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Rev Bras Nutr Clin 2015; 30 (2): 126-30 126 Unitermos: Avaliação nutricional. Cirrose hepática. Desnutrição. Índice de massa corporal. Hepatopatias. Keywords: Nutrition assessment. Liver cirrhosis. Malnutrition. Body mass index. Liver diseases. Endereço para correspondência: Lívia Siqueira Beltrão Segunda Travessa Nossa Senhora dos Prazeres, 51– Jaboatão dos Guararapes, PE, Brasil – CEP: 54280-492. E-mail:[email protected] Submissão: 25 de fevereiro de 2015 Aceito para publicação: 6 de abril de 2015 RESUMO Introdução: A desnutrição está presente em 20% dos pacientes com doença hepática crônica (DHC) compensada, acima de 80% em pacientes com cirrose descompensada e está relacionada diretamente com o estágio da doença. A avaliação nutricional juntamente com a determinação da gravidade da doença são de extrema importância para melhor instituir a terapia nutricional. Objetivo: Associar o estado nutricional e o estágio de gravidade da DHC. Método: Estudo transversal com adultos e idosos de ambos os sexos. Foram avaliadas as condições socioeconô- micas, demográficas, clínicas, estilo de vida, estado nutricional e estágio de gravidade da DHC. Resultados: Houve o predomínio do sexo masculino, de idosos e a média das idades foi de 59, 48 ± 15,3 anos. A etiologia mais frequente foi a não-alcoólica (51,4%) e a ascite a complicação mais presente (71%). O risco nutricional esteve presente em 68% dos indivíduos. Todos os métodos de avaliação nutricional identificaram acima de 40% de desnutrição com destaque para a ASG (80%) e MNA (90%). O IMC e a NRS tiveram associação significativa com o Child Pugh e a ASG apresentou forte tendência, bem como a CB uma tendência de associação com o Child Pugh. Nenhuma variável antropométrica apresentou associação com o MELD. Conclusões: Houve associação do Child Pugh com variáveis antropométricas, reforçando a necessidade de associar a gravidade da doença à avaliação nutricional, bem como mais estudos associando o estágio da doença e o estado nutricional são necessários. ABSTRACT Introduction: Malnutrition occurs in 20% of patients with controlled chronic liver disease, more than 80% of patients with uncontrolled cirrhosis and is directly related to the disease stage. A nutritional evaluation and determination of the severity of liver disease are of extreme importance to the proper establishment of nutritional therapy. Objective: The aim of the present study was to associate nutritional status with the severity of chronic liver disease. Methods: A cross-sectional study was conducted with male and female patients. Evaluations of socioeconomic status, demo- graphic and clinical characteristics, lifestyle, nutritional status and severity of liver disease were conducted. Results: The male sex was predominant. Mean age was 59.48 ± 15.3 years. The most frequent etiology was non-alcoholic (51.4%) and ascites was the most common complica- tion (71%). Nutritional risk was found in 68% of the sample. All nutritional assessment methods identified more than a 40% rate of malnutrition, especially the global subjective assessment (80%) and mini nutritional assessment (90%). The body mass index and nutritional risk screening were significantly associated with the Child-Pugh score. The global subjective assessment demonstrated a strong tendency toward associations with arm circumference and the Child-Pugh score. No anthropometric variable was associated with the model for end-stage liver disease. Conclusions: The Child-Pugh score was associated with anthropometric variables, which demonstrates the need to associate the severity of chronic liver disease with a nutritional evaluation. Further studies on this association are needed. Lívia Siqueira Beltrão 1 Keila Fernandes Dourado 2 Claudia Mota dos Santos 3 Cristiane Pereira da Silva 4 Marina de Morais Vasconcelos Petribú 5 1. Nutricionista residente do Hospital Barão de Lucena, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil. 2. Professora Adjunto III, Centro Acadêmico de Vitória de Santo Antão, Núcleo de Nutrição, PE, Brasil. 3. Nutricionista Coordenadora do programa de Residência do Hospital Barão de Lucena, Recife, PE, Brasil. 4. Nutricionista Tutora do programa de residência do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Recife, PE, Brasil. 5. Professora Adjunto, Centro Acadêmico de Vitória de Santo Antão, Núcleo de Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil. Estado nutricional de portadores de hepatopatia crônica e sua relação com a gravidade da doença Association between the severity of chronic liver disease and nutritional status A Artigo Original

Estado nutricional de portadores de hepatopatia crônica e ... · doença hepática crônica (DHC) compensada e acima de 80% em pacientes com cirrose descompensada. Anorexia, náuseas,

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Beltrão LS et al.

Unitermos: Avaliação nutricional. Cirrose hepática. Desnutrição. Índice de massa corporal. Hepatopatias.

Keywords: Nutrition assessment. Liver cirrhosis. Malnutrition. Body mass index. Liver diseases.

Endereço para correspondência: Lívia Siqueira BeltrãoSegunda Travessa Nossa Senhora dos Prazeres, 51– Jaboatão dos Guararapes, PE, Brasil – CEP: 54280-492.E-mail:[email protected]

Submissão:25 de fevereiro de 2015

Aceito para publicação:6 de abril de 2015

RESUMOIntrodução: A desnutrição está presente em 20% dos pacientes com doença hepática crônica (DHC) compensada, acima de 80% em pacientes com cirrose descompensada e está relacionada diretamente com o estágio da doença. A avaliação nutricional juntamente com a determinação da gravidade da doença são de extrema importância para melhor instituir a terapia nutricional. Objetivo: Associar o estado nutricional e o estágio de gravidade da DHC. Método: Estudo transversal com adultos e idosos de ambos os sexos. Foram avaliadas as condições socioeconô-micas, demográficas, clínicas, estilo de vida, estado nutricional e estágio de gravidade da DHC. Resultados: Houve o predomínio do sexo masculino, de idosos e a média das idades foi de 59, 48 ± 15,3 anos. A etiologia mais frequente foi a não-alcoólica (51,4%) e a ascite a complicação mais presente (71%). O risco nutricional esteve presente em 68% dos indivíduos. Todos os métodos de avaliação nutricional identificaram acima de 40% de desnutrição com destaque para a ASG (80%) e MNA (90%). O IMC e a NRS tiveram associação significativa com o Child Pugh e a ASG apresentou forte tendência, bem como a CB uma tendência de associação com o Child Pugh. Nenhuma variável antropométrica apresentou associação com o MELD. Conclusões: Houve associação do Child Pugh com variáveis antropométricas, reforçando a necessidade de associar a gravidade da doença à avaliação nutricional, bem como mais estudos associando o estágio da doença e o estado nutricional são necessários.

ABSTRACTIntroduction: Malnutrition occurs in 20% of patients with controlled chronic liver disease, more than 80% of patients with uncontrolled cirrhosis and is directly related to the disease stage. A nutritional evaluation and determination of the severity of liver disease are of extreme importance to the proper establishment of nutritional therapy. Objective: The aim of the present study was to associate nutritional status with the severity of chronic liver disease. Methods: A cross-sectional study was conducted with male and female patients. Evaluations of socioeconomic status, demo-graphic and clinical characteristics, lifestyle, nutritional status and severity of liver disease were conducted. Results: The male sex was predominant. Mean age was 59.48 ± 15.3 years. The most frequent etiology was non-alcoholic (51.4%) and ascites was the most common complica-tion (71%). Nutritional risk was found in 68% of the sample. All nutritional assessment methods identified more than a 40% rate of malnutrition, especially the global subjective assessment (80%) and mini nutritional assessment (90%). The body mass index and nutritional risk screening were significantly associated with the Child-Pugh score. The global subjective assessment demonstrated a strong tendency toward associations with arm circumference and the Child-Pugh score. No anthropometric variable was associated with the model for end-stage liver disease. Conclusions: The Child-Pugh score was associated with anthropometric variables, which demonstrates the need to associate the severity of chronic liver disease with a nutritional evaluation. Further studies on this association are needed.

Lívia Siqueira Beltrão1

Keila Fernandes Dourado2

Claudia Mota dos Santos3

Cristiane Pereira da Silva4

Marina de Morais Vasconcelos Petribú5

1. Nutricionista residente do Hospital Barão de Lucena, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.2. Professora Adjunto III, Centro Acadêmico de Vitória de Santo Antão, Núcleo de Nutrição, PE, Brasil. 3. Nutricionista Coordenadora do programa de Residência do Hospital Barão de Lucena, Recife, PE, Brasil. 4. Nutricionista Tutora do programa de residência do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Recife, PE, Brasil. 5. Professora Adjunto, Centro Acadêmico de Vitória de Santo Antão, Núcleo de Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.

Estado nutricional de portadores de hepatopatia crônica e sua relação com a gravidade da doençaAssociation between the severity of chronic liver disease and nutritional status

AArtigo Original

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INTRODUÇÃO

A desnutrição está presente em 20% dos pacientes com doença hepática crônica (DHC) compensada e acima de 80% em pacientes com cirrose descompensada. Anorexia, náuseas, saciedade precoce, deficiência na ingestão e absorção de alimentos, estado catabólico gerado pela doença e restrições dietéticas predispõem a desnutrição1, sendo importante uma avaliação nutricional acurada que possibilita o diagnóstico nutricional e embasa a conduta dietética2. Não existe padrão-ouro para avaliar o estado nutricional de portadores de hepatopatias crônicas, porém recomenda-se utilizar o máximo de métodos disponíveis para uma avaliação mais fidedigna.

A gravidade da DHC pode ser estabelecida pelo escore Child-Pugh, o qual inclui as seguintes variáveis: tempo de protrombina, bilirrubina total, albumina, presença de ascite e encefalopatia porto-sistêmica, sendo amplamente utilizado para determinar o prognóstico de pacientes hospitalizados e está frequentemente associado a outros indicadores2. Outro método bastante utilizado para avaliar a gravidade da doença é o Modelo para DHC em estágio final ou Model for End-Stage Liver Disease (escore MELD), que se baseia no risco de um paciente morrer aguardando transplante de fígado e considera dados laboratoriais usados rotineiramente na prática clínica e que tem relação com a função hepática e renal3.

A desnutrição, independente da etiologia, está correlacio-nada diretamente com o estágio clínico da doença. Diante da importância de realizar uma avaliação nutricional acurada, este estudo teve como objetivo associar o estado nutricional e o estágio de gravidade da DHC.

MÉTODO

Fizeram parte deste estudo transversal indivíduos adultos e idosos com diagnóstico de DHC internados na Clínica Médica do Hospital Barão de Lucena e na Clínica de Gastro-enterologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, dois hospitais públicos da cidade do Recife, no período de maio a outubro de 2014.

Foram incluídos todos os indivíduos com diagnóstico de DHC, independente da etiologia, que estivessem em condições físicas para submeterem-se a avaliação do estado nutricional na ocasião do internamento hospitalar. Foram excluídos do estudo indivíduos incapazes de prestar infor-mações e sem acompanhantes, amputados, psiquiátricos, neurológicos e com alguma doença consumptiva associada.

A coleta de dados foi realizada até 48 horas após inter-namento hospitalar com o auxílio de formulário próprio, previamente estruturado, contendo variáveis sociodemográ-ficas e clínicas. Os dados clínicos inclusos foram: diagnóstico

clínico, etiologia da doença, comorbidades associadas e complicações referentes à doença (ascite, encefalopatia e hemorragia digestiva). Também foram coletados dados bioquímicos (albumina, coagulograma, bilirrubina e crea-tinina) de admissão, por meio dos prontuários, utilizados na classificação da gravidade da doença. A condição socioeconômica foi classificada de acordo com os critérios da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)4. Foram coletadas, ainda, informações sobre o estilo de vida, como etilismo e tabagismo, sendo este categorizado de acordo com os critérios de Silva et al.5.

A triagem nutricional foi realizada utilizando-se a Nutri-tional Risk Screening (NRS) 20026 e para avaliação do estado nutricional foram utilizados os seguintes métodos: antropometria, espessura do músculo adutor do polegar (EMAP), Avaliação Subjetiva Global (ASG) e a Miniava-liação Nutricional (MNA), aplicada apenas aos idosos. A antropometria foi realizada por meio de métodos conven-cionais, com auxílio de balança, tipo plataforma, da marca Filizola® (Londrina, Brasil), com capacidade para 150 kg e precisão de 100g, antropômetro acoplado à balança com capacidade para 1,90m e variação em 5 mm e fita métrica inelástica. Foram analisados peso atual, altura, circunferência do braço (CB), prega cutânea triciptal (PCT), circunferência muscular do braço (CMB), área muscular do braço corrigida (AMBc) e índice de massa corporal (IMC). O peso com desconto do excesso hídrico e a altura foram utilizados para o cálculo do IMC, que classificou o estado nutricional de acordo com os critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS)7 para adultos e para os idosos de acordo com os critérios da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS)8.

Os resultados obtidos através dos outros indicadores foram relacionados com os valores padrões do National Health and Nutrition Examination Survey I (NHANES I), demonstrados em tabelas de percentis segundo Frisancho9 e classificados conforme Blackburn & Thornton (1979). Para os idosos foram utilizadas as tabelas do NHANES III (1988-1994)10.

A espessura do EMAP foi avaliada utilizando o plicômetro da marca Cescorf® (Porto Alegre, Brasil), aferido de acordo com a técnica e classificado de acordo com os critérios de Bragagnolo et al.11.

Foi aplicado o questionário de avaliação subjetiva global (ASG), proposta por Detsky et al.12 com os adultos e idosos e o questionário de miniavaliação nutricional (MNA) apenas com os idosos (≥60 anos)13.

A gravidade da doença hepática foi classificada pelo escore de Child-Pugh e pelos critérios do escore MELD3. O MELD foi reagrupado em três categorias: <10 a 19 pontos, 20 a 29 e 30 a ≥ 40, para melhor aferição estatística.

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Beltrão LS et al.

O banco de dados foi construído no programa Microsoft Office Excel 2013®. Para as análises esta-tísticas, foi utilizado o software Statistical Package for Social Sciences®(SPSS), versão 13.0. Os resultados estão apresentados em forma de tabelas, com suas respectivas frequências absoluta e relativa. Para verificar a existência de associação, foi utilizado o Teste Qui-Quadrado de Pearson para as variáveis categóricas.Considerou-se significativas as associações cujos valores de p foram inferior a 5%.

O estudo só foi iniciado após analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco, com parecer nº 818.732 e pelo comitê de ética do complexo hospitalar HUOC/PROCAP, com o parecer nº 916.028.

RESULTADOS

Foram incluídos na pesquisa 35 indivíduos adultos e idosos com predomínio do sexo masculino (60%) e de idosos (57,1%), com média das idades de 59,48 ± 15,3 anos (Tabela 1). Em relação à etiologia, 51,4% eram de origem não-alcoólica e a ascite (71%), seguida da encefalopatia hepática (20%) e hemorragia digestiva (14%) foi a compli-cação mais presente. A maioria dos pacientes estudados encontrava-se no Child B e com a pontuação MELD entre < que 10 a 19.Aproximadamente 58% dos indivíduos apresen-taram comorbidades, sendo a mais prevalente a associação do diabetes e hipertensão. Quanto ao estilo de vida predo-minaram indivíduos não fumantes (71,4%), com ingestão de álcool diária (48,6%), durante período de exposição, num volume predominante de > 1000mL/dia.

A frequência de desnutrição identificada pelos métodos de avaliação nutricional foi: IMC (42,8%), CB (65,%), PCT (68,6%), CMB (57,1%), AMBc (41,9%), EMAP (51,4%), ASG (80%) e MNA (90%), tendo a ASG e a MNA maior destaque. A associação significativa entre o parâmetro que mais detectou desnutrição (ASG) em adultos e idosos e os outros parâmetros avaliados esteve presente com todos, exceto com a PCT.

Quanto à associação dos parâmetros de avaliação nutri-cional e o escore Child Pugh, o IMC e a NRS apresentaram associação significativa, identificando maior risco no Child B e C. ASG apresentou uma forte tendência a associar-se ao Escore e a CB uma tendência de associação (Tabela 2). Ao se avaliar a associação dos parâmetros de avaliação nutricional com o MELD não foram observadas associações significativas.

DISCUSSÃO

O sexo masculino foi mais prevalente no presente estudo, o que corrobora com outros estudos2,14. Com relação à

Tabela 1 – Características demográficas, clínicas e nutricionais dos indivíduos portadores de doença hepática cônica hospitalizados, HBL e HUOC, 2014.

Características n %

Sexo Masculino 21 60 Feminino 14 40Idade Adultos 15 42,9 Idosos 20 57,1Procedência Zona urbana 23 65,7 Zona rural 12 34,3Nível socioeconômico Estratos 1 e 2 11 2,9 Estrato 3, 4 e 5 19 54,3 Estratos 6 e 7 15 42,9Etiologia Alcoólica e Álcool + associações virais e não virais

17 48,6

Não Alcoólica 18 51,4Tempo de diagnóstico > 6 meses 20 57,1 < 6 meses 15 42,9Risco nutricional Sem risco 11 31,4 Com risco 24 68,6Child Pugh A 5 14,3 B 20 57,1 C 10 28,6MELD* >10 – 19 27 77,1 20 – 29 6 17,1 30 – ≥ 40 2 5,7

*Modelo para DHC em estágio final.

idade, houve maior frequência de indivíduos idosos, dife-rente do estudo de Fernandes et al.1; porém, concordando com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD). No mesmo estudo, houve maior prevalência de doenças crônicas, incluindo a cirrose, em residentes de áreas urbanas, e o pior nível socioeconômico foi associado a maior risco de doenças crônicas e que a menor escolaridade está relacio-nada à presença de cirrose14.No presente estudo, a maioria dos indivíduos encontrava-se nos estratos de média a baixa condição socioeconômica.

A maioria dos indivíduos foi classificada como não fumante, provavelmente pelo estágio da doença e condi-ções clínicas que induzem a cessação do tabagismo, uma vez que, por meio dos mediadores inflamatórios sistêmicos e do estresse oxidativo, a nicotina induz fibrogênese do fígado15.

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O consumo abusivo de bebidas alcoólicas pode levar a cirrose hepática por meio de alterações no metabolismo das gorduras e desequilíbrio no sistema antioxidante, gerando necrose e apoptose celular. Neste estudo, representou quase 50% da amostra, um número expressivo, ocupando uma das principais causas de desenvolvimento da cirrose hepática.

Quanto à complicação mais presente, a ascite se destacou, semelhante ao estudo de Barcelos et al.16, que encontraram prevalência de 55,2%. A ascite pode levar a outras complicações, como infecção do líquido ascético (peritonite bacteriana espontânea), dispneia, perdas proteicas

e aumento do gasto energético, condições que aumentam o risco de mortalidade.

Apesar de indivíduos hospitalizados normalmente apre-sentarem maiores quadros de descompensação, o que favoreceria um aumento na pontuação dos escores, neste estudo, 71,4% dos pacientes encontraram-se entre Child A e B, bem como o MELD < que 10 a 19. Provavelmente, o tempo de diagnóstico influenciou no estágio da doença, já que aproximadamente 43% dos indivíduos possuíam tempo de diagnóstico inferior a 6 meses. Esses resultados foram semelhantes aos reportados no estudo de Barcelos et al.16, que encontraram em indivíduos hospitalizados 68,6% entre Child A e B e a média de MELD de 14,5 e aos achados de Vulcano et al.17.

Todos os métodos de avaliação nutricional identificaram acima de 40% da amostra como desnutridos. Os métodos convencionais e confiáveis, CB e PCT, destacaram-se com mais 65% de identificação de desnutrição, dado superior ao encontrado nos estudos de Fernandes et al.1 e Nunes et al.2.

A literatura mostra que o EMAP é capaz de identificar a desnutrição precocemente18. No presente estudo, o EMAP (51,4%) demonstrou contribuição semelhante à de medidas clássicas e confiáveis na determinação da desnutrição de pacientes com DHC.

Um único estudo encontrado na literatura utilizando a MNA na avaliação de pacientes com DHC demonstrou ser efetiva na detecção da desnutrição em pacientes com hepa-tocarcinoma celular19. Neste estudo, a MNA identificou 90% dos idosos com risco nutricional ou desnutrição.

Dentre todos os indicadores utilizados para determinar o diagnóstico nutricional, o IMC apresentou associação com do escore Child Pugh, além de diagnosticar 42,9% de desnutrição na população estudada, discordando dos estudos atuais onde o IMC tem detectado no mínimo 5% a 6% de desnutrição1,2.

A baixa prevalência de desnutrição detectada pelo IMC tem sido justificada pela retenção de líquidos que superes-timam o peso. Neste estudo foi realizado o desconto do excesso hídrico, resultando em melhor precisão do método. Também observou-se que o IMC apresenta provável relação como escore Child Pugh, além de ter detectado a desnu-trição nos estágios mais avançados da doença. A ausência do estado nutricional no escore possivelmente falhe na determinação da sobrevida em 15% a 20% dos indivíduos com DHC17.

A NRS tem como objetivo detectar, em âmbito hospitalar, o risco do desenvolvimento de desnutrição. Durante sua validação, os estudos demonstraram que indivíduos identifi-cados com risco pela NRS apresentaram maior probabilidade de resposta significativa após suporte nutricional20. Neste estudo, 68,6% dos indivíduos estudados apresentaram risco nutricional e essa ferramenta apresentou associação com o escore Child Pugh, onde foi detectado o risco maior com a

Tabela 2 – Associação do Escore Child Pugh com os parâmetros de avaliação nutricional aplicados aos indivíduos portadores de doença hepática crônica hospitalizados, HBL e HUOC, 2014.

Métodos de Avaliação

Child Pugh N P

An (%)

Bn (%)

Cn (%)

NRS 0,039

Sem risco 4 (36,4) 5 (45,5) 2 (18,2) 35

Com risco 1 (4,2) 15 (62,5) 8 (33,3)

IMC 0,033

Desnutrição __ 10 (66,7) 5 (33,3)

Eutrofia 2 (20,0) 3 (30,0) 5 (50,0) 35

Excesso de peso 3 (30,0) 7 (70,0) __

CB 0,081

Desnutrição 2 (8,7) 12 (52,2) 9 (39,1)

Eutrofia 3 (37,5) 4 (50,0) 1 (12,5) 35

Excesso de peso __ 4 (100,0) __

PCT 0,358

Desnutrição 2 (8,3) 13 (54,2) 9 (37,5)

Eutrofia 1 (33,3) 2 (66,7) __ 35

Excesso de peso 2 (25,0) 5 (62,5) 1 (12,5)

CMB 0,519

Desnutrição 2 (10,0) 11 (55,0) 7 (35,0) 35

Eutrofia 3 (20,0) 9 (60,0) 3 (20,0)

AMBc 0,978

Desnutrição 2 (15,4) 7 (53,8) 4 (30,8) 35

Eutrofia 3 (16,7) 8 (50,0) 6 (33,3)

EMAP 0,276

Desnutrição 1 (5,6) 12 (66,7) 5 (27,8) 35

Eutrofia 4 (23,5) 8 (47,1) 5 (29,4)

ASG Desnutrição 2 (7,1) 17 (60,7) 9 (32,1) 35 0,051

Eutrofia 3 (42,9) 3 (42,9) 1 (14,3)

MNA 0,119

Risco nutricional 1 (5,6) 11 (61,1) 6 (33,3) 20

Desnutrição

Eutrofia 1 (50) 1 (50) __† Teste Qui-Quadrado de Pearson. IMC: Índice de Massa Corporal, CB: Circunferência Bra-quial, PCT: Prega Cutânea Triciptal, CMB: Área Muscular do Braço, AMBc: Área Muscular do Braço corrigida, EMAP: Espessura do Músculo Adutor do Polegar, ASG: Avaliação Subjetiva Global, MNA: Miniavaliação Nutricional aplicado apenas aos idosos.

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Beltrão LS et al.

Local de realização do trabalho: Hospital Barão de Lucena e no Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Recife, PE, Brasil.

progressão da doença, indicando ser um método confiável na identificação do risco nutricional em portadores de DHC.

A ASG destacou-se na detecção de desnutrição (80%) e apresentou forte tendência em associar-se com o Child Pugh. A ASG tem sido descrita como um forte preditor de desnutrição em pacientes com DHC.De acordo com estudo de Barcelos et al.16, que buscou correlação de vários parâ-metros de avaliação nutricional como Child, a ASG teve correlação com o Child C.

A CB também apresentou tendência em associar-se com o Child Pugh, sendo um dos métodos indicados na avaliação de compartimento muscular em indivíduos com DHC. No estudo de Vulcano et al.17, a CB apresentou melhor correlação com a gravidade da doença.

Com relação ao escore MELD, nenhum dos indicadores antropométricos teve associação com o mesmo. No estudo de Vulcano et al.17, os indicadores antropométricos apresentaram maior associação com o Child que com o MELD. Talvez, a presença de mais variáveis clínicas de descompensação no escore Child Pugh tenha favorecido essa maior associação e reflita melhor o prognóstico de indivíduos hospitalizados.

Dentre as limitações do estudo estiveram o tipo trans-versal, o número reduzido de pacientes internados no período da coleta, além da maioria das pesquisas ser realizada ambulatorialmente, dificultando a comparação entre os estudos.

São necessários mais estudos a nível hospitalar que asso-ciem ferramentas de avaliação nutricional e os escores de gravidade da doença hepática crônica, uma vez que houve associação com alguns parâmetros antropométricos, a fim de identificar desvios importantes e estabelecer uma conduta nutricional adequada e reforçar a necessidade da utilização do maior número de indicadores disponíveis na determinação efetiva do diagnóstico nutricional nesses indivíduos.

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