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JANEIRO | FEVEREIRO 2016 38 Após ver as mudanças dos últimos 40 anos, cabe avaliar os recentes 20. E pensar no que virá. Para trazer um panorama da eco- nomia e do país, conversamos com o ex-mi- nistro Luiz Carlos Bresser-Pereira, que nos recebeu em seu escritório, em São Pau- lo. Profícuo estudioso, pensador do “novo desenvolvimentismo” e crítico de sua pró- pria biografia, Bresser nos concede uma aula sobre o Brasil. Confira os principais trechos da entrevista. POR MARCO ANTONIO A. DE ARAÚJO LIMA E THAIS SCHETTINO DESINDUSTRIALIZAÇÃO Em 2005, eu escrevi no jornal Folha de S.Paulo um artigo em que eu resumia o meu modelo de doen- ça holandesa [é a sobreapreciação permanente da taxa de câmbio de um país resultante da existên- cia de recursos naturais abundantes e baratos – ou de mão de obra barata combinada com um dife- rencial de salários elevado – que garantem rendas ricardianas aos países que os possuem e expor- tam as commodities com eles produzidas] e lançava a ideia de que o Brasil estava em grave processo de de- sindustrialização. Dois anos depois, eu publiquei um Fundamentos da economia ENTREVISTA

Fundamentos da economia - ABDE

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Page 1: Fundamentos da economia - ABDE

JANEIRO | FEVEREIRO 201638

Após ver as mudanças dos últimos 40 anos, cabe avaliar os recentes 20. E pensar no que virá. Para trazer um panorama da eco-nomia e do país, conversamos com o ex-mi-nistro Luiz Carlos Bresser-Pereira, que nos recebeu em seu escritório, em São Pau-lo. Profícuo estudioso, pensador do “novo desenvolvimentismo” e crítico de sua pró-pria biografia, Bresser nos concede uma aula sobre o Brasil. Confira os principais trechos da entrevista. POR MARCO ANTONIO A. DE ARAÚJO LIMA E THAIS SCHETTINO

DESINDUSTRIALIZAÇÃOEm 2005, eu escrevi no jornal Folha de S.Paulo um artigo em que eu resumia o meu modelo de doen-ça holandesa [é a sobreapreciação permanente da taxa de câmbio de um país resultante da existên-cia de recursos naturais abundantes e baratos – ou de mão de obra barata combinada com um dife-rencial de salários elevado – que garantem rendas ricardianas aos países que os possuem e expor-tam as commodities com eles produzidas] e lançava a ideia de que o Brasil estava em grave processo de de-sindustrialização. Dois anos depois, eu publiquei um

Fundamentos da economia

ENTREVISTA

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livro chamado Macroeconomia da Estagnação. Em 2007, o Brasil está bombando e eu falando em quase estagnação da economia e desindustrialização. En-tão, de duas uma: ou eu estou completamente equi-vocado, ou os economistas brasileiros têm se revela-do nessa matéria de uma profunda incompetência. Porque não se consegue fazer um diagnóstico do pro-blema, caso se acredite que tudo está bem. Agora te-mos uma crise, todos concordam, mas o país está es-tagnado desde 1980, ou seja, cresce a uma taxa de 1% ao ano per capita. O Brasil crescia entre 1930 e 1980 a 4% per capita. A diferença é brutal.

ELITES E NAÇÃOO Brasil está sempre estagnado e isso está relacio-nado com a incompetência dos economistas bra-sileiros e mais amplamente das elites brasileiras: intelectuais, políticas, empresariais e associativas. Elas estão solenemente fracassando em relação ao desenvolvimento brasileiro e o povo está ficando para trás. Existem três alternativas: a nação pode estar falling behind (ficando para trás), catching up (alcançando), ou acompanhando. Nós estamos falling behind. Esse é o nosso projeto, porque as

nossas elites estão se revelando profundamente incompe-tentes. Isso por dois motivos, diria culturais: um seria a alta preferência pelo consumo imediato. O povo e as elites têm preferência pelo consumo imediato. E o outro problema é a perda de ideia de nação. As nossas elites não sabem mais que o mundo está organizado em nações, que essas nações com-petem entre si, e que só atrai êxito no seu desenvolvimento ou na sua competição o país que tiver uma estratégia nacio-nal de desenvolvimento. Como se perdeu a ideia de nação, o que se diz sobre nós em Washington, Nova York, ou Londres, é basicamente o certo. E todos os nossos problemas apare-cem quando não fazemos aquilo que eles nos recomendam. E o que é que isso dá na prática? Isso dá uma alta taxa de ju-ros e uma taxa de câmbio apreciada no longo prazo. Há uma perfeita confluência, um perfeito encontro de almas entre os cosmopolitas que perderam a ideia de nação, que são quase todos, e os consumistas que querem consumir em curto pra-zo. Portanto, com a perda da nação, entregamos o nosso mer-cado interno para as multinacionais e para financistas exter-nos. Isso é o acordo perverso que existe hoje no Brasil. NOVA ORDEM MUNDIALHoje, em nível mundial, o sistema financeiro ficou muito mais poderoso do que era nos últimos 40 anos, 50 anos. Nos anos 1950, no Brasil, por exemplo, quem tinha poder eram os industriais, o que interessava saber era a opinião da Federa-ção das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Atualmente, os in-dustriais pesam muito pouco. Quem manda, quem tem ampla dominação ideológica no Brasil, e não só no Brasil, no mundo, é o sistema financeiro. O que houve é que apareceu um fato histórico novo: a macroeconomia keynesiana e, especifica-mente, a política econômica daí derivada. Quer dizer, a políti-ca macroeconômica se tornou algo fundamental para todos os países: para o seu desenvolvimento e para a sua estabilidade de preços e crescimento financeiro. Tudo depende de uma boa política macroeconômica; e as pessoas sabem disso. E quem é que entende de macroeconomia no mundo? Quem é que en-tende de macroeconomia no Brasil? É o sistema financeiro. E porque eu digo isso? Porque nele atuam os macroeconomistas políticos, que são pessoas que entendem realmente de macro-economia, de taxa de juro, de câmbio, de inflação, não apenas academicamente. E sabendo disso, influencia a opinião públi-ca por meio de artigos, entrevistas e informações que forne-ce. E eles atuam no sistema financeiro na administração da te-sousaria, e no aconselhamento na aplicação da riqueza de seus clientes. E esse sistema está associado fundamentalmente aos capitalistas rentistas aqui no Brasil, como em outras partes do mundo, e eles representam exatamente o oposto da indústria.

Então, se olharmos hoje quem são os industriais brasilei-ros, o poder que ele têm é muito pequeno, desapareceu. Qua-se toda indústria está entregue às multinacionais.

Fotos: Thais Sena Schettino

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UMA BIOGRAFIA

Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getulio Var-gas, onde ensina economia, teoria política e teoria social. É presidente do Centro de Economia Política e editor da Revista de Economia Política des-de 1981. Escreve coluna quinzenal da Folha de S. Paulo. Em 2010 recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Buenos Aires. Foi Ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia.

Suas maiores influências intelectuais vêm de Marx, Weber, Keynes e do estruturalismo latino-americano. Suas contribuições teóricas mais signifi-cativas, na teoria econômica, são o modelo de crescimento e distribuição a partir da tendência à queda da taxa de lucro, a teoria da inflação inercial (com Yoshiaki Nakano), os fundamentos da macroeconomia estruturalista do desenvolvimento a partir da tendência à sobreapreciação cíclica da taxa de câmbio, e a critica à teoria econômica neoclássica a partir do método uti-lizado. Na teoria política e social contribuiu sobre a emergência da classe tecnoburocrática ou profissional, os modelos históricos de Estado, as rela-ções entre a nação ou a sociedade civil e o Estado, o modelo de transição e consolidação democrática a partir da revolução capitalista, e a teoria es-trutural da reforma da gestão pública. Em sua interpretação do Brasil, ele combinou a análise dos modelos econômicos de desenvolvimento e as cor-respondentes coalizões ou pactos políticos. A emergência do empresariado industrial e da burocracia pública e a transição para a democracia são temas aos quais ele ofereceu contribuição especial.

Luiz Carlos Bresser-Pereira na sceu em 1934 em São Paulo. É bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo, mestre em administração de empresas pela Michigan State University, doutor e livre-docente em eco-nomia pela Universidade de São Paulo. Foi professor visitante de desenvol-vimento econômico na Universidade de Paris I (1978), e de teoria política no Departamento de Ciência Política da USP (2002/03). Foi também visi-tante da Oxford University (1999 e 2001) e do Instituto de Estudos Avan-çados da USP (1989). Desde 2003, oferece regularmente um seminário de um mês na École d’Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. De 1963 a 1982, enquanto mantinha suas atividades acadêmicas, foi vice-presidente do grupo de varejo Pão de Açúcar. Em 1983, com a eleição do primeiro go-vernador democrático de São Paulo, André Franco Montoro, foi presiden-te do Banco do Estado de São Paulo e secretário de Governo. Em abril de 1987, em meio à crise provocada pelo fracasso do Plano Cruzado, tornou-se ministro da Fazenda, e propôs a solução para a crise da dívida de 1980 que, mais tarde, se tornou no Plano Brady. No governo de Fernando Henrique Cardoso foi ministro da Administração e Reforma do Estado (1995-1998), quando iniciou a Reforma da Gestão Pública de 1995, e, em 1999, ministro da Ciência e Tecnologia. Desde julho de 1999 ele se dedica inteiramente à vida acadêmica. É membro do conselho de administração de diversas orga-nizações sem fins lucrativos e da Lelis Blanc. Texto extraído de www.bres-serpereira.org.br

O economista e sua história; formação e interesses

ÚLTIMOS LIVROS LANÇADOS

A construção política do Brasil: sociedade, economia e Estado desde a Independência. São Paulo: Editora 34, 2014.

Developmental Macroeconomics: New Developmentalism as a Growth Strategy Londres: Routledge, 2014.

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RUMOS 41

NOVO DESENVOLVIMENTISMO Desde que eu voltei do governo, em 1999, estou pensando no chamado novo desenvolvimentismo, que tem uma teoria eco-nômica e uma economia política. E nessa teoria econômica há uma macroeconomia que nós estamos chamando de macro-economia desenvolvimentista, ou macroeconomia estrutura-lista do desenvolvimento, que coloca no centro da macroeco-nomia não mais a taxa de juros e o déficit público, mas a taxa de câmbio e o déficit em conta corrente. E nessa macroecono-mia existe uma ideia central que é a seguinte: o investimento depende da taxa de câmbio. Não há nenhuma teoria econômi-ca que afirme isso.

A desindustrialização se deveu essencialmente a uma taxa de câmbio altamente apreciada que tornou a expectativa de taxa de lucro dos empresários muito baixa, senão negativa em muitos casos. E o novo desenvolvimentismo também tem uma tendência, é a tendência à sobreapreciação cíclica e crô-nica, crônica quer dizer de longo prazo, da taxa de câmbio nos países em desenvolvimento. Logo, se essa tendência for ver-dadeira, vamos observar que país em desenvolvimento que não administra sua taxa de câmbio firmemente vai de crise fi-nanceira em crise financeira, isso é cíclico, e cresce pouco.

SISTEMA NACIONAL DE FOMENTO Agora, eu preciso dramaticamente de um sistema de finan-ciamento. Por quê? Porque nesse contexto eu sou keynesiano e schumpeteriano. A teoria de [Joseph Alois] Schumpeter só existe com a teoria do empresário, se há tem crédito. E na teo-ria de [John Maynard] Keynes, o investimento é que determi-na a poupança, que também só existe se tiver crédito. Então, o crédito é absolutamente fundamental. E, necessariamente, o crédito é investimento, o que, aliás, os bancos privados não fa-zem. Então, é por isso que se precisa dramaticamente de ban-cos de desenvolvimento públicos.

É fundamental que haja bancos de desenvolvimento, por-que o BNDES não tem condições de chegar nas médias em-presas dos estados com o nosso problema da capilaridade. Então, é claro que são os bancos regionais e as agências de fo-mento que resolvem esse assunto. Eu estou imaginando que o BNDES podia criar linhas de crédito para os diversos bancos de desenvolvimento. Existiria uma política de financiamento público que seria encabeçada pelo BNDES.

PACTO PARA O DESENVOLVIMENTO Não vejo espaço para um pacto. O Brasil está vivendo desde 2013 não apenas o colapso do projeto de pacto desenvolvi-mentista do Partido dos Trabalhadores, mas nós estamos vi-vendo um recrudescimento muito forte da luta de classes. Só que a luta de classes não é a de [Karl] Marx. Agora, a luta é da

burguesia e, principalmente, dos financistas e ren-tistas contra o povo. Como é que nós vamos ter um acordo, se a burguesia hoje está unida, sobre o co-mando da burguesia, do capitalismo rentista e fi-nancista, e não do capitalismo empresarial produ-tivo? Então, eu não vejo perspectivas de curto ou médio prazo para isto. FUTURO E CRISE Nós estamos em crise aguda. Maior crise do que essa é impossível. Na verdade, a luta de classes está colocada. O que é a política? A política é o embate entre adversários, e é o governo tentando fazer acordos, com concessões mútuas por meio da política. Nela não existem inimigos. Na políti-ca, existem adversários que fazem acordos. Hoje ninguém quer acordo nenhum. A direita que está aí, põe a culpa de todos os problemas do Brasil no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e na pre-sidenta Dilma Rousseff. E a esquerda está total-mente desarvorada.

O crédito é absolutamente fundamental. E, necessariamente, o crédito é investimento, o que, aliás, os bancos privados não fazem. Então, é por isso que se precisa dramaticamente de bancos de desenvolvimento públicos.