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DISCRIMINAÇÃO RELIGIOSA NO AMBIENTE DE TRABALHOeventos.uenp.edu.br/sid/publicacao/resumos/5.pdf · BULOS, Uadi Lammego. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2008

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DISCRIMINAÇÃO RELIGIOSA NO AMBIENTE DE

TRABALHO

GUSTAVO FAVINI MARIZ MAIA

DR. ILTON GARCIA DA COSTA

1. INTRODUÇÃO

As relações de trabalho configuram um aspecto de grande relevância na vida em

sociedade. Constitucionalmente integram o fundamento de nossa Carta Magna, previsto no

artigo 1°, inciso IV do referido diploma legal. Apesar disto, é comum ocorrer situações que

envolvam algum tipo de constrangimento de caráter religioso, quer seja em entrevistas de

emprego, quer seja dentro do ambiente de trabalho propriamente dito. A partir deste ponto,

pretende este trabalho expor brevemente as sérias complicações que este tipo de

discriminação é capaz de proporcionar.

2. DIREITOS SOCIOTRABALHISTAS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Considerando a sociedade de trabalho em que vivemos, a restrição ao labor, por

qualquer discriminação que seja, vitima o sujeito que a sofre, afinal, sem emprego,

drasticamente se reduzem as possibilidades de se ter uma vida digna e, por consequência, até

mesmo o regime democrático de direito é posto em risco, conforme defende Dinaura Gomes

(2007, p.198). No mesmo sentido, Ana Cristina Lavalle destaca:

Considerando que o trabalho constitui forma de inserção do ser

humano na sociedade, a discriminação nas relações laborais atinge o

indivíduo em sua plenitude, ou seja, em suas relações sociais e

familiares.

Em nosso país, a população economicamente ativa é bastante superior

ao número de vagas existentes no mercado formal de trabalho, o que

acarreta a precarização das relações de trabalho, e a impossibilidade

do acesso de tais trabalhadores aos benefícios mínimos previstos na

legislação trabalhista vigente. […] (2009, p. 148)

Uadi Lammêgo Bulos defende a importância da religião na vida do ser humano ao dizer em

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sua obra que, com exceção das Constituições de 1891 e 1937, todas as demais fazem, de

alguma forma, referência a um ser supremo (2008, p.66). Outros doutrinadores também

destacam a importância do trabalho e da religião. Ana Paula Branco (2007, p.47) esclarece

que o Título II da Constituição é dedicado aos Direitos e Garantias Fundamentais. Nele se

encontram direitos civis, políticos e de nacionalidade, bem como os sociotrabalhistas, o que

dá margem a interpretação de que tais direitos são fundamentais à pessoa humana. Portanto,

através do princípio da igualdade, que defende a aplicação dos mesmos direitos a todos que

estão aptos a exercê-lo, busca-se expandir ao máximo as regras de tratamento aos

trabalhadores e, somando as posições de ambos os doutrinadores chega-se a conclusão que

não há que se falar em direitos isolados, e sim em direitos complementares, afinal, tanto o

direito à religião quanto o direito ao emprego estão englobados na mesma seara, qual seja, a

dos direitos fundamentais.

Os direitos sociais também funcionam para garantir que certas

situações, incorporadas em definitivo ao patrimônio humano, sejam

preservadas. Nesse aspecto, incluem-se a qualidade de vida, a

educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a moradia, a segurança. A

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência

aos desamparados. Por isso, funcionam como meio para se alcançar

um fim, isto é, servem de substrato para o exercício de incontáveis

direitos humanos fundamentais, e.g., aqueles arrolados nos arts. 5º e 7º

dessa Constituição (BULOS, 2008, p. 420)

Cercear direitos essenciais de um sujeito somente por conta de sua crença ou

descrença religiosa cria um abismo que separa duas expressões basilares dos direitos básicos

do homem. De um lado, a livre opção religiosa, e do outro, o acesso ao trabalho e as

consequências já supracitadas que esta ferramenta traduz. Não há, desta maneira,

possibilidade de se garantir condições plenas de existência sendo o trabalhador pressionado a

escolher qual dos direitos deve ele optar.

Deste modo, não há como fragmentar a dignidade da pessoa humana, pois esta deve

ser encarada como uma série de preceitos que devem ser cumpridos para que os direitos mais

básicos a todos os cidadãos sejam atendidos. Mais uma vez, Ana Cristina Lavalle esclarece,

ao dizer que a dignidade da pessoa humana deve ser o norte de todas as demais garantias

fundamentais:

Assim, a dignidade da pessoa humana vem retratada nas normas

internacionais mencionadas como um princípio absoluto que, à luz da

concepção kantiana, atribui ao ser humano o centro e o fim do Direito,

garantindo-lhe condições mínimas para a vida em sociedade. Este

princípio norteia, unifica e legitima todos os demais direitos e

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garantias fundamentais. (LAVALLE, 2009, p.150)

Ainda sob o enfoque supracitado que engloba trabalho e religião no mesmo patamar

de direitos, merece destaque neste ponto o art. 5° XLI da Constituição da República, que traz

que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.

Soma-se a isto o disposto no art. 60, § 4°, IV, que concede aos direitos fundamentais

sociotrabalhistas os status de cláusula pétrea, tamanha sua importância no quadro pátrio.

A regra insculpida no inciso IV do § 4° do art. 60 da Carta

Republicana reconhece aos direitos fundamentais sociotrabalhistas o

status de Cláusulas Pétreas e, em função disso, é inegável a

juridicidade e a efetividade que os permeiam, razão pela qual devem

ser vistos dessa maneira e respeitados ante o lastro de proteção

constitucional que lhes foi conferido, sendo inadmissível que ainda no

século XXI sejam encarados como generosidade de um ou outro

governante particular. (BRANCO, 2007, p 47)

Porém, antes mesmo na Constituição Federal de 89, a Convenção n° 111 da

Organização Internacional do Trabalho, ratificado pelo Brasil mediante o Decreto 62.150 de

19 de janeiro de 1968 foi clara ao trazer em seu bojo a vedação de qualquer tipo de

discriminação dentro do ambiente de trabalho.

O artigo 1° da referida convenção conceitua discriminação como toda a distinção,

exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência

nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de

oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão ou qualquer

circunstância que acarrete a destruição ou alteração da igualdade de oportunidade ou de

tratamento em se tratando de emprego ou profissão.

Também é de se ponderar que, em se tratando de relação de trabalho, não há razão

para prática de discriminação religiosa no ambiente corporativo. Manoel Jorge e Silva Neto

(2008, p.160) neste sentido pontua que do mesmo modo que o Estado, a empresa deve de

igual modo assumir postura imparcial quanto à religião, por esta não ter nenhuma ligação

direta com este ou aquele credo. Prossegue o doutrinador dizendo que quem pode ou não ter

religião são os trabalhadores e o proprietário. A empresa, enquanto entidade destinada à

satisfação material e profissional de todos que a ela se vinculam, está proibida de abraçar uma

dada seita religiosa, com exceção das organizações religiosas.

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3. CONCLUSÃO

Nítido, portanto, que com base nos argumentos citados supra, qualquer tipo de

discriminação religiosa no ambiente de trabalho interfere negativamente na esfera pessoal do

trabalhador, seja restringindo direitos da esfera fundamental, seja limitando a atuação no

campo profissional.

Ademais, o direito ao trabalho se insere no mesmo nível que é estabelecido o livre

exercício religioso, pois ambos garantem a dignidade e o pleno acesso aos direitos da pessoa

humana. Restringir a atuação de um desses direitos ou pior, se valer do exercício de um

direito para ferir a atuação de outro é ainda mais letal, pois rapina o desempenho das garantias

do ser humano, além de restringir ilegalmente o acesso ao mercado de trabalho, pois,

conforme exposto neste resumo, a empresa, do mesmo modo que o Estado, deve se abster de

abraçar qualquer doutrina religiosa.

Por fim, ainda que coubesse a empresa escolher uma opção religiosa a seguir, há

normas de ordem constitucional e tratados internacionais cujo o país é signatário que

impossibilita que a discriminação – inclusive a religiosa – seja praticada no bojo das relações

trabalhistas.

BIBLIOGRAFIA

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São Paulo: Ltr, 2007

BULOS, Uadi Lammego. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2008

GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. A Constitucionalização do Direito do Trabalho: um

modo de interpretar e aplicar as normas trabalhistas para o alcance da efetiva inter-relação dos

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Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, a. 32, n. 58, p. 193-220, 2007

GOMES, Fábio Rodrigues. A relação de Trabalho na Constituição: Fundamentos para uma

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LAVALLE, Ana Cristina Revaglio. A discriminação nas relações de trabalho. Revista do

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Editora Lumen Juris, 2008