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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO Francine Hesse ASPECTOS TOXICOLÓGICOS DE ESTRICNINA, FLUORACETATO DE SÓDIO E ALDICARB: REVISÃO DE LITERATURA Porto Alegre - RS 2008

Francine Hesse

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO

Francine Hesse

ASPECTOS TOXICOLÓGICOS DE ESTRICNINA, FLUORACETATO DE SÓDIO E ALDICARB: REVISÃO DE

LITERATURA

Porto Alegre - RS 2008

Francine Hesse

ASPECTOS TOXICOLÓGICOS DE ESTRICNINA, FLUORACETATO DE SÓDIO E

ALDICARB: REVISÃO DE LITERATURA

Monografia apresentada a Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, Departamento de Ciências Animais para obtenção do título de especialista em Clínica Médica de Pequenos Animais. Orientador: Profa. Dra. Eliane Dallegrave

Porto Alegre - RS 2008

Ficha catalográfica preparada pelo setor de classificação e catalogação da Biblioteca “Orlando Teixeira” da UFERSA

H587a Hesse, Francine. Aspectos toxicológicos de estricnina, fluoracetato de sódio

e aldicarb: revisão de literatura / Francine Hesse. -- Mossoró: 2009.

36f. : il.

Monografia (Especialização em Clínica Médica de Pequenos Animais) – Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Orientadora: Profª. Dra. Eliane Dallegrave.

1.Pesticida. 2.Intoxicação. 3.Estricnina. 4.Monofluoracetato. 4.Aldicarb. I.Título.

CDD: 632.95 Bibliotecária: Keina Cristina Santos Sousa e Silva

CRB/15 120

FRANCINE HESSE

ASPECTOS TOXICOLÓGICOS DE ESTRICNINA, FLUORACETATO DE SÓDIO E ALDICARB: REVISÃO DE LITERATURA

Parecer dos Professores....................................................................................................................... .......................................................................................................................................... .......................................................................................................................................... Data da Defesa: 06/ março/2009.

____________________________________________

(Prof. Dr. Alexandre Rodrigues Silva) UFERSA

_____________________________________________ (Profa. Msc. Valéria Natascha Teixeira)

_____________________________________________ (Prof. Msc Masahiko Ohi)

UFPR

iii

AGRADECIMENTOS

Agradeço sempre em primeiro lugar aos meus pais, Antonio e Ioni por toda a força e

apoio que sempre me deram.

Agradeço a minha orientadora Eliane Dallegrave por toda sua atenção, paciência e

dedicação, uma pessoa a quem tenho muita admiração.

iv

RESUMO

Os pesticidas são responsáveis pela maioria das intoxicações acidentais ou

intencionais em cães e gatos e o diagnóstico clínico destas intoxicações é geralmente difícil,

principalmente pela diversidade de intoxicações possíveis. Agentes tóxicos como a estricnina,

o monofluoracetato e o aldicarb, são pesticidas de uso proibido como raticidas e ainda assim,

utilizados ilegamente. Por apresentarem quadro de intoxicação aguda e sinais clínicos

semelhantes, no que tange principalmente aos sinais neurológicos é necessário que o clínico

veterinário possa diferenciar os mesmos para um manejo terapêutico mais adequado e rápido.

O presente trabalho expõe uma revisão sobre a intoxicação em cães e gatos por estes

pesticidas, descrevendo os sinais clínicos de forma a comparar as semelhanças e diferenças

entre quadros de intoxicação, relatando os exames laboratoriais e dados epidemiológicos que

possam auxiliar no diagnóstico, alertando ainda quanto a importância para a saúde pública em

relação ao uso ilegal e indiscriminado destes produtos.

Palavras Chave: Pesticida. Intoxicação. Estricnina. Monofluoracetato. Aldicarb

v

ABSTRACT

Pesticides are responsible for the most of accidental or intentional intoxication in dogs

and cats, and, clinical diagnostic of this intoxication is very hard to do, mainly by the wide

range of possible intoxication. Toxic agents like; strychnine, monofluorocetate and aldicarb

are prohibited pesticides to be used as raticides, even thought, they are used illegally. For

showing cases of acute intoxication and very alike clinical signs, mainly concerning to

neurological signs, it is necessary that the Clinic Veterinarian, should differentiate these signs

in order to get the most adequate and fastest therapeutic management. The present work,

shows up a revision about dogs and cats intoxication by these pesticides, describing clinical

signs in order to compare the similarity and differences between intoxication cases, given

account lab tests and epidemiologic data, that may help to make easy the diagnostic, warning

either, about the matter of public health, connecting the illegal and indiscriminate use of these

products.

Keywords: Pesticide. Intoxication. Strychnine. Monofluorocetate. Aldicarb.

vi

LISTA DE FIGURAS

Figura 1

Ciclo de Krebs e o bloqueio deste pelo fluorocitrato, metabólito tóxico do fluoroacetato de sódio .........................................................................

17

Figura 2 Carbamilação da acetilcolinesterase pelo carbamato. Notar que o pesticida liga-se aos dois locais ativos da enzima ....................................

24

Figura 3 Quadro comparativo entre sinais clínicos na intoxicação por estricnina, flouracetato de sódio e aldicarb ..............................................................

30

vii

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

acetil-CoA Acetil coenzima A

ACh - Acetilcolina

AChE - Acetilcolinesterase

CIT Centro de Informação Toxicológica

CO2 Dióxido de carbono

º C – Graus Celcius

DL50 – Dose letal mediana

e.g. Por ejemplo

FAS - Fluoracetato de sódio

g Gramas

GMA Monoacetato de glicerol

IM - Intramuscular

IV – Intravenoso

mg/kg – Miligrama por kilograma

mL/kg – Mililitro por kilograma

® - Marca registrada

MC – Massa corporal

PPM Partes por milhão

SNC – Sistema nervoso central

UI – Unidades internacionais

viii

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 09

2 OBJETIVOS ................................................................................................... 10

3 REVISÃO DE LITERATURA ...................................................................... 12

3.1 ESTRICNINA .................................................................................................. 12

3.1.1 Características do agente ............................................................................... 13

3.1.2 Mecanismo de ação ......................................................................................... 13

3.1.3 Sinais clínicos .................................................................................................. 13

3.1.4 Diagnóstico ...................................................................................................... 14

3.1.5 Manejo terapêutico ......................................................................................... 15

3.2 FLUORACETATO DE SÓDIO ....................................................................... 16

3.2.1 Características do agente ............................................................................... 16

3.2.2 Mecanismo de ação ......................................................................................... 16

3.2.3 Sinais clínicos .................................................................................................. 18

3.2.4 Diagnóstico ...................................................................................................... 19

3.2.5 Manejo terapêutico ......................................................................................... 20

3.3 ALDICARB ...................................................................................................... 22

3.3.1 Características do agente ............................................................................... 22

3.3.2 Mecanismo de ação ......................................................................................... 22

3.3.3 Sinais clínicos .................................................................................................. 24

3.3.4 Diagnóstico ...................................................................................................... 25

3.3.5 Manejo terapêutico ......................................................................................... 26

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 28

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 33

9

1 INTRODUÇÃO

Os animais domésticos estão sujeitos às intoxicações tanto acidentais quanto

intencionais. Raticidas, inseticidas e acaricidas são causas muito comuns destas intoxicações

e, podem, em casos graves, provocar a morte dos animais afetados. Segundo Melo e Silva

Júnior (2005), os pesticidas são responsáveis pela maioria das intoxicações acidentais ou

intencionais na medicina veterinária e o diagnóstico clínico das intoxicações nos carnívoros

domésticos é geralmente difícil. A principal razão é, sem dúvida, a diversidade de

intoxicações possíveis (OLIVEIRA et al., 2002).

Vale ressaltar que os pesticidas são substâncias químicas, cujo uso é amplamente

difundido no mundo e, em razão de serem responsáveis por inúmeros casos de intoxicação,

merecem atenção quanto à racionalidade no seu emprego. No Brasil já aparecem na terceira

posição dentre os agentes causais das intoxicações agudas, sendo os inseticidas

(organofosforados, piretróides, carbamatos e organoclorados) os responsáveis pelo maior

número de ocorrências (ALONZO; CORRÊA, 2003 apud GABRIEL et al., 2004).

Nas intoxicações intencionais, os pesticidas utilizados, geralmente são aqueles de uso

restrito ou proibido, em razão da alta toxicidade de alguns deles para mamíferos e da rapidez

de seu modo de ação, o que os tornam muito populares para finalidades criminosas ou, no

caso de seres humanos, para tentativas de suicídio. Tal circunstância é ainda mais grave pelo

fato de que, em muitos casos ocorre adulteração do produto antes de sua comercialização,

podendo ser misturado com grafite, milho moído, farinha de trigo ou areia. Há ainda

associações de vários pesticidas (por exemplo, organofosforados, carbamatos, anticoagulantes

e/ou fluoracetato de sódio), agravando o quadro clínico, dificultando a terapêutica e,

consequentemente, reduzindo as chances de sobrevivência do animal intoxicado (SPINOSA et

al., 2008).

Embora em nosso país seja permitido apenas o uso de cumarínicos (anticoagulantes)

como raticidas, na prática clínica nos deparamos com um grande número de acidentes por

carbamatos e estricnina. Esses produtos são altamente tóxicos tanto para humanos como para

animais e pode-se observar que dentre os óbitos muitos são causados por este grupo

farmacológico (HANSEN, 2006).

Dentre os raticidas mais apontados como causadores de intoxicação pode-se citar o

monofluoracetato de sódio, proibido no Brasil desde meados da década de 80, a estricnina que

também tem seu uso proibido em diversos países (MORAES, 1999), e o aldicarb, pesticida

10

carbamato extremamente tóxico, para uso exclusivo agrícola, utilizado ilegalmente como

raticida e que tem sido apontado como um dos principais agentes utilizados para a intoxicação

criminosa de animais domésticos no Brasil (SPINOSA et al., 2008), sendo comercializado

clandestinamente com o nome de “chumbinho”.

Em virtude do acesso restrito como resultado das regulamentações de agentes tóxicos

em muitos países, a incidência de intoxicação por estricnina diminuiu de maneira

razoavelmente drástica, nos últimos tempos. Entretanto, ela ainda permanece como um agente

tóxico significante para gatos e constitui um dos principais agentes usados em casos

maliciosos (CHANDLER et al., 2006).

Segundo Spinosa et al. (2008) o ácido monofluoracético ou monofluoracetato de sódio

teve sua produção, importação, formulação e comercialização totalmente proibidas em 1982

no Brasil, entretanto, há evidências do uso ilegal e sem critérios causando intoxicações,

principalmente em crianças e animais domésticos (COLLICCHIO-ZUANAZE et al., 2005).

Devido a seu baixo custo, às facilidades de aquisição e a sua alta toxicidade, o aldicarb

tem sido amplamente utilizado de forma ilegal como raticida doméstico e como agente de

escolha para exterminar animais de companhia, criando um cenário que coloca em risco

também a saúde humana.

Como em qualquer caso clínico, o diagnóstico de uma intoxicação deve basear-se na

anamnese, na descrição pormenorizada dos sinais clínicos, no tempo que decorreu entre a

observação dos primeiros sinais e a provável morte do animal, ou na resposta do mesmo à

terapêutica instituída (DORMAN, 1997 apud OLIVEIRA et al, 2002). Infelizmente, além do

despreparo dos proprietários, também pode-se observar um despreparo do clínico veterinário

ao fazer o diagnóstico diferencial entre os raticidas e tratamento do paciente intoxicado

(HANSEN, 2006).

Segundo Dallegrave et al. (2007), muitas vezes o médico veterinário se encontra frente

aos acidentes tóxicos induzidos pelo homem, como nos envenenamentos intencionais

objetivando eliminar animais e cabe a este profissional a atuação dinâmica em programas

sociais que visem esclarecer a população principalmente quanto à ilegalidade e os outros

riscos da utilização de substâncias ilícitas em ambientes públicos ou mesmo privados.

11

2 OBJETIVOS

O presente trabalho objetiva expor uma revisão sobre intoxicação em cães e gatos

pelos raticidas ilícitos estricnina, fluoracetato de sódio e aldicarb, descrevendo suas

características, mecanismo de ação, sinais clínicos, comparando as semelhanças e diferenças

entre quadros de intoxicação por estes pesticidas, relatando os exames laboratoriais que

possam auxiliar no diagnóstico destes agentes tóxicos e descrever as medidas terapêuticas

mais adequadas frente a cada tipo de intoxicação e ainda, alertando a importância para a saúde

pública em relação ao uso indiscriminado destes produtos.

12

3 INTOXICAÇÕES POR RATICIDAS ILÍCITOS EM CÃES E GATOS

3.1 ESTRICNINA

3.1.1 Características do agente

A estricnina é um alcalóide, extraído da planta Strychnos nux vomica (SPINOSA et al.,

2008) e S. ignatti (PETERSON; TALCOTT, 2006). É o ingrediente ativo usado no controle

de roedores e de alguns parasitas (FORD; MAZZAFERRO, 2007), sendo utilizada como

rodenticida desde o século XVI na Alemanha. Segundo Melo; Silva Júnior (2005), esta

substância está banida no Brasil devido aos seu potencial letal, altamente tóxica para

mamíferos, porém ainda utilizada como agente de escolha para envenenamentos intencionais

de animais de estimação.

O sulfato de estricnina é um pó branco, moderadamente solúvel em água. As iscas de

estricnina são pobremente solúveis em água e se aderem fortemente às partículas do solo. Sua

persistência no meio ambiente não é longa e mais de 90% desaparece do solo dentro de 40

dias (PETERSON; TALCOTT, 2006). A dose tóxica é de 0,75 mg/kg para cães, e 2 mg/kg

para gatos segundo Spinosa et al. (2008). Nicholson (2004) cita doses de 0,25mg/kg a 2

mg/kg como sendo letais para a maioria dos animais.

Após a ingestão, este agente tóxico é rapidamente absorvido no trato gastrintestinal,

sendo amplamente distribuído nos tecidos, como cita Spinosa et al. (2008), bem como sua

absorção pode ocorrer na mucosa nasal e por exposição dérmica. As concentrações mais altas

se encontram no sangue, fígado e rins, não se concentrando em tecidos nervosos (BEASLEY,

1999). Segundo Peterson; Talcott (2006), apenas uma pequena quantidade (menos de 4 ppm)

pode ser encontrada no sangue. O agente é metabolizado no fígado e seus metabólitos são

excretados na urina, entretanto 1% a 20% da dose de exposição original é excretada intacta na

urina.

13

3.1.2 Mecanismo de ação

A transmissão dos impulsos nervosos através da sinapse é quimicamente mediada

pelos neurotransmissores. O neurotransmissor é liberado a partir do nervo terminal pré-

sináptico do neurônio estimulado, cruza a fenda sináptica, e combina-se com um receptor

específico na membrana pós-sináptica (KORE; BEASLEY, 1999). A glicina é um importante

neurotransmissor de neurônios inibitórios no cérebro e medula espinhal, seu efeito é pós-

sináptico. É o neurotransmissor para as células de Renshaw, que transmitem sinais inibitórios

aos neurônios motores circundantes (GUYTON; HALL, 2006) no corno ventral da medula

espinhal (BEASLEY, 1999).

A estricnina atua especificamente em nível da medula espinhal, bloqueando o

funcionamento dos neurônios inibitórios, as células de Renshaw, inibindo seu receptor

específico de glicina (SORACI; TAPIA, 2001). Conforme Spinosa et al. (2008) possui

estrutura semelhante à glicina, bloqueando competitivamente os receptores pós-sinápticos

deste neurotransmissor no neurônio motor da medula central. Por esta razão os efeitos dos

transmissores excitatórios se tornam exagerados e os neurônios se tornam tão excitados que

eles entram rapidamente em descargas repetitivas, resultando em severos espasmos

musculares tônicos (GUYTON; HALL, 2006).

Braund (2003) cita que alguns sinais supraespinhais possam estar associados com a

inibição do ácido gamma-aminobutírico (GABA). Este neurotransmissor é secretado pelos

nervos terminais da medula espinhal, cerebelo, gânglios basais e várias áreas do córtex,

acredita-se que sempre cause inibição (GUYTON; HALL, 2006). A inibição pré-sináptica

reduz a transmissão excitatória nas fibras primárias aferentes pela ação do GABA. Se sua

função for prejudicada, pode resultar em desordens convulsivas, tetânicas e espásticas

(KORE; BEASLEY, 1999).

3.1.3 Sinais Clínicos

O primeiro alvo para a estricnina é o sistema nervoso central. As alterações clínicas

produzidas por esta intoxicação ocorrem, geralmente de 10 minutos a 2 horas após a ingestão

da isca (PETERSON; TALCOTT, 2006; SPINOSA et al., 2008). Agitação e apreensão

14

(NICHOLSON, 2004), ansiedade, aumento da freqüência respiratória e intensa sialorréia

(SPINOSA et al., 2008) são os sinais clínicos iniciais. Em seguida, conforme os mesmos

autores, os animais podem apresentar ataxia e espasmos musculares que geralmente iniciam-

se pelos músculos da face, disseminando-se para a musculatura dos membros, seguidos de

convulsões tônico-clônicas e opistótono.

Geralmente não ocorrem sinais de pedalagem ou movimentos de corrida e atividade

mastigatória (BEASLEY, 1999), raramente ocorre perda da consciência e é possível haver

mioglobinúria. Os sinais são estimulados ou exarcebados por estímulos externos como ruídos,

toque ou luz concordam os autores Nicholson (2004), Ford e Mazzaferro (2007) e Spinosa et

al.. (2008). Pode-se notar midríase, hipertermia e cianose durante as convulsões. A morte do

animal ocorre por parada respiratória, por causa do comprometimento do músculo

diafragmático (SPINOSA et al., 2008) e pode ocorrer durante a primeira convulsão ou após

ataques exaustivos de convulsões (NICHOLSON, 2004).

3.1.4 Diagnóstico

O diagnóstico é feito associando-se os sinais clínicos da intoxicação e a análise

química, pesquisando a presença de estricnina nas amostras biológicas ou iscas (SPINOSA et

al., 2008). Podem ser mandados para análise: iscas, conteúdo estomacal congelado obtido pela

lavagem ou na necropsia nos casos letais (BEASLEY, 1999). São vários os métodos analíticos

utilizados para detecção de estricnina como a cromatografia de camada delgada, a

cromatografia líquida de alta performance e a cromatografia de gás associada ao

espectrômetro de massa. Conforme Ford e Mazzaferro (2007), na suspeita desta intoxicação

deve-se coletar o conteúdo gástrico para análise. A estricnina também pode ser detectada no

soro, plasma e urina.

Após a morte ocorre rápido rigor e rápido relaxamento (BEASLEY, 1999). Na

necropsia, geralmente não se apresentam lesões a exceção de pequenas petéquias sobre o

pâncreas e um conteúdo digestivo pigmentado indicador de um envenenamento (SORACI e

TAPIA, 2001). Alguns órgãos como fígado e o rim podem ser colhidos para análise química

(SPINOSA et al.., 2008).

15

3.1.5 Manejo Terapêutico

Caso o animal se apresente assintomático no momento da consulta, Ford e Mazzaferro

(2007) indicam a indução do vômito, havendo sinais clínicos deve ser feita a lavagem

orogástrica. A lavagem gástrica deve ser feita com uma solução de permanganato de potássio

(1/2000) para oxidar a estricnina e adicionar a esta solução, ácido tânico (1 a 2%) para reduzir

a absorção e carvão ativado (MELO; SILVA JÚNIOR, 2005).

Para o controle do quadro convulsivo, Spinosa et al. (2008) sugerem o diazepan (2,5-

20 mg/kg, por via IV ou oral) ou o pentobarbital sódico. A dose recomendada por Nicholson

(2004) e Melo e Silva Júnior (2005) para o pentobarbital é de 30 mg/kg por via intravenosa

até o efeito esperado para controlar as convulsões. Para gatos deve-se usar tiobarbitúricos

como o tiopental sódico, conforme Melo e Silva Junior (2005).

Fluídos intravenosos devem ser administrados para corrigir a hipovolemia, suprir

continuamente as necessidades de manutenção, prevenir falência renal induzida por

rabdomiolise (raro), e auxiliar na correção da hipertermia e acidose moderada a leve

(PETERSON e TALCOTT, 2006). Caso o animal apresente acidose, Spinosa et al. sugere a

utilização de bicarbonato de sódio. Estimular a excreção com manitol a 5% diluído em salina

(6,6 mL/ kg/hora) como indicam Melo e Silva Júnior (2005). Nicholson (2004) indica a

admistração de cloreto de amônio via intra-venosa ou oral para acidificação da urina,

aumentando a excreção urinária. Pode ainda ser utilizado vitamina C (3000 UI) para o mesmo

fim, conforme Melo e Silva Júnior (2005). Os animais devem ficar em ambiente escuro e

silencioso, uma vez que qualquer estímulo, visual, sonoro ou mesmo tátil, pode desencadear

uma nova convulsão.

Este tratamento deve ser mantido até a completa excreção da estricnina que, segundo

Nicholson (2004) ocorre em aproximadamente 42 horas.

16

3.2 FLUORACETATO DE SÓDIO

3.2.2 Características do Agente

O fluoracetato de sódio (FAS), também conhecido como composto 1080, tem

ocorrência natural em algumas plantas tóxicas sendo, no Brasil, encontrada na Palicurea

marcgravii. O composto 1080 (sintetizado pela primeira vez em 1896, na Bélgica) é

quimicamente idêntico a sua ocorrência natural do monofluoracetato de sódio e exibe

sintomas idênticos no envenenamento em animais (EASON et al., 1999 apud WEAVER,

2003). Esta substância química foi sintetizada nos Estados Unidos em meados de 1940, para

uso como rodenticida (SPINOSA et al., 2008). Segundo o mesmo autor, seu uso foi

introduzido no Brasil em 1965, retirado do mercado em 1980 devido ao alto número de

acidentes fatais e em 1982, foi totalmente proibida sua produção, importação, formulação e

comercialização em todo o território nacional. Embora haja esta proibição, o uso do FAS no

Brasil é feito geralmente de forma ilegal (PALERMO NETO; MORAES-MOREAU, 1995

apud COLLICCHIO-ZUANAZE; SAKATE, 2005), sendo que ainda hoje vêm sendo

descritos casos de intoxicação por este rodenticida.

Este é um composto incolor, inodoro e insípido (FORD; MAZZAFERRO, 2007),

podendo ser adicionado em qualquer tipo de isca, a dose tóxica varia de 0,05 a 1 mg/kg.

3.2.2 Mecanismo de ação

O efeito tóxico não é produzido diretamente pelo fluoracetato de sódio e sim pela

formação de um metabólito, o fluoricitrato, sendo assim, esta intoxicação é denominada

síntese letal (SPINOSA et al., 2008). O fluoracetato de sódio após sua absorção age

diretamente no ciclo de Krebs. A semelhança estrutural entre os radicais FCH2 do

fluoracetato com o CH3 do acetato, permite que o FAS mimetize sua função e se incorpore ao

ciclo de Krebs (COLLICCHIO-ZUANAZE; SAKATE, 2005). Ao adentrar na célula, reage

com a acetil coenzima A (acetil- CoA), na presença de ATP (adenosina-5’-trifosfato) para

17

formar fluoracetil CoA, que, por sua vez reage com o oxalacetato e água formando o

fluoricitraro (SPINOSA et al., 2008). O fluoricitrato por sua vez, age impedindo a conversão

enzimática do citrato a isocitrato (MELO; SILVA JÚNIOR, 2005), resultando em bloqueio do

ciclo dos ácidos tricarboxílicos (ciclo de Krebs). Em conseqüência ocorre depleção de

energia, acúmulo de citrato, lactato e queda do pH sanguíneo, uma vez que ocorre parada da

respiração celular oxidativa e acúmulo de amônia na circulação. O processo de formação e o

conseqüente bloqueio do ciclo de Krebs estão representados na Figura 1.

Fonte: Collichio-Zuanase e Sakate, 2005.

O citrato circulante acumula-se em todos os tecidos, principalmente no miocárdio e no

sistema nervoso central (SNC) e em menor quantidade no fígado (GAL et al., 1956 apud

COLLICCHIO-ZUANAZE; SAKATE, 2005) e o citrato acumulado combina-se com o cálcio,

quelando-o, levando a uma conseqüente hipocalcemia (MELO; SILVA JÚNIOR, 2005;

SPINOSA et al., 2008).

A inibição do ciclo de Krebs pelo FAS provoca diminuição da produção de ATP em

até 50% pela redução do metabolismo da energia oxidativa, havendo também diminuição da

oxidação do acetato e da síntese hepática do acetoacetato. A utilização de acetoacetato nos

tecidos é inibida e há um acúmulo de ceto-substâncias no sangue que são excretadas na urina.

Há também diminuição da utilização de piruvato na incorporação de CO2, nos ácidos

Figura 1. Ciclo de Krebs e o bloqueio deste pelo fluoricitrato, metabólito tóxico do fluoracetato de sódio.

18

orgânicos (NOVÁK et al., 1972 apud COLLICCHIO-ZUANAZE e SAKATE, 2005). Os

primeiros efeitos são manifestados pelo sistema nervoso e coração pela falta de energia e

acúmulo de amônia na circulação, o que caracteriza uma acidose metabólica.

3.2.3 Sinais Clínicos

Os efeitos clínicos e patológicos presentes na intoxicação pelo FAS, são divididos

entre sinais cardiovasculares e neurológicos que variam de acordo com a espécie animal, com

intensidade dose-dependente e variações individuais. Nos cães, as alterações no SNC são

predominantes, havendo predominância dos efeitos cardíacos em gatos (HUMPHEREJS,

1988 apud COLLICCHIO-SUANAZE; SAKATE, 2005). Todavia, estudos mais recentes

verificaram a importância das manifestações neurológicas que são também predominantes

nesta espécie (COLLICCHIO-ZUANAZE, 2002).

De acordo com Melo; Silva Júnior (2005), Peterson; Talcott (2006) e Spinosa et al.

(2008), os sinais clínicos podem aparecer de trinta minutos até duas horas após a ingestão. O

período latente variável é resultado do tempo de conversão do fluoracetato e seu acúmulo a

níveis tóxicos (PETERSON; TALCOTT, 2006). Os sinais mais evidentes são excitação,

irritabilidade, náuseas, vômito, diarréia, micção freqüente, corrida frenética em linha reta

(MELO; SILVA JÚNIOR, 2005), convulsões do tipo tônico-clônica (SPINOSA et al., 2008)

e, de acordo com Ford e Mazzaferro (2007) pode haver coma secundário ao edema cerebral.

Com a progressão do quadro as convulsões são mais fracas, devido à exaustão energética

muscular. A morte ocorre entre duas a doze horas após a ingestão e ocorre durante as

convulsões ou pela paralisia respiratória subseqüente (BEASLEY, 1999), o que leva a um

prognóstico desfavorável.

Os sinais clínicos apresentados por gatos, segundo Collicchio-Suanaze e Sakate (2005)

são episódios de vômito e diarréia inicialmente, dor abdominal, hipotermia, midríase

irresponsiva bilateral, agitação, taquipnéia, hiperexcitabilidade, hiperreflexia, vocalização e

miados constantes, episódios convulsivos tetânicos com apnéia transitória, prostração e

eventualmente óbito. A morte resulta tipicamente da depressão do centro respiratório mas

ocasionalmente como resultado de uma fibrilação ventricular (SHERLEY, 2004).

A manutenção da temperatura corpórea em situações metabólicas desfavoráveis é

bastante limitada. Os gatos intoxicados pelo FAS apresentam um desequilíbrio na

19

termorregulação, secundário ao bloqueio do suprimento energético e diminuição do

metabolismo corpóreo (COLLICCHIO-SUANAZE; SAKATE, 2005). Por outro lado, cães

intoxicados com FAS apresentam inicialmente hipertermia (DE PAULA, 2000 apud

COLLICCHIO-SUANAZE; SAKATE, 2005), verificada durante os períodos de

hiperexcitabilidade e convulsões tônico-clônicas.

3.2.4 Diagnóstico

No diagnóstico devem ser considerados histórico e sintomatologia do paciente, sendo

importante incluir na chave diferencial: estricnina, hipocalcemia, organoclorados,

encefalopatias hepáticas e outras encefalites graves em cães e gatos (MELO; SILVA

JÚNIOR, 2005). O modo de ação e a evolução clínica da intoxicação destes compostos

diferem, mas os sinais clínicos, principalmente no estágio convulsivo, são bastante similares

(SAKATE, 2002).

Alterações na patologia clínica incluem hiperglicemia, aumento dos níveis séricos de

citrato, hipocalcemia e acidose (MELO; SILVA JÚNIOR, 2005). Segundo Sakate (2002) o

aumento significativo dos níveis de citrato nos rins diferenciam a intoxicação pelo

fluoracetato com outras substâncias. A elevação dos níveis de citrato nos tecidos é, de certa

forma, patognomônica da intoxicação por compostos organofluorados.

A análise clínica se faz pesquisando a presença do agente nas iscas, no vômito ou no

conteúdo estomacal, usando para tanto a técnica do eletrodo específico de íon fluoreto

(SPINOSA et al., 2008). Nicholson (2004) comenta que níveis teciduais do composto podem

ser detectados por cromatografia gasosa capilar-espectrometria de massa, mas poucos

laboratórios oferecem este serviço.

As lesões encontradas em necropsia incluem: repleção de estômago, cólon e bexiga

urinária, cianose, rápido rigor mortis, congestão de fígado e rins, diástole cardíaca com

hemorragia subapical (lesão não específica), edema cerebral e infiltração linfocítica do espaço

de Virchor-Robin (BEASLEY, 1999).

20

3.2.5 Manejo Terapêutico

A maioria das tentativas de reversão dos efeitos tóxicos do FAS tem falhado. A terapia

deve tentar impedir a ação do fluoricitrato no bloqueio do ciclo de Krebs ou bloquear a rápida

metabolização do fluoracetato em fluoricitrato (COLLICCHIO-SUANAZE; SAKATE, 2005).

O tratamento inicial é sintomático, com assistência respiratória, infusão rápida de

cristalóides, lavagem gástrica com carvão ativado, diazepínicos e barbitúricos (MELO;

SILVA JÚNIOR, 2005) para o controle das convulsões. Fluidoterapia com solução fisiológica

ou Ringer; não deve ser usada solução glicosada, uma vez que, conforme Sakate (2002), o

animal pode apresentar hiperglicemia. Não é indicado o uso de eméticos a menos que seja

muito cedo, que não existam sinais clínicos e o animal deverá ser constantemente monitorado

no caso de convulsões (BEASLEY, 1999).

Melo; Silva Júnior (2005) sugerem a administração de monoacetato de glicerol

(GMA) (Monoacetin®) na dose de 0,1 a 0,5 mg/kg, via intramuscular a cada hora, totalizando

2 a 4 mg/kg, visando regenerar a enzima aconidase (acetil-CoA), para possibilitar a entrada do

citrato novamente no ciclo. Segundo Sakate (2002), a dose do GMA é de 0,55 mg/kg, IM, a

cada trinta minutos durante doze horas. A ausência de convulsões com o uso do GMA indica

que há diminuição na síntese do fluoricitrato ou interferência na passagem deste pela barreira

hematencefálica, mas são necessárias doses acima de 100 mg/kg para se obter um aumento

significativo nos níveis de acetato circulante. Todavia, de acordo com Beasley (1999), esta

droga apresenta ação de curto período, pode ser difícil de ser obtida e não é muito efetiva a

menos que a dose do FAS seja próxima ou menor que a DL50. Peterson; Talcott (2006)

ressaltam ainda que a aplicação intramuscular da GMA é extremamente dolorosa. Collicchio-

Suanaze; Sakate (2005) citam um estudo realizado por Taitelman et al. em 1983 com gatos

experimentalmente intoxicados com FAS onde os animais tratados com o monoacetato de

glicerol apresentavam um agravamento no quadro de acidose metabólica.

Segundo Peterson; Talcott (2006) pode-se utilizar um tratamento que substitui o

monoacetato de glicerol que é a utilização de acetamida em dextrose a 5%, sendo que a

proporção feita é de 15g de acetamida em um litro de dextrose a 5%. Esta solução é

administrada em uma dose inicial de 20 a 25 ml/kg pela via endovenosa por um período de 60

minutos, seguidas por aproximadamente 5 ml/kg/hora pelas próximas dozes a dezoito horas

conforme necessário. Para cães maiores de 20 kg, um total de dois litros de solução é dada.

Spinosa et al., (2008) sugere a utilização de 10% de acetamida associado à 5% de dextrose,

21

por via endovenosa na dose de 7 a 10 ml/kg em um período de trinta minutos e depois a cada

quatro horas, por vinte e quatro a quarenta e oito horas. No tratamento de gatos com

intoxicação por FAS, a dose deve ser reduzida em no mínimo 75% (PETERSON; TALCOTT,

2006).

Outro protocolo sugerido por Spinosa et al. (2008) é a administração de pentobarbital

sódico em dose suficiente para induzir uma leve anestesia seguido pela administração de uma

solução de 8,4% de bicarbonato de sódio em solução salina, na dose de 300 mg/kg, por um

período de quinze a trinta minutos. Alternativamente, metade da dose de bicarbonato de sódio

pode ser administrada em bolus e o restante em infusão lenta (PETERSON; TALCOTT,

2006).

Pacientes com hipocalcemia ou tetania devem ser suplementados com gluconato de

cálcio por via endovenosa (MELO; SILVA JÚNIOR, 2005). Segundo Sakate (2002), deve-se

utilizar o gluconato de cálcio a 10%, 130 mg/kg, IV, muito lentamente a cada 30 minutos,

durante 12 horas. Succinato de sódio, em combinação com gluconato de cálcio, está

recomendado na dose de 240 mg/kg, a cada trinta minutos a uma hora durante doze horas

(SAKATE, 2002). A utilização do succinato de sódio e gluconato de cálcio a 10% como

protocolo terapêutico na intoxicação por fluoracetato em gatos permite uma normalização

mais precoce do pH, bicarbonato de sódio e cálcio ionizado, revertendo assim, de maneira

mais eficiente os quadros de acidose metabólica e hipocalcemia (COLLICCHIO- ZUANAZE,

2002).

Segundo Sakate (2002), cães apresentam hipertermia e gatos hipotermia (muitas vezes

abaixo de 34º C) e esta condição deve ser controlada. O mesmo autor sugere o uso de

diuréticos como a furosemida 2 a 4 mg/kg, IV, para aumentar a excreção pela via urinária.

22

3.3 ALDICARB

3.3.1 Características do agente

Os organofosforados e carbamatos são conhecidos como agentes anticolinesterásicos,

mundialmente utilizados desde o século XX, principalmente a partir de 1970, quando se

iniciou o declínio dos organoclorados. O uso destes pesticidas envolve o controle e combate

de diversas pragas e, na Segunda Guerra Mundial, há indícios de que alguns organofosforados

tenham sido empregados como armas químicas (SPINOSA et al. 2008). Segundo estes

autores, os carbamatos foram primeiramente obtidos a partir do alcalóide extraído da semente

da planta Physiostigma venenosum, conhecida como fava de Calabar ou feijão-de-prova, que

era utilizada em rituais de feitiçaria por tribos Africanas no leste da África. O grupo dos

carbamatos é formado por derivados do ácido N-metil-carbâmico e dos ácidos tiocarbamatos

e ditiocarbamatos e dentre os derivados do ácido N-metil-carbâmico o Aldicarb encontra-se

entre os metil-carbamatos juntamente com o carbaril que apresentam marcante atividade

anticolinesterásica.

O Aldicarb, um potente inseticida do grupo dos carbamatos, utilizado ilegalmente

como raticida, tendo sido responsável por um grande número de óbitos no país (SPINOSA et

al., 2008). Sendo assim, aldicarb é o carbamato de maior toxicidade disponível no mercado

(MACHAMER e PICKEL, 1994 apud MORAES, 1999), não tendo liberação para a sua

produção no país. No Brasil, o aldicarb pode apenas ser comercializado para fins agrícolas, e

de acordo com Xavier et al. (2007a), é manufaturado na forma de pequenos grânulos pretos,

com 15% de principio ativo (Temik 150®), e é popularmente conhecido como “chumbinho”.

Trata-se de um pesticida carbamato altamente tóxico por via oral, podendo ser também

absorvido pela pele íntegra, se na forma líquida (XAVIER et al., 2007a). De acordo com o

mesmo autor, sua elevada lipofilicidade resulta em toxicidade dérmica aproximadamente mil

vezes maior que a de outros carbamatos. A DL50 em ratos varia entre 0,6 e 1,0 mg/kg,

conforme Spinosa et al. (2008), e o atendimento precoce do animal é fundamental para

aumentar suas chances de sobrevida, isso ocorre principalmente quando há intoxicação

criminosa de cães e gatos, quando grandes quantidades do pesticida são adicionadas em iscas

palatáveis.

23

3.3.2 Mecanismo de ação

A acetilcolina (ACh) é secretada por neurônios em várias áreas do sistema nervoso,

mais específicamente pelos terminais das células piramidais do córtex motor, diferentes tipos

de neurônios no gânglio basal, nos neurônios motores que inervam a musculatura esquelética,

nos neurônios pré-ganglionares do sistema nervoso autônomo, nos neurônios pós-

ganglionares do sistema nervoso parassimpático e em alguns neurônios pós-ganglionares do

sistema nervoso simpático. Na maioria das vezes, a acetilcolina tem efeitos excitatórios,

entretanto, é sabido que esta possui efeitos inibitórios em alguns nervos terminais do

parassimpático periférico, resultando por exemplo na inibição da contração do músculo

cardíaco pelo nervo vago (GUYTON, 2006).

A ACh é inativada pela acetilcolinesterase (AChE) que é uma serina-esterase que

forma uma ligação covalente com o grupo acetila. Algumas drogas não têm um efeito direto

nos órgãos efetores parassimpáticos mas, elas potencializam os efeitos da Ach, secretada,

naturalmente, nos terminais parassimpáticos (GUYTON, 2006). Tanto os carbamatos como os

organofosforados exercem sua toxicidade por meio da inibição da atividade da

acetilcolinesterase presente nas sinapses colinérgicas, resultando em acúmulo do

neurotransmissor acetilcolina e, consequentemente, na estimulação excessiva dos receptores

nicotínicos e muscarínicos (SPINOSA et al., 2008).

Os ésteres carbamatos inativam a AchE pela sua ligação com a mesma, entretanto esta

reação é reversível (WILLIAMS et al., 2000). Conforme Spinosa et al. (2008), a AChE possui

dois locais ativos sendo um aniônico, e o outro esterásico. Como mostra a Figura 2, os

carbamatos ligam-se em ambos os sítios ativos da enzima, ligação por carbamilação. Após sua

carbamilação, a enzima pode ser rápida e espontaneamente hidrolisada na sua forma original,

com pronta recuperação da atividade da AChE após doses subagudas, sem a ocorrência de

intoxicação cumulativa (por isto são chamados de inibidores reversíveis da AChE).

Entretanto, apesar dessa ação ser geralmente transitória (uma a duas horas), encontram-se na

literatura relatos de inibição prolongada (mais de sessenta horas) em seres humanos

intoxicados por esses pesticidas. Além disso, a reativação espontânea da acetilcolinesterase,

que ocorre mais facilmente na toxicose por cabamatos, é muito lenta em gatos jovens e idosos

(SPINOSA et al., 2008).

24

Fonte: Spinosa et al. (2008).

Figura 2 Carbamilação da acetilcolinesterase pelo carbamato.

Existem dois tipos de colinesterases: a acetilcolinesterase (AChE verdadeira,

acetilidrolase ou colinesterase eritrocitária), encontrada no tecido nervoso, na junção

neuromuscular e na superfície de membrana de glóbulos vermelhos de mamíferos, e a

butilcolinesterase (pseudocolinesterase, colinesterase inespecífica, colinesterase plasmática ou

sérica, acilcolina ou acilidrolase) que hidrolisa vários outros ésteres, além da acetilcolina, e é

encontrada no plasma, no fígado, no pâncreas, na mucosa intestinal e na substância branca do

sistema nervoso central. Os gatos apresentam a butilcolinesterase também nos eritrócitos.

Além da AChE, os organofosforados e carbamatos também podem inibir outras

colinesterases, como as pseudocolinesterases (SPINOSA et al., 2008).

3.3.3 Sinais clínicos

Os sinais clínicos resultam da acumulação no organismo da acetilcolina, conseqüência

das propriedades anticolinesterásicas do princípio tóxico. Esses sinais respondem a uma

hiperestimulação do sistema nervoso autônomo com: alterações muscarínicas, alterações

nicotínicas e alterações do SNC (SORACI; TAPIA, 2001).

Os primeiros sinais do envenenamento estão relacionados com a estimulação

muscarínica e incluem profusa salivação, lacrimejamento, secreção brônquica, diarréia,

25

micção, bradicardia e constrição pupilar. Estes sinais são seguidos pelos efeitos nicotínicos e

estimulação do SNC (e.g., tremores musculares, espasmos e hiperexcitabilidade) que pode

evoluir em convulsões clônicas ou tônico-clônicas (AHRENS, 1997). Spinosa et al. (2008)

relatam além destas alterações, depressão do centro respiratório, cianose e coma. Além destes,

podem ocorrer manifestações cardíacas como arritmias, anormalidades eletrocardiográficas,

defeitos de condução e alterações da pressão arterial; e hipotermia ligeira a moderada.

A ocorrência de bradicardia é mais comum, mas pode haver taquicardia pela liberação

de catecolaminas pelas adrenais (XAVIER et al., 2007a). Dispnéia (devido ao aumento de

secreções pulmonares e bronquiais) normalmente se manifesta com respiração pela boca.

Tremores e convulsões são vistos em casos severos. A morte pode ocorrer pela paralisia

respiratória (espasmo bronquial, convulsões tônicas) ou edema pulmonar (BERNY, 2007).

Segundo Xavier et al. (2007a), os pesticidas anticolinesterásicos estão também

associados à ocorrência de neuropatia periférica tardia (dores musculares, fraqueza muscular

progressiva e diminuição dos reflexos tendinosos que ocorrem após duas a três semanas ou

até meses após a exposição) e à síndrome intermediária que pode ser observada dois a três

dias após a exposição, sendo os sinais representados principalmente por ptose palpebral,

hiporreflexia e flacidez da musculatura do pescoço.

3.3.4 Diagnóstico

O diagnóstico da intoxicação por aldicarb é embasado, via de regra, na avaliação

clínica e na medida da atividade das colinesterases plasmática e eritrocitária (XAVIER et al.,

2007b). Segundo Melo; Silva Júnior (2005), esta determinação deve ser feita nas primeiras

horas de intoxicação. Conforme os mesmos autores, o diagnóstico pode ser baseado na

resposta ao tratamento com atropina.

A possibilidade do emprego de análise química para a identificação do agente tóxico

no material biológico de animais intoxicados pode auxiliar o clínico na presteza do

atendimento ao paciente e no estabelecimento de medidas de prevenção, além de ser

indispensável em situações que envolvam litígios. A cromatografia de camada delgada

mostrou ser uma técnica adequada para identificar o aldicarb tanto no conteúdo gástrico,

como nos alimentos usados como iscas sem sofrer influência dos diferentes componentes da

matriz (XAVIER et al., 2007b).

26

A constatação da atividade da colinesterase abaixo de 50% pode indicar intoxicação.

Infelizmente nem sempre a depressão dos níveis da atividade enzimática sangüínea pode ser

correlacionada com a gravidade da intoxicação, pois os sinais clínicos aparecem quando as

colinesterases dos tecidos nervosos estiverem inibidas, e o nível sangüíneo dessa enzima

reflete, de modo geral, os níveis enzimáticos dos tecidos nervosos. Para avaliação da AChE

ou da pseudocolinesterase, podem ser usados sangue, plasma, cérebro total ou núcleo caudato

(SAKATE, 2002).

Parâmetros bioquímicos adicionais que podem estar alterados incluem

hiperamilasemia, hiperlipasemia, hiperglicemia, hipocalemia, acidose, leucocitose com ou

sem desvio à esquerda e aumento dos níveis de creatina quinase (CK) e asparato transaminase

(AST) (PETERSON; TALCOTT, 2006). Nos casos de sensibilidade abdominal aguda, é

importante a determinação das enzimas pancreáticas amilase e lipase, em razão do risco de

pancreatite aguda. A pancreatite aguda pode ser resultante do aumento da pressão intraductal

e da secreção exócrina pancreática causados pela estimulação colinérgica (SPINOSA et al.,

2008).

3.3.5 Manejo Terapêutico

No caso de agentes extremamente tóxicos, como o aldicarb, o atendimento precoce do

animal é fundamental para aumentar suas chances de sobrevida. Neste caso, o ponto crítico do

atendimento emergencial é a descontaminação gástrica, realizada preferencialmente por

lavagem gástrica (SPINOSA et al., 2008). Segundo Melo; Silva Júnior (2005), o prognóstico

do quadro de intoxicação pelo aldicarb é reservado a desfavorável.

Como medida específica, emprega-se o sulfato de atropina (SPINOSA et al., 2008). O

sulfato de atropina age por um mecanismo de competição, inibindo a ação da acetilcolina

sobre o órgão efetor (HANSEN, 2006). Segundo Spinosa et al. (2008), a dose recomendada é

de 0,2 a 0,5 mg/kg sendo um quarto da dose via IV e o restante SC ou IM. A dose é repetida

em intervalos de três a seis horas enquanto os sintomas permanecerem (AHRENS, 1997;

SPINOSA et al., 2008). A superdosagem de sulfato de atropina pode causar estase abdominal,

taquicardia, delírio e hipertermia; assim, deve-se evitar a atropinização excessiva (SAKATE,

2002). Desta forma, Spinosa et al. (2008) recomenda a utilização da menor dose possível,

dada a possibilidade de que sejam administradas várias repetições e neste caso, preconiza-se a

27

administração de metade da dose. Como marcador clínico mais seguro da atropinização

efetiva, pode-se ter a redução da sialorréia e do alívio das alterações respiratórias (ausência de

dispnéia e de secreções respiratórias), já que o diâmetro pupilar não é um indicador confiável

em gatos e em alguns cães. A dose de atropina deve ser reduzida ou sua administração

descontinuada se houver o desenvolvimento de taquicardia, estase gastrintestinal, alterações

de comportamento ou hipertermia.

Os efeitos muscarínicos central e periférico (bradicardia, broncoconstrição, secreção

brônquica excessiva, vômito, etc.) são bloqueados com o sulfato de atropina, mas este não

reverte os efeitos nicotínicos como tremores musculares (SAKATE, 2002). Estes sinais, de

acordo com Spinosa et al. (2008) poderão persistir por mais de 24 horas. Conforme os

mesmos autores, oximas (reativadores da acetilcolinesterase) não devem ser utilizadas nas

intoxicações por carbamatos, já que formam um complexo enzima-pesticida reversível

espontaneamente e diversos estudos e experiências clínicas mostraram que há um aumento da

toxicidade ao carbamato quando alguma oxima é utilizada no tratamento.

Nos casos em que houver dispnéia severa, a oxigenoterapia deverá ser instituída a fim

de suprir a demanda de oxigênio exigida pelo miocárdio na ocorrência de taquicardia. O uso

de anticonvulsivantes deve ser cuidadoso por causa da depressão respiratória. Podem ser

usados benzodiazepínicos, ou barbitúricos de acordo com a gravidade (SAKATE, 2002). No

caso de ocorrerem convulsões, a dose recomendada por Spinosa et al.(2008) do diazepan é de

0,5 a 1,0 mg/kg, via intravenosa.

A alcalinização da urina com o uso de bicarbonato de sódio (3 a 4 mEq/kg, IV ou VO

na dose de uma colher das de chá em copo d’água, por cinco a sete dias) em pequenos animais

auxilia na recuperação mais rápida deles (SAKATE, 2002).

Cuidado de suporte é muito importante, especialmente em gatos, e inclui

monitorização de hipo ou hipertermia, suplementação de potássio oral ou parenteral se for

detectada hipocalemia, e fuidoterapia parenteral, suporte eletrolítico e nutricional (BRAUND,

2003). Estes cuidados podem se estender por várias semanas.

O uso concomitante de succinilcolina, tranqüilizantes fenotiazínicos e outros

medicamentos causadores de depressão respiratória, além de procaína, compostos como

magnésio, anestésicos inalatórios, agentes bloqueadores neuromusculares, antibióticos

aminoglicosídeos, clindamicina, lincomicina, polimixinas A e B, colistina e teofilina é contra-

indicado nas intoxicações por agentes anticolinesterásicos (SPINOSA et al., 2008).

28

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O êxito do diagnóstico toxicológico dependerá de uma análise exaustiva de

informações emergentes de estudos interdisciplinares de caráter epidemiológico, clínico,

necrópsico, histopatológico e analítico (laboratório toxicológico) (OLIVEIRA et al. 2002).

Segundo dados fornecidos pelo Centro de Informação Toxicológica do Rio Grande do

Sul, as intoxicações animais por raticidas reportadas no período de 2005 a 2007, somam 307

casos, sendo 97,1% referente a cães (95,3%) e gatos (4,7%). Dos raticidas envolvidos em

acidentes tóxicos com cães e gatos, 81% foram produtos da classe dos cumarínicos, raticidas

lícitos no país. Entretanto, 9,8% dos casos nestas espécies foram por raticidas ilícitos, mais

especificamente a estricnina e o fluoracetato de sódio. Não há registros de intoxicações

animais por Aldicarb no Estado do Rio Grande do Sul. Os dados obtidos no levantamento dos

registros de intoxicação por raticidas indicam um número relevante de casos de intoxicações

por estes agentes em cães e gatos neste Estado, entretanto, considerando que os registros neste

órgão não são compulsórios estes dados encontram-se subestimados. Hansen (2006), realizou

estudo feito através de inquérito epidemiológico em clínicas veterinárias selecionadas

aleatoriamente na cidade de Curitiba, onde foram observados que de 40 de cães e gatos

intoxicados por pesticidas, oito casos foram por cumarínicos, nove por carbamato e três por

estricnina e, nos casos de óbito, os cães principalmente foram vítimas de pesticidas

rodenticidas, mostrando que não somente a população está despreparada, como o comércio

em si, que continua distribuindo tais produtos sem licença.

Segundo Spinosa et al. (2008), no Brasil, os rodenticidas lícitos são somente os do tipo

anticoagulante de efeito crônico, sendo esta decisão fundamentada em três pontos: (1) nas

intoxicações acidentais (homem e animais não alvo) deve haver tempo hábil para o

tratamento, portanto, descartam-se rodenticidas de efeito agudo; (2) necessidade de que o

raticida tenha um antídoto específico para realizar o tratamento de maneira adequada; e (3)

por razões humanitárias, o rodenticida não deve causar morte violenta nos animais-alvo. Ao

considerar-se a gravidade potencial dos raticidas ilícitos, percebe-se que o índice de óbitos por

estes agentes registrados no CIT/RS de 2005 a 2007 em cães e gatos, dos casos com evolução

conhecida, revela-se muito mais alto do que por raticidas lícitos (cumarínicos): do total de

casos por fluoracetato este índice foi de 62,5%, de estricnina 55% enquanto que dos

cumarínicos representaram 4,6%.

29

Apesar de o aldicarb ser uma substância classificada como agrotóxico de uso restrito

no país, seu uso como raticida ilícito tem sido registrado em vários estados brasileiros. Sendo

assim, a divulgação de informações a respeito deste tema, incluindo o estudo da toxicologia

do aldicarb, é altamente relevante, não somente por fornecer auxílio à rotina do médico

veterinário, mas também por servir como um novo documento que torna público a gravidade

do problema no Brasil (XAVIER et al., 2007a).

Os números de intoxicações em cães foram maior do que em gatos em ambos os

levantamentos epidemiológicos citados. Segundo Fraser (1991) apud Hansen (2006), embora

as citações refiram-se a prevalência, não se pode deixar de levar em consideração que muitas

vezes os gatos intoxicados não retornam às suas casas, pois gatos normalmente, quando

adoentados, apresentam uma resposta denominada comportamento agonístico, buscando sua

“segurança” em locais de difícil acesso para possíveis predadores, e conseqüentemente não

podendo chegar ao socorro médico e desta forma serem identificados como caso toxicológico.

Estes dados fundamentam um maior conhecimento sobre os agentes tóxicos mais

envolvidos nos acidentes em nosso meio, facilitando o diagnóstico, tornando o atendimento

mais rápido e também, possibilitando ações preventivas no que se refere à educação dos

proprietários para o desenvolvimento de uma consciência do risco tóxico (DALLEGRAVE e

SEBBEN, 2008).

A anamnese auxilia o clínico na sua conduta, entretanto ela deve ser considerada mas

não deve ser priorizada uma vez que muitas vezes pode ocorrer omissão, distorção ou pré-

concepção por parte do proprietário. A descrição pormenorizada dos sinais clínicos deve

sempre prevalecer, principalmente quando se busca auxílio aos centros de informação

toxicológicas, os quais representam uma importante ferramenta para a conduta clínica do

médico veterinário disponibilizando dados atualizados, específicos e em tempo real, uma vez

que na maioria das vezes não há tempo para uma busca bibliográfica rápida por parte do

clínico veterinário frente a uma intoxicação aguda.

Os casos de intoxicação são atendidos com certa freqüência em todas as clínicas

veterinárias do país e representam emergência clínica na maioria das vezes (HANSEN, 2006).

Portanto, o manejo de um caso agudo de intoxicação, independente do agente deve sempre

priorizar o paciente emergencial para sua estabilização e a partir disto buscar qual foi a

origem da intoxicação. Segundo Peterson; Talcott (2006) este manejo pode ser organizado em

cinco partes: (1) ABC do paciente crítico: via aérea, respiração, circulação; (2) realizando o

controle de convulsões ou tremores; (3) avaliação de distúrbios metabólicos e clínicos e

instituição de um plano para sua estabilização; (4) descontaminação gastrintestinal; e (5)

30

cuidados de suporte. Animais intoxicados podem ter seus mecanismos homeostáticos

severamente alterados e mais ainda podem estar hipotérmicos ou hipertérmicos. É necessário

tratar o paciente e não a toxicose. Isto significa que apesar da descontaminação gastrintestinal,

podem haver ainda mais preocupações em relação ao tratamento imediato em cada caso

individual.

A importância da sintomatologia está na decisão da conduta clínica frente às

intoxicações, haja vista que nem sempre os produtos referidos no rótulo refletem a real

composição, podendo haver misturas entre compostos (o que dificulta a conduta) e falta de

informação sobre o tóxico (HANSEN, 2006).

Os sinais clínicos associados às intoxicações por estricnina, fluoracetato de sódio e

aldicarb, são muito semelhantes no que diz respeito principalmente às manifestações

neurológicas, estes, iniciam-se e transcorrem de forma extremamente aguda. Entretanto, os

mecanismos de ação dos mesmos são diferentes, provocando alterações no metabolismo de

forma diferente. Para tanto será demonstrado no quadro abaixo um comparativo dos sinais

clínicos, baseado nas referências deste presente trabalho.

- : não referido na literatura consultada.

Figura 3. Quadro comparativo entre sinais clínicos na intoxicação por estricnina,

fluoracetato de sódio e aldicarb.

SINAIS ESTRICNINA FLUORACETATO DE SÓDIO

ALDICARB

Hiperexcitabilidade Sim Sim Sim Sialorréia Intensa - Intensa Náuseas, Vômitos - Sim Pode haver Diarréia - Sim Sim Micção freqüente - Sim Sim Taquipnéia Sim Sim, principalmente

gatos -

Ataxia Sim - - Espasmos musculares Sim - Sim Convulsões Tônico-clônicas,

responsivas a estímulos externos

Tônico-clônicas, em gatos, hiperreflexia

Clônicas ou tônico clônicas

Movimentos de corrida

Sem sinais de pedalagem ou

movimentos de corrida

Corridas frenéticas em linha reta

-

Reflexos Pupilares Midríase Midríase Miose Temperatura corpórea

Hipertermia Hipertermia em cães, hipotermia em gatos

Hipotermia ligeira a moderada

Cianose Pode haver - Pode haver

31

Análises laboratoriais podem confirmar e/ou quantificar os resultados de uma

exposição a um agente tóxico. Hematologia, bioquímica, urinálise podem ser de grande valia,

assim como o conteúdo gástrico (vômito, coleta por sondagem ou mesmo post mortem), fezes

ou mesmo pêlos. Outras análises incluem avaliação post mortem, incluindo a utilização de

tecidos como fígado, rins, gordura e cérebro para pesquisa do agente, metabólitos ou mesmo

possíveis lesões causadas por estes. Amostras ambientais como alimento, ração, água, solo,

plantas tóxicas, iscas, medicamentos, objetos contaminados com produtos químicos, ou

outros, não confirmam, mas sugerem um provável diagnóstico (DALLEGRAVE; SEBBEN,

2008). Em determinados casos, a análise toxicológica é indispensável para proceder a

terapêutica posterior, para confirmar a eficácia e determinar a aplicação de tratamentos

específicos. De acordo com Oliveira et al. (2002), a análise química de amostras colhidas no

animal ou no ambiente é fundamental para estabelecer e confirmar o diagnóstico de um

quadro clínico de intoxicação. O resultado positivo ou negativo de uma análise química nem

sempre é uma evidência conclusiva da ocorrência ou não de intoxicação. Isto significa dizer

que um resultado negativo não exclui a ocorrência de uma intoxicação, existem compostos

químicos com elevada toxicidade, cujas concentrações nos tecidos são impossíveis de detectar

e quantificar pelos métodos analíticos existentes atualmente. Dessa forma, o tratamento

imediato de uma intoxicação não depende da análise toxicológica, mas sim dos sinais clínicos

e da anamnese. Na maioria dos casos o tratamento sintomático realiza-se em função da

perturbação das funções vitais e das alterações biológicas, portanto a determinação analítica

de substâncias tóxicas pode ser solicitada nos seguintes casos (GALEY e HALL, 1990 apud

OLIVEIRA et al., 2002): a) animais com sinais ou sintomas característicos das intoxicações

mais freqüentes (estricnina, organoclorados, organofosforados, rodenticidas); b) morte súbita

de um animal (cão ou gato) clinicamente são durante as horas que precederam a sua morte; c)

morte de um ou de vários animais num contexto de atitude mal intencionada

(envenenamento).

Independentemente da circunstância em que a intoxicação ocorreu, a orientação do

proprietário é fundamental para a prevenção de novos casos. Além disso, se há exposição

animal a um determinado pesticida, é maior o risco de o ser humano tornar-se também uma

vítima de intoxicação (SPINOSA et al., 2008). Muitas vezes estes produtos são utilizados

erroneamente como pesticidas domésticos, ou ainda pior, utilizados intencionalmente na

morte criminosa de animais. Sendo assim, a divulgação de informações a respeito deste tema

é extremamente relevante, pois além de servir como auxílio à rotina do clínico veterinário,

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serve como um documento que torna pública a gravidade do uso indiscriminado de pesticidas

ilícitos no Brasil.

REFERÊNCIAS

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