Filosofia Jurídica

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE DIREITO SEGUNDO SEMESTRE DO BACHARELADO CURSO DE FILOSOFIA JURDICA PRIMEIRO SEMESTRE DE 2011

Seja bendito o nome de Deus para todo o sempre, porque dele a sabedoria e a fora.(Daniel 2:20)

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LEILSON ROBERTO DA CRUZ LIMADiscente da Turma 2S

Leilson Lima

NDICE

4 e 5 aulas Scrates e Plato Fonte: anotaes de aula. 1. Os gregos 1.1 Scrates Scrates foi um filsofo grego que viveu entre 470 e 399 a.c., considerado o Jesus cristo da filosofia por ter sido um marco nessa cincia, tanto que os que o antecederam so chamados pr-socrticos. Scrates no deixou escritos, o que sabemos hoje dele est escrito nos dilogos de Plato, seu aluno, o que torna difcil a distino exata entre os dois, duvidando-se at mesmo da existncia socrtica. A famosa frase de Scrates S sei que nada sei refletia bem suas idias; Scrates afirmava que as pessoas no tem nada seno doxa (opinio) e que a busca pelo conhecimento resumia-se a conhecer a si mesmo, tomando conscincia de que nada se sabe que se pode saber alguma coisa. Scrates viveu na poca dos sofistas, os tais sbios da Grcia que no passavam de meros retricos. Ao contrrio dos sofistas, o mestre no cobrava para ensinar as pessoas, ele no buscava auto-afirmao, mas sim a busca pelo conhecimento. O mtodo de Scrates em sua busca pelo conhecimento era um mtodo dialtico chamado de maiutica; possua duas fases: Ironia: Scrates ia para a gora e interrogava as pessoas, fazendo com que elas respondessem uma srie de perguntas e ao final dela se contradissessem, com o intuito de eliminar a doxa, a pura opinio que as pessoas tm sobre as coisas, que no o verdadeiro conhecimento; provava que as pessoas somente acham que sabem as coisas, mas na verdade no sabem.

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Maiutica: significa literalmente obstetrcia em grego. A maiutica socrtica consistia em fazer parto de idias. Ora, Scrates afirmava que o conhecimento no transmitido, mas est dentro de cada um de ns, o que possvel fazer coloc-lo para fora, como num parto. Para ilustrar bem isto, o filsofo pegava um escravo dentre o povo, e comeava a interrog-lo; ora, o escravo nada entendia de cincia alguma, porm Scrates o fazia chegar a princpios matemticos dos mais complexos, apenas o interrogando e fazendo vir tona sua capacidade. O ideal de justia socrtico era diretamente ligado com o de segurana jurdica. Afirmava Scrates que a justia s pode ser alcanada por meio das leis. Logo, desrespeitar as leis injustia; mesmo que pela lei se fizesse algo tido como injusto, fazer algo ilegal para tentar reparar a justia continuaria sendo injusto, posto que o justo apenas o legal, e no se faz justia por meio da injustia. Para sintetizar bem este conceito um tanto complexo, usaremos uma frase de Scrates: preciso que os homens bons cumpram as leis ms, para que os homens maus respeitem as leis sbias. Aps o julgamento de Scrates, que o condenou a morte, seus discpulos tentaram solt-lo do crcere em que estava, porm Scrates recusou, alegando que fazendo isso estaria sendo injusto, pois fora condenado na observncia das leis, e a justia seria maior que ele e que sua prpria vida.

1.2 Plato Discpulo de Scrates, Plato quem efetivamente d nascimento filosofia como hoje conhecemos; Plato deixa de lado o relativismo sofista e cria mtodo para a filosofia, fazendo uma reviso prpria. O principal ponto discutido por Plato o prprio conhecimento humano; ao invs de tentar descobrir como o universo funciona, Plato estuda como o homem funciona e quais so os seus limites. Divide o conhecimento humano em quatro planos, dos quais dois deixaremos de lado, dada sua complexidade, estudaremos apenas dois: Plano sensvel: o conhecimento do particular, o individual emprico. O conhecimento sensvel obtido somente por meio dos sentidos (viso, audio, tato, olfato e paladar), sempre relativo e contingente, pois varia muito de acordo com cada indivduo. Aduz Plato que por meio dos sentidos s conhecemos as coisas em sua singularidade, por tratar-se de um conhecimento meramente emprico. Plano inteligvel ou plano das idias: o conhecimento das idias, dos universais. A idia seria algo que s existiria dentro de ns, seria a essncia das coisas. Temos idias para podermos conceituar as coisas, seno s nos valeramos do conhecimento emprico. Para explicar bem tal coisa, Plato escreve o mito da caverna, no livro VII da Repblica.1 Ainda na mesma idia, Plato descreve o modelo de um Estado perfeito da seguinte forma:

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Se voc no veio aula, leia o livro ou pergunte para algum; histria muito complicada para ser narrada aqui.Leilson Lima

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Filsofos razo, direo

Militares coragem, defesa, ordem

Trabalhadores sensibilidade, nutrio, subsistncia material

Plato via o Estado como um rgo, no qual tudo deveria funcionar bem para o bem comum, no havendo espao para o indivduo considerado em sua singularidade, mas sendo prioritrio o funcionamento harmnico do prprio estado. Esta idia orgnica estatal o arqutipo, o molde de todas as utopias totalitrias que tivemos at hoje, como Cuba e a U.R.S.S. A mesma concepo de harmonia orgnica do Estado a concepo de justia platnica. Nesta idia de Estado, no se via uma hierarquia entre as classes, mas que cada um seria o melhor naquilo que faz: o militar o melhor nas armas, os filsofos no pensamento e os trabalhadores no trabalho. Eis aqui a idia de comunisto aristocrtico. Ainda em Plato, curioso ver como ele dividia a alma humana:

Racional - conhecimento Irascvel - paixes (amor, dio, inveja, raiva etc ) Concupiscncias Apetites (fome, sede, sono, ardor sexual etc)

Em seu mito da carroa, Plato caracteriza as paixes e as concupiscncias como sendo dois cavalos; o primeiro mais endiabrado e temperamental, e o segundo mais bonacho, mais suave. A parte racional humana seria o condutor da carroa que precisa segurar as rdeas da situao. Para Plato, o homem equilibrado o que consegue manter as rdeas firmes e a carroa no rumo, controlando as paixes e as concupiscncias com a racionalidade.

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6 e 7 Aulas Formas de governo de Plato. Aristteles. Fonte: Anotaes de aula 1.2.1 Formas de governo de Plato Ainda falando em Plato, no livro VII de sua obra Repblica ele enumera 5 formas de governo, de acordo com a qualidade delas em ordem decrescente, sejam elas aristocracia, timocracia, oligarquia, democracia e tirania. Suas descries vm abaixo: Aristocracia: literalmente governo dos melhores. Trata-se do modelo de Estado ideal descrito por Plato, no qual cada cidado teria sua funo especfica de acordo com sua habilidade, e todos seriam os melhores naquilo que fazem, no havendo hierarquia entre eles (cf. 5 aula). Na aristocracia, o que prevalece o bem comum, que o fim ltimo do Estado. Timocracia: Governo da honra. Ainda se trata de uma aristocracia na qual os melhores governam, porm a finalidade estatal no mais o bem comum, e sim a honra do Estado. Tal concepo platnica tem como base o modelo de governo de Esparta. Oligarquia: nesta forma de governo, o poder estaria concentrado na mo de poucos homens, sendo eles poderosos economicamente e governando segundo seus prprios interesses, a fim de manterem o prprio poder em suas mos. interessante saber que em Atenas, no tempo dos filsofos, era proibido que algum se livrasse de todos os seus bens, uma vez que o fazendo essa pessoa estaria impossibilitada de exercer a vida poltica. Numa oligarquia, isso se tornaria legal; as pessoas teriam que depender unicamente de seu trabalho, e o acesso delas ao poder s se daria mediante aquisio de poder econmico.Leilson Lima

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Democracia: Plato considera a democracia a 2 pior forma de governo, porque esta matou o seu mestre Scrates e um prato cheio para os sofistas ludibriarem a populao. Apesar da democracia ser a forma de governo que mais confere liberdade ao povo, ela torna o Estado extremamente instvel, pois o povo sempre est sujeito a influncias; no porque algo vontade do povo que tal coisa seja boa, uma vez que o povo fraco em suas idias. Devido a essa instabilidade da democracia, Plato enxergava que ela seria um primeiro passo para chegar tirania, pois a instabilidade fatalmente traria conflitos internos entre os cidados, sendo sua sorte fatal involuir para a autocracia tirnica. Tirania: A tirania o governo da mxima escravido, na qual o tirano (ou ditador) seria o nico cidado livre2 e todos os outros seriam escravos. Na tirania, o tirano faz o que bem entende, e seu governo tende a se esclerosar, posto que no h crtica alguma e o governante vai sempre se isolando, temendo que lhe roubem o poder. Podemos verificar tal coisa em qualquer das ditaduras passadas ou modernas: na Alemanha, Unio Sovitica e com os pases do Oriente Mdio que hoje sofrem revolues. Refletindo um pouco nos tempos modernos, se Plato viesse a contemplar a forma de governo brasileira atual, ele diria que no temos uma democracia, e sim uma oligarquia. Hoje s participamos da vida poltica da nao a cada dois anos apertando dois ou trs botezinhos, escolhendo um certo grupo de pessoas que deter o poder, sendo que o sufrgio universal de nada vale se no se est no meio poltico dominante. Todos podem se candidatar, todavia um Z-ningum bem intencionado e formado jamais conseguir ser eleito, pois ningum o conhecer, no ter tempo na TV etc etc. Necessrio se torna reflexo sobre tais coisas e o clamor popular por uma reforma poltica em nosso pas. 1.3 Aristteles Em qualquer livreto de filosofia que trata sobre Aristteles de Estagira, verse- escrito que Aristteles traz as idias platnicas para a imanncia do mundo. Ora o que isto significa? As idias de Plato eram um tanto inconcebveis quando falavam, por exemplo, do mundo das idias, Plato descrevia esse mundo como um mundo separado do nosso; um mundo paralelo, transcendental. O Estagirita, por meio de 3 concepes bsicas, tenta trazer as idias platnicas para dentro de nosso mundo. Hilemorfismo: todas as coisas so compostas de matria e forma. Ora, matria do que so feitas as coisas, sua parte sensvel; forma a sua essncia, como as coisas so. A concepo de idia platnica nada mais seria do que a forma das coisas. Para exemplificar, imaginemos um bloco de mrmore: retirada da fonte, s uma pedra, no mesmo?! Ora, nas mos de um escultor ela pode virar uma esttua, todavia no deixar de ser mrmore. Num momento o mrmore tinha forma de pedra, noutro ele possui forma de esttua, nunca deixando ser mrmore, no alterando sua matria. Parece complexo, mas com um pouco de reflexo compreende-se perfeitamente. Teleologia: trata-se do estudo dos fins. Segundo Aristteles, todas as coisas teriam uma finalidade especfica que definiria qual a sua forma. No exemplo do mrmore supracitado, de acordo com seu fim o mrmore teria forma distinta: pedra para atirar na cabea de algum; esttua para enfeitar o jardim.2

Perdoem-me aqui pela redundante expresso cidado livre,trata-se apenas de um pleonasmo enftico,posto que liberdade prerrogativa de ser cidado.Leilson Lima

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Ato / potncia: segundo Aristteles, todas as coisas viveriam numa eterna dinmica entre esses dois plos. Pois bem, ainda explicando Plato, o Estagirita pe que todo ser vivo se estrutura em funo de sua alma (alma aqui significa anima em grego, seria a forma dos seres que se movimentam por si mesmos), sendo trs as almas, pela ordem: Alma vegetativa: a forma responsvel pelo funcionamento orgnico, o aspecto existencial do indivduo. A alma vegetativa seria responsvel pelas funes fundamentais de um corpo: respirao, circulao, digesto etc. Quem dispe s de alma vegetativa so as plantas e vegetais em geral. Alma sensvel: responsvel pela percepo das coisas mediante a sensibilidade. S possvel possuir alma sensvel na posse de alma vegetativa. Quem dispe dessas duas almas somente o animal. Alma racional: como o prprio nome j diz, a capacidade de raciocinar, de pensar. S possvel na posse das duas outras almas. S quem detm a alma racional o homem (e Deus, claro). Partindo da, Aristteles afirma em sua tica a Nicmaco que o homem s consegue ser realmente homem, racional, quando vive na plis, quando vive em sociedade. Fora da sociedade, o ser humano no seria nada seno um homem em potencial, s conseguiria ser homem se fosse ensinado pela sociedade,aprendesse um idioma etc. Seguindo a teleologia, todas as coisas teriam uma essncia (forma) que determinada por um fim; a finalidade do homem seria a felicidade, que s poderia se realizar por meio da atividade poltica na plis. Lembramos aqui que felicidade para o grego no tem a conotao que tem hoje: felicidade seria uma atividade na qual o homem realiza plenamente as suas aptides. A felicidade seria alcanada mediante a prtica das virtudes, das excelncias,que seriam sempre o meio termo perfeito entre extremos,caracterizadas pelo hbito mecnico.3 Aristteles dividia as virtudes em dianoticas ou intelectuais, e ticas ou do carter. Virtudes dianoticas Arte Cincia Sabedoria Intelectos Prudncia (phrnesis) = capacidade de distinguir o bem do mal; s possuda pelos seres racionais. Os homens, apesar de sua natureza poltica, s conseguem conviver socialmente por possurem a phrnesis. Virtudes ticas Temperana Fortaleza Generosidade Justia: dar a cada um o que seu. Para Aristteles, uma lei justa quando conduz o homem a praticar as virtudes! 1.3.1 Tipos de Justia3

mecnico aqui no tem uma conotao pejorativa, mas sim caracterstica de hbito: algo que feito sempre e sem pensar.Leilson Lima

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Natural (physikon dikaion): Princpios, tendncias,universais e imutveis de justia presentes em toda e qualquer sociedade. Ao contrrio dos pr-socrticos, Aristteles no confunde justia natural com leis da natureza; a justia natural consiste em tendncias que podem ser reguladas de diferentes formas, mas esto sempre presentes em toda sociedade (v.g. o casamento e o direito vida); j as leis da natureza so coisas totalmente universais no sujeitas interferncia do homem, ele apenas as descobre. O fogo queima do mesmo jeito em todos os lugares, bem como a gravidade a mesma aqui e alhures. Convencional (nomikon dikaion): so as normas meramente convencionadas pelo homem, porm que no excluem os princpios naturais. Um exemplo de justia convencional o sentido das vias de trnsito: no Brasil pela direita, mas h povos como os Bretes que adotaram o lado esquerdo como sentido de suas vias. 1.3.1.1 Modos de aplicao da justia Justia distributiva: trata-se de normas que ligam o Estado ao indivduo; o interesse pblico s pessoas. So exemplos de justia distributiva: proteo policial; direito de petio; sufrgio etc. definida por Aristteles como dar a cada um segundo o seu mrito. . Justia comutativa (corretiva): o equilbrio entre as partes nas relaes entre os particulares; definida por Aristteles como cada um deve ou recebe o que a outra parte deve dar ou receber. A justia comutativa divide-se ainda em Voluntria: quando h vontade livre; inicia-se e termina-se a relao sem nenhum problema. Involuntria: quando no h vontade livre de uma das partes e necessria a tutela estatal. Equidade (epiekeia): Fazer justia ao caso concreto; adaptar a lei ao caso. A equidade seria semelhante rgua de lesbos, uma rgua usada na ilha de Lesbos que tinha a capacidade flexvel para se adaptar ao solo e objetos irregulares, medindo-os com maior preciso. 1.3.2 Anlise objetiva e subjetiva da responsabilidade Para Aristteles, a responsabilidade possui dois aspectos, o do injusto (objetivo) e o da injustia (subjetivo). O aspecto objetivo, ou o injusto, configura-se pela demonstrao do nexo causal entre ato e conseqncia. O aspecto subjetivo, ou injustia, algo onde necessariamente tem de ser demonstrado primeiro o nexo causal e depois se configura por uma ao voluntria que produza a injustia. A ao voluntria aquela que sob controle do agente executada de maneira intencional, sem ignorar a pessoa afetada, o instrumento empregado e o resultado. V-se hoje que essa teoria aristotlica est presente fortemente no direito penal. Quanto ao erro, Aristteles indica trs possibilidades, relacionando-as com a culpa e a punibilidade: 1. O dano causado por uma ao ou omisso que no extrapola a conduta razovel a ignorncia est fora do agente.4 Exclui-se completamente a culpa.

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Lembrar aqui do exemplo dado em aula no qual a criana dormia sob a roda do carro e o cidado mata-a por no a ter visto. insano pensar que algum dormiria debaixo da roda;no h culpa alguma do motorista.Leilson Lima

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2. A conduta causadora do dano extrapola o razovel A ignorncia reside no agente. O indivduo culpvel.5 3. Crimes passionais: no h erro algum, porm a situao transforma aquilo num erro, posto que ningum o faria em s conscincia consciente, mas no deliberado. No h culpa para Aristteles. Lembramos aqui que a prtica moderna sobre os crimes passionais difere totalmente da concepo aristotlica sobre sua culpa; hoje o crime passional considerado doloso, porm possui atenuantes devido influncia da forte emoo do agente (cf. Arts 28, I e 121 1 do Cdigo Penal).

8 e 9 Aulas A poltica de Aristteles. Helenismo. Filosofia Jurdica Romana. Cristianismo e Idade Mdia. Fonte: Anotaes de Aula. 1.3.3 Zoon Politkon Como j sabemos, para Aristteles o homem um animal poltico, porm se o homem no vive na plis, ele no nada seno um homem em potencial. O homem s vira homem de fato quando exerce as suas virtudes na atividade poltica da plis. 1.3.4 Formas de governo Aristteles aqui sucinta um pouco mais as idias platnicas quanto s formas de governo, descrevendo trs formas e as relacionando com as outras trs, que seriam corrupes das trs primeiras. Veja-se: muito importante ressaltar que o Estagirita no via certa forma de governo sendo melhor do que outra, ele apenas as demonstrava e pregava que todas poderiam funcionar, desde que visassem o interesse pblico. Pois bem, fazemos um rol das formas e explicamo-las: Monarquia: A definio de monarquia resume-se como sendo o poder na mo de um s, seja ele rei, prncipe ou o que for. Este sistema pode ser bom, desde que vise o interesse pblico, quando isso no acontece teremos uma tirania: poder na mo de um s, que usa tal poder para seus prprios interesses. Aristocracia: A aristocracia descrita aqui foge da definio platnica de Estado orgnico; o poder aqui estaria na mo de poucos (os melhores, como o nome diz), que5

Exemplo do cara que se joga na frente do carro e o motorista est acima da velocidade permitida na rodovia.

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devem us-lo de acordo com o interesse pblico sempre, seno tudo vira uma oligarquia: poder na mo de poucos que visam os seus prprios interesses. Constituio ou Politia: bem difcil explicar esta forma de governo sem recorrer ao autor, porm pode-se definir como uma forma de governo que tem por base a presuno de igualdade com origem na idia de que todos sendo iguais sob determinados aspectos tambm sero em outros e o ponto de partida para a igualdade absoluta.6 Enfim, o governo democrtico ateniense que atendia aos princpios e finalidades do estado. Embora alguns tradutores discordem, democracia, para Aristteles, uma corrupo da Politia, um governo popular que j no atende mais aos interesses pblicos, embora atenda aos interesses da maioria. 1.3.5 Separao dos poderes Embora a teoria da tripartio do poder como conhecemos hoje tenha sido descrita por Montesquieu em seus detalhes, Aristteles foi o primeiro a esboar a necessidade da diviso do poder quanto a sua aplicabilidade. Ele fazia uma rstica diviso do poder na plis da seguinte maneira: Assemblia do povo: seria o equivalente ao atual rgo legislativo; uma assemblia dos cidados da plis que elaboraria e votaria as leis para reg-la. Assemblia administrativa (ou deliberativa): um corpo de especialistas, eleitos de alguma forma pelo povo, que cuidaria dos recursos materiais ($) da plis. o que conhecemos hoje como o rgo executivo. Assemblia jurdica: um grupo de ancios, pessoas experientes e sbias, conhecedoras das leis, designado para resolver os conflitos jurdicos entre os indivduos (lides). No se precisa dizer que seria o nosso rgo judicirio. 1.3.6 Dimenses da alma humana Aqui Aristteles divide a forma humana em trs dimenses bem definidas: Theoria: Atividade contemplativa da razo, algo abstrato e criado pela mente humana. (teros=eu olho) Poisis: Embora o nome o sugira, no se trata de poesia. Poisis o equivalente tcnica, habilidade construtiva para construir coisas, algo mecnico destinado a certo fim. Cada coisa teria uma poisis prpria, de acordo com sua natureza. Prxis: seria a prtica, como sugere o nome; uma mistura dos elementos anteriores, produto da autodeterminao da vontade humana. S o homem pode ter prxis, posto que os animais s se valem de poisis instintivas para executarem seus fins. Por aqui terminamos o estudo de Aristteles em nosso curso, lembrando que tal autor riqussimo, porm no nosso objetivo esgotar toda sua obra, e sim esboar certa perspectiva til para o campo jurdico. 2. Helenismo: do polites ao kosmopolites. Trata-se de um projeto poltico de Alexandre Magna, no qual se buscava a miscigenao da cultura grega com todas as outras culturas, assim espalhando todo o conhecimento de mundo obtido pelos helenos e transformando o mundo em um s: a cosmpolis. Em um primeiro momento Alexandre obteve certo sucesso em seu projeto,6

Extrado de www.avesso.net/cronica7.htmLeilson Lima

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porm com o fracasso de sua campanha e sua morte, a idia de cosmpolis grega foi por gua abaixo. Tal mundo unificado veio a ser obtido com o imprio romano, que poca tornou-se o maior do mundo, difundindo seu direito pelo imprio, sua lngua e crenas, unificando o reino na mesma moeda, enfim, assemelhando-se ao projeto Alexandrino. Todavia, a idia grega de cidado (polites) torna-se impossvel de ser realizada, pois se torna impossvel fazer com que todos os habitantes do imprio participem efetivamente da atividade poltica do mesmo. Da surge o kosmopolites, o cidado do mundo, com uma concepo diferente de cidado: no mais um agente poltico participante do poder, mas sim um sujeito de direitos e obrigaes, algum regido pelo direito. Abandona-se a idia do zoon politkon, homem poltico por natureza. 3. Filosofia Jurdica Romana Os romanos, apesar de sua grande contribuio ao direito que hoje nosso molde, no tiveram grande contribuio para a filosofia; limitaram-se apenas a fazer releituras das idias gregas, bem como dos seus deuses. Uma corrente filosfica, porm, merece alguma ateno especial, o estoicismo. Os esticos vem o mundo de acordo com um grande logos que, supostamente, regeria o mesmo e seria insupervel e imutvel por parte do homem, que se limitaria a conhec-lo. Partindo da, todas as dores que o homem tem seriam um fruto da ignorncia em relao lgica do universo; se ele a conhecesse, simplesmente a aceitaria e se conformaria com tudo que lhe acontece. Alguns dos principais esticos foram: Epteto, Sneca, Quintiliano e Marco Aurlio. 3.1 Jurisconsultos Os jurisconsultos eram ancios, grandes estudiosos do direito, pareceristas e doutrinadores, verdadeiros mestres do jus. Podem-se apontar como grandes dentre eles: Caio, Gaio, Ulpiano e Papiliano. Eles elaboraram, dentre outras coisas, divises do direito. Citam-se duas: Diviso tricotmica de Ulpiano: Ulpiano dividiu o direito em: Jus naturale: direito comum e instintivo de todas as sociedades de qualquer poca, exercido sempre por todos. Jus gentium: direito universal das gentes. Semelhante ao direito natural, porm deve ser elaborado e positivado pela razo. Tratava-se do direito comum entre os povos do imprio romano. Jus civile: direito das cidades, convencionado e variado de acordo com os costumes e regras da regio. Diviso dicotmica de Gaio: Gaio divide o direito apenas em naturale e civile, excluindo o jus gentium, posto que para ele o direito natural um s, indiferentemente se positivado ou costumeiro. 4. Cristianismo e idade mdia Com o nascimento de Jesus Cristo (6 a.c.?), o mundo assistiu a uma revoluo no modo de viver e de pensar. Estudamos a filosofia crist no por preferncia religiosa, mas sim porque ela foi a mais impactante na maneira de viver no mundo ocidental.

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Nascido na regio da Judia, atual Israel, Jesus exerceu importncia poltica relevante na regio; afrontou as crenas e costumes do povo hebreu e principalmente afrontou a classe sacerdotal dominante da poca, o que lhe levou crucificao. A particularidade do cristianismo em relao s outras religies o fato de que sempre buscada a converso do prximo; no se trata de uma religio fechada como as demais. O prprio Jesus ordenou a seus apstolos: Ide e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer ser salvo; mas quem no crer ser condenado. 7 Logo milhares de pessoas na Judia e em todo o imprio romano converteram-se ao cristianismo, principalmente os mais pobres. Os cristos sofreram intensa perseguio romana at o ano de 313, quando o ento imperador Constantino baixou o Edito de Milo, o qual proibia a perseguio aos cristos e instituiu a liberdade religiosa no imprio. Aproximadamente em 391, o imperador Teodsio reconhece o cristianismo como religio oficial de Roma, logo a maior potencia mundial torna-se de Cristo. Coincidentemente ou no, o Imprio romano do ocidente vem a cair diante dos brbaros em 476. Toda a organizao do Estado romano cai por terra, e a terra se transforma em uma diversidade de feudos. Ora, a nica instituio a sobreviver naquele tempo foi a prpria Igreja, que assentou sua capital em Roma no sculo VII, valendo-se de uma suposta enganao: uma doao que Constantino teria feito a Carlos magno. Tal engodo deu origem ao Sacro-Imprio Romano Germnico, que durou at o sculo 18. A partir dessa pequena explanao histrica, podemos trabalhar melhor com a filosofia crist. 5. Filosofia Jurdica Medieval Os gregos tinham uma concepo imanente da vida: para eles, s existiam devido a um roubo do fogo divino, suas vidas teriam que ser justificadas mediante seus atos e suas leis. Tudo isso muda no cristianismo. Na mitologia hebraico-crist tudo mais simples: Jeov, Deus onipotente e onisciente, criou os cus e a Terra e tudo quanto h neles, criou o homem sua imagem e semelhana, fazendo um boneco de barro e soprando-lhe o sopro da vida.8 Ento o homem nasceu perfeito, igual a Deus; porm esse nosso vnculo com Deus foi quebrado pelo pecado original 9. Agora, pois, temos de nos religar com Deus, da a palavra religio (religare). A grande inovao aqui a seguinte: antes tnhamos um jusnaturalismo cosmolgico que procurava achar a justia dentro do cosmos, dentro da natureza e de sua lgica. Tinha-se que se obedecer tal lgica, tanto deuses como homens; com Deus no assim. A justia se torna transcendente, estando em Deus. Para alcan-la preciso busc-Lo, religar-se com Ele. No uma questo mais de logos universal, mas sim de f, de buscar o divino. Este o conceito de justia pregado por Paulo; buscar a justia em Deus e dentro de si, nos valores humanos, no mais na natureza. 5.1 Nova teoria do poder Ainda seguindo Paulo, o poder existente na Terra no deriva mais de poltica e afins, mas todo o poder aqui na Terra s e dado por Deus algum s governa porque Ele o quer (confesso aqui que isso se tornou fundamento para as monarquias absolutistas, porm elas distorciam a real mensagem de Cristo.).7 8

Bblia verso Almeida 2 ed. Marcos 16: 15-16 Gnesis 1:26 ; 2:7. 9 Gnesis 3:1-24; Romanos 3:23Leilson Lima

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5.2 Tertuliano: direito natural X pecado original Na teoria de Tertuliano, o direito natural e justo est em Deus; s mediante a religao com Ele que se podem elaborar leis justas. Assim sendo, a ordem universal manifestada agora dentro de si, mediante a vida com cristo, no mais na natureza. Partindo da, um pago (indivduo sem a f crist), por mais que seja intelectual e pense, jamais seria capaz de elaborar leis justas, pois no tem comunho com o Pai. 5.3 Santo Agostinho Santo Agostinho era um monge natural do norte da frica. reconhecido por cristianizar Plato, dando origem patrstica (neoplatonismo cristo). Suas principais obras so: A cidade de Deus e Do livre arbtrio. A concepo platnica do mundo das idias cai como uma luva para o cristianismo, o tal mundo transcendente no passaria da mente de Deus: todas as idias e todo o conhecimento que possumos vem Dele! S conhecemos as formas por causa Dele. Ora, tal idia de Agostinho era fantstica a poca: quem no iria querer partilhar da mente do divino?! Agostinho dissertava sobre o direito, e teorizou sobre uma lei eterna: conjunto de leis de Deus que sustentam o universo; no podemos as conhecer por estarmos desligados Dele por causa do pecado original. O livre arbtrio uma dessas leis eternas: trata-se da capacidade de autodeterminao que o homem tem, facultando que tentemos buscar a Deus, o que felizmente no nos impedido. Da idia de livre arbtrio que surge um esboo da distino moderna entre moral (interna, fruto do livre arbtrio) e direito (externo, fruto das convenes sociais). Por fim, Agostinho descreve as leis temporais: so as nossas leis (inspiradas por Deus, claro), que por serem imperfeitas (como ns somos) tendem a mudar freqentemente. A justia, valor ltimo para ns, definida por ele como sendo dar a cada um o que seu. Mas o que de cada um? Responde-se a esta pergunta afirmando que o seu as suas escolhas, o que se planta nesta terra.

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10 e 11Aulas Santo Toms de Aquino. Renascimento e modernidade. Maquiavel Fonte: Anotaes de Aula 5.4 Santo Toms de Aquino Toms de Aquino responsvel por fazer uma releitura de Aristteles, adaptando-o ao Cristianismo como foi feito com Plato por Santo Agostinho. A tarefa no foi nada fcil, posto que Aristteles pregava idias que aparentemente em nada se encaixavam no Cristianismo, como o caso da sua concepo de felicidade. Os textos de Aristteles, at ento se achavam perdidos ao longo do tempo, estando grande parte deles com os rabes; Toms de Aquino inclusive traduziu A poltica de uma verso escrita em rabe, e no do grego original. Ao falar sobre a justia, Toms de Aquino faz uma classificao parecida com a Aristotlica: justia geral, que seria a mesma justia natural de Aristteles (princpios, tendncias, universais e imutveis de justia presentes em toda e qualquer sociedade.), porm com a ressalva de que esses princpios teriam Deus como paradigma. Justia particular, que as convenes humanas, podendo-se dividir ainda em: justia distributiva: relaes Estado Homem, equilibradas de maneira vertical, com o Estado e o bem comum no topo, distribuindo justia segundo uma progresso geomtrica, ou seja, cada cidado recebe ou deve segundo o seu mrito e recebendo e devendo propores que aumentariam exponencialmente (se faz 2x, recebe 4x; faz-se 3x, recebe 8x); 10 justia

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Relembrando a matemtica, progresso geomtrica a seqncia numrica que segue uma ordem exponencial para determinar seus membros, seguindo a seguinte frmula: an = a1 . rn-1 , sendo a um nmero da P.G. (a1 o primeiro nmero), n o nmero seqencial do termo e r a razo da progresso (o nmero pelo qual se multiplicam os termos).Leilson Lima

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comutativa, que a distribuio justa entre particulares, estabelecendo uma relao vertical e distribuindo a justia segundo o mrito e seguindo uma progresso aritmtica.11 Toms ainda dita a existncia de 4 tipos de leis no mundo: Lei eterna: leis de Deus, incorruptveis e imutveis. So inacessveis em sua totalidade para ns, pois fomos delas separados pelo pecado original. Lei divina: palavra de Deus manifestada ao homem. Tratam-se das escrituras sagradas, regras ditadas por Deus12. No traduzem toda a lei eterna, apenas o que dela Deus quis revelar. Lei natural: participao do ser racional na lei eterna: momento em que o pensamento do homem coincide com a lei eterna. Lei humana: Convenes. Para uma lei humana ser justa, deve-se basear nas Escrituras ou na pura razo, fruto da ddiva divina. Dentro ainda da temtica de Aristteles, este dizia que o fim do ser humano a vida poltica, a atividade na plis. Santo Toms, ao tentar adaptar isso para o cristianismo, disse o seguinte: Aristteles no sabia de tudo por ser pago, no partilhava da razo divina; ele estava certo ao falar isso do homem enquanto considerado como cidado. Enquanto no Estado, o homem teria sim sua essncia construda dentro da sociedade, sendo o Estado um meio e no um fim. Para Santo Toms, o fim do homem enquanto pessoa humana seria a salvao de sua alma, sendo o Estado apenas um meio para atingilo. 6. Renascimento e modernidade O renascimento, ou renascena, o perodo de transio entre a idade mdia e a dita modernidade; seus termos, embora no precisos, so 1448 e 1789. O ano de 1448 considerado termo inicial do Renascimento em virtude da descoberta do Caminho das ndias e a ampliao do comercio martimo deu-se a o incio da globalizao. O ano de 1789 o fim do Renascimento e incio da modernidade; o evento marcante aqui, obviamente, a Revoluo Francesa. Nesta fase da humanidade, o conhecimento e o mundo, que at ento era Teocntrico, agora tem o homem como seu centro principal, torna-se um mundo antropocntrico. O jusnaturalismo e todo o direito sofrem nova transformao, como sofreu na Idade mdia: agora no mais um jusnaturalismo cosmolgico imanente, tampouco jusnaturalismo teolgico transcendente; trata-se de uma viso do direito e da justia totalmente voltada para o homem jusnaturalismo antropolgico. Tal movimento de transformao no ocorreu somente no campo jurdico, mas em todas as cincias, ficando conhecido como humanismo; volta s letras (ao greco-romano pensante) e abandono do teocentrismo. Os avanos nas artes e na medicina se deram em grande parte pelo abandono teocntrico e pela perda do poder poltico da Santa S: a Igreja proibia que corpos sofressem autpsia, por exemplo; tudo deveria ser primeiramente examinado pela Igreja, sendo ela detentora do poder de Deus na Terra. A perda do poder poltico papal se deu em face tanto do movimento renascentista quanto da reforma protestante Luterana que buscou resgatar os princpios bsicos fundamentais do Cristianismo e deu novos rumos f crist.11

Progresso aritmtica uma seqncia numrica na qual os nmeros so ordenados somando-se sempre um mesmo nmero, a razo da P.A., ao nmero anterior. Sua frmula an = a1 + r(n-1). 12 Um exemplo o declogo revelado a Moiss e transcrito pelas mos de Jeov para duas tbuas de pedra, posteriormente guardadas na Arca da Aliana. Cf. xodo 20; Deuteronmio (inteiro) e tantas outras passagens imperativas da Bblia.Leilson Lima

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Lutero obteve sucesso em sua reforma devido ao grande apoio poltico que teve por parte de reis e prncipes da poca, que buscavam escapar ao poder papal. Um dos grandes mritos de Lutero foi a traduo da bblia sagrada, que at ento s estava disponvel em latim, impossibilitando a leitura por parte dos incultos. A teoria do heliocentrismo de Coprnico tambm cooperou para a queda do poder da Santa S: em um momento, a Terra o centro de tudo; noutro, descobre-se que ela j no mais! Imaginem como no ficaram partidos os coraes da poca ao saberem desta nova! Pois bem, durante o Renascimento se d o trmino oficial da Idade Media (ou Idade das Trevas, como ficou jocosamente conhecida) com a queda do Imprio Romano do Oriente em 1453. 6.1 Maquiavel Nicolau Maquiavel conhecido como o pai da cincia poltica moderna, foi Secretrio da Repblica de Florena (2 chanceler) em uma poca na qual o que hoje conhecemos como Itlia era uma regio totalmente dividida em pequenas cidades-Estado, sujeitas a guerras freqentes. Maquiavel era um cara bem pessimista, antimetafsico e que tinha um pensamento estritamente prtico e realista da vida; no dizia como os homens supostamente so ou deveriam ser, mas descreve a realidade de fato, a verdade nua e crua obtida mediante sua observao emprica da vida poltica de sua repblica mentiras, traies, sofismas e maquinrios polticos de baixo escalo. O objeto dos estudos Maquiavlicos foi a formao poltica dos Estados. Analisando a estrutura poltica dos Estados existentes, o autor de O Prncipe define a finalidade primria do Estado como sendo tomar e manter o poder. Para Maquiavel, a poltica autnoma, no deve estar ligada a nenhum outro princpio seno o tomar e manter o poder soberano do Estado, logo a poltica no deveria ser fundada em aspectos jurdicos abstratos, mas alicerada na cincia e na histria. O poder soberano do Estado infinito, pode tudo. Com o poder soberano estvel que possvel ter um corpo jurdico eficaz.13 O poder soberano o que mantm slido e existente o prprio Estado. A mxima atribuda a Maquiavel os fins justificam os meios deve ser interpretada cuidadosamente tal mxima s vlida para o Estado e o fim deve ser o poder soberano, posto que sem ele nada existe dentro do poder estatal. Uma interessante comparao que se faz entre Maquiavel e Charles Darwin: Darwin est para a biologia assim como Maquiavel est para poltica. Darwin em sua teoria da seleo natural diz que a vida produz cegamente uma multiplicidade acidental de espcies; os seres que tm caractersticas que se adaptam mais ao meio prevalecem. Coisa semelhante acontece na poltica, segundo a viso de Maqui, porm a seleo natural poltica no era acidental como a seleo descrita por Darwin; uma seleo substancial que pode ser dominada se as virtudes polticas forem exercidas pelo prncipe. Quanto ao regime poltico que melhor se adapta finalidade proposta, Maqui no faz distino entre um e outro, apenas salienta que necessrio que o governante conhea e domine a finalidade estatal, enxergando sua lgica e exercendo as virtudes polticas. Maqui enxergava as virtudes da seguinte forma: Fortuna: trata-se de sorte ou azar, coisas que esto alm do alcance do homem; Virtude: aes relativas com a vontade; capacidade de autodeterminao dos indivduos valores;13

Lembrar aqui do exemplo da casinha cujo alicerce rui, demonstrado pelo professor em sala de aula.Leilson Lima

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Virtudes particulares: so os valores, tais como o arrolado por Aristteles como virtudes ticas so virtuosas as coisas que se perpetuam ao longo do tempo (no basta ser honesto hoje: para ser virtuoso, necessrio s-lo sempre); Virtudes polticas: capacidade de se adaptar, mudar. a competncia para contornar os males e benesses da fortuna estas virtudes jamais se misturam com as virtudes particulares, do contrrio a estabilidade do poder soberano ficar comprometida.

12 e 13 Aulas -Jean Bodin. Hugo de Grcio. Cristiano Tomsio. Thomas Hobbes Fonte: Anotaes de Aula 6.2 Jean Bodin Jean Bodin foi um pensador francs que viveu entre os anos de 1530-1596, seu legado foi explicar um pouco mais o tal do poder soberano, cujo mecanismo de funcionamento j havia sido descrito por Maquiavel. Segundo Bodin (ainda no gancho de Maquiavel) a soberania o poder mximo existente no Estado e na humanidade. O Estado valendo-se do poder soberano pode fazer qualquer coisa com o fim de preservar-se, qualquer coisa mesmo. Um exemplo dessa teoria est presente mesmo em nossa moderna constituio, podemos v-lo na exceo da pena de morte nos casos de guerra declarada (Art 5, XLVII, a); aqui a morte ser aplicada em casos como dissidncia de guerra, traio etc., tudo com o fim de proteger o Estado e o poder soberano. A clssica definio de soberania dada por Bodin vlida at hoje: Soberania o poder ilimitado, indivisvel, permanente e que no aceita outro acima de si. ( quase uma definio de Deus!) 7. Escola Clssica do Direito Natural Anteriormente j foi definido como o poder soberano funciona e o que ele , todavia ainda se faz necessrio legitim-lo saber o qu que permite a algum exercer o poder soberano, donde ele surge e porque ele existe.

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O direito natural j no mais buscado na natureza ou em Deus, mas agora vemos uma busca dentro da natureza humana; v-se o homem no centro do mundo. Crse aqui que existem certos direitos inatos do homem, direitos que no nascem de lugar nenhum, todavia so prerrogativas humanas. Seriam os direitos humanos que conhecemos hoje, bem como os direitos vida, liberdade, propriedade etc. Surge aqui como tentativa de legitimar o poder soberano a teoria de Contratualismo, na qual esse poder seria legitimado por uma espcie de contrato social, um pacto acordado pelos indivduos para tornar possvel a existncia de uma sociedade. 7.2 Hugo de Grcio Grcio viveu entre os anos de 1583 e 1645, idealizava a justia como sendo uma pura deduo racional, ou seja, qualquer homem que raciocinar puramente conseguiria alcan-la. Meditando sobre o poder soberano, Grcio buscava encontrar um princpio de direito que estivesse acima do Estado e do poder soberano, algo que prevalecesse ainda durante a guerra. Na verdade, ao meditar nisso, Grcio estava preocupado com o monoplio do poder soberano nas mos do monarca (pois ele ainda vivia no absolutismo). Intentava-se estabelecer limites ao exerccio do poder. Infelizmente, Grcio no teve sucesso no qu de tornar efetivas suas idias, posto que os monarcas continuaram a desmandar at a Revoluo Francesa. Esse princpio de direito e justia que Grcio buscava seria algo extremamente simples que o exercente do poder (e qualquer um tambm) poderia perceber simplesmente raciocinando; trata-se de um direito natural metafsico. um pensamento falho, porm, pois o agente pensante soberano faz o que quiser. Mesmo que encontre este tal princpio, pode muito bem no segu-lo! Ainda nessa de racionalidade, Grcio arrola trs regras fundamentais do Direito, que seriam extradas da pura razo: o Abster-se dos bens alheios; o Manter a palavra dada; o Reparar qualquer dano causado. 7.3 Cristiano Tomsio Tomsio viveu entre os anos de 1665 e 1728, sendo considerado um grande expoente do jusnaturalismo racionalista, tido como sendo o Ren Descartes do jusnaturalismo. Descartes possua a famosa teoria do cogito ergo sum (penso, logo existo), argia que no se pode ter certeza de nada at que aquilo se torne evidente; tudo teria que ser comprovado a partir da deduo, partindo de algo maior. Pode-se duvidar de tudo, segundo Descartes; deve-se duvidar de tudo. A prpria realidade pode ser duvidada, podemos estar em Matrix! A nica certeza possvel para Descartes a possibilidade da dvida. Ora, eu sempre, sempre, poderei duvidar das coisas, tal fato indubitvel. Partindo da, Tomsio definiu a liberdade como sendo essa mesma capacidade de duvidar citada por Descartes. No h determinismo para Tomsio, essa nossa faculdade ptrea de duvidar das coisas o que nos garantir sempre a liberdade o livre arbtrio. Note-se que aqui esse livre-arbtrio nada tem a ver com o livre arbtrio da doutrina crist, algo puramente racional, imanente e humano.

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Tomsio faz ainda a distino moderna entre moral e direito, sendo a moral o foro interno, a liberdade radical, e direito como sendo foro externo sanes que regulam o comportamento (no a conduta, pois essa moral) do homem em face da sociedade. 7.4 Thomas Hobbes Thomas Hobbes viveu entre os anos de 1588 e 1679, considerado o pai do contratualismo moderno e tido por alguns como pai do juspositivismo. Ao contrrio de Aristteles e sua teoria do zoon politkon, Hobbes no via os homens como naturalmente sociais; enxergava uma mecnica universal que de alguma maneira jungia os homens, sendo esta concepo influncia de Galileu. Tal mecnica era operada como so os tomos: por meio de atrao e repulso, salpicadas por coisas como apetite, desejo, averso, enfim, um processo, um movimento mecnico que liga os homens. O que diferencia os homens dos demais seres vivos a sua alta capacidade racional e inovadora, pois os animais tm limites, os homens no. Um animal frente morte iminente s far o que lhe possvel e limitado: a vaca berrar, dar coices, dar cabeadas, morder, pisar ; o homem capaz de fazer qualquer coisa. Alm do mais, segundo Hobbes, o homem possui substncia essencialmente egosta e um instinto de sobrevivncia que est acima de tudo; tal coisa inevitavelmente leva a uma guerra de todos contra todos, pois o homem sempre ia fazer de tudo para preservar sua vida e seus interesses. Da a famosa frase homo homini lupos est (o homem o lobo do homem), significa que o homem seu prprio algoz, seu predador. Ora, o que vemos hoje em sociedade no uma guerra de todos contra todos, e sim um mnimo de sociabilidade e respeito s normas sociais, porm nem sempre foi assim, pelo que Hobbes diz. Em sua obra, o autor teoriza sobre um tal estado de natureza, uma concepo terica (no histrica) que narra um estado absolutamente sem leis, sem nenhum poder soberano, onde todos estavam contra todos tentando sobreviver egoisticamente. No se poderia viver assim por muito tempo sem levar a humanidade extino, logo os homens fizeram uma espcie de contrato social, um pacto firmado por todos os homens para evitar a guerra de todos contra todos, assim permitindo artificialmente a convivncia humana por meio da lei nasce o estado civil, ou a sociedade propriamente dita. No tal do contrato social, as pessoas alienavam suas liberdades naturais em prol da segurana normativa, produzindo assim um ente superior que teria vontade prpria para preservar a sociedade; este ser descrito por Hobbes como sendo O Leviat O Estado. O Leviat um monstro mitolgico que vivia no mar e no possua corpo prprio; seu corpo era formado pelos cadveres dos marinheiros que ele comia ao afundar os barcos. Ao identificar tal monstro com o prprio Estado, Hobbes quer dizer que os corpos que o compem so os nossos e a sua vontade independente, somos apenas sua carcaa. Tal monstro descrito por Hobbes como possuindo uma espada na mo direita e um bculo (cetro) na mo esquerda. A espada a capacidade do uso da fora, de fazer acontecer; o bculo representa o poder soberano. Thomas Hobbes ao dissertar sobre o que seria direito natural, diz que este seria a possibilidade de fazer tudo que necessrio para preservar a vida e a liberdade. No se trata de tendncia para o bem, tampouco nenhuma das coisas romnticas idealizadas pelos filsofos de at ento. A lei seria aquilo que ordena sem dar razo. Ora, uma lei no precisa convencer as pessoas sobre o que ela visa; lei serve para dar ordem ao Estado e ao comportamento humano. impossvel existir leis no estado de natureza, posto que l asLeilson Lima

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pessoas s se valem da razo para preservar sua vida, no haveria sentido algum em obedecer algo que no se mostrasse razovel e til. A natureza da justia Hobbiniana resumir-se-ia em manter os contratos. Adotando aqui uma tica aparentemente positivista, Hobbes afirma que a tal da justia tanto almejada no possvel no estado de natureza, onde no h ordem; a justia s possvel dentro do Leviat, onde h poder efetivo para que o determinado nos contratos (inclusive no contrato social) seja cumprido. Tal ponto polmico, porm adotamos esta teoria. Outra coisa que s possvel dentro do Leviat o direito de propriedade. Tal direito nada mais seria do que um grande contrato feito entre um indivduo e todos os demais: o titular do direito de propriedade tem o direito de usar e gozar do bem, enquanto todo o resto da sociedade tem o dever de abster-se dele. Simples assim. Ainda nas leis, Hobbes as divide em: - Distributivas: so aquelas criadas pelo Leviat para possibilitar a convivncia saudvel dos homens em sociedade; - Penais: servem para punir o cidado que agride a sociedade e o contrato social. Tais leis no se dirigem ao cidado, e sim autoridade competente para verificar o enquadramento do fato norma e executar juzo revestido do poder do Leviat. Ora, ningum precisa conhecer a norma penal, posto que ningum ir, em s conscincia, aplic-la a si mesmo! 7.4.1 Separao Igreja-Estado Como poca de Hobbes a Igreja ainda no era separada do Estado, o autor prega tal separao alegando que os indivduos no podem estar submetidos a dois poderes soberanos: ningum pode ter mais medo do inferno do que de cumprir as ordens do Leviat! Com isso, a religio e a liberdade de crena foram sendo reduzidas esfera privada e subjetiva do indivduo, no devendo sair desta. O sujeito s livre para fazer o que quer at que os seus atos excedam a esfera do privado: quando uma testemunha de Jeov nega transfuso de sangue a seu filho menor, ela excede esse limite e o Estado pode intervir a fim de assegurar a vida, que o bem maior.

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14 Aula John Locke. Fonte: Anotaes de aula 7.5 John Locke Ainda na escola clssica do direito natural, temos John Locke como um dos seus maiores expoentes. Locke viveu entre os anos de 1632 e 1704, considerado como pai do empirismo ingls e terico da teoria contratualista, como Hobbes e Rousseau, porm mais otimista. Como j sabido, o contratualismo prega que a sociedade como hoje a vivemos fruto de um contrato social imaginrio, criado para estabelecer leis e regras de comportamento, a fim de escaparmos do estado de natureza. Hobbes, com sua mxima homo homini lupus est, acreditava que fatalmente a convivncia no estado de natureza levaria a uma guerra de todos contra todos, que seria evitada pelo contrato social. John Locke, otimista, discorda de Hobbes quanto finalidade do contrato e das conseqncias do tal estado de natureza. A racionalidade encarada por Locke como ddiva divina, que tornaria o homem capaz de reconhecer os direitos naturais dos outros e de resolver seus conflitos apenas dialogando, posto que isto inerente sua racionalidade. Animais no conseguem dialogar, se um pedao de carne for jogado na frente de dois ces, certamente os dois se engalfinharo para pegar a carne; o homem teria a possibilidade de dialogar e chegar a um acordo, dividindo o tal bife. A razo ento, certamente nos levaria a reconhecer o que reto, o que justo, posto que tal coisa ddiva do Criador. Usando a racionalidade, segundo Locke, todosLeilson Lima

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seriam capazes de reconhecer e respeitar os direitos naturais do homem, sejam eles vida, liberdade e propriedade. Tais direitos j estariam presentes no estado de natureza e seriam inalienveis. A propriedade defendida por Locke como direito natural justificado pelo trabalho: todos que enxergassem que algum trabalhou para ser proprietrio de algo, respeitaria aquele direito. uma viso bem interessante de justificar algo aparentemente impossvel no estado de natureza, que em contraste Hobbes afirma que s nele existiria posse, posto que a propriedade um contrato impossvel de ser garantido fora do Leviat. Ora, se todos se respeitam ao usar a razo no estado de natureza, para que criar o tal contrato social, ento? Locke aponta que, embora sejamos racionais, ns temos paixes (amor, dio, ira, inveja, vaidade) e essas paixes quebram a estrita racionalidade e fazem o homem passar por cima dos direitos naturais. Saliente-se ainda que impossvel ter um juiz imparcial, posto que este sempre ter alguma paixo dentro dele, poderia fazer justia virar vingana. Logo, a finalidade do contrato criar leis para reger os homens, leis racionais e sem paixes, a fim de garantir os direitos naturais de todos. Desta maneira, delegaramos a nossa liberdade ao poder soberano a fim de proteger os direitos naturais que j possumos. Note-se que na viso de Locke o Estado no cria direito algum, apenas os assegura; trata-se da figura do Estado mnimo. Interessante , na abordagem de Locke, o direito de revolta que temos contra o Estado: por apenas delegarmos, e no alienarmos nossa liberdade, temos o direito de pegla de volta, caso o Estado no atenda s suas finalidades. Se o Estado fosse alm de suas funes mnimas de proteger e fomentar os direitos j existentes, surgiria o nosso direito de revolta. Locke descreve trs funes mnimas do Estado: -Conservar e regular a propriedade; -Organizar uma fora comum: organizar foras armadas a fim de defender a soberania e a integridade do Estado, bem como foras policiais para defender a ordem interna do mesmo; -Garantir os bens pblicos: manter os bens mnimos para funcionamento do Estado, tais como prdios pblicos etc, nada de Petrobrs ou INSS! A teoria da tripartio dos poderes segundo Locke seria em Legislativo, executivo e federativo. Legislativo: o poder mximo do Estado, exercido por cidados eleitos de alguma forma pelo povo, incumbidos de fazer as leis que possibilitam a convivncia humana. Note-se que no h harmonia dos poderes na viso Lockeana, trata-se de submisso s leis e primazia do contrato e sua finalidade. Executivo: responsvel por colocar as leis em prtica, execut-las e administrar o Estado segundo o primado da lei. O poder judicirio aqui seria exercido pelo executivo tambm. Federativo: poder responsvel por cuidar das relaes internacionais com as outras soberanias. Como Locke ainda vivia no absolutismo, temia que o governante chefe do executivo estabelecesse relaes com seus caros em outros pases a fim de restabelecer toda a soberania em sua mo; eis o motivo de criao deste terceiro poder. Com Locke o exerccio da soberania deixa de ser absolutista e totalitrio, resolvendo o problema da total centralizao do poder soberano nas mos de um s, agora passaria a haver uma diviso de competncias no seu exerccio; internamente o Estado se conservaria ilimitado e se tornaria liberal.

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15 Aula - J.J. Rousseau Fonte: Anotaes de Aula 7.6 Rousseau Jean Jacques Rousseau foi um filsofo pertencente Escola Clssica do Direito Natural que viveu entre os anos de 1712 a 1778. Preocupado com a liberdade e o balanceamento entre o absolutismo totalitrio da razo de Estado proposta por Maquiavel e o liberalismo individualista de Locke, Rousseau prope novas idias ao contratualismo. Segundo Rousseau, o estado de natureza no seria o mata-mata de Hobbes, tampouco a benevolncia racional descrita por Locke, mas sim um estado onde as desigualdades s existiriam devido diferena de foras de cada um e seriam limitadas pela mesma, como funciona no mundo animal. O trmino do estado de natureza, para Rousseau, se daria pela origem da propriedade. A propriedade surge no momento em que algum declara que uma coisa sua e o seu grupo social legitima tal coisa. O surgimento da propriedade seria uma espcie de pecado original para Rousseau, algo que nos separou definitivamente e eternamente do estado de natureza e proporcionou uma desigualdade no mais circunstancial e limitada pelas foras, mas sim ilimitada como veremos mais adiante. Frise-se aqui que tal conceito de propriedade no est limitado apenas propriedade material, mas sim a tudo que declarado como meu, teu ou nosso: minha vida, meu direito, meu trabalho... A partir do momento da criao da propriedade, necessria a instituio de um poder para proteger a propriedade e os direitos decorrentes dela, logo aprofundada a desigualdade, que se torna ilimitada. No contrato social criado para proteger a tal daLeilson Lima

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propriedade, o que negociado , como sempre, a liberdade. A partir da instituio de tal poder, uns tornam-se fatalmente mais poderosos do que outros quando revestidos de poder, o que no acontecia no estado de natureza. Seria impossvel escravizar algum ou um grupo mediante o uso da fora individual to somente, tal coisa s se faz mediante o poder social. Para Rousseau, num contrato social ideal, seria feita uma troca da liberdade natural pela liberdade civil, sendo esta um produto do Estado, consistindo numa liberdade de se autodeterminar na esfera poltica. S poderamos adquirir esta liberdade civil em uma democracia direta, onde o povo fizesse as leis sem representantes. Frise-se aqui que tal conceito se traduz numa sociedade utpica, um ideal a ser buscado, um horizonte. Rousseau faz dura crtica a John Locke e sua democracia representativa, afirmando que impossvel delegar a liberdade, pois ningum pode ser livre pelo outro! Neste ponto Rousseau se assimila mais com Hobbes, posto que este acreditava que a liberdade era alienada ao Estado, no se podendo tom-la de volta. Ainda em contraponto com Locke, Rousseau afirma que no possvel a revolta contra o Estado, bem como impossvel sua dissoluo, posto que impossvel voltar ao estado de natureza, devido propriedade. A partir do momento em que o Estado destrudo, a sociedade ser vtima de dominao poltica por parte de outra sociedade, assim virando sua serva. Acabar com o Estado contraria a vontade geral. A tal da vontade geral definida remotamente por Rousseau como sendo a vontade do Estado orientada para a proteo da liberdade civil. No se trata da vontade da maioria numrica das pessoas, tampouco do que todo mundo quer, mas sim da prpria finalidade do contrato social. Essa tal vontade geral deve assegurar a liberdade, a igualdade e a justia dentro do Estado, mesmo contra a vontade da maioria. Por fim, Rousseau, como j sabido, define a soberania como sendo inveno da propriedade, conceituando como o poder uno, ilimitado, indivisvel, indissolvel, que deve ser exercido pelo povo.

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16 e 17 Aulas Imannuel Kant Fonte: Anotaes de aula. 7.7 Kant Imannuel Kant, doravante chamado apenas de Kant, foi um filsofo, ainda pertencente escola clssica do direito natural, que viveu entre os anos de 1724 e 1804. Pode-se dizer que este homem fez uma revoluo copernicana na filosofia, posto que mudou todo o jeito de se pensar, dando-nos uma nova perspectiva sobre o mundo. A relembrar, Coprnico foi o terico do heliocentrismo, que mudou o modo de se ver o mundo: Coprnico provara que no somos o centro do universo, mas que nosso planeta gira em torno de outro astro maior. Quando se pensa na questo, que hoje parece boba para muitos, chega-se concluso de que todos pensavam que a Terra era o centro do universo por uma simples razo: era o que eles viam. Ningum percebe a Terra girando por ai, logo todos chegaram concluso de que ela est parada e que os girantes so os outros astros. Algo anlogo ao feito de Coprnico foi o feito de Kant. poca que Kant vivia, duas correntes filosficas imperavam e lutavam entre si, eram elas o racionalismo e o empirismo. Explicando bem toscamente cada uma delas, pode-se dizer que o racionalismo afirmava que o conhecimento s pode ser adquirido mediante o puro uso da razo, ela seria o instrumento maior para conhecermos. Para a corrente empirista, o conhecimento s possvel mediante a experincia, s possvel conhecer algo quando possvel senti-lo, v-lo acontecer. Kant deu um basta nesse impasse. Nosso amigo sintetizou a sensibilidade e o entendimento, o emprico e o racional, mostrando que s podemos conhecer os fenmenos, isto , a forma pela qual percebemos a realidade, mediante as categorias experincia (formas de tempo e espao) eLeilson Lima

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de entendimento (categorias de substncia, quantidade, qualidade, atividade, causalidade etc). Logo, tudo percebido por intuio e/ou entendimento. Singelamente, Kant nos fala que o mundo percebido pela harmonia entre o dado e o construdo. As noes de tempo e espao no esto no mundo, mas sim em nossa mente: so formas de percepo que usamos para poder conhecer as coisas. Todos sabem o que o tempo e o espao, porm ningum sabe defini-los com exatido, haja vista que so noes abstratas. Quanto s categorias de nosso entendimento, verifica-se que todas as coisas possuem e podem ser atribudas a quantidade, atividade, causalidade, atividade... Vejamos uma sntese entre a intuio e o entendimento, conhecendo certo objeto, seja ele uma moto: a moto ocupa um certo espao; perdura-se no tempo; feita (tem substncia) de metal, plstico, tinta etc; sua atividade andar por a, ou simplesmente existir; a causa dela existir porque algum a construiu l na montadora; a quantidade dela uma s; possui n qualidades. Enfim, a qualquer coisa que penses, podes conhec-la mediante as formas percepo tempo e espao (que s existem na tua cabea, mas existem) e as outras formas de entendimento, que j vimos anteriormente. Para Kant, todo conhecimento se forma mediante juzos, proposies de sujeito e predicado. Kant classifica os juzos em sintticos e analticos. Os juzos analticos so os que explicitam algo que j est contido no sujeito do predicado. Um exemplo de juzo analtico o que diz que todo tringulo tem trs lados; ora, tal coisa bvia! impossvel conhecer o que um tringulo sem saber que ele tem trs lados; se assim no o fosse, no seria tringulo. Os juzos sintticos so os que sintetizam algo que no est implcito no sujeito, algo que tem de ser descoberto. Haveria ainda duas espcies de juzos sintticos: a posteriori e a priori. Os juzos sintticos a posteriori so aqueles que so obtidos depois da experincia. So juzos sempre relativos e contingentes, posto que variam muito de acordo com as circunstncias da experincia, da pessoa do experimentador e por a vai. Os juzos sintticos a priori so aqueles obtidos independentemente da experincia. Exemplos dos perfeitos juzos a priori so os juzos matemticos e os juzos lgicos. No necessria experincia alguma para saber que a soma dos ngulos internos de qualquer tringulo de 180 graus, haja vista que uma concluso lgico-matemtica. Saindo um pouco das formas de conhecer, chegamos a um conflito resolvido por Kant, qual seja, o conflito entre liberdade e determinismo. Segundo a perspectiva determinista, tudo que fazemos fruto de uma srie de causas que nos levam prtica de nossos atos, logo no h liberdade, somos determinados por uma srie de causas. Kant descobre e demonstra que a causalidade no um fator que estrutura o mundo, o mundo no est preso a uma srie de causas e conseqncias, posto que a causalidade apenas uma das formas de nosso entendimento, ela s existe dentro de nossas mentes para que possamos entender e conhecer as coisas que existem. Portanto, a causalidade mero instrumento de nosso conhecimento, ns somos capazes de nos autodeterminar e ser livres, sem nos prender a qualquer determinao. O grande problema quando do estudo kantiano entender o que a liberdade para Kant. A liberdade seria um fruto, um fato, exclusivo da razo. Seres irracionais no possuem liberdade. Para Kant, a liberdade no fazer o que quiser, mas sim o reconhecimento do dever (lei moral) em relao s leis naturais, ou seja, ser livre ser moral e vice-versa. Kant evidencia o conflito entre, nos seus termos, o sin (ser) e o sollen (dever, ou dever ser). Ora, ns somos de um jeito, temos determinaes das quais no podemos fugir, v.g. a fragilidade da vida e a fatalidade do erro; todavia possumos deveres morais que temos de cumprir, sob pena de no estarmos sendo livres, mas determinados por nosso sin.Leilson Lima

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possvel agir conforme o dever, sendo heternomos, ou seja, obedecendo outra norma, ou ento agirmos por dever, conforme os deveres de nossa conscincia, advindos to somente dela mesma e de mais nenhum lugar. No ltimo caso, para Kant, estaremos sendo livres, respeitando os direitos naturais que todos temos e que somos capazes de reconhecer mediante a nossa conscincia. uma coisa muito complicada mesmo; se fosse fcil, no estaria no curso. Pois bem, frente a essa difcil definio de liberdade, como saberemos quando estamos sendo livres ou no? Kant nos responde com um imperativo categrico: faa somente o que a cada vez possa servir de lei universal. Traduzindo: antes de fazer algo, pense como seria se todo mundo fizesse a mesma coisa; se o resultado for bom, faa, mas se resultar num caos, no o faa. S assim possvel saber se estamos sendo livres kantianamente, somos livres se somos morais; somos livres se o que fazemos o dever. Enquanto seres morais e, conseqentemente, racionais, estamos submetidos a duas ordens legais: a imperatividade do dever, que no possui sano, posto que autnoma; e a legalidade do direito, que possui sanes, haja vista a sua heteronomia. Para Kant, a essncia do direito a sua coao, a qual existe para nos fazer agir de acordo com o dever. A ameaa da sano o que faz as pessoas agirem conforme o dever, e assim possibilita que os outros sejam livres, na acepo kantiana do termo. O dever se traduz no imperativo de considerar toda pessoa como um fim em si mesma, desta forma respeitando-a. No preciso filosofar para descobrir isto, Jesus Cristo j o disse h dois mil anos: Amaras a teu prximo como a ti mesmo.14 Todavia um problema suscitado o seguinte: se a essncia do direito a coao, ento o direito restringe a liberdade? Kant responde! A coao do direito aplicada em quem no livre na acepo kantiana do termo, pois algum livre e, por conseguinte, moral, no precisar sofrer sanes, posto que os livres cumprem o seu dever. O direito serve para proteger quem livre de quem no o . Uma norma jurdica que obriga comportamentos que vo contra o dever no merece ser chamada de direito. Passemos ao conceito de direito kantiano: conjunto de condies sob as quais o arbtrio de cada um pode se conciliar com o arbtrio dos demais segundo uma lei universal de liberdade. A frase sintetiza o dito no pargrafo anterior. Para Kant, todo ser racional seria capaz de distinguir a priori quatro instituies bsicas de direito: a pessoa (tudo aquilo que capaz de se autodeterminar), o Estado, a propriedade e a pena criminal, itens que sero discorridos posteriormente. Kant tambm era contratualista, porm o seu contratualismo via os elementos do contrato de forma diferente: o estado de natureza seria o estado onde existiria justia comutativa, onde todos teriam plena liberdade e agiriam conforme o dever. Obviamente, tal estado seria impossvel, logo qualquer ser racional firmaria o contrato social, fruto da razo pura prtica, assim possibilitando a sociedade civil e a justia distributiva, que seria o prprio direito. Por fim, Kant aperfeioa e muito a idia de vontade geral de Rousseau, definindo-a claramente: a universalidade da razo prtica (dever), na qual o indivduo toma parte como legislador, para realizar o mundo da liberdade. Ora, o sollen o mesmo para todos, logo todos compartilham de tal vontade e conhecem esse mesmo ideal, o qual se traduz numa vontade de todos.

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Marcos 12:31.

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18 e 19 Aulas Ainda Kant. Historicismo Jurdico. Savigny. Fonte: Anotaes de Aula. Retomando a aula anterior, resta necessrio ressaltar um aspecto importante da filosofia Kantiana que esquecemos de explicitar anteriormente, qual seja, o texto paz perptua. Neste texto, Kant prediz a criao da ONU, ele idealiza que um dia todas as naes se uniriam a fim de resguardar o direito natural e a liberdade de todos, haja vista que todos possumos o mesmo dever. Passando ao ponto que interessa, Kant fazia uma classificao dos direitos naturais em duas espcies: direitos reais e direitos pessoais. Os direitos reais so o que no nosso diploma civil chamamos de direito das coisas; so direitos inerentes propriedade, uma das instituies bsicas universais do direito para Kant. Dentre as formas da constituio dos direitos reais, figurariam a apropriao original e a transmisso: apropriao original, ou aquisio originria, aquele direito que se constitui a partir de certo ato de tomada de posse, onde a coisa no pertencia anteriormente a ningum. Transmisso o ato pelo qual as pessoas passam os seus direitos reais para outras pessoas, v.g. num contrato de compra e venda. Kant salienta ainda que o exerccio dos direitos reais sempre estaria condicionado pelo dever, posto que tais direitos no poderiam ser exercidos em detrimento da liberdade alheia, como no caso da especulao imobiliria, por exemplo. Seria uma afronta liberdade alheia se um sujeito comprasse vrios prdios a fim de ret-los incuos at que a regio onde eles se situam se valorize, pois tal ato feriria os direitos alheios de exercer livremente os seus direitos reais, impossibilitando seu exerccio. No tocante aos direitos pessoais, estes no seriam de forma alguma direitos sobre as pessoas, mas sim um mister de direitos e obrigaes decorrentes dos contratos. As pessoas no podem ser objeto de direitos reais, posto que elas possuem dignidade, logo as obrigaes a que ela se obriga s se legitimam mediante o contrato, ressalvado o princpio da autonomia da vontade, da liberdade de contratar. No existe apropriao original de direitos pessoais, posto que ningum pode se apropriar de uma pessoa, dada sua dignidade.Leilson Lima

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Ainda na vereda dos direitos pessoais, importante ressaltar dois exemplos polmicos sobre os quais o alemozinho discorre, sejam eles o casamento e o ptrio poder. No nosso atual sistema civil, o casamento tem uma estranha estrutura mista: meio ato, meio negcio jurdico; todavia no tempo de Kant e na realidade, o casamento no passa de um contrato. Todo contrato tem um objeto e dele decorrem obrigaes. O objeto do casamento o cnjuge, aquele com quem se casa; as obrigaes do casamento so variadas, mas uma obrigao certa: a fidelidade sexual. Em que pese o casamento transformar a pessoa numa coisa, na acepo kantiana do termo, ele legitimado pela autonomia da vontade e pela bilateralidade: s casa quem quiser, trazendo a mesma obrigao sexual para os dois. Quanto ao ptrio poder, em que pese o filho ser uma criatura de seu pai, isso no lhe d o direito de trat-lo como coisa, pois o filho uma pessoa em potencial, deve ser tratado como um fim em si mesmo. Outro problema a inexistncia de contrato algum entre pai e filho, pois este no pediu para vir ao mundo. Em razo desta ausncia de autonomia da vontade, decorrem as obrigaes paternas e maternas de cuidar dos filhos at a sua maioridade (seja ela quando for!), sendo esta a razo de ser imoral abandonar o filho ao deus dar. Saindo da esfera dos direitos reais e pessoais, chegamos ao direito penal. poca de Kant, brilhava o movimento humanitrio liderado por Beccaria, Bentham e Paley, os quais pregavam um carter utilitrio para o direito penal. Estes autores pregavam que as penas deveriam servir para fins prprios em sociedade, os criminosos deveriam ser punidos de uma maneira tal que seja til pra sociedade, no para assustar ou dar exemplo. Kant discordava veementemente dessa vertente utilitarista, aduzindo que seria imoral usar uma pessoa como se fosse uma coisa, um instrumento social. Para Kant, constitui-se at mesmo um dever moral com o criminoso a sua punio de acordo com o dano causado liberdade alheia. A pena no se trataria de um clculo para otimizao dos bens sociais, mas sim um dever moral de retribuir o mal causado. Aqui entramos no to discutido conceito de dignidade kantiano. Na esfera social humana, tudo tem preo ou dignidade; o que tem preo pode ser substitudo por outra coisa equivalente; o que tem dignidade est alm de qualquer peo e no admite equivalente. A dignidade seria ento uma qualidade inerente a todo ser humano que o faz digno de respeito enquanto pessoa e insubstituvel; tal coisa no pode ser valorada, logo no se pode usar um criminoso para nenhum fim. Como exemplo de paradoxo entre utilitarismo e moralidade, Kant narra uma pequena historinha: imagine que numa certa cidadezinha existem dois grupos, uma maioria e uma minoria que tm uma rixa entre si. Um homicdio acontece e logo se considera suspeito um famoso criminoso pertencente ao grupo minoritrio, sendo que o delegado de polcia manda prender o sujeito. Durante o curso do inqurito policial, o delegado descobre que esse sujeito no cometeu o tal homicdio, porm depara-se com a seguinte situao: soltar o sujeito e provocar uma guerra entre a maioria e a minoria, ou deix-lo preso, dada a sua conhecida fama criminosa? O mais til deix-lo preso, mas isso imoral para Kant. Para o alemozinho, o clculo da pena deve ser feito seguindo o jus talionis, retribuindo ao criminoso a ofensa liberdade por ele causada: se roubou, pegue o seu patrimnio; se estuprou, corte o seu pinto; se matou, mate-o. algo absurdo, Kant admite, mas a nica sada moral. Neste ponto Kant j est superado. 8. Historicismo e filosofia jurdica Com o fim da Escola Clssica do Direito Natural, doravante referida como ECDN, iniciado um novo movimento na filosofia jurdica, o qual chamado deLeilson Lima

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Historicismo. O direito agora passa ser pensado no mais a partir da natureza, no mais a partir de Deus e no mais a partir da razo pura, mas sim a partir da histria e de seu decorrer. A partir daqui, rompe-se com a tradio para fazer revoluo. 8.1 Savigny Dentre os expoentes do Historicismo, figura como primeiro deles Friedrich Carl von Savigny, o qual passa a fazer dura crtica ao pensamento jurdico iluminista. Dizia Savigny que impossvel deduzir todo direito a partir da pura razo, bem como o mesmo no poderia ser um simples produto do arbtrio legislativo, mas o direito seria uma produo histrica do volksgeist (vontade do povo). No dizer do alemo, tudo estaria relativizado na histria, tudo seria fruto das tradies de determinada poca. O prprio iluminismo racionalista no passaria de um momento histrico, assim como o foi o jusnaturalismo cosmolgico, o jusnaturalismo transcendente etc. O tal do volksgeist seria o conjunto de tradies de um povo, sejam elas a lngua, os costumes, a religio, o humor, a poltica etc. O humor tem um carter peculiar em cada nao: se um brasileiro chegar na Inglaterra e ouvir certas piadas de um ingls, certamente no achar graa alguma, posto que no entender muito bem seus trocadilhos nem a comicidade das situaes narradas. Savigny pregava que o costume a principal fonte do direito de um povo, fazendo uma interessante comparao entre a lngua e o direito. O direito seria a lngua de um povo, algo vivo e em constante movimento, algo que por mais que se brigue, no muda. A lngua viva, muda a cada momento e vai ganhando novos verbetes, novas pronncias e acepes. O direito positivo, a lei, assemelhar-se-ia com a gramtica: uma sistematizao da lngua. A gramtica nada mais do que uma ordenao lgica da lngua falada, que ainda assim pode ser desrespeitada frente realidade dos fatos. A codificao, na viso Savignyana, seria uma solidificao intil do direito, que, embora o ordenasse, faria com que ele ficasse parado, esttico no tempo, ao contrrio do volksgeist. Admitindo que no fossem feitas codificaes e as leis ficassem esparsas no ordenamento jurdico e no tempo, o jurista deveria se valer de um mtodo intuitivo para saber qual lei aplicar no caso concreto. Tal intuio jurdica seria um mtodo para apreender os institutos, os costumes jurdicos presentes no volksgeist. Esse mtodo seria composto de quatro elementos dos quais o jurista se valeria para sentir o direito, sejam eles os elementos gramatical, lgico, histrico e sistemtico (cada um deles j foi descrito nas aulas de hermenutica). Em suma, Savigny acreditava que o direito uma manifestao constante da vontade do povo, que no pode ser solidificada por cdigos, mas apreendidas por meio do mtodo intuitivo e seus elementos.

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20 e 21 Aulas Hegel e introduo a Marx. Fonte: Anotaes de aula. 8.2 Hegel Hegel foi um filsofo pertencente ao movimento historicista jurdico que viveu entre os anos de 1770 e 1831. No Historicismo Jurdico, como j vimos, assistimos a uma nova transformao do parmetro objetivo de justia: ele no mais buscado na natureza, nem em Deus, nem na razo; agora o parmetro objetivo de justia est na histria. Primeiro, cumpre salientar que Hegel era louco e seu pensamento no faz sentido algum, logo meio complicado explic-lo. Para se ter noo do quanto o cara era louco, ele pensava que era a conscincia absoluta do universo; pensava que era capaz de enxergar o universo em sua totalidade, e no parcialmente, como teriam feito os outros filsofos. Ai, ai. Hegel pensa tudo com base na histria, mas de um jeito diferente. A concepo normal de histria e da linha do tempo uma concepo retilnea: primeiro acontece uma coisa, depois outra, depois outra e assim em diante, seguindo uma linha reta sucessiva do tempo-espao. Para Hegel, a histria no segue essa linha reta, mas um ente, um ser vivo que se perdura ao longo do tempo num processo dialtico incessante. Tal conceito parte do chamado pantesmo, concepo na qual Deus seria o prprio universo, ele estaria em todas as coisas, no num mundo transcendente, logo o universo seria o prprio Deus. Hegel pega esse conceito e o transforma; para Hegel, Deus a histria e a histria o universo, pois o universo um incessante processo dialtico histrico. No parece fazer sentido algum, verdade, mas ele pensava assim... Voltando um pouco no tempo, devemos definir o princpio lgico da contradio. Este princpio nos diz que uma coisa no pode ser e no-ser ao mesmo tempo e nas mesmas circunstncias: uma flor no pode ser vermelha e no-vermelha ao mesmoLeilson Lima

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tempo; um homem no pode ser jovem e velho ao mesmo tempo. Parece algo realmente bvio, mas de grande valia. Hegel revoluciona tal princpio com a seguinte tese: quando que afirmamos algo sobre alguma coisa, negamos algo tambm em relao quilo. Toda vez que dizemos que uma flor vermelha, na verdade dizemos que ela no branca, nem azul, nem rosa, nem amarela e por a vai. Na viso Hegeliana, a contradio o motor dos conceitos e da histria ao mesmo tempo, todo o universo est num processo dialtico de eterna contradio. A dialtica hegeliana seria o processo que estrutura toda a realidade, sendo que a dialtica sempre consiste na contradio entre uma tese e uma anttese, da qual resultaria uma sntese, a qual se tornaria uma tese novamente, contrapondo-se a ela uma anttese e novamente sobrevindo uma sntese e por a vai. Para ilustrar esta loucura, imaginemos uma guerra. Em uma guerra, sempre h um grupo que luta com outro grupo; ao final da guerra, sempre o grupo mais forte prevalece. O primeiro grupo, dialeticamente, seria a tese, o segundo a sua anttese, o grupo que vencesse seria a sntese, a qual findaria entrando em uma nova guerra e num novo processo dialtico incessante. Tudo para Hegel estruturado dialeticamente, logo o conhecimento, a episteme, tambm no poderia deixar de s-lo. Na doida viso Hegeliana, no se obtm conhecimento contemplando as coisas, necessria a prxis. Para adquirir conhecimento, deve-se interagir com o mundo, devemos ser sempre uma anttese ao objeto alvo do conhecimento. O objeto a se conhecer seria uma tese, ns seramos uma anttese a ele, e o conhecimento seria a sntese entre os dois. No tocante liberdade, Hegel tambm a v dialeticamente como um processo histrico. Tudo que temos hoje seria fruto da evoluo histrica, partindo dos gregos, passando pelos romanos e chegando ao conceito de cidadania da modernidade. A liberdade grega era a liberdade pblica, a capacidade poltica de participar da plis; para um grego, ser homem era ser poltico. J para os romanos, seu grande baluarte era as liberdades privadas; todos podiam fazer o que quisessem enquanto cidados no seu mbito privado, o que gerou grande parte do direito civil que hoje conhecemos. Na modernidade, assistimos a uma sntese entre as liberdades pblicas e privadas, nascendo o conceito de Estado e de cidadania, surgindo uma nova espcie de liberdade. Como se v, a liberdade passaria sempre por um processo dialtico, aperfeioando-se cada vez mais. Em contraponto Kant e a todos os iluministas, Hegel considera a distino entre sin e sollen arbitrria, no admitindo a existncia de leis imutveis de justia. Na viso hegeliana, essas leis imutveis seriam apenas imaginao dos naturalistas: a nica coisa que existe a liberdade, e esta histrica, est constantemente mudando e se aperfeioando. Agora se chega parte interessante da coisa, o esprito (geist). O esprito aqui no tem a costumeira concepo religiosa, mas a prpria essncia do universo e da realidade, sendo realizado pela liberdade. O esprito, como no poderia deixar de ser, estrutura-se dialeticamente em esprito subjetivo, esprito objetivo e esprito absoluto. O esprito subjetivo, como o prprio nome j diz, o esprito de cada um de ns, dos indivduos. Tal esprito estrutura-se dialeticamente em: 1. Conscincia: Saber das coisas, conhecer os conceitos, conhecer os objetos; 2. Autoconscincia: Conhecer a si mesmo; 3. Razo: sntese da conscincia e da autoconscincia, posicionando-se dialeticamente no mundo em: a) Linguagem: forma pela qual nos expressamos;Leilson Lima

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b) Luta: encontro de duas vontades, relao de uma conscincia com a outra; c) Trabalho: Sntese das duas anteriores, capacidade de transformar a natureza em cultura. Passemos ao esprito objetivo, sendo este o esprito da sociedade, a sua essncia. Como no poderia deixar de ser, estrutura-se dialeticamente em: 1. Moralidade: razo individual que subordina interiormente o esprito lei do dever. A moral, dentro do historicismo, seria algo sempre histrico e relativo no curso da histria; 2. Direito: A realizao da liberdade. O direito reconhece a personalidade de cada indivduo, porm s pode regular a conduta externa de cada um; 3. Eticidade: Sntese dos dois anteriores. Algo que transcende a vontade dos indivduos, sendo a eticidade a prpria vontade do Estado materializada, tornada real, sendo realizada dialeticamente como: a. Famlia: Um vnculo no-contratual, no qual os indivduos so colocados determinadamente, ou seja, sem liberdade. A no determinao, consoante dissera Kant, gera os direitos e obrigaes na famlia; b. Sociedade civil: O lugar do trabalho, onde os indivduos saem do seio familiar e correm atrs da vida. Tambm se trata de um vnculo no-contratual: no se trabalha porque se quer, no h liberdade em viver na sociedade civil, faz-se necessidades econmicas e sociais; c. Estado: um vnculo contratual fruto da liberdade, a qual reside no princpio da isonomia (todos so iguais perante a lei). A liberdade o fundamento do contrato de Estado, por intermdio deste todos se transformam em cidados. Por fim, tratemos do esprito absoluto. Tal esprito o mximo de autonomia do universo, a conscincia universal plena e adequada consigo mesma. Vai entender o que isso quer dizer... Sua estrutura dialtica consiste em: Arte: intuio sensvel do absoluto. Mediante a arte ns podemos sentir o universo, intu-lo. A arte no racional, sentimental: por mais que se goste duma msica, o outro pode no gostar, pois ele a sente diferente; Religio: Conscincia mtica do absoluto. o modo como conhecemos o universo, fundado numa concepo de f e que no pode ser provada; Filosofia: Conscincia racional do absoluto. Trata-se de uma sntese entre os dois anteriores, o modo racional de enxergar as coisas; por meio da filosofia poderamos enxergar as coisas em sua totalidade. Vale relembrar mais uma vez, que o esprito absoluto no um fim, no algo a se buscar. O esprito absoluto se realiza a cada momento, no est preso a uma concepo retilnea do tempo; estamos incessantemente no processo dialtico dos espritos. (quem no lesse o texto inteiro acharia que sou kardecista!). Por fim, Hegel, como Aristteles, concebia a felicidade como a finalidade do homem, porm a felicidade s pode ser encontrada na liberdade. A diferena entre o estagirita e o alemo que a liberdade hegeliana no est adstrita liberdade poltica da

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qual falava Aristteles, mas sim a uma liberdade absoluta dialeticamente construda na histria. Antes de encerrarmos, importante salientar o perigo ressaltado por Hegel, consistente na alienao. Tal alienao ocorreria quando esquecssemos que estamos presos histria e que a histria est correndo por a, livre, leve e solta. Aqui se v uma dura crtica ao iluminismo, em razo deste tentar buscar princpios imutveis de justia, sem perceber que a justia evolui com a histria. 8.3 Karl Marx e a tradio crtica do direito Marx, como todos esto carecas de saber, foi o grande idealizador do socialismo. Alm de socialista, Marx era um hegeliano, adepto da teoria de Hegel em muitos aspectos. A lgica hegeliana era bem aceita por Marx, todavia este discordava de seu idealismo e atentava para a materialidade, para o real. Ao contrrio de seu antecessor, Marx no acreditava que as idias vm antes da realidade. Para o vermelhinho, a realidade vem primeiramente, depois seria possvel auferir dela todas as outras idias: o que Marx concebe como estrutura e superestrutura. O trabalho na concepo marxista seria a base de tudo. Por meio do trabalho o homem seria capaz de se libertar, o trabalho o que faz do homem ele mesmo. Mediante o trabalho, o homem constri toda a sociedade e evolui com ela, movimentando a economia, a qual a pedra angular da sociedade na concepo marxista. Quanto mais se trabalha, mais se coopera com os demais seres, mais tempo se tem para descansar e ser livre. Ao contrrio da concepo iluminista e hegeliana, Marx v o homem nascendo determinado pelo seu meio, sendo o trabalho a forma de libertao do homem. Como j enxergara Rousseau, nesse caminho de trabalho do homem ocorreu um problema, um obstculo intransponvel: a propriedade. A propriedade, na viso marxista, seria uma alienao, a separao do homem e da sua essncia; algo que no pode ser deixado para trs sem a destruio da prpria sociedade. A superestrutura marxista um complexo de coisas derivadas da realidade e usadas como meio de dominao entre uma classe e outra. Segundo aquele comunista, toda a superestrutura seria derivada da economia, da realidade de determinada sociedade, estando includas na superestrutura a religio, a arte, a filosofia, as ideologias etc. A religio seria um mero instrumento de dominao usado para acalentar os indivduos explorados pelos outros, bem como seriam instrumentos de dominao as ideologias, filosofia, direito, enfim, toda a superestrutura. Ver-se- mais sobre esse alemo infeliz adiante.

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22 e 23 Aulas Ainda Marx. Kelsen. Fonte: KELSEN, Hans; MACHADO, Joo Baptista (trad.). Teoria Pura do Direito. 7. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2006; Anotaes de aula. Conforme j explanado anteriormente, Marx se considera um libertrio, ao contrrio dos liberais. Os liberais so os filsofos iluministas que j vimos, v.g. Locke, Rousseau, Kant; para os liberais, o homem j nasce livre, sendo a sua determinao conseqncia de algo. Os libertrios, tais como Marx, concebem que os homens no nascem livres, mas se libertam posteriormente por meio de sua fora, fora esta que seria o trabalho, na concepo marxista. Partindo da, Marx descreve estgios da evoluo histrica humana, baseando-se na dialtica da contradio entre classes.15 O primeiro estgio histrico da evoluo humana para Marx o comunismo primitivo. Nascedouro do homem, tal comunismo seria um sistema econmico existente nos primrdios do surgimento da raa humana, a qual viveria em cooperao uns com os outros, possibilitando a diviso do trabalho e um conseqente crescimento da liberdade, posto que quanto mais se coopera, menos se trabalha. O segundo estgio de tal evoluo o escravagismo. Aqui vemos o surgimento da propriedade em seu grau mais esdrxulo, considerando homens propriedade de outros homens. A contradio entre classes se d entre os escravos e os seus senhores. O terceiro estgio o feudalismo. Em tal sistema, no h mais escravos, mas sim servos. No feudalismo observamos relaes de vassalagem, onde esta era tida como a comendao, de que se gerava entre suserano e feudatrio uma relao de poder, de natureza moral, atribuindo ao feudatrio um dever de fidelidade e de dedicao particular, e lhe impondo o dever de servio, igualmente de ordem particular, em retribuio a uma15

A idia do processo dialtico de evoluo histrica deriva de Hegel, porm Marx o adapta para conceber como tese e anttese a contradio entre as classes. Tal ponto fundamental para entender o marxismo.Leilson Lima

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proteo prestada pelo suserano.16 No feudalismo, vemos a contradio entre os suseranos e os feudatrios. No havia mais escravos, mas relaes de servido onde no havia opes: ou servia o suserano, ou sofria com os conflitos freqentes, enviando toda a riqueza nobreza e ao clero. O quarto estgio o capitalismo que hoje vivemos, numa contradio entre o proletariado e a burguesia. Marx em sua obra Das Kapital (O Capital) descreve sua viso do capitalismo, chegando concluso de que este fatalmente ruiria como ruiu o feudalismo. O quinto e mais perfeito estgio na viso marxista o diabo do comunismo. No comunismo o homem se reencontraria com sua essncia trabalhadora; no haveria mais propriedade porque o homem reconheceria o valor do seu trabalho, e todos trabalhariam felizes e cantantes como os sete anes! Marx enxerga aqui o fim da histria, no caberia mais evoluo alguma no comunismo, haja vista que no existiriam mais contradies. Tal comunismo seria um refinamento do comunismo primitivo, permitindo at mesmo a dissoluo do Estado e do direito, em decorrncia da inexistncia de coao. Na utopia marxista, tornar-se-ia desnecessria a coao, posto que o homem reconheceria sua essncia e no mais infringiria as normas que o rodeiam. Falando em direito, Marx o concebia como um reflexo da forma econmica de produo social, contido na tal da superestrutura. Logo, o direito no seria um corpo vivo, autnomo, mas dependente da realidade econmica. A vai o conceito de direito marxista: O direito um instrumento da violncia, que tem como nica funo a ordenao e manuteno da estrutura econmica de produo.. A origem do direito, para Karl Marx, est na necessidade de regular as relaes de produo, distribuio e troca de indivduos dentro de um sistema econmico de produo. Por fim, Marx tem uma determinada concepo de Justia, ou, como ele mesmo descreve, verdade social, nos termos seguintes: de cada um segundo a sua capacidade, a cada um segundo a sua necessidade. Logo, na verdade social marxista, cada um d o que pode, dando o q