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DIRETORES/GESTORES ESCOLARES: FORMAÇÃO CONTINUA E DESAFIOS NO DESEMPENHO DE SEU PAPEL NA ESCOLA PÚBLICA Este painel busca relatar duas pesquisas desenvolvidas no interior da UNESP, campus de Marília e de presidente prudente, envolvendo diretores/gestores na escola pública. O primeiro decorre de uma pesquisa-ação desenvolvida com gestores municipais de duas cidades do interior paulista. A escolha teórico-metodológica permitiu uma nova vivência de formação contínua de gestores que culminou com a construção de conselhos escolares pelas comunidades das escolas públicas envolvidas. Essa estratégia foi interessante porque permitiu uma nova mobilização da abertura ao diálogo e a possibilidade de revisitar “certezas” e a busca de “verdades”. O processo permitiu-nos lançar novos desafios à nossa prática docente e de pesquisa, assim como aos pesquisadores que têm como foco as análises da gestão escolar democrática. A segunda pesquisa apresenta um estudo de formação contínua de diretores escolares por meio da pesquisa-ação colaborativa, partindo das representações sociais sobre seu papel no contexto da escola pública. Percebemos que os diretores puderam construir novos significados para sua atuação por meio da reflexão de sua prática, articulada com a teoria, compartilhada com o coletivo, vivenciando o desejo de melhorar a própria atuação profissional. Constatamos que a pesquisa-ação mostrou-se uma estratégia importante para desencadear mudanças nas práticas dos diretores e nas ações de formação contínua, caracterizando-se como um verdadeiro processo de desenvolvimento profissional. a partir dessa segunda pesquisa elaborou-se o terceiro trabalho que buscou aprofundar a análise de um dos desafios apontados pelos diretores escolares no desempenho de seu papel, o despreparo e a má formação dos professores. Verificamos que esses desafios são consequências de uma política educativa desastrosa que aliena e reforça a ausência de profissionais em várias disciplinas e o insucesso pedagógico na sala de aula. Mal formados, os professores não exercem seu papel como poderiam e facilmente são manipulados pelo discurso do estado e pelas armadilhas que este promove na sociedade. Palavras-chave: Pesquisa-Ação. Diretores/Gestores Escolares. Formação Continuada. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 6670 ISSN 2177-336X

DIRETORES/GESTORES ESCOLARES: FORMAÇÃO CONTINUA E DESAFIOS …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10539_38052.pdf · Entendemos ser função destes decidirem sobre problemas e dilemas

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DIRETORES/GESTORES ESCOLARES: FORMAÇÃO CONTINUA E

DESAFIOS NO DESEMPENHO DE SEU PAPEL NA ESCOLA PÚBLICA

Este painel busca relatar duas pesquisas desenvolvidas no interior da UNESP, campus de

Marília e de presidente prudente, envolvendo diretores/gestores na escola pública. O

primeiro decorre de uma pesquisa-ação desenvolvida com gestores municipais de duas

cidades do interior paulista. A escolha teórico-metodológica permitiu uma nova vivência

de formação contínua de gestores que culminou com a construção de conselhos escolares

pelas comunidades das escolas públicas envolvidas. Essa estratégia foi interessante

porque permitiu uma nova mobilização da abertura ao diálogo e a possibilidade de

revisitar “certezas” e a busca de “verdades”. O processo permitiu-nos lançar novos

desafios à nossa prática docente e de pesquisa, assim como aos pesquisadores que têm

como foco as análises da gestão escolar democrática. A segunda pesquisa apresenta um

estudo de formação contínua de diretores escolares por meio da pesquisa-ação

colaborativa, partindo das representações sociais sobre seu papel no contexto da escola

pública. Percebemos que os diretores puderam construir novos significados para sua

atuação por meio da reflexão de sua prática, articulada com a teoria, compartilhada com

o coletivo, vivenciando o desejo de melhorar a própria atuação profissional. Constatamos

que a pesquisa-ação mostrou-se uma estratégia importante para desencadear mudanças

nas práticas dos diretores e nas ações de formação contínua, caracterizando-se como um

verdadeiro processo de desenvolvimento profissional. a partir dessa segunda pesquisa

elaborou-se o terceiro trabalho que buscou aprofundar a análise de um dos desafios

apontados pelos diretores escolares no desempenho de seu papel, o despreparo e a má

formação dos professores. Verificamos que esses desafios são consequências de uma

política educativa desastrosa que aliena e reforça a ausência de profissionais em várias

disciplinas e o insucesso pedagógico na sala de aula. Mal formados, os professores não

exercem seu papel como poderiam e facilmente são manipulados pelo discurso do estado

e pelas armadilhas que este promove na sociedade.

Palavras-chave: Pesquisa-Ação. Diretores/Gestores Escolares. Formação Continuada.

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FORMAÇÃO CONTÍNUA DO DIRETOR ESCOLAR NA PERSPECTIVA DA

PESQUISA-AÇÃO COLABORATIVA

Yoshie Ussami Ferrari Leite - UNESP/FCT- Presidente Prudente

Pamela Tamires Belão Fernandes - UNESP/FCT- Presidente Prudente

João Ferreira Filho - UNESP/FCT- Presidente Prudente

Resumo: Este trabalho apresenta o processo investigativo de formação contínua de

diretores escolares, por meio da pesquisa-ação colaborativa, que teve início em novembro

de 2012 e finalizou em fevereiro de 2015. O processo partiu das reflexões e análises das

representações sociais dos diretores sobre o seu papel político e social no contexto da

escola pública. Sabemos que a identidade e a atuação dos diretores desempenham função

essencial no âmbito dessa escola democratizada, complexa e necessária. A pesquisa

insere-se na abordagem qualitativa e tem como ponto de partida a análise das

representações sociais de 35 diretores que atuam na Diretoria de Ensino da Região de

Presidente Prudente (DERPP), coletadas através de questionários. A partir disso

realizamos junto aos sujeitos pesquisados a socialização, discussão e reflexão dos dados

empíricos, desenvolvendo assim, as ações de formação contínua. Percebemos que os

diretores puderam construir novos significados para a sua atuação por meio da reflexão

de sua prática, articulada com a teoria, compartilhada com o coletivo, vivenciando o

desejo de melhorar a própria atuação profissional. Reafirma-se, ainda, que desenvolver

projetos de pesquisa-ação mostrou-se uma estratégia importante para desencadear

mudanças nas práticas dos diretores e nas ações de formação contínua, caracterizando-se

como um verdadeiro processo de desenvolvimento profissional. Buscamos construir uma

nova relação entre a universidade e a rede pública de ensino, no caso entre a FCT/UNESP

e alguns diretores da rede Estadual de São Paulo, criando um paradigma que poderá se

consolidar como uma alternativa para uma modalidade de formação contínua para

profissionais da educação aspirando à construção de uma nova qualidade da escola

pública.

Palavras-chave: Formação Contínua de Diretores. Escola Pública Estadual. Pesquisa-

Ação Colaborativa.

INTRODUÇÃO

Com a passagem de uma escola excludente e elitizada, para uma instituição

democrática que se abriu a todos os setores da população, a educação pública brasileira

tem sido modificada significativamente nas últimas décadas. De acordo com Beisiegel

(2006), essa importante mudança no ensino público que possibilitou a sua democratização

se deve às reivindicações das denominadas “massas populares urbanas”.

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Um verdadeiro processo de democratização do ensino evidencia a necessidade de

que, tanto a escola quanto os profissionais ressignifiquem seus papéis e reflitam sobre

eles, a fim de oferecer um ensino de qualidade a todos os alunos que nela adentraram,

mediante a adoção de práticas educativas mais democráticas e mais inclusivas, de modo

que o objetivo maior da escola, isto é, a aprendizagem dos alunos, possa ser alcançada

com sucesso. Faz-se necessário investir nas condições de trabalho e na formação dos

profissionais da educação que atuam na escola, destacando os gestores (diretores, vice

diretores e professores coordenadores) e professores, visto que tais profissionais precisam

perceber que hoje necessitam desempenhar um novo papel.

Tendo em vista essa complexidade, o qual muito exige de todos os profissionais da

educação, emerge nossa pesquisa que foca no sujeito diretor, que lidera a equipe gestora

da escola pública estadual de São Paulo.

Sabemos que a identidade e a atuação dos gestores das instituições desempenham

papel essencial no âmbito dessa escola democratizada, complexa e necessária.

Entendemos ser função destes decidirem sobre problemas e dilemas da organização

escolar, integrando os membros da equipe escolar em um processo de análise e reflexão,

em busca de soluções para os desafios com que se deparam em seu trabalho cotidiano.

Há diferentes posições que se consolidaram historicamente sobre como deve ser a

administração escolar. É possível sistematizá-la em dois grandes blocos: de um lado, a

concepção de que a administração representa um ato político que envolve a luta pelo

direito à educação e à cidadania; de outro, a visão de que se trata de uma atividade técnica

que, por isso, teria como aspecto central os conhecimentos específicos de sua prática

(RIBEIRO, 1968).

Compreendemos que a gestão educacional consiste nas

[...] atividades de coordenação e de acompanhamento do trabalho das

pessoas, envolvendo o cumprimento das atribuições de cada membro

da equipe, a realização do trabalho em equipe, a manutenção do clima

de trabalho, a avaliação de desempenho. (LIBÂNEO; OLIVEIRA;

TOSCHI, 2012, p. 349).

Levando em conta essas considerações, a pesquisa teve como objetivo aprimorar a

formação contínua dos diretores escolares da Diretoria de Ensino da Região de Presidente

Prudente (DE-RPP), na direção da busca de uma nova qualidade para a escola pública.

Foi associada ao Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e

Subjetividade-Educação (CIERS-ed), sediada na Fundação Carlos Chagas/SP.

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Como abordagem metodológica, a pesquisa se inseriu na abordagem qualitativa.

Teve como ponto de partida a análise das representações sociais dos diretores sobre seu

papel. A primeira fase do estudo, iniciada em 2012, consistiu na aplicação de

questionários a 35 diretores que atuam na DE-RPP, representando 65% do total da

população pesquisada. A segunda fase ocorreu no período de 2013 a fevereiro de 2015,

quando realizamos junto aos diretores, uma pesquisa-ação colaborativa com a

socialização, discussão e reflexão dos dados empíricos, desenvolvendo assim, ações de

formação contínua, sendo este, o foco desenvolvido neste trabalho.

Utilizamos como procedimentos de pesquisa a investigação documental (LÜDKE;

ANDRÉ, 1986), a aplicação de questionário e os registros escritos sobre a ação vivenciada

no decorrer na formação contínua. Para categorização e apreciação das questões,

recorremos à técnica de análise de conteúdo (FRANCO, 2008), o software SPSS e o

EVOC (VERGÈS, 2000).

Com o intuito de relatar a pesquisa desenvolvida, este artigo visa apresentar o

processo da formação contínua dos diretores por meio da pesquisa-ação colaborativa,

partindo das reflexões e análises das representações sociais sobre o seu papel político e

social no contexto da escola pública.

QUEM SÃO OS DIRETORES PESQUISADOS?

Os diretores atuam em oito municípios da região oeste do Estado de São Paulo,

sendo 20 diretores de Presidente Prudente, três de Martinópolis, Pirapozinho e Regente

Feijó e mais um de Álvares Machado, de Anhumas, de Indiana e de Taciba. A maioria

atua em instituições escolares onde são oferecidos o Ciclo II do Ensino Fundamental e o

Ensino Médio. Catorze por cento deles trabalham em escolas que oferecem também a

Educação de Jovens e Adultos.

Quanto à situação funcional, 69% exercem o cargo de diretor e 31%, a função de

vice-diretor. Do total, 54% são efetivos e os demais, substitutos ou designados. Os

sujeitos da pesquisa são predominantemente mulheres (86%), assim como o estado civil

de casados (80%). Quanto à idade, os diretores estão na faixa entre 31 e 66 anos, sendo

que 63% dos pesquisados têm mais de 51 anos, caracterizando, portanto, uma população

mais experiente.

Em relação à formação profissional, para a maioria dos diretores, o primeiro curso

concluído não foi o de Pedagogia, uma vez que a soma das diversas licenciaturas atinge

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88,6% e este último, apenas 11,4%. Na segunda graduação essa situação se inverte, pois

71,4% cursaram Pedagogia e somente 14,3% frequentaram outros cursos de licenciatura,

como Geografia, Filosofia e Matemática.

QUE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS OS DIRETORES TÊM SOBRE A

“ESCOLA PÚBLICA DE HOJE”?

As representações sociais dos diretores sobre o termo indutor “escola pública de

hoje” somaram 140 palavras, sendo 64 diferentes. Associaram a escola pública de hoje à

visão democrática e inclusiva. Podemos inferir, a partir das justificativas que eles não

afirmam que hoje a escola é democrática e inclusiva, mas desejam transformações no seu

ambiente de trabalho e estão abertos as mudanças para que isso ocorra.

No segundo quadrante comparecem as palavras “indisciplina” e “qualidade” que

fundamentam a compreensão do núcleo central das representações. “Indisciplina” ressalta

sua existência no cotidiano da escola e a palavra “qualidade” encaminha-nos a pensar que

há certo otimismo em relação à escola pública. Neste caso, inferimos a possibilidade de

mudanças por parte do grupo no que se refere a “indisciplina”.

No terceiro quadrante as palavras evocadas foram: “aprendizagem”,

“desvalorização” e “ensino”. No quarto quadrante as palavras tardiamente evocadas

foram: “burocracia”, “desmotivação” e “dificuldade”. Estas palavras aparecem como

aspectos relacionados ao desenvolvimento das ações dentro da escola, uma vez que estão

diretamente em contato com situações burocráticas, alunos ou até mesmo desmotivados

e envolvidos por várias dificuldades.

Fica evidente que o núcleo central das representações sociais dos diretores sobre a

escola pública atual revela uma expectativa positiva referente ao contexto, porém é

seguida de palavras que revelam complexidades sobre essa representação.

Para compreender as dificuldades de criar, desenvolver e fortalecer a participação

democrática nas escolas públicas, indagamos aos diretores quais seriam as ações

necessárias para a garantia de tal gestão. As categorias obtidas foram: “garantir

participação e parcerias” (21,4%); “incentivar a relação comunidade e escola” (17,9%);

“ouvir todos os segmentos da escola para a tomada de decisões” (17,9%); “proporcionar

mais autonomia a direção nas questões administrativas” (8,9%); “ter formação

continuada” (7,1%); “qualificar e tornar os colegiados mais atuantes” (5,3%); “trabalhar

com professor para que tenham mais compromisso, além de conquistá-lo para um

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trabalho qualificado” (5,3%); “unificar, na diferença, o trabalho da equipe gestora,

avaliando ações e propondo mudanças” (3,6%).

Em relação à categoria “garantir participação e parcerias”, Libâneo, Oliveira e

Toschi (2012) sugerem a participação formal com a presença dos pais e informal por meio

da Associação de Pais e Mestres e do Conselho de Escola. A segunda categoria de

“incentivar a relação comunidade e escola” é uma ação complexa, mas presente Artigo

12 da LDB/96 como incumbência das instituições de ensino “articular-se com as famílias

e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola”.

Sabe-se que a articulação escola-família, quando realizada de forma efetiva, tem

representado um fator determinante no sucesso do processo educativo, entretanto é

preciso estar atento para não se confundir participação nas decisões com participação

somente na execução e colaboração financeira.

A valorização da gestão democrática pela maioria dos diretores, mesmo

reconhecendo o enorme desafio que sua materialização representa em sua atuação

profissional, significa um préstimo extremamente alentador, uma vez que o modelo de

gestão escolar que ainda predomina em boa parte das escolas públicas brasileiras é o

técnico-científico ou burocrático e que a cultura da comunidade ainda não está habituada

a essa prática participativa.

O QUE PENSAM OS DIRETORES SOBRE SEU PAPEL NA ESCOLA PÚBICA?

Indagados sobre o papel que desempenham nas unidades escolares obtivemos as

seguintes respostas: mediador de conflitos (18,5%); orientador da equipe e das ações da

escola (16,6%); papel de muita responsabilidade e importância na escola (16,6%);

administrador da escola (14,8%); líder (7,5%); sobrecarregado (3,8%); outros (psicólogo,

médico, porto seguro, organizador, coordenador, prestador de contas, papel amplo,

autoritário, formador, conscientizador, agente transformador, papel de fazer a diferença,

20,3%); e “em branco” (1,9%).

No aspecto legal, a Resolução SE nº 52/2013 (em vigor) dispõe sobre os perfis,

competências e habilidades requeridos dos profissionais da Educação da rede estadual de

ensino e estabelece sobre o perfil do diretor de escola, caracterizando-o

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Como dirigente e coordenador do processo educativo no âmbito da escola,

compete ao Diretor promover ações direcionadas à coerência e consistência de

um projeto pedagógico centrado na formação integral dos alunos [...]cabe-lhe

uma atuação orientada pela concepção de gestão democrática e participativa,

o que requer compreensão do contexto em que a educação é construída e a

promoção de ações no sentido de assegurar o direito à educação para todos os

alunos e expressar uma visão articuladora e integradora dos vários setores:

pedagógico, curricular, administrativo, de serviços, das relações com a

comunidade. Compete [...] ao Diretor de Escola uma atuação com vistas à

superação de condições adversas ao desenvolvimento de uma educação de

qualidade, ou seja, centrada na organização e desenvolvimento de ensino que

promova a aprendizagem significativa à formação do aluno: pessoal, social e

para o mundo do trabalho. (SÃO PAULO, 2013).

A atuação do diretor escolar envolve quatro dimensões da gestão: Pedagógica; de

Pessoas; de Recursos Didáticos, Materiais, Físicos e Financeiros; de Resultados

Educacionais do Ensino e Aprendizagem. Embora tenha preocupações com o processo

educativo da escola, e com “resultados educacionais do ensino e da aprendizagem”, os

diretores pesquisados ainda expressaram visões bastante heterogêneas sobre a sua função.

No seu discurso, identificam-se falta de objetividade, clareza, priorização e de

compreensão dos valores e da filosofia da própria Secretaria Estadual de Educação de

São Paulo (SEE/SP) quanto à definição do papel do diretor diante da complexidade e dos

desafios do cotidiano da escola pública atual. Exatamente nesse aspecto, que esta

investigação se justifica na perspectiva da pesquisa-ação colaborativa.

AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTÍNUA VIVENCIADA COM OS DIRETORES

A partir da discussão dos dados empíricos sobre as representações sociais dos

diretores, iniciamos as ações de formação contínua, tendo como prioridade as questões

relacionadas com a função de diretor. A equipe organizou-se com os diretores que

aceitaram participar da ação de formação contínua, voluntariamente. No início das

atividades, a equipe era composta por 35 diretores, um membro da DE-RPP, cinco

professores universitários e quatro alunos de pós-graduação. No final do projeto, restaram

14 diretores, um membro da DE-RPP, cinco professores da universidade e três alunos da

pós-graduação.

Consideramos a formação contínua como o conjunto de atividades desenvolvidas

pelos professores ou outros profissionais da educação, “[...] em exercício, com objetivo

formativo, realizadas individualmente ou em grupo, visando tanto ao desenvolvimento

pessoal como ao profissional”, preparando-os para a realização de seus afazeres atuais ou

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de outros novos que se coloquem (ALMEIDA, 2005, p. 12). Para Libâneo (2001, p. 198),

ela consiste no prolongamento da formação inicial e visa o “[...] aperfeiçoamento

profissional teórico e prático no próprio contexto de trabalho, e ao desenvolvimento de

uma cultura geral mais ampla”.

A ação de formação contínua desenvolvida neste estudo fundamentou-se numa

perspectiva crítica reflexiva que tem como objeto de propiciar uma postura crítica dos

desafios, a reflexão sobre o campo de possibilidades em que se insere a prática do diretor,

com destaque para a gestão democrática e a elaboração de um plano de ação para o

enfrentamento e a superação dos desafios diagnosticados.

Escolhemos a pesquisa-ação como metodologia nesta atividade de formação

contínua por seu reconhecido impacto na formação do educador e na formulação de

políticas públicas para a educação. Como aponta Pimenta (2005, p. 523), a pesquisa-ação

[...] tem por pressuposto que os sujeitos que nela se envolvem compõem um

grupo com objetivos e metas comuns, interessados em um problema que

emerge num dado contexto no qual atuam desempenhando papéis diversos:

pesquisadores universitários e pesquisadores (professores no caso escolar).

Constatado o problema, o papel do pesquisador universitário consiste em

ajudar o grupo a problematizá-lo; ou seja, a situá-lo em um contexto teórico

mais amplo e assim possibilitar a ampliação da consciência dos envolvidos,

com vistas a planejar as formas de transformações das ações dos sujeitos e das

práticas institucionais.

Em relação à dinâmica da formação contínua, realizamos 18 encontros, iniciados

em novembro de 2012 e finalizados em fevereiro de 2015, realizados mensalmente, com

quatro horas de duração cada. Esses encontros apresentavam sempre uma pauta

constituída pelo tema a ser discutido, objetivo do encontro, informes gerais, realização da

atividade do dia, privilegiando sempre um caráter teórico e prático. Demandava também

o registro escrito individual do encontro, sua avaliação e a identificação de diretrizes para

a preparação do próximo. Em alguns deles, organizamos atividades para os diretores

desenvolverem na escola em que atuam, as quais, no encontro seguinte, eram

apresentadas, por escrito e oralmente.

Salientamos que no início das atividades de formação deixamos claro a forma de

organização do trabalho e a metodologia utilizada. Iniciamos o processo de formação com

a apresentação e análise das representações sociais dos diretores sobre o seu papel, sempre

privilegiando a voz dos diretores. Essas representações foram analisadas a luz das

legislações em vigor e da literatura recente. Os diretores tiveram oportunidade de refletir

sobre como enfrentar os problemas na escola, utilizando até a dramatização, com

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possibilidade de que isso também fosse vivido na própria escola com os atores diversos

que atuam dentro dela.

Para fortalecer a dimensão pedagógica na função do diretor, valorizado por eles

como atribuição importante, utilizamos o registro da rotina das atividades do diretor

durante uma semana. Os diretores identificaram a necessidade de descentralizar tarefas e

construir uma cultura mais coletivizada para o enfrentamento dos problemas e da rotina

escolar. A partir deste momento nos empenhamos na construção dos Planos de Ação para

a superação dos problemas que surgiram no registro das atividades vividas pelos

diretores. Esses Planos de Ação foram apresentados no coletivo dos diretores presentes

na ação de formação, discutidos e aprimorados para sua melhor realização.

Os rumos, temas e conteúdos da ação de formação contínua foram sempre

construídos gradativamente, de forma colaborativa, conforme o avanço dos encontros,

por meio dos estudos teórico-reflexivos, da manifestação acalorada dos presentes e da

rica e necessária troca de experiências entre os sujeitos. O interesse do grupo de diretores

pela proposta de formação contínua em curso foi atestado pela assiduidade dos diretores

que permaneceram até a finalização do projeto, pela intensa participação de tais

profissionais nos encontros desenvolvidos, e pelo registro das diversas atividades

vivenciadas.

A partir dos registros escritos, foi possível constatar que os diretores avaliaram

positivamente o trabalho desenvolvido, bem como valorizaram tal espaço de formação

profissional. Abaixo descreveremos algumas situações e opinião dos diretores sobre essas

vivências.

Em uma dessas vivências que teve como objetivo refletir sobre o papel do diretor

no cotidiano da escola pública, tendo como referência a literatura e a legislação, um dos

diretores manifestou-se da seguinte forma:

O encontro foi muito proveitoso, pois veio refletir a nossa gestão, contribuindo

para pensarmos nas reais possibilidades de mudanças a fim de tornar realidade

a gestão democrática. (Sujeito 21- 10/5/13).

Em outra reunião que tinha como objetivo identificar os principais problemas da

escola pública estadual e discutir alternativas de enfrentamento, tendo em vista a escola

que queremos as manifestações dos diretores foram as seguintes:

Toda reunião tem um objetivo; encontramos caminhos e soluções para nossos

problemas. A luta é pelo nosso aluno, os problemas são comuns a todos.

(Sujeito 1- 20/9/13).

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Em outra ocasião, o encontro com os diretores tinha como objetivo refletir sobre os

problemas apontados em reuniões anteriores e destacar o papel dos diferentes atores

escolares para a superação desses problemas, a partir do uso de dramatização. As

avaliações dos diretores foram as seguintes:

O encontro hoje foi muito proveitoso, pois permitiu uma reflexão sobre a

escola que vivenciamos. Hoje saio “angustiada”, pois quero pensar como a

colega disse no que eu posso realizar para melhorar a escola como um todo.

Foi muito relevante pensar o quanto temos ignorado o “olhar” do aluno,

apontando apenas seu desinteresse. [...] O que mais gosto nas nossas reuniões

é que todos têm espaço para falar e se colocar. Aprendi muito com a

metodologia usada hoje, tratamos de um tema delicado, complexo e pesado,

porém de forma leve. (Sujeito 5 – 25/10/13).

Em outro momento de avaliação das atividades desenvolvidas, os diretores

afirmaram que a participação deles nos encontros realizados refletiram em suas práticas.

Um total de 64,3% afirmou que se sentiram fortalecidos e mais seguros como grupo e

indivíduo com as discussões e trocas de experiências para desenvolver uma gestão

democrática, além de constatar que as dificuldades são semelhantes; 35,7% disseram que

desenvolver a prática da reflexão proporciona um novo olhar sobre o trabalho realizado

e a percepção como gestor foi alterada, ampliada e melhorada; 21,4% busca trabalhar de

forma mais democrática; 14,4% busca desenvolver na escola as ideias discutidas na

reunião e, 14,4% aprendeu a ter visão crítica, buscar a solução de problemas e a

necessidades de mudanças nas estratégias de ensino.

As discussões dos encontros permitiram que a percepção que possuía como

gestor fosse alterada, ampliada e melhorada a medida que as experiências

partilhadas acabam por fornecer-me subsídios para situações semelhantes. Em

contrapartida me permite partilhar angustias individuais [...](Sujeito 10 –

14/03/14).

Senti que posso trabalhar mais tranquila quando divido com a equipe os

problemas e alcançar as soluções em conjunto. Ao abordar nas reuniões os

assuntos difíceis e delicados, socializando, fazendo assim com que todos

assumamos nossos papeis e responsabilidades. Em cada encontro percebi que

nós diretores não estamos sozinhos, o cotidiano escolar é praticamente o

mesmo. Com as experiências expostas nas reuniões consegui tirar várias lições,

que aplico no meu dia-a-dia e acredito que contribui com os colegas também.

(Sujeito 12 – 14/03/14).

Durante o decorrer das ações, pudemos perceber que, por conta do cotidiano

atarefado e burocratizado do diretor, o aspecto pedagógico de suas ações comparece de

forma prejudicada, embora se note a valorização desses profissionais em relação a esse

aspecto. Na busca de encontrar possibilidades de delegar algumas tarefas para outros

profissionais da escola, realizamos uma reunião com o objetivo de identificar e construir

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um Plano de Ação a partir da problemática que os diretores julgaram ser mais relevantes

na função do diretor.

O Plano de Ação ajuda-nos a definir e organizar atividades que colocaríamos em

prática para alcançar a mudança desejada, os nossos objetivos, a decidir quem serão as

pessoas responsáveis por essas atividades e prever o tempo para sua execução. É

necessário saber o que faremos para alcançar os objetivos ou a mudança e, prever de quais

recursos (financeiros, humanos, materiais, entre outros) precisaremos para colocar nosso

plano em ação e também prever os prazos necessários para a realização dessas ações.

Com esse intuito, solicitou-se aos diretores que construíssem e apresentassem um

Plano de Ação. Nesse momento, o número deles reduziu-se bastante, mas aqueles que

permaneceram trouxeram os problemas detectados. O instrumento buscou promover a

descentralização de algumas tarefas do diretor a partir da conscientização dos diversos

segmentos dos profissionais da escola, quanto as suas atribuições, quanto ao

planejamento de ações de mudança, quanto a formas de acompanhamento e avaliação.

As ações de formação contínua dos diretores finalmente penetram o espaço escolar,

tendo em vista a preocupação de reorganização desse espaço em busca de uma escola de

melhor qualidade.

Por meio de uma avaliação sobre as atividades realizadas, notamos que a

experiência vivenciada foi significativa e muito valorizada como um espaço de formação

contínua dos diretores. Entre os 14 diretores que participaram da avaliação dos trabalhos,

nove afirmaram que se sentem fortalecidos e mais seguros para desenvolverem uma

gestão democrática nas escolas em que atuam. Outros valorizaram a prática da reflexão e

a possibilidade de buscar novas formas para se trabalhar coletivamente. O depoimento

abaixo comprova essa análise:

Apesar de tantos anos de experiência na direção de repente me deparei com a

realidade que até então pouco havia refletido sobre o cotidiano da escola.

Acostumada com o excesso de trabalho burocrático, não priorizava a reflexão

sobre os acontecimentos que interferem no dia-a–dia. Para mim a grande

mudança na postura foi começar a desenvolver a prática da reflexão, pensar no

porquê? O Que devo ou posso fazer? Até que ponto a minha postura, posição

contribui para ocorrência deste ou não? Hoje fico pensando o quanto estive e

estou aberta as mudanças. O quanto tenho facilitado ou contribuindo? Enfim,

considero valiosos esses momentos, pois, proporcionam um novo olhar sobre

mim e minha prática e que esse novo posicionamento, possa tornar efetiva as

mudanças que fazem necessárias para uma educação melhor. (Sujeito 13-

29/11/13).

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Enfim, a experiência vivida pelos diretores pode ecoar na sua vida como

pessoa/sujeito, na sua função e atuação como diretor, assim como no seu cotidiano do

trabalho escolar, da seguinte forma:

Se eu tivesse que resumir em uma palavra diria Aprendizado. Com o

aprendizado veio a maturidade, o refletir antes de criticar. Como pessoa

percebo que amadureci intelectualmente. [...] Hoje me busco mais como

gestor, procuro refletir sobre meu papel e procuro agir mais no coletivo. Isto

não quer dizer que cheguei ao ponto ideal, apenas que busco. [...] Apesar do

discurso minha prática ainda era centralizada, hoje procuro compartilhar mais

os afazeres sem deixar de fazer minha parte e meu papel. Procuro atender as

prioridades e organizar meus afazeres sem atropelar. Adquiri mais ordem.

(Sujeito 1 – 05/12/14).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da experiência de formação contínua junto aos diretores, consideramos que

a opção metodológica da ação colaborativa fundamentou-se na possibilidade de criar um

espaço permanente de investigação, reflexão e análise das práticas profissionais no

interior das escolas, efetuadas pelos diretores em parceria com a universidade. Os

diretores devem ser autores de sua ação, planejando-a, refletindo acerca de seus

problemas e recriando uma nova conduta, pois nenhuma experiência pode se definir como

uma mera execução. O aspecto formativo dessa metodologia de pesquisa evidencia que

esse procedimento exige uma relação com os sujeitos da prática, o que implica

coparticipação, coautoria e coprodução de conhecimentos e saberes.

Por meio da pesquisa, acreditamos que os diretores não mudam suas práticas a partir

de simples Resolução da SEE/SP. A mudança ocorre em virtude de alterações nas

concepções e valores que podem refletir em suas atitudes e comportamentos, por meio da

tomada de consciência sobre a necessidade e a possibilidade de novas proposições. Essa

mudança individual pode conduzir a um sentimento de fortalecimento e de segurança,

quando socializada, discutida, refletida e decidida com o grupo.

Enfim, percebemos que os diretores puderam construir novos significados para a

sua atuação por meio da reflexão de sua prática, articulada com a teoria, compartilhada

com o coletivo, vivenciando o desejo de melhorar a própria atuação profissional.

Desenvolver projetos de pesquisa-ação mostrou-se uma estratégia importante para

desencadear mudanças nas práticas dos diretores e nas ações de formação contínua,

caracterizando-se como um verdadeiro processo de desenvolvimento profissional

(LEITE, 2014). As atividades realizadas, fundamentadas na reflexão-ação-reflexão,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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13

proporcionaram aos diretores clareza quanto à importância de seu papel dentro da unidade

escolar, propiciando as possibilidades de mudanças necessárias para assegurar uma

gestão democrática.

Buscamos construir uma nova relação entre a universidade e a rede pública de

ensino, no caso entre a FCT/UNESP e alguns diretores da rede Estadual de São Paulo,

criando um paradigma que poderá se consolidar como uma alternativa para uma

modalidade de formação contínua para profissionais da educação aspirando à construção

de uma nova qualidade da escola pública.

REFERÊNCIAS

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possibilidades e dos inúmeros parceiros existentes hoje. In: ALMEIDA, M. I. (Org.).

Formação Contínua de Professores. Brasília: Ministério da Educação, boletim 13,

ago. 2005. p. 11-17.

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FRANCO, M. L. P. Análise de conteúdo. Brasília: Líber Livro, 2008.

LEITE, Y. U. F. Pesquisa ação como espaço de formação de professores: análise de

uma experiência vivida. In: PIMENTA, S. G.; FRANCO, M. A. S. Pesquisa em

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LIBÂNEO, J. C. Organização e Gestão da Escola: teoria e prática. Goiânia: Editora

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LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas.

São Paulo: EPU, 1986.

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experiências com a formação docente. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n.3, p.

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RIBEIRO, J. Q. Introdução à Administração Escolar (Alguns pontos de vista) In:

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14

SÃO PAULO (Estado). Resolução da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo n.

52 de 14 de agosto de 2013, publicada no dia 15 de agosto de 2013 Diário Oficial Poder

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VERGÈS, P. Ensemble de programmes permettant l”analyse des evocations.

Manuel. EVOC 2000. Version 15 octobre 2003. Aix em Provence, France.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6683ISSN 2177-336X

15

DESAFIOS DOS DIRETORES NO DESEMPENHO DE SEU PAPEL:

FORMAÇÃO E CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS PROFESSORES

João Ferreira Filho - UNESP/FCT-Presidente Prudente

Vanda Moreira Machado Lima - UNESP/FCT-Presidente Prudente

Yoshie Ussami Ferrari Leite - UNESP/FCT- Presidente Prudente

Resumo: Realizamos uma pesquisa-ação colaborativa com diretores escolares do Estado

de São Paulo com o objetivo de aprimorar a sua formação, a partir de suas representações

sociais e dificuldades encontradas no desempenho de suas funções, na busca de uma nova

qualidade para a escola pública, entre 2012 e 2015. O despreparo e a má formação dos

professores foi apontado como sendo o desafio maior para que os diretores exerçam a sua

função dentro das instituições escolares. Neste artigo procuramos refletir sobre a questão

da formação dos professores e suas condições de trabalho, com a finalidade de mostrar

que a busca de uma escola de melhor qualidade é complexa e implica em diversos fatores

que afetam o cotidiano pedagógico das escolas.

Constatamos que esses desafios apontados pelos diretores, são consequências de uma

política educativa desastrosa que alienam e reforçam a ausência de profissionais em várias

disciplinas, a não atratividade para os jovens estudantes das universidades cursarem as

licenciaturas e o insucesso pedagógico na sala de aula. Mal formados os professores não

exercem seu papel como deveriam e facilmente são manipulados pelo discurso do Estado

e pelas armadilhas que este promove na sociedade. Finalmente percebemos o quanto o

chão da escola pública do Estado de São Paulo está prejudicado por políticas públicas que

não solucionam a problemática administrativa pedagógica das escolas, tornando o seu

trabalho essencial – o educar para a cidadania – gravemente prejudicado. É urgente que

as universidades, professores e sociedade em geral tomem consciência das limitações das

políticas educacionais e demandem atitudes de mudanças em prol da qualidade da

educação pública estadual.

Palavras chaves: Diretor de escola. Formação de professor. Condições de trabalho da

SEESP.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, o ensino público no Brasil tem sido modificado

significativamente com a passagem de uma escola excludente e elitizada, para uma

instituição democrática que se abriu a todos os setores da população, em especial às

classes populares, que, até então, não tinham acesso à escola. De acordo com Beisiegel

(2006), esta importante e recente mudança no ensino público que possibilitou a sua

democratização se deve às reivindicações das denominadas “massas populares urbanas”,

conquista que precisa ser valorizada.

Reconhecer a importância da escola pública atual não significa negar os problemas

que ela apresenta. Leite e Di Giorgi (2004, p.136) afirmam que:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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16

[...] a ampliação quantitativa da escola, ou seja, sua democratização,

não veio acompanhada de medidas e de ações essenciais que

garantissem a melhoria qualitativa do ensino. Praticamente todas as

escolas ainda mantêm uma estrutura organizacional tradicional,

conservadora, pautada em princípios burocratizantes, fato que dificulta

a realização de mudanças pedagógicas por parte dos professores.

Beisegel (2006) afirma que é preciso ter como ponto de partida a aceitação desta

instituição, tal como ela se apresenta, com a presença dos alunos de hoje para, a partir,

daí promover as mudanças necessárias.

Considerando a complexidade do contexto educacional na atualidade, que exige

muito mais de todos os profissionais da educação, podemos afirmar que a busca de uma

transformação da escola só será alcançada se tivermos como ponto de partida a formação

desses profissionais, incluindo entre eles a equipe gestora (diretores, vice diretores e

professores coordenadores) e os professores. Esses profissionais precisam perceber que

hoje necessitam desempenhar um novo papel, que segundo Leite, Ghedin e Almeida

(2008), engloba: o comprometimento com as crianças das classes populares que

conquistaram seu direito à educação; a capacidade de desenvolver um trabalho de

qualidade e, a superação das características do profissional da escola como de um simples

técnico, assumindo-se como um sujeito criativo e participativo.

Os professores e demais profissionais da escola se deparam com dificuldades que

às vezes são incapazes ou julgam-se incapazes de solucionar, devido a uma formação

profissional que não os prepara para compreender e encontrar formas de resolver os

problemas e os desafios que a educação escolar pública hoje apresenta. Portanto, fica

evidente a necessidade de quea escola e os profissionais ressignifiquem e reflitam sobre

seus papéis, a fim de oferecer um ensino de qualidade a todos com a adoção de práticas

educativas democráticas e inclusivas, de modo que o objetivo maior da escola

(aprendizagem dos alunos) seja alcançado com sucesso. Isto é o verdadeiro significado

do processo de democratização do ensino.

Sabemos que a identidade e a atuação dos gestores das instituições, entre os quais

se incluem também os diretores, são essenciais no âmbito dessa escola democratizada,

complexa e necessária. Entendemos ser papel desses profissionais decidir sobre

problemas e dilemas da organização escolar, integrando os membros da equipe escolar

num processo de análise e reflexão, em busca de soluções para os desafios com que se

deparam em seu trabalho cotidiano. Para Davis e Grosbaum (2002, p. 88) a “organização

da escola, é indispensável para promover o desenvolvimento e a aprendizagem dos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6685ISSN 2177-336X

17

alunos, implica um compromisso dos membros da equipe escolar com a clientela que

frequenta a escola”.

Sabe-se que a criação de um clima propício à aprendizagem é algo que depende

essencialmente da capacidade do coletivo da escola de gerar um ambiente de respeito e

de convivência saudável entre todos os atores do processo educativo. Para isso, o diretor

e a gestão da escola precisa ser democrático-participativa.

A concepção democrático-participativa baseia-se na relação orgânica

entre a direção e a participação dos membros da equipe. Acentua a

importância da busca de objetivos comuns assumidos por todos.

Defende uma forma coletiva de tomada de decisões. Entretanto, uma

vez tomadas às decisões coletivamente, advoga que cada membro da

equipe assuma sua parte no trabalho, admitindo a coordenação e a

avaliação sistemática da operacionalização das deliberações

(LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI, 2012, p. 447).

Faz-se fundamental que o diretor tome decisões sobre problemas e dilemas da

organização escolar, integrando os membros da equipe escolar na análise, na reflexão,

nas decisões e nos encaminhamentos de soluções para os desafios apresentados

diariamente no cotidiano da escola. Isso colabora com a solução de problemas da escola

e tem como resultado a produção, por parte dos gestores, de conhecimentos sobre seu

trabalho, alimentando o processo de ação-reflexão-ação (LIBÂNEO; OLIVEIRA;

TOSCHI, 2012), ações decisivas no sucesso da escola em cumprir adequadamente os seus

objetivos.

Diante dessas considerações, realizamos pesquisa que teve como objetivo geral

aprimorar a formação contínua dos diretores escolares da Diretoria de Ensino da Região

de Presidente Prudente (DERPP), a partir de suas representações sociais, na busca de uma

nova qualidade para a escola pública.

A pesquisa se inseriu na abordagem qualitativa e teve como ponto de partida a

análise das representações sociais dos diretores sobre seu papel e as dificuldades

encontradas no desempenho de suas funções. A primeira fase do estudo, iniciada em

novembro de 2012, consistiu na aplicação de questionários a 35 diretores que atuavam na

DERPP, o que representa 65% do total da população pesquisada. A segunda fase iniciou

em fevereiro de 2013, quando realizamos, junto a estes sujeitos, a socialização e discussão

dos dados empíricos coletados e desenvolvemos as atividades de formação continuada.

A partir dessa investigação, este artigo visa refletir sobre a questão da formação dos

professores e suas condições de trabalho, apontado como a dificuldade mais relevante

pelos diretores da DERPP.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6686ISSN 2177-336X

18

SOBRE O PAPEL SOCIAL DOS DIRETORES ESCOLARES E SUAS

DIFICULDADES

Sobre o papel que desempenham nas unidades escolares, os diretores disseram que

atuam como: mediador de conflitos (18,5%); orientador da equipe e das ações da escola

(16,6%); papel de muita responsabilidade e importância na escola (16,6%); administrador

da escola (14,8%); líder (7,5%); sobrecarregado (3,8%) e, outros (22,2%).

Algumas falas dos diretores referentes aos índices:

“Hoje vejo meu papel como mediador, devido às diversidades. Todos os dias temos

conflitos entre alunos, professores e funcionários”. (Sujeito 25).

“O diretor hoje é alguém que procura com bom senso e paciência orientar todos

os segmentos da escola ficando por último o pedagógico, que se ele não estiver junto do

professor coordenador também pouco é produzido”. (Sujeito 10).

A Resolução SE nº 52 (SÃO PAULO, 2013) dispõe sobre os perfis, competências

e habilidades requeridos dos profissionais da Educação da rede Estadual de Ensino, que

estabelece de modo mais detalhado o perfil do diretor de escola, caracterizando- o

Como dirigente e coordenador do processo educativo no âmbito da

escola, compete ao Diretor promover ações direcionadas à coerência e

consistência de um projeto pedagógico centrado na formação integral

dos alunos [...] cabe-lhe uma atuação orientada pela concepção de

gestão democrática e participativa, o que requer compreensão do

contexto em que a educação é construída e a promoção de ações no

sentido de assegurar o direito à educação para todos os alunos e

expressar uma visão articuladora e integradora dos vários setores:

pedagógico, curricular, administrativo, de serviços, das relações com a

comunidade. Compete [...] ao Diretor de Escola uma atuação com vistas

à superação de condições adversas ao desenvolvimento de uma

educação de qualidade, ou seja, centrada na organização e

desenvolvimento de ensino que promova a aprendizagem significativa

à formação do aluno: pessoal, social e para o mundo do trabalho.

Nesta Resolução a atuação do diretor escolar deve se desenvolver em quatro

dimensões da gestão: Pedagógica; de Pessoas; de Recursos Didáticos, Materiais, Físicos

e Financeiros; e, de Resultados Educacionais do Ensino e Aprendizagem.

Apesar de a citada Resolução contemplar as preocupações com o processo

educativo da escola e com “resultados educacionais do ensino e da aprendizagem”, os

diretores pesquisados ainda apresentaram visões bastante heterogêneas sobre sua função.

Sem uma percepção clara e definida com relação à função que exercem, suas concepções

parecem demonstrar falta de clareza acerca de seu papel.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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19

Para compreender melhor a realidade dos diretores, procuramos identificar as

maiores dificuldades que encontram no desempenho de sua ação. A maior delas foi o

“despreparo e a má formação dos professores e profissionais da escola”, apontado por

25% das respostas. Com 18,7%, a outra dificuldade mencionada foi a “sobrecarga de

trabalho”. Praticamente com o mesmo índice, a categoria “pais/famílias ausentes no

âmbito escolar” (17,1%) apresenta-se como outra dificuldade, indicando a ausência de

participação e envolvimento da família na vida escolar dos filhos.

As demais dificuldades foram: políticas públicas e legislação (9,3%), ausência de

professores e funcionários (8,2%), indisciplina e desinteresse por parte dos alunos (7,8%),

necessidade de estimular a todos na escola (4,6%), aprendizagem dos alunos (3,1%),

rotatividade dos professores (3,1%), pouco espaço físico (1,5%) e ausência do aluno ideal

(1,5%).

Nesse sentido optamos em refletir sobre o despreparo e a má formação dos

professores e suas condições de trabalho, fatores que afetam sobremaneira o andamento

das atividades pedagógicas na escola.

PROBLEMAS SOBRE A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

Assim como os diretores apontaram, outros estudos também identificaram

problemas em torno da formação inicial de professores e afirmam que uma formação

docente adequada pode contribuir para melhorar a qualidade da escola pública.

Segundo Leite (2011) os estudos têm mostrado que os professores não estão sendo

formados e nem recebendo preparo suficiente no processo inicial de sua formação, para

enfrentar a nova realidade da escola pública e as demandas hoje existentes, como também

para assumir as novas atribuições que passam a ser cobradas desses docentes nos dias de

hoje.

As ideias arroladas abaixo sobre os problemas da formação inicial de professores

também foram extraídas de Leite (2011).

Tedesco (1998) afirma que a formação inicial do professor se apresenta de forma

insuficiente e aligeirada, não suprindo os desafios da formação docente diante do

novo contexto que exige dos profissionais uma série de capacidades e habilidades

que não estavam presentes nos cursos de formação.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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20

Pimenta (1999, p. 16) também afirma que as pesquisas desenvolvidas sobre a

formação inicial dos professores,

[...] têm demonstrado que os cursos de formação, ao

desenvolverem um currículo formal com conteúdos e atividades

de estágio distanciadas da realidade das escolas, numa

perspectiva burocrática e cartorial que não dá conta de captar as

contradições presentes na prática social de educar, pouco têm

contribuído para gestar uma nova identidade profissional.

Os cursos de licenciatura tem trabalhado com suas matrizes curriculares de forma

desarticulada das demandas da prática e da realidade encontrada nas escolas,

caracterizando-se por uma concepção acrítica e burocrática. Os cursos de formação de

professores deveriam possibilitar aos docentes a superação do modelo de racionalidade

técnica para lhes assegurar a base reflexiva na sua formação e atuação profissional

(CONTRERAS, 2002; PIMENTA, 2002; GIROUX, 1997).

Isso significa que é preciso superar o modelo de formação que considera o professor

apenas como transmissor de conhecimentos e, caminhar em outra direção. Para tanto,

Contreras (2002) afirma que é necessário resgatar a base reflexiva da atuação profissional

com o objetivo de entender a forma em que realmente se abordam as situações

problemáticas da prática. É preciso também, assegurar que a formação de professores

possibilite ao docente saber lidar com o processo formativo dos alunos em suas várias

dimensões (cognitiva, afetiva, os sentidos, estética, ética e valores emocionais).Cabe

também contemplar e assegurar uma formação contínua que propicie o avanço de outras

formas de trabalho com os alunos, que busque estimular o trabalho coletivo e

interdisciplinar e, a participação do professor no Projeto Político Pedagógico.

Todo o processo de escolarização não deve ser mais a simples transmissão de

informações. Portanto, cabe à escola e aos cursos de formação inicial de professores

formar seres humanos, cidadãos, pessoas que saibam e que gostem de ler, estudar,

trabalhar com os conhecimentos, questionar a tecnologia, e criar outros saberes e outros

métodos mais rigorosos.

Segundo Giroux (1997), o essencial para o professor é a necessidade de tornar o

pedagógico mais político e o político mais pedagógico. Tornar o pedagógico mais político

significa considerar a educação escolarizada como parte do projeto social mais amplo,

com o objetivo de ajudar os alunos a se desenvolverem para que as injustiças econômicas,

políticas e sociais sejam superadas. Tornar o político mais pedagógico significa utilizar

formas de ensinar que incorporem os interesses políticos de natureza emancipadora.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6689ISSN 2177-336X

21

Implica em tratar o aluno como agente crítico, capaz de problematizar o conhecimento e

de utilizar o diálogo crítico, argumentando em prol de um mundo qualitativamente melhor

para todas as pessoas.

É preciso repensar a formação de professores a partir do contexto de seu trabalho,

sempre refletindo criticamente sobre a realidade da escola. Faz-se fundamental refletir

esta dimensão através de propostas curriculares, atividades que permitam a compreensão

da dinâmica e das relações que se estabelecem no contexto do trabalho docente.

Zeichner (1993) ressalta que a reflexão crítica pode ser o caminho que permitiria

aos docentes a não aceitação automática de uma visão baseada no senso comum,

encontrando meios eficazes e eficientes para alcançar as metas e resolver problemas.

Nessa linha de pensamento, Imbérnom (2001, p. 39) contribui para a reflexão acerca das

novas necessidades para a formação de professores, abordando que esse processo:

[...] deve dotar os professores de conhecimento, habilidades e

atitudes para desenvolver profissionais reflexivos ou

investigadores. Nesta linha, o eixo fundamental do currículo de

formação de professor é o desenvolvimento da capacidade de

refletir sobre a própria prática docente, com o objetivo de

apresentar a interpretar, compreender e refletir sobre a realidade

social e a docência.

Ressalta a necessidade de uma formação que trabalhe as atitudes de igual modo que

os conteúdos, que permita que a aquisição seja um processo amplo e não linear e que,

propicie um componente de adaptabilidade à realidade diferente do professor.

Constatamos que os problemas apontados até então pelos diversos autores, refletem

e reforçam a opinião dos diretores com relação a dificuldade demonstrada sobre o preparo

do professor que afeta o desempenho de sua ação, como gestor, na escola pública.

SOBRE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS PROFESSORES NA

SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO PAULO

Neste tópico refletiremos sobre as condições de trabalho dos professores, com o

objetivo de compreender que esta questão pode interferir na atuação dos diretores

escolares de DERPP.

Para que o professor possa atuar com qualidade na escola pública faz-se essencial

além de uma formação profissional qualificada, melhores condições de trabalho, como

salários dignos, jornadas adequadas, equipamentos didáticos, e tais condições só serão

asseguradas mediante a reivindicação e organização dos docentes. Abster-se de participar

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6690ISSN 2177-336X

22

das lutas sindicais significa um descompromisso, consciente ou não, com a qualidade do

ensino. Contudo, deve ser responsabilidade do Estado prover condições de trabalho

dignas aos seus profissionais.

No Estado de São Paulo existem diferenças imensas na composição do salário do

professor efetivo, em relação ao professor temporário e o eventual, que evidenciam

desigualdades nas condições de trabalho.

O salário do professor efetivo é composto de duas frações: o salário-

base, especificado conforme a carga horária de contratação, e o salário

adicional, que é um complemento assim calculado: a) 20% sobre o valor

das aulas dadas em locais de precária infraestrutura ou de

periculosidade; b) 20% sobre o valor das aulas ministradas no período

noturno; c) 5% sobre o salário-base a cada cinco anos de serviço; d) 1/6

dos vencimentos integrais a cada 20 anos de atividade. (LENNERT,

2011, p. 390).

Atualmente o salário de um professor efetivo com carga horária de trabalho de 32

horas semanais e entre 20 e 25 anos de serviço é de, aproximadamente, R$ 3.590,00. Com

a mesma carga horária de trabalho o professor Categoria “F” e entre 25 e 30 anos de

serviço, é de, aproximadamente, R$ 2.975,00. Enquanto o professor efetivo ganha,

aproximadamente, R$ 17,90 a hora/aula, o não efetivo (Categoria “F”), com cinco anos a

mais de trabalho e em vias de se aposentar, ganha aproximadamente, R$ 14,80 a

hora/aula.

As legislações educacionais do Estado de São Paulo sofrem alterações

constantemente, com o PSDB no governo. Alguns diretores comentaram em nossas

formações que um ano as regras são de um modo e no ano seguinte muita coisa se altera.

E se altera no sentido de ampliar a precarização docente. Verificamos que em uma mesma

escola pública estadual, em virtude das inúmeras legislações, podemos ter professores

com igual formação, jornada de trabalho e atribuições equivalentes, mas com salários

diferenciados.

Em relação à jornada de trabalho do professor verifica-se quatro possibilidades

conforme a Resolução SE nº 08 de 19 de janeiro de 2012, no §2º:

Artigo 2º - Para cumprimento do disposto no artigo anterior, as

jornadas de trabalho docente passam a ser exercidas em aulas de

50 (cinquenta) minutos, na seguinte conformidade: I – Jornada

Integral de Trabalho Docente: a) 32 (trinta e duas) aulas; b) 3

(três) aulas de trabalho pedagógico coletivo na escola; c) 13

(treze) aulas de trabalho pedagógico em local de livre escolha; II

– Jornada Básica de Trabalho Docente: a) 24 (vinte e quatro)

aulas; b) 2 (duas) aulas de trabalho pedagógico coletivo na escola;

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6691ISSN 2177-336X

23

c) 10 (dez) aulas de trabalho pedagógico em local de livre

escolha; III – Jornada Inicial de Trabalho Docente: a) 19

(dezenove) aulas; b) 2 (duas) aulas de trabalho pedagógico

coletivo na escola; c) 7 (sete) aulas de trabalho pedagógico em

local de livre escolha; IV – Jornada Reduzida de Trabalho

Docente: a) 9 (nove) aulas; b) 2 (duas) aulas de trabalho

pedagógico coletivo na escola; c) 3 (três) aula de trabalho

pedagógico em local de livre escolha.

Isso possibilita que o professor atue em duas ou mais escolas dependendo da

disciplina que ministra e da sua classificação.

É possível imaginar os prejuízos de longas jornadas de trabalho à saúde

do professor (cansaço, desgaste físico, doenças psíquicas, entre outros)

e à sua vida pessoal (falta de tempo para si e para a família, para o lazer

e o descanso). Diante desse quadro, o processo de ensino fica

prejudicado, uma vez que o professor não tem tempo para estudar e

preparar as aulas, ele falta ou afasta-se constantemente por problemas

de saúde etc. (LENNERT, 2011, p. 394).

A Lei do Piso nº 11.738/08 representou um avanço na valorização do trabalho do

professor, diferente do que ocorre com os professores do Estado de São Paulo. A

composição da jornada de trabalho de um professor conforme Parecer CNE/CEB 18/2012

com 40 horas semanais deveria ser 26,66 horas de interação com alunos e 13,33 horas

para atividades extraclasse e a jornada de 24 horas teria 16 horas de interação com alunos

e 8 horas para atividades extraclasse.

Segundo APEOESP (2015) muitos estados e municípios brasileiros já praticam esta

jornada, cumprindo a lei, entretanto o Estado de São Paulo, sob o comando do PSDB,

ainda não cumpre essa legislação federal, estando na contramão da melhoria da educação

e valorização dos professores.

O baixo salário tem levado o professor “a buscar novas fontes de renda, isto é, a

expandir e intensificar a jornada de trabalho, o que acaba por prejudicar o tempo destinado

aos estudos e à preparação de aulas e, consequentemente, a qualidade de ensino oferecida

aos alunos” (LENNERT, 2011, p. 396).

Após essas considerações é possível retomar algumas indagações e inquietações

apresentadas pelos diretores pesquisados, como:

a) Muitos professores atuam em sala de aula sem formação adequada para aquela

disciplina, professores com licenciatura em Matemática lecionam Língua Portuguesa, na

eventualidade de uma substituição. Como assegurar qualidade no ensino diante de

situações como estas? Por que não temos professores substitutos?

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6692ISSN 2177-336X

24

b) Em várias escolas, muitos docentes efetivos são afastados de seus cargos para

atuarem em outras funções. Por exemplo, uma escola com 20 professores efetivos, tem

aproximadamente 10 docentes afastados para exercer a função de diretor, de vice-diretor,

de coordenador, de professor mediador e outras. E no cargo desses 10 professores ficam,

geralmente, 15 ou mais professores substitutos, o que dificulta muitíssimo o trabalho

pedagógico, já que nem todos estes substitutos permanecem com sede na escola do

substituído. Como resolver isso? Podemos nos acostumar com tais fatos?

c) Os professores só têm obrigação de participar na Aula de Trabalho Pedagógico

Coletivo (ATPC) de sua escola sede, assim, a escola não conta com todos os seus

professores. Como ficam as ATPC e o trabalho do Professor Coordenador? Como

construir um projeto pedagógico coletivamente? Como assegurar reflexões e avanços nas

atitudes dos professores sem condições reais de tempo para reflexões?

d) A pressão das avaliações externas é outro elemento grave que, em muitos casos,

gera aprovação de alunos que não possuem conhecimento suficiente para isto, só para não

ter o fluxo prejudicado. Alunos com sofrível domínio da leitura, da escrita, do cálculo são

facilmente promovidos sob a desculpa dos ciclos e da progressão continuada. E o que

dizer sobre a formação cidadã, sobre uma educação de qualidade que é direito de todos e

responsabilidade do Estado?

Segundo APEOESP (2015) o governo Estadual tenta de forma grosseira e

desrespeitosa que os professores aceitem como inevitável a dura realidade da escola

pública tal qual se encontra hoje, com ausência de profissionais em várias disciplinas, a

não atratividade para os jovens estudantes das nossas universidades cursarem as

licenciaturas e a má formação dos professores. Mal formados os professores não exercem

seu papel como deveriam e facilmente são manipulados pelo discurso do Estado e pelas

armadilhas que este promove na sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos com esta reflexão o quanto é difícil e problemático pensar e

compreender as dificuldades de se construir uma escola de qualidade. A educação é uma

grande teia com suas múltiplas cordas e ligações; o simples toque em uma delas provoca

movimento em todas as outras e o centro (escola) sente sua vibração.

O trabalho do diretor de escola, como um dos gestores da educação junto a

comunidade é penoso e complexo, que cerceado pelas legislações e politicas publicas nem

sempre solucionam problemas. As inevitáveis falhas são tidas como sua incompetência.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6693ISSN 2177-336X

25

Mas não está sob seu poder atribuir aulas para este ou aquele melhor professor; não lhe

cabe implementar projetos que não estão na pasta do Estado, igualmente não pode

contratar inspetores e outros servidores necessários ao bom andamento da escola. Assim

como também não lhe cabe dispensar nenhum destes.

Em relação à formação de qualidade de professores percebemos um grande

entrave que se inicia, como vimos, com a falta de consenso das universidades montarem

suas matrizes curriculares. Sem contar que os cursos de licenciatura e de pedagogia

carecem do discurso político e crítico necessário à formação do cidadão consciente de seu

papel social.

Finalmente percebemos o quanto o chão da escola pública do estado de São Paulo

está prejudicado por politica publicas que não solucionam a problemática administrativa

pedagógica das escolas, tornando o seu trabalho essencial – o educar para a cidadania –

gravemente prejudicado.

É urgente que as universidades, educadores, professores e sociedade tomem as

rédeas de sua educação e exija atitudes e mudanças que de fato qualifiquem suas ações e

seus resultados.

REFERÊNCIAS

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Disponível em: https://apeoesp.wordpress.com/2014/06/25/governo-estadual-quer-

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SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo.

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6695ISSN 2177-336X

27

FORMAÇÃO CONTINUADA DE GESTORES ESCOLARES: ARTICULANDO

TEORIA E PRÁTICA

Graziela Zambão Abdian - UNESP/FFC- Marília

Elianeth Dias Kanthack Hernandes - UNESP/ FFC- Marília

Resumo: A construção deste texto é fruto de exame autocrítico que nós, professoras e

pesquisadoras da universidade, realizamos de nossa prática a partir da vivência de

pesquisa-ação desenvolvida com gestores de escolas de município do interior paulista,

cuja preocupação se centrou nas reais possibilidades de nos formarmos como sujeitos

democráticos. A pesquisa culminou com a construção dos conselhos escolares pela

comunidade em cinco escolas pertencentes ao sistema de ensino municipal. Neste texto,

particularmente, tivemos como objetivo revisitar nosso lugar teórico-metodológico que

embasou aquela e tem embasado a atual vivência de formação continuada de gestores

escolares. Temos como horizonte a indicação de o conselho de escola se efetivar como

uma das instâncias em que se realize, na prática pedagógica escolar, a constituição de

sujeitos democráticos. Inicialmente, desenvolvemos os conceitos teóricos principais que

nos proporcionaram trabalhar com a perspectiva metodológica freireana na formação

continuada e identificamos questionamentos advindos das relações vivenciadas no

processo os quais nos permitiram buscar novas ferramentas para compreender as

possibilidades e limites de nossa prática. Considerando as constatações provindas deste

percurso teórico-prático, analisamos, em seguida, o novo processo vivenciado em outro

município, com o mesmo referencial metodológico. O processo permite-nos, finalmente,

lançar novos desafios à nossa prática docente e de pesquisa, assim como aos

pesquisadores que têm como foco as análises da gestão escolar democrática. Estes

desafios são lançados em formas de questões uma vez que para eles ainda não

encontramos respostas, mas, certamente, mobilizamo-nos no sentido incorporado por nós

neste processo: a abertura ao diálogo e a possibilidade de revisitar “certezas” e a busca de

“verdades”.

Palavras-chave: Formação continuada. Gestores escolares. Conselho de escola.

INTRODUÇÃO

A construção deste texto é fruto de exame autocrítico que nós, professoras e

pesquisadoras da universidade, realizamos de nossa prática a partir da vivência de

pesquisa-ação desenvolvida com gestores de escolas de município do interior paulista,

cuja preocupação se centrou nas reais possibilidades de nos formarmos como sujeitos

democráticos.

Nossa proposta se subsidiou no diálogo e na problematização como referencial para

a formação de gestores escolares e se originou do exame crítico de alguns elementos

constitutivos da realidade das escolas públicas de educação básica e também da função

social da universidade e de seus pesquisadores.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6696ISSN 2177-336X

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Teoricamente, presenciávamos movimento que levou grande parte dos

pesquisadores a focalizarem a escola como objeto de estudos. Inserindo-nos neste

movimento, constatamos a impertinência de se adotar a administração empresarial para

análise da administração escolar (PARO, 1986; RUSSO, 2004), assim como a

necessidade de ir para a escola e compreender seus elementos constitutivos, as

contradições presentes em seu contexto, seus limites e possibilidades de contribuição para

a transformação social, anunciada nos anos 1980. Em 2009, primeiro momento de

construção da proposta, tais constatações nos provocaram a uma reflexão crítica de seus

caminhos, considerando, sobretudo, o que os estudos nos revelavam após duas décadas

de análise de dados nas escolas (anos 1990 e 2000). As discussões no nosso grupo, Centro

de Estudos e Pesquisas em Administração da Educação (CEPAE), que fazem dialogar

resultados de coletas de dados, permitiram-nos inferir que a maioria das pesquisas

apresenta sólida análise teórica sobre a democracia e a gestão democrática e constata sua

inexistência, por diversas razões, entre elas, o autoritarismo do cargo do gestor escolar,

no interior da escola (RUSSO; MAIA, 2009).

O movimento relatado nos permitiu questionar o papel das pesquisas em educação,

especificamente em gestão da educação, para além da crítica ao já fartamente criticado.

Compartilhando com Silva Jr. (2002, p. 204) que “uma administração que não discute o

sentido público ou moral das finalidades a que se volta, limitando-se a buscar os meios

necessários à sua realização, pode até ser eficaz, mas, certamente, não será educacional”,

certificamo-nos de que há, no âmbito da produção de conhecimento, possibilidade de

trabalho conjunto entre universidade e escola, no sentido de discussão dos problemas

comuns para ambos. Ou seja, discutir o sentido público da escola é discutir com o público

o que é público e não dizer o que deve ser feito pelo público que está na escola.

No que tange às ações práticas, presenciávamos foco na escola e na formação de

gestores escolares para a consecução de objetivos postos pelas diretrizes políticas,

marcadamente neoliberais. Estes profissionais passaram a se submeter a diversos cursos

com pressupostos nos referenciais da administração empresarial para alcançarem

resultados delimitados por outrem que, na maioria das vezes, desconhece por completo

as necessidades da escola pública e das particularidades que envolvem cada uma delas.

Tal constatação foi ao encontro da anterior no sentido de nos indicar a possibilidade de

contraposição ao que vinha sendo realizado, nos âmbitos acadêmico e das diretrizes

políticas.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6697ISSN 2177-336X

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Somando aos elementos anteriores e dando forma a eles, temos constatado que o

discurso dos dias atuais parece se encontrar polarizado em tendências demarcadas por

quem escreve, pensa e vive a educação pública e que fora exposto por Singer em palestra

proferida na abertura da reunião anual da Associação Nacional de Pesquisa em Educação,

nos anos 1990: perspectiva civil democrática x perspectiva produtivista. O modo de

pensar a gestão não escapa a esta construção que, na maioria dos escritos, evidencia lados

opostos: teoria x prática; cotidiano escolar x gestão democrática; e porque não dizer bem

x mal.

Na tentativa de teorizar a superação dos elementos constitutivos de nossa realidade,

construímos a proposta que se subsidiou em Freire (2010), nos conceitos de dialogicidade

problematizadora, para desenvolver trabalho que considerou, sobretudo, que trabalhar

com os profissionais da educação das escolas de educação básica é, sobretudo, uma troca.

Ensino com quem aprendo e vice-versa. Além da necessidade de interação, o aprender

com o outro é um fator preponderante para quem forma profissionais para atuar na

educação básica, que precisam conhecer esse nível de ensino de perto. Passamos a

vivenciar que

[...] educação é comunicação, é diálogo, na medida em que

não é a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos

interlocutores que buscam a significação dos significados

(FREIRE, 2010, p. 69) e se ela é “[...] esta relação entre

sujeitos cognoscentes, mediatizados pelo objeto

cognoscível, na qual o educador reconstrói,

permanentemente, seu ato de conhecer, ela é n

ecessariamente, em consequência, um que fazer

problematizador” (FREIRE, 2010 apud ABDIAN;

HERNANDES, 2012, p. 147).

Com tais subsídios, desenvolvemos trabalho de formação continuada com os

gestores escolares de um município do interior paulista durante os anos de 2011 e 2012 o

qual culminou com a construção dos conselhos pela comunidade em 5 escolas

pertencentes ao sistema. O processo vivenciado por nós e as percepções dos sujeitos que

o integraram foram analisados em outros momentos em publicações específicas

(ABDIAN; HERNANDES, 2012; HERNANDES; ABDIAN, 2013). Neste texto,

particularmente, temos como objetivo principal revisitar nosso lugar teórico-

metodológico que embasou aquela e tem embasado a atual vivência de formação

continuada de diretores escolares. Temos como horizonte a indicação de o conselho de

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escola se efetivar como uma das instâncias em que se realize, na prática pedagógica

escolar, a constituição de sujeitos democráticos.

Inicialmente, desenvolvemos os conceitos teóricos principais que nos

proporcionaram trabalhar com a perspectiva metodológica freireana na formação

continuada e identificamos questionamentos advindos das relações vivenciadas no

processo os quais nos permitiram buscar novas ferramentas para compreender as

possibilidades e limites de nossa prática. Considerando as constatações provindas deste

percurso teórico-prático, analisamos, em seguida, o novo processo vivenciado em outro

município, com o mesmo referencial metodológico. As relações teóricas e práticas, os

questionamentos, as reflexões coletivas com o grupo de pesquisa e nossos orientandos

permitem-nos, finalmente, lançar novos desafios à nossa prática docente e de pesquisa,

assim como aos pesquisadores que têm como foco as análises da gestão escolar

democrática. Estes desafios são lançados em formas de questões uma vez que para eles

ainda não encontramos respostas, mas, certamente, mobilizamo-nos no sentido

incorporado por nós neste processo: a abertura ao diálogo e a possibilidade de revisitar

“certezas” e a busca de “verdades”.

EDUCAÇÃO, GESTÃO E COTIDIANO ESCOLAR: “VERDADES” INICIAIS

Das aulas ministradas no curso de Pedagogia, leituras e discussão no grupo,

levamos para a realização dos encontros com os diretores uma gama de conceitos que,

para nós neste primeiro momento, encontravam-se articulados e coerentes com nossa

trajetória. Ou seja, eles se constituíam como algumas “certezas” que nos proporcionavam

“verdades” para o trabalho com os diretores no que tange à educação, gestão e cotidiano

escolar. Nossa intenção não é desconstruí-los ou mesmo questionar o potencial de suas

teorias, mas revisitá-los à luz de sua interlocução com a prática, realizando o tão

propalado e pouco vivenciado movimento: teoria-prática-teoria.

Apoiando-nos no clássico conceito de “administração como utilização racional de

recursos para a realização de fins determinados” (PARO, 1986), consideramos que os fins

é que condicionam os meios, ou seja, a função social da escola é quem determina o modo

de sua gestão, ou melhor, de sua organização do trabalho na escola. Ao pensar a educação

escolar como o espaço institucional em que se faz a aquisição do conhecimento

historicamente acumulado e no qual se efetiva a atualização histórico-cultural,

respaldávamos nossas colocações na assertiva de que o processo pedagógico é

completamente diferente do processo fabril, uma vez que naquele não se generaliza o

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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modo de produção capitalista (ABDIAN; HERNANDES, 2012). Para isto, utilizávamos

os três elementos explicativos de Paro (1986), fundamentados na comparação entre

processo fabril e processo pedagógico, os quais contribuíram significativamente para o

rompimento com o paradigma empresarial na administração escolar.

No início de nosso trabalho de formação continuada, portanto, considerávamos que

a gestão escolar é o meio para a realização dos fins escolares e que estes, diferentes dos

da empresa capitalista, precisam ser construídos coletivamente pela comunidade

mediante o desenvolvimento da gestão democrática, com a participação efetiva de todos

os integrantes da escola. Neste sentido, a partir do diálogo e da problematização, que

viabilizariam, entre outros aspectos, a construção coletiva do processo formativo,

tínhamos como objetivo ensinar como efetivar mecanismos de participação que, no

limite, contribuiriam para a melhoria da qualidade de ensino da escola pública.

No primeiro ano do desenvolvimento do projeto, realizamos encontros mensais

com os diretores de escola que culminaram com a construção de uma minuta de lei sobre

o conselho de escola. Entre os temas discutidos nos encontros, temos de destacar os

conceitos explicitados anteriormente, assim como procedimentos e vivências de estados

e municípios no que tange ao exercício da participação. A minuta de lei, fruto de

discussões, encontros e desencontros, foi apresentada ao conselho municipal de educação

e, após, cinco escolas abriram suas portas para que fizéssemos o trabalho de formação

com suas respectivas comunidades, tendo como finalidade a construção do órgão

colegiado.

Iniciamos, então, idas periódicas a essas escolas, em momentos coletivos de

trabalho, destinados pelo município, nos quais trabalhamos os conceitos de educação

escolar e gestão e também fizemos conhecer a minuta de lei construída pelos diretores,

em interlocução conosco. São inúmeros e ricos os desdobramentos do percurso, entre

eles, cabe-nos indicar algumas questões postas pelos próprios integrantes das

comunidades escolares (professores e/ou pais/mães) e algumas constatações que, naquele

momento, nos provocaram demasiadamente. Vamos a elas.

Durante os encontros, questões foram lançadas e podem, hoje, ser articuladas em

torno de um eixo comum o qual orienta o objetivo deste texto: Por que recorrer à

terminologia fabril para estabelecer diferenças entre o processo de produção fabril e o

processo de produção pedagógico? Não é possível buscar no próprio fazer cotidiano

escolar elementos que sustentem sua especificidade? Se se pretende a participação da

comunidade na escola (sem exceção) que lugar ocupa a questão cultural nesta

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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perspectiva? Qual o peso das diferenças e especificidades culturais para pensarmos a

educação e a gestão escolar? Qual perspectiva de cotidiano sustenta nossa proposta?

Além dessas questões, constatamos vários elementos que somados a elas podem

nos fazer rever vários aspectos que nos constituem. Existem muitas especificidades que

caracterizam cada escola pertencente ao mesmo sistema de ensino, entre elas, temos de

destacar a história de cada uma, os profissionais que a integram, assim como a estrutura

física e a vida do bairro e da comunidade; os sujeitos, aqueles que pretendíamos ensinar

a importância da participação, assim como nós, são seres de desejos, expectativas,

vontades, limites e personalidades, frutos de sua constituição histórica; há, no interior de

cada escola, relações de poder que vão além daquelas estabelecidas pela hierarquia do

sistema, por elas, passam questões pessoais, políticas e também de personalidade. Ou

seja, a complexidade da escola é tamanha que nos é limitado pensá-la ou encerrá-la em

uma única teoria. Com estas constatações e questionamentos fomos à nova vivência que,

ao ser analisada, permitirá revisitar aquele lugar teórico posto anteriormente.

A NOVA VIVENCIA DE FORMAÇÃO: (RE) CONHECENDO SUJEITOS E

ESPAÇOS

Ao iniciar o projeto de extensão com gestores escolares de outro sistema municipal

do interior paulista, em 2013, tínhamos como referência aquela experiência que, trazendo

conosco as constatações e questionamentos, também nos proporcionaram afirmar que o

processo vivenciado indicava reais e talvez novas possibilidades de estabelecimento de

uma práxis educacional democrática, baseada, sobretudo, no pensar coletivo da “lógica

científica” e da “lógica da prática cotidiana” (ABDIAN; HERNANDES, 2012).

Ao reconhecer como verdadeiras as afirmações de Gaulejac (2005, p. 69) quando

diz que o “conhecimento deve permitir à cada indivíduo tornar inteligíveis sua

experiência, as situações que ele encontra, os conflitos que ele é levado a viver”, nos

propusemos a revisitar todo o referencial teórico que embasou aquele primeiro projeto.

Desse reencontro com os autores de referência, sentimos a necessidade de ampliar nossos

suportes teóricos para melhor entendermos a complexidade e as especificidades do

trabalho de formação de gestores escolares na perspectiva da gestão democrática, que

estávamos nos propondo a realizar novamente (SANTOS, 1999; GHANEM, 2004;

ALVES; GARCIA, 2001).

Os referenciais teóricos que assumimos nos estudos realizados agregaram à nossa

prática de formadores novos desafios e novas expectativas para o trabalho de formação.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6701ISSN 2177-336X

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O primeiro desafio veio com o convencimento de que para oportunizarmos aos diretores

educacionais espaços reflexivos que orientassem suas práticas no sentido de organizar o

processo educativo com a finalidade explícita de formar sujeitos democráticos,

deveríamos mudar e convencer a nós mesmos, antes de tentar propiciar essa mudança aos

outros (PAGNI, 2014). Vale lembrar que o nosso percurso escolar e profissional não fugiu

das experiências com a hierarquização, normalização, burocracia e autoritarismo que são

próprios das instituições de ensino, desde a sua gênese, na modernidade.

A tensão existente entre o que queríamos realizar e o que tínhamos a oferecer, a

partir das experiências que nos constituíam, trouxe à tona um segundo desafio que era o

de organizar um espaço formativo onde fosse possível tematizar as práticas para alem da

transmissão de conceitos e verdades prontas, onde todo o discurso fosse coerente com o

nosso modo de ser e agir.

O terceiro (e não menos importante) desafio foi o de assumir que o nosso ideal de

escola democrática não podia desconsiderar o que os atores – diretores, coordenadores,

professores, funcionários, pais e alunos - que nela militam e atuam, pensavam e

desejavam a esse respeito. Se a gestão democrática da escola não ocorre por determinação

legal, também podemos entender que a constituição de sujeitos democráticos não

acontece por transmissão de conceitos e pressupostos e nem por desejo de alguns se

sobrepondo aos desejos dos outros.

Ao fazermos contato com a Secretaria de Educação do município onde realizamos

o projeto de extensão denominado Escola de Gestores, fomos informados pelos dirigentes

daquele órgão que fariam o convite a todos os gestores de escola daquela rede de ensino

para participar desse programa formação. Para deixar mais claro qual o público que foi

convidado a participar, lembramos que o município possui cinquenta e duas unidades

escolares da rede municipal e mais duas escolas conveniadas, sendo que dezenove delas

oferecem inclusive o ensino fundamental, cinco são polos de educação de jovens e adultos

e as demais oferecem a educação infantil.

Além dos gestores de escola que têm estado presentes em todos os encontros que já

realizamos, participam também supervisores de ensino e técnicos da secretaria municipal

de educação. A heterogeneidade da constituição do grupo de participantes tem permitido

um diálogo mais amplo e um olhar mais aprofundado sobre os temas abordados nos

encontros de formação.

É importante explicitar que a abertura da secretaria municipal de educação, no

sentido de oferecer o espaço e os momentos de estudo para os diretores em horário de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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trabalho, demonstrou interesse na formação reflexiva deles e, ao mesmo tempo, valorizou

a competência dos mesmos ao dar-lhes liberdade para discutir suas experiências

anteriores e construir uma nova proposta de trabalho.

Com esses desafios, iniciamos o nosso trabalho com um questionamento aos

gestores escolares sobre as suas expectativas com relação ao nosso programa de formação

e como poderíamos aproximar nossa intenção de suas necessidades reais como diretores

escolares. Tínhamos claro que para sermos coerente com os nossos referenciais teóricos

e com nossa intenção de organizarmos um espaço reflexivo, dialógico e problematizador,

não poderíamos planejar os conteúdos e estratégias para serem trabalhadas, sem permitir

que participassem de forma efetiva nessas escolhas e direcionamentos, ou seja, havia

necessidade de planejar ‘com eles’ e não ‘para eles’.

Com o propósito de identificar as demandas dos participantes do projeto, já no

primeiro encontro propusemos que dialogassem entre si sobre os principais problemas

enfrentados no cotidiano das escolas, que identificassem os possíveis avanços que

conseguiam perceber e que também elencassem propostas para a organização dos nossos

encontros. Nas exposições das sínteses dos seis grupos de discussão formados para esse

fim, ficou evidenciado que o tema ‘participação na escola’ aparece tanto como um

problema - pela falta de participação de pais e responsáveis na vida da escola -, como

possibilidade de avanço, para aqueles que conseguem uma participação, ainda que

pontual, de alguns pais ou responsáveis, quando solicitados para eventos específicos. Da

constatação do grupo de diretores de que a participação dos pais é tanto um problema

(quando inexiste) quanto um avanço (quando ocorre) surgiu a proposta de que nos nossos

encontros de formação priorizássemos esta temática.

Na busca da coerência com os nossos referenciais e nossos propósitos, no segundo,

solicitamos que dessem sugestões para a organização do curso com relação aos seguintes

itens: a) Natureza (Especialização, Aprofundamento, Extensão, Curso de pequena

duração); b) Carga horária e periodicidade dos encontros; c) Temas e conteúdos a serem

abordados; d) Estratégias e procedimentos a serem utilizados.

Das propostas feitas pelos sujeitos de nossa ação formativa, foi possível organizar

os encontros da seguinte forma: O curso seria ministrado na modalidade de

aprofundamento, com cento e oitenta horas de estudos, sendo setenta e cinco por cento

presenciais (entre os cursistas e as formadoras da universidade) e vinte e cinco destinadas

à leitura de textos de referência sobre os temas abordados. Os conteúdos priorizados

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seriam os relativos à gestão democrática, participação na vida escolar e Conselho de

escola,

Ao iniciarmos os estudos dos textos de referência (ANTUNES, 2004; LUCE e

MEDEIROS, 2006) surgiu a ideia de produzirmos coletivamente um texto normativo, que

se constituísse em uma minuta de Lei sobre a instituição do Conselho de escola, para ser

apresentada ao Conselho Municipal de Educação. Para isso, teríamos como referência os

princípios e as orientações teóricas de educadores que pesquisam sobre o papel desse

colegiado, com vistas à democratização da gestão da escola, o fortalecimento da

autonomia e a constituição de sujeitos democráticos e autônomos, como decorrência

desse exercício de participação como propositores de políticas públicas, na elaboração do

texto normativo.

Do percurso vivenciado até aqui ficam evidenciadas algumas incoerências, não

entre os discursos e as práticas, como normalmente ocorre, mas entre os próprios

discursos proferidos pelos diretores em diferentes momentos de cada etapa dos encontros.

Como já informamos, num primeiro momento, explicitaram que um dos grandes

problemas da gestão escolar é a falta de participação dos pais e da comunidade na vida

da escola. Quando avançamos para as reflexões sobre os procedimentos e estratégias mais

condizentes no sentido de garantir a presença dos pais na escola, com vistas a uma

participação qualificada (ANTUNES, 2004), os mesmos diretores declararam que isso já

acontece em suas escolas e que os pais participam da vida escolar nas suas unidades,

inclusive, do Conselho de Escola e/ou Associação de Pais e Mestres (APM).

Ao analisarmos a aparente contradição, concluímos que o conceito de participação

e a constituição da cultura democrática no cotidiano das escolas precisam ser explicitados

de forma mais plena por todos nós, formadores e cursistas, para que nos apropriemos da

essência e do valor desse conceito.

Concordamos com Ghanem quando afirma:

A Democracia é uma cultura e não somente um conjunto de garantias

institucionais, uma vez que é um sistema institucional que permite a uma

sociedade ser simultaneamente uma e diversa. [...] A dissociação entre o

mundo da ação e o mundo do ser, entre o futuro e o passado, só pode ser

enfrentada por indivíduos sujeitos, personalidades democráticas criadas

por um regime democrático que nelas se baseia. (GHANEM, 2004. p. 22).

Quando falamos em constituição de sujeitos democráticos, estamos dizendo que a

democracia pode possibilitar o reconhecimento dos indivíduos e das coletividades como

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sujeitos, “protegendo-os e estimulando sua vontade de dar sentido a sua própria

experiência” (GHANEM, 2004, p. 19).

Outra questão que importa destacar nesse trabalho é o fato de que fica explícita a

dificuldade que muitos diretores têm para admitir a participação, como membro do

conselho de escola, de alunos com a faixa etária das crianças que atendem (educação

infantil e séries iniciais do ensino fundamental). Essa resistência vem constantemente

seguida do argumento de que eles ainda não têm competência nem maturidade para

opinarem sobre aspectos que dizem respeito à gestão da escola. Mas, se os pais não

aprenderam a participar, e por isso não sabem como fazê-lo, como constituir sujeitos

democráticos e participantes entre nossos alunos se não exercitarem esse procedimento

em situações da prática social real? Será preciso esperar que fiquem adultos para que

aprendam a participar, em situações de debates democráticos? Não corremos o risco de,

assim como seus pais, eles não participem de forma qualificada, quando adultos porque

não vivenciaram essa experiência no seu período de formação inicial? Se

compreendermos que democracia é uma cultura, entendemos também que, em qualquer

idade, somos integrantes desta cultura e deste modo de vida na instituição escolar.

O ensinamento que nós, formadoras desse projeto de extensão, conseguimos

apreender dessa aparente contradição, tem como base o pensamento de Pagni (2014, p.15)

quando lança um desafio pela “arte de viver a educação escolar” não com a aspiração de

transformar o outro, mas com a possibilidade de interpor à pragmática do ensino uma

lógica em que o sujeito que enuncia o discurso não o faz dissociado do seu modo de ser.

Além da contradição que emergiu de nossa segunda vivência, temos a destacar que

também nos deparamos com questões relacionadas à articulação entre gestão escolar e

prática pedagógica. Em vários momentos de nossos encontros, ao trabalharmos o conceito

de gestão e seus paradigmas, os diretores e diretoras discutiram a função social da escola

e as práticas pedagógicas das salas de aula as quais são responsáveis, grandemente, pela

consecução da primeira. Estas discussões nos fizeram pensar e buscar na bibliografia

clássica as articulações postas pelos diferentes autores, o que não conseguimos

identificar. Neste sentido, podemos dizer que a maioria dos autores que pesquisa e escreve

sobre gestão escolar não discute a prática pedagógica em sala de aula e vice-versa. Como

já apontado em diversos outros textos (ABDIAN; OLIVEIRA; JESUS, 2013), na

literatura clássica, encontramos autores que discutem a gestão escolar em uma perspectiva

eminentemente técnica (RIBEIRO, 1968; ALONSO, 1976) e autores que enfatizam o

aspecto político (PARO, 1986) intrínseco a sua natureza. O que os encontros nos

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proporcionaram foi a necessidade de não polarizar a discussão da gestão e, além disso,

integrar os aspectos pedagógicos como elementos fortes na consecução da função social

da escola que passa, necessariamente, pela constituição de sujeitos (democrático?).

REVISITANDO NOSSO LUGAR TEÓRICO-METODOLÓGICO

A análise feita das vivências que tivemos nos quatro anos d permite-nos dizer que

o referencial metodológico freireano adotado nos proporciona localizar-nos em uma “fase

transicional” (SANTOS, 1999), no sentido de transformação.

Ao objetivo inicial de formar profissionais para a vivência da prática escolar

democrática, mesmo que tendo como elemento norteador o diálogo e a problematização,

foram acrescentados elementos fundamentais do cotidiano das escolas de educação básica

que não tínhamos interagido, do ponto de vista teórico e prático. Do exposto, eles podem

assim serem sintetizados: especificidade da escola a partir de sua própria história e

cultura; contradições e resistências pessoais, políticas, sociais; relações de poder,

dificilmente localizáveis e difusas. Estes elementos concorreram para nos certificarmos

daquilo que já compartilhávamos do ponto de vista teórico, mas não no modo de nos

colocarmos: não é possível ensinar a participar, não é possível ensinar a democracia, no

sentido de transferência de conhecimento porque “[...] não há um princípio único de

transformação social” e “não há agentes históricos únicos nem uma forma única de

dominação” (SANTOS, 1999, p. 202).

Neste sentido, podemos dizer, com Santos (1999), que precisamos, em substituição

a uma “teoria comum”, uma “teoria da tradução” a qual “torne as diferentes lutas

mutuamente inteligíveis e permita aos actores colectivos conversarem sobre as opressões

a que resistem e as aspirações que os animam.” (SANTOS, 1999, p. 203). Seguindo com

o autor, temos a dizer que a razão que criticávamos (considerar “errado” o modo de

organização da escola e intentar transformá-lo) não pode ser a mesma que pensamos e

vivenciamos aquilo que era criticado, ou seja, nos encontros, constatamos que o outro (a

escola e seus integrantes) têm muito a nos dizer e que o conhecimento construído pelo

coletivo caracteriza-se pelo reconhecimento do outro como sujeito, não como objeto.

No início do texto, após indicarmos o objetivo que norteava sua construção,

destacamos que tínhamos como horizonte a indicação do conselho de escola como uma

das possibilidades constituição de sujeitos democrática. Após nossa análise, podemos

dizer que temos como horizonte a possibilidade real de o encontro entre profissionais da

educação – pesquisadores e diretores, diretoras, professores e professoras – constituir

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“subjetividades rebeldes” ou “subjetividades inconformistas”, que “sejam capazes de

indignação”. Indignar-nos pode, sim, mobilizar-nos à mudança.

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