Frederick Forsyth - Icone

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ICONE Frederick Forsyth

Traduo de EDUARDO SAL Capa de A. PEDRO Ttulo da edio original ICON Copyright e Transworld Publishers Ltd., Londbrv 1996 Reservados todos os direitos pela legislao em vigor Lisboa 1996 VENDA INTERDITA NA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

COLEO FREDERICK CONE

DOIS FORSYTH

MUNDOS

EDIO LIVROS DO BRASIL Rua dos Caetanos, 22

LISBOA

PARA SANDY PRIMEIRA PARTE CAPTULO 1

ERA o Vero em que o preo de uma pequena carcaa atingiu o milho de rublos. Era o Vero do terceiro ano consecutivo de colheitas calamitosas e o segundo da hi perinflao. Era o Vero em que os primeiros russos comearam a morrer de subalimentao, nas vielas de distantes vilas da provncia. Era o Vero em que o Presidente teve um colapso na sua limtisina, demasiado longe de qualquer possibilidade de socorro para poder ser salvo, e um velho empregado da brigada de limpeza roubou um documento. Depois disto, nada voltaria a ser o mesmo. Era o Vero de 1999.

Fazia calor, naquela tarde, um calor opressivo, e foram necessrias vrias b uzinadelas antes que o porteiro emergisse apressadamente da guarita para abrir a s duas pesadas portas de madeira do edifcio do gabinete. O guarda-costas presidencial baixou a janela para lhe indicar que se per filasse, enquanto o longo Mercedes 600 deslizava sob o arco, em direo Staraya Plos hchad. O embaraado interpelado tratou de erguer a mo naquilo que esperava passasse por uma saudao formal, enquanto o segundo veculo, um Chalka russo, com mais quatr o guarda-costas, seguia a limusine. O presidente Cherkassov, imerso em reflexes, era o nico ocupante do banco de trs do Mercedes. No da frente, sentavam-se o seu condutor da Polcia e o guarda -costas pessoal atribudo pelo Grupo Alfa. Enquanto aos pouco atraentes subrbios se sucediam os campos e rvores, o es tado de esprito do presidente da Rssia era de profunda amargura, alis muito justifi cada. Havia trs anos que exercia o cargo que conquistara depois de substituir o e nfermo Boris Ieltsin, durante os quais assistira ao afundamento do seu pas na pob reza, sem dvida o perodo mais miseravel da sua vida. No Inverno de 1995, quando era primeiro-ministro, nomeado pelo prprio Iel tsin como um premier tecnocrata para reorganizar e conseguir a retomada da econom ia, o povo russo fora s urnas para eleger um novo parlamento, ou Duma. Essas eleies eram importantes, mas no vitais. Nos anos precedentes, passara cada vez mais poder do Parlamento para a presidncia, num processo cuja autoria s e devia, na sua maior parte, a Boris Ieltsin. No Inverno de 1955, o possante sib eriano, que, quatro anos atrs, montara um tanque durante a tentativa de golpe de Agosto de 1991, conquistara a admirao no s da Rssia, mas tambm do Ocidente como grand lutador em prol da democracia e assumira a presidncia, convertera-se em um ser a lquebrado. Convalescente de um segundo ataque cardaco em trs meses, corado e inchado pelos medicamentos, observou as eleies parlamentares de uma clnica nas Colinas dos

Fardais, antigas Colinas de Lenin, a nordeste de Moscou, e viu os seus prprios pr otegidos polticos serem relegados para o terceiro lugar entre os deputados. Isto no se revelou to crucial como teria acontecido numa democracia ocidental, devido l argamente ao fato de que, graas a Ieltsin, a grande maioria do atual poder perman ecia nas mos do prprio presidente. A semelhana dos Estados Unidos, a Rssia tinha uma presidncia executiva, mas, ao contrrio daqueles, a teia de contenes e equilbrios que o Congresso pode impor Casa Branca no existia, Ieltsin podia governar com eficinc ia por decreto, e fazia-o. No entanto, as eleies parlamentares mostraram pelo menos de que lado sopra va o vento e forneceram uma indicao da tendncia para as eleies presidenciais, muito m ais importantes, marcadas para Junho de 1996. A nova fora no horizonte poltico do Inverno de 1995 eram, ironicamente, os comunistas. Aps setenta anos de tirania destes ltimos, cinco de reformas de Gorba chev e outros tantos de Ieltsin, o povo russo comeava a recordar os velhos tempos com nostalgia. Os comunistas, sob a gide die Gennady Zyuganov, pintavam um quadro cor-de -rosa de como as coisas tinham sido: garantia de emprego, salrio assegurado, alim entao acessvel a todas as bolsas e lei e ordem. No faziam, porm, qualquer aluso ao de potismo do KGB, ao arquiplago de Gulag dos campos de trabalhos forados ou supresso de toda a liberdade de movimentos e expresso. Os eleitores russos j estavam numa condio de profunda desiluso com os dois o utros outrora proclamados salvadores: capitalismo e democracia. O segundo termo era pronunciado com desdm. Para muitos, ao olharem em volta para a corrupo e crime pandmico que grassavam, tudo no passara de uma mentira gigantesca. Quando foram c ontados os votos parlamentares, os criptocomunistas dispunham do maior bloco nico de deputados na Duma e o direito de nomear o seu presidente. No outro extremo, encontravam-se os seus opositores aparentemente diamet rais os neofascistas de Vladimir Zhirnovsky, dirigente do ironicamente chamado Partido Democrtico Liberal. Nas eleies de 1991, esse rude demagogo, com o seu gosto pelo comportamento bizarro e expresses escatolgicas, obtivera um resultado satisf atrio, mas a sua estrela achava-se em declnio. No cara, todavia, o suficiente para l he arrebatar o segundo maior bloco de deputados. No meio, situavam-se os partidos do centro poltico, apegados s reformas econmicas e sociais que haviam introduzido. Figuravam em terceiro lugar. Mas o verdadeiro efeito dessas eleies consistiu em preparar o terreno para a corrida presidencial de 1996. Houvera quarenta e trs partidos separados contes tatrios das eleies da Duma, e a maioria dos dirigentes dos principais partidos reco nhecia que seriam mais bem servidos por meio de um programa de coalescncia. Antes do Vero, os criptocomunistas aliaram-se aos seus amigos naturais, o Partido Agrrio, ou dos Camponeses, para formar a Unio Socialista, um ttulo intelig ente, porque inclua duas das iniciais da velha URSS, o lder continuava a ser Zyuga nov. Na ala ultra-direita, tambm se achavam em atividade movimentos para a unific ao, aos quais, porm. Zhirinpvsky resistia tenazmente. Vlad, o Louco, considerava qu e podia chegar presidncia sem a ajuda das outras faes daquele quadrante. As eleies presidenciais russas, semelhana das francesas, realizam-se em doi s turnos. Na primeira, todos os candidatos competem entre si. Somente os que fic am nos dois primeiros lugares concorrem segunda. A terceira posio no serve para nad a. Ora, Zhirinovsky foi o terceiro, e os polticos mais atilados da extrema-direit a furiosos com ele. Os doze partidos do centro uniram-se, mais ou menos, na Aliana Democrtica, com a dvida fundamental ao longo da Primavera de 1996 sobre se Boris Ieltsin est aria com sade suficiente para se candidatar e vencer, presidncia mais uma vez. A sua queda seria mais tarde atribuda pelos historiadores a uma nica palav ra Chechenia. Exasperado ao ponto da ruptura doze meses antes, Ieltsin lanara todo o po der do exrcito e fora area russos contra uma pequena tribo montanhesa guerreira, cu jo autonomeado chefe insistia na independncia total de Moscou. As perturbaes causad as pelos chechenos no tinham nada de novo, pois a sua resistncia remontava aos tem

pos dos czares e at antes. No entanto, tinham conseguido sobreviver aos pogroms (1) desencadeados p or vrios soberanos e pelo tirano mais cruel de sempre, Jos Stalin , resistir repet ida devastao da sua minscula ptria, deportaes e genocdio e continuado a lutar. O envio de todo o poderio das foras armadas contra os chechenos constitui u uma deciso impetuosa que no conduziu a uma vitria rpida e gloriosa, mas destruio al tudo na pequena tela e em maravilhoso tecnicolor da capital da Chechenia, Gr ozny, e ao cortejo interminvel de soldados russos, que regressavam da campanha e ncerrados em sacos de plstico. Com a sua capital reduzida a escombros, mas continuando armados at aos de ntes com material vendido por generais russos corruptos, os chechenos refugiaram -se nos montes que to bem conheciam e recusaram-se a ser varridos de l. O mesmo exr cito da Rssia que enfrentara o seu inglrio Vietn na tentativa para invadir e ocupar o Afeganisto criara assim um segundo nas faldas silvestres da Cordilheira do Cuca so. Se Boris Ieltsin desencadeara a sua campanha na Chechenia para provar q ue era um homem forte segundo o molde russo tradicional, tornou-se num gesto mal ogrado. Durante todo o ano de 1995, ansiou pela sua vitria final, que sempre lhe escapou. medida que via os seus jovens filhos regressar do Cucaso sem vida, a ind ignao do povo concentrou-se nos chechenos, mas tambm contra o homem que no conseguia oferecer-lhes a vitria. Aps um esforo pessoal esgotante, Ieltsin reconquistou a presidncia por uma unha negra e na sequncia de uma ponta final extremamente difcil. No entanto, um an o mais tarde extinguiu-se. O cargo passou para o tecnocrata Josep Cherkassov, lde r do Partido Patritico Russo, ento incorporado na mais numerosa Aliana Democrtica. Nome dado na Rssia perseguio organizada contra uma classe ou raa. (N. do T.) Cherkassov pareceu comear bem. Conservou a aprovao benigna do Ocidente e, m ais importante, os seus crditos financeiros para manter a economia do pas dentro d e um certo equilbrio. E, atendendo a conselhos dos ocidentais, negociou finalment e uma trgua com a Chechenia, e o fato de mau grado os vingativos russos abominar em a idia de os chechenos sarem airosos da sua rebelio fazer os soldados regressar a casa resultou popular. As coisas comearam, todavia, a correr mal passados dezoito meses. As caus as eram duas Em primeiro lugar, as depredaes da Mafia russa tornaram-se finalmente muito opressivas para que a economia nacional as pudesse suportar e, em segundo , registrou-se outra alucinada aventura militar. Em fins de 1997, a Sibria, fonte de noventa por cento da riqueza da Rssia, ameaou separar-se do resto do pas. Na verdade, tratava-se da menos submissa das provncias russas. No entanto , sob os seus gelos permanentes, explorados muito pela rama, encontravam se depsi tos de petrleo e de gs natural que faziam a prpria Arbia Saudita parecer carente nes te captulo. Alm disso, havia ouro, diamantes, bauxite, mangansio, tungstnio, nquel e platina. No final dos anos noventa, a Sibria continuava a ser a ltima fronteira do planeta. Comearam a chegar a Moscou informaes de que emissrios japoneses e, em parti cular, sul-coreanos circulavam naquela regio incitando secesso. O presidente Cherk asov, mal aconselhado pelo seu crculo de sicofantas e aparentemente esquecido dos erros do seu predecessor na Chechenia, enviou o exrcito para o leste, deciso que provocou uma dupla catstrofe. Depois de doze meses sem uma soluo militar, tinha de negociar um acordo qu e concedia aos siberianos mais autonomia e controle sobre os destinos da sua prp ria riqueza do que jamais acontecera. Alm disso, a aventura acelerou a hiperinflao. O governo tentou abrir um caminho para se livrar de apuros. No Vero de 19 99, os dias dos cinco mil rubles por cada dlar de meados dos anos noventa no passa vam de uma recordao. A colheita do trigo da regio da terra negra do Kuban resultara ruinosa em 1997 e 1998 e a da Sibria atrasou-se at apodrecer, porque os rebeldes destruram a via frrea. O presidente Cherkassov mantinha-se no seu cargo, mas era bv io que j no detinha o poder. Nos campos, onde deveria crescer alimentao pelo menos suficiente para sati

sfazer as suas necessidades, as condies tinham atingido o ponto mais crtico. Sem fu ndos, com insuficincia de mo-de-obra e as infra-estruturas a desmoronarem-se, as f azendas permaneciam inativas e as duas ricas terras limitavam-se a produzir erva s daninhas. Os comboios que paravam em apeadeiros eram assaltados por camponeses , na sua maioria idosos, que ofereciam moblia, vesturio e bricabraque em troca de dinheiro ou, de preferncia, comida. A aceitao era, porm, escassa. Em Moscou, capital e mostrurio da nao, os indigentes dormiam nos cais ao lo ngo do Moskva e nos becos. A Polcia chamada Polcia, na Rssia, que abandonara virtua lmente a luta contra o crime, tentava encafu-los em comboios de mercadorias em d ireo aos lugares de que provinham. Mas chegavam cada vez mais, procura de trabalho , alimentao e/ou auxlio de qualquer natureza. Muitos deles viam-se reduzidos mendic idade e morriam nas ruas. No dealbar da Primavera de 1999, o Ocidente parou finalmente de verter s ubsdios no poo sem fundo, e os investigadores estrangeiros, mesmo os que mantinham ligaes com a Mafia, retiraram-se. A economia russa, como um refugiado de guerra e spoliado vezes demais, estendeu-se na beira da estrada e morreu de desespero. Era este o tenebroso cenrio que o presidente Cherkassov enfrentava, enqua nto abandonava a cidade, naquele dia quente de Vero, a caminho da sua residncia de Vero. O motorista conhecia bem o percurso para a dacha no campo, para alm de Us ovo, nas margens do rio Moskva, onde o ar era mais fresco, debaixo das rvores. An os atrs, os adiposos gatos do Politburo sovitico tinham mandado construir as suas casas estivais entre o arvoredo ao longo daquela curva do curso de gua. Muitas c oisas tinham entretanto mudado na Rssia, mas no a esse extremo. O trfego era escasso devido ao preo elevado da gasolina, e os caminhes com que a limusine se cruzava expeliam densas colunas de fumo negro. Depois de Arkch angelskoye, atravessou a ponte e enveredou pela estrada paralela ao rio, cuja co rrente deslizava suavemente sob a bruma de Vero, rumo cidade. Cinco minutos mais tarde, o presidente Cherkassov comeou a ter dificuldad e em respirar. Embora o sistema de ar condicionado estivesse regulado para o mxim o, apertou o boto para abrir a janela e permitir que o ar da Natureza lhe incidis se no rosto. Era quente e pouco ou nada lhe facilitou a respirao. Do outro lado da divisria, tanto o motorista como o guarda-costas no haviam percebido nada. O desvio para Peredelkino encontrava-se um pouco adiante, direita. Quand o entraram nele, o presidente da Rssia inclinou-se para a esquerda e tombou no a ssento. A primeira coisa que o motorista se deu conta foi que a cabea do Presiden te desaparecera do espelho retrovisor e murmurou algo ao companheiro, que se vol tou para trs. No instante imediato, o Mercedes imobilizava-se na beira da estrada . O Chalka, que o seguia de perto, parou igualmente, e o chefe do grupo da segu rana, antigo coronel de Spetsnaz, saltou do lugar do passageiro ao lado do motori sta e precipitou-se para l. Entretanto, os outros abandonavam tambm os seus lugare s, de armas em punho, e formavam um crculo de proteo No faziam a menor idia do que ac ontecera. O coronel alcanou o Mercedes, onde o guarda costas abrira a porta e se de bruava para dentro, e afastou-o para ver melhor. O Presidente inclinava-se para o lado, com ambas as mos pousadas no peito, olhos fechados e respirao difcil. O hospital mais prximo com uma unidade de cuidados intensivos de alta qua lidade era a Clnica Estatal Nmero Um, a quilmetros dali, nas Colinas dos Pardais. O coronel sentou-se no banco de tras, ao lado do angustiado Cherkassov e ordenou ao motorista que invertesse a direo e seguisse para a cintura orbital. O homem, de faces lvidas, apressou-se a obedecer. Depois, servindo-se do seu telef one porttil, o oficial entrou em contacto com a clnica e pediu uma ambulncia. O encontro ocorreu meia hora mais tarde, no meio da auto-estrada dividid a. Paramdicos transferiram o homem inconsciente da limusine para a ambulncia e ini ciaram os trabalhos, enquanto o comboio de trs veculos seguia velozmente em direo cl ica. Uma vez chegados, o Presidente foi confiado aos cuidados do cardiologist a de servio, cuja equipe utilizou todos os meios sua disposio, os mais recentes e m elhores, mas era muito tarde. A linha que cruzava a tela do monitor recusava-se

a indicar a mnima reao, mantendo-se uniforme, juntamente com o sinal acstico agudo. s quatro e dez, o cardiologista endireitou-se e meneou a cabea. O homem que utiliz ava o desfibrilador afastou-se da mesa. O coronel marcou um nmero no telefone porttil e, quando algum respondeu, ao terceiro toque, indicou: - Ligue-me ao gabinete do Primeiro-Ministro.

Seis horas mais tarde, no mar ondulante ao largo das Antilhas, o Foxy La dy alterou a rota para regressar procedncia. Na coberta da popa, o barqueiro, Jul ius, recolheu as linhas e arrumou as canas de pesca. Fora um longo dia de fretam entos, o casal americano abriu duas latas de cerveja e sentou-se confortavelment e sob o toldo para saciar a sede. No compartimento do peixe, havia dois pesados wahoo com cerca de vinte q uilogramas cada um e meia dzia de douradas grandes que, poucas horas antes nadava m calmamente a umas dez milhas dali. O patro, na coberta superior, corrigiu o rumo em direo s ilhas e acelerou, c onvencido de que chegariam Baa da Tartaruga dentro de menos de uma hora. O Foxy Lady parecia ciente de que o trabalho do dia estava quase termina do e o ancoradouro o aguardava para um perodo de repouso. Julius encheu um balde no oceano e alagou a coberta da popa mais uma vez. Quando Zhirinovsky fora lder dos democratas-liberais, a sede do partido s ituava-se num decrpito edifcio da Travessa do Peixe, perto da Rua Stretenka. Os vi sitantes desconhecedores das estranhas maneiras de proceder de Vlad, o Louco, t inham-se surpreendido ao descobrir as suas indesejveis condies, com o estuque em av anado estado de escamao e as janelas exibindo dois cartazes do demagogo conspurcado pelas moscas, havia mais de dez anos que o interior no contactava com um pano mo lhado. Transposta a porta preta rachada em vrios pontos, descobriram um trio mal i luminado com uma barraca de venda de camisetas que exibiam a efgie do lder no peit o e os bluses negros de couro que os seus apoiantes usavam. No topo da escada sem passadeira, encontrava-se o primeiro patamar, com um guiche gradeado, atrs do qual um puarda inquiria a natureza da visita. S se a e xplicao era satisfatria o interpelado podia subir aos inclassificveis aposentos onde Zhirinovsky celebrava corte, quando estava na cidade Rock, ao pesado, ecoava ru idosamente no edifcio. Era assim que o excntrico fascista preferira manter o quart el-general do partido, baseado no princpio de que a imagem exteriorizava um home m do povo e no um ricao corrupto. No entanto, h muito que ele desaparecera da circu lao, e o Partido Democrtico Liberal fundira-se com as outras organizaes ultradireitis tas e neofascistas naquilo que dava pelo nome de Unio das Foras Patriticas. O seu lder indiscutido era Igor Komarov, um homem de personalidade comple tamente diferente. No entanto, em obedincia lgica fundamental de mostrar aos pobre s e espoliados, cujos votos procurava, que a Unio das Foras Patriticas no se permiti a confortos dispendiosos, conservava o edifcio na Travessa do Peixe, embora tives se o seu escritrio privado em outro lugar. Formado em engenharia, Komarov trabalhara sob a gide do comunismo, mas no para o partido, at que, a meio do perodo de Ieltsin , decidira dedicar-se poltica. Escolhera o Partido Democrtico Liberal e, apesar de detestar intimamente Zmnnovsk y pelos seus excessos alcolicos e constantes observaes de natureza sexual de mau go sto, a sua ao discreta em segundo plano conduzira-o ao politburo, conselho interno do partido. Da, graas a uma srie de reunies secretas com lderes de outras organizae e ultradireita, alinhavara a aliana de todos os elementos de direita da Rssia na U FP. Ao ver-se perante um fato consumado, Zhirinovsky aceitou, no sem relutncia , a sua existncia e caiu na armadilha de presidir primeira reunio plenria. Ora, esta aprovou uma resoluo em que exigia a sua demisso e expulsou-o. Kom arov recusou assumir a liderana, mas providenciou para que fosse confiada a uma e ntidade de relevo secundrio, um homem sem carisma e pouco talento organizador. Um ano mais tarde, foi fcil explorar e aproveitar a sensao de desapontament o no conselho dirigente da Unio, afastar o substituto e ocupar ele prprio o lugar. Os atrativos e carreira de Vladimir Zhirinovsky tinham chegado ao fim. Dois anos aps as eleies de 1996, os criptocomunistas comearam a desaparecer.

Os seus apoiantes tinham sido sempre predominantemente de meia-idade e idosos e houvera dificuldade em angariar fundos. Sem a contribuio dos grandes banqueiros, o produto das quotizaes j no bastava. O dinheiro e atrativo da Unio Socialista atenua ram-se gradualmente. Em 1998, Komarov era o lder incontestada da ultra-direita e achava-se na posio ideal para explorar o desespero crescente do povo russo, sem dvida em quantid ade elevada. Contudo, entre toda aquela pobreza e indigncia, tambm se registrava u ma riqueza ostensiva que obrigava as pessoas a pestanejar de assombro. Os que po ssuam dinheiro tinham-no s montanhas, na sua maioria em moeda estrangeira, e pavon eavam-se nas ruas em longas e elegantes limusines, americanas ou alems pois a fbri ca Zil suspendera a produo, acompanhadas com frequncia de motocicletas que abriam c aminho e, em regra, um segundo carro com guarda-costas. No trio do Teatro Bolshoi e nos bares e salas de banquetes do Metropol e do National, podiam ver-se todas as noites, ao lado das respectivas prostitutas com dispendiosos casacos de peles, os perfumes mais recentes de Paris e reluzent es diamantes. Eram os gatos nutridos, mais adiposos que nunca. Na Duma, os delegados gritavam e aprovavam resolues Isto faz-me pensar no q ue li sobre os ltimos dias da Repblica de Weimar , observou um correspondente britnic o. O nico homem que parecia oferecer um possvel raio de esperana era Igor Koma rov. Durante os dois anos que havia desde que pegara nas rdeas do poder do par tido de direita, surpreendera a maioria dos observadores, tanto da Rssia como do estrangeiro. Se se contentasse com permanecer simplesmente um excelente organiza dor poltico, no teria passado de mais um apparatchik. Ao invs, mudou. Ou, pelo meno s, assim pensavam os observadores. O mais provvel era que dispunha de um talento que tivera o cuidado de conservar oculto. Salientou-se como orador popular apaixonado e carismtico. Quando subiu ao pdio, aqueles que se recordavam do homem recatado, de falas mansas e enfadonho f icavam surpresos. Com efeito, parecia transformado. A sua voz aumentava de tom e adquiria inflexes de bartono, aproveitando todas as numerosas expresses e cambiant es do idioma para obter as reaes mais convenientes. Podia baix-la at quase um murmrio , pelo que, mesmo com os microfones, a audincia experimentava dificuldades em cap tar as palavras, e em seguida elev-la numa perorao retumbante que punha as multides de p, e at os cticos o aclamavam. No tardou a dominar a rea da sua prpria especialidade a multido ao vivo. Evi tava a conversa de lareira ou entrevistas na televiso, consciente de que, embora o processo funcionasse no Ocidente, no convinha para a Rssia. Na verdade, os russo s raramente convidavam pessoas a visit-los em suas casas. E tambm no estava interes sado em ser encostado parede com perguntas hostis. Todos os discursos que pronun ciava eram estudados como uma pea teatral, mas obtinham o resultado pretendido. S se dirigia aos fiis do partido, com as cmaras nas mos da sua equipe de realizadores de filmes, chefiada pelo jovem Litvinov. Aps a montagem apropriada, essas produes eram colocadas disposio da televiso em escala nacional, segundo as condies que ele p rio impunha. Lograva assim comprar tempo de antena na TV, em vez de se conformar com os caprichos imprevisveis dos jornalistas. O tema era sempre o mesmo e invariavelmente popular: a Rssia, a Rssia e ai nda a Rssia. Invectivava os estrangeiros, cuja conspirao internacional colocara a n ao de rastos. Propugnava a expulso de todos os negros , maneira popular russa de aludi r aos armnios, georgianos e outros povos do sul, muitos dos quais se sabia figura rem entre os mais abastados dos beneficiados com o produto de crimes. Clamava ju stia para os pobres e maltratados habitantes que um dia se ergueriam com ele para restaurar as glrias do passado e varrer a imundcie que conspurcava as ruas da ptr ia. Prometia tudo a todos. Haveria emprego para os sem trabalho, com um salri o correspondente atividade executada, comida na mesa e recuperao da dignidade. Par a os privados das parcas poupanas, reapareceria o metal sonante para as despesas quotidianas e algo para pr de parte, com vista velhice. Para quem usava o uniform e da rotina a ptria de outrora, ressurgiria o amor-prprio para eliminar as humilh

aes provocadas pelos gananciosos elevados a cargos pblicos cimeiros pelo capital es trangeiro. E escutavam-no com ateno. A sua voz chegava s vastas estepes, atravs da rdio e televiso. Os soldados do grandioso exrcito russo de outros tempos ouviam-no com concentrao, encolhidos em tendas de lona, expulsos do Afeganisto, Alemanha Oriental , Checoslovquia, Hungria, Polonia, Letonia, Litunia e Estonia, numa srie interminvel de retiradas do imprio. Os camponeses escutavam-no nas suas pequenas vivendas E izbas, dispersos pela ampla paisagem. Assim como as classes mdias, entre as peas de mobilirio que no tinham empenhado para se alimentar e dispor de carvo para o lume. At os patres ind ustriais o ouviam e sonhavam que as fbricas recomeavam a trabalhar. E quando ele p rometia que o anjo da morte caminharia entre os escroques e gangsters que haviam saqueado a sua querida Rssia, adoravam-no virtualmente. Na Primavera de 1999, por sugesto do seu conselheiro de relaes pblicas, um j ovem particularmente sagaz que frequentara uma universidade americana, Igor Koma rov concedeu uma srie de entrevistas. Boris Kuznetsov, o responsvel das RP, escolh eu bem os candidatos, na sua maioria legisladores e jornalistas da ala conservad ora da Amrica e Europa Ocidental. O objetivo em vista consistia em serenar-lhes receios. Como campanha, funcionou de forma brilhante. Muitos esperavam que se lhe s deparasse aquilo que tinham ouvido dizer: um demagogo fantico da ultradireita, considerado racista ou neofascista, quando no ambas as coisas. Pelo contrrio, viram-se perante um homem de traje sbrio e maneiras comedid as. Como no falava ingls, o conselheiro de RP sentava-se a seu lado, ora para orie ntar a entrevista, ora para servir de intrprete. Sempre que o seu venervel lder diz ia algo que decerto seria mal interpretado no Ocidente, Kuznetsov tratava de o converter em palavras mais aceitveis em ingls. Ningum se dava conta, pois tomara a precauo prvia de s aceitar entrevistadores que no entendiam russo. Assim, Komarov pde explicar que, como polticos ativos, todos temos um elei torado prprio que no convm melindrar desnecessariamente, se desejamos ser eleitos. Por conseguinte, por vezes precisamos ocasionalmente dizer aquilo que lhes inter essa ouvir, embora a concretizao das promessas possa resultar mais difcil do que su pnhamos, e os senadores inclinavam a cabea em sinal de compreenso. Explicou que, nas antigas democracias ocidentais, se entendia, de um mod o geral, que a disciplina social principiava na prpria pessoa, e a imposta exteri ormente, pelo Estado, poderia ser mais leve. Mas em todos os casos em que a auto disciplina fraquejava, o Estado necessitava ser mais firme do que o aceitvel no O cidente. E os membros do parlamento voltavam a acenar compreensivamente. Revelou aos jornalistas conservadores que a restaurao de uma moeda slida no seria possvel sem medidas draconianas contra o crime e a corrupo a curto prazo. Os representantes da Imprensa ocidental escreveram que Igor Komarov era um homem qu e escutaria a voz da razo em questes econmicas e polticas, como a cooperao com o Ocid nte. Talvez fosse muito rigoroso para ter aceitao numa democracia europia ou americ ana, e a sua vincada demagogia excessivamente assustadora para os paladares ocid entais, mas podia muito bem tratar-se do homem que a Rssia precisava na atual sit uao. De qualquer modo, a sua vitria nas eleies presidenciais do ano 2000 era quase ce rta, como as sondagens confirmavam. Portanto, as pessoas de vistas mais largas d eviam apoi-lo. Nas chancelarias, embaixadas, ministrios e gabinetes dos principais dirig entes polticos do Ocidente, o fumo de charutos erguia-se ao teto e as cabeas incli navam-se afirmativamente. No setor norte da rea central de Moscou, j na estrada circular e a meio ca minho do Bulevar Kiselny, h uma rua transversal. Um pouco adiante, no setor ocide ntal da artria, encontra-se um pequeno parque, com cerca de cinquenta metros quad rados, rodeado em trs lados por edifcios sem janelas e fachadas protegidas por seb es verdejantes de trs metros de altura, acima das quais se descortinava o topo de uma srie de conferas. Embutido na parede de ao, h um porto do mesmo metal. O pequeno parque na realidade o jardim de uma soberba vivenda ou manso prrevolucionria, admiravelmente restaurada em meados dos anos oitenta. Embora o int

erior seja moderno e funcional, a fachada clssica foi pintada em tonalidades past el e o estuque acima das portas e janelas de branco. Era a que funcionava o verda deiro quartel-general de Igor Komarov. Um visitante que se aproximasse do porto da frente era abarcado perfeitam ente pela cmara no topo do muro e anunciava-se atravs de um intercomunicador. Fala va com um guarda numa guarita do outro lado do porto, que consultava o gabinete d a segurana no interior da casa. Se o porto se abrisse, um carro rolaria durante dez metros e se imobiliza ria junto de uma srie de espiges, enquanto aquele voltava a fechar-se automaticame nte, o guarda surgiria ento para inspecionar os documentos de identificao. Se estiv essem em ordem, entraria na guarita e acionaria um controle automtico. Ato contnuo , os espiges se afastariam e o veculo seguiria em frente at o ptio, onde haveria mai s guardas sua espera. De cada lado da casa, estendia-se uma vedao at aos limites da propriedade. No interior, havia os ces. Eram dois grupos, cada um dos quais sob as ordens de u m nico tratador, os quais trabalhavam em noites alternadas. Aps anoitecer, as canc elas da vedao eram abertas e a propriedade ficava totalmente disposio dos animais. A partir de ento, o guarda do porto permanecia na guarita e, na eventualidade de ap arecer um visitante retardatrio, ele teria de contactar com o tratador para chama r os ces. Para evitar perder muitos membros do pessoal graas aos dentes dos animais , havia uma passagem subterrnea nos fundos do edifcio que conduzia a um beco estre ito que comunicava com o Bulevar Kiselny. Tinha trs portas uma dentro da casa, o utra na rua e a terceira a meio caminho. Tratava-se da via de acesso e sada dos f ornecedores e pessoal em geral. noite, quando o ltimo membro dos quadros polticos se retirara e os ces patr ulhavam a propriedade, dois seguranas mantinham-se de servio no interior do edifcio . Dispunham de um quarto, com televiso e apetrechos para preparar refeies leves e rp idas, mas sem qualquer cama ou div, porque no estavam autorizados a dormir. Inspec ionavam alternadamente os trs pisos da casa, at serem rendidos pelos colegas que c hegavam hora do caf da manh. Komarov fazia a sua apario mais tarde. Mas o p e teias de aranha no manifestam o mnimo respeito por semelhantes pr ecaues, pelo que, todas as noites, exceo do domingo, quando soava o alarme da entrad a dos fundos, um dos guardas admitia o empregado da limpeza. Em Moscou, essas funes costumam ser exercidas por mulheres, mas Komarov pr eferia ver-se rodeado de pessoal totalmente masculino, incluindo o da limpeza, u m velho soldado inofensivo chamado Lenidas Zaitsev. O apelido significa lebre ou coelho em russo e, devido ao seu aspecto insignificante e retrado, capote da trop a no fio, usado indistintamente no Inverno e no Vero e trs dentes de ao que brilhav am na parte da frente da boca os dentistas do Exrcito Vermelho costumavam ser mu ito bsicos, os guardas da casa tratavam-no simplesmente por Coelho. Na noite em q ue o Presidente morreu, deixaram-no entrar s dez horas, como sempre. Era uma da madrugada, quando, munido de um balde e pano numa das mos e ar rastando o aspirador com a outra, chegou ao gabinete de N. I. Akopov, secretrio p essoal de Komarov. O Coelho s vira o homem uma vez, um ano atrs, quando se apresentara ao tra balho e encontrara o pessoal superior fazendo horas extras. O secretrio tratara-o com aspereza e mandara-o sair atravs de uma srie de insultos. Depois disso, ele r etaliara diversas vezes, sentando-se na confortvel cadeira rotativa de Akopov. Co mo sabia que os guardas se encontravam no piso inferior, o Coelho fazia-o com sa tisfao e tranquilidade, consciente de que nunca tivera nem teria uma cadeira como aquela. Havia um documento em cima da mesa, que se compunha de cerca de quarent a pginas datilografadas. Perguntou-se por que o teriam deixado vista. Normalmente, Akopov guardav a tudo no cofre embutido na parede. Pelo menos, devia faz-lo, porque o Coelho nun ca vira nenhum, e todas as gavetas da mesa estavam sempre fechadas chave. Aps bre ve hesitao, levantou a capa de cartolina preta e leu o ttulo. Depois, abriu o docum ento ao acaso. Embora no soubesse ler com desembarao, fazia-o de modo minimamente satisfa trio. A me adotiva ensinara-lhe o suficiente para no ser considerado analfabeto, noes

ampliadas mais tarde pelos professores da escola pblica e, finalmente, um oficia l do exrcito atencioso. O que viu inquietou-o. Leu uma pgina vrias vezes. Embora algumas palavras fossem muito longas e complexas, compreendia o significado. As suas mos artrticas tremiam, enquanto voltava as pginas. Por que diria Komarov aquelas coisas? E acer ca de pessoas como a sua me adotiva, que amara. Apesar de no compreender totalment e, sentia-se cada vez mais preocupado. Talvez devesse ir l abaixo consultar os gu ardas. No entanto, se limitariam a aplicar-lhe alguns sopapos e ordenar que se c oncentrasse apenas no trabalho. Passou uma hora. Eles j deviam ter aparecido para uma das rondas habituai s, mas conservavam-se diante do televisor, cujo noticirio informara a nao de que o Primeiro-Ministro, de acordo com o estipulado no Artigo 59 da Constituio russa, as sumira as funes de Presidente Interino durante os trs meses prescritos. O Coelho releu as mesmas passagens diversas vezes, at que compreendeu o s ignificado. No entanto, no conseguia abarcar o verdadeiro sentido. Komarov era um grande homem. Agora, tudo indicava que seria o prximo Presidente da nao. Nessa con formidade, por que dizia aquelas coisas sobre a sua me adotiva e as pessoas como ela, pois havia muito tempo que morrera? s duas da madrugada, ocultou a pasta de cartolina dentro da camisa, termi nou o trabalho e pediu para o deixarem sair. Os guardas afastaram-se do televiso r com relutncia para abrir as portas, e o Coelho embrenhou-se na noite. Era um po uco mais cedo do que habitualmente, mas eles no objetaram. Zaitsev pensou em seguir para casa, mas decidiu que era prefervel no o faz er. Era muito cedo. Os autocarros, eltricos e metropolitano j no funcionavam, como ha bitualmente. Ele tinha sempre de efetuar o percurso a p, s vezes debaixo de chuva, mas precisava conservar o emprego. O trajeto demorava uma hora. Se entrasse em casa agora, acordaria a filha e o neto, e ela no ficaria contente. Por conseguint e, decidiu vaguear pelas ruas, enquanto tentava decidir o que faria. s trs e meia da madrugada, encontrava-se no Cais Kremlevskaya, abaixo do m uro sul do Kremlin. Havia mendigos e vagabundos dormindo ao longo do molhe, mas ele descobriu um banco com espao suficiente para se sentar e contemplar o rio. O mar acalmara quando se aproximavam da ilha, como costumava acontecer t arde, parecendo informar os pescadores e os marinheiros de que a competio quotidia na terminara e o oceano propunha uma trgua at ao dia seguinte.

direita e esquerda, o patro via vrias outras embarcaes que rumavam Passag Wheeland, uma abertura no recife a noroeste que permitia o acesso do mar lagoa d e guas serenas. Arthur Dean, no seu Silver Deep aberto, passou velozmente a estibordo, c onseguindo mais oito ns que o Foxy Lady. O ilhu acenou com o brao e o patro american o retribuiu a saudao. Ao ver os dois mergulhadores na coberta do Silver Deep, sups que tinha estado explorando o coral ao largo do Cabo Noroeste. Haveria lagosta p ara o jantar em casa de Dean. Reduziu a velocidade do Foxy Lady para enveredar pela passagem, pois em cada lado o coral aguado como uma navalha distava escassos centmetros da superfcie e, uma vez , transposta, descontraiu-se para o tranquilo percurso de dez minutos ao longo da costa da Baa da Tartaruga. O patro adorava o seu barco, o modo de vida a que se dedicava e a amante que escolhera todos em doses iguais. A embarcao era um Bertram Moppie de doze metr os de comprimento e dez anos de idade assim batizado em homenagem esposa do desi gner Dick Bertram e, embora no fosse o charter de pesca mais luxuoso da Baa da Tar taruga, o seu proprietrio e patro no hesitaria em o fazer enfrentar qualquer tipo d e mar e de peixe. Comprara-o cinco anos atrs, quando se mudara para as ilhas, em segunda mo, na Florida do Sul, graas a um anncio publicado no Boat Trader, e passar a dias e noites a introduzir-lhe melhoramentos at o converter numa das embarcaes ma is vistosas da rea. E no se arrependera de um nico dlar que despendera com ele, embo ra ainda no tivesse terminado de pagar companhia que lhe adiantara o dinheiro. Uma vez no ancoradouro, fixou a amarra no espao que lhe competia junto do pertencente ao seu compatriota Bob Colins, dono do Sakitumi, desligou o motor e dirigiu-se popa, a fim de perguntar aos clientes se tinham passado um dia satis

fatrio. Eles asseguraram-lhe que sim, pagaram a quantia estabelecida e juntaram-l he uma gratificao generosa para ele e Julius. Quando se afastaram, piscou o olho a este ltimo, entregou-lhe todo e o peixe capturado, tirou o bon e fez deslizar os dedos entre os cabelos louros desgrenhados. Por ltimo, deixou o sorridente ilhu concluir a lavagem do barco e embeber os apetrechos de pesca em gua doce, para que o Foxy Lady apresentasse o aspecto i mpecvel habitual, na manh seguinte. Ele voltaria para fechar tudo, antes de recolh er a casa. Entretanto, queria um daiquiri* , pelo que percorreu a plataforma de madeira em direo ao Banane Boat, trocando saudaes com todas as pessoas com as quais se cruzava. CAPTULO 2

DUAS horas depois de se sentar no banco beira do rio, Lenidas Zaitsev ain da no resolvera o seu problema. Agora, lamentava ter se apoderado do documento, e no compreendia por que o fizera. Se o descobrissem, sofreria as consequncias. No entanto, a vida parecia t-lo sempre castigado, sem que lograsse compreender o mot ivo. O Coelho nascera numa pequena e miservel aldeia a oeste de Smoilenks, em 1936. No era um lugar de modo algum notvel, mas igual a dezenas de milhares de out ros dispersos pelo territrio: uma nica rua, poeirenta no Vero, um rio de lama no Ou tono e dura como uma rocha devido geada do Inverno. De piso de terra batida, nat uralmente. Cerca de trinta casais, alguns celeiros e os antigos camponeses reuni dos numa fazenda coletiva estalinista. O pai era um trabalhador rural e viviam n um casebre perto da estrada. Na rua principal e nica, com uma pequena loja e um apartamento por cima, morava o padeiro da aldeia. O pai do Coelho advertira-o de que no devia falar com o homem, o que o intrigara, pois este mostrava-se sempre cordial e costumava at irar-lhe um bulochka acabado, de sair do forno, que Zaitsev ia comer para os fun dos dos estbulos, em virtude da recomendao. O padeiro vivia com a esposa e duas fil has, as quais ele via por vezes espreitar porta, embora nunca sassem para brincar . Certo dia de Julho de 1941, a morte visitou a aldeia. Na altura, o garot o no sabia o que era. Ouviu o tumulto e saiu do celeiro para se inteirar da causa . Havia enormes monstros de ferro que se aproximavam pela estrada principal. O p rimeiro deteve-se no meio das casas e Lenidas aproximou-se para o ver melhor. Parecia gigantesco, grande como um prdio, mas rolava numa cremalheira e t inha um cano alongado que emergia da parte da frente. No topo, acima da pea, enco ntrava-se um homem visvel da cintura para cima, que retirou o capacete almofadado e pousou-o a seu lado. Fazia muito calor, nesse dia. De * Bebida alcolica doce, composta de rum e suco de limo ou lima (N. do T. ) sbito, voltou-se e fixou os olhos em Lenidas. O garoto viu que ele tinha cabelo platinado e olhos de um azul to aguado como se o cu estival brilhasse dliretamente atravs da nuca. O olhar carecia de exp resso sem afeto, nem animosidade, alm de uma espcie de vago tdio. Movendo a mo devag ar, introduziu-a numa algibeira lateral e puxou de uma pistola. O instinto indicou a Lenidas que havia algo de indesejvel na situao. Ouviu o estampido de granadas lanadas atravs de janelas e gritos. Aterrorizado, deu meia volta e ps-se a correr. Registrou-se uma detonao, e um objeto abriu caminho por ent re o seu cabelo. Alcanou os fundos dos estbulos, comeou a chorar e continuou a corr er. Havia um crepitar crescente atrs dele e o cheiro de madeira queimada, proveni ente das casais em chamas. Avistou o bosque sua frente e correu ainda mais veloz mente. Uma vez entre o arvoredo, ficou sem saber o que fazer. Continuava a chor ar pelos pais. Mas no lhe podiam acudir. Jamais os tornaria a ver. Percebeu uma mulher que gritava pelo marido e filhas e reconheceu a senh ora Davidova, esposa do padeiro. Abraou-o e apertou-o ao peito, sem que ele compr

eendesse por que procedia assim a pensar no que o pai diria, pois tratava-se de uma yevreycka. A aldeia deixara de existir e a unidade de panzers das SS nazis prossegu ira o seu caminho, depois de completada a destruio. Havia mais uns poucos sobrev iventes no bosque. Mais tarde, encontraram alguns guerrilheiros, homens de expre sses duras, barbudos, armados, que viviam a. Uma coluna formada pelos aldees partiu para leste, sempre para leste, guiada por um dos guerrilheiros. Quando Lenidas se cansava, a senhora Davidova levava-o no colo, at que, po r fim, chegaram a Moscou, onde ela conhecia umas pessoas, que lhes concederam ab rigo, alimentao e conforto. Trataram-no com ternura e pareciam-se com a senhora Da vidova, com aros das tmporas at ao queixo e chapus de abas largas. Embora ele no fos se yevrey, ela insistiu e cuidou dele durante anos. No final da guerra, as autoridades descobriram que no era seu filho verda deiro e separaram-nos, enviando-o para um orfanato. Lenidas chorou muito quando s e despediram, assim como ela, mas no tornou a v-la. No orfanato, ensinaram-lhe que yevrey significava judeu . O Coelho mantinha-se sentado no banco e entregava-se a reflexes sobre o d ocumento que tinha no interior da camisa. No compreendia bem o significado de exp resses como extermnio total ou aniquilao absoluta . As palavras eram muito longas p le, mas achava que no tinha nada de agradvel. No compreendia a razo pela qual Komaro v desejaria fazer aquilo a pessoas como a senhora Davidova.

O cu comeava a assumir uma tonalidade rosada, a Nascente. Numa manso da out ra margem do rio, no Cais Sofiskaya, um fuzileiro real pegou uma bandeira e comeo u a subir a escada de acesso ao terrao. O patro pegou o daiquiri, levantou-se da mesa e aproximou-se do parapeito de madeira, de onde contemplou a gua e depois o ancoradouro que a escurido comeava a envolver. Quarenta e nove , refletiu. Quarenta e nove, e ainda empenhado no depsito da companhia. Est ficando velho e ultrapassado, Jason Monk . Ingeriu um sorvo e sentiu o suco de lima e o rum exercerem o efeito desejado. De qualquer modo, tem sido u ma vida muito satisfatria. Pelo menos, acidentada . No comeara assim, mas numa humilde cabana de madeira na povoao de Crozet, na Virgnia do Sul, a leste do Shenandoah e oito quilmetros da auto-estrada de Waynes boro para Charlottesville. O condado de Albemarle uma regio agrcola, impregnada de monumentos comemor ativos da Guerra Civil, pois 80 por cento dela foi travada na Virgnia, e nenhum v irginiano o esquecer jamais. O pai de Jason Monk, em contraste com a maioria dos outros, que cultivav am tabaco, soja ou porcos, ou tudo junto, era guarda florestal e trabalhava no P arque Nacional de Shenandoah. No h memria de algum se ter tornado milionrio nos Servi s Florestais, mas tratava-se de uma boa vida para um jovem, embora a remunerao no s e pudesse considerar avultada. As frias no se destinavam ociosidade, mas a procura r oportunidades para atividades suplementares susceptveis de proporcionar mais al gum dinheiro e reforar o oramento domstico. Recordava-se de, quando era um mero garoto, o pai o levar ao parque, que abarcava as Montanhas da Crista Azul, e mostrar-lhe a diferena entre diversas es pcies de rvores. s vezes, cruzavam-se com fiscais da caa, e ele escutava de olhos ar regalados as suas histrias que envolviam ursos pardos e veados, alm de faises e gal os silvestres. Mais tarde, aprendeu a utilizar uma arma de fogo com pontaria infalvel, d etectar pistas para localizar indivduos margem da lei, montar um acampamento e el iminar todos os vestgios na manh seguinte, e, quando tinha idade e corpulncia sufic ientes, obteve uma ocupao de frias num acampamento de rachadores de madeira. Frequentou a escola primria do condado, dos cinco aos doze anos e, pouco aps o dcimo terceiro aniversrio, matriculou-se no Liceu Estadual, em Charlottesvill e, levantando-se todas as manhs antes da alvorada, a fim de seguir num dos primei ros transportes de Crozet para a cidade. Em 1944, um certo sargento do Exrcito partira, com milhares de outros mil itares, de Omaha Beach e fora parar ao interior da Normandia. El algum lugar nas

cercanias de Saint-L, separado da sua unidade, surgira na mira de um atirador f urtivo alemo, mas teve sorte, porque a bala se limitou a roar-lhe o brao. O america no de vinte e trs anos rastejou at uma casa de campo das proximidades, onde a famli a que l residia tratou o ferimento e concedeu-lhe abrigo. No momento em que a fil ha de dezesseis anos lhe aplicou a compressa e o fitou nos olhos, ele compreende u que fora atingido mais gravemente do que qualquer projtil alemo jamais conseguir ia. Um ano mais tarde, regressou de Berlim Normandia, revelou-lhe o seu afet o e intenes e casaram, no pomar da fazenda do pai dela, com um capelo das Foras Arma das dos Estados Unidos presidindo cerimnia. Posteriormente, porque os franceses no costumam contrair matrimnio em pomares, o sacerdote catlico local reiterou a unio na igreja da aldeia. Por ltimo, ele levou a noiva para a Virgnia. Vinte anos mais tarde, ocupava um cargo importante no Liceu Estadual de Charlottesville e a esposa, com os filhos fora das suas mos, sugeriu que podia in screver-se na faculdade como professora de francs. Embora o idioma j figurasse no currculo do estabelecimento, Mrs. Brady no s era natural daquele pas, mas tambm bonit a e insinuante. Assim, as suas aulas no tardaram a ser muito frequentadas. No Outono de 1965, surgiu um novo aluno, um jovem assaz tmido de cabelo l ouro desgrenhado e sorriso atraente, chamado Jason Monk. Passado um ano, ela gar antia que nunca ouvira um estrangeiro falar francs assim. O talento tinha de ser natural, impossvel de ter sido herdado. Mas existia, no s no domnio da gramtica em ge ral e da sintaxe em particular, como igualmente na habilidade para copiar com pe rfeio. No seu ltimo ano no liceu, visitava a casa dela e liam juntos Malraux, Pr oust, Gide e Sartre (incrivelmente ertico para aqueles tempos), porm os seus favor itos comuns eram os velhos poetas romnticos: Rimbaud, Mallarm, Verlaine e De Vigny . Embora no estivesse previsto que acontecesse, foi-lhes impossvel evit-lo. A culpa talvez pertencesse aos poetas, mas, apesar da diferena de idades, que no os preoc upava, tiveram uma breve aventura. Quando atingiu os dezoito anos, Jason Monk conseguia duas coisas invulga res em adolescentes da Virgnia do Sul falava francs e fazia amor com considervel pe rcia. Foi com essa idade que se alistou no Exrcito. Em 1968, a Guerra do Vietn encontrava-se no auge e muitos jovens american os tentavam esquivar-se ao servio militar. Por conseguinte, os que se apresentava m como voluntrios e assinavam um contrato por trs anos, eram recebidos de braos abe rtos. Momk submeteu-se ao treino bsico e, em dada altura, teve de preencher um questionrio. Na alnea destinada a idiiomas estrangeiros , escreveu francs . Ato contn oi convocado ao gabinete do ajudante de campo. - Voc fala mesmo francs? Monk explicou a situao, e o oficial entrou em contato com o Liceu Estadual de Charlottesville e falou com a secretria do estabelecimento, a qual prometeu c onsultar Mrs. Brady e telefonou mais tarde. Tudo isto ocupou um dia inteiro, aps o que Monk foi de novo chamado. Desta vez, achava-se presente um major do G2, S ervio Secreto do Exrcito. Alm do idioma local, a maioria dos habitantes do Vietn de uma certa idade falava francs, e Monk foi enviado para Saigon, onde cumpriu duas misses de servio, com um perodo nos Estados Unidos entre ambas. No dia da desmobilizao, o comandante chamou-o ao seu gabinete, onde j se en contravam dois homens em traje civil, e deixou-os a ss. - Sente-se, por favor, sargento indicou o mais velho e cordial dos dois . Em seguida, moveu os dedos em torno de um cachimbo apagado, enquanto o o utro, de expresso circunspecta, irrompia numa torrente de francs, qual Monk replic ava sem hesitar. Aps cerca de dez minutos de vaivm de palavras, exibiu um sorriso e voltouse para o colega. - Ele bom, Carey. Muito bom, mesmo. E retirou-se. - Que pensa do Vietn? - perguntou o outro, que aparentava cerca de quare

nta anos e tinha o rosto algo enrugado, embora o ar jovial predominasse. A cena desenrolava-se em 1971. - um castelo de cartas - declarou Monk. - E est desmoronando-se. Mai s dois anos e teremos de abandon-lo. Carey pareceu ser da mesma opinio e inclinou a cabea vrias vezes. - Tem razo, mas no diga nada ao Exrcito. Que pensa fazer, agora? - Ainda no decidi. - Bem, no posso faz-lo por voc. No entanto, possui um dom especial, que nem eu prprio tenho. O meu amigo que acaba de sair to americano como ns, mas viveu em Frana durante vinte anos. E se ele o considera bom, no preciso de uma segunda opin io. Portanto, por que no continua? - Refere-se aos estudos? - Exato. O Fundo dos Combatentes encarrega-se da maior parte das despesa s. O Tio Sam acha que o merece. Aproveite. Durante os seus anos na tropa, Monk enviara quase todo o dinheiro que lh e sobrava me, para a ajudar a criar os outros filhos. - Mesmo que ascendam a um milhar de dlares? Carey encolheu os ombros. - Creio que o Fundo no declarar a bancarrota por essa quantia. Se voc se fo rmar em russo. - E se o conseguir? - D-me uma apitadela. A organizao para a qual trabalho talvez lhe arranje u ma ocupao. - Pode demorar quatro anos. - Somos muito pacientes. - Como se lembrou de mim? - No Vietn, uns funcionrios do Programa Fnix inteiraram-se da sua existncia e respectiva folha de servios. - Suponho que se refere ao pessoal de Langley? CIA. - De modo algum. Apenas a um pequeno dente da engrenagem. Na realidade, Carey Jordan era muito mais do que um pequeno dente. Com e feito, se tornaria subdiretor (Operaes), ou seja, chefe de todo o brao da espionage m. Monk aceitou o conselho e matriculou-se na Universidade de Virgnia, em Ch arlottesville. Voltou a tomar ch com Mrs. Brady, mas apenas como amigos. Estudou lnguas eslavas e completou o curso de russo a um nvel que o professor, natural daq uele pas, qualificou de bilingue . Formou-se aos vinte e cinco anos, em 1975 e, logo aps o aniversrio seguinte, foi admitido na CIA. Depois do treino bsico habitual em Fort Peary, conhecido na agncia simplesmente por a Fazenda , colocaram-no em Langle y, a seguir em Nova Iorque e novamente em Langley. Seriam cinco anos e numerosos cursos mais tarde que obteria a primeira n omeao no estrangeiro, e mesmo assim apenas em Nairobi, Qunia. O cabo Meadows, dos Royal Marines, cumpriu o seu dever, naquela radiosa manh de 16 de Julho. Prendeu a bandeira corda e iou-a ao topo do mastro, onde comeo u a ondular brisa da alvorada para comunicar ao mundo quem ocupava aquela rea. O governo britnico comprara a atraente manso do Cais Sofiskaya do anterior proprietrio, um magnata do acar, pouco antes da revoluo, converteram na embaixada e mantivera-se l desde ento, apesar das convulses registradas sua volta. Jos Stalin , ltimo ditador que vivera nos apartamentos do Estado do Kremli n, costumava, assim que se levantava, todas as manhs, afastar as cortinas e obser var o pavilho britnico ondulando do outro lado do rio, o que o irritava profundame nte. Apesar de insistentes presses para convencer os ingleses a mudar de pouso, a reao traduziu-se sempre por uma firme recusa. Ao longo dos anos, a manso tornou-se pequena para alojar todos os departa mentos exigidos pela misso em Moscou, pelo que houve necessidade de disseminar sees pela cidade. Mas, mau grado as repetidas ofertas para alojar todos num nico reci nto, Londres replicava polidamente que preferia permanecer no Cais Sofiskaya. E, como o edifcio constitua territrio britnico soberano, permaneceu mesmo. Lenidas Zatsev continuava sentado na outra margem do rio, de onde viu des

fraldar a bandeira aos primeiros clares da alvorada que assomava no topo das col inas a leste. O cenrio evocou-lhe uma ocorrncia distante. Quando tinha dezoito anos, fora recrutado pelo Exrcito Vermelho e, na seq uncia do usual treino bsico mnimo, colocado na seo de tanques da Alemanha Oriental. N passava de soldado raso, considerado incapaz de exercer sequer as funes de cabo p elos instrutores. Certo dia de 1955, numa marcha por estrada nas proximidades de Potsdam, vira-se separado da sua companhia numa densa floresta. Desorientado e amedrontad o, vagueou por entre o arvoredo, at que se lhe deparou um carreiro arenoso, onde se deteve, colado ao cho, paralisado pelo medo. A uma dezena de metros do ponto e m que se encontrava, havia um jipe aberto com quatro soldados, os quais tinham o bviamente decidido fazer uma pausa, quando patrulhavam a rea. Dois ainda se achavam no veculo, enquanto os outros, fora, de p, fumavam c igarros, com uma cerveja na mo. Lenidas verificou que no eram russos. Tratava-se de estrangeiros, ocidentais, da Misso dos Aliados em Potsdam, constituda ao abrigo d o Acordo das Quatro Potncias de 1945, acerca do qual ele nada sabia. S tinha a noo d e que, porque lhe haviam dito, eram inimigos, empenhados em destruir o socialism o e, se pudessem, mat-lo. Quando o viram, pararam de conversar e arregalaram os olhos. Por fim, um deles proferiu: - Ena, pai! Que temos aqui? Um raio de um russo. Ol, Ivan! O Coelho no compreendeu uma nica palavra. Tinha a espingarda-metralhadora a tiracolo, mas eles no pareciam intimidados. Era precisamente o contrrio. Dois us avam boinas pretas, com distintivos metlicos reluzentes, e, em volta, algumas pen as brancas e vermelhas. Embora no o soubesse, tinha na sua frente membros dos Roy al Fusiliers. Um dos soldados de p fora do jipe comeou a aproximar-se lentamente, e Leon idas receou urinar-se. O homem tambm era jovem, de cabelo ruivo e faces sardentas . De sbito, sorriu-lhe e ofereceu uma garrafa. - Aqui tem uma cerveja, amigo. Lemidas sentiu o contato frio do vidro na mo, enquanto o soldado estrangei ro acenava encorajadoramente. O contedo devia estar envenenado, claro. Levou o ga rgalo da garrafa boca e inclinou a cabea para trs. O lquido quase glacial atingiu-l he o fundo da garganta. A cerveja era forte, mais do que a russa, e saborosa, ma s provocou-lhe tosse, o que fez o ruivo soltar uma risada. - V l - urgiu. - Beba. Para Zaitsev, no passava de uma voz a produzir sons. Ante o seu assombro, o soldado estrangeiro deu meia volta e encaminhou-se devagar para o veculo. Nem sequer tinha medo dele. O Coelho estava armado, pertencia ao Exrcito Vermelho, e eles sorriam e trocavam comentrios, aparentemente divertidos. Conservava-se junto das rvores e, enquanto ingeria a cerveja perguntava-s e o que pensaria o coronel Nikolayev, comandante da sua unidade, heri da guerra c ondecorado, apesar de ter somente trinta anos. Uma ocasio, detivera-se diante de Zaitsev na formatura e perguntara-lhe de onde era e o que fazia na vida civil. E le no hesitara em lhe revelar a origem: um orfanato. O oficial dera-lhe uma palma da cordial nas costas e salientara que agora passara a ter um lar. Sim, ele ador ava o coronel Nikolayev. Estava demasiado assustado para lhes atirar a garrafa da cerveja, alm de que era muito saborosa, apesar de envenenada. Por conseguinte, terminou de a beb er. Passados dez minutos, os dois soldados que se haviam apeado regressaram ao j ipe, que, em seguida, se ps em marcha, Tudo sem pressa, nem o menor receio dele. O ruivo voltou-se e acenou-lhe. Eram o inimigo e preparavam-se para invadir a Rss ia, mas tratavam-no com cordialidade. Quando desapareceram, Leniidas arremessou a garrafa vazia para longe e co rreu por entre o arvoredo, at que avistou um caminho russo, que o conduziu ao aqua rtelamento, O sargento puniu-o com uma semana de servio de faxina por ter se perd ido, porm ele nunca falou a ningum dos estrangeiros ou da cerveja. Antes do veculo deles desaparecer, conseguira ver que tinha uma espcie de insgnia regimental no lado direito e uma antena de rdio na retaguarda do tejadilho . Neste ltimo, havia uma bandeira com cerca de trinta centmetros de lado, em que s

e achavam desenhadas trs cruzes uma vertical, vermelha e duas em diagonal, verme lhas e brancas. Tudo isto num fundo azul. Portanto, uma bandeira estranha, verme lha, branca e azul. Quarenta e quatro anos depois, ei-la de novo, ondulando sobre um edifcio no outro lado do rio. O Coelho resolvera o seu problema. Reconhecia que no devia ter roubado o documento de Akopov, mas j no podia devolv-lo. Talvez no dessem pela f alta. Por conseguinte, o enrtregaria s pessoas da bandeira estranha que lhe havia m oferecido uma cerveja. Eles decerto saberiam que destino conviria dar-lhe. Levantou-se do banco e comeou a seguir ao longo da margem do rio em direo p onte de pedra, que atravessava o Moskva e comunicava com o cais Sofiskaya. Nairobi, 1983 Quando o garoto principiou a queixar-se de dor de cabea e a ter alguma fe bre, a me sups que se tratava de um mero resfriado de Vero. No entanto, ao anoitece r, passou a gemer que o desconforto aumentara e manteve os pais sem dormir at a m anh seguinte. Nessa altura, os vizinhos do recinto diplomtico sovitico, que tambm no tinham passado uma noite sossegada, porque as paredes eram pouco espessas e as j anelas haviam ficado abertas devido ao calor, perguntarem o que se passava. Naquela manh, a me levou o garoto de cinco anos ao mdico. Nenhuma embaixada do bloco sovitico tinha direito a um s para si, pelo que o partilhavam. Assim. O Dr. Svoboda pertencia da Checoslovquia, mas cuidava de toda a comunidade comunist a. Era profissional competente e consciencioso e bastaram-lhe alguns minutos par a poder assegurar me do garoto que este estava tendo um acesso de malria. Em segui da, administrou a dose apropriada de uma das variantes de Niviquine/Paludrine ut ilizada pela medicina russa naquela poca e deixou vrios comprimidos para serem tom ados diariamente. No se verificou a menor reao. A condio agravou-se nas quarenta e oito horas i mediatas. A temperatura e os tremores aumentaram, e a criana gritava que a cabea l he estourava. O embaixador no hesitou em autorizar a visita ao Hospital-Geral de Nairo bi e, como a me no falava ingls, o marido, subsecretrio do Comrcio, Nikolai llyich Tu rkin, acompanhou-a. O Dr. Winston Mi tambm era um mdico excelente e provavelmente mais experien te do que o colega checo em doenas tropicais. Procedeu a um exame minucioso ao ga roto e, por fim, endireitou-se com um sorriso e anunciou: - Plasmodium falciparum. O pai do enfermo enrugou a fronte, perplexo. O seu ingls era satisfatrio, mas no quele ponto. - Trata-se de uma variante da malria acrescentou o mdico, mas, infelizm ente, resistente a todas as drogas baseadas na cloroquina, como as prescritas pe lo meu prezado colega, Dr. Svobodte. E tratou de administrar uma injeo intravenosa de um antibitico de espectro largo, que pareceu atuar. A princpio. Uma semana mais tarde, quando o seu efeito cessou, a condio reapareceu. Entretanto, a me tornou-se virtualmente histrica e, den unciando todas as formas da medicina estrangeira, insistiu em regressar a Moscou com o filho, e o embaixador concordou. Uma vez chegados, o garoto deu entrada numa das clnicas exclusivas do KGB , o que se tornou possvel porque o subsecretrio do Comrcio, Nikolai Turkin, era na realidade o major Turkin do Primeiro Diretorado Principal da famigerada organizao. A clnica era excelente e dispunha de um bom departamento de medicina trop ical, porque os agentes do KGB podem ser colocados em qualquer parte do mundo. E m virtude da natureza intratvel do caso da criana, esta seguiu diretamente para os domnios do chefe, professor Glazunov, o qual leu atentamente os relatrios de Nair obi e determinou uma srie de anlises e rastreios de ultra-sons, ento a ltima palavra da tecnologia, inacessvel em quase todo o resto do pas. Os resultados preocuparam-no profundamente, pois revelavam o desenvolvim ento de vrios abcessos internos, e, quando recebeu Mrs. Turkin no seu gabinete, e xibia uma expresso grave.

- Sei o que ... ou, pelo menos, julgo que sei... mas no se pode tratar com doses intensas de antibiticos, o seu garoto pode sobreviver um ms. Talvez um pouc o mais. Lamento profundamente. A desolada me, lavada em lgrimas, foi acompanhada sada, e um colaborador do mdico explicou-lhe o que tinha sido apurado. Tratava-se de uma doena rara denomin ada melioidosis, pouco vulgar na frica, mas mais corrente no sueste asitico, iden tificada pelos americanos durante a guerra do Vietn. Alguns pilotos de helicpteros dos Estados Unidos foram os primeiros a exi bir sintomas de uma enfermidade nova e usualmente fatal. As investigaes apuraram q ue as ps dos rotores, ao sobrevoarem arrozais, aspiravam, por assim dizer, uma es pcie de vapor da gua estagnada, que vrios pilotos haviam inalado. O bacilo, resiste nte a todos os antibiticos conhecidos, encontrava-se na gua. Os russos estavam a p ar disso, embora no divulgassem as suas descobertas na altura, ao passo que se co mportavam como esponjas, quando se tratava de absorver conhecimento ocidental. O professor Glaznov recebia automaticamente todas as publicaes da sua especialidade daquela provenincia. Numa longa conversa telefnica pontuada por soluos, Mr. Turkin comunicou ao marido que o filho no tardaria a morrer. De melioidosjs, designao de que ele tomou nota. Em seguida, procurou o seu superior hierrquico, o chefe de posto de KGB, c oronel Kuliev, o qual se mostrou inabalvel. - Recorrer aos americanos? Enlouqueceu, porventura? - Se os ianques identificaram o vrus, e h nada menos que sete anos, talvez descobrissem um antdoto. - Mas no lhes podemos perguntar isso protestou. H a questo do prestgio nacional. - H a questo da vida do meu filho! - bradou o major. - Basta! Pode retirar-se. Consciente de que tinha a carreira em equilbrio periclitante, decidiu pro curar o embaixador. O diplomata no era um homem cruel, mas tambm no se deixou comov er. - As intervenes entre o nosso Ministrio dos Assuntos Estrangeiros oficiai s - lembrou ao jovem oficial. - A propsito, o coronel Kuliev sabe que se encon tra aqui? - No, camarada embaixador. - Nesse caso, no interesse do meu futuro, no o informarei. E voc to-pouco. Mas a resposta negativa. - Se eu fizesse parte do Politburo... - Mas no faz. um oficial recentemente promovido a major de trinta e dois anos, em servio ptria no meio do Qunia. Lastimo a situao do seu filho, mas no sso fazer nada. Enquanto descia a escada da embaixada, Nikolai Turkin refletia amargamen te que o primeiro-secretrio, Yuri Andropov, era mantido vivo diariamente graas a m edicamentos vindos de Londres de avio. Por fim, foi embriagar-se. No era fcil entrar na embaixada britnica. Imobilizado no passeio em frente, Zaisev contemplava a manso de cor ocre e, o topo das colunas do prtico que proteg iam as gigantescas portas de madeira lavrada. Mas no descortinava qualquer maneir a de transpor a entrada. Ao longo da fachada, erguia-se uma parede de ao penetrada por duas portas laterais destinadas aos veculos uma para entrar e a outra para sair. Tambm daque le metal, funcionavam eletricamente e achavam-se fechadas de modo eficiente. A direita, havia uma entrada para pees, com dois guichs gradeados. Ao nvel do pavimento, dois russos da Polcia investigavam a identidade de quem pretendia e ntrar. O Coelho no fazia a menor teno de se apresentar a esses. Mesmo depois daquel e obstculo, existia uma passagem e uma segunda porta gradeada. Entre ambas, situa va-se a guarita da segurana da embaixada, municiada com dois guardas russos contr atados pelos ingleses, cujas funes consistiam em perguntar a quem entrava o que pr etendia e depois confirmar a natureza da pretenso no interior do edifcio, com efei to, muitas pessoas ansiosas por obter vistos de entrada na Gr-Bretanha tinham te ntado introduzir-se no edifcio por a.

Zaitsev encaminhou-se para os fundos, onde se situava a entrada para a s eo dos vistos, numa rua estreita. s sete da manh, ainda faltavam trs horas para abrir , mas j havia uma fila com uma centena de metros de comprimento. Era quase bvio qu e a maioria permanecera ali toda a noite. Se se incorporasse nela agora, isso r epresentaria quase dois dias de espera, pelo que regressou ao lado da fachada. D esta vez, os homens da Polcia dirigiram-lhe um demorado olhar de desconfiana. Assu stado, Lenidas afastou-se para uma distncia prudente, resignado a aguardar que a e mbaixada iniciasse a atividade quotidiana e os diplomatas comeassem a chegar. Os primeiros surgiram um pouco antes das dez horas. Faziam-se transporta r em carros, que se detinham diante do porto de entrada, mas tudo indicava que er am esperados, pois abria-se quase imediatamente. Lenidas tentou aproximar-se de u m, mas desistiu ao ver que todos tinham as janelas fechadas e os homens da Polcia conservavam os olhos bem abertos. Os passageiros dos veculos o julgariam um mero pedinte e no se preocuparia m em abri-las. Em seguida, seria preso, a Polcia descobriria o que fizera e entra ria em contato com Akopov. O Coelho no estava habituado a enfrentar problemas complexos. Achava-se i ntrigado, mas no abandonava a idia que se lhe inculcara na mente. Queria apenas en tregar o documento s pessoas da bandeira bizarra. Por conseguinte, continuou na e xpectativa ao longo da manh quente. Nairobi, 1983 semelhana de todos os diplomatas soviticos, Nikolai Turkin tinha uma quant ia limitada em moeda estrangeira, o que inclua a quenjana. O Ibis Grill, o Alan B obbe s Bistro e o Carnivore eram muito dispendiosos para a sua bolsa. Dirigiu-se, portanto, ao Thorn Tree Caf ao ar livre, entrada do New Stanley Hotel, na Kimathi Street, sentou-se a uma mesa no jardim perto da velha e frondosa accia, pediu um vodka e uma cerveja para atenuar os efeitos da bebida alcolica e imergiu em refl exes amarguradas. Trinta minutos mais tarde, um homem de idade aproximada sua, que ingerir a meia cerveja no bar, deslizou do banco alto e aproximou-se. Turkin ouviu uma v oz proferir em ingls: - Anime-se, amigo. Talvez no chegue a acontecer. Ergueu os olhos e reconheceu vagamente o americano na sua frente. Era al gum da embaixada. Turkin trabalhava no Diretorado K do Primeiro Diretorado Princi pal, seo de contra-espionagem. As suas funes consistiam no s em vigiar todos os diplomatas soviticos e prote ger a seo local do KGB de qualquer penetrao, mas tambm conservar os olhos bem abertos para a eventualidade de surgir um ocidental vulnervel susceptvel de ser recrutado . Nessa qualidade, tinha plena liberdade para conviver com outros diplomatas, en tre os quais ocidentais, prerrogativa negada a um russo vulgar seu colega. A CIA suspeitava das suas atividades, precisamente devido sua liberdade de movimentos e de contatos, e abrira um processo com o seu nome. Mas no havia qu alquer ponta suficientemente saliente para lhe pegar. O homem era um funcionrio f iel do regime sovitico. Por seu turno, Turkin desconfiava de que o americano devia pertencer Cen tral Intelligence Agency, mas tinham-lhe ensinado que todos os diplomatas daquel e pas faziam parte dela, uma iluso agradvel, mas um erro luz da prudncia. O americano sentou-se e estendeu a mo. - Jason Monk. Nik Turkin, salvo erro? Vi-o no garden party dos britnicos da semana passada. Tem cara de quem acabam de nomear para um lugar na Gronelndia. O russo olhou-o em silncio. Tinha uma guedelha de cabelo cor de trigo cada sobre a fronte e um sorriso cativante. O rosto no deixava transparecer a menor a stcia, pelo que talvez no pertencesse CIA. Parecia o gnero de pessoa com quem se po dia conversar e, em outra ocasio, Nikolai Turkin recordaria todos os anos de trei no e se mostraria delicado, mas reservado. No entanto, aquele dia era diferente. Precisava se abrir com algum. Assim, comeou a falar e descreveu a situao em que a s ua famlia se encontrava. Entretanto, o americano revelava-se interessado e compre ensivo, e anotou o termo melioidosis num guardanapo de papel. H muito que anoitec era, quando se separaram. O russo regressou ao recinto da embaixada e Monk ao se

u apartamento, nas cercanias da Rua Harry Thoku. Clia Stone tinha vinte e seis anos e era esbelta, morena e atraente. Era igualmente ajudante do Adido de Imprensa na embaixada britnica em Moscou, sua pri meira nomeao no estrangeiro desde que ingressara no ministrio, dois anos atrs, depoi s de se formar em russo no Girton College de Cambridge. Naquele dia 16 de Julho, transps a larga porta da embaixada e voltou o ol har para o parque de estacionamento, onde deixara o seu pequeno, porm funcional R over. Do interior do recinto da embaixada, podia ver o que estava vedado a Zai tsev, devido ao muro de ao. Deteve-se no topo dos cinco degraus que conduziam rea de estacionamento arborizada, em que havia tambm numerosos canteiros floridos. Ol hando por cima do muro, avistava o imponente Kremlin, na outra margem do rio, co m as cpulas em forma de cebola das vrias catedrais sobranceiras parede de pedra ve rmelha que circundava a fortaleza. Sim, era uma vista admirvel. De cada lado dela, a entrada elevada era precedida de duas rampas, que s o embaixador estava autorizado a utilizar com a sua viatura. Os mortais menos im portantes arrumavam as suas em baixo e transpunham o resto da distncia a p. Uma oc asio, um jovem diplomata comprometera seriamente a sua carreira ao enveredar por uma delas no seu VW Beetle, num dia de chuva intensa, para o estacionar debaixo do prtico. Minutos depois, chegava o embaixador, que encontrou o acesso bloqueado e teve de descer do Rolls-Royce e caminhar at porta. No final, estava encharcado e de modo algum divertido. Por fim, ela desceu os degraus, acenou ao porteiro, subiu para o Rover v ermelho e ligou o motor. Depois de transpor o porto de sada, rolou alguns metros n o Cais Sofiskaya e cortou esquerda, na direo da Ponte de Pedra, rumo ao encontro p ara almoar com um reprter do Sevodnya. No percebeu o homem idoso trajado modestamen te que se arrastava freneticamente no seu encalo. Tambm no se dera conta de que o s eu carro tinha sido o primeiro a abandonar a embaixada, naquela manh. A Kammeny Host, ou Ponte de Pedra, a mais antiga permanente que atravess a o rio. Em outros tempos, utilizavam-se pontes de barcaas, construdas na Primavera e desmontadas no Inverno, quando o gelo endurecia o suficiente para efetuar a t ravessia a p. Devido sua envergadura, no s abarca o rio como se prolonga sobre o Cais So fiskaya. Para ter acesso a ela pela estrada, os condutores tm de virar de novo es querda durante trezentos metros, at que a ponte regressa ao nvel do solo, proceder a uma mudana de direo de cento e oitenta graus e enveredar pelo declive. Um peo, po rm, pode transpor os degraus diretamente do Cais para a plataforma superior. E fo i o que o Coelho fez. Encontrava-se no pavimento da Ponte de Pedra, quando o Rover vermelho fe z a sua apario. Ato contnuo, agitou os braos, mas a mulher que o conduzia mostrou-se perplexa e prosseguiu em frente. Sem desanimar, Zaitsev reatou a correria, cada vez mais penosa. No entanto, tinha tomado nota da chapa de matrcula russa e viu que o veculo, no lado norte da ponte, se incorporava no pandemnio do trfego da Praa Borovitsky. O destino de Clia Stone era o bar Rosy O Grady, na Rua Znamenka. Este deslo cado estabelecimento moscovita na realidade irlands e o osis onde o embaixador da Irlanda pode se encontrar na Passagem do Ano, se consegue esquivar-se s enfadonha s comemoraes do circuito diplomtico. Como tambm serve almoos, Clia Stone escolhera-o ara o encontro com o reprter russo. Descobriu um espao para estacionar sem dificuldade, porque cada vez havia menos moscovitas que podiam conservar um carro ou comprar gasolina para o mante r em atividade. Como sempre que um estrangeiro bvio se aproximava do restaurante, os indigentes apressaram-se a intercept-la para pedir dinheiro para comer. Na sua qualidade de diplomata ela fora elucidada no Ministrio dos Assunto s Estrangeiros, em Londres, do que se lhe depararia, mas, apesar disso, o espectc ulo nunca deixava de impression-la. Vira mendigos no metropolitano londrino e nos becos de Nova Iorque, pessoas que tinham descido gradualmente a escada da socie dade para se fixarem no degrau inferior. Mas preferiam essa situao, em vez de reco rrerem s instituies de caridade, sempre prontas a ajud-los.

Em Moscou, porm, capital de um pas que experimentava o incio da verdadeira fome, os miserveis que estendiam a mo para obter qualquer bolo, tinham sido, no muit o tempo atrs, agricultores, soldados, amanuenses e empregados de balco. O fato rec ordava-lhe alguns documentrios sobre o Terceiro Mundo. Vadirn, gigantesco porteiro do fosy O Grady, avistou-a a quase vinte metros de distncia e acudiu pressuroso, ao mesmo tempo que afastava quase brutalmente vr ios russos como ele, para que no a incomodassem com pedidos de dinheiro e facilit ar a entrada a algum que contribua para os lucros do restaurante onde trabalhava. Chocada com o espectculo da humilhao dos pedintes provocada por um compatri ota, Clia protestou vagamente, mas Vadirn limitou-se a estender o musculoso brao e ntre ela e as numerosas mos vidas, antes de impelir a porta de vaivm e facultar-lhe a entrada. O contraste era imediato, da rua poeirenta e famintos que a frequentavam com as conversas cordiais de cinquenta pessoas que se podiam permitir o luxo de carne ou peixe para o almoo. Como era uma jovem de corao terno, tinha sempre dific uldade em harmonizar a comida no seu prato com a fome que grassava l fora, quando no almoava ou jantava no apartamento. No entanto, o reprter russo que lhe acenava de uma mesa do canto no conhecia semelhantes problemas e acabou por escolher lago stins Archangel. Zaitsev, que persistia nas suas intenes, esquadrinhou a Praa Borovitsky em busca do Rover vermelho, mas desaparecera. Espreitou em todas as ruas que partia m dela, direita e esquerda, sem resultado. Por fim, optou pelo bulevar principal no outro extremo da praa. Foi com surpresa e alegria que o descortinou a duzento s metros dali, perto do botequim. Indistinguvel dos outros que aguardavam com a pacincia resignada dos caren ciados, Lenidas tomou posio perto do Rover, preparado para mais um perodo de espera.

Nairobi, 1983 Havia dez anos que Jason Monk fora calouro na Universidade de Virgnia, e perdera o contato com muitos estudantes do seu convvio mais ntimo. Mas ainda se re cordava bem de Norman Stein. A sua amizade fora particularmente slida o jogador d e rugbi de estatura mediana, porm possuidor de msculos rijos, provemiente da regio das fazendas, e o filho sem caractersticas atlticas de um mdico judeu de Fredericks burg. Foi um sentido de humor compartilhado e divertido que os tornou amigos. Se Monk possua o talento dos idiomas, Stein era quase um gnio na faculdade de biolog ia. Formaram-se com classificao elevada um ano antes de Monk e ingressara dire tamente na escola mdica, mantendo-se em contato da maneira habitual, atravs de pos tais pelo Natal. Dois anos atrs, pouco antes da transferncia para o Qunia, quando c ruzava a sala de um restaurante em Washington, Monk vira o amigo dos tempos de e studante almoar s e tinham podido conversar durante cerca de meia hora, at que o co nvidado do Dr. Stein aparecera, o que lhes permitiu evocar perodos agradveis passa dos juntos, embora Monk fosse obrigado a mentir e explicar que trabalhava no Dep artamento de Estado. O amigo especializara-se em medicina tropical e mostrava-se encantado co m a recente nomeao para a unidade de pesquisas do Hospital Militar Walter Reed. Um a vez no seu apartamento em Nairobi, Monk consultou a agenda de endereos e efetuo u um telefonema. Uma voz rouca atendeu ao dcimo toque da campainha. - Al?... - Ol, Norman. o Jason Monk. Uma pausa. - Estupendo! Onde est? - Em Nairobi. - Formidvel. Nairobi. Claro. E que horas so a? Monk elucidou-o: - Meio-dia. - Pois aqui so cinco do raio de uma manh e acertei o alarme do despertador

para as sete. Passei metade da noite de p com o beb. Esto nascendo-lhe os dentes, imagine. Obrigado por no me deixar dormir, amigo. - Calma, Norm. Gostaria que me dissesse uma coisa. Alguma vez ouviu fal ar de uma doena chamada melioidosis? Seguiu-se nova pausa, e a voz que reapareceu na linha perdera todos os v estgios de sons. - Por que pergunta? Monk exps a situao, embora no aludisse a um diplomata russo. Referiu que o f ilho de cinco anos de um conhecido parecia condenado e, como ele ouvira falar va gamente que o Tio Sam tinha alguma experincia daquela enfermidade... - Me d o seu nmero interrompeu Stein. Preciso fazer umas chamadas. Depois, torno a contactar contigo. Eram cinco horas da tarde, quando o telefone de Monk tocou. - Talvez haja uma remota esperana informou o epidemiologista. Trata-se d e uma fase ainda experimental, mas completamente revolucionria. Os testes efe tuados at agora tm-se revelado satisfatrios. No entanto, os resultados ainda no fora m apresentados FDA* e muito menos aprovados. Alis, as pesquisas esto longe de term inadas. Pode ter efeitos colaterais - advertiu. - Ainda no sabemos nada a esse re speito. - Quanto tempo podem tardar a declarar-se? - No fao a menor idia. - Enfim, se o menino morrer dentro de trs semanas, no h nada a perder. Soltou um longo suspiro. - No sei - proferiu, hesitante. - contra todos os regulamentos. - Juro que ningum saber. V, Norm, em memria de todas as moas que te arranjei. Monk ouviu uma estrondosa gargalhada proveniente de Ohevy Chase, Marylan d. - Se alguma vez falar disso Becky, eu o mato - prometeu o outro, e a ligao foi cortada. Quarenta e oito horas mais tarde, chegava embaixada uma encomenda para M onk, atravs de uma empresa da especialidade internacional!. Continha uma espcie de garrafa-termica com gelo seco. A breve nota sem assinatura que a acompanhava ex plicava que, entre o gelo, havia dois frascos. Ele ligou embaixada sovitica e dei xou um recado para o subsecretrio Turkirt, na seo comercial: No se esquea da cerveja ue combinamos tomar juntos esta tarde, s seis horas . Quando se inteirou, o coronel Kuliev perguntou ao destinatrio: - Quem esse Monk? - Um diplomata americano. Parece decepcionado com a poltica estrangeira d os Estados Unidos na frica e eu procuro valer-me disso para torn-lo uma fonte de i nformao para ns. O oficial inclinou a cabea num gesto de aprovao. Era uma maneira de procede r sempre til, que rechearia favoravelmente o seu relatrio peridico para Yazenevo. No Thorn Tree Caf, Monk entregou a encomenda ao russo, o qual no conseguia dissimular a apreenso, na eventualidade de um colega ou simples conhecido assist ir, pois o embrulho podia conter dinheiro. - Que ? - perguntou a meia-voz. Monk elucidou-o e acrescentou: - Talvez no de resultado, mas no se perde nada em tentar. a nica coisa de q ue dispomos para a doena. O russo estremeceu e o olhar adquiriu uma expresso glacial. - E que pretende em troca desta... oferta? - inquiriu, afigurando-se bvi o que tinha de haver uma contrapartida. * Administrao da Alimentao e Drogas. (N. do T.) Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration tem de aprovar todos os novos medicamentos antes de serem liberados ao pblico. O que o Dr. Stein descrevia era um antibitico cefalosporino muito prematuro ainda ignorado em 1983, que seria ma is tarde comercializado com a designao de Ceftazidime. No momento, chamavam-lhe ap enas CZ-1. Atualmente o tratamento corrente da meliodosis. - No h encenao alguma. Desta vez, pelo menos. As pessoas como voc e eu passam

a vida representando. Mas agora no. Na realidade, Monk j tinha se certificado junto do Hospital-Geral de Nair obi, e o Dr. Winston Mi confirmara os fatos bsicos. duro, mas vivemos num mundo cru el , refletiu, depois de se explicar. Levantou-se da mesa. Segundo o regulamento, devia pressionar aquele home m para que lhe revelasse alguma coisa, algo de secreto. Sabia, porm, que a doena d a criana no era mentira. Se tivesse de se comportar assim, mais valeria que fosse varredor de ruas no Bronx. - Leve isso, amigo. Oxal produza o efeito desejado. grtis. Comeou a afastar-se, mas, a meio caminho da porta, uma voz chamou-o. - Fala russo, Mr. Monk? Este assentiu, com uma inclinao de cabea. - Um pouco. - Bem me parecia. Ento, compreende o spasibo.

Clia Stone abandonou o Rosy O Grady pouco depois das duas da tarde e aproxi mou-se do lado do volante do Rover, que dispunha de um sistema de fecho central. Assim, quando abriu a porta do condutor, aconteceu o mesmo do passageiro. Acaba va de colocar o cinto de segurana e ligar o motor, quando a segunda foi puxada pa ra fora. Voltou-se, surpreendida, e deparou-se com um indivduo de capote militar coado, do peito do qual pendiam quatro medalhas, e barba por fazer. No momento em que abriu a boca, exps trs dentes de ao. Em seguida, largou uma pasta de cartolina no colo dela, que sabia o suficiente do idioma russo para mais tarde poder repe tir o que o homem disse: - Entregue isto ao senhor embaixador, por favor. Pela cerveja. A viso do velho aterrorizou-a. Tratava-se claramente de um louco, porvent ura esquizofrnico. E essas pessoas costumavam ser perigosas. Lvida, conduziu o car ro para a faixa de rodagem o mais velozmente possvel, enquanto a porta se fechava devido acelerao adquirida. A seguir, atirou a ridcula petio, ou o que quer que foss , ao porta objetos do lado do lugar do passageiro e rolou em direo embaixada. CAPTULO 3 Foi pouco depois do meio-dia da mesma data, 16 de Julho, que Igor Komar ov, sentado atrs da mesa do seu gabinete no primeiro piso perto do Bulevar Kis elny, entrou em contato com o seu principal adjunto pessoal atravs do intercomuni cador. - J teve oportunidade de ler o documento que lhe emprestei ontem? - Com certeza, Senhor Presidente. E achei-o particularmente brilhante, s e me permite a expresso - replicou Akopov. Todo o pessoal empregava aquela frmula de tratamento, por ser o president e do comit executivo da Unio das Foras Patriticas. De qualquer modo, ningum duvidava de que dentro de doze meses, continuariam a trat-lo assim, mas por um motivo dife rente. - Obrigado. Nesse caso, queira devolv-lo. E a ligao foi cortada. Akopov levantou-se e aproximou-se do cofre embutido na parede. Conhecia o segredo de cor, pelo que fez rodar o boto as seis vezes ne cessrias. Quando a porta se abriu, espreitou para dentro, procura da pasta de car tolina preta, e no a viu. Intrigado, esvaziou o cofre meticulosamente, ao mesmo tempo que sentia d omin-lo um misto crescente de pnico e incredulidade. Por fim, tentou acalmar-se e recomeou a busca. Os processos que se amontoavam em torno dos seus joelhos foram examinados um a um e folha a folha. Todavia, o de capa preta no aparecia. A front e principiou a cobrir-se de gotas de transpirao. Trabalhara ininterruptamente toda a manh, convencido de que, antes de sair, na tarde anterior, guardara todos os d ocumentos confidenciais, como fazia sempre, pois era uma criatura de hbitos. Depois do cofre, comeou a esquadrinhar as gavetas da mesa. Nada. Inspecci onou o cho debaixo do mvel e a seguir todos os armrios. Cerca da uma hora da tarde, bateu porta do gabinete de Igor Komarov, foi admitido e confessou que no consegu

ia encontr-lo. O candidato presidencial fitou-o, de olhos arregalados, durante um momen to. O homem que a maior parte do mundo supunha que seria o prximo presidente da Rssia era uma personalidade altamente complexa, que, por trs da sua imagem pblic a, preferia manter a maioria do seu ego intensamente privado. No podia constituir um contraste mais ntido com o seu predecessor, o destitudo Zhirinovsky, ao qual a gora chamava abertamente um mero palhao. Komarov era um indivduo alto e possante, de cabelo cinzento-ao cortado cur to e rosto sempre perfeitamente escanhoado. Entre as suas caractersticas mais evi dentes figuravam uma autntica absoro pela limpeza pessoal e profunda averso ao conta cto fsico. Ao contrrio de grande parte dos polticos russos, de palmadas nas costas, um copo de vodka na mo e bonomia do gnero brao-em-torno-dos-ombros, insistia na in dumentria formal e linguagem esmerada da sua entourage pessoal. Quase nunca vesti a o uniforme dos Guardas Negros e envergava usualmente terno cinzento conservado r e gravata. Aps anos na poltica, s um nmero muito reduzido de pessoas podia se vangloria r de manter um contato mais prximo com ele, e ningum se atrevia a considerar-se nti mo. Nikita Ivanovich Akopov havia dez anos que era seu secretrio particular, porm as suas relaes mantinham-se como as de um chefe e o seu servo incondicional. Ao invs de Yeltsin, que inclua os membros do seu pessoal na roda de amigos com os quais bebia e jogava tnis, Komarov permitia apenas a um homem o coronel Anatoli Grishin, chefe da Segurana que se lhe dirigisse pelo nome de batismo. Mas, semelhana de todos os polticos bem sucedidos, podia assumir caracterst icas camalenicas, em caso de necessidade. Para a mdia, nas raras ocasies em que se dignava receb-los pessoalmente, mostrava-se um estadista de ar grave. Por outro l ado, perante os seus partidrios, transformava-se de uma maneira que provocava sem pre a profunda admirao de Akopov. Surgia no estrado o orador, que enunciava todas as esperanas, temores e desejos, a par da revolta e intolerncia dos seus apaniguad os com um rigor inabalvel. Diante deles, e s deles, interpretava o papel da jovial idade e convvio humano. Sob as duas personalidades, havia uma terceira, e essa intimidava Akopov . O prprio rumor da existncia do terceiro homem debaixo do verniz bastava para man ter todo o pessoal que o circundava em estado de alerta permanente. Somente duas vezes em dez anos, Nikita Akopov tivera ensejo de presencia r a fria demonaca que grassava no interior do homem descontrolado. Em outras dezen as de ocasies, assistira luta para abafar esse estado, como tambm acabara por acon tecer nas duas excepes. Vira o indivduo que o dominava e fascinava e ele venerava c egamente transformar-se num demnio furibundo Arremessara telefones, vasos e tinteiros ao trmulo subordinado que o irri tara e reduzira um oficial superior dos Guardas Negros a um autntico farrapo Ao m esmo tempo, empregara a linguagem mais execrvel que Akopov jamais escutara, destr ura mobilirio e tivera de ser dominado, no sem notvel dificuldade, antes que abrisse a cabea de uma trmula vtima com uma rgua de ao. Por conseguinte, sabia determinar os sinais de alerta que precediam essas situaes. O rosto de Komarov tornou-se mortal mente plido e as maneiras mais formais e corteses, porm despontou um pequeno crculo vermelho em cada malar. - Est me dizendo que perdeu o documento, Nikita Ivanovich? - No o perdi propriamente, Senhor Presidente. Parece que se extraviou. - O contedo de uma natureza mais confidencial do que todo o resto que lh e passou pelas mos at hoje. Voc, que o leu, decerto compreende perfeitamente porqu. - Com certeza, Senhor Presidente. - Existem apenas trs exemplares, Nikita, dois dos quais se encontram no meu cofre. Somente um pequeno grupo daqueles que me so mais ntimos ter ensejo de ver o documento. Fui eu prprio que o redigi e bati mquina. Eu, Igor Komarov, dati lografei todas as pginas, para no ter de confi-las a um secretrio. O assunto confide ncial a esse ponto. - Uma medida muito prudente, Senhor Presidente. - Porque o incluo... inclua nesse grupo restrito, permiti que o lesse. E agora vem comunicar-me que o perdeu!

- Garanto-lhe que se extraviou... temporariamente, Senhor Presidente. Komarov fitava o interlocutor com os olhos mesmricos capazes de obrigar ct icos a colaborar com ele ou aterrorizar os hesitantes. Os crculos vermelhos nos m alares aumentavam de intensidade no rosto plido. - Quando o viu pela ltima vez? - Ontem noite, Senhor Presidente. Fiquei no gabinete at mais tarde para p oder ler sem interrupes. Retirei-me s oito. Inclinou a cabea em silncio. O relatrio dos guardas da noite confirmaria ou desmentiria essas palavras. - Levou-o consigo? Apesar das minhas ordens, permitiu que o documento sasse do edifcio? - Juro que no, Senhor Presidente. Guardei-o no cofre. Nunca deixar ia material to importante exposto curiosidade de algum, nem o levaria. - No se encontra no cofre? Akopov tentou engolir, mas descobriu que no tinha saliva. - Quantas vezes teve de abri-lo, antes da minha chamada? - Nenhuma, Senhor Presidente. - Foi ento a primeira. Estava trancado? - Sim, como sempre. - Tinha sido forado? - Aparentemente no, Senhor Presidente. - Revistou o aposento? - De uma ponta outra. Con