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INTEGRAÇÃO REGIONAL E DEFESA: O CASO DA UNASUL
Ana Paula Moreira Rodriguez Leite1
Thauan Santos2
RESUMO
Defesa e segurança são áreas tradicionalmente relacionadas aos temas da high politics,
sobretudo se consideradas a abordagem mainstream das relações internacionais (RI). Nesse
contexto, a agenda internacional acaba (de)limitada pelos conceitos de soberania e fronteira: o
primeiro demarca a lógica estadocêntrica; o segundo, por sua vez, reforça o estadocentrismo,
na medida em que as fronteiras correspondem ao locus de divisão dos Estados-nação no sistema
internacional (SI).
Os temas da alta política, por serem considerados mais sensíveis, sofrem ainda mais com esse
viés estadocêntrico, o que limita o espaço de políticas e estratégias possíveis no cenário
internacional. No entanto, dada a natureza dinâmica dos conflitos e a ampliação do conceito de
defesa e segurança, a abordagem regional de defesa tem ganhado relevância nos mais diferentes
contextos e continentes.
Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo destacar a relação entre integração
regional e defesa. Para tal, será analisado o caso da União de Nações Sul-Americanas
(UNASUL), particularmente o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS). Diferentemente da
maioria dos estudos acerca do tema da integração regional, será destacada a geopolítica da
América do Sul, que sofre com conflitos territoriais de abrangência regional.
Pretendemos, assim, evidenciar os limites epistemológicos das RI no que se refere aos estudos
regionais de defesa. Portanto, avalia-se a evolução (i) teórica capaz de incorporar arranjos e
iniciativas regionais de defesa; e (ii) do CDS nos seus dez anos de existência. Essa análise se
justifica pela sua importância e urgência, sobretudo se considerarmos a conjuntura regional da
América do Sul.
Palavras-chave: UNASUL. Integração Regional. Conselho de Defesa Sul-Americano. Defesa.
América do Sul.
1 Doutora, História Comparada (PPGHC7UFRJ), Pesquisadora do Laboratório de Simulações e Cenários da Escola
de Guerra Naval (LSC/EGN), [email protected]. 2 Doutor, Planejamento Energético (PPE/COPPE/UFRJ), Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em
Estudos Marítimo das Escola de Guerra Naval (PPGEM/EGN), [email protected].
2
INTRODUÇÃO
O presente artigo problematiza a abordagem mainstream das Relações Internacionais
(RI) relativamente aos temas de segurança e defesa. Apresentando as limitações da abordagem
estadocêntrica, avaliamos o caso da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) para
evidenciar os benefícios associados à perspectiva regional para os temas em questão.
Dessa maneira, a primeira seção faz uma análise crítica da evolução das Teorias das
Relações Internacionais (TRI), focando na questão da defesa. Conforme será discutido, a
natureza do tema em questão leva a maior resistência às abordagens regionais, dado o foco
nacional que protagoniza o debate.
A segunda subseção traz em seu título um questionamento: seria a UNASUL uma
comunidade de segurança que atingiu o estágio de um Complexo Regional de Segurança (CRS)
pós inserção do CDS? A partir desse questionamento, analisaremos a trajetória da UNASUL
como uma organização internacional voltada para a cooperação regional.
Arquitetada sob o protagonismo brasileiro de sua política externa – que visava a se
projetar internacionalmente a partir do cenário regional –, a UNASUL traduziu a ampliação das
capacidades de integração ao buscar aproximação identitária com seu entorno estratégico.
Inicialmente, a identidade seria forjada em princípios históricos que os aproximavam.
Porém, a conclusão da construção de uma identidade efetivou-se meses mais tarde de
sua criação com a inserção do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS). Objeções
colombianas acerca das questões de segurança e defesa fizeram postergar a formação do
Conselho, de forma que houve um período de negociações para que este se formasse. A partir
da formação do CDS, a UNASUL surge como uma comunidade de segurança em vias de
formação de um CRS, visto que estaria prevista uma união de capacidades militares a fim de
eliminar ameaças comuns aos membros.
1. DESENVOLVIMENTO
1.1.Segurança, Defesa e TRI
3
Com frequência, associa-se o surgimento da disciplina de Relações Internacionais (RI)
ao ano de 1919, quando foi criada a primeira cátedra de política internacional na University of
Wales (Reino Unido). O contexto histórico do final da I Guerra Mundial (I GM), dessa maneira,
acaba se tornando decisivo na definição dos temas prioritários a serem discutidos na disciplina;
nesse sentido, segurança e defesa (nacionais) têm prioridade nesse primeiro momento –
constituindo a chamada high politics, ou seja, os temas considerados de maior relevância na
agenda internacional.
Não apenas o período histórico vem a ser definidor da agenda, mas a arquitetura do
sistema internacional (SI) baseada em Estados-nação será igualmente importante na definição
do método e do nível de análise. Por isso, “[s]ecurity has been and will be an essential
preoccupation of state leaders, at least until the division of the international system in states
remains in place” (LAŞAN, 2012, p. 39).
Eduard H. Carr (1939) atribuiu problema da segurança aos inevitáveis conflitos de
interesse que surgem entre os Estados que possuem diferentes recursos, sistemas econômicos e
ordens políticas. O autor critica a tradição idealista, que defendia que o direito internacional, a
opinião pública global e/ou as instituições (como a Liga das Nações) poderiam efetivamente
eliminar conflitos e insegurança entre estados.
De acordo com Walt (2010), para “realistas biológicos” como Maquiavel e,
especialmente, Hans J. Morgenthau (1948), a principal raiz de insegurança é a natureza humana
e, em particular, o desejo inato de poder do ser humano. Para o Morgenthau, há seis princípios
fundamentais do realismo político, dentre os quais destacamos: “o interesse dos Estados é
sempre configurado em termos de poder” e “o realismo parte do princípio de que seu conceito-
chave de interesse definido como poder constitui uma categoria objetiva que é universalmente
válida, mas não outorga a esse conceito um significado fixo e permanente”. Logo, percebe-se,
como indicado, o papel do poder e do Estado ficam evidentes na perspectiva do autor.
Por outro lado, os autores do realismo estrutural (ou neorrealismo) atribuem as causas
do problema da segurança à ordem internacional anárquica. Para eles, a ausência de uma
autoridade central levava a que os Estados enfrentassem um “dilema de segurança”, já que as
ações tomadas por um Estado para aumentar sua própria segurança tenderiam a deixar outro(s)
4
Estado(s) menos seguro(s) e pronto(s) para reagir, o que, por sua vez, levaria a maiores
suspeitas e, portanto, deixaria ambas as partes menos seguras do que antes (HERZ, 1950).
A relevância da estrutura anárquica, que constrange o comportamento dos atores, é
particularmente destacada por Kenneth N. Waltz (1979). Contudo, apesar das mudanças na
arquitetura do sistema internacional (SI) pós-Guerra Fria, destaca-se que a anarquia e o
estadocentrismo continuam protagonizando o SI, ainda que com algumas modificações. “No
theory of international politics emphasizes security more than neorealism, which posits it as
the primary motivation of states” (BALDWIN, 1997, p. 21)3. Contudo,
“[t]he impact of systemic pressures becomes even clearer in Mearsheimer’s
(2001) own elaboration of “offensive realism.” He explicitly assumes that
states are rational actors that seek to survive, possess some capacity to hurt
each other, and cannot know each other’s intentions with 100 percent
confidence. (…) Thus, offensive realism traces the security problem directly
to the anarchic condition of world politics and the “unknowability” of
intentions” (WALT, 2010).
Por sua vez, autores neoliberais enfatizam a importância das Organizações
Internacionais (OIs) em limitar o estado da anarquia em nível internacional e,
consequentemente, a incidência da guerra. Para esses autores, a paz e a segurança internacionais
podem ser asseguradas, por exemplo, por meio do direito internacional, das OIs, da integração
política e da democratização (LAŞAN, 2010). Dessa forma, há cooperação entre os Estados no
nível internacional, através das instituições, que constituem “persistent and connected set of
rules (formal and informal) that prescribe behavioral roles, constrain activity, and shape
expectations” (KEOHANE, 1989, p. 3).
Sendo assim, relativiza-se tanto o constrangimento estrutural imposto pela anarquia,
bem como a análise estadocêntrica, até porque os Estados não são mais os únicos atores
(considerados) no nível internacional. Portanto, os autores do neoliberalismo vislumbram a
interação regional, quando falam de cooperação, desde que haja interesses comuns. Nas
palavras de Keohane e Nye Jr. (1989, p. 38), “states have incentives to cooperate because they
3 “In anarchy, security is the highest end. Only if survival is assured can states seek such other goals as tranquility,
profit, and power” (WALTZ, 1979, p. 126).
5
seek to maximize absolute gains. As a result, cooperation is a common occurrence, not the rare
exception. Through institutions, states can solve collective action problems, that is, problems
that one state alone cannot solve”.
Protagonizando o debate entre neorrealismo e neoliberalismo (o famoso “debate neo-
neo”), os primeiros focam na questão da segurança e da guerra, enquanto os últimos focam na
cooperação e nas relações econômicas entre os Estados. Sendo assim, enquanto os primeiros
prezam por ganhos relativos, os últimos prezam por ganhos absolutos da cooperação
internacional4.
Considerando as limitações analíticas propostas por esse debate, no início da década de
1990 surge a alternativa construtivista5. No contexto do fim da Guerra Fria, a corrente teórica,
que possui diferentes abordagens, destaca, de maneira geral, a relevância da identidade, das
normas e dos fatores sociais, afirmando que “agents and structures [are]‘co-determined’ or
‘mutually constituted’ entities” (WENDT, 1987, p. 339). Portanto, segurança, anarquia e
soberania não seriam conceitos dados e/ou inquestionáveis, mas socialmente construídos.
Relativizando tais conceitos, torna-se possível rever o foco da política internacional
sobre temas de segurança e defesa. Além disso, o próprio destaque à identidade e à cultura
tornam mais viável a possibilidade da cooperação regional visando a fazer frente aos temas
comuns à própria região. Diferentes autores afirmam que a teoria é um middle ground entre
abordagens racionalistas e reflexivistas das RIs, bem como criticam a excessiva diversidade
metodológica, porém, novamente, o presente artigo não tem como objetivo debater TRI, mas
apresentar a compreensão de cada uma dessas teorias na questão da segurança/defesa
nacional/regional.
A interpretação da teoria marxista para os temas relacionados à segurança, à defesa e à
guerra é diretamente relacionada à própria natureza da estrutura do capitalismo global
4 Ambas as perspectivas teóricas consideram o sistema internacional anárquico, bem como os Estados como atores
unitários e racionais (LAŞAN, 2012). Apesar dessa semelhança, e da crítica do presente trabalho sobre o
estadocentrismo, nossa crítica se debruça especificamente sobre a dificuldade de se propor abordagens regionais
às questões de defesa e segurança regionais – devido a esse pressuposto; portanto, não se concentra no fato de a
análise se basear (apenas) em Estados unitários. Sem dúvidas, no entanto, a questão merece reflexão e crítica. 5 Destaca-se a contribuição já no final da década de 1980, de Nicholas Onuf (1989), “World of Our Making: Rules
and Rule in Social Theory and International Relations”.
6
(HOBDEN; WYN JONES, 2005). Assim como o construtivismo, existem diferentes
abordagens do marxismo aplicada à política internacional, como a do imperialismo (Vladimir
Lenin), da teoria da dependência (Raúl Prebisch) e do sistema-mundo (Immanuel Wallerstein).
A contribuição da Escola de Copenhague, por sua vez, é particularmente importante
quando se trata da pauta de segurança e de defesa. Tenho como base os trabalhos de Barry
Buzan (1983, 1997), acredita-se que a segurança deva incorporar temas para além das questões
militares clássicas6, sugerindo a securitização de determinados temas. Dessa forma, “[t]hey
evince a strong interest in the regional dynamics of security built on a premise that the post-
Cold War setting assumes a far ‘more regionalized character’ than was the reality prior to
this” (MALLAVARAPU, 2008, p. 46).
Os estudos críticos de segurança focam no como as relações e instituições existentes
surgiram e o que pode ser feito para modificá-las (BAYLIS, 2005). Alinhado à proposta deste
artigo, os Estados não são, na maioria das vezes, uma solução para o problema, mas uma parte
do mesmo. A crítica feminista, então, afirma que “[g]ender is intrinsic to the subject matter
and politics of security” (HUDSON, 2005, p. 156). No entanto, embora ambas as alternativas
teóricas proponham abordagens inovadoras (e necessárias), pode-se afirmar que têm suas
contribuições marginalizadas no debate das TIR e, particularmente, nas agendas de segurança
e defesa.
Com base nessa breve e sintética análise da evolução da contribuição das TRI no que se
refere única e exclusivamente ao debate sobre segurança e defesa, fica evidente a necessidade
de se revisar as análises clássicas, que apresenta(va)m uma abordagem estadocêntrica e,
portanto, nacional, racional e focada na questão militar. Hoje, “most scholars would agree that
the international system has experienced some kind of fundamental transformation” (TANG,
2010, p. 32).
Embora foque apenas no debate entre realismo ofensivo-defensivo, o autor enfatiza e
defende que cada uma dessas duas teorias explica um período da história humana, mas não o
todo, argumentando que “[d]ifferent grand theories of international politics are for different
6 Buzan (1983) identifica cinco domínios da segurança: militar, político, econômico, social e ambiental.
7
periods of international politics, and different epochs of international politics actually need
different grand theories of international politics” (Idem).
É inegável, portanto, que o debate contemporâneo sobre a temática da segurança e da
defesa não se limita, necessariamente, à abordagem nacional, mas considera a possibilidade de
alianças, o papel da diplomacia e a relevância das instituições. Sendo assim, a abordagem
regional progressivamente ganha espaço7. Nas palavras de Chari (2000, p. 50):
“(…) the narrow view of security does not reflect the realities underlying
national and regional security within the international system. (…) Apart
from that, the security implications of regional global problems associated
with overpopulation, such as, environmental degradation and resource
depletion, forced migrations, international terrorism, ascendancy of non-state
actors in drugs, arms, money-laundering and financial crime organizations;
and the growing linkages between governance and international security,
reflect the more complex verities of international security”.
Segundo Magalhães (2012), na contramão do estadocentrismo, a integração entre as
nações pode gerar uma comunidade política, cujo ápice se dá com a criação de uma comunidade
de segurança, primeiramente identificada por Karl Deutsch (1957), em “Political Community
and the North Atlantic Area”. Para o autor, o sentimento de pertencimento a uma cultura
comum é fator imprescindível para a existência de tal arranjo. Dito isto, os atores envolvidos
criam expectativas de reciprocidade o que configura o abandono de atitudes realistas e hostis
uns com os outros.
No contexto europeu, o surgimento de uma comunidade de segurança foi fundamental
para o aprofundamento político da integração regional o que viria a culminar no
compartilhamento de uma identidade comum. Dessa maneira, discussão acerca da Política
Comum de Segurança e Defesa (CSDP, sigla em inglês) desafia a validade de determinadas
teorias, enquanto caso empírico específico a ser analisado, pois a grande referência é a
segurança humana em contraposição aos interesses exclusivos dos Estados envolvidos.
7 Vale destacar, no entanto, que a conceituação da segurança em outros níveis além do Estado-nação não é nova;
já estava presente, por exemplo, na obra de Wolfers (1952), que reconheceu que a segurança também poderia ser
discutida em níveis mais altos e/ou mais baixos.
8
A CSDP, no entanto, significa um estágio subsequente da comunidade de segurança que
evoluiu para um Complexo Regional de Segurança, no qual “há um consenso na identificação
das ameaças e de sua natureza multidimensional e global” (LEITE, 2016, p. 82) e que poderão
ser eliminadas de forma conjunta dispondo de capacidades militares, inclusive.
No que se refere ao caso particular da América do Sul, Medeiros et al. (2016) fornecem
uma visão abrangente das RI na América do Sul (AS) realizando uma análise de conteúdo de
7.857 artigos publicados em 35 periódicos de seis países da AS entre 2006 e 2014, a fim de
descobrir quais são as teorias predominantes, os métodos e as áreas de pesquisa nesse campo.
Com base na pesquisa, constatou-se que a área de “Segurança Internacional, Estudos
Estratégicos e Política de Defesa” (34,81%) é a terceira mais discutida, atrás de “Instituições e
Regimes Internacionais” (51,48%) e “Integração Regional” (43,35%), respectivamente.
Além disso, vale destacar que a área de segurança e defesa foi a segunda área mais
importante para a Colômbia e a terceira para o Brasil, Chile e Uruguai. Relativamente às teorias
usadas nos trabalhos da área, protagonizam liberalismo (27,5%) e realismo (24,6%)8; já quanto
ao método, protagonizam análise de política externa (65,9%), análise qualitativa (16,6%) e
análise quantitativa (12,7%). “In absolute terms, ‘International Security, Strategic Studies and
Defense Policy’ is the area of research that most cites theories in general, meaning the
production on this topic is the least a-theoretical” (Ibid., p. 26).
Sendo assim, fica evidente que houve uma evolução da agenda de segurança e defesa,
ampliando e revendo conceitos, atores e perspectivas. Já tendo apresentado uma análise (e a
relevância) dos estudos da área nos países da AS (MEDEIROS et al., 2016), a subseção seguinte
tem como objetivo apresentar uma evolução histórica da UNASUL e do CDS, em particular,
sugerindo que o mesmo (assim como a CSDP) constitui um caso empírico que leva ao
questionamento conceitual do tratamento da questão por parte das TRI mainstream.
1.2. UNASUL e CDS: Complexo Regional de Segurança?
8 Conforme destacado pela análise das TRI já apresentada, as teorias do debate neo-neo protagonizam as discussões
da área.
9
Embora a política externa brasileira (PEB) tenha mudado seu referencial na busca por
uma maior autonomia, a partir da década de 1990, é no governo de Luís Inácio Lula da Silva
que houve o fortalecimento das relações multilaterais já existentes, como o Mercado Comum
do Sul (Mercosul), bem como da criação de novos arranjos que fomentassem uma maior
projeção regional. Essa nova estratégia incorporou na agenda diplomática “países similares em
todos os continentes e uma reaproximação dos países subdesenvolvidos, bem como a
manutenção de relações com os países desenvolvidos” (DA SILVA, 2015, p. 143-144).
Nos anos 2000, o Brasil se projetou no cenário internacional como país emergente e, a
partir de então, buscou parcerias no campo da diplomacia com países que até então estiveram
afastados das relações diplomáticas de governos anteriores. Os resultados econômicos
satisfatórios permitiram ao País empreender de forma bastante distinta para que seu escopo de
ação não estivesse voltado somente às questões econômicas. Exemplos bem-sucedidos são
percebidos na Cooperação Sul-Sul (CSS) que além da cooperação técnica “is also a political
project of emancipation, liberation, political and economic independence, of transcending the
unidirectional links with the North and vestiges of the colonial era” (GOSOVIC, 2016, p. 2)
Dentro da filosofia da CSS, o apoio às iniciativas multilaterais também era valorizado.
O fortalecimento da integração regional, começou a ser discutido na América do Sul, em grande
parte liderado pelo Brasil, que vislumbrava para a região a possibilidade de poder de barganha
e estabelecer uma contra-hegemonia diante de atores tradicionalmente mais fortalecidos nas
áreas econômicas, comerciais e da segurança internacional, em especial os EUA – precisamente
no que tangia à segurança hemisférica. Buscava-se, portanto, a projeção brasileira no cenário
sub-regional.
“A crescente erosão da legitimidade do modelo de segurança coletiva do
período anterior, confirmado por exemplos como a pouca efetividade do
Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), a Junta
Interamericana de Defesa (JID) e até a própria Organização dos Estados
Americanos (OEA), combinada a um crescente desengajamento dos EUA na
região (...), acabaram por consolidar um imaginário na América do Sul de
espaço geográfico possível e passível de desenvolver políticas mais
10
independentes, advindas de uma maior margem de autonomia” (FUCCILLE,
2018, p. 5).
Em maio de 2008, a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) foi criada a partir
da ideia de aprofundamento da integração entre doze países da América do Sul9 não somente
para atender demandas econômicas, mas para ampliar as capacidades regionais que pudessem
atuar nos setores energético, telecomunicações, ciência e da educação, por exemplo. Logo,
“there is no hegemonic model of regional integration and cooperation [in South America], but
rather a plurality of models that coexist and overlap” (BRICEÑO-RUIZ; HOFFMANN, 2015,
p. 1). Ademais, buscava-se uma aproximação identitária dos povos sul-americanos como forma
de superação de desafios comuns a serem coordenados no âmbito das políticas interestatais
baseadas em cooperação e na reciprocidade.
Em relação às questões de defesa, Abdul-Hak (2013) argumenta que havia grande
discussão em torno de uma cooperação militar regional desde 1999, embora não houvesse
consenso pelo fato de cada um dos membros entenderem ameaças a partir do próprio território.
O assunto era de grande interesse para todos os membros, ainda que não tivesse sido definido
à época da assinatura de Tratado Constitutivo da UNASUL, por oposição de Álvaro Uribe, da
Colômbia.
Seguiu-se um período de discussões e busca pelo consenso, sobretudo em relação à
Colômbia. Em dezembro do mesmo ano, na primeira reunião, abre-se a discussão sobre
segurança e defesa não mais voltados aos interesses dos Estados, mas buscando olhar para seu
entorno estratégico, visto que temáticas sobre o contrabando de ilícitos pelas fronteiras e o
combate ao crime organizado, por exemplo, eram de interesse comum. A busca pelo consenso
partia da retórica dos ganhos particulares a partir da acomodação de diversos interesses que
convergiriam em atuação comum abarcados pelo Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS).
Percebe-se, assim, que a temática passa a ganhar relevância e perspectiva regional, superando
a abordagem clássica para o tema.
A área de atuação da UNASUL, portanto, é ampliada, sobretudo no que diz respeito à
promoção da segurança humana baseada na busca do desenvolvimento social. Esse, na verdade
9 Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Uruguai, Suriname e Venezuela.
11
parece ser o fio retórico condutor para a construção de um sentimento sul-americano de
superação de problemas comuns, que, de acordo com Furtado (2007), trouxe uma consciência
regional. Contudo, é no âmbito da segurança e defesa que o objetivo de construção identitária
se consolida no âmbito da UNASUL com a criação do próprio CDS, que “é uma iniciativa
inovadora de cooperação militar na América do Sul. (...) [e] marca uma inflexão na tendência,
verificada durante a Guerra Fria, de estruturação da cooperação militar coletiva no Hemisfério
em torno dos EUA” (ABDUL-HAK, 2013, p. 19).
Dessa maneira, a construção de identidades foi incorporada nos principais documentos
de defesa brasileiros, a exemplo do(a): (i) Política Nacional de Defesa (PND); (ii) Estratégia
Nacional de Defesa (END); e (iii) Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN). Os dois primeiros
documentos “pavimentam o caminho para a construção da Defesa que o Brasil almeja”
(PND/END, 2012, p. 5) e destacam que a consolidação da UNASUL “poderá atenuar a tensão
entre o requisito da independência em produção de defesa e a necessidade de compensar custo
com escala, possibilitando o desenvolvimento da produção de defesa em conjunto com outros
países da região” (Ibid., p. 32)
Em relação às ações estratégicas da END, há destaque para a inserção internacional do
Brasil por meio da representação do Ministério da Defesa (MD) e demais ministérios em
diversos mecanismos de cooperação, “em fóruns internacionais relacionados com as questões
estratégicas, priorizando organismos regionais como o Conselho de Defesa Sul-Americano
(CDS) da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL)” (PND/END, 2012, p. 71).
O LBDN, abrange as atividades de defesa no Brasil. Tem o objetivo de tornar
transparente as atividades das Forças Armadas, de forma a prestar contas quanto à estrutura de
defesa, funcionar como instrumento de debate no Congresso, na burocracia federal, na
academia e na sociedade.10 Constitui um documento que visa dar grau de confiabilidade ao seu
entorno estratégico. Consta no Livro partes importantes que se referem à UNASUL afirmando:
“Na América do Sul, delineia-se uma clara tendência de cooperação em
matéria de defesa. Essa tendência tem sido constantemente reforçada desde a
10 Disponível em: https://www.defesa.gov.br/estado-e-defesa/livro-branco-de-defesa-nacional. Acesso em:
20/08/2018.
12
criação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e, especialmente, de
seu Conselho de Defesa (CDS). Vê-se surgir na América do Sul uma
“comunidade de segurança”, motivada pelo fato de os países vizinhos
compartilharem experiências históricas comuns, desafios de desenvolvimento
semelhantes e regimes democráticos, que facilitam a compreensão recíproca
e propiciam uma acomodação pacífica dos diversos interesses nacionais”
(LBDN, 2012, p. 33).
A partir da projeção internacional brasileira e seu pioneirismo em matéria de cooperação
e integração regionais, acabou que os países vizinhos ficaram receosos quanto às pretensões
brasileiras enquanto potência sub-regional. O estranhamento partia do pressuposto do
surgimento de uma forma de (sub)imperialismo alavancado pelo Brasil. Tal fato,
consequentemente, dificultava a questão da identidade em uma região na qual existiam
ressentimentos históricos em torno de disputas fronteiriças. A promoção dos documentos de
defesa, principalmente o LBDN, viria a trazer a transparência necessária dos objetivos
brasileiros de forma a dirimir desconfianças e se tornar “um instrumento para a solução pacífica de
controvérsias regionais, para a proteção da democracia na América do Sul, para o fortalecimento do
diálogo entre os Estados-membros e para a progressiva formação de uma base industrial de defesa sul-
americana” (Ibid., p. 37).
Ademais, o CDS avançou na socialização das práticas na formação dos Planos de Ação
e Cadernos de Defesa, do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (CEED) e de exercícios
combinados regionais. (WILLRICH; REZENDE, 2018, p. 109), portanto, podemos classificá-
lo como uma comunidade de segurança nos moldes pensados por Karl Deutsch. Muito embora
o CDS seja “pensado e entendido como conditio sine qua non à construção de uma vigorosa
comunidade de segurança ou, até mesmo, para a transformação do Complexo Regional de
Segurança – na linha proposta por Buzan e Wæver (2003)” (FUCCILLE, 2014, p. 4-5),
percebemos várias dissensões entre os países no que tange à utilização conjunta das capacidades
militares de forma a evidenciar uma prática adversa do que preza o CDS.
Conforme já destacado, Buzan e Wæver (2003) argumentam sobre a construção e a
percepção mútua de ameaças como fatores preponderantes para o entendimento de defesa
coletiva em uma determinada região, a qual denominaram de Complexo Regional de Segurança
13
(CRS). Os Estados envolvidos também devem ter a prerrogativa de defesa coletiva, em que
todos devem responder mutuamente às ameaças, inclusive unindo suas capacidades militares.
A percepção de ameaças, portanto, ocorre por meio de discursos de atores de influência,
de uma ameaça para o Estado e para a segurança internacional, que passa a ser aceita pela
sociedade (LEITE, 2016, p. 19). Seguindo ainda na linha de raciocínio de Buzan e Wæver,
quando os discursos são capazes de gerar a atuação dos Estados, inclusive militar, de forma a
eliminar tais ameaças, o tema em questão está securitizado. Logo, entende-se que a
securitização evidencia variáveis que ameaçam a segurança e se tornam perceptíveis ao corpo
social, gerando discursos midiáticos e políticos.
Tal perspectiva de transição da UNASUL de comunidade de segurança para um CRS
está longe de ser alcançada, pois a coordenação de um CRS se daria mediante arranjo
supranacional incompatível com o caráter intergovernamental dessa organização internacional
de cunho cooperativo, a exemplo do que ocorre na União Europeia (UE), “onde a
interdependência gerada pela integração permitiu às instituições a criação de políticas
comunitárias, pelas quais mantêm o compromisso de segurança mútua, organizadas pelo
processo de supranacionalidade” (LEITE, 2016, p. 65).
Uma das críticas feita em relação à UNASUL seria de que apesar de ser uma
comunidade de Estados, um aprofundamento político torna-se prejudicado pela ausência de tal
coordenação supranacional. Nesse sentido, o caráter intergovernamental, assim como no caso
do Mercosul, garante aos Estados o reordenamento de suas preferências e interesses nacionais,
o que abre espaço para o desgaste sofrido nos últimos anos. Ademais, não há, necessariamente,
um elemento que seja percebido como uma ameaça em comum e que, consequentemente,
demande uma atuação militar conjunta. Ainda que as questões sobre o tráfico de ilícitos, por
exemplo, nas fronteiras dos países seja uma variável real de vários países da região, ainda assim
a UNASUL não elaborou um mecanismo militar mútuo que pudesse eliminar tal ameaça.
1.3. Defesa na América do Sul e o balanço do decênio do CDS
14
Apesar das diferenças que durante muitos anos afastaram os países da América do Sul,
a partir do século XX, iniciaram-se discussões em torno de uma unidade regional, pelo menos
no que dizia respeito aos problemas de desenvolvimento econômico comuns. Porém, assuntos
associados às questões de defesa hemisférica encontravam-se dentro da esfera de atuação norte-
americana. Considerados pouco efetivos, conforme já mencionado, o Tratado Interamericano
de Assistência Recíproca (TIAR)11, a Junta Interamericana de Defesa (JID)12 e Organização
dos Estados Americanos (OEA)13 não respondiam às demandas da América do Sul.
Soma-se a isso o fato de que “novas prioridades por parte do Departamento de Estado
estadunidense pós-11 de setembro de 2001 acabaram por consolidar um imaginário na América
do Sul de espaço geográfico possível e passível de desenvolver políticas mais independentes,
advindas de uma maior margem de autonomia” (FUCCILLE, 2018, p. 5). A UNASUL buscou,
então, a redução dessa influência norte-americana a partir da criação de uma identidade de
defesa – incorporado aos documentos de defesa dos países – e que foi definido a partir da
inserção do CDS.
“o CDS poderia vir a cumprir diferentes desígnios, com todos tendo
eventualmente algo a ganhar: da perspectiva argentina interessava aglutinar
novos atores ao pleito de que “as Ilhas Malvinas são argentinas” (...) Paraguai
acossado por problemas internos que culminou no surgimento do grupo
guerrilheiro Exército do Povo Paraguaio (EPP); uma Venezuela que (...) o
enxergava como um importante instrumento para evitar o encapsulamento ou
até mesmo uma ação direta por parte dos EUA; (...) Bolívia e Equador, que
interessavam buscar garantias ante ações desestabilizadores do tipo que se
passou com e após o episódio de Angostura; para a Colômbia, (...)
possibilidade de um maior comprometimento e compreensão dos países
vizinhos com o flagelo do conflito interno vivido por este; o Peru e Chile (...)
buscavam reforçar a solução dos litígios por vias diplomáticas e
11 Assinado em 1947, tratava-se de um acordo de defesa hemisférica coletiva e tinha como objetivo principal
envolver seus signatários em ações de defesa, caso qualquer Estado americanos viesse ser atacado. 12 Criada em 1942, com o objetivo de prestar assessoria e ser órgão consultivo da OEA para assuntos militares e
defesa hemisférica. 13 Criada em 1948, constituiu-se como organismo regional dentro da ONU, com funções voltadas ao
desenvolvimento dos Estados. A partir da década de 1990, passou a se voltar para os assuntos relacionados à defesa
hemisférica.
15
eventualmente por meio de tribunais internacionais; ao norte Guiana e
Suriname enxergando uma possibilidade para o aprofundamento de sua
“sulamericanização” (...) Uruguai conseguia superar suas ressalvas a uma
preocupante colaboração militar mercosulina entre Brasil e Argentina que
causava grande desconforto em Montevidéu” (FUCCILLE, 2014, p. 8).
A conjuntura político-econômica sul-americana quando das negociações para a
UNASUL e, posteriormente, a criação do CDS, eram favoráveis na medida em que seus
principais pioneiros, Brasil e Argentina, buscavam mecanismos multilaterais para suas políticas
externas, bem como objetivavam maior aprofundamento da integração regional. Alguns países
como Chile, Peru e Colômbia, por possuírem acordos comerciais bilaterais com os EUA,
estavam impossibilitados de adentrar ao Mercosul, salvo como países associados. A UNASUL
seria, nesse sentido, uma solução para abarcar países em busca de objetivos comuns que não
faziam parte do universo estadunidense.
Porém, como argumentado por Fuccille (2018), a partir de 2009 vários interesses
distintos evidenciavam as dificuldades para o aprofundamento do CDS, entre eles: (i) diferença
nas concepções de segurança e defesa na região; (ii) assimetrias sociais, econômicas e militares
entre os países; (iii) posicionamento estatal distinto dos defendidos no âmbito da UNASUL,
que ficou evidenciado nas Conferências de Ministros de Defensa das Américas (CMDAs); e
(iv) não há referência nos documentos ao termo segurança multidimensional o que sugere a não
ingerência das forças armadas em assuntos de segurança pública. “Os países do subcontinente
parecem compartilhar determinados interesses e valores acerca da segurança e defesa regional
em que o papel das Forças Armadas deveria ficar restrito às ações de sua competência, não
atuando no âmbito de segurança pública” (Ibid., p. 11).
Um dos balanços positivos do CDS é atribuído ao seu teor consultivo quanto à
possibilidade de um reflorescimento da Base Industrial de Defesa (BID) da região, com
respaldo na Estratégia Nacional de Defesa (END) para atuação do Conselho de forma a ser o
principal promotor da cooperação militar e a integração das BID. Nesse sentido, e considerando
a discussão que foi levada a cabo na discussão teórica do presente artigo, passam a existir
maiores possibilidades de abordagens e análises regionais acerca da defesa e segurança na
América do Sul. Apesar da natureza particular dos temas considerados, seja pela transparência
16
e/ou sigilo das informações, projetos e estratégias, a UNASUL e o CDS, em particular,
permitiram que as questões próprias ao contexto sul-americano fossem mais facilmente
abordadas de maneira comum e transversal às fronteiras nacionais.
De acordo com Fuccille (2018), os principais motivos para a desestabilização da
UNASUL estariam vinculados às mudanças de ordenamentos políticos na América do Sul nos
últimos anos. É possível citar, por exemplo, (i) o cunho ideológico conservador; (ii) a retomada
recente de uma agenda neoliberal que, apesar de não exortar definitivamente os mecanismos
multilaterais, cria barreiras para o seu funcionamento eficiente do tratamento da questão diante
de uma ótica regional; e (iii) o posicionamento da nova política externa adotada pelos dois
principais promotores das iniciativas integracionistas e de cooperação na região, Brasil e
Argentina, está na contramão da cooperação multilateral e impregnado de questões ideológicas
que tendem a repelir parceiros importantes.
Contudo, a instabilidade tanto no Mercosul quanto da UNASUL, não teve sua causa nos
governos Macri e Temer; é, sobretudo, reflexo de rupturas políticas iniciadas com o
impeachment de Fernando Lugo, no Paraguai, seguido da sucessão presidencial na Venezuela,
a eleição argentina de Maurício Macri e o impeachment de Dilma Rousseff, no Brasil
(CADONÁ; DE OLIVEIRA, 2018; SANTOS et al., 2016; SANTOS et al., 2017). Sem dúvidas,
contudo, os últimos agravaram esse cenário, retirando qualquer prioridade dos projetos e das
políticas regionais.
O editorial do jornal Deutsch Welle, de agosto de 2018, traçou uma cronologia do
desmonte sofrido pela UNASUL, a partir do posicionamento do Brasil, Colômbia, Argentina,
Chile, Paraguai e Peru de suspender suas participações nas instâncias da UNASUL. Atentando-
se ao fato de não haver mais secretário-geral, desde 2017, finalizando até então, com a saída da
Colômbia – a mesma que causou impasse em relação ao CDS – sob argumento meramente
ideológico assumindo posicionamento contrário à permanência da Venezuela14.
Diante desses novos fatos, que ainda carecem de dados e informações para analisarmos
seus desdobramentos, cabe-nos, entretanto, considerar o sentimento de descrença sobre o futuro
14 Recentemente, em 27/08/2018, Iván Duque, atual presidente da Colômbia, anunciou que o país deixará a
UNASUL devido ao seu “silêncio e cumplicidade” com a “ditadura” de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela.
17
da integração regional na América do Sul. Se, por um lado, um dos grandes objetivos era a
migração de um modelo intergovernamental para outro supranacional, parece que este se perdeu
em seu caminho. A falta de maior fortalecimento institucional, portanto, corrobora para que os
Estados encarem os projetos integracionistas como políticas de governo em detrimento das de
Estado. Por outro, convém destacar que o sentimento de descrença quanto à integração regional
também se dá em outros contextos, como é o caso do Acordo de Livre Comércio da América
do Norte (NAFTA) e da União Europeia (UE), por exemplo.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de a análise da evolução (temporal e epistemológica) das Teorias das Relações
Internacionais (TRI) indicar que, progressivamente, novos atores e novas abordagens deveriam
ser levados em consideração, inclusive diante de uma perspectiva regional, o caso recente da
União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) nos faz questionar esse movimento. Ao
avaliarmos, particularmente, o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) na sua primeira
década de existência, percebemos que ainda que tenha contribuído para a evolução do debate
teórico e da implementação das políticas regionais de defesa, sua existência se encontra em
risco, sobretudo se considerarmos os últimos anos.
Nesse sentido, a discussão acerca da cooperação e da integração regionais em matéria
de defesa se encontra fragilizada, marginalizada e, portanto, fora da prioridade de parcela
significativa dos países da América do Sul. O recente movimento de retirada dos países15 da
UNASUL, quando da 8ª Cúpula das Américas (abril de 2018, em Lima, no Peru), bem como a
recente saída da Colômbia da União, destacam a necessidade de se retomar uma discussão séria
e comprometida acerca das instituições e dos atores responsáveis por recolocar o debate e,
igualmente, de destacar a relevância de abordagens e práticas regionais para fazer frente a temas
comuns à região, tanto do ponto de vista econômico quanto (geo)político.
15 Suspensão voluntária dos seguintes países: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru.
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