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Heroína (conto) - Danilo Passos

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Conto integrante do livro "Sussurros". No Amazon e nas livrarias em outubro deste ano. Início da pré-venda no Amazon em setembro de 2015. Os lançamentos serão divulgados em breve pelas redes sociais do autor, editora e da Academia Jovem de Letras de Lorena - SP.

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HEROÍNA

Querido, tome estas doses. Elas são doces como a luz reluzente em seus olhos castanhos, com o mesmo teor que lapida obrilho das suas pupilas que vêm de encontro a mim. Tão doces que sou capaz de provar quantas vezes eu quiser, com a mesma intensidade que provei o amargo do pó que transcorria por minha garganta, para me manter acordada por horas e poder te fitar solenemente, com a pressão do meu coração sendo entorpecida pela morbidez do seu sorriso. Lembro-me da linha fina que contornava os seus lábios rosados quando pela primeira vez fui de encontro com a brancura dos seus dentes ofuscada pela luz cintilante daquela sala clara em ple-no início da noite, daquela primeira terça-feira de maio. Logo, comecei a contar os dias como se cada contagem fosse um

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presságio da eternidade que eu estaria ao seu lado. Mas enga-nei-me, a eternidade foi o peso das suas três palavras pronun-ciadas silabicamente nas primeiras horas da madrugada, oito dias após nos conhecermos sob a luz fluorescente de uma sala de espera em um hospital. O contorno delicado dos seus lábios apareceu na minha frente todos os dias durante mais de uma semana, enquanto eu comecei a mergulhar-me no dicionário, como um nadador mergulha com voracidade na piscina para alcançar o seu posto, apenas para escolher as mais sublimes palavras e te enaltecer ainda mais despertando sorrisos certei-ros do seu rosto glacial. Sublimidade. Todas as frases que proferi naqueles papéis brancos, entregues simultaneamente todas as noites que nos encontrávamos, fo-ram propositais para que os traços dos seus lábios se contor-cessem em sorrisos divinos e fincassem em mim a sensatez do êxtase que massageava as paredes do meu coração. Felicidade é pleno êxtase. É a sensação de sentir cócegas em momentos inoportunos e estar seguramente estampando sorrisos bobos no próprio rosto. Quando ouvi a pronúncia de três palavras especiais sendo silabicamente proferidas dos seus lábios ro-sados sob a claridade de um abajur próxima à cama daquele

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solitário quarto de uma humilde residência de três cômodos, dissolvi sorrisos fulminantes em meus lábios e te retribui com a ternura dos meus beijos que eram ardentes quando iam de encontro aos seus dentes. “Eu te amo”, foi o termo que atribuí ao meu vocabulário diário e em todas as despedidas sutis pronunciava com a mesma intensidade dos seus sorrisos. Intensidade.Os seus olhos. Eles me instigam ainda mais a conhecer as singularidades que estão escondidas em seu interior, da mesma forma que as simplicidades são expostas em seus toques pelo meu corpo. Mas seu olhar é duvidoso. Ele brilha ardentemente, porém, consegue esconder a força dos seus próprios pensamentos, me fazendo ficar cada vez mais intrigada com o teor dos seus pensamentos quando desenham a minha imagem em sua mente, digo, tenho receio das suas próprias convicções acerca das minhas euforias para dizer palavras bonitas e despertar os seus sorrisos. Vejo a claridade dos seus olhos, da mesma maneira que uma criança se confronta com as formas inusitadas dos brinquedos da loja mais movimentada da cidade; e desperto a curiosidade de estar cada vez mais motivada a fazer do brilho do seu olhar a

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sensação de bem-estar dentro de mim. Foram semanas ao seu lado e todos os movimentos dos teus lábios se contorcendo para me proporcionar os mais sublimes beijos, de modo a me transportar para uma leveza efêmera, todas as vezes que fe-chava os meus olhos e me decaia no paraíso escuro, sentindo apenas o fervor da sua pele se encostando a mim. Sentia-me na imensidão oceânica tentando nadar para o norte mais pró-ximo, construindo uma fadiga exorbitante. Incomum.Suas mãos são sempre delicadas e a maciez delas sob os objetos mais inusitados que você sempre carrega é indescrití-vel. Sua leveza em segurar as xícaras de café, para encher-se de cafeína e produzir ainda mais, desperta em mim um desinte-resse sem limite, mas me leva a compreender as suas simplicidades e inocência. Todas as suas perguntas vagam a minha mente e almejam por respostas concretas para que pos-samos continuar o nosso caminho que se perdura por poucos meses, mas que transcende uma felicidade imensa em mim mesma. Ouço o som das suas preocupações dançarem sob a minha mente, assim como, escuto o som do jazz e blues sendo cautelosamente pronunciados no rádio do carro em que todos os dias adentro ao seu lado, sempre na mesma estação rotinei-

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ra. Rotineira.

Porém, sinto a sua segurança para me apoiar ainda mais e me manter nas quenturas dos seus braços, ao passo que os contornos dos seus lábios esboçam sorrisos ainda mais sutis para mostrar-me que a leveza da vida simples é a melhor esco-lha a ser definida. Ainda tento criar as suas próprias definições para mim, embora, o que demonstro cotidianamente a você, o leve para outra definição acerca de mim mesma. Seus entenderes compreendem-me. E no meio desta sala vazia e escura, sob a agulha nas mãos, eu te peço querido, tome estas doses. Ou melhor, injete-as. E transcreva na mesma intensida-de que meus pensamentos entoam minha mente, por agora. Assim poderei voltar ainda mais extasiada ao seu encontro, para ser como sempre, de acordo com as suas descrições, uma Heroína.[x]

- Danilo Passos Santos

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