios

    jurdicos pressupostos. As

    impropriamente chamadas

    situaes de fato, descritas em

    numerosas hipteses normativas tributrias configuram execues

    de determinados atos e negcios

    jurdicos.

    O pargrafo nico do art.

    116 permite autoridade

    administrativa desconsiderar atos

    e negcios jurdicos dissimulatrios, portanto

    fraudulentos, que visam a ocultar

    a ocorrncia do fato gerador, ou

    seja, as verdadeiras relaes

    negociais constitudas, ou seu

    objeto, ou certas determinaes de seu contedo, relevantes e

    por ele pressupostas. Veremos,

    portanto, que o art. 116 no

    consagra clusula genrica

    antielisiva, nem tampouco altera

    os critrios de interpretao para

    autorizar o abandono da forma,

    conceitos e institutos de direito

    privado em favor de uma

    chamada interpretao

    econmica.

    O pargrafo nico do art.

    116 refere-se evaso ilcita, pois a simulao absoluta ou

    relativa (dissimulao), quando

    oculta a ocorrncia do fato

    gerador ou a natureza dos

    elementos constitutivos da

    obrigao (preo, por ex.), viola a lei, configurando verdadeira

    sonegao. E mais, sempre foram

    desconsiderados pela autoridade

    administrativa.

    So numerosas e rotineiras

    as hipteses de simulao e

    dissimulao. (Entre muitos outros exemplos, a simulao de

    gasto inexistente para reduo do

    lucro ou da renda recibo de

    aluguis fictcios; de emprstimos

    inexistentes; recibos relativos a

    pagamento de servios jamais prestados por jovens profissionais

    liberais em favor de um

    contribuinte, carente de despesas

    a deduzir; igualmente o aparente

    contrato de compra e venda que

    dissimula verdadeira doao; os juros excessivos cobrados por

    scio e emprstimo sociedade e

    o valor de aluguis acima do

    mercado podem esconder e a

    lei j o pressupe verdadeira

    distribuio disfarada de lucro;

    contratos de compra e venda de imveis a registrar preo inferior

    ao real, etc.) O Cdigo Tributrio

    Nacional, no art.116, no est

    coibindo a eliso ou o

    planejamento tributrio, por si

    lcito, mas sim a simulao, sempre ilcita. Na eliso os meios

    so lcitos e o ato ou negcio

    jurdico real, desencadeia

    efeitos prprios, no mascara a

    ocorrncia do fato gerador e h

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    Sacha Calmon Navarro Coelho

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    14

    compatibilidade entre forma e

    contedo. Na eliso, o fato, ato

    ou negcio jurdico pressuposto

    na norma simplesmente no

    acontece.

    O art.116 no cogita de

    simulao relativa inocente. H, portanto, que diferenciar. A

    doutrina tradicional do Direito

    Civil distingue entre simulao

    fraudulenta e simulao inocente.

    Admitindo na simulao relativa

    dois diferentes atos, o que se aparentou fazer e aquele que na

    realidade foi feito, o fingido e o

    real, ela tira da conseqncias

    diversas. O aparente ser nulo,

    invalidado. J o real, dissimulado,

    poder ser vlido. Desfeito o ato

    aparente, roto o invlucro, cumpre examinar a validade do

    que restou, do contedo. Se no

    houver inteno de prejudicar a

    terceiros, ou de violar disposio

    de lei, o ato dissimulado vlido

    (plus valet quod agitur quam quod simulate concipitur); na

    hiptese contrria, ilcito o

    contedo, ser anulvel16.

    Ora, o art.116 refere-se

    dissimulao fraudulenta, aquela

    ilcita, que oculta a ocorrncia do fato gerador ou a natureza dos

    elementos constitutivos da

    obrigao. Portanto, visa a coibir

    a simulao que viola disposio

    de lei tributria e, que, portanto,

    no pode ter validade jurdica.

    No visa, assim, o art. 116 a coibir a eliso, nem tampouco a

    introduzir a interpretao

    econmica entre ns.

    16 MONTEIRO, Washington de Barros. Op.cit.,p.210

    7. LEGISLAO COMER-

    CIAL E NORMAS

    REGULAMENTARES.

    Afastada a possibilidade da

    reestruturao sob exame ser

    enquadrada como planejamento

    ilcito e uma vez verificada a inaplicabilidade do art. 116,

    nico, ao caso, cabe-nos, agora,

    examinar a questo sob o

    aspecto comercial e tributrio,

    pela abordagem de dois

    institutos: a aquisio de investimentos e a incorporao

    de pessoa jurdica.

    Primeiramente, observamos que

    a aquisio de aes da Gama

    pela Beta dever obedecer todas

    as normas de regulamentao da

    Comisso de Valores Mobilirios CVM para realizao de tal

    operao, bem como as

    respectivas remessas de valores

    a ttulo de pagamento pelos

    ttulos mobilirios adquiridos

    devero seguir os procedimentos estabelecidos pelo Banco Central

    do Brasil, a fim de assegurar o

    cumprimento das disposies

    legais pertinentes e evitar

    qualquer argumentao para

    desconsiderao do negcio jurdico.

    A legislao comercial (Lei

    n 6.404/76 Lei das S.A.) assim

    prev a aquisio de aes para

    converso da pessoa jurdica em

    subsidiria integral:

    Art. 251. A companhia pode ser constituda, mediante escritura

    pblica, tendo como nico acionista

    sociedade brasileira.

    1. A sociedade que subscrever em bens o capital de subsidiria integral

    dever aprovar o laudo de avaliao

    de que trata o artigo 8,

    respondendo nos termos do 6 do

  • Direito Tributrio Temas Atuais

    Sacha Calmon Navarro Coelho

    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

    15

    artigo 8 e do artigo 10 e seu

    pargrafo nico.

    2. A companhia pode ser

    convertida em subsidiria

    integral mediante aquisio, por sociedade brasileira, de todas as

    suas aes, ou nos termos do

    artigo 252. (grifamos)

    J a incorporao de pessoa jurdica dever dar-se

    conformidade com o artigo 227

    da Lei n 6.404/76, extinguindo-

    se a incorporada e sucedendo-lhe

    a incorporadora em todos os

    direitos e obrigaes. Vejamos:

    Art.227. A incorporao a operao pela qual uma ou mais

    sociedades so absorvidas por

    outra, que lhes sucede em todos

    os direitos e obrigaes.

    1. A assemblia-geral da

    companhia incorporadora, se aprovar o protocolo da operao,

    dever autorizar o aumento de

    capital a ser subscrito e realizado

    pela incorporada mediante verso

    do seu patrimnio lquido, e

    nomear os peritos que o avaliaro.

    2. A sociedade que houver de

    ser incorporada, se aprovar o

    protocolo da operao, autorizar

    seus administradores a

    praticarem os atos necessrios

    incorporao, inclusive a subscrio do aumento de capital

    da incorporadora.

    3. Aprovados pela assemblia-

    geral da incorporadora o laudo de

    avaliao e a incorporao,

    extingue-se a incorporada, competindo primeira promover

    o arquivamento e a publicao

    dos atos da incorporao.

    8. CRITRIOS DE AVALIAO

    DE PREO DE MERCADO DAS

    AES PARA FINS DE

    ALIENAO.

    O artigo 465 do RIR/99, ao

    tratar da distribuio disfarada

    de lucros, conceito que, alis, caiu em desuso desde a extino

    da tributao sobre a distribuio

    de lucros e dividendos, refere-se,

    em seu pargrafo 4,

    determinao do valor de

    mercado de bem negociado com pessoa jurdica ligada atravs de

    laudo de avaliao de perito ou

    empresa especializada, no

    trazendo nenhuma outra

    referncia quanto forma de

    emisso do laudo de avaliao.

    Desta forma, devemos recorrer s disposies da

    legislao comercial, mais

    especificamente ao artigo 8 da

    Lei das Sociedades por Aes

    Lei n 6.404/76, in verbis:

    Art. 8 A avaliao dos bens era feita por 3 (trs) peritos ou por

    empresa especializada, nomeados

    em assemblia-geral dos

    subscritores, convocada pela imprensa e presidida por um dos

    fundadores, instalando-se em

    primeira convocao com a presena

    de subscritores que representem metade, pelo menos, do capital

    social, e em segunda convocao

    com qualquer nmero.

    1 Os peritos ou a empresa

    avaliadora devero apresentar laudo fundamentado, com a indicao dos

    critrios de avaliao e dos

    elementos de comparao adotados

    e instrudo com os documentos relativos aos bens avaliados, e

    estaro presentes assemblia que

    conhecer do laudo, a fim de

    prestarem as informaes que lhes forem solicitadas.(...)

  • Direito Tributrio Temas Atuais

    Sacha Calmon Navarro Coelho

    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

    16

    Os critrios de elaborao

    de laudos de avaliao e de

    eleio de peritos tecnicamente

    qualificados esto dispostos no

    Parecer CST n 926, de maio de

    198717, do qual transcrevemos o

    seguinte trecho:

    Alm da capacidade dita jurdica, o

    perito dever possuir tcnica ou

    competncia, isto , aptido,

    idoneidade, conhecimentos suficientes para exercer com

    competncia a funo pericial que

    lhe cometida. Por outras palavras,

    o perito dever ser entendido, um

    tcnico na arte ou cincia de que depender a percia. Quanto mais

    caracterizadamente tcnica for a

    matria objeto do exame, mais

    acentuadamente tcnico urge seja o perito. Tanto que em determinados

    casos a lei menciona expressamente

    a especializao tcnica do perito a

    ser nomeado. Assim, entre outros vrios, a lei de falncias manda se

    escolha perito contador para os

    exames de escriturao do falido;

    nas aes de demarcao,

    funcionar um agrimensor (Cd. Cit., art.423); no processo de interdio

    sero nomeados peritos mdicos

    (Cod.Cit., art.607); em se tratando

    de percia de engenharia, deve ser designado perito engenheiro, isto ,

    profissional habilitado secundo a lei

    que regulamenta essa profisso.

    Sendo assim, o laudo de avaliao do valor de mercado

    das aes da Gama a serem

    adquiridas pela Beta dever ser

    emitido por profissional

    tecnicamente capacitado para tal

    percia, apontando, se correta a

    expectativa das Empresas, a mais valia do investimento adquirido, a

    qual dever ser registrada na

    Beta como reserva de gio para

    posterior incorporao ao capital

    17 Imposto de Renda e Incorporao de

    Aes de Sociedade Holding, in Revista

    Dialtica de Direito Tributrio n77. So Paulo, Editora Dialtica, 2002.p.181.

    social, conforme disposio do

    artigo 385, inciso II do RIR/99.

    A ttulo de esclarecimento,

    alertamos que o laudo de

    avaliao a que ora se faz

    referncia no se confunde com a

    reavaliao do ativo permanente de que trata o artigo 434 do

    RIR/99.

    9. DA AQUISIO DE AES.

    9.1 ASPECTOS CONTBEIS

    Vejamos os lanamentos contbeis da aquisio de aes

    na empresa brasileira Beta,

    tomando-se por base os

    seguintes nmeros, a ttulo de

    mera exemplificao:

    Lanamentos contbeis na

    Beta relativos aquisio de

    aes a prazo:

    Beta

    Gama

    Alfa

    100% 100%

    7%

    93%

    Valor contbil da Empresa Gama = 1.000

    Valor de mercado da Empresa Gama = 5.000

    Valor do investimento na Beta = 70

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    Sacha Calmon Navarro Coelho

    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

    17

    Dbito Investimento =

    930

    Dbito gio na aquisio

    de investimentos = 3.720

    Crdito Passivo com

    empresa ligada18 = 4.650

    Clculo do valor do gio:

    A Gama no ser objeto de

    qualquer lanamento nesta

    etapa, visto que a alterao a ela

    pertinente uma troca de

    controle acionrio, fato que no

    importa em ajustes contbeis.

    O gio, que definido pela diferena entre o valor pago e o

    valor patrimonial das aes, e

    que ocorre quando adotado o

    mtodo de equivalncia

    patrimonial, pode ocorrer por

    origens e circunstncias diversas, podendo o seu tratamento

    contbil, quanto sua futura

    amortizao, variar em funo de

    seu fundamento econmico e

    natureza.

    9.2. ASPECTOS TRIBUTRIOS

    Dentre as hipteses

    previstas pelo artigo 385 do

    RIR/99, o caso em tela diz

    18 Este deve ser segregado por longo e

    curto prazo conforme o vencimento das parcelas.

    respeito ao gio pago por

    rentabilidade futura, isto ,

    aquele que ocorre quando se

    paga pelas aes um valor a

    maior que o patrimonial, em

    funo de expectativa de

    rentabilidade futura da coligada ou controlada adquirida.

    Este deve ser amortizado

    dentro do perodo pelo qual se

    pagou tal lucro futuro, ou seja,

    contra os resultados dos

    exerccios considerados na projeo dos lucros estimados

    que justifiquem o gio. Neste

    sentido, vide a transcrio do

    2 do artigo 14 da Instruo n

    247/96 da CVM Comisso de

    Valores Mobilirios, autarquia

    responsvel pela regulamentao e fiscalizao das companhias

    abertas:

    Art.14 O gio ou desgio

    computado na ocasio da aquisio

    ou subscrio do investimento dever ser contabilizado com

    indicao do fundamento econmico

    que o determinou.

    2. O gio ou desgio decorrente de expectativa de resultado futuro,

    dever ser amortizado no prazo e na

    extenso das projees que o

    determinaram ou pela baixa por alienao ou perecimento do

    investimento.

    Alm disso, de acordo com

    o 3 do artigo 385 do RIR/99,

    no caso do fundamento

    econmico do gio em aquisio de investimentos estar baseado

    na sua rentabilidade futura, h a

    necessidade de elaborao de um

    demonstrativo que identifique o

    valor imputado ao investimento

    adquirido, ou seja, um laudo de avaliao, elaborado com

    observncia ao disposto no item

    8 acima, o qual dever ser

    4.650 (93% de 5000)

    (930)

    3.720

    Mercado Contbil

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    Sacha Calmon Navarro Coelho

    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

    18

    arquivado como comprovante da

    escriturao.

    Conforme a previso legal

    do artigo 391 do RIR/99, as

    contrapartidas da amortizao do

    gio ou desgio, oriundo de

    aquisio de investimentos em coligada e controladas, no sero

    computadas na determinao do

    lucro real. Este, portanto, seria o

    tratamento tributrio a ser

    observado pela Beta caso no

    houvesse a posterior etapa do planejamento, qual seja, a

    incorporao da controlada

    Gama.

    Inobstante a previso

    acima, o inciso III do artigo 386

    do mesmo diploma legal, assim

    dispe:

    Art.386. A pessoa jurdica que

    absorver patrimnio de outra, em

    virtude de incorporao, fuso ou

    ciso, na qual detenha participao societria adquirida

    com gio ou desgio, apurado

    segundo o disposto no artigo

    anterior:

    (...)

    III poder amortizar o valor do

    gio cujo fundamento seja o de

    que trata o inciso II do 2 do

    artigo anterior, nos balanos correspondentes apurao de lucro

    real, levantados posteriormente

    incorporao, fuso ou ciso, razo

    de um sessenta avos, no mximo, para cada ms do perodo de

    apurao; (grifamos)

    O inciso II do 2, por sua

    vez, traz a seguinte redao:

    Art. 385. O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada

    ou controlada pelo valor de

    patrimnio lquido dever, por

    ocasio da aquisio da participao, desdobrar o custo de aquisio em:

    (...)

    2. O lanamento do gio ou

    desgio dever indicar, dentre os

    seguintes, seu fundamento

    econmico:

    (...)

    II valor de rentabilidade da

    coligada ou controlada, com base em

    previso dos resultados nos

    exerccios futuros;

    Desta forma, em

    consonncia com as disposies

    legais acima transcritas, para a

    amortizao do gio e para que

    ele seja considerado dedutvel para fins de apurao do Lucro

    Real (base de clculo do IRPJ) e

    do Resultado Ajustado (base de

    clculo da CSLL), deve estar

    suportado por um laudo de

    avaliao que indique as razes

    econmicas do valor imputado ao investimento adquirido.

    Assim, percebe-se que a

    amortizao do gio dever, a

    priori, ser realizada no prazo e

    extenso projetados no laudo de

    avaliao.

    Porm, se os lucros

    previstos pelos quais pagou-se o

    gio no seguirem os lucros

    projetados em uma base

    uniforme de ano para ano, a

    amortizao dever acompanhar esse desenvolvimento

    proporcional. Ademais, se os

    lucros esperados forem

    superiores aos anteriores

    previstos, h a possibilidade de

    acelerao da amortizao do

    gio, desde que respeitados os prazos mximos e mnimos

    previstos na legislao.

    No caso em tela, esse

    efeito ser vislumbrado na etapa

  • Direito Tributrio Temas Atuais

    Sacha Calmon Navarro Coelho

    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

    19

    posterior da reestruturao

    societria, quando da

    incorporao da Gama, ento

    subsidiria integral, por sua

    ento controladora Beta.

    Deve-se, entretanto,

    observar que a projeo para o pagamento das aes adquiridas

    dar-se-, de forma financiada,

    em prazo igual ou superior a 5

    anos. Por tal razo, cumpre

    frisarmos que um prazo inferior

    de financiamento tornaria a operao mais segura, evitando

    que o perodo das remessas ao

    exterior a ttulo de pagamento

    das aes coincida, ou mesmo

    seja superior, ao do perodo de

    amortizao do gio na

    incorporadora.

    No nos parece adequado

    que o contribuinte possa

    amortizar um gio pelo qual

    sequer teve o nus de

    pagamento pela aquisio do

    investimento.

    Os efeitos tributrios na

    alienante estrangeira das aes,

    a empresa Alfa, do ganho de

    capital na operao, representado

    pela diferena entre valor

    patrimonial de venda e o valor contbil das aes, sero

    observados, s.m.j., no momento

    da disponibilizao dos recursos,

    ou seja, somente quando da

    remessa ao exterior. Isto porque

    a reteno e o recolhimento do

    imposto de renda na fonte devem ser realizados quando da

    ocorrncia do fato gerador, que

    corresponde ao pagamento,

    crdito, entrega, emprego ou

    remessa de rendimentos, o que

    ocorrer primeiro.19

    19 SRRF/8 RF, Consulta n 319 de 21/11/2002.

    Sobre o tema, vejamos

    abaixo a Soluo de Consulta n

    45/9820, proferida pela Receita

    Federal:

    SOLUO DE CONSULTA

    GANHOS DE CAPITAL NA

    ALIENAO DE PARTICIPAO SOCIETRIA

    A incidncia do imposto de renda

    sobre ganhos de capital auferidos

    por residente ou domiciliado no

    exterior, na alienao de

    participao societria, somente ocorre se o valor total pago,

    creditado, entregue, empregado

    ou remetido for superior ao

    montante registrado como

    investimento ou reinvestimento

    junto ao Banco Central do Brasil.

    Em que pese o termo creditado, o nos remeteria ao crdito

    contbil da operao, de acordo

    com o pargrafo 3 do artigo 685

    do RIR/99, o ganho de capital

    auferido por residente ou

    domiciliado no exterior ser apurado e tributado de acordo

    com as regras aplicveis aos

    residentes no Pas. (grifamos)

    Desta forma, aplicam-se,

    subsidiariamente, os artigos 140

    e 421 do RIR/99, que assim dispem, respectivamente: Nas

    alienaes a prazo, o ganho de

    capital dever ser apurado como

    venda vista e tributado na

    proporo das parcelas

    recebidas em cada ms,

    considerando-se a respectiva atualizao monetria, se

    houver; e Nas vendas de bens

    do ativo permanente para

    recebimento do preo, no todo ou

    em parte, aps o trmino do ano-

    calendrio seguinte ao da

    20 SRRF/8 RF, Consulta n 45 de 23/03/1998.

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    Sacha Calmon Navarro Coelho

    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

    20

    contratao, o contribuinte

    poder, para efeito de determinar

    o lucro real, reconhecer o lucro

    na proporo da parcela do

    preo recebida em cada perodo

    de apurao. (grifamos)

    A responsabilidade pela reteno e o recolhimento do

    imposto, alquota de 15%

    (quinze por cento), sobre o

    ganho de capital da Alfa,

    traduzido pela diferena a maior

    entre o valor pago ou remetido pela Beta e o valor do

    investimento21 registrado no

    BACEN, da adquirente dos bens

    alienados por pessoa jurdica

    residente ou domiciliada no

    exterior22. O valor do

    investimento em moeda estrangeira, registrado no

    BACEN, no constituir base de

    clculo para determinao do

    montante de Imposto de Renda a

    ser retido na fonte quando de seu

    retorno ao pas de origem23.

    Frisamos que a avaliao

    das disposies legais da Holanda

    extrapola o foco da presente

    consulta, e, portanto, aqui no

    analisamos o tratamento

    tributrio que dever ser dispensado Alfa no exterior,

    limitando-nos a verificar os

    efeitos perante o ordenamento

    jurdico brasileiro.

    10. DA INCORPORAO DE

    SOCIEDADE.

    21 Convertido pela cotao da moeda estrangeira na data da alienao. 22 Vide artigos 26 e 93, II da Lei n

    10.833/03. 23 Artigo 690, inciso II do RIR/99.

    10.1 ASPECTOS CONTBEIS.

    Na incorporao da

    sociedade Gama pela sociedade

    Beta, dever ser criada uma

    conta de incorporao,

    transitria, com objetivo de

    formalizar e registrar, contabilmente, a extino da

    sociedade incorporada.

    Na sociedade

    incorporadora Beta, devero ser

    contabilizados os ativos e

    passivos da ento extinta sociedade Gama, conforme as

    respectivas naturezas das contas

    de registro na incorporada.

    O gio pago pela

    incorporada Beta, por expectativa

    de lucros futuros da extinta

    controlada e ora incorporada sociedade Gama, dever ser

    amortizada dentro do perodo

    pelo qual pagou-se por tal

    rentabilidade futura, observando-

    se os comentrios feitos no item

    9.2 acima acerca da possibilidade de acompanhamento proporcional

    aos efetivos lucros ou prejuzos.

    10.2. ASPECTOS SOCIET-

    RIOS E TRIBUTRIOS.

    A incorporao da subsidiria integral Gama por sua

    controladora Beta acarretar a

    extino daquela pessoa jurdica

    e dever observar as disposies

    do artigo 264 da Lei n 6.404/76,

    abaixo transcrito:

    Art. 264. Na incorporao, pela controladora, de companhia

    controlada, a justificao,

    apresentada assemblia-geral

    da controlada, dever conter,

    alm das informaes previstas

    nos arts. 224 e 225, o clculo das

  • Direito Tributrio Temas Atuais

    Sacha Calmon Navarro Coelho

    (Publicada na Revista Dialtica de Direito Tributrio nr. 135)

    21

    relaes de substituio das

    aes dos acionistas no

    controladores da controlada com

    base no valor do patrimnio

    lquido das aes da controladora

    e da controlada, avaliados os dois

    patrimnios segundo os mesmos critrios e na mesma data, a

    preos de mercado, ou com base

    em outro critrio aceito pela

    Comisso de Valores Mobilirios,

    no caso de companhias abertas.

    (Redao dada pela Lei n 10.303, de 2001).

    1. A avaliao dos dois

    patrimnios ser feita por 3

    (trs) peritos ou empresa

    especializada e, no caso de

    companhias abertas, por empresa

    especializada. (Redao dada pela Lei n 10.303, de 2001)

    2. Para efeito da

    comparao referida neste

    artigo, as aes do capital da

    controlada de propriedade da

    controladora sero avaliadas,

    no patrimnio desta, em

    conformidade com o disposto

    no caput. (Redao dada pela

    Lei n 10.303, de 2001)

    3. Se as relaes de

    substituio das aes dos

    acionistas no controladores,

    previstas no protocolo da

    incorporao, forem menos

    vantajosas que as resultantes da

    comparao prevista neste artigo, os acionistas dissidentes

    da deliberao da assemblia-

    geral da controlada que aprovar a

    operao, observando o disposto

    nos arts.137, II, e 230, podero

    optar entre o valor de reembolso fixado nos termos do art.45 e o

    valor do patrimnio lquido a

    preos de mercado. (Redao

    dada pela Lei n 10.303, de

    2001)

    4. Aplicam-se as normas

    previstas neste artigo

    incorporao de controladora por

    sua controlada, fuso de

    companhia controladora com a

    controlada, incorporao de

    aes de companhia controlada ou controladora, incorporao,

    fuso e incorporao de aes de

    sociedades sob controle comum.

    (Redao dada pela Lei n

    10.303, de 2001)

    5. O disposto neste artigo no se aplica no caso de as aes do

    capital da controlada terem sido

    adquiridas no prego da bolsa de

    valores ou mediante oferta

    pblica nos termos dos artigos

    257 a 263.

    Relativamente legislao tributria, a operao de

    incorporao implicar no

    levantamento do balano na data

    do evento, o encerramento do

    perodo e a respectiva tributao

    pelo IRPJ e pela CSL, se houver resultados tributveis.

    11. CONCLUSO PELA LICITU-

    DE DA OPERAO.

    A operao em comento,

    consoante as exposies acima, no apresenta quaisquer indcios

    de fraude ou simulao, uma vez

    que:

    - Os meios utilizados para

    reestruturao societria e

    economia fiscal so,

    inquestionavelmente, lcitos e utilizados de forma

    coerente e legtima;

    - A operao realizada

    aquela efetivamente

    desejada pelas empresas,

    havendo plena coincidncia entre intentio facti e a

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    22

    intentio iuris, inexistindo,

    portanto, simulao;

    - Como informado pela

    Consulente, existem

    relevantes interesses

    empresariais para a

    reestruturao societria do grupo, dentre eles, a

    mudana do perfil dos

    investimentos no Brasil,

    com a reduo do nmero

    de empresas no pas, bem

    como a alternativa de liquidez de remessa de

    valores ao exterior. Tais

    propsitos negociais

    ensejam a operao de

    forma absolutamente lcita.

    Diante de todos os meios

    lcitos disponveis, cabe ao contribuinte eleger a opo

    menos onerosa e adequada ao

    seu interesse e objeto

    empresarial. Tanto assim, que

    o Conselho de Contribuintes

    entende que os contribuintes tm direito a administrar e planejar

    sua relao jurdico-obrigacional

    tributria, visando obter o

    mximo de economia fiscal

    dentre os limites legais. Vejamos:

    IRPJ Ex(s): 1988 e 1999 IRPJ SIMULAO NA

    INCORPORAO Para que se

    possa materializar,

    indispensvel que o ato

    praticado no pudesse ser

    realizado, fosse por vedao

    legal ou por qualquer outra razo. Se no existia

    impedimento para a realizao

    da incorporao tal como

    realizada e o ato praticado

    no de natureza diversa

    daquela que de fato apresenta, no h como

    qualificar-se a operao de

    simulada. Os objetivos visados

    com a prtica do ato no

    interferem na qualificao do

    ato praticado. Portanto, se o

    ato praticado era lcito, as

    eventuais conseqncias

    contrrias ao fisco devem ser

    qualificadas como casos de

    eliso fiscal e no de evaso

    ilcita. (Ac. CSRF/01-01.874/94).

    IRPJ INCORPORAO

    ATPICA A incorporao de

    empresa superavitria por

    outra deficitria, embora

    atpica, no vedada por lei, representando negcio jurdico

    indireto.24

    NORMAS GERAIS EVASO

    FISCAL X ELISO FISCAL

    Aproveita-se, legitimamente, do

    instituto da eliso fiscal o

    contribuinte que se vale de uma determinada jurdica que lhe seja

    mais benfica, sem infringir

    nenhum dispositivo legal. Por

    outro lado, comete evaso fiscal

    sujeitando-se ressarcimento dos

    tributos sonegados e s penalidades cabveis, o

    contribuinte que, por trs do

    comportamento aparentemente

    normal, oculta a inteno

    deliberada de fraudar a lei.25

    IRPJ ELISO FISCAL DESCONSIDERAO DA

    PERSONALIDADE JURDICA

    princpio assente na

    doutrina e na jurisprudncia,

    que os contribuintes podem

    organizar seus negcios de

    modo a minorar a carga

    24 1 CC do Min. da Fazenda, Recurso n

    131653, Acrdo n 101-94127, 1 Cmara, Publicado no DOU em

    07/05/2003 25 1 CC do Min da Fazenda, Acrdo 106-05.619, 6 Cmara. Publicado no

    DOU em 05/03/1997.

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    23

    tributria, desde que antes de

    ocorrido o fato gerador e

    respeitados os permissivos

    legais. Evidentemente, o

    princpio no amplo e

    irrestrito, a ponto de tolerar

    abuso desmesurado das firmas

    jurdicas, divorciados de

    racional organizao societria

    e empresarial. No caso, duas

    empresas interligadas,

    explorando atividade quase

    coincidente, com escriturao contbil, recursos materiais e

    humanos, independentes, no

    chegam a evidenciar indvido

    o abuso das formas

    jurdicas.26

    SIMULAO Para que se

    possa materializar a simulao

    em incorporao,

    indispensvel que o ato

    praticado no pudesse ser

    realizado, fosse por vedao legal ou por qualquer outra

    razo. Se no existia

    impedimento para a realizao

    da incorporao tal como

    realizada e o ato praticado no

    de natureza diversa daquele

    que de fato aparenta, isto ,

    se de fato e de direito no

    ocorreu ato diverso da

    incorporao, no h como

    qualificar-se a operao de

    simulada. Os objetivos visados

    com a prtica do ato no interferem na qualificao do

    ato praticado; portanto, se o

    ato praticado era lcito, as

    eventuais conseqncias

    26 1 CC do Min da Fazenda, Acrdo n

    808010, publicado no DOU em 05/06/1991, p.10688.

    contrrias ao fisco devem ser

    qualificadas como casos de

    eliso fiscal e no de evaso

    ilcita.27

    SIMULAO NO

    COMPROVADA

    Incomprovada a ocorrncia de

    simulao na incorporao de

    uma empresa superavitria

    por uma deficitria, podem os

    prejuzos desta serem

    compensados com o lucro

    daquela, no futuro, observado o prazo legal, posto no haver

    vedao legal.28

    SUBSTITUIO DE AES

    Investimento feito em

    empresa posteriormente

    incorporada por terceiro. A

    substituio de aes da

    incorporada por aes da

    incorporadora no implica na

    baixa do investimento para

    efeito de determinao de ganhos ou perdas de

    capital.29

    ESCOLHA ERRNEA DO

    MTODO DE AVALIAO DE

    INVESTIMENTO No existe

    previso legal para que seja

    equiparada reavaliao de bens a avaliao de investimentos pelo

    27 1 CC do Min da Fazenda, Acrdo n

    101-88316, publicado no DOU em

    14/08/1995 e CSRF, Acrdo n 01-1.857/1995 e n 1.874/95 DO

    13/09/1996. 28 1 CC do Min. Da Fazenda, Acrdo n

    101-92.311, publicado no DOU em 27/10/1998. 29 1 CC do Min da Fazenda, Acrdo n

    105-6.756 publicado no DOU em 17/10/1996.

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    24

    mtodo da equivalncia

    patrimonial, ao invs do mtodo

    do custo corrigido. Adotar tal

    procedimento configura dar

    tratamento diferenciado a

    hipteses iguais (avaliao de

    investimentos sejam relevantes ou no relevantes), o que se

    afigura consentneo com a

    legislao do imposto de renda e

    com os princpios constitucionais

    vigentes. Recurso voluntrio

    provido.30

    GIO PAGO EMPRESA

    LIGADA No existe restrio,

    na legislao do imposto de

    renda, a que uma pessoa

    jurdica, que adquira participao

    societria em outra empresa, efetue o pagamento de gio, com

    fundamentao econmica

    baseada na rentabilidade futura

    do investimento, ainda que a

    aquisio se processe junto

    empresa ligada ao adquirente. O gio regularmente pago poder

    ser deduzido ou excludo na

    determinao do lucro real da

    investidora, desde que

    observadas as condies

    previstas na legislao do imposto de renda, quando da

    aquisio do investimento.31

    12. RESPOSTAS

    1- Pode a Empresa controladora

    com sede no exterior (Alfa) alienar a sua participao societria na

    empresa controlada para uma

    30 1CC do Min. da Fazenda, Acrdo n

    101-90.675 publicado no DOU em 07/05/1997. 31 1 CC do Min. da Fazenda, Acrdo n

    101-84.191, publicado no DOU em 05/08/1994.

    terceira Empresa, sediada no Brasil,

    tambm sob seu controle?

    Sim. No h qualquer

    impedimento legal para a

    alienao de participao

    societria entre pessoas jurdicas coligadas ou controladas. A

    legislao comercial probe

    apenas a participao recproca

    entre empresas do mesmo grupo

    societrio.

    2 A adoo do valor de mercado, na operao de compra e venda de

    investimentos, entre Empresas

    controladora e controlada uma

    opo ou uma imposio da legislao brasileira, inclusive frente

    s disposies concernentes

    distribuio disfarada de lucros?

    Trata-se de opo do

    contribuinte, que pode realizar sua operao pelo valor

    registrado ou pelo valor de

    mercado. Frise-se que as

    disposies legais acerca da

    distribuio disfarada de lucros

    caram em desuso, conforme j

    citado anteriormente, em virtude da extino da tributao na

    distribuio de lucros e

    dividendos a acionistas. Ressalte-

    se, porm, a incidncia do IRRF

    sobre distribuio de reservas

    tributveis, i.e., reservas de lucros relativas aos anos-

    calendrio em que havia a

    previso legal de tributao.

    3 Quais critrios (inclusive

    cambiais) devero ser considerados na determinao do valor do

    investimento na empresa brasileira,

    pela Empresa alienante, para efeitos

    de apurao do ganho de capital,

    sujeito tributao?

    Dever ser alterado o valor

    do investimento registrado no

    Banco Central do Brasil BACEN.

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    25

    4 Qual dever ser o tratamento

    contbil e fiscal a ser observado pela

    Empresa adquirente, entre o valor da

    aquisio e o valor patrimonial do

    investimento adquirido?

    A diferena entre o valor

    da aquisio e o valor primordial

    das aes adquiridas pela Beta

    dever ser contabilizada como

    gio na aquisio de

    investimento. O referido gio somente ser passvel de

    amortizao aps a incorporao

    da Gama pela Beta, em virtude

    das disposies do artigo 386, III

    do RIR/99, no perodo em que se

    baseou-se a expectativa de lucros futuros, ou em prazo maior ou

    menor, acompanhando os

    efetivos lucros ou prejuzos.

    5 A quem caber a

    responsabilidade (sujeio passiva)

    pela apurao do provvel ganho de capital e do recolhimento dos

    tributos incidentes?

    A responsabilidade pela

    reteno e recolhimento dos

    tributos incidentes sobre o ganho de capital apurado do

    remetente dos valores, neste

    caso, a adquirente Beta.

    6 Qual o tratamento tributrio a

    ser dado ao ganho de capital auferido pela Empresa estrangeira,

    na alienao do investimento para a

    Empresa brasileira (momento da

    apurao e da reteno na fonte, alquotas a serem consideradas)?

    O ganho de capital auferido

    pela Alfa na alienao das aes

    Beta ser tributado na fonte

    alquota de 15% conforme o

    artigo 685, I e 3 do RIR/99, em cada remessa ao exterior.

    7 Em que extenso o ganho de

    capital sob anlise deve ter o

    tratamento equiparado ao

    tratamento dado s pessoas fsicas

    ou dado s pessoas jurdicas,

    sediadas no Brasil (arts.140, 421,

    682 e seguintes do RIR/99)?

    De acordo com o pargrafo 3 do artigo 685 do RIR/99, o

    ganho de capital auferido por

    residente ou domiciliado no

    exterior ser apurado e tributado

    de acordo com as regras

    aplicveis aos residentes no Pas (grifamos).

    Desta forma, aplicam-se,

    subsidiariamente, os artigos 140

    e 421 do RIR/99, que assim

    dispem, respectivamente: Nas

    alienaes a prazo, o ganho de

    capital dever ser apurado como venda vista e tributado na

    proporo das parcelas recebidas

    em cada ms, considerando-se a

    respectiva atualizao monetria,

    se houver; e Nas vendas de

    bens do ativo permanente para recebimento do preo, no todo ou

    em parte, aps o trmino do ano-

    calendrio seguinte ao da

    contratao, o contribuinte

    poder, para efeito de determinar

    o lucro real, reconhecer o lucro na proporo da parcela do preo

    recebida em cada perodo de

    apurao.

    8- Em se tratando de alienao pra

    recebimento do preo, em um prazo

    de 05 anos ou mais, o ganho de capital pode ser reconhecido e os

    tributos apurados e recolhidos

    (inclusive IR Fonte) medida e na

    proporo das parcelas recebidas em cada perodo de apurao, mesmo

    sendo o alienante uma pessoa

    jurdica estrangeira (art. 421, do

    RIR/99)?

    Sim. Conforme resposta

    anterior, respeitando o princpio

    da capacidade contributiva.

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    26

    9 Com a incorporao da empresa

    adquirida (Gama) pela empresa

    adquirente (Beta) o valor do gio

    pago quando da aquisio poder ser

    amortizado como despesa dedutvel, conforme previsto nos arts. 7 e 8,

    da Lei n 9.532/97?

    Sim. Ademais a sucesso

    dos direitos e obrigaes no

    mbito civil e comercial, no mbito tributrio, ser possvel a

    amortizao do gio como

    despesa dedutvel na apurao do

    IRPJ e da CSL da pessoa jurdica

    incorporadora Beta, conforme

    disposio do artigo 386 do RIR/99, com base nos artigos 7

    e 8 da Lei n 9.532/97.

    10 Algumas das operaes

    poderiam ser caracterizadas como

    procedimentos de evaso e/ou eliso fiscal, e, em sendo podero sofrer

    algum tipo de restrio, pela

    legislao brasileira, em especial,

    pela LC n 104/2001?

    Como vimos ao longo desta exposio, a reestruturao

    societria busca, entre outros

    propsitos empresariais, a

    reduo da carga tributria,

    atravs da utilizao de meios

    lcitos e da coincidncia entre a intentio facti e a intentio iuris. A

    reduo da carga tributria no

    consiste em nica motivao para

    a total reorganizao das

    empresas do grupo no Brasil.

    Portanto, entendemos tratar-se de caso de eliso fiscal, de

    natureza intrinsecamente lcita,

    constituindo negcio no sujeito

    descaracterizao.

    Ainda assim, frisamos, a

    norma contida no artigo 116

    nico do Cdigo Tributrio Nacional CTN possui natureza

    antidissimulao e no anti-

    elisiva, posto que a eliso, como

    vimos forma de economia fiscal

    absolutamente lcita, no

    ensejando sua descaracterizao.

    No obstante, a aplicao

    da referida norma, ainda que

    pretendida, somente poderia dar-

    se atravs do Poder Judicirio,

    uma vez que a mesma pende ainda de regulamentao, e o

    agente fiscal, enquanto aplicador

    da lei, no detm poderes para

    desconsiderar negcios jurdicos,

    sob pena de aniquilar-se a

    segurana jurdica e a liberdade negocial.

    11 A realizao da operao,

    entre empresas do mesmo Grupo

    poderia, s por esta razo, de

    alguma forma, ser caracterizada como simulao?

    As operaes entre

    empresas do mesmo grupo

    societrio ensejam maior ateno

    dos agentes fiscais por refletir

    situao facilitadora de planejamentos ilcitos,

    fraudulentos. Todavia, este

    argumento no suficiente para

    a caracterizao de operao

    simulada, sob o escudo de todos

    os fundamentos aqui elencados.

    A simulao, como vimos,

    consiste na realizao de ato

    aparente para fingir situao

    inexistente (simulao absoluta)

    ou encobrir situao real diversa

    (simulao relativa). Na hiptese de planejamento ora analisada, o

    ato jurdico realizado refletir a

    real inteno das partes, e, por

    conseguinte, no h como se

    falar em simulao.

    12 A operao em questo, poderia, de alguma forma, ser

    tratada como operao ilcita, sob os

    argumentos de que ao final haver benefcio fiscal decorrente de

    amortizao do gio?

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    27

    No. Os meios utilizados

    para aproveitamento da

    dedutibilidade do gio decorrente

    da aquisio de investimento

    decorrem de expressa previso

    legal e atendem a todos os

    fundamentos e pressupostos do fato gerador dos tributos. A

    reorganizao societria em

    questo contempla propsitos

    empresariais relevantes e utiliza

    medidas no s no coibidas,

    como expressamente permitidas em lei, para o aproveitamento de

    economia fiscal.

    Este o parecer.