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    EXTINÇÃO DOCRÉDITO TRIBUTÁRIO

    HOMENAGEM AO PROFESSOR JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES

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    Belo Horizonte

    2013

    GEILSON SALOMÃO LEITE

    Coordenador

     José Paulo Cavalcanti FilhoPrefácio

    EXTINÇÃO DOCRÉDITO TRIBUTÁRIO

    HOMENAGEM AO PROFESSOR JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES

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    © 2013 Editora Fórum Ltda.

    É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,inclusive por processos xerográcos, sem autorização expressa do Editor.

    Conselho EditorialAdilson Abreu Dallari

    Alécia Paolucci Nogueira BicalhoAlexandre Coutinho Pagliarini

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    Luís Cláudio Rodrigues FerreiraPresidente e Editor

    Supervisão editorial: Marcelo BelicoRevisão: Lourdes Nascimento

    Bibliotecária: Izabel Antonina A. Miranda – CRB 2904 – 6ª RegiãoCapa, projeto gráco: Walter SantosImagem de capa: Arquivo pessoal

    Diagramação: Reginaldo César de Sousa Pedrosa

    Av. Afonso Pena, 2770 – 16º andar – Funcionários – CEP 30130-007Belo Horizonte – Minas Gerais – Tel.: (31) 2121.4900 / 2121.4949

    www.editoraforum.com.br – [email protected]

    E96 Extinção do crédito tributário: homenagem ao Professor José Souto Maior Borges /

    Coordenador: Geilson Salomão Leite ; prefacio: José Paulo Cavalcanti Filho. – BeloHorizonte: Fórum, 2013.

    353 p.

    ISBN 978-85-7700-788-2

    1. Direito tributário. 2. Direito nanceiro. 3. Direito administrativo. 4. Direito constitucional.I. Leite, Geilson Salomão. II. Cavalcanti Filho, José Paulo.

    CDD: 343.04  CDU: 336.22

    Informação bibliográca deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de NormasTécnicas (ABNT):

    LEITE, Geilson Salomão (Coord.). Extinção do crédito tributário: homenagem ao Professor José SoutoMaior Borges. Belo Horizonte: Fórum, 2013. 353 p. ISBN 978-85-7700-788-2.

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     Aqui morava um Rei

     Aqui morava um Rei quando eu menino

    Vestia ouro e castanho no gibão

    Pedra da sorte sobre o meu destino,

    Pulsava junto ao meu, seu coração.

    Para mim, o seu cantar era divino,

    Quando ao som da viola e do bordão,

    Cantava com voz rouca, o desatino,O sangue, o riso e as mortes do sertão.

     Mas mataram meu pai. Desde esse dia

    Eu me vi, como cego sem meu guia

    Que se foi para o sol, transgurado.

    Sua efígie me queima. Eu sou a presa.

    Ele, a brasa que impele ao fogo acesa

    Espada de ouro em pasto ensangüentado.

    (Ariano Suassuna)

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    Somos hoje uma federação condenada à morte. Razões

     políticas, sobretudo sociais, lavram a sentença capital.

    Que política tem pois esse governo ou tiveram os

     governos antecedentes para levar a cabo uma reforma do

    sistema de tributos, suscetível de prevenir a consumaçãoda tragédia federativa; que eu vejo prestes ao desenlace

    na forma submissa com que os Estados membros e os

    municípios se demitem de suas respectivas autonomias?

    Debaixo das omissões do Poder Central, as desigualdades

    sociais e regionais se avolumam, ficando os entes

     federativos sujeitos, por completo, às injunções da política

    econômica e nanceira da União, à instrumentalização dadependência que os oprime e esmaga, quer na negociação

    das prestações da dívida pública, quer na liberação de

    dotações orçamentárias. Ficam assim à mercê doutra

    ditadura, complemento atroz da ditadura constitucional,

    que dissolve o poder democrático e faz da república e da

     federação a quimera dos constitucionalistas.

    (Paulo Bonavides)1

    1  Trechos do discurso proferido na PUC do Rio Grande do Sul, por ocasião do recebimentoda medalha do “Mérito Universitário”.

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    SUMÁRIO

    ALGO COMO UM PREFÁCIOJosé Paulo Cavalcanti Filho ................................................................................. 15

    AGRADECIMENTOS E LEMBRANÇASGeilson Salomão Leite .........................................................................................19

    PARTE I

    O HOMEM E A PROVÍNCIARicardo José Souto Maior Borges .......................................................................23

    O PENSAMENTO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO DE JOSÉ SOUTOMAIOR BORGESAndré Folloni ......................................................................................................... 351 José Souto Maior Borges ........................................................................352 Caminho ................................................................................................... 362.1 Os primeiros percursos ..........................................................................372.2 Primeira mudança e segundo caminho: valorização do

    referencial teórico jurídico ..................................................................... 402.3 Segunda mudança e terceiro caminho: valorização do

    fundamento epistemológico .................................................................. 442.4 Terceira mudança e quarto caminho: a losoa, a losoa do

    direito e a arte ..........................................................................................482.5 Outras mudanças: novos caminhos posteriores .................................523 Mudança ................................................................................................... 54  Referências ............................................................................................... 56

     JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, O HOMEMCarlos Mário da Silva Velloso ............................................................................ 59

    PARTE II

    OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA: DEFINIÇÃO, ACEPÇÕES, ESTRUTURAINTERNA E LIMITES CONCEITUAISPaulo de Barros Carvalho .................................................................................... 671 A linguagem do direito constituindo a realidade jurídica ................671.1 O fenômeno do conhecimento e sua relação com os “nomes”

    das coisas .................................................................................................. 68

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    1.2 A expressão “natureza jurídica” ........................................................... 702 A relação jurídica como instrumento de ordenação das condutas ..... 713 O instituto da “obrigação”no direito tributário .................................743.1 Composição interna do liame obrigacional ........................................ 754 Crédito, débito e obrigação tributária: limites conceituais ...............775 Obrigação tributária e obrigação de direito administrativo-  nanceiro .................................................................................................. 796 Obrigação tributária e os deveres instrumentais................................827 O fato jurídico tributário e seu efeito peculiar: instaurar o

    vínculo obrigacional ...............................................................................848 Notas conclusivas .................................................................................... 86  Referências ...............................................................................................87

    CRÉDITO TRIBUTÁRIO E LANÇAMENTOMisabel Abreu Machado Derzi ..........................................................................891 Introdução às questões relativas ao crédito tributário ...................... 892 Autonomia da obrigação tributária em relação aos

    procedimentos e atos supervenientes de lançamento.Diferença entre existência e exercício do direito ................................97

    3 Crédito tributário e segurança jurídica. A atividadeadministrativa plenamente vinculada ................................................. 97

    4 O lançamento como ato administrativo. Evolução conceitual ....... 100

    4.1 Conceito de lançamento .......................................................................1014.1.1 Ato jurídico administrativo vinculado e obrigatório ....................... 1024.1.2 Ato de individuação e concreção da norma ao caso concreto.

    A formalização do crédito tributário ..................................................1044.1.3 Efeitos homologatórios-extintivos (no lançamento por

    homologação) ou efeitos que conferem liquidez ou exigibilidade,  possibilitando a futura formação do título executivo

    (lançamento de ofício ou com base em declaração) ......................... 1064.1.4 Inexistência de imperatividade e autoexecutoriedade .................... 1084.1.5 O lançamento não se confunde com auto de infração ..................... 109

    5 A lei que rege o lançamento. A irretroatividade e o art. 144do CTN ...................................................................................................110

    5.1 Regras intertemporais de Direito Tributário material e olançamento (art. 144, caput) ................................................................. 111

    5.2 A distinção entre a retroatividade propriamente dita(ou autêntica) e a retroatividade imprópria (ou retrospectiva)......113

    5.3 Da impossibilidade de retroatividade da lei nova quantoaos fatos e quanto a seus efeitos ......................................................... 119

    5.4 As Súmulas nºs 112 e 113 do Supremo Tribunal Federal ................125

    5.5 A lei aplicável às penalidades e a retroação benigna ....................... 1265.6 Regras intertemporais de Direito procedimental tributário eo lançamento .......................................................................................... 126

    5.7 A ressalva do §2º do art. 144 ................................................................ 1285.8 A irretroatividade nos impostos de período. A doutrina e a  jurisprudência, após a Constituição de 1988 .....................................129

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    6 O caráter denitivo do lançamento .................................................... 1326.1 Erro de fato e erro de direito ............................................................... 1347 Conclusão: o lançamento, a previsibilidade e a segurança.

      Irretroatividade Administrativa .........................................................136  Referências .............................................................................................140

    PARTE III

    O PAGAMENTOPaulo Rosenblat ................................................................................................. 1451 Introdução: despertando do dogma do pagamento ........................ 1452 Modalidade principal e não “normal” ou “natural” da

      extinção do crédito tributário: causalidade, semântica erealidade ................................................................................................. 146

    3 O pagamento como categoria jurídico-positiva e prestaçãoexpressa em valor monetário .............................................................. 149

    4 Obrigações acessórias ao pagamento e legalidade tributária .........1555 Pagamento indevido: plano da existência do crédito tributário

    e a repercussão do encargo v. translação jurídica ............................ 1596 Conclusões .............................................................................................163  Referências .............................................................................................164

    A COMPENSAÇÃOLuís Eduardo Schoueri .......................................................................................1671 Introdução: o tributo enquanto objeto de relação obrigacional ..... 1672 A compensação ...................................................................................... 1692.1 A compensação no Código Tributário Nacional ..............................1692.2 O direito à compensação e a Constituição Federal .......................... 1712.3 A compensação na legislação federal .................................................1722.4 A compensação e a suspensão da exigibilidade do crédito ............1762.5 A compensação e a denúncia espontânea ......................................... 178  Referências .............................................................................................181

    A TRANSAÇÃOFabio Artigas Grillo ............................................................................................1831 Introdução ..............................................................................................1832 Consenso e interesse público...............................................................1853 A transação tributária ...........................................................................1874 Fundamentos do objeto da transação tributária ...............................1925 A indisponibilidade do crédito tributário ......................................... 1976 A controvérsia da renúncia de receita pública.................................. 1997 Conclusão ...............................................................................................202  Referências .............................................................................................203

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    A REMISSÃOCarlos Valder do Nascimento ...........................................................................2071 Preliminares ...........................................................................................207

    2 Enquadramento normativo do tema ..................................................2082.1 Constituição Federal .............................................................................2082.2 Código Tributário Nacional ................................................................. 2092.3 Finanças públicas .................................................................................. 2092.4 Código Civil ...........................................................................................2103 Noção conceitual de crédito tributário .............................................. 2104 Remissão como causa extintiva do crédito tributário ...................... 2114.1 Aspecto conceitual da remissão ..........................................................2114.2 Pressupostos fáticos e características .................................................2134.3 Na seara das nanças públicas e do direito privado ....................... 214

    5 Conclusões .............................................................................................216  Referências .............................................................................................217

    A PRESCRIÇÃOSchubert de Farias Machado .............................................................................2191 Noções gerais: segurança e justiça ......................................................2192 A prescrição em matéria tributária e sua distinção da

    decadência ..............................................................................................2203 Reserva de lei complementar .............................................................. 223

    4 Da prescrição no CTN ..........................................................................2255 Prescrição intercorrente .......................................................................2296 Prescrição reconhecida de ofício pelo juiz ......................................... 2307 Prescrição no âmbito do processo administrativo ........................... 233  Referências .............................................................................................235

    A DECADÊNCIAEstevão Horvath .................................................................................................. 2371 Introdução ..............................................................................................237

    2 Denição.................................................................................................2383 Norma geral de Direito Tributário .....................................................2394 Constituição do crédito tributário ......................................................2405 Espécies de lançamento tributário ......................................................2426 Decadência do direito de constituir o crédito ...................................2446.1 Decadência do direito de constituir o crédito no lançamento

    por homologação...................................................................................2466.2 Tese dos cinco anos mais cinco ........................................................... 2477 Conclusão ...............................................................................................251  Referências .............................................................................................252

    A CONVERSÃO DO DEPÓSITO EM RENDAJosé Gomes de Lima Neto ................................................................................. 2551 Introdução ..............................................................................................2552 Aplicação do princípio da legalidade ao depósito tributário ......... 256

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    3 O depósito como garantia ....................................................................2614 O depósito como faculdade do contribuinte e sua

    admissibilidade ..................................................................................... 2635 A conversão do depósito em renda ....................................................2656 Conclusões .............................................................................................268  Referências .............................................................................................269

    O PAGAMENTO ANTECIPADO E A HOMOLOGAÇÃO DOLANÇAMENTOTácio Lacerda Gama ............................................................................................2711 O problema ............................................................................................2712 A disciplina do tema no Código Tributário Nacional ...................... 272

    3 Uma proposta de reconstrução racional para as categorias  envolvidas ..............................................................................................2744 A alteração na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

    e o argumento de que “o objeto da homologação deve ser o  pagamento”............................................................................................2805 Análise crítica do assunto ....................................................................2836 Conclusão ...............................................................................................283  Referências .............................................................................................283

    A CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTOOctavio Campos Fischer .................................................................................... 2851 Considerações iniciais ..........................................................................2852 Consignação judicial .............................................................................2873 Direito de pagar o tributo ....................................................................2874 Legitimidade ativa e legitimidade passiva ........................................ 2875 Hipóteses de admissibilidade ............................................................. 2886 Do valor do depósito ............................................................................2917 Consignação e danos morais e materiais ........................................... 291

    8 Efeitos da decisão na ação de consignação ....................................... 2929 Conclusões .............................................................................................292  Referências .............................................................................................293

    A DECISÃO ADMINISTRATIVA IRREFORMÁVELMarciano Seabra de Godoi, Marina Vitório Alves ....................................... 2951 Introdução ..............................................................................................2952 A norma do Código Tributário Nacional (CTN) sobre o tema

    em questão. Seus possíveis sentidos. Explicação sobre sua origem

      e sua relação com o tema dos recursos hierárquicos no processo  tributário administrativo .....................................................................2963 A decisão administrativa irreformável no plano do processo  tributário federal. Jurisprudência do STJ e do STF .......................... 3004 Comentários críticos ao Parecer PGFN nº 1.087/2004.  Desdobramentos posteriores ............................................................... 303

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    5 Há jurisprudência contra o direito de a Fazenda Pública pedira revisão ou a anulação judicial de decisões nais dos órgãos

      administrativos do processo tributário? ............................................ 3076 A decisão administrativa irreformável no plano do processo  tributário de estados e municípios. Jurisprudência do STJ ............3097 Conclusões .............................................................................................311  Referências .............................................................................................312

    A DECISÃO JUDICIAL PASSADA EM JULGADOCristiano Carvalho ..............................................................................................315  Introdução ..............................................................................................3151 Decisões judiciais no Direito Tributário............................................. 315

    1.1 Decisão judicial como “bem público” ............................................... 3171.2 Decisão judicial, determinação do Direito e segurança jurídica .... 3192 Decisão judicial “passada em julgado”: o artigo 156, X, do CTN ...... 3223 Coisa julgada tributária ........................................................................3223.1 Ação rescisória pela Procuradoria da Fazenda ................................3243.2 Relativização da coisa julgada? ........................................................... 325  Conclusões .............................................................................................327  Referências .............................................................................................327

    A DAÇÃO EM PAGAMENTOGeilson Salomão Leite ....................................................................................... 3291 O Estado Fiscal brasileiro e o modelo federativo ............................. 3292 O sistema constitucional tributário, as normas gerais e a dação

    em pagamento ....................................................................................... 3313 O tributo como conceito aglutinante ..................................................3344 A obrigação tributária e o princípio da legalidade .......................... 3405 O nascimento da obrigação tributária................................................3426 O regime jurídico da dação em pagamento no Código Civil ......... 3436.1 Conceito e requisitos da dação em pagamento ................................3446.2 A Lei Complementar nº 104/2001 e a incorporação da dação

    em pagamento ao direito tributário ................................................... 3446.3 Objeto da dação em pagamento: bens imóveis.................................3456.4 A necessidade de lei especíca ............................................................ 3466.5 Instauração de procedimento administrativo ...................................347  Referências .............................................................................................348

    SOBRE OS AUTORES ..........................................................................................351

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    ALGO COMO UM PREFÁCIO

    Neste Extinção do crédito tributário , estão trabalhos em homena-gem ao grande mestre brasileiro que é o professor José Souto MaiorBorges. Tudo sob responsabilidade do eminente professor GeilsonSalomão Leite. Por especial deferência dele, cabe-me apresentar, mesmo brevemente, o personagem. Uma grande honra, bem sei. E isso façodividindo, as palavras, em três núcleos distintos:

    I A trajetória. José Souto Maior Borges foi Membro Honoráriodo Instituto Internacional de Direito do Estado; Professor Titular daFaculdade de Direito do Recife, Diretor da Faculdade e Coordenadordo seu Curso de Pós-Graduação; Professor Honoris Causa da FOCCAe Professor Emérito da PUC de São Paulo. Entre muitíssimas outrashonras.

    É autor de 18 livros, entre os quais o consagrado Lei complementartributária; de Obrigação tributária (para Arnaldo Borges, “a obra prima dodireito tributário brasileiro nos últimos 35 anos” — o mesmo Borges quedisse: “A obra do professor José Souto Maior Borges constitui a maiore melhor aplicação da Teoria Pura do Direito a um ramo do DireitoPositivo, não só no Brasil como no exterior”); e sobretudo, para mim(e descono de que também para ele), de Ciência feliz , em que o autoralerta para que não nos deixemos “seduzir e enganar pela falácia, o

    falso ideal de uma ciência desprovida da emoção e sensibilidade doestudioso”. “Porque a meta de todo caminho do pensamento deve sero saber do coração: um ensaio de felicidade. E se o caminho escolhidofor o da ciência, que seja uma ciência feliz”.

    Na versão mais recente do livro, chamo a atenção para textomagistral que trata das cinco grandes nostalgias, aqui apenas breve-mente enunciadas: nostalgia moral — a de não sermos santos; nostalgiade inteligência — a de não sermos gênios, sequer sábios; nostalgia da

    imaginação — a de habitarmos a cidade e não os campos; nostalgiado heroísmo — a de não praticarmos grandes feitos, atos heroicos;nostalgia da felicidade — a recordação de dias alegres de impossívelretorno. Um tempo, completo agora, em que éramos mais jovens, maismagros e provavelmente mais felizes.

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    16 GEILSON SALOMÃO LEITE (COORD.)EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO – HOMENAGEM AO PROFESSOR JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES

    II O pensamento. Cito textos recolhidos na obra do Mestre— para uma ideia, mesmo pálida, do seu pensamento. Dando-lhes breve unidade, falsa e não obstante coerente: “A dogmática do Direito

    Tributário, no seu processo evolutivo, atingiu um ponto de saturaçãoou, o que é uma consequência superveniente, um ponto de mutação.Aí onde está a sua riqueza conceitual, está a sua fraqueza. Se preva-lecer a mesma abordagem tradicional, dar-se-á uma impossibilidadede avanços doutrinários, porque estamos submetidos, todos nós — euinclusive — a esse ponto de destacamento conceitual”. “Até agora apreocupação doutrinária é só com a dogmática, dividida em semântica(o que o preceito signica) e sintaxe (relações hierárquicas internormati-

    vas). Diante desse campo, a pragmática é um mundo jurídico invertido. Porque desloca a análise jurídica da regra abstrata de conduta para aconduta normada existencial, aqui-e-agora”. Só que “o m da dogmá-tica não é um perecimento, é ponto de intercessão, a inspirar novasperspectivas de estudo”.

    Mais amplamente, cabe então indagar “para que, como e a quemvêm servindo as receitas oriundas do cumprimento das obrigaçõestributárias. Esta não é uma indagação qualquer. É a mais eminente dasquestões tributárias”. “É a jurisdição da moral pela CF.” Que “as rela-ções entre Direito e Moral não devem mais ser havidas como relaçõesde mútua excludência. O subsistema do Direito Tributário deve seraberto e não fechado à moral e vice-versa, porque ambos os campos deconhecimento — Ética e Direito — mantêm entre si relações de inclusão:a moral deve estar contida na esfera da função administrativa tributáriapor determinação constitucional”.

    Vai além, o professor. “Não acredito mais no falso ideal — a faláciade um conhecimento cientíco asséptico , sem emoção, impotente paramanifestar oposição e indignação diante dos desvios dos recursos públicos,que envolvem graves atentados à Federação e à República. Não queo jurista especializado deva abdicar da sua missão, convertendo-senum moralista. Esses recursos são oriundos em grande parte do suordos deserdados de benefícios sociais. Cada vez que se consuma umdesses desvios, um serviço público essencial é preterido”. Em resumo,“A magna missão social do jurista é andar no meio dos homens e repartirentre eles o pão da legalidade”. O que, peço licença para completar, nos

    remete a Ihering: “Inimiga jurada ao arbítrio, a forma é a irmã gêmea daliberdade”.

    III A vida.  Mas, anal, quem é mesmo Souto? Na Oração deadeus de Rui Barbosa a Machado de Assis — para muitos, o melhor discurso jamais pronunciado em nosso país —, a vontade, confessa o autor, era a de

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    17 JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHOALGO COMO UM PREFÁCIO

    falar “senão do seu coração e da sua alma.” Para Rui, nesse caminho,Machado seria “modelo de pureza e correção, temperança e doçura; nafamília, que a unidade e devoção do seu amor converteu em santuário;

    na carreira pública, onde se extremou pela delidade e pela honra; nosentimento da língua pátria, em que prosava como Luís de Souza, ecantava como Luís de Camões; na convivência dos seus colegas, dosseus amigos em que nunca deslizou da modéstia, do recato, da tolerância,da gentileza. Era sua alma um vaso de amenidade e melancolia”. Masessas palavras são muito pouco, segundo penso, para denir uma almacomo a do homenageado de agora, que mais parece um vulcão. Inquieta.Desaadora. E doce. Assim, prero deni-lo à minha maneira. E faço isso,

    pedindo vênia ao leitor para dizer que Souto é:

     Amigo certo de amigos incertos.Homem reto, apesar das dores da coluna. Que sente essas dores e quase todosos seus derivativos, sobretudo andores, ardores, penhores, pecadores e cães

     farejadores. Apreciador de bolos de rolo; e, para ser justo, de outros bolos e outros rolos. Alguém que acredita na bolsa dos valores e nas ações em favor do bem (e nãodos bens).

    E que não gosta de roubar nem o tempo dos outros. Magro, no corpo.E gordo, nos sentimentos.Pobre, mas não de espírito.E rico, até de ilusões perdidas.Homem justo, em uma vida injusta, onde os dias passam tão devagar e osanos passam tão depressa. Tanto que nem sei, hoje, se ele já tem 80 anos, comodizem as más línguas; ou se nem chegou aos 30, como parece por seu corpo, e

    conrmam suas palavras tão jovens. Que Souto, como o próprio som do nomesugere, é solto.

    Fernando Pessoa, citado em seu Ciência feliz , numa anotação semdata, disse: “Considere quão poucos são os amigos reais que temos,porque poucas pessoas estão aptas a serem amigas de alguém. Tenteseduzir pelo conteúdo de seu silêncio”. Para além desse vaticínio demeu amigo Pessoa, temos aqui o raro exemplo de alguém que foi mais

    longe, seduzindo ao mesmo tempo pelo conteúdo de seu silêncio (sábio),de suas palavras (certas) e de seus gestos (generosos). Alguém que teveseu destino marcado na própria certidão de nascimento. Como se fosseuma premonição. Porque José Souto Borges — assim quiseram seuspais, registrou o Tabelião da Comarca e reconhecemos todos — é José

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    Souto Maior Borges. Maior, pois. Enorme. Sem nenhum limite. E issoproclamo aqui, agora, aos ventos, de costas para o passado, aos pés domar tenebroso, imenso e quente, para todo sempre, Amém. A partir de

    agora, com vocês, o prazer de ler palavras sábias em honra ao Mestre.Março de 2013

    José Paulo Cavalcanti FilhoAdvogado no Recife.

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    AGRADECIMENTOS E LEMBRANÇAS

    Era uma tarde de setembro de 2012. Eu e Ricardo Maior Borgestomávamos café às margens do Rio Capibaribe. O Paço Alfândeganão mais abrigava um porto, convento ou aduana. A casa ali erguidaconstituía o ambiente para um encontro entre dois amigos. Na ocasião,compartilhei a ideia de homenagearmos seu pai, mediante a elaboraçãode uma obra coletiva, com a presença de autores de diversas partes dopaís, de gerações e história de vidas diferentes. Aqui jaz o embrião eo amparo indispensáveis para a concretização deste sonho. Por isso,meu agradecimento inicial é dirigido a Ricardo. Uma alma serena;sorriso largo; gestos nobres; guardião do pensamento de José SoutoMaior Borges.

    Também gostaria de registrar palavras de apreço aos amigos con-

    vidados. Nossa ousadia, aliada à irresponsabilidade de organizar umtrabalho jurídico em nome alheio, torna-me apenas um instrumento ouporta-voz de um mesmo sentimento: o querer bem , a admiração e o respeitointelectual de todos ao Mestre Souto. O empenho e a dedicação de cadacoautor tornaram possível a elaboração de um sólido estudo dogmáticode Direito Tributário, além de prestarem uma legítima homenagem a umdos maiores juristas do direito brasileiro.

    Para José Paulo Cavalcanti Filho, com seu belíssimo prefácio,

    ofereço em gesto de gratidão fragmentos de minha vida na cidade dePatos, sertão da Paraíba. É lá onde nos encontramos. No respeito à iden-tidade e à cultura nordestina: no sol abrasador; na terra árida; na vegetaçãocinzenta; na lua clara; no céu estrelado; na carne de sol; no queo de manteiga; no feão verde; no arroz de leite; no cuscuz; na tapioca; no forró; na cachaça; nobule de café ; na cadeira de balanço; na rede de descanso; no batente para umaboa prosa; na janela que abre novos horizontes. Mas, fundamentalmente, nosofrimento e na esperança; na fé e na honradez. Devo dizer que habito

    um pouco de José Paulo. Longe de ser um marco geográco, Penderama é um ambiente repleto de personagens e doces lembranças. É passadoe é futuro. É exemplo, é gente, é sonho, é vida vivida.

    André Folloni é advogado e professor no Paraná. Para minhatristeza, não tive a honra de conhecê-lo pessoalmente. Dialogo apenas

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    com seus livros. E que livros! Seu último trabalho cuida de restaurarum pouco da história e evolução do Direito Tributário no Brasil, dese-nhando sua trajetória sob a perspectiva das lições doutrinárias de José

    Souto Maior Borges. A você André, meu agradecimento distante, massincero e fraterno.Aproveito esta ocasião para render uma pequenina homenagem

    a minha “madrinha acadêmica”: A Professora Maria do LivramentoBezerra. Ex-aluna de José Souto Maior Borges no curso de Mestradona UFPE nos idos de 1970, exerceu com grande dignidade o cargo deDiretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Paraíbae foi responsável por lecionar Direito Tributário a várias gerações de

    alunos, transformando a aridez  desta disciplina em um belo jardimrepleto de ores.Ao meu pai, Adilson Leite e aos meus lhos, Gabriel e Maria

    Beatriz. Três gerações unidas pelos laços do amor, da sabedoria e daalegria. Todos os dias, vocês me ajudam a viver muitas vidas em uma só!

    Gostaria de fazer um registro especial ao mineiro Luís CláudioRodrigues e ao alagoano Gabriel Ciríaco Lira, editor e coordenadorcientíco da Editora Fórum, pelo apoio e incentivo permanentes. Suasmãos ajudaram a organizar um encontro entre amigos, todos compro-metidos com a preservação da cultura jurídica no Brasil e, em particular,com a construção de uma cidadania tributária.

    Ao encerrar meus agradecimentos, jamais poderia esquecer-mede José Souto Maior Borges em sua Casa: o nordeste. Do seu rincão es-creveu lições que se tornaram clássicas no Brasil e no exterior. Fez deCasa Amarela1 seu abrigo perene e o palco para a imortalidade de suaobra. A partir do Recife, ensinou-nos um modo diferente de enxergaro mundo, prenhe de poesia e de encanto. Aprendeu com Tolstoi que“para ser universal basta falar de sua aldeia”. A você, caro amigo eProfessor, nossas homenagens.

    Gravatá/PE e João Pessoa/PB, abril de 2013.

    Geilson Salomão LeiteAdvogado e Professor em João Pessoa.

    1  Bairro na cidade do Recife onde reside o homenageado.

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    PARTE I

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    PÁGINA EM BRANCO

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    O HOMEM E A PROVÍNCIA

    RICARDO JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES

    Celebra-se a amizade de José Souto Maior Borges concedendo-lhe

    merecida homenagem.1

     E merecida é a homenagem não só pelo Homem(sic) que faz da ciência felicidade, mas também pelo Homem de vida digna.Mestre Souto,2 como é respeitosa e carinhosamente apelidado,

    tem a vida expressivamente dedicada à advocacia do setor público e dosetor privado da atividade humana. Também é expressiva a sua dedicaçãoà Ciência do Direito, à Filosoa e, poucos sabem, mas também se dedicacom igual intensidade à Cinolia.

    À advocacia pública, por quase quatro décadas, enquanto esteve

    investido, por várias administrações, no cargo de Diretor, à frente doDepartamento de Assuntos Fiscais (DAF), repartição da Secretariade Assuntos Jurídicos do Município do Recife, debruçou-se sobre asquestões do município, especialmente sobre as questões tributárias daprovíncia, e foi essa dedicação às questões da Província do Recife queo lançou, enquanto jurista, ao status de referência nacional e interna-cional do Direito.

    1  Ao Amigo Geilson Salomão Leite, responsável pela iniciativa, os meus agradecimentos. Enão agradeço só, agradeço acompanhado pela família.

    2  Esse tratamento é utilizado pelo Professor Paulo de Barros Carvalho, há muitos anos, umgrande amigo do Mestre Souto e da família.

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    24 GEILSON SALOMÃO LEITE (COORD.)EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO – HOMENAGEM AO PROFESSOR JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES

    A advocacia privada, pelas brilhantes sustentações orais, pelosesclarecedores pareceres jurídicos, pelas contundentes peças proces-suais, é uma atividade prossional que exerce com particular compe-

    tência, sendo respeitado nos Tribunais Regionais e Superiores do Brasil.No campo da pragmática jurídica, o Mestre Souto, como emhomenagem ao Professor Gláucio Veiga (também ele da Casa de Tobias),3 eleva o enunciado “Nada mais prático que uma boa teoria”4 a um grausuperlativo da objetividade teórica.

    Nas ciências, notabiliza-se pela qualidade dos escritos sobretemas jurídicos e losócos,5  sempre pensados com expressiva pro-fundidade, ora veiculados por livros, ora veiculados verbalmente porpalestras e conferências, ora veiculados pelas redes sociais,6 mas sempre

    com a particular insígnia da autonomia e da heterodoxia que podem,enquanto expressão da intelectualidade, ser nomeados “pensamentossoutos”7 (sic).

    A província do Direito é trabalhada pelo Mestre dos Mestres8 como um reduto do conhecimento e a demarcação metodológica o seuperímetro (limite). Mas o Direito também guarda relações com outrasprovíncias do conhecimento, e tanto mais e intensas forem tais relações,maior o grau de interdependência entre elas. Assim, se faz perceber aprovíncia do pensamento complexo e o método é, para enfrentamentode tal complexidade, a via de acesso a essa província, o objeto da pros-pecção teórica atualmente enfrentada pelo Mestre Souto.

    Relativamente às incursões filosóficas, especialmente sobreHegel, teve no Padre Paulo Menezes um interlocutor à altura. Diz oMestre Souto: “Depois da morte de Henrique Cláudio Lima Vaz, oPadre Paulo Menezes era, tratando-se de Hegel, a única autoridade noBrasil.” Depois do recente falecimento do Padre Paulo Menezes, nessecampo de pesquisa, quem assume o bastão da autoridade? Indagação

    de fácil resposta.A Cinolia constitui um capítulo à parte, mas como tudo o quelhe é afeto, por ele é intensa e seriamente considerada. Poucos sabemdas aventuras9  do Mestre Souto, nessa província do conhecimento.

    3  Como é chamada a Faculdade de Direito do Recife, por receber o então aluno Tobias Barreto.4  O Professor Gláucio Veiga recorrentemente fazia referência ao enunciado do Psicólogo

    Kurt Lewin — fundador da Psicossociologia Experimental.5  Ciência feliz tem a última edição ampliada e publicada em espanhol.6  Vide o perl de José Souto Maior Borges no Facebook.7  A feliz expressão deve-se a André Folloni.8  Uma innidade de Pós-doutores, Doutores, Mestres e Especialistas passaram, pelas ban-

    cas examinadoras ou pelas salas de aula, pelo crivo decisivo do Mestre Souto.9  O Mestre Souto andou pelas fazendas do interior do Estado de Minas Gerais e pelas fazendas

    do interior do Estado de São Paulo a procurar cães de fenótipo típico da raça Fila Brasileiro.

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    25RICARDO JOSÉ SOUTO MAIOR BORGESO HOMEM E A PROVÍNCIA

    O Homem contribui expressivamente com o aprimoramento do FilaBrasileiro, cão de raça genuinamente brasileira. Participou de váriasexposições caninas por todo o Brasil, sendo organizador de várias delas

    e juiz em outras tantas. Sim, juiz! Para obtenção das prerrogativas de julgador do cão de la, levou com anco os estudos para nalmente sesubmeter a uma exigente e cansativa bateria de provas teóricas e prá-ticas. Foram ao todo cinco etapas: entrevista, prova escrita, prova oral,prova prática e prova especíca sobre fenotipologia canina. Enquanto Juiz, o Mestre Souto está relacionado no Quadro Internacional de Juízesdo CAFIB (Clube de Aprimoramento do Fila Brasileiro).10

    Na Cinolia, o Mestre foi também aprendiz e assim teve como

    Professor o Dr. Paulo Santos Cruz,11  com quem cultivou uma belaamizade.

    Em defesa do brasileiro Cão de Fila, escrevia para jornais. Sobreessa sua faceta, o Mestre Souto descreve um encontro com o saudosoProfessor Geraldo Ataliba, que, surpreso, lhe informara de um homô-nimo escrevendo artigos sobre cães, publicados na Folha de S. Paulo ,indagando se lhe seria um familiar, algum parente ou ainda um conhecido,quem sabe? O Mestre Souto respondeu de pronto: “Esse José Souto

    Maior Borges sou eu!”Na luta para a xação do Fila Brasileiro puro, é membro do

    Conselho Deliberativo Permanente do CAFIB, entidade da qual foiPresidente estadual em Pernambuco.

    Enquanto dirigente do CAFIB-PE, foi responsável pelo informativoFIBRA , veículo de comunicação em que publicou vários artigos. Emdefesa do Fila Brasileiro, escreveu outros tantos artigos publicados porvários veículos de comunicação, entre esses artigos, destaca-se “Mestiços

    pretos de Fila Brasileiro: um ferro de madeira”,12 com mais de 37.000 milacessos em página hospedeira da rede mundial de informações. Assim,conrmada a regra pela exceção, ele que cultiva certa prevenção aosbest-sellers , em área do conhecimento diversa, tornou-se um...

    Tão árduas e intensas foram as batalhas travadas pela preser-vação da raça canina brasileira que a esmerada dedicação do Mestre

    10  Disponível em: . Acesso em: 04 jan. 2013.11  Paulo Santos Cruz é considerado o Pai da Raça Fila Brasileiro e o maior responsável pela

    xação da raça. Enquanto viveu, trabalhou dia e noite em defesa da pureza do brasileiroCão de Fila.

    12  Disponível em: , fev. 2010.Acesso em: 03 jan. 2013. Disponível em: , site de publicação em vários idiomas. Acesso em: 03 jan. 2013.

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    Souto foi reconhecida por Francisco Peltier como o “verdadeiro rugidodo Fila Brasileiro no Nordeste do Brasil”.13

    Mestre Souto também exerceu algumas funções executivas,

    entre elas, uma especial referência à Direção da Faculdade de Direitodo Recife, investidura legitimada pela maioria do voto direto dos Alu-nos, dos Funcionários e dos Professores. À frente da Direção da Casade Tobias, além da manutenção das aulas em pleno funcionamento,também cuidou das reformas na estrutura física do prédio do ParqueTreze de Maio. Entre tais reformas, destacam-se a construção do estacio-namento para automóveis, a reforma do prédio principal, a restauraçãodo carrilhão, à época, serviços de reforma reclamados pela comunidadeacadêmica. Obras de difícil execução em face do tombamento do prédioe do parque em seu entorno. Mas, como não seria diferente, tambémcuidou da restauração dos jardins.

    Em maio de 2012, Olinda, berço dos cursos jurídicos no Brasil,concedeu, através da FOCCA (Faculdade de Olinda),14 o título de Pro-fessor Honoris Causa. A homenagem foi, enquanto a primeira da come-moração dos oitenta anos do Mestre Souto, recebida com forte cargaemocional. Em dezembro desse mesmo ano, na Faculdade de Direitodo Recife, também recebeu homenagem da Universidade Federal de

    Pernambuco, instituição onde, por muitos anos, ministrou aulas nagraduação e na pós-graduação.Mas não se quer, agora, fazer valer tão signicante currículo e por

    isso, dele, apenas para uma ínma parte se faz referência. Objetivamenteconsiderado o Homem, pelo seu dossiê de habilitações prossionais,não é mais que, como qualquer outro homem com igual habilitação,um número de inscrição em qualquer registro ou cadastro de dadospessoais. Por mais que seja qualicado, qualquer dossiê prossionalnão irá além de um compêndio de informações objetivas. Informações,embora documentalmente estruturadas, correspondem a registrosdotados de funcionalidades. É exatamente na função emprestada aosdados objetivos de seu currículo que o Mestre Souto, pragmaticamente,difere de outros homens com o currículo objetiva e qualitativamente bem estruturados.

    Assim, procuro expressar o indivíduo relativamente à funçãoque a sua riquíssima subjetividade fartamente disponibiliza aos seuscircunstantes e, na qualidade de primogênito, passo a descrever a cir-

    cunstância familiar e provinciana do Homem.

    13  Disponível em: .Acesso em: 04 jan. 2013.

    14  Tradicional Instituição de Ensino Superior em funcionamento há mais de quarenta anos.

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    27RICARDO JOSÉ SOUTO MAIOR BORGESO HOMEM E A PROVÍNCIA

    Para além do Homem vocacionado ao serviço público, ao pros-sionalismo liberal, à Ciência, à Filosoa e à Cinolia, há um Homem queagora se apresenta como um dedicado chefe de família.

    Casado há cinco décadas com Teresinha, tem quatro lhos, assimnomeados, do primogênito à lha caçula: Ricardo José, Maria Teresa,Paulo Fernando e Maria Isabel. Como qualquer outro chefe de família,cuida de suprir a sua, à maneira nada faltar, absolutamente nada! Zelapelo bem-estar de sua esposa Teresinha e o seu amor por ela pode serexpresso pelo carinhoso apelido: Tetê. Relativamente aos lhos, primapelos estudos de todos e os encaminha prossionalmente.

    O Homem destaca-se pelo exercício da função própria do chefe

    de família e, à frente da sua, soube conduzi-la, como ainda a conduz,principalmente nos momentos de maior exigência emocional. Quais?Pouco importa indicar os momentos ou as suas respectivas motivações.Os acontecimentos que afetam a nossa família também afetam, commaior ou menor intensidade, as outras famílias. Importa, neste contexto,a ênfase emprestada à função do Chefe de Família e esta tal como éexercida. A preocupação com a educação formal15 e o encaminhamentoprossional de seus lhos, também a preocupação com a transmissãodos valores da ética, da moral, da honestidade e da dignidade, ao seu

    próprio exemplo, um exemplo para os lhos. Não paira dúvida que osconselhos, enquanto frutos do exercício da função de chefe de família,lastreados pelo próprio exemplo do Homem, inuenciam decisiva epositivamente na construção de um casamento sólido, cujo testemunhoTetê, sua esposa e minha mãe, pode melhor expressar. Na construçãoe fortalecimento da personalidade de seus quatro lhos, o exemplo doHomem exerce função decisiva. O testemunho, agora, pode ser muito bem expresso por mim e, estou certo, pelos meus irmãos também!

    Portanto, o funcionário público, o prossional liberal o cientista jurídico, o lósofo, o cinólo ou o chefe de família (marido ou pai) sãoaspectos multifacetados16 de um homem que não é fruto do imagináriohumano, mas de um homem sensível às emoções, um homem comexistência real.17

    Todo o esforço, agora, passa a ser no sentido de vericar o Homemem função da sua riquíssima subjetividade. Um Homem que enfrenta

    15  Não só com a forma, mas também e principalmente com a qualidade do conteúdo cogni-tivo assimilado pelos lhos.

    16  Multifacetado: expressão utilizada por Fernanda Vilela, no discurso panegírico em homena-gem ao Mestre Souto, por ocasião do XII Congresso Internacional de Direito Tributário emPernambuco.

    17  Ao estilo de Alfredo Augusto Becker (Carnaval tributário , p. 52).

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    o “erro”18 e dele se redime e, apesar de avançar metodologicamenteem complexo pensamento cientíco, um Homem condicionado pelasimplicidade do cotidiano. Um Homem vinculado à sua província e,

    portanto, às circunstâncias que lhe são próprias.A relação com a província é, enquanto região geogracamentedemarcada e eleita para xação de sua base física, fundamental parao amadurecimento das suas ideias e para o desenvolvimento da suaautonomia intelectual. Longe dos grandes centros de produção doconhecimento, o Mestre Souto pode melhor pensar, sem necessaria-mente ser atraído às orbitas das ideias de outros pensadores.19 Assimsegue ele imune às construções teóricas preconcebidas, restritivas à

    liberdade do pensar.Da sua província, o Homem constrói teorias, elabora inovadorasideias, orienta os jovens e também os intelectuais maduros. Faz, da feli-cidade pelo saber, uma ciência feliz. O condicionamento pela províncianão é circunstância determinante à estagnação do pensamento, masuma via, dentre tantas, para acesso ao conhecimento e celebração daautonomia do pensamento. Tal circunstância pode ser romanticamentedenida pelos versos de Fernando Pessoa:

    DA MINHA ALDEIA vejo quanto da terra se pode ver o universo...Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,Porque eu sou do tamanho que vejoE não do tamanho da minha altura20

    O vocábulo província, tão presente na fala e nos escritos21 doMestre Souto, não é por ele entendido apenas como representação de

    uma área geopolítica, é também um estado de espírito o qual muitostentam sem êxito alcançar, mas sucumbem diante da semântica pejo-rativa emprestada ao vocábulo. Assim, nada melhor que o vocábulo“província”, por ele utilizado, para expressar conteúdos cognitivosdiversos e, ao mesmo tempo, representar a simplicidade emprestada àvida (ou seria, simplicidade do espírito?), ao mesmo tempo, represen-tar a complexidade de pensamento (ou seria, pensamento complexo

    18  Sobre a coexistência do erro com o avanço do conhecimento cientíco, vide o artigo doMestre Souto: Apologia do erro. In: Ciência feliz , p. 19.

    19  Vide Satelitização da inteligência. In: Ciência feliz , p. 25.20  Versos atribuídos a Fernando Pessoa, que também assinava com o pseudônimo Alberto

    Caeiro, in Ciência feliz , p. 14.21  Vide , p.ex., Ciência feliz , p. 14, 15, 180, 181.

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    29RICARDO JOSÉ SOUTO MAIOR BORGESO HOMEM E A PROVÍNCIA

    metodologicamente alcançado?). Independentemente da opção preferida,a província, politicamente delineada, falada, escrita, pensada ou sim-plesmente sentida, está decisivamente presente na vida e na obra do

    Mestre Souto.Na simplicidade, é difícil dissociar o Homem da província. Osexemplos que se seguem, expressam o intenso sentido dessa simbiose.Assim, as personagens presentes nas próximas linhas, guiadas peloroteiro da vida na província, são pessoas decisivas para o delineamentoda sua subjetividade.

    Dona Maria do Brejo22 era uma das pessoas que desfrutavam desua amizade. Para a casa dela, ia o Mestre Souto aos sábados. Na salado casebre daquela humilde senhora, sentado no único mobiliário quecompunha a simples e rústica ambientação do cômodo (o tamboreteera disponibilizado apenas para os amigos que se chegavam), naquelasimplicidade e simples como ele é, passava as horas a conversar e acolher lições de sabedoria.23

    Numa de suas idas à casa de Dona Maria, levou algumas mudasde roupas para que ela distribuísse com os seus necessitados24 e, paraacondicionar a tal encomenda, despreocupado, pegou uma sacola pen-durada num cabide, junto às bolsas de minha mãe. Missão cumprida,

    entregue a encomenda, avisou a Dona Maria sobre uma viagem paraBrasília e só voltaria a visitar-lhe quinze dias depois. Despediu-se eretornou para casa.

    No primeiro sábado após o retorno da viagem, segue o MestreSouto para a costumeira visita à Dona Maria. Lá chegando, após oscumprimentos, surpreso, ouviu a seguinte resposta:

    — Não! Não está nada bem! Eu não entendi nada!— Não entendeu o quê, Dona Maria? Perguntou ele. E, inconti-

    nente, respondeu Dona Maria:— Aquele relógio e pulseiras de ouro que o senhor me trouxenaquela sacola.

    — Que relógio e pulseiras, Dona Maria?! Ainda mais surpreso,indagou.

    22  O Brejo da Guabiraba é uma bucólica região, conhecida simplesmente como Brejo, situadanos arrabaldes do Recife, concentra um número expressivo de chácaras de cultivo e mer-cado de plantas ornamentais.

    23  As lições de sabedoria, ao estilo de Serge Moscovici, podem ser entendias como Represen-tações Sociais.

    24  Aqui uma lição: ninguém é pobre à medida da impossibilidade de compartilhar bensmateriais. Dona Maria, apesar de extrema e materialmente pobre, expressava uma impres-sionante riqueza espiritual. Alguém mais necessitado do que ela sempre era agraciadocom as suas doações.

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    A humilde senhora foi até o quarto e voltou com a sacola e, dentrodela, o relógio e as pulseiras de ouro...

    Não é o valor material, objetivamente considerado. O relógio

    havia sido um presente de seu pai (Dirceu) a seu irmão (Reginaldo)e mais tarde passado para mim (Ricardo), seu lho mais velho, mas,para além do valor sentimental atribuído às peças, subjetivamenteimensurável, há sobretudo o valor da função dignidade emprestada àpostura daquela humilde senhora.

    Mas, lembrar do Brejo, é lembrar de Seu Biu... Mas quem era SeuBiu? Apesar de proprietário de uma das chácaras de plantas ornamentaisdaquela região, Seu Biu não era letrado, apenas assinava o nome. Era

    com quem o Mestre Souto terminava a manhã dos sábados, ainda lá noBrejo, em prosa de bons amigos. Nesse particular, o mestre dava lugarao sagaz aprendiz e, de Seu Biu, ouvia lições sobre solo, luz, sombra,irrigação, adubação, p.ex.. Seu Biu sabia o nome cientíco de todas asavencas, samambaias, arbustos, árvores e gramíneas. Presenciei porvezes o Mestre Souto, em prosa, assim se referir ao amigo: “Seu Biué uma das pessoas mais inteligentes que conheço! E sabe de plantascomo ninguém!” Dizia o Mestre Souto, na volta dos passeios ao Brejo,passeios em que, por vezes, eu tive o prazer de acompanhá-lo. Dizia,e, ainda o diz, quando de súbito é tomado pela lembrança saudosa doamigo que era um exímio jardineiro.

    Seu Biu não mais está entre nós, mas as suas lições,25 não só asde botânica, enraizaram, fortaleceram e oresceram a vida do Homeme a dos seus circunstantes.

    Enquanto o Homem da província pensa, o Mestre Souto extravasatodo o seu conhecimento sobre cães, plantas e técnicas de jardinagem.Enquanto o Mestre Souto estuda analiticamente os escritos de EdgarMorin, Popper, Hegel, Rilke, Hölderlin, Heidegger, p.ex., o Homemaprende, aprende e aprende. Com as pessoas simples da província,não só aprende, mas também reforça a integridade do seu caráter comos valores tão caros à vida do homem digno.

    E, por falar em Heidegger, o lósofo do campo, lembro-me deuma das conversas que mantive com o Mestre Souto sobre a transfe-rência da residência de inverno de Gravatá26 para Aldeia,27 onde elemanifestava a vontade de construir uma casa.

    25  Mais uma vez, as lições de sabedoria ao estilo de Serge Moscovici.26  Gravatá é um Município serrano no agreste pernambucano.27  Aldeia é uma zona rural na Região Metropolitana do Recife.

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    31RICARDO JOSÉ SOUTO MAIOR BORGESO HOMEM E A PROVÍNCIA

    Em Gravatá, sendo o apartamento situado num dos hotéis decampo da cidade, ele não poderia cultivar jardim algum. Por vezes,sobre essa impossibilidade, reclamou. Numa dessas conversas, sem

    nenhuma pretensão, indaguei:— Por que o senhor não constrói em Aldeia?E argumentei:— Nos terrenos do condomínio, se constrói uma belíssima “ca-

     bana”...Ele reexivo sobre a provocadora sugestão que eu acabara de

    lhe fazer, por alguns instantes, calou-se. Então, ainda em tom de pro-vocação, completei:

    — Não será uma cabana na Floresta Negra,28 mas será uma “cabana”na Mata Atlântica!29

    Ele parece ter gostado da ideia. Gostou tanto a ponto de construir,num dos três terrenos de sua propriedade, uma belíssima “cabana”.Uma cabana com mais de cem metros quadrados de alpendre, masuma “cabana”!

    E para uma especial “cabana”, um caseiro especial: João Valdevino.Quando jovem, Seu João foi zelador no prédio em que o Mestre Soutoalugara um apartamento para com a família residir.

    Os anos passaram. Seu João galgou a posição de pintor. Pintavanão só a casa da moradia do Mestre Souto, imprimido cores às pare-des, portas e janelas, mas, entre uma demão e outra de tinta, imprimiadecisivamente o respeito e a admiração, reciprocamente considerados,na província da gratidão.

    Os anos passaram. Seu João, não obstante os conselhos sobreos riscos da tinta para a saúde, continuou a pintar. Hoje, com a idadeavançada, maltratado pelos anos e pela inalação corrosiva das tintas,

     já não tem condições físicas para o exercício prossional da pintura.Então, o amigo e o compadre Mestre Souto resolve admiti-lo como seucaseiro em Aldeia e assim possa João Valdevino desfrutar os benefícioscolhidos da província da amizade.

     João Valdevino não poderia faltar nessa celebração de amizade.Também ele, uma dessas personagens guiadas pelo roteiro da vida naprovíncia.

    A Cabana de Aldeia, construída não para ser uma máquina demorar,30 mas para abrigar e reunir o Homem e a sua família, para receber

    28  Situada na região sudoeste da Alemanha, Heidegger, lá, mantinha a sua cabana.29  A casa é construída às margens de uma reserva legal de Mata Atlântica.30  Alfredo Augusto Becker, em correspondência epistolar para o Mestre Souto, transcrita em

    Ciência feliz , p. 163.

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    os amigos e celebrar a amizade, para acomodar parte do seu acervo bibliográco e com cada livro conversar, para cultivar um belíssimo jardim e colecionar plantas raras ornamentais, é a sua própria província.

    Lá, se pode ver o Mestre Souto, acompanhado da família e do canto dossabiás, debruçado sobre a pena de uma caneta, a escrever pensamentos.Assim, o Mestre, com a simplicidade do Homem que cultiva os

     jardins da Casa da Província, encantou a Becker e continua encantando,aos olhos dos que passam, com o cuidadoso cultivo dos espécimes rarosda ora nativa e da ora exótica.

    Assim, o Homem, com a simplicidade do Mestre, transita pelasprovíncias do conhecimento, qual bússola em mar aberto, a conduzir,

    não só os jovens, mas também os experientes capitães à felicidade daterra rme.Assim, o Mestre, primeiro por sua intensa e própria expressão

    intelectual, depois por sua rica subjetividade, encantou a Andre Folloni31 e continua encantando, aqueles que com o Homem transitam pelaprovíncia da felicidade do conhecimento.

    Assim é José Souto Maior Borges...Assim é o meu pai!E, da nossa feliz província, é como o vejo. Intensamente Mestre,

    intensamente Homem, intensamente exemplo de função emprestadaà dignidade. Para ser lido, para ser estudado, para ser admirado, paraser seguido, por outros também, mas especialmente por todos nós,seus provincianos e contemporâneos, por isso, privilegiados e felizescircunstantes.

    Terras de Philipéia, fevereiro de 2013.

    Referências

    BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval tributário. São Paulo: Lejus, 1999.

    BORGES, José Souto Maior. Ciência feliz. Lima: Palestra Editores, 2012.

    BORGES, José Souto Maior. Ciência feliz. São Paulo: Max Limonad, 2000.

    FOLLONI, André. Ciência do Direito Tributário do Brasil: críticas e perspectivas a partir de José Souto Maior Borges. São Paulo: Saraiva, 2012.

    31  Sobre a obra do Professor Souto Borges, André Folloni escreveu uma tese recentementepublicada pela Saraiva com o título Ciência do direito tributário do Brasil: críticas e perspectivasa partir de José Souto Maior Borges.

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    33RICARDO JOSÉ SOUTO MAIOR BORGESO HOMEM E A PROVÍNCIA

    HISTORIA documentada sobre a preservação e aprimoramento do cão de la brasileiro.Disponível em: .Acesso em: 03 jan. 2013.

    .

    .

    Informação bibliográca deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da AssociaçãoBrasileira de Normas Técnicas (ABNT):

    BORGES, Ricardo José Souto Maior. O homem e a província. In: LEITE,

    Geilson Salomão (Coord.). Extinção do crédito tributário: homenagem aoProfessor José Souto Maior Borges. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 23-33.ISBN 978-85-7700-788-2.

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    PÁGINA EM BRANCO

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    O PENSAMENTO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO DE JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES

    ANDRÉ FOLLONI

    1 José Souto Maior BorgesTalvez a forma mais adequada de compreender José Souto Maior

    Borges, e certamente a que ele mesmo recomendaria, seria prestar aten-ção às suas próprias palavras. Assim como, buscando reetir sobre aobrigação tributária, Souto não procurou captar sua verdade em outrolugar senão na disciplina concretamente posta no Código TributárioNacional, se buscamos reetir sobre Souto, não devemos formar nossa

    ideia sobre ele e tentar impor, a ele, essa ideia. Devemos deixar que elefale, como Souto deixou que o CTN falasse. Devemos procurar manterdelidade a ele próprio.

    Sua mais recente publicação em livro é a edição peruana doCiência feliz , que tem perto do dobro de conteúdo da última edição brasileira — a terceira, de 2007. Se abrirmos essa edição em línguaespanhola, logo no primeiro parágrafo, lá encontramos suas própriaspalavras, a descrever aspectos fundamentais do seu caminho de pen-

    samento e do seu percurso no direito tributário.1

     Em primeiro lugar,e acima de tudo, um caminho, uma trilha, uma senda. Um caminho

    1  Cf. BORGES. Ciencia feliz , p. 15-16.

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    com ramicações, encruzilhadas, que impõem tomadas de decisão:diante dessa bifurcação, que via seguir? Souto nunca duvidou: seguiu,sempre, a via do pensamento autônomo, porque o seu caminho é, a-

    nal de contas, seu. E, se é autônomo, difere do palavreado comum emque permanecem envolvidos os demais. Daí, além de autônomo, seucaminho é heterodoxo. Por isso mesmo, é ainda ousado e convive coma proximidade do erro.

    Essa trilha, com autonomia e heterodoxia, tendo o erro comovizinho e hóspede, é o seu caminho do coração. É essa a ciência que ofaz feliz. E que abre, para todos nós que o admiramos, um permanenteexperimento de felicidade. A todos que nos abrimos para permitirmo-nos

    aprender e vivenciar, no direito e fora dele, toda a riqueza que a literaturasoutiana tem a oferecer. Felicidade genuína, desapegada, desinteressadado brilho, que repousa na paz do espírito dessatelitizado, livre, leve, aomesmo tempo cheio de sabedoria e de erro, porque humano, demasiadohumano.

    2 Caminho

    O pensamento jurídico-tributário de José Souto Maior Borgespercorre um caminho. É um pensamento em movimento, em evolução.É dinâmico, não estático. Admite assumir o diferente, e o faz. Não semantém no já conquistado. Não se nega a abandonar pontos de vistaque se mostrem equivocados, inúteis, ultrapassados. Souto tem gostopelo novo, pelo outro, pelo diverso. Tem interesse pelo que o provocaa pensar em outro sentido. Passa a ler autores que não lia, a escrever oque não escrevia. A desdizer, inclusive, o que dizia. Muda seu pensa-mento para integrar visões de mundo que não compartilhava. O seué um direito tributário de mudança — enquanto, no Brasil, a grandemaioria dos tributaristas valoriza positivamente a permanência. Soutoanda na contramão.

    Há muitos juristas dos quais é possível apontar a característica básica, o rumo que, ao longo de sua vida intelectual, dene seu pen-samento. Kelsen é o pensador da Teoria Pura, não há dúvida. Reale,o jurista da Teoria Tridimensional. Coelho, lósofo da Teoria Crítica.Stammler é o jurista do Wollen; Perelman, o da Retórica; Viehweg, o da

    Tópica. Com maior ou menor justiça ou exatidão, sabemos identicar opensamento jurídico de vários mestres. No direito tributário brasileiroisso também ocorre.

    Qual será o tema-chave que dene o pensamento jurídico-tribu-tário de José Souto Maior Borges? É impossível dizer. Souto não tem um 

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    37ANDRÉ FOLLONIO PENSAMENTO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO DE JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES

    pensamento jurídico-tributário. Tem muitos. Seus vários caminhos dereexão sucedem-se, cada vez diferentes, formando uma trilha marcadapela constante modicação. O que há de comum em toda essa via é o

    incomum; o que há de permanente é a mudança. Souto não é rotulável,nem classicável. É um caso à parte.

    2.1 Os primeiros percursosOs primeiros caminhos intelectuais de José Souto Maior Borges,

    dos quais se tem notícia, remontam às suas publicações na década de1960. Há, aqui, dois livros fundamentais a serem considerados: Iniciação

    ao direito nanceiro , de 1966, e Isenções tributárias , mais pretencioso, de1969. Com um livro intercalar, A reforma do sistema tributário nacional , de1967, cujo objeto é mais limitado: expor os principais temas da reformalevada a efeito com a edição da Emenda Constitucional nº 18/1965.

    Esses primeiros livros publicados por José Souto Maior Borgessituam-se em um momento inicial de fundação do direito tributárioenquanto disciplina jurídica. Naquele período embrionário, vencidoGrizioi, a doutrina, aqui e alhures, assumia a necessidade de redu-

    zir complexidades, delimitando seu objeto de estudo e esclarecendoconceitos. As obras têm em comum a forma de exposição semelhante:identicar o objeto de estudo, conceituá-lo, classicá-lo.

    As duas principais preocupações da Iniciação ao direito nanceiro são denir um método adequado de investigação e delimitar o objetoa ser investigado. Insere-se, pois, no momento inicial de construçãode qualquer ciência nos moldes modernos, baseado nesses dois expe-dientes. A demarcação elege seu objeto como o estritamente jurídico-normativo.2 Foi publicada apenas três anos após a Teoria geral do direitotributário , de Alfredo Augusto Becker. Em certo sentido, segue-lhe ospassos. Mestre Souto, inclusive, faz referência a Becker no texto.3 Etambém já antecipa seu futuro próximo: a obra aponta fundamentosem Hans Kelsen e Lourival Vilanova, os maiores inuenciadores,no campo jurídico, da doutrina tributarista pós-beckeriana.4 Dessas

    2  Cf. BORGES. Prefácio à 2ª edição. In: BORGES. Introdução ao direito nanceiro , p. 7; VIEIRA.E, anal, a Constituição cria tributos! In: TÔRRES (Coord.). Teoria geral da obrigação tributá-ria: estudos em homenagem ao Professor José Souto Maior Borges, p. 597.

    3  Cf. Iniciação ao direito nanceiro , p. 17, n. 24 passim; e Introdução ao direito nanceiro , p. 19,n. 24, passim.

    4  Cf. BORGES, A. Souto: de Kelsen a Villey (ou a losoa na construção da obra do jurista).In: TÔRRES (Coord.). Teoria geral da obrigação tributária: estudos em homenagem ao Profes-sor José Souto Maior Borges, p. 35.

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    inuências também decorre o método que o autor adota, baseado naredução de complexidades: se o feixe de atribuições estatais inclui-seem uma realidade complexa, cabe à ciência social, adotando critérios

    seguros de classicação, identicar e isolar a atividade nanceira, parans de estudo. O trabalho é feito, tipicamente, no paradigma modernoda ciência, o redutor. É, também, típica a denição do objeto de estudo,e de seus conceitos fundamentais — no direito tributário, por exemplo,o conceito de tributo. Na Iniciação , esse conceito é problematizado, comotambém o são os conceitos de “direito nanceiro” e de “direito tributá-rio”, tudo com base no estudo da atividade nanceira do Estado, em suavertente normativa jurídico-positiva.5 Como a organização sistemáticaé vista como o primeiro passo para a produção de qualquer ciência,no paradigma moderno, denir e delimitar seu objeto é o problemafundamental. Sobre essas delimitações, José Souto Maior Borges viriaa dizer, quinze anos mais tarde:

    ... é reconhecendo às outras ciências o seu campo próprio que o DireitoTributário recebe um tratamento compatível com as realidades norma-tivas a que se dirige. Como toda província do saber que se emancipa ese autonomiza didaticamente, numa decorrência inexorável da especia-

    lização que acompanha o desenvolvimento e o progresso da ciência, oDireito Tributário não poderia escapar a essa tendência.6

    Aos tributaristas, que precisavam superar aquele “direito tribu-tário invertebrado” procedentemente denunciado por Alfredo AugustoBecker, este se mostrou como o primeiro passo que sua ciência deveriadar: denir seu objeto e seus conceitos fundamentais, mediante ummétodo pré-eleito. Esse esforço é visto, ainda contemporaneamente,como o primeiro passo daquele que se aventura a conhecer, com foros

    de cienticidade, um determinado objeto jurídico: sistematizar e identi-car os princípios gerais que o regem.7 Era o caso do direito nanceiro.

    Com relação ao estilo desse primeiro livro de Souto, é de sedestacar o intenso recurso às citações, todas relativas à extensa dou-trina nacional e estrangeira pesquisada e referida. O alto número decitações é característico de suas primeiras obras.8 Algo compreensível,

    5  Cf. BORGES. Iniciação ao direito nanceiro , p. 10, 15, 73; e Introdução ao direito nanceiro , p. 11,16, 117.

    6  BORGES. Lançamento tributário , p. 14; Lançamento tributário , 2. ed., p. 32.7  Cf. MARINS. Prefácio. In: FOLLONI. Tributação sobre o comércio exterior , p. 8.8  Cf. BORGES, A. Souto: de Kelsen a Villey (ou a losoa na construção da obra do jurista).

    In: TÔRRES (Coord.). Teoria geral da obrigação tributária: estudos em homenagem ao Profes-sor José Souto Maior Borges, p. 22.

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    porque se tratava, justamente, de especular sobre algo ainda em fase dedescobrimento, tateando argumentos para a construção de um discursocoerente. A pesquisa, nessas primeiras obras, é ponto de destaque. O

    reducionismo epistemológico não era exacerbado, porém: a doutrinapesquisada era, predominantemente, de Ciência das nanças e de direitonanceiro, tanto nacional quanto estrangeira — principalmente europeia.Sequer havia um corpo de doutrina de direito tributário, na época, aque o conhecimento cientíco se pudesse reduzir. Hoje, há, felizmente.Infelizmente, porém, muito da pesquisa jurídica em direito tributárioca nesse conhecimento, olvidando a ciência das nanças e o direitonanceiro.

    O autor é qualicado como professor de nanças públicas na fa-culdade de ciências econômicas da Universidade Federal de Pernambuco(UFPE), procurador do município do Recife e advogado. Ainda não pro-fessor de direito tributário em cursos de direito — cargo que era, aindana década de 1960, algo em surgimento no Brasil.

    Em certo sentido, Isenções tributárias segue o caminho aberto peloprimeiro livro de Souto. Já procura focar num instituto fundamentaldo direito tributário sobre o qual ainda não se escrevera, monogra-camente, no Brasil. Mas segue na trilha da pesquisa doutrinária emciência das nanças e direito nanceiro, além de direito tributário,principalmente doutrina europeia. Põe os argumentos dos autores e ostesta — sobretudo, para afastar a visão da isenção como favor, privilégio,dispensa do tributo devido. Testa-os diante da decisão metodológicaredutora e do direito positivo brasileiro, inclusive. Notadamente, dodireito constitucional.

    Diante do caos normativo existente naqueles tempos heroicosdo direito tributário, era relevante o trabalho de sistematização dodireito positivo. No prefácio ao Isenções , Souto assim exprime essatarefa, que anuncia como sua: “Extrair princípios básicos, retores, docaos normativo característico da nossa legislação scal, é a magnapreocupação do jurista estudioso de direito tributário”.9 Quais eram osprincípios básicos, retores, da isenção tributária? Não se sabia, e Soutopôs-se a trabalhar. Estará sujeita à legalidade? Pode ser condicionada?Pode ser revogada? Essa revogação está sujeita a condicionamentos?Nesse caso, cabe cogitar de anterioridade ou anualidade? Esses e outros

    questionamentos, para os quais não se tinha resposta na década de

    9  BORGES. Prefácio. In: Isenções tributárias , p. 10; Isenções tributárias , 2. ed., p. 2; Teoria geral daisenção tributária , p. 8.

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    1960, foram enfrentados no livro. Era a fundação da disciplina, sob oponto de vista conceitual — que é isenção, legalidade, anterioridade,revogação, incidência etc.? — e de regime jurídico.

    O caminho do recurso à doutrina, à consideração dos argumen-tos, ao seu teste diante do método eleito e do direito positivo, semuma visão sistemática e uniforme do direito que servisse de guia, eraa via soutiana na década de 1960. Ela sofre alteração relevante já nadécada de 1970, que se aprofunda e atinge seu ápice no segundo anoda década de 1980.

    2.2 Primeira mudança e segundo caminho: valorizaçãodo referencial teórico jurídico

    Quando José Souto Maior Borges, em prefácio à segunda edição,escreveu a respeito de Isenções tributárias , usou as seguintes palavraspara rememorar e reconstruir as condições históricas que cercaram seusurgimento: “Coincidiu, o seu aparecimento, com uma fase em queos estudos de direito tributário, no Brasil, foram sacudidos por umatendência inovadora e quase diria iconoclasta”.10

    Essa tendência inovadora e iconoclasta manifestava-se, sobretudo,no questionamento profundo e decidido dos métodos que presidiamo pensamento jurídico-tributário até então produzido. Esse questiona-mento produziu frutos de importância acentuada, e gera efeitos até osdias de hoje. Naquele período, que se pode datar, principalmente, noinício da década de 1970, e localizar na Pontifícia Universidade Católicade São Paulo, acentuou-se a compreensão da necessidade de se estudaro direito tributário com métodos estritamente jurídicos — separando-oda economia, da política scal e da ciência das nanças — e reducio-nistas — isolando-o do direito nanceiro. Era inovadora no sentido deque, até então, os estudos a respeito da tributação não se preocupavam,na intensidade como se passaram a preocupar, com a exclusividadedo raciocínio jurídico em suas investigações. E era iconoclasta porqueos novos estudos que foram levados a efeito nesse período vieram emruptura com a forma não redutora praticada anteriormente — ques-tionando, com a virtude epistêmica da ousadia intelectual, o trabalhodos mestres que antecederam aquela geração.

    Os trabalhos aprofundaram-se na delidade a métodos de es-tudos tidos, então, como estritamente jurídicos. Podem-se citar, como

    10  Prefácio à 2ª edição. In: Isenções tributárias , 2. ed., p. 5; Teoria geral da isenção tributária , p. 11.

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    exemplos, todos no mesmo espaço de uma década, algumas obrasfundamentais: Hipótese de incidência tributária , de Geraldo Ataliba (1973);Norma jurídica tributária , de Marco Aurélio Greco, e Teoria da norma

    tributária , de Paulo de Barros Carvalho (1974); e Teoria geral do tributo eda exoneração tributária , de Sacha Calmon Navarro Coêlho (1982). JoséSouto Maior Borges não se preocupou em fazer uma teoria geral dodireito tributário sob viés normativo. Mas, inserido na tendência deaprofundamento do estudo do direito tributário no referencial teóricoda teoria geral do direito, publicou Lei complementar tributária , em 1975.

    O trabalho diverge dos seus escritos anteriores por escolher,clara e decididamente, dois referenciais teóricos básicos para cons-

    truir, a partir deles, suas conclusões, aplicando-os ao direito positivo brasileiro e à realidade especíca que decidira examinar: Pontes deMiranda e, sobretudo, Hans Kelsen. A inexistência de hierarquia entreUnião, estados e municípios, por exemplo, é defendida com base nanomodinâmica, que Kelsen busca em Adolf Merkl, e no conceito defundamento de validade.11 A mesma teoria é utilizada para refutara superioridade hierárquica necessária da lei complementar em faceda lei ordinária, demonstrando sua eventualidade: “Essa indagaçãoencontra, neste como em tantos outros pontos, a melhor resposta nadoutrina de inspiração kelseniana, que colocou o problema da formaçãodo direito por graus hierárquicos em termos cientícos rigorosos”.12 Além disso, refere-se aos âmbitos de validade das normas — outroconceito de Kelsen — de que se vale, inclusive, para afastar, no par-ticular, o critério de Geraldo Ataliba, relativo aos destinatários da leicomplementar, precisamente porque não adota formulação kelseniana.É ainda kelseniano o fundamento utilizado para tratar do tema da irre-vogabilidade do Código Tributário Nacional por lei ordinária. Também,

    a caracterização do lançamento tributário, como um ato de aplicaçãodo direito, é feita, nesse livro e no seguinte, com base nos conceitos deKelsen. Para caracterizar o lançamento como ato de aplicação da leitributária, o recurso à teoria geral do direito mostra-se, a Souto, comoimprescindível.13

    Nos livros anteriores, Souto não tinha elegido um referencialde teoria do direito e o utilizado para deduzir conclusões. Esse é umexpediente novo. É uma mudança de rumos. De um estilo mais solto,

    leve, buscando colher as lições da doutrina e testar sua coerência e

    11  Cf. Lei complementar tributária , p. 8-15.12  Ibidem , p. 81.13  Cf. ibidem , p. 67, 79, n. 29; 101, 105.

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    aplicabilidade ao ordenamento brasileiro, Souto parte para um estilomais preso, amarrado, que elege uma teoria do direito e a aplica, comrigor e coerência, para resolver um determinado problema de direito

    positivo — no caso, a lei complementar tributária.Seis anos após o lançamento desse livro, José Souto Maior Borges

    lança nova obra. Lançamento tributário, de 1981, foi, originalmente, es-crito como o volume IV do Tratado de direito tributário brasileiro , coleçãoidealizada por Aliomar Baleeiro e coordenada por Flávio Bauer Novelli.Trata-se de coletânea concebida para conter treze volumes, o segundodeles dividido em dois tomos, totalizando quatorze trabalhos. Cadatrabalho analisaria um campo especíco do direito tributário, e os

    volumes seriam escritos por alguns dos mais eminentes tributaristas brasileiros.14 Dos temas propostos, coube a Souto tratar do lançamento.

    A ordem dos organizadores era assegurar liberdade aos autores,tanto de opinião, quanto de método.15 Essa liberdade metodológica,e essa felicíssima atribuição a José Souto Maior Borges do tema “lan-çamento tributário”, trouxe à doutrina brasileira, talvez mundial, otrabalho mais profundo e consequente na aplicação da teoria pura dodireito ao direito tributário. As considerações que Souto zera acerca do

    lançamento no Lei complementar tributária são um prelúdio daquilo quese congura, seguramente, como o fastígio do kelsenismo na carreira doautor e, mesmo, em toda a teoria do direito tributário. Referir passagensnas quais a argumentação de estilo kelseniano é identicável nessaobra implicaria transcrevê-la quase que da primeira à última linha. Aimpressão de Arnaldo Borges é a de que não há aplicação da teoria pura,no mundo todo, que chegue aos pés do Lançamento tributário , nem nodireito tributário, nem em qualquer outro campo de estudos jurídicos.16

    14  Eram eles, alé