Eloise Damazio

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MULTICULTURALISMO VERSUS INTERCULTURALISMO

Multiculturalismo versus Interculturalismo:por uma proposta intercultural do DireitoEloise da Silveira Petter Damzio1

ResumoO pre se nte artigo p ro pe uma a bo rda ge m sob re os c on ceito s de multic ulturalismo e interculturalismo e procura demonstrar como essa anlise contribui com novas perspectivas pa ra o mu ndo da Cinc ia Jurdica . Com rela o ao mu ltic ulturalismo, exp lora su as diversas concepes e destaca algumas das crticas que lhe so dirigidas, principalmente na sua ve rso liberal. Em s eguida, cons idera o inte rcultura lismo co mo u ma p ropo sta qu e supera o horizonte do multiculturalismo. Para tanto, examina a proposta da Filosofia e do dilogo intercultural a partir do pensamento filosfico de Ral Fornet-Betancourt. O trabalho demonstra a relevncia da perspectiva intercultural para o Direito, pois esta significa no somente uma ferramenta que possibilita a crtica da racionalidade moderna, mas tambm representa uma alternativa para analisar diferentes manifestaes da juridicidade. Palav ra s-ch av e: Multic ultu ra lismo . Intercu ltu ra lismo . Di log o interc ultu ra l. F ilo so fia intercultural. Abstract Th e prese nt p ape r prop ose s an app ro ach abo ut the c on cep ts o f multic ulturalism an d interculturalism, aims to describe how this analysis contribute with new perspectives to the world of the Legal Science. With respect to multiculturalism, explores its various conceptions and highlights some of the criticisms that are directed, especially in its liberal version. After, considers the interculturalism as a proposal that exceeds the horizon of multiculturalism. Thu s, exa mine the p rop osa l of the ph ilo sop hy an d th e interc ultura l dialo gue from th e philosophical thought of the Ral Fornet-Betancourt. The paper demonstrates the relevance of the intercultural perspective to the Law, because this means not only a tool that enables criticism of the modern rationality, but also represents an alternative to examine different manifestations of the legal. Keywords: Multiculturalism. Interculturalism. Intercultural dialogue. Intercultural philosophy.

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Doutoranda no curso de Ps-Graduao em Direito da UFSC. [email protected]

DESENVOLVIMENTO EM QUESTO Editora Uniju ano 6 n. 12 jul./dez. 2008 Desenvolvi mento em Questo

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Os intercmbios culturais transitam em diferentes espaos, desde o campo da informao at as migraes e lutas das minorias. Tais intercmbios conduzem a uma srie de questionamentos relacionados aos outros e s diferenas. Surgem teorias que procuram discutir e pensar a cultura a partir da incluso multicultural ou da transformao das culturas por processos de dilogo e interao. Visando a utilizar novas narrativas que incluam distintas abordagens culturais, desenvolvem-se teoricamente no campo das Cincias Humanas e Sociais, conceitos como multiculturalismo (multicultural, multiculturalidade) e interculturalismo (intercultural e interculturalidade). A grande questo, no entanto, se tais conceitos esto previamente dispostos na lgica cultural do capitalismo multinacional ou podem oferecer alternativas tericas e prticas de convivncia entre culturas. Da surgem outros questionamentos: Qual a diferena entres estas terminologias? Qual delas a mais adequada como projeto cultural e poltico? Podem tais conceitos abrir caminho para um dilogo entre distintos grupos humanos sobre as diversas concepes de Direito presentes em cada cultura? Para tentar iniciar uma possvel resposta sobre a problemtica apresentada preciso fazer alguns esclarecimentos iniciais sobre o emprego do termo cultura, destacando suas vrias definies e de que forma tornou-se um conceito estratgico no mundo contemporneo. Nesse sentido, o presente trabalho pauta-se na necessidade de compreenso do conceito de multiculturalismo em suas diversas formas. Conclui-se que o interculturalismo representa um avano diante das crticas dirigidas proposta multicultural, principalmente em sua verso liberal. Feita a diferenciao entre multiculturalismo e interculturalismo, examina-se a noo de interculturalidade. Para tanto a proposta de FornetBetancourt de suma importncia, principalmente no que tange ao estu64

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do da Filosofia e do dilogo intercultural. Representa a abertura de nossos recursos hermenuticos, epistemolgicos e metodolgicos, introduzindo um processo dialgico com outras formas de vida e tambm de pensamento. Como apreciao final ressalta-se a urgncia e atualidade dessa temtica no campo jurdico, no s com relao ao debate acadmico, mas tambm para uma leitura desconstrutiva da viso tradicional e moderna do Direito. Com isso abre-se o espao para captar as alternativas contra-hegemnicas de outras experincias jurdicas que emergem das relaes interculturais.

CulturaO termo germnico kultur, desde o final do sculo 18, referia-se aos aspectos espirituais de uma comunidade. A palavra civilization dizia respeito s realizaes materiais de um povo. O antroplogo Edward Tylor (1832-1917) sintetizou tais termos no vocbulo ingls culture. Desta forma a conceito de cultura passou a abranger em uma s palavra todas as possibilidades de realizao humana, alm de marcar fortemente o carter de aprendizado da cultura em oposio idia de aquisio inata, transmitida por mecanismos biolgicos. (Laraia, 1986, p. 25).Ao longo dos anos o termo cultura foi se modificando e somente a partir do surgimento do vocbulo ingls culture que foi estabelecida sua acepo complexa, que abrange conhecimentos, crenas, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra habilidade ou tradio adquiridos pelo homem, tal como a vemos hoje (Machado, 2002, p. 18).

Santos e Nunes (2003, p. 27) consideram que existem duas conce p es d e cul tu ra. A pri m ei ra e st a sso ci a da ao s sab eres institucionalizados pelo Ocidente. definida como o melhor que a humanidade produziu, baseia-se em critrios de valor, estticos, morais 65

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ou cognitivos que, definindo-se a si prprios como universais, suprimem a diferena cultural ou a especificidade histrica dos objetos que classificam. A segunda concepo, citada pelos autores, define a cultura como totalidades complexas. Esta definio proporciona o estabelecimento de distines entre diversas culturas que podem ser consideradas seja como diferentes e incomensurveis, julgadas segundo padres relativistas, seja como exemplares de estgios numa escala evolutiva que conduz do elementar ou simples ao complexo e do primitivo ao civilizado. At meados do sculo 20, a Antropologia, como disciplina, adota diferentes variantes desta concepo (Santos; Nunes, 2003, p. 27). Foi possvel, por meio destes dois modos de definir a cultura, estabelecer uma distino entre as sociedades modernas, as estruturalmente diferenciadas que tm cultura e as outras sociedades pr-modernas ou orientais que so culturas. Por intermdio de instituies como as universidades, o ensino obrigatrio, os museus e outras organizaes, estes modos de cultura foram consagrados e reproduzidos. Tambm foram exportados para os territrios coloniais ou para os novos pases emergentes dos processos de descolonizao, reproduzindo nesses contextos concepes eurocntricas de universalidade e de diversidade (p. 23). Com o perodo ps-colonial e com os processos de globalizao, contudo, as desigual dades tanto no Norte como no Sul foram aprofundadas, ocorreu uma mobilidade crescente das populaes do Sul para o Norte, bem como a diversificao tnica das populaes residentes nos pases do Norte. Como conseqncia a distino entre os dois tipos de sociedades (as que tm cultura e as que so cultura) ficou cada vez mais difcil de ser sustentada (p. 28). Em vista disso, a partir da dcada de 80, tanto as questes das humanidades quanto as das Cincias Sociais convergiram no domnio transdisciplinar dos estudos culturais para pensar a cultura como um fenmeno associado diferenciao e hierarquizao, no quadro de socie66

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dades nacionais, de contextos locais ou de espaos transnacionais. Dessa forma a cultura tornou-se um conceito estratgico central para a definio de identidades e de alteridades no mundo contemporneo, um recurso para a afirmao da diferena e da exigncia do seu reconhecimento e um campo de lutas e de contradies (p. 28). Ao se tornar um conceito estratgico, vrios ismos passaram a derivar do conceito de cultura e a ser amplamente empregados e debatidos na contemporaneidade, como multiculturalismo e interculturalismo, entre outros.

Contexto Histrico e Conceituao do MulticulturalismoUm dos pases pioneiros a assumir o multiculturalismo foi o Canad. Foram criadas naquele pas agncias estatais especficas visando a resolver os conflitos derivados das diferenas culturais. Em 1971 o Canad adotou a poltica oficial do multiculturalismo. Esta, na realidade, representava uma poltica de apoio polietnicidade dentro das instituies nacionais. Desde 1980 o governo canadense vem acentuando o multiculturalismo como uma forma anti-discriminatoria da gesto das relaes raciais (Vallescar Palanca, 2000, p. 123). Nos Estados Unidos o debate difundiu-se nas universidades a partir dos anos 80, como resultado do fracasso do modelo de integrao social das diferenas. Tal debate alcanou as demandas dos grupos socialmente marginalizados e excludos, os homossexuais, as lsbicas, as mulheres das classes trabalhadoras, os comunistas, os imigrantes, os negros, etc. (p. 123). Semprini (1999, p. 8), ao discorrer sobre a problemtica do multiculturalismo nos Estados Unidos, afirma que o debate multicultural levanta questes tericas complexas e contraditrias, como o papel da 67

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linguagem, a construo do sujeito, a teoria da identidade e a concepo da re al i da de e d o co nh eci m ento . Al m di sso, afi rma que o multiculturalismo encarna a profunda mutao atualmente em curso nas sociedades ps-industriais. Nesse sentido, o multiculturalismo surge como um indicador da crise do projeto de modernidade.No se trata de enterrar ou salvar a modernidade em si, mas avaliar se suas categorias esto ainda em condies de compreender as mutaes em curso nas sociedades contemporneas, de explicar os problemas antigos e novos que as entrecortam e de dar uma resposta s perguntas da sociedade que mudaram de natureza e modalidade de expresso (p. 172).

No atual contexto cabe destacar duas correntes de intelectuais relacionadas ao multiculturalismo, os comunitaristas e os liberais. Tanto os autores do multiculturalismo liberal como os do multiculturalismo comunitarista enfatizam a importncia do pertencimento cultural e da necessidade de que o Estado busque preservar e estimular os vnculos entre os indivduos e seus grupos culturais. No obstante, utilizam argumentos distintos, em certo sentido contrrios, para defender tais princpios. Para os multiculturalistas liberais as diferenas culturais no tm valor intrnseco. As tradies so apenas valorizadas por que trazem referncias importantes para as escolhas individuais. Entre os autores que fazem parte desta corrente pode-se destacar Joseph Raz e Will Kymlicka, entre outros (Costa; Lavalle, 2006, p. 247-279). De forma geral, os comunitaristas defendem uma precedncia ontolgica da comunidade cultural com relao ao indivduo. Segundo tal concepo, os valores e fins reconhecidos e perseguidos por indivduos somente podem ser compreendidos adequadamente quando so tratados como produto do contexto cultural no qual esto inseridos. Taylor (1991, p. 62) critica o modelo do multiculturalismo liberal individualista assinalando que o liberalismo no um campo neutro de encontro para todas as culturas, mas a expresso poltica de um s tipo de 68

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culturas e incompatvel com as demais. Assim como todos devem ter iguais direitos civis, sem importar sua raa ou cultura, do mesmo modo todos deveriam gozar da presuno de que sua cultura tradicional valiosa (p. 68). Os partidrios do multiculturalismo comunitarista sustentam, portanto, que a avaliao das culturas deve ocorrer sempre sob os prprios padres de cada uma delas. Nesse sentido, para Walzer (1999, p. 144)O multiculturalismo como ideologia um programa que visa a uma maior igualdade econmica e social. Nenhum regime de tolerncia funcionar por muito tempo numa sociedade imigrante, pluralista, moderna e ps-moderna, sem a combinao destas duas atitudes: uma defesa das diferenas grupais e um ataque contra as diferenas de classe.

Com relao Europa, a partir dos anos 80, emerge o debate acadmico do multiculturalismo, importado dos Estados Unidos. Este alcanou grande desenvolvimento na Alemanha, vinculado com as temticas da migrao, a natureza da cidadania e a nacionalidade (Vallescar Palanca, 2000, p. 125). A temtica do multiculturalismo, na Amrica Latina, est presente no debate entre comunitaristas e liberais, porm a partir da periferia. Tal discurso nasce relacionado necessidade da afirmao de uma sociedade democrtica e igualitria (p. 125). N o qu e di z respe i to a sua te rmi no l og ia , o c on cei to multiculturalismo polissmico e sujeito a diversos campos de fora poltica.Multicultural um termo qualificativo. Descreve as caractersticas sociais e os problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma vida em comum, ao mesmo tempo em que retm algo de sua iden-

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tidade original. Em contrapartida, o termo multiculturalismo substantivo. Refere-se s estratgias e polticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais (Hall, 2003, p. 52).

O multiculturalismo, segundo Hall (p. 52), no uma nica doutrina, no caracteriza uma estratgia poltica e no representa um estado de coisas j alcanado. O multiculturalismo descreve uma srie de processos e estratgias polticas sempre inacabados. Assim como h distintas sociedades multiculturais, assim tambm h multiculturalismos bastante diversos. Para Santos e Nunes (2003, p. 28), o multiculturalismo aponta simultaneamente ou alternativamente para uma descrio e para um projeto. Como descrio pode referir-se existncia de uma multiplicidade de culturas no mundo, co-existncia de culturas diversas no espao de um mesmo Estado-nao e existncia de culturas que se interinfluenciam tanto dentro como para alm do Estado-nao. Como projeto, refere-se a um projeto poltico de celebrao ou reconhecimento dessas diferenas. Im porta nte di fere nci a r so ci e dad e mul ti c ul tura l de multiculturalismo. Rosas (2007, p. 2) argumenta que a sociedade multicultural uma realidade, ao passo que o multiculturalismo apenas um modelo ou um conjunto de modelos. O multiculturalismo visa interpretar aquilo que entendemos por sociedade multicultural e, ao mesmo tempo, dizer o que devemos fazer, de um ponto de vista poltico, em relao a ela. A sociedade multicultural um conceito descritivo, j o multiculturalismo um modelo normativo. Segundo Rosas (p. 2-3), na literatura contempornea sobre a multiculturalidade parece que h pelo menos trs acepes diferentes para o conceito de sociedade multicultural. A primeira concepo refere-se existncia de diversas naes histricas, com uma lngua prpria e uma histria distinta, na mesma comunidade poltica. A segunda acepo 70

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diz respeito existncia de diversas comunidades tnicas geradas pela imigrao voluntria ou forada. Uma comunidade tnica seria marcada pela diferena em termos de lngua e/ou religio e/ou usos e costumes. A terceira acepo de sociedade multicultural aquela que expande o conceito de cultura at faz-lo coincidir com minorias nacionais, imigrantes, sexuais e outras. 2 Outra diferenciao importante que pode ser considerada entre pluralismo e multiculturalismo. Geralmente o pluralismo encarado como una categoria geral da sociedade democrtica (pluralismo social, poltico, jurdico, etc) e o multiculturalismo como um componente necessrio e, portanto, complementar (Romero, 2003, p. 11-20). Vale destacar que a perspectiva jurdico-poltica tambm est presente de maneira decisiva no debate acerca do multiculturalismo. Entre suas categorias-chave podemos citar: pluralismo cultural, democracia, poltica da identidade, cidadania, Estado-nao, direitos do cidado e direitos do homem, novos movimentos sociais. Suas temticas predominantes envolvem o debate entre comunitaristas e liberais, as leis sobre os estrangeiros e as polticas exteriores das naes (Vallescar Palanca, 2000, p. 26-27).

Formas de MulticulturalismoHall (2003, p. 53) identifica vrias concepes diferentes de multiculturalismo na atualidade: o conservador, o liberal, o comercial, o corporativo e o crtico.2

Esta interpretao da multiculturalidade muitas vezes associada ao pensamento da filsofa americana Iris Marion Young. Young estabelece uma isomorfia entre as diferentes minorias na sociedade americana ndios, afro-americanos, judeus, hispnicos, homossexuais e mesmo um grupo que de todo no pode ser considerado uma minoria: o das mulheres Os diferentes grupos mencionados so vistos como vtimas histricas de opresso por parte da sociedade majoritria. Essa opresso exercida sob diversas formas: explorao econmica, marginalizao, reduo impotncia, imperialismo cultural e violncia. Para Young, a sociedade multicultural ser aquela que reconhece a existncia destes diferentes grupos e que aceita as suas diferenas e as suas vozes distintas (Rosas, 2007) Para maiores informaes ver: Young (2000).

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O multiculturalismo conservador insiste na assimilao da diferena s tradies e costumes da maioria. O liberal busca integrar os diferentes grupos culturais sociedade majoritria, baseado em uma cidadania individual universal, tolerando certas prticas culturais particularistas apenas no domnio privado (p. 53) O multiculturalismo comercial pressupe que, se a diversidade dos indivduos de distintas comunidades for publicamente reconhecida, ento os problemas de diferena cultural sero resolvidos (e dissolvidos) no conjunto privado, sem qualquer necessidade de redistribuio do poder e dos recursos. J o multiculturalismo corporativo (pblico ou privado) busca administrar as diferenas culturais da minoria, visando aos interesses do centro. E, por fim, o multiculturalismo crtico enfoca o poder, o privilgio, a hierarquia das opresses e os movimentos de resistncia (p. 53). M cLaren (1997, p. 110-135), tambm disti ngue di versos multiculturalismos: o conservador, o humanista liberal, o liberal de esquerda e o multiculturalismo crtico. O multi culturalismo conservador refere-se a uma postura etnocntrica, que deslegitima culturas consideradas inferiores (p. 111119). O humanista liberal defende a igualdade entre as pessoas, no entanto os liberais compartilham com os conservadores uma postura universalista, caracterizando-se por uma tentativa de integrao dos grupos culturais no padro, amparado numa cidadania individual universal (p. 119-120). Para o multiculturalismo liberal de esquerda as diferenas so enfatizadas de modo essencialista, ao invs de destacar que estas so construes histricas e culturais, permeadas por relaes de poder (p. 120-122). O multiculturalismo crtico recusa-se a ver a cultura como no-conflitiva, argumentando que a diversidade deve ser afirmada dentro de uma poltica de crtica e compromisso com a justia social (p. 123-135). 72

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Segundo Santos (2003, p. 11) fundamental que se distinga entre as formas conservadoras ou reacionrias do multiculturalismo e as formas progressistas e inovadoras. A primeira forma de multiculturalismo conservador o colonial. O multiculturalismo conservador aquele que consiste, num primeiro momento, em admitir a existncia de outras culturas apenas como inferiores. Afirma que a cultura eurocntrica branca nunca tnica tnicos so os no brancos, em princpio, e, portanto, no admite a etnicidade, o particularismo da cultura branca dominante. Para o multiculturalismo conservador a cultura eurocntrica contm tudo o que melhor foi dito ou pensado no mundo. uma cultura universal [...] resume em si mesma tudo o que melhor foi dito ou pensado no mundo em geral. A conseqncia poltica deste multiculturalismo o assimilacionismo (Santos, 2003, p. 11). O conceito liberal de multiculturalismo, nas palavras de Santos (p. 15), tem diferentes conotaes nos diferentes pases. O autor afirma a existncia de posies intermdias.Embora elas tenham diferentes nomes, em diferentes composies moderadas, assumem efetivamente a idia de igualdade, como a igualdade de oportunidades e, portanto, idia um pouco abstrata e iluminista no sentido de que todas as culturas so iguais e como tais devem ser tratadas.

Com relao s formas progressistas e inovadoras, o autor destaca o multiculturalismo emancipatrio, ou seja, de um multiculturalismo ps-colonial. A poltica da diferena o que ele tem de novo em relao s lutas da modernidade ocidental do sculo 20, lutas progressistas, operrias e outras que assentaram muito no princpio da igualdade (p. 12). 73

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Crticas ao MulticulturalismoInmeras so as crticas ao multiculturalismo, principalmente na sua verso liberal. Selecionamos aqui algumas delas. A primeira crtica que o multiculturalismo um conceito eurocntrico.[...] criado para descrever a diversidade cultural no quadro dos Estados-nao do hemisfrio Norte e para lidar com a situao resultante do afluxo de imigrantes vindos do Sul num espao europeu sem fronteiras internas, da diversidade tnica e afirmao identitria das minorias nos EUA e dos problemas especficos de pases como o Canad, com comunidades lingsticas ou tnicas territorialmente diferenciadas. Trata-se de um conceito que o Norte procura impor aos pases do Sul como modo de definir a condio histrica e identidade destes (Santos; Nunes, 2003, p. 30).

O multiculturalismo tambm acusado de fazer parte da lgica cultural do capitalismo multinacional e por consistir em uma nova forma de racismo (p. 30). Para Zizek (2003, p. 157), o racismo ps-moderno contemporneo o sintoma do capitalismo tardio multiculturalista. Assim a tolerncia liberal tolera o outro folclrico, privado de sua substncia, por exemplo, a multiplicidade de comidas tnicas em uma megalpolis contempornea, porm denuncia a qualquer outro real por seu fundamentalismo. O outro real por definio patriarcal, violento, jamais o outro da sabedoria etrea e dos costumes encantadores. Zizek (p. 173) afirma que no multiculturalismo existe uma distncia eurocentrista condescendente e/ou respeitosa para com as culturas locais, entretanto no fixa razes em nenhuma cultura em particular. Ou seja, o multiculturalismo uma forma de racismo negada, invertida, um racismo a distncia: respeita a identidade do outro, mas concebe a este como uma comunidade autntica, fechada. O multiculturalista se man74

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tm a distncia, graas a sua posio universal privilegiada. Assim sendo, o respeito multiculturalista pela especificidade do outro precisamente uma forma de reafirmar a prpria superioridade. Outra crtica refere-se ao multiculturalismo como descritivo e apoltico, suprimindo o problema das relaes de poder, da explorao, das desigualdades e excluses. O recurso central noo de tolerncia no exige um envolvimento ativo com os outros e refora o sentimento de superioridade de quem fala de um autodesignado lugar de universalidade (Santos; Nunes, 2003, p. 31). Afirma-se que a partir dos projetos multiculturais os povos so reconhecidos apenas enquanto subordinados hegemonia do Estadonao, sua existncia coletiva e direitos coletivos so reconhecidos somente enquanto forem compatveis com as noes de soberania, direitos e, em especial, direitos de propriedade (p. 31). H tambm os que questionam o multicul turali smo por este enfatizar a mobilidade dos intelectuais e ao mesmo tempo silenciar quanto a situaes de mobil idade forada ou subordi nada (refugi ados, trabalhadores migrantes, migrantes regressados) ou dos que, no sendo mveis, so sujeitos aos efeitos e conseqncias das dinmicas culturais, econmicas e polticas translocais (Santos; Nunes, 2003, p. 31). Por fim, critica-se a prpria pertinncia do termo para descrever e caracterizar contextos e experincias diferenciados: existem formas de viso e de diviso do mundo distintas, para as quais a noo de cultura ou a diviso entre o cultural, o econmico, o social ou o poltico no relevante. Esta ltima crtica diz respeito aos problemas estratgicos do emprego de conceitos hegemnicos (p. 31).

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Diferenciao entre Multiculturalismo e InterculturalismoA proposta intercultural surge, principalmente, a partir do vazio deixado pelo multiculturalismo. Visa superao do horizonte da tolerncia e das diferenas culturais e a transformao das culturas por processos de interao. Na Europa o interculturalismo est relacionado com os imigrantes do terceiro mundo. A proposta de assuno do interculturalismo pela sociedade se d na forma de comunicao intercultural, como uma nova aprendizagem democrtica entre os diversos grupos culturais (Godenzzi, 2005, p. 4-10). Na Amrica Latina o interculturalismo diz respeito aos distintos povos e comunidades que so partes constitutivas de cada nao. Para Godenzzi (p. 6-7), a interculturalidade, surgida das reivindicaes dos povos indgenas, foi uma resposta crtica diante dos problemas e conflitos do mundo atual. Soriano (2004, p. 91) considera que o interculturalismo remete a uma coexistncia das culturas em um plano de igualdade. Muitos autores empregam o mesmo significado para denominar o multiculturalismo. O autor acredita, contudo, que o mais apropriado utilizar o termo multiculturalismo para a constatao emprica da coexistncia das culturas, enquanto que o interculturalismo tem uma pretenso normativa ou prescritiva e diz respeito exigncia de um tratamento igualitrio dispensvel s culturas. O interculturalismo atua em conformidade com os conceitos garantistas dos direitos das culturas, criticando o imperialismo jurdico e propondo uma alternativa entre o liberalismo e o comunitarismo (p. 149). A noo de interculturalidade, por diferentes razes, foi identificada com multiculturalidade, entretanto as posies tericas atuais na Amrica Latina permitem uma distino entre ambas. A interculturalidade, dife76

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rentemente da multiculturalidade, no simplesmente duas culturas que se mesclam ou que se integram. A interculturalidade alude a um tipo de sociedade em que as comunidades tnicas, os grupos sociais se reconhecem em suas diferenas e buscam uma mtua compreenso e valorizao. O prefixo inter expressaria uma interao positiva que concretamente se expressa na busca da supresso das barreiras entre os povos, as comunidades tnicas e os grupos humanos (Astrain, 2003, p. 327). P ara Pa ni kkar (apud Val l escar P al anca, 2 000, p. 266) a interculturalidade no se confunde com o multiculturalismo, pois este se refere sndrome ocidental que consiste em acreditar que existe uma supercultura, superior a todas, capaz de oferecer uma benigna e condescendente hospitalidade e dar uma resposta aos problemas supostamente universais. J a interculturalidade pergunta-se sobre quais so estes problemas presumidamente universais. Caracteriza-se pela exigncia de abertura ao outro, uma vez que a problematicidade das perguntas algo que no se pode resolver solitariamente. Fornet-Betancourt tambm alerta que o termo interculturalidade no deve ser confundido com multiculturalismo. O multiculturalismo descreve a realidade ftica da presena de vrias culturas no seio de uma mesma sociedade, designa uma estratgia poltica liberal que visa a manter a assimetria do poder entre as culturas, posto que defende o respeito s diferenas culturais, mas no coloca em questo o marco estabelecido pela ordem cultural hegemnica. Sendo assim, o respeito e a tolerncia, to difundidos pela retrica do multiculturalismo, esto fortemente limitados por uma ideologia semicolonialista que consagra a cultura ocidental dominante como uma espcie de metacultura que benevolamente concede alguns espaos a outras. A interculturalidade, pelo contrrio, aponta para a comunicao e a interao entre as culturas, buscando uma qualidade interativa das relaes das culturas entre si e no uma mera coexistncia ftica entre distintas culturas em um mesmo espao (Fornet-Betancourt, 2008). 77

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A interculturalidade orienta processos que tm por base o reconhecimento do direito diferena e a luta contra todas as formas de discriminao e desigualdade social. Tenta promover relaes dialgicas e igualitrias entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes, trabalhando os conflitos inerentes a esta realidade. No ignora as relaes de poder presentes nas relaes sociais e interpessoais. Reconhece e assume os conflitos, procurando as estratgias mais adequadas para enfrent-los (Candau, 2005, p. 19). A tarefa de compreender e aprofundar o conceito e as implicaes do significado de interculturalismo, bem como a sua urgncia no cenrio contemporneo, remete s noes de Filosofia intercultural e dilogo intercultural.

Filosofia Intercultural e Dilogo InterculturalA Filosofia, diz Fornet-Betancourt, uma pluralidade de formas de pensar e fazer. No existe uma nica Filosofia que seja vlida, acreditar nisso seria adotar uma posio etnocntrica. A Filosofia uma atividade que surge e se desenvolve em muitos lugares. J a interculturalidade implica a relao com o outro de uma maneira envolvente e no apenas limitada pela comunicao racional por meio de conceitos (FornetBetancourt, 2007, p. 254-255). Unindo Filosofia e interculturalidade, a Filosofia intercultural representa uma nova figura da Filosofia, desmonopolizada, liberada do monoplio dos administradores do pensar. nova porque brota do indito. Trata-se de criar, a partir das potencialidades filosficas que se vo historicizando num ponto de convergncia comum, quer dizer, no dominado nem colonizado culturalmente por nenhuma tradio cultural (Fornet-Betancourt, 1994, p. 10). 78

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Superar os esquemas da Filosofia comparada um dos objetivos da Filosofia intercultural, pois se trata de um processo polifnico do qual se consegue a sintonia e a harmonia das diversas vozes pelo contnuo contraste com o outro e o constante aprender de suas cosmovises e experincias histricas. Impe a renncia da tendncia de absolutizar ou de sacralizar o prprio, buscando, pelo contrrio, o hbito de contrastar. Faz com que renunciemos ao mtodo e postura hermenutica reducionista. Isto significa que a Filosofia intercultural no opera com um nico modelo terico que sirva de paradigma interpretativo, mas descentraliza a reflexo filosfica do possvel centro predominante (p. 10). A Filosofia intercultural procura abrir um espao compartilhado e interdiscursivo de onde se faa possvel a compreenso cabal da questo da identidade de uma Filosofia e a identidade cultural de uma comunidade humana. Busca a universalidade desligada da figura da unidade que, como mostra a Histria, resulta facilmente manipulvel por determinadas culturas (p. 11). Em relao abordagem metodolgica, a Filosofia intercultural no privilegia a priori nenhum sistema conceitual, tradio, no tem uma lngua materna, tampouco trata as filosofias e culturas no mbito terico. Com relao comunicao, pode ser entendida como um caminho para o pensamento e a vida (Vallescar Palanca, 2000, p. 196). Ou se ja, a Fi l osofi a i ntercul tura l i mpl ica di la tar nosso s rec ursos hermenuticos, epistemolgicos e metodolgicos, introduzindo um processo dialgico com outras formas de vida e tambm de pensamento. Trata-se de uma Filosofia que se articula a partir dos dilogos entre culturas (Fornet-Betancourt, 1994, p. 38-39). Pertinente a diferenciao feita por Dussel (2004, p. 146-147) entre dilogo multicultural e dilogo intercultural. O primeiro exige a aceitao de certos princpios procedimentais ocidentais que devem ser acatados por todos os membros da comunidade, permitindo ao mesmo tempo a diversidade valorativa cultural (ou religiosa). Politicamente isto 79

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significa aceitar o Estado liberal multicultural, sem questionar que sua estrutura, tal como se institucionaliza no presente, a expresso da cultura ocidental e restringe a possibilidade de sobrevivncia de todas as demais culturas. O dilogo intercultural, diferentemente, deve ser transversal, isto , deve partir de outro lugar, alm do mero dilogo entre os eruditos do mundo acadmico ou institucionalmente dominante. Para Panikkar (2006, p. 130), o dilogo intercultural o imperativo de nosso tempo. O autor denomina de dilogo dialogal o mtodo da Filosofia intercultural. Tal mtodo no pressupe unilateralmente as regras do dilogo. Tampouco visa a convencer o outro e derrot-lo dialeticamente, posto que seu campo no a luta entre idias, mas o gora3 espiritual do encontro entre seres falantes (Vallescar Palanca, 2000, p. 267). Fornet-Betancourt (1994, p. 19) considera o dilogo intercultural como[...] a nica alternativa que promete nos conduzir superao efetiva de formas de pensar que, de uma ou outra maneira, resistem ao processo da argumentao aberta, ao condensar-se em posies dogmticas, determinadas somente a partir de uma perspectiva monocultural. Resumindo: o dilogo intercultural nos parece ser hoje a alternativa histrica para empreendermos a transformao dos modos de pensar vigentes.

Assim considerado, o dilogo intercultural o desafio que devemos assumir, buscando a superao do discurso filosfico da modernidade ocidental, ideolgico e colonizador, que nega a alteridade, impe o monologismo e no procura a dialogicidade (Mrquez-Fernndez; De Los Rios, 2001, p. 279).

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Praa principal na constituio da plis.

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Interculturalismo e DireitoO Direito uma rea de difcil acesso para o interculturalismo. Grande parte dos juristas ainda acredita que o nico Direito vlido o Direito ocidental. Tanto o Direito como o Estado, por estarem vinculados tradio moderna, associados razo, so considerados como solues universais que devem ser aplicadas em toda parte. As leis do direito so, dessa forma, abordadas como leis naturais ou as leis da natureza (Eberhard, 2004, p. 169). Ou seja, confundem uma forma de direito com O Direito. O Estado e seu sistema jurdico no podem ser considerados como nicos nem como a melhor garantia da ordem social, contrariamente opinio largamente difundida nos meios jurdicos. O costume precede ao Estado de Direito moderno, e persiste como tal onde este no conseguiu ainda elimin-lo. Quando no eliminado, entretanto, apenas sobrevive como subsidirio ao Direito oficial. Esse processo ocorreu primeiro na Europa, entre os sculos 16 e 19, depois foi exportado progressivamente para todos os pases colonizados, continuando nos Estados pscoloniais (Coll; Vachon, 2005, p. 11-12). Soriano (2004, p. 116-117) chama de imperialismo jurdico a frmula de imposio de um direito em substituio aos direitos das culturas e minorias. O imperialista pe seu direito no lugar dos direitos dos povos dominados, os tolera na medida que no prejudiquem seu interesse. Para o autor esta tem sido a atitude dos colonizadores, no s no passado, mas tambm na atualidade. A ausncia de um Estado de Direito no implica automaticamente a anarquia social, na medida em que o costume articula e regula as relaes sociais. Alm disso, o Estado de Direito pode ser um grande destruidor da ordem social, mesmo quando seus princpios ideais sejam os da democracia e da justia. Da mesma forma que o Estado-nao no 81

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pode ser considerado como o nico marco garantidor da ordem social interna de um povo, o chamado Direito Internacional tambm tem de ser questionado, pois este no reconhece a maioria das naes e povos do mundo (mais de 5.000), limitando-os a uns 200 Estados soberanos (Coll; Vachon, 2005, p. 12). Assim, a perspectiva intercultural e o dilogo intercultural so fundamentais para o jurista, pois ampliam a sua viso jurdica para emancipla da idia de Direito somente como direito estatal ou de direito como regras gerais e impessoais (Eberhard, 2004, p. 169). No se trata de Direito comparado nem de multiperspectivismo, isto , de distintos pontos de vista culturais sobre uma mesma questo. Trata-se de um dilogo entre culturas que precisamente diferem no apenas na maneira de formular a questo, mas tambm sobre a natureza da questo (Coll, Vachon, 2005, p. 13, 16). A abordagem intercultural passa pela considerao da diversidade e do pluralismo jurdico. Falar de pluralismo jurdico supe a necessria emancipao do mito da supremacia do Direito estatal, isto , pela capacidade de abordar metodolgica e conceitualmente as diferentes manifestaes da juridicidade, sem ter como referente privilegiado o Direito ocidental moderno (Viveros, 2007, p. 4).

Consideraes FinaisA partir das anlises anteriormente expostas, opta-se pela defesa do interculturalismo. A perspectiva intercultural parece ser mais necessria e comprometida com a busca de alternativas e prticas de convivncia entre culturas. Supera o horizonte da tolerncia e das diferenas culturais, visa transformao das culturas por processos de interao, ocupando assim o vazio deixado pelo multiculturalismo. 82

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A importncia do interculturalismo se d pelo questionamento dos conceitos etnocntricos adotados pela Filosofia vigente. Implica a constatao de que o ponto de vista ocidental no a nica forma de verdade. A abordagem intercultural pode significar a possibilidade de abertura para um dilogo entre distintos grupos humanos sobre as diversas concepes de Filosofia e de Direito presentes em cada cultura. Contribui na busca de alternativas concretas globalizao do neoliberalismo, haja vista que expe a ideologia imperial que governa esse processo de acelerao de apenas uma forma particular de vida, de economia, cultura, etc. Contrape-se a essa ideologia por oferecer uma concepo da histria da vida humana que se faz desde o valor de todos os povos, no a partir de uma histria linear, mas de uma histria com muitas linhas e futuros possveis (Fornet-Betancourt, 2007, p. 263-264). A contribuio da interculturalidade para o Direto, a partir da exigncia do dilogo intercultural, resulta em conseqncias prticas. No se trata de um assunto meramente terico, mas abrange uma nova forma de posicionamento em benefcio da melhoria social e cultural dos seres humanos.

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Recebido em 16/7/2008 Aceito em: 4/11/2008 86

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