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FUNDAO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDNIA
NCLEO DE CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CINCIAS DA EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU EM EDUCAO
MESTRADO EM EDUCAO
ELAINE LUCIO LOEBLIN
A MATERIALIZAO DO PROGRAMA NACIONAL DE ASSISTNCIA
ESTUDANTIL - PNAES PARA ESTUDANTES DE GRADUAO DA UNIR/ JI-
PARAN/RO
PORTO VELHO/RO
2015
ELAINE LUCIO LOEBLIN
A MATERIALIZAO DO PROGRAMA NACIONAL DE ASSISTNCIA
ESTUDANTIL - PNAES PARA ESTUDANTES DE GRADUAO DA UNIR/ JI-
PARAN/RO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao Stricto Sensu, Mestrado Acadmico em
Educao, do Ncleo de Cincias Humanas da
Universidade Federal de Rondnia como requisito
para a obteno do grau de Mestre em Educao.
Orientadora: Professora Dr. Suely Aparecida do
Nascimento Mascarenhas.
Co-orientadora: Professora Dr. Marilsa Miranda
de Souza.
Linha de Pesquisa: Polticas e Gesto Educacional.
PORTO VELHO/ RO
2015
FICHA CATALOGRFICA
BIBLIOTECA PROF. ROBERTO DUARTE PIRES
L825m Loeblin, Elaine Lucio.
A materializao do programa nacional de assistncia estudantil PNAES para os estudantes de graduao da UNIR - Ji-Paran-RO / Elaine Lucio Loeblin. - Porto Velho, Rondnia, 2015.
153f.:il.
Orientadora: Prof. Dr. Suely Aparecida do Nascimento Mascarenhas Coorientadora: Marilsa Miranda de Souza
Dissertao (Mestrado em Educao) - Fundao Universidade Federal
de Rondnia - UNIR
1. Educao. 2.Universidade pblica. 3. Ensino superior. 4 . assistncia
estudantil PNAES. I.Mascarenhas, Suely Aparecida do Nascimento.II. Souza, Marilsa Miranda de. III.Fundao Universidade Federal de Rondnia UNIR.IV. Ttulo.
CDU: 378
Bibliotecria Responsvel: Carolina Cavalcante CRB11/1579
Aos meus Pais, Maria e Carlos (in memoriam),
Ao esposo e companheiro Elizeu,
Aos trabalhadores da Amaznia.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo amor e pelo dom de amar.
Aos meus Pais, Maria e Carlos (in memoriam), exemplo de batalha e simplicidade como
classe trabalhadora para garantir nosso sustento de alimento e amor.
Ao meu esposo e companheiro, Elizeu, pela pacincia, dedicao e ajuda mtua durante o
curso, marcado pela correria da vida contempornea para garantir a subsistncia e pelo
cuidado e carinho com a Mel (sinnimo de amor e ternura).
famlia (irmos e sobrinhos), pela compreenso nas ausncias e ateno dedicada.
s amigas e aos amigos, pelo apoio incondicional.
minha orientadora, Professora Suely Mascarenhas, pela dedicao, delicadeza e
preocupao comigo, mesmo quando sua sade no permitia tanto. Exemplo de luta pela
populao esquecida da Amaznia, sem perder a doura e o entusiasmo.
Aos Professores do PPGE/UNIR, em especial a Professora Marilsa, pela disponibilidade
constante e compromisso com a classe trabalhadora; ao Professor Marco Antnio pela
dedicao e olhar atento s necessidades materiais do outro; ao Professor Antnio Carlos
Maciel pelo compromisso com o rigor cientfico.
coordenao do PPGE, representado pela Professora Rosngela Frana, pela dedicao e
compromisso para o crescimento do programa.
professora Arminda Rachel Botelho Mouro do PPGE/UFAM pela disponibilidade de
contribuio na Banca.
Ao IFRO/Campus Ji-Paran pelo apoio durante o curso, em especial aos colegas e amigos da
CAED (Lisiane, Valria, Alice, Snia, Alyne, Luiz, Lvia, Wanis, Vilson Rafael, Andria,
Josi, Rosimeire, Rosiele e Magda) pelo apoio, fora e companheirismo.
UFAM, por ter proporcionado os primeiros passos profissionais envolvendo a assistncia
estudantil para a classe discente.
Aos colegas e amigos de turma, em especial ao Altemir, pelos constantes questionamentos e
desafios, pela amizade sincera, acolhedora e, principalmente, pelo dom de fazer rir diante das
situaes menos fceis... com certeza, permitiu o percurso do curso ser mais encantador.
Rudhy, Claudia, Roniel, Flvio, Dari e Juliane, obrigada pelo companheirismo.
Aos demais professores e funcionrios da UNIR, pela ateno.
Aos sujeitos da pesquisa e a UNIR, representada pela PROCEA e o Campus Ji-Paran, o meu
muito obrigada.
RESUMO
O presente estudo tem como foco a materializao do PNAES (Programa Nacional de
Assistncia Estudantil) na UNIR, Ji-Paran, localizado na regio central de RO. Alargando os
horizontes da pesquisa e direcionando o olhar para as literaturas revisadas possvel perceber
que o PNAES est inserido no cenrio contemporneo que tem como marca as relaes de
trabalho na era da reestruturao produtiva, poltica neoliberal como legitimadora do iderio
burgus e suas fortes interferncias nas diversas polticas pblicas, em especial a educacional.
O PNAES foi legitimado em 2010 diante da conjuntura de retrocesso dos direitos sociais,
porm o mesmo tambm parte das estratgias dos organismos multilaterais em especial o
Banco Mundial para a educao no Brasil. A pesquisa em questo tem natureza bibliogrfica,
documental e de campo, com anlise terico-emprica sob a luz do materialismo histrico-
dialtico. Os resultados evidenciam que Aes envolvendo assistncia estudantil destinada
aos estudantes em situao socioeconmica vulnervel na UNIR, recente e no caso do
campus Ji-Paran, a pesquisa somente identificou seu incio a partir da aprovao e
implementao do PNAES por meio da portaria 39/2007 do MEC. Os dados evidenciam
ainda que se tratando de matrculas trancadas (evaso) dos estudantes envolvidos na pesquisa,
representa 5,5% da amostra, porm o insucesso acadmico (dbito de disciplinas, referente ao
perodo do curso que se encontra matriculado) de 53%. A pesquisa identificou tambm que
a compreenso de estudantes e servidores que fazem parte da amostragem dos dados a AE na
UNIR, tem caractersticas de poltica focalizada, seletista e tem como estratgia garantir os
mnimos necessrios para suprir as despesas acadmicas dos estudantes beneficiados e em
situao socioeconmica vulnervel. No que se refere compreenso dos servidores e
discentes sobre evaso ou reteno, os dados demonstram que so resultantes de mltiplos
fatores. Outra evidncia dos dados que o PNAES na UNIR Ji-Paran possui vrios limites e
desafios, dentre eles o de tornar-se poltica universalista no mbito do desenvolvimento das
aes e nas vagas ofertadas, buscando superar o seu carter atual de bolsificao, alm da
necessidade urgente de monitoramento/acompanhamento e autonomia de gesto no campus.
PALAVRAS CHAVE: Universidade Pblica. Ensino Superior. Assistncia
Estudantil/PNAES.
ABSTRACT
This study focuses on the materialization of PNAES (National Student Assistance Program)
in UNIR, Ji-Paran, located in central area RO. Widening the perspectives of the research
and directing his gaze to the revised literature it is possible see that the PNAES is inserted
in the contemporary scenario that has branded as labor relations in the era of corporate
restructuring, neoliberal politics as legitimating the bourgeois ideology and its strong
interference in various public policies, particularly related to education. The PNAES was
legitimized in 2010 before the social rights kicking situation, but it is also part of the
strategies of multilateral organizations notably the World Bank for education in Brazil. The
research in question is bibliographical, documentary and field, with theoretical and
empirical analysis in the light of historical and dialectical materialism. The results show that
Actions involving student assistance aimed at those in a vulnerable socio-economical
situation in UNIR, is recent and in Ji-Paran campus particularly, the research has identified
only at the beginning from the approval and implementation of PNAES by decree 39/2007
MEC. The data also shows that when it is related to registration locked (evasion) of the
students involved in the research, it represents 5.5% of the sample, but academic failure
(debit in disciplines, referring to the course of the period that is registered) is about 53%.
The research also found that the comprehension of students and servers that are part of the
sampling data to AE on UNIR, has focused and selected political characteristics and has a
strategy to ensure the minimum necessary to meet the academic costs of the benefited
students and socioeconomic vulnerable status. According to understanding of the servers
and students about retention, the data shows that they are the result of multiple factors.
Further evidence of the data is that the PNAES in UNIR Ji-Paran has several limitations
and challenges, among them to become universal policy on the development of Actions and
the offered vacancies, seeking to overcome its current character schoolarship system
beyond the urgent need for tracking / monitoring and management autonomy on campus.
PALAVRAS CHAVE: Public university, Higher Education Student Assistance /PNAES.
9
LISTA DE GRFICOS
Grfico 01: Sexo dos participantes beneficirios com AE 2013..............................................83
Grfico 02: Renda familiar dos beneficirios com AE 2013....................................................92
Grfico 03: Renda per capita familiar beneficirios com AE 2013..........................................94
Grfico 04: Composio do ncleo familiar beneficirios com AE 2013................................95
Grfico 05: Municpio de residncia dos beneficirios com AE 2013.....................................96
Grfico 06: Ensino Fundamental dos beneficirios com AE 2013...........................................97
Grfico 07: Ensino Mdio dos beneficirios com AE 2013.....................................................97
Grfico 08: Participao em grupo de pesquisa dos beneficirios com AE 2013....................99
Grfico 09: Distribuio dos Programas de Assistncia Estudantil........................................100
Grfico 10: Curso dos beneficirios com AE 2013................................................................101
Grfico 11: Situao atual de matriculas dos beneficirios com AE 2013.............................102
Grfico 12: Reteno por curso dos beneficirios com AE 2013...........................................103
Grfico 13: Permanncia sem reteno acadmica, por curso dos beneficiados com AE
2014.........................................................................................................................................104
Grfico 14: Bom rendimento dos beneficiados com AE 2014...............................................106
Grfico 15: Rendimento acadmico mdio dos beneficiados com AE 2014..........................106
Grfico 16: Importncia da Assistncia Estudantil para garantir a permanncia e concluso do
curso de graduao discentes...............................................................................................106
Grfico 17: Servidores que consideram AE importante para permanncia e concluso dos
cursos de graduao................................................................................................................123
10
LISTA DE QUADROS ENTREVISTAS
Quadro 01 Crise do Modelo Fordista-Taylorista, gnese e avano da Reestruturao
Produtiva:..................................................................................................................................23
Quadro 2: Concepes da poltica de ensino superior nos Governos Collor, Itamar, FHC e
Lula, perodo referente at o ano de 2010:................................................................................56
Quadro 03 Dimenso: Motivo pelo qual consideram importantes o Programa de Assistncia
Estudantil/PNAES:..................................................................................................................107
Quadro 04 Dimenso: Aes que a universidade deve realizar com vistas a garantir a
permanncia e a concluso dos cursos dos alunos de graduao do Campus Ji-Paran:........109
Quadro 05: Dimenso - Situaes que levam os alunos a ficarem retidos ou evadir-se:........113
Quadro 06: Dimenso - Universalizao das aes e vagas...................................................117
Quadro 07: Dimenso - Monitoramento/Acompanhamento...................................................121
Quadro 08: Dimenso - Necessidade de autonomia da gesto...............................................121
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 01: Rio Machado...........................................................................................................84
Figura 02: Prdio previsto para biblioteca................................................................................87
Figura 03: Prdio das atividades do curso de Engenharia Ambiental.......................................88
Figura 04: Atividades dos cursos de Estatstica e Intercultural................................................88
Figura 05: Bibliotecas e salas de aula de Pedagogia e Fsica...................................................88
Figura 06: Salas de aula do Mestrado Profissional em Fsica, graduao em Fsica e
Matemtica................................................................................................................................88
Figura 07: Faixa colocada na entrada da UNIR campus Ji-Paran...........................................90
Figura 08: Futuras Instalaes do RU construo...............................................................113
Figura 9: Futuras instalaes do RU maquete.....................................................................113
12
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AE Assistncia Estudantil
ANDES-SN Sindicato Nacional dos Docentes das Instituies de Ensino Superior
ANDIFES Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino
Superior
BM Banco Mundial
BP Bolsa Permanncia
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CFE Conselho Federal de Educao
CEP Comit de tica e Pesquisa
CEUs Casa dos Estudantes Universitrios
DAE Diretoria de Assuntos Estudantis
DCE Diretrio Central dos Estudantes
EBSERH Empresa Brasileira de Servios Hospitalares
EAD Ensino a Distncia
ENEM Exame Nacional do Ensino Mdio
ESB Educao Superior Brasileira
ES Educao Superior
FCM Fernando Collor de Mello
FHC Fernando Henrique Cardoso
FIES Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior
FMI Fundo Monetrio Internacional
FONAPRACE Frum Nacional de Pr-Reitores de Assuntos Comunitrios e Estudantis
HUs Hospitais Universitrios
IDH ndice de Desenvolvimento Humano
IES Instituies de Ensino Superior
IFES Instituies Federais de Ensino Superior
IFRO Instituto Federal de Educao Profissional e Tecnolgica de Rondnia
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira
IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
LOAS Lei Orgnica da Assistncia Social
MEC Ministrio da Educao
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
MP Medida Provisria
OMC Organizao Mundial do Comrcio
ONU Organizao das Naes Unidas
PAE Poltica de Assistncia Estudantil
PEC Projeto de Emenda Constitucional
PIB Produto Interno Bruto
PL Projeto de Lei
PN Portaria Normativa
PNAES Plano Nacional de Assistncia Estudantil
PNE Plano Nacional da Educao
PNEDH Plano Nacional de Educao em Direitos Humanos
PPGE Programa de Ps-Graduao em Educao
PROCEA Pr-Reitoria de Cultura, Esporte e Assuntos Estudantis da UNIR
13
PROGRAD Pr-Reitoria de Graduao da UNIR
ProUni Programa Universidade para Todos
REUNI Programa de Apoio ao Plano de Reestruturao e Expanso das
Universidades Federais
RU Restaurante Universitrio
SISU Sistema de Seleo Unificada
SUAS Sistema nico de Assistncia Social
SUS Sistema nico de Sade
TAE Tcnicos-Administrativos em Educao
UNE Unio Nacional de Estudantes
UNESCO Organizao das Naes Unidas para Educao, a Cincia e a Cultura
UFAM Universidade Federal do Amazonas
UNIR Universidade Federal de Rondnia
14
SUMRIO
INTRODUO.......................................................................................................................16
1 AS CONFIGURAES DO MUNDO DO TRABALHO E A DESIGUALDADE
SOCIAL ................................................................................................................................... 21
1.1 Trabalho e suas evolues: da satisfao at a forma exploratria da contemporaneidade
.................................................................................................................................................. 21
1.2 A reificao da mercadoria em detrimento do trabalhador e a desigualdade social na era
do imperialismo ........................................................................................................................ 26
1.3 Neoliberalismo: gide do capital como forma de manter o status quo: ........................... 29
1.4 Poltica pblica de educao no Brasil: diante das mazelas do capitalismo .................... 37
2. EDUCAO SUPERIOR REFORMA DO ESTADO, UNIVERSIDADE PBLICA
E O PROGRAMA DE ASSISTNCIA ESTUDANTIL (PNAES) .................................... 45
2.1 - Ensino superior nas universidades pblicas e federais..................................................... 45
2.2 - Reforma do Estado no Brasil e sua incidncia na universidade pblica ........................47
2.3 - O programa nacional de assistncia estudantil no ensino superior das universidades
federais...................................................................................................................................... 62
2.4 O PNAES na Universidade Federal de Rondnia/UNIR ................................................ 74
2.4.1 Breve histrico .......................................................................................................... 74
2.4.2 O PNAES no campus Ji-Paran .............................................................................. 77
3- PERCURSO DA PESQUISA ............................................................................................ 79
3.1 - Problema de pesquisa/questes norteadoras .................................................................... 79
3.2 Objetivos da pesquisa ...................................................................................................... 79
3.2.1 Objetivo geral ........................................................................................................... 79
3.2.2 Objetivos especficos ................................................................................................ 79
3.3 Coleta e anlise dos dados ............................................................................................... 80
3.4 Participantes da pesquisa ................................................................................................. 82
3.5 Caracterizao do local da pesquisa ................................................................................ 84
4- RESULTADOS E DISCUSSO ....................................................................................... 91
4.1 Perfil socioeconmico dos alunos beneficirios da Assistncia Estudantil/PNAES na
UNIR, campus Ji-Paran em 2013 ........................................................................................... 91
4.2 Distribuio do PNAES na UNIR/campus Ji-Paran .................................................... 100
15
4.3 Permanncia, reteno e concluso dos curso de graduao dos Estudantes
Beneficirios do PNAES no campus Ji-Paran. ..................................................................... 102
4.4- O PNAES na compreenso da classe discente beneficiria no campus Ji-Paran .......... 105
4.5 Os limites e desafios do PNAES na UNIR, sob a tica dos estudantes do campus Ji-
Paran ..................................................................................................................................... 117
4.6 - Compreenso de servidores do campus Ji-Paran, membros da equipe executora e
gestores dos assuntos estudantis da UNIR acerca do PNAES ............................................... 122
CONSIDERAES FINAIS. ............................................................................................. 129
REFERNCIAS .................................................................................................................. 134
APNDICES ......................................................................................................................... 142
Apndice 1: Modelo do Termo de Consentimento Livre e esclarecido..................................143
Apndice 2: Modelo Carta de Anuncia para autorizao da
pesquisa...................................................................................................................................144
Apndice 3: Modelo de Entrevista com Gestores da AE........................................................146
Apndice 4: Modelo de Entrevista com Estudantes................................................................147
Apndice 5: Modelo de Entrevista com Servidores do Campus Ji-Paran............................148
Apndice 6: Modelo de Entrevista a Equipe Responsvel pela AE na UNIR.......................149
ANEXOS ............................................................................................................................... 150
Anexo 1: Modelo de Formulrio Socioeconmico utilizado pela PROCEA/UNIR ..............151
16
INTRODUO
As discusses em torno dessa pesquisa almejam demonstrar a materializao do
Programa Nacional de Assistncia Estudantil (PNAES) na Universidade Federal de Rondnia
(UNIR), no campus do municpio de Ji-Paran-RO, bem como em que medidas esse
programa contribui para a permanncia e a concluso dos cursos de graduao nessa
instituio.
A necessidade de tal estudo partiu das inquietaes da pesquisadora como profissional
que realiza seu trabalho no mbito da Poltica de Assistncia Estudantil, especificamente do
PNAES, destinada aos discentes de graduao e ensino tcnico em situaes socioeconmicas
vulnerveis.
Considerando a gritante desigualdade social que se reproduz na sociedade brasileira e
consequentemente entre a categoria dos discentes das universidades pblicas brasileiras, faz-
se necessrio e fundamental o levantamento de informaes sistematizadas sobre a execuo
do Programa Nacional de Assistncia Estudantil na UNIR campus Ji-Paran, buscando
demonstrar como ocorre a materializao desse programa, nessa instituio, analisando,
ainda, em que medida contribui para a permanncia e concluso dos cursos superiores dos
graduandos envolvidos. As questes norteadoras da pesquisa so as seguintes: a) como ocorre
a operacionalizao do PNAES na UNIR campus Ji-Paran?; b) o PNAES contribui na
permanncia e xito dos estudantes de graduao?; c) quais so seus avanos, limites e
desafios?
importante ressaltar que a pesquisa em questo seguiu os padres tico vigentes,
sendo submetida e aprovada pelo comit de tica em pesquisa (CEP) da UNIR com o
protocolo nmero: 37652214.1.0000.5300.
Optou-se por estruturar o presente trabalho em quatro captulos, focalizando-se no
primeiro, os processos de transformaes no mundo do trabalho. Essa a categoria central do
materialismo histrico-dialtico, sendo o meio pelo qual se delineia as mltiplas
transformaes do ser humano e consequentemente do mundo, bem como o difere dos demais
animais.
Partindo dessa premissa, buscou-se caracterizar o trabalho desde a sua forma de
satisfao em tempos primitivos. Marx (2006) destaca que com o advento do capitalismo o
trabalho assume forma de explorao e alienao. Nesta seo so enfocados ainda as
caractersticas da gesto da fora de trabalho, no regime fordista, que Gramsci (1968) define
como americanismo, at o toyotismo, forma atual de gesto do trabalho.
17
Outros destaques do primeiro captulo so: a desigualdade social na fase imperialista
do capitalismo; o neoliberalismo como forma de manter o status quo; bem como a poltica
pblica de educao diante das mazelas, ou melhor, das atuais condies do capitalismo.
A desigualdade social tem como caracterstica principal a gritante disparidade na
distribuio da riqueza socialmente produzida, que se manifesta na questo social. No Brasil,
uma pequena parcela de pessoas, detm os meios de produo e consequentemente,
acumulam a maioria das riquezas socialmente produzidas, ao passo que a maioria da
populao divide o restante. Entre a maioria da populao que se apropria da minoria da
riqueza existem ainda os que possuem melhores condies de poder aquisitivo e outros que
possuem, ou chegam at no possuir condies mnimas de subsistncia, sobrevivendo em
situao socioeconmica vulnervel.
Essa realidade no inerente somente ao Brasil, mas praticamente a todos os pases
que possuem como caracterstica principal, a posio de colnia ou semicolnia do
imperialismo1, que se trata de algumas naes consideradas as grandes potncias mundiais
que ditam como deve se comportar as naes consideradas menores. Pode soar que
nesses pases considerados desenvolvidos no h desigualdade social, porm trata-se de um
engano, haja vista que essa desigualdade inerente ao modo de produo capitalista.
Para dar legitimidade aos ditames do capital, foi idealizado o neoliberalismo por
Hayeck em 1944, com o lanamento do livro o Caminho da Servido (1944), de carter anti-
socialista e que se opunha radicalmente ao Welfare State da poca. Posteriormente, em 1960,
Friedman tambm lana perspectivas tericas em torno do neoliberalismo e, a partir de 1970,
este comea a ser praticado, sendo que a primeira experincia aconteceu no Chile por meio da
ditatura de Pinochet, assessorado por Milton Friedman.
Logo em seguida, foi implantado por Ronald Reagan nos Estados Unidos da Amrica-
EUA e por Margareth Tatcher na Inglaterra. Tal ideologia, que em sua essncia no se difere
muito do liberalismo econmico clssico do sculo XVII, tem como premissa bsica utilizar o
Estado burgus como regulador das fronteiras nacionais, porm cada vez mais mnimo para a
sua funo pblica e mximo para financiar os ditames do mercado.
1 O imperialismo, ou domnio do capital financeiro o capitalismo no seu grau superior, em que essa separao
adquire propores imensas. O predomnio do capital financeiro sobre todas as demais formas do capital implica
o predomnio do rentier e da oligarquia financeira, a situao destacada de uns quantos Estados de "poder"
financeiro em relao a todos os restantes (LENIN, 1984, p.37).
18
As diretrizes do neoliberalismo atualmente se baseiam pelo Consenso de Washington2.
De acordo com Gentilli (1998), apesar da concordncia em centralizar a ateno para as
polticas econmicas a partir de suas diretrizes, possvel defender a tese que existe tambm
um Consenso de Washington no campo das polticas educacionais (p.16). O autor ressalta
essa prerrogativa, no porque existe de fato esse o consenso para educao, mas sim, devido
suas fortes interferncias e diretrizes poltica de educao, no qual busca delinear as
polticas pblicas que em sntese devem servir ao mercado ao invs de serem baseadas na
perspectiva transformadora.
Em suma, Frigotto (2010) sinaliza que os processos educativos na era neoliberal
passam por um processo de ressignificao no campo das concepes e das polticas. Cada dia
mais se estreita a dimenso do educativo e do formativo, desvinculando a compreenso
ontolgica do trabalho e da produo, aproximando-os apenas do economicismo e da
empregabilidade.
O segundo captulo deste estudo traz a discusso inerente ao Ensino Superior nas
universidades federais brasileiras. At o ano de 1808, no Brasil, existia somente o curso de
teologia, e os pretendentes a cursar outros cursos nessa modalidade de ensino se dirigiam
geralmente, Europa. A partir de ento, foram sendo criados novos cursos em algumas
escolas/faculdades. Do Brasil colnia ao Brasil repblica sempre houve bastante resistncia
criao de instituies universitrias, acontecendo ento, em 1911 a criao da Universidade
de Manaus, atual Universidade Federal do Amazonas (UFAM). A partir de ento,
gradativamente, foram sendo criadas novas instituies universitrias Brasil a fora.
No captulo dois ressalta-se ainda a reforma do Estado Moderno no Brasil, a partir da
ideologia neoliberal e suas consequncias que desencadeiam nas aes que caracterizam a
reforma universitria, haja vista que a reforma do Estado tem efeito cascata e atinge todos os
patamares das polticas sociais. As aes da reforma universitria tem como premissa
fundamental a privatizao do ensino superior no Brasil.
O acesso ao ensino superior e a concluso dele, mesmo nas universidades federais,
considerado historicamente elitista e seletista. Na contemporaneidade, observa-se o discurso e
a implantao de programas de democratizao, melhor dizendo, de ampliao do ensino
superior como, por exemplo, do projeto de reestruturao e expanso das universidades
2 Fruto de uma reunio realizada em 1989 na capital dos EUA, entre funcionrios do governo norte-americano e
dos organismos financeiros internacionais ali sediados - FMI, Banco Mundial e BID - especializados em
assuntos latino-americanos e alguns economistas latino-americanos (grifo nosso). A expresso Washington
Consensus foi usado pela primeira vez por John Williansom, pesquisador do Institute For Internationational
Economics, para fazer referncia geral s politicas de ajuste econmico (GENTILLI, 1998, p.14).
19
federais (REUNI), bem como o PNAES e a recente lei de cotas. Esses programas,
aparentemente, vo contramo do carter elitista e seletista, bem como das mazelas
instauradas pelo capitalismo.
Diante disso, surge a indagao: o capital est ficando bonzinho e se redimindo com
a classe trabalhadora? Pois bem, esses programas analisados a partir da sua essncia, em
suma, fazem parte das diretrizes dos organismos internacionais, em especial do Banco
Mundial para pases considerados em desenvolvimento como o caso do Brasil, pois se
acredita que por meio da qualificao individual ser possvel tambm ampliar a
produtividade econmica e o crescimento econmico do pas de forma geral, alm do que
quanto maior a oferta de mo de obra especializada, menor o preo que se pagar por ela. Para
a classe trabalhadora em situao de vulnerabilidade socioeconmica, a qualificao no
garantia de ascenso social, haja vista que o desemprego inerente ao capital e este nos
ltimos anos s tem aumentado.
Em se tratando da Assistncia Estudantil aos estudantes em situao de
vulnerabilidade socioeconmica, analisando seu percurso histrico, observa-se que essa
esteve presente primeiro no Rio de Janeiro em aproximadamente 1930. A partir disso foi
surgindo paulatinamente em diversas universidades do pas, porm em forma de aes
isoladas e pontuais de cada universidade.
Com criao do frum nacional dos pr-reitores de assuntos comunitrios das
universidades federais-FONAPRACE em 1987 que em parceria com a UNE fortaleceu a luta
pela AE, porm o processo foi marcado por percalos e contradies j que maioria das IFES
no possua nenhuma poltica ou programa de assistncia estudantil, a no ser Universidades
totalmente saqueadas, e programas de bolsas estudantis ineficientes (FONAPRACE, 2012, p.
17) . A partir disso o frum adotou estratgias de dilogo com o MEC e a produo de
documentos com dados sistematizados sobre a realidade da classe discente. Dentre os
documentos, foram produzidos relatrios de dados socioeconmicos e culturais dos
estudantes dos cursos de graduao no perodo de 1993 a 1996, 2003 a 2004.
A partir de 2007 com aprovao do PNAES atravs da portaria 39 do MEC, a AE
passa a atingir todas as universidades federais do pas com destinao de rubrica oramentria
especfica. Para a criao do PNAES (Programa Nacional de Assistncia Estudantil)
importante lembrar que o Frum Nacional de Pr-reitores de Assuntos Comunitrios -
FONAPRACE, Associao Nacional dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino
Superior - ANDIFES e a Unio Nacional dos Estudantes UNE tiveram importante assumir
caractersticas de poltica pblica em 2010 atravs do decreto governamental 7.234.
20
No caso da UNIR, aes nfimas destinadas assistncia estudantil aos alunos em
situao de vulnerabilidade social, comearam em 2005. Mas, o aumento gradativo das aes
aconteceu somente a partir da implantao do PNAES, no caso do campus Ji-Paran, no
encontramos registros de existncia de aes nesse mbito anterior a aprovao do PNAES.
Somente em 2009, posterior aprovao do PNAES iniciou-se gradativamente o
desenvolvimento de algumas aes de cunho assistencial aos estudantes do campus.
O captulo trs destinado ao percurso metodolgico da pesquisa, no qual o estudo
realizado a partir do embasamento do materialismo histrico-dialtico, sendo que na
perspectiva da pesquisadora as categorias que possibilitam melhor apreenso das mltiplas
determinaes do objeto de estudo so a totalidade, a contradio, a prxis e a luta de classes.
Os participantes da pesquisa so estudantes beneficirios das diversas modalidades de
auxlios financeiros do PNAES na UNIR, campus Ji-Paran, alm de gestores e profissionais
da AE na UNIR, bem como servidores do referido local. Alm disso, no presente captulo
caracterizada panoramicamente a regio do municpio de Ji-Paran, bem como o campus da
UNIR localizado nessa cidade.
No ltimo captulo, apresentada a materializao do PNAES aos estudantes em
vulnerabilidade socioeconmica da UNIR, campus Ji-Paran, demonstrando dentre outras
questes: a) a permanncia e a concluso dos cursos de graduao dos beneficirios da
assistncia estudantil no campus; b) a importncia da AE; c) fatores considerados
determinantes para a evaso e reteno acadmica na tica dos estudantes beneficirios,
servidores e gestores e; d) os avanos, limites e desafios da AE no campus na percepo dos
discentes, dos servidores e dos gestores.
21
1 AS CONFIGURAES DO MUNDO DO TRABALHO E A DESIGUALDADE
SOCIAL
E desse pecado original data a pobreza da grande massa que at agora, apesar de
todo seu trabalho, nada possui para vender seno a si mesma, e a riqueza dos poucos
que cresce continuamente, embora h muito tenham parado de trabalhar...(MARX,
1985, p. 261).
1.1 Trabalho e suas evolues: da satisfao at a forma exploratria da
contemporaneidade
Para iniciar o presente texto, faz-se essencial abordar algumas questes inerentes ao
trabalho, pois a a produo da vida material engendra todas as formas de relaes humanas e
assim sendo, a categoria ontolgica do trabalho torna-se imprescindvel em qualquer estudo
que se anuncie na perspectiva da totalidade histrica (MARTINS, 2006, p.12-13). atravs
do trabalho que giram as diversas formas de acumulao capitalista. Marx (1999, p. 211)
pontua que o homem atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo
tempo modifica sua prpria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecida e
submete ao seu domnio o jogo das foras naturais. por meio do trabalho que o homem
transforma a natureza e a si mesmo.
Remetendo-se h tempos antigos, possvel observar que o homem em sua evoluo
por meio do trabalho descobriu habilidades e desenvolveu idealizaes, buscando satisfazer
suas necessidades. possvel citar os artesos e camponeses do regime feudal, que atingiam o
reconhecimento de si no objeto construdo ou modificado. Com o advento de acumulao do
capital, o fato de se reconhecer no objeto foi se perdendo, devido fragmentao do processo
produtivo. As formas de acumulao primrias do capitalismo ocorreram, por exemplo, por
meio de roubos das terras comuns, expropriao da terra e do campo, xodo rural e etc.
Nesse processo, o homem/produtor afastado dos meios de produo, passando a no
se reconhecer nos produtos do seu trabalho, j no domina todo o processo de produo, o
trabalho (na maioria das vezes manual) no mais desenvolvido em sua casa com a famlia e
sim nas fbricas; d-se incio ao que chamado de estranhamento ou alienao do trabalho.
Sobre este processo Marx (2006, p. 112) pontua que:
Sim, o trabalho transforma-se em objeto, que ele s consegue adquirir com o
mximo de esforo e com interrupes imprevisveis. A apropriao do objeto
manifesta-se a tal ponto como alienao que quanto mais o trabalhador produzir,
22
tanto menos ele pode possuir e mais se submete ao domnio do seu produto, do
capital.
O trabalho que antes servia como fonte primria de satisfao, torna-se
mercadoria/coisificao, fonte de gerao de mais valia, tornando o homem escravo do objeto.
Marx (2006 p. 266), pontua que o que o sistema capitalista requeria, era ao contrrio, uma
posio servil da massa do povo, sua transformao em trabalhadores de aluguel e a de seus
meios de trabalho em capital. A classe trabalhadora diante da conjuntura do modo de
produo capitalista matria prima de explorao, ou melhor, parte atuante que proporciona
o nascimento do excedente gerando lucro.
O trabalho atinge o patamar mximo de alienao a partir do advento da Revoluo
Industrial, alcanando a sua forma perversa e se torna peso, fadiga e escravizao, a jornada
diria passa a alcanar at 16 horas por dia, includos neste patamar esto as crianas e as
mulheres. Dessa forma, tornando-se incompatvel com a vida externa, o tempo para o cio j
no existe mais, necessrio o mximo de esforo para obter as mnimas condies de
subsistncia, mudando todo o processo de maneira veloz e cruel. A aglomerao humana em
espaos inadequados propiciava a acelerada proliferao de doenas infectocontagiosas, ao
mesmo tempo em que a periculosidade das mquinas era responsvel por mutilaes e mortes.
Com o incio da Revoluo Industrial, o trabalhador torna-se presa da mquina, de
seus ritmos, dos ditames da produo que atendiam necessidade de acumulao rpida de
capital e de mximo aproveitamento dos equipamentos, antes de se tornarem obsoletos.
Com o aperfeioamento da produo, ganham espao as relaes de trabalho
marcadas pela forma de gesto da fora de trabalho reconhecida como binmio
fordismo/taylorismo que teve seu incio em aproximadamente 1914 e foi hegemnico at o
final da dcada de 1960.
Sobre este binmio e seus processos de trabalho, Antunes (1991, p. 29) ressalta que:
[...] O trabalhador um animal, tem que ser dcil. Mas o trabalhador taylorista-
fordista, o trabalho capitalista da era da indstria do automvel e dos seus
prolongamentos ao longo de todo sculo XX era um trabalho marcado por uma
alienao/estranhamento, por esse carter parcelar-fragmentado, da indstria seriada
da produo em srie. No binmio taylorismo/fordismo a concepo e a elaborao
so responsabilidade da gerncia cientfica, a execuo (manual) responsabilidade
dos trabalhadores.
De acordo com Antunes (1991), o Fordismo/Taylorismo se baseava na produo em
massa, produo de mercadoria de forma homognea e verticalizada, o tempo do trabalhador
era racionalizado e o ritmo de trabalho aumentado, com vistas a evitar o desperdcio na
produo.
23
Buscava-se a intensificao da produo, atravs da linha rgida, a fabricao,
articulava diferentes trabalhos, tecendo vnculo entre as aes individuais e a esteira, que fazia
as interligaes dando o ritmo e tempo necessrio para execuo das tarefas. Nesse modelo de
gesto da fora de trabalho, o capital se apropriava do savoir-faire do trabalhador, ou seja,
suprimia a sua dimenso intelectual. Para Gramsci (1968), fordismo conceituado como
americanismo e significa que o homem deve ser integral para o Capital. Mouro (2006)
destaca que as:
[...] varias estratgias de gesto do processo de trabalho e da fora de trabalho tem
engendrado elaboraes tericas que trazem subentendida a impossibilidade do
modelo taylorista/fordista de assegurar a expanso do capital e de conter a
resistncia dos trabalhadores, fato que vem obstar o desenvolvimento capitalista e
caracterizar uma situao de crise. Isto, no entanto, no equivale dizer que houve
ruptura do modelo dominante (p. 22).
O binmio fordismo/taylorismo entra em crise e o capital como forma de se
reinventar, a partir do final da dcada de 1960, tem-se incio o novo mtodo de gesto do
trabalho, ou melhor, nova forma de acumulao do capital denominado de toyotismo. Esse
novo modelo de acumulao capitalista
consolida dois processos: o de integrao como caminho renovado para obteno de
ganhos de produtividade e o de flexibilizao, no s das linhas produtivas para o
atendimento de um mercado flexvel e diferenciado, mas, sobretudo, da
flexibilizao das novas relaes de trabalho [...] O princpio da integrao esta
intimamente ligado aos princpios de economia de tempo taylorista/fordista. Por ser
imperioso que as mquinas seja ocupadas em todo seu potencial, uma nova
organizao da produo se efetiva, na qual a informtica e a eletrnica so
utilizadas como potencializadoras (MOURO, 2006, p. 22-23)
Abaixo, expe-se uma tabela3 baseada nas expresses de Ricardo Antunes (1999) com
as principais caractersticas que envolvem a crise do binmio fordismo/taylorismo, bem como
os principais atributos que envolveram a gnese do toyotismo.
Quadro 01 Crise do Modelo Fordista-Taylorista, gnese e avano da Reestruturao
Produtiva:
Crise do Capital e do Modelo Fordista-
Taylorista
Resposta do Capital Crise
Reestruturao Produtiva - Caractersticas
do Toyotismo 1) queda da taxa de lucro dada, entre outros
elementos causais, pelo aumento da fora de
trabalho, conquistado durante o perodo ps
1945 e pela intensificao das lutas sociais
dos anos 1960, que objetivavam o controle
1) uma produo muito vinculada demanda,
visando atender as exigncias mais individualizadas
do mercado consumidor, diferenciando-se da
produo em srie e de massa do
taylorismo/fordismo. Por isso, sua produo
3 Quadro construdo a partir da exposio do livro de ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaios
sobre a afirmao e negao do trabalho. IN: Dimenses da Crise estrutural do capital e As repostas do Capital a
sua crise estrutural: a reestruturao produtiva e suas repercusses no processo de trabalho. So Paulo,
Boitempo, 1999. P. 29-59.
24
social da produo. A conjugao desses
elementos levou a uma reduo dos nveis de
produtividade do capital, acentuando a
tendncia decrescente da taxa de lucro;
2) o esgotamento do padro de acumulao
taylorista/fordista de produo (que em
verdade era a expresso mais fenomnica da
crise estrutural do capital), dado pela
incapacidade de responder a retrao do
consumo que se acentuava. Na verdade
tratava-se de uma retrao em resposta ao
desemprego estrutural que ento se iniciava;
3) hipertrofia da esfera financeira, que
ganhava relativa autonomia frente aos
capitais produtivos, o que tambm j era
expresso da prpria crise estrutural do
capital e seu sistema de produo, colocando-
se o capital financeiro como um campo
prioritrio para a especulao, na nova fase
do processo de internacionalizao;
4)a maior concentrao de capitais graas s
fuses entre as empresas monopolistas e
oligopolistas;
5) a crise do Welfare State ou do estado do
bem-estar social e dos seus mecanismos de
funcionamento, acarretando a crise fiscal do
Estado capitalista e a necessidade de retrao
dos gastos pblicos e sua transferncia para o
capital privado;
6) incremento acentuado das privatizaes,
tendncia generalizada as
desregulamentaes e a flexibilizao do
processo produtivo, dos mercados e da fora
de trabalho, entre tantos outros elementos
contingentes que exprimiam esse novo
quadro crtico.
variada e bastante heterognea, ao contrrio da
homogeneidade fordista;
2) fundamenta-se no trabalho operrio em equipe,
com multivariedades de funes, rompendo com
carter parcelar tpico do fordismo;
3 ) a produo se estrutura num processo flexvel,
que possibilita ao operrio operar simultaneamente
vrias mquinas (na Toyota, em mdia at 5
mquinas), alterando-se a relao homem mquina
na qual se baseava o taylorismo/fordismo;
4) tem como princpio o just in time o melhor
aproveitamento possvel do tempo de produo;
5) funciona segundo o sistema de kanban placas ou
senhas de comando para reposio de peas de
estoque. No toyotismo, os estoques so mnimos
quando comparados ao fordismo;
6) as empresas do complexo produtivo toyotista,
inclusive as terceirizadas, tm uma estrutura
horizontalizada, ao contrrio da verticalizada
fordista. Enquanto na fbrica fordista
aproximadamente 75% da produo era realizada
no seu interior, a fbrica toyotista responsvel por
somente 25% da produo, tendncia que vem se
intensificando ainda mais. Essa ltima prioriza o
que central em sua especialidade no processo
produtivo (a chamada teoria do foco) e transfere a
terceiros grande parte do que antes era produzido
dentro de seu espao produtivo. Essa
horizontalizao estende-se s subcontratadas, as
firmas terceirizadas acarretando a expanso dos
mtodos e procedimentos, para toda a rede de
fornecedores. Desse modo, flexibilizao,
terceirizao, subcontratao, CCQ, controle de
qualidade total, kanban, just in time, kaizen, team
work, eliminao do desperdcio, gerncia
participativa, sindicalismo de empresa, entre tantos
outros pontos, so levados para um espao
ampliado do processo produtivo;
7) organiza os crculos de controle de qualidade
(CCQs) constituindo grupos de trabalhadores que
so instigados pelo capital a discutir seu trabalho e
desempenho, com vistas a melhorar a produtividade
das empresas, convertendo-se num importante
instrumento para o capital apropriar-se do savoir
faire intelectual e cognitivo do trabalho, que o
fordismo desprezava;
8) o toyotismo implantou o emprego vitalcio
para uma parcela dos trabalhadores das grandes
empresas (cerca de 25% a 30% da populao
trabalhadora, onde se presenciava a excluso das
mulheres), alm dos ganhos salariais intimamente
vinculados ao aumento da produtividade. O
emprego vitalcio garante ao trabalhador japons
que trabalha nas fbricas inseridas nesse modelo a
estabilidade do emprego, sendo que aos 55 anos o
25
trabalhador deslocado para outro trabalho menos
relevante, no complexo de atividades existente na
mesma empresa. FONTE: Autora, 2015.
O modelo japons baseado na empresa, produo e emprego flexvel, que tem como
marca o advento de trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional, polivalente
dotado de maior realizao no espao de trabalho (ANTUNES, 1991, p. 48).
O capitalismo a partir de 1970 at o presente momento, marcado pela crise
estrutural, fundamentado na gesto da fora de trabalho do toyotismo e caracterizado pela
reestruturao produtiva e de acumulao flexvel, sendo que essa uma das estratgias da
burguesia para conter o crescimento do movimento operrio.
De acordo com Antunes (2009, p. 52), o modelo de liofilizao se fundamenta num
padro produtivo organizado e tecnologicamente avanado. Trata-se de uma poca onde o
trabalho e suas relaes so precarizadas, as mltiplas facetas da precarizao se manifestam
nas terceirizaes, por meio do trabalho informal e das condies subumanas de subsistncia.
Essa lgica destrutiva do capital, bem como a crise estrutural enfrentada a partir de 1970, para
Mszros (2008), uma condio para a manuteno do sistema de metablico de reproduo
social do capital.
Diante do exposto, possvel perceber que na sua trajetria histrica, o trabalho vai
adquirindo novas roupagens e sofrendo mutaes em seus objetivos, tanto que na
contemporaneidade, dividido em produtivo e improdutivo, ou seja, se torna produtivo
somente quando tem valor de uso, quando gera alguma forma de valor monetrio, e
improdutivo quando o que se fixa na sua finalidade no vem sendo utilizado como meio de
gerar mais valia.
De acordo com Antunes (2006, p. 45) na contemporaneidade o trabalhador:
Alm de operar com vrias mquinas (por isso se fala em especializao
multifuncional) no mundo do trabalho atual, tem-se tambm a intensificao do
trabalho imaterial. o que hoje o discurso dominante denomina como a sociedade
do conhecimento, dada pelo exerccio do trabalho nas esferas de comunicao, nas
esferas de marketing etc., uma vez que estamos presenciando as sociedades das logo
marcas, do simblico.
Marx destaca ainda outro ponto inerente ao trabalho produtivo e improdutivo, onde
para o capital, o trabalho considerado produtivo no apenas o que produz mercadoria, mas o
que gera mais-valia para o capitalista, enquanto que o trabalho improdutivo aquele que
trocado por renda para o trabalhador, que pode ser em forma de salrios ou outros. Para Marx,
o ponto de partida deve ser o trabalho e no o seu valor, conforme enfocado na sociedade
26
mercantil. Mszros (2008, p. 93) pontua que uma sociedade que valoriza apenas o material,
possui grandes possibilidades de fracasso, j que:
Muito se fala hoje nas sociedades canibalisticamente avanadas sobre a agenda do
respeito. Consiste na ilusria projeo de resolver a crise de valores cada vez mais
aprofundada manifesta na forma da crescente criminalidade e delinquncia, ao
lado da alienao cada vez pior do jovem em relao sua sociedade por um apelo
direto e retrico conscincia dos indivduos, postulando em vo, o adequado
respeito pelos valores da cidadania democrtica. E quando toda essa pregao
vazia fracassa, como tem de fracassar, uma vez que evita, como a uma praga, as
causas sociais dos sintomas negativos denunciados, as personificaes polticas do
alto capital, inclusive o mais alto deles, comeam a falar de como podem identificar
a futura delinquncia j no tero da me, indicando as medidas legislativas
estatais autoritrias necessrias para lidar com a futura criminalidade potencial no
estgio mais inicial possvel.
Assim, o fracasso colocado sob a responsabilidade de modo geral, principalmente,
s classes sociais menos favorecidas em termos de riqueza, pois so detentoras de talentos e
esforos individuais, mas, apesar disso, no conseguem galgar melhores condies de vida,
fazendo aumentar a criminalidade e a violncia. A ningum questionado sobre as bases
materiais do sistema vigente, apenas de tempos em tempos so adotadas novas receitas para
solucionar problemas que tem suas razes no capitalismo.
1.2 A reificao da mercadoria em detrimento do trabalhador e a desigualdade social
na era do imperialismo
O momento presente marcado pela mxima explorao dos meios da produo e da
prpria natureza pelo capital. tempo de intensa desigualdade social, ou melhor, a poca de
barbrie social, de acordo com Mszros (2008, p 75-76):
Nosso dilema histrico definido pela crise estrutural do sistema do capital global.
Est na moda falar, com total auto complacncia, sobre o grande xito da
globalizao capitalista. Um livro recentemente publicado e propagandeado de
modo devotado tem como titulo: Why globalization works. Contudo, o autor, que o
principal comentarista econmico do financial times de Londres, esquece-se de fazer
a pergunta realmente importante: Ela funciona para quem? Se que funciona.
Certamente funciona, por enquanto (mas no to bem), para os tomadores de deciso
do capital transnacional, e no para a esmagadora maioria da humanidade, que tem
sofrer as consequncias. E nenhuma integrao jurisdicional advogada pelo autor
isto , em linguagem direta, o maior controle direto sobre um deplorvel grande
nmero de Estado por parte de umas potncias imperialistas, especialmente a maior
delas vai conseguir remediar a situao.
Marx & Engels, em suas obras tericas analisando a essncia do capitalismo,
buscaram alertar sobre as etapas de desenvolvimento desse modo de produo, no qual no
possvel ter previso a seu respeito, em que tudo incerto para o futuro, haja vista a falta de
controle sobre seus caminhos e descaminhos, pois o controle no se encontra nas mos da
27
classe trabalhadora, mas algo que foge do seu domnio, porque na sociedade cuja fora
hegemnica o da burguesia, quanto mais se desenvolve a produo capitalista e as relaes
sociais de produo que alienam os homens, muito maiores sero as potncias externas que os
reprimem.
O poder social, isto , a fora de produo multiplicada que nasce da cooperao de
diversos indivduos condicionada pela diviso do trabalho aparece a esses
indivduos, porque a prpria cooperao no voluntria, mas natural, no como seu
prprio poder unificado, mas sim como uma potncia estranha, situada fora deles,
sobre a qual no sabem de onde veio nem para onde vai, uma potncia, portanto, que
no podem mais controlar e que, pelo contrrio, percorre agora uma sequncia
particular de fases e etapas de desenvolvimento, independente do querer e do agir
dos homens e que at mesmo dirige esse querer e esse agir (MARX & ENGELS,
2007, p.38).
Nesta etapa de desenvolvimento, o trabalhador se torna cada dia mais intensamente
alienado, a explorao se torna ainda mais perversa, o seu trabalho no voluntrio, mas
imposto, trabalho forado. No constitui a satisfao de uma necessidade, mas apenas um
meio de satisfazer outras necessidades. O trabalho externo, o trabalho em que o homem se
aliena, um trabalho de sacrifcio de si mesmo, de martrio (MARX, 2006, p. 114).
A sociedade atual baseada na reificao das coisas materiais em detrimento das
relaes sociais que deveriam qualificar as relaes humanas, o valor e a fantasia caminham
juntas na sociedade do consumo, onde se materializam as relaes e se personificam as coisas.
Conforme crescem as foras produtivas que dominam o proletariado, na mesma proporo
cresce a pobreza, a indigncia, a misria e submisso do trabalhador. A atualidade marcada
pelo sentido surreal das coisas, parafraseando Mszros:
Vivemos sob condies de uma desumanizante alienao e de uma subverso
fetichista do real estado das coisas dentro da conscincia (muitas vezes tambm
caracterizada como reificao) porque o capital no pode exercer funes sociais
metablicas de ampla reproduo de nenhum outro modo. Mudar essas condies
exige uma interveno consciente em todos os domnios e em todos os nveis da
nossa existncia individual e social. (2008, p. 59).
Volta-se a afirmar que o momento presente se aproxima de barbrie social, j que as
diversas manifestaes da ordem vigente simultaneamente, excluem a esmagadora maioria
da humanidade no mbito da ao dos sujeitos, e condena-os, para sempre, a serem apenas
considerados como objetos (e manipulados no mesmo sentido), em nome da suposta
superioridade da elite meritocrtica, tecnocrtica, empresarial (MSZROS, 2008, p.
49).
Segundo dados da OIT (Organizao Internacional do Trabalho), o ndice de
desempregados no mundo aumentou em 4,2 milhes em 2012, para 5,9 %. De acordo com as
28
tendncias mundiais de emprego, em 2013, quando se trata da juventude at 24 anos, esse
ndice sobe para 12,6%. notrio tambm que pessoas acima dos 40 anos de idade so um
grande nmero na lista de desempregados. Trata-se de um mercado de trabalho,
extremamente excludente e seletivo, no qual Gramsci (1968) realizando sua anlise sobre o
fordismo j averiguava que aconteceria inevitavelmente, uma seleo forada, uma parte da
velha classe trabalhadora ser impiedosamente eliminada do mundo do trabalho e talvez do
mundo tout court. (p. 397).
Os dados supracitados apontam que, caso o sistema de reproduo metablica do
capital continue no mesmo sentido atual, caminhamos para a construo de sociedades cada
vez mais desigual, excludente e insustentvel em longo prazo, ou melhor, para um
acirramento da luta das classes sociais.
De acordo com Lenin (1979) a fase atual do capitalismo considerada como a sua fase
superior denominada de imperialismo. Segundo ele, a gnese do imperialismo ocorre na
medida em que:
[...] o resumo da histria dos monoplios o seguinte: 1) Dcadas de 1860 e 1870, o
grau superior, culminante, de desenvolvimento da livre concorrncia. Os
monoplios no constituem mais do que germes quase imperceptveis. 2) Depois da
crise de 1873, longo perodo de desenvolvimento dos cartis, os quais constituem
ainda apenas uma exceo, no so ainda slidos, representando ainda um fenmeno
passageiro. 3) Ascenso de fins do sculo XIX e crise de 1900 a 1903: os cartis
passam a ser uma das bases de toda a vida econmica. O capitalismo transformou-se
em imperialismo (LENIN, 1984, p.10).
Para Lenin, o imperialismo surgiu aps a substituio da livre concorrncia do
mercado para a forma de monoplio dos setores estratgicos da economia. Os carteis so as
bases da vida econmica que estabelecem entre si acordos de vendas, prazos de pagamentos,
as regies de mercado, quantidades de produo, os preos e posteriormente fazem a
distribuio dos lucros entre as empresas.
Segundo Souza (2014), a fase imperialista do capitalismo se inicia em 1870 ou 1880,
quando as grandes potncias da Europa dividiram entre si todo o mundo ainda no
colonizado. No final do sculo XIX e incio do sculo XX, boa parte do mundo estava sob
domnio de pases como a Inglaterra, Alemanha, Frana entre outros pases, na condio de
colnia ou semicolnia que, como historicamente sabido, renderam muito lucro aos seus
exploradores. No satisfeitos com a diviso do mundo com seus pertences, as grandes
potncias lanam a guerra para realizar uma nova diviso, e aps as duas histricas guerras
mundiais, o mundo alm de ter os antigos donos passa a ter tambm os EUA como uma
grande potncia.
29
O interessante que:
A dependncia dos pases dominados pelo imperialismo se desenvolve por meio das
aes do capital financeiro que se movimenta de vrias formas, na instalao de
empresas para extrarem altos lucros advindos da superexplorao da mo-de-obra
barata, da flexibilizao dos direitos trabalhistas, da sonegao de tributos e da
legislao favorvel; na compra de aes de empresas j existentes; em
financiamentos e emprstimos a empresas privadas e ao Estado e em investimentos
no Imperialismo e capitalismo burocrtico controle das fontes de recursos naturais e
de matrias-primas, de forma a manterem um controle econmico e poltico dos
pases dominados (SOUZA, 2014, p. 39-40).
O imperialismo tem como marca central a unificao do capital industrial com o
capital bancrio que gera o capital financeiro, atravs da criao de bancos, fundos e acordos
internacionais como o BM, BIRD, FMI etc. que buscam financiar as atividades industriais
com o prprio capital industrial.
O Brasil, neste cenrio de explorao, uma mera semicolnia das grandes potncias
mundiais que garante a estes a sua obedincia, principalmente ao atual Senhor do Imprio
(EUA), ou a outros pases representados pela burguesia transnacional, adotando todos os tipos
de ajustes necessrios e seguindo as diretrizes do Banco Mundial como forma de manter o
poder imperial e garantir o financiamento econmico em diversas reas.
No Brasil, o desenvolvimento das foras capitalistas possui hegemonia notria, o que
torna de acordo com Pochamann a 4enorme concentrao da renda e da riqueza como marca
registrada do pas. O motivo da perverso distributiva a correspondente concentrao do
poder, e, na raiz deste fator, encontra-se a fragilidade da democracia brasileira. Em cinco
sculos de histria, no somamos mais de quarenta anos de regime democrtico.
1.3 Neoliberalismo: gide do capital como forma de manter o status quo
Para responder crise estrutural do capital instalada a partir da dcada de 1970, a
burguesia mundial adotou um novo modelo de poltica e controle denominado como
neoliberalismo, cuja nfase a minimizao do Estado e a garantia que o mercado corra
livremente, ou seja, sem fronteiras. O papel do Estado neste modelo deve ser apenas cuidar
das fronteiras.
O iderio neoliberal passou a fazer parte do cenrio poltico mundial, a partir dos
interesses da burguesia manifestada na obra terica de Hayeck lanada publicamente em
4 Bibliografia encontrada em http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=30, acessado em 10 de junho de
2015 s 14:00h.
http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=30
30
1944, no qual o mesmo defende que enquanto a democracia procura a igualdade na
liberdade, o socialismo procura a igualdade na represso e na servido (1944, p. 52). As
principais crticas de Hayeck giram em torno do socialismo e do Welfare State, pois segundo
o autor:
Est claro que todo o Estado tem de agir, e toda ao do Estado implica intervir
nisto ou naquilo. Mas no isso que vem ao caso. O importante saber se o
indivduo pode prever a ao do Estado e utilizar esse conhecimento como um dado
na elaborao de seus planos particulares - o que significa que o Estado no pode
controlar a forma como seu mecanismo empregado e que o indivduo sabe
exatamente at que ponto ser protegido contra a interferncia alheia - ou se o
Estado est em condies de frustrar os esforos individuais. O Estado que controla
pesos e medidas (ou impede de qualquer outro modo o estelionato e a fraude)
indubitavelmente ativo, ao passo que o Estado que permite o uso da violncia - por
piquetes de grevistas, por exemplo inativo. Entretanto, no primeiro caso que o
Estado observa os princpios liberais, enquanto no segundo no o faz (HAYECK:
1944, p.104).
Posteriormente, na dcada de 1960, o neoliberalismo ganha um novo defensor, Milton
Friedman, contudo, a partir de 1970, essa ideologia teve sua prtica inaugurada por alguns
pases, sendo que sua primeira experincia foi no Chile, atravs da ditadura de Pinochet e
posteriormente com a eleio de Margareth Tatcher na Inglaterra (1979) e Ronald Reagan
Nos Estados Unidos (1980) e, sucessivamente, alastrando-se por boa parte do globo.
O neoliberalismo em pouco se difere, do liberalismo clssico instaurado nas ltimas
dcadas do sculo XVII, em conformidade com o ponto de vista do capital e da economia
poltica da poca, o grande dolo do liberalismo moderno, John Locke um latifundirio
absentesta em Somersetshire, e tambm um dos mais generosamente pagos funcionrios do
governo (MSZROS, 2008, p.39).
A aproximao do neoliberalismo com o liberalismo acontece na prpria essncia,
alis, todas as reinvenes do capital possuem fortes influncias e caractersticas
conservadoras, que apenas se revestem de novas roupagens, mas com as caractersticas
essenciais da natureza exploratria do capitalismo.
No olhar vesgo da burguesia, a crise atual, uma vez mais aparece como um desvio
das leis naturais do mercado. A pedra de toque dos neoconservadores est na
crtica excessiva interveno e agitamento do Estado, e postula-se, como remdio,
a volta da regulao do mercado e as polticas monetaristas. O iderio neoliberal e
neoconservador protagonizado por Tatcher e Reagan, malgrado seu insucesso
naquelas sociedades, tornou-se a palavra de ordem para o ajustamento (leia-se
submisso s regras dos novos senhores do mundo e suas instituies: FMI, BIRD,
BID etc.) nos pases da Amrica Latina e, agora, de forma avassaladora, para o leste
Europeu (FRIGOTTO, 2010, p. 84).
De acordo com Gentilli (1998, p. 104):
31
O projeto poltico econmico e hegemnico at os dias atuais no se apresentou
como vilo ou detentor de mazelas, mas foi apresentado com o compromisso de
solucionar e atentar-se as demandas de diversas naes[...] A Promessa que
formulava esta perspectiva era que o mercado conseguiria responder s demandas
individuais e que, ao mesmo tempo, o prprio crescimento econmico iria gerar uma
multiplicao da oferta de empregos e um aumento geral da riqueza que resultaria
num incremento dos ingressos individuais. O mercado expandia-se e nele existia
lugar para todos .
Pouco tempo depois da adoo pela Inglaterra, esse modelo ganhou novos
patrocinadores e disseminadores, sendo que na Amrica Latina a sua instaurao foi ainda
mais brutal, haja vista que a ortodoxia neoliberal promovida pelos organismos financeiros
internacionais, especialmente o Banco Mundial e o Fundo Monetrio Internacional, foi
assumida pelas elites econmicas locais como a nica receita vlida para superar o dficit
pblico e estabilizar as convulsionadas economias da regio (GENTILLI, 1998, p. 14). De
acordo com esse mesmo autor:
[...] o neoliberalismo se instalou nos pases latinos no incio dos anos setenta e
tendo como marco a origem da ditadura militar imposta no Chile, logo aps a queda
do governo constitucional de Salvador Allende o programa de reformas
desencadeado pelo neoliberalismo na Amrica Latina expandiu-se progressivamente
a quase todos os pases da regio. Por um lado a frgil institucionalizao que
marcou a transio para a democracia naquelas naes que superavam a traumtica
experincia de longas ditaduras, e, por outro, as peculiaridades de regimes polticos
democrticos de carter tutelar e alto grau de corrupo de nos poucos pases que
no enfrentaram governos de facto durante esse perodo, constituram fatores
propcios para expanso do neoliberalismo na Amrica Latina (GENTILLI, 1998, p.
13).
Sobre a experincia Chilena, alguns autores pontuam que se trata de um perodo brutal
contra qualquer vestgio de democracia, alis, a ditadura a preferncia dos idealizadores
neoliberais, haja vista que na democracia, a maioria pode decidir pelos direitos incondicionais
e atrapalhar o andamento das questes ideolgicas principais do modelo.
De fato, ainda que em seu conjunto tenha chegado a hora das privatizaes
massivas, depois dos pases da OCDE e da antiga Unio Sovitica,
genealogicamente este continente foi testemunha da primeira experincia neoliberal
sistemtica do mundo. Refiro-me, bem entendido, ao Chile sob a ditadura de
Pinochet. Aquele regime tem a honra de ter sido o verdadeiro pioneiro do ciclo
neoliberal da histria contempornea. O Chile de Pinochet comeou seus programas
de maneira dura: desregulao, desemprego massivo, represso sindical,
redistribuio de renda em favor dos ricos, privatizao de bens pblicos. Tudo isso
foi comeado no Chile, quase um decnio antes de Thatcher, na Inglaterra. No
Chile, naturalmente, a inspirao terica da experincia pinochetista era mais norte-
americana do que austraca. Friedman, e no Hayek, como era de se esperar nas
Amricas. Mas de se notar que a experincia chilena dos anos 70 interessou
muitssimo a certos conselheiros britnicos importantes para Thatcher, e que sempre
existiram excelentes relaes entre os dois regimes nos anos 80 (ANDERSON,
1995, P. 13).
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O neoliberalismo possui uma base slida, tendo partido da premissa de que os
senhores do capital consideram como algo seguro e inatingvel, haja vista que recebe apoio e
reinventado pelos principais organismos financeiros internacionais e possui documentos
para sua legitimao, um desse o famoso Consenso de Washington:
O programa de ajuste e estabilizao proposto no marco desse consenso inclui
dez tipos especficos de reforma que, como assinala Williamson, foram quase
sempre implementados com intensidades pelos governos latino-americanos a partir
da dcada de oitenta: disciplina fiscal; redefinio das prioridades dos gasto
pblico; reforma tributria; liberalizao do setor financeiro; manuteno de taxas
de cmbio competitivas; liberalizao comercial; atrao das aplicaes de capital
estrangeiro; privatizao de empresas estatais; desregulao da economia; proteo
de direitos autorais (PORTELA FILHO, 1994, apud GENTILLI, 1998, p. 14).
O Consenso de Washington no apresenta um verdadeiro consenso e sim utiliza
alguns instrumentos de persuaso contra as naes tidas como inferiores, semicolnias frente
s naes que so destacadas como potncias mundiais. De acordo com Gentilli (1998, p. 29),
o que o Consenso de Washington sintetiza a hegemonia neoliberal no contexto de um
capitalismo globalizado. Esse como todo processo hegemnico, no se reduz apenas
construo de uma poltica de consentimento, mas tambm a uma poderosa estratgia de
coero.
De acordo com Frigotto (2010, p.85) o neoliberalismo possui algumas caractersticas
bsicas que apesar de no serem unvocas baseiam-se na
retirada do Estado da economia ideia do Estado mnimo, a restrio dos ganhos de
produtividade e garantias de emprego e estabilidade de emprego; a volta das leis de
mercado sem restries; o aumento da taxa de juros para aumentar e arrefecer o
consumo; a diminuio dos impostos sobre o capital e diminuio dos gastos e
receitas pblicas e, consequentemente, dos investimentos em polticas sociais.
De Acordo com Gentilli (1998, p. 102), o neoliberalismo deve ser compreendido
como um projeto de classe que orienta, ao mesmo tempo e de forma articulada, um conjunto
de reformas radicais no plano poltico, econmico, jurdico e cultural. Frigotto (2010, p.87),
pontua ainda que:
Em relao ao Estado, a questo crucial no se um Estado mximo ou Estado
mnimo, mas qual Estado. Neste sentido, Francisco de Oliveira mostra que a
perspectiva conservadora, na realidade, no postula reduzir o Estado em todas suas
faces, mas apenas estreitar ou eliminar sua face pblica.
No mbito da mquina pblica, conforme possvel identificar, as artimanhas
neoliberais paulatinamente conquistam os espaos pblicos e os tornam privados. Pactua-
se, dessa maneira, a privatizao direta ou indireta, descoberta ou encoberta, da educao
como (aparentemente) o nico mecanismo que possibilitar uma administrao eficiente e
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produtiva dos recursos destinados s instituies escolares. O Pacto constitui o espao para
legitimar tais decises (GENTILLI, 1998, p. 66).
[...] a privatizao econmica e a privatizao escolar: elas so mecanismos de
redistribuio regressiva que acabam sempre favorecendo os ricos. A privatizao
das empresas produtiva do Estado amplia ainda mais a concentrao de poder
econmico. A privatizao escolar cria ainda mais condies para uma ampla e
marcada concentrao de poder educacional de consequncias evidentemente
antidemocrticas: a dualizao do sistema se aprofunda entre ganhadores e
perdedores , da distribuio desigual dos bens educacionais vo cristalizando suas
posies. A escola melhora para alguns poucos e piora para a grande maioria.
(GENTILLI, 1998, p 98).
Dessa forma, observa-se que o ajuste neoliberal traz uma receita avassaladora contra
as classes trabalhadoras. Trata-se de um modelo para poucos, no mais que 30% da populao
e nos indicadores de vrios organismos nacionais e internacionais apresentam e mostram o
agravamento da pobreza (FRIGOTTO, 2010, p. 93). Partindo dessa premissa se apresenta:
ao lado das ilhas de riqueza e ostentao, aninham-se o abandono infantil, a fome, a
misria, as doenas endmicas e consequentemente a morte prematura. A ONU,
levando em conta a expectativa de vida, as taxas de mortalidade infantil, a
distribuio de renda e o nvel educacional da populao, classifica o Brasil no
septuagsimo pas do mundo em qualidade de vida (Isto, p.13, de 16 a 22 de maio
de 1993 apud FRIGOTTO, 2010, p.94)
A situao atual das naes de terceiro mundo foi pensada anteriormente por alguns
tericos que tiveram por base o carter predatrio do capital e suas mltiplas facetas.
Especificamente,
[...] os pases da Amrica Latina no seu conjunto, C. Villas (1991) mostra-nos que a
aplicao das polticas neoliberais representaram uma violncia brutal sobre a vida
da maioria dos cidados destas naes. Nas ltimas duas dcadas, evidencia-nos este
autor, o nmero de miserveis absolutos aumentou em 70 milhes. Isto equivale,
aproximadamente, a duas vezes a populao total da Argentina[...]. A realidade
econmico-social que se est produzindo na Amrica Latina torna uma das teses
bsicas da doutrina neoliberal de Hayek que a desigualdade fundamental para a
eficincia e produtividade capitalista uma lastimvel profecia que vem se
realizando (FRIGOTTO, 2010, p.95).
Observando essa reflexo e o contexto atual de desenvolvimento do capital, baseado
na reestruturao produtiva e ajustes neoliberais, verifica-se interferncia direta na poltica
educacional, em especial nos pases em desenvolvimento, onde a cada momento os mesmos
so colocados na agenda internacional apenas como forma de satisfazer os interesses
hegemnicos dos pases desenvolvidos.
Parafraseando Antunes (2011, p 40):
O neoliberalismo passou a ditar o iderio e o programa a serem implementados
pelos pases capitalistas, inicialmente no centro e logo depois nos pases
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subordinados, contemplando reestruturao produtiva, privatizao acelerada,
enxugamento do Estado, polticas fiscais e monetrias, sintonizadas com os
organismos mundiais de hegemonia do capital como fundo monetrio internacional.
O discurso e as propostas neoliberais de ajuste aos pases de terceiro mundo no se
apresentam como algo que resulte no aumento da desigualdade social e na acentuao de
problemas crnicos, alis, exposto como soluo aos problemas existentes e como detentor
das condies necessrias para o desenvolvimento com equidade. Porm, isso no passa de
mera iluso, pois o impacto das polticas, em suma, est cada vez mais distante da realidade
justa que se almeja.
[...] De fato, os estudos recentes demonstram que o desempenho dos pases latino-
americanos que aplicaram ou aplicam programas de ajuste estrutural e setorial
financiado pelo Banco Mundial, foi no sentido contrrio das promessas formuladas
por esses organismos e pelos governos que a efetivaram. Na Amrica Latina, e ao
longo da dcada de oitenta, esses pases foram: Argentina, Brasil, Bolvia,
Colmbia, Costa Rica, Repblica Dominicana, Equador, Guatemala, Haiti, Guiana,
Honduras, Jamaica, Mxico, Panam, Uruguai e Venezuela [...] (GENTILLI, 1998,
p. 33).
No caso especial do Brasil, as influncias neoliberais se aprofundam a partir da dcada
de 1990, cujo foco principal foram as fortes ofensivas do capital na minimizao dos direitos
sociais e diminuio de investimento nas polticas sociais, haja vista que os objetivos do
neoliberalismo so que o Estado diminua os gastos com direitos sociais, procure zelar das
fronteiras nacionais, bem como garantir que o mercado caminhe livremente ou de forma
transnacional.
O Brasil possui diversas formas de riquezas, o crescimento econmico notrio e
significativo, porm a riqueza se encontra nas mos da minoria pertencente classe burguesa,
enquanto que do lado oposto se acumula misria.
A interpretao meritocrtica do neo-economicismo baseia-se na necessidade de
destruir a lgica dos direitos que garantem a conquista da cidadania e a imposio de
uma lgica mercantil segundo a qual os indivduos realizam-se a si mesmos, precisa
esfora-se, trabalhar e competir para ser um consumidor racional, responsvel e
empreendedor (GENTILLI, 1998, p. 114).
No mbito da Poltica de Educao, o neoliberalismo se manifesta de diversas formas.
Gentilli (1998) pontua que possvel defender a tese de que existe tambm um Consenso de
Washington no campo das polticas educacionais (p.15). A afirmativa de Gentilli leva em
considerao que o Consenso de Washington o principal documento norteador da poltica
neoliberal na atualidade e analisando as reformas e as configuraes das polticas
educacionais, notrio que
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[...] Tal regularidade verifica-se na expanso de um mesmo ncleo de diagnsticos,
propostas e argumentos oficiais acerca da crise educacional e de suas supostas
sadas, assim como na circulao e no impacto (direto e indireto) que documentos e
recomendaes do Banco Mundial e do FMI tm na definio das polticas
pblicas destinadas a esse setor. Um novo senso comum tecnocrtico tambm
penetrou capilarmente nos Ministrios da Educao, orientando diagnsticos e as
decises polticas dos administradores do sistema escolar. A regularidade e a
semelhana entre as polticas educacionais desenvolvidas nos diferentes pases da
regio, para alm e contra as diferenas especficas de cada caso nacional, passou a
ser uma das caractersticas mais destacadas das reformas escolares implementada
durante os ltimos quinze anos (GENTILLI, 1998. p. 15-16).
Gentilli (1998) realiza tais afirmaes e apresenta algumas caractersticas da influncia
do Consenso de Washington na poltica neoliberal e nas polticas educacionais dos pases da
Amrica Latina.
[...] os sistemas educacionais latino-americanos cresceram quantitativamente sem
garantir um consequente crescimento qualitativo [...] a crise de produtividade na
escola no sintetiza outra coisa seno a crise do centralismo e da burocratizao
prprias de todo Estado interventor [...] os ndices de excluso e marginalidade
educacional uma expresso clara da falta de eficincia do sistema e no de sua
escassa universalizao [...] a possibilidade de combinar qualidade e quantidade com
critrios igualitrios e universais uma falsa promessa dos estados interventores e
populistas [...] Com os mesmos recursos financeiros, a mesma quantidade de
professores e professoras, de alunos, de escolas e de salas de aula, os governos
neoliberais prometem fazer uma verdadeira revoluo educacional[...]A reforma
administrativa proposta pelo neoliberalismo orienta-se a despublicizar a educao, a
transferi-la para a esfera da competio privada. Reduzida a sua condio de
mercadoria, a educao, s deve ser protegida no por supostos direitos sociais,
mas pelos direitos que asseguram o uso e a disposio da propriedade privada por
parte de seus legtimos proprietrio (p. 17, 18,19 e 20).
No mbito da privatizao, ou melhor, da terceirizao dos servios pblicos,
notrio que as polticas sociais so em sua magnitude afetadas e cooptadas, pois no se trata
de mudar a fonte de financiamento, mas de realizar financiamento para as empresas
capitalistas com recursos pblicos sociais.
A privatizao do fornecimento de atividades educacionais que continuam mantendo
financiamento pblico revela uma dimenso peculiar e pouco estudada da reforma
escolar em curso. Uma dinmica complexa onde se produzem acordos e arranjos
entre aparelho governamental e grupos privados que, usando recursos pblicos,
passam a monopolizar e controlar funes ou atividades que o Estado abandona em
benefcio deles. Semelhante processo vai criando uma serie de mediaes onde o
Estado e os grupos privados que operam no campo educacional se fundem em
confundem. A privatizao em jogo , portanto muito mais complexa e difusa que a
referida nos casos anteriores. Enquanto a transferncia das responsabilidades do
financiamento constitui, de maneira geral, um mecanismo de delegao e abandono
(o Estado se desfaz das suas funes de agente central na subsidiarizao do sistema
escolar, transferindo essas responsabilidades a prpria comunidades ou as
corporaes empresariais), a privatizao do fornecimento torna o Estado um agente
ativo, com capacidade de controle e poder decisrio quase sempre discricionrio e
autoritrio. O governo perde assim de forma clara qualquer pretenso de tornar-se
um genuno espao publico, assumindo a fisionomia de uma verdadeira quadrilha de
depredadores ocultos numa enganosa funo tcnica [...]. (GENTILLI, 1998, p.86-
87).
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O mais interessante que aps angariar recursos pblicos ou prestar servios ao
Estado, boa parte dos empresrios utiliza de tal situao para melhorar o marketing
empresarial e pessoal de suas empresas, porm, por trs do bel discurso existem fortes
interesses empresariais que buscam influenciar o processo educativo, conforme lhes
conveniente:
O argumento do empresrio bom e responsvel. De forma complementar, os
defensores dos sistemas de apadrinhamento, afirmam que, num contexto de
profunda crise econmica, aqueles que tm mais deve ajudar aos que tm
menos. A solidariedade responsvel dos empresrios (individual ou
corporativamente) acaba tornando-se apelo moral que justifica e legitima um
compromisso maior dos homens de negcios com os problemas sociais do pas. Este
argumento foi formulado de forma clara pelo Presidente Fernando Henrique
Cardoso no seu primeiro pronunciamento nacional sobre questes educacionais.
Apelando para que cada um faa sua parte, afirmava o Presidente no dia 07 de
fevereiro de 1995: as pessoas com mais recursos, as empresas grandes e pequenas,
tambm deve pensar no futuro do Brasil, assumindo a manuteno de mais uma
escolas em sua vizinhana (GENTILLI, 1998, p. 82).
No mbito da participao popular e lutas sociais em geral, possvel perceber que
nos dias atuais, isso vem sofrendo fortes foras antidemocrticas e uma constante distoro do
que de fato deve ser participao social. No campo da educao:
Os atores sociais so convidados para um jogo fraudulento. Um bom exemplo
disso a consulta acerca da reforma especificamente pedaggica. De fato, quando a
comunidade educacional convocada a participar, espera-se que concorde de
forma cega com parmetros ou contedos bsicos de um milagroso currculo
nacional, previamente definido por comisses de especialistas locais ou estrangeiros.
Ela convidada a se submeter docilmente s provas de avaliao, cujo objetivo
quantificar a qualidade e o rendimento do sistema e seus agentes, hierarquizando
instituies e pessoas. A participao da comunidade escolar s promovida quando
legitima os sistemas de prmios e castigos destinados a injetar competitividade na
rede educacional; quando a modernizao perifrica imposta as escolas (compra
de antenas parablicas, aparelho de fax e de televiso para prdios, sem energia
eltrica, livros para biblioteca inexistentes, vdeos para videotecas virtuais), etc.
(GENTILLI, 1998, p. 66- 67).
De acordo com Gentilli (1998) o Consenso de Washington na Amrica Latina no fez
mais que aprofundar o carter estruturalmente antidemocrtico dos sistemas educacionais,
alm de agravar ainda mais a falta de recursos materiais, de infraestrutura, deteriorao
salarial, deteriorao da qualidade pela quantidade, de universalizao para seletividade, ou
melhor, sem as mnimas condies para construo e transmisso de saberes. Na verdade, o
que mais se observa apenas reproduo de alguns contedos que em muitos casos no
correspondem realidade.
Dadas essas condies, possvel verificar que os pases que aplicaram ou aplicam o
ajuste estrutural e setorial promovido pelo Banco Mundial no podem demonstrar
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melhorias substantivas na qualidade dos processos pedaggicos, mas que
contrariamente evidenciam um agravamento nas pssimas condies de ensino
aprendizagem nas instituies escolares (GENTILLI, 1998, p.34).
Em suma, possvel observar que depois do dilvio neoliberal, nossas escolas sero
muito piores do que j so agora. No se trata apenas de um problema de qualidade
pedaggica, ainda que tambm o seja. Trata-se de um problema poltico e tico: nossas
escolas sero piores porque sero mais excludentes (Gentilli, 1998, p. 35). Porm, o nosso
olhar no deve ser fatalstico, mas coerente e consciente de todo processo histrico, pois
atravs deste possvel perceber que:
O triunfo do neoliberalismo no ser eterno; nunca foi nenhum projeto hegemnico.
Porm as contradies do sistema no resolvero por si ss e de forma redentora a
crise do capitalismo. Hoje precisamos de novas armas de luta. O pessimismo radical
da inteligncia pode ser uma delas. Simplesmente para no sermos derrotados pelo
pragmatismo e pela complacncia irresponsvel; para manter intacto o oti