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  • Os forais, ou, melhor, as cartas de foral ( fuero municipal, castelha no; city charter, ingls; Sta-dtbrief, alemo) eram diplomas concedidos a vilas ou cidades pelo rei. (Tambm conhecemos forais outorgados por senhores laicos ou religiosos, ou por ordens militares.) Estes documentos so essenciais para perceber as realidades histricas do Portugal medieval. Uma carta de foral estabelecia os foros (direitos, deveres, liberdades e garantias) dos povoadores ou habitantes de uma povoa-o j existente, ou a ser fundada. As cartas de foral conti-nham normas aplicveis s relaes comerciais e jurdicas dos habitantes entre si e entre os habitantes e o outorgante.

    Os reis de Portugal concederam cartas de foral desde o sculo xii at ao sculo xvi. No incipiente reino de Portu-

    cale, os primeiros forais serviram para povoar vastas regi-es desertificadas pelos genocdios praticados pelos recon-quistadores e para atrair colonos e mo-de-obra a determi-nados locais. Assim, o primeiro foral que conhecemos foi elaborado pelo conde Henrique, pai de Afonso Henriques.

    O foral de Vimaranes (Guimares) foi outorgado pelo borgonhs conde Henrique, em data que no foi regis-tada no documento, mas que pode ser o ano de 1096, docu-mento posteriormente confirmado e ampliado pelo seu filho, Afonso Henriques, em 1128, e conhecido atravs do diploma de confirmao de Afonso ii, o Gordo (1185 1223), em 1217. Foi o primeiro acto poltico do conde Henri-que, explicitando a sua poltica de povoamento e organiza-o do territrio atravs da outorga de forais destinados a

    As caligrafias da chancelaria manuelina

    S

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    O primeiro foral rgio de vora datvel para 1166, segundo a opinio de especialistas, embora a sua data cause alguma discusso. Destinava-se a formar em vora um ncleo de povoamento cristo, com colonos dispostos a estabelecer-se na terra e a valoriz-la aps a conquista aos mouros. Foi concedido cidade de vora por Afonso Henriques.

    A mais antiga cpia que se conhece da traduo em portugus do texto, em latim, do primeiro foral de vora, o documento mostrado ao lado, datado do sculo XV. Fotos: Arquivos de vora.

    desenvolver centros urbanos e de cartas de aforamento, de doaes e de cartas de couto, concedidas para incrementar a explorao das terras conquistadas aos Mouros e j lim-pas de morabes.

    O contedo dos primeiros forais era varivel, mas por regra geral as cartas de foral serviam para estabelecer garantias para as pessoas e bens dos povoadores. Impu-nham-se portagens, taxas e tributos, definiam-se as multas devidas por contravenes, estipulava-se o servio militar, determinava-se o aproveitamento de baldios e de terrenos comuns, etc.

    Na etapa da fundao do reino de Portugal, os conces-sionrios do foral recebiam terras a ttulo definitivo e here-ditrio. O eminente historiador Henrique da Gama Barros

    (18331925) 1) diferenciou dois tipos de forais: os dos senho-rios particulares e eclesisticos, que tinham subjacente uma relao enfitutica; e os do rei, que em geral prevem a obrigao de residncia.

    Aps o fortalecimento do poder do rei portugus, os forais comearam a declinar, a legislao geral come-ou a uniformizar a jurisprudncia. Manuel i, que gover-nou como um monarca absolutista, fez a reforma dos forais que, a partir deste reinado, passaram a ser meros registos de isenes e encargos locais.

    Como nos outros pases europeus, a chancelaria rgia portuguesa executava a redaco, a validao (por aposi-

    1.) Barros escreveu a monumental Histria da Administrao Publica em Portugal nos sculos XII a XV, que continua a ser imprescindvel para estudos de histria das instituies e do Direito, bem como para a histria econmica e social da Pennsula Ibrica na Idade Mdia.

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    Na busca das primeiras manifestaes do tipo de caligrafia portuguesa descrito neste artigo, o autor encontrou online este manuscrito de 1415. O detalhe mostrado em zoom revela a semelhana desta letra com o estilo usado nos forais manuelinos. Livro dos usos da Ordem de Cister. Copiado por Estvo Anes Lourido e Joo Cisterciense. Scriptorium do Mosteiro de Alcobaa, 1415. PTBN: ALC. 208.Pergaminho, 275 x 182 mm. Texto em portugus; ttulos em latim. Letra de foral. Iniciais em letra uncial, filigranadas a azul e vermelho, sendo uma de maiores dimenses. Descrito em: Thomas L. Amos. The Fundo Alcobaa of the Biblioteca Nacional, Lisbon. Collegeville, Minnesota: Hill Monastic Manuscript Library, 1989. Vol. II, p. 106-107. Obra constituda pelas seguintes partes: O muito uirtuoso padre sam bernardo abbade de claraval mandou aos seus monjes]; tauoa de capitulos; Liber ad Usum Cisterciensium; Distinctio quinta; Da commemoraam de santa maria; Estas som as horas que os frades confessos da ordem de cister deuem dizer.

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    Exemplos tpicos da caligrafia cursiva de estilo gtico-rotundo usada nos forais manuelinos. Em cima: a ampliao mostra detalhes de uma pgina do Foral Novo de Loul, podendo-se discernir os traos muito finos que arrematam muitas formas de letras. Em baixo: uma pgina do foral manuelino de vora.

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    Manuscrito elaborado em letra de foral. Cdice escrito a tinta, texto paginado a duas colunas. Letras capitulares ornadas a cores, ttulos a vermelho. Imagem pequena: detalhe de uma pgina deste manuscrito. Crnica Del-rei Dom Joo I. Cronista: Ferno Lopes. Princpios do sculo xvi. Arquivo Nacional da Torre do Tombo. PT-TT-CRN/8. http://ttonline.dgarq.gov.pt

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    Fronstispcio do foral concedido cidade de vora, por Manuel I, em 1 de Setembro de 1501.Um dos mais antigos concedidos por Manuel I, feito depois do foral de Lisboa, talvez o mais belo, em que o rei declara que o officio do Rey no mais do que reger bem e governar os seus sbditos em justia e igualdade, sendo obrigado a remediar as coisas em que sabe que os seus vassalos recebem agravos. Sabendo que se pagava o que se no devia e desejando remediar a situao, determinou o monarca conceder cidade um novo foral...

    A Leitura Nova foi uma expressiva manifestao da poltica autoritria e centralizadora do reinado de Manuel I. As iluminuras mostram, tanto na qualidade como na profuso, um evidente desejo de ostentao rgia na s na qualidadecomo na quantidade de livros produzidos no seu reinado.Em baixo: um pgina preenchida por texto, em letra de foral.

    o do selo rgio) e a expedio de todos os actos escritos emitidos pelo rei. Evidentemente, os forais tambm eram emitidos pela chancelaria real. Refira-se que os servios da chancelaria rgia portu guesa tambm podiam reconhecer e conferir carcter pblico a documentos particulares que lhe fossem submetidos para validao.

    No existe registo anterior ao rei Afonso ii dos documentos emanados da chancelaria rgia portuguesa, pois s na chancelaria deste rei se comeou a intentar fazer um registo sistemtico. Para tal, os amanuenses (secretrios, escriturrios, copistas) utili-zaram cadernos de pergaminho com 16 flios, que, mais do que verdadeiros registos, eram documentos intermdios, borres ou rascunhos dos documentos definitivos.

    Assim se explica que alguns textos no esto comple-tos, outros no foram assinados, outros foram cancelados com traos, ou que at se encontrem anotaes a informar

    que o documento final no tinha chegado a ser outorgado. Coisas de Portugal...

    Posteriormente, estes cadernos foram cosidos num nico cdice, referido como Forais Antigos, mao 12, docu-mento n 3, no existindo uma sequncia cronolgica sis-temtica entre o fim de um caderno e o incio do seguinte, por que era impossvel encontr-la, devido ao facto de alguns dos cadernos foram elaborados simultaneamente.

    A par da chancelaria rgia, centro de produo de documentos do Reino de Portugal, que, para se distinguir de tantas outras, passa a ser designada por chancelaria-mor, prolifera uma rede de chancelarias (episcopais, monsti-cas e particulares) onde a escrita e o escrito funcionavam como a base de toda a organizao governativa. Refiro-me quelas das alfndegas, dos armazns, dos almoxarifa-dos, e, mais concretamente, da Casa da ndia, centro de todo o comrcio e administrao do Ultramar, que pos-

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    Ao lado: o Foral manuelino de Manteigas constitudo por dezasseis flios de pergaminho, encadernado numa capa de carneira a encobrir finas tbuas de madeira (30 20cm). A caligrafia usada uma letra gtica de ducto rpido, muito prxima da Gtica rotunda.

    Como medida de centralizao do poder e de unificao do pas, o rei Manuel I advogou a aplicao de leis gerais para todo o pas, consignadas nas Ordenaes Manuelinas e substitui os Forais Antigos (escritos em latim ou portugus arcaico) e introduzindo a aplicao do sistema tributrio a favor da coroa o principal objectivo desta reforma.

    sua mesmo um arquivo e um departamento de contabili-dade e de preos, e, onde trabalhavam por Regimento de 1509, cinco escrives. Mas tambm quero aludir da Casa de Ceuta, da Casa da Guin e da Mina e da Casa dos Escravos, cuja governao dependia, por inteiro, da escrita que acompanhava o af dirio que nelas se vivia. assim se l no artigo de Maria Jos Azevedo Santos, Algumas con-sideraes sobre a difuso da escrita no tempo das Descober-tas. 2003.

    Presidia chancelaria o chanceler do rei (cancelarius, notarius curi, notator), ao qual estavam confiados os selos rgios. Desde a formao do reino de Portugal, o chance-ler do rei foi sempre referenciado como um dos mais pr-

    ximos ministros do soberano. Com o aumento da com-plexidade da administrao e o aparecimento de outros ministros, cujas decises eram proferidas em nome do rei, nomeadamente contadores, ouvidores e sobre juzes, as actividades do chanceler centraram-se em competn-cias tcnico-jurdicas, quer de redaco, quer de exame de diplomas rgios e particulares, verificando se o seu conte-do no contradizia leis gerais ou privilgios da coroa ou de particulares.

    No sculo xiv, a chancelaria rgia passou a ser a chance-laria-mor, para a distinguir das chancelarias de outros ser-vios da administrao real, como os da Casa dos Contos, da Casa do Cvel, das Cmaras de Lisboa e Porto, das Cor-

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    reies das Comarcas e da Chancelaria da Rainha, entre outras. chancelaria-mor foi dado um Regimento, em 1589, que regulou todo o seu despacho.

    Nos sculos xiv e xv, o chanceler do rei foi associado Casa da Suplicao, o mais alto tribunal do reino, para que s decises desse tribunal fossem conferidos maior peso.1 Alm do chanceler, estavam ao servio da chancelaria ofi-ciais designados por notrios da chancelaria e escrives da chancelaria.

    Nos primeiros reinados encontram-se vrios diplomas em que o chanceler simultaneamente autor e redactor de uma carta. Como a passagem de todas as cartas envia-das para validao pela chancelaria-mor implicava que os interessados pagassem taxas prprias, o seu primeiro regi-mento (atribudo a Afonso iv), limita-se a regulamentar as taxas que deviam ser cobradas segundo as vrias tipologias das cartas.

    Nos ltimos anos tm-se (re-)publicado os forais manuelinos de muitas cidades portuguesas. Mais importante ainda atendendo s possibi-lidades de digitalizar a letra caligrfica usada nos forais o facto que agora temos digitalizaes acessveis online. Por exemplo: da Leitura Nova, os Forais Novos da Estre-madura; Livro 5 esto acessveis em digitarq.dgarq.gov.pt?ID=4223239.

    Todos os forais outorgados por Manuel i foram escri-tos no mbito da reforma administrativa que se prolon-gou de 1497 a 1520 e abrangeu 570 concelhos. Tem sido ale-gado que os forais manuelinos tiveram como objectivo sistematizar a governao local ao nvel administrativo, j que os forais medievais apresentavam discrepncias muito grandes (Alves da Costa). A verdadeira motivao do Venturoso foi a castrao dos direitos concedidos aos bur-

    1.) O cargo de chanceler-mor encontra-se consignado nas Ordenaes Afonsinas, nas Ordenaes Manuelinas, nas Leis Extravagantes e nas Ordenaes Filipinas. Nas Ordenaes Afonsinas, dadas em 1446, o chanceler-mor referido como o segundo ofcio de nossa casa, subordinado apenas ao regedor e governador da Casa da Justia da corte. As Ordenaes Manuelinas, publicadas em 1514, mencionam o chanceler-mor como sendo o segundo ofcio da Casa da Suplicao. Estavam tambm acumuladas no cargo de chanceler-mor, segundo as Ordenaes Afonsinas, as funes de ofcio de Puridade ou, segundo as Ordenaes Manuelinas, de grande confiana. Por regimentos simultneos de 10 de Outubro de 1534, ficaram definitivamente apartados os cargos de chanceler-mor e de chanceler da Casa da Suplicao.

    gueses e a imposio de taxas e impostos mais elevados, sempre a favor da coroa.

    Os forais manuelinos no reforaram a autonomia das vilas e cidades; antes pelo contrrio, subjugaram-nas mais ao regime absolutista do rei. Alis, no foram conce-didos; foram impostos. Resumindo: os Forais Novos ajus-taram as cidades e vilas do pas realidade de um rei com poderes quase absolutistas, fortalecidos pelo comrcio ultramarino.

    certo que os forais antigos estavam escritos num latim-portugus brbaro que os oficiais rgios de Manuel i s conseguiam interpretar com grandes problemas; outros estavam em mau estado de conservao. Boas justifica-es para passar actualizao...

    O monarca nomeou uma comisso que durante vinte anos recolheu os privilgios e antigos forais, para depois os

    Manuel i, rei de Portugal. Gravura includa nas Ordenaes Manuelinas, impressas em 5 volumes por Valentim Fernandes e scios. Noutras gravuras desta obra, Manuel I mostrado em relacionamento com outras classes sociais. A gravura exibe os smbolos reais: o escudo de Portugal e a esfera armilar.

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    Frontispcio (em mau estado de conservao) do Foral manuelino de Loul.

    Quanto custava um foral manuelino? Sobre esta matria so escassos os exemplos de custas referentes atribuio de um Foral. O foral do Alvito custou 1.281 reis e a totalidade das despesas repartiu-se do seguinte modo: Letras - 7 reis; Parrafos-37 reis; Folhas brancas - 182 reis; Folhas escritas - 380 reis; Chancelaria e porteiro - 110reis; Encadernar - 120 reis; Guarnio-250 22.Outros custaram menos, como por exemplo, os Forais de Serpins e da Lous (669 reis), enquanto o Foral de Vila Real custou 976 reis.

    reformular; os Forais Novos so quase todos idnticos. A comisso foi constituda por Rui Boto (chanceler-mor), Joo Faanha (desembargador rgio) e Ferno de Pina (cavaleiro da Casa Real).

    Segundo Maria Jos Bigotte Choro (Os Forais de D. Manuel 1496-1520, ANTT. 1990), a reforma dos forais foi um trabalho de grande envergadura, que durante cerca de 25 anos mobilizou vrios desembargado-res, homens-bons e vereadores dos concelhos, oficiais das contadorias das comarcas, dos almoxarifados, escrives, calgrafos e iluminadores e, enfim, todo o pessoal da chan-celaria rgia.

    A comisso estava j em funcionamento em Maio de 1496 (Manuel i ascendeu ao trono em Outubro de 1495) e dois anos depois, o trabalho era volumoso, a julgar pelas dvidas e casos levados por vinte e dois desembargadores

    e Ferno de Pina apreciao do monarca, tendo as respos-tas rgias ficado conhecidas pelos Pareceres de Saragoa.

    Estas novas cartas de foral eram passadas pelo chance-ler-mor Rui Boto, que as rubricava no final do texto, depois da assinatura do rei, efectuando-se de seguida o registo na chancelaria. Ferno de Pina, o oficial rgio que presidiu comisso reformadora dos forais, desempenhava tambm funes de escrivo da cancelaria rgia; redigia as ltimas linhas de uma carta de foral, expressando o seu mandato rgio para a confirmao do foral, bem como a foliao, acrescentando, por ltimo, registado no Tombo.

    As vilas e cidades perderam muito da sua autonomia na administrao interna, em proveito de uma unificao administrativa. Foram reformados 596 forais. Por alvar real, o Venturoso mandou que de cada foral fossem feitos trs exemplares: um para a cmara do concelho, outro,

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    para o donatrio e um terceiro para o arquivo real, na Torre do Tombo, em Lisboa. Mas na maior parte dos casos no foram feitas mais de duas cpias; o exemplar destinado ao arquivo foi substitudo pelo registo em Leitura Nova.

    A estrutura dos forais manuelinos comum a todos eles. Comeam com referncias aos antigos impostos, fazendo-se a sua actualizao, seguem-se as determinaes comuns a todo o pas, surgindo a frmula final que contm o lugar e a data da concesso do foral e o subscritor, Ferno de Pina para quase todos eles.

    No Algarve, dos dez forais impostos por Manuel i, esto hoje identificados nove cdices ori-ginais. Os Forais Novos (= manuelinos) do Algarve foram todos dados em 1 de Junho de 1504, com excepo do foral de Alcoutim, concedido em 1520. O foral de Silves serviu de padro aos outros e na cpia da Torre do Tombo apenas foram registadas as diferenas: posto que os forais do Reino do Algarve se refiram todos a este de Silves, atrs escrito, na maior parte das coisas, tm porm algumas diferenas alguns deles de que aqui se far parti-

    A comparao de ampliaes feitas a dois forais manuelinos pe em evidncia grandes deferenas na qualidade caligrfica. O exemplo direita mostra o Foral de Ansio; aqui o ducto mais exacto, mais regular e cuidado. Trata-se de um scan posto online pela Direco Geral dos Arquivos.O exemplo esquerda mostra um pormenor do foral de Loul; aqui a qualidade caligrfica pior, o ducto mais apressado e irregular. As iniciais em letra uncial so de fraca qualidade.

    S com a ajuda de fotografias de alta resoluo, como esta, feita pelo autor ao foral manuelino de Loul, que foi possivel obter uma digitalizao aceitvel. Note as mltiplas ligaduras; praticamente todas as letras com formas redondas esto ligadas umas s outras. Esta particularidade observa-se frequentemente nas Gticas Rotundas, mas tambm em outros estilosde letra gtica tanto nas verses manuscritas, como nas verses tipogrficas.

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    cular meno quando deste tombo se quiserem algumas coisas tirar ou com ele justificar. (Torre do Tombo, Livro dos Forais Novos, folhas 23v).

    Os nove forais originais so muito idnticos no teor e nas caractersticas grficas (dimenses, nmero de flios, encadernao, iluminura e tipo de caligrafia). Foi (tam-bm) a partir destes documentos que o autor deste artigo digitalizou a letra apresentada no fim desta introduo.

    Nenhum dos forais algarvios conservou o selo pendente de chumbo com as armas reais, restando apenas o orifcio no canto inferior esquerdo, junto rubrica do chanceler Rui Boto (Rodericus). Nenhum dos forais algarvios tem registados os custos da sua feitura, nem do auto de entrega e publicao.

    Os forais algarvios so todos do tipo principal, com o frontispcio apresentando as armas reais ao centro (com 9 castelos), ladeadas pelas esferas armilares e uma faixa hori-zontal com o nome do rei (dom manvel), sendo o D ser formado por uma serpente alada com cabea de drago.

    Esta caracterstica s no se verifica nos forais de Tavira e de Lagos que, sendo nessa poca as mais importantes vilas do Algarve, apresentam pginas de rosto diferen-tes dos outros: o D uma letra inicial com ornamentao vegetalista, as armas reais tm um desenho diferente e na parte inferior da moldura do frontispcio com o incio do texto, ostentam os brases das respectivas vilas.

    data da concesso dos forais algarvios, s Silves tinha a categoria de cidade. Tavira era vila notvel e passou a ter estatuto de cidade em 1520. As vilas de Faro e Lagos tor-naram-se cidades em 1540 e 1573, respectivamente. Compa-rando os forais de Silves (o modelo padro) e o de Aljezur,

    dos 165 ttulos das variedades de produtos sujeitos a uma taxao, de um conjunto de sessenta captulos, as diferen-as referem-se apenas a duas nicas.

    A letra usada nos forais: portuguesa?

    Ao analisar o tipo de caligrafia usado nos forais, colocam-se duas questes pertinentes. Ter esta letra tido a sua origem na chancelaria manue-lina, onde foi to profusamente usada? Ser uma letra de origem portuguesa, ou eventualmente, importada de outro pas?

    Sobre a primeira questo no existem grandes dvidas. O livro mostrado na pgina 28, elaborado no scriptorium de Alcobaa, prova inequivocamente que esta caligrafia j estava em uso em 1415 portanto muito antes de existir a chancelaria real manuelina.

    Pensando que a caligrafia em questo possa ter tido uma origem estrangeira, a primeira pista a seguir ser procur-la em Espanha. E, de facto, vamos encontrar na vizinha Espa-nha o manuscrito medieval chamado El Victorial, elabo-rado em 1436. El Victorial, tambm designado por Crnica de Pero Nio, foi escrito por Gutierre Dez de Games, que narra em dupla redaco, ou baseado em apontamentos anteriores a 1406 as suas faanhas.1) O manuscrito no s foi elaborado com uma letra cursiva gtico-rotunda extre-mamente parecida portuguesa, assim como a pgina de rosto tambm apresenta um arranjo grfico igual ao dos forais manuelinos. O manuscrito El Victorial tem a quota Ms 17648, BNE.

    No difcil encontrar outros manuscritos espanhis com caligrafias semelhantes. Um deles a Crnica Sar-racina de Pedro del Corral. Uma cpia deste importante texto (ou ser o original?) est guardada na Bancroft Library da Universidade Califrnia, Berkeley, EUA. Veja uma parte deste manuscrito na pgina 38.

    Pedro de Corral (primeira metade do sculo xv), foi um escritor castelhano; a nica obra que lhe conhecemos a ampla Crnica Sarracina ou Crnica do rei dom Rodrigo

    1. Un extenso Promio apresenta a cavalaria universal com estrofes do Libro de Alexandre. A primeira parte trata do nascimento e da linhagem de Pero Nio (1378-1453), da sua educao, faanhas e primeiro matrimniop. A segunda parte narra as campanhas mediterrneas (1404) contra corsrios mouros, para terminar com a conquista de Granada (1407). A terceira parte relata os seus amores com Beatriz de Portugal e as tensas relaes com Juan II.

    Detalhes do Foral manuelino de Loul.

  • A fonte Venturoso / Pgina 12

    Carta de Foral de Ansio. Um exemplo de consumada esttica caligrfica portuguesa, produzido na era manuelina. Leitura Nova.

    (escrita em 1430? 1443? e impressa como livro tipogr-fico em Sevilha em 1499), considerada a primeira novela caballeresca da literatura espanhola. A Crnica Sarracina foi refundida como Crnica del rey don Rodrigo e seguida por uma Crnica del moro Rasis (Ahmad ibn Muhammad Rasis), que se julgava perdida. Esta extensa e fabulosa his-tria relata, entre vrios episdios cavaleirescos, a perdida do reino visigtico pelo rei Rodrigo (Roderik) e o conde Julin.

    Letra de foral em fonte digital

    Nos volumes da Leitura Nova (que finalmente, j esto acessveis online), mas tambm nos forais manuelinos guardados em arquivos municipais detectamos uma padro de escrita da chance-laria rgia manuelina muito prximo da Gtica rotunda uma letra que foi amplamente discutida no Caderno de Tipografia Nr. 13. Apesar das diferenas entre as diversas mos que caligrafaram estes documentos, os escribas produziram um tipo de escrita de chancelaria relativamente homogneo nas cinco centenas de forais (!) que foram emi-tidos durante os reinados manuelino e joanino.

    Manuscrito El Victorial. Ms 17648. BNE.

  • A fonte Venturoso / Pgina 13

    Crnica Sarracina de Pedro del Corral. 1430. Bancroft Library da University of California, Berkeley, EUA

  • A fonte Venturoso / Pgina 14

    Forma caligrfica prxima da letra gtico-rotunda. Prova incondicional de venda de um vinhedo por Catlina, Marina e Juana Daz a Pedro e Mari Nez, com confirmao de recibo de 40,000 maravedis por pagamento. A letra inicial (S de Sepan) confere importncia e dignidade a este documento de tabelio. Datado de 31 de Dezembro de 1481. Toledo, Espanha.

  • A fonte Venturoso / Pgina 15

    Comparando as formas das letras (por vezes mais ele-gantes e regulares, por vezes mais toscas e apressadas) dos forais de Ansio, vora, Loul, Albufeira, Silves, Mantei-gas e outras mais cidades, produzi uma fonte digital para celebrar esta letra da chancelaria rgia do sculo xv: a fonte Venturoso. No original do foral de Loul, pode ser anali-sado e fotografado em pormenor os detalhes das letras. Os riscos muito finos que rematam vrias formas de letra so especialmente bem visveis nas faces boas do pergami-nho usado.1

    Para corresponder ao molde histrico, foram produ-zidas variantes de forma, inmeras ligaduras e duas ver-ses ornamentadas de maisculas. Aproveitando os recur-sos OpenType, as variantes esto localizadas nas opes Swash e Stilistic Alternates.

    Esta letra redonda, com maisculas marcadamente lar-gas E C M D J O P Q R S T , parece ter sido de uso geral, j que ocorre em outros docu-mentos da poca manuelina; por exemplo, na Chronica do Muito Alto e Muito Esclarecido Prncipe D. Afonso Henri-ques, Primeiro Rey de Portugal. escrita pelo cronista e diplo-mata Duarte Galvo (1435 1517) e oferecida a Manuel i, outro valioso pergaminho manuelino, com iluminura por-tuguesa, enriquecido com letras capitulares iluminadas, decoradas com motivos vegetais, a cores e a ouro. Este pre-cioso manuscrito, guardado na Biblioteca Pblica Muni-cipal do Porto, ser em breve objecto de detalhada anlise por parte do autor destas linhas.

    Por ltimo, ser importante salientar que a caligra-fia real aqui discutida no foi o nico molde praticado durante a poca manuelina.

    1) O pergaminho uma pele de animal ligeiramente curtida, apresentando duas faces que correspondem epiderme e derme. A derme corresponde face interior da pele, apresenta uma textura fibrosa e uma cor mais clara, e geralmente nesta face mais lisa que se pode fazer uma escrita mais aprimorada.

    Leitura Nova. Quarto Livro de Odiana. Folha de rosto. Flio iluminado, Dom Manvel escrito em letra capitular, contendo o registo da carta de Manuel I pela qual mandou fazer os livros que vieram a ser designados por Leitura Nova. Abrange o Alentejo, o Algarve, e localidades da actual Estremadura: Almada, Setbal. Contm cartas de doao, de doao de regimento e jurisdio, de privilgio, de privilgio de couto, de quitao, de instituio capelas e de morgados, de licena para venda de bens, cartas de confirmao (de perfilhao, de doao, de instituio de capela, de licena), de ofcio, cartas de aforamento. Contm tambm cartas de confirmao geral de privilgios, concedidos a cidades, vilas, concelhos, a reguengueiros, captulos especiais concedidos a vilas e a cidades, captulos de Cortes. Online em http://digitarq.dgarq.gov.pt?ID=4223203

  • A fonte Venturoso / Pgina 16

    SADJLP

    Letras maisculas decorativas, digitalizadas a partir da Tavoada da Leitura Nova referente aos forais da Estremadura.

    NT

    Tavoada (ndice) dos cadernos da Leitura Nova referentes aos forais de cidades da Estremadura. Direco Geral de Arquivos. No ttulo: uma Gtica Rotunda manuscrita. Na listagem: letra de foral. Letras do Abecedrio: variantes ornamentadas da letra de foral.

  • A fonte Venturoso / Pgina 17

    Dom Manuel pela graa de deus Rey de Portu gal e dos Algarves daquem e dalem mar em Africa, Senhor da Gui-n e da Conquista e Navegao e Co-mercio da Ethyopia Arabia Persia e India. Mostra-se pelas ditas Inquiri-es E principalmente por outra que no dito lugar mandamos tirar que os fo-ros e tributos Reais se pagaro na ma-neira seguinte: Paga-se primeiramente a teiga de Abrao nesta maneira: como o monte de qualquer po chegar a ca-torze alqueires logo se toma do mon-te maior a dita teiga que de dois al-queires trs quartas esta medida cor-rente da comarca.

    D Eclaramos que a dita teiga se no h-de pagar de cada gnero ou diferena de

    trigo. Somente se levar do trigo uma s eira de cada posto que trigo trems e mourisco e galego ou outro trigo o la-vrador tenha sem embargo de nenhum costume nem posse que a houvesse a qual houvemos por de m f e no valer por direito. O gado de vento do Mestrado no arre-cadamento do qual mandamos que se guarde inteiramente a ordenao que sobre isso feita. E os montarazes e oficiais e rendeiros do gado do monta-do do dito campo no tomaro nenhum gado que ande fora de seu rebanho por dizerem que lhes pertence ou que seu,

    o qual no tomaro nem mandaro tomar sem autoridade de justia ou-vidas primeiro as partes a que perten-cer sobre o dito gado e serem sobre isso ouvidos e despachados com justia. A penso de dous tabelies da dita vila isso mesmo direito real a qual se pagar como se at aqui levou.

    A pena darma se levar por nossa ordenao, scilicet, duzentos reais e arma

    perdida com estas declaraes, sci-licet, que a dita pena se no levar quando algumas pessoas apunha-rem espada ou qualquer outra arma sem a tirar, nem pagaro a dita pena aquelas pessoas que sem propsito e em reixa nova tomarem pau ou pe-dra posto que com com ela faam mal, e posto que de propsito tomem o dito pau ou pedra se no fizerem mal com ele no pagaro a dita pena. Nem a pagar moo de doze anos para baixo, nem mulher de qualquer idade que seja, nem pagaro a dita pena aque-las pessoas que castigando sua mulher e filhos e escravos e cria-dos tirarem sangue, nem pagaro a dita pena quem jugando punhadas sem armas tirar sangue com bofeta-da ou punhada, e as ditas penas e cada uma delas no pagar isso mesmos.

    Na fonte digital Venturoso foram integradas variantes, as ligaduras mais frequentemente usadas em letras gticas e tambm verses ornamentadas de maisculas. o tipo de letra caligrfica da chancelaria manuelina, usada nos forais e na Leitura Nova. As letras capitulares eram sempre unciais.

  • A fonte Venturoso / Pgina 18

    EthyopiaTorre de BelmVasco da GamaImpressor morvoMosteiro JernimosCarta de Pro Vaz de Caminha

    Venturoso: a letra dos forais manuelinos

  • A fonte Venturoso / Pgina 19

    s ss sdo do de de da da ca ca caspe pe pa pa he he co co to toPo Po Re Re fu fu fa fa fo fo fr fr ff ffgu gu ga ga gi gi fi fi ss ssst ch ch ck ck qz A A B B C C D D E E F F G G H I I J K L L M MN O P P Q R S S T T U V X Y Z Na fonte digital Venturoso foram integradas variantes, as ligaduras mais frequentemente usadas

    em letras gticas e tambm verses ornamentadas de maisculas.

  • A fonte Venturoso / Pgina 20

    Fronstispcio dos cadernos da Leitura Nova referentes aos forais de cidades e vilas da Estremadura. Direco Geral de Arquivos. Gtica Rotunda manuscrita, um tipo de letra predominante na poca manuelina. Paulo Heitlinger oferece 5 variantes de fontes digitais no estilo das Gticas Rotundas: Gtica Rotunda Sforza, de carcter pronunciadamente caligrfico. Valentim, a digitalizao da fonte de metal usada pelo proto-tipgrafo Valentim Fernandes, activo em Portugal. A Ratdoldt 0 padro de letra mais usado nos incunbulos. A fonte foi usada nos livros impressos pelo mestre tipgrafo Ratdoldt, activo em Nuremberga e Veneza. Andrade, um jogo de minsculas da Gtica Rotunda, conforme mostradas na Nova Arte de Escrever de Manuel de Andrade. A fonte Cervantes, da Fundicin Richard Gans.

    Gotica Rotunda SforzaValentim Morvo

    Ratdoldt Regiomontanus Calendarium

    manuel andrade

    Cervantes Fundicin Gans