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Educacao Confessional 09 Educere

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Área Temática: Educação e Religião

EDUCAÇÃO CONFESSIONAL NO BRASIL UMA PERSPECTIVA ÉTICA

Lea Rocha Lima e Marcondes- Mestre em Educação pela PUCPR, 2005, Mestre em Educação pela PUCPR, 2005,

Bióloga e Psicóloga. Bióloga e Psicóloga. Email: Email: [email protected]

Douglas Jéferson MenslinMestrando em Educação pela PUCPR,

Especialista em Gestão Educacional, Pedagogo e Teólogo.E-mail: [email protected]

.Edilson Ribeiro

Mestrando em Educação pela PUCPR,Especialista em Currículo e Prática Educativa pela PUCRJ, Filósofo.

E-mail: [email protected]

Sérgio Rogério Azevedo JunqueiraDoutor em Ciências da Educação pela UPS de Roma (Itália)

E-mail: [email protected]

RESUMO

No Brasil, a educação confessional é garantida pela Constituição Federativa do Brasil de 1988 e

pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN – n. 9394/96, onde no artigo 20º

assegura o direito às instituições de ensino privado a exercerem atividades de cunho religioso e

confessional. Além de garantir a possibilidade de um ensino confessional privado, vem propiciar, como

sugere Gil Filho (2005) uma reestruturação religiosa de entidades dedicadas à educação confessional.

A partir deste pressuposto, este artigo propõe uma análise desta religiosidade e o seu

desenvolvimento social como educação confessional a partir das perspectivas ética e religiosa,

apresentando uma confessionalidade pluralista, coerente com as tendências confessionais no âmbito

educacional. Procura também levar a uma reflexão histórica da construção do ensino confessional no

Brasil e as oportunidades que a LDBEN 9.394/96 propicia para esta reflexão, gerando uma ação prática

para a consolidação da educação confessional em nosso país.

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PALAVRAS CHAVES: educação, ética, religião, confessionalidade.

ABSTRACT

In Brazil, the confessional education is guaranteed by the Federative Constitution of Brazil of

1988 and by the law of Lines of direction and Bases of National Education – LDBEN – N. 9394/96,

where in the article 20º assures the right to the institutions of private education to exert activities of

religious and confessional matrix. Beyond the institutions of private education, presents Religious

Ensino as it disciplines physician to the students. Beyond guaranteeing the possibility of a private

confessional education, comes to propriate, as it suggests Gil Filho (2005) a religious reorganization of

dedicated entities to the confessional education. It opens ways so that if it can think the importance of

the religiosities about the social-ethical and academic development in the pertaining to school

environment.

From this estimated, this article considers an analysis of this religiosities and its social

development as confessional education from the perspectives ethical and religious, presenting a

pluralistic, coherent confessional with the confessional trends in the education scope. Search also to

take to a historical reflection of the construction of confessional education in Brazil and the chances

that LDBEN 9394/96 propitiates for this reflection, generating a practical action for the consolidation

of the education in our country.

A Dimensão Ética

A ética é um conceito filosófico presente em toda a sociedade e em todas as categorias sociais.

As diversas categorias profissionais se preocupam com um código de ética. A ética pode ser

considerada como uma forma do ser humano se posicionar perante a vida, a profissão e a relação

intersubjetiva, se tiver internalizado dentro de si a noção de transcendência. Desta forma a excelência

humana e acadêmica passa pela ética e integra o cognitivo e o afetivo, a reflexão a ação, o

conhecimento “construído” e a espiritualidade.

Pretende-se analisar a educação confessional e sua pertinência a partir do campo da ética. Como

sociedade e indivíduos vivemos em um mundo em que decisões éticas significativas não podem ser

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ignoradas. Devido a este fato, é impossível escapar do ensino de conceitos éticos na escola. Alguns

poderiam escolher permanecer ficar em silêncio quanto a esses temas, porém esse silêncio não é neutro,

mas sim, um assentimento à permanência ao status quo ético. Conceitos éticos estarão adentrando as

salas de aula de um jeito ou de outro. O problema é que as pessoas diferem em suas bases éticas. E

quando se pensa de forma pluralizada, como acontece principalmente nos sistemas de ensino público,

essa disparidade se torna ainda mais evidente.

Na acepção da palavra, ética é uma palavra transliterada do grego Ethos. Uma primeira acepção

de ethos [com eta inicial] designa a morada do homem e do animal em geral. O ethos é a casa do

homem. O homem habita sobre a terra acolhendo-se ao recesso seguro do ethos. Este sentido de um

lugar, de estada permanente e habitual, de um abrigo protetor, constitui a raiz semântica que dá origem

à significação do ethos como costume, esquema praxeológico durável, estilo de vida e ação. A metáfora

da morada e do abrigo indica justamente que, a partir do ethos, o espaço do mundo se torna habitável

para o homem. O domínio da physis ou o reino da necessidade é rompido pela abertura do espaço

humano do ethos no qual irão inscrever-se os costumes, os hábitos, as normas e os interditos, os valores

e as ações. Por conseguinte, o espaço do ethos enquanto humano, não é dado ao homem, mas por ele

construído ou incessantemente reconstruído. Nunca a casa do ethos está pronta e acabada para o

homem, e esse seu essencial inacabamento é o signo da presença há um tempo próximo e infinitamente

distante.

A segunda acepção de ethos [com épsilon inicial] diz respeito ao comportamento que resulta

de um constante repetir-se dos mesmos atos. É um hábito, não uma necessidade.

A ética não pode ser apenas uma norma de vida, sem uma base mais profunda na pessoa

humana. Para ser homem existem algumas características próprias, sem as quais não pode viver com

dignidade sua presença no mundo. Todo ser humano, ao entrar no mundo, vai fazendo descobertas, as

suas relações com os homens, à sociedade e as coisas ampliam seus conhecimentos. A racionalidade o

torna capaz de adquirir conhecimentos, apropriando-se da ciência produzida durante a história e

produzindo novos conhecimentos ou relacionando os diversos conhecimentos entre si, em vista de uma

compreensão maior da realidade. Cada homem é livre, capaz de tomar decisões, colocar-se com

autonomia perante os outros seres humanos, assumindo com responsabilidade as conseqüências de seus

atos.

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A Dimensão da ReligiãoO presente trabalho parte do conceito de religião integrada ao princípio da ética defendido pelo

professor Frank Usarski professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião na PUC/SP

em suas teses:

• Primeiro, religiões constituem sistemas simbólicos com plausibilidades próprias;

• Segundo, do ponto de vista de um indivíduo religioso, a religião caracteriza-se como a

afirmação subjetiva da proposta de que existe algo transcendental, algo extra-empírico, algo

maior, mais fundamental ou mais poderoso do que a esfera que é imediatamente acessível

através do instrumentário sensorial humano;

• Terceiro, religiões se compõem de várias dimensões: tem-se que pensar particularmente na

dimensão da fé, na dimensão institucional, na dimensão ritualista, na dimensão da experiência

religiosa e na dimensão ética;

• Quarto, religiões cumprem funções individuais e sociais. Elas dão sentido para a vida, elas

alimentam esperanças para o futuro próximo ou remoto, sentido esse que algumas vezes

transcende o da vida atual, e com isso tem a potencialidade de compensar sofrimentos

imediatos.

A palavra e a noção de “religião” têm uma origem ocidental. A palavra remonta a Ciceron

[relegere] e a Lactance [religare]. E é certo que a noção de religião para designar uma dimensão

estrutural da vida dos indivíduos e das sociedades originou-se de uma utilização corrente a partir do

século III sob a influência do cristianismo. Não existe uma palavra para designar a religião nas línguas

indo-européias. E muitas sociedades, na África e na Ásia ignoravam a palavra e a noção de religião.

Há em todo ser humano uma capacidade fundamental ou uma abertura a um absoluto

transcendente que foge à imanência da consciência e da história. Um programa educacional saudável é

aquele que está tão próximo à harmonia com suas crenças filosóficas quanto às circunstâncias externas

permitam. Se as circunstâncias do ambiente mudam, é importante que os educadores entendam

conscientemente as crenças que governem suas ações, para que fiquem flexíveis ao aplicar os

princípios educacionais que se desenvolvem fora de sua cosmovisão. Há tanto a liberdade de escolha

quanto a responsabilidade individual ao aplicar opiniões filosóficas à prática educacional.

A educação é um bem público. Seja na educação básica ou superior. Isso significa que um aluno

que estude em uma escola confessional não pode ter o ensino através das disciplinas reduzido à visão

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da sua confessionalidade. O que a identidade confessional da escola garante é que, além do assunto

apresentado pela ciência, o aluno terá contato com as perspectivas apresentadas pela sua visão

religiosa. A escolha da escola é uma decisão também de ética privada das famílias, por isso o ensino

religioso deve ser algo seriamente considerado pelos pais ao eleger uma escola para seus filhos. No

entanto, a escola não tem o direito de restringir o acesso à informação. O fato de a educação ser um

bem público - não importa se oferecido por entidades privadas ou pelo Estado - implica que há um

conjunto de informações e conhecimentos que devem ser garantidos a todas as pessoas,

indiferentemente das ideologias particulares.

A educação é uma função importante em qualquer sociedade, pois todos os jovens de uma

sociedade devem passar por algum tipo de experiência educacional antes de estar prontos para tomar

posições importantes. Além disso, a direção que a juventude irá tomar na sociedade será em grande

escala, determinada por sua educação.

Nesta perspectiva, a dimensão da fé dá razões de credibilidade que permitem justificar a si

mesmos e a outros que peçam a sua “razoabilidade”. A fé não se conclui com evidência de nenhum

argumento racional. Crer ou não crer não resulta de ser inteligente ou rude, intelectual ou iletrado. A fé

não se deixa reduzir totalmente às categorias da racionalidade humana de alguma filosofia. No entanto,

não há a necessidade de se renunciar a racionalidade de ser humano para crer.

A Dimensão da ConfessionalidadeA educação confessional pressupõe um credo e uma religião. Uma instituição confessional é

aquela que adota uma confissão explícita no desempenho de suas atividades. De certa forma, toda

instituição de ensino, pública ou particular, é confessional. Por trás disso, e influenciando cada escolha

que se faz, está uma concepção de vida, de mundo, de sociedade, do ser humano, que por fim irá

determinar o método. O que são essas coisas senão um tipo de confissão? Portanto, mesmo instituições

educacionais públicas têm seu credo. Como seguem modelos científicos mais aceitos, poucos

estranham ou contestam tais crenças. O humanismo, por exemplo, tem seu credo e sua confissão. A

diferença, no caso de entidades confessionais religiosas, é que este credo é explicito e objetivamente

assumido no campo da espiritualidade. Logo, quando se fala em escola confessional imediatamente se

pensa em escola ligada a uma religião.

A confessionalidade deve permear toda estrutura administrativa e projeto acadêmico da

instituição: em seu Estatuto, em sua ética, na presença e atuação da Pastoral ou estudos bíblicos

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extracurriculares, nas disciplinas e no seu objetivo de formação integral da pessoa. Ser confessional não

pressupõe fazer proselitismo ou forçar as convicções religiosas da escola em alunos, professores e

funcionários. A sociedade hoje vive a pluralidade, a liberdade religiosa e o respeito às crenças

individuais e é necessário saber fazer a diferença entre Academia e Igreja, Fé e Ciência. Contudo, como

instituição confessional, se reserva o direito de testemunhar sua crença.

O propósito da educação confessional, é encorajar seus alunos a pensar e agir reflexivamente

por si mesmos, em vez de apenas responder à palavra ou vontade de qualquer figura de autoridade. Os

indivíduos devem ser conduzidos à condição de poderem tomar suas próprias decisões e ser

responsáveis por elas sem serem persuadidos, dirigidos, e/ou forçados por uma autoridade poderosa.

Eles não estão sob o controle de outros, mas estão tomando suas próprias decisões sobre Deus e seus

semelhantes. (Knigth, 2001)

Existe uma questão a ser esclarecida: como ser confessionais em meio à pluralidade e

diversidade, da autonomia acadêmica e ao humanismo latente? Embora nem todos os que estudam e

trabalham numa instituição confessional professam a mesma fé, trabalham para uma convivência

administrativa pacífica, e buscam juntos, manter os interesses acadêmicos e a qualidade na educação. A

neutralidade na educação é um mito.

A Educação Confessional no BrasilQuando se pensa na história da educação confessional no Brasil, obrigatoriamente é necessário

pensar na própria história da educação, pois o início da educação brasileira se deu dentro de um

contexto educacional confessional. Também é importante ressaltar que ao se falar em educação

confessional no Brasil, entende-se educação confessional cristã, sendo dividido no decorrer da história

em dois segmentos, a saber, católico e protestante. Isso se deve pela própria construção do país desde a

sua descoberta e colonização, até a sua emancipação como império e mais tarde como república, pois

sempre esteve sob a influência da religião cristã. Embora existam grupos educacionais de outros

segmentos religiosos como judeus, islâmicos, budistas entre outros, esses são minoritários, não

exercendo uma influência significativa na história da educação confessional do país.

O catolicismo chegou ao nosso país de mãos dadas com a Coroa Portuguesa, devido a um

acordo selado, algumas décadas antes do seu descobrimento, entre o papado e a coroa. O Regime de

Padroado, assim chamado o acordo, consistia em recompensar o Estado Português na conversão de

“infiéis” e assim o Papa concederia à Coroa o poder de controlar as Igrejas nas terras conquistadas.

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Didaticamente pode-se dividir a história da educação confessional em três períodos: o primeiro, logo

após o descobrimento do Brasil (1500), quando este se tornou colônia de Portugal, o segundo período

da educação confessional é marcado pela expulsão dos Jesuítas, que ocorre no ano de 1759, por ordem

de Marques de Pombal, então 1º ministro de Portugal e o terceiro período acontece a partir do ano de

1806 com a chegada da família real de Portugal ao Brasil.

No ano de 1549, os Jesuítas chegaram ao Brasil dispostos a cumprir uma tríplice missão: a

catequização dos índios, que apesar de estarem envoltos com o paganismo, eram suscetíveis da

salvação; dar a formação básica para os filhos dos colonos que aqui chegaram para desbravarem as

terras brasileiras, mantendo-os dentro da hegemonia da Igreja; e a terceira missão era manter todos

afastados da influência protestante, que começava a se alastrar por outras colônias deste continente

(Baeta Neves, 1978). Para esse fim, a pedagogia dos Jesuítas caracterizou-se pelo apego à autoridade,

pela transmissão disciplinada de uma cultura literária, retórica, enciclopédica e mnemônica que inibia a

criatividade e toda a atividade inovadora, como diz Fernando de Azevedo: “Com esse espírito de

autoridade e disciplina e com esse instrumento intelectual de domínio e penetração, que foi o seu

ensino sábio, sistemático, medido, dosado, mas nitidamente abstrato e dogmático, o jesuíta exerceu na

Colônia, um papel eminentemente conservador...” (DE AZEVEDO, Fernando, A Cultura Brasileira,

Rio de Janeiro, Melhoramentos, 1943, p.300).

A retirada dos Jesuítas do Brasil, no segundo período, foi uma estratégia de Pombal, que fora

influenciado pelas idéias iluministas, que formularam a mudança feudal européia para o sistema

capitalista, e que estavam tomando corpo não somente na Europa, mas nas colônias inglesas da África e

Ásia. Para ele, a reforma tinha que começar com os educadores e pensadores, por isso a educação tinha

que deixar de ser religiosa, que estava do lado feudal e passar a ser uma educação leiga, longe da fé,

mas pautada na razão, premissa do movimento capitalista do século XVIII. (Mesquida, 2007).

Embora as idéias de Pombal não dessem certo em território brasileiro, foi suficiente para

desestruturar o que estava acontecendo até então por influência da educação Jesuítica. Sem os Jesuítas

e sem outra base educacional, o Brasil passa por um período (1763 a 1810) onde a educação de forma

geral ficou sem uma educação formal, sendo um período de grande perda para o país. Neste longo

período, a influência de alguns líderes religiosos que ficaram em solo brasileiro, contribuiu para que a

educação confessional não desaparecesse, mas de forma velada e não oficial, fosse ministrada nas

fazendas e colônias. Com a expulsão de Pombal do Brasil, em 1779, pelo rei de Portugal, retornam aos

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poucos as ordens religiosas católicas, compostas agora não somente de jesuítas, mas dominicanos e

franciscanos, que retomam a educação confessional. (Mesquida, 2007)

Com a chegada da família real de Portugal em solo brasileiro em 1806, é marcado o terceiro

período, para a educação de um modo geral e também para a educação confessional. No ano de 1810, é

assinado um tratado de livre comércio entre Portugal e Inglaterra, com isso imigrantes ingleses

começaram a fixar residência em solo brasileiro. Como os ingleses não eram católicos, mas sim

protestantes, existe a necessidade de praticarem a fé cristã protestante, em detrimento da religião oficial

do país ser católica (Hack, 2000). Na Constituição do Império de 1824, a primeira constituição

brasileira, no artigo 5º diz: “A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do

Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico e particular, em casas para

isso destinadas, sem forma exterior de Templo.” (Constituição Brasileira de 1824, Artigo 5º)

Alguns anos mais tarde, por uma série de fatores favoráveis ao Brasil, entre eles as pestes

epidêmicas que devastavam a Europa, interesses norte americanos, e as dificuldades em se conseguir

mão de obra escrava que pudessem trabalhar nas lavouras das fazendas e na extração de minérios, o

país recebe um grande contingente de imigrantes, que na grande maioria não eram católicos em sua

essência religiosa. (Mesquida, 1994). O próprio império tinha interesse na vinda do imigrante, como

forma de ajuda ao desenvolvimento do país,

“ o interesse do Imperador levou o Brasil a ver o imigrante não como um intruso e invasor, mas como alguém que poderia contribuir para o desenvolvimento nacional. O governo brasileiro atraiu os imigrantes europeus e norte-americanos, oferecendo-lhes diversas vantagens em dinheiro e em espécie. O Governo os acolhia e lhes oferecia garantias de liberdade religiosa com o direito de professarem as formas de cultos que lhes conviessem, sem contudo, terem as casas de reunião qualquer aparência de templo, “ HACK, Osvaldo Henrique. Protestantismo e Educação Brasileira, São Paulo, Cultura Cristã, (2000).

Segundo Marcondes e Seehaber (2004) no Brasil ocorreram dois tipos de protestantismo: o de

imigração e o missionário. Entender esses dois tipos de protestantismo é de suma importância para a

compreensão da influência dos evangélicos no processo de escolarização de nosso país. O

protestantismo de imigração surge com famílias e grupos vindos da Europa, Estados Unidos e

Inglaterra com o intuito de reconstruir suas vidas e fixar residência no novo país. A preocupação desses

imigrantes era a preservação da cultura e da fé, e a escola seria fundamental para isto. O protestantismo

missionário tinha o mesmo objetivo do catolicismo: a evangelização dos brasileiros. A dinâmica do

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protestantismo missionário se constitui na preocupação de evangelização daqueles que não pertencem à

sua denominação e fé. Chegaram ao Brasil em meados do Séc. XIX, missionários norte-americanos

trazendo consigo diversas denominações do protestantismo histórico aqui existente: os presbiterianos

(1868), os metodistas episcopais (1870), os batistas (1881), e os episcopais/anglicanos (1889).

Marcondes e Seehaber abordam a inserção do protestantismo no Brasil e o vínculo com a escolaridade

confessional:

Em meados do Séc. XIX, com a intensificação das imigrações, um fato novo surge na história brasileira, o protestantismo. Os primeiros imigrantes alemães instalam-se inicialmente no estado do Rio Grande do Sul e Santa Catarina a partir de 1824 trazendo consigo os princípios defendidos por Martim Lutero. Criam as primeiras escolas evangélicas para propiciar alfabetização geral, no intuito de que seus filhos pudessem exercer adequadamente a fé e tivessem acesso às Escrituras. De acordo com a sua cultura, o analfabetismo era empecilho ao aprendizado da sua doutrina. Também neste período, missionários norte-americanos, instalaram-se no Oeste paulista fundando escolas para os filhos dos imigrantes protestantes. Outras denominações evangélicas (metodista, presbiteriana, batista), também chegaram ao Brasil neste período, instalando-se em outros Estados com intuito de desenvolver a evangelização criando igrejas e escolas para atender as necessidades locais. (Marcondes, L.R., Seehaber.L. ,2004, p.18)

No decorrer de 1860 a 1889, a abertura às diversas denominações religiosas propiciaram

algumas modificações no panorama tanto da instrução escolar quanto da abertura de novas igrejas.

Com a proclamação da República em 1889, houve o interesse de se aniquilar todo o pensamento

imperialista, reinante até então. “No discurso daqueles que implantaram, no Brasil, o novo regime

político em 1889, era preciso, além da justificação racional do poder, a fim de legitimar a República,

construir uma nação pautada em valores que mostrassem estar em definitivo sintonizados com as

mudanças que o mundo moderno apresentava” (BENCOSTTA, Marcus Levy Albini, A Imagem

Fotográfica no Estudo das Instituições Educacionais: Os Grupos Escolares de Curitiba (1903-1971) –

Educar em Revista n.18/2001).

O movimento republicano deu à educação do povo um peso que não tinha possuído até então, já

que para os republicanos, a democracia se realizaria e se desenvolveria via educação popular para

conseguir a liberdade (Mesquida, pág, 83). Com esses ideais de liberdade, a educação deixa de ser

oficialmente católica e passa ser de caráter leigo, conforme expresso no artigo 72, parágrafo 6º da

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891: “será leigo o ensino ministrado nos

estabelecimentos públicos”.

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Surge então, dois segmentos paralelos na educação brasileira, o público, que apesar de estar sob

o controle do estado ainda não possuía estrutura desenvolvida para ministrar uma educação consistente,

por não ter uma política educacional sustentável (Tanuri, 2000); e o particular, de caráter quase que

exclusivamente confessional, dividido em dois sistemas: o católico, para os de religião cristã católica e

o protestante, para os de diversas denominações evangélicas [metodistas, presbiterianos, luteranos,

anglicanos, batistas, adventistas], que se fortalecia com a grande quantidade de imigrantes que

procuravam manter seus filhos sob a guarda da fé que professavam.

Pode-se dizer que o movimento republicano, apesar de não defender os interesses da Igreja,

permitiu e incentivou a permanência da educação confessional no ensino privado e a oficializou no

ensino público, como vemos na Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1934, no artigo 153 que

diz: “O Ensino Religioso será de freqüência facultativo e ministrado de acordo com os princípios da

confissão religiosa do aluno, manifestada pelos pais ou responsável, e constituirá matéria dos horários

nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais.”

Tendências na Educação Confessional

Existe o que se pode chamar de uma tipologia ou tendência da educação confessional:

Um primeiro modo é o dos grupos que pensam que a perspectiva confessional tem a missão de

ensinar verdades religiosas e morais que são fundamentais para a salvação das pessoas e da sociedade.

Para alguns professores, esta salvação pode não ter necessariamente uma conotação escatológica, isto é,

pode ser entendida como uma “boa-vida”, ou uma “vida-autêntica”, a que se chega com o

conhecimento destas verdades.

A metodologia de instrução neste contexto deve estar além das estratégias para a transmissão de

informação. Nessa visão, estas disciplinas e os seus conteúdos – de ordem mais religiosa ou

antropológico-existencial – correm paralelas às outras disciplinas do curso. Isto é, não se cruzam, não

se relacionam, e nem estabelecem um diálogo interdisciplinar ou transdisciplinar.

Um segundo tipo é o dos grupos que assumem como a sua tarefa principal desenvolver um

pensamento ético-crítico a respeito dos problemas sociais e humanos a partir de certas verdades

teológicas e/ou éticas. Em geral a ênfase é dada nos problemas sociais e se elabora um discurso de

conteúdo crítico e defensor do valor da solidariedade. Acredita-se que a consciência crítica e o assumir

a solidariedade é um problema de conteúdo e que, por isso, pode ser resolvido com a apresentação

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deste tipo de matéria. Em outras palavras, acredita-se que para alguém se tornar solidário é necessário e

suficiente conhecer e aprender o valor da solidariedade. E este conhecimento se daria com a

assimilação de certos princípios éticos e/ou teológicos exteriores.

Um exemplo disso pode ser a crítica feita à exclusão social a partir da noção de que Deus quer

que todos tenham uma vida digna, ou de algum ponto da doutrina social da Igreja ou então a partir da

noção de Direitos Humanos. A característica deste modo de conceber a educação não é feita de um

modo articulado e a partir da dinâmica da realidade social, nem das teorias sociais que justificam esta

dinâmica, mas sim a partir de um princípio exterior e de uma lógica estranha às ciências sociais.

Um terceiro tipo é o das disciplinas que trabalham a “religiosidade natural” do todos os seres

humanos, estudando por exemplo teorias sobre o mito e rito, e/ou apresentam o estudo comparado das

religiões. Abandona-se a idéia de transmitir algumas verdades “privilegiadas” e se assume uma postura

“relativista”, uma postura mais descritiva próxima da sociologia da religião, antropologia e história das

religiões.

Estas três formulações da questão religiosa nunca aparecem de modo “puro” nas salas de aulas.

Na prática, estes três tipos e outros aparecem misturados; com o domínio de um ou de dois sobre outros

tipos.

A inter ou transdisciplinaridade são importantes não só para obter a respeitabilidade acadêmica

por parte de outros departamentos ou centros, mas principalmente porque os objetivos e objetos básicos

destas disciplinas não são em primeira instância objetos temáticos, mas fundamentalmente posturas ou

perspectivas de viver e conhecer a realidade existencial, humana e social. E conhecimentos que alteram

e desenvolvem essas posturas ou perspectivas não se dão na assimilação de conteúdos, mas nas

mudanças qualitativas no modo de conhecer. Portanto, é preciso que haja disciplinas que tratem destes

assuntos tematicamente, mas é fundamental que também haja uma articulação com outras disciplinas

que devem trabalhar também com posturas epistemológicas semelhantes ou convergentes. Alguns

sistemas confessionais dão o nome de integração Fé /Ensino, onde todas as disciplinas além do

conteúdo programático têm em seus fundamentos a integração com o transcendente.

Além da interdisciplinaridade, não se pode esquecer do currículo oculto que permeia o ambiente

escolar. A experiência educacional da escola confessional é obviamente mais ampla que o

desenvolvimento do assunto no currículo formal e ensinado pelos professores na sala de aula. Os

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aspectos curriculares informais devem estar em harmonia com os propósitos da instituição e integrados

com a filosofia ensinada, assim como o currículo formal. (Knigth, 2001)

Em muitas instituições há professores destas disciplinas desejando e tentando estes diálogos e

estas abordagens interdisciplinares ou transdisciplinares, mas o problema se torna mais patente quando

se percebe a falta de interesse por parte de colegas de outras disciplinas. Não é estranho somente aos

alunos, mas também aos colegas que trabalham com disciplinas que dão identidade e corpo para os

cursos oferecidos. Para não falar de casos mais graves, quando a própria direção ou a mantenedora não

vêm nem o sentido ou a importância desses diálogos.

Considerações Finais

As instituição confessionais independente da doutrina religiosa específica que professem

deveriam pautar-se pelo respeito às liberdades individuais, a tolerância para com os que manifestam

crenças diferentes e a convivência pacífica entre as diversas manifestações religiosas que compõe a

pluralidade étnica e cultural da nação brasileira. Pois "toda religião comporta uma ética e toda ética

desemboca numa religião, na mesma medida em que a ética se orienta pelo sentido do transcendente da

vida humana" (Catão, p. 63). É necessário propor uma ética da consciência e da liberdade em lugar da

ética da lei e da obrigação. Na raiz da Ética está a busca da Transcendência que dá sentido à vida, que

proporciona a plena realização do ser humano pessoal e social.

Algumas indagações, porém, têm ecoado por parte daqueles que estão envolvidos nesse

processo: as ciências na forma atual são capazes de abrir espaço para este tipo de diálogo? Isto é, as

epistemologias que estão na “alma” das ciências modernas são capazes de dar conta da complexidade

da realidade atual e do possível diálogo com disciplinas ético-teológicas? Será que não se deve levar a

sério uma revisão epistemológica proposta pelos teóricos da complexidade ou de outras correntes que

estão repensando a epistemologia das ciências? Citam-se aqui os trabalhos de Edgar Morin, Humberto

Marrioti, Maturana, Varela entre outros. Em outros termos, estas perguntas apontam para o fato de que

as instituições confessionais que quiserem repensar as suas identidades e os seus papéis na sociedade

contemporânea precisam fomentar o diálogo entre estas duas partes e precisam repensar as

epistemologias e conteúdos não só do departamento das disciplinas ético-teológicas, mas também as

posturas epistemológicas de outros departamentos e cursos. Isto é, é preciso repensar o conhecimento

como um todo.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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