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1 Nephilim À memória mais que viva e imortal de meu filho Lukas, meu amiguinho e meu cangurizinho de carinho a proximidade visceral, o qual, hoje, habita uma das muitas moradas da casa do Pai Eterno (1982-2004).

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    Nephilim

    memria mais que viva e imortal de meu filho Lukas, meu amiguinho e meu cangurizinho de carinho a proximidade visceral, o qual, hoje, habita uma das muitas moradas da casa do Pai Eterno (1982-2004).

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    Nota do Autor

    Esta uma obra de fico. Por esta razo, nela no tenho outra inteno seno provocar a imaginao de meus leitores, na busca de tentar pensar, sem nervosismo religioso ou doutrinrio, uma das mais intrigantes histrias da humanidade, com suas implicaes na prpria formao do psiquismo humano e nos seus mitos. Aqui, portanto, no fao doutrina e nem ofereo argumentos de natureza teolgica, mas apenas exero o privilgio de ter recebido a beno da imaginao.

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    Apresentao desta Edio

    A primeira edio de Nephilim foi um

    sucesso. Eu, todavia, me senti um pouco

    frustrado. E a razo simples: o texto original

    foi a escrito com notas de roda-p e, por

    razes que fugiam ao meu controle, a deciso

    editorial foi public-lo sem as referncias que

    eu havia colocado como ajuda ao leitor.

    O que aconteceu que recebi milhares de

    e-mails fazendo as perguntas que as notas de

    roda-p explicavam. E meu trabalho, em

    razo disto, foi imenso. Da a deciso de

    publicarmos esta edio conforme o meu

    primeiro original.

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    As notas que voc ver nesta edio tem

    como finalidade ajudar o leitor a fazer um

    estudo paralelo dos temas que aparecem no

    livro. Muitos deles so baseados na Bblia.

    Outros so o resultado de muitas pesquisas, e

    julgo que podem ser muito teis como cultura

    geral.

    O que mais desejo, no entanto, que elas

    possam ser teis em grupos de estudo e como

    referencia aos que ensinam ou desejam

    discutir o assunto com amigos.

    A fartura de material que encontrei sobre

    os temas que este livro levanta imensa. Me

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    senti mal ao ter que selecionar apenas as

    informaes mais diretas e pertinentes ao

    texto em si. Minha esperana, todavia, que

    muitos, estimulados pela leitura, prossigam

    fazendo sua prpria pesquisa, e, em

    descobrindo coisas novas, gostaria muito de

    ser informado.1

    Como autor me senti imensamente

    recompensado ao ver o que o livro causou nas

    vidas de milhares de leitores. Os e-maisl que

    recebi fazem agora parte de um dos materias

    mais ricos que j reuni na vida, e, um dia,

    pretendo publica-lo.

    Espero que a Luz invada voc durante a

    leitura.

    1 Meu e-mail [email protected]

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    Caio Fbio

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    A Mquina Quntica

    e ps a eternidade no corao do homem.

    Salomo, no livro de Eclesiastes

    Um grupo consideravel de pessoas neste fim de milnio j no pensa em tempo do mesmo modo que a maioria dos seres humanos ainda concebem essa dimenso. Hoje, com os novos experimentos da fsica quntica, uma revoluo est para acontecer. Haver grande aproximao entre cincia e religio, entre tecnologia e biologia, entre mquina e realidade orgnica. Muitas das hoje chamadas energias sutis -- bem conhecidas por profetas e msticos como mundo espiritual -- estaro ao alcance da cincia e da tecnologia.

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    Mquinas sero construdas a partir

    de clulas, criando um mundo de comunicao instantanea de informaes. Sero aparatos magnticos, e no eltricos. Nada do que hoje ns chamamos de avanado, poder, ainda, ser assim considerado, depois que isto acontecer.

    Em meio a todo esse progresso, se

    chegar uma concluso: a grande mquina quntica no est por ser criada, mas j existe h milhares de anos.

    Tambm se descobrir que essa

    mquina viva jamais foi usada em plenitude na Terra execeto uma nica vez, h cerca de dois mil anos--, em razo de que, logo aps ter sido criada livre, apareceu nela um desejo que, consumado, lhe atrofiou os sensores e inibiu seus recursos de percepo. Desse modo, ela perdeu a conexo com as milhares de

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    formas de energias sutis e dimenses existentes no universo. A pior de todas as perdas, todavia, aconteceu na area de voice recognition, pois nessa mquina quntica surgiu uma quase total impossibilidade para o reconhecimento da Voz de seu Criador. A despeito disso, o potencial dessa mquina no foi aniquilado, e, em tempo, ainda se saber sobre as grandes maravilhas que a habitam.

    Esta extraordinaria tecnologia

    quntica presente neste planeta possui corpo, alma e esprito. O corpo experimenta o tempo; o esprito transcende ao tempo -- pois tem natureza atemporal. E a alma faz o elo entre as vrias formas de energias da dimenso fsica e psicofsica, e as profundidades das formas de existncia que no podem ser medidas ou mesmo assumidas como reais no mundo das coisas palpveis, pois so espirituais.

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    A vida humana o grande complexo eterno-temporal a ser descoberto nas dcadas por vir. E quando essa conscincia se instalar, ento, se saber que a eternidade habita o corao dos homens e que o tempo nada mais que uma momentnea impresso de uma das muitas formas de existir e conhecer a existncia, que os humanos possuem, mas que foi em ns atrofiada por algo que na linguagem teolgica se chama de a queda.

    Sobretudo, se saber, que assim como

    profetas visitam o que ser, tambm podem visitar o que j foi, pois, no espirito, o que , ; porque passado, presente, e futuro, nada mais so que expresses daquilo que , e habita o interior dos seres humanos.

    Abellardo Ramez II2

    2 Este texto foi escrito por Abellardo Ramez II dois anos antes de iniciar sua viagem narrada neste livro.

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    Maria Flor de Cristo

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    Dar-vos-ei corao novo, e porei dentro em vs esprito novo; tirarei o corao de pedra e vos darei corao de carne.

    Profeta Ezequiel.

  • 14

    Despediu-se da esposa e dos filhos enquanto era empurrado para dentro daquele lugar intermedirio, onde a vida e a morte alternavam cumplicidades. No corao, cria que no escaparia. E quando os procedimentos iniciaram, mergulhou em escurido abissal e, numa frao de tempo que no sabia definir, abraou a si mesmo e entregou seu esprito. Era o dia 28 de abril de 1998! Quando despertou, soube que o transplante havia sido um sucesso. Dentro dele, entretanto, havia a sensao de que aquela realidade para qual voltara, j no era a mesma que tinha deixado. De volta ao seu pas, Abellardo encontrava os amigos e contava como estava se sentindo: s vezes eu penso que o transplante foi de alma.

  • 15

    Sentia que havia uma outra energia pulsando nele de modo latente. Era como se estivesse possudo por um mundo de sentimentos e intuies que no conseguia associar a nada que fizesse sentido no seu mundo; e como se o corao que agora lhe habitava, tivesse sua prpria agenda emocional, e no abrisse mo de praticar seus prprios ritos interiores. Impondo alegria, quando ele estava triste; tristeza, quando ele estava alegre; ou antipatia, quando ele sabia e sentia que estava sendo bem tratado. E mais: ele no aguentava inebriar-se com cheiros que antes ignorava, balanar-se gostosamente ao ritmo de msicas que antes no apreciava, reconhecer beleza interior em homens nos quais, antes, s via msculos; desejar comer comidas estranhas que jamais haviam feito parte de seu cardpio, e, sobretudo, viajar para

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    regies remotas pelas quais jamais se interessara antes. Alm disso, Abellardo Ramez II sentia que sua viso da vida havia mudado, dando-lhe a impresso que este mundo estava sendo habitado, ao mesmo tempo, pelo passado, o presente e o futuro. Queria uma resposta. Por isto, leu. Leu muito. Num nico livro encontrou centenas narrativas idnticas ao que sentia, e tambm muitos outros relatrios cientficos que davam conta do mesmo fenmeno; e que atribuam ao corao, no apenas o papel de bomba de sangue, mas o de detentor de memrias emocionais mais profundas, em estado bruto, no elaboradas e filtradas pelas censuras exercidas pelo crebro.

    2 Leu o trabalho intitulado The Hearsts Code, escrito por Paul Pearsall e que trazia um nmero imenso de relatos semelhantes ao que com ele estava acontecendo, todos relacionados a transplantes de corao.

  • 17

    Inconformado com sua situao viajou outra vez a terra de Merlin, onde sofrera o transplante. L, com a ajuda do doutor Isaak Harbour -- um dos mdicos que o operara -- descobriu quem era a pessoa que lhe doara o corao. Ao aproximar-se da rua onde a doadora vivera, comeou a sentir impulsos estranhos lhe visitando a alma. Olhou para um parque e sentiu paixo, como se naquele lugar, um dia, tivesse namorado. Viu um cachorrinho andando pela calada e teve desejo de parar para traz-lo ao colo, pois o animal lhe correu ao encontro fazendo-lhe com o rabinho saudaes de intimidade. Contemplou um jardim florido, e chorou, como se nele tivesse um dia meditado. Parou, enfim, quase sem precisar confirmar o endereo na porta

  • 18

    de uma casa que seu corao chamou de lar. Ento bateu palmas, mas era como se no precisasse. Quando um homem de pela escura e cabea embranquecida abriu a porta, subiu-lhe ao corao um desejo enorme de lhe saltar nos braos e lhe chamar de pai

    - Desculpe. Meu nome Abellardo

    Ramez II e vim porque herdei o corao de sua filha.

    O velho homem o convidou a entrar e pediu licena para que tambm chamasse sua esposa. A senhora entrou na sala, olhou para ele e disse: O que , . Isto tudo e tudo .

    - O que isto? Que coisa interessante! - No sei. Mas nossa filha sempre dizia

    isto.

  • 19

    - Desde a operao que essa frase no me sai da cabea.

    Os pais de Vernica eram calmos e sutis e narram para Abellardo as grandes marcas da vida de sua filha. As histrias eram assustadoras. Era como se o que diziam fosse tudo o que vinha sentindo nos ltimos meses. O que mais o impressionou, no entanto, foi saber que a filha deles sonhava muito e, s vezes, acordava sem certeza se o que vira no sonho era fantasia ou realidade, de to ntidas que eram aquelas produes noturnas. E afirmava que em sonhos visitava lugares e pocas diferentes da Histria. E dizia que se pudesse mudaria seu nome para Maria Flor de Cristo. - Vernica! Vero-cone. Imagem

    verdadeira. lindo o nome! E disto que preciso: de uma imagem verdadeira!

  • 20

    Ento contou aos pais da moa o que vinha acontecendo com ele. Depois, agradeceu a ateno que lhe haviam dado e despediu-se deles. - Ela gostava muito do livro de Enoque! - O que? No entendi! - Ela lia o livro de Enoque! Repetiu a

    me de Vernica em tom mais alto, pois Abellardo j estava dentro do carro e no ouvira bem quando ela falou a primeira vez.

    Ele acenou para eles e partiu. Ao voltar para casa as coisas no melhoraram. As angstias continuavam e ele j no conseguia mais se sentir produtivo. Trabalhava, todavia nada lhe dava significado. Muitos notavam que havia uma grande mudana em operao na vida dele. Mas ningum sabia o que era e nem como ajud-lo.

  • 21

    Na sua esquisitice e proximidade distante de tudo, Abellardo percebeu que a melhor coisa a fazer era voltar sua terra natal a fim de tentar se reencontrar. Assim, decidiu voltar Amaznia! Props famlia que fizessem aquela viagem juntos, mas percebeu que no era possvel. Todos tinham suas prprias vidas e j no eram crianas para que ele os levasse de um lado para o outro. Aumentando extremamente sua ansiedade, decidiu que era hora de partir. E como no soubesse o que iria acontecer, escreveu uma carta aos seus filhos, parentes e amigos, entregou-a esposa, fez uma cpia para si mesmo, e partiu sem prazo para retornar. Ao fundo, um sentimento apocalptico o possua. O mundo, conforme ele o conhecera at ento, iria acabar.

  • 22

    Estranhamente, nele, ningum que ele amava, morreria. Mas ele jamais seria naquele mundo quem um dia l ele fora. Ele seria apenas um pouco do algum que outrora fora, s que com outra face. Assim foi para o aeroporto e partiu sem dizer com preciso para onde ia, e tambm sem certeza se jamais voltaria.

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    A Conexo com o Livro

    E andou Enoque com Deus, e j no era, porque Deus o tomou para si.

    Livro de Gnesis, 5: 24

  • 24

    No avio Abellardo sentou ao lado de um homem que lia um livro com extremo interesse. Depois de algum tempo, enfim, olharam-se nos olhos e perceberam familiaridade um no outro. - No Acredito! Devo estar sonhando! - No possvel! voc mesmo? - Abellardo Ramez II? voc? - Joo Passarinho?! Que coisa! Voc

    no mudou nada. - Meu Deus! Quanto tempo faz? - Provavelmente uns trinta anos. A

    gente ainda jogava bola no Vamos Que Vamos!

    - Que coincidncia, Abellardo! - No existe coincidncia, Joo. Foi s

    incidncia.

  • 25

    - Voc continua mstico. Desde garoto. Nem nisto voc mudou!

    - E voc continua lendo! Que bom, Joo!

    - Claro. Especialmente um livro como este!

    Joo comeou a falar de velhos amigos e de como alguns deles mantinham contato com ele. Disse tambm que se tornara muito interessado em assuntos espirituais e que fazia parte de um grupo secreto. Abellardo achou estranho, perguntou o nome do grupo, mas Joo apenas disse que se pudesse dizer o nome, no era secreto. Abellardo se sentiu ridculo com a situao e ficou em silncio olhando contemplativamente o rosto do velho amigo, como quem busca traos de felicidades e momentos que j pereciam apagados pelas eroses do tempo.

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    - Que livro esse, Joo? - o livro de Enoque. Voc conhece? - J li h muitos anos. Mas acho que

    poca eu no estava preparado para a leitura.

    - Como assim, Abellardo? Voc sempre me pareceu preparado pra ler tudo!

    - que eu estudei teologia e meus mestres faziam certas restries ao livro. Era sbio conhecer o livro, mas era perigoso gostar dele.

    - Este aqui eu ganhei de um amigo que mora na floresta. J estou terminando. Se quiser, pode ficar com ele.

    - Voc est me dando ou emprestando? - Dando. menos que voc me diga

    que no corremos a chance de passar mais trinta anos sem nos encontrar.

    Falaram de outras amenidades e tambm dos rumos que suas vidas

  • 27

    haviam tomado. Depois Abellardo contou a Joo sobre os ltimos acontecimentos de sua vida. E disse tambm que a mulher que lhe doara o corao gostava de ler Enoque. - O que voc ainda lembra sobre o livro

    de Enoque? Sua memria era tima. Voc ainda tem boa memria, Abellardo?

    - Razovel. Mas como vou esquecer do livro de Enoque? Esse livro me causou perturbao muito tempo. Enoque foi o stimo na genealogia de Ado, e foi arrebatado da Terra, antes do Grande Dilvio, para no ver a morte.

    - E o que mais voc lembra? - Teoricamente, sei bastante.

    3 O livro de Enoque no parte das Escrituras consideradas cannicas, no estando, portanto, na Bblia. Mas sua influncia nas pginas bblicas inegvel. Sabe-se, com certeza, que o livro, na sua forma escrita, muito antigo. A histria que ele conta mais antiga ainda. Os judeus e os primeiros cristos acreditavam que a histria contada no livro fora passada de gerao em gerao at chegar forma escrita.

  • 28

    - O que, por exemplo? - Sei que o livro de Enoque diz que

    entre a criao dos humanos e o cataclisma mundial dos dias de No, houve uma rebelio angelical.

    - A segunda grande queda universal! A segunda, Abellardo!

    - Eu sei. Mas por que a nfase no fato de ter sido a segunda?

    - que a primeira foi puro narcisismo. Aquela de Lucifer!

    - A segunda tambm, Joo. Foi apenas outro tipo de expresso narcisstica. Foi movida por desejo! Lascvia!

    - E Abellardo, voc acredita que s duas quedas de anjos, correspondem tambm quedas humanas?

    - Boa pergunta. Eu no sei. Nunca havia pensado nisto. Mas se tivesse que dar uma resposta aqui eu diria sime no.

  • 29

    - Como sime no? Voc ainda gosta de respostas ambiguas? Pelo jeito, parece que sim.

    - Ambiguo? Claro. Desde a queda de Ado que no mais possvel ser humano e no ser ambiguo.

    - Okay! Mas voc no respondeu! - Certo. Respondendo, eu diria,

    inicialmente, no. No, porque a verdadeira queda foi a da nossa natureza, que foi a queda de Ado. Nesse sentido, depois de Ado, nos tornamos cados. Sim, porque com a queda do segundo grupo de anjos, ns camos como nunca antes no nosso comportamento. E acho que aquele negcio dos anjos quererem se misturar com a carne foi at mais profundo que se imagina.

    - Em que sentido, Abellardo, que aquela queda pode ter sido mais profunda do que se pensa?

  • 30

    - Olha, Joo. No Livros dos Comeos se diz algo assustador e que aconteceu depois da segunda queda de anjos. E viu Deus que o caminho de todo ser vivente se havia corrompido sobre a Terra. E isto s dito depois da queda dos anjos que se misturaram com a carne humana. E ento o Diluvio foi anunciado. Interessante, no mesmo?

    - Muito interessante. Mas por que? Ser que achamos interessante pelas mesmas razes? Por que voc acha interessante?

    - Olha, Joo. porque os anjos possuindo as mulheres foi uma tentativa de encarnao. E encarnao s a do Nome, que Emanuel, que significa Deus conosco. Mas no caso da segunda queda, acabou sendo os demnios conosco. Talvez, por isto, a frase de que o Nome veio em carne para destruir as

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    obras do diabo, seja to crucial no mundo dos espritos.5

    Quando Abellardo fez esta declarao, Joo Passarinho se inquietou. Pediu licena e se ergueu. Andou at ao meio do avio, pediu gua, bebeu, e retornou meio palido ao seu assento. No entanto, ao voltar, no deu nem chance a Abellardo de perguntar como ele estava, pois foi logo perguntando: Mas escuta, Abellardo! Voc ainda lembra os nomes dos anjos que caram e de seus lideres? - Mas por que voc quer saber, Joo?

    Parece at aquelas brincadeiras de memria que a gente fazia?

    - Digamos que seja! Voc lembra dos nomes deles?

    - Eram os Vigilantes Universais. - E voc lembra como eles caram? - Claro. Eles foram santos at o dia em

    que seus chefes, Azazyel e Samyasa,

    5 I Joo 4:2

  • 32

    se encheram de desejos pelas mulheres. Mas j falamos disso, antes de voc levantar.

    - Eu sei. Mas preciso falar. Olha, foi assim: Uma estranha energia percorria o ser deles, quando viam as mulheres nuas, se banhando, entretidas com sua prpria beleza, acariciando os cabelos; ou quando ficavam perplexas com a beleza de suas faces, refletidas nas imagens que viam espelhar nas guas onde se lavavam.

    - Meu Deus, Joo! Esse negcio entrou em voc, cara. Voc falou como se tivesse estado l ou lendo um texto. Estranho. Parecia decorado!

    - E quem disse que no estive? Sei tudo dessa histria, Abellardo. E decorado? Claro que . De-cor-ado. Vem do cor-ao.

    - Me d um exemplo do que voc sabe, Joo?

  • 33

    - Sei que depois de verem as mulheres, eles j no vigiavam a criao. S tinham olhos para as mulheres.

    - E o que eles fizeram para seduzi-las? Voc lembra?

    - Ora, meu amigo Abellardo! Eu que estava fazendo as perguntas.

    - Eu sei. Mas me diz. O que eles fizeram para seduzi-las?

    - Eles eram espritos. Por isso, tiveram que usar seus poderes de materializao para serem vistos pelas mulheres. Eles tinham que ser o mais humanos possvel naquelas aparies, como os anjos, quando querem, conseguem fazer.

    5 Abellardo conhecia muitas histrias de anjos que visitaram os humanos. Tambm lembrava dos anjos lindos que visitaram a casa de L em Sodoma, e que de to desejveis e reais em seus corpos, provocaram ansiedades erticas em todos os moradores da cidade, a ponto do velho patriarca, sobrinho de Abrao, ter oferecido suas filhas virgens a fim de aplacar a fria dos ensandecidos habitantes do lugar, s no o fazendo em razo dos anjos que lhe visitavam terem erguido as mos e cegado os homens e mulheres de Sodoma.

  • 34

    - , como diz o Livro dos Livros, eles estavam indo aps outra carne e deixando o seu prprio domiclio.7

    Ouvindo a narrativa de Joo, Abellardo recordou-se de muitos outros relatos de anjos que batalharam batalhas do povo de Deus, comeram manjares ao pr do sol, e experimentaram a condio dos humanos, ainda que temporariamente. Ele lembrava at que havia uma advertncia para que se praticasse a hospitalidade, pois muitos, assim fazendo, sem o saber, haviam hospedado anjos. - Depois de conhecer anjo, elas no queriam mais os homens? isso, Joo? - Azazyel e Samyasa, e os outros Vigilantes se tornaram irresistveis. Eu

    7 Judas 7 Hebreus 13:2

  • 35

    no culpa as mulheres por aquela preferncia. Anjo deve ser melhor! - , amigo. Ento o mundo mudou assim na Terra como no Cu ! Abellardo, ento, pensou, pondo os seus olhos fora da janela do avio, que era incrvel como as coisas dos cus mudam a Terra e, tambm, tragicamente, como as coisas da Terra podem provocar os cus, para o bem ou para o mal. E prosseguiu pensando com perplexidade em como os humanos se esquecem de coisas to essenciais como essa. E mais: como poderia uma histria to tragicamente fascinante ter sido quase que totalmente negligenciada pela humanidade?! - Joo, me diz como voc interpreta

    essa histria?

  • 36

    - Ora, Abellardo! Voc sabe a histria. Por que voc quer que eu a interprete?

    - No sei. Mas me conta, mesmo que seja um capricho meu. D pra ser?

    Ento Joo disse que depois que os Vigilantes possuram as mulheres formosas, a Terra se corrompeu. Os anjos, na sua ansiedade de aprofundar seu domnio ertico e hipntico sobre as mulheres, trataram de descobrir outros meios de seduzi-las. Assim foi que desenvolveram perfumes arrancados de essncias naturais que os humanos ainda no conheciam; criaram partir de pedras, que eles extraram do corao da terra, jias e adereos; desenvolveram msicas sofisticadas; construram instrumentos musicais avanados; e conceberam projetos arquitetnicos gigantescos e os

  • 37

    materializaram como lugar de paixo, seduo e prostituio no meio da Terra. E falou tambm que os Vigilantes haviam se especializado na arte de extrair da terra razes, cogumelos e outras ervas, de tal modo, que misturadas, ou mesmo separadamente, criavam nos humanos as mais fantsticas e indescritveis sensaes, e especialmente nas mulheres, que em sua maioria, passavam a sentir coisas de outro mundo. Seus olhos se abriam e seus sentidos se alteravam. A viso de tudo ficava meio dourada e a impresso das coisas se manifestava de modo arrebatante e incontrolvel, e tambm surgia uma sensao de gua viva e chamejante dentro do corpo, uma espcie de sede satisfeita.

  • 38

    Abellardo o interrompeu e -- como que experimentando o destapamento de sua prpria memria, sendo agora capaz de trazer lembrana as coisas que sabia e que haviam ficado armazenadas em seu inconsciente -- disse: Os seres que nasceram das relaes sexuais entre anjos e mulheres eram gigantes e passaram a ser chamados de Nephilims, que significa aqueles que caram. - , amigo. O mundo enlouqueceu,

    Abellardo! D pra imaginar? - Claro! As naturezas se misturaram.

    Era o comeo da reengenharia das essncias proibidas.

    - Era mais que isso Abellardo! Muito mais.

    - Eu no terminei Joo. Eu estava pra dizer que era o primeiro ato de interveno fsica da criatura nos

    Nephilim acabou se tornando uma designao geral para os anjos que foram lanados fora dos cus. J a designao Nophelim, define os seres que caram, na terra, e no apenas os gigantes filhos dos anjos.

  • 39

    estratos psicofsicos da criao. Como eu j falei, era tambm uma blasfemia, uma tentativa de encarnao.

    - Por isso que bom conversar com voc. Voc saca logo as implicaes. Que saudade dos nossos papos de malucos. Que saudade, Abellardo!

    - Mas Joo, isto srio e no papo de maluco. Olha s: a existncia se abriu pra ser reproduzida contra a natureza das espcies criadas. E nessa recriao, o que da surgiu, era o que no poderia ser, e, portanto, era sem ser...

    - Pensando assim, Abellardo, s um diluvio poderia purgar a Terra! por isso que eu gosto desse livro. causa e efeito.

    - Claro! Claro! O Criador havia sido afrontado pela criao. O que mais poderia acontecer?

  • 40

    - E vai mais longe ainda. Veio a punio. Ele baniu os Vigilantes das hostes celestes. A histria severa demais pro meu gosto!

    - severa, sim! Mas eles se tornaram seres cados, traidores de sua prpria natureza e vocao.

    - Mas e da? Tinha que ser assim? Por que uma punio para a eternidade?

    - Olha, Joo: eterno, s o Eterno. A eternidade uma qualidade do Eterno, mas a eternidade comea e termina no Eterno.

    - Voc est dizendo que a eternidade tem fim?

    - O que estou dizendo que s o Eterno no tem comeo ou fim. Ele .

    - Ento a eternidade tem fim?! Tomara que tenha!

    Mesmo depois do veredito estar decretado, os Vigilantes ainda tiveram muito tempo para poluir a Terra antes de serem banidos.

  • 41

    - Tem, se ela comeou no Eterno. Comeou? Quem vem primeiro: o Eterno ou a eternidade? Pra mim a eternidade o ambiente do Eterno. Mas o Eterno mais que a eternidade.

    - Como? No estou entendo! Baixa a bola, Abellardo.

    - Ento vamos falar de esporte. A d pra baixar a bola.

    - T brincando. Me diz por que voc acha que o Eterno maior que a eternidade?

    - A eternidade , mas no sabe que . O Eterno e sabe que . A eternidade impessoal. O Eterno a pessoa de quem as outras pessoalidades como eu e voc -- se derivam e tambm as outras existncias que existem sem saber que existem, como o Sol, que , mas no sabe que . Alm disso, existem muitas eternidades.

  • 42

    - Agora voc apelou. Que negcio este de muitas eternidades? J no basta haver uma?

    - Antes que os montes nascessem e se formassem a Terra e o mundo, de eternidade a eternidade, Tu s , o que eu creio. E tem mais: o amor do Eterno de eternidade a eternidade11

    - Esse papo sexo dos anjos. No leva a nada, Abellardo!.

    - U! Pensei que voc gostava de sexo dos anjos. Afinal, amigo, o livro de Enoque , literalmente, sexo dos anjos.

    - O que quero dizer que essa conversa no tem nada a ver com o aqui e agora.

    - Ah, ? Como voc sabe? Talvez essa seja a grande questo aqui e agora!

    11 Salmos 90:2; 103:17

  • 43

    Alm disso, amigo, quem sabe o que o aqui e agora? Eu no sei!

    Joo disse que precisava ir ao toalete. No estava se sentindo bem. Ficou tonto. Estava suando frio. Levantou-se e foi. Enquanto isto, Abellardo, decidiu ler no Livro dos Livros alguns textos que falavam daquele mesmo episdio. Primeiro leu So Judas: e a anjos que no guardaram seu estado original, mas abandonaram o seu prprio domiclio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juzo do grande dia; como Sodoma e Gomorra, que havendo-se entregue prostituio como aqueles( os anjos), seguindo aps outra carne, so postas como exemplo do fogo eterno, sofrendo punio.

    A epistola de Judas, o irmo do Senhor, uma smula do livro de Enoque aplicada Igreja. E no somente isto, mas o prprio apstolo faz aluso direta

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    E tambm leu So Pedro, o pescador que virou apstolo: Deus no poupou a anjos quando pecaram, antes precipitando-os no Trtaro, os entregou a abismos de trevas, reservando-os para o juzo; e no poupou o mundo antigo, mas preservou a No, quando fez vir o diluvio sobre a terra. E recordou-se ainda de outro texto que falava de como o Nome, uma vez morto, visitou em triunfo espiritual aqueles seres que haviam cado antes das Grandes guas virem sobre a Terra: e pregou aos espritos em priso, os quais, noutro tempo foram desobedientes quando a longanimidade de Deus aguardava nos dias de No, enquanto se preparava a Arca E pensou: Est claro que se est falando da rebelio dos Vigilantes que

    fonte de sua epstola, quando menciona Enoque pelo nome no verso 9. Ver tambm II Pedro 2: 4 a 6 e I Pedro 3: 1 a 20. Filipenses 2:9-11

  • 45

    caram em prostituio e de como, por esta razo, o dilvio caiu sobre a Terra!. Olhou para fora da janela do avio. Tudo era verde l em baixo. De sbito, seus olhos mergulharam outra vez nas cenas que o livro de Enoque pintavam em sua mente. Foi a que se deu conta de que ele e aquela histria estavam conectados. Era como se ele tivesse um programa para abrir aqueles cenrios da antigidade. Quando Joo voltou do toalete, estranhamente, sem esperar qualquer sinal para o reinicio da conversa, disparou com extrema veemncia, a seguinte afirmao: Os anjos cados precisavam se apossar dessa nova natureza. Ento comearam a comer animais vivos. Depois resolveram beber

  • 46

    sangue humano. A Terra virou um cenrio de filme de terror. No meio da noite homens eram atacados na escurido. No dia seguinte amanheciam sem sangue ou mordidos e despedaados. Os Nephilims bebiam sangue humano porque sabiam que sangue e alma tem uma relao visceral. - Que mistrio! Que mistrio, amigo

    Joo! - Do qu voc est falando, Abellardo? - que estou vendo como corpo e

    esprito s se casam na capela da alma. Sem alma, um ser que corpo e esprito, est fadado a existir rachado e descasado de si mesmo para sempre.

    - Isto profundo, cara. Vou pensar nisto. A capela da alma. Que coisa!

    - Se bem me lembro, Joo, o livro de Enoque diz que os Nephilims se

    Levitico 17:11

  • 47

    tornaram seres angustiados e dominadores.

    - Claro. Eles eram muito mais fortes, inteligentes e cultos em sua cincia.

    - Isso s explica o fato de serem dominadores. Mas eram tambm angustiados, perdidos dentro de si mesmos.

    - Claro. Eles eram possudos pela dor de ser quase anjos e de ser quase humanos.

    - Ento voc justifica o fato deles terem se tornadoos grandes dspotas daquele perodo histrico, vares de renome em toda a antigidade?

    - Sua memria impressionante. Toma. Fica com o livro. Meu amigo Cedros disse que eu poderia dar o livro a quem tivesse alma. E nunca esquea disso: Se absurdo, ento, bem possvel.

    Gnesis 6:4

  • 48

    - No creio nisto! - Em que voc cr, ento? - Os impossveis dos homens, so

    possveis para Deus! Nisto eu creio.16 - Cedros me disse que essa era uma

    outra verso, mas que era uma forma antiquada. Seja como for, toma o livro.

    - Quem Cedros? - Hum? O qu ? - Quem Cedros? - Um gigante, meu amigo! Um gigante! - Como assim, Joo? - Nada, querido Abellardo! S fora de

    expresso! Abellardo ouviu aquilo mas no deu importncia. Fixou o olhar na face de Joo Passarinho e depois o abraou. Foi quando avisaram que estavam pousando na capital de todas as florestas.

    16 Lucas 18:27

  • 49

    O Caboclo Isaac Porto

    No desprezeis os pequeninos, pois nos cus os seus anjos vem a face de meu Pai

    O Nome

  • 50

    Ao chegarem, Abellardo despediu-se de Joo Passarinho e partiu sozinho rumo a Itacoatiara, a 220 quilmetros de distncia. Quando l chegou procurou por uma amigo chamado Tibrio e dele recebeu indicao para contratar um tal de Isaac Porto, que era dono de um barco confortvel, com capacidade para viajar bastante, inclusive para rios ocultos, alguns, ele sabia, estavam at fora dos mapas oficiais. Abellardo desejava realizar a mesma

  • 51

    viagem que seu av havia feito quando tambm partira em busca de si mesmo. Abriu o velho mapa de seu av e mostrou a direo na qual deseja navegar. (INSERIR O MAPA DO AV DE ABELLARDO)

    Isaac Porto era um homem de meia idade, magro, quase alto, de rosto fino e cabeleira farta. No era bonito, mas possua uma espcie de charme primitivo, pois era cheio de estrias e possua grande capacidade de se comunicar, apesar de falar muito errado. Mas seu sorriso era irresistivelmente cativante. - Olha, vai custar uns cem pau por dia.

    Disse Issac, enquanto parecia j ter os olhos em outro lugar, ou seja: ele era distantemente atento.

  • 52

    Abellardo ficou atrado por esse aspecto da personalidade do caboclo. Alis, as pessoas sempre disseram que ele era assim tambm, meio distantemente atento, por isso, contratou Isaac com o sentimento de que estava se casando com ele. - Seu Abellardo Ramez, me conta uma

    coisa: onde que tu conseguiu um nome esquisito desses? Ou outra lngua?

    - Meu av materno era descendente de egpcios e minha famlia por parte de pai meio indgena, acho que da que vem esse negcio. Tem gente que diz que meu nome parece uma mistura de filosofo com Fara. Sabe como ?

    - - Sei no! Mas tambm no quer dizer nada, eu sei que num sei muitas coisa, seu Abellardo Ramez!

    Encheram o barco com mantimentos e partiram pelo Rio Amazonas, pois era

  • 53

    naquele oceano de guas barrentas que encontrariam um igarap que os levaria at entrada do Rio Urubu. Viajaram em silncio por um tempo, horas, talvez. Atarefado com as preocupaes da viagem, Isaac Porto andava de um lado para o outro e ia ao timo apenas para ajeit-lo ou redireciona-lo melhor. Enquanto isto, Abellardo se movia lentamente pelo barco. Andou em volta dele e se pendurou para o lado de fora da embarcao como fazia quando criana e fechou os olhos, buscando como que no ba dos olfatos, os cheiros que um dia haviam se reunido para compor seu sentido de experimentar aromas. noite ele estava saudoso no sabia de qu. Havia um estranho silncio sua volta. De sbito, seus ouvidos se abriram. Ouviu de uma vez e, ao mesmo tempo diferenciadamente, milhes de vozes da floresta. Ento, levantou e foi

  • 54

    para a proa do barco. L, repousando o peso numa perna s, Isaac Porto tomava um pouco de caf numa caneca de ferro meio quebrada nas beiradas pelo esmalte que rachara. Abellardo, ento, contou para ele de onde estava vindo, no geograficamente, mas na vida. Falou de tudo, inclusive do corao de Maria Flor de Cristo. Isaac Porto ouviu e disse: Do jeito que tu t, s morrendo. - , talvez voc tenha razo. No h

    nada mais vivo que os momentos imediatamente anteriores morte. Sabe como ?

    - Sei sim! J vi muito cabra que antes de morrer sentiu um monte de coisa. Parece que os cabra fica com um p l e outro c, a no sabe bem o que t acontecendo, n?

  • 55

    Ento Abellardo disse que aquelas florestas estavam cheias de espritos opressores e de energias psquicas. Falou, agora, com a conscincia de quem seria entendido de alguma forma. Obviamente que no exagerou. Chamou espritos opressores de terror noturno e energia psquica de assombrao. - E o que esse negocio de esprito opressor? - So anjos cados que apavoram as noites, e os dias tambm, e que se alimentam das supersties. A conversa continuou atraente. Falaram de algumas lendas da floresta e riram um bocado de algumas outras que s vezes so usadas pelas pessoas da regio a fim de encobrir seus atos e deslizadas. - como o pobre do Boto. Todo mundo

    pe culpa nele de pegar tudo que menina que vivi nas beira dos rio. O

  • 56

    problema que o Boto s pega mulher em dia de festa. Tem coisa errada, no tem no, Abellardo?

    - , o Boto como o diabo. Leva a culpa de tudo. Ningum diz eu fiz por que quis. Eles tem que dizer que foi o Boto que mandou fazer ou forou a fazer.

    - , Abellardo, mas que o Bicho atenta, atenta sim! s vezes eu no digo eu fiz porque quis porque eu sei que fiz o que no queria fazer. D pra entender?

    - Claro. O Bicho como voc falou -- s tenta se houver predisposio na gente. Cada um tentado pela sua prpria cobia.

    Isaac ficou olhando ao longe e disse: Sabe, at eu t em falta com o Boto. Uma vez eu peguei uma mulher casada que tinha um marido mole que nem

    Tiago 1: 14 e 15

  • 57

    jenipapo velho. Ela, meu amigo, era uma beleza. A pele era igualzinha a dessa frutinha, saputi. Marrom e doce. Gosto de terra com acar. Os cabelo, que coisa linda! Escorrido pelas costa. E as curva, meu amigo. Era como esse rio espiado de cima, cheio de voltinha linda. Que coisa, vigi! Mas no t certo no, n?. o caso. Fiz o que no queria! - Faz muito tempo que isto aconteceu? - Faz um bocado de tempo, e foi como

    antesdonte! - E a? O que aconteceu? - Vi a mulher sozinha mexendo farinha

    no forno. Toda suadinha. Chega escorriaFui e pedi pra provar a farinha. Ela deu um risinho. Conversamos e os resto, Abellardo Ramez, foi como se o cu e inferno se unisse. Era um gosto de morte com sabor de vida que num d pra contar

  • 58

    como . A a danada, com os olho ardendo que nem fogueira de So Joo, me atacou.

    Abellardo ouviu aquilo como se fosse um confessor. Havia uma dor saudosa e culpada na fala do caboclo. - Tu j sentiu isso na vida, Abellardo? - No, Isaac. Nunca. Com essa fora,

    nunca! Mas me diz onde que o Boto entra nessa histria?

    - que a mulher ficou buxuda. Teve um menino e botou o nome dele de Isaaquinho. E como o marido dela ficou uns quatro ms viajando, ela disse que o Boto saiu do rio e botou semente nela. , virei peixe, meu amigo!

    - Voc a viu de novo, Isaac? -

    - Todo dia. Toda hora. Ela t aqui, bem na minha frente. Mas nunca mais vi ela no.

  • 59

    - E como foi que voc conseguiu esta faanha de no procur-la mais?

    - Olha, tu tem que saber que o que no teu, no teu. Mas vou me alimentar das lembrana dela pro resto da vida. E sabe como ? Tem gente que te marca at debaixo dgua.

    - E como que voc se sente sobre o que aconteceu entre vocs? Ela era casada.

    - T errado e t certo. T errado porque a bichinha casada. E t certo porque marido nenhum pode largar uma mulher como aquela sem satisfao. Ento, sou culpado pelos lado do marido e sou heri pelos lado da mulher.

    Ao ouvir isto Abellardo teve o mpeto de falar algo em contrrio. Teve uma crise de lgica grega e quis quase tentar provar que se estava certo no podia

  • 60

    estar errado e se estava errado no podia estar certo. Depois, percebeu que era melhor no dizer nada Foi para a rede que estava armada ali no meio do barco, amarrada aos postes que sustentavam a cobertura da embarcao, e fez uma orao que h muito no fazia. Ainda que eu passe pelas muitas guas, elas no me submergiro, pois Tu ests comigo. Depois, pegou o livro de Enoque e o leu sofregamente. E mergulhou em suas imagens e na gravidade de suas terrveis afirmaes. Ento dormiu enquanto se embalava na rede. No meio da noite ouviu um som estranho. Sentiu o barco virar como se estivesse pousado no dorso de um monstro. De sbito, sentiu que havia gua ao seu redor.

  • 61

    Isaac Porto gritava: Pula, pula, enquanto d! Mesmo sem enxergar nada pulou naquele que era o espao que lhe dava sensao de o projetar para onde a lmina da gua estava. O cheiro de fumaa e o som de ardncia da mquina que ia afundando lhe chamaram a ateno. Sentiu que mergulhara, mas parecia que pulara para dentro de algo. Quis sair e no encontrava como. Abria os olhos e no via nada. Subiu e deu com a cabea em algo que parecia uma parede de madeira, mas que no lhe deixava espao para respirar. Ali, por um nico momento, ouviu a voz de Isaac. Sai do bicho antes que ele te leve pro fundo com ele! O problema que Abellardo no sabia nem onde estava e nem o que era aquilo. Se aquilo era morrer, ento,

  • 62

    certamente, era uma experincia que jamais tivera, nem de longe. S sentiu que comeou a mudar seu humor. O desespero foi dando lugar a um estranho sentimento de prazer. Sentiu aquilo que os franceses chamam de Quase morte. Algo o estava lavando. E a escurido deixou de assustar. Mergulhou em regies de escuros e aparentemente inofensivos prazeres. Entretanto, no sabia onde ou o que era aquilo.

    A expresso tambm empregada para designar a consumao do prazer.

  • 63

    O Lugar dos No Lugares

    E ouvi uma voz que dizia: Sobe para aqui e te mostrarei o que deve acontecer depois destas coisas.

    Joo, o apostolo, no livro do Apocalipse, 4:1

  • 64

    A sensao era incomparvel. Olhou adiante e viu uma espcie de tubo, cujas paredes eram como as de uma bolha. Havia uma luz tnue, como uma claridade. Dava a sensao de que um nascer de sol estava para acontecer. A percepo da gua comeou a minguar. Sentiu tambm como se seu corpo estivesse se fundindo com todas as suas possibilidades de sentir, como se pela primeira vez pudesse se apropriar de todos os seus sentidos a um s tempo. De sbito esse tunel-bolha comeou a se comprimir. Uma sensao de gua lavando seu interior percorreu-lhe o ser. Ento, tudo entrou em sofrimento. Era como se o lugar ou dimenso onde estava, fosse como um ventre, pronto para dar luz. Eram contraes contnuas. E elas eram poderosas como os espasmos de uma cobra gigante.

  • 65

    Ento, imagens. Milhares. Milhes de imagens. Cenas de todos os seus tempos e de alguns que nem sabia que eram seus. E conseguia ver e sentir tudo de uma vez, como se a vida tivesse sido uma nica experincia, contnua, completamente conectada em si mesma, e suas conseqncias nada mais fossem que o resultado lgico de todos os fatos. O tnel interior daquela sucuri estava chegando ao fim. De sbito, foi vomitado dentro de algo que com

    Abellardo me disse que naquela experincia ele descobriu que no houvera encontro, percepo, emoo, sentido ou raciocnio, que um dia o tivesse perpassado, que nele no tivessado deixado um filete, um ligamento, um atalho para algo mais profundo. E viu que as experincias fortes, haviam sido incorporadas como memria. Mas as ainda mais fortes que seu tecido interior pudera suportar, haviam se transformado em esquecimento auto-infringido, porm, emocionalmente, mais vivo que aquilo que ele chamava de lembranas. E percebeu ainda que aquelas outras realidades que de to sutis ele no conseguia nem lembrar, como aquelas percepes desassociadas de um roteiro, ou de outros atores, com papis definidos, como cheiros, em sua solido pelo caminho, no campo, na montanha, na gua, especialmente aqueles aromas no identificados, e que lhe haviam um dia tocado na estrada sem pedir licena -- tambm o haviam mudado para sempre.

  • 66

    certeza, existia dentro e no fora. Ou seja, ele se sentia como algum que havia sido inseminado num tero dimensional. - Por que que voc anda procurando

    por mim? - Levantou o olhar e viu um velho. - No sei quem voc? Quem voc? - Sou Enoque, o stimo depois de Ado,

    aquele que j no era, pois Deus o tomou para si.

    Abellardo no podia entender. Morto, desconfiava, ainda no estava. Dava para sentir algumas sensaes que eram ainda fsicas demais para ser de outra dimenso. Mas onde estava? - Que lugar esse? - Esse no um lugar. Poucas coisas

    so lugares. O mundo dos lugares

  • 67

    muito pequeno. Grande mesmo o Universo dos No Lugares.

    - Ento, o que isso e onde eu estou? - Ora, a Amaznia! Onde que voc

    estava onde me encontrou? Voc no estava na terra das florestas?

    - , mais algo aconteceu! No sei se foi meu barco que afundou, se estou morto no poro do barco, ou se fui engolido por uma piraba gigante ou se foi uma sucuri que me espremeu no fundo do rio.

    - Nada disso importante. Uma coisa importante. Voc um fugitivo.Um Jonas!

    - Eu, um fugitivo? Como? Passei a vida sem fugir, enfrentando tudo, todos, sem medo, e querendo que minha vida tivesse um significado no mundo!

    Um dos filhos de Abellardo me disse que uma das histrias que mais o haviam impressionado era a do profeta Jonas e de como for a engolido pelo grande peixe.

  • 68

    - , mas tudo no passou de uma grande fuga. E sabe por que?

    - Fuga?! - . Voc nasceu com muitos talentos.

    E isto fez com que seus verdadeiros dons acabassem sendo perdidos em voc. Gente como voc se engana o tempo todo.

    - Como assim? - Voc pensa que est indo, mas est

    fugindo. Pensa que est fazendo, mas, de fato, est des-fazendo. Veja: por mais que voc faa, se no faz o que voc nasceu para fazer, ser ento um fazer que no realizar sua alma.

    - E o que eu nasci para fazer? - Voc aprender agora! - E como que voc sabe disso ou

    como sabe quem eu sou? - Abellardo Ramez II, seu nome. Voc

    seria chamado por outro nome, mas

  • 69

    seus pais mudaram de idia na ltima hora.

    - Mas como voc sabe tudo isto? - Onde eu existo e na misso que eu

    tenho, sabe-se de tudo o que se tem de saber e no se sabe de nada que no se precisa saber. Aqui, se for preciso, voc sabe.

    - estranho, mas sempre pensei que se um dia eu encontrasse algum dos meus heris, eles falariam com aquela voz solene de gente antiga e santa. Mas voc fala como eu. Por que?

    - J ocorreu a voc que aqui, neste momento, neste lugar para usar a sua linguagem eu no seja uma imagem viva e real, mas apenas uma projeo, dentro de voc mesmo? Eu recebo misses inimaginveis. J fui a muitos mundos, dimenses, estados e lugares. A maioria deles existe onde

  • 70

    ningum pode imaginar uma existncia.

    Foi quando Abellardo olhou em volta e se deu conta de que no havia cenrio algum nesse lugar onde estava. Era como se fosse um grande e csmico estdio de gravao, com fundo infinito em qualquer direo que se olhasse. Olhou para Enoque e o viu. Era alto, o cabelo era branco como o branco pode ser. Sua barba era longa e sedosa. Havia um cheiro de frutas que exalava dele. E seu hlito era o de jasmins na entrada da noite. A nica percepo diferenciada que ele ali tinha, era a de uma tira de pano acetinado vermelho, que Enoque trazia amarrada em volta da cabea, altura da testa, e que sobressaa com majestosa simplicidade no ambiente.

  • 71

    - Por que foi que voc veio ao meu encontro?

    - Viemos ao encontro um do outro. Mas no fomos nem eu nem voc os que iniciamos o movimento um na direo do outro.

    - O que voc quer dizer com isto? - Abellardo, escute para sempre o que

    vou dizer: Na existncia dos seres que sabem que so, no h nada que no seja desgnio de Deus e que tambm no os deixe livres para ser ou no ser.

    - Quer dizer ento que esse debate entre a soberania de Deus e a liberdade do homem no cessa e no se explica nem aqui?

    - O que , . Isto tudo ! - J ouvi essa frase. - Eu sei. Veronica! Esta frase estava no

    corao de Veronica.

  • 72

    Ento, depois disto, por alguma frao de algo que Abellardo no sabia precisar, viu a histria emocional de sua vida. No eram eventos, mas emoes que se sucediam como ondas de um corao que fibrila. Mas bem embaixo dessa agitao de energias emocionais arrtmicas, surgiu de modo pesado, depois suave, uma msica sendo tocada. Foi quando percebeu que ali, mais ao fundo, as emoes da vida virassem msica. A cada fragmento de emoo correspondia uma nota musical, de modo que, s vezes, a msica era grave, s vezes leve, s vezes inclassificavelmente arrtmica, mas as vezes to arrebatante que a nica opo era danar. - Eu vim para dizer que voc amado,

    que o seu pecado j foi perdoado e que o Amor Que ainda tem algumas

  • 73

    misses para voc. Antes, porm, voc precisa ser curado.

    Ento, Enoque levantou o olhar aos cus, bendisse o Nome, e baixou os olhos at encontrar os de Abellardo. A seguir fixou o olhar to fortemente dentro de Abellardo, que era como se ele tivesse sido espetado contra uma muralha encandeceste no fundo do universo. Foi quando Enoque disse: ED LIMU HEMO BRESE DE DADIAV MESRIVRE SERA ODRE PERAMA ARA PER VILA CIF. EI RANOD NABA ET SI AMAJ. EIRA XI ED ET AC NUN.

    Um elemento quente como o fogo liqefeito foi derramado sobre ele, e o impregnava medida que escorria sobre seu corpo, que ali era densamente atravessvel.

    S agora, enquanto escrevo este livro e que soube que o significado desta frase uma confisso de amor do Criador pela criatura.

  • 74

    E por onde aquele fogo lquido passava, era como se o sol nascesse na escurido de seu esprito, como se tempestades lavassem as florestas de sua alma, como se os campos de suas emoes parissem flores e as rvores dos seus pensamentos dessem luz frutos de esperana. Ento ele chorou como nunca chorara antes. Depois danou como nunca soubera que sabia. E, por ltimo, explodiu em gritos de alegria pelo perdo que recebera e pela graa que insistia em fazer-lhe bem. Agora, todavia, comeava a suspeitar que o que Enoque dissera antes era algo para se escutar e nunca na vida se esquecer: O que , . Isto tudo e tudo . E assim, refletiu, as discusses e

    Abellardo disse a amigos que naquele momento refletiu sobre duas coisas. A primeira era que no importava na vida o que ele pensava sobre as coisas ou fatos, mas, apenas, o que de fato aconteceu. E pensou que contra o que , nada para sempre, pois um dia tudo o que camuflado ou oculto, ser revelado. Outra percepo simples que aquela frase lhe sugeria, era que no existia, no

  • 75

    vaidades da vida diminuram muito aos seus olhos. E sua preocupao com sua imagem e reputao, tambm quase que de todo desapareceriam, ficando-lhe apenas o cuidado com sua dignidade e com as simples certezas de seu corao. - Voc est iniciando uma grande

    viagem. Voc conhecer os segredos dos Nephilims. Voc ser caluniado do que no fez e ser confrontado pelo que fez. Assim, voc aprender o sabor de ser quem voc , e de ter que existir tambm sabendo o que voc no .

    - Mas o que isto tem a ver com ter cado aqui e encontrado voc?

    - Certas quedas so para cima, mesmo quando parecem ser o fim. Alm disso, seu interesse pelo que

    mundo do esprito, nada que tivesse sido, fosse ou viesse a ser, pois naquela dimenso, tudo acontece ao mesmo tempo.

  • 76

    aconteceu antes das Grandes guas colocou voc como uma das poucas pessoas que acreditam na histria dos Vigilantes Universais. Ali existe o segredo que todos os profetas conheceram e os apstolos reverenciaram.

    - Enoque, ento eu no estou errado quando creio que os apstolos e profetas sabiam da histria em seus detalhes?

    - Sim, eles nunca esconderam isto. Sem falar que o Livro dos Comeos tambm no faz mistrio do fato, mas diz apenas o suficiente para que se saiba que o Grande Dilvio aconteceu por causa de uma maldade sem cura.

    - Sem cura? Como? - Todas as coisas da terra tem cura. As

    coisas dos cus no tem cura, porque pela prpria natureza delas, ou elas so ou no so. Mas o que aconteceu

  • 77

    entre os Vigilantes e as mulheres formosas foi pior porque agora existem os Nephilims, que nem so anjos e nem homens. Eles nasceram de uma unio de dimenses que se guiam por leis e cdigos diferentes.

    - Como leis diferentes? - No Universo h vrias camadas de

    Leis. - E que Leis so essas? - H a Lei do Universo Superior. H a

    Lei do Mdio Universo. H a Lei do Pequeno Universo. H a Lei da Terra. H a Lei das Naes. H a Lei dos Senhores e dos Mestres dos Homens. E h a Lei dos Submundos.

    - So sete nveis! Certo? - Sim, e so conhecidas como as Leis

    das Camadas Universais.

    Eu, pessoalmente, fiquei intrigado com esta afirmao e fui verificar sua aplicabilidade na criao, e, assim, percebi que mesmo entre os animais essas leis existem com especificidade. Para ilustrar, veja-se que existem aves mongamas e outras que so polgamas. Se diz que o pssaro Joo de Barro,

  • 78

    - E como elas so aplicadas? - Cada ser vivo ser julgado em apenas

    dois critrios: O da Lei do Grande Universo e a Lei do seu universo particular, de sua dimenso, ou de seu territrio ou espcie.

    - Mas em que essas leis so diferentes? - Elas operam sob o mesmo princpio,

    mas so diferentes em sua forma. A primeira afeta o dever para com o Criador e o Universo. A segunda so os deveres para com o grupo ao qual se pertence. E assim vai dos seres que rastejam aos Arcanjos dos mais altos Cus.

    - Por que as outras leis no nos dizem respeito? Sempre cri que a sabedoria da vida era alinhar tudo, das Leis

    se trado pela fmea, a fecha dentro da casa para que ela morra. O mesmo se pode dizer da organizao social de diferentes grupos de animais, onde a fixidez de certas leis de comportamento definem a conduta de cada uma daquelas espcies, e sua transgresso, pode significar, dentro daquele grupo, a punio de morte ou abandono.

  • 79

    Universais s locais, sem excluir nenhuma camada.

    - S nasceu Um capaz de obedecer todas as Leis do Universo, do Trono Universal ao p da Terra, e que todo ser que respira d glria e majestade ao seu Impronunciavel Nome! Bradou Enoque e se ajoelhou.

    - Ento ouviu-se um som estrepitoso e era como se o Universo estivesse se construindo e se desconstruindo ao mesmo tempo, como se aquele Nome fizesse a essncia de todas as coisas cantar e gemer, exultar e grunhir de dor, danar e se ajoelhar em preces. - Os Vigilantes pertencem s Leis do Universo Superior. Por isto, eles no tm que ser confundidos pelas outras leis. Eles vivem no mundo onde o que

  • 80

    , ; e no h dvidas. Eles existem acima das incertezas. - E quais as conseqncias para os

    anjos, quando desobedecem? - Quando eles desobedecem, no h

    retorno. uma deciso absoluta de rebelio. Pelo menos, no nessa eternidade.

    - Como nessa eternidade? Ento h muitas eternidades?

    - Achei que voc cria nisto. Veja: s h Um que Eterno. Mas eternidades, j houve muitas e outras muitas ainda haver!

    - Mas o que voc quer dizer? Haver um dia em que tudo e todos se reconciliaro com Ele?

    - Um dia Ele ser tudo em todos!24 - E ns, os humanos? Como essas leis

    funcionam com a gente?

    24 I Corntios 15:28

  • 81

    - Ns, que viemos do p, que somos menores que os anjos, estamos de baixo de tantas leis, e somos confundidos por tantos outros mundos que existem acima de ns ou a nossa volta, que quando quebramos a Lei, h sempre muitas causas em questo.

    - Estou comeando a entender. por isto, ento, que no se deve julgar o prximo?

    - Sim! Os filhos de Ado deveriam agradecer todos os dias por serem to pequenos, pois, nessa pequenez que habita o mistrio que os anjos no entendem: o amor do Eterno, e Seu poder de perdoar os filhos da Terra. Este o Amor Que !

    - Ento, essa a glria de estar perdido, de no saber, de transgredir na confuso, e de viver de modo to indiscernvel?!

  • 82

    - apenas por causa da rvore Seca onde Ele foi imolado. Ela o centro de tudo o que existe, e Nele tudo subsiste!

    - Ento Abellardo achou que algo iria acontecer. Sentiu alguma coisa lhe pegando o brao. Seu cabelo foi, como que, puxado. Uma leve sensao de gua lhe chegou boca. Olhou e viu algo branco como areia bem ao fundo, prximo ao ombro direito de Enoque, que agora se virava e comeava a andar adiante dele. Mas outra vez, aquela impresso de natureza difusa e distante, se afastou. Comearam, ento, a cair. Era como se arremessar de um avio e cair sem medo. No havia coisas para ver. Mas

    Isaias 53:4 5: Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e ns o reputvamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas nossas transgresses, e modo pelas nossas inquidades; o castigo que nos trs a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.

  • 83

    era como ver tudo a um s tempo, como se na queda tudo ficasse mais verdadeiro. De sbito, voltaram ao mesmo cenrio onde a nica cor alm do branco era a fita vermelha acetinada na testa de Enoque. - Enoque, ento, como ficam os

    Nephilims? - O que voc pensa sobre eles? Me diga

    como os v? - Bem, eu acho eles esto vivendo a

    condenao de sua histria. Alguns Nephilims foram muito maus. Outros, nem tanto.

    - Voc est quase certo. verdade que no h um nico julgamento. Mas os Nephilims se tornaram como nuvens de agonia sobre a Terra, atormentados e atormentando, e se tornaram espritos imundos. H muito para voc

  • 84

    ver. E s entender se puder ver. Ainda h muito a lhe dizer, mas ainda no a hora.

    - Eu me lembro que quando era jovem eu lia no Livro dos Comeos sobre a queda dos filhos de Deus que possuram as filhas dos homens e ficava perturbado. No dava para pensar que fosse o que me diziam que era.

    - E o que os teus mestres te ensinaram sobre isto?

    - Muito pouco. Esse assunto meio proibido.

    - Sem saber o que houve na antigidade, como se entender a humanidade? Indagou Enoque muito mais a fim de fazer Abellardo falar do que porque no soubesse. E perguntou outra vez: O que te ensinaram os teus mestres?

  • 85

    - Meus mestres sempre me diziam que no eram anjos, que os filhos de Deus que possuram as filhas dos homens eram os filhos de Sete, filho de Ado, e que eles haviam se casado com as filhas do banido e desterrado Caim. Houve at um grande mestre que tentou me convencer de que eram anjos sim, mas na forma de espritos invisveis que possuram as mulheres, e elas, possessas de espritos de sensualidade, se tornavam sexualmente adlteras e prostitutas insaciveis. Mas jamais me explicaram porque, ento, os filhos delas nasciam gigantes, Nephilims, se tornando os vares poderosos de toda a antigidade.

    At ao ano 245 da era crist seguia-se a tradio judaica que cria que Gnesis 6: 1 a 4 fazia referncia ao que o livro de Enoque dizia sobre a queda dos Vigilantes. Os primeiros Pais da Igreja asim criam, at que Julius Africanus props que os filhos de Deus eram os da descendncia de Sete, filho de Ado, quando se casaram com as filhas de Caim. No quinto sculo Jeronimo afirmou a mesma tese de Julius, e Crysstomo concordou com ele. Agostinho, todavia, afirmava crer na possibilidade de que a interpretao correta estivesse ao lado da tradio judaica do livro de Enoque, conforme menes ao texto

  • 86

    E quando falou isto que Abellardo percebeu que ali no havia som saindo de sua boca. De fato, aquela era uma conversa de pensamentos. Ele apenas tinha que pensar a fim de se fazer ouvir. - Diga-me, como voc se recorda da

    Palavra que voc citou? - Ento Abellardo, sem fazer qualquer

    esforo para recordar-se do texto, apenas abriu a boca e falou: Como foram se multiplicando os homens na Terra, lhes nasceram filhas, vendo os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram para si mulheres, as que, entre todas, mais lhes agradaram. Ora, naquele tempo havia gigantes na Terra; e tambm depois, quando os filhos de Deus possuram as filhas dos homens,

    feitas nas escrituras judaico-cristes. J o telogo judeu Morgenstern sustenta que a queda dos Vigilantes no deve ser confundida com a primeira queda, a de Satans, que aconteceu por orgulho, e no lascvia. Ele tambm faz distino entre Nephilim ( os que foram lanados para a terra) de Nophelim (aqueles que escolheram cair), e diz que esse foi o caso dos Vigilantes.

  • 87

    as quais lhes deram filhos; estes foram poderosos, vares de grande fama na antigidade.

    - Isto, Abellardo, j seria suficiente para que se soubesse sobre os Vigilantes e os Nephilims. E em muitos outros lugares no Livro dos Livros, se falou do mesmo assunto.

    - Nunca entendi porque no se falou mais explicitamente do assunto!

    - Veja, Abellardo, se no se falou mais a respeito, foi porque no havia a inteno de encher a Terra com aquela memria.

    - Mas por que agora se deve falar nisso?

    - que a maldade dos anjos cados e seus filhos, invadiu a Terra, mesmo depois das Grandes guas e mesmo depois que os ltimos descendentes dos Nephilims morreram no corpo.

    Gnesis 6: 1 a 4

  • 88

    - Eu sei disso! Mas por que somente agora se est falando nisso?

    - Este o tempo do fim! Esta a hora de lhes tirar o disfarce. Mas ainda est cedo para que eu fale a respeito de Genun e as suas maldades praticadas com os filhos de Caim, corrompendo a casa de Jerede, meu pai.

    - Uma curiosidade: aqueles gigantes que existiram depois do Diluvio eram descendentes dos Nephilims?

    - Onde mais se diz no Livro dos Livros que os gigantes eram de outra origem?

    - Em lugar nenhum! - , mas l se fala que os gigantes eram

    a descendncia dos filhos de Deus com as filhas dos homens, as mais formosas!

    - Sim! Mas no se explica como eles sobreviveram Grandes guas. Havia um deles viajando na Arca?

  • 89

    - Claro que no! Mas hoje ainda no tenho permisso para te informar. Um dia, talvez.

    O ambiente se tornou meio difuso como um sonho. Atrs do rosto de Enoque, deu a impresso de ter aparecido a face de Isaac Porto. Abellardo, todavia, achou que era apenas impresso, dessas que se tem em muitos lugares e situaes, especialmente nas horas de crise. A seguir, Enoque o pegou pela mo e juntos flutuaram sobre um rio de fogo frio, vermelho e incandescente. De repente, pararam. Ento, Abellardo viu que haviam voltado ao mesmo cenrio. - O que foi que houve? - Senti que voc precisava de uma brisa

    da tarde-manh, foi s isto.

  • 90

    - E por que eu preciso e voc no? - Ora, eu no preciso, eu gosto. Mas se

    gosto, preciso. E no gosto de nada que no preciso. E no preciso de nada que no gosto, pois tenho tudo. E assim, . Lembra? Tudo .

    - Mas sua situao singular. Voc Enoque, o homem que j no era, pois Deus o tomou para si. Ou como algum j disse: Enoque foi trasladado para no ver a morte. Igual a voc, s Elias, de Gileade. E talvez Moiss, que morreu, mas teve o corpo guardado por anjos.

    - Sim, eu no passei pela morte e tambm no ressuscitei at hoje. Eu sou um dos primeiros que sero ltimos. Mas aqui meu corpo . O seu corpo ainda est no meio do caminho, est sendo. Voc ainda est dividido.

    Elias foi levado ao cu num rodamoinho (II Reis 2: 9-14); o corpo de Moiss foi objeto de uma contenda do arcanjo Miguel com o diabo (Deuteronmio 34:6; Judas 9).

  • 91

    Voc ainda no sabe bem nem o que e muito menos quem .

    - E esta a grande questo da Terra. Alm disso, eu sou ainda completamente diferente de voc. Gosto de muito do que no preciso e preciso ainda de muita coisa que no gosto.

    - por isto que voc acaba sendo escravo de gostar do que no precisa e de precisar do que no gosta!

    - Eu sei. A, freqentemente, tambm vejo que fao o que no quero, e que o que quero, no fao. s vezes d at vontade de gritar como algum j fez antes de mim: Desventurado homem que sou. Quem me livrar do corpo dessa morte?

    - Voc sabe que apenas porque eu nuca morri, mas fui arrebatado para no ver a morte, que eu posso estar

    Romanos 7:24

  • 92

    aqui, falando com voc? Voc sabe disto, certo?

    - Sim, eu sei. . - Se eu fosse um morto, no teria

    permisso para falar com voc, pois seria consulta aos mortos, e isto cincia dos Vigilantes e Nephilims.

    -

    De sbito, Abellardo comeou a tossir. Sentiu gua esguichando para o lado de fora. Um frio enorme o abraou. Depois foi um calor de sangue que o possuiu. Ento sentiu seu corpo. Percebeu que havia tambm muita areia sobre ele, especialmente nos cabelos. - Acorda, homem, acorda! Eu sei que

    Deus num vai faz isso comigo. Eu sei que Ele num vai deixar um cabra morrer na minha mo!

    Deuteronmio 8:10 e 11

  • 93

    - Ento olhou e viu o rosto fino de Isaac Porto. Podia at sentir seu hlito e respirao. Uma sensao de familiaridade com o caboclo o possuiu. Agradeceu a Deus por ele estar ali, ainda que no soubesse onde ali era e nem que hora era aquela.

    Sentia-se vivo mas sem foras e sem vontade de falar. Algum tempo depois, ento, que falou. - Onde que a gente est, Isaac? - aqui no alto Rio Urub, bem longe

    de tudo. Esses lugar que nem fantasma acha.

    - Mas o que foi que aconteceu? S me lembro que conversamos, fui para a rede me embalar, e tudo ficou mais que escuro. Mergulhei e s voltei agora. Acho at que sonhei um sonho que era como um filme. Sei l.

  • 94

    Parecia mais real que estar aqui, com voc.

    - Acho que com aquele papo da mulher da farinha, me esqueci da vida. Deve ter sido um tronco ou uma pedra. J passei muito por aqui e nunca vi pedra no. Mas o bichinho no agentou e foi pro fundo.

    - E o que foi que aconteceu comigo? - Tu mergulhou pra dentro do bicho,

    pro poro. Estava danado de escuro. Pulei atrs mas no te peguei. Quando vi que tu taba danado, tratei de me salvar. Nadei pra longe do bicho at que deu p. O Rio Urubu t baixando, ento, as guas to longe da praia. Olha s como as gua to l longe de ns!

    - Mas a, Isaac? Quer dizer ento que eu estou morto e no sei?

    - No, homem. Tu t mais aqui que l. Isso com certeza. Mas que tu teve l,

  • 95

    isso teve. Com um p na cova. Bonitinho!

    - Mas para de suspense e me conta, Isaac Porto. Falou meio sem pacincia diante da novela do caboclo.

    - Hoje de manhzinha quando acordei, fui at a beira do rio. Ento, espiei de longe o casquinho do bichinho. Cheio dos medo, porque vivo da gua, mas morro de medo dela -- j quase me afoguei, depois te conto -- ento fui l nadando. Subi no casco do bicho e ele agentou. Acho que ali raso. Deve que pedra com areia. Sei l!

    - Voc teve medo, Isaac? - Sou medroso, mano. Tinha um buraco

    no casco. Quando meti a cabea dentro, tu tava l. Com o nariz pra fora dgua. Tu ficou engatado em uns troo. Os brao estavam seguro numas travessa do poro. E como o bicho

  • 96

    virou, o que era em baixo ficou em cima. A tu te salvou.

    - E como foi que voc me tirou de l? - Deu uns trabalho do inferno. Tu pesa

    pra caramba. Peguei primeiro teus cabelo. Depois segurei teus brao. Tu at me deu uma olhada, cabra. Depois tu se foi de novo. Te puxei pra c. T mortinho. Fiquei aqui do teu lado, deitado. At que tu comeou a falar num conhecido teu, esse seu Inhoque e o filho dele, que tu chamou de seufilhin.

    - Enoque. E-N-O-Q-U-E, e no nada de seufilhin, so os Nephilims, que no so filhos de Enoque, so dos anjos com as mulheres formosas e so gigantes. Explicou com energia renovada.

    - Tu muito doido, homem. Essa noite na gua te endoidou!

  • 97

    - No sei o que foi, mas foi como se meu livro, aquele que eu estava lendo desde que te encontrei ontem, estivesse vivo dentro de mim e seus personagens estivessem livres na minha mente.

    - Por falar em livro, tu t falando daquele que t ali todo encharcadinho?

    - Como foi que ele veio parar aqui? - Tu estava com ele na tua mo. Tu num

    largou o bicho nem pra morrer. Deve ser bom o danado.

    - Me faz um favor, Isaac? Pe o livro pra secar ali naquele tronco?

    Ento Abellardo levantou, andou lentamente em volta do lugar e percebeu que estavam perdidos, a menos que algum barco passasse ali, pois a margem mais prxima estava a quilmetros de distncia, e naquelas

  • 98

    guas escuras nem ele nem Isaac Porto se atreveriam a nadar at a outra margem. Mas no se importou com isso. E ali, no meio do nada, viu que tanto fazia ficar perdido ou ser achado, a nica coisa que importava era viajar mais, especialmente se pudesse ainda revistar aqueles mundos intermedirios, onde a imaginao era cheia de premonio e profecia, e onde as viagens interiores poderiam lhe fazer ver com melhores olhos o que ele chamava de lado de fora. Ou seja: sua prpria imagem. Ento, deu uma enorme vontade de fazer um fogo e se sentir primitivo, como se nada fosse mais humano do que de fato ser primitivo.

  • 99

    O Pacto de Execraes

    Portanto, deve a mulher, por causa dos anjos, trazer vu sobre a cabea, como sinal de autoridade.

    So Paulo, aos Corntios, 11:10

  • 100

    Abellardo Ramez II j havia acampado muitas vezes. Mas jamais estivera perdido. Estava perdido no porque no soubesse o caminho de volta, mas porque no tinha como voltar. Ele havia sido arrebatado e no deixara endereo. E, assim, semelhana de Enoque, ele tambm j no era. O estranho era que queria ficar perdido, pelo menos por um tempo, pois pensava que o perdido realmente perdido, ficava livre de preocupaes. - Voc tem fogo a, Isaac Porto? - claro. S ando com esse bichinho

    aqui, esse isqueirinho pretinho. Agenta at as gua do Rio Urubu.

    - Abellardo, ento, levantou, catou uns gravetos e fez um fogo.

    -

  • 101

    Era dia, mas soprava um vento frio. Alm disso, depois de passar a noite dentro dgua, qualquer vento que soprava o sensibilizava todo. Ento, comeou a tossir muito. Uma sensao de febre comeava a lhe esquentar o sangue. As juntas doam. A cabea pesava. Os olhos ardiam. Deitou na areia gelada, gemeu, se abraou, fez cafun em sua prpria cabea, alisou o peito, se ajeitou no cho e dormiu. Quando acordou viu que j estava escurecendo. Ao seu lado, no cho, Isaac Porto olhava para cima, calado. Quando viu que Abellardo acordara foi logo pulando e dizendo: Acho ruim a gente sair daqui. Num passa nada, nem barco nem canoa. E os navio de linha arrudeiam as ilha pelo lado de l. Quem manda tu querer um lugar que nem t no mapa!

  • 102

    Ento, estendendo a mo, deu-lhe algumas frutas do lugar, que ele apanhara no mato, na entrada da floresta. Ali, sentado na areia, deu-lhe uma enorme e quase incontrolvel saudade de seus filhos. Chorou em silncio. Depois andou de um lado para o outro. Havia uma ansiedade estranha em sua alma. - Isaac, voc quer saber o que foi que

    aconteceu comigo durante o tempo em que fiquei meio morto no barco?

    - claro. Aquele negocio de Inhoque e seufilhin, me intrigou, homem. Vai l. Me conta que t morrendo pra saber.

    - Olha, pra saber mesmo, s morrendo. - Ento, meu amigo, vira essa boca pra

    l. Num me conta no.

  • 103

    - Que isso, Isaac? S morrendo porque por mais que eu te explique, voc no vai entender. Era como se eu tivesse morrido. E a morte a gente no tem palavras para explicar, entendeu?

    - Entendi, sim. Mas prefiro entender pouco, vivo, que entender um bocado, mas morto.

    Ento Abellardo contou a Isaac, em detalhes, o fenmeno de sua relao com aquele livro e como ele o levara para aquele lugar onde ele encontrara Enoque. Quando terminou, viu que Isaac Porto estava petrificado. As luzes trmulas da fogueira acendiam um brilho de fixao perplexa nos olhos do caboclo. E notou tambm que ele estava parado porque no tinha coragem de andar. - Voc viu se o livro j secou?

  • 104

    - T ali, olha. Botei em cima do tronco seco. T sequinho. Por que? Tu quer ler o bicho?

    - , acho que vou ler um pouco. Voc se importa?

    - Me importo toda a vida. Mas o que que ns faz aqui nesses fim de mundo? S lendo, n?

    O ambiente era sinistro. A noite estava escura acima e em volta deles, e era misteriosa como o Rio Urubu, que ali, adiante deles, assistia em silncio a perdio que experimentavam. Havia uma espcie de silncio habitado. Os sons eram tantos que nem conseguiam, muitas vezes, diferenci-los uns dos outros, ficando apenas aquele zumbido da noite, viva e ocultadora dos seres que nela pululavam. Ento Abellardo comeou a ler o Livro de Enoque com voz de orador. Clara. Alta. Imponente. Grave.

  • 105

    Isto os anjos me mostraram. Deles

    eu ouvi todas as coisas e entendi o que eu vi; daquilo que no acontecer nesta

    gerao, mas numa gerao que est para vir, em um perodo distante, por

    causa dos Eleitos. Devido a isto eu falei com Ele, aquele que se estende para

    alm de sua habitao, o Santo e Magnifico, o Deus do Universo. Que doravante caminhar e aparecer com

    suas hostes, e ser manifesto na fora de seu poder vindo do Cu. Todos devero

    ficar atemorizados, e os Vigilantes, aterrorizados. Grande medo e tremor

    devero atac-los, at mesmo se esconderem-se nos confins da Terra. As montanhas mais altas sero perturbadas; as colinas exaltadas, sero deprimidas. Derretendo-se como favo de mel em

    uma chama. A Terra dever ser imersa, e todas as coisas nela perecero, pois o

  • 106

    julgamento vir sobre todos, at mesmo sobre os justos.

    Mas a estes ele trar paz, ele preservar o eleito e para eles exercer clemncia. Ento todos pertencero a Deus, sendo felizes e abenoados, e o esplendor da

    divindade ilumina-los-. - Abellardo, s um minutinho. Quem

    so esses eleito? So os cabra de corao bom e que num se desviaro de Deus?

    - . sim. Os eleitos so os que decidiram ser de Deus e que Deus tambm decidiu que eram Dele. D pra entender?

    - Claro. Parece com aquilo que meu tio Joozinho dizia sobre uma f danada que ele tinha e que ele dizia nunca ele iria abandon. Ele dizia um negocio que eu nunca esqueo, no. Se eu pudesse, eu num queria. Mas se eu

  • 107

    quisesse, eu num podia. D pra entender?

    - Acho que d sim. Deixa eu continuar. - E eis que Ele vem com mirades de seus

    anjos, para executar juzo sobre os mpios, destruir o mal de suas obras, e reprovar todos os carnais, por tudo que os pecadores e mpios tenham feito e cometido contra Ele e sua criao.

    Todos os que ento nos Cus sabem o que l realizado. Sabem que os

    luminares celestiais no mudam seu caminho, que cada uma nasce e se pe

    com regularidade, cada um em seu prprio perodo, sem transgredir os comandos que receberam. Mas estes

    resistem impacientemente, nem

    Judas, o irmo do Senhor, literalmente, diz: Quanto a estes foi que tambm profetizou Enoque, o stimo depois de Ado, dizendo: Eis que veio o Senhor entre as suas santas mirades, para exercer juizo contra todos e fazer convictos todos os mpios, acerca de todas as obras mpias que mpiamente praticaram, e acerca de todas as palavras insolentes que mpios pecadores proferiram contra ele.

  • 108

    cumprem os mandamentos do Senhor, mas transgridem e caluniam sua

    grandeza, e malignas so as palavras em suas bocas polutas contra sua

    Majestade. Tu que murchaste em teu corao, nenhuma paz jamais te alcanar.

    Assim, at mesmo amaldioaras os teus dias, e os anos de tua vida ho de

    perecer, execrao perptua multiplicar-se- sobre ti, e no havers de obter

    misericrdia. Nesse tempo tu ters que renunciar publicamente de tua paz, sob os clamores amaldioantes dos justos e

    at os pecadores te pronunciaro escrnios para sempre. Tu sers

    execrado com mpios. Os Eleitos possuiro luz, gozo e paz, e

    herdaro a Terra. Mas tu que s impuro, sers

    amaldioado.

    Ver II Pedro 2:10-11 Ver Mateus 5:5

  • 109

    Ento a sabedoria ser dada aos Eleitos, os quais vivero, e no mais

    transgrediro por impiedade ou orgulho, mas se humilharo, possuindo prudncia e no repetiro suas

    transgresses. Os Eleitos jamais sofrero condenao perptua, nem morrero em tormento e

    indignao, mas a soma de seus dias ser completa e envelhecero em paz,

    enquanto os anos de sua felicidade sero multiplicados com gozo, e com paz, para sempre, por toda durao de

    sua existncia. Isto aconteceu depois que filhos dos

    homens se multiplicaram sobre a Terra, e foi quando as suas filhas nasceram, e se tornaram mulheres belas e elegantes. Nesse tempo foi que os anjos, os filhos dos cus, as viram e as observaram, e assim se enamoraram delas, dizendo

    uns aos outros: Venham, tomemos para

    Ver Isaas 65: 20-23

  • 110

    ns esposas da progenia dos homens e geremos filhos.

    Ento seu lder, Samyaza, disse a eles: Eu temo que vs podeis talvez vos indispor contra a execuo desta

    empreitada. E que eu sozinho sofra por to horrendo crime. Mas eles

    responderam e disseram: Ns todos juramos que ficaremos contigo.

    Assim, selaram seu pacto com mtuas execraes, dizendo: ns no iremos mudar nossa inteno, mas executar

    nossa empreitada conforme a projetamos.36 Eles juraram todos juntos

    e se pactuaram atravs de mtuas execraes. Seu nmero total era de duzentos, que desceram sobre Ardis,

    que o topo do monte Hermon, nos dias de Jerede. Assim a montanha foi

    Ver o paralelo com Gnesis 6: 1-4 36 Tive dificuldade de entender esse pacto de mutuas execraes, mas Abellardo me explicou que o que aconteceu que os duzentos anjos se reuniram e cada um teve que chamar maldio eterna sobre si mesmo, na presena dos outros, e assim, tomaram o compromisso que nenhum deles tentaria fugir sozinho do castigo que certamente lhes sobreviria.

  • 111

    chamada de Hermon porque eles haviam jurado sobre ela, e ali selado uns aos outros por meio de mtuas

    execraes. Estes eram os nomes de seus chefes:

    Samyaza, que era seu lder, Urakabarameel, Akibeel, Tamiel,

    Ramuel, Danel, Azkeel, Saraknyal, Asael, Armers, Batraal, Anane, Zavebe,

    Samsaveel, Ertael, Turel, Yomyael, Arazyal. Estes eram os chefes dos

    duzentos anjos, e o restante estava com eles.

    Ento tomaram esposas, cada qual escolhendo por si mesmo, as quais

    abordaram, e com as quais coabitaram, ensinando-lhes feitiaria,

    encantamentos e a diviso das razes e rvores. E as esposas, ao conceberem,

    trouxeram ao mundo gigantes, os quais, devoravam tudo que o trabalho dos homens produzia, at que se tornou impossvel aliment-los. Ento se

  • 112

    voltaram contra os homens, para devor-los. E passaram a ferir pssaros, bestas, rpteis e peixes, para comer sua

    carne uma aps a outra, e beber seu sangue.

    Ento a terra reprovou os injustos. Ainda mais, Azazyel ensinou aos homens a fabricar espadas, facas,

    escudos, armaduras, a fabricao de espelhos e o artesanato de braceletes e

    ornamentos, o uso da tinta, o embelezamento das sobrancelhas, o uso de pedras de cada tipo de acordo com seu valor, e de toda espcie de tintura,

    sendo assim o mundo alterado. Impiedade aumentava, fornicao se multiplicava e eles transgrediam e se

    corrompiam em todos os seus caminhos.

    Amazarak ensinou feitio e encantamento usando razes.

  • 113

    Armers ensinou a feitiaria como soluo.

    Bakayal ensinou os astrlogos. Akibeel ensinou os sinais escondidos

    nos tempos. Tamiel ensinou astronomia;

    E Asaradel ensinou os movimentos da lua;

    E os homens, sendo destrudos, clamaram e sua voz chegou aos cus.

    Ento Miguel, Gabriel, Raphael, Suryal, e Uriel, observaram do cu e viram a

    quantidade de sangue que se derramava na Terra, e a iniquidade que era feita sobre ela, e disseram uns aos outros: a voz de seus clamores. A Terra

    privada de seus filhos clamou at os portes do cu. E uma voz, santos do cu, as almas dos homens, clamaram,

    dizendo:

  • 114

    Faa-se Justia por ns junto ao Altssimo!

    Ento eles disseram a seu Senhor, o Rei:

    Tu s o Senhor dos senhores, Deus dos deuses, Rei dos reis. O trono de tua

    glria para sempre e sempre, e para sempre o Teu Nome santificado. Tu s bendito e glorificado. Tu fizeste todas as coisas, tu possuis poder sobre todas

    as coisas, e todos os segredos esto abertos e revelados perante Ti. Tu

    observas todas as coisas e nada pode ser escondido de Ti. Tu vistes o que

    Azazyel fez, como ele ensinou toda espcie de iniquidade sobre a Terra, e como ele mostrou ao mundo todas as

    coisas secretas que so feitas nos cus. Samyaza tambm ensinou feitiaria,

    para aqueles sobre os quais Tu lhe deste autoridade e aqueles a ele associados.

    Eles foram juntos s filhas dos homens,

    Romanos 2:16

  • 115

    deitando-se com elas, e se tornaram poludos. E ensinaram novos pecados a

    elas. As mulheres, de igual modo, trouxeram

    gigantes Terra. Assim toda a Terra se encheu com

    sangue e iniqidade. Agora, eis que as almas daqueles que

    foram mortos, clamam. E apelam at ao porto do cu. Seu

    clamor ascende, e no podem escapar da injustia que cometida na Terra. Tu conheces todas as coisas antes de

    elas existirem. Tu conheces todas essas coisas, e o que foi feito por eles, e ainda

    assim Tu no nos falas. O que, diante de todas essas coisas

    devemos fazer com eles? -

    Ver II Pedro 2:11

  • 116

    - Mano, esses cabra, os bonzo, esse Miguel e os outro, so muito decidido. Escuta: esses cabra responde as reza da gente?

    - Eu nunca orei pra anjo. Os anjos so servos de Deus e no so nossos intermedirios. S se deve orar a Deus. Se Deus os mandar ao nosso socorro, eles vem. Se no, a gente no vai orar pra eles, tipo: Ah, so Miguel, vem me ajudar aqui nessa ilha perdida. Posso continuar a leitura, Isaac?39

    - Ele apenas acenou com a cabea estimulando Abellardo a prosseguir.

    Ento, o Altssimo, o Grande e Santo,

    falou, e enviou Arsayalayur, que Uriel, ao filho de Lameque, dizendo: Diz-lhe em meu Nome: Esconde-te.

    39 Apocalpse 22:8-9

  • 117

    Ento explica-lhe a consumao que haver de suceder, pois toda carne

    perecer, as guas de um dilvio viro sobre toda a Terra. E agora ensina-lhe

    como poder escapar, e como sua semente poder permanecer em toda a

    Terra. E o Senhor disse Raphael:

    Amarra as mos e ps de Azazyel, lana-o na escurido, e abrindo o

    deserto que est em Dudael, lana-o l. Sobre ele arremessa pedras pontudas e pesadas, o cobrindo com trevas. L ele deve permanecer para sempre. Cobre-

    lhe o rosto para que ele no veja a luz. E no grande dia do julgamento, que ele

    seja lanado ao fogo.41 Restaura a Terra, que os anjos

    corromperam, e anuncia vida ela, para que Eu a reviva. Todos os filhos dos

    homens no perecero em conseqncia

    Ver Gnesis 6:11-22 41 Apocalpse 9:13-15

  • 118

    dos segredos que a eles foram ensinados, e pelos quais os Vigilantes sero destrudos, pois os ensinaram a

    seus descendentes. Toda a Terra foi corrompida pelos

    efeitos dos ensinamentos de Azazyel, para ele ento, atribui todo o crime.

    Para Gabriel tambm o Senhor disse: Vai aos bastardos, aos rprobos, e

    destri os filhos da fornicao, os filhos dos Vigilantes, que vivem entre os

    homens. Lana-os para fora e incita-os uns contra os outros. Que eles peream num genocdio, pois a longevidade no

    ser deles. Ento eles havero de te implorar, mas neles seus pais no

    realizaro desejos; eles esperam por vida eterna, e pela chance de cada um

    deles poder viver quinhentos anos sobre a Terra.

    De semelhante modo, para Miguel, disse o Senhor:

  • 119

    Vai e anuncia seu crime a Samyaza, e para todos os que esto com ele, que se

    associaram com mulheres, para que sejam todos poludos com impureza. E quando todos os seus filhos estiverem

    mortos, quando eles virem a perdio de seus amados, lana-os e aprisiona-os

    debaixo da Terra por setenta geraes, at o dia do julgamento e da

    consumao. At que o julgamento que durar para sempre seja completado. Ento eles sero levados at as mais

    abissais profundezas do fogo, em tormentos, e em confinamento

    permanecero para sempre. Imediatamente aps isso ele, junto com os seus, ser queimado e perecer; eles sero aprisionados at a consumao de

    muitas geraes.43

    Ver Daniel 9:24 43 Judas 6

  • 120

    Destrua todas as almas viciadas na luxria e os filhos dos Vigilantes, pois eles tiranizaram sobre a humanidade. Que todo opressor perea da face da

    Terra! Que toda obra m seja destruda!

    Que a planta da justia e da retido aparea, e seu produto seja uma beno!

    Justia e retido sero para sempre plantadas com deleite!

    E ento todos os santos agradecero, e vivero at conceber milhares de filhos durante o perodo de sua juventude e seus sbados sero vividos em paz.

    Naqueles dias toda a Terra ser cultivada em justia, ela ser totalmente

    plantada com rvores e enchida de beno; toda rvore de deleite ser plantada nela. Nela sero plantadas

    vinhas, e a vinha que ser plantada nela dar fruto at a satisfao. Cada semente, que seja lanada nela,

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    produzir mil para cada medida, e uma medida de olivas produzir dez prensas

    de leo. Purifica a Terra de toda opresso, de

    toda a injustia, de todo crime, de toda impiedade e de toda a poluio que foi

    cometida por sobre ela. Extermina-os da Terra. Ento os filhos dos homens sero

    justos, e todas as naes Me pagaro honras divinas e me bendiro, e todos

    Me adoraro. Quando Abellardo terminou a leitura, Isaac Porto estava chorando. Eles nada disseram um ao outro. Apenas experimentaram aquele momento de puro encantamento e profundo silncio reverente. Depois de algum tempo o caboclo falou. - Tu sabe que essa histria num me sai

    da cabea? Os nosso negocio de d

    Ver Malaquias 1:11

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    medo aqui so umas coisa boba perto desses cabra. Saci Perr, Curupira, Bate-bate, Boi bumb, o Boto, a cobra grande, e outros bicho. Mas tudo daqui mesmo, tudo inocente, n?

    - Abellardo disse que a febre estava aumentando. Ento deitou-se na areia. Disse suas preces e mergulhou em suas quenturas e dores febris. A noite, porm, s estava comeando.

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    Barsamyasa

    Vs sois do diabo, que o vosso pai; e quereis satisfazer-lhe aos desejos.

    Nome

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    Virou-se, olhou para o alto e viu um mar de cristal espelhado. O mar estava cheio de ondas, que se derramavam meldicas como num harpejar. Dele recendia uma sutil fragrncia de jasmim. De repente, as ondas comearam a se agitar fortemente. E, medida que tremulavam, faziam-se sentir onde ele estava. De dentro do mar de cristal, ento, apareceu Enoque. Ele fez um sinal com a mo para Abellardo Ramez e disse: Levanta-te, e mergulha para cima. Pula para o alto e cairs nesse mar de cristal espelhado. Ento, Abellardo se atirou para o alto, caindo altaneiramente, se abismando para a direo do cu, arrebentando-se contra outra experincia de vida. Sentiu gostos, cheiros e sons por ele jamais provados, quando entrou pelas camadas lquido-gasosas da lmina daquela substncia, daquele abismo celeste.

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    Depois, sentiu que o atravessara. Um estranho sentido de familiaridade comeava a possu-lo. Havia odor de p seco e perfumado com aromas silvestres se aproximando dele. Depois, sentiu cheiro de carvalhais, cedros, e algo que parecia eucalipto ou pelo menos era da mesma famlia. Uma luz forte lhe alterou a temperatura da viso. Tudo ficou meio amarelado, discretamente dourado. Abriu os olhos e viu o sol. Cobriu o rosto e pensou: Aquela febre deve ter me deixado morto at agora. Deve ser meio dia. Olhou em volta e no viu Isaac Porto. Foi ento, que percebeu que estava na Terra. frente dele havia um enorme deserto de areias pedregosas e amareladas. sua esquerda uma alta montanha. direita havia colinas ondulantes, atapetadas com relva. Atrs dele, uma montanha coberta de rvores

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    vestidas por folhagens multicoloridas e que ao vento caam aos milhares. Ele conhecia o lugar. J estivera l dezenas de vezes. O conhecia quase to bem quanto a terra dele. Mas parecia que agora ali havia algo diferente. Tudo era bem mais forte ali, do que ali mesmo, nos dias que Abellardo visitara o lugar. At mesmo lhe deu a impresso de que a vegetao era mais intensa em suas cores, as rvores mais altas, as aves maiores. Foi quando ouviu os grunhidos desesperados de um animal grande e forte. Parecia a agonia e luta de um touro. Correu at o alto de uma peque