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I.A CONSCIÊNCIA REVOLUCIONÁRIA

Q\ HISTORIA1. K. MARX: TRABALHO ALIENADO E SUPERAÇÃO

POSITIVA DA AUTO-ALIENAÇÃO HUMANA *

[O trabalho alienado]1

XXII Partimos dos pressupostos da Economia Política. Aceitamos a sualinguagem e as suas leis. Supusemos a propriedade privada, a separação

* O presente texto constitui a parte final do primeiro dos Manuscritos econômico- -filosóficos (1844); tomamos por base da tradução o texto editado em M arx, K. e E n g e l s , F. Werke. Erganzungsband: Schrifien, Manuskripte, Briefe bis 1844. Berlim, Dietz Verlag, 1977. Tomo I, p. 510-22. Traduzido por Viktor von Ehrenreich.1 Em geral procuramos nos ater o mais fielmente possível ao texto original, e as passagens que por uma razão ou outra não permitem uma versão ipsis verbis foram registradas em notas. O caráter de manuscrito explica muitas rudezas de estilo no texto, e não foi intento da tradução arredondar o vernáculo e assim iludir quanto ao truncamento do original. Quanto à terminologia, procuramos sempre traduzir cada termo alemão por um só equivalente português, justificando as vezes em que tal procedimento se tornava impossível devidò ao contexto ou à multivocidade do termo alemão em pauta. Seguimos o uso de grifos de Marx, o qual tem sempre a função de ressaltar o significado do termo grifado; isto nos levou a nos afastarmos do uso em português, não grifando expressões estran­geiras que ocorrem no texto. Também seguimos a pontuação jlo original, mesmo onde esta se afasta do uso mais corrente de nossa língua. A numeração romana, em negrito na margem, indica a paginação do respectivo caderno de manuscritos tal qual aparece na edição supracitada. Colchetes [ ] indicam acréscimos ou com- piementações do editor alemão, barras duplas / / / / acréscimos do tradutor 'para efeitos de maior clareza, citação do termo alemão em pauta ou tradução de eventuais termos que aparecem em língua estrangeira no original. Salvo indicação explícita em contrário, todas as notas são do tradutor.

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de trabalho, capital e terra, igualmente de salário, lucro de capital e renda da terra, assim como a divisão do trabalho, a concorrência, o conceito de valor de troca, etc. A partir da Economia Política mesma, com as suas próprias palavras, mostramos que o trabalhador decai a uma mercadoria e à mais miserável mercadoria, que a miséria do traba­lhador está na razão inversa do poder e da magnitude da sua produção, que o resultado necessário da concorrência é a acumulação do capital em poucas mãos, portanto a restauração ainda mais terrível do monopó­lio, que finalmente desaparece a diferença tanto entre capitalista e ren- tista 2 quanto entre agricultor e trabalhador de indústria 8 e que a socie­dade inteira tem que se cindir nas duas classes dos proprietários e dos trabalhadores sem propriedade.

A Economia Política parte do fato da propriedade privada. Não nos explica o mesmo. Capta o processo material que a propriedade privada perfaz na realidade efetiva 4 em fórmulas abstratas, gerais, que então lhe valem como leis. Não concebe 5 estas leis, ou seja, não de­monstra 6 como emergem da essência da propriedade privada. A Econo­mia Política não nos dá esclarecimento algum sobre a razão 7 da divisão entre trabalho e capital, entre capital e terra. Por exemplo, quando determina a relação do salário com o lucro de capital, o interesse do capitalista lhe vale como a razão última; isto é, ela supõe o que deve desenvolver. Igualmente a concorrência entra em toda parte. É explicada a partir de circunstâncias externas. A Economia Política nada nos ensina sobre até que ponto estas circunstâncias externas, aparentemente aciden­tais, são apenas a expressão de um desenvolvimento necessário. Vimos

2 “Grundrentner”, ou seja, aquele que vive da renda da terra (“Grundrente”).3 “Manufakturarbeiter”, literalmente “trabalhador manufatureiro” ou “trabalhador de (ou em) manufatura(s)”.4 Termo de extração hegeliana, “Wirklichkeit” designa aqui não apenas a realidade como dado bruto, mas aquela posta efetivamente pela ação humana (incluindo, por exemplo, instituições sociais). Uma tradução alternativa seria “efetividade”, de resto mais fieí à formação do vocábulo alemão. “Wirklichkeit” vem de “wirken” = “atuar”, sendo cognato dos termos alemães “Werk”, “werken” (respectivamente “obra” e “obrar”) e dos termos ingleses “work”, “to work” (“trabalho”, “tra­balhar”).5 Em alemão: “begreift”. O significado corrente do verbo “begreifen” é “com­preender”. Mas como aqui se trata do desdobramento racional de um conteúdo numa ciência (o grifo também aponta no sentido de um uso não casual do termo), entra em jogo uma aproximação deste verbo com o substantivo cognato “Begriff” = “conceito”, também um termo técnico na tradição hegeliana.6 Em alemão: “zeigt nicht nach”. O contexto parece justificar nossa tradução talvez um tanto forte para o termo alemão. “Nachzeigen” (de “zeigen” = “mostrar” e “nach” = “após”, “segundo”) se aproxima aqui do uso de “nachweisen” (“evi­denciar”, “demonstrar” ).7 Normalmente se traduz “Grund” por “fundamento”, mas aqui “razão” se apro­xima mais do uso vernáculo.

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como mesmo a troca aparece a ela como um fato acidental. As únicas rodas que o economista político põe em movimento são a ganância e a guerra entre os gananciosos, a concorrência 8.

Precisamente porque a Economia Política não concebe a interconexão do movimento é que foi possível que de novo se opusessem, por exemplo, a doutrina da concorrência à doutrina do monopólio, a doutrina da liberdade de ofício à doutrina da corporação, a doutrina da divisão da posse da terra à doutrina da grande propriedade de terras, pois concor­rência, liberdade de ofício, divisão da posse da terra eram desenvolvidas e concebidas apenas como conseqüências acidentais, propositais, violen­tas do monopólio, da corporação e da propriedade feudal, não como suas conseqüências necessárias, inevitáveis, naturais.

Agora temos portanto que conceber a interconexão essencial entre a propriedade privada, a ganância, a separação de trabalho, capital e propriedade da terra, de troca e concorrência, de valor e desvalorização dos homens, de monopólio e concorrência, etc., de toda esta alienação com o sistema monetário. j

Não nos transponhamos a um estado primevo 9 apenas fictício, tal qual o economista político quando quer explicar. Um tal estado primevo nada explica. Apenas empurra a questão para uma distância nebulosa, cinzenta. Supõe na forma do fato, do evento, aquilo que ele deve deduzir, a saber, a relação necessária entre duas coisas, por exemplo entre divi­são do trabalho e troca. Assim a Teologia explica a origem do mal pela queda do pecado [original], isto é, supõe como um fato, na forma da história, aquilo que ela 10 deve explicar.

Nós partimos de um fato econômico-político, presente.O trabalhador se tom a tão mais pobre quanto mais riqueza produz,

quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz só mer­cadorias; produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na proporção em que produz mercadorias em geral.

8 Após este parágrafo encontra-se riscado no manuscrito o seguinte: “Agora temos que nos pôr à procura da essência do movimento material da propriedade y^aqui/ / descrito”. (N. do ed. al.)9 Em alemão: “Urzustand”. Sempre verteremos o prefixo “ur-” por “primevo”, reservando “originário” ou “original” para o adjetivo “ursprünglich”, de “Ur- sprung” = “origem”.10 A saber, a Teologia. Embora “Theologie” seja feminino em alemão, encon­tramos aí o pronome masculino singular “er”, que neste caso só poderia se referir a “Nationalókonom” = “economista político” ou a “Urzustand” = “estado primevo”, mencionados no início do parágrafo, ou então supor “Theologe” = “teólogo”, todos substantivos masculinos em alemão.

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Este fato nada mais expressa senão: o objeto que o trabalho produz, o seu produto, se lhe defronta 11 como um ser'alheio 12, como um poder independente do produtor. O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, se fez co isal13, é a objetivaçâo 14 do trabalho. A realização efetiva 15 do trabalho é a sua objetivaçâo. No estado econô- mico-político esta realização efetiva do trabalho aparece como desefe- tivação 18 do trabalhador, a objetivaçâo como perda e servidão do objeto, a apropriação como alienação, como exteriorização 17.

11 Ou seja, se defronta ao trabalho. Sempre traduziremos por “defrontar” (no sentido ativo, ou seja, de algo que se coloca frente a) o verbo alemão “gegenüber- treten”, distinguindo-o meticulosamente de “gegenüberstehen” = “estar frente a” (sem envolver atividade por parte daquilo que está diante de algo ou alguém). Escusado sublinhar a importância deste jogo de oposições no pensamento de Marx.12 Em alemão: “fremdes Wesen". O adjetivo “fremd” significa literalmente “estra­nho”, “estrangeiro”. Traduzi-lo por “alheio”, menos usual e talvez menos preciso em português, visa apenas a manter patente em nossa língua a mesma relação etimológica (de resto explorada pelo próprio Marx) que há entre “fremd” e “Entfremdung”, termo técnico da tradição hegeliano-marxista cuja tradução por “alienação” já se consagrou no uso de nossa língua. Já “Wesen” congrega vários significados. Como termo técnico da tradição hegeliana seu significado primeiro é “essência”, e assim o traduziremos sempre que possível. Não obstante também pode significar “ser” (como substantivo, por exemplo em “Lebewesen” = “ser vivo”) ou ainda “ente”, um ser concretizado, individualizado. Estas diversas acepções também ocorrem no uso comum da língua alemã. Cumpre destacar que muitas vezes Marx joga habilmente com estes diversos níveis semânticos desta palavra. Cf. nota 30.13 Para “sachlich gemacht hat” também se sustentaria a tradução simples “se fez objetivo”, mesmo Marx não usando aqui “gegenstândlich” = “objetivo”. “Sache” se aproxima mais de “coisa” (em sentido neutro) que de “objeto” (a coisa já numa relação frente a um sujeito). Cf. nota 37.14 Dados os seus ressaibos gnoseológicos, “objetivaçâo” pode parecer demasiado fraco para o que Marx quer dizer com “Vergegenstãndlichung” (de “Gegenstand” = “objeto”): o trabalho tomando corpo em objetos. Uma alternativa seria o deselegante “objetificação”.15 “Verwirklichung” designa o ato de tornar algo real e /ou efetivo. Uma alter­nativa seria “efetivação”. Sobre as raízes comuns a esse termo alemão cf. nota 4.18 Em alemão: “Entwirklichung”. Neste contexto Marx joga com termos cognatos (cf. nota 4 ). O verbo “entwirklichen” significa “privar de realidade e /ou de efetividade”, a tradução do substantivo correspondente “Entwirklichung” sendo ditada pelos recursos do português. Ao traduzirmos “Wirklichkeit” por “realidade efetiva” e “Verwirklichung” por “realização efetiva”, explicitamos significado e ressonâncias semânticas dos termos alemães em questão para ajudar a decidir eventuais questões de compreensão e interpretação do pensamento de Marx. Mas aqui tal não foi possível.17 Marx parece usar sinonimamente os termos “Entfremdung” e “Entáusserung”.Mesmo assim mantivemos a distinção, ainda que meramente verbal, dada a sua extração hegeliana e seu uso diferenciado no contexto de origem. “Entfremdung”, forjado a partir do adjetivo “fremd” = “estranho” (cf. nota 12), é traduzido por “alienação”. Para “Entáusserung” (de “ãusserlich” — “exterior”, “externo”) reser­vamos “exteriorização”.

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A realização efetiva do trabalho tanto aparece como desefetivação que o trabalhador é desefetivado 18 a ponto de morrer de fome 19. A objetivação tanto aparece como perda do objeto que o trabalhador se vê roubado dos objetos mais necessários não só à vida, mas também dos objetos de trabalho. Sim, até mesmo o trabalho se torna um objeto do qual ele só pode se apoderar com os maiores esforços e com as mais irregulares interrupções. A apropriação do objeto tanto aparece como alienação que, quanto mais objetos o trabalhador produz, tanto menos pode possuir e tanto mais cai sob o domínio do seu produto, do capital.

Todas estas conseqüências estão na determinação de que o -traba­lhador se relaciona com 20 o produto do seu trabalho como //co va .// um objeto alheio. Pois segundo este pressuposto está claro: quanto mais o trabalhador se gasta trabalhando21, tão mais poderoso se tom a o mundo objetivo alheio que ele cria frente a si, tão mais pobre se torna ele mesmo, o seu mundo interior, tanto menos ^ c o is a s / / lhe per­ten ce // m .// como seu ^ s u a s ^ p ró p r io ^ a s / '22. É da mesma maneira na religião. Quanto mais o homem põe em Deus, tanto menos retém em si mesmo. O trabalhador coloca a sua vida no objeto; mas agora ela não pertence mais a ele, mas sim ao objeto. Portanto, quão maior esta

18 Em alemão: “entwirklicht”, literalmente “privado de realidade e/ou de efetivi­dade”. Cf. nota 16.19 Em alemão: “bis zum Hungertod”, literalmente “até //so b r e v ir ^ a morte por fome”.20 O verbo “sich verhalten zu” talvez seja melhor vertido pela expressão portuguesa “ter a atitude diante de”, desde que se explicite o seu duplo significado: um mais receptivo expressável por “estar na relação com” e outro mais ativo expressável por, “se comportar perante”. Estes dois significados também se patenteiam no cognatismo deste verbo alemão com dois outros termos: ''Verhalten” = “com­portamento” e “Verháltnis”, no contexto de Marx traduzido por “relação” (por exemplo, “Produktionsverhâltnisse” = “relações de produção”). A tradução fran­cesa de “Verháltnis” por “rapport” permite resgatar tanto o significado destas expressões quanto o jogo etimológico usado por Marx, o qual infelizmente não é possível exprimir dp todo em português. Manteremos sempre a mesma tradução, embora em vários contextos “comportar-se perante” fizesse mais sentido; cabe ao leitor reconstruir o significado integral em cada passagem.21 “Sich ausarbeiten”, ou seja, trabalhar até se esgotar completamente no trabalho e com isso pôr para fora tudo o que é seu.22 Em alemão: “um so weniger gehõrt ihm zu eigen”. Literalmente no singular, nossas adições querendo deixar claro que todo este passus não se refere só à expressão precedente “mundo interior”, mas a tudo que possa de algum modo ser próprio do homem. Reservamos “próprio” e derivados para traduzir “eigen” e derivados, mantendo assim com precisão o paralelismo de étimos, por exemplo “propriedade” = “Eigentum”, “apropriação” = “Aneignung”, etc. Para outras partículas reflexivas, por exemplo “selbst”, “er selbst”, “sich”, etc., usamos res­pectivamente “mesmo”, “ele mesmo”, “se” ou “a si”, etc., mesmo quando o por­tuguês resultante não seja dos melhores.

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x x m

atividade, tanto mais o trabalhador é sem -objeto23. Ele não é o que é o produto do seu trabalho. Portanto, quão maior este produto, tanto menos ele mesmo é. A exteriorização do trabalhador em seu produto tem o significado não só de que o seu trabalho se torna um objeto, uma existência exterior, mas também que e la 24 existe fora dele, inde­pendente de e alheia a ele, tomando-se um poder autônomo frente a ele, / / o significado^ de que a vida que ele conferiu ao objeto se lhe defronta inimiga e alheia.

Consideremos agora mais de perto a objetivaçâo, a produção do trabalhador e nela a alienação, a perda do objeto, do seu produto.

O trabalhador nada pode criar 25 sem a natureza, sem o mundo exterior sensorial. Ela é o material no qual o seu trabalho se realiza efetivam ente26, no qual é ativo, a partir do qual e mediante o qual produz.

Mas assim como a natureza oferece tos]27 meio[s] de vida do traba­lho no sentido de que o trabalho não pode viver sem objetos nos quais se exerça, assim também oferece por outro lado o[s] meio[s] de vida no sentido mais estrito, a saber, o[s] meio[s] de subsistência física do traba­lhador mesmo.

Portanto, quanto mais o trabalhador se apropria do mundo exterior, da natureza sensorial, através do seu trabalho, tanto mais ele se priva de meio[s'\ de vida segundo um duplo aspecto, primeiro, que cada vez mais o mundo exterior sensorial cessa de ser um objeto pertencente ao seu trabalho, um meio de vida do seu trabalho; segundo, que cada vez mais cessa de ser meio de vida no sentido imediato, meio para a subsis­tência física do trabalhador.

2S “Gegenstandslos” (no texto está no comparativo) eqüivale ao inglês “objectless”. Embora menos pregnante, uma alternativa seria “destituído de objetos”, “privado de objetos”.24 Pronome feminino “sie” referindo-se a “existência exterior” (feminino em ale­m ão), não a “objeto” (masculino em alemão).25 Como verbo transitivo “schaffen” significa “criar”, “realizar”, “produzir”, como verbo intransitivo “trabalhar”? “ser ativo”, “labutar”. Ambos os sentidos se con­jugam no texto, mais ou menos igual a “criar através do trabalho, do esforço”.26 Para manter o paralelismo com os respectivos substantivos (cf. notas 4 e 16) traduziremos o verbo “verwirklichen” por “realizar efetivamente”. Traduziremos o adjetivo “wirklich” por “efetivamente real” sempre que possível, onde razões lingüísticas não o permitirem o verteremos simplesmente por “efetivo”, con­signando o termo alemão entre / / / / . Quando “wirklich” ocorrer como advérbio traduziremos por “de maneira (ou de modo) efetiva(o)”.27 Aqui “Lebensmittel”, “m eio(s) de vida”, pode estar tanto no singular quanto no plural. O artigo plural foi colocado pela editoria do original. Marx habitual­mente abreviava a grafia do artigo com a sua letra inicial “d”, sendo muitas vezes difícil decidir se está no singular ou no plural. Neste parágrafo e numa ocorrência do seguinte indicamos pelos colchetes a opção de interpretação dos editores do texto alemão, tão incerta quanto a outra alternativa.

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Segundo este duplo aspecto o trabalhador se torna portanto um servo do seu objeto, primeiro ao receber um objeto de trabalho, isto é, receber trabalho, e segundo ao receber meios de subsistência. Portanto, para que possa existir primeiro como trabalhador e, segundo, como sujeito físico. O extremo desta servidão é que apenas como trabalhador ele [pode] se manter 28 como sujeito físico e apenas como sujeito físico ele é trabalhador.

(Segundo leis da Economia Política a alienação do trabalhador em seu objeto se expressa de maneira que quanto mais o trabalhador produz tanto menos tem para consumir, que quanto mais valores cria tanto mais se tom a sem valor e sem dignidade, que quanto melhor formado o seu produto tanto mais deformado o trabalhador, que quanto mais civilizado o seu objeto tanto mais bárbaro o trabalhador, que quanto mais poderoso o trabalho tanto mais impotente se torna o trabalhador, que quanto mais rico de espírito o trabalho tanto mais o trabalhador se tom a pobre de espírito 28 e servo da natureza.)

A Economia Política oculta a alienação na essência do trabalho jpor não considerar a relação imediata entre o trabalhador (o trabalho) e a produção. É claro. O trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz desnudez para o trabalhador. Produz palácios, mas cavernas para o trabalhador. Produz beleza, mas mutilação para o trabalhador. Substitui o trabalho por máquinas, mas joga uma parte dos trabalhadores de volta a um trabalho bárbaro e faz da outra parte máquinas. Produz espírito, mas produz idiotia, cretinismo para o trabalhador.

A relação imediata do trabalho com os seus produtos é a relação do trabalhador com os objetos da sua produção. A relação do abastado com os objetos da produção e com ela mesma é só uma conseqüência desta primeira relação. E a confirma. Mais tarde consideraremos este outro aspecto. Se portanto perguntamos qual a relação essencial do tra­balho, então perguntamos pela relação do trabalhador com a produção.

Até aqui consideramos a alienação, a exteriorização do trabalhador só segundo um dos seus aspectos, a saber, a sua relação com os produtos do seu trabalho. Porém, a alienação não se mostra apenas no resultado, mas no ato da produção, dentro da atividade produtiva mesma. Como o trabalhador poderia se defrontar alheio ao produto da sua atividade se no ato mesmo da produção ele não se alienasse de si mesmo? Pois o produto é só o resumo da atividade, da produção. Se por conseguinte o produto do trabalho é a exteriorização, então a produção mesma tem que ser a exteriorização ativa, a exteriorização da atividade, a atividade

28 Neste parágrafo, jogo com o verbo “erhalíen” — “receber” e sua forma reflexiva “sich erhalten” = “manter-se”.29 Oposição de “geistreich” (literalmente “rico de espírito”, também traduzível por “engenhoso”, às vezes por “espirituoso”) e de “geistlos” (literalmente “sem espí­rito”, também traduzível por “insípido”, “sem graça”).

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da exteriorização. Na alienação do objeto do trabalho só se resume a alienação, a exteriorização na atividade mesma do trabalho.

Ora, em que consiste a exteriorização do trabalho?Primeiro, que o trabalho é exterior ao trabalhador, ou seja, não

pertence à sua essência 30, que portanto ele não se afirma, mas se nega em seu trabalho, que não se sente bem, mas infeliz, que não desenvolve energia mental e física livre, mas mortifica a sua physis 31 e arruina a sua m ente32. Daí que o trabalhador só se sinta junto a s i88 fora do trabalho e fora de si no trabalho. Sente-se em casa quando não trabalha e quando trabalha não se sente em casa 34. O seu trabalho não é portanto voluntário, mas compulsório, trabalho forçado. Por conseguinte, não é a satisfação de uma necessidade 35, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele. A sua alienidade emerge com pureza no fato de que, tão logo não exista coerção física ou outra qualquer, se foge do trabalho como de uma peste. O trabalho exterior, o trabalho no qual o homem se exterioriza, é um trabalho de auto-sacrifício, de mortificação. Finalmente, a exterioridade do trabalho aparece para o trabalhador no fato de que / / o trab a lh o ,/ não é seu próprio, mas sim de um outro, que não lhe pertence, que nele ele não pertence a si mesmo, mas a um outro. Assim como na religião a auto-atividade da imaginação hu­mana, do cérebro humano e do coração humano atua sobre o indivíduo independente deste, ou seja, como uma atividade alheia, divina ou diabó­lica, assim também a atividade do trabalhador não é a sua auto-atividade. Pertence a um outro, é a perda de si mesmo.

30 Neste passus também se poderia traduzir “Wesen” por “ser” (substantivo), embora a determinação de “essência” esteja por demais presente. Para maior clareza uma alternativa seria o pleonástico “ser essencial”. Cf. supra nota 12 e infra notas 38, 46 e 56.31 No original, termo grego grafado em caracteres latinos.32 Dada a sua importância na tradição hegeliana, o termo “Geist” não é mais inocente no pensamento alemão pós-hegeliano. O seu significado primeiro é “espírito”, e bem se poderia também traduzi-lo assim aqui. Todavia, mais acima no mesmo período traduzimos o adjetivo “geistig” por “mental”, o que concorda melhor com o contexto, e aqui preferimos manter o paralelismo.33 Tradução literal (e insuficiente) de “bei sich”, que tem um equivalente precisono francês “chez soi”. Um misto de “estar à vontade consigo mesmo” e de “estar conscientemente de posse de todas as suas faculdades”. Cf. também nota 34. 3i Jogo com dois sentidos de “zu Hause sein”, o literal “estar em casa” e o figurado “sentir-se em casa”.35 Costuma-se traduzir “Bedürfnis” por “necessidade”, embora neste caso o por­tuguês se preste a equívocos. “Bedürfnis” é uma necessidade imposta pela condição biológica do ser humano, estando sempre ligada a uma falta ou carência e a um desejo correspondente. Para a necessidade lógica e/ou ontológica, que se opõe à contingência, o alemão tem o termo “Notwendigkeit”. Esta distinção corresponde às respectivas distinções em língua francesa (“besoin/nécessité”) e inglesa (“need/ / necessity”). Até aqui o texto só apresentou necessidade no sentido lógico, e doravante sempre indicaremos as vezes em que ocorrer no sentido de carência, se tal não for depreendível claramente do contexto, agregando o termo alemão entre / / / / .

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XXIV

Por conseguinte, chega-se ao resultado de que o homem (o traba­lhador) se sente livremente ativo só ainda em suas funções animais, comer, beber e procriar, no máximo ainda moradia, ornamentos, etc., e em suas funções humanas só / / se s e n te / ' ainda como animal. O que é animal se torna humano e o que é humano / 's e to m a / ' animal.

Claro que comer, beber e procriar, etc., também são funções genui­namente humanas. Porém, são animais na abstração que as separa do círculo restante da atividade humana e as faz fins últimos e exclusivos.

Consideramos sob dois aspectos o ato de alienação da atividade humana prática, o trabalho. 1. A relação do trabalhador com o produto do trabalho como objeto alheio tendo poder sobre ele. Esta relação é simultaneamente a relação com o mundo exterior sensorial, com os obje­tos da natureza como um mundo alheio que se lhe defronta hostilmente.2. A relação do trabalho com o ato da produção dentro do trabalho. Esta relação é a relação do trabalhador com a sua própria atividade como uma / / ativ idade/' alheia não pertencente a ele, a atividade como sofri­mento, a força como impotência, a procriação como emasculação, • a energia mental e física própria do trabalhador, a sua vida pessoal — pois o que é vida senão38 atividade — como uma atividade voltada contra ele mesmo, independente dele, não pertencente a ele. A auto- -alienação, tal como acima a alienação da coisa 37.

Ainda temos uma terceira determinação do trabalho alienado a extrair das duas vistas até aqui.

O homem é um ser genérico 38, não só na medida em que teórica e praticamente faz do gênero, tanto do seu próprio quanto do das

38 No original: “denn was ist Leben [anderes] ais Tâtigkeit”. Traduzimos com a adição do editor. Se a suprimirmos, teremos que traduzir: “pois o -que é vida como atividade”.37 O substantivo “Sache” indica algo intermediário entre “coisa” (tom ada neutra- mente, indiferente a um sujeito) e “objeto” (algo que já entrou numa relação com um sujeito). Um termo português existente na gíria e que se aproxima do sentido de “Sache” é “troço”. Cf. nota 13 e respectiva passagem no texto.38 Nossa versão de “Gattungswesen” transmite só parte do sentido. “Wesen” funde aqui os sentidos de “ser” (substantivo) e de “essência”, não possuindo o português um a palavra que junte ambos. Cf. notas 12 e 30. Também a opção “genérico” ou “do gênero” para o genitivo “Gattungs-” pode ser contestada com base no próprio texto de M arx (cf. nota 44). Claro que M arx não usa este termo de modo rigorosamente paralelo com a classificação zoológica, embora aí “G attung” corresponda a gênero e para “espécie” se use em alemão “A rt” . Além disso, tanto o alemão “G attung” (da mesma raiz de “G atte (in )” = “esposo(a)” e de “begatten” = “acasalar”, “fecundar”, “unir sexualmente” ) quanto o português “gê­nero” (de “genus” = “classe”, “descendência”, proveniente de “genere” = “gerar”) remontam a raízes que acentuam a (re) produção de um grupo de seres vivos, o que parece o sentido forte tido em mente por Marx (como corroboração cf. notas 98, 142, 152 e 154 e respectivas passagens no texto). Agregue-se que muitas vezes o genitivo “Gattungs-” funde dois significados, por exemplo em ‘ Gattungsleben” : “vida genérica”, onde se diz da vida que ela‘ é genérica, e “vida do gênero”, onde se diz que o gênero é vivo, por exemplo, no indivíduo (cf. nota 40 e também

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demais coisas, o seu objeto, mas também — e isto é apenas uma outra expressão para a mesma coisa — na medida em que se relaciona con­sigo 39 mesmo, como / / c o m / / o gênero vivo, presente, na medida em que se relaciona consigo mesmo como //c o m .// um ser //'N z scw // uni­versal e por isto livre.

Tanto no homem quanto no animal a vida do gênero40 consiste fisicamente em que o homem (tal como o animal) vive da natureza inorgânica, e quanto mais universal o homem / / é / / do que o animal, tanto mais universal é o âmbito da natureza inorgânica da qual vive. Assim como plantas, animais, pedras, ar, luz, etc., formam teoricamente uma parte da consciência humana, em parte como objetos da Ciência Natural e em parte como objetos da arte — a sua natureza inorgânica espiritual, meios de vida espirituais que ele tem primeiro que preparar para a fruição e a digestão — , assim também formam praticamente uma parte da vida humana e da atividade humana. Fisicamente o homem vive só destes produtos da natureza, quer apareçam na forma de ali­mento, calefação, vestuário, moradia, etc. Na prática a universalidade do homem aparece precisamente na universalidade que faz da natureza inteira o seu corpo inorgânico, tanto na medida em que ela é 1. um meio de vida imediato, quanto na medida em que é [2.] a matéria, o objeto e o instrumento da sua atividade vital 41. A natureza é o corpo inorgânico do homem, a saber, a natureza na medida em que ela mesma não é corpo humano. O homem vive da natureza, significa: a natureza é o seu corpo, com o qual tem que permanecer em constante processo para não morrer. Que a vida física e m ental42 do homem está interligada com a natureza não tem outro sentido senão que a natureza está inter­ligada consigo mesma, pois o homem é uma parte da natureza.

Na medida em que o trabalho alienado aliena do homem 1. a natu­reza e 2- a si mesmo, a sua função ativa própria, a sua atividade vital, aliena do homem o gênero; lhe faz da vida do gênero um meio da vida individual. Em primeiro lugar aliena a vida do gênero e a vida individual, e em segundo lugar faz da última em sua abstração um fim da primeira, igualmente na sua forma abstrata e alienada.

nota 120 e respectiva passagem no texto). Tudo somado poderíamos elencar as traduções alternativas seguintes, desde que se mantenha sempre presente que o conjunto todo destes sentidos está implicado na expressão alemã: “essência gené­rica”, “ser de espécie”, “essência de espécie”.39 Aqui também está conjugado o significado de “se comportar perante”. Cf. nota 20.40 “Gattungsleben” significa aqui tanto “vida do gênero” quanto “vida genérica”. Cf. nota 38 e também nota 120.41 “Lebenstátigkeit”, uma alternativa sendo “atividade de (ou da) vida".42 Neste contexto fica melhor traduzir “geistig” por “mental”. Cf. nota 32.

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Pois em primeiro lugar o trabalho, a .atividade vital, a vida produ­tiva mesma aparece ao homem só como um meio para satisfazer uma necessidade / 'B e d ü rfn is / ', a necessidade de manutenção da existência física. Mas a vida produtiva é a vida do gêneró. Ê a vida, engendradora 43 de vida. No tipo de atividade vital jaz o caráter'inteiro de uma species 4\ o seu caráter genérico, e a atividade consciente livre é o caráter genérico do homem. A vida mesma aparece só como meio de vida.

O animal é imediatamente um com a sua atividade vital. Não se distingue dela. É ela. O homem faz da sua atividade vital mesma um objeto do seu querer e da sua consciêncià. Tem atividade vital cons­ciente. Não é uma determ inidade45 com a qual ele conflua imediata­mente. A atividade vital consciente distingue o homem imediatamente da atividade vital animal. É precisamente só por isso que ele é um ser genérico. Ou ele só é um ser consciente, isto é, a sua própria vida lhe é objeto, precisamente porque é um ser genérico. Só por isto a sua atividade é atividade livre. O trabalho alienado inverte a relação de maneira tal que precisamente porque é um ser consciente o homem faz da sua atividade vital, da sua essência 4e, apenas um meio para a sua existência.

No engdhdrar prático de um mundo objetivo, no trabalhar a natu­reza inorgânica o homem se prova 47 como um ser genérico consciente, isto é, um ser que se relaciona com o gênero como a sua essência própria ou / 's e re laciona/' consigo como ser genérico 48. Claro que o animal também produz. Constrói um ninho, moradas para si, tal como

43 Em alemão: “das Leben erzeugende Leben”. “Erzeugen” = “engendrar” se aproxima do verbo transitivo “zeugen” = “gerar” e do sentido de “produzir”.44 Aqui a ocorrência da palavra latina “species” aponta para o fato de Marx usar “Gattung” = “gênero” (cf. a expressão imediatamente seguinte “ihr Gattungs- charakter” = “o seu caráter genérico (ou de gênero)”) no mesmo sentido de “espécie” (coleção de indivíduos unidos por características principais comuns eque podem se reproduzir entre si), embora na taxionomia botânica e zoológica o termo alemão correspondente seja “Art”. Sobre traduzir “Gattung” por “gênero” cf. nota 38.46 “Bestimmtheit”, ou seja, o resultado de um ato de determinação.46 A segunda metade deste parágrafo é exemplar para a multivocidade de “Wesen”. Na sua ocorrência com grifos também se poderia manter a tradução por “ser” ou então por “ser essencial”. Cf. notas 12 e 30.47 Em alemão: “die Bewãhrung”. “Sich bewáhren” é “provar-se (com o)”, “con­firmar-se (com o)”. Uma tradução alternativa de todo o período seria: “O engen­drar . . . , o trabalhar. . . é a confirmação do homem com o. . . ”,48 Dupla ocorrência de “Wesen” (cf. nota 12). Traduzimos conforme o signifi­cado primeiro em cada passus. Para manter o paralelismo poder-se-ía traduzir o primeiro passus por “o seu ser próprio” ou então o segundo por “como essência genérica”.

157

a abelha, castor, formiga, etc. Só que produz apenas o de que precisa 49 imediatamente para si ou seu filhote; produz unilateralmente, ao passo que o homem produz universalmente; produz apenas sob o domínio da necessidade física imediata, ao passo que o homem produz mesmo livre da necessidade física e só produz verdadeiramente sendo livre da m esm aso; só produz a si mesmo, ao passo que o homem reproduz a natureza inteira; o seu produto pertence imediatamente ao seu corpo físico, ao passo que o homem se defronta livre com o seu produto. O animal forma B1 só segundo a medida e a necessidade ^ B e d ü rfn is // da species à qual pertence, ao passo que o homem sabe produzir segundo a medida de qualquer species e sabe em toda a parte aplicar a medida inerente ao objeto; por isso o homem também forma segundo as leis da beleza.

Portanto, é precisamente ao trabalhar o mundo objetivo que o ho­mem primeiro se prova de maneira efetiva como um ser genérico. Esta produção é a sua vida genérica operativa 52. Por ela a natureza aparece como a sua obra e a sua realidade efetiva. O objeto do trabalho é portanto a objetivação da vida genérica do homem: ao se duplicar não só intelectualmente tal como na consciência, mas operativa, efetivamente e portanto ao se in tu ir63 a si mesmo num mundo criado por ele. Por conseguinte, ao arrancar do homem o objeto da sua produção, o trabalho alienado lhe arranca a sua vida genérica, a sua objetividade genérica efetivamente real 64 e transforma a sua vantagem ante o animal na des­vantagem de lhe ser tirado o seu corpo inorgânico, a natureza.

49 Em alemão: “bedarf”. O verbo “bedürfen” corresponde ao substantivo “Be­dürfnis” = “necessidade”, “carência” (cf. nota 35), e é uma pena que à tradução exata deste verbo por “precisar de” não se alie em português um substantivo correspondente.50 Em alemão: “in der Freiheit von demselben”, ou seja, literalmente “na liberdade da (isto é, diante da, livre da) mesma”.51 Em alemão: “formiert”. Como termo de origem latina não é tão corriqueiroem alemão quanto em português. Deve ser tomado no sentido forte de “conferir forma a”, “plasmar”.s2 O que mais se aproxima do alemão “werktátig”, composto de “tátig” = “ativo” e de “Werk” = “obra” e deixando patente no original o sentido de “ativo em (ou através de) obra(s)”. Sobre o étimo afim de “Werk”, bastante utilizado por Marx em sua terminologia, cf. notas 4, 15 e 16 e respectivas passagens no texto.

' 53 Em alemão: “s ic h .. . anschaut”. Tome-se “intuir” aqui no sentido técnico da tradição filosófica alemã, o de “ser dado imediatamente através dos sentidos”. Numa interpretação menos rigorosa caberiam como alternativas: “ver”, “olhar”, “fitar”.64 Em alemão: “seine wirkliche Gattungsgegenstándlichkeit”. Traduzimos “Ge- genstãndlichkeit” por “objetividade”, embora tal versão não faça inteira justiça ao sentido bem mais forte, aproximadamente “totalidade do ser do homem en­quanto corporificado em objetos” (cf. nota 14). Sobre “Gattungs-” cf. nota 38; sobre “wirklich”, notas 4, 16 e 26.

158

XXV

Igualmente, ao rebaixar a um meio a auto-atividade, a atividade livre, o trabalho alienado faz da vida genérica do homem um meio da sua existência física.

A consciência que o homem tem do seu gênero se transforma por­tanto pela alienação de maneira a que a [vida] genérica se torna um meio para ele.

Portanto, o trabalho alienado faz:3. do ser genérico do homem, tanto da natureza quanto da faculdade

genérica espiritual55 dele, um ser alheio a ele, um meio da sua existência individual. Aliena do homem o seu próprio corpo, tal como a natureza fora dele, tal como a sua essência espiritual, a sua essência humana S8.

4. Uma conseqüência imediata do fato de o homem estar alienado do produto do seu trabalho, da sua atividade vital, do seu ser genérico, é o homem estar alienado do homem B7. Quando o homem está frente a si mesmo, então o outro homem está frente a ele. O que / 'v a l e / ' para a relação do homem com o seu trabalho, com o produto do seu trabalho e consigo mesmo, isto vale para a relação do homem com o outro homem, bem como com o trabalho e o objeto de trabalho do outro homem.

Em geral, a proposição de que o homem está alienado do seu ser genérico significa que um homem está alienado do outro, tal como cada um deles da essência / 'W esen / / humana.

A alienação do homem, em geral toda a relação em que o homem [está] para consigo mesmo, é primeiro realizada efetivamente / 'v e rw irk lich t/', se expressa na relação em que o homem está com o / s / o u t r o / 's / ' h o m e m / 'n s / '58.

Na relação do trabalho alienado, portanto, cada homem considera 59 o outro segundo o critério 60 e a relação na qual ele mesmo se encontra como trabalhador.

Havíamos partido de um fato econômico-político, da alienação do trabalhador e de sua produção. Enunciamos o conceito deste fato: o

55 Em alemão: “geistiges Gattungsvermõgen”. Também possível “a faculdade espiritual (ou m ental) do gênero”. Sobre “geistig” cf. nota 32.56 Em alemão: “sein geistiges Wesen, sein menschliches Wesen”. Acima no mesmo parágrafo vertemos “Wesen” por “ser”, e uma alternativa para todo o passus seria: “o seu ser espiritual, o seu ser humano”. Sobre “Wesen” cf. notas 12 e 30; sobre “geistig”, nota 32.57 Em alemão: “die Entfrem dung des M enschen von dem M enschen”, literalmente “a alienação do hom em do (isto é, diante do, em relação ao) hom em ”, o portu­guês não permitindo mais distinguir um genitivo de um dativo precedido de “de”.58 No original: “zu d[em] andren Menschen”. O complemento do editor interpretao artigo como singular, mas o plural também é lingüisticamente possível. Cf. nota 27.69 No original: “betrachtet” — “considera” no sentido de “vê”, “encara”, “tom a”. <t0 "Maszstab”, também traduzível por (literalm ente) “padrão (de m edida)” ou por “standard”.

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trabalho exteriorizado, alienado. Analisamos este conceito, por conse­guinte analisamos meramente um fato econômico-político.

Continuemos agora a ver como o conceito de trabalho exteriorizado, alienado, tem que se apresentar 61 e exprimir na realidade efetiva.

Se o produto do trabalho me é alheio, se me defronta como poder alheio, a quem pertence então?

Se a minha própria atividade não me pertence, sendo uma atividade alheia obtida por coação, a quem pertence então?

A um outro ser que não eu.Quem é este ser?Os deuses? É claro que nas primeiras épocas a produção principal,

como por exemplo a construção de templos, etc., no Egito, Índia, México, aparece a serviço dos deuses, assim como também o produto pertence aos deuses. Só que os deuses sozinhos nunca foram os senhores do trabalho. Tampouco a natureza. E que contradição também seria se, quanto mais o homem subm etey/sse// a natureza pelo seu trabalho, quanto mais os milagres dos deuses se to m a //sse //m supérfluos pelos milagres da indústria, , / ta n to m a is ,/ o homem deveria renunciar à alegria na produção e à fruição do produto por amor àqueles poderes.

O ser alheio ao qual pertence o trabalho e o produto do trabalho, a serviço do qual está o trabalho e para cuja fruição / / e s tá // o produto do trabalho, só pode ser o homem mesmo.

Se o produto do trabalho não pertence ao trabalhador, um. poder alheio estando frente a ele, então isto só é possível por / / o produto do trab a lh o /' pertencer a um outro homem fora o trabalhador. Se a sua atividade lhe é tormento, então tem que ser fruição a um outro e a alegria de viver de um outro. Não os deuses, não a natureza, só o homem mesmo pode ser este poder alheio sobre o //s// \\omzvn/ / / / 62.

Tenha-se ainda em mente a proposição anteriormente enunciada de que a relação do homem consigo mesmo lhe é primeiro efetivamente real / / w irk lich /', objetiva, pela sua relação com o outro homem. Se portanto ele se relaciona 83 com o produto do seu trabalho, com o seu trabalho objetivado, como / / c o m / ' um objeto alheio, inimigo, poderoso, independente dele, então se relaciona com ele de maneira tal que um outro homem alheio a ele, inimigo, poderoso, independente dele, é o senhor deste objeto. Se se relaciona com a sua própria atividade como / /c o m // uma //a tiv id a d e // não-livre, então ele se relaciona com ela como a atividade a serviço de, sob o domínio, a coerção e o jugo de um outro homem.

61 Uma alternativa a “darstellen” seria “expor”.62 N o original: “über d[en] Menschen”. Cf. notas 27 e 58.63 Aqui está por demais presente o outro significado de “sich verhalten zu” = “comportar-se perante”. Cf. nota 20.

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Toda a auto-alienação do homem de si e da natureza aparece na relação que ele confere a si e à natureza com os outros homens diferentes dele 64. Daí que a auto-alienação religiosa apareça necessariamente na relação do leigo com o sacerdote ou também, já que aqui se trata do mundo intelectual65, com um mediador, etc. No mundo efetivo 86 prá­tico a auto-alienação só pode aparecer através da relação efetivamente real, prática com outros homens. O meio pelo qual procede a alienação é ele mesmo um / / meio/ / prático. Pelo trabalho alienado, portanto, o homem não engendra apenas a sua relação com o objeto e com o ato de produção enquanto poderes 67 alheios e inimigos dele; engendra tam­bém a relação na qual outros homens estão com a produção e o produto dele e a relação na qual ele está com estes outros homens. Tal como ele //e n g e n d ra / ' a sua própria produção para a sua desefetivação / 'E n tw irk lich u n g /', para o seu castigo, tal como / 'e n g e n d ra / ' o seu próprio produto para a perda, para / ' s e r / ' um produto não pertencente a ele, assim ele engendra a dominação daquele que não produz sobre a produção e sobre o produto. Tal como aliena de si a sua própria atividade, assim ele apropria 88 ao estranho 89 a atividade não própria deste.

Até agora só consideramos a relação pelo lado do trabalhador, e mais tarde também a consideraremos pelo lado do não-trabalhador.

Portanto, pelo trabalho exteriorizado, alienado, o trabalhador en­gendra a relação de um homem alheio ao trabalho, e que está fora dele, com este trabalho. A relação do trabalhador com o trabalho engendra a relação do capitalista com este último, ou como quer que se queira chamar o senhor do trabalho. A propriedade privada é portanto o pro-

84 Impossível manter simultaneamente a precisão e concisão da frase original. Ei-la: “Jede Selbstentfremdung des Menschen von sich und der Natur erscheint in dem Verháltnis, welches er sich und der Natur zu andern, von ihm unter- schiednen Menschen gibt”. Para maior clareza repetiremos analiticamente a nossa versão: “Toda a auto-alienação do homem de (isto é, diante de, com relação a) si e da (ou seja, diante da, com relação à) natureza aparece na relação que ele confere (literalmente: dá) a si e à natureza com (isto é, frente a, a relação na qual ele coloca a si e a natureza com referência a) os outros homens diferen­tes dele”.88 Em alemão: “intellektuellen Welt”, ou seja, o mundo próprio do intelecto. Alternativas: “mundo intelectivo”, “mundo do intelecto”.66 Em alemão: “In der praktischen wirklichen Welt”. Aqui e mais abaixo no mesmo período seria mais exato traduzir o adjetivo “wirklich” por “realmente efetivo” ou “efetivamente real”.87 No manuscrito consta: homens. (N. do ed. al.)88 Em alemão: “eignet . . . an”. Embora o sentido seja de “tornar próprio a (de)” permanece o uso pouco português de “apropriar”. Sobre termos formados a partir de “eigen” cf. nota 22.89 Em alemão: “dem Fremden”. Este substantivo significa literalmente “(a )o estranho”, embora traduzamos o adjetivo “fremd” e derivados por “alheio”. Cf. nota 12.

161

duto, o resultado, a conseqüência necessária do trabalho exteriorizado, da relação exterior do trabalhador com a natureza e consigo mesmo.

A propriedade privada resulta portanto por análise a partir do con­ceito de trabalho exteriorizado, isto é, de homem exteriorizado, de tra­balho alienado, de vida alienada, de homem alienado.

É claro que a partir da Economia Política obtivemos o conceito de trabalho exteriorizado (de vida exteriorizada) como resultado do m ovi­mento da propriedade privada. Mas na análise deste conceito mostra-se que, se a propriedade privada aparece como razão 70, como causa do trabalho exteriorizado, ela é antes uma conseqüência do mesmo, assim como também os deuses são originariamente não a causa, mas o efeito dos erros do entendimento humano. Mais tarde esta relação reverte em efeito recíproco.

É só no último ponto de culminância do desenvolvimento da pro­priedade privada que emerge novamente este seu segredo, a saber, ser de um lado o produto do trabalho exteriorizado e em segundo lugar o meio pelo qual o trabalho se exterioriza, a realização 71 desta exteriori­zação.

Este desenvolvimento de imediato lança luz sobre diversos con­flitos 72 até agora irresolvidos.

1. A Economia Política parte do trabalho como propriamente a alma da produção, e mesmo assim não dá nada ao trabalho e tudo à propriedade privada. Desta contradição Proudhon concluiu a favor do trabalho / / $ / / contra a propriedade privada. Mas nós nos damos conta de que esta contradição aparente é a contradição do trabalho alienado consigo mesmo e de que a Economia Política apenas enunciou as leis do trabalho alienado.

Daí também nos darmos conta de que salário e propriedade privada são idênticos: pois onde o produto, o objeto do trabalho, p ag a73 o trabalho mesmo, o salário é só uma conseqüência necessária da alienação do trabalho, assim como de resto no salário também o trabalho aparece não como fim em si, mas como o servo do salário. Detalharemos isto

XXV I mais tarde e por ora apenas tiramos ainda algumas conseqüências.Uma violenta elevação do salário (deixando de lado todas as outras

dificuldades, deixando de lado que, como uma anomalia, ela também só seria mantenível com violência) nada mais seria senão um melhor assalariamento dos escravos e não teria reconquistado nem ao trabalha­dor nem ao trabalho a sua dignidade e determinação 74 humanas.

70 Uma alternativa para “Grund” seria “fundamento”. Cf. nota 7.71 “Realisatiori", no sentido próprio de “tornar-se coisa”. Para diferenciar de “Wirklichkeit” cf. nota 4.72 “Kollisionen” = “colisões”, obviamente no sentido hodierno de “conflitos”.73 Em alemão: “besoldet”, literalmente “paga o soldo a”, “dá o soldo a”.74 Ao lado de “determinação”, “Bestimmung” também tem o significado de“destinação”, também presente aqui.

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-Até mesmo a igualdade dos salários, como a exige Proudhon, só transforma a relação do atual trabalhador com o seu trabalho na relação de todos os homens com o trabalho. A sociedade é então tomada como capitalista abstrato.

Salário é uma conseqüência imediata do trabalho alienado, e. o trabalho alienado é a causa imediata da propriedade privada. Por conse­guinte, com um dos aspectos também tem que cair o outro.

2. Da relação do trabalho alienado com a propriedade privada segue-se além disso que o emancipar 75 a sociedade da propriedade pri­vada, etc., da servidão, se exprime na forma política da em ancipação dos trabalhadores, não como se se tratasse apenas da emancipação deles, mas porque na emancipação deles está contida a //em an c ip ação /' hu­mana universal 7li, e esta está contida naquela porque a servidão humana inteira está envolvida na relação do trabalhador com a produção e todas as relações de servidão são apenas modificações e conseqüências desta relação. !

Assim como encontramos por análise o conceito de propriedade privada a partir do conceito de trabalho exteriorizado, alienado, assim todas as categorias da Economia Política podem ser desenvolvidas com o auxílio destes dois fatores, e em cada categoria, como por exemplo no regateio77, na concorrência, no capital, no dinheiro, reencontraremos apenas uma expressão desen volvida e determ inada destes primeiros fun­damentos 78.

Mas antes de considerarmos esta configuração tentemos ainda solu­cionar duas tarefas.

1. Determinar a essência geral 70 da propriedade privada, tal como se deu como resultado do trabalho alienado, em sua relação com a propriedade verdadeiram ente humana e social.

2. Aceitamos a alienação do trabalho, a sua exteriorização, como um fato e analisamos este fato. Como, perguntamos agora, o hom em chega a alienar, a exteriorizar o seu trabalho? Como esta alienação está fundada na essência do desenvolvimento humano? Já ganhamos muito para a solução do problema ao termos transform ado a pergunta pela origem da propriedade privada na pergunta pèla relação do trabalho

5# Em alemão: "die Emanzipation" — “a emancipação”. Verbalizamos a passa­gem para maior clareza do português.70 Em alemão: “die allgemein menschliche”, literalmente “a lemancipaçãol univer­salmente hum ana”.77 “Schacher”, comércio ou tráfico em que se pechincha.78 “Grundlagen”, também traduzível por “bases”.79 Em alemão: “das allgemeine W esen”. Sobre “Wesen” cf. nota 12. O adjetivo “allgemein” também pode ser traduzido por “universal”.

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exteriorizado com o curso do desenvolvimento da humanidade. Pois quando se fala de propriedade privada, acredita-se estar lidando com uma coisa fora do homem. Quando se fala do trabalho, está-se lidando imediatamente com o homem mesmo. Esta nova colocação da questão já é inclusive a sua solução.

ad 1. Essência geral da propriedade privada e a sua relação com a propriedade verdadeiramente humana.

O trabalho exteriorizado resolveu-se para nós em duas componentes que se condicionam mutuamente ou que são apenas expressões diferentes de uma e mesma relação: a apropriação aparece como alienação, como exteriorização, e a exteriorização com o apropriação, a alienação como a verdadeira citadanização 80.

Consideramos um dos aspectos, o trabalho exteriorizado com respeito ao trabalhador mesmo, isto é, a relação do trabalho exteriorizado con­sigo mesmo. Como produto, como resultado necessário desta relação, encontramos a relação de propriedade do não-trabálhador com o traba­lhador e / / c o m / / o trabalho. A propriedade privada, como a expressão resumida, material do trabalho exteriorizado, abrange ambas as relações, a relação do trabalhador com o trabalho e com o produto do seu trabalho e com o não-trabalhador e a relação do não-trabalhador com o traba­lhador e / /c o v a / / o produto do trabalho deste.

Ora, se vimos que com respeito ao trabalhador que se apropria da natureza pelo trabalho a apropriação aparece como alienação, a auto-atividade como atividade para um outro e como atividade de um outro, a vitalidade como sacrifício da vida, a produção do objeto como perda do objeto para um poder alheio, para um homem alheio, consi­deremos agora a relação deste homem alheio ao trabalho e ao trabalhador com o trabalhador, com o trabalho e o seu objeto.

Observe-se inicialmente que tudo o que aparece no trabalhador como atividade da exteriorização, da alienação, aparece no não-traba­lhador como estado de exteriorização, de alienação.

Segundo, que o comportamento prático, efetivamente real do traba­lhador na produção e para com o produto (como estado da mente 81)

80 “Einbürgerung” (de “Bürger” = “cidadão”) designa “naturalização” no sentido de assumir a cidadania de outro país. Mais inclusivameíite trata-se de “adquirir direitos civis”, “adquirir foros de cidadão”. O verbo reflexivo “sich einbürgern” significa coloquialmente “aclimatar-se”, “ser aceito como habitual”. Traduzir por “naturalização” seria equívoco dado o uso preciso que Marx faz de “natureza”.81 Em alemão: “Gemütszustand”. “Gemüt” designa a íntegra das capacidades anímicas e espirituais com acento particular no sentir e na receptividade. De acordo com isso poder-se-ia traduzir também por “estado de espírito” (sem confundir “espírito” aqui com “Geist”, cf. nota 32) ou por “estado de ânimo”.

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aparece como comportamento teórico no não-trabalhador que está frente àquele.

XXVII Terceiro. O não-trabalhador faz contra o trabalhador tudo o que o trabalhador faz contra si mesmo, mas não faz contra si mesmo o que faz contra o trabalhador.

Consideremos mais de perto estas três relações82.

• • •

(Propriedade privada e comunismo]83

* ad pag. XXXIX. Mas a oposição entre / ' a qualidade d e / ' ser sem propriedade 84 e propriedade é uma oposição ainda indiferente, não tomada em sua referência85 ativa, em sua relação interna, ainda não / 'to m a d a / ' como contradição, enquanto não for concebida comq a oposição entre o trabalho e o capital. Também sem o movimento avan­çado da propriedade privada, na Roma antiga, na Turquia, etc., esta oposição pode se exprimir na primeira figura. Assim ela ainda não çpa- rece como posta pela propriedade privada mesma. Mas o trabalho, a essência subjetiva da propriedade privada como exclusão da propriedade, e o capital, o trabalho objetivo como exclusão do trabalho, é a proprie­dade privada como a sua relação desenvolvida de contradição, por isso uma relação dinâmica 89 que impele à solução.

** ad ibidem. A superação 87 da auto-alienação faz o mesmo cami­nho que a auto-alienação. Primeiro a propriedade privada é considerada

82 Aqui se interrompe o texto deste manuscrito, o qual ficou inacabado, (N. do ed. al.)83 O presente texto se encontra na edição supracitada das obras de Marx (cf. nota da p. 146), p. 533-46, fazendo parte do terceiro manuscrito. As duas entradas marcadas com asteriscos indicam que este texto foi concebido como complemento das respectivas páginas do segundo manuscrito, o qual foi perdido quase na íntegra. As notas marcadas por asteriscos são de Marx. As passagens entre chaves { } encontram-se riscadas verticalmente no manuscrito de Marx.84 “Eigentumslosigkeit”, ou seja, a qualidade abstrata de não ter ou ser sem propriedade. Eqüivale perfeitamente ao inglês “propertilessness”.85 Traduziremos “Beziehung” (literalmente “relação”) por “referência” para evitar confusões com o termo técnico marxista “relação”, em alemão “Verhãltnis”. Quando isto não for possível, agregaremos o termo alemão entre / / / / ■88 Em alemão: “energisches”, literalmente “enérgica”, mas com sentido de “dinâ­mica”, “que leva à efetivação”. Também seria possível traduzir por “atuante” (ou seja, “que leva a ato”).87 Traduzimos “Aufhebung” e o verbo “aufheben” respectivamente por “supera­ção” e “superar”. Impossível conjugar num termo português os três significadosdados no alemão: erguer (por exemplo, erguer algo que caiu no chão), guardar (por exemplo, guardar um objeto pára que se conserve) e suspender (por exem­plo, suspender a vigência de uma determinação legal).

XXVII

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só em seu aspecto objetivo — mas ainda assim o trabalho como a sua essência. A sua forma de existência é portanto o capital, o qual é de superar “como tal” (Proudhon). Ou o m odo particular do trabalho -— como trabalho nivelado, parcelado e por isto não-livre — é tomado como a fonte da nocividade da propriedade privada e da sua existência alienada do homem — Fourier, que correspondentemente aos fisiocratas toma de novo o trabalho de agricultura pelo menos como o / 't r a b a lh o / ' por exbelência, ao passo que em oposição Saint-Simon declara como essênçia o trabalho industrial como tal e então também aspira à domi­nação única e exclusiva dos industriais e à melhoria da situação dos trabalhadores. Finalmente, o comunismo é a expressão positiva da pro­priedade privada superada, inicialmente como propriedade privada ge­ral 88. Ao tomar esta relação em sua generalidade, ele é

1. em sua primeira figura só uma generalização e acabamento da mesma; como tal mostra-se em figura dupla: de um lado o domínio da propriedade co isa l89 é tão grande frente a ele que ele quer aniquilar tudo que não seja capaz de ser possuído por todos como propriedade privada ; quer abstrair de modo violento do talento, etc. A posse ime­diata, física, lhe vale como a única finalidade da vida e da existência; a determinação de trabalhador não é superada, mas estendida a todos os homens; a relação de propriedade privada permanece a relação da comunidade com o mundo das coisas / 'S ach en w elt/ '; finalmente este movimento de colocar a propriedade privada geral frente à propriedade privada se exprime na forma animal de que frente ao casamento (que certamente é uma forma de propriedade privada exclusiva) é colocada a comunidade das mulheres, onde portanto a mulher se tom a uma pro­priedade comum e comunitária. É lícito dizer que este pensamento da comunidade das mulheres é o segredo exprimido deste comunismo ainda bastante rudimentar e irrefletido90. Assim como / 's a in d o / ' do casa­mento a mulher / 'e n t r a / ' na prostituição generalizada, assim o mundo inteiro da riqueza, isto é, da essência 91 objetiva do homem, sai da rela-

88 O adjetivo “allgemein” também admite tradução por “universal”. O contexto imediatamente seguinte parece dar preferência à nossa opção, pois “Verallge- meinerung” significa literalmente “generalização”, embora não fique descartado o sentido (menos usual) de “universalização”.89 Em alemão: “des sachlichen Eigentums”. O adjetivo “sachlich” não é perfei­tamente traduzível em português, nossa tradução não pretendendo ser mais que aproximativa. Este adjetivo forma-se a partir do substantivo “Sache”, sobre o qual cf. notas 13 e 37.90 Traduzimos por “rudimentar” o adjetivo “roh” = “cru”. O termo “gedan- kenlos”, por nós traduzido por “irrefletido”, significa literalmente “sem pensa­mento” e eqüivale ao uso comum da expressão portuguesa “sem pensar” (porexemplo, na expressão “fazer algo sem pensar”).91 Tome-se “essência” — “Wesen” aqui no sentido forte de expressão gerundiva a partir do verbo latino “esse” = “ser”. Tradução alternativa seria “ser”. Cf. notas 12 e 30.

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ção de casamento exclusivo com o proprietário privado entrando na relação de prostituição universal com a comunidade. Pois este comu­nismo — ao negar em toda parte a personalidade do homem — é só a expressão conseqüente da propriedade privada, a qual é esta negação. A inveja geral que se constitui como poder é a forma oculta na qual a ganância se instaura, satisfazendo-se apenas de um outro modo. O pensamento de cada propriedade privada como uma tal está võltado pelo menos contra a propriedade privada mais rica como inveja e ânsia de nivelamento, de maneira que estas constituem até a essência da con­corrência. O comunista rudimentar é só o acabamento desta inveja e deste nivelamento a partir do mínimo / / que t / / representado 82. Ele tem uma medida limitada determinada. Quão pouco esta superação da propriedade privada é uma apropriação efetivamente real prova-o preci­samente a negação abstrata do mundo inteiro da cultura 93 e da civiliza-

IV ção, o retorno à simplicidade inatural do homem pobre e sem neces­sidades 94 que não só ,não ultrapassou a propriedade privada, mas ainda nem chegou até a mesma. S

A comunidade é apenas uma comunidade do trabalho e a igualdade do salário pago pelo capital comunitário, pela comunidade como o capi­talista universal9S. Ambos os lados da relação são elevados a uma universalidade representada, o trabalho como a determinação na qual cada um está posto, o capital como a universalidade reconhecida e / / c o m o / / poder da comunidade.

Na relação com a mulher como a presa e a criada da luxúria comu­nitária está exprimida a degradação infinita em que o ser hum ano98 existe para si mesmo, pois o segredo desta relação tem a sua expressão inequívoca, decidida, manifesta 97, desvelada, na relação do homem com

!l2 Em alemão: “von dem vorgestellten Minimum aus”, nossos acréscimos apenas pretendendo deixar claro que “mínimo” é substantivo aqui. O verbo alemão “vorstellen” significa “representar" no sentido de “ter uma representação men­tal de”.

“Bildung”, literalmente “form ação”, aqui no sentido de cultura adquirida (por exemplo, um indivíduo de cultura).04 Em alemão: “des . . . bedürfnislosen Menschen”, “do homem sem necessidades” no sentido de “sem carências”. Cf. nota 35.95 Aqui traduzimos o adjetivo “allgemein” por “universal”. Sobre a tradução de “allgemein” e de “Allgemeinheit” por “universal” e “universalidade” neste pará­grafo cf. também nota 88 e respectiva passagem no texto.96 Durante todo o texto vertemos “Mensch” por “homem”, no sentido neutro de “ser pertencente ao gênero hum ano”. Porém neste parágrafo também ocorre “M ann”, “homem” no sentido de “ser humano do sexo masculino”, e daí tradu­zirmos “Mensch” por “ser humano”. Ressalvado este parágrafo, em todo o texto restante continuaremos usando “homem” no sentido de “ser hum ano”.!l7 Aqui traduzimos “offenbar” por “manifesto”, não obstante algumas distinções que se deve fazer em contextos mais abaixo. Cf. notas 113 e, para diferenciar de “Ausserung”, nota 119.

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a mulher e no modo como é tomada a relação natural, imediata do gênero98. A relação imediata, natural, necessária / 'n o tw e n d ig e / ' do ser humano com o ser humano é a relação do homem com a mulher. Nesta relação natural do gênero a relação do ser humano com a natureza é imediatamente a sua relação com o ser humano, assim como a relação com o ser humano é imediatamente a relação dele com a natureza, a determ inação99 natural própria dele. Nesta relação aparece portanto sensorialmente, reduzido a um fato intuível, até que ponto ao ser huma­no a essência humana se tom ou natureza ou a natureza / 's e to rn o u / ' a essência humana do ser humano 10°. A partir desta relação se pode portanto julgar o nível inteiro de cultura / / die ganze B ildungsstufe/' do ser humano. A partir do caráter desta relação se segue até que ponto o ser humano se veio a ser e se apreendeu como ser genérico, como ser humano 101; a relação do homem com a mulher é a relação mais natural do ser humano com o ser humano. N ela 'se mpstra portanto até [que] ponto o comportamento natural do ser humano se tornou humano ou até que ponto a essência humana se lhe tom ou essência natural, até que ponto a sua natureza humana se lhe tom ou natureza. Nesta relação também se mostra até [que] ponto a necessidade /^B edürfn isfl do ser humano se lhe tornou necessidade humana, portanto até que ponto o

98 “Gattungsverhãltnis” faz confluir aqui os significados tanto de “relação genérica” ou de “relação do gênero” quanto de “relação de acasalamento” ou de “relação de procriação”. Sobre o genitivo “Gattungs-” cf. nota 38.99 Aqui “Bestimmung” co-significa “destinação”.100 O passus “inwieweit dem Menschen das menschliche Wesen zur Natur oder die Natur zum menschlichen Wesen des Menschen geworden ist” admite trans­posição do genitivo “des Menschen”, e então teríamos que traduzir: “até que ponto ao (ou para o) ser humano a essência humana se tornou natureza / 'd o ser h u m a n o / ou a natureza / s e to r n o u / essência humana do ser humano”. Sobre “Wesen”, néste passus traduzido por “essência”, cf. notas 12 e 30.101 O passus “inwieweit der Mensch ais G attungswesen”, ais M ensch sich geworden ist und erfasst hat” admite igualmente ser traduzido assim: “até que ponto o ser hum ano como ser genérico , como ser humano, se veio a ser (ou: veio a ser a si, ou: para si) e se apreendeu”. O verbo “werden”, quando não usado como auxiliar, coloca várias dificuldades a uma tradução. O seu significado é “tornar-se”, “vir a ser”, indicando sempre o processo de passagem de uma coisa a outra ou de um estado de uma coisa a um outro estado da mesma coisa. Até agora sempreo havíamos traduzido por “tornar-se”. Mesmo onde aparece junto com o pronome no dativo preferimos manter um português menos elegante traduzindo por “se lhe tornar” (ver, por exemplo, um pouco abaixo nesta mesma frase do texto) ao invés do mais explícito “se tornar para ele”, pois as expressões “para ele”, “para si”, etc., aparecem em alemão com a preposição “für” e têm sabidamente um significado técnico preciso na tradição hegeliano-marxista. Também distin- guimos “werden” cuidadosamente do análogo “machen zu” = “fazer de” (por exemplo, “die Natur zum menschlichen Wesen machen” = “fazer da natureza a essência humana”). Doravante traduziremos “werden” também por “vir a ser” sempre que a construção da frase em português o requerer. Quando ocorrer substantivado traduziremos por “devir”.

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outro ser humano como ser humano se lhe tornou uma necessidade 102, até que ponto ele em sua existência mais individual é ao mesmo tempo ser comunitário 103.

A primeira superação positiva da propriedade privada, o comunismo rudimentar, é portanto apenas uma forma na qual aparece 104 a infâmia da propriedade privada que se quer pôr como o ser comunitário / / G em einw esen// positivo.

2. O comunismo a ) democrático ou despótico segundo / / a / / natu­reza política; 0) com superação do Estado, mas simultaneamente ainda / /c o m o s e u / ' ser / 'W e s e n / ' inacabado e sempre ainda afetado pela propriedade privada, isto é, pela alienação do homem. Em ambas as formas o comunismo já se sabe como reintegração ou retorno do homem para dentro de s i 105, como superação da auto-alienação humana, mas ao não ter apreendido .ainda a essência positiva da propriedade privada e tampouco entendido a natureza humana da necessidade //B e d ü rfn is / ' ele também ainda está enredado na mesma e infectado por ela. Bem que apreendeu o conceito dela, mas ainda não a sua essência.

3. O comunismo como superação positiva da propriedade privada enquanto auto-alienação humana e por isto como apropriação efetiva­mente real da essência humana pelo e para o homem; por isto como retorno completo, que veio a ser conscientemente 106 e dentro de toda a riqueza do desenvolvimento até aqui, do homem para si como um homem

102 Para “inwieweit ihm also der andre Mensch ais Mensch zum Bedürfnis geworden ist” também é gramaticalmente admissível “portanto até que ponto o outro ser humano se lhe tornou uma necessidade como ser humano”.103 “Gemeinwesen” é o termo alemão forjado para traduzir o significado tradicional do latim “res publica” (literalmente “coisa pública” ), donde saiu o nosso “repú­blica”. Compõe-se do substantivo “Wesen”, que admite traduções alternativas por “ser” e /ou “essência” (cf. notas 12 e 30), e do adjetivo “gemein” = “comum”.O sentido geral é o de “coletividade” ou “comunidade”, mas a presença do capcioso “Wesen” impõe cuidados à tradução e a qualquer interpretação baseada na mesma. Uma explicitação razoavelmente completa do sentido de “Gemeinwesen” conteria as seguintes expressões, cujo significado está em maior ou menor grau sempre presente em cada uso: “coletividade”, “ser (ou ente, ou ainda entidade) comum (ou com unitária)”, “essência comum (ou com unitária)”. Cf. nota 118. Para evitar confusões, agregaremos doravante o termo alemão entre / / / / sempre que ocorrer no texto.104 Em alemão: "Erscheinungsform”. “Erscheinung” significa tradicionalmente “fenômeno”, e então se poderia traduzir correspondentemente por “form a feno- mênica". Mas como traduzimos o verbo “erscheinen” por “aparecer” preferimos manter o paralelismo também aqui.iu5 “In sich”, literalmente “em si”, mas no sentido de “para dentro de si” e não no de “conteúdo não desenvolvido” (=: “an sich” ).i°® A expressão “bewusst . . . geworden” também admite a tradução “veio a ser (ou: se tornou) consciente”. Aqui o verbo “werden”, traduzido por “vir a ser”, se aproxima do significado de “constituir-se”, a passagem ficando então “que se constituiu conscientemente, etc.” . Cf. notas 101, 138, 145 e 147.

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social, isto é, humano. Este comunismo é como naturalismo acabado = humanismo, como humanismo acabado = naturalismo, é a verdadeira resolução 107 do antagonismo do homem com a natureza e com o homem, a resolução verdadeira da luta entre existência e essência, entre objeti- vação e auto-afirmação, entre liberdade e necessidade 108, entre indi­víduo e gênero. Ele é o enigma da história resolvido e se sabe como esta solução.

V Ò movimento inteiro da história é por conseguinte tanto o seu atoefetivo //w irk lich er/ / de geração — o ato de nascimento da sua exis­tência empírica — quanto também, para a sua consciência pensante, o movimento sabido e concebido do seu d e v ir109, ao passo que a partir de figuras singulares da história que estão frente à propriedade privada aquele comunismo ainda inacabado procura para si uma prova histórica, uma prova no existente, ao arrancar do movimento momentos singulares (um rocim cavalgado em especial por Cabet, Villegardelle, etc.) e fixá-los como provas do seu pedigree 110 histórico, com o que precisamente evi­dencia que a parte desproporcionalmente maior deste movimento contra­diz as suas afirmações e que, se ele foi uma vez / 'e x is te n te / ', precisa­mente o seu Ser passado 111 refuta a pretensão de essência.

Que no movimento da propriedade privada, precisamente n a 112 Economia, o movimento revolucionário inteiro encontra a sua base tanto empírica quanto teórica, disto é fácil dar-se conta da necessidade /'N o tw end igkeit/'.

A propriedade privada material, imediatamente sensorial, é a ex­pressão sensorial material da vida humana alienada. O seu movunento

107 “Auflõsung” significa tanto “resolução” (no sentido de “solução”, por exemplo de um problema) quanto “dissolução”.108 “Notwendigkeit”, ou seja, “necessidade” no sentido lógico e/ou ontológico. Para diferenciar de “Bedürfnis” cf. nota 35.109 Aqui se trata da substantivação do verbo “werden” = “tornar-se”, “vir a ser” (cf. nota 101). Sempre que for possível traduziremos “Werden” substantivo por “devir”, consignando em nota toda vez que por alguma razão nos afastarmos desta versão.110 Em alemão chama-se um animal (em especial um cavalo) de “ein Vollblut” (substantivo) ou de “vollblütig” (adjetivo) do mesmo modo que em português se fala de um “puro sangue”. O termo “Vollblütigkeit”, que ocorre no texto, designa “a qualidade abstrata daquele que é puro sangue” e seria eventualmente traduzível pelo neologismo “puro-sangüinidade”.111 Até o presente momento sempre traduzimos por “ser” o termo equívoco “Wesen”. Aqui contudo se trata de “Sein”, substantivação do verbo “ser”. Dora­vante diferenciaremos “ser” = “Wesen” (cf. notas 12 e 30) e “Ser” = “Sein” grafando o último com iniciais maiúsculas. Na expressão “sein vergangenes Sein”, “vergangen” = “passado” aparece como adjetivo. Menos dúbio seria traduzir “o seu Ser / q u e é / passado".112 Igualmente possível a alternativa: “precisamente / / o m ovim ento/' da Eco­nomia”.

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— a produção e / / o / / consumo — é a revelação 113 sensorial do movi­mento de toda a produção até aqui, isto é, realização efetiva ou reali­dade efetiva do homem. Religião, família, Estado, direito, moral, ciên­cia, arte, etc., são apenas modos particulares da produção e caem sob a sua lei geral. A superação positiva da propriedade privada, enquanto apropriação da vida humana, é por conseguinte a superação positiva de toda a alienação, portanto o retorno do homem desde religião, famí­lia, Estado, etc., à sua existência humana, isto é, social. A alienação religiosa como tal só se desenrola no terreno da consciência/ / , / / do inte­rior do homem, mas a alienação econômica é a da vida efetivamente real— a sua superação abrange por conseguinte ambos os lados. Compre­ende-se que nos diversos povos o movimento tem o seu primeiro começo conforme a vida reconhecida verdadeira do povo se desenrole mais na consciência ou no mundo exterior, seja mais a vida ideal ou a re a l114. O comunismo começa de saída ( Owen) com o ateísmo, o ateísmo ainda está inicialmente muito longe de ser comunismo, aquele ateísmo ainda sendo muito mais uma abstração. — A filantropia do ateísmo é jpor conseguinte apenas uma filantropia abstrata filosófica, a do comunismo de saída / / é / / real e imediatamente atrelada à atuação. —

Vimos como, sob o pressuposto da propriedade privada positiva­mente superada, o homem produz o homem, a si mesmo e ao outro homem; como o objeto, que é o exercício imediato da sua individualidade, é simultaneamente a própria existência dele para o outro homem, / 'p a r a / / a existência deste, e a existência deste para ele. Mas igualmente tanto o material de trabalho quanto o homem como sujeito são tanto resultado quantó ponto de partida do movimento (e precisaménte no terem que ser este ponto de partida jaz a necessidade histórica da propriedade privada). Portanto o caráter social é o caráter geral do movimento in­teiro; assim como a sociedade mesma produz o homem como homem, assim ela também é produzida por ele. A atividade e a fruição, tanto segundo o seu conteúdo quanto também / 's e g u n d o / ' o seu modo de existência, são sociais, atividade social 115 e fruição social. A essência humana da natureza existe primeiro para o homem social; pois é pri­meiro aqui que ela existe para ele como vínculo com o homem, como existência sua para o outro e do outro para ele, também como elemento vital da realidade efetiva humana, é primeiro aqui que ela existe como fundamento / / Grundlage/ / da sua existência humana própria. É pri-

113 “Offenbarung” também admitiria tradução por “manifestação”, “tornar mani­festo”. Não obstante cf. nota 119, mas também nota 97.114 Aqui os adjetivos “ideell" e “reell” devem ser tomados no sentido etimológico rigoroso, ou seja, respectivamente “ideal” no sentido de “da natureza das idéias” e “real” no sentido de “da natureza das coisas”.115 No manuscrito está riscado: “social”, (N. do ed. al.)

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meiro aqui que a sua existência natural se lhe tornou a sua existência humana e a natureza / / se to rn o u // para ele o homem. Portanto, a sociedade é a unidade essencial116 acabada do homem com a natureza, a ressurreição verdadeira da natureza, o naturalismo do homem e o humanismo da natureza levados ambos a cabo 11T.

VI A atividade social e o consumo social de maneira alguma existemunicamente na forma de uma atividade imediatamente comunitária e de um consumo imediatamente comunitário, embora a atividade comunitária e o consumo comunitário, isto é, a atividade e o consumo que se extern a ^ m / ” e se confirm a//m // imediatamente em sociedade efetiva­m ente real com outros homens, terão lugar em toda parte onde aquela expressão imediata da socialidade está fundada na essência do conteúdo dela e é adequada à natureza dele.

Só que também quando sou ativo cientificamente, etc., uma atividade que raramente posso realizar em comunidade imediata com outros, sou ativo socialmente porque / / o s o u // como homem. Não só o material da minha atividade — tal como mesmo a linguagem, na qual o pensador é ativo — me é dado como produto social, / /m a s / / a minha própria existência é atividade social; por isso o que faço de'm im , faço de mim para a sociedade e com a consciência de mim como de um ser social.

A minha consciência geral é apenas a figura teórica daquilo do qual a coletividade real, / / o / / ser social118, é a figura viva, ao passo que hoje em dia a consciência geral é uma abstração da vida efetivamente real e como tal se defronta inimiga a esta. Por conseguinte, a atividade da minha consciência geral — como uma tal / /a t iv id a d e / ' — também .é a minha existência teórica como ser social.

Antes de tudo é preciso evitar fixar a “sociedade” de novo como abstração frente ao indivíduo. O indivíduo é o ser social. A sua mani-

116 “Wesenseinheit” designa aqui a unidade tanto de “ser” quanto de “essência” entre o homem e a natureza.117 A partir deste ponto, separada por um traço segue sem maiores indicações a seguinte observação: “A prostituição / / & / / só uma expressão particular daprostituição geral do trabalhador, e já que a prostituição é uma relação na qual cai não só o prostituído, mas também o prostituinte — cuja infâmia é ainda m aior — , então também o capitalista, etc., cai nesta categoria”. (N. do ed. al.) l i s N o passus “das reelle Gemeinwesen, gesellschaftliche Wesen” a dupla ocor­rência de “Wesen” se dá no sentido forte de “ser” e “essência” (cf. notas 12 e 30), e como tal é empregado neste parágrafo e no seguinte. O adjetivo “reell” (cf. nota 114) aponta o sentido original de “res publica” conferido a “Gemeinwesen” (cf. nota 103). Trata-se de um a coletividade ou ente comunitário que assume a natüreza de uma coisa ao se cristalizar nos produtos materiais resultantes da ação coletiva, destarte objetivando-se. A totalidade destes produtos constitui “das gesellschaftliche Wesen”, o “ser/essência social” do homem, enquanto objetivado materialmente ( “vergegenstándlicht” ). Cf. também notas 14 e 54.

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festação de vida 119 — mesmo que também não apareça na forma ime­diata de uma manifestação comunitária de vida, levada a cabo simul­taneamente com outros — é por conseguinte uma manifestação e confir­mação da vida social. A vida individual do homem e a sua / 'v i d a / ' do gênero não são diversas, por mais que também — e isto necessaria­mente — o modo de existência da vida individual é um modo mais particular ou mais geral da vida do gênero, ou quanto mais a vida do gênero é uma vida individual mais particular ou / 'm a i s / ' geral.

Como consciência do gênero 120 o homem confirma a sua vida social re a l121 e apenas repete a sua existência efetivamente real no pensar, tal como inversamente o Ser do gênero 122 se confirma na consciência do gênero e é para si em sua universalidade 123 como ser pensante.

O homem — por mais que seja por isto um indivíduo particular, e exatamente a sua particularidade faz dele um indivíduo e um ser comu­nitário /'G em ein w esen /' individual efetivamente real — é igualmente a totalidade, a totalidade ideal, a existência subjetiva da sociedadá sen­tida e pensada para si, assim como ele também existe na realidade efetiva tanto como intuição e fruição efetivamente real da existência social quanto como uma totalidade de manifestação humana de vida.

Portanto pensar e ser / 'S e i n / ' são assim distintos, mas ao mesmo tempo em unidade um com o outro.

A m orte parece uma dura vitória do gênero sobre o indivíduo determinado e / 'p a r e c e / ' contradizer a sua unidade; mas o indivíduo determinado é apenas um ser genérico determinado, como tal mortal.

{4 124. Assim como a propriedade privada é só a expressão sensorial do fato de o homem se tornar simultaneamente objetivo para si e simul-

119 Em alemão: “Lebensausserung”. “Ãusserung” vem do verbo “áussern” = “ex­ternar” (também no sentido de “manifestar uma opinião” ), formado a partir de “ausen” = “fora”. Quando ocorrer neste sentido traduziremos sempre por “ma­nifestação”.120 “Gattungsbewusstsein” congrega tanto o sentido subjetivo de “consciência gené­rica” quanto o de “consciência do gênero”, onde este último é o objeto da consciência, ^121 Sobre “reell” cf. nota 114 e também 118. A expressão “G esellschaftsleben" também pode ser traduzida por “vida de (eventualmente também: em) sociedade”.122 N a expressão “Gattungssein” trata-se da substantivação do verbo “ser” (cf. nota 111). Eventualmente se poderia desrespeitar o genitivo e traduzir por “Ser-gênero”.123 “Allgemeínheit”, tanto “generalidade” quanto “universalidade”. Escolher “gene­ralidade” implicaria uma relação etimológica com “gênero”, a qual inexiste entre os termos alemães.124 No manuscrito: 5 (N. do ed. al.).

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taneamente / 's e to m a r / ' a s i 125 antes um objeto desumano e alheio, / 'd o f a to / ' de a manifestação da sua vida ser a exteriorização 126 da sua vida, de a sua realização efetiva / ' s e r / ' a sua desefetivação, ser uma realidade efetiva alheia, assim a superação positiva da propriedade privada, ou seja, a apropriação sensorial, por e para o homem, da essên­cia e da vida humanas, do homem objetivo, das obras humanas, deve ser tomada não só no sentido da fruição unilateral, imediata, não só no sentido do possuir, no sentido do ter. O homem se apropria da sua essência onilateral de uma maneira onilateral, logo como um homem total. Cada uma das suas relações humanas com o mundo, ver, ouvir, cheirar, degustar, sentir, pensar, intuir, perceber, querer, ser ativo, amar, em suma todos os órgãos da sua individualidade assim como os órgãos

VII que imediatamente em sua forma são como órgãos comunitários, são a apropriação do objeto neste seu comportamento 127 objetivo ou neste seu comportamento perante o objeto. A apropriação da realidade efetiva humana, o seu comportamento perante o objeto é o exercício da reali­dade efetiva humana *; eficácia humana e sofrimento humano, pois toma­do humanamente o sofrimento é um autoconsumo 128 do homem.

A propriedade privada nos fez tão tolos e unilaterais que um objeto só é o nosso quando o temos, logo quando existe para nós como capital ou é por nós imediatamente possuído, comido, bebido, vestido por nosso corpo, habitado por nós, etc., em suma usado. Embora a propriedade privada mesma tome todas estas realizações efetivas imediatas da posse de novo só como m e io / / s / / de vida 129, a vida à qual servem de meio sendo a vida da propriedade privada trabalho e capitalização.

Por conseguinte, no lugar de todos os sentidos espirituais e físicos colocou-se a alienação simples de todos estes sentidos, o sentido do ter.

* Por conseguinte ele é tão múltiplo quanto são múltiplas as determ inações essenciais e a tividades do homem.

125 N a primeira vez temos “für sich” = “para si” no sentido técnico hegeliano- -marxista, aqui temos apenas “sich” = “para si”, “a si”, na função reflexiva. Como já traduzimos o “werden” pelo reflexivo “tornar-se”, fica difícil e deselegante m an­ter a distinção em português. Uma alternativa seria traduzir por “se veio a ser”.128 Jogo de palavras entre os cognatos “Lebensáusserung” = “manifestação de vida” (c f . 'n o ta 119) e “Lebensentãusserung” = “exteriorização de vida” (cf. nota 17).12 7 “Verhalten”, literalmente “comportam ento”, guarda algumas relações etimoló- gicas com termos técnicos de M arx (cf. nota 20).128 A tradução literal seria “autofruição”, a nossa também podendo ser substituída por “consumir a si mesmo”, “autoconsumir-se”, o que deixaria claro “Leiden” = “sofrim ento” no sentido tradicional forte de “paixão”, donde tam bém “passivi­dade”.129 Tanto o plural quanto o singular são gramaticalmente possíveis.

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O ser do homem 180 teve que ser reduzido a esta pobreza absoluta a fim de que fizesse nascer de si a sua riqueza interior. (Sobre a categoria do ter cf. Hess nos “21 Bogen” m .)

A superação da propriedade privada é por conseguinte a emanci­pação completa de todas as propriedades 132 e sentidos humanos; mas ela é esta emancipação exatamente pelo fato de estes sentidos e proprie­dades terem se tornado humanos, tanto subjetiva quanto objetivamente. O olho se tornou olho humano, assim como o seu objeto se tornou um objeto social, humano, proveniente do homem para o homem. Por con­seguinte, imediatamente em sua práxis os sentidos se tornaram teoriza- dores. Relacionam-se com a coisa / /S a c h e / / por amor à coisa, mas a coisa mesma é um comportamento humano objetivo perante si mesma e perante o homem * e inversamente. A necessidade ^ B e d ü rfn is^ ou a fruição perderam por isso a sua natureza egoísta e a natureza a sua mera utilidade flN ü tz lich k e it/f ao ter a utilidade / /N u tz e n // se tor­nado utilidade humana.

Da mesma maneira os sentidos e a fruição dos outros homens .se tornaram a minha própria apropriação. Afora estes órgãos imediatos formam-se por conseguinte órgãos sociais na forma da sociedade, logo, por exemplo, a atividade imediatamente em sociedade com outros etc. se tornou um órgão da minha manifestação de vida e um modo de apro­priação da vida humana.

Compreende-se que o olho humano frui diversamente que o / / o lh o ^ rudimentar, não humano, o ouvido humano diversamente que o ouvido rudimentar, etc.

* Praticamente só posso me relacionar humanamente c o m 133 a coisa ^ S a c fr e ^ se a coisa se relaciona humanamente com o homem.

130 Aqui “das menschliche Wesen” significa tanto “ser humano” quanto ‘̂ essência hum ana”.131 No seu texto “Filosofia da ação”, em Einundzwanzig Bogen aus .der^Schw eiz, primeira parte. Zürich e W interthur, 1843, p. 329, Moses Hess escreve: “É pre­cisamente a ânsia de ser, a saber, a ânsia de continuar existindo como individuali­dade determinada, como eu limitado, como ente finito — que leva à ganância 131a. Por sua vez é a negação de toda determinidade, o eu abstrato e o comunismo abstrato, a conseqüência da ‘coisa em si’ vazia, do criticismo e da revolução, do dever-ser insatisfeito, que levou ao Ser / / S e i n / / e ao Ter. Assim verbos auxiliares se tornaram substantivos”. (N. do ed. al.)í s i a Paralelismo entre “ Seinsucht" = “ânsia de ser " e “ H absucht" — "ganância”, literalmente “ânsia de ter”.132 “Eigenschaften”, ou seja, “propriedades” no sentido de “atributos”, “qualidades”. Nossa tradução se atém ao paralelismo etimológico com “eigen” = “próprio” (cf. nota 22).3 33 Aqui relação entre “Verhalten” = “comportam ento” no texto e o verbo “sich verhalten zu” na nota, que pode ser traduzido tanto por “relacionar-se com” quanto por “comportar-se perante”. Cf. nota 20.

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O que vimos. O homem só não se perde em seu objeto quando este se lhe torna objeto humano ou homem objetivo. Isto só é possível quando o objeto se lhe tom a ser social ^gesellschaftliches W esen,/, tal como a sociedade //%& to rn a // essência ,/W esen / / para ele neste objeto.

Por conseguinte, quando para o homem em sociedade a realidade efetiva objetiva se torna em toda parte de um lado realidade efetiva das potências essenciais 134 do homem, realidade efetiva humana e por isso realidade efetiva das suas próprias potências essenciais, todos os objetos se lhe tomam a objetivaçâo de si mesmo, / / s t lhe to rn am ,/ os objetos que realizam efetivamente e confirmam a sua individualidade, objetos seus, ou seja, ele mesmo se torna objeto. Como se lhe tornam seus depende da natureza do objeto e da natureza da potência essencial que corresponde àquela-, pois precisamente a determinidade desta relação forma o modo efetivamente real, particular da afirmação. Ao olho um objeto se torna diferente do que ao ouvido, e o objeto do olho é um outro do que o do ouvido. A peculiaridade de cada potência essencial é exatamente a sua essência peculiar, portanto também o modo peculiar da sua objetivaçâo, do seu Ser //S em / / vivo, objetivamente efetivo 135.

V III Não só no pensar, por conseguinte, mas com todos os sentidos o homem é afirmado no mundo objetivo.

Por outro lado, tomado subjetivamente: assim como primeiro a música desperta o sentido musical do homem, assim como para o ouvido não musical a mais bela música não tem nenhum sentido, [não] é objeto, porque o meu objeto só pode ser a confirmação de uma das minhas potências essenciais, portanto só pode ser para mim da maneira como a minha potência essencial é para si como capacidade subjetiva porque o sentido de um objeto para mim (só tem sentido para um sentido que lhe corresponda) vai exatamente até o ponto em que vai o meu sentido, é por isto que os sentidos do homem social são sentidos outros do que os não-social; é primeiro pela riqueza objetivamente desdobrada da essên­cia humana que é em parte cultivada e em parte engendrada a riqueza da sensibilidade humana subjetiva, um ouvido musical, um olho para a beleza da forma, em suma, , /s ã o em parte cultivados e em parte engendrados,/ primeiramente sentidos capazes de fruições humanas, sen­tidos que se confirmam como potências essenciais humanas. Pois não só os 5 sentidos, mas também os assim chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (vontade, amor, etc.), numa palavra o sentido humano,

534 Em alemão: “Wesenskrâfte”. “Wesen” aqui no sentido forte de “ser/essência”. “Kraft” significa literalmente “força”, mas alguns contextos aproximam o sentido de “faculdade” (por exemplo, “de conhecer”, “de sentir”) ao invés do de “capa­cidade”. Nossa tradução pretende conciliar ambos os significados.135 Para “gegenstàndlich-wirklichen" também é, possível “objetivo-efetivo” ou “obje- tivo-efetivamente real”.

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a humanidade dos sentidos vem primeiro a ser / / wird e r s t/ / pela exis­tência do seu objeto, pela natureza humanizada. A formação dos 5 sen­tidos é um trabalho de toda a história universal até agora. O sentido preso à necessidade prática rudimentar também só tem um sentido limi­tado. } Para o homem esfomeado não existe a forma humana do alimento, mas apenas a sua existência abstrata como alimento; poderia muito bem estar aí na forma mais crua, e não há como dizer em que esta atividade de alimentar-se se distinguiria da atividade animal de alimentar-se. O ho­mem carente / /d e r bedürftige M ensch,/, cheio de preocupações, não tem sentido algum 138 para o mais belo espetáculo; o varejista de minerais só vê o valor mercantil do mineral, mas não a sua beleza e natureza peculiar; ele não tem sentido mineralógico algum; portanto a objetivaçâo da essência humana, sob o aspecto tanto teórico quanto prático, é requerida 137 tanto para fazer humanos os sentidos do homem quanto para criar o sentido humano correspondente à riqueza inteira do ser ,/W e se n // natural e humano.

{Assim como pelo movimento da propriedade privada e da sua Rique­za tanto quanto / /d a s u a // miséria — da riqueza e miséria materiais e espirituais — a sociedade que está se constituindo 138 encontra aí todo o material para esta formação, assim a sociedade constituída produz como a sua realidade efetiva constante o homem nesta riqueza inteira da sua essência, o homem rico provido de todos os sentidos em pro­fundidade.— } Vê-se como é primeiro num estado social que subjeti- vismo e objetivismo,. espiritualismo e materialismo, atividade e sofri­mento 139 perdem a sua oposição e com isso a sua existência como tais oposições; {vê-se como a solução das oposições teóricas é ela mesma possível só de uma maneira prática, só pela energia prática do homem e / / c o m o / / por conseguinte a sua solução de maneira alguma é só uma tarefa do conhecimento, mas uma tarefa efetivamente real de vida que a filosofia não pôde resolver precisamente porque a tomou como tarefa apenas teórica. —

Vê-se como a história da indústria e a existência objetiva consti­tuída 140 da indústria é o livro aberto das potências essenciais do homem,

136 Traduzimos literalmente a expressão coloquial “keinen Sínn haben für”, cujo sentido se aproxima de “não ser capaz de perceber”, “não ter sensibilidade para”.137 A expressão “gehõrt dazu” significa literalmente “pertence para” no sentido de “faz parte de”, “é constitutivo de”.138 Em alemão: “werdende Gesellschaft”. O verbo alemão “werden”, que significa “tornar-se” ou “vir a ser” (cf. nota 101), aparece aqui como um gerúndio adjetivo e logo a seguir como um particípio adjetivo. Nossa versão tenta apenas captar aproximadamente o seu sentido aqui.139 “Leiden”, do qual se forma “Leidenschaft” = “paixão”, o que estabelece proximidade com “passividade”. Cf. nota 128.140 Em alemão: “gewordenes Dasein”, literalmente “existência que veio a ser”, “existência que terminou o seu devir”. Cf. nota 138.

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a psicologia humana presente sensorialmente, a qual até agora não foi tomada em sua interconexão com a essência do homem, mas sempre apenas numa referência ^B eziehung^7 exterior de utilidade, pois só se sabia — movendo-se no âmbito da alienação — tomar a existência geral do homem, / / { / / & religião, ou a história em sua essência 141 abstrata-

IX -geral como política, arte, literatura, z \ c . / / ) / / como realidade efetiva das potências essenciais do homem e como atos genéricos do homem 142. Na indústria material costumeira (— que se pode igualmente tomar tanto como uma parte daquele movimento geral quanto tomar ela mesma como uma parte particular da indústria, já que toda a atividade humana foi até agora trabalho, portanto indústria, atividade alienada de si mesma— ) temos diante de nós as potências essenciais objetivadas do homem sob a forma de objetos úteis, alheios, sensoriais, sob a forma da alienação. Uma Psicologia para a qual está fechado este livro, portanto exatamente a parte da história mais presente e mais acessível aos sentidos, não pode se tornar uma ciência real u:l e efetivamente plena de conteúdo.} Poiso que é que se deve em geral pensar de uma ciência que abstrai elegan­temente desta grande parte do trabalho humano e que não sente em si mesma a sua incompletude, enquanto uma assim espraiada riqueza da atuação humana nada lhe diz senão, quem sabe, o que se pode dizer numa palavra: “necessidade / / Bediirfnis/ /" , “necessidade com um !”? — As ciências naturais desenvolveram uma atividade enorme e se apropria­ram um material sempre crescente. Entrementes a filosofia lhes ficou tão alheia quanto elas ficaram alheias à filosofia. A união momentânea era só uma ilusão fantasiosa. Havia a vontade, mas faltava a capacidade. Mesmo a historiografia só de passagem leva em consideração a ciência natural como momento de esclarecimento 144, utilidade, de grandes desco­bertas individuais. Mas de maneira tão mais prática a ciência natural interveio na e transformou a vida humana mediante a indústria, prepa­rando a emancipação humana por mais que imediatamente tivesse que completar a desumanização. A indústria é a relação histórica efetiva­mente real da natureza e por conseguinte da ciência natural com o ho­mem; se for portanto tomada como desvelamento exotérico das potências essenciais do homem, então também será entendida a essência humana da natureza ou a essência natural do homem, a ciência natural perdendo por conseguinte a sua orientação abstratamente material ou antes idea­lista e se tornando a base da ciência humana tal como já agora — se bem que em figura alienada — se tornou a base da vida efetivamente

141 Também possível “ser”. Sobre “Wesen” cf. notas 12 e 30.14- A expressão “menschliche Gattungsakte" também pode ser traduzida por “atos do gênero humano", guardando relação com “gerar". Cf. nota 98.143 Uma “reelle Wissenschaft” é uma ciência que tem como objeto um conteúdo distinto do puro pensar, portanto algo que aparece como coisa.144 “Aufklárung” designa tanto “esclarecimento" no sentido usual quanto o movi­mento surgido no século XVIII e conhecido entre nós por “Iluminismo”.

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humana, e uma outra base para a vida, uma outra / ' b a s e / ' para a ciência é de antemão uma mentira. {A natureza que vem a ser 145 na história humana — o ato de surgimento da sociedade humana — é a natureza efetivamente real do homem, por isso a natureza tal qual vem a ser pela indústria, se bem que em figura alienada, é a natureza antro­pológica verdadeira. — } A sensorialidade (ver Feuerbach) tem que ser a base de toda a ciência. Só quando esta parte daquela na dupla figura tanto da consciência sensorial quanto da necessidade /^B edürfn is// sen- sorial — portanto só quando a ciência parte da natureza — ela é ciência efetivamente real. Para que o “homem" se torne objeto da consciência sensorial e a necessidade do “homem enquanto homem” / / s e tom e/ / necessidade //B ed ü rfn is //, para tanto a história inteira é a história pre­parativa / / a h istó ria // do desenvolvimento 148. A história mesma é uma parte efetivamente real da história natural, da natureza se tornando homem I47. Mais tarde tanto a ciência natural subsumirá sob si a ciência do homem quanto a ciência do homem ^subsum irá sob s i / ' a ciência natural: haverá uma ciência. t

X O homem é o objeto imediato da ciência natural; pois a naturezasensorial imediata para o homem é imediatamente a sensorialidade hu­mana (uma expressão idêntica), imediatamente como o outro homem presente sensorialmente para ele; pois é primeiro pelo outro homem que a sua própria sensorialidade é como sensorialidade humana para ele mesmo. Mas a natureza é o objeto imediato da ciência do homem. O primeiro objeto do homem — o homem — é natureza, sensorialidade, e as potências essenciais sensoriais particulares do homem, tal como / 'p o d em encontrar// a sua realização efetiva objetiva só em objetos naturais, podem encontrar o seu autoconhecimento apenas na ciência do ser natural / /d e s N aturwesens// em geral. O elemento do pensar mesmo, o elemento da manifestação de vida do pensamento, a linguagem é de natureza sensorial. A realidade efetiva social da natureza e a ciên­cia humana da natureza ou a ciência natural do homem são expressões idênticas. — {Vê-se como no lugar da riqueza e miséria econômico- -políticas entra o homem rico e a necessidade /'B ed ü rfn is ,/ ' humana rica. O homem rico é simultaneamente o homem necessitado de uma totalidade da manifestação humana de vida. O homem no qual a sua própria realização efetiva existe como necessidade ,/N otw endigkeit,/ interior, como carência 14S. Não só a riqueza, também a pobreza do ho-

145 A expressão “werdende Natur” também pode ser traduzida por “natureza que está se tornando”, “natureza que está em devir”. Sobre “werden” cf. nota 101.148 No manuscrito, “do desenvolvimento” está escrito logo acima de “história pre­parativa”. (N. do ed. al.)147 Em alemão: “des Werdens der Natur zum Menschen”, literalmente “do devir (ou vir a ser) da natureza / / s e to r n a r / o homem”.148 “Not” significa literalmente “miséria”, “estado de estar absolutamente necessi­tado”. Interpretamo-lo como "Bedürfnis”. Cf. notas 35 e 49.

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mem recebe em igual medida — sob o pressuposto do socialismo — um significado humano e por conseguinte social. A pobreza é o elo passivo que faz com que o homem sinta como necessidade a maior riqueza, o outro homem. A dominação da essência objetiva em mim, a irrupção sensorial da minha atividade essencial é a paixão, que com isto se torna a atividade da minha essência149. — }

5. Um ser primeiro se considera 150 como autônomo tão logo ande sobre os próprios pés, e só anda sobre os seus próprios pés tão logo deva a sua existência a si mesmo. Um homem que vive das graças de um outro se considera como um ser dependente. Mas eu vivo completa­mente das graças de um outro quando lhe devo não só a manutenção da minha vida, mas quando ele além disso ainda criou a minha vida, quando é a fonte da minha vida, e a minha vida tem necessariamente uma tal razão fora dela quando não é a minha própria criação. Por conseguinte, a criação é uma representação ^V o rs te llu n g // muito difícil de desalojar da consciência do povo. O Ser-por-si-mesmo 151 da natu­reza e do homem lhe é inconcebível por contradizer todas as palpabili- dades da vida prática.

A criação da Terra recebeu um golpe violento da Geognosia, isto é, da ciência que expõe a formação da Terra, o devir da Terra, como um processo, como auto-engendramento. A generatio aequivoca / / geração espon tânea/' é a única refutação prática da teoria da criação.

Ora, é fácil dizer ao indivíduo singular o que já diz Aristóteles: foste gerado por teu pai e tua mãe, portanto em ti o acasalamento 152 de dois seres hum anos153, logo um ato genérico 154 do ser humano, produziu o ser humano. Vês portanto que também fisicamente o ser humano deve a sua existência ao ser humano. Não tens portanto que manter em mira só um dos lados, a progressão infinita segundo a qual continuas perguntando: quem gerou o meu pai, quem o seu avô, etc.? Também tens que te fixar no movimento circular sensorialmente intuível naquela progressão, segundo o qual o ser humano repete a si mesmo na geração, o ser humano permanecendo portanto sempre sujeito. Só que responderás: concedendo-te este movimento - circular, concede-me tu a progressão que sempre me leva a continuar até que eu pergunte

149 Nesta frase todas as ocorrências de “Wesen” também admitem tradução por “ser”.180 Em alemão: “gilt sich”, literalmente “se vale”, “vale para si”.151 Em “Durchsichselbstsein” ocorre a substantivação do verbo “ser” (cf. nota 111).152 “Begattung” = “acasalamento”, “união sexual”, mantém uma série de ligações com termos importantes usados por Marx nestes textos. Cf. notas 38, 98 e 142 e respectivas passagens no texto.

Cf. nota 96.154 Duplo sentido de “Gattungsakt”, o de “ato genérico” ou “ato do gênero” e o de “afo de gerar” ou “ato de acasalar-se”.

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quem gerou o primeiro ser humano e a natureza em geral? Só posso te responder: a tua pergunta é ela mesma um produto da abstração. Pergunta-te como chegas àquela pergunta; pergunta-te se a tua pergunta não acontece a partir de um ponto de vista ao qual eu não posso res­ponder porque ele é um A ponto de vista a o / ' avesso 1BB? Pergunta-te se aquela progressão como tal existe para um pensar racional? Se per­guntas pela criação da natureza e do ser humano, então abstrais por conseguinte do ser humano e da natureza. Tu os pões como não-sendo e ainda assim queres que eu te os prove como sendo 156. Agora eu te digo: se abrires mão da tua abstração também abrirás mão da tua per­gunta ou, se quiseres manter a tua abstração, seja então conseqüente,

XI e se pensas o ser humano e a natureza como não-sendo 15T, então pensa a ti mesmo como não-sendo, tu que também és natureza e ser humano. Não penses, não me perguntes, pois tão logo pensas e perguntas a tua abstração do Ser / 'S e i n / ' da natureza e do homem não tem sentido. Ou és um tal egoísta que pões tudo como nada e queres tu mesmo, ser?

Podes me retrucar: não quero pôr o nada da natureza, etc.; te pergunto pelo ato de surgimento dela, assim como pergunto o anatomista pelas formações dos ossos, etc.

Mas na medida em que para o homem socialista a inteira assim chamada história universal nada mais é senão o engendramento do ho­mem pelo trabalho humano, o devir da natureza para o homem, então ele tem a prova intuitiva, irresistível do seu nascimento por si mesmo, do seu processo de surgimento. Na medida em que o fato do homem e da natureza serem essencialm ente158, na medida em que o homem se tornou prática e sensorialmente intuível para o homem como existência da natureza e a natureza / 's e tornou prática e sensorialmente in tu ív e l/1 para o homem como existência do homem, tornou-se praticamente impos­sível a pergunta por um ser alheio, por um ser acima da natureza e do homem — uma pergunta que inclui a confissão da inessencialidade da natureza e do homem. Como negação 159 desta inessencialidade o ateísmo não tem mais sentido, pois o ateísmó é uma negação do Deus e através desta negação põe a existência do homem', mas o socialismo como socialismo não precisa mais de uma tal mediação; ele começa //%.

155 O adjetivo “verkehrt” significa coloquialmente “errado”, “errôneo”, mas pro­priamente “invertido”, “avesso”.156 Formas gerundivas do verbo “ser”, “seiend” e “nichtseiend”.1 57 O obscuro passus “und wenn du den Menschen und die Natur ais nichtseiend denkend, . . . denkst” seria literalmente “e se tu pensas o homem e a natureza como pensando (?) não-sendo”.158 Traduzimos “Wesenhaftigkeit” por “o fato de ser essencialmente”.159 “Leugnung”, ou seja, “negação” no sentido de “recusa em admitir”. N o res­tante do . texto ocorre “Negation” = “negação lógica”.

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p a r t i r / ' da consciência teórica e praticamente sensorial do homem e da natureza como //& //& essência 18°. Ele é autoconsciência positiva do homem não mais mediada pela superação da religião, tal como a vida efetivamente real é realidade efetiva positiva do homem não mais mediada pela superação da propriedade privada, pelo comunismo. O comunismo é a posição como negação da negação, por isto o momento efetivamente real, necessário para o desenvolvimento histórico seguinte, da emancipação e recuperação humanas. O comunismo é a figura neces­sária e o princípio dinâmico do futuro próximo, mas o comunismo não é como tal a meta do desenvolvimento humano — a figura da sociedade humana. — XI

160 Também possível “ser”. Cf. notas 12 e 30.