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, Introdução à Psicologia Gera.1 quinta edição DAVID G. MYERS Hope Col/ege Holland, Michigan Tradução A. B. PINHEIRO DE LEMOS Revisão técnica CLÁUDIA HENSCHEL DE LIMA Psicóloga Mestre em Teoria Psicanalítica/UFRJ Doutoranda em Psicologia/UFRJ J5C \ iJC fOI TORA

DISTÚRBIOS PSICOLÓGICOS

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Page 1: DISTÚRBIOS PSICOLÓGICOS

,

Introdução àPsicologia Gera.1

quinta edição

DAVID G. MYERSHope Col/ege

Holland, Michigan

Tradução

A. B. PINHEIRO DE LEMOS

Revisão técnica

CLÁUDIA HENSCHEL DE LIMAPsicóloga

Mestre em Teoria Psicanalítica/UFRJDoutoranda em Psicologia/UFRJ

J5C\

iJCfOI TORA

Page 2: DISTÚRBIOS PSICOLÓGICOS

capítulo

Distúrbios Psicológicos

Perspectivas dos Distúrbios PsicológicosDefinindo os Distúrbios PsicológicosCompreendendo os Distúrbios PsicológicosClassificando os Distúrbios PsicológicosRotulando os Distúrbios Psicológicos

Distúrbios de AnsiedadeA Ansiedade GeneralizadaFobiasTranstorno Obsessivo-CompulsivoExplicando os Distúrbios de Ansiedade

Distúrbios DissociativosAmnésia DissociativaFuga DissociativaDistúrbio de Dissociação da Identidade

Distúrbios de ÂnimoDistúrbio Depressivo ProfundoDistúrbio BipolarExplicando os Distúrbios de Ânimo

EsquizofreniaSintpmas da EsquizofreniaTipos de EsquizofreniaCompreendendo a Esquizofrenia

Distúrbios da Personalidade

Incidência de Distúrbios Psicológicos

Eu sentia a necessidade de limpar meu quarto em casa, emIndianapolis, todos os domingos. Passava quatro a cincohoras ocupado com isso. Tirava todos os livros da estante,espanava, punha de volta no lugar. Na época, adorava fazerisso. Depois, não queria mais fazer, mas não conseguiaparar. As roupas penduradas no armário ficavam separadas

exatamente por dois dedos .... Criei o ritual de tocar naparede do quarto antes de sair, porque alguma coisa ruimaconteceria se não fizesse tudo da maneira certa. Sentia liJlla

constante ansiedade sohre isso. como se fosse umn rrirm~o

e foi o que me fez pensar pela primeira v"ezque podia~s~~l-I:'maluco.MARC, SOFRENDO DE TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO(DE SUMMERS, 1996)

Sempre que fico deprimida é porque perdi o senso do eu. Nãoconsigo encontrar razões para gostar de mim mesma. Achoque sou feia. Acho que ninguém gosta de mim .... Fico mal-humorada e estouro à toa. Ninguém quer ficar perto de mim,Deixam-me sozinha. E estar sQzinha confirma que sou feia,uma companhia. que não vale a pena. Acho que sou responsá-vel por tudo o que acontece de errado ..GRETA, SOFRENDO DE DEPRESSÃO(DE THORNE, 1993, P. 21)

Vozes, como o estrondo de uma multidão se aproximando. Eume sentia como Jesus; estava sendo crucificado. Era escuro.Eu continuava encolhido embaixo do cobertor, sentindo-mefraco, exposto e indefeso num mundo cruel, que não podiamais compreender.STUART, SOFRENDO DE ESQUIZOFRENIA(DE EMMONS & OUTROS, 1997)

As pessoas são fascinadas pelo excepcional, insólito e anormal."O sol brilha, nos aquece e ilumina, mas não temos a curiosida-de de saber por que isso acontece", observou Ralph Waldo Emer-son. "Contudo, indagamos a razão de todo o mal, da dor e dafom~, das pessoas [fora do comum]."

Por que o fascínio pelas pessoas perturbadas? Talvez vejamosnelas alguma coisa de n6s mesmos. Em vários momentos, todossentimos, pensamos ou agimos como as pessoas perturbadasfazem durante a maior parte do tempo. Também ficamosansiosos, deprimidos, retraídos, desconfiados, iludidos ou anti-sociais, embora com menos intensidade e por menos tempo.Assim, o estudo de' distúrbios psicológicos pode às vezes evocaruma estranha sensação de auto-reconhecimento, que iluminanossa dinâmica da personalidade. "Estudar o anormal é a melhormaneira de compreender o normal", propôs William James(1842-1910).

"Somos todos loucos, em um momento ou outro,"

BATTISTA MA~1~~~~~- 150ú

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Outra razão para a curiosidade é o fato de que muitos nósjá sentirarn, pessoalmente ou através de amigc!s e parentes, aconfusão e a dor de um distúrbio psicológico. E bem provávelque você ou alguém de quem você goste já tenha ficado incapa-citado por sintomas físicos inexplicados, dominado por medosirracionais, ou paralisado pelo sentimento de que não vale a penaviver a vida. A cada ano, há quase 1,9 milhão de pacientes inter-nados em hospitais e unidades psiquiátricas dos Estados Unidos(Bureau ofthe Census, 1996). Mais 2,4 milhões de pessoas quesofrem de distúrbios psicológicos mas que não são incapacita-das procuram ajuda em organizações e clínicas de saúde mental.Muitos mais - lS por cooto dos americanos, segundo um estu-do do governo - precisam desse tipo de ajuda, enquanto o do-bro também precisa em algum momento de sua vida (Robins &Regier, 1991). Esses problemas não são exclusivos dos EstadosUnidos. Nenhuma cultura está livre das duas teníveis enfermi-dades que este capítulo analisa em profundidade - depressão eesquizofrenia (Draguns, 1990a,b). Cerca de 400 milhões de pes-soas no mundo inteiro sofrem de distúrbios psicológicos, segundoo diretor de saúde mental da Organização Mundial da Saúde(Sartorit!s, 1994), Como iD.!egra!1t~s dê famiEa hUm2.n2~,PC~!COSde nós passamos pela vida sem conhecer a realidade do distúr-bio psicológico.

Perspectivas dos DistúrbiosPsicológicosOnde devemos traçar o limite entre a normalidade e a patologia?Devemos pensar nos distúrbios psicológicos como doençasgenuínas ou como categorias de definição social? Por que algunspsicólogos criticam os rótulos de diagnóstico?

A maioria das pessoas concordaria que alguém que fica depri-mido demais a ponto de permanecer na cama por semanas a fiosofre de um distúrbio psicológico. Mas o que dizer das pessoasque sofreram uma perda e depois se mostraram incapazes deretomar suas atividades sociais usuais? Onde deveríamos traçaro limite entre normalidade e anormalidade? Como devemos de-finir os distúrbios psicológicos? Igualmente importante, comodevemos compreender os distúrbios - como doenças que pre-cisam ser diagnosticadas e curadas, ou como reações naturais aum ambiente perturbador? Por fim, como podemos classificaros distúrbios psicológicos? Como podemos fazê-lo de maneiraque nos permita ajudar as pessoas perturbadas e não apenasestigmatizá-las cóm rótulos?

Definindo os Distúrbios PsicológicosOs agentes de saúde mental rotulalJ1 um comportamento de lllii:cologicamente perturbado quando o julgam artpico, conturba-do, desajustado e injustificável. As emoções e percepções deMarc, Greta e Stuart são "anormais" (atípicas). Ser diferente damaioria das pessoas em sua cultura é parte do que se precisa paradefinir um distúrbio psicológico. Como a solitária poeta EmilyDickinson observou, em 1862:

Concorde - e você é sã -Proteste - você éperigos.a -e é tratada com uma Corrente.

No entanto, há mais num distúrbio do que ser atípico. Os ga-nhadores de medalhas de ouro olímpicas são anormais em ~'l\acapacidade física, e são heróis. Para ser considerado perturba-do, um comportamento atípico deve ser também de um jeito queas outras pessoas considerem perturbador.

.Os padrões de aceitação dos comportamentos variam. Em al-gumas culturas, as pessoas rotineiramente se comportam de ma-neiras (como andar nuas) que em outras culturas seriam um moti-vo para prisão. Pelo menos num contexto cultural - em tempo deguerra -, até mesmo a matança em massa pode ser encarada comoheróica. O "terrOlista" homicida para uma pessoa é o "guerreiro daliberdade" para outra. Os padrões de aceitação também variam como tempo. Os especialistas em sexualidade William Acton, do finaldo século XIX, e William Masters e Virginia Johnson, da segundametade do século XX, descobriram que algumas mulheres têm,orgasmos durante o intercurso, enquanto outras não têm (Wakefield,1992). Para Acton, o orgasmo era o distúrbio (resultante dasuperestimulação); para Masters e Johnson, a falta de orgasmo erao distúrbio (resultante de estimulação inadequada). Há quase trin-ta anos, a Amelican Psychiatlic Association abandonou a tese deqn~ o h()m()SSeX1J~l-lis!!10 é H!"D.distü-rbio (p0rque n2.c ill2.is 3.credi-tava que estivesse relacionado a problemas psicológicos). Mais tar-de, acrescentou a dependência ao tabaco (por julgar que o fumoera ao mesmo tempo viciante e autodestrutivo).

Os comportamentos atípicos e desconcertantes têm mais pro-babilidade de ser considerados distúrbios quando julgados comoperniciosos. Na verdade, muitos clínicos definem os distúrbioscomo comportamentos que são desajustados - como acontecequando a dependência de nicotina dos fumantes produz danosfísicos. Assim, até mesmo comportamentos típicos, como o de-sânimo ocasional que muitos estudantes universitários experi-mentam, podem indicar um distúrbio psicológico, se vierem ase tomar incapacitantes. Ou seja, a desadaptação é um elementoessencial para a definição de um distúrbio. Os comportamentosdevem ser angustiantes ou incapacitantes, ou expor a pessoa aorisco bastante aumentado de sofrimento ou morte.

Por fim, o comportamento anormal tem mais probabilidadede ser considerado um distúrbio quando outros o consideram ra-cionalmente injustificável. Stuart alegou ouvir vozes e as pesso-as presumiram que ele estava perturbado. Mas a atriz ShirleyMacLaine podia usar um cristal no pescoço e dizer: "Veja a bo-lha externa de luz branca observando-o; é parte de você", semser considerada perturbada, porque muitas pessoas a levavam asério (Friedrich, 1987).

"Se um homem está em minoria, nós o trancafiamos."OLlVER WENDELL HOLMES

(1841-1935)

Compreendendo os DistúrbiosPsicológicosPara explicar comportamentos desconcertantes, as pessoas em épo-cas anteriores muitas vezes presumiam que forças estranhas - osmovimentos das estrelas, poderes divinos ou espíritos do mal -estavam em ação. "O demônio o levou a fazer isso", você poderiadizer se vivesse na Idade Média. A cura podia ser se livrar da forçamaligna, apaziguando as forças superiores ou exorcizando o demô-nio. Até dois séculos atrás, as pessoas "loucas" eram às vezes me-tidas em jaulas como animais ou recebiam "terapias" apropriadaspara um demônio. Uma pessoa perturbada podia ser espancada,

L _

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queimada ou castrada. A terapia podia incluir;) extração dos den-tes, a remoção de partes elosintestinos ou a cauterização eloclitóris.Algumas tinham até o seu próprio sangue retirado, substituído portransfusões de sangue animal (Farina, 1982).

A Perspectiva MédicaI

Em resposta a esse tratamento bmtal, reformadores como PhilippePinel (1745-1826) na Fl~ançainsistiam que a loucura não era umapossessão demoníaca, mas uma doença em resposta a intensas pres-sões e condições inumanas. Para Pinel e outros reformadores, otratamento significava elevar o moral dos pacientes ao desacorrentá-los, conversar com eles, substituir a bmtalidade pela gentileza, oisolamento pela atividade, a sujeira pelo ar fresco e pelo sol.

Quando se descobriu mais tarde que uma doença cerebralinfecciosa, a sífilis, produzia uma mente perturbada, as pessoastambém passaram a acreditar em causas físicas para os distúrbi-os e a procurar tratamentos clínicos. Hoje, essa perspectiva mé-dica nos é familiar na terminologia médica do movimento desaúde mental: uma doença mental (também chamada psicopa-tologia) precisa ser diagnosticada com base em seus sintomas ecurada por meio de terapia, que pode incluir tratamento numhospital psiquiátlico. No século XIX, a suposição desse modelomédico - os distúrbios psicológicos são doenças - proporcio-nou o impulso para a reforma tão necessália. Os "doentes" fo-ram desacorrentados, e hospitais substituíram os hospícios.

A perspectiva médica adquiriu credibilidade com descober-tas recentes. Como veremos, anormalidades de influência gené-tica na estmtura e na bioquímica do cérebro contlibuem para di-versos distúrbios. Dois dos mais freqüentes - depressão e es-quizofrenia - são muitas vezes tratados em termos médicos.Como também veremos, os fatores psicológicos, como os estres-ses traumáticos, também desempenham um papel importante.

A Perspectiva Biopsicossocial

Os psicólogos de hoje sustentam que todo comportamento, querseja chamado de normal ou perturbado, deriva da interação denatureza (fatores genéticos e fisiológicos) e criação (expeliênci-as passadas e presentes). Presumir que uma pessoa é "mental-mente doente" atlibui a condição apenas a um problema interno- a uma "doença" que deve ser descoberta e curada. Talvez nãohaja nenhum problema intemo. Em vez disso, talvez haja umadificuldade bloqueando o crescimento no ambiente da pessoa,em sua interpretação atual dos eventos, ou em seus maus hábi-tos e habilidades sociais deficientes.

"Quem pode traçar no arco-íris a linha em que a tonalidadevioleta termina e começa a laranja? Percebemos com nitidez a

diferença das cores, mas em que ponto exato a primeiracomeça a se fundir coma outra? Não é-o que acontece

també'm com sanid6.lClee insanidade?"HERMAN MELVILLE

BILL Y BUDD, SAILaR1924

Quando os americanos nativos foram banidos de suas terrasancestrais, forçados à miséria em reservas áridas e plivados decontrole pessoal, o resultado foi um índice de alcoolismo cincovezes maior que o de outros americanos (May, 1986). Comoapenas alguns americanos nativos se tornaram alcoólicos, omodelo médico atribuiria esse alcoolismo a uma "doença" indi-

viduai. Uma perspecti vaa interação entre a vulnerabilidade do indivíduo ': umdestituído de esperanças.

A indicação de efeitos ambientais deriva das lioac(')", ..t',,,b " ....-,)\.._J ~ ; c.distúrbio e cultura. ComoJ' á ressaltamos, alguns distúrbllJcc"{'lh-~ ~'.~ J·'ndepressão e esquizofrenia, são universais. Da Asia à Arriei! e i1tl:;;:vés das.Américas, os sintomas básicos da esquizofreniaem a ilTacionalidade e a fala incoerente (Brislin, 1993; Draguns1990b). Outros distúrbios têm v.ínculos culturais (Bearclsley:1994; Carson & outros, 1988). Diferentes culturas têm diferen_tes fontes de estresse e produzem diferentes reações. À anorexianervosa e a buli mia, por exemplo, são distúrbios em grande par-te das culturas ocidentais (Capítulo 12). O susto, caracterizadopor intensa ansiedade, inquietação e medo da magia negra, é umdistúr?io en:ontrado n~ América Latina. Taijin-I-yojús!w, qu~combma ansledade SOCialcom ruborização fácil e medo de con-tato visual, aparece no Japão. Esses distúrbios podem partilharuma dinâmica comum (ansiedade), mas diferem culturalmentenos sintomas (problema alimentar ou tipo de medo).

A maioria das pessoas que trabalham com a saúde mentalpresurne que os di3túrbias são in.±1~enci:J.dcs P-DI"p~'edisr;82,:çô0;:;genéticas e estados fisiológicos. E pela dinâmica psicolóaica. b

mterior. E pelas circunstâncias sociais e culturais. Para ter o pa-norama completo, precisamos de uma visão interdisciplinar, umaperspectiva biopsicossocial (Figura 15.1).

"Não é um sinal de saúde estar bem ajustado a L,masociedade profundamente doente,"

KRISHNAMURTI (1895-1986)

Classificando os Distúrbios PsicológicosNa biologia e em outras ciências, a classificação cria uma ordem.Classificar um animal como mamífero diz muita coisa - queele tem sangue quente, cabelos ou pêlos, e alimenta as crias comleite. Também na psiquiatria e na psicologia, a classificação or-dena e descreve grupos de sintomas. Classificar o distúrbio deuma pessoa como "esquizofrenia" sugere que a pessoa fala deforma incoerente, tem alucinações ou ilusões (convicções bizar-ras), demonstra pouca emoção ou emoção impróplia, ou é soci-almente retraída. Assim, o termo diagnóstico proporciona umataquigrafia conveniente para descrever um distúrbio complexo.

Em psiquiatlia e psicologia, a classificação diagnóstica visaidealmente a descrever um distúrbio, a prever o seu curso futuro, aseguir o tratamento apropliado e a estimular a pesquisa de suascausas. Na verdade, para estudar um distúrbio, devemos primeironoméá-Io e descrevê-lo. O esquema aceito no momento para clas-sificar os distúrbios psicolÓgicos é o do Diagnostic and StLltisticalManual of Mental Disorders, da American Psychiatlic Associati-on (quarta edição), mais conhecido como DSM-IV. Esse volumede 1994, com seus casos ilustrativos, proporciona a base para mui-to do material deste capítulo. O DSM-IV foi desenvolvido em co-ordenação com a décima edição da Intemational Classiticution ofDiseases (ICD-I0) da World Health Organization.

A própria idéia de "diagnosticar" os problemas das pessoas emtermos dos seus "sintomas" presume uma "doença" menta!. Al-guns clínicos não se mostram muito satisfeitos com essa termino-logia médica, mas a maiolia considera que o DSM-IV é um ins-tmmento útil e prático. Também é financeiramente necessúrío: amaiolia das empresas de seguro-saúde dos Estados Unidos exigeum diagnóstico do DSM-IV antes de pagar uma terapia.

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Biológicos

Figura 15.1 A perspectiva biopsicossocial A psicologia dehoje estuda como os fatores biológicos, psicológicos e sociaisinteragem para produzir distúrbios psicológicos específicos.

FOCO

A Alegação de Insanidade em JulgamentoA definição de distúrbios psicológicos não incluio termo insanidade. Isso acontece porque sãoe insano são termos legais, não psicológicos.Também são categorias. Você pode estar umpouco deprimido ou muito deprimido; n?o podeser um pouco insano.

Os britânicos criaram a alegação de insani-dade em 1843, depois que um escocês domi-nado por ilusões, Daniel M'Naghten, tentou ma-tar a tiros o primeiro-ministro (que ele pensavaque o estava perseguindo). O escocês errou eacabou matando o secretário do primeiro-minis-tro. Houve um clamor quando M'Naghten foiabsolvido como insano e enviado para um hos-pital psiquiátrico, em vez da prisão. Quando overedicto foi confirmado, surgiu a alegação dainsanidade. Limitava a defesa por insanidadeaos casos em que se julgava que as pessoasnão sabiam o que faziam, ou não sabiam que aação era errada. O Hamlet de Shakespeareantecipou essa defesa. Se faço algo de erradocom alguém quando estou fora de mim, expli-ca ele, "então não foi Hamlet. Claro qu.e Ham-let nega. Quem foi então? Sua loucura;'.

Quando John Hinckley, Jr., foi lev?do a jul-gamento, em 1982, por atirar no então presiden-te Ronald Reagan e seu secretário de Impren-sa, a alegação de insanidade fora ampliada. Apromotoria tinha de provar que Hinckley era são.Ou seja, que ele tinha uma "capacidade subs-tancial" não apenas para "saber" que o ato eraerrado, mas também para "avaliar" o erro e agirde acordo.

A promotoria foi incapaz de provar a sani-dade para plena satisfação dos jurados. Assim,

Hinckley, como M'Naghten, foi enviado para umhospital psiquiátrico. E, como no caso deM'Naghten, o público ficou indignado. Um jor-nal estampou em manchete: "Hinckley Insano,Público Louco." A indignação foi em parte por-que Hinckley, como outros declarados inocen-tes por alegação de insanidade, será libertadoquando for considerado são e não mais perigo-so - talvez antes, embora também possa serdepois, do que sairia se fosse para a prisão.

Alguns editorialistas protestaram que o ca-ráter hediondo de um crime se tornara a própriabase para se esquivar à responsabilidade,"como o homem que mata os pais e exige mi-sericórdia porque é órfão". Os "crimes doentios"são necessariamente um produto de mentesdoentes que precisam de tratamento, e não depunição? Haveria algum fundo de verdade napiada de que "Alguém suficien!lilmente loucopara querer matar o presidente deve ser louco"?Jeffrey Dahmer, que em 1991 admitiu ter ma-tado 15 rapazes e comido partes de seus cor-pos, era necessariamente insano? As pessoasmuito más são de fato loucas? Se assim for, res-saltou um editorialista, a sociedade modernat(i1psformou-se no pesadelo imaginado por AI·dous Huxley em Admirável Mundo Novo, noqual a reação correta quando alguém cometeum crime é: "Eu não sabia que ele estava do-ente." (Os jurados rejeitaram a alegação de in-sanidade de Dahmer e o declararam culpado.Lorena 80bbitt, no entanto, foi absolvida com aalegação de insanidade temporária por cortaro pênis do marido adormecido depois que elea estuprou quando estava bêbado.)

Em defesa da alegação de insanidade, ospsicólogos ressaltam que esse argumento só éusado em cerca de 1 por cento das ações penais(Callahan & outros, 1991). Mesmo assim, a ale-gação é rejeitada três em quatro vezes. Quandoa defesa de insanidade é acatada, o juiz e a pro-motoria em geral concordam que a pessoa per-turbada não foi responsável. Assim, as questõesmais importantes que envolvem a psicologia e alei não são as raras discussões sobre insanida-de. Em vez disso, são os casos muito mais fre-qüentes envolvendo a custódia de crianças OuI-gar quem será melhor para cuidar dos filhos, amãe ou o pai), a internação involuntária em hos-pitais psiquiátricos e as previsões sobre o com-portamento futuro de um criminoso no momentode decidir a pena ou a liberdade condicional.

No Canadá e agora em três quartos dosestados americanos, a alegação de insanida-de sobrevive numa forma restrita, que transfe-re o ônus de provar a insanidade para a defesa(Ogloff & outros, 1993). Agora, os réus devemdemonstrar que não compreendiam o erro deseus atos.

Alguns estados instituíram o veredicto de"culpado mas mentalmente doente". Esse ve-redicto reconhece uma necessidade de trata-mento, mas considera que as pessoas são cul-padas. Por isso, vão para a prisão se ficaremrecuperadas antes do término da pena (Rosen-feld, 1987). Os jurados acham que o veredictoé uma opção viável. Em vários casos, réus quede outra forma seriam absolvidos por insanida-de são agora julgados culpados mas mental-mente doentes (Savitsky & Lindblom, 1986).

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322 lilírmiução à Psicologia Gerai

o DSM-IV descreve os distúrbios e sua prevalência sem tera presunção de explicar as causas. Assim, o outrora popular ter-mo neurose não é mais uma categoria de diagnóstico, porque neu-rose era a idéia de Freud sobre o processo pelo qual os conflitosinconscientes lidam com a ansiedade. O DSM-IV menciona dis-túrbios neuróticos - os distúrbios psicológicos que são afliti-vos, mas ainda permitem o pensamento racional e o desempe-nho social. No entanto, mesmo esse termo é tão vago que ospsicólogos só o usam agora de forma mínima, em geral comoum contraste para os mais bizarros e debilitantes distúrbios psi-.cóticos, caracterizados pela irracionalidade.

O DSM-IV agrupa cerca de 230 distúrbios e condições psi-cológicas em 17 categorias principais de "distúrbio mental". Hádiagnósticos para quase todas as enfermidades possíveis. Naverdade, alguns criticam o manual por incluir "quase todos ostipos de comportamento dentro do âmbito da psiquiatria" (Ey-senck & outros, 1983). Esses críticos apontam comportamentosque variam do medo irracional de humilhação e constrangimen-to (fobia social) à persistente violação de regras em casa e naescola (distúrbio de conduta).

Para que as categorias do DSM-IV sejam válidas. é precisoprimeiro que sejam confiáveis. Se um psiquiatra ou psicólogodiagnostica alguém como tendo, por exemplo, "esquizofreniacatatônica", quais são as possibilidades de que outro profissio-nal de saúde mental, independentemente, dê o mesmo diagnós-tico? Com as orientações de diagnóstico do DSM-IV, as possi-bilidades são boas. O manual apresenta aos clínicos uma sériede perguntas objetivas sobre comportamentos observáveis, como:"A pessoa tem medo de sair de casa?" Em um estudo, 16 psicó-logos usaram esse procedimento de entrevista estruturada paradiagnosticar 75 pacientes psiquiátricos como sofrendo de (1)depressão, (2) ansiedade generalizada ou (3) alguma outra mo-dalidade de distúrbio (Riskind & outros, 1987). Sem conhecer odiagnóstico do primeiro psicólogo, outro assistiu a um videotei-pe da primeira entrevista e ofereceu uma segunda opinião. Para83 por cento dos pacientes, as duas opiniões coincidiram.

Rotulando os Distúrbios PsicológicosA maioria dos clínicos acha que a classificação ajuda a descre-ver, tratar e pesquisar as causas dos distúrbios psicológicos. Oscríticos, no entanto, dizem que esses rótulos são, na melhor dashipóteses, arbitrários, e, na pior, valorizam julgamentos que nãopassam de uma pretensão da ciência. É melhor, insistem eles,estudar as raízes de sintomas específicos, como as ilusões ou asalucinações, do que estudar categorias abrangentes, como a es-quizofrenia (Persons, 1986). Além disso, depois que rotulamosuma pessoa, passamos a considerá-la de maneira diferente (Fa-rina, 1982). Os rótulos criam preconceitos, que podem distorcernossas percepções e interpretações.

Na mais controvertida demonstração do poder preconceituo-so de rótulos de diagnóstico, David Rosenhan (1973) e sete deseus amigos e colegas da Stanford Universífy foram ao centrode internação de um hospital de saúde mental, queixando-se de"ouvir vozes" que diziam "vazio", "oco" e "baque". Afora issoe nomes e ocupações falsos, eles responderam com a verdade atodas as outras perguntas. Todos os oito foram diagnosticadoscomo doentes mentais.

Não chega a surpreender o fato de que oito pessoas normaistenham recebido um diagnóstico errado. Como um psiqüiatra res-saltou, se alguém engolisse sangue, fosse a um pronto-socorro e o

cuspisse, poderíarnos culpar o médico por ol'lgnoslic.!ihenl0lTágica? O qUê-se seguiu ao diagnóstico foi rnai\dente. Depois elaintemação, os "pacientes" não ex!bu·amtomas. Mesmo assim, os clínicos "descobriram" as C.J.usasdistúrbios, depois de analisarem as suas histórias de viuanormais). Uma pessoa reagia a emoções confusas ernpais. Além disso, antes de terem alta (em média 19 diascomportamentos nonnais dos "pacientes", como fazerforam mal interpretados como sintomas.

Outros estudos confirmam que os rótulos afetam a maneiracomo percebemo~ uns aos outros. Ellen L~~ger e seus colegas(1974, 1980) pedtram a pessoas que claSSIfIcassem entrevista_dos que pensavam ser normais (um candidato a emprego) ou forado comum (um paciente psiquiátrico ou sofrendo de câncer). To-das assistiram aos mesmos videoteipes. As que assistiram aos en-trevistados sem rótulos perceberam-nos como normais; as qLl~assistiram aos supostos pacientes perceberam-nos como "dife-rentes da maioria das pessoas". Terapeutas (que pensavam esta-rem avaliando um paciente psiquiátrico) perceberam os entre-vistados como "assustado com seus próprios impulsos agressi-vos". "um tipo passivo e dependente" e assim por diante. TTmrótulo pode servir a um propósito útil. Mas, como Rosenhanconstatou, também pode ter "vida e influência próprias".

Os rótulos podem ainda estigmatizar pessoas aos olhos dosoutros. Thomas Eagleton, senador dos Estados Unidos, expelimen-tou isso em 1972, quando foi substituído como candidato à vice-presidência do Partido Democrata ao ser descoberto que fora ~;ub-metido a tratamento para depressão com terapia eletroconvulsiva.O mesmo estigma ficou patente quando uma colega do psicólogoStewart Page (1977) telefonou para 180 pessoas em Toronto queanunciavam quartos mobiliados para alugar. Quando ela apenasperguntava se o quarto ainda estava disponível, a resposta quasesempre era sim. Quando ela dizia que estava prestes a ter alta deum hospital psiquiátrico, a resposta era não em três de quatro ve-zes (como também acontecia quando ela dizia que telefonava porparte do irmão, prestes a sair da prisão). Quando algum dos quetinham respondido não recebiam outro telefonema de uma segun-da pessoa indagando se o quarto ainda estava vago, a resposta erasempre afirmativa. Pesquisas na Europa Ocidental descobriramatitudes similares em relação aos que são rotulados como doentesmentais. Mas, à medida que as pessoas passam a compreender osdistúrbios psicológicos como doenças do cérebro, e não como fa-lhas do caráter, o estigma parece se dissipar (Solomon, 1996).Maise mais figuras públicas se sentem à vontade para falar com fran-queza sobre suas lutas com distúrbios como a depressão.

"Um dos pecados imperdoáveis, aos olhos da maioria das"..pessoas, é um ser humano viver sem um rótulo. O mundo

considera tal pess,oa como a polícia encara um cão semfocinheira, alguém que não está sob o controle apropriado."

T, H. HUXLEYEVOLUTION ANO ETHICS

1893

Se as pessoas também formam suas impressões acerca dosdistúrbios psicológicos através da mídia, entã.o a persistência dosestereótipos nada tem de surpreendente. O pesquisador ele tele-visão George Gerbner (1985) relatou que 1 em cada 5 progra-mas no horário nobre ou diurno apresenta uma pessoa com dis-túrbio psicológico, e 7 em 10 desses programas descrevem opersonagem como violento ou criminoso. Os filmes tambémestereotipam os pacientes psiquiátricos, às vezes como homici-das (o papel de Anthony Hopkins em O Silêncio dos InocenteS)

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ou como aberr<!J;ões Allen como (Hyler & ourros,1991; Wahl, 1992). verdade que os pacientes esquizofrênicoscom sintomas positivos têm mais probabilidades que as outraspessoas de cometer crimes violentos, e algumas pessoas comdistúrbios são amorais e anti-sociais (Eronen & outros, 1996;Monahan, 1992; Silverton, 1988). Contudo, pelo menos 9 emcada 10 pessoas com distúrbios não são perigosas; em vez dis-so, são apenas ansiosas, deprimidas ou retraídas.

Os rótulos não apenas distorcem as percepções, mas podemtambém mudar a realidade. Quando professores são informadosde que certos alunos são "talentosos", quando estudantes esperamque alguém seja "hostil", ou quando entrevistadores verificam sealguém é "extrovertido", podem agir de maneira a evocar o com-portamento esperado (Snyder, 1984), Alguém que foi levado apensar que você é impertinente pode tratá-lo com frieza, provo-cando a reação correspondente. Os rótulos podem servir comoprofecias que se consumam apenas por terem sido feitas.

Mas vamos também lembrar os benefícios dos rótulos promovi-dospelos diagnósticos. Como explicou Robert Spitzer (1975), prin-cipal autor do atual sistema de diagnóstico: "Há um propósito nodiagnóstico psiquiátrico. É o de permitir que os profissionais de saú-de mental (a) se comuniquem entre si sobre o assunto que os in-teressa, (b) compreendam os processos patológicos envolvidos nasdoenças psiquiátricas e (c) controlem os resultados psiquiátricos."

RESUMOOs distúrbios psicológicos nos fascinam, em parte porque amaioria das pessoas vai experimentá-los ou testemunhá-losde perto em algum momento.

Definindo os Distúrbios Psicológicos Não há um abismo en-tre a normalidade e a anormalidade, mas um limite tênue eum tanto arbitrário. Onde traçamos o limite depende de quãoatípico, perturbador, desadaptado e injustificável é o compor-tamento de uma pessoa.

Compreendendo os Distúrbios Psicológicos A suposição domodelo médico no qual os distúrbios psicológicos são doen-ças mentais prevaleceu sobre as perspectivas anteriores de quedemônios e espíritos do mal eram os culpados. A maioria dosprofissionais de saúde mental adota hoje uma perspectiva bi-opsicossocial. Presume que os distúrbios são influenciados porpredisp.osições genéticas, estados fisiológicos, dinâmica psi-cológica e circunstâncias sociais.

Classificando os Distúrbios Psicológicos Muitos psiquiatrase psicólogos acham que um sistema para nomear e descreveros distúrbios psicológicos facilita o tratamento e a pesquisa.A atual edição do Diagnostic and Statistical Manual of Men-tal Disorders (DSM-IV) proporciona um esquema de c!assi-~cação abalizado.

Rotulando os Distúrbios PsicolÓ(JicosOs rótulQs de diagnós-tico facilitam a comunicação e à pésquisa dOEprofissionaisde saúde mental. Os críticos ressaltam que pagamos um pre-ço por esses benefícios. Os rótulos também criam preconcei-tos que distorcem nossas percepções do comportamento pas-sado e presente, estigmatizando-os de uma maneira injusta.

TERMOS E CONCEITOS CHAVES distúrbio psicológico, mode-lo médico, perspectiva biopsicossocial, DSM-IV, distúrbioneurótico, distúrbio psicótico

[JislÍlrbios f'sicGlógíCDS 323

Distúrbios de AnsiedadeA ansiedade se toma incapacitanie quando as pessoas se tornamiensas de uma maneira inexplicável e incontrolável (a ansiedadegeneralizada), sentem um medo irracional de alguma coisa (umafobia), ou são perturbadas por pensamentos e ações repetitivos(transtorno obsessivo-compulsivo). Como esses distúrbios seapr~sentam em pessoas reais? O que os causa?

A ansiedade é parte da vida. Quando fala diante de uma turma,quando olha para baixo de uma grande altura, quando espera paraparticipar de um grande jogo, qualquer um de nós pode se sentiransioso. Em algum momento ou outro, a maioria das pessoassente tanta ansiedade que evita fazer contato visual ou se abs-tém de falar com alguém - é o que chamamos de "timidez". Pari!sorte da maioria, essa apreensão ocasional não é intensa nempersistente. Se por acaso se tornasse, poderíamos ter um dos dis-túrbios de ansiedade, caracterizados por ansiedade aflitiva e per-sistente ou comportamentos desadaptados que reduzem a ansie-dade. Aqui, vamos focalizar a ansiedade generalizada, em que apessoa experimenta tensão e inquietação inexplicáveis; as fobi-as, em que a pessoa sente um medo irracional e paralisante deum objeto ou situação específica; e o transtorno obsessivo-com-pulsivo, em que a pessoa é perturbada por pensamentos e/ouações repetitivos.

A Ansiedade GeneralizadaTom, um eletricista de 27 anos, procura ajuda, queixando-se devertigem, suor nas palmas, palpitações, zumbido nos ouvidos.Sente-se nervoso e às vezes se descobre tremendo. Consegueesconder os sintomas da família e dos colegas de trabalho. Noentanto, manteve poucos contatos sociais desde que os sintomascomeçaram, há cerca de dois anos. Pior ainda, de vez em quan-do tem de interromper o trabalho. O médico da família e o neu-rologista não conseguem encontrar nada de errado fisicamente.

Os sentimentos negativos de Tom, desfocados e fora de con-trole, sugerem um distúrbio de ansiedade generalizada. Os sin-tomas desse distúrbio são comuns; a persistência não. Os paci-entes ficam continuamente tensos e nervosos, preocupados comcoisas ruins que podem acontecer, e experimentam todos os sin-tomas de excitação do sistema J1ervoso autônomo (coração dis-parado, mãos suadas, cólicas estomacais, sonolência). A tensãoe a apreensão podem aparecer através das sobrancelhas franzi-das, de comichão nas pálpebras e de inquietação. Uma das pio-res carãçterísticas do distúrbio de ansiedade generalizada é o fatode que a pessoa não pode identificar - e, portanto, não podeevitar - a causa desses sintomas persistentes e desagradáveis.Para usar uma expressão de Freud, a ansiedade "flutua à deri-va".

Como 1 em 75 pessoas com síndrome do pânico sabe, a ansi-edade pode às vezes ter uma súbita escalada para um terrívelataque de pânico - um episódio, com minutos de duração, demedo intenso de que alguma coisa horrível esteja prestes a acon-tecer. Palpitações, falta de ar, sensação de sufocamento, treme-deira ou vertigem acompanham tipicamente o pânico. A experi-ência é imprevisível e tão assustadora que a pessoa passa às ve-zes a temer o próprio medo e a evitar as situações em que o pâ-nico ocorreu. Agorafobia é o medo ou a evitação de situaçõesem que a fuga ou ajuda podem não ser possíveis quando o pâni-

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FOCe)

Ferimentos de Guerra - Distúrbio de Estresse Pós-TraumáticoDurante o conflito no Vietnã, o pelotão de Jackfoi várias vezes atacado. Em uma emboscada,seu maior amigo morreu, a poucos passos dedistância. O próprio Jack matou um jovem vietcon-gue com coronhadas do seL\ rifle. Anos maistarde, imagens desses eventos se imiscuíramem sua mente como flashbacks e pesadelos.Ele ainda tem um sobressalto a qualquer estam-pido. Contrariado pelos amigos ou família, rea-ge com uma violência que não demonstravaantes do Vietnã. Para acalmar a ansiedade in-cessante, bebe mais do que deveria.

Essa tem sido a experiência de muitos ve-teranos de guerra e vítimas de agressão sexu-aL O estresse traumático - experimentar outestemunhar eventos ameaçadores e incontro-láveis, com um sentimento de medo, desampa-ro e horror - pode produzir um distúrbio deestresse pás-traumático, cujos sintomas inclu-em lembranças e pesadelos obsedantes, retra-imento social e ansiedade ou depressão (Goo-dman & outros, 1993; Kaylor & outros, 1987;Wilson & outros, 1988). Depois de testemunha-rem atrocidades ou viverem em circunstânciasde ameaça à vida, crianças das zonas de guer-ra do mundo e de bairros violentos apresentamsintomas similares (Garbarino & outros, 1991).O sentimento de confiança básica é corroído;muitas experimentam uma cautela assustada,sono agitado, pesadelos, e um sentimento dedesesperança em relação ao futuro. Esse "de-samparo adquirido" predispõe as crianças quesofrem de repetidos abusos a experimentaremcom mais freqüência o estresse pós-traumáti-co se atacadas quando adultas (Mineka & Zin-barg, no prelo).

Para determinar a freqüência do distúrbio deestresse pós-traumático, o U.S. Centers for Di-

ses.se Contrai (1988) comparou 7.000 vetera-nos do Vietnã com 7.000 veteranos não-com-batentes que serviram as forças armadas du-rante o mesmo período. O estresse de comba-te mais do que dobrava o risco de um veteranode abuso de álcool, depressão ou ansiedade.

Estudos realizados com soldados norte-americanos e israelenses revelaram que quantomais assustadora e prolongada a experiênciade batalha, maiores as baixas psicológicas(King & King, 1991; Solomon, 1990). O índiceaproximado de 15 por cento com sintomas deestresse pós-traumático entre todos os vetera-nos do Vietnã foi reduzido à metade entre osque nunca haviam visto combates e triplicouentre os que participaram de combates maisviolentos. Mais de dez anos depois da guerra, ~,um estudo localizou 2.095 gêmeos idênticosentre veteranos da era do Vietnã (Goldberg &outros. 1990). Em comparacão com os aême-os que serviram em postos de não-combãte noVietnã, os que experimentaram combates inten-sos tinham 5,4 vezes mais probabilidades deestarem sofrendo de distúrbio de estresse pós-traumático.

Pesquisadores também descobriram quedistúrbios psicológicos e tentativas de suicídioeram mais comuns entre veteranos que se sen-tiam responsáveis por um trauma, por teremmatado alguém ou por não terem conseguidoevitar uma morte (Fontana & outros, 1992).Muitos ainda experimentam pesadelos, têm di-ficuldades para dormir e se concentrar e sesobressaltam com facilidade. Isso ocorre emparticular com os que foram expostos a mutila-ção brutal, tortura, ou à visão da morte de umamigo. Por mais que desejem evitar ou supri-mir a lembrança, ela insiste em se intrometer.

Apesar desses sintomas, alaun<:acreditam que o distúrbio de estre~~emático é um diagnóstico da moda. Oalegam esses céticos, é na verdade bem(Young, 1995). A maioria dos veteranos e'5,raro

d b .. ,res·sa .os em com ate leva uma vida produtiva. Amalona dos salvadores, como os bombeiro- dSioux City que resgataram sobreviventes e~o~pos carbonlzados.do DC-l0 que caiu e pego\i

fogo em 1989, nao teve maiores problem,~depois (Redburn & outros, 1993). A maioria d~;dissidentes POlltlCOSque sobrevivem a dezena-de episódios de tortura não apresenta depois ~distúrbio de estresse pós-traumático (Mineka 8:Zinbarg, no prelo). E, embora sofrendo d~ ai.guns sintomas de estresse persistentes, amai.oria dos judeus americanos que sobreviveramao trauma do Holocausto - inanição, espanocamentos, perda da liberdade, o assassinato deoessoas amadas - continuou <'I1""'8'! ,m" ,,;.-l_produtiva. Na verdade, ém comparaçã;~~;outros judeus americanos da mesma idadeesses sobreviventes têm menos probabilida:des de já terem consultado um psicoterapeu-ta (18 por cento contra 31 por cento) e maisprobabilidades de terem um casamento está.'lei (83 por cento contra 62 por cento). Alémdisso, praticamente nenhum jamais cometeuqualquer ato criminoso. O pesquisador WilliamHelmreich (1992, p. 276) comenta sobre seusêxitos:

A história dos sobreviventes é de coragem e for·ça, de pessoas que são a prova viva da indomá·vel vontade dos seres hU/:nanos de sobreviver ede sua tremenda capacidade para a esperança.Não é uma história de pessoas extraordinárias. Éapenas uma história de como as pessoas podemser extraordinárias.

co ocorrer. Com um medo assim, a pessoa pode se abster de sairde casa, ficar em meio a uma multidão, andar de avião, trem ouelevador.

FobiasAs fobias focalizam a ansiedade em algum objeto, atividade ousituação específica. As fobias - medos irracionais que afetamo comportamento - são um distúrbio psicológico comum, queas pessoas costumam aceitar e com os quais convivem. Algu-mas fobias específicas, no entanto, são incapacitantes. Marilyn,uma dona de casa de 28 anos, sente tanto medo de tempestadesque fica ansiosa assim que a previsão do tempo menciona a pos-sibilidade de tempestades no final da semana. Se o marido estáviajando e há previsão de uma tempestade, ela vai para a casa deum parente. Durante uma tempestade, ela permanece longe dasjanelas e cobre a cabeça, para não ver os relâmpagos. Afora isso,é saudável e feliz.

Outras pessoas sofrem de medos irracionais de animais ouinsetos específicos, ou de coisas como altura, sangue ou túneis.Às vezes é possível evitar o estímulo que provoca o medo: apessoa pode se esconder durante as tempestades ou evitar luga-

res altos. Com umafobia social, um medo intenso de ser anaií-sada pelos outros, a pessoa ansiosa evitará todas as situaçõessociais que tenham um potencial embaraçoso. A pessoa podeevitar falar em público, comer fora, ir a festas ... ou vai suar, tre-mer, ter diarréia quando isso acontecer. Em comparação com osoutros distúrbios tratados neste capítulo, as fobias aparecem naspessoas mais jovens, em geral no início da adolescência (Burke& outros, 1990).

Transtorno Obsessivo-CompulsivoComo acontece com a ansiedade generalizada e as fobias, pode-mos encontrar aspectos do nosso próprio comportamento notranstorno obsessivo·compulsivo. Podemos às vezes ficar obce-cados por pensamentos sem sentido ou ofensivos que não vãoembora. Ou podemos nos empenhar num comportamento com-pulsivo e rígido - verificar várias vezes se uma porta foi mes-mo trancada, não pisar em ranhuras na calçada ou alinhar os lJ-vros e canetas de um determinado jeito antes de começar a estu-dar. .

Os pensamentos obsessivos e comportamentos compulsivOSultrapassam o limite entre o normal e o patológico quando se

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Porcentagem*InlormamloSintoma

T bela -15.1 Ol:messões e Compulsões Comulls erlire Pessmls comT~anSlomoObsessivo Compulsivo __.-------pensamento ou Comportamento

--Obsessões (pe.nsamentos repetitivos) .Preocupaçao com sUJeira, germes ou toxinas 40Algo terrível acontecendo Slncêndio, morte, doença) 24Simetria, ordem ou exatldao 17

compulsões (comportamentos repetitivos)Lavar as mãos, tomar banho, escovar os dentes 85OUse arrumar excessivamenteRepetição de rituais (entrar e sair por uma porta, 51levantar e sentar numa cadeira)Verificar portas, janelas, eletrodomésticos, 46freio do carro, deveres de casa

~nta crianças e adolescentes informaram seus sintomas.Fonte: Adaptado de Rapoport, 1989.

laboratório. Para Emitas vítimas eledistúrbio de <:strec;,seInático, a ansiedade se expande a qualquer lembrete do trauma.Essas experiências podem ajudar a explicar por que as pessoasansiosas são hiperatentas a possíveis ameaças & Sur-ton, j 992).

Quando os choques experimentais se tornam previsíveis -quando precedidos por um estímulo condicionado específico -,o medo dos animais se focaliza nesse estímulo; com isso, elesrelaxam em sua ausência. O mesmo pode acontecer com osmedos humanos. Meu carro foi uma vez atingido por outro, cujomotorista não percebera um sinal vermelho. Por meses depois,eu sentia uma pontada de apreensão à aproximação ele qualquercarro de uma rua transversal. Talvez a fobia de Marilyn tenhasido condicionada da mesma forma durante uma experiênciaaterradora ou dolorosa associada a uma tempestade.

Generalização do Estímulo

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tomam tão persistentes que interferem com a maneira como vi-vemos ou causam aflição. Verificar se a porta foi trancada énormal; verificar a porta 10 vezes não é. Lavar as mãos é nor-mal; lavar as mãos com tanta freqüência que a pele chega a ra-char não é. (A Tabela 15.1 oferece mais exemplos.) Em algummomento de suas vidas, em geral ao final da adolescência ou nacasa dos vinte anos, 2 a 3 por cento das pessoas cruzam essa li-nha das preocupações normais e meticulosidade para o distúr-biodebilitante (Karno & outros, 1988). Os pensamentos obses-sivos se tornam tão angustiantes e os rituais compulsivos absor-vem tanto tempo que o funcionamento eficaz fica impossível.

Uma pessoa assim era o bilionário Howard Hughes. Ele dita-vacompulsivamente as mesmas frases muitas e muitas vezes. Sob·estresse, desenvolveu um medo obsessivo de germes. Tornou-se recluso e exigia que seus assistentes realizassem elaboradosrituais de lavar as mãos e usassem luvas brancas quando pega-vam em documentos que ele mais tarde tocaria. Determinou quefitas adesivas fossem postas em torno das portas e janelas de sua

. casa, proibia as pessoas de tocarem nele, e até mesmo de o fita-rem. "Todo mundo carrega germes consigo", explicava ele."Quero viver mais tempo do que meus pais, e por isso evito osgermes" (Fowler, 1986).

Explicand.o OS Distúrbios de AnsiedadeFreud presumiu que, começando na infância, impulsos, idéias esentimentos intoleráveis são reprimidos, e que essa energia men-tal submersa às vezes produz sintomas desconcertantes, como aansiedade. Os psicólogos de hoje, no entanto, desviaram-se deFreud para duas perspectivas contemporâneas - a da aprendi-zagem e a biológica.

A Perspectiva da Aprendiza{lem

Condicionamento do Medo

Pesquisadores têm ligado a ansiedade generalizada ao condicio-namento clássico de medo. Em laboratório, criaram ratos comansiedade crônica, através da aplicação de choques elétricosimprevisíveis (Schwartz, 1984). Como a vítima de estupro queinformava se sentir ansiosa quando entrava em seu antigo bairro(Capítulo 8), os animais se mostram apreensivos no ambiente de

Os medos condicionados 'podem persistir por muito tempo de-pois que esquecemos as experiências que os produziram (Jaco-bs & NadeI, 1985). Além disso, alguns medos derivam da gene-ralização do estímulo. Uma pessoa que teme a altura depois deuma queda pode sentir medo de aviões sem jamais ter voado.

Reforço

Evitar ou escapar da situação temida reduz a ansiedade, refor-çando assim o comportamento fóbico. Sentindo-se ansiosa outemendo ataques de pânico, uma pessoa pode sair ou permane-cer dentro de casa (Antony & outros, 1992). Os comportamen-tos compulsivos também reduzem a ansiedade. Se lavar as mãoso alivia de sentimentos de apreensão, é provável que você torne.à lavar ás mãos quando os sentimentos ressurgirem.

Aprendizag?m pela Observação

Alguém pode também adquirir medo através da aprendizagempela observação - ou seja, observando o medo eleoutros. Comovimos no Capítulo 13, macacos selvagens transmitem seu medode cobras à prole; os pais humanos também podem transmitir seusmedos aos filhos.

A Perspectiva Biológica

Evolução

A dimensão adaptativa do comportamento humano é compro-vada des·de a idade da pedra. Atos compulsivos, portanto, tipi-cament~ exageram comportamentos que contribuíram para asobrevivência de nossa espécie. A higiene vira um ritual de la-var as mãos. Verificar os limites telTitOliais passa a ser verificare tomar a verificar uma porta que se sabe estar trancada (Rapo-port, 1989).

Os humanos parecem também biologicamente preparadospara temer os perigos que nossos ancestrais enfrentavam. Porisso, a maioria das fobias focaliza alvos que representavam ame-aças ocasionais: aranhas, cobras, espaços fechados, alturas, tem-pestades. É fácil condicionar e difícil extinguir os medos dessesestímulos (Davey, 1995; Ohman, 1986). Muitos de nossos me-dos modernos podem ter também uma explicação evolucionis-ta. O medo de voar pode vir de nosso passado biológico, que nospredispõe a temer o confinamento e as alturas.

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326 Introdução à Psicologia Gera!

Além disso, considere que as pessoas tendem a não aprendero medo. Os bombardeios aéreos da Segunda Guerra Mundialproduziram extraordinariamente poucas fobias duradouras. Àmedida que a blitz aérea continuava, as populações civis britâ-nicas, japonesas e alemãs não passavam a ter mais pânico; emvez disso, tornavam-se mais indiferentes aos aviões que não es-tivessem na proximidade imediata (Mineka & Zinburg, 1996).A evolução não nos prepara para aprender a ter medo de bom-bas caindo do céu.

Gens

Algumas pessoas mais do que outras parecem geneticamentepredispostas a medos específicos e a ansiedade intensa. Gêmeosidênticos muitas vezes desenvolvem fobias similares, em algunscasos até mesmo quando criados em separado (Carey, 1990;Eckert & outros, 1981). Gêmeas idênticas de 35 anos desenvol-veram claustrofobia de forma independente. Também sentiamtanto medo de água que só entravam no mar de costas, com amaior cautela, até a altura dos joelhos. Entre os macacos, o medoocorre em famílias. Macacos individuais reagem com mais in-tensidade se seus parentes biológicos próximos são propensos àansiedade (Suomi, 1986). Entre os humanos, a vulnerabilidadeao distúrbio de ansiedade aumenta quando o parente afligido éum gêmeo idêntico (Barlow, 1988; Kendler & outros, 1992; Roy& outros, 1995).

Fisiologia

A ansiedade generalizada, o pânico e até as obsessões e compul-sões são biologicamente mensuráveis: eles podem ser explica-dos pela presença de excesso de excitação em áreas do cérebroenvolvidas no controle de impulsos e comportamentos habitu-ais. Tomografias do cérebro de pessoas com transtorno obsessi-vo-compulsivo revelam uma atividade excepcionalmente altanuma área dos lobos frontais logo acima dos olhos (veja a Figu-ra 15.2 no encarte em cores) e numa área mais primitiva no fun-do do cérebro (Rauch & Jenike, 1993; Resnick, 1992). Algumasdrogas antidepressivas diminuem essa atividade, afetando a dis-ponibilidade da serotonina neurotransmissora. Isso ajuda a con-trolar o comportamento obsessivo-compulsivo.

RESUMOA ansiedade é parte de nossa experiência cotidiana. Ela só éclassificada como um distúrbio psicológico quando se tomaaflitiva ou persistente, ou então é caracterizada por compor-tamentos inadaptados destinados a reduzi-la. A seção abordatrês tipos de distúrbios de ansiedade.

Distúrbio de Ansiedade Generalizada As pessoas que sofremde distúrbio de ansiedade ge~eralizada pod~m se sentir, semqualquer motivo objetivo, tensas e inquietas de forma incon-trolável, uma ansiedade que pode evoluir para um ataque depânico.

Fobias As pessoas com fobias podem sentir um medo irracio-nal de um objeto ou situação específica.

Transtorno Obsessivo-Compulsivo Pensamentos e atos per-sistentes e repetitivos caracterizam o distúrbio obsessivo-com-pulsivo.

Explicando os Distúrbios eleAnsiedade A perspecti·;nalítica considera os distúrbios de ansiedade como a V,P:i,

de impulsos reprimidos. A perspectiva da aprendizag,c;m"',considera um produto de condicionamento do medo, ~;Cfl'Tl'

lização do estímulo, reforço e aprendizagem pela - .A perspectiva biológica considera as possíveis influénci".'evolutivas, genéticas e fisiológicas. ~,

TERMOS E CONCEITOS CHAVES distúrbios de ansiedade, an-siedade generalizacla, fobia, transtorno obsessivo-compulsi_vo, síndrome do pânico

Distúrbios DissociativosOs mais controvertidos' de todos os distúrbios são aqueles em quese diz que a percepção consciente se torna dissociada (separada)de memórias, !lensamentos e sentimentos anteriores. O Quesãoesses distúrbios? E por que eles são controvertidos?

Dentre os distúrbios mais intrigantes figuram os raros distúrbiosdissociativos, em que uma pessoa parece experimentar uma sú-bita perda de memória ou mudança de identidade. Quando umasituação se toma estressante demais, diz-se que as pessoas se dis-sociam de si mesmas. A percepção consciente fica separada dememórias, pensamentos e sentimentos dolorosos. (Cabe ressal-tar que essa explicação presume a existência de memórias repri-midas, o que tem sido recentemente questionado, como foi ;na-lisado nos Capítulos 9 e 14.)

Certos sintomas de dissociação não são tão raros assim. Devez em quando muitas pessoas podem experimentar um sensode irrealidade, de separação do próprio corpo, de se assistir numfilme. Diante de um trauma, essa isenção pode na verdade pro-teger uma pessoa de ser sufocada pela emoção. Só quando essasexperiências se tornam intensas e prolongadas é que elas suge-rem um distúrbio dissociativo.

Amnésia DissociativaA amnésia, a incapacidade de recordar eventos, pode ser causadapor lesões na cabeça ou intoxicação alcoólica. Mas a amnésia dis-sociativa, acreditam alguns psicólogos, em geral começa comouma, reação a um estresse psicológico intolerável. Um jovem de18 aJlOS foi resgatado de seu barco a vela pela guarda costeira, queo levou para um hospital. Ele sabia que saíra para velejar comamigos e que era estudante universitário, mas disse que não con-seguia lembrar o que acontecera com seus companheiros. Alémdisso, sempre esquecia que estava num hospital; mostrava-se sur-preso cada vez que era lembrado disso. Mais tarde, ajudado p~ruma droga que o relaxou, o jovem conseguiu formar uma memo-ria: uma terrível tempestade jogara seus companheiros no mar.

Como este caso ilustra, o esquecimento da anmésia é seletivo:ojovem parecia ter esquecido o que era insuportavelmente dolorosO(embora as experiências traumáticas acarretem em geral a intnls~Ode lembranças desagradáveis). As pessoas com amnésia podem Íl-

car um tanto desorientadas e podem esquecer quem são, mas lem-brarão como dirigir, contar e falar. Em geral, a amnésia desaparecetão abruptamente quanto começou. Quase nunca há recolTência.

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fuga DissociativaComo a amnésia, a fuga dissociativa envolve o presumido es-quecimento, mas também envolve fugir de casa e de sua identi-dade por dias, meses ou anos. Gene Smith, um gerente de nívelmédio, foi preterido para uma promoção, criticado por seu su-perior e rejeitado pelo filho de 18 ano~: que.du~ante um~ viol~n-ta discussão o chamou de "fracassado . DOISdias depOIs, Smlthdesapareceu. Um mês depois e a 350 quilômetros de distância, apolícia levou para o pronto-socorro um homem que dizia se cha-mar "Burt Tate". Ele fora ferido durante uma briga numa lan-chonete, onde trabalhava como ajudante de cozinheiro desde quechegara à cidade, um mês antes. Alegava não se lembrar ondevivera ou trabalhara antes disso. Admitiu que era estranho, masnão parecia transtornado por isso. Depois de uma investigaçãode pessoas desaparecidas, a Sra. Smith confirmou que Burt Tateera Gene Smith. Embora visivelmente ansioso ao se encontrarcom a esposa, ele negou reconhecê-la. Quando "despertam" deum estado de fuga, pessoas como Gene Smith lembram suasantigas identidades, mas geralmente negam recordar o que ocor-reu durante a fuga. Os céticos especulam se esses pacientes nãopodem estar simulando perda de memória por razões estratégi-cas.

Distúrbio de Dissociação da IdentidadeAinda mais misteriosa e controvertida é a dissociação maciçado eu da consciência ordinária nas pessoas com distúrbio de per-sonalidade múltipla, agora chamado de distúrbio de dissocia-cão da identidade. Essas pessoas têm duas ou mais personali-dades distintas que alternadamente controlam seu comporta-mento. Uma é em geral contida e apática, outra é mais impul-siva e desinibida. A pessoa comesse distúrbio pode parecerrecatada e respeitável em um momento, exuberante e irreve-rente no seguinte. Cada personalidade tem sua própria voz emaneirismos, e a original geralmente nega ter conhecimento daoutra (ou outras).

Embora as pessoas diagnosticadas como tendo personalida-des múltiplas em geral não sejam violentas, já houve casos emque teriam se dissociado numa personalidade "boa" e outra "má"ou agressiva - uma versão moderna do médico e o monstro, Dr.JekyllJMr. Hyde, imortalizada na história de Robert Louis Ste-venson. Freud diria que, livre da consciência da personalidade"boa" original, a segunda personalidade, desenfreada, podedescarreaar seus impulsos proibidos. Um caso insólito, que porum mo~ento pareceu confirmar essa interpretação, foi o deKenneth Bianchi, o "Estrangulador de Hillside", levado a julga-mento pelo estupro e assassinato de 10 mulheres na Califórnia.Durante uma sessão de hipnose com Bianchi, o psicólogo JohnWatkins (1984) "invocou" uma personalidade oculta: "Conver-sei um pouco com Ken. Mas acho que talvez possa haver outraparte de Ken com a qual não falei:' uma parte CÍJ.!,é talvez seja umpouco diferente da parte com que falei .... Você falaria comigo,Parte, dizendo 'Estou aqui'?" Bianchi respondeu "Sim", e hou-ve o seguinte diálogo: .Watkins: Parte, você é a mesma coisa que Ken, ou é diferente de algu-ma maneira?

Bianchi: Eu não sou ele.

e 1,· Watkins: Você não é ele? Quem é você? Tem um nome?

.• Bianchi: Steve. Pode me chamar de Steve.

L

DistlÍrbios Psicológicos 327

Ao falar como Bianchi declarou que odiava Ken, porqueKen era bonzinho. Fora ele (Steve), ajudado por um primo, quemassassinara as mulheres. Ele também alegou que Ken nada sabiaa respeito de sua existência. Afirmou que Ken era inocente dosassassinatos.

A segunda personalidade de Bianchi era uma artimanha, umsimples meio de se eximir da responsabilidade por suas ações?(Bianchi, que foi mais tarde condenado, era um mentiroso expe-riente, que lera sobre personalidades múltiplas em livros de psi-cologia.) Estudando nossa capacidade para mudanças de perso-nalidade, Nicholas Spanos (1986, 1994, 1996) pediu a estudan-tes universitários que fingissem ser assassinos acusados sendoexaminados por psiquiatras. Quando receberam o mesmo trata-mento hipnótico de Bianchi, a maioria espontaneamente expres-sou uma segunda personalidade.

"A farsa pode se tornar realidade."PROVÉRBIO CHINÊS

Essa descoberta levou Spanos a especular: as personalidadesdissociativas são apenas uma versão mais extremada da capaci-dade humana normal de variar os "eus" que apresentamos, comoexibir um eu extrovertido e falastrão na convivência com osamigos, mas assumir um eu contido e respeitoso com os avós?Os clínicos que descobrem personalidades múltiplas estão ape-nas fazendo com que pessoas propensas a fantasias assumam umpapel? Se assim for, essas pessoas podem convencer a si mes-mas da autenticidade dos papéis que representam? São comoatores, que costumam relatar que "se perdem" em seus papéis?(Recorde o Capítulo 7, no qual Spanos também levantou essasquestões sobre o estado hipnótico. Levando-se em consideraçãoque a maioria dos pacientes portadores de múltiplas personali-dades é altamente hipnotizável, o que explica uma condição -dissociação ou representação de papel- pode ajudar a explicara outra.)

As pessoas que aceitam a identidade dissociativa como umdistúrbio genuíno encontram apoio nos estados distintos do cé-rebro e corpo associados com diferentes personalidades (Putnam,199J): O fato de a pessoa ser destra ou canhota também muda àsvezes com a personalidade (Henninger, 1992). Em um estudo,oftalmologistas constataram mudanças na acuidade visual e equi-líbrio dos músculos dos olhos quando os pacientes mudavam depersonalidade. Estas mudanças não ocorriam entre sujeitos ten-tando simular múltiplas personalidades (Miller & outros, 1991).

Mesmo assim, os céticos acham suspeito que o distúrbio sótenha se tornado popular recentemente. Na América do Norte, onúmero de diagnósticos explodiu de apenas dois casos registra-dos pot~década de 1930 a 1960 para mais de 20.000 na décadade 1980 (McHugh, 1995a). O número médio de personalidadesexibidas também cresceu ~ de 3 a 12 por paciente (Goff & Sims,1993). Era de se esperar, depois de papéis de múltiplas persona-lidades tão bem divulgados em livros e filmes da época, comoAs Três Faces de Eva e Sybil. Além disso, a maioria dos clínicosjamais encontrou um caso de dissociação da identidade, e o dis-túrbio é quase inexistente fora da América do Norte, embora emoutras culturas diga-se que algumas pessoas estão "possuídas"por um espírito alienígena (Aldridge-Morris, 1989; Kluft, 1991).Na Inglaterra, o diagnóstico - que alguns consideram u~ "ca-pricho americano absurdo" (Cohen, 1995) - é raro. Na India eJapão, é essencialmente inexistente. A

Para os céticos, essas constatações apontam um fenomenocultural- um distúrbio criado por terapeutas num contexto 80-

Page 12: DISTÚRBIOS PSICOLÓGICOS

Distúrbios de Ânimo

Distúrbio Depressivo Profundo

Os extremos emocionais dos distúrbios de ânimo ocorrem i" .

duas formas princi~ais: (l) distúrbio depressivo Prot~l!1d():~:~;que a pessoa expenmenta desesperança e apatia, até que aca-ba voltando ao normal; e (2) distúrbio bipolar (antes Cham,,,do distúrbio manz'aco-depressivo), em que a pessoa aJtern'lentre a depressão e a mania, um estado superexcitado ~hiperati vo.

cial particular (Merskey, 1992). Os céticos ressaltam como osterapeutas costumam fazer essa "pescaria": "Alguma vez ~ocê.sentiu como se outra parte de você fizesse coisas que você não.pode controlar? Essa parte de você tem um nome? Posso falar . No mundo ocidental, mais e mais jovens e adultos jovens vêmcom essa parte zangada de você?" Depois que os pacientes per- sofrendo de depressão. Que forma assume essa depressão? O [lU"

mitem que um terapeuta "fale com a parte de você que diz essas pode explicar a depressão ti sua incidência cada vez maior? . ~coisas violentas", eles começam a representar a fantasia. Alémdisso, insistem os céticos, "não é coincidência" que os estUdosde múltiplas personalidades tenham começado entre os pratican-tes de hipnose (Goff, 1993).

Com os distúrbios dissociativos, assim como também ocouecom os distúrbios de ansiedade, as perspectivas psicanalítica eda aprendizagem consideram os sintomas meios de lidar com aansiedade. Os psicanalistas os vêem como defesas contra a ansi-edade causada pela irrupção de impulsos inaceitáveis. Os teóri-cos da aprendizagem os vêem como comportamentos reforça-dos pela redução da ansiedade.

Para algumas pessoas, a depressão recorrente durante os meses escuroS doinverno constitui um distúrbio afetivo sazonal. Para outras, a escuridao do in-verno significa mais melancolia: "Você chorou hoje?" Porcentagem de america-nos respondendo que sim:

Talvez você saiba como é a depressão. Se é como a maioriados estudantes universitários, em algum momento durante esteano - mais provável nos meses escuros do inverno que nosdias brilhantes do verão - você deve expelimentar alguns dossintomas de depressão (Beck & Young, 1978). Pode sentir umprofundo desânimo com o futuro, insatisfação com sua vida,ou isolamento dos outros. Pode carecer de energia para fazercoisas, ou mesmo para se levantar da cama; ser incapaz de seconcentrar, comer e dormir normalmente; ou até especular senão seria melhor estar morto. Talvez o sucesso nos estudostenha sido muito fácil durante o curso secundário, e agora vocêdescobre que notas decepcionantes põem em risco seus obje-tivos. Talvez você se sinta solitário e isolado como um e,tu-dante "não-tradicional" .- voltando a estudar ciepois de tra-balhar por algum tempo ou de atender a compromissos fami-liares. Talvez dificuldadessocí!lis, como solidão ou o rompi-mento de um romance, o tenham mergulhado no desespero. Etalvez o hábito de ficar remoendo ás coisas às vezesag'rave oseu autotormento.

"Embora isso seja loucura, tem um certo método." .WILLlAM SHAKESPEARE

HAMLET1S00

Outros consideram os distúrbios dissociativos o que o psiqui-atra Frank Putnam (1995) chama de "distúrbios pós-traumáticos"- uma reação protetora natural a "histórias de trauma de infân-cia".·As pessoas diagnosticadas como tendo distúrbio de disso-ciação da identidade são em geral mulheres que teriam sofridoabuso físico, sexual ou emocional quando crianças (Gleaves,1996). Neste caso, talvez as múltiplas personalidades sejam es-forços desesperados da pessoa traumatizada querendo fugir paradentro de si mesma. Talvez as personalidades alternativas per-mitam que as memórias traumáticas reprimidas aflorem. Por maisinadaptados que possam ser, talvez esses distúrbios psicológi-cos expressem a luta humana para lidar com as tensões da vida.

Ou talvez, dizem os céticos, a condição seja concebida porpessoas propensas a fantasias, emocionalmente instáveis, oudesenvolvida a partir da interação terapeuta-paciente. "Essa epi-demia terminará da maneira como acabou a loucura das bruxasem Salem", prevê o psiquiatra Paul McHugh (1995b). "Os fe-nômenos [de múltiplas personalidades] serão encarados comofabricados, a explicação da 'memória reprimida' será reconhe-cida como equivocada, e os psiquiatras se tomarão imunes às prá-ticas que geraram esses artifícios." Agosto

Dezembro

Homens4%8%

Mulheres7%21%

RESUMOSob estresse, a percepção consciente pode se tomar dissociada(separada) de memórias, pensamentos e sentimentos anteriores.A amnésia dissociativa envolve o esquecimento seletivo, em geralcomo reação ao estresse. Ajitga dissociativa envolve não ape-nas o esquecimento da própria identidade mas- também a fugade casa. Os mais misteriosos de todos os distúrbios dissociati-vos são os casos de distúrbio de dissociaçiib da identidade. Apessoa afligida teria duas ou mais personalidades distintas, e aoriginal geralmente ignora a outra (ou outras). Os céticos ques-tionam se esse distúrbio não seria um fenômeno cultural, achan-do suspeito que só tenha se tomado popular recentemente.

TERMOS E CONCEITOS CHAVES distúrbios dissociativos, am-nésia dissociativa, fuga dissociativa, distúrbio de dissóciaçãoda identidade

Fonte: Pesquisa TlME/CNN, 1994

Ss:é O seu caso; saiba que você não está sozinho. A depressãoé o·''fesfriado comum" dos distúrbios psicológicos - uma ex-pressão que descreve de maneira eficaz sua difusão, mas não suaseriedade. Embora as fobias sejam mais comuns, a depressão éa principal razão para que as pessoas procurem os serviços desaúde mentaL

A depressão pode ser uma reação apropriada a eventos eleprofunda tristeza, como uma perda ou morte de alguém signifi-cativo. Sentir-se mal em reação a eventos dolorosos é estar emcontato com a realidade. Nessas ocasiões, a depressão é como aluz acesa de baixo nível de óleo num cano - um sinal que nOSadverte a parar e tomar providências protetoras. A depressão éuma espécie de hibernação psíquica: reduz a atividade, evita atralfos predadores, desperta simpatia. Diminuir e parar para remoer,como as pessoas deprimidas fazem, é reavaliar a própria vidaquando surge uma ameaça. Em termos biológicos, o propósito

Page 13: DISTÚRBIOS PSICOLÓGICOS

FOCO

suicídio

Figura 15.4 Aumento de índices de suicídio entreaClolescentes O suicídio entre adolescentestem aumentado desde 1960. (National Center for Health Statistics.)

metade dos índices de Canadá, Austrália e Esta-dos Unidos; os índices de suicídio austríacos. di-namarqueses e finlandeses são quase o dobro(U.S. Bureau of the Census, 1996).

Diferenças Raciais Nos Estados Unidos, os bran-cos têm duas vezes mais probabilidades de sematarem do que os negros (Bureau of the Census,1996).

Diferenças de Sexo As mulheres têm mais pro-babilidades do que os homens de tentarem o sui-cídio. Dependendo do país. no entanto, os homenstêm de duas a quatro vezes mais probabilidadesde conseguirem (Figura 15.3). (Os homens têmmais probabilidades de usar métodos infalíveis,como meter uma bala na cabeça, o método escó-Ihido em 6 de cada 10 suicídios nos Estados Uni-dos.)

Diferenças de Idade Devido em parte à melhoriadas informações e relatos (Gist & Welch, 1989), oíndice de suicídio conhecido entre jovens de 15 a19 anos mais do que dobrou nos Estados Unidosrlesde 1950 OUFlSA igJl818 8gora o íncfiCA de sui-cídio tradicionalmente maís alto entre os adultos(Figura 15.4). No Canadá, o índice de suicídioentre jovens de 15 a 18 anos aumentou seis ve-zes desde 1955 (NFFRE, 1996).

Outras Diferenças de Grupo Os índices de sui-cfdio são muito mais altos entre os ricos, não-reli-giosos e aqueles que são solteiros. viúvos ou di-vorciados (Hoyer & Lund. 1993; Stack. 1992;Stengel, 1981). Tanto nos Estados Unidos quan-to na Austrália, o aumento de suicídio entre osadolescentes abrange quase que apenas os ho-mens (Hassan & Carro 1989).

. As pessoas que çometem suicídio muitasvezes não o fazem quando se encontram nas'profundezas da çlepressão: éarecendo de ener-gia e iniciativa, mas sim ao começarem a serecuperar, tornando-se capazes de agir. Ossuicídios adolescentes podem decorrer de umevento traumático, como um rompimento amo-roso ou um ato anti-social eivado de culpa; cos-tumam se relacionar com o abuso de drogas eálcool (Fowler & outros, 1986; Kolata, 1986). Emcomparação com pessoas que não sofrem dequalquer distúrbio, os alcoólicos têm 100 vezesmais probabilidades de cometerem suicídio, ecerca de 3 por cento acabam fazendo isso(Murphy & Wetzel, 1990). Mesmo entre os quetentaram suicídio, os alcoólicos têm cinco ve-zes mais probabilidades de acabarem se ma-tando do que os não-alcoólicos (Beck & Steer,1989). Entre os idosos, o suicídio é às vezesescolhido como uma alternativa ao sofrimentofuturo. Em pessoas de todas as idades, o sui-cídio não é necessariamente um ato de hostili-dade ou vingança, como muitas pessoas pen-sam, mas pode ser um meio de interromper umador insuportável (Shneidman, 1987).

A sugestão social pode desencadear o atofinal. Depois de suicídios bastante divulgadose de programas de TV sobre o assunto, os sui-cídios conhecidos aumentam. O mesmo acon-tece com os "acidentes" fatais de carro e osdesastres com aviões particulares.

1993

Todas asidades

Mulheres.

Poucas pessoas que falam em suicídio ouacalentam pensamentos suicidas (o que incluium terço de todos os adolescentes e estudan-tes universitários) chegam a tentar o suicídio, epoucas das que tentam conseguem mesmo sematar (Centers for Disease Contrai, 1989;Westefeld & Furr, 1987). De qualquer forma, ametade das pessoas que cometem suicídiohavia falado sobre o assunto antes. E qualquerpessoa que ameaça suicídio está no mínimoenviando uma mensagem de seus sentimentosdesesperados ou desanimados.

Para descobrir quem comete suicídio, ospesquisadores compararam índices de suicídiode diferentes grupos.

Diferenças Nacionais Os índices de suicídio daInglaterra, Itália e Espanha são pouco mais que a

1960

15-19 anosdeidade

o suicídio entreadolescentesaumentou nos últimosanos

O índice maíor desuicídios entre oshomens aumenta coma idade avançada

15-2425-34 35-44 45-54 55-6465-74 75-84 85+Idade

Homens

índice de suicídiopor 100.000pessoas

Suicídios por100.000 pessoas 70

605040302010O

"Mas a vida, cansada dos grilhões do mundo,Jamais carece do poder para se elim·lnar."WILLlAM ,SHAKESPEAREJÚLlOCESAR1599

A cada ano, cerca de 750.000 pessoas nomundo inteiro, cansadas e desesperadas, di-zem não à vida, optando por uma soluçãopermanente para o que pode ser um problematemporário (Retterstol, 1993). Em retrospectiva,parentes e amigos podem recordar sinais queacham que deveriam tê-los alertado - insinu-ações verbais, a distribuição de pertences pes-soais, ou a reclusão e a preocupação com amorte. A maioria das pessoas que se matam jáestava deprimida. Um terço tentara o suicídioantes.

Figura 15.3 índices de suicídio por sexo e idade Nos Estados Unidos, os índices de suicídiosão mais altos entre os homens do que entre as mulheres. Os índices mais elevados são encon-trados entre os homens mai~ velhos. (Bureau of the Census, 1996.)

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330 hl!rmhJção à Psicologia Geral

da vida não é a felicidade, mas a sobrevivência e a reprodução.Por essa perspectiva, há sentido no sofrimento.

Mas quando essa reação se torna desadaptada? É difícil de-finir o limite entre a tristeza normal da vida e a depressão pro-funda. Alegria, contentamento, tristeza e desespero são pontosdiferentes de um contínuo, pontos em que qualquer um de nóspode ser encontrado a qualquer momento. Nesse contínuo, entrea tristeza temporária que todos experimentamos e o impacto su-focante da depressão profunda, há uma condição chamadadistúrbio distímico - um desânimo mais intenso, que se esten-de pela maior parte do dia, quase todos os dias, por dois anos oumais. Embora menos incapacitante do que a depressão profun-da, as pessoas com distúrbio distÍmico tendem a experimentaruma crônica falta de energia e baixa auto-estima, têm dificulda-de para se concentrar e tomar decisões, e dormem e comem de-mais ou muito pouco.

O distúrbio depressivo profundo ocorre quando sinais de de-pressão (inclusive apatia, sentimentos de inutilidade, ou perdade interesse pela família, amigos e atividades) duram duas se-manas ou mais, sem qualquer causa perceptível. A diferença entre~lm é!bé!t!mento depois de uma notícia triste e um distúrbio deânimo é como a diferença entre ofegar para respirar por algunsminutos depois de uma corrida e ter uma falta de fôlego crônica.

"Minha vida teve uma parada súbita. Eu era capaz de respirar,comer, beber, dormir. Não podia, na verdade, deixar de fazer

isso, mas não havia vida real em mim."LEON TOLSTOI

MY CONFESSION1887

Distúrbio BipolarCom ou sem terapia, episódios de depressão profunda em geralacabam. As pessoas deprimidas tipi~amente se recuperam -quase sempre retomando os padrões de comportamento anterio-res. Algumas pessoas, no entanto, retornam para o extremo emo-cional oposto - um estado de mania, eufórico, hiperativo, deotimismo desmedido. Se a depressão é viver em câmera lenta, amania é viver em ritmo acelerado. A alternância entre depressãoe mania indica o distúrbio b.ipolar. Durante a fase maníaca dodistúrbio bipolar, a pessoa geralmente se mostra loquaz, hipera-tiva, exultante (embora se irrite com facilidade se contrariada),com pouca necessidade de sono, demonstrando menos inibiçõessexuais. A fala é alta, volúvel, difícil de interromper.

Um dos sintomas desadaptados da mania é o exagero no oti-mismo e na auto-estima, o que pode levar a impulsos impruden-tes de gastos e investimentos. Embora as pessoas nUm estadomaníaco achem os conselhos irritantes, elas precisam de prote-ção para o seu julgamento deficiente. Em formas mais brandas,no entanto, a energia e o pensam«nto desenfreado da mania po-dem fomentar a criatividade. O distúrbio bipolar é especialmen-te comum entre artistas criati voS'(J amison, 1993, 1995). GeorgéFrideric Handel (1685-1759), que muitos aénam que sofria deuma forma branda de distúrbio bipolar, compôs seu Messias comquase quatro horas de duração durante três semanas de energiaintensa e criativa (Keynes, 1980). Os profissionais criativos quese baseiam na precisão e na lógica (pessoas como arquitetos,designers e jornalistas) são menos vulneráveis ao distúrbio bi-polar do que outras que se baseiam na expressão emocional eimagens vívidas (pessoas como poetas, romancistas e atores),registra Arnold Ludwig (1995).

"Todas as pessoas na história, literatur'a e aiteadmiro - Ivlozart, Shakespeare, Homero, EI

Chekov, Gregory de i'1yssa, Dostoievski, Emiiyse qualificariam para um atestado de

MADELE!NE l'EliGI::A CleCLE OF QUfI:T

Ocorre com as emoções o que acontece com todas as Oll-

tras coisas: o que sobe sempre desce. Não demora muito 'Yl"" . t /...la

que o ammo de exultação retorne ao normal ou mergulhe numabreve depressão. Embora tão desadaptado quanto a depressãoprofunda, o distúrbio bipolar é muito menos comum, incidindoem apenas 1 por cento da população. Ao contrário da depres-são profunda, o distúrbio bipolar aflige igualmente homens emulheres.

Explicando os Distúrbios de ÂnimoComo a depressão afeta demais a vida de muitas pessoas, ela temsido o tema de milhares de estudos. Psicólogos trabalham paradesenvolver uma teoria dos distúrbios de ânimo que sugirammeios de tratá-los ou preveni-los. O pesquisador Peter Lewin-sohn e seus colegas (1985) resumiram os fatos que qualquer te-oria da depressão deve explicar. Dentre eles se destacam os se-guintes:

Muitas mudanças cognitivas e de comportamento acompanham a depres-são. As pessoas deprimidas são inativas e desmotivadas. São tam-bém especialmente sensíveis a acontecimentos negativos, esperamresultados negativos, e têm mais probabilidade de recordar informa-ções negativas. Quando a depressão se dissipa, esses efeitos cog-nitivos e de comportamento desaparecem.A depressão é disseminada. O fato de ser tão comum sugere que suascausas também devem ser comuns.

o Em comparação com os homens, as mulheres são duas vezes mais vul-neráveis à depressão profunda, ainda mais se já se sentiram deprimidasantes (Figura 15.5). Em geral, as mulheres são mais vulneráveis aosdistúrbios passivos - estados interiorizados, como depressão, ansi·edade e desejo sexual inibido. Os distúrbios dos homens são maisativos - abuso de álcool, conduta anti-social, falta de controle deimpulso (ver Tabela 15.3). Curiosamente, a diferença de sexo para adepressão entre estudantes universitários é bem pequena (Regeth& Lewis, 1995).A maioria dos episódios de depressão profunda dura menos de 3 meses.Embora a terapia possa apressar a recuperação, a maioria da., pesosoas que sofre de depressão profunda retoma ao normal sem ajudaprofissional. A praga da depressão surge e, em poucas semanas oumeses, geralmente desaparece.Eventos estressantes relacÍ1lnados com o trabalho, casamento e relaci-onamentos Íntimos muitas vezes precedem a depressão. A morte de umparente, um corte de salário ou uma agressão física aumentam orisco de depressão (Shrout & outros, 1989). Amostras nacionais d~isr'i,elenses, cuja pequena nação é um laboratório ao vivo deestresse, revelaram maiores sentimentos de depressão depois quecomeçou a guerra entre Israel e Líbano em 1982 (Hobfoll & outros,1989). Cabe ressaltar também o elevado índice de depressão entreos habitantes de Beirute, uma cidade dilacerada por conflitos (Fi-gura 15.5).

A esses fatos podemos acrescentar mais um: a cada nova ge-ração, o Índice de depressão está aumentando e os distúrbioscomeçam mais cedo (agora com freqüência no final da adoles-cência). Acontece não apenas no Canadá e Estados Unidos, mastambém na Alemanha, França, Itália, Líbano, Nova Zelândia,Taiwan e Porto Rico (Cross-National Collaborative Group,1992). Na América do,Norte, os adultos jovens de hoje têm trêsvezes mais probabilidades que seus avós de relatarem uma de-pressão recente (ou em qualquer ocasião) - apesar de os avÓSterem tido muito mais anos de risco. Em um estudo do National

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Porcentagemda populaçãode 18-84 anostendo umadepressãoprofundaem algum -10momento da vida

5

O

DistÍlrbills PsítOlógicos 3:31

No mundo inteiro. asmulheres são maissuscetíveis àdepressão

EUA Edmonton Porto Rico

Homens MulheresParis Alemanha Florença

OcidentalBeirute Taiwan Coréia Nova

Zelândia

Figura 15.5 Sexo e depressão Entrevistas com 38.000 adultos em dez países confirmam o que muitos estudos menores haviam constatado: asmulheres têm o dobro do risco dos homens para a depressão profunda. Cabe ressaltar que o risco de depressões durante a vida varia com a cul-tura: de 1,5 por cento em Taiwan a 19 por cento em Beirute. (Dados de Weissman & outros, 1996.)

Insütute of Mental Health com 18.244 americanos, apenas 1 porcento dos que nasceram antes de 1905 havia sofrido uma depres-são profunda até os 75 anos. Entre os que nasceram desde 1955,6 por cento ji !"la'/iam ficado deprimidos :lté os 2S anos. O 8.U'~

mento parece genuíno, e não basicamente uma decorrência damaior disposição de adultos jovens a admitirem a depressão. Oaumento do índice de depressão aparece em ascensão drásticana proporção de pacientes psiquiátricos com distúrbios de âni-mo. Numa pesquisa em hospitais psiquiátricos universitários naAmérica do Norte, os diagnósticos de distúrbio de ânimo subi-ram de 10 por cento dos pacientes em 1972 para 44 por centoem 1990 (5to11 & outros, 1993).

Como era de se esperar, os pesquisadores compreendem einterpretam esses fatos de maneiras que refletem suas diferentesperspectivas. Para explicar a depressão, a teoria psicanalíticaemprega as idéias de Freud sobre a importância das experiênciase impulsos inconscientes no início da infância. Sugere que adepressão ocorre quando perdas significativas evocam sentimen-tos associados a perdas experimentadas ná infân"ia. A perda deum relacionamento amoroso ou de um emprego pode evocarsentimentos associados com a perda do relacionamento íntimocom a mãe. Ou então, a raiva não-resolvida contra o pai ou a mãepode se voltar contra o próprio eu. A perspectiva biopsicossoci-ai de hoje está substituindo essas explicações freudianas da de-pressão por explicações biológicas e cognitivas.

A Perspectiva Biológica

A maior parte do investimento em pesquisa de saúde mental temse concentrado ultimamente nos estudos das influências bioló-gicas sobre os distúrbios de ânimo. A depressão é urndistúrbiodo corpo inteiro, envolvendo predisposições genéticas, desequi-líbrios bioquímicos, ânimo melansólico e pensamentos negati-vos.

Influências Genéticas

Há muito que sabemos que os distúrbios de ânimo incidem nasfamílias. O risco de depressão profunda e de distúrbio bipolaraumenta se você tem pai, mãe ou irmão que se tornou deprimidoantes dos 30 anos (PauIs & outros, 1992; Weissman & outros,1986). Se um gêmeo idêntico tem um diagnóstico de distúrbiode depressão profunda, a possibilidade é de 1 em 2 de que emalgum momento o outro gêmeo também terá a mesma coisa. Se

um gêmeo idêntico tem distúrbio bipolar, as possibilidades sãode 7 em 10 de que o outro gêmeo venha a ter o mesmo problemaem algum momento. Entre gêmeos fraternos, as possibilidadesCGrrespcnde:1tes são de :nenos de 1 em 5 (Tsü.~ng & FaraGTIê,1990). A maior semelhança nas tendências depressivas de gê-meos idênticos ocorre até mesmo entre gêmeos criados separa-dos (DiLalla & outros, 1996). Além disso, pessoas adotadas quesofrem de um distúrbio de ânimo muitas vezes têm parentes bi-ológicos próximos que sofrem de distúrbios de ânimo, tornaram-se alcoólicos ou cometeram suicídio (Wender & outros, 1986).

Cerca de 50 por cento dos que se recuperam de depressão vão sofrer outroepisódio dentro de dois anos. A recuperação tem mais possibilidade de ser du-radoura quanto mais os pacientes permanecem bem, quanto menores foram osepisódios anteriores, quanto menor é o estresse que experimentam e quantomaior o apoio social com que contam (Belsher & Costel/o, 1988).

Está havendo agora uma busca pelos gens que expõem aspessoas ao risco de depressão. Pelo menos quinze grupos nomundo inteiro estão investigando os gens que tornam uma pes-soa vulnerável ao di~túrbio bipolar (Veggeberg, 1996). Para de-terminar que gens estão implicados, os pesquisadores usam a·análise de vinculação. Primeiro, encontram famílias que tiveramo distúrbio ao longo de gerações. Depois, extraem sangue depessoas da fall111iaafetadas e não-afetadas e examinam seu DNA,procurando por diferenças.

o Cérebro Deprimido

Os eventos bioquímicos influenciam o comportamento. A cha-ve bioquímica está nos neurotransmissores, as moléculas men-sageirãs que conduzem sinais entre as células nervosas. A no-repinefrina ou noradrenaliI).a, um neurotransmissor que aumen-ta a excitação e eleva o ânimo, é superabundante durante a maniae escassa durante a depressão. Um segundo neurotransmissor,a serotonina, também se toma escasso durante a depressão. Dro-gas que aliviam a mania reduzem a noradrenalina; drogas quealiviam a depressão tendem a aumentar os suprimentos de no-radrenalina ou serotonina, bloqueando sua absorção (como oProzac, o Zoloft e o Paxil fazem com a serotonina) ou colapsoquímico. Um exercício físico repetitivo, como correr, tambémaumenta a serotonina e ajuda a reduzir a depressão (Jacobs,1994).

Empregando os aparelhos mais modemos, os pesquisadoresestão localizando sinais neurológicos de depressão. Em estudosrecentes, descobriu-se que os cérebros de pessoas deprimidas são

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332 !nirodliçãlJ à Psir.ología Geral

menas ativos, indicando um estada de redução. de ritmo.. O labofrontal esquerdo, ativo durante as emoções positivas, tende a fi-car inativo (Davidson, 1992). Exames de ressonância magnéti-ca têm até mostrado que os lobos frontais se tornam 7 por centomenores em pacientes com depressão profunda (Coffey & ou-tros, 1993).

A Perspectiva Social~Cognitiva

Algumas pessoas resvalam para a depressão sem qualquer razão.aparente, mesmo quando tudo. carre bem em suas vidas. Muitasvezes, na entanto, os fatores bialógicas estão. vinculadas co.m asreações psicalógicas à experiência (Figura 15.6). Os pensamen-tas negativo.s da mente influenciam de alguma farma o.sevento.sbio.químico.s, que num CÍrculo.vicio.so.ampliam o.spensamento.sdepressi vo.s.

Pesquisas recentes revelam camo. as convicções de fracassoalimentam o.CÍrculo.vicio.so..As pesso.as deprimidas co.ntemplama vida através de óculas escuros. As supasições intensamentef'egc.tiv<lss"bre si mesmas. sua situação. e seu futuro levam-nasa ampliar as experiências ruins e minimizar as baas. Veja Nar-man, um prafessar universitária canadense, recardanda sua de-pressão.:

Eu [me desesperava] ao.pensar que nunca mais valtaria a ser huma-na. Cam tada a sinceridade, sentia-me subumana, mais baixa que averme mais baixa. Além disso., sempre me menasprezava, e não.padia entender por que alguém haveria de querer se assaciar a mim,muita menas me amar. ... Tinha certeza absaluta de que era umafraude, uma impastura, que não.merecia meu Ph.D. Também não.merecia meu carga; não.merecia ser catedrática. '" Não.merecia asbalsas de pesquisa que me haviam sido.cancedidas; não.padia cam-preender cama escrevera livros e artigas para publicações diversas,cama haviam sido.aceitas. Devia ter enganada uma parçãa de pes-saas. (Endler, 1982, pp. 45-49)

As canvicções de fracasso. padem derivar do.desamparo ad-quirido. Cama 'limas na Capítulo. 14, tanta cacho.rro.s quanto.humano.s ficam deprimido.s, passivo.s e retraído.s depo.is de ex-perimentarem eventas do.lo.ro.sas inco.ntroláveis. As mulheresco.m mais freqüência do.que o.sho.mens têm sido. vítimas de abu-so.o.u levadas a se sentir desamparadas, o.que po.de ajudar a ex-

Figura 15.6 Depressão - mente enferma num corpo enfermo Alterarqualquer componente do circuitoquímica-cognição-ânimopode alteraros outros.

plicar por que as mulheres são.duas vezes maispressão da que o.Shomens (Nolen-Hoeksema,plicação é a de que as homens suprimem com maisseus sentimentas negativos, procurando descarregá-los culos no álcool.)

Pensamentos Negativos Alimentam Ânimos Negalivos

Por que os fracassas inevitáveis da vida levam algumasmas não. autras, a se sentirem depIimidas? A diferença está Cil'

parte nas atribuições de culpa das pessoas. Temos a opção de :c;quem ou a que culparmos par nossos fracassos. Se vacê não PélSSéi

n~m exame e ~u1~a a SImesmo, pode se .sentir estúpido e depli-mIda. Se extenonza a culpa - talvez atnbuinda a fracasso a umexame injusto -, é mais provável que se sinta furiosa.

."Uma receita para a depressão. prafunda é o pessimismo pre-eXIstente se encantranda com o fracasso", abserva Martin Se-ligma~ (1~91, p. 78).1 depressão é muitas vezes pravocada porexpenenClaS estressantes - perder o emprego, se divarciar Oll

ser rejeitado, um trauma físico - qualquer coisa que perturbesc~ :;ensc de quem você é e por que é um S~r hl~m;:)nn rli,l"n,",(Hamiltan & outros, 1993; Kendler & outros, 1993). Ren;~e~depais do fracassa pode ser adaptativa; as percepções adquiri-das durante tempos de inatividade deprimida podem mais tarelepermitir melhores estratégias para interação com o mundo. Masas pessoas prapensas à depressão reagem aos acantecimentosruins de uma maneira especialmente desfocada, culpando a simesmas (Pyszczynski & autros, 1991; Woad & outros, 1990a,bl.Sua auta-estima ascila mais depressa para cima com elagios epara baixo cam ameaças (Butler & outros, 1994). Na baixa auto-estima, remoer amplia os sentimentas negativas, que por sua vezdesencadeiam sintamas cognitivos e comportamentais de depres-são.

Esse fenômeno também ajuda a explicar o risco duplo eledepressão das mulheres. Quando. o problema surge, as mulherestendem a pensar, os homens tendem a agir. Uma mulher poeleremoer e se tomar ansiosa ou deprimida, enquanto um homemprocura se distrair na bebida, mergulhando no trabalha, pratican-do. e assistindo a competições esportivas (Seligman, 1994).

Nenhuma pessaa está imune ao.desânimo., à redução. da auto-estima e da pensamento. negativa acarretados pela rejeição ouderrata. Camo Edward Hirt e seus calegas (1992) demanstraram,até mesmo pequenas derrotas podem amargurar temporariamentenosso pensamento. Eles estudaram alguns aficianadas de basque-te da Indiana University que pareciam considerar o time umaextensão de si mesmos. Depois que os torcedores ficavam de-primidos com uma derrata do time au exultantes cam uma vitó-ria,.bs pesquisadares pediam que previssem a futuro desempe-nha da equipe e o seu pr<?pria. Depais de uma denata, as torce-dores afereciam uma avaliação. mais desolada não. apenas dofuturo do time, mas também de seu próprio desempenho emjo-gar dardos, resolver anagramas e conseguir um encantro. Quan-do as caisas não. estão ao nosso gasta, pode parecer que jamaisestarão. Para as realmente deprimidos, esses sentimentas persis-tem por semanas a fia.

"Aorendi a aceitar meus erros ao relacioná-los com uma, história pessoal que não foi criada por mim."

B. F. SKtNNER1983

As pessoas deprimidas tendem a explicar os eventos ruinsem termas que são estáveis ("Vai durar para sempre"). globais

Page 17: DISTÚRBIOS PSICOLÓGICOS

20 ••

Círculo Vicioso da Depressão

"O homem nunca raciocina tanto e se torna tão introspectivocomo nas ocasiões em que sofre, já que está ansioso para

alcançar a causa de seus sofrimentos."LUIGI PIRANDELLO

SEIS PERSONAGENS A PROCURA DE UM AUTOR1922

Comportamentospositivos

Comportamentosnegativos

15

Porcentagem deobservações

Autoclassificação

Figura 15.7 O efeito do ânimo Um ânimo feliz ou depressivo influenciaa classificação que a pessoa confere ao próprio comportamento. Nesteexperimento, pessoas hipnoticamente induzidas a um bom ânimo per-ceberam muito mais comportamentos positivos do que negativos. O in-V8(Sú a.conteceu corfl as queíu(8.iil jnduzídas êt lH,-j lúáLi â-1-.j((10. (De f-O(-gas & outros, 1984.)

Portanto, há uma relação circular entre o ânimo deprimido eo pensamento negativo. A depressão causa o pensam.ento n~-gativo focalizado no eu, enquanto um estilo focalizado no eue de culpa pessoal para explicar os eventos expõe a pess.oaao risco de depressão quando surgem os 'acontecimentos ru-InS.

Outra fonte do círculo vicioso da depressão está em suasconseqüências sociais. Ser retraído, focalizado em si mesmoe lamuriento atrai rejeição (Gotlib & Hammen, 1992; Segrin& Dillard, 1992). Em um estudo, os pesquisadores StephenStrack e James Coyne (1983) observaram que "pessoas de-primidas induziam hostilidade, depressão e ansiedade em outrase eram rejeitadas. Suas conjecturas de que não eram aceitas nãoeram uma questão de distorção cognitiva". Cansado da fadiga,da desesperança e da apatia de uma pessoa deprimida, um côn-juge pode ameaçar ir embora ou um chefe pode começar a ques-tionar a competência da pessoa. Na verdade, as pessoas depri-midas têm um alto índice de divórcio e perda de emprego -eventos que só agravam a depressão. A desgraça pode adorar acompanhia de outra, mas a companhia não adora a desgraça deoutra.

Podemos agora juntar as peças do quebra-cabeça da depres-são (Figura 15.8): (1) eventos estressantes interpretados atravésde (2) um estilo explicativo ruminante e pessimista criam (3) umestado desesperançado e deprimido que (4) afeta a maneira comoa pessoa pensa e age.' Isso, por sua vez, alimenta (1) mais expe-riências negativas. É um ciclo que todos nós podemos reconhe-cer. Os ânimos ruins alimentam-se de si mesmos: quando nossentimos tristes, pensamos de maneira negativa e recordamos

("Está afetando mcio que eu faço") e internos tudo culpa~ünha"). Lyn Abramson, Gerald Metalsky e LamenAlioy(1989) teorizam que o resultado dessas atribuiçôes pessimis-tas, generalizadas e de culpa pessoal é um sentimento depres-sivo de desesperança. Se você tende a considerar notas ruins,rejeição social e problemas de trabalho como inevitáveis e culpasua, e se você remói essas coisas, então quando os eventosnegativos ocorrem haverá de experimentar um caso grave deabatimento.

Em pesquisa demonstrando esse efeito, Susan Nolen-Hoeksema e Jannay Morrow (1991) por acaso avaliaram os âni-mos e ruminações de estudantes da Indiana University 2 sema-nas antes do terremoto de 1989 devastar grande parte de suaárea. Os que foram identificados como propensos a remoereventos negativos demonstraram mais sintomas de depressãotanto 10 dias quanto 7 semanas depois do terremoto. Se vocêtem uma maneira otimista de interpretar eventos, é imprová-vel que um fracasso ou estresse provoque depressão (Seligman,1991). Mesmo que você fique deprimido, é mais provável quese recupere depressa (Metalsky & outros, 1993; Needles &Abramson, 1990).

Martin Seligman (1991, 1995) argumenta que a depressão écomum entre jovens ocidentais por causa de uma desesperançaepidêmica, que deriva da ascensão do individualismo e do de-clínio do comprometimento com a religião e a família. Ao con-frontar o fracasso ou a rejeição, diz Seligman, o indivíduo foca-lizado no eu assume a responsabilidade pessoal por problemas enão tem para onde recuar em busca de esperança. Em culturasnão-ocidentais, em que os relacionamentos unidos e a coopera-ção são a norma, a depressão profunda é menos comum e menosvinculada a assumir a culpa pelo fracasso pessoaL No Japão, porexemplo, as pessoas deprimidas tendem, em vez disso, a relatarum sentimento de vergonha por decepcionar os outros (Draguns,1990a).

Ânimos Negativos Alimentam Pensamentos Negativos

Há, no entanto, um problema relativo à determinação causal naexplicação social-cognitiva da depressão. Convicções de fracas-so, culpa pessoal e atribuições negativas com certeza sustentama depressão. Mas causam a depressão, tanto quanto o velocíme-tro de um carro marcando 100 km por hora causa a velocidadedo carro? Peter Bamett e Ian Gotlib (1988) observam que taiscognições são indicadores de depressão. Pensamentos depressi-vos coincidem com um ânimo deprimido. Mas antes ou depoisda depressão, os pensamentos das pessoas são menos negativos.Talvez isso aconteça porque, como ressaltamos ao analisar amemória condizente com o ânimo (Capítulo 9), um ânimo de-primido acarreta pensamentos negativos. Se você temporaria-mente põe as pessoas num ânimo ruim ou triste, suas memórias,julgamentos e expectativas se tomam de repente mais pessimis-tas.

Joseph Forgas e seus associfldos (1984) promoveram umaimpressionante demonstração do efeito do ânimo. Sujeitos fo-ram levados a um bom ou mau ânimo pela hipnose, e depois as-sistiram a um videoteipe de si mesmos falando com alguém nodia anterior. Os sujeitos felizes detectaram em si mesmos maisexemplos de comportamento positivo do que negativo; os sujei-tos infelizes se viram com mais freqüência se comportando demaneira negativa (Figura 15.7). Ou seja, mesmo quando assis-tem a si mesmas em videoteipe, as pessoas se julgam de um modomais negativo quando se sentem deprimidas.

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334 Introdução à PsiGoiogia Gerai

Figura 15.8 O círculo vicioso da depressão Este ciclo pode ser que-brado em qualquer ponto. O próximo capítulo descreve algumas técni-cas terapêuticas (Adaptado de Lewinsohn & outros, 1985.)

RESUMODistúrbio de Depressão Profunda Na elepressiio [Jll)IUn, .

pessoa - sem qualquer razão evidente __o cai por sen'nna';ou meses em extrema infelicidade, apatia e sentimentosinutilidade, antes ele retornar à normalidade. Embora meno,incapacitante, o distúrbio elistímico é caracterizado peJa pou-ca energia e baixa auto-estima crônicas.

Distúrbio BipolarNo distúrbio bipolar, menos comum, a pes-soa alterna entre a desesperança e a apatia da depressão e ~I

fase impulsiva da mania, hiperativa e superotimista.

Explicando os Distúrbios de Ânimo As pesquisas atuais so-bre a depressão estudam dois conjuntos de influências. O pri-meiro focaliza as predisposições genéticas e as anormaJid:.l_des neurotrammissoras. O segundo considera o círculo da de-pressão de uma perspectiva social-cognitiva, à luz de convic-ções de fracasso cíclicas, desamparo adquirido, atribuições ne-gativas e experiências aversivas.

1"ERiv.OS ~ CCNCErros CHAV!:S distúrbios de ?~~iTQj~i~=~(::'bio de depressão profunda, mania, distúrbio bipolar

2Estilo de explicar

os eventos deforma negativa

1Experiênciasestressantes/

.4Mudanças

cognitivas e de.comportamento

experiências ruins. Num aspecto mais animador, podemos rom-per o círculo da depressão em qualquer desses pontos - mudan-do para um ambiente diferente, invertendo as atribuições nega-tivas e de culpa pessoal, transferindo nossa atenção para o exte-rior ou nos empenhando em atividades mais agradáveis e numcomportamento mais adequado e hábil.

Winston Churchill chamou a depressão de um "cão negro"que o assediava periodicamente. A poetisa Emily Dickinson sen-tia tanto medo de desatar a chorar em público que passou a mai-or parte de sua vida adulta em reclusão (Patterson, 1951).Abraham Lincoln era tão retraído e sorumbático quando jovemque os amigos temiam que ele pudesse cometer suicídio (Kline,1974). Como cada uma dessas vidas nos lembra, as pessoas po-dem e lutam através da depressão. A maioria recupera a capaci-dade de amar, de trabalhar e até de alcançar o êxito nos mais altosníveis.

EsquizofreniaA esquizofrenia é um distúrbio pSicótico em que uma pessoa perdeo contato com a realidade, experimentando idéias bastanteirracionais ou percepções distorcidas. Que formas a esquizofreniaassume? E quais. são as suas possíveis causas?

Se a depressão é o resfriado comum dos distúrbios psicológicos,a esquizofrenia crônica é o câncer. Cerca de 1 em lOO'pessoasvai desenvolver esquizofrenia, juntando-se a milhões de outrasno mundo inteiro que sofrem de um dos mais temidos distúrbiosda humanidade. Ocorre tipicamente na adolescência ou inicio da

FOCOSolidão

táveis e compromissos com outros são "fatoresque provocam a solidão".

As pessoas em geral experimentam um oumais de quatro tipos de solidão (Beck &Young, 1978). Estar solitário é se sentir ex-

~J<luído de um grupo a que você gostaria depertencer; é se sentir pouco amado e ignora-do pelas pessoas ao s'eu redor; é se sentirrestringido e incapaz de partilhar suas preo-cupações pessoais com alguém; ou se sentiralienado, diferente das outras pessoas de suacomunidade.

Como os deprimidos, as pessoas solitárias,tendem a culpar a si mesmas, atribuindo a de-ficiência dos relacionamentos sociais às suaspróprias inadequações (Snodgrass, 1987).

A solidão - a percepção angustiante de queos relacionamentos sociais de uma pessoasão deficientes - é ao mesmo tempo um fa-tor que contribui para a depressão e o seupróprio problema. A deficiência deJiva da dis-crepância entre os contatos sociais'reais e de-sejados da pessoa. Alguém pode se sentirsolitário quando isolado; outro, no meio damultidão.

Ficar sozinho muitas vezes gera a solidão.Pessoas que estão sozinhas - solteiras, semcompromissos, quase sempre jovens - têmmais probabilidades de se sentirem solitárias.A psicóloga holandesa Jenny de Jong-Gierveld(1987) especulou que a ênfase à realização in-dividuai e a depreciação de relacionamentos es-

Pode haver uma base para esse sentimento deculpa: as pessoas com solidão crônica tendema ser tímidas, contrafeitas, sem auto-estima, ese percebem como menos competentes e atra-entes em termos sociais (Cheek & Melchior,1990; Lau & Gruen, 1992; Vaux, 1988). Muitasvezes têm dificuldades para se apresentarem.telefonarem e participarem de grupos (Rook.1984; Spitzberg & Hurt, 1987). Além disso,. aprópria convicção da falta de mérito SOCialrestringe a possibilidade de notar e lembíar dofeedbackpositivo e de tomar providências parareduzir a solidão (Frankel & Prentice-Dunny.1990). Portanto, os fatores que atuam para Cri-ar e manter o círculo da depressão também po-dem produzir um círculo de solidão.________________ ..... ~ ~_~~.=_...-'-·5...~~

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[)lstÍlr!lios

vida adulta. Não conhece fronteiras de nacionalidade, e afetahomens e mulheres com igualdade.

sido comparadas a sonhos irrompendo na mente desperta. Quan-do o irreal parece real, as percepções resultantes são na melhordas hipóteses bizalTas, e na pior aterradoras.

Tabela 15.2 Subtipos de Esquizofrenia

Emoções e Ações Impróprias

Tipos de Esquizofrenia

Sintomas de esquizofrenia que não se enquadram nostipos acima

Imobilidade (ou movimento excessivo, sem propósilo).negativismo extremo e/ou repetir como papagaiopalavras ou movimentos de outro

Fala ou comportamento desorganizado, ou emoçãoimprópria

Preocupação com ilusões ou alucinações

Indiferencíado,ou residual:

Desorganizado:

Catatônico:

Paranóico:

As emoções da esquizofrenia são com freqüência totalmenteimpróprias. As emoções de Maxine pareciam se dissociar darealidade. Ela ria depois de recordar a morte da avó. De vez emquando, ficava furiosa sem qualquer motivo aparente, ou chora-va quando os outros riam. Outras vítimas de esquizofrenia caemàs vezes num estado de zumbi, de aparente apatia.

O comportamento motor também pode ser impróprio. A pes-soa pode efetuar atos sem sentidos, compulsivos, como balan-çar ou esfregar um braço sem parar. Aqueles que exibem cata-tonia podem permanecer imóveis por horas a fio, para depois setomarem agitados.

Como é fácil imaginar, o pensamento desorganizado, os dis-túrbios perceptivos e as emoções e ações impróprias acabam comos relacionamentos sociais. Durante os períodos de maior inten-sidade, os esquizofrênicos vivem num mundo interior particu-lar, preocupados com idéias ilógicas e imagens irreais. Emboraalgumas pessoas sofram de esquizofrenia apenas em caráter in-termitente, outras permanecem socialmente retraídas e isoladasdurante grande parte de suas vidas. Raramente a esquizofrenia éum episódio único, que é "curado" para nunca mais voltar.

Descrevemos a esquizofrenia como se fosse um distúrbio singu-lar. Na verdade, é um grupo de distúrbios com característicascomuns, mas também com alguns sintomas distintos. Os paci-entes de esquizofrenia com sintomas positivos são desorganiza-dos e com a fala fragmentada ou propensos a risos, lágrimas ouraiva em momentos impróprios. Os que têm sintomas negativosexibem voz sem entonação, rosto inexpressivo ou corpo rígido.Como a esquizofrenia é mais do que um distúrbio (Tabela 15.2),pode haver mais de uma causa.

Às vezes, como no caso de Maxine, a esquizofrenia se desen-volve gradativamente, emergindo de uma longa história de ina-dequação social (o que explica em parte por que as pessoas pre-dispostas à esquizofrenia muitas vezes acabam nos níveis socio-econômicos inferiores, ou até como desabrigadas). Há uma re-gra que se constata no mundo inteiro (Organização Mundial deSaúde, 1979): quando a esquizofrenia é um processo de desen-volvirpento lento (chamada crônica ou processo de esquizofre-nia),' a recuperação é duvidosa. Quando, em reação a estressesespecíficos da vida, uma pessoa antes bem-ajustada desenvolve

Uma pessoa com esquizofrenia pode perceber coisas que nãoexistem.

Essas alucinações (experiências sensoriais sem estimulaçãosensorial) são em geral auditivas. A pessoa pode ouvir vozes quef~zem declarações insultuosas ou dão ordens. As vozes podemdIzerao paciente que ele está mal ou que deve se queimar comUm isqueiro. Menos comumente, as pessoas vêem, sentem, sa-

ou cheiram coisas inexistentes. Essas alucinações têm

Distúrbios do Pensamento

Imagine tentar se comunicar com Maxine, uma jovem cujos pen-samentos se sucedem sem qualquer ordem lógica. Sua biógrafa,Susan Sheehan (1982"p. 25; 1995) observou-a dizendo em vozalta, sem se dirigir a ninguém em particular:

"Esta manhã, quando esti ve em Hillside [o hospital], estava fazen-do um filme. Fiquei cercada por artistas de cinema. O técnico deraios-X era Peter Lawíord. O segurança era Don Knotts. Aquelemédico indiano no Setor 40 era Lou Costello. Eu sou Mary Poppins.Esta sala foi pintada de azul para me aborrecer? Minha avó morreuquatro semanas depois que completei dezoito anos."

Como este estranho monólogo ilustra, o pensamento do paci-ente de esquizofrenia é fragmentado, bizarro e distorcido porfalsas convicções, chamados delírios ("Eu sou Mary Poppins").Pular de uma idéia para outra pode ocorrer até mesmo dentro dasfrases, criando uma espécie de "salada de palavras". Um rapazsuplicou por "um pouco mais de allegro no tratamento", e suge-riu que "o movimento de libertação, com o objetivo de alargar ohorizonte" vai "extorquir um pouco de animação das aulas". Aspessoas com tendências paranóicas podem ter delírios de perse-guição ou de grandeza.

Muitos psicólogos acham que os pensamentos desorganiza-dos resultam de um colapso na atenção seletiva. Recorde do Ca-pítulo 6 que normalmente temos uma extraordinária capacidadepara a atenção seletiva - por exemplo, para concentrar nossaatenção indivisa numa voz específica durante uma festa, bloque-andoos estímulos sensoriais concomitantes. Os pacientes de es-quizofrenia têm a atenção deteriorada (Gjerde, 1983). Assim, umestímulo irrelevante ou uma parte sem importância do pensamen-toanterior os distrai com a maior facilidade. Estímulos mínimos,cornosulcos num tijolo ou as inflexões de uma voz, podem des-viarsua atenção de toda a cena ou do significado da fala de umapessoa. Como um ex-paciente de esquizofrenia recordou: "O queaconteceu comigo ... foi um colapso no filtro. Com isso, umamiscelânea de estímulos não-relacionados me distraía de coisasque deveriam contar com a minha atenção total" (MacDonald,1960, p. 218).

Distúrbios Perceptivos

Em tradução literal, eSQuizofrenia significa "mente dividida".Refere-se não a uma divisão de múltiplas personalidades, massim a uma divisão da realidade, que transparece em distúrbiosdopensamento, distúrbios perceptivos e emoções e ações impró-prias.

Sintomas da Esquizofrenia

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a esquizofrenia depressa (aguda ou reettiva), a recuperação émuito mais provável. Aqueles com esquizofrenia crônica mui-tas vezes apresentam o sintoma negativo de retraimento. A pers-pectiva é melhor para os que exibem sintomas positivos - commais freqüência, reagem melhor à terapia com drogas (Fentol1& McGlashan, 1991, 1994; Fowles, 1992).

Compreendendo a EsquizofreniaA esquizofrenia é nào apenas o mais temido distúrbio psicológi-co, mas também um dos mais pesquisados. A maioria das novaspesquisas vincula a esquizofrenia a anormalidades no cérebro ea predisposições genéticas.

Anormalidades no Cérebro

A idéia de que desequilíbrios na química do cérebro podem es-tar por trás da esquizofrenia há muito que tem intrigado os cien-tistas. Eles sabiam que comportamentos estranhos podiam terestranhas causas químicas. O ditado "louco como um chapeleiro"refere-se à deterioraçào psicológica dos chapeleiros britânicos,cujos cérebros, como se descobriu mais tarde, eram lentamenteenvenenados quando umedeciam com os lábios as abas dos cha-péus de feltro impregnados de mercúrio (Smith, 1983). Comovimos no Capítulo 7, os cientistas começam a compreender omecanismo pelo qual as substâncias químicas como o LSD pro-duzem alucinações. Essas descobertas indicam que os sintomasda esquizofrenia podem ter uma explicaçào bioquímica.

Hiperatividade de Dopamina

Uma das chaves para a esquizofrenia envolve o neurotransmis-sor chamado dopamina. Quando pesquisadores examinaram cé-rebros de pacientes depois da morte, descobriram um excesso dereceptores de dopamina - na verdade, um excesso seis vezesmaior para o receptor de dopamina D4 (Seeman & outros, 1993;Wong & outros, 1986). Um nível tão alto pode intensificar ossinais do cérebro, especulam os pesquisadores, criando sintomaspositivos de esquizofrenia. Assim, como se pode esperar, dro-gas que bloqueiam os receptores de dopamina muitas vezes ate-nuam os sintomas da esquizofrenia. Drogas que aumentam osníveis de dopamina, como anfetaminas e cocaína, às vezes in-tensificam os sintomas da esquizofrenia (Swerdlow & Koob,1987). Essa hiperatividade de dopamina pode ser o fator que fazas vítimas de esquizofrenia terem reações excessivas a estímu-los externos e internos irrelevantes.

Anatomia do Cérebro

As modernas técnicas de examé cerebral revelam que muitaspessoas com esquizofrenia crônica têm um'tecido cerebralanormal. Algumas têm ativid3'decerebraL-anormalmente bai-xa nos lobos frontais (Pettegrew & outros, 1993; Resnick, 1992).Um estudQ recente efetuou tomografias da atividade cerebralenquanto as pessoas tinham alucinações (Silbersweig & oútros,1995). Quando ouviam uma voz ou viam alguma coisa, o cére-bro se tomava vigorosamente ativo em diversas regiões essen-ciais, inclusive o tálamo, que transmite sinais sensoriais para ocórtex.

Áreas aumentadas e cheias de líquido e uma diminuição cor-respondente de tecido cerebral parecem características da esqui-

zofrenia, especialmente nos homens 6:Elkis & outros, 1995). Quanto maior a diminuiC80ser o distúrbio elepensamento (Shenton &. outra's' ,mo também é menor do que o normal, o que podeque as pessoas com esquizofrenia têm dificuldades paraos inputs sensoriais e concentrar a atenção (Andreaseí~ &1994). A conclusão de vários estudos do cérebro, relata~~dreasen (l~97), é de <quea esquizofrenia envolve não um1umca anormalIdade do cerebro, mas problemas com vári", 'e "ões do cérebro e suas interconexões. a. '\ôj,

É claro que os cientistas especulam o que causa essas ano"-malidades do cérebro. Uma possibilidade é um problema 01'6-natal. Pessoas concebidas durante o auge da fome holandesaem tempo de guerra apresentavam um índice dobrado de es-quizofrenia (Susser & outros, 1996). Uma infecção virótica nomeio da gravidez que pode prejudicar o desenvolvimento Ct;-rebral do feto é outra possível culpada (Waddington, 1993)Você pode imaginar alguns meios de testar essa idéia do vírusfetal? -

Cientistas estudando essa possibilidade formularam as seguin-t-,:;:l.(' nnp.ç'ti)pc·,_~ _j"'_~W_~'

As pessoas têm um risco aumentado de esquizofrenia se, durante omeiodo desenvolvimento fetal, seu país experimentou uma epidemia de "ri.pe? A resposta repetida é sim (Mednick & outros, 1994; Murray &outros, 1992; Wright & outros, 1995),As pessoas que nascem durante os meses de inverno e primavera _depois da temporada de gripe do outono-inverno - também têm umrisco aumentado? A resposta é sim, com um risco aumentado de 5 a15 por cento (Pulver & outros, 1992; Torrey & outros, 1977, 1993,1996; Wright & Murray, 1993),No hemisfério sul, onde as estações são o inverso do hemisfério norte, osmeses de nascimentos com esquizofrenia acima da média também sãoinvertidos? Mais uma vez, a resposta é sim. Na Austrália, por exem-plo, as pessoas nascidas entre agosto e outubro correm um riscomaior - a menos que tenham migrado do hemisfério norte, e nestecaso o risco é maior se nascidas entre janeiro e março (McGrath &outros, 1995).À medida que os índices de doenças infecciosas declinam, tem havidoum declínio correlato na incidência posterior de esquizofrenia? Maisumavez, a resposta é sim (Eagles, 1991).

Embora a esquizofrenia tenha outras causas também (como apesquisa genética deixa claro), essas linhas convergentes de evi-dências sugerem que as infecções viróticas pré-natais desempe-nham um papel importante.

Fatores Genéticos

As pessoas podem também herdar uma predisposição para de-terminadas anormalidades do cérebro? As evidências sugeremque ªlgumas podem. A probabilidade de 1 em 100 de qualquerpessda ser diagnosticada com esquizofrenia passa a ser de Ipara10 entre os que têm um irmão, pai ou mãe com o problema, e deperto de 1 em 2 para quem tem um gêmeo idêntico afetado.Embora apenas uma dúzia de casos assim seja conhecida, pare-ce que um gêmeo idêntico de uma vítima de esquizofrenia con-serva essa probabilidade de 1 em 2 quer os gêmeos tenham sidocriados juntos ou separados (Plomin & outros, 1997),

Curiosamente, porém, mesmo com gêmeos idênticos podehaver um componente ambiental pré-natal. Cerca de 60 por cen-to dos gêmeos idênticos partilham a mesma placenta. (Em geralo gêmeo idêntico é canhoto ou destro, em oposição a seu irmão.)Se você tem um gêmeo idêntico com esquizofrenia e se parti-lhou a placenta, é bem provável que também partilhe distúr-bio. Gêmeos que têm a mesma placenta têm mais probabilida-des de experimentar os mesmos vírus pré-natais (Davl, & ou-

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FOCO----~=~~~....,=~-~-~=~~~~~=-"-A Experiência da Esquizofrenia

Fatores Psicológicostras, 1995a,b). Portanto, é possível que germes partilhados, alémde gens partilhados, produzam as semelhanças de gêmeos idên-ticos.

Estudos de adoção, no entanto, confirmam que o vínculogenético é real (Gottesman, 1991). Crianças adotadas por al-guém que desenvolve esquizofrenia raramente contraem odistúrbio. Em vez disso, as crianças adotadas têm um riscoelevado se pai ou mãe biológico tiver esquizofrenia. Além dis-so, vários estudos de vinculação têm indicado os cromossomos6 e 22 como os locais dos gens que tomam algumas pessoas sus-cetíveis à esquizofrenia (DeAngelis, 1997; Lander & Kruglyak,1995).

A contribuição genética para a esquizofrenia é incontestável.Mas o papel genético não é tão claro quanto a herança da cor dosolhos. Afinal, metade dos gêmeos que partilham genes idênti-cos com uma vítima de esquizofrenia não desenvolve o distúr-bio. Por isso, os geneticistas do comportamento Susan Nicol eIrving Gottesman (1983) concluíram que algumas pessoas "têmuma predisposição genética para o distúrbio, mas esta predispo-sição por si só não é suficiente para o desenvolvimento da es-quizofrenia" .

Tendo em vista as influências genéticas sobre distúrbios comoesquizofrenia e distúrbio bipolar, os cientistas podem desenvol-ver testes genéticos que revelem quem corre risco? Se assim for,as pessoas no futuro submeterão seus embriões ao teste genéti-co (e à reparação de genes ou aborto se houver risco de enfermi-dade psicológica ou física)? Ou poderiam levar seus óvulos e es-permatozóides para laboratórios de genética para uma verifica-ção, antes de combiná-los para produzir umembrião? Ou as cri-anças podem ser testadas em relaçâo a risc6S' genéticos e rece-ber tratamentos preventivos apropriados? Embora haja uma cres-cente possibilidade de um teste desses, os padrões de herançaparecem complexos demais para se esperar que uma única anor-malidade genética seja profética (Gottesman, 1993). Mas, coma explosão das tecnologias de pesquisa dos gens e do cérebro, oscientistas estão otimistas, convencidos de que a esquizofrenia serámuito mais bem compreendida quando ingressarmos no novomilênio.

a sensação de que havia milhares de abelhaszumbindo nas paredes. Não havia trégua. Erade enlouquecer. Finalmente, senti a mão demeu pai tocar em minha cabeça e encontrei umpouco de paz.

Quando alguém me pede para explicar a es-quizofrenia, eu digo: sabe o que acontece àsvezes quando você sente que vive os sonhos ealguns parecem pesadelos reais? Minha esqui-zofrenia era como se eu andasse por um sonho.Mas tudo ao meu redor era real. Às vezes omundo de hoje me parece tão chato que espe-culo se não gostaria de voltar ao sonho esqui-zofrênico, mas depois me lembro de todas asexperiências horríveis e assustadoras. (Extraí-do e parafraseado com permissão de StuartEmmons, Craig Geisler, Kalman J. Kaplan eMartin Harrow, Living with Schizophrenia.Muncie, Indiana: Taylor & Francis, 1997.)

Se, por si sós, as anormalidades fisiológicas de predisposi-ção genética não causam a esquizofrenia, os fatores psicoló-gicos sozinhos também não causam. Permanece verdade,como Nicol e Gottesman (1983) ressaltaram, que: "Não fo-ram descobertas causas ambientais que invariavelmente, oumesmo com probabilidade moderada, produzem a esquizo-frenia em pessoas que não estejam relacionadas com o esqui-zofrênico."

Não obstante, se os genes predispõem algumas pessoas a re-agirem a experiências específicas desenvolvendo esquizofrenia,então deve haver experiências identificáveis que acionem o pro-cesso. Os pesquisadores têm indagado: o estresse pode desenca-dear a esquizofrenia? As dificuldades de comunicação na famí-lia podem ser um fator contribuinte?

A resposta a cada pergunta é um veemente talvez. Os gati-lhos psicológicos da esquizofrenia têm se mostrado enganosos,em parte porque podem variar com o tipo de esquizofrenia e arapidez de seu início - quer seja uma esquizofrenia crônica, dedesenvolvimento lento, ou uma reação súbita e aguda ao estres-se. É verdade que os jovens com esquizofrenia tendem a ter co-municações extremamente perturbadas com os pais. Mas isso éuma c,ausa ou um resultado do distúrbio? É verdade que experi-ências estressantes, anormalidades bioquímicas e sintomas deesquizofrenia muitas vezés ocorrem juntos. Mas, como a pers-pectiva biopsicossocial enfatiza, o tráfego entre a bioquímica docérebro e experiências psicoló&icas funciona nos dois sentidos;portanto, é difícil distinguir causa e efeito. É verdade que o re-traimento esquizofrênico ocorre com freqüência na adolescên-cia ou início da vida adulta, coincidindo com os estresses de terde se tomar independente, afirmar-se e alcançar sucesso social erelacionamentos afetivos. Assim, a esquizofrenia é a reação deenfrentamento inadaptada de pessoas com vulnerabilidade bio-lógica?

Na expectativa de identificar as causas psicológicas da esqui-zofrenia, vários investigadores estão agora acompanhando odesenvolvimento de crianças de "alto risco", como as que nas-

mida na cantina. Quando ia à cantina, minhamão tremia no momento em que a garçonetedespejava o que eu pensava ser café envene-nado em minha xícara, Achava que todos nacantina sabiam que eu ia morrer, Todos acha-vam que era uma pena, mas eu era tão mau que .se tornava necessário.

Num sábado tornei limonada para tentarneutralizar o veneno. E depois fui tornar umbanho de chuveiro para tentar lavar o venenoque saíra com o suor. Eu me sentia tão nervo-so que mal podia raciocinar, Pensava que só merestavam poucas horas para viver, Pensei empegar um ônibus e voltar para a casa de meuspais. Mas não adiantava, pensei, já era tardedemais para isso.

Um dia, quando meu estranho comporta-mento me levou a uma cela na cadeia, as pa-redes começaram a zumbir como abelhas. Tive

Estas recordações de uma pessoa que se recuperouda esquizofrenia ilustram alguns dos pensamentos esentimentos dos que sofrem de sintomas esquizofrê-nicos positivos. Note as alucinações e os delirios deperseguição e de grandeza.

Uma noite fui convidado para ouvir uma pales-tra de alguém que trabalhava no serviço inter-nacional. Fiquei desconfiado, achei que ele pen-sava que eu era um espião comunista. Não fa-lei nada. Apenas me recostei e o fitei fixamen-te.

Achava que o governo espionava meu quar-to através de uma luneta num prédio no outrolado da rua. Achava que as pessoas enchiamm'!nha comida de sal na cantina. Numa aula decriminologia, pensei que o professor e os outrosalunos estavam rindo de mim. Achava que elescomandavam o envenenamento da minha co-

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ceram de pai ou mãe com esquizofrenia CErlenmeyer-KimJing& outros, 1995; Olin & Meclnick, 1996). Comparando criançasde alto risco e de baixo risco que desenvolveram e não desen-volveram esquizofrenia, esses pesquisadores procuram os primei-ros sinais de aviso da esquizofrenia. Até agma, esses sinais pa-recem incluir os seguintes:

Uma mãe cuja esquizofrenia foi grave e longaComplicações ao nascimento e baixo peso ao nascimentoSeparação de paisBreve espaço de tempo de atenção e coordenação muscular defi-cienteComportamento destruidor ou reservadoImprevisibilidade emocionalRelações precárias com os colegas

A maioria das pessoas pode lidar com mais facilidade comos altos e baixos dos distúrbios de ânimo do que com os pen-samentos bizarros, percepções e comportamentos da esquizo-frenia. Às vezes nossos pensamentos são desencontrados, masnão falamos de maneira incoerente. De vez em quando nossentimos injustamente desconfiados de alguém, mas não te-mos o medo de que o mundo conspira contra nós. Muitas ve-zes nossas percepções se enganam, mas raramente vemos ououvimos coisas que não existem. Já nos arrependemos de rirdo infortúnio de alguém, mas raramente rimos em resposta amás notícias. Às vezes queremos apenas ficar sozinhos, masnão vivemos no isolamento social. Contudo, milhões de pes-soas no mundo inteiro falam de maneira estranha, sofrem deilusões, ouvem vozes inexistentes, vêem coisas que não exis-tem, riem ou choram em momentos impróprios, ou se retraempara mundos imaginários particulares. Como isso é verdade, abusca para esclarecer o cruel enigma da esquizofrenia conti-nua.

RESUMOA esquizofrenia geralqJ.ente surge durante a adolescência.Afeta homens e mulheres em proporções iguais e parece ocor-rer em todas as culturas.

Sintomas da Esquizofrenia A esquizofrel).iase manifestano pensamento desorganizado (fala incoerente e delírios,que podem derivar de um colapso da atenção seletiva); dis-túrbios da percepção (inclusive alucinações); e emoções eações impróprias. Raramente é um episódio que só ocorre umavez.

Tipos de Esquizofrenia A esquizofrenia é um conjunto dedistúrbios. Pode emergir pouco a pouco de uma história crô-nica de inadequação social (e neste caso a perspectiva é som-bria) ou de repente, em reação a um estresse Ceneste caso aperspectiva de recuperação é m~ior).

Compreendendo a Esquizofrenia Como fizeram com a depres-são, os pesquisadores vincularam certas f9r.mas de esquizo-frenia a anormalidades no cérebro, como cavidades cerebraisaumentadas e cheias de líquido, ou aumento dos receptorespara o neurotransmissor dopamina. Estudos de gêmeos edefilhos adotados também apontam para uma predisposiçãogenética, que pode, juntamente com os fatores ambientais, pro-vocar um distúrbio esquizofrênico.

TERMOS E CONCEITOS CHAVES esquizofrenia, delírios, alu-cinações

DishírlJios da PersonalidadeAlguns padrões de comportamento desadaptado prejudicam ü

IUl1cio!1amel1to social da pessoa sem ansiedade, depressão oudelírios. Para a sociedade, o mais perturbador de todos é odistlÍrbio de personalidade anti-sociaL

A lua cheia provoca a "loucura" em algumas Rotton e I, Vv'.(1985) examinaram os dados de 37 estudos que relacionavam a faseo crime em geral, homicídios, chamados de emergência etais psiquiátricos. Sua conclusão: não há qualquer indicação de dacheia". Também nenhuma fase lunar se correlaciona com suicídios. agressõesidas a pronto-socorro ou desastres de carro (Byrnes & Kel/y, 1992; ,tros, 1990; Martin & outros, 1992).

Os distúrbios de personalidade são padrões de comportamentoinflexíveis e duradouros que prejudicam o funcionamento sã-cial da pessoa. Uma pessoa com distúrbio de personcllidade his-triônica exibe emoções~superficiais para atrair a atenção. Os in-divíduos histriônicos fazem de tudo para conquistar os elogios ereforços dos outros. Os que têm o distúrbio de personalidadenarcisista exageraüi a p1ópria Üilportâiicia, ajüdâd05 P0i' LÜÚd-sias de sucesso. Acham as críticas difíceis de aceitar, muitas vezesreagem com raiva ou vergonha. Os que têm distúrbio de perso-nalidade limítrofe apresentam uma identidade instável, relacio-namentos instáveis e emoções instáveis. Se personalidade é umpadrão persistente de pensamento, sentimento e ação, então umsenso instável do eu define uma "personalidade limítrofe".

O mais freqüente desses distúrbios e o mais perturbador paraa sociedade é o distúrbio de personalidade anti-social. A pessoaCantes chamada de sociopata ou psicopata) é tipicamente do sexomasculino, cuja falta de consciência se toma patente antes dos15 anos, à medida que ele começa a mentir, roubar, brigar ouexibir um comportamento sexual descontrolado. Cerca de meta-de dessas crianças se tomam adultos anti-sociais - incapazesde manter um emprego, irresponsáveis como cônjuges e pais,agressivos ou criminosos (Farrington, 1991). Quando a perso-nalidade anti-social combina uma inteligência profunda comamoralidade, o resultado pode ser um vigarista encantador e es-perto ... ou pior. .

Apesar de seu comportamento anti-social, a maioria dos cri-minosos não se enquadra na descrição de distúrbio de persona-lidade anti-social. A maioria dos criminosos demonstra uma preo-cupação responsável com amigos e·parentes. As personalidadesanti-sociais sentem pouco e temem pouco. Em casos extremos,os resultados podem ser trágicos. Henry Lee Lucas informou queaos 13 anos estrangulou uma mulher que se recusou a fazer sexocom~le. Ele confessou ter espapcado, sufocado, apunhalado,baleado ou mutilado cerca de 360 mulheres, homens e crianças,ao longo de 32 anos de crime. Durante seus últimos 6 anos dereinado de terror, Lucas aliou-se a Elwood Toole, que teria ma-tado cerca de 50 pessoas, que "achava que não mereciam mes-mo viver". Tudo acabou quando Lucas confessou ter assassina-do a punhaladas e esquartejado a mulher com quem vivia, umasobrinha de Toole de apenas 15 anos.

A personalidade anti -social' expressa pouco arrependimentopela violação dos direitos dos outros. "Uma vez cometi um cn-me, mas esqueci o que foi", disse Lucas. Toole também se moS-trava 'indiferente: "Penso em matar como fumar um cigarro, ape-nas como um outro hábito" (DalTach & Norris, 1984).

Como acontece com os distúrbios de ânimo e a esquizofre-nia, o distúrbio de personalidade anti-social é tecido por fios bio-lógicos e psicológicos. Embora não haja nenhum gen específico

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Figura 15.9 Baixa excitação e risco de crime Níveis de adrenalina ehormônio do estresse foram medidos em dois grupos de jovens suecosde 13 anos. Tanto em situações estressantes como não-estressantes,os que foram mais tarde condenados por um crime (entre 18 e 26 anos)exibiram um nivel de excitação relativamente baixo. (De Magnusson, D.:Personality research - challenges for the future. European Journal ofPersonality, 1990,4, 1-17. Reprinted by permission of John Wiley & Sons.Ali Rights Reserved.)

que codifique um comportamento complexo corno o crime, es-tudos de gêmeos e filhos adotados revelam que os parentes bio-lógicos de certos indivíduos correm um risco aumentado decriminalidade (Brennan & Mednick, t 993; DiLalla & Gottesman,1993; Lyons & outros, 1995). Sua vulnerabilidade genética afloracomo um meio destemido de encarar a vida. Quando aguardameventos aversivos, como choques elétricos ou ruídos altos, apre-sentam pouca excitação do sistema nervoso autônomo (Hare,1975). Mesmo quando jovens, antes de cometerem qualquer cri-me, reagem com níveis inferiores de hormônios do estresse emcomparação com outros de sua idade (Figura 15.9).

Alguns estudos detectaram já os primeiros sinais de compor-tamento anti-social em crianças pequenas de 3 a 6 anos (Caspi& outros, 1996; Trembláy & outros, 1994). Meninos que se tor-naram adolescentes agressivos ou anti-sociais tendiam, quandopequenos, a ser impulsivos, desinibidos, despreocupados com asrecompensas sociais, com baixa ansiedade. Se canalizada pararumos mais produtivos, essa ausência de medo pode levar aoheroísmo corajoso ou ao risco da aventura. Carecendo de umsenso de responsabilidade social, a mesma disposição produz umvigarista ou assassino frio (Lykken, 1995).

Talvez uma ausência de medo de fundo biológico, além do am-biente inicial, ajude a explicar o reencontro, depois de muito temposeparadas, das irmãs Joyce Lott, de 27 anos, e Mary Jones, de 29anos, numa prisão na Carolina do Sul, onde ambas se encontravampor tráfico de drogas. Depois que um jornal publicou uma reporta-gem sobre a história, Frank Strickland, o meio-irmão há muito se-parado das duas, telefonou. Explicou que tão cedo não poderia visitá-las... porque também estava na prisão, cumprindo pena por tráficode drogas, assalto e roubo (Shepherd & outros, 1990).

Só a genética, no entanto, não é suficiente para contar toda ahistória do crime. Em relação a 1960, o americano médio em 1995tinha duas vezes mais probabilidade de ser assassinado, quatro

Pobrezae complicaçõesobstétricas

Vioiência

Compli-caçõesobstétricas

Pobrezanainfância

Crime em geral Assalioo

RESUMOOs distúrbios de personalidade são padrões de comportamentoduradouros e inadaptados que prejudicam o funcionamentosocial. Para a sociedade, o maior fator assustador desses dis-túrbios é a personalidade anti-social, caracterizada pela au-sência de remorso e,de medo.

TERMOS E CONCEITOS CHAVES distúrbios de personalidade,distúrbio de personalidade anti-social

Figura 15.10 Raízes biopsicossociais do crime Bebês dinamarcfUesesdo sexo masculino marcados por complicações obstétricas e tensõessociais relacionadas com a pobreza tinham duas vezes mais probabili-dades de se tornarem violadores das leis penais dos 20 aos 22 anos doque outros em apenas um dos grupos, de risco social ou biológico. (DeRaine & outros, 1996.)

10

Porcentagemde criminosos

5

20

'15

vezes mais de ser estuprado, quatro vezes mais de ser assaltado,e cinco vezes mais de ser agredido (Uniform Crime Reports, FEl).O crime violento também está aumentando em outras naçõesocidentais. Contudo, o conjunto de gens humanos praticamentenão mudou. Considere o experimento social britânico iniciadoem 1787, exilando 160.000 criminosos para a Austrália. Os des-cendentes desses exilados, com os supostos "gens criminosos"de seus ancestrais, ajudaram a criar uma democracia civilizada,cujo índice de criminalidade é um pouco menor que o da Ingla- ••.•terra (Reddy, 1996; World Atlas, 1993). As predisposições ge-néticas expõem algumas pessoas a um risco maior de condutaanti-social do que outras; as influências biológicas, tanto quantoas ambientais, explicam por que 5 a 6 por cento dos criminososcometem 50 a 60 por cento dos crimes (Lyman, 1996), Mas de-vemos olhar os fatores socioculturais para explicar a modernaepidemia de violência.

Um estudo recente de tendências criminosas entre jovens di-namarqueses ilustra a utilidade da perspectiva biopsicossocial.Uma equipe de pesquisa liderada por Adrian Raine (1996) veri-ficou os registros criminosos de quase 400 homens nas idadesde 20 a 22 anos, sabendo que todos haviam experimentado fato-res de risco biológicos ao nascimento, como parto prematuro, ouvinham de antecedentes familiares marcados pela pobreza e pelainstabilidade familiar. Com o risco de crime dobrado, em com-paraçãp com qualquer desses dois grupos, estavam aqueles numgrupó "biossocial" cujas vidas apresentavam tanto os fatores derisco biológicos quanto os' sociais (Figura 15.10).

Níveis de excitaçãomais baixos para osque têm condenaçõescriminais

Sitoação Situaçãonão-estressante estressante

Seín condenaç@,criminalCom condenação criminal

5

o

10

15

Secreçãode adrenalina (ng/mín)

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340 111írmluçíÍ(J à Psi~olm.lia Gera!

Incidência de DistúrbiosPsicológicosAté que ponto os distúrbios psicológicos são preponderantes? Orisco de um distúrbio específico varia com a etnia ou o sexo?

Qual é a incidência dos vários distúrbios psicológicos examina-dos neste capítulo? Quem é mais vulnerável a eles? Para respon-der a essas perguntas, o National Institute of Mental Health(NIMH) dos Estados Unidos realizou durante a década de 1980um curto censo de distúrbios psicológicos. Em cinco diferentesregiões do país, pesquisadores conduziram entrevistas longas eestruturadas com uma amostragem representativa de pessoas-no total, quase 20.000 pessoas - e então projetaram suas des-cobertas para toda a população dos Estados Unidos. Depois defazerem centenas de perguntas que sondavam por sintomas -"Alguma vez já teve um período de duas semanas ou mais emque teve vontade de morrer?" -, os pesquisadores estimaramla11l0 a incidência atual quanto a düração de vários distúrbios.

Quantas pessoas sofrem ou j á sofreram um distúrbio psicoló-gico? Mais do que a maioria das pessoas supõe. Em comentárioao estudo do NIMH, Lee Robins e Darrel Regier (1991, p. 329)ressaltaram que "um ou mais dos distúrbios psicológicos ... fo-ram experimentados em algum momento de suas vidas por 32por cento dos adultos americanos, e 20 por cento tiveram umdistúrbio ativo". Esses índices surpreendentemente altos refle-tem a inclusão na amostragem tanto de pessoas internadas quantodas que viviam em comunidade. Também refletem, sem a me-nor dúvida, a habilidade com que muitas pessoas conseguemesconder distúrbios como fobia, abuso de álcool ou depressão.A Tabela 15.3 mostra a incidência relativa da maioria dos dis-'túrbios que estudamos entre os três grupos étnicos e entre ho-mens e mulheres.

A incidência de distúrbios psicológicos sérios é duas vezesmais alta entre as pessoas abaixo do limite de pobreza (Centersfor Disease Control, 1992). Como tantas outras correlações, aassociação pobreza-distúrbio cria uma questão do ovo e galinha:a pobreza causa distúrbios? Ou os distúrbios causam pobreza?

As duas coisas, embora a resposta varie de acordobio, A esquizofrenia. compreensivelmente, leva àtudo, as tensões e a desmoralização da pobrezaprecipitar distúrbios, ero particular a depressão nasabuso de drogas ou bebidas nos homens (Dohrenwend1992).

As pessoas experimentam o distúrbio psicológico em (~craí "r,'

Oinício da vida adulta. "Mais de 7S por cento de nOssa <~;T")"~:".\\_,/ll,l_

gem com qualquer distúrbio experimentaram os primeiros sí!~'_tomas até os 24 anos", relataram Robins e Regier (1991. p. -n ):,Os sintomas de distúrbio de personalidade anti-social e .. ,)aparecem antes, com a idade média de 8 e 10 anos, respectiva_mente. Sintomas de abuso de álcool, transtorno obsessiVO-compulsivo, distúrbio bipolar e esquizofrenia aparecem na idademédia de 20 anos. A depressão profunda muitas vezes OCorrêumpouco mais tarde, numa idade média de 25 anos. Essas desco:bertas deixam bem clara a necessidade de pesquisa e tratamentopara ajudar o número cilda vez maior de pessoas, especialmenteadolescentes e adultos' jovens, que sofrem a perplexidade e aangústia de um distúrbio psicológico.

SCIll c;SQUCCCl4

8. an.gústia, podemos t2.r:lbé~ ~~r2=~:~:~:L~d.0~pelo fato de que muitas pessoas bem-sucedidas - como Leo-nardo da Vinci, Isaac Newton e Leon Tolstoi - tiveram carrei-ras brilhantes enquanto sofriam dificuldades psicológicas, Aperplexidade, o medo e o pesar causados pelos distúrbios psico-lógicos são reais. Mas, como mostra o próximo capítulo, a espe-rança também é real.

RESUMOUma pesquisa do National Institute of Mental Health. reali-zada na década de 1980, com quase 20.000 pessoas, interna-das ou não, revelou que 1 em 3 adultos americanos experi-mentara um distúrbio pSicoiógicQ e que 1 em 5 experimenta-va um distúrbio no momento. Os três mais comuns eram asfobias, o distúrbio de ânimo (com as mulheres superando oshomens em 2 para 1) e abuso ou dependência de álcool (comos homens superando as mulheres em 5 para 1).

Tabela 15.3 Porcentagem de Americanos que já Tiveram Distúrbios PsicológicosEtnia Sexo

Distúrbio Branco Negro HisiJ!nico Homens Mulheres Totais

Abuso ou dependência23,8% 13,8%do álcool 13,6% 13,8% 16,7% 4,6%

Ansiedade generalizada 3,4 6,1 3,7 2,4 5,0 3,8

Fobia 9,7 23,4 12,2 10,4 17,7 14,3

T ranstomo obsessivo-compulsivo 2,6 2,3 1,8 2,0 3,0 2,6

Distúrbio de ânimo 8,0 6,3 7,8 5,2 10,2 7,8

Distúrbiosesquizofrênicos 1,4 2,1 0,8 1,2 1,7 1,5

Distúrbio de personalidade4,5 0,8 2,6anti-social 2,6 2,3 3,4

Fonte: Dados de Robins & Regier, 1991. Diferenças semelhantes entre os sexos, embora com índices um pouco mais altos de distúrbios, vêm da U.S. NationalComorbidity Survey (Kessler & outros, 1994).

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EXERCíCIO DE ANÁLISE CRíTICARichard O. Straub

c\ aora que você já leu e reviu o Capítulo 15, dê um passo adian-;~~mseu aprendizado, testando sua habilidade de análise críticanO seguinte exercício de perspectiva.

Desde o divórcio há três meses, Phyllis, de 65 anos, sen-tia-se constantemente cansada, tinha dificuldade para dormire comer, e perdeu todo o interesse pela família, amigos e ati-vidades usuais. Antes orgulhosa de suas realizações e otimis-ta com o futuro, Phyllis agora acha que tudo o que já fez oufará não tem o menor valor. Embora o marido estivesse longede ser um parceiro perfeito, Phyllis está convencida de que odivórcio foi realmente culpa dela. Suas antigas amigas, can-sadas das atitudes egocêntricas e desanimadas de Phyllis,deixaram de procurá-la. O médico da família encaminhou-aa um psiquiatra, que receitou um antidepressivo. A drogapareceu ajudar um pouco, mas Phyllis, preocupada com a

de se tornar parou de toxná-la regular-mente. O genro de Phyllis se preocupa com sua atitude de-sanimada. A filha, no entanto, insiste que não há causa para alar-me. Diz que a mãe está simplesmente envelhecendo ... que a apatiaa lembra do comportamento da avó materna quando tinha amesma idade.

L A filha de Phyllis deveria se preocupar mais com o compor-tamento da mãe ou está correta ao atribuí-lo à idade? Expli-que seu raciocínio.

2. Como o comportamento de Phyllis pode ser explicado por umpsicólogo clínico?

3. Como o comportamento ele Phyllis pode ser explicado segun-do as perspecti.vas (a) biológica e (b) social-cognitiva?

4. Que perspectiva de diagnóstico representa melhor sua própliaconvicção sobre a condição de Phyllis? Por quê?

Verifique seu progresso como um analista crítico ao compa-rar suas respostas com as respostas de amostragem encontradasno Apêndice B.