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ENSINO DE PROJETO : Integração de conteúdos Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo São Paulo 2005 Kátia Azevedo Teixeira

ENSINO DE PROJETO : Integração de conteúdos · ENSINO DE PROJETO : Integração de conteúdos. Kátia Azevedo Teixeira. Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

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  • ENSINO DE PROJETO : Integração de conteúdos

    Universidade de São PauloFaculdade de Arquitetura e Urbanismo

    São Paulo2005

    Kátia Azevedo Teixeira

  • ENSINO DE PROJETO : Integração de conteúdos

    Kátia Azevedo Teixeira

    Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo.

    Área de Concentração: Estruturas Ambientais UrbanasOrientador: Prof. Dr. Adilson Costa Macedo

    São Paulo2005

  • AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. E-MAIL: [email protected]

    Teixeira, Kátia Azevedo T266e Ensino de projeto: integração de contéudos / Kátia Azevedo Teixeira. --São Paulo, 2005. 233 p. : il. Tese (Doutorado - Área de Concentração: Estruturas Ambientais Urbanas) - FAUUSP. Orientador: Adilson Costa Macedo

    1.Arquitetura – Estudo e ensino 2.Projeto de arquitetura 3.Integração I.Título

    CDU 72:37

  • Aos professores, meus pares, à sua maneira

    inquietos, intrigados com as

    questões da educação do

    arquiteto.

    Aos estudantes

  • Agradecimentos

    Prof. Adilson Costa Macedo, pela orientação e pela amizade.

    Eneida de Almeida,

    Jorge Abussamra, Luís Augusto Contier,

    Márcia Maria Benevento, pelo estímulo e comentários.

    Fábio Teixeira, pela cuidadosa revisão do texto.

    Cristina Gouvêa, pela colaboração na

    formalização do documento.

    Fábio Teixeira Mira Teixeira,

    Mira Andrade, Pedro Miguel,

    pelo grande apoio.

  • Sumário

    Introdução 9 Capítulo 1: Reflexões sobre o currículo 18

    Capítulo 2: Aspectos recorrentes do ensino de projeto de arquitetura 36 Capítulo 3 :

    Alternativas de integração nos cursos de arquitetura e urbanismo em países de línguas neo–latinas. 68

    3.1 A lógica geral da pesquisa 68 3.2 Aspectos da pesquisa nos cursos em países estrangeiros 69 3.2.1 Aspectos gerais dos cursos pesquisados de outros países 71 3.3 Aspectos da pesquisa: Brasil 79 3.4 Alternativas de integração implantadas 82 3.4.1 Instâncias oficiais de supervisão 83 3.4.2. Ateliê integrado 95 3.4.3 Módulos internos na disciplina 101 3.4.4 Ênfase temática 113 3.4.5 Estratégias Mistas 118 3.4.5.1 Ênfase + módulos 118 3.4.5.1 Ateliê + disciplina de apoio 124 3.4.6 Conteúdos agregados ao programa das disciplinas de projeto 127 3.5 Considerações 133

    Capítulo 4: Conclusão 138 Apêndices Matriz dos Indicadores 162 Indicadores dos cursos 166 Lista de cursos de arquitetura e urbanismo . ABEA 2004 200 Lista de cursos de arquitetura e urbanismo . ABEA 2005 204 Anexos Diretrizes Curriculares Gerais – Portaria 1770 – MEC 209 Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo – Parecer CNE/CES 112/2005 – MEC 212

    Bibliografia 217

  • Lista de Planilhas

    Síntese dos indicadores . cursos estrangeiros 130 Síntese da proposta de integração . cursos brasileiros 131 Matriz dos indicadores . cursos estrangeiros 162 Indicadores dos cursos: Universidad de Buenos Aires . Argentina 166 Universidad Abierta Interamericana . Argentina 167 Universidad Mayor de San Andrés . Bolívia 168 Universidad de Chile . Chile 169 Pontificia Universidad Católica de Chile . Chile 170 Universidad Nacional de Colombia . Colombia 171 Universidad Católica de Colombia . Colombia 172 Instituto Sup. Politécnico "José Antonio Echeverría" . Cuba 173 Universidad de Costa Rica . Costa Rica 174 Universidad Latina de Costa Rica . Costa Rica 175 Universidad de El Salvador . El Salvador 176 Universidad S. Francisco de Quito . Equador 177 Pontificia Universidad Católica Del Ecuador . Equador 178 Universidad de Barcelona . Espanha 179 Universidad Politécnica de Madrid . Espanha 180 Ecole d'Architecture de Lyon . França 181 Ecole d'Architecture de Paris La Villette . França 182 Universidad Francisco Marroquín . Guatemala 183 Università Degli Studi di Firenze . Itália 184 Università Roma Tre . Itália 185 Universidad Autonoma Metropolitana . México 186 Universidad de las Americas – Puebla . México 187 Universidad America . Nicarágua 188 Universidad Del Valle . Nicarágua 189 ISTHMUS- Escuela de Arquitectura y Diseño . Panamá 190 Universidad Nacional de Assunción . Paraguai 191 Universidad Católica Del Peru . Peru 192 Universidad Peruana de Ciencias Aplicadas . Peru 193 Universidade do Porto . Portugal 194 Universidade Técnica de Lisboa . Portugal 195 Universidad de la República Uruguay . Uruguai 196 Universidad ORT de Uruguay . Uruguai 197 Universidad Simón Bolívar . Venezuela 198 Universidad de Los Andes . Venezuela 199 Lista de cursos de arquitetura e urbanismo . ABEA 2004 200 Lista de cursos de arquitetura e urbanismo . ABEA 2005 204

  • Resumo

    A reflexão sobre o ensino de arquitetura e urbanismo pode ser feita, naturalmente, sob diferentes aspectos. A premissa deste trabalho reconhece a existência de um hiato entre as diversas fontes de conhecimento que integram a formação do arquiteto, assim como a ausência de uma estrutura consistente que as conecte. Tem-se como hipótese de trabalho que as características atuais da área de ensino, em particular do ensino de projeto de arquitetura, no Brasil, mantêm-se precariamente organizadas, permanecendo na expectativa da síntese a ser realizada preponderantemente pelo aluno. Defende-se que o ensino deve investir na construção de alguma estrutura pedagógica que admita, também para si, a responsabilidade de conceber, implantar e garantir a operacionalização efetiva de uma malha de vínculos entre os conteúdos que cada curso julgar fundamentais, centralizada nas disciplinas de projeto, o lugar pedagógico onde essas relações devem ser prioritariamente desenvolvidas, considerando que este pode ser um processo de aperfeiçoamento, que não implica a exclusão de outros. A argumentação se apóia em três vertentes principais: incorpora, por um lado, conceitos da área da educação, em particular aqueles referentes à idéia de currículo; analisa algumas causas que colaboram, ainda, para a permanência da tensão entre a necessidade de síntese que a atividade do arquiteto requer e a fragmentação do conhecimento, intensificada no contexto atual; finalmente, verifica a existência de experiências de integração, implantadas e constituintes da estrutura dos cursos, através da pesquisa em 91 cursos de arquitetura e urbanismo, nacionais e estrangeiros, ocupando-se da análise das estratégias, meios e procedimentos de que se valem.

    Palavras-chave: estrutura de curso, integração, ensino, projeto de arquitetura.

  • Abstract

    A reflection on the teaching of architecture and urban planning can be made, naturally, under different aspects. The premise of this work recognizes the existence of a hiatus among the several knowledge sources that integrate the architect's formation, as well as the absence of a consistent structure connecting them. It is held as a working hypothesis that the current features of the teaching area, in particular that of architectural design teaching, in Brazil, is still precariously organized, remaining in the expectation of a synthesis to be accomplished mainly by the student. It is postulated that teaching should invest in the construction of some pedagogic structure which admits, also to itself, the responsibility of conceiving, implanting and guaranteeing the effective operation of a net of links among the contents that each course considers fundamental, centered in the project disciplines, the pedagogic place where those relationships should be priorly developed, considering that this may be a process of improvement which does not imply the exclusion of others. The argument is based on three main lines: it incorporates, on one side, concepts from the educational area, particularly those referring to the idea of a curriculum; it analyzes some causes that also collaborate to the permanence of the tension between the need of synthesis required by the architect's activity, and the fragmentation of knowledge, intensified in the present context; finally, it verifies the existence of integration experiences, implanted and constituent of the courses' structure, through a research of 91 architecture and urbanization courses, national and foreign, proceeding to an analysis of the strategies, means and procedures they embrace. Keywords: course structure, integration, teaching, architectural project.

  • 9

    Introdução

    Entre as várias questões freqüentemente levantadas por

    aqueles envolvidos com os cursos de arquitetura e

    urbanismo – docentes e discentes – a que envolve a

    ausência de integração, por parte do estudante, nos

    conhecimentos das diversas áreas presentes na

    formação é, provavelmente, uma das mais constantes,

    presente já de longa data, como atestam diferentes

    estudos e a documentação da ABEA – Associação

    Brasileira de Ensino de Arquitetura, permanecendo,

    ainda, com grandes dificuldades de ser enfrentada.

    A situação registrada é, em parte, conseqüência do

    ensino marcado por uma visão fundada nos conteúdos

    isolados de cada área - orientação geral no ensino de

    nível universitário - e, nesse sentido, o grande número de

    disciplinas presentes nos cursos de arquitetura e

    urbanismo não deixa de ser um reflexo, mesmo

    considerando a abrangência e a diversidade de

    conhecimentos que integram a formação do arquiteto.

    Os ajustes curriculares que os próprios cursos fazem, além

    daquelas reformulações obrigatórias atendendo às

    Diretrizes em nível nacional, não alteraram, de maneira

    significativa, a estrutura de ensino, particularmente para

    estudantes que permanecem com grande dificuldade

    para relacionar os diversos conteúdos.

    Por outro lado, o fato de as diversas áreas que participam

    da formação do arquiteto apresentarem características e

    especificidades próprias, particulares do seu objeto de

    estudo, torna mais difícil, compreensivamente, a

    disposição dos docentes para alterações que visem à

  • 10

    integração. Há entraves de muitas ordens para serem

    considerados, desde a ausência de experiências

    duradouras nesse sentido, no Brasil, às estruturas

    administrativas em que cada curso está inserido,

    responsáveis tantas vezes pelos nossos recuos. Todavia,

    quaisquer que sejam as razões e circunstâncias, elas não

    eliminam, por si mesmas, a existência de concepções,

    hábitos, práticas e procedimentos arraigados no ensino

    superior, pouco permeáveis à idéia de integração dos

    conteúdos fundamentais, teóricos e práticos, das diversas

    áreas.

    A tensão entre a capacidade de síntese que a atividade

    do arquiteto requer e o entendimento da estrutura

    curricular em vigor, que fragmenta excessivamente os

    conteúdos não só na organização dos mesmos, mas

    também na ênfase ou hierarquia que atribui a uns em

    detrimentos de outros (mesmo considerando o elenco

    das disciplinas profissionalizantes e obrigatórias) colabora

    para que a própria formação do arquiteto, no sentido

    mais amplo, torne-se mais frágil, comprometendo, nos

    desdobramentos de sua atuação profissional, muitas

    vezes de maneira relevante, a percepção social das

    nossas competências e atribuições.

    Parte da nossa dificuldade em interromper, de forma

    efetiva, algumas questões recorrentes do ensino, tem

    como causa aspectos de nosso próprio paradigma de

    formação. Entre os traços e características priorizados,

    que constituem a imagem da profissão e do arquiteto,

    estão os valores atribuídos à criatividade – com o

    resquício, ainda, da idéia de artista - e ao desenho, como

    elemento poderoso de síntese; a ambas deve ser

    acrescentada a exclusividade da prática profissional

  • 11

    requerida para a docência, transformada, ela mesma,

    em prática educativa.

    Aliadas, essas condições vêm mantendo um nó intricado,

    uma alimentando e justificando a outra: o ato de

    criação é em si uma síntese, ligado à idéia de autonomia

    do autor e da dependência exclusiva entre este e a obra

    criada1, aqui expressa através da linguagem do desenho.

    Esse entendimento, transportado para o ensino superior

    institucionalizado, autoriza, em boa medida, a

    compreensão de que cabe ao estudante, na

    elaboração dos projetos, proceder a síntese dos

    conhecimentos teóricos e técnicos que vai adquirindo,

    ministrados separadamente, nas diversas disciplinas das

    várias áreas que integram a sua formação. A esse

    panorama acrescenta-se a suficiência da prática

    profissional para ensinar, circunstância que deriva para a

    permissão da ausência de fundamentação teórica mais

    consistente para esse ensino (de projeto), além da menor

    presença de reflexão sobre questões específicas de

    ensino/aprendizagem, esta última uma característica do

    nível superior, menos receptivo às contribuições da área

    de Educação.

    Mesmo o atual esgarçamento da concepção do

    arquiteto-artista e a entrada maciça e preponderante,

    tanto de novas gerações de profissionais na atividade

    docente, como de outros estratos sociais de estudantes

    1 San Sebastian, em palestra proferida no Colóquio Internacional Criatividade, Arquitetura e Interdisciplina, realizado em Buenos Aires, 1989, focaliza a grande armadilha do ensino da nossa profissão: “En una conversación mantenida com el arquiteto Oscar Niemeyer, sobre Creatividad y Enseñanza, él manifestaba: ‘..sabemos que la arquitectura es como la pintura, uno nace com esa habilidad, no se aprende, es algo que se trae...’ Esta idea de un gran arquitecto, prolífico realizador y modelo de la arquitectura moderna, es una concepción típica y sumamente enraizada en los sujetos comprometidos com el quehacer arquitetónico, acuerden o no com esta idea, y se encuentra explícita o implícitamente en el centro de la problemática de la formación de los arquitectos”(ABEA, 1989, p.57).

  • 12

    no nível superior, não implicaram, em essência, na

    reformulação da concepção e da estrutura das

    disciplinas de projeto e das práticas didáticas que as

    refletem. E, no entanto, o atual é um contexto

    absolutamente distinto daquele que originou tais traços

    dos arquitetos.

    A extensão do acesso ao ensino superior a um número

    muito maior de jovens, rompendo com isso o círculo

    sócio-cultural de onde tradicionalmente arregimentou os

    seus estudantes, vinculada à criação acelerada de novos

    cursos, com forte presença do setor privado, e à grande

    demanda por arquitetos–professores, circunstâncias que

    passaram a caracterizar, em ritmo crescente, as décadas

    de 70, 80 e 90, são dados de imensa repercussão para

    uma graduação tradicionalmente elitizada e constituem,

    sob qualquer perspectiva, parte das razões que ajudam à

    compreensão das transformações de que o ensino

    necessita. Em plano paralelo, a expansão dos cursos

    coincidiu, como aponta Santos Júnior (2001, p.7) [...] com um deslocamento da importância da

    Arquitetura e Urbanismo no tecido sociocultural brasileiro.

    Ainda às voltas com a definição tardia de seu estatuto

    profissional e social no país, os arquitetos e urbanistas

    passaram a se ressentir da diminuição do prestígio político

    e da perda de inserção e influência institucional.

    Também se tornaram diluídos os laços entre os notáveis

    da área e o ensino. O corpo docente das escolas já não

    conta, em número expressivo, com aqueles arquitetos -

    reunião de talentos e personalidades incontestáveis,

    donos de nossa mais justa admiração - que conduziram à

    realização das principais referências simbólicas do país.

    Mas também o entendimento de “melhor arquitetura” foi

    deixando de ser univalente (PORTOGHESI,1982; CONNOR,

    1996), naquela consideração rigorosa e irredutível da

  • 13

    possibilidade de apenas um grupo restrito de conteúdos

    e belezas. A expansão tardia dos horizontes de mais de

    uma geração de profissionais para outras referências

    arquitetônicas vai-se dando paulatinamente, ainda,

    enquanto nos quadros de formação saltávamos dos 31

    cursos em 1974 para os 183 em 2005, espalhadas por todo

    o país2.

    Embora a produção acadêmica sobre o ensino de

    arquitetura e urbanismo seja excessivamente reduzida -

    justamente pela pouca tradição da área – com

    freqüência as reflexões que apresentam fazem referência

    a vários dos aspectos aqui mencionados, atestando a

    sua generarização e persistência nos vários cursos. Essa

    discussão vai sendo atualizada tanto pela reelaboração

    das reflexões quanto pela incorporação de novos

    aspectos que caracterizam o momento histórico

    presente.

    A construção do objeto de estudo, neste trabalho, foi

    amadurecendo no transcorrer de algumas

    circunstâncias: o envolvimento, através da disciplina de

    Projeto de arquitetura, a cada tempo, com os alunos de

    todos os níveis do curso: do primeiro ao quinto ano. Esse

    tipo de circunstância implicou, fatalmente, na ampliação

    da percepção das questões que envolvem o ensino e do

    imbricamento entre elas. Interessava focalizar em quais

    delas uma possível melhora estaria mais atrelada a

    questões internas da disciplina (de projeto) e menos,

    dentro do possível, a elementos ou razões externos a ela,

    como forma de tentar sair de uma dimensão crítica que

    imobilizasse. E qual, dentre elas, seria a mais fundamental,

    2 Dados da ABEA, atualizados em abril de 2005. Disponível em www.abea-arq.org.br/

  • 14

    mais estratégica, para o quadro que se percebia. A

    experiência na chefia de departamento do curso de

    arquitetura e urbanismo, da Universidade São Judas

    Tadeu, durante quatro anos, trouxe o outro lado, o lado

    de lá: a imensa dificuldade que a idéia de conjunto

    significa e a convicção da sua necessidade e

    possibilidade urgentes.

    O foco da pesquisa envolve o ensino de projeto

    arquitetônico – o qual, naturalmente, não se desvincula

    da questão urbana. Entretanto a distinção entre ambos

    foi necessária, porque pressupõem diferença de

    abrangência, de graus de estruturação de conteúdos, de

    métodos e práticas didáticas distintos. Assim recortado

    como se pretende – ensino de projeto arquitetônico - o

    enfoque permite que se atenha e se explore uma de suas

    questões principais, em nosso ponto de vista: o reduzido

    elenco de elementos que sustenta, de modo geral, a

    organização dos conteúdos dessas disciplinas,

    relativamente ao seu comprometimento com conteúdos

    fundamentais das demais disciplinas dos cursos. Tal

    condição, a nosso juízo, favorece, a uma parcela

    ponderável de estudantes, a dispersão dos

    conhecimentos aprendidos nas demais áreas e o seu

    desvinculamento freqüente das soluções de projeto.

    A hipótese que orienta esse trabalho é a de que as

    disciplinas responsáveis pelo desenvolvimento da

    atividade de Projeto (particularmente Projeto de

    Arquitetura), em parte expressiva dos cursos, mantêm-se

    precariamente organizadas, recusando-se, por diferentes

    razões, a assumirem o papel natural que lhes é inerente

    de aglutinadoras dos conhecimentos que intervêm na

    elaboração de um projeto, permanecendo mais na

  • 15

    posição, inegavelmente confortável, de expectativa da

    síntese dos conhecimentos a ser realizada pelo aluno, do

    que buscando uma ação preparada, programada,

    relativa ao desenvolvimento interno da própria disciplina.

    Defende-se principalmente que, para maiores cotas de

    autonomia – seja dos docentes, dos alunos ou de ambos

    – a necessidade de atuação integrada aumenta,

    particularmente nas disciplinas obrigatórias.

    Foram importantes às reflexões desenvolvidas, como

    fontes de dados, o conjunto das publicações da

    Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura – ABEA. Os

    cadernos, como são chamados, reúnem trabalhos

    desenvolvidos sobre o ensino, originados das diferentes

    partes do país, relatando experiências, dificuldades e

    êxitos dos docentes, além de estudos que a própria ABEA

    produz, a partir dos registros, levantamentos, informações

    e depoimentos que acumula, e de debates e encontros

    que organiza. Com facilidade, remetem o leitor

    interessado aos problemas mais freqüentes da área, ao

    mesmo tempo em que o remetem ao seu cotidiano e,

    por isso, ao socializá-los, permitem as generalizações. A

    produção acadêmica, teses e dissertações sobre

    aspectos distintos do ensino de arquitetura e urbanismo,

    embora ainda muito reduzida é, justamente por isso,

    extremamente relevante. Contem dados, investigações e

    análises às quais recorri, em diferentes oportunidades. Em

    ambas as fontes foram encontrados testemunhos

    importantes de questões recorrentes do ensino e uma

    amostra significativa de quem somos, do pensamento do

    arquiteto-professor.

    A procura de fundamentação na área de educação e

    de sociologia da educação fixou-se, em particular, na

  • 16

    relação entre a idéia do conhecimento como uma

    seleção da cultura e o sistema escolar como um dos

    agentes principais de sua transmissão; a partir desse

    vínculo, a concepção de currículo como conteúdo,

    organização e forma de transmissão intencionados.

    Exposto no primeiro capítulo, esse suporte permanece, ao

    longo dos demais, como fio condutor, referência

    contínua para as reflexões que se pretendeu desenvolver

    e a eles credito parcela importante da ampliação de

    perspectivas em relação às questões examinadas.

    O segundo capítulo seleciona alguns aspectos

    recorrentes do ensino de arquitetura e urbanismo,

    entendidos como resultados de características

    constituintes da concepção moderna da profissão. O

    exame que se desenvolve, voltado para a relação entre

    esses traços e seus desdobramentos e permanência na

    estrutura do ensino, constitui parte da argumentação que

    sustenta este trabalho.

    Procurou-se, como parte importante da argumentação,

    identificar a existência de alternativas de integração

    entre os conhecimentos das diversas áreas que

    participam da formação do arquiteto, pertencentes, de

    maneira inequívoca, à estrutura dos cursos. Neste sentido,

    a pesquisa desenvolvida privilegiou o exame de

    programas de cursos de arquitetura e urbanismo

    (nacionais e externos) que permitiram a compreensão de

    sua operacionalização: estratégia pedagógica utilizada,

    os meios e os recursos disponibilizados para, assim,

    incorporá-los como argumento importante para a defesa

    desse trabalho. O terceiro aborda as experiências

    encontradas, que podem constituir-se, a meu juízo, em

    um panorama consistente de referências para o leitor

  • 17

    interessado no assunto. Foram, por isso, mais

    minuciosamente expostas, uma a uma, agrupadas

    segundo uma análise que considerou o “tipo”, de acordo

    com a estratégia pedagógica predominante, o grau de

    estruturação e alcance da mesma.

    O último capítulo, à guisa de conclusão alia, à

    sistematização final das reflexões desenvolvidas,

    elementos que procuram reforçar a idéia da integração

    de conteúdos centralizada nas disciplinas obrigatórias de

    projeto. Este trabalho pretende contribuir para o processo

    de aprimoramento do ensino na graduação, atribuindo,

    à estrutura pedagógica dos cursos, possibilidade de

    maior responsabilidade em relação ao aprendizado.

  • 18

    Capítulo 1

    Reflexões sobre o currículo e seu rebatimento

    no ensino de projeto de arquitetura

    É verdade que os problemas presentes na prática do

    ensino não se ajustam, em várias ocasiões, tanto quanto

    preferíamos, às concepções e aos modelos

    preestabelecidos que temos. Como arquitetos e

    docentes muitos de nós não dispomos, tanto quanto

    pensamos, de fundamentação teórica e de ferramentas

    intelectuais imprescindíveis para, no exercício dessa outra

    profissão, a de professor, detectar as origens de um

    problema, identificar os seus contornos, os limites de nossa

    atuação, e os procedimentos possíveis, ou a serem

    criados, requeridos para a ação. E que são condição

    indispensável para se ultrapassar os limites do campo de

    visão aderente ao nosso próprio paradigma de

    formação, o do arquiteto.

    Vários de nossos critérios tendem a ser contraproducentes

    na medida em que, permanecendo atados a

    concepções pré-existentes e já articuladas – de

    educação, de currículo, de aluno, de métodos, de

    épocas, de marcos, de razões de várias ordens – eles nos

    servem, amiúde, de referência fundamental para julgar o

    presente e, por outro lado, nos impedem de refletir sobre

    os pressupostos dessa mesma prática e de contrapô-los,

    criticamente, à realidade do nosso tempo.

    A incorporação de conceitos da área da educação

    neste trabalho foi, por isso mesmo, obrigatória. Embora o

    papel adequado da teoria, aqui, seja mesmo o de

  • 19

    instrumentalizar a capacidade de ver, mais que ser ela

    mesma minuciosamente exposta, alguns elementos do

    repertório teórico mobilizado para construir o objeto de

    estudo foram pinçados e, então, colocados em

    evidência, pelo valor formativo que desempenharam,

    agregando condições específicas que permitiram a

    expansão da análise e das perspectivas que se tinha

    inicialmente sobre o ensino de projeto de arquitetura.

    A educação no mundo, ao longo do tempo e da história,

    manteve-se preocupada em formar um determinado tipo

    de homem, em garantir seu crescimento e

    desenvolvimento no rumo definido pelo sistema de

    valores, crenças e exigências que vigorou nas

    sociedades, nas diferentes épocas, desde a Antigüidade.

    É, justamente por isso, permanentemente, um campo

    amplo e fértil para a investigação: na totalidade de seu

    significado, ela é sempre um bem público, no sentido de

    ser um saber do homem e de condensar o processo “pelo

    qual a humanidade elabora a si mesma”, na bonita e precisa

    definição de Manacorda (1995, p.6.) Em decorrência

    disso, é reprodutora da organização e do conhecimento

    dominantes de uma dada sociedade e, justamente por

    isso, se constitui também, de modo contínuo, em um

    imenso e vital campo de disputa. Neste entendimento, a

    educação representa sempre uma seleção intencionada

    da cultura, uma seleção do conhecimento disponível em

    cada época.

    Deste modo, é absolutamente direta e estreita a

    vinculação entre o sistema de ensino e a cultura de um

    determinado tempo, comunidade e lugar, uma vez que

    reside aí, se não de maneira exclusiva, mas de forma

    determinante, uma das garantias de permanência e

  • 20

    reprodução dessa cultura. Por isso, as instituições

    educacionais estão entre os principais agentes de

    transmissão e reprodução da cultura dominante, isto é,

    da cultura socialmente legitimada e, à medida que

    cultura e poder se vinculam, ela é transformada em

    expressão de uma classe social: (...) a cultura e o conhecimento são produzidos como

    relações sociais, são, na verdade, relações sociais. Mais:

    essas relações sociais são hierárquicas, assimétricas, são

    relações de poder. O currículo, como o conhecimento e

    a cultura, não pode ser pensado fora das relações de

    poder. ( SILVA, 1997. p. 11).

    Essa transmissão da cultura dominante através do sistema

    formal de ensino tem como um dos principais veículos o

    currículo – conteúdo, organização e forma de transmissão. Daí

    deriva a compreensão de currículo escolar como uma

    seleção particular da cultura geral de uma sociedade,

    como o projeto de cultura que se quer formar, imbuído

    de história, vinculado a formas determinadas de

    organização da sociedade e da educação. O

    entendimento de currículo, em que pesem as diferentes

    concepções encontradas na área especializada, deve

    ter necessariamente uma abrangência que ultrapasse a

    visão mais freqüente, que o remete a uma listagem de

    disciplinas, acompanhada das cargas horárias, créditos,

    seqüências, etc., e que é, via de regra, mais facilmente

    percebida como o currículo do curso pela comunidade

    da escola. Sem deixar de ser uma forma de

    manifestação curricular - é o currículo proposto,

    formalizado - essa percepção não significa, entretanto, a

    sua totalidade. O currículo é, antes disso, um conjunto

    representativo dos compromissos e idéias de um grupo

    de pessoas, ou de um segmento dominante da

    sociedade e, por isso, irá refletir, implícita ou

  • 21

    explicitamente, tanto em seu conteúdo quanto em sua

    organização e comunicação pedagógica, um corpo de

    valores, de prioridades, de crenças, de compromissos e

    de interesses. É esta compreensão que permite e

    alavanca os questionamentos em torno das escolhas que

    integram um currículo e da permanência de práticas

    aderentes a estas escolhas: por que razão este conteúdo

    e não outro, esta organização e não outra, esta forma de

    transmissão e não outra?

    As transformações por que passa a cultura até se tornar

    presente nas instituições de ensino, através do currículo

    de cada uma, são o resultado das diversas forças

    intervenientes em todas as etapas desse percurso. A

    seleção da cultura geral, formulada inicialmente nas

    grandes instâncias de decisão - portanto fora do meio

    em que se realiza na prática, isto é, a sala de aula - será

    reproduzida sucessivamente, nas diversas disputas entre

    grupos, especialidades, marcos de formação e enfoques,

    nos desdobramentos que envolvem o processo de

    elaboração, de implantação e da prática do currículo,

    no interior de cada instituição. Passará por uma série de

    procedimentos intermediários, que vão desde as

    decisões sobre a grade curricular à atribuição de carga

    horária às diversas disciplinas e à elaboração dos

    programas de cada uma, procedimentos esses que, por

    sua vez, também orientam, minimizam, enfatizam e filtram

    aquilo que será ensinado. As decisões sobre o currículo

    serão balizadas ainda, e de forma vigorosa, pelos

    recursos disponíveis, pela administração, pela estrutura e

    pelas condições físicas da escola, pelo ambiente, por

    todas as circunstâncias do meio escolar concreto, de seu

    contexto interno.

  • 22

    Finalmente, o currículo chega à sala de aula onde será

    moldado, mais uma vez - agora tanto pelo

    conhecimento específico como pelo juízo de valor do

    professor, pela sua concepção de ensino. Com

    freqüência, será transmitido através de relações e

    métodos pedagógicos normalmente já existentes,

    testados, oriundos de tradições e convicções as mais

    profundas às vezes e, em outras ocasiões, hábitos e

    procedimentos mantidos por comodidade.

    O ensino é, por isso, fundamentalmente resultante da

    interseção entre conteúdo, meios e agentes; o conteúdo -

    aquilo que se intenta, que se transmite e,

    conseqüentemente, o projeto de formação; os meios,

    através dos quais a ação, isto é, a atividade, se

    desenvolve; e os agentes, todos aqueles elementos

    externos e internos que condicionam a atividade e o

    conteúdo, tais como forças sociais, instituição escolar,

    materiais, ambiente e clima pedagógico.

    Esse o tripé que condiciona a educação, ao qual se

    refere Sacristán (1998) e, nesta acepção, o ensino é um

    processo de desenvolvimento indiscutivelmente

    intencionado. Mais imediatamente ligada à experiência

    de cada um, a atividade é a que primeiro se manifesta,

    mais exposta por isso às trocas de opiniões e às iniciativas

    de melhora. O mesmo não se dá com o conteúdo, pomo

    de discórdia por excelência, mais difícil de ser aclarado,

    objeto fácil de infinitas posições e disputas,

    permanecendo, por isso mesmo, tantas vezes,

    convenientemente mais suposto que discutido. E, no

    entanto, é o conteúdo a força motriz; meios e agentes

    mobilizados só o são em relação ao conteúdo que

    comunicam.

  • 23

    Além das dificuldades e disputas inerentes à questão dos

    conteúdos mantém-se, também no ensino, o legado da

    modernidade: a divisão do real - aqui, do objeto didático

    - separando a tradição da inovação, o contexto interno

    do externo, atividades, agentes e conteúdos do processo

    de ensino, o que ensinar, do como ensinar.

    É na tentativa de ultrapassar essa constante divisão da

    realidade que o pensamento curricular mais

    contemporâneo se volta para as condições concretas da

    prática em que ele é desenvolvido. Aglutina, nesse

    sentido, no que é chamado de currículo real, as três

    perspectivas: aquela do currículo oficial - referente ao que

    é dito que deve ser ensinado; o currículo manifesto, que diz

    respeito àquilo que se pretende ensinar, e a forma disso

    ser feito, na visão dos professores; e ainda a terceira, o

    currículo oculto1, a perspectiva de quem aprende, que irá

    englobar o conteúdo de toda a experiência do

    estudante, a prática real que determina a sua

    experiência de aprendizado. Em outros termos: o que é

    colocado para os docentes ensinarem, o que eles

    pensam ou dizem que ensinam e o que os estudantes,

    afinal, aprendem: eis o currículo real, o currículo que de

    fato opera.

    É no currículo oculto que estão as expectativas

    valorizadas, as grandes dificuldades, os hábitos

    difundidos, os modelos de referência, as soluções que

    dão certo, a percepção da maior importância atribuída

    a algumas disciplinas, comportamentos e significados

    muitas vezes subliminares mas que, presentes no

    1 Expressão cunhada por JACKSON, Ph., conforme mencionado por SACRISTÁN, Op. cit, p. 132 e por APPLE, M.W. Ideologia e Currículo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982.

  • 24

    cotidiano e tal como água mole em pedra dura ...,

    tendem a alcançar um efeito determinado.

    Essa diferença entre as pretensões declaradas - o currículo

    manifesto - e as condições em que se dá o ensino - o

    currículo oculto - ajudam a entender, em boa parte, por

    que as reformas curriculares implicam em pouca

    alteração concreta para o aluno, têm menor incidência,

    às vezes nenhuma, em sua experiência real

    (SACRISTÁN,1998).. Mudanças de disciplinas, de cargas

    horárias, até mesmo de conteúdos, transformam menos o

    currículo real para o estudante, porque não alteram de

    fato as condições nas quais decorre a experiência,

    porque não se fixam nas situações reais em que

    trabalham os professores, porque mantêm procedimentos

    desenvolvidos para alunos ideais, porque as

    necessidades de realização do currículo encontram, nas

    instituições e nas práticas escolares, uma condição de

    mudança extraordinariamente mais lenta.

    Além da expansão do entendimento de currículo para o

    de currículo real – desvendando aquele que de fato

    opera em uma instituição – a revisão vigorosa da noção

    do mérito pessoal do estudante, formulada por Bourdieu

    (1998), na área de sociologia da educação, é uma

    contribuição importante no sentido de esclarecer a

    expectativa de aluno ideal que norteia os pressupostos

    do sistema de ensino, fornecendo pistas importantes,

    particularmente para o entendimento da concepção

    geral das disciplinas de projeto, como será desenvolvido

    no segundo capítulo .

    No conceito de “habitus” desenvolvido por ele, cada

    indivíduo vivencia experiências que irão formar um

  • 25

    conjunto de percepções e disposições duráveis que

    estruturam internamente sua subjetividade. Esse conjunto

    mais ou menos estável de disposições incorporadas é

    diferenciado, de acordo com a posição social de origem

    do indivíduo, refletindo as características da realidade

    social na qual ele foi anteriormente socializado. Sem ser

    inflexível, o habitus constitui um “princípio gerador

    duravelmente armado de improvisações regradas” (BOURDIEU,

    1983, p. 65), uma matriz que sempre pode ser acionada,

    orientando e ajustando as ações do indivíduo ao longo

    do tempo, nas mais diversas situações sociais, mesmo

    quando essas situações diferem daquelas em que o

    habitus foi forjado.

    Em outros termos, a socialização primária, isto é, as

    experiências primitivas, da origem, possui mais força

    estruturante, sobre a maioria dos indivíduos, que as

    experiências posteriores. As questões da cultura e da

    linguagem têm mais possibilidade de atingir o seu melhor

    potencial, quando foram cultivadas de forma

    despreocupada e constante na relação pedagógica

    familiar, incorporando-se naturalmente ao indivíduo e

    nele permanecendo de modo duradouro, integrantes do

    habitus.

    Assim, duas maneiras básicas e distintas de indivíduos se

    relacionarem com o mundo da cultura - que a escola

    reproduz - são forjados, desde o nascimento, a partir do

    modo como a cultura foi adquirida, isto é, lastreados na

    origem de cada um: se de forma precoce, natal,

    marcada pela familiaridade, ou se mais tardiamente,

    estrangeira, dependente da apresentação escolar

    (BOURDIEU, 1983). O primeiro, oriundo da intimidade e do

    cotidiano do indivíduo com expressões da “cultura

  • 26

    legítima”, resultaria em uma relação desenvolta,

    descontraída, fácil, segura, natural com essas questões. O

    outro, no mais das vezes, produziria uma relação de

    estranhamento, mais tensa e desajeitada, acanhada,

    solicitando esforço árduo para construir pontes,

    alavancar a compreensão.

    Nos diversos níveis do ensino e da aprendizagem, a

    eficiência de uma comunicação pedagógica necessita,

    para o seu pleno aproveitamento, que os alunos tenham

    domínio sobre o código necessário à decifração dessa

    comunicação. De maneira geral, esse domínio seria

    função da maior ou menor proximidade entre aquilo que

    é apresentado pela escola como cultura legítima e a

    cultura familiar de origem do aluno. O dito popular “filho

    de peixe, peixinho é” não tem sido, como se sabe, uma

    afirmação descabida, e essa não é uma percepção

    estranha aos docentes, mesmo quando não temos total

    clareza do que a fundamenta ou explica.

    Nessa lógica, a educação escolar que vigora –

    socialmente legitimada e que é oriunda da cultura e do

    saber dominantes, como visto anteriormente - seria uma

    espécie de continuação da educação familiar para os

    indivíduos que pertencem aos meios culturalmente

    favorecidos; para os demais, a cultura acadêmica

    significaria algo distante, estranho, por vezes ameaçador.

    Originado na cultura “legítima”, o sistema de ensino,

    consciente ou inconscientemente, implícita ou

    explicitamente, espera e cobra dos estudantes um

    conjunto de comportamentos, habilidades e atitudes

    (pesquisa, curiosidade, articulação entre conhecimentos,

    vontade de aprender, etc.) que, via de regra, aqueles

  • 27

    socializados na cultura dominante é que estão aptos a

    apresentar, justamente pela maior proximidade que

    encontram entre a sua cultura familiar de origem e a

    cultura escolar. Essa naturalidade ou desenvoltura não

    seria encarada, pela escola, como algo socialmente

    herdado. No desdobramento inerente a essa situação, as

    diferenças de resultados escolares obtidos são, mais

    imediata e facilmente, creditadas às diferenças de

    capacidade e de dons entre alunos, interpretadas como

    a expressão de uma facilidade, de uma inteligência, de

    uma aptidão ou talento naturais para as atividades

    intelectuais que alguns apresentam.

    Assim, de forma bastante extensiva, é menos valorizado o

    aluno que tenta compensar a sua falta de bagagem

    cultural, através do esforço minucioso e tenaz, mas que

    raramente apresenta um trabalho excepcional, em favor

    do aluno brilhante, talentoso e desenvolto que - sem

    exigir muito esforço didático do professor e sem também

    despender muito esforço - compreende, articula

    conhecimentos, avança e responde bem às exigências

    da escola. No nível superior, como sabemos, essa é uma

    idéia generalizada: “O sistema de ensino, sobretudo nos seus

    ramos mais elevados, consagraria e cobraria dos alunos essa

    segunda postura.” (NOGUEIRA, 2004, p.91).

    Um círculo vicioso montado: o que a escola exalta –

    aquilo que orienta seus conteúdos e formas de

    transmissão – é um modo de relação com a cultura e o

    saber que, potencialmente, apenas os filhos das classes

    dominantes, pela sua forma de socialização familiar,

    podem ostentar.

  • 28

    Confrontada particularmente com os cursos de

    arquitetura, essa não é uma idéia que possa ser

    desprezada, minimizada ou arquivada. Historicamente e

    de forma preponderante até o final da década de 70, os

    integrantes dos cursos de arquitetura são recrutados nos

    extratos sociais mais cultos, conforme é minuciosamente

    examinado por DURAND (1989). Disso dão prova cabal as

    exigências especiais dos vestibulares para ingresso,

    através do peso atribuído às provas de linguagem

    arquitetônica e de história da arte, disciplinas que não

    integravam - e ainda não integram - o currículo oficial do

    Ensino Médio.

    Neste sentido, é impossível dissociar os pressupostos que

    moldaram a prática do ensino de arquitetura e

    urbanismo (e que se tornaram hegemônicos),

    particularmente no que se referem às competências para

    uma boa aula, do alunado que deu sustentação a esse

    ensino, vinculado, desde a origem, à cultura socialmente

    legitimada.

    Por isso mesmo, outra questão de interesse para um

    exame, ainda que breve, é aquela relacionada ao

    âmbito da ação do docente. Em qualquer que seja a sua

    área – Artes, Ciências Exatas, Humanas – pode ser

    percebida a existência de algumas vertentes,

    considerando os pressupostos e a lógica que orientam

    suas práticas educativas.

    Um grupo, segundo PIMENTEL (1996), é aquele em que a

    certeza é priorizada em todos os seus procedimentos,

    estabelecida já na própria forma de atuação. Alicerça

    essa conduta a crença no conhecimento como um todo

    construído, pronto, organizado e estruturado em

  • 29

    seqüência, que pode ser bem assimilado se dividido em

    parcelas menores e transmitido gradativamente, passo a

    passo, de determinada forma. Na prática desses

    professores, com variações eventuais, o percurso das

    aulas é seguro, dominado, dentro do paradigma

    adotado. Bons conhecedores do seu conteúdo e da

    área de especialização, são capazes de demonstrações

    convincentes, de articulações interessantes com

    questões de áreas correlatas e de incentivar a reflexão

    do aluno, no sentido de acompanhar a seqüência

    percorrida na formação do conceito que desenvolvem,

    com lógica e precisão.

    Estes professores mantêm profunda coerência entre a

    prática didática e suas posições epistemológicas e, na

    essência, não abrem mão da confiança nos paradigmas

    que moldaram a sua formação. Se forem percebidas

    fragilidades, ou mantêm a mesma perspectiva, ou o

    receio da mudança se desdobra na defesa do que está

    instituído. São esses docentes, no geral bem sucedidos e

    prestigiados, entendidos como o centro da atividade de

    ensino e a fonte do conhecimento, que melhor

    representam a imagem tradicional, institucional e social

    do professor.

    Para um outro grupo de docentes, o conhecimento é a

    contínua conquista de verdade parciais, resultado do

    esforço cumulativo da humanidade. Daí decorre a sua

    característica principal: a compreensão de que o

    contexto social se movimenta e, por isso, permanecem

    atentos à transição e à experimentação. E, se não

    tomam o saber como produto final acabado, então não

    se restringem à sucessão de procedimentos que os

    pressupostos desse mesmo saber desencadeiam. Noutros

  • 30

    termos, a lógica que os orienta não contempla a

    perspectiva de ter a verdade acabada, o que significa

    que colocam a si próprios em questão, a sua formação e

    os valores que a fundamentam - posições filosóficas,

    epistemológicas, políticas, ideológicas. E, por isso mesmo,

    alteram comportamentos estabelecidos que estendem à

    sua prática.

    Para esses professores, é absolutamente insuficiente o

    conhecimento apenas transmitido e também

    absolutamente necessário que ele seja construído.

    Combatem o distanciamento confortável do ensino - em

    relação ao indivíduo que se educa, ao contexto, à

    realidade concreta - que os alija do objeto de reflexão.

    Na pratica educativa, investigam, ensaiam,

    experimentam formas de ensinar que ultrapassem as

    dicotomias tradicionais como teoria / prática,

    conhecimento / realidade, sujeito / objeto. Priorizam o

    processo de procura, de identificação e criação de

    relações, de “sínteses provisórias” que podem indicar outras

    relações, outros objetivos, outras perspectivas.

    No terceiro grupo estão aqueles professores que

    convivem com as indeterminações e as incertezas desse

    tempo e que, com freqüência, reúnem em si mesmos

    posturas e enfoques diferentes relativos ao que é ciência,

    conhecimento, ensino. Inovam em algumas situações e

    se mantêm conservadores em outras. Podem fazer seguir

    a uma aula absolutamente tradicional de transmissão de

    um conhecimento - cujo centro é a figura do professor e

    a sua perspectiva de verdade, e onde os alunos ouvem,

    perguntam ou respondem - uma outra em que tudo o

    que foi aprendido de forma abstrata, anteriormente, se

  • 31

    reúne na ação dos próprios alunos, quando então as

    motivações são realmente ativadas.

    Especialistas, conhecedores do conteúdo da área de

    especialização, na maioria das vezes não tiveram

    formação pedagógica e nem manifestam qualquer

    interesse pela área; verdadeiramente duvidam de sua

    utilidade, pois as questões que ela aborda não fazem

    parte de seu paradigma de formação. Nem sempre há,

    portanto, o hábito da reflexão conceitual em torno do

    que seja ensinar e, principalmente, de qual forma melhor

    se aprende. Dominam os fundamentos de sua área, mas

    não têm clareza ou ignoram os fundamentos de sua

    ação docente.

    Representam, esse terceiro grupo, a maioria de todos nós,

    envolvidos pelas ambigüidades da época e pelas

    dificuldades que daí decorrem, vinculados ao ensino da

    profissão, portanto, ao futuro próximo, mas mantendo

    posição conservadora, resistente, ainda, em relação ao

    reconhecimento da necessidade de aprofundamento

    nas questões vinculadas à educação.

    A persistência desse desligamento entre as

    preocupações dos arquitetos-professores e as prováveis

    contribuições da área da educação - e as salvaguardas

    com que esse meio ainda se protege, ancoradas na

    defesa da suficiência da prática profissional para a

    condução à docência - negando, sem conhecer, as

    bases e os conhecimentos intrínsecos de uma outra

    profissão, a de professor, é que é de fato espantosa!

    Masseto (1998, p.13) aponta essa condição, generalizada,

    no nível universitário:

  • 32

    (...) a docência no ensino superior exige não apenas

    domínio de conhecimentos a serem transmitidos por um

    professor como também um profissionalismo semelhante

    àquele exigido para o exercício de qualquer profissão. A

    docência nas universidades e faculdades isoladas precisa

    ser encarada de forma profissional, e não

    amadoristicamente.

    Mas também é um fato que se vem ampliando a

    percepção dos arquitetos ligados ao ensino

    relativamente à necessidade de alterações de diversas

    ordens nos cursos de graduação de arquitetura e

    urbanismo, tanto pelo eco, nas escolas, da questão

    profissional do arquiteto - agregando à atuação

    conceitos e procedimentos novos e ampliando as formas

    tradicionais de trabalho na área - como pelo quadro

    geral do ensino no país, que já não pode ser pensado

    sem a consideração do extraordinário aumento da oferta

    de cursos e os desdobramentos alienáveis dessa nova

    situação. Entre estes desdobramentos estão incluídos a

    demanda urgente por docentes, muita vezes com menor

    experiência, e o extraordinário ingresso de alunos

    oriundos de extratos sociais diferentes daquele que

    tradicionalmente compuseram a base dos estudantes de

    arquitetura - cuja cultura de origem era perfeitamente

    adequada para o ensino que se estruturou.

    É compreensível a maior cautela do docente em relação

    às alterações no ensino, pela quantidade de questões

    que podem ser abordadas. É compreensível a

    permanência das dificuldades e do acanhamento em

    romper com estruturas tão arraigadas e de propor novas

    estratégias de ensino. Compreensível, mas não

    justificável.

  • 33

    Daí a importância de orientação em questões específicas

    da educação, recomendação aliás que foi citada por

    quatro entre os cinco relatórios regionais, relativos aos

    encontros promovidos pela CEAU e ABEA, em 1994, e que

    por isso a incluiu no relatório sobre Ensino de Arquitetura e

    Urbanismo - Condições e Diretrizes (BRASIL, 1994, p.28), na

    avaliação final feita sobre as condições do ensino

    oferecido pelos cursos do país: Propõe-se, ainda, o estímulo à adoção de orientação

    didático-pedagógica para arquitetos/professores na

    área de educação, através de encontros locais, regionais

    e nacionais de metodologia do Ensino Superior. Ao

    mesmo tempo deve-se reunir esforços para ampliar a

    reflexão sobre a prática do ensino de Projeto de

    Arquitetura e Urbanismo.

    No pensamento contemporâneo de educação, uma

    questão fundamental na prática docente é invertida: a

    consideração de que o foco do ensino é o aluno deve

    direcionar tanto o conteúdo quanto a forma de ele ser

    conquistado. Nesta perspectiva, torna-se incompatível a

    lógica do conhecimento (que deve ser transmitido), cujo

    centro é o próprio conhecimento, e passa a ser priorizada

    aquela cujo foco é o aluno. Deslocando dessa forma o

    eixo da educação para o aprendizado, este se

    transforma no objetivo central da formação do

    estudante, constituindo-se em uma alteração

    absolutamente significativa no entendimento da

    educação. Para quem se ensina passa a ser uma questão

    básica que se desdobra, necessariamente, em outra: a

    preocupação com a forma como melhor se aprende, como

    é ressaltado por Masetto (1998, p.12): [...] não se tem consciência na prática de que a

    aprendizagem dos alunos é o objetivo central dos cursos

    de graduação e que nosso trabalho de docentes deve

    privilegiar não apenas o processo de ensino, mas o

  • 34

    processo de ensino-aprendizagem, em que a ênfase

    esteja presente na aprendizagem dos alunos e não na

    transmissão de conhecimentos por parte dos professores.

    Outro aspecto merece destaque: é aquele que associa a

    questão pedagógica à construção do conhecimento. Se

    o aluno é o ponto central da ação docente, o modo

    como ele percebe e avalia a sua aprendizagem é

    fundamental para aqueles que atuam como professores

    e coordenadores. É nesse sentido que as dificuldades

    mais comuns aos estudantes precisam ser consideradas e

    verificadas. Algumas delas, generalizadas entre os alunos

    e com freqüência constatadas por professores,

    permanecem, mesmo com as alterações curriculares por

    que tem passado o ensino. No entanto, parecem ser a

    evidência do entrelaçamento de uma conceituação,

    organização e conjunto de práticas didáticas que,

    provavelmente adequadas em um dado momento – e a

    um dado coletivo de alunos - não se ajustam

    integralmente às condições dos tempos atuais.

    O tempo atual não é o tempo da certeza. É aquele que

    desmistificou crenças que alimentaram gerações, valores

    e instituições que ordenaram nossas vidas. Há mais

    opiniões sendo veiculadas, mais demonstrações de fé

    sendo consideradas, mais formas de beleza sendo

    admiradas, mais dúvidas fundamentais instaladas. Como

    esta, de um professor – sempre envolvido com o sentido

    do que faz, intrigado com as questões do ensino da

    profissão, à sua maneira sempre inquieto: Agora, deixa eu fazer uma pergunta, que é o que mais

    me preocupa: será que nós estamos realmente

    pregando no deserto? Quer dizer, que para esse pessoal

    que nós temos não é esse processo, não é o que eles

    querem, e não percebemos como é que seria? O que

  • 35

    nós teríamos que fazer quanto a um processo didático,

    metodológico ou temático diferenciado, não sei.2

    2 MAITREJEAN, J. A. V. Depoimento. In: TEIXEIRA, K. A. A arquitetura moderna no Brasil e a educação do arquiteto. Dissertação (Mestrado em Educação: Supervisão e Currículo) PUC-SP, São Paulo, 1998. p. 93.

  • 36

    Capítulo 2

    Aspectos recorrentes do ensino de projeto de

    arquitetura

    A conceituação geral dos cursos de arquitetura e

    urbanismo1 parte do entendimento de que está na

    natureza da ação do arquiteto a necessidade de

    integrar conhecimentos de diversas áreas, o que implica

    tanto a capacidade de análise das questões envolvidas

    quanto a de sintetizar soluções, concretizadas através do

    projeto. A graduação visa, por isso, proporcionar uma

    formação dirigida à intervenção nas diversas áreas de

    domínio, que incluem a concepção, a construção e a

    transformação do espaço edificado e do território.

    Essas áreas de formação, independentemente dos

    diferentes acréscimos ou agrupamentos de disciplinas

    utilizados pelas escolas e faculdades, envolvem de forma

    constante:

    ▪ instrumentação e formação em desenho: a

    representação das idéias e a materialização das formas,

    adquirida pela prática do desenho, da observação e do

    domínio dos meios atuais de representação;

    ▪tecnologia e sistemas estruturais, construtivos e de

    instalações: os conhecimentos necessários para a

    1 Este entendimento é bastante generalizado; de qualquer modo, pode ser confirmado no enunciado dos cursos pesquisados, constante nos trabalhos programados: Teixeira, K. Identificação e análise de propostas de Integração presentes nos cursos de Arquitetura e Urbanismo do Brasil. São Paulo: FAUUSP, 2004 (envolvendo pesquisa em 57 cursos do país); Identificação e análise da organização dos cursos de Arquitetura e Urbanismo de países de línguas neolatinas. São Paulo: FAUUSP, 2004 (pesquisa envolvendo 34 cursos estrangeiros).

  • 37

    criação de sistemas que viabilizem a concretização da

    obra e garantam a qualidade dos ambientes,

    estendendo-se da edificação à infra-estrutura urbana,

    em seus aspectos técnicos e materiais;

    ▪ conforto ambiental: entendido como um dos

    condicionantes constantes tanto da organização dos

    espaços como da forma, a partir da compreensão das

    condições climáticas, acústicas e de iluminação e do

    domínio das técnicas vinculadas a elas.

    ▪ teoria, história e crítica da arquitetura e do urbanismo:

    os conhecimentos que envolvem a interdependência

    entre as formas edificadas e de apropriação do território,

    registrados ao longo da história, e o meio social, o

    econômico, o ambiente e as tecnologias;

    ▪ projeto de arquitetura, paisagismo e urbanismo:

    atividade integradora dos conhecimentos e das

    competências necessários à resolução de problemas em

    todas as escalas do projeto (do edifício, da cidade e do

    território) e que envolvem tanto o caráter estético e

    humanista quanto os valores de ordem técnica e

    tecnológica, que caracterizam a natureza integradora

    da profissão.

    ▪ planejamento urbano e regional: reúne os

    conhecimentos necessários à elaboração de estudos,

    análises e proposições para o estabelecimento de

    padrões orientadores e de intervenções no espaço

    urbano e regional.

    Os cursos mantêm, na quase totalidade daqueles

    pesquisados, como eixo central da formação do

  • 38

    arquiteto, as atividades de ateliê, onde se desenvolve a

    prática do projeto e para a qual devem convergir os

    conhecimentos obtidos nas diferentes áreas de

    conhecimento, envolvendo as relações entre o objeto e

    os condicionantes do meio, o entendimento das

    necessidades e características do programa, a solução

    dos espaços externos e internos, a escolha das

    tecnologias apropriadas, a atenção com as questões

    relativas ao conforto, sempre na perspectiva de uma

    progressão para a idéia mais abrangente.

    A integração desses conhecimentos, requerida pela

    profissão, é por isso justificadamente enfatizada na

    formação e é expressa no que comumente chamamos

    de capacidade de síntese do aluno. Todavia, embora seja

    uma condição compreendida como imprescindível, ela

    não é verificada, no decorrer dos trabalhos dos

    estudantes, ao longo dos estudos, na medida

    correspondente à ênfase que lhe é atribuída. A não ser

    que nos contentemos com os resultados geralmente

    obtidos, que apontam desempenhos pouco suficientes

    de uma parcela mais significativa dos estudantes, e

    melhores resultados de outra, numericamente menos

    expressiva. Minoria que, como é usual no comentário dos

    professores, caminha sozinha... E, justamente por ser

    menos representativa, quantitativamente, não nos

    autoriza a permanecer com os pressupostos e práticas de

    ensino que temos, ignorando quando os fatos devem

    ditar a procura de novas soluções.

    Uma situação recorrente diz respeito à insistência com

    que a elaboração do projeto de arquitetura, durante a

    formação, continua separada de sua materialização,

    tratada - se diria, à primeira vista, “pelos alunos” - muito

  • 39

    mais como uma questão plástica, meramente formal,

    independente da caracterização física, material e

    construtiva do objeto, sem a preocupação, ou com

    grandes dificuldades, em relação à sua própria

    existência, à sua viabilidade. Seja a solução baseada nos

    recursos conhecidos do modernismo ou no entusiasmo

    imediato que alguns projetos contemporâneos mais

    extravagantes despertam, a proposta desenvolvida pelo

    estudante tende a ser formulada em detrimento dos

    demais aspectos, minimizados ou simplesmente

    ignorados, principalmente aqueles que envolvem os

    conhecimentos teóricos e técnico-científicos. Dentre os

    vários registros sobre o assunto encontrados, há exemplos

    contundentes como o do resultado de pesquisa realizada

    por Vidigal (2004, p.72), centralizada nas escolas de

    arquitetura e urbanismo de Curitiba: “[...] o maior problema

    do ensino de arquitetura, no entanto, para 65% dos professores,

    é o distanciamento entre as disciplinas das áreas teórica e

    tecnológica e o ensino de projeto.”

    Na mesma linha de preocupação, Kufner (2002, p.60, grifo

    nosso) se refere à abrangência da questão: [...] a preocupação em capacitar melhor os alunos em

    seu desenvolvimento intelectual como fonte para um

    desenvolvimento mais consciente da prática projetual,

    ou seja, ‘ saber o que está fazendo ao projetar’ parece

    ser unânime entre todos (docentes e discentes) de norte

    a sul deste país.

    Freqüente, generalizada e persistente nos diversos cursos

    (ZANETTINI,1980; CARVALHO,1994; LEITE, 1998; KUFNER, 2002;

    VIDIGAL, 2004) essa questão sugere como causa, em nosso

    ponto de vista, pelos menos, uma possibilidade da qual

    não se furta: a existência de uma aprovação tácita dos

    cursos, integrante do currículo oculto, que vai permitindo

    ao estudante prosseguir em seus trabalhos de projeto,

  • 40

    independente da consideração do conjunto de

    conteúdos obrigatórios já ministrados em disciplinas de

    outras matérias. É uma boa pista, por isso, o depoimento,

    registrado em ata, de uma representante discente2 de

    curso de graduação (UNVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2004,

    grifo nosso), que: (...) manifesta ser esta desconexão entre teoria e prática

    um problema das disciplinas de ateliê em geral. Observa

    que os conteúdos teóricos das disciplinas dos

    departamentos de História da Arquitetura e de

    Tecnologia da Arquitetura jamais são utilizados - ou

    exigidos - nas disciplinas de ateliê. De maneira geral, a

    atitude dos alunos em ateliê, com relação à teoria,

    restringe-se a aplicar o pouco que é diretamente

    ministrado na disciplina [de Projeto] em si mesma e quase

    nunca os conteúdos das demais disciplinas do curso”.

    Os valores veiculados no ensino tratam, justamente, da

    “formação”, por isso afetam o comportamento dos

    futuros profissionais, neles incutindo tanto procedimentos

    de resistência como de modificação ou alteração dos

    elementos ideológicos da ocupação (DURAND, 1989).

    Nesse entendimento, essa situação que se origina, no

    ensino, a partir da desconexão entre conteúdos das

    áreas de formação e que desliza, durante o aprendizado,

    para a permissão da desconsideração de alguns saberes

    de disciplinas obrigatórias nos trabalhos que os

    estudantes desenvolvem, com freqüência se estende à

    prática profissional3, naquele entendimento de projeto

    arquitetônico preocupado apenas com as características

    2 Tanaka, G. In: FAU PENSA A GRADUAÇÂO 2001. Depoimento da representante discente. O documento relata os resultados do Ciclo de Debates que a FAUUSP promoveu sobre o ensino de graduação e é uma contribuição extraordinária para a pesquisa sobre diferentes aspectos desse ensino 3 CARVALHO, J. M. N. Prática de Arquitetura e Conhecimento Técnico. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – FAU USP, São Paulo, 1994. O trabalho aponta a carência de conhecimento básico estrutural dos arquitetos e inclui depoimentos de profissionais a esse respeito.

  • 41

    finais da forma, materiais aparentes, textura,

    descompromissado com conhecimentos pregressos da

    área, e omisso nas questões do como fazer. Situação que

    expõe e fragiliza parte dos arquitetos e, por extensão

    natural, a compreensão social sobre os atributos da

    profissão, permitindo tanto a substituição inconseqüente

    de valores específicos da arquitetura por outros, mais

    exclusivamente ligados às questões visuais, com o reforço

    da identificação do arquiteto, ainda, como o profissional

    das boas idéias.

    Tal identificação, além de ignorar ou desprezar o

    conjunto de trabalho e conhecimento que sustenta e

    autoriza aquela “boa idéia”, nos equipara a outras

    profissões, cujo exercício não depende nem da nossa

    longa e cara formação superior nem da regulamentação

    a que estamos sujeitos.

    A desarticulação entre as diferentes fontes de

    conhecimento que comparecem na educação do

    arquiteto e que constituem disciplinas obrigatórias, ou

    ainda a menor presença de determinados conteúdos,

    em termos de valor a eles atribuído na prática do

    currículo (e não necessariamente de quantidade de

    carga horária), é uma constatação recorrente, presença

    assídua no discurso dos docentes, apontada em

    discussões internas de cursos, documentos, análises de

    diferentes autores4. Em trabalho corajoso, tanto sintético

    quanto abrangente sobre o ensino de projeto, Zanettini

    4 Sobre essa questão, o conjunto dos Cadernos – ABEA são uma fonte importante, com o registro do pensamento de professores de diferentes áreas da formação e de diferentes instituições, além das dissertações e teses sobre ensino de arquitetura e urbanismo, várias delas integrantes da bibliografia.

  • 42

    (1980, p.93) advertia sobre tais insuficiências da formação,

    já em 1974: (...) pelo menos, fazer o seu pré-dimensionamento ou,

    menos ainda, de lançar um partido estrutural correto; de

    conceber ou discutir uma rede de hidráulica; de calcular

    o nível de aclaramento de um ambiente; de detalhar um

    para-sol como resposta técnica-coerente à orientação

    da face de um edifício; de orientar o desenvolvimento de

    um sistema construtivo (...)

    Na mesma linha seguiram as considerações de Graeff

    (1995, p. 130, grifo nosso), em um dos trechos mais

    conhecido de trabalho realizado em 1984, analisando a

    dicotomia entre arte e técnica, na defesa das

    características da atividade: (...) O divórcio esse, entre a concepção-projeto da obra

    e sua realização-construção, gera graves conseqüências

    para a arquitetura: o desenho se faz cada vez menos

    projeto e mais desenho mesmo, e a arquitetura passa a

    ser, cada vez mais, pensada e avaliada como arte

    plástica... O saber fazer arquitetura vai dando lugar, na

    formação do arquiteto, ao saber desenhar e discursar

    sobre arquitetura. Assim, o divórcio entre arte e técnica

    na arquitetura começa com o distanciamento entre

    teoria e prática, o desenho / proposta teórica e a

    construção / realização prática da obra, vale dizer, do

    espaço.

    No entanto, os conhecimentos técnico-científicos são

    entendidos socialmente como uma necessidade

    intrínseca à atividade do arquiteto e é o reconhecimento

    dessa necessidade uma das fortes razões que justifica a

    regulamentação5 da profissão e a existência, na

    5 A elaboração de projetos de lei destinados a regulamentar o exercício das profissões segue as recomendações da CTASP: “ [...] a) imprescindibilidade de que a atividade profissional a ser regulamentada – se exercida por pessoa desprovida da formação e das qualificações adequada – possa oferecer riscos à saúde, ao bem – estar, à segurança ou aos interesses patrimoniais da população; b) real necessidade de conhecimentos técnico-científicos para o desenvolvimento da atividade profissional, os quais tornem indispensável a

  • 43

    formação, das disciplinas correspondentes,

    coerentemente conceituadas como profissionalizantes e

    obrigatórias nos cursos de todo o país.

    A hipótese que orienta esse trabalho é a de que as

    disciplinas responsáveis pelo desenvolvimento da

    atividade de projeto se mantêm precariamente

    organizadas, recusando-se, por diferentes razões, a

    assumirem o papel natural que lhes é inerente de

    aglutinadora, integradora dos conhecimentos que

    intervêm na elaboração de um projeto – permanecendo

    mais na posição, inegavelmente confortável, de

    expectativa da síntese dos conhecimentos a ser realizada

    pelo aluno, do que na busca de uma atuação integrada

    no desenvolvimento interno da própria disciplina,

    correspondendo à atividade de projeto. Defende-se que,

    se a inter-relação de saberes não vem dada pelas fontes

    que originam os conteúdos, é preciso buscá-las tanto na

    organização dos cursos como nas práticas didáticas e

    que, para maiores cotas de autonomia – seja dos

    docentes, dos alunos ou de ambos, a necessidade de

    atuação integrada aumenta, particularmente nas

    disciplinas obrigatórias.

    São conhecidas várias das circunstâncias que estão na

    origem do ensino que temos; o exame de algumas delas

    e dos valores a elas associados, que persistem como

    pano de fundo ainda ativo, importam para o

    entendimento de como opera o locus de resistência e,

    conseqüentemente, para a possibilidade de uma

    compreensão mais alargada da nossa dificuldade em

    interromper, de forma efetiva, os aspectos recorrentes.

    regulamentação; [...]”. In: Brasil. Perfis da Área & Padrões de Qualidade – Expansão, Reconhecimento e Verificação Periódica dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo. Brasília, 1995, p.6.

  • 44

    Porque perduram e porque têm importância no

    desdobramento desse trabalho, essas questões – algumas

    delas objeto da pesquisa de outros autores, que as

    aprofundaram, são aqui rapidamente relembradas.

    A argumentação a seguir relaciona as conseqüências da

    permanência da separação entre arte e técnica no

    ensino de arquitetura, a presença de requisitos

    particularmente especiais cobrados aos estudantes para

    o ingresso nos cursos, e a constância das mesmas

    práticas escolares.

    A tensão entre “arte” e “técnica” remonta suas raízes,

    como se sabe, ao Renascimento italiano. Anteriormente,

    das pirâmides às catedrais góticas, arquitetura e

    construção foram sempre atividades indissociáveis. O

    “mestre construtor” do Egito, o “architekton” da Grécia

    clássica, o “ architetto” de Roma ou o “capomastro” da

    Idade Média são incumbidos tanto da concepção dos

    projetos como da condução das obras e do comando

    dos artesãos das diversas artes que a construção

    requeria. A característica principal e comum ao

    aprendizado da profissão, nesses períodos, é a de que ele

    se desenvolve na própria área do canteiro,

    minuciosamente, através do conhecimento prático do

    ofício, atento à lógica dos materiais que conduz as

    decisões da construção e dentro da relação tutelada de

    mestre-aprendiz: ver fazer e fazer, ver fazer e fazer.

    Raramente o arquiteto existia, nesses tempos, como um

    indivíduo independente.

    A Renascença irá alterar, drasticamente, o

    desenvolvimento da atividade. Até então, o gótico está

    enraizado na prática, ensinado e aprendido nos canteiros

  • 45

    e obras que funcionam como centros de formação

    profissional, transmitindo, de geração para geração, os

    conhecimentos que se vão aperfeiçoando.

    A retomada dos padrões clássicos, formas e técnicas da

    Antiguidade, como o ideal de harmonia desejado para a

    arquitetura, não se originou, portanto, no interior do

    conhecimento em vigor; pelo contrário, foi ambicionada

    “[...] surgia de las cabeças de artistas {...}” (THOENES, 2003, p.

    10) e daqueles que se empenhavam na leitura dos

    autores antigos.

    Como toda demarcação idealizada, contrapunha-se ao

    existente, ao costume da profissão, àquilo que era a lição

    do canteiro e, por isso mesmo criou, para a cultura que

    seria agora legitimada, a necessidade tanto de que sua

    teoria fosse estudada como a de que o artista fosse

    capaz de autonomia: decidir e fazer: [...] l’artista medievale era responsabile solo dell’esecuzione perché i

    contenuti e perfino i temi di immagine gli erano dati; ora l’artista deve

    trovarli e definirli, cioè non opera più secondo direttive ideologiche

    imposte da un’autorità superiore o da uma tradizione consacrata, ma

    determina in modo autônomo l’orientamento ideológico e culturale

    del próprio lavoro. L’arte non è più uma attività manuale o

    mechanica, sia pure d’alto livello, ma intellettuale o liberalis. (ARGAN, 1988, vol2, p. 106)

    Quanto à sua origem social, o arquiteto desse período

    sairá principalmente das classes letradas. Pode ser um

    homem da corte, mas, antes de tudo, é um artista.

    Distinto dos pedreiros, carpinteiros e construtores, com

    clientela elitizada, instruída, sensível às idéias humanistas,

    o arquiteto renascentista obtém a distinção e ascensão

    social que, parece, almejava. Essa mesma nova

    condição permitirá, também, que muitas vezes ele seja

  • 46

    substituído por pintores e escultores na concepção dos

    espaços renascentistas: É quando se destacam figuras gigantescas como

    Bramante, Michelangelo, entre dezenas de outros

    escultores-pintores-arquitetos que armaram o cenário da

    extraordinária aventura do Renascimento.(GRAEFF,

    1995, p.129).

    Os desdobramentos desse quadro ao longo do tempo

    acabarão por introduzir uma dicotomia contundente

    entre concepção e execução, entre arte e técnica, que

    será reforçada duplamente: primeiro, com a significativa

    alteração do local de formação dos arquitetos,

    transferido da obra para o ateliê de pintores e escultores

    e, depois, para as academias as quais, à medida que se

    institucionalizam, solidificam tanto o afastamento do

    aprendiz do canteiro como a crescente ausência dos

    mestres ligados à prática da atividade. Paralelamente à

    institucionalização das academias, há o

    desmantelamento progressivo das corporações de ofício

    que, durante o período medieval, haviam tido papel

    fundamental na natureza da formação e do exercício

    profissional dos arquitetos/construtores.

    A Academie Royale dArchitecture, a primeira, oriunda do

    ensino para a formação dos arquitects du roi, na França

    de Luiz XIV - foi estabelecida por Colbert em 1671, sob

    inspiração do renascimento italiano, significativamente

    “depois de comissionar Perrault para traduzir Vitruvius.”

    (TSCHUMI, 1995, p.24). Dela derivou a École des Beaux-Arts

    de Paris, que servirá internacionalmente de modelo para

    a educação institucional do arquiteto.

    A espinha dorsal da formação no sistema Beaux Arts é o

    ensino da forma correta, resultado da aplicação da

  • 47

    teoria da composição e da adoção das soluções

    consagradas. No modelo pedagógico, o aprendizado do

    projeto arquitetônico se dá através de exercícios que –

    realizados nos limites do papel e com permissão para

    ignorar as questões técnicas – tratam, de forma exclusiva,

    de edifícios de caráter monumental, vinculados à

    administração pública e às elites, desenvolvidos “ [...] sob

    a orientação do patron do ateliê, em geral um arquiteto de

    prestígio que havia recebido a mesma formação.”

    (FICHER,1988, p.137).6 Estava definida a primeira

    dissociação a que se refere Tschumi (1995): os arquitetos

    não mais constroem.

    Quando a Revolução Industrial se instala - e as demandas

    e possibilidades científicas e técnicas se ampliam

    vigorosamente, induzindo a inevitáveis mudanças

    culturais – a Academia é incapaz de reagir,

    permanecendo “na defesa de sua arte, contra as ameaças

    da ciência” (GRAEFF, 1995, p.58) e tornando insuficientes as

    possibilidades do ensino que se vincula apenas aos

    valores das artes plásticas. Uma resposta às novas

    necessidades será dada por Monge, em 1794, quando

    organiza a École Polytechnique, com os cursos de

    engenharia, incluindo o de engenharia civil, tendo o

    conhecimento técnico como o pivô do ensino, como seu

    fio condutor.

    Cento e vinte e cinco anos depois, a experiência

    vigorosa da Bauhaus (1919), embora de curtíssima

    duração, propõe uma solução à dicotomia, inovando a

    concepção e estruturação desse ensino, empenhada em

    fundir arte e técnica. Mas o sistema das Beaux-Arts

    6 FICHER, S. Ensino, Documentação e Pesquisa. Revista Projeto, São Paulo, n° 114, p. 135-140, set. 1988.

  • 48

    sobreviveu tanto a ela como à Politécnica, influenciou

    decididamente arquitetos europeus e, desde o século

    XIX, a constituição e formação de escolas nas três

    Américas.

    No Brasil, portanto, é esse o espírito que orienta o ensino

    na Academia Imperial no Rio de Janeiro, com a vinda da

    Missão Francesa, e é o que permanece, quando, com a

    República, a Academia transformou-se em Escola

    Nacional de Belas Artes –ENBA, a primeira e a principal

    referência para a educação escolarizada do arquiteto

    no Brasil, até cerca de 1950, com estrutura

    marcadamente convencional. Em outros estados,

    prosseguem cursos antigos: derivados dos cursos de

    engenharia, vinculados à Escola Politécnica da USP(1894)

    e ao Mackenzie College(1917), em São Paulo; o de Belo

    Horizonte (1930) e o de Salvador (1896).

    A exceção, no ensino desse período, foi dada pela

    brevíssima experiência de Lúcio Costa na direção da

    ENBA (pela qual também havia sido diplomado), entre

    1930 e 1931; aliada à divulgação, por extenso, das

    “Razões da Nova Arquitetura”, impulsionou um

    movimento de renovação nessa área que, em sua

    essência, é progressista e reúne, na base, profissionais

    respeitados, tanto no sentido de dominarem as técnicas

    e artes desenvolvidas, quanto no de partilharem

    preocupações sociais.

    Uma sucessão de campanhas envolvendo profissionais,

    docentes e estudantes irá moldando, ao longo do

    tempo, o ensino que veio a caracterizar a área. A partir

    da década de 30, as articulações são vinculadas ao

    processo de emancipação – tanto buscando as

  • 49

    expressões de arquitetura tipicamente nacionais, aliadas

    às modernas tecnologias, como a instrução normativa

    das profissões envolvidas com a construção, obtida em

    1933, com a regulamentação nacional para engenheiros,

    arquitetos e agrimensores.

    Embora no panorama internacional as vanguardas do

    século XX tivessem suas lideranças divididas entre alguns

    arquitetos, Frank L. Wright, Mies Van der Rohe, Gropius e

    Le Corbusier, ao Brasil elas chegam quase que com uma

    única orientação: aquela do pensamento de Le

    Corbusier, arquiteto e pintor que, por uma série de

    circunstâncias, fora dos limites desse trabalho, tem rápida

    aceitação, tornando-se hegemônica.

    A presença de Le Corbusier no Brasil em 1929 e

    novamente em 1936 reforça a afinidade entre suas

    concepções e aquelas do grupo de jovens arquitetos

    cariocas. O projeto do Ministério da Educação no Rio de

    Janeiro em 1936, realizado durante o governo Vargas,

    sob o patrocínio do ministro Gustavo Capanema, e

    resultado da colaboração entre Le Corbusier e esse

    grupo de arquitetos - onde se sobressaem Lúcio Costa e

    Oscar Niemeyer - consegue fazer-se notar em nível

    internacional, reforça no país a influência da tendência

    corbusiana, e alavanca o futuro da arquitetura moderna,

    ao mesmo tempo em que dá início à boa safra de

    projetos.

    Nos anos 50, existe otimismo e existe futuro, existe um

    projeto nacional. A comunidade universitária se envolve

    com a questão da industrialização e da modernização,

    entusiasmada com o conhecimento científico: todos os

    projetos poderiam ter êxito. A modernidade iniciada no

  • 50

    país na década de 30 é fortalecida a partir de 1955, com

    a idéia de desenvolvimento aderente ao progresso

    técnico.

    À arquitetura brasileira, já prestigiada nacionalmente,

    interessa a criação de novos quadros. Nas décadas de

    40, 50 e 60, paralelamente ao crescimento do prestígio

    da atividade, o movimento trata de plantar as suas raízes

    voltando-se, sucessivamente, para a autonomia do

    ensino de arquitetura, tanto em relação às estruturas das

    belas artes como às das politécnicas, e para a

    constituição de currículo próprio para a formação do

    arquiteto. É o período que marca a luta pela autonomia

    desse ensino e marca a história da Arquitetura Brasileira,

    com a planificação e construção de Brasília.

    É extraordinário o poder de agregação que os resultados

    da nossa nova arquitetura representaram para o meio

    profissional e estudantil. Alavancado pela forte

    repercussão da construção de Brasília, externamente ao

    país, o coletivo desses trabalhos foi o testemunho da

    conquista, do acerto do rumo da produção brasileira,

    consolidando, entre profissionais e estudantes, um padrão

    consistente de identidade cultural e profissional.

    O projeto didático subjacente ao conjunto do

    pensamento em vigor se apóia em uma diretriz: o

    docente é um profissional ligado à produção de

    arquitetura ou da arte e é sob essa condição

    imprescindível que se vincula ao ensino. O corpo

    docente é formado por arquitetos carismáticos,

    respeitados em sua área de atuação, quase mitos. A

    Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade

    de São Paulo, a Faculdade de Arquitetura da

  • 51

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Faculdade

    de Arquitetura da Universidade de Brasília representam as

    principais escolas e experiências desse período no país,

    implantando as duas primeiras, em 1962, seus novos

    currículos, conseqüências das amplas discussões

    fermentadas desde os anos 50.

    Na FAUUSP, por exemplo, é o conceito de projeto que

    centraliza e estrutura o ensino, transformando o ateliê no

    principal espaço de aula e discussão. Implementando as

    idéias de currículo próprio e o de ampla formação, sob

    influência da experiência da Bauhaus, são introduzidos os

    laboratórios para experimentação, as disciplinas de

    tecnologia, as de teoria e história e as de urbanismo.

    Todo o curso é organizado em departamentos: Técnicas,

    História e Projeto, neste último incluídos o planejamento

    urbano, o edifício, o desenho industrial e a comunicação

    visual. O conceito de projeto centraliza e estrutura o

    ensino, transformando o ateliê no principal espaço de