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ESPAÇOS DE PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE: ENSINO MÉDIO, CONSELHO DE CLASSE E PRÁTICA DOCENTE EM QUESTÃO A partir da compreensão de que a atuação docente é reflexo de sentidos atribuídos ao objeto do seu fazer e à condição do seu saber, no debate sobre formação de professores cada vez mais vem sendo reconhecido o caráter formador desta atuação nos espaços intra e extra escolar. Tendo por base tal entendimento, revelador da complexidade da constituição da docência, este painel congrega três estudos que, reconhecendo a pertinência de focar cenas na educação pública, traz olhares sobre espaços de profissionalização docente em cenários distintos. Para tanto, ancorando-se em estudos que concebem a relação Didática e Prática de Ensino como um elemento fundante do debate sobre formação de professores, o primeiro estudo, referenciando-se em trabalhos que se debruçam sobre a temática da identidade profissional docente, trata de elementos que influenciaram professores a optar pela docência e atuação no Ensino Médio. O segundo estudo, tendo em conta um descompasso entre o avanço do debate sobre conselho de classe e a resistente configuração desta instância como lugar de julgamento, tem como foco de atenção um levantamento de estudos sobre a temática conselho de classe na sua relação com a Teoria das Representações Sociais. E o terceiro estudo, realçando o diálogo entre saberes disciplinares e saberes pedagógicos no processo de mediar o aprender a ensinar, traz contributos de práticas docentes na universidade no processo do “vir a ser professor” do estudante em curso de formação de professores. Nesse quadro, contemplando um diálogo entre categorias analíticas distintas, o painel se justifica pela proposta de reflexão sobre o caráter formativo da atuação docente na sua condição de espaço privilegiado de profissionalização. Palavras-Chave: Profissionalização Docente, Ensino Médio, Conselho de Classe XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 1730 ISSN 2177-336X

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ESPAÇOS DE PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE: ENSINO MÉDIO,

CONSELHO DE CLASSE E PRÁTICA DOCENTE EM QUESTÃO

A partir da compreensão de que a atuação docente é reflexo de sentidos atribuídos ao

objeto do seu fazer e à condição do seu saber, no debate sobre formação de professores

cada vez mais vem sendo reconhecido o caráter formador desta atuação nos espaços

intra e extra escolar. Tendo por base tal entendimento, revelador da complexidade da

constituição da docência, este painel congrega três estudos que, reconhecendo a

pertinência de focar cenas na educação pública, traz olhares sobre espaços de

profissionalização docente em cenários distintos. Para tanto, ancorando-se em estudos

que concebem a relação Didática e Prática de Ensino como um elemento fundante do

debate sobre formação de professores, o primeiro estudo, referenciando-se em trabalhos

que se debruçam sobre a temática da identidade profissional docente, trata de elementos

que influenciaram professores a optar pela docência e atuação no Ensino Médio. O

segundo estudo, tendo em conta um descompasso entre o avanço do debate sobre

conselho de classe e a resistente configuração desta instância como lugar de julgamento,

tem como foco de atenção um levantamento de estudos sobre a temática conselho de

classe na sua relação com a Teoria das Representações Sociais. E o terceiro estudo,

realçando o diálogo entre saberes disciplinares e saberes pedagógicos no processo de

mediar o aprender a ensinar, traz contributos de práticas docentes na universidade no

processo do “vir a ser professor” do estudante em curso de formação de professores.

Nesse quadro, contemplando um diálogo entre categorias analíticas distintas, o painel se

justifica pela proposta de reflexão sobre o caráter formativo da atuação docente na sua

condição de espaço privilegiado de profissionalização.

Palavras-Chave: Profissionalização Docente, Ensino Médio, Conselho de Classe

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1730ISSN 2177-336X

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VIR A SER PROFESSOR: PRÁTICA DOCENTE NA UNIVERSIDADE EM

QUESTÃO

Áurea Maria Costa Rocha

Faculdade de Ciências Humanas de Olinda

Resumo

Este texto emerge de estudos realizados durante o mestrado e tem como foco olhares

sobre contributos de práticas docentes na universidade no processo “vir a ser professor”

dos estudantes em curso de formação de professores. Nesse quadro, congrega uma

reflexão sobre a importância da prática docente na dinâmica de transição do “olhar de

estudante, para o olhar de futuro professor”, na perspectiva de domínio e de diálogo

entre saberes disciplinares e saberes pedagógicos no processo de aprender a ensinar. O

levantamento de dados, de caráter qualitativo, teve como procedimento privilegiado a

observação participante, interpretados à luz da análise de conteúdos. O Campo empírico

foi constituído por uma escola Municipal e o Curso de Pedagogia de uma universidade

pública. A aula tornou-se espaço de descobertas, pois oportunizou a construção e

ressignificação de saberes e prática. A observação aconteceu nos espaços de formação,

aqui denominados espaço de formação acadêmica (universidade) e espaço de exercício

profissional (a escola pública). Os sujeitos foram dois professores e estudantes de

Pedagogia. Os dados permitiram inferir que a orientação teórico-metodológica, reflexo

de um domínio dos fundamentos epistemológicos do campo didático-pedagógico e

disciplinar, configura-se em elemento estruturante da dinâmica de transição do “olhar

de estudante, para o olhar de futuro professor” no âmbito do espaço formativo sala

de aula. Evidenciaram também que a aproximação entre os espaços de formação

(universidade e escola pública) teve importância fundante no processo de “vir a ser

professor”, pois o caráter processual que circunscreveu a dinâmica do “ir e vir” dos

discentes à escola possibilitou refletir sobre a ação docente não só na sala de aula, mas

na dinâmica da escola como um todo, à luz da literatura estudada, e da mediação

docente. No caso, favorecendo a multiplicidade de olhares sobre o fato observável,

resultando inferências, questionamentos, e novas proposições sobre a ação docente.

Palavras chave: Formação de Professores, Prática Docente e Docência na universidade.

Introdução

Ao se discutir o tema Formação de professores hoje, no que diz respeito ao processo de

“vir a ser professor” não podemos nos afastar da preocupação com a construção dos

saberes docente pelos discentes nos espaços formativos, espaços estes, em que a ação

docente é materializada, e nem da perspectiva de domínio e de diálogo entre saberes

disciplinares e saberes pedagógicos, no processo de aprender a ensinar.

O conceito de ensinar, ainda hoje, apresenta uma tensão profunda entre “professar um

saber” e “fazer outros se apropriarem de um saber”. É caracterizado pela dupla

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transitividade Freire (1997), e pelo lugar da mediação. Ou seja, “ensinar implica fazer

aprender alguma coisa a alguém” ROLDÃO (2005 p. 2).

A ação de ensinar surge dos diversos saberes formais e experienciais, que o professor

apreende durante sua história de vida e trajetória profissional, e a partir de Tardif

(2002), passamos a considerar os professores como sujeitos do seu próprio

conhecimento, com saberes específicos à sua profissão.

No que tange, a formação de professores temos como principal desafio abrir espaço para

uma lógica de formação profissional que reconheça os estudantes como sujeitos do

conhecimento. Essa lógica profissional necessita ser balizada na análise das práticas,

das tarefas de conhecimento dos professores, através da reflexão, considerando os

condicionantes reais do trabalho docente e as estratégias utilizadas para eliminar esses

condicionantes na ação. (TARDIF, 2002)

Neste contexto, Nóvoa (1992) pensa essa formação além de elementos da própria

história de vida pessoal, envolve os aspectos da formação profissional inicial, passando

também pela transformação da cultura escolar, a qual inclui a implementação e

consolidação de novas práticas, sendo fundamental a reflexão sobre a dimensão política

do ato educativo. Afirmando ainda, ter ela, um lugar central no debate sobre a

Educação, sendo um processo permanente, integrado ao dia-a-dia dos professores e das

escolas. E que hoje se constitui um desafio para esta formação, conceber a escola como

um ambiente educativo, em que formar e trabalhar não seja atividades distintas, pois a

formação dos professores acontece no espaço de formação acadêmica e no espaço de

exercício profissional.

Complementando essa ideia Schön (2000) chama a atenção para o fato de que a

formação de professores não se dá em momentos distintos, mas no diálogo, entre teoria

e prática, reafirmando a ideia de que teoria e prática se constituem em dados

indissociáveis, o que é ratificado por Veiga (1993) que em seus estudos tem apontado à

formação de professores situada numa concepção de educação como prática social, no

âmbito de um processo lógico de emancipação, na qual o professor é o agente social.

Conforme essa autora, o professor formado nessa perspectiva passa a compreender a

função social da escola e dos seus saberes. Relaciona suas atividades profissionais com

o contexto no qual se insere, proporcionando aprendizagens significativas, uma vez que

compreende as necessidades educativas dos seus educandos e as suas atividades são

sistematizadas para atender o propósito de uma educação que promova a construção de

uma cidadania participativa.

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O processo de “vir a ser professor” implica entre outros aspectos na perspectiva de

“aprender a ensinar”. Nessa direção ressaltamos Freire (1997, p.26) quando afirma que

“inexiste validade no ensino de que não resulta um aprendizado em que o aprendiz não

se tornou capaz de recriar ou de refazer o ensinado”. Também convocamos Tardif

(2002, p.20-21) ao dizer que “ensinar supõe aprender a ensinar, ou seja, aprender a

dominar progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho docente”.

Nessa direção, percebemos que cada vez mais se torna necessário que os professores se

apropriem de um corpo de conhecimentos profissionais sobre saber ensinar, e saber

como ensinar e saber como ensinar a ensinar.

A partir do que vimos expondo, compreendemos que a formação inicial necessita de

inovações, e em especial, no que se refere aos processos de aprender a ensinar. Assim é

que nos propomos neste estudo a refletir sobre a importância da prática docente na

dinâmica de transição do “olhar de estudante, para o olhar de futuro professor”, no

processo de aprender a ensinar.

Docência na Universidade em questão

A Docência na Universidade é um tema que cada vez mais se torna presente e

desafiador no espaço acadêmico. Esse campo de conhecimento tem descortinado

diversas problemáticas nos espaços institucionais da educação superior, sobretudo

devido às transformações no plano social e cultural que refletem o contexto atual.

Entre essas encontramos as críticas sobre a Formação de Professores que entre outros

fatores recaem sobre a falta de competência de alguns professores para lidar com as

exigências que permeiam o espaço da sala de aula, sua imprevisibilidade, suas

diferenças, suas singularidades e especificidades.

Nesse contexto, compreendemos que a docência universitária exige, entre outros

aspectos, a compreensão da reconceitualização da docência inserida num processo de

definição identitária da Universidade no que tange à transição de um novo modo de

produzir conhecimento que enfatiza considerar a complexidade das questões

pedagógico-didáticas neste lócus.

As ações que se impõe ao professor universitário hoje são bastante diversas da

tradicionalmente praticada, tomaram outra dimensão e exige dos professores um

conhecimento consistente acerca da disciplina das atividades e da maneira como os

estudantes aprendem (ZABALZA, 2004). No caso um conhecimento que, em geral e na

Formação de Professores em especial, exige a indissociabilidade entre teoria e prática.

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Isso porque pesquisas, a exemplo de Rocha (2008), evidenciam que os professores em

formação constroem os saberes da docência numa relação entre os diferentes espaços de

formação e diferentes formadores, e reconhecem também que a história de vida dos

estudantes influencia sobremaneira a forma como ressignificam os saberes docentes,

além de reconhecermos que é notória a influência das práticas dos professores sobre os

aspectos formativos em que se constituem os saberes da docência dos discentes em

formação.

Nesse sentido, também a docência não pode mais ser entendida numa perspectiva

apenas de imitação ou reprodução. Uma docência na qual o professor é o detentor do

saber e, os alunos simples depositários, sem que se reflita sobre o que ensinar, por que e

para que ensinar. Uma docência na qual o professor seja responsável pelo ensino e co-

responsável pela aprendizagem, superando a visão de que apenas os conhecimentos

disciplinares lhe seja suficiente para ensinar. A docência hoje, por ser uma atividade

complexa, está sempre em processo, em movimento, mas transita também entre

sentimentos e inovações (CUNHA, 2007).

Ademais, é na sala de aula onde se legitima o trabalho e profissionalização do professor.

É nela onde ocorre a síntese dos saberes docentes, é um espaço em que emergem os

grandes desafios à docência na universidade, é um local em que ocorre a mediação

didática, é ainda um lugar privilegiado dos processos de ensino e aprendizagem

indispensáveis à formação dos que dela fazem parte: professor e aluno.

Além disso, Tardif e Lessard (2005, p. 277) defendem que;

Entrar numa sala de aula [...] é ser absolvido pelas estruturas práticas

do trabalho escolar, marcando a vida, a experiência e a identidade das

gerações de professores, é fazer e refazer pessoalmente essa

experiência,[...] apropriar-se dela, prová-la e suportá-la, dando-lhe

sentido para si e para os estudantes.

Ensinar é um processo no qual a experiência do professor é determinante. Assim,

compreendemos que o ensino é uma prática social, não só porque se concretiza na

interação entre professores e alunos, mas também porque esses atores refletem a cultura

e os contextos sociais a que pertencem. Desse modo, a intervenção pedagógica do

professor é influenciada pelo modo como ele pensa e como ele age nas diversas faces da

sua vida (LANGFORD, 1989).

Partindo do pressuposto de que a formação supõe num mesmo ato a auto formação os

estudos de Souza (2009) defendem que a formação docente e a prática formadora sejam

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compreendidas na ação reflexão sobre a ação Consigo, com o Outro e com o Mundo,

orientada por processos educativos implicados na dimensão ética da prática humana.

Podemos pensar que a prática docente é, antes de tudo, o exercício de convicções que

foram pensadas, tecidas histórica e coletivamente. Ou seja, de acordo com o que

Sacristán (1999, p. 71), expressa;

[...] as práticas profissionais, ao mesmo tempo em que dependem de

decisões individuais, organizam-se também, a partir de normas

coletivas adotadas por outros professores e pelas regulações

burocráticas e administrativas da organização escolar. É importante

nesse ponto destacar que há uma tensão permanente entre a cultura

profissional historicamente construída e os projetos inovadores, ou

projetos locais ou mesmo projetos individuais.

Ampliando essa compreensão, Souza (2009) concebe a prática docente como uma

dimensão da prática pedagógica, interconectada com a prática gestora, a prática discente

e a prática gnosiológica e/ou epistemológica.

Compreendemos então, a prática docente diferente da prática pedagógica. Nessa

perspectiva, a prática pedagógica é mais ampla que a prática docente, nem por isso

menos importante. Por tal razão acreditamos que para nosso estudo a prática que irá

definir a relação entre saberes e prática do docente na universidade, objeto desse estudo,

encontra-se interconectada com a prática pedagógica, por acreditarmos que dela nunca

pode se dissociar.

Metodologia

O estudo seguiu a abordagem qualitativa Minayo (2001) tendo como foco olhares sobre

contributos de práticas docentes na universidade no processo “vir a ser professor” do

estudante em curso de formação de professores. Nesse quadro, congrega uma reflexão

sobre a importância da prática docente na dinâmica de transição do “olhar de

estudante, para o olhar de futuro professor”, na perspectiva de domínio e de diálogo

entre saberes disciplinares e saberes pedagógicos no processo de aprender a ensinar.

Para coletar os dados, tendo por base Valladares (2007), recorremos a Observação

Participante, num total de 240 horas/aula, que aconteceu nos dois espaços de formação

(escola e universidade). Observávamos as aulas na universidade, onde acontecia a

orientação e a socialização dos saberes e acompanhávamos as duplas na escola pública

durante todo o semestre, nas atividades propostas. Os sujeitos da pesquisa que

utilizaremos neste recorte são: professora da Educação Básica (PEB) e Professor do

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Ensino Universitário (PEU), três turmas de Pedagogia (A, B, e C) e os estudantes

codificados nesta sequência: (Est.A1; EstA2..), (Est.B1, Est.B2...) (Estudante turma e

número), além das três duplas que realizaram estudos na escola assim

codificadas.(Dupla. turma. número) (Dup.A1), (Dup.B2), (Dup.C3). Esta metodologia

nos permitiu acompanhar as duplas no seu “ir e vir”, transitando entre os espaços de

formação, ora filmando, gravando, anotando, conhecendo mais de perto os estudantes.

O que nos proporcionou poder analisar a relação que eles faziam entre o que

observavam e o que relatavam nos círculos de socialização, corroborando o fato

observável e a compreensão que conseguiam perceber, além de ouvir os comentários

relativos à pratica docente de (PEU) .Os círculos de socialização foram ricos para se

perceber, relações entre o vivido e as criticas à luz do estudado e o surgimento de novas

ideias sobre ´processo de aprender a olhar a escola com os olhos de professor. Os dados

foram interpretados segundo a análise temática referendada em Bardin (2004).

Do olhar de Estudante ao “Olhar de Professor”: a Escola enquanto espaço de

profissionalização e investigação pedagógica

Os fragmentos a seguir apresentam elementos que se fazem presentes na prática docente

e os saberes que são articulados pelo docente na perspectiva, de que os futuros

professores desenvolvam o “olhar de futuro professor”.

O recorte apresenta o inicio do estudo sobre a Escola espaço de profissionalização. O

professor utilizando-se da metáfora (o que é o pão?) orienta o “olhar” do estudante

sobre este espaço. As respostas são as mais diferentes possíveis. Reflete em conjunto!

“Se sobre o pão que é objeto do nosso cotidiano, vocês definiram de diferentes formas,

imaginem sobre a escola o que haverão de responder” (PEU). A intencionalidade do

professor, agora é desafiar a turma no sentido de aguçar a curiosidade epistemológica

sobre o espaço escolar, para que a partir dele; “Reconheçam a função social da Escola!

Observem sua dinâmica para refletirem sobre como o professor vê a Escola e Como os

professores se veem na Escola?” Vejamos as provocações que ele faz à turma;

De onde veem essas crianças? Como entram e saem da Escola? Como se aprende?

Quando se aprende? Qual é a lógica que se processa o conhecimento? O que acontece

na Escola? Como a Escola deveria ser? Como os professores veem a Escola? Como os

professores se veem na Escola? Ela é regida por Leis? Para quem é a Escola? Para

que é a Escola? Como é a Escola? Ela tem autores com seus próprios papéis e

identidades? O que é a Escola? O que é uma Escola pública?

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Os estudantes iniciam o diálogo:

Posso observar a dimensão didática? (Est. A1)

O professor responde: o foco da pesquisa não é esse! Mas ele vai estar no campo.

Explica: Uma coisa é o campo, outra é o foco! E continua: vocês leram Freire, e podem

observar, por exemplo, se os professores estão seguindo minimamente o que se espera

dele, a partir da Pedagogia Freireana! A Escola quer que aprendamos tudo de uma

mesma forma. Mas, se somos diferentes, por que não aprendemos também de formas,

tempo, e maneiras diferentes?

A Escola é inclusiva ou exclusiva? (Est. B1).

O professor intervém: Se o aluno se coloca na posição de observador, para ver de

forma mais ampla, vai ter que construir uma opinião face ao conjunto. A estudante

fala: Ora somos todos bombardeados pela mídia, pelos acontecimentos sociais e mesmo

assim precisamos ter uma visão crítica. Não é?

Ora, a partir do meu “ver”, é que eu vou poder construir a minha ação. Não é? (Est.

B2

E continuam as questões: Esse “Ver” poderia ser coletivo”? (Est. C1)

O professor responde: É na socialização que encontramos tal resposta. Observem as

questões que temos que dar conta: - 1. Observar, não é olhar para o senso comum, este

não será o determinante. Estamos adentrando numa observação científica, e isso exige

um olhar sobre nos mesmos. Eu vejo a partir de quais referências? (Est. A3) 2.

Precisamos saber o que é o senso comum para podermos ver de forma sistematizada. 3.

Necessário se faz nos despirmos de nossos “pré - conceitos”. A partir daí, quais serão

os conceitos que construiremos? 4. Precisamos articular o que estamos construindo

com o que já está produzido na área, pois, o conhecimento não se constrói a partir do

nada.

A partir do exposto iniciam podemos inferir que o professor:

1- apresentou tanto na gestão da matéria quanto da gestão da classe uma

intencionalidade que se fez presente durante todo o desenvolvimento da mesma;

2 - buscou desafiar a curiosidade epistemológica sobre o espaço escolar, ao apresentar

alguns questionamentos sobre a Escola, teve o cuidado de não dar as respostas

esperadas o que induziu a turma a questionar, a participar da aula deixando-os curiosos

para descobrir o que não foi dito, evidenciando que o senso comum nos conduz a

curiosidade epistemológica, mas gera conhecimentos e estes precisam ser construídos a

partir do que está posto;

3 - sua prática docente além de coerente apresenta uma sequência gradativa de

atividades interessantes, permeada por suas crenças, seus saberes, seus valores, sua

opção política, sua filosofia, sua história de vida, e sua experiência docente, conforme o

que Tardif (2005) nos apresenta em seus estudos;

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4- Possui uma maneira de gestar a classe e gestar a matéria, conduzindo os estudantes a,

apresentarem a realidade vivenciada na escola, confrontando-as com o que dizem a

literatura e as pesquisas. Além de solicitar que os estudantes durante o círculo de

conversas se coloquem e apresentem possíveis soluções para os problemas

identificados.

Nas situações descritas anteriormente identificamos também exemplos de prática

docente que não passaram despercebidos pelos estudantes evidenciadas pela dupla

(Dup.A1):“Ele traz exemplos de situações existentes na escola que nem pensávamos

existir, e nos faz refletir e apresentar soluções prováveis”. Neste caso, o professor

articula os saberes docentes à prática docente como atributo para a construção dos

saberes dos estudantes. Outro aspecto ressaltado é a forma que ele estrutura (planeja e

executa) suas aulas- tornando-se perceptível a partir do formato que organiza o quadro,

as dinâmicas, as relações interpessoais. Deixa transparecer nas suas falas, nos exemplos,

nos questionamentos e intervenções que sua prática docente tem raízes nas suas

convicções filosóficas, política, na sua história de vida, na experiência e nos saberes

construído, conforme afirmam Nóvoa (1999) e Tardif (2005). Reafirmado no dizer da

(Dup. B2); “vamos tentar organizar nossas aulas planejando como ele faz. É interessante

e poderemos aproveitar essas ideias adaptando para nossas turmas. Que tal?”.

Durante as observações vimos que o professor utilizou uma metodologia diversificada;

ao orientar a transição do “olhar de estudante” para o “olhar de futuro professor” no

contexto da formação inicial no que tange a percepção da Escola como um todo, desde a

aproximação inicial, aos aspectos mais específicos da sala de aula. Revelando assim, o

caráter singular que a ação de ensinar contém, ao saber mobilizar os saberes, ajustando-

os a cada situação. Isto é alguma coisa de específico, observável naquele “que ensina,

não apenas porque sabe, mas porque sabe ensinar”, conforme, (ROLDÃO, 2005).

O “Vir a Ser Professor”

A partir da primeira aproximação com o espaço de profissionalização - escola - é um

impacto que faz com que o futuro professor reflita sobre a decisão de ser docente.

Nessa perspectiva, a realidade se apresenta de modo tão inesperado que exige do futuro

professor, uma identificação ou não, com a realidade escolar. Vejamos nos depoimentos

a seguir os relatos do observado no espaço de profissionalização:

Tens certeza que é isso que queres para a tua vida? (Dup. A 1)

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Fernanda, meu Deus, aqui é um inferno. Será esta a dinâmica diária da escola, ou foi uma

semana atípica devido ao dia das crianças? Precisamos resgatar isso na próxima visita.

(Dup. C3)

De repente um aluno grita: tia, tia, fulano bateu em mim! A professora responde; Ah! Sei!

Minha gente vocês tem certeza que querem isso para vocês?(Dup.B2).

Estes depoimentos parecem-nos suscitar que a noção de Identidade docente nasce no

momento em que o futuro professor conhece o seu espaço de profissionalização e passa

a conviver com suas dificuldades, conflitos, funções, enfim com a realidade da Escola

Brasileira.

Iniciando-se o questionamento sobre a profissão docente, os estudantes começam a

refletir sobre se é esta mesma a profissão que se identifica. Observem a reflexão do

grupo de estudantes sobre a identificação com a docência no espaço acadêmico:

Quando apenas estudante da escola básica eu não percebia o caos que pode se tornar

uma escola!(Est A1) Como fazer diante de tanta desorganização?(Est. A5) Será que um

dia terei condições de organizar uma sala ou escola diferente do que vi?(Est. B 8)

Várias foram as colocações. Porém uma foi radical. “Não, certamente não quero ir para

a sala de aula! (Est. A9)”.

Percebemos que apesar do estranhamento do primeiro olhar sobre a escola, observam-

se as afinidades com o ser professor, ou não. No que se refere à questão realizada pela

professora (PEB) da sala observada as estudantes fazem a seguinte reflexão:

Se o professor que ensina, pensa assim, como fica sua identidade com o saber fazer

docente? (Est. A5). Como essa pessoa continua a ser professora se está identificada na

sua fala a não aceitação da sua profissão, a falta de saberes profissionais para gerir a

sala de aula para dialogar com a turma, para realizar a mediação pedagógica. (Est

B8). Que saberes e competência lhes foram ensinados? ( Est B.7 ) Por que continua a

ser professora se não gosta de? ( Est. C 4)

Nessas falas, as futuras professoras estranharam a falta de compromisso da professora

para com os pequenos, com o comprometimento com o ato de ensinar-aprender, com a

própria função docente, com a formação de outros docentes, com a falta de

compreensão de que a escola é um ambiente educativo, e que própria professora deveria

ser um elemento de transformação nesse processo. Além de identificarem a falta de

ética profissional, desconhecendo a concepção da educação enquanto prática social ao

fazer-lhe tal pergunta, uma vez que esta professora estava exercendo uma função e teria

como corresponsabilidade orientá-las no processo. Nesse caso, percebemos no discurso

dessas estudantes, concepções de formação já internalizadas, demonstradas na análise

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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da vivência no espaço de profissionalização. Suas criticas, nos fizeram perceber que,

um novo “olhar, agora de futuro professor”, distanciava-se do “olhar de estudante”,

externado anteriormente por outra colega ao afirmar que “quando estudante, eu não

conseguia perceber a escola dessa forma”. Conforme nos diz Freire (1997, p. 25), o

estudante ao refletir sobre a prática vivenciada, sobre os procedimentos e maneiras de

se ensinar, aprende um saber fundante à sua formação, qual seja; “ensinar não é apenas

transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para sua construção”.

Considerações finais

Diferentes são as razões, vantagens e desvantagens de se escolher ser professor. Essa

escolha por vezes transita por campos diversos que certamente influenciam nossa opção

de “vir a ser professor”.

Em nosso estudo procuramos refletir sobre os contributos de práticas docentes na

universidade que pudessem orientar os estudantes em curso de formação de professores

no processo “vir a ser professor” especificamente no movimento da sala de aula que

oportunizasse a transição do “olhar de estudante, para o olhar de futuro professor”, na

relação que se estabelece no diálogo entre os espaços formativos e a construção do

processo de aprender a ensinar.

Desse modo, percebemos que a proposta metodológica estruturada pelo docente

oportunizou o diálogo permanente entre as idas e vindas, nos espaços de

profissionalização, socializados no espaço acadêmico, à luz da teoria estudada. A

mediação didática que envolveu os futuros professores com a problematização/pesquisa

sendo o carro chefe desta ação, de certo oportunizou a dinâmica da especificidade que

este “olhar discente/docente” abarca.

As atividades propostas e as orientações específicas sobre o observável no campo

empírico (o que, como, por que observar), conduziram olhares que refletiram sobre o

“vir a ser professor” e a aproximação com a necessidade de “ver” de forma orientada e

reflexiva os espaços, processos, atitudes, habilidades, competências, problemas, enfim,

o contexto do seu campo de profissionalização e as interfaces que abrange.

Esses elementos foram se revelando a cada encontro, a cada aula, durante todo o

semestre em estudo, através contributos que a prática docente delineou, a exemplo: a

intencionalidade de desenvolver a reflexão sobre a ação, da docência na formação

inicial desde as primeiras aproximações com a temática „Escola‟, articulando e

resgatando os saberes apreendidos nos diferentes espaços numa perspectiva que

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extrapola a sala de aula. O professor incentivou e ao mesmo tempo desafiou o

estudante a interagir, e sentir-se sujeito da história e do seu tempo. Permitindo-lhe a

compreensão de que o conhecimento se constrói no processo. E que o “olhar de

estudante” é fundamental para desenvolver o olhar de futuro professor.

Além do mais em todo o processo, o professor ao propor a socialização, oportunizou a

cada um intervir nas considerações realizadas por cada dupla, trazendo elementos de

sua vivência pessoal e docente para ilustrar sua fala, demonstrando o quanto é

importante cada pessoa se sentir integrada e comprometida com a profissão escolhida.

Afinal, parece-nos que fazemos algo melhor, quando „sabemos como fazer‟ e gostamos

de fazê-lo!

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IDENTIDADE PROFISSIONAL DOCENTE: REFLEXÃO SOBRE

ELEMENTOS QUE INFLUENCIARAM A OPÇÃO/ATUAÇÃO PELA

DOCÊNCIA NO ENSINO MÉDIO

Kátia Maria da Cruz Ramos

Universidade Federal de Pernambuco

Maria da Conceição Santos

Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco

Resumo

O contexto educacional brasileiro vem sendo marcado nos últimos anos por

transformações decorrentes de rupturas paradigmáticas que, dentre outros aspectos,

apontam para a necessidade de reconfiguração identitária profissional docente na

direção de superação da docência restrita ao domínio do conhecimento disciplinar, de

modo especial, dos professores que atuam no Ensino Médio (EM). É no âmbito dessa

problemática que o presente estudo trata de elementos que influenciaram professores a

optar pela docência e atuação no EM, cujos dados advêm de uma pesquisa sobre

identidade profissional docente na sua relação com reconfigurações preconizadas pela

Lei nº 9.394/96. Neste sentido, referenciado em trabalhos que se debruçam sobre

identidade e profissão docente, particularmente no EM, o estudo congrega respostas de

16 professores do quadro efetivo de duas escolas de Ensino Médio da Rede Estadual de

Pernambuco, situadas em Recife. Utilizou como procedimento de coleta de dados a

aplicação de questionário e realização de entrevista semiestruturada junto aos

professores que atuam no EM, lecionando componente das áreas de Linguagens,

Matemática, Humanas e Natureza. Na apreciação dos dados foi utilizada a análise de

temática de conteúdo permitindo explorar os domínios entre mundo vivido do trabalho,

trajetória socioprofissional e formação profissional referente aos elementos que

influenciaram os professores pesquisados a optar pela docência e atuação no EM. Ao

ratificar, por meio do estudo, que os processos que permeiam a dinâmica identitária

profissional docente de professores que atuam no EM se configura hoje de forma

compósita que se estabelece entre continuidades e descontinuidades no enfrentamento

de novos paradigmas socioeducacionais. E nos achados se destacou como aspecto

motivacional da escolha profissional, tanto a identificação com a docência como a

influência de amigos e professores.

Palavras-chave: Ensino Médio. Docência no Ensino Médio. Identidade Profissional

Docente.

Introdução

A própria literatura educacional aponta que, mesmo após a implantação da graduação

em licenciatura no Brasil, os cursos de formação de professores revelam uma

permanência histórica centrada no conhecimento específico disciplinar. E tal situação

constitui um desafio a superar, na direção de compreender, conforme defendem Tardif e

Lessard (2011), que a docência se constitui num trabalho de interação humana.

Nesse quadro, tomando por referência Dubar (1997a), quanto à dinâmica inerente ao

processo de construção da identidade profissional em termos de continuidades e

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descontinuidades, tínhamos em conta que tal superação não é linear nem de ruptura

absoluta. Não é linear porque a referida reconfiguração, demandada do professor que

atua no EM, implica num processo onde saberes serão mobilizados, ratificados,

construídos e reconstruídos pelos docentes a partir do conhecimento de si, dos outros e

das interações vividas no contexto escolar. Nesse contexto, a curiosidade acerca de

processos de reconfiguração identitária do professor que atua no EM foi aguçada tendo

em conta que a Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996) demanda deste docente uma nova

socialização de saberes, atitudes, valores, negociações e normas.

É a partir dessa ideia que o presente estudo trata de elementos que influenciaram

professores que atuam no Ensino Médio a escolher e a continuar na profissão docente.

Para tanto o estudo congrega três pontos. No primeiro tratamos da questão da

identidade profissional docente no âmbito do EM, tecendo considerações sobre

identidade, acepções e implicações no processo de socialização. Os dados relativos ao

levantamento de dados é foco de atenção no segundo ponto. E no terceiro

socializamos achados que, entre outros aspectos, evidenciam que a construção

identitária profissional docente, de professores que atuam no EM, caracteriza-se de

forma compósita, assentada em elementos de continuidades e descontinuidades.

Docência no Ensino Médio: da dualidade histórica a novos paradigmas

educacionais

Na história educacional do Brasil, durante muito tempo, foi hegemônica a concepção de

docência atrelada ao domínio de um conhecimento disciplinar. Somente em finais do

século XX a perspectiva de docência como uma profissão de interações humanas

(TARDIF; LESSARD, 2011) começa a fazer parte do debate educacional brasileiro –

repercutindo na ideia de profissionalização e de atuação docente em todos os níveis e

etapas, a exemplo do ocorrido com a docência no EM.

O Ensino Médio brasileiro, por vezes na história nomeado por secundário, passa a

existir como um direcionamento de estudos regulares a partir da década de 40, com a

Reforma Capanema. Reforma esta que estabelece as propostas pedagógicas do ensino a

partir do paradigma taylorista-fordista, devido ao crescente desenvolvimento industrial.

A partir das transformações socioestruturais ocorridas no EM com a Reforma Francisco

Campos e, em seguida, reestruturado pela Reforma Capanema, emergente num contexto

político-econômico em expansão, a formação docente especializada ganhou

notoriedade. Esta exigência formativa acompanhada de documentação comprobatória e

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submissão a um concurso para admissão na atividade docente do EM, a esta época,

propiciou um hiato no grupo profissional em atuação. Este hiato se configurou em

conflito identitário, no qual a identidade profissional atribuída pela instituição

legitimadora já não correspondia à identidade criada pelo indivíduo.

Assim, compreendemos que esse movimento se configurou como a primeira crise

identitária no âmbito da docência no EM, constituída por reivindicações do grupo de

docentes ao poder estatal. Esta crise identitária foi acomodada mediante o Decreto nº

8.777/46 que, no seu Art. 5º, referia-se explicitamente à exclusão da comprovação dos

saberes profissionais por meio da prova pelo grupo de docentes em exercício no EM, o

que aplainava as diferenças na direção de um ajustamento entre os trajetos

socioprofissionais vividos e a projeção de si na profissão.

Esse ajustamento, observado à luz de Giddens (2002), corrobora que os mecanismos de

deslocamento advindos dos aspectos da vida social e que interpenetram nas relações

sociais movimentam a autoidentidade no direcionamento de uma recombinação dos

laços sociais instituídos sem, no entanto, esvaziar o Eu.

Em função disso, podemos dizer que no caso dos professores do EM, naquele momento,

a identidade profissional docente que se apresentava ameaçada, sofreu alterações quanto

às acepções formativas, mas permaneceu com valores e normas internalizadas dos seus

antecedentes, reafirmando uma tendência de transmissão de conhecimento. Tendência

esta que, neste momento, também se expressou no desenvolvimento das atividades de

ensino efetivadas pelos novos docentes. Deste modo, é possível afirmar que, embora

também interna, a ruptura foi mais externa, no que se refere à valorização da formação

específica ao docente.

Esta situação ganha novos contornos/posicionamentos a partir da década de 1970, ainda

sob a égide da restrição ao funcionalismo público de se filiar em associações, iniciaram-

se diversos debates organizados pelos movimentos sociais/entidades sindicais de

professores, acerca da relação educação e sociedade e sobre o reconhecimento da

categoria profissional, envolvendo as clivagens existentes entre professores e

funcionários, professores e especialistas, além de discutir as precárias condições de

trabalho e o baixo salário.

É no interior dessas lutas reivindicatórias que se desenha a importância da formação

docente, ao mesmo tempo em que se delineia uma incerteza na reconstrução da

identidade profissional. Isto porque, de imediato, essa situação se apresenta como uma

ruptura aos valores e crenças internalizados e incorporados durante a construção da

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identidade para si na base da formação inicial. Nesse contexto, o professor se encontra

num processo de desestabilização diante de mudanças sociais que se assentam num

modelo preexistente de educação sob a égide da reprodução versus um modelo que se

direciona pela perspectiva de construção social justa e democrática.

Isso significa compreender que, a desestabilização da identidade profissional docente,

no âmbito das dinâmicas sociais/econômicas, implica na emersão de uma nova

configuração identitária. Ou seja, uma nova configuração que é produto de transações

objetivas e subjetivas vivenciadas pelo indivíduo na teia relacional da coletividade, onde

se entrecruzam mundo do trabalho, trajetória socioprofissional e formação.

A participação ativa da comunidade acadêmica e representativa dos professores, em

interlocução com o debate internacional referente à profissionalização/saberes/formação

docente contribuíram no delineamento legislativo educacional, conforme afirma Weber

(2003), tanto na Constituição Federal de 1988 como na LDB nº 9.394/96 – ao referir-se

aos docentes como profissionais da educação, enfatizando não somente os

procedimentos formativos, mas também as dimensões política e social inerentes à

prática educativa.

Essa requisição de desconstrução, ao sinalizar mudanças, implica na convivência em

processos contínuos/descontínuos, no sentido da individualidade e da coletividade, uma

vez que, enquanto sujeito social somente ao compreender as exigências e contingências

do contexto sócio/político/cultural/econômico pode dar sentido às mudanças

implementadas e experienciadas. Nesse sentido, Hargreaves (1998) afirma que, sem o

entendimento/conhecimento dos elementos que estão relacionados às situações sociais,

fonte de pressão e inovação, a mudança torna-se desprovida de significado por aqueles

que a experimentam.

Esse processo de negociação constante, evidenciado no início do século XXI, a partir da

proliferação de abordagens pedagógicas centradas ora na pesquisa, ora na reflexão,

mesmo apresentando enfoques diferentes, se coadunam, apontando configurações

indispensáveis à atividade docente. A intensificação desses estudos contribuiu na

reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio,

nomeadamente o Parecer CNE/CEB nº 5/2011), em cujo 5º capítulo dispõe sobre os

pressupostos e fundamentos para esta etapa de ensino.

Nesse sentido, compreendemos que estamos num momento de nova efervescência

processual de (re)construções de identidade. Este momento vem exigindo redefinições,

posicionamentos dos professores, em especial dos professores que atuam no EM que,

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uma vez inseridos nessa nova conjuntura social, deles é exigido não somente estarem no

mundo, mas com o mundo numa relação de ação e reflexão num determinado tempo e

lugar.

Sobre os procedimentos, o campo e os participantes

O estudo guiou-se pela abordagem qualitativa, em termos de possibilitar uma

contextualização do fenômeno, tendo como fundamento a compreensão de Dubar

(1997a) de que, para identificarmos os elementos que contribuem no processo das

formas identitárias é preciso conhecer não só o discurso sobre a prática social, mas

também o discurso sobre o saber legitimado pelo grupo especializado a que pertence.

Tivemos como instrumento de coleta de dados o questionário e a entrevista

semiestruturada. Optamos por eleger como campo de pesquisa escolas de EM da rede

estadual, em razão de constituir-se espaço de produção sócio-histórica de

desenvolvimento e atuação profissional docente dos professores que participariam da

pesquisa. Apoiamo-nos na compreensão de que tal espaço está estruturado por via de

inter-relações que estão estreitamente ligadas as questões de socialização (DUBAR,

1997a).

Diante da necessidade de escolher escolas que mais se aproximassem da condição de

configuração de espaço de socialização de professores do EM, foi feito um

levantamento de escolas da Rede Pública de Ensino da Secretaria do Estado de

Pernambuco, no âmbito do censo escolar 2014 do Instituto Nacional de Estudos

Pedagógicos (INEP). Esse levantamento possibilitou identificar que, na esfera de

abrangência dos 184 municípios de Pernambuco, em 2014, há um total de 1.047 escolas

que atendem o EM. Nesse quadro, elencamos três critérios que nortearam a definição

das instituições campo de pesquisa.

O primeiro critério foi referente ao município que congregasse um maior número de

escolas do Ensino Médio, tendo um maior tempo de atendimento a essa etapa de ensino.

O município selecionado foi Recife por ter 155 escolas e ser pioneiro no atendimento do

EM. O segundo critério foi contemplar duas escolas de EM, em razão de na Secretaria

de Educação do Estado de Pernambuco as escolas do município de Recife estão sob a

jurisdição de duas Gerências Regionais de Educação (GRE Recife Norte e GRE Recife

Sul). Assim sendo, optamos por acompanhar uma escola de cada regional. E o terceiro

critério, tendo em conta a historicidade da oferta do EM, ter como campo escolas que

estivessem no rol das mais antigas na oferta dessa etapa de ensino.

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A primeira instituição que denominamos de Escola A (EA) está situada no centro da

cidade do Recife sob a jurisdição da GRE Recife Norte. A segunda, que designamos de

Escola B (EB), integra o complexo de instituições de ensino jurisdicionadas pela GRE

Recife Sul, e encontra-se situada num bairro próximo ao centro do Recife. O

levantamento nas escolas campo ocorreu no período de agosto a outubro/2014, junto à

gestão e à equipe de professores.

No que se refere aos professores, em razão do quantitativo de componentes curriculares

no rol das áreas de conhecimento, consideramos ideal contar com a participação de um

professor de cada componente, perfazendo um montante de 12 professores por escola,

totalizando 24 participantes. O grupo de participantes ainda teve como crivo o critério

de ser professor efetivo da Rede Estadual de Ensino e atuar no EM no mínimo a 5 anos.

O grupo de professores respondentes é majoritariamente feminino, apresentando uma

faixa etária variante de 35 a 49 anos. Essa presença feminina é evidenciada nas quatro

áreas que compõem o EM, em realce os componentes curriculares de Matemática,

Química e Educação Física que, na literatura educacional, foi representada

majoritariamente pelo sexo masculino. Nesse grupo foi possível apreender que os

professores colaboradores não se restringiram à sua formação docente inicial, mas

deram continuidade ao desenvolvimento profissional por meio da formação continuada

representada pela especialização e mestrado.

No que se refere aos dados relativos à distribuição por sexo podemos observar que este

grupo apresenta um predomínio feminino correspondente a 87,5%. Para Vianna (2002)

esse desenho do EM de caráter feminino é reflexo de processos históricos

desencadeados desde a ampliação da oferta do hoje denominado anos iniciais do Ensino

Fundamental, seguida das transformações sócio/político/econômico ocorridas na

sociedade brasileira desde o período de 1930. Isso influenciou na ampliação da

participação feminina no mercado de trabalho, notadamente no âmbito da docência,

consolidando-se no último século em todas as etapas da Educação Básica.

Referente à formação, há uma concentração no Ensino Propedêutico, seguido do

Normal Médio e também a presença do Ensino Técnico, indicando que o grupo está

composto de profissionais oriundos de formação diversificada no âmbito da etapa do

EM – embora a formação propedêutica seja majoritária. Ainda é de ressaltar que a

presença da formação no Normal Médio indicia uma aproximação com a docência antes

da licenciatura.

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Além disso, observamos uma incidência maior do tempo de ingresso na Rede e atuação

docente situado no intervalo de 20 a 26 anos. Tal incidência, considerada à luz do que

Dubar (1997a) denomina de processo de socialização profissional bem como do debate

acerca dos saberes experienciais (TARDIF, 2008) ou mesmo do ciclo de vida

profissional de professores (HUBERMAN, 1992), indicia que se trata de um grupo que

congrega um contingente de professores que tem uma vivência representativa no EM.

No sentido de interpretar e inferir acerca dos conceitos e dos significados expressos nas

mensagens escritas e pronunciadas pelos professores colaboradores, os protocolos dos

questionários e das entrevistas foram submetidos ao procedimento de análise temática à

luz de Bardin (2004, p. 37), na acepção de “efectuar deduções lógicas e justificadas

referentes à origem das mensagens tomadas em consideração”. Assim, agregamos as

mensagens que se apresentam em maior frequência nos protocolos em unidades de

registro relacionadas ao processo formativo identitário profissional docente dos

professores que atuam no EM.

Esse percurso analítico traçado, nos permitiu explorar domínios essenciais – mundo

vivido do trabalho, trajetória socioprofissional e a formação profissional (DUBAR,

1997b) na direção da configuração identitária profissional desse grupo de docentes e

suas transformações. A partir das considerações tecidas, enveredamos para apresentar os

achados relativos a elementos que influenciaram e influenciam professores que atuam

no EM a escolher e a continuar na profissão docente.

Opção pela docência no Ensino Médio

O objetivo de identificar elementos que influenciaram professores a atuar no Ensino

Médio foi considerado por entendermos que as ações dos sujeitos decorrem de

motivações que externadas indicam elementos da socialização primária e/ou secundária

no processo de construção da identidade profissional docente.

Nesse sentido, a identificação desses elementos motivadores nos permite compreender

aspectos importantes da relação identidade para si/identidade para outro inserido no

interior do processo de socialização (DUBAR, 1997a).

No que diz respeito à opção pela docência houve a indicação de duas motivações

centrais. A primeira, relacionada à explícita identificação com a docência 50% e a

segunda, em decorrência da influência de amigos e professores 25%. Tais motivações

congregam elementos mobilizadores que confirmam a transação entre o Eu pessoal e o

Eu coletivo. Nesse caso, confirmam o afirmado por Bauman (2005, p. 19) de que “as

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„identidades‟ flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras infladas e

lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta constante para

defender as primeiras, em relação às últimas”.

Os depoimentos que apontam a identificação com a docência revelam uma projeção de

si para o futuro, em termos profissionais, consubstanciadas a partir de imagens de si e

capacidade de realização de suas aspirações, tendo em conta situações vivenciadas no

período da infância.

Ainda no âmbito da escolha profissional, quando os professores foram inquiridos se no

percurso acadêmico-profissional sofreram algum tipo de preconceito por ter escolhido a

docência como profissão, 87,5 % referiram que os grupos de referência (família,

amigos, trabalho) demonstraram ter sido contrários à atividade docente, respaldados na

desvalorização financeira da profissão.

Esses depoimentos confirmam que os grupos de referência (família, trabalho), apesar de

exercerem uma influência, e registrarem ações que indicam uma compreensão negativa

da atividade docente em termos de prestígio social, acrescido da valorização financeira,

não desmobilizaram a identificação dos sujeitos. Ou seja, esses dados evidenciam que a

concepção de identidade profissional não é rígida e as situações de discrepancias

mobilizam o pensar crítico do indivíduo entre a identidade assumida por si e a

identidade para outros, reforçando ou negando a identidade pretendida.

Diante esse quadro de negociação entre transações biográficas e relacionais quando

inquiridos sobre o que pensam da profissão docente os dados revelam que 62,5%

caracterizam a docência uma atividade profissional difícil devido às questões ligadas às

condições de salário e trabalho. Apesar deste posicionamento, os respondentes

externaram satisfação no exercício da atividade docente. Outra parcela dos professores

31,25% considerou a docência de fundamental importância no decurso de qualquer

profissão por contribuir no processo de desenvolvimento do ser humano.

Fica evidente, que os professores expressam uma imagem da profissão docente a partir

das situações vivenciadas, como um profissional que pode favorecer a transformação na

vida das pessoas, notadamente dos jovens público-alvo desse grupo de docentes.

Na mesma direção as análises dos depoimentos revelam uma docência que se configura

na imagem social de um „intelectual transformador‟ defendido por Giroux (1997) que

aponta a atitude de assumir as ações pedagógicas e políticas desenvolvidas num espaço

de conhecimento culturalmente construído, auxiliando ao reconhecimento das

possibilidades acerca de si próprias e das relações sociais.

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Apesar desse reconhecimento político-social, curiosamente, do total de professores

inquiridos, um deles ainda associa a profissão docente com dom, vocação. Isso foi

observado quando explicitou que considera a profissão docente um dom, uma vocação.

Uma vontade de compartilhar saberes, experiências com o discente, uma troca mútua

de conhecimento, que nos torna melhores sob vários ângulos.

Esse depoimento nos faz reviver certas generalizações históricas acerca da atividade

docente e, ao mesmo tempo, nos revela uma ideia que supostamente supera a visão de

dom e vocação, ao sinalizar que a docência não se reduz ao inatismo profissional,

quando explicita uma condição de interatividade em relação à atividade docente. Desse

modo, podemos inferir que o processo de socialização experienciada pelo inquirido

avançou no reconhecimento da interação, mas ainda apresenta limites na transição de

uma compreensão à outra, sem demonstrar descontinuidades, em termos de ação

reflexiva sobre as acepções.

Tal situação nos remete ao pensamento de Lahire (2002), de que somos produto das

experiências socializadas nos diversos grupos sociais que atravessam nossa existência

em diferentes momentos, com repertórios que não são homogêneos, nem imutáveis,

pois, nessas junções de experiências, consubstanciadas pelos professores nos diversos

grupos sociais pelo qual transitaram, é que o processo identitário profissional toma

forma e sentido em sua existência.

Ainda no âmbito do levantamento relativo à opção pela docência os professores foram

inquiridos sobre a razão de ter escolhido o EM como contexto no qual desenvolve sua

atividade profissional docente. Quando indagados sobre tal escolha os depoimentos

revelaram razões de ordem preferencial pela faixa etária, funcional e financeira.

Os depoimentos que congregam o elemento identificação com os jovens, revelam o

reconhecimento do que move o exercício da atividade docente no Ensino Médio pelos

professores inquiridos, desvelando o contexto relacional do processo de ensino, em

termos do que os docentes podem realizar com os jovens. Esse reconhecimento se

apresenta estreitamente vinculado ao desempenho/crescimento, tanto no aspecto

pessoal, como no profissional. Essa imagem identificatória significa, no processo

histórico de desenvolvimento do Ensino Médio, uma construção recente de

aproximação entre o Eu profissional (professor) e o Outro configurado no jovem.

Quanto aos demais elementos motivadores da atuação do trabalho no EM (concurso

público, oportunidade de trabalho e melhoria financeira) nos reportam ao que enuncia

Dubar (1997a), fundamentado em Hughes (1958), referente ao diploma e o mandato

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como condições primordiais no processo do exercício profissional, uma vez que o

primeiro implica na autorização legal para o desempenho da profissão e o segundo,

consiste na responsabilidade das funções específicas no exercício da docência. Ainda há

o ajuste da concepção do Eu pessoal/profissional, que consiste na consciência pelo

indivíduo a partir da realidade vivida no âmbito profissional da identificação de

possibilidades, adversidades, decisões e projeções do Eu no futuro profissional.

Diante do exposto, podemos observar que a opção dos professores participantes pela

docência tem motivos variados e, em alguns casos, revelam uma identificação primária,

seja em razão da realização de um desejo acalentado desde a infância, seja pela crença

de uma vocação. Em outros casos, é evidenciada uma identificação secundária no

âmbito tanto da formação inicial como da atuação profissional.

Embora resultante de processos distintos de identificação com a docência, primária ou

secundária, podemos afirmar que os participantes se identificam com a profissão

docente no âmbito do reconhecimento do caráter de intervenção e responsabilidade

sociopolítica, e com a atuação docente no EM, pela identificação que gira em torno das

possibilidades de interação e de intervenção junto à faixa etária de pertinência desta

etapa da Educação Básica.

Considerações finais

A partir da compreensão de que a identidade profissional é produto-processo de

múltiplas relações estabelecidas entre o Eu profissional e as socializações consigo

próprio, com os outros, com seus pares/parceiros e com as normas existentes na

sociedade, a que pertence, seja institucional ou social, no que diz respeito à Opção pela

docência foi possível identificar que no cerne do grupo de professores participantes

desta pesquisa, se destacou como aspecto motivacional da escolha profissional, tanto a

identificação com a docência como a influência de amigos e professores. Nesse sentido,

tendo por base Dubar (1997a), quando trata da articulação entre a identidade para si e

identidade para outro, engendrada na relação conflituosa do que se é e no que se quer

ser, ratificamos a existência de negociações entre as transações biográficas e relacionais

tendo em conta as imagens de si e realizações das projeções de si para o futuro, situadas

entre à confirmação e à diferenciação em relação aos outros.

Em aglutinação a esses elementos motivacionais outros achados desse eixo revelaram a

satisfação em exercer a atividade docente, fundamentada em motivos intrínsecos

(identificação com a docência, realização pessoal), bem como na compreensão da

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1752ISSN 2177-336X

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docência como uma atividade profissional de intervenção na sala de aula e no contexto

social.

Ainda foram encontrados elementos que se mostraram congruentes com as etapas do

processo histórico profissional defendido por Nóvoa (1991), ao confirmar a

funcionarização profissional conferida por uma certificação. Certificação esta que, nos

dias atuais, se concretiza na aprovação em concurso público de provas e títulos e se

constitui como razão da escolha pelo Ensino Médio. Podemos inferir que essa

certificação, situada na dinâmica da construção da identidade profissional do professor,

representa uma valoração da formação profissional docente.

A partir das inferências construídas ao longo da pesquisa foi possível compreender que

a construção identitária profissional docente, de professores que atuam no EM,

caracteriza-se de forma compósita assentada em elementos de continuidades e

descontinuidades num processo de reconhecimento e não reconhecimento.

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CONSELHO DE CLASSE NAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: UM

LEVANTAMENTO DO ESTADO DO CONHECIMENTO

Márcia Maria Rodrigues Tabosa Brandão

Universidade Federal de Pernambuco

Kátia Maria da Cruz Ramos

Universidade Federal de Pernambuco

Resumo

Um descompasso entre o avanço do debate sobre conselho de classe, na legislação e

propostas do campo educacional, e a resistente configuração desta instância como lugar

de julgamento vem apontando para a pertinência de se considerar sentidos atribuídos a

esse objeto social. Tal entendimento tem por base o pressuposto de que a dinâmica

escolar reflete concepções de ensino, aprendizagem e avaliação, bem como de que a

configuração do conselho de classe decorre de representações que ao mesmo tempo

influenciam e são influenciadas. Nesse sentido, a partir da compreensão de conselho de

classe numa perspectiva psicossocial, na condição de um espaço de profissionalização

docente, a presente comunicação, parte integrante de uma pesquisa desenvolvida no

âmbito de um curso de Mestrado em Educação, trata de um levantamento de estudos

sobre a temática conselho de classe na sua relação com a Teoria das Representações

Sociais. Para tal fim utilizou como base de dados o acervo da Biblioteca Digital

Brasileira de Teses e Dissertações e do Banco de Teses da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, tendo como corte temporal o período de

2002 a 2014 e como descritor o termo conselho de classe. Como resultado foi

identificada, apesar do reconhecimento da pertinência da temática, uma escassez de

estudos sobre conselho de classe em geral e apenas um trabalho relacionado com a

Teoria das Representações Sociais. Nesse quadro, os aspectos privilegiados

(representação social, avaliação, democratização da gestão escolar, visão histórica),

apontam para a relevância e necessidade de um maior investimento em produções que

tratem de significados historicamente conferidos e sentidos atribuídos ao conselho de

classe, no que diz respeito tanto a representações de professores como a condição de

espaço de profissionalização docente.

Palavras-chave: Conselho de classe. Representações Sociais. Estado do conhecimento.

Introdução

Ao lançar um olhar para o processo de institucionalização do conselho de classe, na

perspectiva que considera aspectos históricos, culturais e sociais de nosso país, fica

patente a complexidade que envolve o tema ao se constatar a diversidade de

significados atribuídos a esta instância. Neste sentido, o conselho de classe

compreendido em seu caráter avaliativo bem como na condição de espaço de

profissionalização docente é um dos aspectos mais complexos do processo pedagógico

principalmente, entre outros, pelo fato de exigir a configuração da avaliação enquanto

ação coletiva num espaço em que convivem distintos sentidos compartilhados.

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1755ISSN 2177-336X

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Segundo Dalben (2004) o conselho de classe foi instituído nas escolas brasileiras a

partir da década de 70, período caracterizado pelo auge da ditadura militar, em que

houve o movimento de ampliação da universalização das escolas da rede pública

brasileira. Neste contexto, a LDB Nº 5.692/71 pode ser considerada o marco do

nascedouro dessa instância, cujo caráter avaliativo tinha por base a perspectiva do

tecnicismo, em termos do controle do comportamento e formação dos alunos.

Com a abertura política nos anos 80, o panorama mais geral da redemocratização da

sociedade coincidiu com as contribuições decorrentes das concepções progressistas para

repensar a prática pedagógica, consequentemente o conselho de classe. Nessa

conjuntura, o conselho de classe passa a ser apontado como um espaço de decisões

sobre o processo de ensino-aprendizagem, tendo em vista o necessário diálogo entre

formas de ensino e percursos de aprendizagens, no sentido de (re)orientar o fazer

pedagógico. Com o advento da LDB Nº 9.394/96 configura-se a possibilidade de

reorganização do sistema educacional numa perspectiva democrática. A esse respeito,

do ponto de vista da gestão democrática, Dalben (2004) e Veiga (2007) realçam a

importância que teve compreender que os sujeitos podem vir a refletir, avaliar e agir

coletivamente acerca das necessidades apresentadas pelo cotidiano educacional. Nesse

quadro, o conselho de classe assume um papel de destaque, ao instituir-se na escola

como espaço de reflexão coletiva sobre a prática pedagógica.

Acreditando que tal mudança legal e o avanço teórico supõem repercussão nas práticas

no conselho de classe, consideramos fundamental a reflexão sobre sentidos e

significados atribuídos a esta instância por professores. Isto porque a referida reflexão

pode possibilitar compreensões da convivência de diferentes contornos do conselho de

classe que se desenha desde a sua implantação até os dias de hoje. No caso, a partir da

compreensão de conselho de classe numa perspectiva psicossocial, a Teoria das

Representações Sociais é privilegiada por permitir a compreensão de que o modo como

os professores pensam e se posicionam sobre o conselho de classe decorre do sentido a

ele conferido. Isto porque esta teoria considera que é no processo de construção e

organização dos sentidos que os sujeitos cunham suas teorias. Portanto, esta Teoria

possibilita compreender e explicar a construção do conhecimento do senso comum,

gerado através da interação e comunicação, que orienta práticas e comunicações

(MOSCOVICI, 2003).

Nessa perspectiva, entendendo que esses desenhos refletem concepções de ensino,

aprendizagem e avaliação que são influenciadas e influenciam no processo de

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(re)construção de sentidos e significados de conselho de classe, consideramos a

pertinência de fazer um levantamento de estudos acerca do conselho de classe.

Nomeadamente, buscando ter uma visão do que vem sendo debatido sobre esta instância

nas pesquisas acadêmicas, em termos de discursos compartilhados que vêm

contribuindo para a (des)construção das representações sociais presentes na sociedade e

na cultura escolar.

Nesse quadro, congregando dados do levantamento do estado do conhecimento de uma

pesquisa desenvolvida num curso de Mestrado em Educação, a presente comunicação

tem como propósito trazer elementos para o debate sobre conselho de classe tendo como

foco estudos que se debruçam sobre esta temática na sua relação com a Teoria das

Representações Sociais.

Para tanto, buscando ter uma visão do que vem sendo discutido sobre esta instância,

elegemos como descritor o termo conselho de classe e como corte temporal o período de

2002 a 2014, por ter sido este período em que houve uma intensificação do

desenvolvimento de estudos acerca desta temática. Com o propósito de ter uma visão do

debate no lócus de desenvolvimento do nosso trabalho acadêmico, tomamos como fonte

de consulta trabalhos disponibilizados na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e

Dissertações (BDTD) e no Banco de Teses e Dissertações do Portal da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela representatividade dessas

bases no que se refere a congregar trabalhos no âmbito nacional. Para dar a conhecer o

levantamento realizado passamos a tratar do levantamento em cada base de dados e

posteriormente das considerações finais, onde são tecidas reflexões sobre a relevância e

necessidade de um maior investimento em produções que tratem de sentidos conferidos

ao conselho de classe, principalmente no que diz respeito a representações de

professores.

Sobre os trabalhos disponibilizados na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações

Nessa base de dados foram identificados trabalhos a partir da utilização do aplicativo de

busca do site. A partir dos trabalhos identificados pela procura avançada - resumo -

realizamos a leitura do resumo e, quando este não elucidava satisfatoriamente o

conteúdo, foi preciso aprofundar a leitura recorrendo ao texto integral.

Como resultado desse levantamento encontramos 29 (vinte e nove) trabalhos, destes 8

(oito) dissertações abordavam o conselho de classe como objeto de investigação e os

demais tomavam como campo. Neste caso, observamos que a maioria desses últimos

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estudos não problematizava a dinâmica nesse espaço, mas sim temáticas variadas que o

permeiam, tais como: indisciplina, formação de professores, entre outras.

Após essa triagem, para efetivar a análise do material fizemos a leitura de cada trabalho

na direção de identificar o foco de interesse. Nesse quadro, os achados permitiram

distribuir os 8 (oito) estudos que tratam do conselho de classe de acordo com os

seguintes focos de atenção: a) Avaliação (3 trabalhos), b) Democratização da Gestão

Escolar (4 trabalhos), c) Representação Social (1 trabalho).

Os trabalhos que têm como objeto de atenção Avaliação tomam como referência a

compreensão de conselho de classe como espaço de avaliação coletiva, no que diz

respeito ao seu potencial na melhoria do processo educativo. E, reconhecendo o

conselho de classe como palco de conflitos entre professores e alunos, realça a

tendência de nesta instância ser utilizada a avaliação em seu caráter classificatório,

centralizado em discussões sobre o comportamento do aluno.

O estudo de Guerra (2006) procurou compreender e analisar o conselho de classe em

uma escola pública estadual de São Paulo. Dentre os resultados apresentados pela autora

destaca-se a incoerência entre o discurso dos sujeitos e o observado no processo

avaliativo no âmbito do conselho de classe. Principalmente no que se refere a uma

avaliação que ressalta os aspectos negativos da vida escolar dos alunos, assim como

pela descaracterização da real função desta instância devido a um formato de conselho

burocrático direcionado a orientação dos professores sobre o preenchimento de

documentos escolares.

Alda Santos (2006) propôs uma discussão sobre o conselho de classe pela perspectiva

da avaliação educacional, buscando identificar fatores que colaboram para a construção

do conceito e atuação nesta instância, traçando o perfil do conselho de classe real e

ideal. Dentre os resultados apresentados aponta que os critérios de avaliação

institucionalizados não são utilizados na prática numa escola pública estadual de Goiás,

em razão de distorções quanto a sua função e poderes.

Considerando a necessidade de investigar conselho de classe como espaço de avaliação

coletiva, Flávia Santos (2006) buscou compreender o funcionamento desta instância de

avaliação praticada por escolas públicas do Distrito Federal. Como resultado aponta que

se faz necessário que o conselho de classe coloque a avaliação a serviço da

aprendizagem, ocupando o lugar de instância avaliativa, deliberativa, coletiva,

informativa da escola, visando auxiliar a construção de práticas avaliativas mais

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1758ISSN 2177-336X

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democráticas, em que tanto o professor quanto o aluno sejam responsáveis pela

aprendizagem e a avaliação.

Os trabalhos que focam Democratização da Gestão Escolar apontam para a importância

da utilização do conselho de classe como um lugar em que se torna possível o

desenvolvimento democrático do trabalho pedagógico. Nomeadamente a partir do

reconhecimento da participação da comunidade escolar como essencial no

encaminhamento das demandas apresentadas.

Buchwitz (2007) ratifica o papel do conselho de classe como espaço que possibilita a

participação dos diversos segmentos da escola, com destaque para o desenvolvimento

do senso crítico do aluno e a autonomia dos pais ao participar das decisões da escola,

constituindo-se como essencial para a qualidade da democratização da gestão escolar e

do ensino e aprendizagem. Nesse estudo, no propósito de verificar como se configurava

a participação dos envolvidos e as relações entre avaliação e aprendizagem numa escola

pública estadual de São Paulo, a autora conclui que a participação é mediada por

relações de poder, sendo elas determinantes para a ampliação da democracia neste

âmbito.

O estudo de Vargas (2008) tratou do conselho de classe tendo como mote a gestão

democrática na escola pública. Neste trabalho a autora buscou demonstrar como se

constitui o conselho de classe em uma escola pública estadual do Paraná, que apesar dos

desafios enfrentados pela equipe gestora, conseguiu a participação de toda a

comunidade escolar. Os resultados encontrados revelam que uma gestão plena, em que

se evidencia o papel político, entrecruzado ao papel pedagógico promove avanços

significativos na integração da equipe da escola e dos representantes da comunidade.

Camacho (2010), entendendo que o conselho de classe não deve estar associado apenas

à avaliação, mas focalizar a efetivação de projetos e parcerias com a comunidade,

analisa políticas educacionais referentes à democratização da gestão escolar e demais

processos escolares ligados à avaliação. Nesse quadro, objetivou verificar como vinha

sendo estruturada a participação da comunidade na construção da gestão democrática

nas práticas do conselho de classe em escolas estaduais de São Paulo. Como resultado

apontou o conselho de classe como um dos espaços que favorecem a participação de

pais e alunos, tornando-se essencial para a qualidade da democratização da gestão

escolar, do ensino e aprendizagem.

Santos (2012) procurou investigar o conselho de classe enquanto órgão colegiado, de

caráter pedagógico, que atua como espaço democrático de avaliação coletiva. A autora

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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teve como intenção saber se a inclusão dos pais na composição desta instância numa

escola pública estadual de São Paulo faria dela um espaço democrático de avaliação

pela via da participação. Os achados da pesquisa indicaram o conselho de classe como

um espaço promotor e fortalecedor do trabalho coletivo, tendo a gestão o papel de

reorganizar o trabalho pedagógico coletivo numa perspectiva progressista, objetivando a

descentralização do poder de decisão.

No que se refere ao objeto de atenção Representação Social encontramos apenas a

pesquisa de Galdino (2002) que aborda os sentidos construídos pelos professores acerca

do conselho de classe. No caso, objetivou identificar e analisar as representações sociais

de conselho de classe dos professores de uma escola da rede particular de ensino de São

Paulo que dificultam e/ou facilitam ações educativas no desenvolvimento desta

instância. Esta autora reconhece a valia do estudo à luz desta teoria por possibilitar

compreender que as representações são dinâmicas, inseridas num contexto histórico

social. Seu trabalho propõe discutir as atribuições desta instância tendo como base a

fundamentação legal e teórica vigente à época do estudo, considerando fundamental a

mudança no processo avaliativo na perspectiva de uma avaliação formadora.

Sobre os trabalhos disponibilizados no Banco de Teses e Dissertações da

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

Dando prosseguimento ao levantamento, na direção de situar o debate acerca da

temática em tela em nível nacional, fizemos o levantamento do estado do conhecimento

no âmbito do BTDC. Nessa base de dados os trabalhos foram identificados, através da

busca básica, com base no aplicativo de busca do site. A partir dos trabalhos

identificados foi realizado o mesmo procedimento utilizado na BDTD.

Identificamos nesse levantamento 39 (trinta e nove) trabalhos, destes, apenas 1 (uma)

tese e 2 (duas) dissertações tiverem o conselho de classe como objeto de estudo e, de

igual modo ao encontrado na base de dados do BDTD, 4 (quatro) trabalhos tomaram o

conselho de classe como campo e o restante dos trabalhos tratam de conselho não

referente ao do âmbito escolar. Ressaltamos que um dos trabalhos, a dissertação que

tem como objeto de atenção a Democratização da Gestão Democrática, elaborada por

Santos (2012), por estar inserida no levantamento realizado no BDTD, contabilizamos

apenas duas produções. No que diz respeito a essas duas produções, uma tem como foco

de atenção Avaliação e outra uma Visão Histórica do conselho de classe.

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1760ISSN 2177-336X

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O trabalho de Cabral (2011), que tem como objeto de atenção a avaliação, buscou

refletir sobre o conselho de classe reconhecendo o potencial desta instância para o

debate a respeito do resultado do processo educativo. A autora teve como embasamento

a reflexão sobre teóricos da educação brasileira e francesa visando examinar a estreita

ligação entre o ensino escolar e a exclusão social. Os achados revelam que no conselho

de classe em uma escola pública municipal de Campinas, em São Paulo, ocorria à

avaliação oculta, não formal do cotidiano da sala de aula, podendo este momento

concorrer para ocasionar a repetência e exclusão escolar dos alunos.

A tese de Leite (2012) teve o propósito de discutir os significados do conselho de classe

numa perspectiva histórica considerando seus limites, possibilidades e especificidades

em escolas estaduais do Paraná. A autora chega à conclusão que as estratégias

empregadas para a implantação de reformas educacionais têm o poder de agir sobre o

cotidiano dos sujeitos escolares, modificando suas rotinas, assim como a cultura escolar.

Entretanto os sujeitos escolares nestas condições adotam variadas formas de lidar com

as mudanças que necessitam serem problematizadas pelos que desejam compreender

melhor a escola, assim como, pelos que atuam nos lugares de poder e aspiram

modificações qualitativas no âmbito da educação.

Sobre achados do levantamento do estado do conhecimento

Ao nos debruçarmos sobre este levantamento descobrimos que os estudos foram

desenvolvidos nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. No que diz respeito ao

quantitativo das pesquisas, São Paulo apresentou a maior produção, totalizando 6

trabalhos, Paraná teve 2 trabalhos e Goiás e Distrito Federal 1 trabalho. Dos locais

citados identificamos que a década de 1970 se constitui como marco da

institucionalização oficial dos conselhos de classe, nos seguintes locais de pesquisa, a

saber, Distrito Federal e nos Estados: São Paulo e Paraná e que a normatização desta

instância ocorreu através das diretrizes propostas pelos regimentos únicos. Assim sendo,

podemos inferir que talvez a concentração de estudos nessas regiões possa ser

justificada devido a terem legislação que orientasse esta prática.

Os trabalhos desenvolvidos pelas pesquisadoras tiveram como campo de pesquisa

escolas públicas, exceto a pesquisa de Galdino (2002) realizada em uma escola da rede

de ensino particular, o que demonstra o considerável interesse científico pelo trabalho

desenvolvido na escola pública brasileira.

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Destacamos que a preocupação em desenvolver pesquisas tendo como objeto de estudo

conselho de classe é atual, valendo enfatizar que os primeiros achados remetem a

década anterior. Nesse quadro, o debate sobre esta temática no período de 2002 a 2014

revela uma escassez de estudos, haja vista que dos 36 trabalhos encontrados, apenas 10

deles abordaram o conselho de classe como objeto de investigação.

Com efeito, embora esteja presente o debate acerca da temática ao longo do período e

em considerando o avanço da legislação e referencial teórico sobre o conselho de classe,

tal cenário não repercutiu de modo contundente no investimento de estudos sobre

aspectos da própria constituição desta instância. Ou seja, esta instância teve mais o

estatuto de campo do que objeto de atenção. Consideramos que tal fato pode estar

relacionado à consideração da gênese do conselho de classe se fundamentar na

avaliação tradicional com características classificatória, autoritária e excludente ainda

percebida na atualidade.

Também reconhecemos a concentração de estudos acerca desta temática no período de

2006 a 2012 que pode ser justificada pelo fato de ter sido o início dos anos 2000 o

período em que ganha relevo a discussão sobre a avaliação formativa no campo

educacional. Além de que é nessa época que os sistemas de ensino passam a adotar

novas formas de organização das escolas fundamentadas numa proposta crítica e

formativa de educação, de uma nova roupagem para essa instância a partir da inclusão

do princípio gestão democrática do ensino público na Constituição de 1988 e na LDB

Nº 9.394/96.

É possível visualizar que o interesse pelos sentidos e significados atribuídos ao conselho

de classe e que tal compartilhamento norteiam as condutas e comunicação dos sujeitos

inaugura o debate a respeito desta instância, entretanto ele fica silenciado na produção

científica brasileira por mais de uma década. Por tal razão reconhecemos a relevância de

buscar entender o objeto social, conselho de classe, a partir da Teoria Moscoviciniana

por considerarmos que as construções simbólicas possibilitam a comunicação entre os

pares, a solução das vicissitudes corriqueiras, assim como a interpretação da realidade

Além disso, não há como deixar de considerar as contribuições no avanço do estudo

dessa teoria e mais especificamente no que refere à compreensão dos fatos da educação,

bem como, da função das significações sociais no âmbito educacional. Para tanto

recorremos a Gilly (2001) que afirma ser a área educacional um domínio singular para

perceber como se dá a gênese, evolução e transformação das representações sociais nos

grupos sociais e a repercussão dessas construções nas relações estabelecidas por esses

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sujeitos. Isto porque essa teoria possibilita conhecer o sentido das práticas do cotidiano

por meio de um olhar sobre a dimensão simbólica e organizacional da vida social,

permitindo a compreensão da maneira como os sujeitos criam e significam o

conhecimento e se relacionam com ele.

Reafirmamos a pertinência de recorrer a esta teoria para realizar um estudo sobre

conselho de classe por reconhecer que no contexto das mudanças ocorridas desde sua

implantação diversos sentidos foram sendo construídos. Tal fato se justifica por ser a

representação dinâmica e a cada novo evento, ou informação importante elas sofrem

transformações, assim, os sujeitos que compõem dado contexto constroem

coletivamente suas teorias tornando o estranho familiar.

Tal relevância de discussão sobre esta instância nos aproxima do apresentado por Garcia

(1981); Rocha (1984); Dalben (1994, 2004) que consideram ser o conselho de classe um

momento rico de significado que abrange concepções, representações, entendimentos e

práticas por parte dos sujeitos escolares que procuram, no coletivo, no interdisciplinar,

no diálogo, favorecer o desenvolvimento da educação. Nesse sentido, reconhecemos o

conselho de classe enquanto instância colegiada que visa à reflexão e avaliação acerca

do fazer pedagógico, em termos de permitir a comunidade escolar problematizar,

compreender e sistematizar as demandas apresentadas.

Considerações Finais

Esselhoe estado do conhecimento nos possibilita identificar que a temática em tela tem

levado as pesquisadoras a lançar o olhar para diferentes aspectos acerca do conselho de

classe, sendo possível perceber o quanto estas ideias se entrecruzam e se

complementam.

No que diz respeito ao conselho de classe enquanto espaço de avaliação bem como de

profissionalização docente as pesquisadoras buscaram refletir sobre a possibilidade de

reorganização da prática pedagógica tendo como mote a co-responsabilidade dos

sujeitos envolvidos nesse processo visando à promoção do desenvolvimento tanto do

aluno quanto do professor. Contudo esses trabalhos ratificam o quanto ainda é preciso

avançar nestas discussões, tendo em conta as incongruências apresentadas no que se

refere ao que povoa o campo das ideias dos professores acerca desta instância e de

como ela se materializa no cotidiano. Em assim sendo, o conjunto desses trabalhos

permite corroborar a afirmação de Flávia Santos (2006) de que ao associar o conselho

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de classe à avaliação da aprendizagem é possível desvendar que a comunidade escolar

ainda está em processo de descoberta dos benefícios de tê-los como aliados da

aprendizagem dos alunos e do ensino pelos professores.

Nos estudos encontrados, o interesse pelo conselho de classe à luz da democratização da

gestão teve como foco refletir sobre a questão da materialização dos espaços de

participação coletiva plena. Ratificou-se, desta maneira, a pertinência do acolhimento da

opinião de todos os sujeitos envolvidos, visando à tomada de decisão a respeito das

demandas educacionais no que concerne ao ensino, aprendizagem e avaliação. Essa

linha de reflexão aponta para a relevância de tratar o conselho de classe numa

perspectiva crítico transformadora, conforme declara Santos (2012), por permitir a

construção de uma escola mais solidária, humana e justa devido ao envolvimento cada

vez maior da comunidade escolar em suas atividades. Também é possível reconhecer o

cuidado em analisar as formas de apropriação dos preceitos legais sobre conselho de

classe no cotidiano escolar numa perspectiva histórica.

Cabe assim destacar, como bem anuncia Leite (2012), que as reformas educacionais e

políticas públicas têm o poder de operar sobre o cotidiano dos sujeitos, alterando suas

rotinas, tendo implicações na cultura escolar.

Ainda que as pesquisas verifiquem a relevância do papel do conselho de classe para a

prática pedagógica alguns trabalhos reconhecem o descompasso entre as práticas do

conselho de classe em relação ao que se determina pelos dispositivos legais. Conjuntura

essa que divulga não apenas as limitações da escola em vivenciar essas novas propostas,

mas também estimular a reflexão acerca dos distintos sentidos que os professores

conferem ao estabelecido pelas instâncias normativas.

No que se refere ao único estudo acerca do conselho de classe à luz da representação

social a pesquisadora objetivou entender as construções simbólicas produzidas pelos

professores, com destaque para o fato que as representações sociais intervêm e afetam o

cotidiano dos sujeitos, colaborando para criar associações, assim como novos encontros

entre as pessoas. Tal constatação nos remete as ideias de Moscovici (2009) que

considera o conhecimento do senso comum imprescindível na medida em que se busca

compreender o pensamento e a ação humanos, tendo em vista que é na relação dos

sujeitos com a sua realidade que se produz significados, ou seja, ao construir a realidade

eles se configuram como tal. É no contexto da interação do sujeito com o objeto, assim

como com outros sujeitos, que as informações vão sendo socializadas possibilitando a

criação de universos consensuais.

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Mediante do exposto é possível ter uma visão do debate sobre a temática em tela, no

domínio das bases de dados consideradas. Em assim sendo, este estado do

conhecimento ora apresentado revela a necessidade e relevância do investimento em

estudos que tenham como foco o conselho de classe, especialmente no que diz respeito

tanto a informar quanto de colaborar no debate acerca da formação e prática docente no

âmbito educacional.

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