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CIÊNCIA GENÉTICA Identidade sem ambigüidade Laboratório da US P descobre as causas genéticas e as formas de tratamento de alterações hormonais raras FABRÍCIO MARQUES U m prêmio concedido nos Es- tados Unidos pela primeira vez a um pesquisador brasileiro, a endocrinologista Ana Claudia Latronico, de 39 anos, chamou a atenção para a produtividade científica de uma equipe da Universidade de São Paulo (USP) que lida com um material riquíssimo. Todos os meses, o grupo da Unidade de En- docrinologia do Desenvolvimento do Hos- pital das Clínicas da USP atende 400 pessoas vindas de todo o país com distúrbios horrno- nais que impedem o crescimento normal de crianças, interferem na puberdade de adoles- centes ou geram anomalias no desenvolvi- mento dos órgãos sexuais, como o herrna- froditismo, em que o indivíduo nasce com ovários e testículos, além de genitais externos mal definidos. Tamanha diversidade de pa- cientes - e a oportunidade de tratá-los e acom- panhá-los - transformou a unidade em um centro de pesquisa de referência internacio- nal. É ali que, sob a orientação de Berenice Bilharinho de Mendonça, Ana Claudia par- ticipa há 12 anos de uma série de estudos pioneiros que descrevem novas mutações ge- néticas causadoras de doenças hormonais. O conjunto desses trabalhos é que rendeu a Ana Claudia o Prêmio Richard E. Weitzman, con- cedido em junho pela Sociedade Americana de Endocrinologia a pesquisadores com me- nos de 40 anos de idade. A equipe de 2S pesquisadores liderada por Berenice - mulheres, na maioria, como é comum na área de endocrinologia - enfrenta diariamente o desafio de mostrar a quem apa- 40 • AGOSTO DE 2003 PESQUISA FAPESP 90 rece por lá em busca de atendimento que em geral é possível tratar esses problemas gené- ticos marcados por um forte preconceito. É o caso da identificação do sexo de indivíduos que nascem com genitais ambíguos - com es- truturas masculinas e femininas completas ou não. Esse problema compreende três grupos de doenças diferentes. Um é o hermafroditis- mo verdadeiro, em que o indivíduo apresenta ovários e testículos e os órgãos genitais exter- nos com estruturas masculinas e femininas, a chamada ambigüidade genital. Genetica- mente, a maioria dos hermafroditas verda- deiros tem em cada célula dois cromossomos X - os homens normais têm um crornosso- mo X e um Y e as mulheres, dois X. Portanto, eles deveriam ser mulheres. Mas como expli- car o desenvolvimento dos testículos? Prova- velmente, isso se deve a alterações em genes ainda desconhecidos que atuam como o gene SRY do cromossomo Y,responsável pela for- mação dos testículos. O segundo grupo é o pseudo-herrnafro- ditismo masculino: do ponto de vista gené- tico, o indivíduo é um homem (XY), mas o pênis não se desenvolve completamente ea abertura da uretra fica em posição anormal. "Os pseudo-hermafroditas deveriam ter sido homens normais, mas não foram completa- mente virilizados, por causa de defeitos ocor- ridos ao longo do desenvolvimento sexual embrionário", diz Berenice. Até os dois meses de gestação, lembra ela, os homens e as mulhe- res têm a genitália idêntica - o que os diferen- cia, a partir desse momento, é a ação do hor- mônio sexual masculino, a testosterona. As

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CIÊNCIA

GENÉTICA

Identidadesem ambigüidadeLaboratório da US P descobre ascausas genéticas e as formas de tratamentode alterações hormonais raras

FABRÍCIO MARQUES

Umprêmio concedido nos Es-tados Unidos pela primeira veza um pesquisador brasileiro, aendocrinologista Ana ClaudiaLatronico, de 39 anos, chamou

a atenção para a produtividade científica deuma equipe da Universidade de São Paulo(USP) que lida com um material riquíssimo.Todos os meses, o grupo da Unidade de En-docrinologia do Desenvolvimento do Hos-pital das Clínicas da USP atende 400 pessoasvindas de todo o país com distúrbios horrno-nais que impedem o crescimento normal decrianças, interferem na puberdade de adoles-centes ou geram anomalias no desenvolvi-mento dos órgãos sexuais, como o herrna-froditismo, em que o indivíduo nasce comovários e testículos, além de genitais externosmal definidos. Tamanha diversidade de pa-cientes - e a oportunidade de tratá-los e acom-panhá-los - transformou a unidade em umcentro de pesquisa de referência internacio-nal. É ali que, sob a orientação de BereniceBilharinho de Mendonça, Ana Claudia par-ticipa há 12 anos de uma série de estudospioneiros que descrevem novas mutações ge-néticas causadoras de doenças hormonais. Oconjunto desses trabalhos é que rendeu a AnaClaudia o Prêmio Richard E. Weitzman, con-cedido em junho pela Sociedade Americanade Endocrinologia a pesquisadores com me-nos de 40 anos de idade.

A equipe de 2S pesquisadores lideradapor Berenice - mulheres, na maioria, como écomum na área de endocrinologia - enfrentadiariamente o desafio de mostrar a quem apa-

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rece por lá em busca de atendimento que emgeral é possível tratar esses problemas gené-ticos marcados por um forte preconceito. É ocaso da identificação do sexo de indivíduosque nascem com genitais ambíguos - com es-truturas masculinas e femininas completas ounão. Esse problema compreende três gruposde doenças diferentes. Um é o hermafroditis-mo verdadeiro, em que o indivíduo apresentaovários e testículos e os órgãos genitais exter-nos com estruturas masculinas e femininas,a chamada ambigüidade genital. Genetica-mente, a maioria dos hermafroditas verda-deiros tem em cada célula dois cromossomosX - os homens normais têm um crornosso-mo X e um Y e as mulheres, dois X. Portanto,eles deveriam ser mulheres. Mas como expli-car o desenvolvimento dos testículos? Prova-velmente, isso se deve a alterações em genesainda desconhecidos que atuam como o geneSRY do cromossomo Y, responsável pela for-mação dos testículos.

O segundo grupo é o pseudo-herrnafro-ditismo masculino: do ponto de vista gené-tico, o indivíduo é um homem (XY), maso pênis não se desenvolve completamente e aabertura da uretra fica em posição anormal."Os pseudo-hermafroditas deveriam ter sidohomens normais, mas não foram completa-mente virilizados, por causa de defeitos ocor-ridos ao longo do desenvolvimento sexualembrionário", diz Berenice. Até os dois mesesde gestação, lembra ela, os homens e as mulhe-res têm a genitália idêntica - o que os diferen-cia, a partir desse momento, é a ação do hor-mônio sexual masculino, a testosterona. As

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mulheres pseudo-hermafroditas cons-tituem a terceira categoria: apresen-tam dois cromossomos X e possuem oaparelho reprodutor feminino comple-to, como toda mulher qualquer, masdurante a vida intrauterina sofreramum processo de virilização dos genitais:o clitóriscresceexcessivamentee se apre-senta como uma estrutura semelhanteao pênis.

Desde 1976, chegam a 500 os casosde ambigüidade genital diagnosticadosnessaunidade do Hospital da Clínicas daUSP.A causa mais freqüente - respon-sávelpor um em cada três casos - é urnadoença de nome complicado, a hiperpla-sia adrenal congênita virilizante. Mu-tações no gene CYP21A2 resultam nadeficiência de uma enzima, a 21 hidro-xilase.A escassezdessa enzima impede asíntese do hormônio cortisol, produzi-do nas glândulas supra-renais.

Numa reação em cadeia, a falta des-se hormônio aciona urna glândula dabase do cérebro, a hipófise, que inten-sifica a produção de outro hormônio, ohipofisário corticotrófico, estimulanteda atividade das supra-renais. Em res-posta a esseestímulo, as supra-renais au-mentam de tamanho e produzem maishormônio masculino, a testosterona.Nos fetos do sexo feminino, o excessodesse hormônio provoca virilização: asmulheres nascem com um clitóris hi-pertrofiado, que lembra um pênis, euma bolsa escrotal sem testículos, querecobre completamente a vagina. Maso aparelho reprodutor interno e os cro-mossomos são de uma mulher, carac-terizando um caso clássico de pseudo-hermafroditismo feminino. "Às vezes,mesmo em berçários de maternidadesgrandes, esse tipo de bebê é registradocomo menino", diz Berenice.Sem o au-xilio de exames hormonais e da deter-minação dos cromossomos sexuais,mé-dicos se confundem e imaginam que setrata de um bebê do sexomasculino eu-jos testículos só irão descer para a bolsaescrotal mais tarde. Nos fetos do sexomasculino,amutação dessegene fazcomque haja apenas o crescimento anormaldas supra-renais, sem alterações nos ge-nitais externos.

Duas pesquisadoras dessa equipe,Tânia Bachega e Ana Elisa Billerbeck,descobriram, nos últimos quatro anos,cinco novas mutações do CYP21A2,como parte dos resultados de dois pro-jetos temáticos apoiados pela FAPESP.

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Desse modo, a análise de mutaçõesgenéticas ligadas a doenças sexuaisintegrou-se ao diagnóstico pré-natal,permitindo assim às mulheres que játiveram uma filha pseudo-hermafro-dita evitar que o problema se repita.No terceiro mês de gestação, a futuramãe submete-se a um exame de umfragmento da placenta que revelará seo embrião é do sexo feminino e seapresenta alguma alteração no geneCYP21A2.Se o teste indicar mutações,a equipe de Berenice sabe como evitaras conseqüências: a mãe deverá tomarum medicamento, o corticóide sintéti-co dexametasona, que evita que os ór-gãos sexuais da menina se apresentemcomo os de um menino. Chegando aofeto por meio da corrente sangüínea, adexametasona ingerida pela mãe inibe aprodução excessiva do hormônio ade-nocorticotrófico (ACTH), que impede aprodução exagerada do hormônio se-xual masculino. Nesse caso, a equipebrasileira desenvolveu os estudos mo-leculares e atestou no Brasil a eficáciadesse tratamento, criado em meadosdos anos 70 na França.

Puberdade precoce - A identidade se-xual se cristaliza por volta dos 2 anosde idade e, depois disso, é muito com-plicado mudá-Ia. Por essa razão, lem-bra Berenice, identificar precocemen-te a disfunção é essencial para evitartraumas nos pais e na criança. Mas,lamentavelmente, o diagnóstico tar-dio ainda ocorre com freqüência noBrasil. Metade dos casos de ambigüi-dade genital que chegam a esse am-bulatório do HC é de pessoas adultas.Nesses casos, definir o sexo torna-seuma questão que não se resume à ge-nética. Pode estar escrito no núcleode cada célula se um indivíduo é umamulher, se apresenta dois cromosso-mos X, mas o que fazer se foi criadocomo homem e desenvolveu uma iden-tidade masculina? A equipe de Bereni-ce enfrentou um caso desse tipo emjunho, quando apareceu um herma-frodita verdadeiro, de 20 anos, comgenitais masculinos e femininos. Ha-via sido registrado como mulher, mascriado como homem. Ele (o nomenão pode ser divulgado, em respeito àprivacidade) chegou ao HC depois decumprir um calvário de constrangi-mentos públicos. Nascido no interiorde Pernambuco, veio a São Paulo em

busca de tratamento e foi parar numdesses programas de televisão vesper-tinos que tratam anomalias comoatração de circo. O programa lhe ofe-receu tratamento médico, mas ele de-veria dizer para a namorada, ao vivo,que era hermafrodita - ela não sabia.Aproveitando a exposição no progra-ma, um médico disse que se disporia atratá-lo, de graça. A violência moral sóterminou quando o rapaz fez os exa-mes para iniciar o tratamento e outromédico - um herói anônimo - enca-minhou-o para o Hospital das Clíni-cas. A análise cromossômica, emboraapresentasse genitais ambíguos, iden-tificou dois cromossomos X. Portanto,geneticamente era do sexo feminino.Por opção própria, como apresentavaidentidade masculina, submeteu-se àretirada do útero, ovários e vagina e àchamada masculinização (a uretra foitransposta para a glande) dos geni-tais externos.

Com freqüência,as pesqui-sas desse grupo da USPdesvendam a origem dedoenças raras ou que seconfundem com outras,

desse modo incentivando a busca denovos tratamentos. Por exemplo, umestudo conduzido pela médica SorahiaDomenice, publicado em setembro de2001 no [ournal of Clinical Endocri-nology and Metabolism, mostrou queuma mutação já conhecida do geneDAX1 produzia manifestações maisamplas do que se acreditava. Os prin-cipais sintomas da doença eram o fun-cionamento precário da supra-renal eo atraso da puberdade. A equipe doHC descreveu há dois anos outra mu-tação no gene DAX1, encontrada emum menino, que, em vez do atraso,provocou puberdade precoce, com osurgimento de caracteres sexuais antesdos 3 anos de idade.

Em um estudo de grande repercus-são publicado em 1996no New England[ournal of Medicine, os pesquisadores doHC descreveram um defeito genéticono receptor do hormônio luteinizante(ou LH, na sigla em inglês), produzidopela hipófise, que estimula a fabrica-ção de testosterona pelos testículos.Com a mutação no receptor do LH, oorganismo não produz testosteronaem quantidades adequadas e os fetos,embora apresentassem cromossomos

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Há criançasbaixas quetomam hormôniode crescimentosem precisar

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masculinos, nasciam com genitália fe-minina ou ambígua. Um ano depois depesquisadores do Hospital Universi-tário de Nijmegen, da Holanda, terempublicado a primeira descrição de umamutação no receptor de LH causandopseudo-herrnafroditismo masculino,o estudo brasileiro mostrou que o es-pectro dessa anomalia era maior, aodescrever um meninocom micropênis e umefeito até então desco-nhecido: as irmãs dosportadores de pseudo-hermafroditismo mascu-lino, devido à mutação doreceptor do LH, são infér-teis, com menstruação ir-regular ou ausente.

A médica Regina Mar-tin comprovou este ano aorigem genética de outramoléstia rara, o excesso dearomatase, uma enzima que transfor-ma testosterona em estrógeno, o hor-mônio feminino. Essa disfunção ge-nética resulta do excesso de produçãode estrógeno e faz os meninos apre-sentarem micropênis e desenvolveremseios, enquanto as meninas sofrem au-mento do útero e crescimento exage-rado dos seios. Em todos os casos, asíndrome provoca baixa estatura. Oestudo que descreve a quinta famíliaencontrada no mundo com essa doen-ça - e a primeira no Brasil - saiu emjunho no [ournal of Clinical Endocri-nology and Metabolism.

Baixa estatura- Um mês antes, MariaCândida Fragoso publicou nessa mes-ma revista uma pesquisa sobre a identifi-cação de duas mutações genéticas quepodem causar a síndrome de CushingACTH-independente, doença caracteri-zada pelo aparecimento nas supra-re-nais de nódulos que produzem em de-masia o hormônio cortisol, reguladordo metabolismo do açúcar e da pressãoarterial. O excesso desse hormônio nacirculação provoca uma série de efeitoscolaterais, como obesidade localizadano centro do corpo, a face em forma delua cheia, atrofia da pele e hipertensãoarterial. Segundo Berenice, a descober-ta das mutações genéticas não altera osrumos do tratamento - que consiste naretirada das supra-renais seguida de re-posição hormonal-, mas ajuda a enten-der essa doença, que pode ser causada

por vários mecanismos diferentes. Atéentão, só se conhecia uma causa da mo-léstia: alguns pessoas produziam corti-sol em excesso, devido, por exemplo, aopeptídeo chamado GIP, secreta do pelopâncreas em resposta à chegada de ali-mentos ao aparelho digestivo.

Outra especialidade do grupo doHC é o estudo de doenças endocrinoló-

gicas que levam à baixaestatura, que afeta 3% dapopulação. Nessa área,um trabalho de granderepercussão, devido à suaaplicabilidade, foi feito noano passado pelo douto-rando Alexander Jorge,que mostrou a fragilidadedo teste mais usado nodiagnóstico de casos emque as aplicações do hor-mônio de crescimentoparecem não funcionar

para corrigir a baixa estatura. Jorge veri-ficou que não havia reprodutibilidade:dois testes com amostras idênticas nãoapresentam os mesmos resultados.

Este ano, em outra pesquisa, EvelineGadelha, ex-aluna de Berenice e hojeprofessora na Universidade Federal doCeará, avaliou a precisão dos examesque embasavam o diagnóstico de defi-ciência de hormônio de crescimento econcluiu: o diagnóstico laboratorial,muitas vezes, pode estar equivocado. Aspesquisadoras, que publicaram os re-sultados deste estudo em maio na Hot-mone Research, avaliaram 30 criançasnormais e 26 com deficiência de hor-mônio de crescimento para definir oponto de corte para os métodos maismodernos: a deficiência hormonal sópode ser realmente atestada quando aconcentração de hormônio está abaixo

o PROJETO

Diagnóstico Molecular de Distúrbiosda Diferenciação Sexuale Diagnóstico Molecular dasAlterações do Eixo GHRH, GH, IGFl

MODALIDADEProjeto temático

COORDENADORESBERENICE BILHARINHO DE MENDONÇAe Ivo JORGE PRADO ARNHOLD - USP

INVESTIMENTOR$ 648.094,20 e R$ 1.565.450,00

de 3,3 nanogramas por mililitro de sorosangüíneo. Segundo Berenice, os mé-dicos ainda utilizam o corte de 7 nano-gramas, válido para métodos de dosa-gem mais antigos, com sensibilidademenor. "Há crianças com diagnósticode baixa estatura que tomam horrnô-nio sem nenhum problema endocrino-lógico", alerta a pesquisadora. "São maisbaixas que a média devido à herançagenética dos pais:' Para meninos ou me-ninas de 4 ou 5 anos, por exemplo, de-ficiência de hormônio de crescimentosignifica ter 7 a 8 centímetros abaixo damédia da altura esperada.

Luciani Carvalho, aluna de douto-rado de Ivo Arnhold, do mesmo labo-ratório, descobriu recentemente umanova mutação no HESX1, gene que in-terfere no desenvolvimento da glându-la hipófise. O defeito já era associadoa uma manifestação gravíssima, a dis-plasia septo-ótica: as vítimas nascemcegas e com alterações no sistema ner-voso central. A contribuição desse es-tudo, a ser publicado no [ournal Clini-cal Investigation, foi a descoberta deuma manifestação mais branda da mes-ma doença, quando o erro ocorre numaregião diferente do gene. O caso quedeu base à pesquisa pioneira é umexemplo típico da rotina do HC. Em1985, a equipe de Berenice atendeu umagarotinha de 5 anos vinda de Recife comdeficiência de crescimento - tinha 87centímetros, 20 a menos do que de-veria. Era uma deficiência grave naprodução de hormônios, que pôde sertratada com reposição. Para crescer, amenina tomou hormônio de cresci-mento e hoje, aos 23 anos, alcançou 1,65metro de altura. Desenvolveu o úteroe seios e menstrua regularmente.

Os pesquisadores descobriram agorana amostra de DNA dessa menina a ori-gem exata da doença: uma mutação nogene HESXl. Sua versão alterada só seexpressa quando é herdada tanto do paiquanto da mãe, o que raramente ocorre,mas se deu nesse caso porque a meninaera fruto de um casamento consangüí-neo - os pais são primos. Antes dessadescoberta, seu caso se perdia em meioa centenas de outros. Na última década,a equipe de Berenice acumulou cerca de300 amostras de DNA de brasileiroscom baixa estatura de origem desconhe-cida e sabe que tem em mãos um tesou-ro genético que esconde histórias co-mo a da garotinha do Recife. •