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Figuras de linguagem Metonímias são do corpo, metáforas da alma. 1 O que são, por que e pra quê? Eu poderia usar diversos recursos para falar de dança, citando um tipo específico, por exemplo; mas, percebam como a figura das pessoas dançando confere uma expressividade muito maior do que se eu falasse sobre ela. É aquela tal história de que uma imagem vale mais do que mil palavras – que, diga-se de passagem, não é bem assim. A linguagem pode também figurar . Lembram do tipo textual descritivo que objetiva fazer com que o leitor visualize o objeto ou a situação descrita, como se visse uma foto? A linguagem pode, também, como as imagens, dar visualidade a alguma coisa, através da descrição, por exemplo. Nesse caso, para que meu leitor visualize uma cena equivalente a da imagem, eu digo que “5 pessoas dançam balé contemporâneo com saltos sincronizados, cada uma de uma etnia diferente”. A linguagem pode, ainda, conferir uma expressividade ao que é dito equivalente ou até maior que a de uma figura, daí o termo figuras de linguagem, dada a sua função de aumentar a expressividade do que se diz. Nesse caso eu diria que “a dança é o espelho da alma e de suas vontades”, utilizando uma metáfora. É importante pensarmos também na figura de linguagem com um objetivo expressivo. Em um poema, por exemplo, eu posso utilizar o pleonasmo e

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Figuras de linguagem

Metonímias são do corpo, metáforas da alma.

1 O que são, por que e pra quê?

Eu poderia usar diversos recursos para falar de dança, citando um tipo específico, por exemplo; mas, percebam como a figura das pessoas dançando confere uma expressividade muito maior do que se eu falasse sobre ela. É aquela tal história de que uma imagem vale mais do que mil palavras – que, diga-se de passagem, não é bem assim. A linguagem pode também figurar. Lembram do tipo textual descritivo que objetiva fazer com que o leitor visualize o objeto ou a situação descrita, como se visse uma foto?

A linguagem pode, também, como as imagens, dar visualidade a alguma coisa, através da descrição, por exemplo. Nesse caso, para que meu leitor visualize uma cena equivalente a da imagem, eu digo que “5 pessoas dançam balé contemporâneo com saltos sincronizados, cada uma de uma etnia diferente”.

A linguagem pode, ainda, conferir uma expressividade ao que é dito equivalente ou até maior que a de uma figura, daí o termo figuras de linguagem, dada a sua função de aumentar a expressividade do que se diz. Nesse caso eu diria que “a dança é o espelho da alma e de suas vontades”, utilizando uma metáfora.

É importante pensarmos também na figura de linguagem com um objetivo expressivo. Em um poema, por exemplo, eu posso utilizar o pleonasmo e falar que “meus desejos se elevam enquanto a realidade é cada vez mais subterrânea, eles sobem pra cima, ela os faz descer pra baixo”. Porém, se o uso dessa redundância ocorre fora de um contexto específico (em uma conversa, por exemplo, se pergunto “essa é a escada que sobe para cima?”), esse uso não é mais uma figura de linguagem e se torna um erro, classificado como solecismo ou barbarismo. Portanto, a figura de linguagem deve ocorrer sempre em um contexto com uma finalidade específica, seja esta finalidade de conferir expressividade ao que se diz (o pleonasmo ou a metáfora, por exemplo), seja por um recurso de coesão (a elipse e a zeugma, por exemplo), entre outros.

2 Principais figuras de linguagem

2.1 Elipse e zeugma

O tempo perguntou pro tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu pro tempo que o tempo tem tanto tempo quanto o tempo tem.

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Já pensou como seria cansativo ler um texto em que um termo se repetisse todo o tempo?

A menos que esse texto tenha objetivos estéticos (por exemplo, uma piada, um poema ou – como no caso – um trava língua), a repetição de termos torna o texto sujo e cansativo. Estudamos em coesão que existem palavras que referenciam outras as substituindo, para que o texto fique mais claro e ganhe rapidez na leitura. Quando essa substituição de palavras ocorre por uma ausência de termo, temos a elipse ou a zeugma.

A figura de linguagem que chamamos de elipse consiste na ausência de um termo que será entendido pelo contexto. Quando este termo é mencionado no texto, seja antes ou depois, a elipse se chama zeugma.

Se eu digo que “minha melhor amiga é bonita e sua irmã também”, o leitor/ouvinte sabe que a irmã da minha amiga é bonita, sem que eu precisasse ter escrito/falado novamente “é bonita”, é exatamente a este recurso, a esta figura de linguagem que chamamos zeugma.

Talvez a zeugma seja mais fácil de ser percebida do que a elipse (pura), tão habituados que estamos com a ausência de certos termos, mas vamos pensar um pouco. Se eu digo que “a rádio que mais gosto é a mpb fm” vocês sabem que eu não me refiro a um aparelho de rádio, mas a uma estação de rádio ou emissora. Quando digo “a rádio” no lugar de “a emissora de rádio”, ocorre uma elipse do termo emissora, este termo não foi nem será citado.

Além de ser um recurso de coesão textual, a elipse é uma figura de linguagem que possui mais duas especificidades: pode mudar o gênero e pode acarretar uma derivação imprópria.

No caso citado, é permitido que o substantivo rádio tenha gênero feminino justamente por haver uma palavra feminina subentendida (emissora ou estação), assim posso dizer “a rádio”, pois não me refiro ao aparelho, mas à emissora. Da mesma forma ocorre, por exemplo, com “o caixa”. Caixa é um substantivo feminino, pode ocorrer com esta variação, pois está implícita a palavra “funcionário”, por exemplo (o funcionário da caixa).

Existem vários processos formadores de palavras, um deles é a derivação imprópria. Ele tem esse nome porque ocorre quando uma palavra está em uma classe gramatical imprópria, ou seja, que não é sua classe tradicional. Quando digo, por exemplo que “busco o saber oculto das coisas”, o termo grifado (saber) tradicionalmente pertence à classe gramatical dos verbos, porém, neste contexto, ocorre como substantivo (é equivalente se eu digo que “busco o conhecimento oculto das coisas”), podemos notar pela presença do artigo o, ele tem o poder de substantivar as palavras. Assim, quando dizemos, por exemplo, “a esferográfica”, a elipse do substantivo caneta faz com que o adjetivo esferográfica se torne um substantivo (ou uma palavra substantivada). Da mesma forma ocorre, por exemplo com “o canino”, se referindo ao dente canino.

2.2 Antítese e paradoxo (oximoro)

Quando estudamos métodos de raciocínio lógico, vimos que um deles é a dialética, método que concilia opostos, une ideias divergentes. Lembrem-se que a oposição não ocorrerá necessariamente como um par opositivo como, por exemplo, “claro/escuro”, “bom/mau” etc., mas trabalhará também com ideias diferentes. Se eu digo, por exemplo, que “meu irmão é inteligente, mas muito superficial” o par “inteligente/superficial” não é “oposto” no sentido que estamos acostumados a usar esta palavra, mas traz ideias que se opõem por serem diferentes e, convencionalmente, não esperadas de surgirem juntas.

A antítese e o paradoxo são figuras de linguagem que trabalham com a mesma ideia do raciocínio dialético, elas também conciliam opostos. A diferença é que a antítese somente aproxima ideias enquanto o paradoxo (também chamado de oximoro) as une. Se eu digo, por exemplo, que “estou entre a cruz e a espada” é uma antítese no sentido de que estou dividida entre situações diferentes, não é um paradoxo, pois não é uma coisa

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só, são duas situações que se opõem por serem diferentes. Porém, se digo que “essa situação é uma faca de dois gumes” existe um paradoxo no sentido de que a faca comporta, ao mesmo tempo, o bem e o mal, representados em cada gume dessa faca.

Assim, quando um texto trabalha com ideias que se opõem porque são diferentes, ou quando temos oposições próximas, mas que não são a mesma coisa, como encontramos, por exemplo, no texto da página 40 da apostila “os séculos [...] levam as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis”, temos uma antítese. Coisas fúteis são irrelevantes, sem importância, enquanto acontecimentos notáveis têm relevância, são significativos (ou não seriam notáveis), aí se estabelece a antítese: os séculos levam o que é importante e o que não é. Reparem que não é um paradoxo pois não é a mesma coisa que é simultaneamente fútil e notável.

Porém em “amor é [...] um contentamento descontente” temos um paradoxo, pois não são coisas separadas, é o amor que é simultaneamente contente e descontente, guarda, nele, as duas polaridades, as ideias opostas mais do que aproximam, se fundem, tornam-se uma ideia só.

2.3 Ironia

O homem de costas traz em sua blusa os dizeres “time da paz” (tradução livre) e aparece na imagem agredindo pessoas através de uma grade. Embaixo da imagem os dizeres “Ironia: Ela não sabe ler inglês” criticam, através do humor, a hipocrisia que existe entre os atos do homem e a filosofia de paz que ele prega, estampada em sua camisa.

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A ironia é uma figura de linguagem que consiste em se dizer o oposto com a finalidade de criticar, causando, com isso, efeito de humor. Trabalhando com a ideia contrária, a ironia não tem intenção de amenizar, pelo contrário, quer realçar, mostrando como é grande a diferença entre o que se diz (considerado como ideal) e os fatos. Assim, dizer que “o homem da foto é muito tranquilo e prega a paz” é uma ironia, pois afirma-se algo ideal (ele é um pacifista) em detrimento da realidade, que é bem diferente (ele é um agressor) e essa disparidade entre o que se vê e o que se fala, acentua a crítica, gerando um humor, causado pela impossibilidade do que as palavras dizem frente aos fatos.

Brevemente, ouviremos a aeromoça falando:‘senhores passageiros, em caso de assalto, cairão automaticamente à sua frente coletes de aço e capacetes protetores contra tiros. Coloquem, e depois tenham calma com os ladrões. Não invadam a primeira classe, toda blindada e equipada com kits de sobrevivência, com champanhe e caviar para sequestros de longa duração. O problema no Brasil é que os ladrões principais não viajam armados. São todos bem vestidos e protegidos por nossas leis em vigor. E já que a reforma do Judiciário não sai, o que nós precisamos é inventar um raio X para Lalau, para gatunos de colarinho branco. Raios x para as almas negras dos corruptos, principalmente no aeroporto de Brasília.(Arnaldo Jabor)

O trecho acima faz severas críticas à sociedade e ao esquema político, critica a segurança (ou a falta dela), como as minorias que detêm o poder aquisitivo são favorecidas, a hipocrisia da maioria dos políticos, entre outras. Notem que essa crítica não é feita diretamente, atacando pessoas ou ideologias, mas através de uma sátira de situações corriqueiras e dizendo o oposto (por exemplo: tenham calma com os ladrões), nisto consiste a ironia.

A ironia é uma figura muito encontrada em textos que criticam o governo, pois ela, com a disparidade que lhe é peculiar, critica fortemente a hipocrisia, que é também uma disparidade, assim como a ironia, entre as ideias e os fatos. Na charge, o médico (o Presidente Lula) tenta mascarar um problema, fazendo uma alteração na aparência, para tentar disfarçar o que está por trás dela. Sabemos que as aparências não mudam os fatos, por mais que consigam escondê-los por certo tempo. A charge conta, ao mesmo tempo com as figuras metáfora e metonímia (sim, as figuras de linguagem se misturam!), mais para frente, entenderemos melhor o porquê, mas já adianto que é metafórica porque por fazer uma associação de sentido trabalhando com uma situação irreal (mascarar um problema ideológico através de uma máscara física) e é metonímica por trabalhar com a substituição, em que um termo representa outro (é uma metonímia do racismo, gente de olhos azuis representa os ricos, os que detêm o poder econômico, político e social).

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2.4 Comparação e metáfora

Percebam que é impossível que um cachorro se transforme em um gato se pensarmos em gato com o sentido denotativo da palavra, o animal. A palavra gato, nesse caso, está associada à ideia de beleza, à gíria gato. Ao mesmo tempo, há uma comparação implícita nesta frase: aqui o seu cão sai (como se fosse) um gato. O anúncio, então, se vale do jogo de palavras, dizendo ao mesmo tempo “seu cachorro sairá bonito” e “nosso pet shop é tão bom que seu animal sairá transformado” e esse jogo só é possível graças à metáfora.

Essa figura de linguagem consiste no emprego de um termo com significado diferente do habitual (ou seja, com sentido conotativo), com base numa relação de similaridade entre o sentido próprio e o sentido figurado. A metáfora implica, pois, uma comparação em que o conectivo comparativo fica subentendido: “meu pensamento é um rio contínuo” é como se eu dissesse, transpondo para uma comparação que “meu pensamento é como um rio contínuo”, ou, se eu transpusesse para a linguagem denotativa: “meus pensamentos não têm fim”.

A diferença que se estabelecerá entre a figura de linguagem comparação e a metáfora é que a comparação será sempre explícita: “ela é como uma deusa”, “ele é como um gato”, enquanto a metáfora terá esse caráter de comparação implícito, não marcado linguisticamente: “ela é uma princezinha”, “ela é uma víbora”. A comparação está implícita, pois fará sentido se eu disser “ela é como uma princezinha”, porém, neste caso, mudará a figura de metáfora para comparação.

A metáfora é uma extensão do sentido da palavra e compreende sempre um uso não convencional da linguagem, assim se eu faço uma adjetivação que não possua concretude, ou que pareça irreal, como por exemplo, em “respirou um ar pesado pelas dúvidas e vontades” estou usando uma metáfora para figurativizar meu pensamento. Reparem que é como se eu dissesse que “eu respiro um ar que parece, que se assemelha, que é como se estivesse pesado”, assim, estou fazendo uma associação ou extensão dos sentidos das palavras envolvidas e, ao mesmo tempo, estou usando uma adjetivação que não tem concretude e/ou é irreal: é impossível o ar estar pesado por dúvidas e vontades, a menos que essas ideias sejam simbólicas.

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Quando uma situação é delicada, complicada, dizemos que “estamos pisando em ovos”. Isso é uma metáfora, pois faz uma associação entre a ideia da delicadeza que se teria que ter para pisar em ovos sem quebrá-los e à delicadeza que a situação exige. A figura traz a metáfora de uma forma concreta, ao pé da letra, tendo, inclusive tom de humor, devido à impossibilidade de a situação, de fato, acontecer; quando se diz que se está “pisando em ovos”, se diz que se está tratando uma situação com cautela, de uma maneira simbólica. É o caso de muitos outros ditados que conhecemos como, por exemplo, “tirar o cavalo da chuva”, “tirar o pé da lama”, “testa de ferro”, “amigo da onça”, entre outros.

2.5 Metonímia

Ontem, depois de ler Cesário Verde, comecei a ouvir um CD que uma amiga gravara pra mim, enquanto comia um pratão. Meu irmão, que estava perto, perguntou se eu queria refrigerante, bebi 3 copos.

Eu não li Cesário Verde, não ouvi um CD, não comi um pratão, muito menos bebi copos. Quando digo que li Cesário Verde me refiro a ter lido um livro desse autor. Não se escuta um CD, mas a música gravada nele. Da mesma forma, não se comem pratos nem se bebem copos, mas seus respectivos conteúdos. Esses exemplos ilustram a figura de linguagem da metonímia. É uma figura de linguagem que guarda sempre alguma relação entre o termo dito e o termo, de fato, representado; é por isso que dizemos que a metonímia é a figura da linguagem que substitui “a parte pelo todo”, “o conteúdo pelo que o contém” e por aí vai.

Como a metáfora, a metonímia consiste em uma transposição de significado, ou seja, uma palavra que usualmente significa uma coisa passa a ser usada com outro significado. Porém, na metáfora, essa transposição de significados é feita com base em uma analogia, uma semelhança, uma equiparação. Já a metonímia explora sempre alguma relação lógica entre os termos, o termo escrito, de alguma forma faz parte do termo representado, portanto, podemos entender a metonímia como a representação de outra coisa. Observe alguns exemplos:

“Não tinha teto em que se abrigasse.” (teto em lugar de casa)“Os mortais pensam e sofrem nesse mundo.” (Os homens pensam e sofrem nesse mundo)“A mulher foi chamada para ir às ruas na luta por seus direitos.” (As mulheres foram chamadas, não apenas uma mulher)“O homem foi à lua.” (Alguns astronautas foram à lua)“A balança penderá para teu lado.” (A justiça ficará do teu lado)“Vou ao cabeleireiro.” (Ninguém vai ao profissional, mas vai ao local em que ele trabalha)“A juventude é corajosa e nem sempre consequente” (Não é a juventude em si, mas os jovens)“O brasileiro é apaixonado por futebol.” (Aqui o brasileiro refere-se a todos os brasileiros ou à maioria deles. A metonímia, neste caso, é utilizada com o objetivo de generalizar) “Com muito suor, o operário construiu a casa.” (Suor representa o esforço)“Minha filha adora Danone.” (Minha filha adora o iogurte que é da marca Danone)

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Este último caso, da metonímia das marcas é bem interessante. É um processo que acontece com tanta naturalidade que, na maioria dos casos, nem percebemos que falamos uma marca mais famosa de determinado produto no lugar de falar o nome do produto. Assim, popularizar este tipo de metonímia é uma estratégia das empresas, que fixam suas marcas, através do nome atribuído aos produtos análogos de outras marcas. No cartaz, a marca gillette foi atribuída a todas as lâminas de barbear, indiscriminadamente, sendo que gillette não é o produto, mas a marca. Outros casos: Bombril (esponja de aço), xerox (fotocopiadora), modess (absorvente), band aid (emplastro), coca-cola (refrigerante de noz de cola), cotonete (haste flexível com pontas de algodão), maisena (amido de milho), lycra (elastano).

Podemos pensar ainda a metonímia em um sentido mais amplo, representando ideologias e imaginários sociais. Observem a música abaixo Resolução, do Pedra Letícia.

Não quero mais discutir relação, nem me importar com sua menstruaçãoNão quero mais passar medo com você na direção: “- olha o caminhão!!!”

Já me cansei de bancar o machão, eu vou mudar minha programaçãoVou ver "Sex and the city" e depois vou correr pro salão, fazer pé e mão.

Eu quero alguém assim como eu e que me dê o que você não me deuNão quero mais Julieta, a moda agora é um tipo de Romeu.

Os termos em negrito representam o imaginário machista e, nesse sentido, são uma metonímia desse pensamento. Dentro de uma concepção machista, é coisa de mulher discutir relação, dirigir mal, assistir sex and the city, ir ao salão. Na letra damúsica, a única coisa que é genuinamente exclusiva do público feminino é a menstruação. Pé e mão, especificamente, compreende uma metonímia dupla. A primeira se liga à questão já mencionada do imaginário, da ideologia, dos valores sociais e a segunda se liga ao fato de que não se faz o pé ou a mão no salão, mas a unha. Julieta, fazendo uma alusão à obra de Shakespeare, é uma metonímia dos valores tradicionais em um relacionamento.

Apesar dessa representação, não vamos entender a letra da música como uma ode ao machismo ou à inversão de valores nos relacionamentos, pois ela trabalha também com uma outra figura de linguagem, a ironia, que, como vimos, é uma crítica indireta, feita através da disparidade entre o que se afirma e os fatos. Temos que pensar as figuras de linguagem, portanto, funcionando na semântica geral do texto, como uma ferramenta de auxílio para fazer uma interpretação de texto mais profunda e completa.